Sie sind auf Seite 1von 125

Francisco Falcon

Cr»rtrilxri(trcs cnr CiCrrckrs Srrciiús Gerson Moura


I
OUTROS TIiUH)S DA SÉRIE

CIDADANIA E JUSTIÇA
oI
fia
l,
A Política Social na Ordem Brasileira
Wanderley Cuilherme dos Santos

O GRANDE MEDO DE 1789


Os Camponeses e a Revolução Francesa
Georges Lefebvre
A ]'OHMACÂO
JORGE AMADO:POLITICA E LITERATURA
Um Estudo sobre a Trajetória lntelectual de Jorge Amado
Alfredo Wagner Bemo de Almeida
1
DOMUINO
-
o coRAÇÃo DA FÁBRTCA
Estudô de Caso entre Operários Têxteis
Vera Maria Candido Pereira
-
T3
Ê
IIN'IB]TIPOHÂN]O
8e EDrÇÃO REVTSADA
BURGUESIA E TRABALHO
-
a,
Política e lrgislação Social no Brasil 1917.1937 -
Angela Maria de Castro Gomes - ryl
- t-) LI
OS INDIOS E NÓS
I
Estudos sobre Sociedades Tribais Brasileiras
z J-
Anthony Seeger
-- tt
A GRANDE TRÀNSFORMAÇÃO = lhr-:

As Origens da Nossa Época


.t :t
Karl Polanyi )1
A CONSTRUÇÃO DA ORDEM :-
!

A Elite Pol ítica Imperial


José Murilo de Carvalho

üs

lsBN 85-7001-388-4 o EDITORA CAMPUS

il
AM
D0ntNDO

o DIRE'
4
100 ANos
coNvENçÃo 7(
É DEBERNA
ai
al
!a a
ta
lt t
18E6-r9E6
à A cR\
-l

Francisco Falcon
Prof. Titular e Uvre-Docente em História Modema da UFF
Prof. Associado do Dep. de História da PUC/RJ
Prof. Assistente do lnstituto de Filosofia e Ciênciu Sociais da UFRI

Gerson Moura
Pesquisador do CPDOC/FGV
Prof. do Dep. de História da PUC/RI

AM
DO IIIINDO
I
8e EDrÇÃO REVISADA

CONTRIBUIçÕES EM CIÉNCIAS SOCIAIS 9

Coordena$o
Ricardo Benzaquen de Araújo
CPDOC/FGV e PUC/RJ

I3o p
,= EDITORA CAMPUS LTD A,) t6.G ,
Rio de Janeiro-r;: b C..r-l
@ 1981, Editora Campus Ltda.
19tlÍ1, 53 Edição.
1985, 63 Edição.
1986, 7l Edição.
1986, 8i Edição.
Todos os direitos reservados e protegidos pela tei E9BS de 14t12t1973.
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais
Íorem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, ÍotogÉficos. gravação
ou quaisquer outros.
Capa
AG Programação Visual Ltda.
Proieto GráÍico, Composição e Revisão
Editora Campus Ltda.
Oualidade internacional a serviço do autor e do leitor nacional.
Rua Barão de ltapagipe 55 Rio Comprido
Tel.: (021)2848443 Telex (00038) 02Í-32606
20261 Rio de Janeiro RJ Brasil
Endereço Telegráfico: CAMPUS R lO
lsBN 85-7001-388-4

Ficha Catalográfica
P-Brasil. Catalogação-na-Íonte.
Cl
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Falcon, Francisco, 1933-


F172t A íormacão do mundo contemporâneo / Fmncisco Falcon,
8.ed. Gerson Moura.
- 8. ed. - Rio de Janeiro: Campus, 19g6.
(Contribuições em ciências sociais, g)
BibliograÍia.
tsBN 85-7001-388_4
1. História
_ contemporânea. 2. História moderna. l. Moura,
Gerson, 1939- ll. Título. lll. Série.
86-0960 cDD - 909.08
cDU - 908"19"
SUMARIO

PREFÁclo R ae rorçÃo REvtsADA, g

TNTRODUÇAO GERAL, 13

CAPÍTULO 1. A FASE Oe rOnUlçÃo DA SOCIEDADE LIBERÁL


1. AS ORIGENS DA SOCIEDADE LIBERAL, 27
1.1 A Evolução F conômica de 1760/80 a 1870/80 -
O Capitalismo Liberal ou "lndustrial", 28
I .2 A Evolução Social e Política de I 760/80 a 1870/80 -
A Sociedade Liberal, 45

CAPíTULO 2. A FASE DE EXPANSÃO DA SOCIEDADE LIBERAL


(1870/80 a l9lall8)
2. A E)(PANSÃO DA SOCIEDA.DE LIBERAL, Tl
2.1 A Evolução Econônuca - Capitalismo Monopolista e
ImperiaIismo, T2
2.2 A Nova Expansâo Colonial,84
2.3 A Evoluçâo Social e Política, I 19
PREFACIO A QUARTA EDIÇÃO
REVISADA

. A idéia de escrever este livro ocorreu-nos há uns dez anos, em fun'


ção de uma situação bastante especíÍica, e foi paÍa tentar solucroná-ia
que decidimos pôr mãos à obra. De fato, naquela época, quando apenas
estavafi começando as tentativas de úabiiizar os ciclos básicos como
efapa inicial dos cunos superiores, nós, professores da PUC-RJ, entende'
mos como um desafio a inclusâo. no Ciclo Básico dos cursos do Centro
de Ciências Sociais, da drscip lina intitulada "Hislória do Mundo Contem
porâneo". Desafio porque não se dispuúa, então, de nenhuma obra que
atendesse às finalidades de um curso de História Contemporânea de
caráter introdutório, abrangente mas não sobrecarregado de informações,
em condições de se constitulr numa reciclagem de conhecimentos, rnas
sem o compromisso de um aprofundamento exagerado que só viesse a
ter inteÍesse para o futuro estudante de }Itstóúa. Elaborado "a quatro
mãos", nosso trabalho foi, durante quase dois anos, utilizado sob a fomra
de apostilha, o que permitiu, a cada nova "tiragem", revêlo e adaPtáJo
às necessidades que iam surgindo da própria pÍáÍica, no trabalho de diver-
sos professores que o utilizávam em suas lurÍnas. Muitas passagens ou par-
tes inteiras foram então abandonadas, especialmente no corteço, sendo
substituídas pela atual "lnlrodução Geral". simples lembrete cuja finaií-
dade é apenas chamar a atençào para o fato de que, embora o livro se
inicie por volta de l'f60180, é forçoso não se perder de vista o período de
transição ou passagem do feudalismo ao capitalismo, entre os séculos
XVIXVI e XMII, tradicionalmente coúecido como ldade Moderna.
Como é natural, dada sua marca de origem, este é um livro com for-
tes tendências a se constituir num manual. E. num certo sentido, ele o é,

9
que desejem ter
lde fato. Neste nível, seu objetivo é satisfazer a todos os
'uma visão coerente e sistemática dos processos históricos mais signiÍicati-
jvos que maÍcarn a evolução do "mundo ocidental" desde as ultimas déca-
das do século XVIII até o ano de 1914. Tentamos, dentro desta perspec-
tiva, arücular, sempre que poss Ível, os e retativos e ex lica-

liyos aos de natureza meraÍflente informativa. Eútando o mais possivel


sobrecarregar estes últimos, o que talvez cause espécie a qtrantos o leiam
a partir de uma formação tradicionalmente calcada na üsão exclusiva-
mente factual da História, tivemos a preocupação de abordar os proble-
mas centrais que se colocam para uma análise do período, múto embora
conscientes de que seu aprofundamento teórico extrapolaria em múto
os interesses e mesmo as possibilidades atuais da maior parte do público
ao qual a obra se destina.
Tal público, o destinatário de nossa mensagem, é formado, estamos
certos, de dois grupos principars o dos alunos recém-che ados à universi-
dade e o dos estudantes qu€ estão terminando o 29 grau, ou freqüentan-
do os cursos vestrbulares. Estàs, às voltas com a preparação Pzua um exa-
me vestibular que inclui agora, pÍIÍa os candidatos a inúmeras carreiras,
uma prova "discursiva" de História, encontrarão aqú, com toda certeza,
uma orientação básica para a melhor estruturação de diversos pontos do
Íespectivo progrírma. Já os que necessitam de uma verdadeira reciclagem
poderão ler, ou reler, este livro como texto de apoio, de caÍáter inttodu'
tório, antes de encetarem a leitura de textos bem mais complexos e espe'
cializados. Mas existe também, conforme nossa experiência tem demons-
trado, uma espécie de pú-blico informal, seqúoso de informações sobre
uma história que é indispensável à melhor compreensão do mundo atual,
e que encontra nesta obra uma ori€ntação mínima, não sobrecarregada de
citações ou discussões mais ôu menos eruditas.
Se adotarmos uma perspectiva linear, o presente trabalho deveÍá
ser visto como o segundo momento de uma trilogia, cujo primeiro passo
seria o estudo do período de transição do feudalismo ao capitalismo, e cuja
terceira etapa, ou movimento, corresponderia a um trabalho, já iniciado,
relativo aos anos do sécu.lo atual que se estendem de 1914 até 1960 ou
1970. No entanto, fique bem claro que este volume possú uma unidade
própria, independente, até onde um liwo de História pode ser autônomo,
de outras explicações sobre a época que o pÍecede ou sobre a que lhe dá
prosseguimento, pois, se- não fosse assim é fácil compreender que todo li-
vro de Históía seria sempr% forçosamente, um estudo desde a Pré-Histó-
ria até os dias atuais

l0
A estÍutua geral desta obra é relativamente simples. Parümos da
diüsão em duas grandes fases ou etapas: a que corresponde à "Formação,
da Sociedade Liberal" e a que se pÍeocupa com a "Expansão" desta mes-
ma Sociedade. É bom frisar que, ao utilizarmm a noção de "sociedade",
estamos bem conscientes do seu caráter nitidamente ideológico e' por
conseguinte, de suas insuÍiciências teóricas. O mesmo pod€mos afirmar a
respeito de expressões como "capitalismo industrial" ou "sociedade do
Antigo Regime". Julgamos que seria melhor mnserváJas, pois uma maior
precisão ou sofisticação conc€itual correria o sério risco de se tornar
ininlelÍgível para a maior parte dosros leitores.
Na Prímeira Parte - A Fase de Formação da Sociedade Liberal - o
tema centÍal é o problema das origens do que a historiografia convencio'1
nou chamar de "sociedade liberal". Sabémos que, na realidade, não sel
trata de uÍna soci;ãã&;;;me mútas, cada qual com tais especifi'
j

cidades que apenas nos situando numa perspectiva bastante geral pode-
mos tratá-las como se fossem homogêneas. A diüsão em "evolução eco-
nômica" e "evolução social e pol ítica" constitü também um artifício
meramente didático, como todos sabem. Desejávamos unicamente pôr
em relevo as relações existentes entÍe o advento do sistema cap.italista e
as mudanças que tradicionalmente estâo associadas à noção de "revolu'
ção industrial" e, indo um pouco além, tentar ver alguma coisg sobre as
formas diferenciadas através das quais se deu concretamente o Proce§so
de ascensão do capitalismo e de industrialização de a.lgumas formações
sociais mais impoÍtaÍtes na história ocidental Ao nos referirrnos tÀmbém
às questões políticas e sociais, aí incluindo o que remote ao nível idedó-
gico, nossa intenção foi ofereccr um quadro mais amplo dos processos t
revolucionários que são geralmente coúecidos como revoluções liberais
ou revolugões democrático-bwguesas, de tal maÍleiÍa que a Revolução
Francesa, tida como seu paradigrna, fosse devidamente contextualizada
mas se projetasse também sobre o pano de fundo mais amplo do proces-
so revolucionário geral do penodo de t 760/80 até l870ll .
Na Segunda Parte, "Á Fase de Expansão da Sociedade Liberal",
perpassam, na verdade, duas idéias centrais: o apogeu do überalismo, em
termos políticos e enquainío úsãij'dô- iir-r-urdo, e a projefo imperialista e
colonizadora das principais potências câPitalistas sobre o resto do mrm'
do, notadamente sobre a Àia e a África. Simultaneamente, esta foi a
época em que se iniciou a passagem do úamado "liberalismo econômico
clássico", ao menos na prática, às formas monopolísticas associadas à
concentÍação do capital. Explica-se desse modo a grande atenção que foi

11
dada à expansão colonial, com ênfase no seu caráter "novo", isto é, dis'
tinto do colonialismo típico do chamado "antigo sistema colonial mer-
curtilista", próprio da ldade Modema. Finalmente, ao abordarmos as
caractentticas político-ideológicas ügentes no final do século passado,
bem como os principais problemas intemacionais, nosso intüto foi não
apenas caracterizar a traços largos alguns aspectos essenciais de uma épo-
ca, mas também deixar enunciados alguns dos problemas cuja verdadeira
explosão somente se efetivou ao findar a Primeira Guerra Mundial.
Sai a presente edição, a quarta, com algumas correções e com uma
revrsão de ca-ráter bastârte geral. Gostaríamos de aprofundar essa revisão,
pois, após que,se dez anos, estamos plenamente conscientes de que isto
seria o ideal. Todaüa, além do tempo que esta tarefa exigiria, seu resulta'
do seria provavelmente um outro üvro que, embora fiel à nossas preocu-
pações e perspecüvas mais atuais, estaria em dissonância com as necessi-
dades concretas do público que o tem prestigiado na sua forma atual.
Preferimos, assim, apenas retocáJo sem alterar-lhe as características bási-
cas, esperando que nossos leitores, através de suas crÍticas e sugestões,
contribuam para o seu aperfeiçoamento.

Os Autores

t2
INTRODUÇÃO GERAL

t. coNcEITUAÇÃO
Enquanto objeto de estudo, tlenominamos de "Mundo iontempo-
râneo" aá período histórico cujo marco inicial é a Primeira Guerra Mun'
verdâ-
dial. Este conflito assinala, ao mesmo tempo, os começos de uma
deira História Mundial, em conseqüência do desáantelamento de toda
uma estÍutura organizada em função da Europa capitalista e imperialista
e à sua imagem. Ao desmantelar-se a velha ordem, explodem as grandes
len-
crises do secdo XX, geradoras de novas estÍuturas e eqült'brios' cuja
ta definição só üria adqürir maior nitidez após 1945'
Um estudo do Mundo Contemporâneo, tomado assim em seu sen-
tido ma:s preciso, não pode prescindir, entÍetantoi de uma aná1ise do pe-
ríodo antedor. Durante esse perÍodo de v:írios séculos ocorreram as
traÍsformações que afrnal de contas deram origem a algumas das carac-
teÍísticas mais incisivas da época contempoÍânea' Dzí a razlo de ser deste
nosso estudo de Formação do Mundo Contemporâneo'
Ao período de formação do mundo contemporâneo correspondem
geralmenti várias denominações Toda uma tradição, por exemplo' habi'
Iuor-r" , intituláia de História Modema' Outros, porém, concentrando
capi-
a atenção no problema da passagem.da sociedade feudal àsociedade
ta.lista, preferãm utilizar a êxpressâo Era de Transição' Nessa transição
ori-
feudal -càpitalista, contudo, o que mais nos importa é a questão das
gens e eipansão do capitalismo, e não a sociedade de transição propria-
mente dita como um outÍo objeto de estudo Talvez por isso mesmo
a

idéia de "formação do mundo contemporâneo" trâduza melhor o nosso


objetivo. r

13
2. PERTODIZAÇÃO

O início do estudo histórico da Formação do Mundo Contemporâ-


neo não pode ser fixado arbitrariamente, atmvés de um seccionamento ao
acaso do continuum histórico, como o fazem certos historiadoÍes. Não
estamos à cata de "acontecimentos" ou .'datas-limite" ou mesmo de
"séculos", escolhidos de maneira aleatória e ..eleitos" para assinalar o
início disto ou o téÍmino daquilo. Isto seria apenas história factual _
évànementielle pior qualidade.
- e da

Tomando-se a história como o estudo da evolução das sociedades


humanas, "sociedades" no sentido amplo das viirias formações econômi-
co-sociais conhecidas, é fácil concluir que o início do período que aqui
nos interessa deverá coincidir com as primeiras transformações que leva_
rarn, em ütima instância, à estruturação das duas formas de sociedades
con temporôneas: a capitalistd e a
socialista.
Por outÍo lado, é eüdente que não se trata de buscar a origem das
"idéÍas" capitalistas e socia.listas. Desejamos, isto sim, focalízar realidades
históricas concretas, definidas em termos de formações econômicas e
sociais específicas. Desse modó é bastante claro que o problema do capi_
talismo - do modo de produção capitalista e da própria formação econô-
mica e social capitalista
- assurne aqü uma importância fundamen tal.
Atente-se para o fato de que é a partir do capitalismo, como sua nega-
ção, que o socialismo tendeu a ser estruturedo; isso, é claro, em termos
históricos müto gerais.
O capitalismo é, portanto, o nosso tema central. Assim sendo, é fá-
cil concluir que o início da Formação do Mundo Contemporáneo se
identifica com os primeiros sinais de desintegração do modo de produ_
ção anterior - feudal, no cílso - e o progressivo desenvolvimento das for-
mas constitutivas do seguinte. Daí a delimitação de duas gandes fases
históricas: l4) a fase de transição do feudalismo ao capitalismo e 29) a
fase do estabelecimento e expansão das sociedades capitalistas.
A fase de transição da sociedade feudal à capitalista corresponde à
fase final ou de "crise geral"
- do feudatismo, abrangendo crorràlogi"r-
-
mente o período dos seculos XIV/XV aos séculos XVIII/XX. Sob outro
ângulo pode-se dizer que esta é também.â fase em que aparecem as for-
mas históricas capitalistas, embora ainda sem o caráter dominante, o que
justificaria, até ceÍto ponto, a denominação de era pré-capitalista, ou, er-
roneamente, de "capitalismo comercial". Dela só iremos fazer rcferência,

14
breve, ao problema da acumulação primitiva do capital. Seu estudo mais
amplo fica reservado para outra ocasião.
A fase de estabelecimento e exPansão do capitahsmo corresponde
à estruturação da sociedade capitalista em todos os seus aspectos, com o
capitalismo como forma dominante, seguida de sua projegão dominadora
sobre extensas áreás do gtobo terestÍe. Ddaticamente, é costume distin-
guir nesta fase a existência de diversas etapas bem definidas:
l9 - a etapa de formação, quando teve lugar o processo de ascen-
são e estabelecimento das formas capitalistas e burguesas da sociedade li'
beral, cujos limites cronológicos vão de 1760/E0 até 1870/80;
. 2? - a etapa de expansão, quando se desenvolve o capitalismo mo-
nopolista e a expansão colonial imperialista, ao mesmo tempo que chega
ao seu apogeu a sociedade liberal na Europa e nas áreas do mundo por ela
influenciadas: são os anos de 1870/80 a l9l4/181
.3? - â etapa de crise, marcada pelos conflitos mundiais do século
XX, quando acontecimentos da maior imPoÍtância, tais como a Revolu'
ção Russa e os Fascismos, revel4m ou acentuarn as contradições e o declí'
nio da sociedade e do Estado liberal,
3. A TRANSIçÃO DO FETTDALISMO AO CAPITALISMO
Do apogeu da sociedade feudal na Europa Centro'Ocidental aos
começos da sociedade capitalista situa-se um período histórico que pode-
mos denominar como de transiçtío, Possuindo caÍacterísücas próprias'
específicas mesmo, esse período de transição feudal/capitalista tanto po'
de ser designado "fase find do feudalismo" como "era do capitalismo co'
mercial" e até mesmo "era mercantilista". Considerando-se as confusões
de natureza metodológica inerentes a estas duas últimas denominações,
apesar de sua larga utilizaç5o, e a ineústência de urna expressão que defi'
na com precisão o citado período, convencionamos denominá'lo de "era
pré+apitalista", embora conscientes dos defeitos também dessa expressão.
Nesta introdução geral iremos examinar as principais transforma-
ções da era pré-capitalista, ao nwel econômico, para bem compreender-
mos o período de formação do capitalismo.
A s pincipais transformações pré-capitalistas compreendem basica-
mente:
a) a acumúação de capital;
b) a liberação de mão-de'obral
c) os progressos da técnica aplicada à produção.

l5
o,) A acumulaçdo de capital
Na fase f,rnal do feudalismo, isto é, no seu periodo de transição, a
acumulaçâo de capital aparece sob inúmeras formas ou modalidades, to_
das elas, porém,ligadas por um aspecto comutn: o caúÍer pimitiyo dessa
acumulaçâo. De fato, se considerarmos que a acumulação (ou reprodu_
ção) capitalista pressupõe a existência do modo capitalista de produção,
faz-se necessário supor uma situação em que, não existindo ainda esse
modo de produção, não haja, conseqüentemen te, aquele tipo de acumula.
çâo. Em tal situação, por definição pré-capitalista, há certamente um pro_
cesso de acumulaçâo que, apesar de ser não-capitalista, é condição neces_
sária, embora náo suficiente, pÍua que se possa ter, ce«lo ou tarde, a pro_
dução e, conseqüentemen te, a acumulação capitalista propriamente dita.
A esta acumulação que se realiza fora e anteriormente ao sistema câpita-
lista convencionou-se denominar de ..acumúação primitiva do capiial",
que é e,\atamente a que aqui nos interessa.

"Se quisermos, portanto, obter algum sentido da noça-o de uma


acumulação primiriva arterior no tempo ao Ílorescimento com_.
pleto da produçaio capitalista, ela deverá ser interpretada, em
prtrneiro lugar, como uma acumulação d,e valores de capital
- de
títulos a bens existentes e que se acumulam primordialmente para
fins de especulação - e, em segundo, como acumulação em mãos
de uma classe que, em virtude de sua posição especial na socieda-
de, é capaz de transformar esses títulos guardados em meios reais
de produção. Em outras pa.lavras, quando se fala de acumulação
num sentido histórico, deve-se estar referindo à propiedatte de
bens e a üÍna, ftansferêncra de propriedade, e não à. quantidade de
iÍstr,umentos tangíveís de produção existentes..,'r

"... Algo zzals do que uma simples transferência se faz necessário,


existem motivos pelos quais o florescimento completo do capita-
lismo ndustrial exige não só uma transferência de t ítulos de
riqueza para as mãos da classe burguesa, mas uma concentraçdo ,Ja
posse da riqueza em mãos müto menos numerosas. ... Mas se tais
razões existem, evidentemente elas cortferem um caráter especial à
acumulação de capital como processo histórico e o termo .acumu-
lação' será doravante usado para designar uma concentração, bem

DOBB, M. ,4 evoluçdo do cd?titalismo. fuo, Zahar, p. 220

l6
como uma transferência2, da propriedade de títulos de riqueza'"
"Existe uma segunda forma pela qual a classe partenue pode atrnen-
tar sua posse de riqueza durável, no entanto e PÍovavelmente esta
desempenhou o papel mais imPortante entre as duas. (A primeira é
quando uma classe aumenta sua Posse da propriedade atÍavés da
compÍa a seus donos anteriores em tÍoca dos meios de consumo ou
desfrute imediato, o que pressupõe nma poupançl de renda por
parte da classe compradora.) A burguesia pode adquirir um tipo
determrrado de propriedade quando esta se torna excepcionaimen-
te barata (no caso extremo adquirindo-a, durante a crise, por nada)
e rcalizá-la mais tarde, quando o valor de mercado dessa proprieda'
de estiveÍ relativamente alto, em troca de outras coisas (como
mão-de-obra e equiPamento industrial) que estejam então em valor
relativamente inferior. Através dese duplo ato de troca, a burgue'
sia adquirirá uma proporção mâior da riqueza total da coletiúdade'
... A transâção dupla se divide em duas metades - uma fase de
aquisiçâo e uma fase de realização."3
A grande variedade de formas sob as quais se realizou a acumulação
primitiva do capital exige que tentemos organizálas de maneira mais fa-
tilmente inteligível, agrupando-as, para simplificar, nos três setores bási-
cos (agricultura, indústria e coméicío), aos quais devemos superpor a po'
1ítica econômica que os ordena. isto é, a politica econômica mercantilis'
ta, tomada agora como "a politica econômica de uma era de acumulação
primitiva".
a.l Na agzr'culruro, o Processo de acumulação realiza'se sobÍetudo
através das transformações agrárias conhecidas como ceÍcamentos ou
enclosures. Refletindo o avanço do capitalismo no câmpo e, portânto, a
transformação da propriedade agtícola em entpresd rnanejada segundo os
critérios do lucro e dentÍo de princípios indlüdualistas, o cercamento dos
campos elimina as sobreüvências senhoriais e feudars ligadas ao trabalho
e ocupação da teÍra, promovendo a reorganização das parcelas, expropri-
ando rendeiros, parceiros e outÍas categorias campesinas, apropriando'se
o senhor das reservas e terras comuns, cercando-as a fim de reuni'las às
suas próprias terras para fazêJas produzir mais e melhor' Liquida-se,
assim, o sistema comunitário, suprimem-se os direitos coletivos sobre

' DoBB, op. cit., p. 221.


3 oOBs, op. cit.,p.222. V. também pp' 227-8

I?
teÍÍas, pastos e florestas, provocando-se a saída de grande parte dos cam-
poneses ôu a sua conversão em simples assalariados.
Praticados intensamente em certas regiões da Inglatena desde o fi-
nal do século XV, os cercamentos tiveram nos séculos XVI e XVII um
outro caÍáter zuplementar, isto é, a substituição do cultivo de cereais pela
criação de ovelhas, dada a maioÍ rentabilidade desta última atividade, em
função da alta dos preços da lã no mercado intemacional. Já no seculo
XVIII, quando chegam ao auge os cercamentos, o objetivo é a intensifica-
ção do cultivo de cereais - é a chamada revoluça1o agrícola.
. Menos comuns no continente, os cercamentos nem poÍ isso deixam
de ser praticados em díversas regiões, quase sempre próÍmas dos centros
urbanos, traduzindo ou a mudança de perspecti"as da nobreza, ou então
a apropriação, por elementos burgueses, de terras cuja valorização em ter-
mos capitalistas lhes parece natural e urgente..

Às gandes e médias propriedades, resultantes dos cercamentos, ex-


pressam f»icamente esse processo de acumulação no cÍunpo, cujos efeitos
maiores, no entanto, devem ser procurados na elevaçalo das rendas agrá-
rias e na compra e venda de terras valorizadas, fontes das mais importan-
tes & capital utilizado não apenas para o desenvolümento do capitalismo
agário, já bastante desenvolvido na Inglaterra do seculo XVII, como tam-
bém para o surto industrial e comercial capitalista do século XVIII.
Não se deve esquecer, contudo, que, desde os ultimos séculos da
Idade Média, ocorreu um pro@sso de diferenciação no interior do campe-
sinato, através do qual uma pequena parcela de carnponeses conseguiu
melhorar suas condições, enriquecendo-se em relação à maioria restante.
Tais elementos serão os principais responsáveis, aos poucos, pelo desen-
volvimento de formas de exploração capitalista nas terras que possuem e
nas que progessivarnente arrendam ou adquirem. Ese "pequeno modo
de produçalo" capitalista no campo favorece a constituição de uma cama-
6ls ".pequeno-burguesa", cujos interesses e perspectivas se contrapõem,
em geral, à expansão da grande empresa de tipo capitalista, constituindo,
até certo ponto, um freio à plena expansão do capitalismo nos meios
ruraisa .

a.2 No setor indastrial, verifica-se nesse período o aparecimer.to e


expansão acelerada do capital industrial, quer dizer, o capital Íesultante

4
DOBB, op. cr?., p. 30? e segs.

l8
da aplicação de recursos nas aüüdades produüvas de tipo artesanal e do
seu reinvestimento nessas mesmas atiüdades,
Quer seja oriunda do próprio meio artesanal, através de um Proces-
so de diferenciação intema, quer seja egessa do setor mercantil, o fato
impoÍtante é que a burguesia inàtstrial tende a distingúr'se cada vez
mais da burguesia mercantil, interessando'se acima de tudo pela expansão
da produção industrial. Esta burguesia é a grande responsável pelo desen-
volümento dos diversos tipos de manufaturas que encontramos nessa
época- Beneficiária, a princípiô, da políüca de pívilégios inerentes ao
mercanülismo, ela tende, aos poucos, a combatêJos e contestálos como
instrumentos inadequados e até rnesmo nocivos âo desenvolvimento ulte-
rior da produção e dos negócios em geral.
A manufatura assume nesse Processo uma importância müto gran'
de porque'é no seu interior que se faz sentir cada vez mais a crescente di'
ferenciação entÍe os detentoÍes do capital e os que, embora ainda pos'
surm seus instrumentos de trabalho, se subordinam ada vez mais aos pri'
meiros como assalariados. Até que ocoÍrarn grandes progressos técnicos,
colocando a máquina nas mãos do capitalista, o aÍtesão pode resistir, bem
ou mal, à sua completa expropriaç5o, fazendo valer a sua capacidade téc-
nica e artística em defesa de sua autonomia relativa.
a.3 No plano mercantil, a acumulação decorre, na realidade, de
duas atitudes inseparáveis do comerciante euÍopeu desde a parte final da
Idade Média: piratdria e comércio. O saque- das colônias é a fonte mais
imediata dessa acumr:lação, bastando recordar o saque espaúol na Amé'
rica e o inglês na Índia.
Esgotando-se rapidamente as possibilidades oferecidas pelo saque, é
preciso incentivar o comércio, outra fonte de acumulação - veja'se, por
exemplo, o comércio com o Oriente em busca das especiarias e com a
África em busca dos escravos.
Possuindo a América tenas e minas e sendo necessário reunir
aí os fatores produtivos para dela oÚer mercadorias exportáveis, con'
figuramse as três outras formas assumidas pela acumulação primitiva no
plano mercantü'. a exploração das minas, a exploração agrícola atavés
das plantações tropicais e, como contlição de ambas, a exploração da
mão-,úe-obra indígeru ou importada. Esta última aPÍesenta-se, poÍ sua
vez, como fonte de'grandes lucros para os comerciantes nela interessados,
podendo-se acrescentar. âí também os lucros advindos do tráÍlco dos cha-
mados "escravos brancos" para as colônias inglesas da América do Norte'

19
T

A luta por estas diversas atividades de exploração altamente Iucra-


tivas, ou por algurnas delas, irá caÍacteriz:iÍ as relações intemacionais eu-
ropéias do século XVI ao século XVIII, com constantes guerras continen-
tais e marítimas, européias e coloniais, ao longo das quais é possível esta-
belecer sucessivas "hegemonias": a dos países ibéricos no sécr:Jo XVI, a
holandesa no século XVII e a inglesa, fortemente contestada pela França,
no decorrer do século XVlll.
A exploraçdo das areas coloniais possibilitou, assim, a organização
de um verdadeiro sistema de acumulação à sombra do domÍnio exercido
sobre a respectiva produção e comércio. Tal "sistema colonial" distingue
perfeitamente as caÍacterísticas da colonização e do relacionamento com
a metrópole entre as chamadas "colônias de povoamento" e as "colônias
de exploração". Em relaçaio a estas ütimas é que o referido "sistema"
tende a funcionar plenamente com a exportação da produção agrícota ali
desenvolvida sob o sistema de plantation , monopolizada pelos comercian-
tes metropolitanos de acordo com o princípio do "exclusivo". Proíbe-se
toda e qualquer relafo comercial com outras colônias ou com outros
paÍses. Ao mesmo tempo, restringem.se as atiüdades da colônia, no cam-
po da produção, a fim de não haver concorrências com a produção
metropolitana. A àolônia existe para a metrópole e sua função precípua é
possibilitar o enriquecimento da mesma, quer como fornecedora de mer-
cadorias, quer como consumidora dos produtos metropolitanos ou impor.
tados através da metrópole. No fundo, o sistema colonial é uma peça es-
sencial do próprio "sistema mercantilista"s .

a.4 O mercantilismo, como "política econômica de uma era de acu-


mulaçalo primitiva", integra e coordena estes esforços de uma burguesia
em expansão, garantindo-lhe privilégios,lucros, exclusiúdade, defendendo,
em suma, os seus nÍveis de renda, através da proteção estatal, e asseguran-
do-lhe as bases polÍticas e institucionais pala fazer valer os seus interesses
materiaís em relação não apenas à nobreza, mas principalmente em rela-
ção ao campesinato e aos aÍtesãos, progressivamente reduzidos à condi-
ção de proletariado rural e urbano.

b) A liberaçao de mdo-de-obm (formaçâo do proletarÍado)


"Dizer hoje que o capitalismo pressupõe a eistência de um prole

5 NOVAIS, F. A. "A economia bÍasileira nos quadros do an tigo sistema colonial


br Brasil em PerspecÍr ua. Sâo Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968.

20
tariado já se tomou um lugar-comum, mas o fato de que a existên-
cia de tal classe dependa de um determinado conjunto de circuns-
táncias históricas taras vezes merec€u atenção no Passado, em mãos
de autores que dedicaram uma boa soma de anrílise à evoluÉo do
capital sob suas vánas formas e ao desabrochar do espírito capita-
lista..."6
Na realidade, a liberação da mão-de-obra, PdnciPalmente a campo-
nesa, e a conseqüente formação de um proletaríado constituem apenas a
outra face do processo que denominamos de "acumulação primitiva"'
Esta, na verdade, é o processo criador tanto do Capita, quanto do Traba-
tho, como produtos conjuntos. Ilouve assim o desapossamento ou exPro'
priação de mütos por alguns poucos, através da lântagem econômica
ou política.
"Pode ser que um dos moüvos para a negJigência comum nesse
aspecto da questão tenha sido a suposição implícita de que o aPa'
recimento de um exército de trabalhadores fosse um produto sim-
ples da população crescente, criando mais bragos do que o§ emPre-
gáveis nas ocupações existentes e mais bocas do que as sustentáveis
pelo solo então cütivado. A função histórica do Capital foi dotar
ão benelício do emprego esse exército de braços excessivos' Se fos'
se esta a tristória real, poderíamos ter algum motivo para falar do
proletariado como sendo uma criação natural, em vez de institucio'
nal, e tratar a acumuiação e o crescimento de um Proletariado co-
mo Processos autônomos e independentes. Tal quadro idflico, no
entanto, deixa de ajustar-se aos fatos. Na verdade, os séculos nos
quais um pro'letariado se recrutou mais rapidamente eram aqueles
de aumento demográhco natural lento e não rápido e a escassez ou
plenitude de uma reserya de mão-de'obra nos diversos países não se
correlacionava a diferenças comparáveis em §uas taxas de cresci'
mento demográfico."?

A análise do processo histórico do proletariado, ou de


de formação
liberação de mão-deobra para as relações capitalistas, pode ser levada a
cabo em função dos diversos setores das aüüdades produtivas: agricultu-
ra e industria.

6 DOBB, op. cit.,pp. 212-3


7 DoBB, ,p. cit., pp. 2'734

2l
b.l A liberaçdo de mão-de-obra ru agricultum está ligada ao proc€s-
so de cercamento dos campos, já descrito, ao qual cabe a maior parte da
responsabilidade pela expropriação do camponês, privando-o de suas ter_
ras e reduzindoo à condição de assalariado. De fato, o mecanismo mes-
mo do cercamento dos campos determina, logo de saída, a perda de suas
tenas (parcelas) por todos os cemponeses que não podem defender judi_
cialmente o seu direito de ocupá-las em caráter hereditiírio ou vitalício.
Quase sempre só os pequenos proprietários (verdadeiros ou ocupantes das
terras em caráter hereditário) conseguem mânteÍ-se, poisos que possuem
terras arrendadas são compelidos, cedo ou tarde, a abandoná-las. Já aí,
poÍtanto, temos uma primeira fonte de camponeses sem terÍas. Aos pou-
ce, porém, o pequeno proprietário cercado, sem as terras e os direitos de
uso comurn que suplementavam os sels recuÍsos e ainda às voltas com o
crescimento familiar e a divisão de terÍas daí decorrente, vê-se obrigado
a abandonar o campo em busca de outras regi6es ou então dirige-se para
as cidades, de onde mütas vezes emigra para as colônias.

Em mútos casos, porém, a difisão áo tipo de manúatura disper-


sa, ou mesmo a simples aüüdade do comerciante+mpÍesÍírio que percor-
re os meios rurais a Íim de utilizar a malo-de-obra qrmponesa, permite o
desenvolvimento do artesanato rural, fornecendo ao camponês aÍtesão
uma renda suplementar que irá possibilitar a sua resistência, duÍante uÍn
prazo ora maior, ora menor, às pressões do câpitalísmo agriírio, pois supre
as insuficiências dos seu rendimentos agrícolass .

É eüdente que a substitüçâo de mütas pequenis propriedades por


algumas poucas e grandes, de que a InglaterÍa é o exemplo cliíssico, não
constitui a única forma de desapossamento capaz de fazer surgir um pro_
letariado. A outta forma deriva da tendência à diferenciação econômica
existente dentro àa.maioria das coletividades de pequenos produtores.

"Os fatores principais nessa diferenciação são âs diferenças surgidas


no coüer do tempo na qualidade ou quantidade de terras possuídas
e nos instrumentos de cultivo da terra e animais de trabalho, sendo
i$trumento do desapossamento eventual a dívida."e

6 DoBB, op. cit,,pp.2Bz4.


9 »OSB, op. cit., p. 2g't vejam-g os dois exemplos examinados pelo autoÍ: as
i
coletiüdades minerais onde imperava a ..mineração livre", pp. Z97.3Ol e certas
,
coletividades campônesas, pp. 302-3 f 1.

))
b.2 Na indústia, a liberação da mão-deobra PÍocessa{e de manei'
ra mais lenta, uÍnâ vez qtJe ?s corporaçóes defendem ügoÍosamente os
seus privilégios. Apesar dessa resistência, es corPora@es foram incapazes
o
de impedir o desenvolvimento da industria doméstica rural, bem como
pivilegiadas, modo que esses novos se'
aparecimento du manufaturas de
tires concorrem de maneira crescente com a produção das oficinas cor-
porativas,
-Alé. incapazes tle acompa:Thar a expansão do meicado consumidor'
dirro, dificilmente a produção artesanal urbana do üpo tradicional
produÉ'o
consegue resistir aos preços mais baratos que caractenzaÍn a
dos novos setoÍes.
e enfra-
AcÍesce notaÍ que as próprias coÍPorações são dilaceratlas
opondo cada vez
quecidas pelos seus conflitos e contradiFes internas,
VeriÍica-se, ainda' no inte-
mais os cãmpanheiros aos Patrões ou mestres'
rior mesmo àas corporações, um pÍocesso de diferenciação que irá dar
origem à burguesia inauslia, pois, enquanto alguns patrões enriquecidos
," ir-rfo.*à em empresários, a maioria dos mestres e companheiros
são reduzidos à situação de dependência em que aPíuecem como
semi-

Desse modo a corpàração se desintegra, pressionada por for'


assalariados.
progressivamente o seu desapa-
ças intemas e extemas que irão Promover
em
recimento, o qual aünge a sua etaPa derradeira no momento mesmo
que a burguesia industrial consegue imprimir ao Estado as suas caracterís-
tlcas liberais,hostis, portanto, ao meÍcantilismo do Antigo Regime'
companheiros, em sua maior parte, irão constitúÍ' então'
a
Mestres e
primeiras fábri-
mão-deobra especializada das tútimas manúaturas e das
cas, desempenhando um importante PaPel nessa etapa do desenvolvimen'
to industrial.

c) Osprogressos técnicos eslão evTdentemente ligados às duas "pre'


partir
condiçoes" ir"1.rbu-o. de focalizaÍ': capital e mão'de-obra' É a
criadas pelo desenvolvimento da produção e do comér-
das necessidades
cio, típico da expansão euroSia verificada a partir do século XV' que os
pri'
prog.arro, técnicos se aceleram' O renasctmento cienttfico marca o
,n"úo *o-"nto desse impúso cuja importância se toma decisiva nos sé'
culos XVII e XVIII, quando então a curiosidade científica, a nova mentâ-
lÍdade voltada para i observação e a experimentação abrem camiúo às
possibili'
conquistas científicas desse pãríodo e, concomitantemente ' às
e uülização dos princípios e teorias assim elaborados
dades ae aplicação
ao próprio processo produÍivo. Trata'se de um capítulo extÍemaÍnente
difí;il ; coni.overtjdo, qual seja o de analisarmos este avanço iimultáneo'

23
Paralelo ou não, da ciência e da técnica durante os sécuios XVII e XVIIITo.
Nascendo de exigências práticas ou de especüações teóricas, conforme
o
caso, as invenções se sucedem e abrem novas perspectivas para
a solução
de problemas que embaráçam determinadas etapàs das atividades pro_
dutivas.
No plano da produção propriamente dita, verifica-se a tendência à
crescente divisõo e especialização do trabatho, vincüadas à neces§dade
de maior produtividade. Com isso, abrem*e novas possihilidades
à utiliza-
ção de inventos mecánicos capazes de multipticar o trabalho humano, uti_
lizando a energia hidráulica e mais tarde o vapor. Realmente, sern essa
di_
visão ac€ntuada do trabalho, é impossível entender_se o processo
através
do qual foi possível inventar máquinas capazes de realizar com maior
ra_
pidez e com maior regularidade movimentos simples até entâo executa_
dos manualmente. É evidente que não se poderia esperar, nos primórd.ios
da industrialização, a invenção de máquinas complexas capazes de execu-
tar §multânea ou sucessivamente tarefas mütiplas. Os piogressos técni_
cos, portanto, permitiram que se inventassem máquinas capazes
de multi_
plicar o trabalho humano sem com isso, no entanà, chegai propriamente
a dispensá-lo. Numa segunda etapa, coube à máquína, ern função
da sua
propna natureza e do que ela representa em termos de investimento
de
capital, acelerar o desenvolvimento do sistema capita.lista, desempenhan_
do um papel decisivo no processo de separação entre o trabalhador e oi
seus instrumentos de trabalho, umâ vez que tende a
acentuíu a distinção
enlÍe o capitalista, dono do capital e conseqüentemente das máquinas,
e
o trdbalhadü assalariado, que dele depende para a própria sobreüvência,
como comprador de sua força ou capacidade de trabathô.
O advento da máquina, como coroaÍnento dos progressos técnicos
e
cientíÍicos da era pré-capitalista, constitü, .o ..r.o t.Ãp o, o marco
ini_
cial de uma nova era assina.lada de maneira cada vezmais acentuada pelo,
avanço científico e tecnológico e suas aplicações, sempre crescentes,
aos
processos produtivos. Esta transformação verifi cou-se
historicamente pe_
la primeira vez na Inglatena da segunda metade do séanto XVIII,
muito
emboia tenhe sido preparada pelos avanços já obtidos desde o século
XVI e no decurso do século XVII. Na Inglaterra do sécuio XVIII veriÍica_
va-se, com o rápido crescimento do mercado intemo e
do mercado exter_

'o fgytyr.Ul, _hogràs vientifique et technique au XVItIe iàcte.paris, pLON,


-t
1960; LABASTIDA, I. hoducción, ciencia y sociedatl de Descsttes a Marx.
Siglo XXI Edit., 1968.

24
,]

no, runa exigência de constante aumento da produt'o manufatureira, a


fim de atender a estas novas pcssibilidades de venda.
Para o empresário, este alrmento da produção deveria processar-se
de tal maneira que a sua margem de lucro fosse preservaü e se possível
amp[ada, o que nos leva ao prcbleme da pÍodutividade. Realmente, o
lrande problema que está nas próprias origens do maqúnismo é a ques-
tão da redução dos custos de produçâo. É fácil entender-se que, martido
o trabalhador, isto é, a mão-de-obra, em condições bem próximas às do
seu limite de sobreüvência por força dos baixos salários da época, não se-
ria possível reduzir ainda mais esses salários, pois isto representêria a pró-
pria liqüdação da mão-de-obra. Medidas paliativas tais como a maior uti-
lização do trabalho feminino e infanül não poderiam resolver em defini-
tivo o problema. DaÍ, como única saída, ProcuÍar-se o aumento da produ-
tividade dessa mão-de-obra, que, por ser abundante, garüa müto pouco'
mas da qual se pÍetende extrair o máximo possível de sua caPacidade de
trabalho. A diüsão e a especiaüzação do trabalho vão permitir então que'
com a intÍodução da máquina, seja possível resolver o problema. De fato,
a máquina múüplica a produliüdade da mão'de-obra, pois é possível
agora ao mesmo trabalhador executar, com o auxílio dela, tarefas que an'
tes demandariam mütas horas e dias de trabalho ou mútos trabalhado-
res. É fácil, portanto, compreender que a máqüna veio agravar a lremen-
da exploração que çâracteriza os primórdios da revoluçâ-o industrial, pois
agora o empresário cápitalista irá procurar, simultaneamente, obter o
máximo do capital que irvestiu na compra ou fabricação da máquina e o
miíximo do salário paSo ao trabalhador, não só pela própria utilização da
máqüna, mas pela maior extensão possível do dia de trabalho, o qual não
raro atingia 16 ou mesmo 18 horas. Para que se possa compreender ainda
não só o interesse do empresário pela máxima utilização do maqünismo,
mas a possibilidade mesma de assim proceder, faz-se necessário lembrar que
no decorrer do século XVIII houve, PrinciPalmente na lnglaterra, uma
sensível queda na taxa de juros, i.e., o diúeiro tomou-se mais barato,
colocando à disposição do empresário recursos Pâra investimento a longo
prazo em condições de amortização bastante razoáveis. (ASHTON)

25
CAPÍTULO 1
A FASE DE FORMAÇÃO
DA SOCIEDADE LIBERAL

I. AS ORIGENS DA SOCIEDADE LIBERAL


l-1 A evoluÉo econômica de l'160180 z 1870/80 -
O capitalismo liberal ou "industrial"
l.a O período de formaçáo do capitalismo
1.bA era do capitalismo industÍial ou liberal de 1?60/80 a 1870/80
1.2 A evoluÉo social e política de 1760/80 a 1870/80 -
A sociedade überal
2.a As origens das revoluçôes democráticoburguesas dos séculos
XVIII e XIX na Europa. A crise da sociedade do Anügo Regirne
2.bA evoluçâo geral dos moümentos revolucionários

I. ASORIGENSDASOCIEDADELIBERAL
As oigens da sociedade libeml estÍo assinaladas historicamente por
um pÍocesso de trânsformações revoluoonárias que constituem o advento
do sistema capitalista, üvidido, para Íins de estudo, em duas partes pín'
cipais: a "Revolução lndustrial" e "Revoluções Democrático-Burguesas".
Na verdade, são dois âspectos de urí mesmo processo históúco, no qual
destacamos artiÍicialmente, de um lado, o seu aspecto econômico - a
chamada "Revolufo lndustrial" - e do outÍo os seus aspectos sócio-
políticos e ideológicos, constitündo a chamada "Revolu$o Ocidental",
segundo autores recentes.
"Na carreira do caftalismo a partir dessa data (final do século
XVI) toma-se eüdente que existem dois momentos decisivos. Um
deles está no sécúo XVII - nas tansformações políticas e sociais
daquele período decisivo... com seu ápice na revolução cromwel'

)1
liana... O segundo consiste na Íevolução industíal no final do sé-
culo XVIII e início do XIX, que se mostÍou principalmente de im-
portância econômica, apresentando um reflexo dramático, porém
longe de desprezível, sobÍe a esfera política. .. O conhecimento e
juízo mais maduros de hoje indicam claÍamente, no entanto, que
aquilo que a revolução industrial representou foi uma transiçdo de
um estdgio inicial e ainda imaturo do Capitalismo (grifo nosso) on-
de o modo de produção pré-capitalista fora penetrado pela influên-
cia do capital, subordinado ao mesmo, despido de sua independên-
cia como forma econômica, mas não inteiramente tÍansformado,
pdru um estágio onde o Capitalismo,na base da transformação téc-
nica, aringira seu própio processo especílico de produça'o, apoíado
na unidade de produção em larga escala e coleüva da fábrica. assim
efetuando um divórcio Íinal do produtor quaÍrto à participação de
que uunda dispunha nos meios de produção e estabelecendo uma re-
Iação simples e direta entre capitalistas e assalariados."I

Estudaremos, tanto na fase de formação quanto na de expansão,


sucessivamente, dois tipos principais de transformações: as ligadas à euo-
lução econômica e as que se relerem à evoluçdo social e polírica, com
breves referêàcias ao nível ideológico.

l.l A Evolução Econômica de l760i8Oa 1870/80 - O Capitalismo


Liberal ou "Industrial"
As tÍansformaçôes econômicas que caracterizam o advento do capi-
talismo, embora compreendam basicamente a Revolução Industrial, ultra-
pÍrssam esse âmbito estríto, pois abrangem, na verdade, toda a atividade
econômica do mundo ocidental em úas de transformaçâ'o e por outro la-
do, como depois veremos, envolve também a outra face desse processo de
desenvolvimento de uma parcela do globo, isto é, abrange também a
questão 'das origens do subdesenvolvimento.
A Íim de facilitar a compreensão do estudo da evolução das socie-
dades capitalistas desde suas origens, podemos estabelecer a existência de
duas etapas pincipais: a primeira, de 176O180 até I 870/80, pode ser con-
siderada a fase de formação, isto é, a época em que se opera. o conjunto
de transformações que assinalam o estabelecimento de uma nova socieda-
de - a sociedade capitalista burguesa. Esta é também a era do "caPitalis-

DOBB, op. cit., p.32

28
mo industrial", ou ainda do liberalismo econômico, conforme o tipo de
denominafo que preferirmos; a segunda,de 1870a l9l4' compreende a
fase de eipanüo do caPitÚsmo, que atinBe então a sua "maturidade",
caracterizando-s e pela concentração capitalista e Pela sua exPanúo mun-
dial em term6 de impeialismo, cujo resultado mais imPoÍtante foi, não
há dúütla, a partilha do mundo entre as grandes potências capitalistas'
Tais fatos influem de maneira poderosa e não raro decisiva sobre a evolu'
se verilica a
ção das relações intemacionais nesse período, no qual ainda
irescente contestação do Pensamento liberal pelas novas idéias econômi'
cas ligadas ao socialismo, com suas divenas correntes, bem como pelas
viírias tendências do pensamento de "direita".

I .t O periodo de formação do capitalismo


a.l Para entendermos com mais precisão o problema aqui propos-
to - as oigens do capitalismo, ou seja, o seu advento, é preciso notar que
o tomamos aqui, inicialmente, como o modo de produção que se desen'
volve na Europa Ocidental a partir da desintegração e conseqüente supe'
raça-o progressiva do modo de produção feudal, a qual se processou no
decursã de vários séculos, constitutivos da chamada "época pré-capitalis'
ta". Âssinala-se nesse modo de produção, que agoÍa adquire proporções
de predomÍnio cada vez maior, a separação entre a propriedade dos
meiàs de produção e a força de trabalho. De um lado, os capitalistas, ou
seja, donos do capital e conseqüen temente dos meios de produçõo; de
outro lado, os assalariados, donos da /orça de trabatho. Estes, PaÍa pode'
rem garan tir a sua sobrevivência, são levados a colocar'se à disposição dos
primeiros, em troÉ d,o satóio. Esta mâo-deobra irá constitüÍ, assim, o
proletariado, em oposição à burguesia que se identifica com o primeiro
grupo. Os dois constitürão os pólos da estrutuÍa social caPitalista'
Ao modo de produção càPitalista corresponde' Por sua vez, toda
uma série de aspectos que comPõem o que se denomina de fonnoções
econômico-sociais capitalistas cujas estruturas, em seus vários níveis, o
econômico, o político e o ideológico, iÍão apÍesentaÍ também caracterís-
ticas noras, bem distintas dos asPeêtos corespondentes relativos à forma-
ou a
ção econômica e social anterioÍ, quer a consideremos cr.mo feudal
aceitemos como de "transição".
É o funcionamento do modo de produt'o capitalista que faz com
que se acumule em mãos dos proprietários dos meios de produfo uma
boa parcela de trabalho, ou melhor, dos resultados do tralralho executa'
do pelos assalariados, urna vez que os salárioi recebidos correspondem a

29
apeni§ uma parte do vttlor qüe ele realmente cria ou acrescenta às meÍca-
dorias, a chàmada "mais-valia". Ainda que se negue esta ultima, é bastaÍ-
te eüdente que o trabalho, ao se exercer, criando ou trarsformando, in-
corpora ao que produz um certo valor e que este, mesmo que eÍronea-
mente sejâ reduzido à idéia de lucro do empresário, é bem maior do que a
paga que o trabalhador recebe sob a forma..de salário em tÍoca da incor-
poração de tal valor à mercadoria. Iríamos lànge se tentássemos discutir
aqui taie problemâs (valor, mais-valia,' lucro, remuneraçalo do capital etc.),
moüvo pelo qual preferimos limitar-nos a esta breve referência, apenas
como lembÍete ou tema para discussão.
a.2 Par'a compreendermos como existe o capitalismo é preciso ad-
mitir uma époco anteiq a essa existência, pré-capitalista, portanto, des-
de que não desejemos engrossaÍ as fileiras daqueles que simplesmente es-
camoteiam tal problema, prcssupondo, assim, que o capitalismo sempre
teúa cxistido2. Com exceção de tal üsao, cujo caÍáter ideológico é eü.
dente, é fácil verificar qrrc o capitalismo corresponde a wn estágio da evG
luçõo históricq, sendo necessário, portanto, esclareceÍ de que maneira ele
surgiu, qrundo e onde isso se operou. Isso nos leva agora a examinar o
meio pelo qual se criaram u condições para o aparecimento do sistema
capitalista. Retomando a c{acterizâção símpliÍicada que fizemos do sis:
tema, é fácil depreender que o aparecimenro do modo de produçalo capi-
talista implica a convergência de duas ordens de transformações, cada
umà delas Íesponsável pela concÍetização de um daqueles fatores: l3) a
acumulaçdo de capital;2?) a tiberaça-o de mão-de-obm
A acumulação de capital resultou de um longo e diversificado pro-
cesso de concentração de riqueza e de expropriação de mútos em benefí-
cio de uns poucos. Tal ac-umúação pré-capitalista su 'rprimitiva" real!
zou-se, o mais das vezes, em íntima conexâo com a expropriação agrária da
qual resultou e libemção de uma numerosa mãodeobm nrrel. São fenô-
menos simultâneos, aspectos ou faces de um mesmo pÍocesso sóciocco-
nômico. Seu exemplo mais t ípico é consütuído pelo c€rcamento dos
campos, na lnglaterra do seculo XVI.em üante.
Paralelamente a essas duas ordens de transformações convém res-
ultar a importância crescente de um terceiro üpo de fenômeno, quâI se-
ja a tendência a uma crescente divisão e especialização do nabalho, es-
sencial como criâdora da posibilidade mesma de introduçâo da máquina

2 Tr! é p€rspectiva de obÍas como: LAFFON. M. Les étqpes du capitalisme, de


^
Hamourabi a Rockfeller. Paris. Payot, 1938 e SEE, H. Its origines du capitdis-
mc modeme. Paris, A. Colin, 193 9.

30
no pÍocesso pÍoduüvo industrial. fato que irá ser uma das principais ca-
racteÍísticas da Revoluçâo Industrial. Era preciso uma extrema divisão
do trabalho a fim de que as máquinas dos primeiros tempos, müto sim-
ples, pudessem ter condições de integragâo no pÍocesso de produfo. O
empresário capitalista nos primeiros tempos da industrializa$o busca
aumentaÍ ao máximo a produtiüdade da mão-de-obra, fazendo mulüpü-
car, assim, a vantagem que obtém com os baixos saliirios pagos à mesma3.
Economizando mão-deobra, ou melhor, multiplicando a capacidade de
trabalho da mão-deobra existente, com um dispendio reduzido, já que
não seúa possível reduzir ainda mais os salários, o empresário vê na má-
qüna a soluçáo para seu dilema.
Com o início da produSo capitalista, desencadeia-se a partir daí
um processo. de crescimento e logo a seguir de desenvolvimento econômi-
co auto{ustentado. Configura-se então, no paÍloÍama mundial como um
todo, a constitüção de algumas poucas iíreas gue tendem a funcionar
como póIos de desenvolvimento, contrapondo-se a outras áreas, numero-
sas, periféricas, coloniais ou niÍo, que se situam em relação às primeiras
numa situeção de crescente dependência. Tais áreas coloniais subordi-
nam+e econornicamente às primeiras de tal modo que, ao longo do pro-
cesso de expansão capitalista, elas irão assumir mais e mais o papel de
regiões subdesenvolüàas. O subdesonvolümento apaÍece, assim. como al'
go estÍeitamente vinculado historicamente ao dêsenvolvimento dê uÍna
parte do mundoa .
a.3 O conceito de Revolução Industrials , embora menos abran-
gente que o de advento do capttalismo, pois não alcançe todas as facetas
e nnanças deste ultimo, é sem dúüda o mais maÍcante e aquele que, Pam
muitos, assinala de fato oinício da produgâo capitalista.
No mnceito de Revolução Inàtstrial coexistem na verdade duas
idéias brisicas: a pimeira é a que aplica tal denorninação comô sinônimo
de todo e qualquer pÍocesso de industrialização mais ou menos acelerado,
subdiüdindo-a, em termos concÍetos. em ta4tas "revoluções industriais'l
quantos são os "casos nacionais" existentes (Revolufo In dustrial iíglesa,

3 DOBB, rp. cit., p.333.


a Vela.se a este respeito: FITRTADO, C. Desenvolvimento e suflesenvolvimento.
Rio, Fundo de CUtuÍa e SUNKEL, O. El marco histórico det desarrollo y del
subdesarrollo. Otademos del Instiruto Latinoamericano de nanificoción Econ6
mica y Soci.al, n9 l, Santiago, 1967.
s DOBB, op. cü., p. 316, nota.

31
alemã, japonesa, soviética etc.). Nesse §enüdo, portanto, Revolução In-
dus*ial é sinônimo de industializaçdo em geral.
A segtnda é o conceito histórico preciso, segundo o qual a Revolu.
ção tndustrial corresponde a um "fato" ou acontecimento cronológica e
geograficamente determinado. Neste caso, ela é sinônimo das transforma-
ções ocorridas na Erropa Ocidental duÍante a trltima parte do século
XVIII e a primeiia do século XIX, caracterizadas pelo aparecimento do
capitalismo industrial em alguns países, sendo o aspecto mais notável des-
sas transformações, sem dúúda alguma, o apaÍecimento da máquina ou o
advento do maquinismo no processo da produção industrial.
Alguns autores chegam mesmo a admitir nessa ordem de idéias que
a expressâo se refere basicamente à Inglatena, de onde a Revolução In-
dustrial se teria, posteriormente, "propagado" a outros países. Tratar-se-
ia de um processo iniciado na Inglaterra e posteriormente imitado ou re-
petido em outros países, daí a idéia de "propagação" (bastante discutí-
vel, alíás) da Revolução Industrial, quase sempÍe às custas da importação
de técnicas e técnicos Lng.leses.
De fato, é eudente que a Ingiaterra, por tbrça de uma série de cir-
cunstáncias ligadas à sua evolução política, social e econômica, lo$ou
atingrr, bem aÍrtes que a maioria dos demais países, a plenitude das "pre-
condições" necessárias à Revolução Industrial6. Basta citar, além d<:
mais, ó fato de que na Inglaterra do século XVIII houve uma sensível
baixa de taxa de juros, possibilitando a exrsténcia do dinheiro barato e
com isso criando condições para o investimento em larga escala nos em-
preendimentos industriais, de rentabilidade bem mais demorada e menor.
Convém acrescentü que a InglâterÍa possuía um wslo mercado colonial,
além de dependências indiretas (o imperio português e as pontas-deJança
no espanhol). O prôpio mercado intemo ínglês aumenta rapidamente sua
demanda, de modo que tudo isso leva a se procurar aumentar a produção,
pois as trarsformações diminuem as faixas de economia de subsistência e
lançam no mercado consumidor um número crescente de assalariadosT .
a.4 O processo de industrializaça?, por sua vez, não deve ser enten-
6 Sobr" u, preÇondições: ROSTOW, w. ,4s e tapds do desenvolyimento económico.
Rio, Zúar, 1961 e FLYNN. Oigins of the Industrial Revolution. Londres,
Longman, 1968.
7 Sobr", baixa da taxa de juros: ASHTON,'f.5. La Révolution Industietle. PaÍs,
Plon, I955 e sobre a Revoluçalo lndustrial Inglesa em geral: DEANNE, P. Zhe
Fint Industial Revolution. Cambridge, 1961. (Há trad. brasileira. Rio. Zúar,
1 969) ; DOBB, op. cit., p. 322 e segs., especialmente pp. 3 I 8-9.

32
dido como a.lgo hoàogêneo e regrrlar, fois na verdade certos setoÍes iÍ'
dustrializaram-se mais rapidamente, arrastando os demaisE, cabendo pa'
pel decisivo nessa primeira etapa aos têxteis, à metalurgio do ferro e aos
transportes, vindo logo após o üdro, a cerâmica etc. DentÍo de cada um
.desses setores howe diferenciaço-o do itmo, isto é, defasagens intra'
setoriais, como se pode observar no caso da industria de tecidos de algo-
dão face à da lã;e, na do algodão, a diferença entre a rápida mecanização
da fiação e a mais demorada adoçâo da máquina na tecelagem. A seda
avança mais depressa que a lâ em termos de mecanização talvez porque
esta, mais anüga, esüvesse mais cerca da pelos regulamentos e tÍadições
artesanais. Na metalurgia destaca-se o avanço na produção de feno, em
função do alto-fomo, com a substitüção da lenha pelo caivâo mineral,
através da descoberta do processo de sua transformação em coque meta'
lurgico. Difunde-se, assim, o uso do feno fundido' Também ganhá inoe'
men-o a utilizâção do cobre, folha de flandres, latâo etc. NoJ transp.o es
assume importância decisiva o interesse pela navegação fluvial, dandose
ênfase à construçáo de canais, primeiro na Inglaterra Para o transPorte
do minério e do algodão em barcaças. A febre dos canais ganha mais im-
pulso com a invenção do naüo a vapor, daí sua importância nos EUA. A
utilização da máquina a vapor nos meios de transPorte teve seu Ponto
culÍninante com o aparecimento da locomoüva, ponto de partida para o
desenvolvimento rápido e intenso dos traÍlspoÍtes terrestÍes. A "era dos
trilhos"e marca de maneira indelével todo o processo de desenvolümento
dos países capitalistas na primeira parte do século XIX'

1.b A em do capitalismo industial ou tiberat de 1760180 a 1870180


b.l Esta é a épocz, por excelêncÍa, em que se multiplicam os pro-
cessos de industrialização, daí falarem alguÍrs historiadores em "propaga-
ção" da Revolução lndustrial. Na verdade, o fenômeno não é tão simples
assim quanto possa parec€r a simples idéia de "propagação". O que acon-
teceu foi que certos países etlngíram então, bem ou mal, as condições
necessárias à indrstrialização, isto é, deram início ao seu desenvolvimento
em bases capitalistâs.
Aparentemente, deúdo acima de tudo à influência tecnológica da
Revoluçâ'o Industrial inglesa, trata-se.de uma simples ópia de Ptocessos
técnicos. Isto, no entaÍlto, é apenas a superfície das coisas. Baste lembrar

E DotB, rp. cit.,p.322 e segs.


9 ROBBINS, M.The railumy age. Londres, Penguin Books, 1965

55
que mütos tentaram de fato copiar, traÍlsplant& para as suzls fronteiras
os progressos logrados pelos ingleses, inclusive contmtando técnicos ingle-
ses, Enüetanto, o importante a guardar é que só alguns lograram efetiva-
mente desencadeaÍ um. processo de indutrialização, mais ou menos lento
conforme o caso. Por quê?
A não ser que desejemos cair na velha história dos povos "inteligen-
tes" e "geniais" vers s os destituídos de inteligêhcia e de capacidade, a
única explicação paÍa essa diferenciação reside, sem dúvida, na circuns-
tância de que alguns poucos possuíam uma estrutura sócio-éconômica e
insütui@es políticas em condições de empreender a sza "Revolução In-
dustrial", enquanto outÍos, sem tais cpndições, dependentes, não raÍo,
dos mais adiantados, desgastaram+e no esforço inútil de transplantar
processos e formas de produção que.não tinham coSrespondência com as
suas verdadeiras estruturai e insütüções.
Mais do que saber poÍ que c€rtos países foram atingidos:pela "pro-
pagaçalo" da "Revolução Industàal inglesa" enquanto outros não o fo-
ram, o important€ é saber por que alguns conseguiram industrializar-se t
outros nâo. Na resposta a esta questão deve ser incluída, fatalàette, a
circunstáncia de que entram em ação duas séies de fàtores, ora conver-
gentes, ora antagônicos: enquanto o país que se industrializa acelera sua
ação econômica sobre os úziúos que ainda não ie industrializaram, bem
como sobÍe .âs áÍeas coloniais ultramarinas, caú país ou regia:o recebe
tais influências segundo suas próprias condições internas. Em certos ca-
sos, os investimentos extemos e a luta de interesses a eles ligada são tran-
sitórios, pois a existência de condições estruturais satisfatórias permite,
ao frrm de certo tempo, ultrapassar essa fase de dependência;outÍas vezes
tal situaçío de. dependência se solidifica e, por lhe faltarem condições
próprias, o país é convertido em verdadeira área de empreendimefltos co-
loniais de países desenvolvidos por tempo impÍeüsível. Isso verificou-se
na própria Europa, bastando lembrar a luta travada entÍe os grupos capi-
talistas franceses, suíços, beleas e alemães em tomo do meicado italiano;
ou o duelo franco-britânico na Espanha; ou a corrida de capitais france-
ses, ingleses e mesmo alemães para a Russia e o Império Otomano. Houve
asim uma especie de "colonialismo intÍa+uropeu", criador de uma Euro-
pa desenvolvida - "dominante" - e urna Europa subdesenvolvida - "do-
minada" -r0 no decuno do século XIX. Para a ltáIia, Holanda, Dinamarca,

'0 SCHNEIs, R. Le XIXe siàcte, Vol. vI da írtÍ. Génémle des Civilízations. Pais,
PUF (Vol. XIII da tad. bras. Sâo Paulo, Dif. Eur. Livro).

34
Suécia, esta foi uma etapa depois ultrapassada, enquanto que paÍa outros
foi na verdade uma situa$o dunível.
b.2 O processo da industrializaSo fmncesa oferecG al8uns pontos
bastant inteÍessantes, em termos de comparação com o seu congêneÍe
inglês.
Na segunda metade do século XVIII a França possuía condições em
muitos pontos semelhantes, no plano econômico, às da Inglaterrall ,
quando não até mesmo superiores. Faltava-lhe, porém, o indispensável
arcabouço institucional, social e político, para cuja construção foi neces-
sríria a "Revolução Francesa". A partir daí, 1789, portanto, enquanto a
Inglaterra toma impulso, a França se ÍetaÍda por força mesmo de suas
dificuldades intemas e extemas. O capitalismo esbarra nos tremendos
problemas econômicos e financeiros criados pelas agitagões Íevolucio-
nárias.
Foi preciso esperaÍ a consolidação napoleônica para havpr urn novo
Ínteresse pela industria. O Estado protegeu. apoiou e invesüu no desen-
volvimento da indrstria a fim de fus face aos produtos ingleses. Sob
esse prisma o "bloqueio continental" é, na verdade, uma medida de polí-
tica econômica protecionista, destinada a constrür um mercado europeu
exclusivo para os produtos franceses, através do bloqueio à entrada dos
produtos britânicos. Para os europeus trata-se, é claro, de um colonialis-
mo francés, destinado a converter a Europa em mercado consumidor da
industria fiancesa, daí as antipaüas, fraudes e revoltas que ele provocâ.
Veja-se o caso da ruptura entre Napoleão e Alexandre l, quando se veriÍl-
ca que a Europa "francesa" não absorve os produtos russos, sobretudo os
cereais, base das exportações russas.

Com a queda de Napoleão, a política de indrstrializaS'o sofre sé-


rios reveses, pois agora o mercado fica reduzido à França, sofrendo, além
disso, a tremenda concorrência inglesa. Daí as pressões que se fazem sen-
tir a fim de estabelecer o pÍotecionismo em benefício da produção fran-
cesa. Tal protecionismo, parcialmente restabelecido sob a restauração e
durante a Monarqüa de Julho, vigora até 1860, com vantagens e desvan-
tagens para o processo de industrialização francesa. Seus críücos asseve-
ram que, sob a barreira protecionista, o empresário francés desinteressou-
se do problema dos custos da produçâo, atrasardo-se, em conseqüência,

rr MORIZÉ, Ar Les bourgeois conquéronts.Pais, A. Colin, 1957. (Há uad. port


Lisboa, Cosmos, Or htrgueses à conquista do mundo.)

35
a difusão do maquinismo e a concentração das empresas, daí persistirem
muitas das velhas práticas de origem artesaaal e predominarem as peque-
nas oficinas, ao longo do século XIX. Em funEo àisso poder-se-ia até
pôr em dúvida a ocorréncia de uma auténtica Revoiução lndustrial na
França, ao menos em termos de transformação razoavelmente rápida dos
proc€ssos de produçaio industrial. Seria uma revolução industrial rnüto
lenta, ocupando do início ao Íim o século XIX.
Sob o II Imperio, especialmente a partir de 1860, ocorre um grande
surto industrial. Trata-se de uma época decisiva tanto paÍa a estrutura in-
dustria.l quanto para o sistema financeiro franceses, ambos bastante im-
pulsionados pela política de desenvolvimento capitalista empreendida pe-
la burguesia sob o amparo do Estado, política fortemente imbuída de
pressupostos de origem saintsimon.iana, em que o aproveitamento das ri-
quezes e o governo da técnica a serüço do enriqueomento Ca sociedade
parecem as saÍdas naturais para os problemas sociais e econômicos da
época. TaI política "desenvolvimen tista", que favorece os setores da bur-
guesia industrial e financeira, caÍaclenzÀ o período do II Imperio como
época decisiva para a indutrialização francesa. A partir de 1870 o pÍoces-
so assume novas caracterÍs ti cas. porém o essencial é sua aceleração e
aquisiçâo de caráter auto-sus ten ta do. Mesmo assim, até a Primeira Cuerra
sío raros os gandes complexos industriais, predominando a pequena ofi-
cina e os métodos semi-artesanais.

b.3 A Bélgica logrou um gran de avanço dwante o final do século


XVIII e o início do XD(, em termos de indus trialização. Deve-se tal fato
basicamente à circunstância de ter sido o território belga incorporado à
França sob a Revoluçaio e o Imperio. Dspondo de ótimas condições de
transporte e de riquezas no subsolo (carvão), o teritório belga foi objeto
de importantes investimentos, de tal modo que, ao ser separado da Fran-
ça e incorporado ao Reino dos Países Baixos, sob a tutela holandesa, já
dispunha de uma infracstrutura apreciável, especialmente a Valônia.
Após a independência (1830), a Bélgica consolidou esse avan ço tomaldo-
se uma das áreas maÍs desenvo[üdas do ocidente europeu.

b.4 A, industrializaçdo da Alenwnho foi mais tardia, dado seu esfa-


celamento político e sobretudo a persistência de relações do tipo feudal
ou semifeudal em mütas de suas áreas potencialmente mais ricas. Apenas
na Renrânia houve o que se poderia úamar de indrstrialização mais pre-
coce, com base nos têxteis e numa certa burguesia.
O estabelecimen to do Zollverein, sob o controle pnrssiano, a partir

36
tte 1833, permitiu oferecer aos Poucos um mercado unificado à produfo
de origem alemã e mais ainda um início de barreira protecionista à con'
corrência dos pÍodutos de origern bÍitânica, esPecialmente.
A partir tle 1860 acelera'se a construp-o das ferroüas, complemen'
tando a "União Aduaneira", com o que se abrem novas possibilidades pa'
ra a exploração, dos recursos minerais e Para a instalação de novas fábri-
cas. Asiim é que de 1860 a 1880 a industrializaçâo acelera'se de modo
vertigiÍloso, pressionando no sentido da uniÍicação política, de tal modo
que, por volta de 1880/90, a industria alemãjá estava entrando de manei'
ra decidida no camhho da concentração mono.polística.
Tal processo de industrialização, bem mais rápido do que todos os
outros haüdos na Europa, beneficiou-se, além do mais, do fato de ter-se
iniciado quando chegava ao fim a úamada "primeira revoluS'o indus-
trial " e tiúa início a denominada "segunda revolução industrial", isto é,
queimando etapas, começando por onde os seus ântecessoÍes estavam
agora chegando, os alemães entÍaram diretaÍnente na era do aço, da ele'
tricidade e da indlrstria química, ao mntrário dos ingleses, que começa'
ram pelo ferro, carvão e tecidos.
Favorecida pela conjuntura internacional, a nova industria alemí
parte logo para a indústria pesada - de bens de produção - onde tende
a deslocar os britânicos de suas posigoes.
Convém notaÍ finalmente que a Alemanha não consütü um exem'
plo de industrialização atÍavés do liberalismo econôrnico, pois coube ao
Étado prussiano de início e ao alemão, mais tarde, um papel decisivo
,"rr. pio".rro. A bem dizer, só a lnglaterra pode ser tomada como
de in dustrialização em regime de livre mncorrência privada' Nos
"*"*pio
demai-s países,em gera], a Participação do Estado, maior ou menor, foi
decisiva. Na Alemanha, por exemplo, coube ao Estado impulsionar as
empÍesas no sentido da concentração de tipo monopolista, a fim de per'
mitir um elevado grau competiüvo aos seus produtos no mercado inter'
nacional. É uma indristria que já,nasce Praticamente sob o signo dos mo'
nopólios - os famosos cartéis e Monzems.Isso é fácil de entender, Pois
baita lembrar que a Inglaterra, sendo a primeira, teve todas as condições
que the permitiram in dustrializar'se em regime de livre-concorrência' isto
á, de franco liberalismo. Após Inglatena, é lógico, neúum país poderia
a
mais dispor de condições idênücas, pois já existia a concorrência dos pro-
dutos ingleses. Sendo assim, o protecionismo passou a ser essencial a to-
dos aquiles que desejassem desenvolver sua própria industria, se quises-
sem poupá-la aos ma.les da competição dos Produtos britân.icos'

5t
A ltdlia coÍtstitui um caso de industíalização não só tardia mas
também, e principalmente, parcial no sécúo XIX. Parcial em teÍÍnos geo-
gráÍicos, pois só o Norte avançou em termos de industrialização; parcial
quanto ao aspecto setorial - urna vez que somente alguns setores loga-
ram alçar vôo, retardandose, além do mais, o desenvolvimento do capital
financeiro, palco, alirís, de forte penetração e rivalidade entÍe câpitais
franceses, suíços e germano-austríacos. Carecendo de matérias-primas co-
mo o ferro e de fontes de energra, a industria italiana atrasou-se no setor
dos bens de produção e em geral só tomou grande impulso a parür do
início do século XX, com maior utilização da eletricidade. Capitalismo
limitado, incipiente, Estado pouco ativo são outÍos fatores que explicam
o retaÍdâmento e a debilidade italianos em termos industriais capitalistas.
A Holandt desenvolveu bastante sua industria a parür da segunda
metadê do século XIX, mas o comércio e as finanças continuaram a ter
um papel prepondêrante. Na indrstrialização, ou mesmo na modemizâ-
ção geral da economia holandesa, cabe destacar o papel importantr'ssimo
desempeúado peld exploração sistemática das riquezas e da populaçalo
da Indonésiar2 .
Os par'ses esconditwvos só se indrstrial izanm em fins do século
XIX e início do XX, aproveitando seus recursos de energia elétrica e as
possibilidades oferecidas pelo mercado rnrurdial no qrmpo de certas in-
drstrias especializadas.
Nm demais parses da Eump. não se obserrra Íealmente um pÍoces-
so de industrializaça:o que permita câracterizar o início de um processo
de desenvolvimento capitalista. Noiamse alguns pólos de industrializa-
ção, não raro voltados para a exploração de certas condições locais, em
termos de matérias-primas, porém o mais característico é o predomínio
de capitais estrangeiros em tais iniciativas, raÍÍünente ligados, portanto, a
uma poupança intema e aos interesses de uma burguesia nacional em fase
de crescimento. Tais formas de "industrializaÉo", portanto, não apenas
se revelam altamente dependentes quanto ao seu caráter, mas traduzem
a existência de capital intemacional cujos investimentos assumem feição
nitidamente especulativa. Situam+e aí os casos da Espanha (Catalunla,
Provrnôias Bascas etc.). Russia (S. Petersburgo, Moscou, Urais etc.),
Áustria-Hungria (Boêmia, Viena etc.)rr . Com exceção dos países europeus

'2 BRUHAT, J. ír', toire de l,Indonésie. paris, pUF, 195g.


r3 Consultem-se
os seguintes liyros: The Cdmbidge economic history of Europe
-
the industria.l revolutiqn3 and after. Londres, 1965, vol. VI, partes I e II.

l8
já mencionados, no período que estamos estudando destacâm-se os câsos
dos Eqtados Unidos e do Japâo. Tal como a da Russia, a indutíalizâção
desses países ultrapassa consideravelmente, na verdade, o ano de 1870.
Seu estudo aqui, no entanto, justifica+e a fim de completarmos a üsão
geral do pÍocesso de industrialização durante o século XIX'

b.5 Á Revolução Industial nos Estados Unidos


O processo de industrializaçalo dos Estados Unidos pode ser dividi'
do em duas etapas principais, separadas pela Guerra Civil. Costuma'se,
porém, denominar de "Revolufo Industrial" aPenas a parte do PÍocesso
posterior à Guerra Civil, quando sua aceleração atingiu ProPorções gigan-
tescas.
No Íinal do século XVIII e início do XIX os Estados Unidos esta'
vam ainda em considerável dependência econômica face à antiga metró'
polera, de modo que as lutas desse período, sobretudo a "segrnda guena
de independência", levaram ao estabelecimento das primeiras fábricas' a
{im de suprir o mercado interno com o§ pÍodutos cuja importação da
Inglaterrá se tornara quase impossível.
"Os anos de 1780 a 1860 assistiram à ascensão gradual do sistema
fabril e das bases, na América, da Revolução Industrial Este foi
também o período quando os Btados Unidos passàram de uma
condição de dependência econômica da EurÔpa para una outÍa, na
qual as necessidades ordinárias de mercadorias manufaturadas po'
diam ser supridas no paÍs."rs
No volvimento in dustrial noÍte'americán o con corre rarn vários
desen
fatores que üeraÍn, em ultl-ma instância, determinar-lhe a caÍâcterística
mais maÍcante: a ampla utilizaçâo da máqüna e, portanto, a ênfase na
padronização e na produçâo em massa. O primeiro desses fatores foi a

NIVEAU, M. Histoire des ltits économiques contempordins. Paris, PUF, I965.


(Hi trad. bras. Sio Paulo, Dif. Eur. Livro.) LÉSoURD, J. A. e GÉRÀRD, C.
Hisroire économique, XtXe et XXe siàcles. PaÍis, A. Colin, 1963.2 vols (Há
trad. port. Lisboa, Arcidia.) FRIEDLANDER e OSER. IlirÍona económica de
la Europa Modema. Méxrco, Fondo de C\rltura Económica, 1957.
ra NIVEAU, M. His.toire des Íaits économiques contemporains. Pads, PUF, 1966,
p.76 e segs.
rs TURNER. F. t. The Írontiet in American àlsÍorv. Nova lorque. H. Holt and
Co., 1920, p.259,apud NIYEAU, M., op. cí., p. 74 e se$.

39
existêncie de urna vasta "fronteira" interior, cuja conquista e povoamen-
to no decurso do século XIX possibilitaram a absorção do excedente
popüacional in terno, essim como a entrada de milhOes de imrgrantes.
Com isso a ofeúa de mão-deobra, embora nalo fosse bastante escassa
para frear o crescimento industrialró, jamais foi superior à demanda, o
que possibilitou salários relativamente elevados. Daí, finalmente, a cons.
tante preocupação dos empresários com a redução dos custos da produ-
ção através da economia de mão-de-obra, o que só foi possÍvel com uma
utilização intensiva da máquina.
A importância assim usumida pela mecanização orientou invento-
res e empresários no senüdo de uma crescente padronizaçalo de peças e
equipamentos, simplificando e barateando o uo das máquinas. Com isso
venlicou-se uma expansão algo precoce do setor de máquinas-ferramen -
tas, bastnndo lembrar que, por volta de 1859, mütas já eram exportadas
para a [nglaterra (setor têxtil).

Inicidmente a indtstria americana teve nos têxtgis o seu maior sus-


tentáculo, logo seguido pela metalurgia. Das máquinas para a indxtria
téxti.l passou-se a outÍos setores da maquinaria pesada e Íis locomotivas
em particular - o que tbi favorecido pelo grande surto ferroviáno a partir
de meados do século. Já na segunda metade do século a indústria pesada
avançou rapidamente, superando os setores ligados à transformação dos.
produtos agrícolas. Com o advento do aço, da eletncidade e do automó-
vel, surgiram setores novos e dinâmrcos, os quais, ao lado da produção de
equipamentos para a agricultura, mrneração, indústria petrolÍfera etc.,
permitiram o vertiglnoso crescimento verificado após 1880.
Segundô M. NiveaurT, o desenvolvimenio americano acelerou.se en-
tre 1840 e 1860, ganhando novo impulso após a Guerra Civi.t. Segundo
FaulknerrE, poder.se.ia tomar o ano de 1850 como sendo o do início da
Revolução lndustria.l americana. Após a guerra civil, com a implantação
de uma política de tarifas fortemente pÍotecionista, a industria encon-
trou as condições ótimas píua sue expansão, chegando ao clímax a Rero-
lução Industrial.
Em I890 a produção industrial superava a produção agÍcola e em

'u Id. ibid.


11
op. cit., p. B+-
rE
Ctp. cit., pp. 391-419

40
1900 seu valor já era o dobro da segunda, multiplicando-se essa diferença
a partir daí. Fato semelhante pode ir verificado- quanto à
urbanizaçãole '

b.6 O JaPdo
do
O modelo japonês difere bastante do do americano e também
dos europeus. com exceção talvez do PÍocesso de industrialização russo2o '

Teve como ponto de paÍtida a chamada "Revo1ut'o Meiji"'


ou seja'
imperial'
a queda tlo regime "*ogrnrl" e sua substituição pela autoridade
ri muaança 1 as transformações que lhe deram origem e que se lhe
caráter bur'
seguiram permitem calÍacte.1tTÀÍ aquela revoluf9 como d€
guir't , poir, a burguesia mercírntil fosse ainda débil e a industrial'
".bora fato é que a partir daí as relações de tipo caPitalista'
[uur. ir.*iri.nte, o
sob o impulso estatal, desenvolveÍ,un+e com grande rapidez no Japão'
proglessis'
A antiga aristocracia feudal, através de seus setores ma'is
estatal, teve seus direitos
tas que assumiÍam o controle da burocracia
libertação da mão'de-obra' fa-
seúoriais abolidos - o que rePresentou a
e convertidos os di-
tor imprescindível ao desenvolvimento capitaiista -
em rendas e, mais taÍde, títulos da díüda pública' os quais'
reitos ieudais
depositados nos bancos recém-criados. thes deram a condiçâo de
seus
ramificada e hierarquiza-
máiores acionistas. A base familtar tradicional,
progres-
da, transferiu-se ao cÍunpo econômico-hnanceiro, dando origem,
um número reduzi-
sivamente, a uma ecouomia concentÍatla, em mão de
número de empÍesas
do de famrlias, cada qual controlando unl grande'
bastante diversificadas que constituem os Zaibatw2z '

'9 v"j.-r" também PHILIP. A - Hislória dos Íoclos economicos contemporuneos'


.ld.
a Revoluçâo
Lisboá, Herder, 1965, p. 126 e segs. (Localtza entre 1844 e 1840
Industrial americana.)
r FALKUS, M. E. "The beginnings of industrial Browth in Russia ald Japan
Nairobi' Oxford
before 1914". ln Reodings in tni history of economic growrà
University Press, t 968, p. 223 e segs
2' BARAN, P- Á economio políÍicd do desenvolvimenlo econômico
Rio' Zahar'
do cajáter "buÍ-
1960, pp. 1??-86. (O autor discute longamenle o problcma
guês" da "Revolução Meiji", paÍa ele indubitável )
2 p i53 e segs Veja*e a sua definiçâo.para o 7Áibatsu" "Ex-
PHILIP, A., op. cit.,
pressao aa ua.ia família j"ponesa tradicional no quadro
jurídico da socicdade em
comandrta por
comandita por açôes" (p. 163) ou ainda: "É uma sociedade em
açóes, diyididâ por seçôcs" (p 154).

4l
Durante os primeiros tempos, o Estado assumiu as tarefas empresa-
riais mais urgentes - dada a carência de empresários e de capital. A buro-
cracia de jovens samurais pÍomoveu uma elevad.a taxa de reinvestimento,
erguendo.se assim fábricas e estaleiÍos, constÍuindo-se estradas e ferrovias
e estabelecendo-se modemos sistemas de comunicação. Simultaneamente,
a educação meÍeceu atenções especiais
- importando-se também técnica
e técnicos estrangeiros e promovendo-se a ida de jovens ao exterior a Íim
de estudarem.
Os investimentos estatais foram possíveis em grande parte porque
camponês, em troca da supressão dos direitos senhoriais, se viu compe-
,o
lido a pagar ao Estado o eqüva.lente a ll3 de sua colheita em dinheiro.
Até 1900 tal lrnposto rcpresentou 80% dos recunios fiscais disponíveis.
Apesar de tudo, a agricultura avançou bastante nesse período, especial-
mentê em termos de produtividade, beneficiando-se também do cresci_
mento do mercado intemo. A parte excedente da população agrícola diri_
giu-se para as cidades, daí a abundância de mão-de-obra disponível para
a industrialização. O declÍnio continuado da pequena propriedade acen-
tuou mais ainda essa tendência.
A industíalizaçào japonesa, dadas as peculiandades de que se reves_
tiu, pode prescrndir de grandes capitais externos. A mecanização, porém,
progrediu lentamente. O artesanato e a pequena industria predominaram
até 1929 com urna imensidade de pequenas empresas espalhadas pelas
cidades e pelos campos.
Entre 1855 e 1890 o Estado resolveu vender ao capital privado as
empresas já suficientemente rentáveis, de modo a obter recusos para no-
vos investimentos em setores deficitários23.
Calcula-se que, em 1893, cnrca de 84To da população japonesa eram
ainda rurais e apenas 6Vo viiam em cidades de mais de 100 mil habitan-
tes. Em 1913, 72Vo da populaçÃo ainda eram rurais. Tais rndices, portan-
to, diferem em müto dos correspondenres aos Estados Unidos e à Ingla-
teÍra, aproximando-se da situação da Rússia pré-revolucionária.

t HOLT, ROBERT T. e TURNER, !. E. The potiticol fusis ol economic devetoF,-


men t. Princeton, Van Nostrand, 1966, p. 233 e segs

42
TEXTOS PÀRÁ ANÁLISE
Texto n9 I
REVOLUÇÂO INDUSTRTAL E MISÉRIA
.. As classes operárias pobres, dedicadas desde cedo à indústria maÍlufatuÍei
.
ra, são muito ignoÍantes e sem energia física e mora!. A exemPlo da lnglaterÍa' os
empresários da grande indústria as consideram unicamente como instrumenlos me-
cânlcos. Os pro""rro, econômicos estâo muito difundidos na indústria manufaturei'
ra e mesmo na agricultura dirigida segundo o sisterr.a inglês. A cultura das plantas
oleaginosas assumiu, sobretudo na Flandres, uma extensão que prejudica a produ-
çâo ãe planus alimentícias As fnr tas sâo muilo raras e muilo caÍas para poder ofe-
,"aa, ,ra recurso à classe Pobre. Achando'se a populaçâo aglomerada e comprimida
de ceÍta forma num espaço muito circunscrito, os aluguéis são necessariamente mui-
to altos. Não existem em geÍal, na regiâo do norte, teÍras comuns às quais os pobres
possam leyar seus rebanho; para pastar e, embora as repartições de beneíicência se-
jam abundantemente dotadas em relação às de outras províncias, a miséria nâo pode
jamais delas receber senão recursos muito insuficientes e se toma, assim' uma carga
ár. mais onerosas para a beneficência Particular. O sistema de indústria e de agn-
cultura seguido nessa parte da França tende sem cessar' de um lado, a aumentiu a
populaçâo marufatuÍeirat de ouúo, a abaixar as taxas dos salários, a concenüar os
t"iit.ii " os benefícios da indústria e a tÍazet, assim, lodos os elementos tcrâdoÍes
do paupeísmo. Há mais riquezas que nas outras provincias, mas estão muiro desi-
gri-"n,a ÍepaÍtidas. Toda-s essas causas explicam o número e a condição dePlorá-
vel dos indigentes nessa parte do reino- .
Os levantamentos oficiais feitos Por ordem da autoridade adminlstratiYâ em
1828 provaram que exisüam no dcpaíamento do Norte 163 453 indivíduos inscri-
tos como indigenres nos redstÍos das repartições de beneficência, isto é, pouco mais
de um scxto da população...
Nos campos, esta PÍoporçâo nâo é maior do que 12 a 15 avos; mzrs nas cida-
des e populaçôes ag.lomerada-s ela se eleva freqüenlemente a um quarto da poPu-
laçâo...
em Lille, que a reuniâo espanto-
,., É sobretudo na capital do departamento,
sa de todos esses gêneÍos de misérias se oferece incessantcmente ao olhar'
Ali, numa populaçâo dc 23 381 indigentes, havia, em 1828' 3 687 que mora-
vam em cavemâs subterÍâneas, estreitâs, baixas, sem ar e luz, onde reina a imundície
mais repugnante.

(VILLENEUVE-BARGEMONT, A. de. Economie polirique chréienne' ou


recherches sur ltnature et Poupéisme en Fronce et en Europe'
les causes du
et sur les moyens de le soulager et de le prévenit' Paris, Paulin, 1834' t'Il'
pp.22-23,51,56,62.

43
Texto n9 2
REVOLUÇÂO INDU§TRIAL E L{-.DDTTAS
Dirigindo-nos para cá (Bolton)... encontÍa.mos na cstÍada um bardo de vá_
nats c€ntenas de homens. Creio que eÍarn uns 500; e como perguntíssemos a um de_
les por que motivo estavam assim reunidos em tão
$ande número, eles responderam
que acabavan de destÍuü atgumas máquinas e que pretendiarn fazer o mesmo por
todo o país. Em conseqü€ncia, fomos prevenidos aqui de que devemos esperar sua
visita para amanhã; os operários das vüinhanças já reuniram todas irs aJmas que pu_
deram encontraÍ e estão empenhados na fund.içao de balas e no aprovsion arn cn to
de pólvora para atacar amanhâ de manhã. sir Richard crayton acaba de trazer a no-
tícia:ele está neste momen!o na cidade, a Íim de discutir com os habirartes sobre as
medidas a tomar paja protetê-ros. creio que eles decidiram envlar imediatamente a
Liverpool o pedido de uma parte das tropas que ali estão aquartelada...

No mesmo dia, à tarde, uma gande fábrica situada perto de Chorley e orga-
nizada segundo o sistema de Arkwright, que é um de seus proprietírios, foi atacada
por eles. A posiçâo da consEuçâo não thes permitia üproximar_se senâo por uma
passugcor estreita: graças a isto o chefe da lábrica pôde, com o auxílio
de alguns vi_
zinhos' repelir o ataque e sarvar a fábrica desta vez. Dors dos atacartes rbrarn mor-
tos no loc8l, um afogou-se e vários flcaram l'eridos. A turba nâo tinha armas de Íbgo
e nio csperava umu reccpça-o ta-o enúrlnca. Ficaram exasperados e juraram vmgaÍ_se.
Prssaram o dia de domingo e a manhâ segurnte a reunir fuzis e munições.., Os
minerros do duque de Bridgewarer uniram-se entâo a cles, além de outros operários,
iltingindo seu número, conlorme nos disseram, oito mil homens. Estcs marchararn
ao som de tambor e insígnias dest'raldadas sobre a übrica de onde haviaÍn sido repe_
lidos no sábado. Lá encontratam SiÍ Richard Clayton à fren te de uma guarda de
cinqüenta inválidos. Que podia fazer um punhado de homens diante desses milharcs
de desesperados'l Tiveram que se retirar os mválidos _ e desempenhar o papet de
-
especradores, cnquanto a multidâo destruÍa poÍ completo um equlpamento avaliado
em mais de 10.000 {.. Foi assim que transcoreu a jornãda dc segunda-teira. Terya-
t'eira pela manhí ouvimos seus tambores a uma distância de aproximadamente
duas
milhas, um pouco tntes de deixarmos Bolton. Sua intenção declarada era de apode-
raJ-se da cidade, depois de Manchester c Stockport, de maÍchar dali
sobre Cromlbrd
e de destruir as máquinas na-o somente nesses diferentes lugares, mas em toda a
Ingiaterra.

(Trcchos das cartas deJosiú Wedgwood a Th. Benthey, datadas de 3 a 9 de


outubÍo de I 779. rn MANTOUX, p., La Révolurion Industrielle au X Vttle
sricle. Paris, 1905, pp.4184t9.)

44
Política de 1760/80 a 1870/80 - A Socieda«le
1.2 A Evolução §ocial e
Liberal
séculos XVIII
2.a As oigens das revoluções democnitico'burgttesas dos
Regime
e XIina Europa. A cise da sociedsde do Antigo
a crise final do
a.l A partir da segunda metade do sécrÍo XVIII ocorrendo
ütima fase vinha
feudalismo na Eruopa Centro'Ocidental, cuja
paralelamente' às transforma'
rlesde os fins da Idade Média, deu origem,
ço"s .conOmi."s ligadas ao
triunfo dã modo de produção capitslista' a
importan-
iod. uma séne de mudanças na estrutura política e social ' com das
no planó ideológico (artistico, literiírio e cientíÍico)
i", ,.p.r.*to.t
sociedades euroPéias'
essas transformações constituem um todo'
inter-rela'
Na verdade,
econômicas geralmente estudâdas
cionadas como estão às transformaçâes
{' a reuolu'
sob a"no*i""ção de Revolução nausüA' Estas "revoluçõe '
fa'
" são^nâ realidade
ia"irarroat e u revoluções democnitico'burguesas'
ces de um mesmo fenômeno geral - a revolução burguesaa '
sepaÍa-se o estudo de
Por razões de ordem dittáüca, no entanto'
surs duas faces mais caÍacteÍísticas de modo a
constituir' uma delas' a cha-
,rau n"*f rçeo Industria.l ou o advento do capitalismo' e a outra' as cha-
ou' como querem alguns' a "re'
-"du, ,anoluçOes democÍático-burguesas
;;G" ao mundo ocidental". EÃconiunto,, elas assinalaram a liquida'
feudal, da sociedade aristocrática e do regime
ção ào ,noao de produção chamar de
iisolutista, até então associados naquilo que se convencionou
o triunfo da
Anúgo Regme. lnicia-se ugo" t to capitalista e
com ela

sociedade burguesa2s .
essas revolu@es são
Tomadas êm set§ asPectos Políticos e sociais'
ou
conhecidas tradicionalmente comà revoluções dernocráüco'buÍguesas
Revolução France-
ainda, segundo suas conotagões nacionais especÍficas:
sa, Revoluções Aemãs de I 848 etc'
Mais recenteme,*' p''lt-á"s trabalhos de Palmer e Godechotb '
" conceituação cujo
vem{e tentando intÍoduaÍ na historiografia uma nove

7 HossgewN, E. Weidenfcld &


The age of retolution (17E9'1848)' Lonúes'
Nicholson, 1962. (Há lrad' csp' Madri, Guadarrama')
ã MoRAzÉ, ch., op. cü.
t PALMER. R.TheageoÍthe democtutic revolutleT '
tpvol'' 1959' 29 vol'' 1964
PuF' Col Nouvetle clro' 1963'
Princ€lon, GODECHOT, l. res révolutions PaÍis'
(Há trad. pela Pioneira, Sao fauio) - Ls ga nde nafion ' Paris' Aubicr' 1959'

45
objetivo é. abranger, num todo mais ou menos
coerente, o conjunto de
movimentos revolucionários ocorridos no Ocidente
entÍe aproximada_
men te_ 1760 e 1850, aplicando-se a esse
conjunto a denominação de Re_
voluça-o Ociden tal ou Revoluça-o do Mundo
õ"ia"itit-.'ir""wa'_r",
afirmar a relativa homogeneidade que caracterizaria ^r,rn,
as estruturas econõ-
micas, políticas e sociais das regrões situedas às
margens do Atlântico
(setentriond),dando*e especial ênfase à comunidade?eológica, tendo
em vista a tese da maior .,permeabílidade" dos oceanos
e mares, defendi_
da por aqueles autores.
Aceitando-se tal interpretação, aquela Revolução poderia
ser de-
composta em fases ou etapas sucessivas, bem caracteázadas,
quais sejam:
a_primeim, de 176o11789, duran te a qual o acontecimento
bzísico seria a
Revoluçalo Americana; a segunda, de l7g9 a l gl5,
tendo a Revoluçalo em
França e a conseqüente expansa:o revorucionária
corno acontecimentos
beísicos; e a terceira, de l8l5 a lg50 (ou até
lg70), caracterizada pelos
movimentos überais e nacionais que ocoÍreÍam
após o Congresso de
Viena.
A idéia de uma,'rcvoluçâo ocidenta.l" sofre inúmeras restrições,
pois é extremamente difícil encontraÍ pontos de
contato suÍicientes entre
as condições políticas, sociais e econômicas existentes
nas regiões por ela
abrangidas e particularmente entre as duas margens
do Atlântico. De tal
mo.do isso é verdade que Íica, não raro, a impresSo
de que esse conceito
se baseia múto mais nas afinidades ideológicas
existentes entre determí,-
nadas camadas sociais daquelas regiões.
Bastaria lembrar que, enquanto na Europa Ocidental
.
maior ou menoÍ grau o feudalismo, embora modificado
sobrevive em
em função das
transformações ocorridas a partir do século XV,
na América do Norte o
feudalismo é praticâmente inexistente, por força
mesmo das condições
coloniais.que presidiram a implantação eúropeia naquela
área.
Poder-se-ia ainda acrescentar que é extremimente
discutível, ou
pelo menoc nalo é facilmente perceptível, o caráter ..revol
ucionário,, da
chamada Revoluçalo Americana, ao mesmo tempo
que aparece extrema-
mente rígida a distinção que se estabelece entre a duropà ..Ocidenta.l,,
e
a Europa "Oriental", com o perigo, neste último
d. um eüdente
anacronismo visivelmente ligado a preocupações "uro,
ideológicas atuais. Aten:
te-se ainda para a dific,ldade de situarmos os parses
ibéa"o, e a ltália
centro-meridional no mesmo bloco da chamada Europa ..Oriental,,,
a.2 Apos a longt conjtnuru de crise que se prolongou até o início
do século XVIII, começou uma fase cuia tendência brísicã _
secular _ é

46
para a alta. Ao longo desse período de "prosperidadC, que irá durar
até
A e de modo que a
iato-tstS, sucedeí+e fasei cíclicas de tipo B27,
"crise revolucionária" que se inicia na segunda metade do século XVIII
dessas
sofre a influência da superposição, ou melhor, da interpenetração
ampla e decisiva ligada à
crises conjunturais com a crise estrutural mais
decadênciã do feudalismo, cuja fase final chega, então, ao seu término'
À, aifi"UOra., dos negócios e da produça'o, em paÍte já do üpo capitalis'
ta, são aumentadas pela desintegràção das estrutuÍas feudais ainda sobre-
o abaio
üvenies, principaimãnte no campo' provocando necessariamente
que
de toda a socieàade do Anügo Regime - daí o clima revolucionário
ao caPitalismo que
caracteiza essa época. É a transição do feudalismo
como
chega ao .", porio culÍninante, pois, a partir daí, estabelecendo-se
forãa predoriinânte a pÍodução câpitalistâ, fixa'se também o domínio
da sociedade bwguesa, ..o-irnh"d., evidentemente, de sua ideologia
própria.
t.3 As estntfiiras soci is e as instituições políticas apresentam' de
fato, üferenças ba§tante sensíveis conforme se passa da Europa Ocidental
à Europa Oriental.
Nas regzões ocidentais, há uma aristocracia cuja base econômica -
a terra e o camponês que a cultiva - tende a transformar'se e desapareccr
sob o impacto das forças de mudança que conduzem ora à grande Pro-
em benefício
pnedade caPitalistâ, ora ao esfacelamenio da propriedade
agrícolas' há müto
ã" um. gr*d. quantidade de pequenos proprietários
t.-po nas terras No plano político'social, a supremacia
"itub.l.cidos
desses aristocratas é contestada pelo poder econômico e financ'eiro
da

burguesia. Alguns membros desta se apegam à própria ordem


ügente' dis-
putando palmo a palmo as e os priülégios, enquaÍto que outros'
Posições
eo§ obstácu'
irostis às àesigualdades e abusos do Anügo Regime, bem como
los criados ielo mercantilismo à livre exPansão das forças produüvas'
pÍocuÍam derrubar a ordem existente.
' Énquon,o isso, na Europa Oientat,a aristocracia sobreüve em
ple-

na posse àos direitos feudais, explorando a imensa população camPonesa


reduzida à servidão, ao mesÍno temPo que a inexistência de uma burgue-
Os
sia permíte o domínio da nobreza ieudal sem qualquer cont€stação'
polí'
raros elementos "burgueses" aí existentes não têm maior inflüência
servir de
tica ou peso social, sendo mútos deles estÍangeiÍos, incapazes de

2' LABROUSSE. E. Fhtctvociones económicu y historia soaal' Madri, Ed' Tec'


nos, 1962.

4',1
apoio a uma política absolutista do tipo encontrado nos países do Oci-
dente da Europa.
Todas essas condições conjuntumis e estruturdis encontram sua ex_
pressão mais eüdente nos problemos políticos cla época, de modo que é
exÂtamente aí, ao nível polÍtico, que as transformações revolucionárias
encontraralo sua expressão mais dramática, caracterizando as diversas
revoluções que se veriÍicam nes'ta época.
Para entender as revoluções desse perÍodo, faz-se necessário estabe.
lecer uma breve comparação entÍe a monarqüa ing.lesa, a monarqüa fran.
cesa e Ís monarquias típicas das áreas mais atrasadas.

A lnglaterra e até c€rto ponto também as provÍncias Unidas consti_


tuem uma excêÉo no século XVIII. A revolução inglesa do século XVII
representou ali o triunfo de uma burguesia de aristocratas latifundiários
e negociantes e empresános capitiúistas, cuja expressão polÍtica, o parla_
mento, logrou, ao longo do século XVIII, implantar alguns dos pilares so.
bre os quais lria assentar-se o parlamentarismo rnglês do século XIX.

. Embora imperfeita, incompleta e bastante corupta, a rlemocracia


inglesa causava inveja aos seus contemporáneos do contirente, e
o modelo
de monarquia "à inglesa" é uma constante nos textos polÍticos e filosófi_
cos da flustraça:o. Causa admiraçaio, sobretudo, o respeito exisrente na
Inglaterra aos direitos indiüduais e à lei em geral.
Enquanto isso, na França, temos o país do absolutismo monárqur.
co por excelência, em sua forma clássica. fu ondições que caracterizam
esse absolutismo são agora agravatlas pelo antagoniimo
irescente entre a
nobreza e os setores burgueses ligados diretamente ao Estado absolutista,
pois, voltados para a perspectiva de enobrecimento para
as funções públi-
cas em geral, os burgueses sofreram duante o seculo
XMII uma verdadeira
reação no bilürquica , que buscou cercear sua influência
política e adminis-
trativa e as possibilidades de ascensão à aristocracia2s. Êste enduiecimen-
to das posições aristocÍáticas tornou-se ainda mais violento porque todo
o desenvolvimento econômico que s€ operava tendia, pelo contrário, a
assegur:u o predomínio cÍescente da burguesia na vida
econômica e finan_
ceira do país.
Ao identificar-se com a nobreza e seus privilégos, a monarquia ali-
jou aos poucos as lidelidades e simpatias de amplos setores da burguesia

T UANOROU, R. Lo Fronce sux XVIIe et X yIIIe siàíes. paris, pUF, Col_ Nou-
vclle C'lio, 1967 . (Há trad. esp.
bela Labor.)

48
já atingidos pelas novas concepções políticas e sociais que, em nome da
Razáo e do Progresso, contestavam a própria legitimidade e até mesmo a
necessidade do absolutismo, preconizando, pelo contrário, uma sociedade
juridicamente i gual i td ia, plítica e economicam enle I iv rc.
Nesse ambiente, verifica-se qre os radicalismos ideológicos foram
assumindo proporções cada vez mais intensas, exprimindo o desmoronar
da velha ordem. Tomam vulto também os descontentamentos de outÍos
setores sociais igualmente explorados pela ordem social ügente, ou até
mesmo simples vrlimas da conjuntura econômica desfavorável.
Dadas as forças presentes, o rei perde aos Poucos as condições de
arbitragem que até então lhe haüam possibilitado sobreüver, enquento
que o reformismo de inspiração burguesa, baseado nos fisiocratas, tende a
se iornar impossível ou inócuo, como o exempliÍica o ministério de
Turgot, esvaziando-se diante das reações de uns - os privilegiados - e das
exigências de outros - os inimigos dos privilégos.
Nesse clima, a reaçã.o aristocÍática, que se consubstancia afinal
numa revoluçâo, ou qulse revolução, a chamada "pré-revolução" aristo'
cÍática2e, irá ser o prelúdio à revolução burguesa que se desencadeia em
1789.
No restante da Europa Ocidental prevalecem ainda formas políticas
e sociais quase idênücas às do Antigo Regime francês, variando, porém, a
importância da burguesia e o seu "peso" Íelativamente à aristocracia feu'
dal. Quase sempre numérica e economicaJnente débil nesses Estados, a
burguesia não tem aí condições pÍua uma contestação autônoma do Po'
derio e dos privilégios da nobreza, sendo obngada, por isso, a buscar o
amparo do aparelho estatal, o que dá origem às formas denominadas de
"absolutismo ou despotismo esclarecido"s .
Foi exatamente o que se verificou na Espanha de Carlos III e em
Portugel, no reinado de D. José I, qrundo ponúficou o Marquês de Pom-
bal. Outros exemplos podem ser apontados em vários principados italia'
nos e alemâes, mesmo na Suécia. Geralmente preocupados com a introdu'
ção de novas maneiras de pensar e de sentir, combatendo o traücionalis-
mo - "obscurantista" - tais soberanos, ou melhor. seus ministros, alguns

D EGRET, J. Lo Pré-révolution française. Paris, PUTi, 1962. LEFEBVRE, G. Ia


Révoluion Françoise. Paris, PUF. 1951. (Há trad. bras. pela lbrasa.)
* GERSHoY, L. From despotism to revdution- Nova Iorque, Harper, 1944. (Há
üad. francesa, A. Fayard.). PRÉLoT, \l'. Hisroire des idées politiquu. P'a:is'
Dalloz, 1959.

49
burgueses ouúos não, deram ênfase especial às práticas mercantilistas des-
tinadas a pÍomoveÍ o enriquecimento do país
- e, portanto, do Estado.
As rcformas entâo realizadas, mais ou menos profundas e duráveis con-
forme o císo, maÍcÍuiun quuie sempÍe uma etapa decisiva no desenvolvi-
mento histórico desses paÍses, especialmente em termos de fortalecimen-
to da burguesia nacional e liqüdação ou abrandamento de algumas das
formas mais retrógradas ligadas à explorafo de tipo feudal e à mentalida-
de associada a essa formação econômico-sociaI.
É eüdente que tais pol íticas forem bastante oporrunistas, embora
envoltas na ideologra das "[uzes". Quase sempre os soberanos utilizaram
do arsenal das medidas propostes pelos "filósofos" ou pelo "espírito do
século" as que pareciam mars indicadas para o fortalecimento de sua au-
toridade e a promoção do bemcstar dos seus súditos - de acordo com a
sua óüca paÍticulaÍ. Não raro a lgeja, e sobÍetudo 6 jesuítas, foram res-
ponsabilizados por tudo de errado que exisha e sobre eles desencadeou-se
a perseguição em nome da "tolerância" e do "progresso". A nobreza, po-
rém, permaneceu intacta. Dadas as ciÍcunstánoas, é claro, não poderia o
despotismo seÍ outra coisa senão uma forma de "modemizar" certos Es-
tados absolutiqtas, assegurando-lhes uma capacidade de resistência mais
prolongada às novas forças - de mudança social - em ascensão.
Na Europa Oiental, ao contrário, o reformismo é apenas de facha-
da, "epidérmico", pois não corresponde à necessidade real de uma estru-
tura social dualista, face a um Estado moniirquico mediador. A oposição
básica aÍ é entre camponeses (servos) e a nobreza (senhores feudais), a
qual nâo chega a ser objeto de cogitaçõ€s sérias por parte dos sobera-
nos - pÍojetos humanitários de abolir a servidão jamais foram executa-
dos, no entanto - simplesmente porque não o poderiam ser, dada a rela-
ção de forças então existente e o desinteresse da principal interessada, a
aristocracia feudal, nesse momento, por uma abolição que só lhe poderia
trazer prejuízo, ao contrário do que iria oconer durante o século XIX.
a.4 Antes de encenarmos o estudo das origens dos movimentos re-
volucionários que caracterizam o período que estamos estudando, é con-
veniente fazer referência ao que se poderia denominar de condições pré-
revolucionárias3r . Tais condições envolvem o conflito entre o que se po-
deria denominar de força de transfortrução e as chamadas /o rças de con-

3r LABROUSSE, E. e MOUSNIER, R. Le XVI e siicle. paris, pUF, t953. (Ií,'s,


Geral das Qvilizaçõcs. São Paulo, Dif. Eur. do Livro. Vot. XI.) LEFEBVRE,G
The coming of the French Reyolution. Nova lorque, Knopf., s/d (l? ed., 1947).

50
servoçõo que se enoontram presentes nesse momento, islo é, de um lado,o
capitalismo agráio e industrial, o crescimento demográfico e a ampliaSo
das atiúdades comerciais (expansão do mercado intemo e extemo), as rei-
vindicações do campesinato contra as sobreüvências feudais e da burguesia
contra os privilégios e os obstáculos que caracterizam a sociedade e a po'
lítica mercantilista do Antigo Regime, enfrm, também a própria urbaniza-
ção; enquanto qULe, do outro lado, enconlrarnos os Íemímescentes da eco-
nomia feudal, os setores privilegiados representados pelo clero e pela aris-
tocracia, os elementos burgueses associados ao Estado, quer como oficiais
do rei, quer como negociantes e empresários do Estado absolutista. Tal
conflito encontra sua expressão mais eúdente nas idéias políticas, sociais
e econômicas que, sobre a base comum do racionalismo, PÍocuÍam con'
testar a ordem vigente e estruturaÍ as bases de uma nova sociedade.
No plano das idéias e da política econômica, a exPressão do conÍli
to antes mencionado vem a ser o ataque às condições e à Práticas meÍ-
can tilistas .
A fisiocmcia, abrindo caminho ao liberalismo, invoca as chamadas
"leis naturais" da economia para criticâÍ e condenar o intervencionismo,
típico do mercantilismo, englobando os diversos comPortamentos que
caraclerizam as políticas mercantilistas num todo de aparência coeÍente,
que se convencionou chamar de "sistema mercantilista", o qual se toma
o alvo perfeito dos econ omistas-fiIósofos. Cítica-se particularmente a ên'
fase dada pelo mercantilismo ao comércio e à industria em detrimento da
agricultura. Logicamente, esta últiÍna é agora a atiüdade exaltada por ex-
celência, objeto central das preocupações fisiocÍáticas, antecedendo ou-
tras interpretações que, a partir de Adam Smith, irão dar início à consti'
tuição da teoria econômica da chamada Escola Clássica da economia32.
No plano sociat, à ascensão bwguesa corresponde a reação aristo'
crática, contra-atacando a bwguesia com toda uÍna liteÍatuÍâ frlosófica,
política e moral imbuída de princÍpios universalistas e racionalistas típi-
cos dessa ascensão. lluministas em geral e enciclopedistas em particular
atacaÍn os pressupostos b:ísicos de uma sociedade aristocráüca e católica,
seus valores, suas crençi§, sers princípios morais, contraPondo-lhes uma
religião natural, uma moral natuÍal, uma política natural etc.3s. Contra'

' DENIS, P.llistoire de lo pensée economique. Paris, PUF, 1966' (Há llad' esp',
Ariel.)
3 HeZeRo, P. Ia c'ise de la consciencc européennc. PaÍis, Boivin' 1935;id'
La percée anropéenne au XVIIIe iàcle. Paris, Boivin, 1946.

5I
põe-se, portanto, a nova sociedade que se tenta constrúÍ À velha socieda-
de em processo de decomposição.
No terreno assim minado pela críse estrutural e conjuntural que
abala a sociedade do Antigo Regime, agravado ainda mais por aquelas for-
ças de transformação sócioeconômica e pelas manifestações ideológicas
que conspiram, conscientemente ou não, para a derrubada da velha or-
dem, incidem ainda as circunstôncias de natureza política e. frnanceira
que irão prccipitar os acontecimentos. Para os adeptos da História fac-
tud. - évànemenael/e - residem aqui, por uma eüdente il usão de ótica,
as "causas" mars "imediatas" ou "decisivas" das revoluções ern pauta. A
título de exemplo, pois nesse terreno seria preciso concretizârmos a Íes'
peito de cada movimento revolucionário a, na§lre?À e o alcance dessas cir'
cunstâncias, citaremos os exemplos relativos à Revolução Americana e à
Revoluçaio Francesa.
Na Revoluçab Ameicana é mais ou menos tradicional atnbuir-se
sru origem a duas causas: opressão liscal do govemo inglês, consubstanciada
em Atos do Parlamento (Lei do Selo, tei do Chá etc.), e a luta de princí-
pio dos colonos contra a imposição da vontade do Parlamento inglês so'
bre as colônias. §em que lhes coubesse direito de rePresentação e. portan-
to, de voz e Voto nas decisões daquela Assembléia.
No caso francês, deixando-se de lado as h.istórias curiosas e anedóti.
cas sobre as personalidades de Luís XVI e Maria Antonieta, é costume
atribuir o que ocorreu ou à "catestia"v que causou a fome e levou o po-
vo à revolta, ou ao "déficit" financeiro que, levando a monarqüa à ban-
carrota, câusou a revolução3s. Deixemos de lado outras "teorias" tais
como o "complô franco-maçônico", a ação coÍruptoÍa do o .riglês ou
a conspiração dc, Duque de Orleans36. Anotemos, no entanto, a impor-
tância das crises políticas que, denotando a precariedade das institüções
vigentes e agravando os conflitos estrutuÍais, con@rreram certamente
para acelerar os econtecimentos ou até mesmo desencadear e intensificar
os p ()ccs\os revolucionários, sem que com isso possamos atribuir-lhes a
condiçJo tlc -'lutores causadores" de tais rnoümentos37.

3 GeXotff, P. La Révolution Française. Paris, A. FayaÍd, 1952.


rs MoRÂzÉ, Gr., op. ar.
s GOneCUOt, J- La gronde nation. Paris,.Aubier, 1956.
t SOSOUL. Histôria ds Revoluçdo Franceso. Rio, Zahar, CASSIRER, E. Filoso-
l-a de la [lustación. México, Fondo de Cultura Económica, !950.

52
2.b A evolução geral dos movimenÍos revoluciondrios

Para facilitar nosso estudo, podemos utilizar aqui as íases prcpostas


por Godechot; sem que isso signiÍique uma aceitação do seu conceito de
"revolução ocidental" : 19\ de 1 76G1 789 temos vários moümentos Íevo-
lucionários em Genebra, nos Países Baixos Austríacos e nas Províncias
Unidas, porém o mais lÍnPortante de todos. é o movimento de emancipa-
çâo das colônia5 inglesas da América do Norte - a chamada "Revolução
Americana"; )9) de 1789-1815 tem lugar a Revolufo Frarcesa. que re-
percute em maior ou menor escala poÍ qruse toda a Europa, Prolongân'
do-se sua influência a partir do momento em que ac ' opas revolucioná-
rias passam a representaÍ o imperio napoleônico; 39) de 1815-1850' ou
até mesmo.l870, sucedem*e moümentos liberais tais como o de l8l9-
1822, o de 1830-1833 e o de 1848-1850, sem falar nas rePeÍcussões que
se verificam na América Latina, em conexão com as próprias transforma-
das anú'
ções que ali ocorrem em terÍnos de reação à dominação colonid
gas metrópoles, desde o final do século XVIII.

b.1 A Revoluçao Ameicana


A relolta dos colonos ingleses da Améica do Norte contra a res'
pectiva metrópole foi o resulmdo de um Processo de progressivo amadu'
recimento, ao longo do século XWII, das condições que iriam determi'
naÍ, no ultimo quartel desse século, a luta em prol de sua independência'
Como colônias de povoamento, os estabelecimentos ingleses da América
do Norte já difenam, Por sua naturezâ mesma, do Íestante das colônias
europeias na América, uJna vez que se criou ali, desde cedo, uma classe de
pequenos e médios proprietános agrícolas cuja lavoura de subsistência,
vinculada quando müto aos mercados urbanos mais próximos, nada pos-
suía em comuÍn com o domínio metropolitano, em termos de dependên-
cia econômica.
O desenvolvimento de alguns centros do comércio marítimo, inclu-
sive de construção naval, aliado às Íelações intensas estabelecidas com as
Antilhas e a África, favoreceram uma burguesia meroantil e até mesmo
um núcleo de burguesia indutrial, a princípio tolerados pela metrópole,
possibilitando-lhe rápidos ProgÍessos, à sombra mesmo dos Atos de
Navegaçâo.
re-
Quando no seculo XVIII, por razões conjunturais, a lnglaterra
solveu apertaÍ as rédeas e aplicar de fato os princípios mercantilistas às

suas colÔnias norte-americànas, defrontou-se com a oposição de quase to'


das as camadas sociais ali existentes, diÍeta ou indiÍetaÍnente prejudicadas

53
por aquel$ medidas, excetuando-se os gÍandes proprietários do sul, liga-
dos à agricultura de plantation, essencialmente exportadora. Na verdade,
portanto, salvo raras exceções, a reyolta foi efetuada pelas camadas so-
ciais já dominantes nas colônias, não havendo ali a subsütuição em larga
escala de uma classe poÍ outra. Pequenos proprietários agrícolas e setores
burgueses apenas desvencilharam-se da autoridade inglesa e das famílias
ou pessoils a elas ligadas por tÍadição ou interesse político. Simultanea-
mente, porém, aqueles setores coloniais dominantes procLtraram assegurar
a sua própria retaguarda, bloqueando as reivindicaçóes dos elementos
mais pobres - principalment€ no qunpo, os sem-terra; postergaram a so-
lução do problema escravagista, poÍ se tratar de ponto verdadeiramente
crucial para os grandes proprietários do sul, cuja adesão se pretendia
i§scgu raÍ.
ldeologicamente identificada com a burguesia européia dessa épo-
ca, e talvez até mais ainda com as idéias da Revoluç5o Inglesa do sécr.rlo
XVII, a Revolução Americana conduziu à formaçao de uma República
em que se procurou eliminar o excesso de autonomia dos Estados. anti-
gas colônias, em benefÍcio da autoridade federal. Nada melhor do que os
debates que presidiram à elaboração da Consütüçâo Arnericana em seus
aspectos econômicos, sociais, políticos e ideológicos. O seu caráter revo-
lucionário talvez só possa ser entendido e aceito adotando-se uma pers-
pectiva bem mais ampla que nos permita abranger também a "guerra civil
americana", já na segunda metade do século XIX .
No quadro geral do mundo ocidental, podemos dizer que a Revolu-
ção Americana representa a tomada do poder pela burguesia colonial
eminentemente agrária em suas origens, em detrimento da oligarquia me.
tropolitâna, representada pelo Parlamento inglês.

b.2 Á Revoluçdo Francesa e o período napoleônico


As origens da Revolução Francesa podem ser estudadas, em termos
gerais, segundo dres n[61d6gsn5 até c€rto ponto complementares. No p/z-
no geral, integrada ao pÍocesso revolucionário global que caÍacteiza o
Ocidente, nessa fase de transição para a sociedade capitalista burguesa,
ela é uma etapa das mais importantes desse processo. Sob outro dngulo,
buscando-se os seus aspectos especíÍicos, tjpicamente "franceses", verifi-
camos que suas origens estão ligadas ris transformações de todo tipo que

s AenntNCtON, Moorc Jr. The sebl oigtns oÍ demooacy snd dictototship


Londres, Allen Lanes, The Penguín Press, 196?.

54
caracterizam o período final da decadência do Ánügo Regime em França.
São estes fatores estruturais e conjunturais, encarados sob o prisma espe'
cificamente franés, que procuraremos resumir.
Na opinião de Georges Lefebvrese , convergem nas origens da Revo'
luçâo Francesa, determinando a partt daí o pÍocesso revolucionário, na'
da menos do que quaúo oÍdens distintas de inquietações e reivindicações
sócio+conômicas, a ponto de, segundo o mesmo autor, podermos falar
em "quatro revoluções" distintas, quase simultâneas, inseridas todas elas
no contexto mais geral daquele movimento ÍevolucionáÍio. aparentemen-
te unitário. Teríamos assim, primeiro, a "revolução aústocráüca"; segun-
do, a "revolução burguesa"; terceiro, a "revolução camponesa"; quarto, a
"revolução popular" ou dos sans-culoÍres.
Obedecendo a razões distin tas, tendo em mira objetivos também dt-
veÍsos e, o que é mais importante, desenvolvendo-se segundo tempos dife-
rentes, essas "revoluções" se sucedem ou se superpõem, contrariando'se
ou integando-se, dando-nos assim uma idéia da cornplexidade da evolu'
ção histórica francesa durante esse período. Acrescente-se aí a influência
de toda uma série de outros fatores ligados ora à estrutura do Antigo
Regime absolutista em decadência, ora à conjuntura econômica e finan-
ceira desfavorável.
DsseÍtaríírmc longo tempo se quiséssemos tÍatar adequâdamente
de fatos tão diveÍsos e ao rnesmo tempo tão sigrrificativos, tais como "as
origens intelectuais da revoluçâo" (Mornet), "a crise da economia no fim
do Anügo Regime" (hbrorsse), "a crise financeira traduzida no déficit
crônico e na inexistência dc -uma organização pública e Particular capaz
de absorvê-lo" (Moral), o movimento dos preços, os privilégios e os abu-
sos ligados às institúções e práticas em desagregação e os conseqüentes
antagonismos sociais e po!íticos daí derivados etc. (kfebwe e Soboü)4o.

Na tentativâ de estabelecermos para o estudo da Revolução France'


sa uma peiodizapáo acessível e simples. achamos extremamente lógica e

t LEFEBVRE, G. The coming of the French Revoluion. Nova lorque, Knopf,


s/d.
* MOnNnT, G. Les oigines intelectuelles de la Révolution Frunçoise ' PaI]s, A'
Colin. 1954. LÂBROUSSE, E. Fluctuaciones económicas y histoio social '
Madri, Tecnos, f962. MORAZÉ, Ch. Les bourgeois conquémnts. Paris, A' Colin,
195?. LEFEBVRE. G. La Révoluion Fronçose. Paris, PI'JF, f95T SOBOUL'
A., Histôria da Revoluça-o Francesa. Rio, Zahar.

55
significativa a diüsao estabelecida por Emesto Labrousseqr , pois, inclusi-
ve, tem a grande vantagem de maÍlter o estudo a salvo daquele verdadeiro
emaranlado político'- "acontecirnental"
- pelo qual quase sempre en_
veredam e sc extravidm os historiadores da Revoluçâo Francesa mais po_
pulares. Temos, assim:
l) a "era das constituições,' (1789.1't92);
2) a "era das antecipações', (1792-fi9a).,
3) a "era das consolidações" (l 794-1815).
A fim rje caracterizar em lin]ras múto gerais cada uma dessas fases,
podemos apresent:tr o que se segue.
l\ A era das constinições correspondeu, do ponto de üsta institu-
cional, à tentativa de estabelecimento de uma monarquia constitucional
baseada no modelo inglés.
De 1789 a l79l processou-se a transfoÍmação das institüções do
Antigo Regime, através dos debates e das decisões tomadas pela Assem_
bléia Nacional Constituinte.
A Constttuiça-o <le 1791 e a conseqüente reunião de uma Assem.
bléia Legislativa pÍocuraram institucionalizar uma sociedade burguesa,
baseada nos princípios racionalistas e liberais desenvolüdos ao longo de
todo o moümento filosófico do século XVIII. Varreram-se todos os obs-
táculos à livre empresa e à livre circulaça-o das mercadonas, eliminando-se
os entraves representados pelas corporaçoes e pelas mÍtltiplas barreiras
interiores caracterr'sticas do Antigo Regime. A, secularizaçio dos bens
eclesiásticos e a Constituição Civü do clero tiveram por objetivo resolver
o problema financeiro do Estado e submeter a andga ordem eclesidstica
à tutela governamenta.l.
Estabeleceu-se a igualdade de todos os cidadalos perante a lei, para
flns de acesso às lunções públicas e cobrança de impostos. A igualdade
de direitos no plano civil foi limitada, porém, no plano político, pelo
estabelecimeÍtto de um regrme censitário, dividindo-se os cidadãos em
"ativos" e "passivos", conforme possuíssem ou não bens imóveis ou ren-
dimentos elevados.
Foi proclamada a liberdade de expressão do pensamento (faiada.e
escrita), a liberdade de reuniâo, a liberdade de locomoção, a liberdade de
religião etc. Em nome dessa mesma tiberdade, fora:n proibidas as associa-

4t
LABROUSSE, E. e MOUSNIER. R. Le XVIIIe siàcle. Pans. pUF . 1953

56
segundo se acreditava' tais assocla-
ções patronais e de empregados' Pois,
os indivíduos' rePÍesentando
io.s i.ri"m a liberdadÀ dà contrato entre
uma forma de coação e, de limitação da própria liberdade
Portanto,
individual.
do-a' a
ReestÍuturou'se toda a adminrstragão pública' racionalizan
Liberdade e
fim de dar maior eficiência ao Estado burguês recém'cnado
de-
igualdade presidiram, assim, às profundas refort'las que' rapidamente'
ao
úbr,rrír"- a sociedade francesa de todos os remanescentes ligadosque'
entanlo'
Antigo Regme político, económico e social' Ressalte-se' no
intransi-
na base aisso tudo, estavam o individualismo burguês e a defesa
gente do direito de propriedade que lhe é inerenle
-
Duronrr.rstepert:odoproaara,,u*-t"simuitaneamentea"revolução
burguesa" e a "revolução camponesa". mencionadas por Lefebvre' pois
peÍtencentes
ueri-ficou-se, na verdade, a ascensão ao poder dos elementos
grandes comerciantes iomec"dores do Estado' banquei'
à alta burguesia:
ãe industrias, negociantes em geral, bem como altos fun-
,or,
".prÃário,
cionáno-s de origem burguesa. Tanto assim é que houve
o predomínio
profissionais liberais' ad-
desses elementos ou de seus rePresentantes - oc
oposição aos defen-
vogados sobretudo, n., urr..Úléi., dessa época' Em
constitucional" estruturou-se aos poucos um "parti-
sor-es d" "monaJquia
bastânte rês-
do jacobino", müto embora a principio sua influência fosse
liúeral constituem os grandes defenso'
títa. n alta burguesia e a nobreza
mucada pelos
res da monarqüa constitucional ' até sobreür a ÍuptuÍa'
acontecimentos de 1792.
campo-
Nessa mesma época, desenvolveu-se no campo a "revolução
nesa" mencionada por kfebwe, desempeúando um paryl acelerador
e
uma vez que
decisivo no processíxnento da liqüdação do Antigo Regime'
caracterís'
a pressâo camponesa, PrinciPalmente quando assumiu a forma
par (,giande medo) que expÍessa o auge da irritação cam''
tiia da grandi
pesina, iransformou'se em tremenda força de coafo sobre
a burguesia
bem como sobre a própna no'
qr. aámir,rr" a Assembléia Constitúnte'
face ao
úrarr, qua se viu arrastada a concessões extÍemamente amplas
famosa
receio irovocado pelas agitações agárias, como, por exemplo' a
"noite de 4 de agosto de 1789"-
2) A era das antecipações é assim denominada porque corresponde
pressionada pelos
u ,- párfodo durante o qual a burguesia foi seriamente
pelos
,.tor"s populares urbanos, particúrmente os parisienses' liderados
chamadossans-anlottes.Parasermosmarsprecisos'podemosdizerque'
na verdade, é a alta burguesia que se v€ subjugada temporadamente pelos
elementos da pequena burguesia, que atuam como porta-vozes dos seto-
res populares interessados na radicalização do processo revolucionário
a t-m de imprimir.lhe um sentido sócio+conômico mais profundo, capaz
de transformar em realidade, também no plano social, o princípiô da
i gualdade incorporado à revolução.
Ao mesmo tempo, esta foi a fase em que a revolução se tornou ex-
pansionista, pois convergiam então os interesses e os cálculos dos elemen-
tos mâis extremados, monarqüstas de um lado e girondinos do outro, no
sentido de levar o país à guerra. O inicio da gtena contra as potências
anti-revolucionárias irá condicionar, a partir daí, boa parte da própria
evolução dos acontecimentos intemos, criando, inclusive, as condições
propícias à implantaçío do Terror e o seu progressivo agravamento.
A idéia de uÍna "época de antecipações" prende-se, na verdade, às
medidas revolucionárias efetivamente aplicadas em alguns casos ou àque-
las que ficaram apenas em projeto, todas elas, porém, caÍacterizadas pelo
Estado intervencionista que busca impedir o esmagamento dos setores
mais pobres em conseqü6ncia do liwe jogo das forças econômicas [ibe-
radas na lase anterior.
Ocorreu, no entanto, o fenômeno da existência de uma profunda
contradição entre os detentores do poder e os setores sociais que os
apoiavam, pois, enquanto alguns se voltavam pâÍa a construção de uma
sociedade mais justa e até certo ponto igualiüíria, outros apegaüam-se às
condições do passado, tentando defendêlas ou restaurá-lÍs na med.ida em
que serviam aos seus próprios interesses. Daí as facções antagônicâs em
que se irão dividir, inclusive, os próprios sans-culottes, os enrages de um
lado, os "indulgentes" e oportunistas d€ outro e os partidários do ..incor-
ruptível" (Robespiene) tentando Íepresentar uma mediação impossível.
Antecipação também porque muitas das medidas então preconizadas ou
aplicadas viriam a se tornar redidade no decurso do seculo XIX.
- 3) A era das consolidaço-es inicia-se, na verdade, com a ..reação ter-
midoriana", pois, müto embora a Convenção tenha sobrevivido até
1795, proclamando-se os sets membros autênücos defensores da Revolu-
ção, a verdade mais ou menos eüdente é que, desde a queda de Robes-
pierre, começou a alta burguesia a recuperaÍ 65 5r'es posições e a tentar
consolidáJas.
A época do Diretóio tÍaduz exataÍnente as ücissitudes dos proje-
tos de consolidação política, social e financeira almejados pela burguesia.
Buscou-se evitar a contra-revolução, porém, ao mesmo tempo, reprimiu-

58
se com üolência toda e qualquer manifestação 'Jacobina" que pudesse
representar o retomo às medidas revolucionárias de caráter radical'
Para executar esse jogo extremaÍnente complicado, em meio à guer'
Ía que prosseguia e ràs dificuldades e à ação dos elementos contra'revolu-
cionários, a burguesia üu-se levada a apelar cada vez mais paÍa o exétctto
e os seus comandantes, processando'se, assim, a ascensão do general que
soube melhor aproveitâÍ'se de tais circunstâncias - Napoleão Bonapar-
te - o qual era, ao mesmo tempo, aquele que parecia mais atendeÍ aos
objetivos de consolidação que a burguesia buscava.
O Direúrto, de 1795 o 1799,pode ser considerado, mmo alguns já
o denominaram, "uma República de cinco cabeças". Esta República, é
óbvio, não conseguiu realizar as mudanças que se faaam necessárias a
Íim de estabelecer em definiüvo a sociedade oriunda da revoluçâo' Quar-
do muito, podemos assinalar a contribuição do Dretóúo Para o sanea'
mento das finaÍlças e parâ a Íeeuperação do crédito público.
Coube ao período napoleônico - Consulado e Impéio - empÍeen-
der a grande obra de construção sistemática da sociedade francesa con-
tempoiânea em moldes eminentemente burgueses. Em troca de uma limi-
tação ou quase eliminaçâo das liberdades públicas, a burguesia obteve,
sob Napoleão, a possibilidade de usufruir tranqüilamente as vÜltagens
de toda ordem obtidas desde 1789
As reformas da era napoleônica completaram ou consolidaram as'
sim, em todos os terÍenos, a revoluçâo bwguesa aÍteriormente citada; daí
poder ser aplicada a esse período a denominafo de "despotismo esclare'
cido imperial".
A Revoluçõo Frynce§a, todavia, não pode ser estudada âPeni§ co-
mo lnn acontecimento isolado, desünculado do restante da Europa,uma
vez que, ao longo de todo o seu desenvolúmento, influenciando'o às ve-
zes de maneira decisiva, encontram-se as suas relações com os demais mo'
vimentos revolucionários que nesta época se verificaram na Europa, dire'
ta ou indiretamente ligados à própria Revolução Francesa. Faz-se mister,
portanto, não esqueceÍ o problema da expansão revolucionária na Europa
e mesmo em outras partes do mundo.
Simultaneamente, devemos lembrar que, durante todo este temPo,
desenvolveu*e a ação., cuja intensidade e cujos resultados são müto variá'
veis, daquilo que se convencionou chamar de mntra-revoluçãoa2 , isto é'

o2 GoosCHoT, J . La contre'révolution - Paris, PuF, 1961

59
as tentativas incessantes dos defensores do Anügo Regime e seus aliados
no sentido de Íestaurar a sociedade existente antes de 17g9.

b.3 Os movimenrcs liberais e naciondis de tgt5-tg50


A expansão das idéias e das institüções revolucionárias levada a
efeito basicamente por intermédio das tropas da Revolução e do Imperio
sofreu, aparentemente, um sério revés a paÍtir das denoias napoleônicas
Ce l8l2 a 1815. Dzerhos apaÍentemente porque, sob o clima de reaçâo e
rcprcssão <lesencadeado sob a égide do Congresso de Viena,e cuja expres_
são é a hlosofia da restauração ütoriosa em 1g 15, vai ter lugar um lóngo
e difÍcil duelo entre o que poderíamos chamar de ..forças de conserva-
ção" e "forças de transformaçaio"o3 .
Na verdade, a vÍtória da reação estava minada por uma profunda
contradição, pois, para fazer facc aos exércitos imperiais, apelaram os
pnncipes para aquelas idéias mesmas que haüam cànstituídã o funda-
mento da ideologra revolucionána.
Foi assim, em nome da liberdade em seus diversos matizes e cono-
tações, que os povos dominados foram chamados a se erguerem contra
os seus opressores. Em nome dos anseios nacionais e dos projetos e pro_
messas de uma sociedade regenerada, ergueram-se os líderes liberais das
áreas conquistadas para enfrentar o inimigo comrun, isto é, a França im-
perial. Imburdos de sentimentos nacionais e idéias liberais que diÍicilmen-
te se poderiam conciliar com os verdadeiros objeüvos das antigas classes
dominantes, de aspirações retrógradâq, esses líderes pensaram ser possÍvel
uma uniao com tais forças conservadoras diante da necessidade de d.erro-
tar o inimigo comum da paz e da liberdade dos povos, personificado por
Napoleao.
Aos póucos, porém, conforme a vitória ia ficando mars próxima,
revelaram-se com cliueza os verdadeiros propósiros das forças da reaçâo,
interessadas apenas em restaurar a antiga ordem de coisas, produzindo-se,
em conseqüência, uÍn profundo sentimento de iltsão e de fÍustração que
irá ser o patrimônio comum dos setoÍes progressistas, liberais e nacionais,
cujas ütimas espeÍançirs se desvaneceram com o caráter das decisões
tornadas no Congresso de Viena.
Iniciou-se em l8l5 um longo perÍodo de lutas que, em todos os se-
tores e países., iriam opor com resu.ltados diversos os paÍtidários da socie-
dade do Anügo Regime, pretensamente restaurada em 1815, aos adeptos

* THOMSON, O. Europe since Napoleon. Londtes, Longman, 195 i

60
de uma nova sociedade cujo triunfo e conseqüente amadurecimento, par-
cialmenle retardado em 1815, se configuraram aos Poucos de maneira ir-
reversível sob a forma de sociedade capitalista burguesa.
Expressa-o dessa luta foram, portalto , os movimentos liberais e no'
cionais cr\as explosões revolucionárias marcam de maneiÍa caracteÍística
o período que ie estende até l8?0, dando-lhe aquelas características de
epàca ao m;smo tempo de "reação e de revoluç5o", de "restauração e de
Íixaçao de uma nova sociedade"' Etapa hnal da chamada "Revolução do
Mundo Ocidental" ou último ato da revolufo buÍguesa, as revoluções
líberais e nacionais do século XIX representam um período decisivo da
formação histórica do mundo contemPorâneo.
b.4 Apos 1815 acelerou-se cada vez mais o desenvolvimento eco-
nômico capitalista, em conexão com a expansão da revolução industrial e
as transformaçôes a ela ligadas. Conseqüentemente, aÍirmou-se a impor-
táncia decisiva e a liderança de fato exercida pela burguesia no campo das
atividades econômicas e fi nanceiras.
PaÍciâlÍnente alijada do poder pela Restauração e colocada em se-
gundo plano do ponto de ústa da hierarqüa social, irá situar-se esta bur'
guesia, em maior ou menor escala, numa posiçâo de luta, aberta ou vela'
da, contra o quadro político e social fixado pela reação de l8l'5, conse-
guindo inclusive, desde o começo, reduzir bastante na pÍática a amplitu'
de da restauração tentadâ em 1815.
Líder dos movimentos revolucionários e conspiratórios, bem como
das reiúndicações políticas após 1815, a burguesia utilizou-se de início
dos novos contingentes urbanos representados pelo proletariado indus'
tíal em processo de formação e exPansão cada vez mais rápidos'
Mais tarde, porém, a partir de meados do século XIX, ante o confli-
to cÍescente que se estabelece entÍe os interesses burgueses e as reiündi'
cações proletárias, setores mais ou menos amplos das burguesias nacionais
buscaram aproximar-se das velhas camadas aristocráticas a fim de consti'
tuir, na medrda do possível, uma frente comum de oposição ao "socialis'
mo", com isto adiando, automaticamente, poÍ PÍazo indeterminado, a
possibilidade de realização da própria revolução burguesa.
Cumpre notaÍ, Portanto, que o liberalismo e o nacionalismo çons'
tituem, na verdade, a ideologia de uma burguesia em ascensâo, corÍespon'
dendo às transformações profundas que se estão operando em todos os
níveis da sociedade. Observe-se ainda que iÍão ocorreÍ varia ções à vezes
muito grandes em termos de conteúdo e de ênfase entre d; versos moü-

6l
mentos libeÍais e nacionâis, sendo aí importante levar em consideração
o país de que se tÍata e a época focalizada.

b.5 O liberalismo europeu, em seu sentido mais amplo, desenvolvia


e preconizava, após o aparente recesso revoluciônário simbolizado pelo
Congresso de Viena, toda uma série de princípios políücos, sociais e eco_
nômicos que iriÍo consütür na agenda dos revolucionários do século XIX
aquela "religião da liberdade" de que nos fala Benedetto Croces.
De fato, ÍLo carnpo mateial tÍava-se a luta pela implantação do libe-
ralismo econômico que se czrÍacteÀzà pela liwe impresa, peli abstenção
do Estado, pela eliminaçalo dos entraves e barreiras à liwe circulação das
mercadorias, proibindo-se, poÍ outro lado, os sindicatos por constituírem
interfeÉncia na liberdade de contrato entre patrões e empregados. Trata-
se, em suma, de abolir todo e qualquer entrave ao desenvolvimento
capitalista, daí o entusiumo do empresário burguês por essas idéias
liberais.
No plano poltttico, o ideário do liberalismo coloca em lugar de des-
taque a garantia das liberdades fundamentais, consideradas como ineren-
tes à pessoa humana e depois, como um meio de assegurar essa liberdade,
configura-se a necesidade de uma constitüçao e da. diüsão de poderes,
garantindo-se o direito de representação apenas aos setores considerados
como "ativos", isto é, proprietários, empresários e indivíduos de rendas
mais elevadas.
Quase sempre o modelo entrevlsto é o d,a monarquia constifitcio-
hal, apoiada no sufrágio censitário,' pois, na verdade, a república aparecia
sempÍe, ao longo de quase todo o século XIX, como algo perigoso e
ameaçador, dado o rompimento que representa com a tradiçãã e o con-
servadorismo, além de trazer pera muitos, mais ou menos implícita, a
idéia de súrágio universal (mascr:lino), coisa inaceitável para as classes
dominantes que temem a participação dos ..cidadãos passivos" no pro-
cesso político, por considerarem que são os mesmos um instrumento fácil
de demagog:a e de ameaça à posições conqüstadas. República e sufrágio
universal identificavam-se aos olhos da maioria burguesa e aristocrática
, com a "mentalidade jacobina", cuja expressão miíxima teria sido o ..ter-
ror" e a tirania das assembléias popr:Iares desütuídas de preparo político
e de condições econômicas, sendo conduzidas apens pelos seus senti.
t C19,Cf, B. History oÍ Eutope in the t9th. century. Londres,G. AUen &. Unwin,
1953.

62
mentos mais baixos e üolentos. Isso colocaria em xeque dois outros prin'
crpios básicos da ideologia llberal: a propiedtde e a segarança'
Para o liberalismo, é eüdente que não se colocava o problema da
igualtlade em termos sociais e müto menos em terÍnos cconômicos' A
igualdade e a própria liberdade são sempre subentendidas em termos
estritamente políticos e jurídicos' Caberia ao socialivno, numa outÍa
Iinha de pensamento, colocar na ordem do dia a chamada "questão so'
cial" em oposiçalo à questdo politica qt:r' drscute apenas as modalidades
insütucionais necesvárias à pniüca do liberalismo'
b.6 O rucionatismo pode ser considerado como uma "Íesútante da
aplicação do princípio da liberdade indiüdual às coletividades que são as
nàções'{t. As nações, como os inüvíduos, têm direito a ser livres e gozar
da autodeterminagão. Desse modo, as nações diüdidas em vários estados
devem unificar-se, enquanto i§ que se encontÍam submetidas a um Esta'
do devem libertar-se e constitÚrse em unidades política§ autônomas'
O nacionalismo é um produto dos mais representativos da revolu-
ab-
So burguesa, pois foi ao longo da crítica e da oposção aos regimes a
solutistas que se configurou com nitidez a oposição cÍescente entÍe
"Naçâo" e o "Rei", representando tal fato uma especie de tomada de
consiiência coleüva dos direitos e reiúndicações populares à liberdade e
à igualdade, face ao autoritarismo e ao despotismo dos monarcas absolu'
tistas. Na prática, quando se tÍâta de precisar o conceito de "nat'o", vá-
rias. são asinterpretações que se colocam.
A série dJ agitãções e moümentos revolucionários que caÍacterizam
a sociedade européia após l8l5 está ligada à insaüsfação burguesa ante o
estatuto palítico e socral fixado em t8l5 pelas forças conservâdoÍas' in'
satisfação esta que nada mais é do que a tÍadução, no plano social e ideo-
lOgico, dos antagonismos suscitados pelo rápido desenvolvimento da pro'
dução capitalista inclustrial .
Poder+e-ia acrescentaÍ ainda a tais determinantes a influência' ace-
lerada ou não, dado o caso, das oscilações cíclicas, conforme é possível
verificar-se facilmente através do exame das principais tendências da épo-
cir a partiÍ dos movimentos de preços e saláios. É assim que uma fase
longa B, de depresúo, ocorre de l8l5 a 1853, durante a qual sobrevêm
suissivas crisei, as quais quase sempre precedem as épocas mais críticas

as RENoITvIN, P. Histoire des réloions internortonales. Le XIXe siôcle' làre


partie- Pais, Hzchette, 1954. DUROSELIE. !'B' Introduction à lhistoire des
rélaions intemationales . Pans' A. Colin' 1964
/

63
da agitação revolucionária. por outro lado, na fase longa A, que se inicia
em 1853 e dura até 1875, a ocorrência de crises diminü, embora se veri_
fiquem algumas importantes, como a de 1g57.
. De qualquer modo, preocupíu-nos€mos aqü, apenas, com í§ gÍan_
des crises revolucionárias, que são principalmente as ae tats_tSZZ,
ãs ae
1830.1833 e as de 1848.1850.
De 1815 a [8I9 subsiste na Europa, especialmente na Alemarha,
Itália e França, uma agitaçalo revolucionária quase sempre latente, que se
traduz por vezes em manifestações públicas e, principalmente, em ativi_
dades secretas revol ucionárias.
Em l8l9 têm início moümentos revolucionános na A.lemanha, que
no ano seguinte se propagam a Nápoles, portugal, Espanha, Itália e Gié,
cia-Embora circunstâncias específicas sejam naturalmente tÍpicas de cada
um desses movimentos, o fato é que em todos eles predomina a luta pelos
príncípios liberais, provocando, em contrapartida, a pÍonta reação das
forças consewadoras através dos diversos Congressos, que se reúnem nes-
sa época. Apenas o caso da independência grega coloca em xeqve
a enten_
re austro-russa, que se estabelece nessa ocasião para fazer face ao ..perigo
revolucionário".
A repressão na Alemaúa, a intervenção austríaca em Nápoles e a
intervençío francesa na Espanha conseguem, até 1g23, sufocai pratica_
mente os diversos movimentos revolucionários desse período, com exce-
ção, provisoriamen te, de Portugal e Crécia, seguindo_se então uma época
de dura repressão, principalmerue na Espanha e na Itália.
Os movimentos revolucionários iniciados em 1g30, a partir das jor-
nadas de julho na França, assumem maior importância no caso da revolta
dos belgas contÍa o domurio holandés e da revolta polonesa contra o do-
mínio russo. Tais movimentos em parte vitoriosos repercutem na Itália
e na Alemanha, embora limitados apenas a a.lgumas regiões. As forças da
reação conseguem restaurar a antiga ordem de coisas, com exceção da
França e da Bélgtca. Tem início_urz novo período de repressão que, salvo
exceções, se prolonga até 18486.
As revoluções de 1848 assinalam o ponto culminante dos movrmen_
tos liberais e nacionais, produzindo-se então não só a revolução de feve-
reiro na França, como também grandes surtos revolucionários, de caráter
ao mesmo tempo liberal e nacional, na ltdlia e na Alemanha, enquaÍlto
que no Império austrÍaco as diversas nacionalidades procuram adquirir

s WEIL, G. L'éveil des nstionolités eÍ le mouyement libérol -paris, pUF, 1960.

64
autonomia ou independência, destacando-se principelmente a Íevoluçâo
húngaro , esmagada pela intervençâo russa.
O insucesso das revolugões românticas de 1848, dramadas também,
como no caso alemão, de "revolução dos intelectuais"a?, ctde lugar a
uma era que se poderia denominar de época do "realismo e do naciona'
lismo"aE, crrÍa'ctenzÀda pela progressiva execução das políticas de uniÍi-
cação da ltália e da Alemanha, empreenüdas poÍ govemos predominante-
mente conservadores. Nesse período, os ideais liberais entram parcialmen-
te em recesso, enquanto que a exaltação nacionalista ganha novo impüso.
Encenando este período,pode-se colocar o episódio Íevolucionáno
constituído pela Comuna de Pais como utna espécie de marco diüsório
a assinalar o Íim das revoluções burguesas e o intcio das revolu@es pre'
dominantemente proletárias que irão caracterizar épocas Posteriores' Éssa
trânsição já é observávet na própria Frznça dumnte os aconíecimentos de
1848, bastando para isso compararÍnos as jornadas de fevereiro, predomi-
nartemente burguesas, às jomadas de juúo, basicamente proletárias.

- NAMlEl, L. :,848: the revoluion oÍ the inlellectuals. Londres, Cumberlege


1944.
a gtlKLeY, n. R ealism and nartonolrtm. Nova lorquc. Harper, s/d.

65
TEXTOS PARA ANÁLISE
Texto n9 I
O "TERCEIRO ESTA.DO"

Que é o Terceiro Estado? Tudo. Quc tem sido até agora na ordem política?
Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa. . .
O TeÍceiÍo Estado forma em todos os setores os dezenove/vinte avos, com a
diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de veÍdadeiramente peno-
so, de todos os trabalhos que a ordem privileFada se Íecusa a cumprir. Os lugares
lucraüvos e honoríficos sâo ocupados pelos membros da oÍdem privilegiada-,.
Quem, portânto, ougria dizeÍ que o Terceiro Estado não tem em si tudo o
que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem tbÍtc e robusto
que tem um dos braços ainda acorrentado. Se suprimrssemos a ordem privüegiada,
a naçio nâo seria algo de menos e sim alguma colsa mais. Assim, que é o Terceiro
Estado? Tudo, mir§ um tudo liyrc e floÍescente. Nada pode caminhar sem ele, tudo
iria inÍinitamente melhor sem os ouEos...
Uma es[Écie de confratemidade faz com que os nobres dêem prefeÉncia a si
mesmos para tudo, emJelação ao rcsto da naçiio. A usurpaç5o é completa, eles ver-
dadeiramente reinam. . .
É a Corte que t€m reinado e não o monarca. É a Corte que fa.1 e desfaz, con-
voca e demite os ministros, cria e distribui lugares etc. TamtÉm o povo acostumou-
se a separaÍ nos seus murmúrios o monarca dos impulsionadores do poder. Ele Jcm-
pÍe enciuou o rei como um homem ta:o enganado e de ral maneüa lndel'eso em meio
a uma Corte ativa e todo-poderosa, que jamais pensou em sulpá-lo de todô o Ínal
que se faz em s€u nome.

(SIEYÊS, E. J. Qfl'estte que le Tiers EtarZ Paris, I ?89, pp. I4,apud ROWEN,
H. From sbsoluism to rcvolution.Nova lorque, Macmillan, 1963, p. 186.)

66
Texto nq 2
A DECLARÁçÃO DOS DTR.EITOS DO HOMEM E DO CIDÁ-DÃO (2618/1789)
Os rcpresentantes do Povo Francês, consütuídos em Assembléia Naciona'l,
considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprczo dos dteitc do ho
mem sâo as únicas causas dos males públicos e da comrpção dos governos' resolve-
ram expoÍ numa Declaração solene os direitos naturais, inalienávels e sagrados do
homem, a fim de que essa Declaraçâo, constantemente pÍesente a todos os membros
do corpo social, lhes recoÍde incessantemente seus düeitos e deveres; a fim de que
os atos do poder legislativo e os do poder executivo, Podendo seÍ comparados a 10-
do instante com a finalidade de cada insútuição políüca, sejam mais respeitado§; a
fim de que as reclamações dos cidadãos, baseadas daqü PoÍ diante em princípios
simples e incontestáveis, redundem sempÍe na marutençâo da constituiçâo e na feli-
cidade de todos.
Em conseqüênci8, a Assembléia Nacional reconlece e declsra, em PÍesença e
sob m auspícios do Ser Supremo, os direitos seguú tes do homem e do cidadâo:
I- Os homens nascem € permanecem livres e iguais cm direitos; as distin-
ções sociais não podem ser baseadas senão na utilidade comum.
II - O objetivo de toda sssociação Polítics é a conseÍvação dos direitos nâtu-
rÀis e imprescritíveis do homem; esses direitos sâo a [berdade, a pro-
priedade, a segurança e a Íe§stência à opressão.
III - O princípio de toda soberania reside essencialmenle na naÉo;nenhuma
corporaçâo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela nâo
emane expressarnentc.
Iv - A libeÍdade consiste em Poder fazer tudo aquilo que não Prcjudique a
outrem. Assim, o exeÍcício dos direitos naturais de cada homem não
tem outros limites senão os que as§egurEm aos outros membros da so-
ciedade o tozo desses mesmos direitos; esses limites nâo podem ser de'
terminados senâo pela lei.
V - A lei não temsenâo o diJeito de proibir as ações prcjudiciais à socieda'
de. Tudo que não seja proibido pela lei não pode ser impedido e nin'
guém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordenc.
Vl - A lei é a expressão da vontade geral; todos os cidadâos têm diÍeito de
concoÍrer pessoalmente ou PoÍ seus reprcsentaltes à sua elaboraçâo; ela
deve ser a mesma para todos, seja PÍotegendo, seja punindo. Todos os
cidadâos, sendo iguais diante dela, são iSualrnente sdrníssíveis a todas âs
di€nidades, Iugares e emPregos públicos, segundo sua cápacidade e §em
outras distinções que as de suas virtudes e lalenlos.
VII - Ninguém pode ser acusado, detido nem consewado preso, senâo nos ca-
sos determinados Pela lei e segundo as formas por ela prescritas- Aque-
les que soticitarem, expedirem, executarem ou fizerem executar ordens
arbitrárias devem ser punidos; mas todo cidadâo convocado ou detido
em úrtude da lei deve obedecer pÍontamente; ele se torna culpado pela
resistência.

67
VIII - A lei nâo deve estabelecer senão as penas esrrita e evidenlemente ncces.
sárias e ninguém pode ser punido s€não em virrude de uma lei elaborada
e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.

IX - Sendo todo homem considerado inocente até que seja declarado culpa-
do, se for preciso prendêlo, todo rigoÍ desnecessário para consegui-lo
deve ser severamente reprimido.

X - Ninguém deve ser molestado poÍ causâ de suas oplniões, mesmo retigio-
sas, desde que sua manifestaçã-o na-o pertuÍbe a ordem pública estabele-
cida pela lei.
XI - A livre manifestaçâo dos pensamentos e opinióes é um dos direitos mais
pÍcciosos do homem; todo cidadão pode, portanto, fa.lar, escrever, im-
primir livÍemente, sob cohdiçâo de responder pelo abuso dessa liberda-
de nos casos determinados pela lei.
XII - A garantia dos diÍeitos do homem e do cidadão necessita de uma força
pública; essa força é assim insütuüa para o benefício de todos e não pa-
ra a utilidade partlculaÍ dâqueles â quem ela é confiada.

XllI - Para a manutençâo da força pública e despesas de adminiskação. uma


contribuição comum é indispensável: ela deve ser repartida entre todos
os cidadaos. segundo suas possibilidades.

XIV - Os cidadâos têm dtreito de verilicar por si mesmos ou por seus repÍcsen-
tantes a necessidade da contribuiçá-o pública, admiri-la livremente,
acompanhar-lhe o emprego e determinar-lhe o total, sua repartição, co-
brança e duração.
XV - A sociedade tem o dfueito de pedir a todo eg€nte público contas de sua
adminis tÍaç ão.
XVI - Nío possui constiruiçâo toda sociedade na qual a garantia dos direitos
nâo esteja assegurada nem determinada a sepaÍação dos podeÍes.

XVll - Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado. ninguém pode ser


privado da mesma, a não ser quando a necessidade pública, legalmente
verificada, o exigir evidentemente e sob a condição de uma justa e pré-
via indenizaçâo.

(DUGUIT, L. e MONNIER, H- Les constitutions et les pincipales lois potiti-


ques de la France depuis 1789. Pans, t398, apud GODECHOT , ! . La pensée
revolutionnaire. Pans, A. Colin, pp. 115-8.)

68
Texto ng 3
MANIFESTO DA REFORMA (1E48) - LOI]IS BLANC
Todos os homens sâo irmãos.
Onde a igualdade nâo exisre, a liberdade é uma mentira
A sociedade só pode sobreviver atÍavés da desigualdade das aptidôes e da di-
veÍsidade de Íunçôes. Mas as aptidões superiores não devem conferir maiores düei-
los. Elas impõem deveres maiores.
Tal é o princípio da igualdade: a associação é sua forma necessária.
O fim último da associação é aüngr.r a satisfação das necessidades intelec-
tuais, moÍais e materiais de lodos, pelo emprego de suas aptidóes diversas e pelo
concu$o de seus esforços.
Os trabalhadores foram escravos, foram senos, sâo hoje em dla assalariados;
é preciso esforçar-se para fazêJos passar à categoria de associados.
aringido pela ação de um poder democrático'
Esse resultado só pode ser
Um poder democrático é o que tem a soberanta popular por princípio, o su-
fiágio universal por oriSem e por objetivo a Íealização da fórmula: Liberdade,.lgua'l'
dade, Fraternidade.
Os govemantes, numa democracia bem constituída, úo apenas os mandatá-
rios do povo: dcvem ser responsáveis e sujeitos a demissâo.
As Íunções públicas nâo são distinções e não se devem constituir em priúlé-
gios; sâo deveres.
Tendo lodos os cidâdãos um direito igual de conuibuir para a nomeaçâo dos
mandatários do povo e para a formaçâo da lei, é preciso, a fim de que essa igualdade
de dfcito nâo seja ilusória, que toda funçro públlca sela remunerada.
A lei é a vontade do povo formulada por seus mandatános. Todos lhe devem
obediência: mas lodos têm o direiro de analisá-la com isençâo, para que seja modilr
cada se for ruim.
A liberdade de imprensa deve ser mantida e consa8Fada como garantiâ contÍa
os erros possíveis da maioria e como insúumento dos progressos do espÍrilo hu-
mano.
A educaçâo dos cidadâos deve ser con)um e gratuita. É ao Estado que comPe-
te fornecê-la.
Todo cidadão deve Passar pela educação do soldado. Ninguém pode eximiÍ-
se, medianre dinheiro, do dever de concorter puua a defesa do seu país'
Cabe ao Estado tomar a iniciaüva das Íeformas industriais adequadas a levar
a uma organização do úabalho que eÍga os üabalhadores da condiçâo de assalalia-
dos à de associados.
É preciso substiluir a comaÍrd.ita do crédito individual pela do crédito do Es-
tado. O Eslado, até que os proletários e§tejafl emarciPados, deve Úansformar-se
no banqueiro dos pobres.
O trabalhadoÍ tem o mesmo dircito que o soldado ao reconhecimento do
Estado, Ao cidadão vigoroso e aplo o Estado deve o trabalho; ao velho e ao enfer-
mo dcve ajuda e proteçâo.

(ln MA)üME LEROY. ,es précurseun fronçais du socialisme ' Paris' 1948'
pp.345-8.)

69
CAPÍTULO 2
A FASE DE EXPANSÃO
DA SOCIEDADE LIBERAL
(1870/80 a I9t4/78)

2. A EXPANSÃo DA SoCIEDADE UBERAL


2.1 A evoluçá'o econômica -
Capitalismo monoPolista e imPeriaüsmo
2.2 A nova expansão colonial
2.a Aspeclos gêÍais da expansão colonial
2.b A ocupaçâo da Ásia
2.c A partilha da ÁfÍica
2.d A rivalidade na América
2.3 A evoluçâo social e pdítica
3.a Novas forças em ascensio e suas manifestâções
3.b Os problemas intemrcionais

2. AEXPANSÃODASOCIEDADELIBERAL
Na primeira metade do século XIX, â relação entÍe a Europâ indus'
trialiuda e o restante do mundo se c€ntÍelizâvano intercámbio comercial.
No início do século XX, porém, a Euopa se apÍopriara de vastas exten-
sões territoriais do planeta, impondo-lhes seu domíÍúo político, bem co-
mo subordinara à süa economia as economias dos países não-industriali'
zados. Seguiám-na bem de perto m Estados Unidos e o Japão. Por que e
de que maneira se estabeleceu essa foÍça expansionista num intervalo de
tempo relativamente curto?
Examinando a situação das potêncías da época, veriÍicamos a ocor'
rência de mudangas §gnificaüvas em suâ oÍganização econômica, social,
políüca e cultural. Um estadista daquele período assim se manifestou a
esse respeito:

7t
"Passaram-se os dias das pequenas nações; chegou o dia dos Impé
. lrÁo-
nos.
Ou, como escreveu o historiador inglês Barraclough
"... poucos historiadores teriam negado que o 'novo imperialis-
mo' era uma expresão lógica e uma conseqüência dos progressos
econômicos e sociais dos países industrializados. . ."5o
Dentre as mudanças significativas do período ressaltam-se o surgi-
mento das grandes empresas, e tendência à monopolizaçalo, urna nova
política econômica de caráter pÍotecionista, um impulso colonial de novo
tipo que promoveu a paúilha de quase todo o planeta, o advento da de-
mocracia liberal e o aguçaÍnento das rivalidades intemacionais.
As páginas que se seguem analisarão os processos de mudança e
suas conseqüências para a história européia e mundial.

2.1 A Evolução Econômica - Capitalismo Monopolista e Imperialismo

l.a A p:rtir, aproximadamen te, de 1860/70, tendem a acelerar-se deter-


mrnadas transformações ligadas ao funcionamcnto e à própria aÍEaniza-
ção geral do sistema capitalista, especialmente no nível económico.
Verifica-se progressivamente, no sistema capitalista, a alteração tan-
to do número global quanto das dimensões médias das empresas - há,
relativamente, um número cÀda vez menor de empresiui, porém agora
são grandes empresÍrs. Modificava-se também a consütuição do capital
destas - as de caráter individual ou familiar cediam terreno âs sociedades
anônimas.
Tais fatos ocorÍeÍarn numa época de agavamento des p1i5s5 pgri§-
dicas do sistema e de conseqüente interuificação da concorréncia entre os
produtores, numa luta dia a dia mais violenta pelos mercados internos e
extemos.
Com isso, o 'Jogo liberal", ou seja, a liwe concorrência, a livre de-
terminaça:o dos preços pelas leis da oferta e da procura, o poder decisó-
rio,. em üdma lnstância, do consumidor, foram todos sendo relegados a
um plano secundário. O capitalismo tornou-se na prática cada vez menos

oe
CHnMsERLllN, cit. por BARRACLOUGH, C. Introducciôn a la historía
contemporánea. Madri, GÍedos Ed., I965.
e sennacLouc H, G., op. ciÍ., p.68.

72
"livre", tal a capacidade do grande capital e do Estado de intervirem so'
bre as condições de funcionamento do mercado. Apesar de tudo, sobre'
üveu a ideologia econômico pressuPo§tos da teoÍia
do liberalismo - e os
econômica a ela ügados - de modo que, quanto mais "monopolÍstico"
se tomava o capitalismo, mais exaltada era a fé liberal'
Não poucos historiadores e economistas referem-se a tais aconteci-
mentos com a denominação de "transformagões estruturais do capitalis-
mo". Daí resútam dúüdas e confusões, Pois, na verdade, os aspectos que
constituem os componentes essenciais do sistema nâo se modificam (pro-
priedade privada dos bens de produça-o e apropriação privada do exceden-
te produtivo). O modo de produção capitalista continua a ser o mesmo.
Seu funcionamento, algumas de suas manifestações mais flagantes' estes
sim, aparecem ora meis, oÍa menos modificados, mas nem por isso pode'
mos aceitar que se trate de "outro" sistema - "pós-capi talista" .
As transformações acima indicadx tiveram correspondéncias diver'
sas na constelação de elementos constitutivos da formação econômica e
social capitalista, como é óbúo, daí o desenvolvirnen to a longo ptazo' já
em pleno século XX, de teorias concernentes à superação ou regeneração
do capitalismo que se exPressam em tomo da ideologa do "neocapitalis'
mo".

l.b O funcionamenro mesmo do sistefta capitalista acaÍÍetou, já na


segunda metade do sécúo XIX, o início de suas transforma@es' A li'
vre concorrência, associada ao avanço cientrfico e tecnológico, tendia a
acentuaÍ, de um lado, o problema dos cr§tos de produção, a Íim de. ga-
rantir ou ampliar o mercado (e garantir, em conseqúência, a realizaçáo da
taxa de lucro) e, do outro, a necessidade de invesür cada vez mais em
equipamentos sempre mais complexos e caros. Ocorreu assim um acen'
tuado aumento do chamado capital fixo.
Simultaneamente, convém lembru, u cises econômicas, conjuntu'
rais e estruturais, rr,ultiplicam-se conforme o sistema se expande, a tal
ponto que, para mütos, elas parecerão inerentes ao sistema, sem que se
constituam em Íuneaçe a sua sobreüvência. As crises aglavam aqueles pro'
blemas já citados, provocando falências, fusões e eümrnaçâo de empresas
concorrentes. A.luta pelo mercado intemo e extemo aguça-se em tempo
de crise.
Faz-se sentir, ao mesmo temPo, a pressão cÍescentc da mão-de-
obra, dia a dia mais organizada e ativa em seus divenos sindicatos. A ma-
nutenção da margem de lucro satisfatona entÍa em choque com o que

73
agora se identifica como sendo a 'trracionalidade" e o perigo de merca-
do, diri$do por uma liwe concorrência cega e prejudicial.
Expansa-o das empresas, agÍavírmento do problema dos custos de
produção, concorrência intensificada e tida como "súcida", crises suces-
sivas, tudo levou aos poucos os setoÍes empresaÍiais à convicça-o da neces-
sidade de fugir:is incertezâs e à ruína, gamntiÍ seus lucros, sobreviver, en-
Íim, mediante o controle do mecanismo dos preços ou, pelo menos, o
contole dos meios capazes de inflür sobre eles de maneira decisiva.
O processo de absorção ou eliminação de empresas pelas suas con-
coÍrentes mais fortes ou hábeis, quer diretamente no duelo da Iivre con-
conência, queÍ como conseqüência dr" épocas de crise econômica, duran-
te as quais as empresÍs mais fracas sucumbem em maior número, olrrou-
se desde meados do século XD(. Tal processo é extremamente variado,
diversificando segundo cada setor, sendo mais rápido e completo em uns
e bem mais lento em outros. Denomina-se a esta tendência de monopolis-
ta, embora o monopólio propríamente dito, como caso-Iimite, em termos
de teoria econômica, seja uma raridade. Na prática, o que se encontra é a
situação de oligopolio, isto é, algumas poucas e grandes empresas contro-
lando praticamente um determinado setor do mercado. É hábito, porém,
falar em "monopólios" e "capitalismo monopolista" para caracterizar es-
ta fase da evolução do capitalismo.
O progresso dessas transformações está intimamente ligado aos
avanços de dues tendênci:§: a. concenüaçd:o do capital e a integraça-o de
empresassr.
A concentraça-o do capital signiÍica que, ao mesmo tempo que
diminui o número de empresíui e auÍnentam as dimensões médias das
mesmͧ, opera-se uma acumulação capitalista com urn número cada vez
menor de detentores de capital, de tal sorte que o grande capitalista
tende a suplantar e eliminar ou reduzir à dependência o médio e o
pequeno capitalista.
Podemos distinguir duas formas de concentração: (1) a concen tra-
ção propriamente diÍd, resultado do reinvestimento do capital acumulado
pelo empresário - em termos de instalações, equipamentos novos, maior
divisão do trabalho que possibili tam maior escala de produção a custos
mais baixos (poÍtanto, maior taxa de lucro); (ii) a centralização de capi-
lar, reunião de capitais já existentes em outras mãos, o que ocorre qum-

tr SWEEZY, P. Teoria do desenyolvimento czpitslists - Rio, Zúar, L962, 9p


298-99 : "concentraçáo e centralizaçâo".

74
do empresas pequenas são derrotadas na concorrência e desaparecem ou
quando um certo volume de capitais se funde através da "sociedade por
agões" (ou sociedade anônima). Nesta, o detentoÍ da maiona das ações
pode captar e controlar una série de poupanEs indiüduais, como tam-
bém pode adqürir o contole de outras sociedades.
Na segunda metade do século XD( a concentÍação mulüplicou rapi-
damente o volume de capitais à disposiça'o dos grandes empresários, ao
mesmo tempo que diminuía o número dos que dispuúam de grandes ca-
pitais. Esse ptocesso oconeu tanto nas empresrs industriais como nos
bancos: um pequeno número de gendes bancos foi substituindo a mulü-
dão de pequenas casas bancárias. Áo mesmo tempo, as indústrias se apro-
ximavam dos bancos, pela necessidade de créditos (exigências técnicas do
crescimento) e pela decisão de se tornarem sociedades anônimas (os ban'
cos se encâÍÍegavam de colocar as ações). O capital industrial tendeu, nes'
sa ocasiâo, a associar-se ao bancário e alguns autores da época criaram o
conceito de "capital financeiro" Para exPressar essa associação íntima.
A concentÍação acabou por criar "um círculo de pessoas que. . . sentaÍn-
se nas juntas administrativas de um grande número de sociedades anôni-
mas. Surge assim uma especie de união pessoal entre as próprias socieda-
des ou entre estas e os bancos, ciÍcunstância que deve ser da maior im-
poÍtância para a política dessas instituições, pois entre elas surgiu uma
comunidade de interesses"s2. Em época de crise econômica' aumentava'
o pÍocesso de concentraÉo: operava'se uma espécie de "seleção" dos
mais fortes, as mais fracas desaparecendo ou sendo absorvid'as pelas
maiores, que saíam, portanto, fortalecidas da crise.
A integoçiio capitalista da produçao sigrifica basicamentê a consti-
tuição de gandes complexos industriais e Íinanceiros, voltados acima de
tudo paÍa a diminüção dos custos e para o maior ou menoÍ tsntrolg ílas
condições do mercado. A integração assumia duas Íormas: (1) integração
vertical, grupo de empresas que tende a dominar todas as íases de um
processo produtivo, desde a produção de matérias-primas eté sua fabrica-
ção final ou comercialização. Um exemplo conhecido é a história de
Camegie (fabricante americano de aço cru) que comProu suc€ssivamente
as minas de carvão, ferro, cal, manganês e as tinhas de transporte (fluüal
e ferroüário) dessas matérias-primas, mnseguindo baratear seus custos
de produção e, após alijar seus concorrentes, dominar grande parcela do

' uttrEn olNG, R., cit. por swEE ZY, P., op. crl., pp. 305{

75
meÍcâdo do aço; (ii) na integmção hoizontal, efetua-se o domínio de
um determinado setoÍ (ou fase) da produção de uma mercadoria. Ex.:
domtnio da fase do refino do petróleo e/ou sua distribuição. Também
aqui pode. haver a absorção de wna ou mais empÍesas por outra mais
poderosa.
Os grandes complexos industriais e financeiros puderam, melhor
que ninguém, enfrentar problemas tais como pesqüsa básica, custos cres-
centes de produfo e distribuição, crises econômicas etc. Puderam iÍclu-
sive interferir no mecanismo dos preços, mantendo-os altos. Quando isto
acontecia, conÍigurava-se uma situação monopolista.

l.c Os monopólios

O monopólio puro - domínio de um setor do mercado por urna


empresa - não existe. O que se encontra comurnente é o oligopólio, que
ocone quando alguns ivais de grande porte deixam de competir e entmm
em acordo paro findar a conconência e estabelecer preços altos para seus
ptodutos. Pode-se falar da existência de monopólio no sentido de uÍn
controle real exercido sobre os pÍeços e o mercado. No final do século
XIX um economista já tinha notado que "a intensidade da competição.. .
quardo umas poucas empresas encontram dificuldades crescentes em dis-
por de sua produção plena e de um pÍeço lucrativo, leva os competidores
a fazer algum acordo uns com os outros, que mitigará a severidade da lu-
ta"s3. E um jomal comercial da Inglaterra arunciava em 1898 que:
"Já temos operando acordos e entendimentos para preços de tri-
lhos, chapas para cascos, caldeiras, lingotes de ferro e outros ramos
do comércio de ferro e aço deste país, pelos quais os preços sâo
manüdos saüsfatoriamente e se impede sua queda."s
Note-se ainda a influência do desenvolvimento tecnológico a exigir
um volume crescente de capitais, a tal ponto que, logo ultrapassando as
possibilidades de ser atendida tal demanda apenas pelo empresário capi-
talista irdiüdual, ou pelas empresas familiares, faz-se necessário modifi-
car os métodos de obtenção de recursos. AIém disso, as máquinas têm seu
tempo de duragão cada vez mais reduzido, auÍnentando com rapidez as
necessidades de reposição e de substituigão, coisa que a figura tão decan-

53 HOBSON, t. A. The evolution of modern capitolism. Londres, G. Allen &


Unwin Lld., 19a9,p. 169 (l? ed. 1894).
í HoBSoN, J. A.op. cit.,p.l'10.

?6
tada do "caPitão-de'industria" raramente pode atender' Modemizar-se
para sobreüver ou ficar obsoleta e perec€Í passa a seÍ o dilema da indus'
tria capitalista.
ôrorr"o-, na segunda metade do século XIX, avanços técnicos mú'
to impoÍtantes nos países indwtriais. Não seria o círso de considerá-los
uma ';segunda revolução indrstrial", como fazem alguns autores' mas sim
um conjunto de procedimentos novos que aprofundaram o impacto geral
da revoluÇâo industrial em andamento.
e sua mis'
Graças a novos PÍocêssos de purificação do ferro fundido
tura com manganês e carvão (processos de Bessemer' Siemens-Martin e
que
Gilchrist-Thomas). produziu-se um tipo de aço maleável e resistente'
produção em
se tomou um material básico das estrutuÍas' Aém disso, a
(máqui-
larga escala possibilitou incrível barateamento e difusão do aço
naJ, const.ução civil, transportes, objetos de consumo coÍrente
etc')'
Desenvolveram+etambémnovasfontesdeenergia,gáseeletricida-
à química
de, que foram substitündo gradativamenle o vapoÍ' Aplicada
processos de
e meialurgia, a eletricidade provocou o surgrmento de novos
óleo' ga'
produção. Vários tipos de motoÍ de combustão interna (de gás'
(automó'
solinaj propiclaram o desenvolümento dos meios de tÍansPorte
ti"m, naüo). Desenvolveu-se a química sintéüca' com aplicação em
"el,
inúmeros campos industriais' a industria petrolífera' a indústria da bor-
racha etc.
unt impoc-
Estes e outÍos processos técnico-oentífic os produzirom
to muito forte sobre a organização da produção, o tiPo de equipamento
industrial, a distribuição das mercadorias, a administração das empresas
etc. Eles exigiam a reunião de capilais em larga escala PÍua sua tealização '
O tempo daJp.q,r"nas oficinas foi ficando para tÍás e em seu lugar come-
industriais e financeiros'
çaram à srr.6ios gran des complexos
A soiuçao encontrada foi conciliar o ggantismo da orgarrizaçáo
das
com novas e maiores fontes de financiamento' Daí a multiPlicação
societ)odes anônimas, por ações, que PeÍmitiam, de
um lado' captar as
pequenÍrs pouPanças privadas quâse ao infinito e' de outro' operar frsôes
maiores proble-
e associações entÍe gruPos indtstriais e financeiros sem
mas, de tal modo que entra em cena com destaque o setor bancário' cu-
jos membros, assumindo papeis decisivos na nova estruttlÍa financeira das
cepitalistas, dão a impressão de ter atingido um "novo"
estágio
"-prar.,
capitalista: o do "capital financtiro"5s.

5t HTLFERDING, A.Et capital frrunceto. MadrlEd' T ecnos, 1963'

11
Resultou essa impressâo de uma primeira avaliaçâo de uma época
de grandes transformações, mas grande fato é que, a par das transforma-
ções que se veriÍicam na organização das empresas e na relação entre elas
e os possuidores do capital, perÍnanece o sisterna em suas bases essenciais,
nâo importando aqui a circunstância de uma possível ou pretensa dilü-
ção do capital por forga da mulüplicação do número de ações em que
esse capital se diüde.
Na prática, o aparecimento das sociedades por agões significa ape-
nas que ceÍtos grupos poderão contÍolaÍ gandes complexos industíais
e financeiros através da propriedade, ou mesmo da simples gerênoa, de
uma parcela bastante reduzida do total de ações (20-3O7o), pois, estando
o Íestante diúdido entre milhares de pequenos acionistas, a parücipação
efeüva dos mesmos nas decisões é puramente teórica, isto é, ilusória.
Até a Primeira Guena Mundial, pelo menos, os bancos exercerarn
um papel de liderança nesse pr(rcesso de crescimento monopolístico,
daÍ a ilusão quanto à existência do chamado capital financ€iÍo. Isso se
processou porque quase sempre cabia aos bancos colocar no mercado
essas ações; adiantando aos respectivos empresários o seu valor nominal,
ficavam os bancos em condições de inflür em larga escala sobre a admi-
nistÍação dessas empresas. É interessante observar que também na área
bancária se processou um idêntico fenômeno de concentração e integÍa-
ção, pela absorção ou eliminação dos pequenm bancos e constituição de
grandes sociedades Íinanceiras que, em número reduzido, detinham prati-
camente em suas mãos as finanças do país (veja-se, por exemplo, o caso
do grupo Morgan nos Estados Unidos).
Nâo devemos acreditar que o proc€sso de concentração e inteÉa-
ção elirnine necessariamente todas as pequenas e médias empresas. Dei-
xando de lado as variações setoriais que explicariam o porquê da sobrevi-
vência ainda hoje, em setores limitados, de uma estrutura baseada nesse
tipo de empresas6, o fato mais importante é a consta taçâo de que, mes-
mo nos setores altâmente monopolizados, sobreüvem rnais ou menos
marginalizadas algumas pequenas e médias empresas. Sabe.se que esta so-
brevivência nâo é acidental e nem decorre de uma especial conc€ssão das
grandes empresas, pois na verdade essas pequenas empresas não são elimi.
nadas simplesmente porque não há inteÍesse em fu.ê-lo.Isso porque: (i) à
grande empresa interessa'a permanência de pequenas empresas cuja pro-
dutiúdade baixa encarece seus produtos essa circunstância permite à
-
s GaLBneltU, I. K. O capiralismo. Rio, Zúar, I 960.

78
grande empresa manteÍ al tos seus PÍeços; (ü) as pequenas empresas po'
ãem dedicar-se a produtos complementares da gande indústria' Em am-
bos os casos, o pequeno protlutor fica dependente do grande capital' Um
estudioso üu da seguinte maneira o problema no fim do século passado:
"Em todos os campos da industria. .. nâo se constata a diminüção
do número total de peguenos negócios...; mas a independência
econômica de mütos tiPo§ de Pequenos negócios se esfacela diante
do capitalismo organizado."
"O pequeno produtor ainda sobreüve em grande número na agri'
cultura. . . mas Q P€queno fazendeiro toma-se mais e mais depen'-
dente do crédito e da ferroüa."s?
As tlarsformações desse período fizeram+e acompanhar' como é
fácil supor, de todo um corteio de iustiÍicativas ideológícas voltadas para
a demánstração não só da necessidade dessas transformações mas até
mesmo do caráter benéfico que as mesmas teriam para todos os inleÍessa-
dos, isto é,. produtores e consumidores' A crítica ao l.iberalismo admite
agoÍa que a ii"re.mpr"ta e, mais ainda, a livre concorrência não consü'
tuem um iileal autênüco, uÍna vez que é posta em dúüda a própria eficá-
ciadomercadocomomecanismoauto-reguladoÍ'lssosedeveàscrises'
especialmente as de superproduÉo, as quais levam os empresários à con'
viã6o Oe que a ordem econômica existente necessita de certas "corre-
produtoÍ uma certa capa-
ções". Começa-se então a admitir que cabe ao
àidad., drría-os mesmo uÍn c€rto "direilo", de intervir no tnecanismo
dos preços, a fim de controlálos e impedir que baixem a tal nível que as

m"r""Oórirs deixem de oferecer lucro quando vendidas' Btamos aí' evi'


dentemente, bem distanciados do ideal primiÚvo, isto é, da "igualdade"
entre o produtor e o consumidor face às condições ditadas pelo mercado'
Intervir torna'se a ordem do dia. lntervir, porém, ao nível da ini'
ciativa privada sem apelar para o Estado, daí a busca de entendimento
entre os pÍodutores, iacilitada pela nova estrutura das empresas' É assim
que iremàs ter os vários tipos de concentÍação e integÍação geralmente
conhecidos como ententes,consórcios, cartéi;, tÍustes e holdingsE '
Nas ententes ou pactos trata-se de verdadeüos "acordos entre cava-
lheiros", isto é, rrm ceÍto núrnero de grandes industrias resolve fazer um

s' HoBSoN,rp. cit., p.212-


s HulfON, H. Hislcirc économique de I Europe. Paris, A. Cotin, 1956 swEEzY'
P., op- cit.

79
pacto fixando um preço mínimo para a respectiva piodução; geralmente
este pacto baseia-se tão-somente na honestidade dos participantes e é fá_
cil concluir quanto à sua observância em tempos normais, sendo, porém,
muito difícil sustentá-lo em época de críse, pois nesse caso uns tentam
supeÍar os demais, dando sarda da maneira mais favorável possÍvel à sua
própria produçâo. Em alguns casos essits ententes evolur-ram no sentido
de organizações estáveis chamadas por vezes de ..consórcios", que se asse.
melham ao tipo seguinte, i.e., o cartel.
O cartel é constituído por empresas dedicadas à produção de simi_
lares, as quais se reúnem a fim de estabelecer, mediantà acordo, ou uma
divisão do mercado ou uma Íixaçâo de quotds de produção e venda pua
cada uma delas, chegando-se quase sempre, como lnedida de segurÍmça,
a estabelecer um escritório ou agência comum de vendas, evitando_se,
assim, que elas possam vender üretamente os seus produtos. No cartel
as empresas mantém sua identidade e autonomia próprias, ou seja, sua
personalidade jurídica, murto embora a existência de uma agência co-
mum que controle Dreços e quotas represente uma limitação a essas ca.
racterísticas. O problema do cartel é constituÍdo por drras séries de situa_
ções: em termos de coniuntura há sempre a possibilidade de, no decorrer
de uma crise, uma ou mais empresas faltarem aos seus compromissos, isto
é, venderem além de suas quotas e baixarem os pÍeços respectivos; do
ponto de vlsta da estrutura, o que se observa é a parücipação, no mesmo
cartel, de empresas cuja produtividade é muito diversa, de modo que,
sendo os preços fixados ou em função de um termo médio entre os cus_
tos ou em função das condições da empresa de menor produtiúdade, o
que vai acontecer é uma margem de lucro considerável para as maiores
empresas e uma possibilidade müto pequena de lucro para as empresas
menores. Com isso há um desequilíbío intemo mais ou menos constante
que, piua ser @ntomado, irá exigir quase sempre a intervenção do
Estado.
Entenrcs, consórcios e cartéis são tÍpicos dos paÍses capitalistas eu-
ropeus, destacando.se o cartel como modalidade especÍfica da Alemanha,
inicialmente.
Nesses Estados europeus não se observam apenas diferenças quânto
a tars modalidades de concentração, sendo notória a d.iferença de atitudes
assumidas pelo Estado face a esses processos de concentração.
Na Ingleterra e na França, a concentração e a integrâção esbarram
em l,:is e preconceitos que visarr^ a proteger o consumidor da ganância
do produtor, de tal modo que tais formas de concentração só podem

80
existir mais ou menos à margem da lei, ora toleradas, oÍa PeÍturbadas
pelo Estado.
Na Alemanha verilica-se o contrário, pois ali é o Estado o grande
imptrlsionador da "cartelizaçâ'o", considerada essencial ao próprio futuro
político e econômico do país. Enquanto na Aemaúa o Estado pressio'
nava no sentido da criação dos cartéis e facilitava as punições contra
aqueles que fal tavam aos seus compromissos dentro do cartel, na Inglater'
ra e Franço não haüa condições legars ou adminístÍativas de persegür e
punir um empresário faltoso em seus compromissos como membro de
üÍna entente ou consórcio.
No Japdo. devido à própria estrutura em que se formou o capitalis-
mo japonês, os cartéis constituíÍam a forma predominante assumida pela
industrializa ção, dominados por algumas poucas famílias, porém sob a
forma específica dos Zaibatsu.
Nos EsÍados Unidos, a concentraçâo deu origem à forma caracterís-
tica dos úamados mrstes. Nestes há a absorção de uma ou mais empresas
por uma outra empresa ou grupo de empresas concoÍrentes, de tal modo
que as empresas iniciais desaparecem por completo. Os trustes podem es-
tar ligados à integração vertical ou horizontal ou a ambas simultaneamen-
te. Dado o seu caráter quase sempre mais üsÍvel ou ostensivo. os úustes
despertam com mais facilidade a hostilidade da opinião pública e esp-
cialmente da classe média. Contra eles foram tentadas inúmeras proüdên'
cias consubstart ciadas nas chamadas leis antitrustes. Dante de tais medi-
das, os trustes mais visados tendem a diúdir-se em diversas empresas juri-
dicamente independentes, que representam, na prática, ramos da mesma
organizaçãose.
Mais complexos que os tÍrstes temos as chamada§ empresas "hol'
ding", em grande parte surgidas no final do século XIX como modalidade
capaz de substituiÍ os trustes, obrigados a dissolver'se por força de medi-
das govemamentais. A empÍesa holding, especie de "supertruste", é uma
empresa que coordena divenas outras grandes empresas, funcionando co-
mo urna espécie de sociedade de coordenação técnica que na pÍáticâ diri'
ge as demais empresas do grupo. Detendo um número maior ou menor
de ações das empresas que o constituem , o holding conttola Praticamente
essas empÍesí§, embora seja assegurada a apaÍente autonomia das mes'
mas. O holding é possível em função do mecanismo mesmo que preside
às decisões nas sociedades anônimas. nas quâis os acionistas, sobÍetudo os

* o'CoNNOR, H. o impéio do petróleo.Rio, Zahar, 1968

8r
pequenos investidores, quase sempre se abstêm de participar, deixando
em ma:os dos maiores detentores de ações, em termos relativos, todas as
decisões referentes às empresas do gupo. Oficialmente, o holding exerce
apenas uma tarefa de administração.

I .d Uma nova política econômica


As transformações até aqü estudadas produziram um forte impac-
to sobÍe a política econômica tradicional (o laissez-faire), conduzindo
gÍadativamente os Estados desenvolüdos à adoção de polt'ticas prote-
cionistas.
Como e por que ocorÍeu essa mudança? Estudaremos o problema
em dois níveis: (i) as tendências gerais resultantes da estrutua monopolis-
ta e (ii) u circunstâncias históricas concÍetas que reforçiuam aquelÍrs
tendências.
(i) Já vimos que os monopólios lançam mão de uma limitação da
oferta de seus produtos para obter preços mais altos no mercado nacio-
nal. Mas num contexto de comércio mundial regido pela livre concorrên-
cia, empresas estrangeiras poderiam oferecer produtos similares a preço
mais baixo no mercado nacional, o que seria fatal para os monopó[ios na-
cionais. Daí sua exigência de taifas alfandegáias altas para garuntir inter-
namente seus prcços. O protecionismo reapiuece, portanto, com um sen-
tido novo:
"A antiga polÍticâ tarifária tiúa a função. . . de acelerar o cresci-
mento de uma indtstria dentro das fronteiras protegidas... Agora,
as industrias mais poderosas, mais capazes de expoÍtar. .. e.piua Írs
quais as tarifas não deviam ter interesse, pedem altas tarifas prote-
toras."@
As altas tarifas alfandeg:írias assumiam wna outÍa função: a empre-
sa monopolista, na tentaüva de realizar exportações, tentava gaÍantir seu
sucesso nesse empreendimento vendendo mais barato que seus concorren-
tes estrangeiros no mercado intemacional. Esse procedimento na:o lhe
dava prejuízos porque intemamente os pÍeços altos iompensavam possí-
veis "perdas" no exterior. Esse processo pelo qual as vendas no exterior
eÍam "subsidiadas" pela situação intema chamava-se dumping. Neste
caso, ds tarifas alfandegdia assumiam a funçdo de auxiliar a éonquista
de mercados estrangeiros .

Ú HILpgRDtxc, cit. poÍ SWEEZY, o p. cit., p. 346

82
Ouüa tendência geral da estÍutura tlas economias monopolizadas
eÍa o aumento constante da exportaçiio de c*pitais- Os mecanismos ga-
rantidores de altos preços (limitação da oferta através da subutilização
da capacidade produtiva, dispensa de trabalhadores, diminüção das horas
de trabalho etc.) limitavam as oportunidades de reinvestimento, por isso
os capitais acumulados tendiam a buscar ríreas (industrializadas ou não)
que proporcionassem rentabilidade. Ocorria que capitais de outra proce'
déncia nacional podiam estar inteÍessados também naquelas áreas; e po-
dia ocorrer também uma resistência das próprias áreas üsadas. Desse mo'
do, a exportaçâo de capitais pressupuúa uma certa integração da área
receptora no sistema econômico (e à vezes noipolÍtico) do país exporta'
dor de capital. Os invesüdores pressionavam o Estado peÍa que este a§se'
guresse zs melhores condições de invesümento externo.
(ii) De 1873 ao final do século, caracterizou-se uma situação de
depressão econômica e crise social. No setor industÍial notava'se estagna'
ção acompanhada de desemprego. Ao mesmo lempo, emergiam novos
países como potências industiais de pimeira ordem: Estados Unidos e
Alemanha, ieguidos mais taÍde pelo Japâo, o que tomava a concorrência
mais acesa no mercado internacional. O impacto da crise na Inglaterra,
por exemplo, ficou bem claro num relatório da "Comissão Real" de
1886:
" . . . em razÁo da conjuntura pÍesente, a demanda de nossos produ-
tos não cr€sce no mesmo ritmo de antigamente... (e) nossa posiçaio
de p,rincipal naçalo industrial do mundo não é mais tão indiscutí'
. vel; ...nações esúangeiras começam a entraÍ com suce3so em com'
petição conosco em nuÍnetosos mercados, dos quais tínhamos o
monopólio até então"óI .
Também o setor agrícol a adtava'se em crise deüdo ao afluxo de
produtos agÍícolas, principalmente cereais, dos Estados Unidos, Canad:í,
Argenúna, Âustrália, Nova Z.elânüa, que invadiam os mercados europeus,
prejudicando seus produtores. Gradativamente, o pÍotecionismo dos pro'
dutos agÍcolas foi*e impondo como tendência geral. Um de seus defen'
sores afirmava na Câmara dos Deputados da França:
'1Quem ousará negar os sofimentos do agricaltor? (grifo do origi-
nal). Os recenseamentos não demonstÍam que os câmPos se despo-

ul Cit. por VOILLIARD e outros em Doczments d'Hi§toire,vol. 2, Paris, A. Colin'


1964, p. 12.

83
voam mais e mais em pÍoveito das cidades?... Em princípio houve
razão para estabelec€Í a taxa sobre o trigo porque, sem ela, o cul-
tivo teria desaparecido e o consumidor francês estaria à mercê do
produtor estrangeiro."62
O conjunto destes problemas suscitados pela depresúo resultou na
formulaçao de uma política de expansão e de anexação de mercados ex'
temos.llm estadista como./u/es Ferry estimr.rlava essa política em 1685
com a afirmação de que:
"Na crise que todas as industrias européias atravessam, a fundação
de uma colônia sigrrifica a criação de um mercado."63

As potências desenvolvidas começar n a lançar-se à corrida colo'


nial e imperialista por todo o mundo.

2.2 À Nova Expansão Colonial


2.a Aspectos gerais da expansão colonial
A partir do momento em que a Inglatena - para ênfrentar a estag-
nação econômica, a crise social e a concorrência de novas Potências re- -
forçou os laços imperiais e iniciou a corrida colonial. outros Estados se-
guiram-na rapidamente. A anexaçâo de vastas áreas do mundo ao sistema
econômico e político das nações mais industrializadas se fez então em rit'
mo acelerado.

L.l A natureza da expansao

Já vimos que a rcorganização geral da economia e sociedade nas na-


ções capitalistas mais industrializadas gerou novas exigências econômicas
e novas políticas estatais que conduziram à competição internacional e à
conquista imperialista. Diferentemente da época anterior - da livre con-
corrência - cuja ênfase estava no intercâmbio de matérias-primas e ali-
mentos por produtos industrializados, o que impo ava agora era.pinci'
palmente exportar para as dreas visadas os capitais dispontveli. Es'
tes capitais chegavam àqu'elas áreas secundariamente sob forma de
empréstimos e pincipalmente sob a forma de investrmentos: em obras

u' D"b.t" na Câmara dos Deputados, 2l5lL89l,LAnnée Politique,189L, pp. 122'


25, cit. por VOILLIARD, op. ciÍ., p. 50.
6 FERRY, J. Discuso na Câmara dos Deputados, Joumal Officiel,2911tl885,
cit. por VOILLIARD,op. cit., p. 48.

84
públicas (ferroüas, energia elétrica, sewiços de gás, tÍansPortes urbanos
etc.) e atiüdades primárias (extrativas ou agícolas). Todos os setores
aüngidos ligavam-se diÍeta ou indiretamente ao setoÍ exportador da área
sob influência e domínio. A.lém dos lucros realizados diretamente na Pro-
duç5o ou nos serviços, esses investimenlss gstiÍnulavam o comércio e a
própria indrstria do paÍs que aplcava os capitais'
A rivalidade no plano internacional arrastou, por vários motivos, os
Estados à competição. Desta compeiçdo se segtiu urna repartição das
dreas "ocupdveis" do mundo, o que se fez de acordo com o poderio de
cada Estado empeúado na corrida. Como formulou Cecil Rhodes, wn
dos maiores animadores ingleses da competição co1oru"r:

"A expansão eÍa tudo e, sendo a superfície do mundo limitada, o


gran de objetivo da humanidade contemporânea deüa ser tomar
tantos pedaços do mundo quantos fose posível."Í
Essa d.iüsão não era etema, pois os ritmos de crescimento econômi-
co variavam de país a país, e um Estado que se julgase prejudicado na di'
visão anteúor de mercados ou áreas dominadas e se senüsse suficiente'
mente forte para reivindicar uma redrvisão tentaria mudaÍ os acordos an'
terioÍes. Daí as ações diplomáticas e até militares.
A.lém dos motivos geÍars já definidos, a corrida colonial surgiu de
moüvagões mais imediatas (ligadas àqueles moüvos gerais):
vias de comunicaça-o (poÍtos, ilhas,
- a necessidade de assegurur
pontos de abastecimento etc.) para áreas onde já existiam posi@es eco-
nômicas deÍinidas; ou a necessidade de cnar uma área de segurança em
tomo do território nacional (anexação Por motivos estratégicos ou colô-
nias estratégicas);

- PÍoteger uma área do avango de ivús, impedin'


a necessidade de
do-os de utilizarem-na em seu proteito (anexação ProtetoÍa);

- a necessidade de anexar áreas, mesmo que fossem de pequeno


va.lor, mas qure podeiam tomotse impoftantes no Íututo (anexação ante-
cipatória). Como formulou uÍn estadista: "Fomos até Massoua no inte-
resse da civilização e porque talvez uÍna ouüa Potência teria podido ocu-
par aquela região. ... Não podemos PeÍmaneeÍ ineíes e deixar que
as outras potências ocupem soziúas partes inexploradas do mundo"6s '

a Cit. po, LANGER, The diplonucy oíimperitlism,Yol.l'p.11'

"' CRIsPl, cit. por BoURGIN, Les politiques d'expansión impériolistes, p' 134

85
Uma disünfo impoÍtante deve ser feita: chamou-se imperialismo
ao impulso dominador de caráter econômico (mais geral) e colonialismo
às formas em que se acÍescentou ao domínio econômico o domínio po1í
tico, geralmente estabelecido através da conqústa militar.
A imposição do domÍnio de certos Estados sobre mütas nações foi
freqiientemente provocada pela iniciativa de grupos políticoc influentes
mas minoritiírios. No entanto, as popúações dos Fstados rmperialistas
tendiam a aceitar a expansão como urn moümento justo, pois, com a ex-
pansão, surgiram também suas justificativas.

iustificarivas dt expansão
a.2 As
A justiÍicaüva mais geral produzida pelo impulso colonial era a que
se aprcsentava como uma misúo civilizadora dos povos mais "adianta-
dos" em relação aos "atrasados"; nesse sentido, a colonizâçâo seria um
ideal altrurita, freqüentemente apoiado em valoÍes morais e religiosos
ocidentais. Um historiador inglês contemporâneo explicou, por exemplo,
o domínio colonial inglês da segünte maneira:
'(político) foi conduzido. . . de acordo com os ideais
"Este domínio
benevolentes que têm prevalecido geralmente em Downing Street.
Conferiramse grandes benefícios a rnna enoÍme proporçalo da hu-
manidade: na África, extinguiram-se es guerÍas intertribais e as
expedições escravagistas, na Índia, Egto e em toda paÍte os benefí-
cios mateíais da ciência e organização modemas foram ampliados
paÍa vantâgens de todos, mesmo dos mais humildes culúvadores do
solo."6
A"missão civilizadora" podia abranger outras jusüficativas, tais
como: a moralização dos costumes, a evutgelizaçío dos "selvagens", uma
ÍepaÍtição mais justa das riquezas minerais desigualmente distribuídas no
mundo, o ensino da prática do govemo aos povos "atÍasadc" etc.
"Em conseqiÉncia dessa fé no self-govemment ele (o povo inglês)
considerou o §stema colonial como uma etepa necessária mÍs tnrn-
sitória, por sua própria natureza, para conduzir os povos nâo educa-
dos â maturidade política."67

6 tREwLyaN, G. M. ,4 shoftened history oÍ Englord. Middlesex, Pelican


Book, 1963.
ó? MaNsEnCH, cit. por GRIMAL
, Lo décolonisation. Col. U., Paris, A. Colin,
196 5.


Paralelamente surgia a justificativa da supeioridade /act4i. Se os
Estados europeu subjugavam outÍos povos, o domínio se deüa a alguma
qualidade própia do dominador que o diferenciava do dominado. O ra-
cismo começou a aparecer, portanto, velada ou ab€rtamente na jusüficâ-
tiva da colonização:
"...enquanto [a natuÍeza] locaüzou o gênio inventivo das Íaças
brancas... nesta extremidade continental que é a EuÍopa, concen'
üou os mais vastos depósitos das matérias-primas nas Áfricas, Ásias
tropicais, Oceanias Equatoriais... Estas imensas extensões incul-
tas... deveriam ser deixadas ürgens, abandonadas à ignorância ou
incapacidade?"óE
"Seúores, é preciso falar mais alto e com clarcza: é preciso dizer
abertamente que, sem dúüda, as raças superiores têm um direito
em relação às inferiores. . ."óe
O racismo dessa época apÍesentava-se sob a forma genéi,ca de supe'
ioidade do homem branco ou sob formas específicas de superioridade
do anglo-saxão ou do germônico. O racismo, por séu apego à no$'o de de-
sigualdade humana, tendia a ligar-se às concePções antiliberais, anti'socia-
listas e antiintemaciondistas (i.e., nacionalistas).

a.3 lnstrumentos e modalidades coloniois


A penetração colonial se fez de diferentes maneiras. Em certos ca-
sos, o recoúecimento da região era feito atÍavés de expedições científi-
cas, religiosas e pararnilitares, ao que se seguia o estabelecimento de com-
parihias concessionárias e depois (ou simultaneamente) o estabelecimento
da soberania político-atlministraüva do Estado colonizador. Em outros
casos. a expedição militar abria caminho para o estabelecimento da explo'
ração econômica ou ia juntamentê com ela. As expedições não-miütares
tiveÍam uma função importante: pÍopoÍcionavem o conhecimento minu-
cioso da geogralia, oÍganizaçãô social e cultura dos povos nativos. As
campanhas militares se beneficiavam desse coúecimento.
Muitas vezes aPresentada como penetração pacífica e conquista
através de insütúções superiores, a conquista colonial, na verdade, se fez

a S,lRnetlf , A. Grandeur et serl,itude coliniales, (,t. por GRIMAL, op. cir.,


p. 93.
d pEnnY, ! . Discurso na ümam dos Dewtados, cil por SURET-CANALE,
África Negra.

87
attavés da Íorça militar e os poyos atingidos tesistiram terazmente à ocu-
pação. As técnicas das campanhas militares na África, por exemplo, in-
cluíram: estímulo às rivüdades entre nações ou entre líderes de determi-
irado povo; reqüsições forçadas de alimento, gado e carregadores; alista-
mento de africanos nas forças européias sob promessa de pilhagens; re-
pressão a rebeliões inexistentes para obtenção de promoções;saque e des-
truição de aldeias, seguidas de escraüzação da população etc. Os relatos
das expedições estão cheios de expressões como esta, da conquista do
Chade:

"Dundúé e Maraua foram as principais etapis antes da chegada a


Bimi N'Koni. Aqui pudemos ler no solo e entre as ruÍnas da peque-
na cidade as diversas fases do assalto, do incêndio e da matança. ..
Em tomo da grande aldeia de Tibery os cadáveres de dezenas de
mulheres pendiam das árvores próximas... Em quase todas as
aldeias por que passamos, os poços estavam fechados ou contami-
nados por montões de cadáveres que apenas se podia distinguir se
pertenciam a animais ou a homens."?o

Aventureiros, traficantes, homens ambiciosos compóem as forças


da conqüsta militar. Mas a violência não é expl.icada apenas pela presença
destes npos sociais na conquista: a violência é o instrumento necesstiio
do colonizador para vencer a resistência dos locais.
Uma vez estabelecido o domrnio mrlitar, procedia-se à organização
do sisrema administrativo e político, que comportava mais de uma políti-
câ face à organização social dos vencidos e que se constituÍa de várias mo-
dalidades- Entre os chamados métodos coloniais europeus,é costume dis-
tinguir os "métodos ingleses" dos "métodos franceses" e de outros povos.
Os ingleses seriam basicamente os adeptos do "govemo indireto", isto é,
deixariam aos elementos locais as suas próprias estruturas político-admi-
nistrativas, limitando-se a subordiná-las a seus representantes especial-
mente designados. Enquanto isso, os /ranceses seriam os parridários da
polítíca de assimilação, ou seja, da identificação do nativo aos valores,
ideais e todas as formas exteriores da cultura francesa, responsáveis, por-
tanto, pela "destribalização" sistemática dos nativos.
Na verdade, porém, há um certo exagero nessa oposição radical dos
métodos, pois na práüca podemos dizer que as coisas se aprcsentam

T CAL, Meynier. Les conquérsnts du Tchad, cit. por SURET-CANALE, op. cit
p. 198.

88
extremamente variada, havendo c:§os em que os ingleses se distaÍciaraÍn
muito do S,ovemo indireto enquanto os fianceses dele se aproximaram'
Além disso, o fato de prestigiarem os ingleses as autoridades locais,
além de nâo se preocupaÍem com a assimilação global das populações do'
minadas, pÍesta-se a várias reflexões. Em primeiro lugar, o prestÍgio dis-
pensado às autoridades locais favorece quÍrse semPre atitudes retrógadas
e conservadoras, representando a longo prazo um pesado ôn us pua o de'
senvolvimento dos setores nacionalista§ e modemizadores; a política in'
gtesa, além disso, preocupa-se, quando müto' em assimilar os elementos
das camadas superiores - a chamada "elite drrigente" - ou Porque pre-
tenda desse modo manter sua influência através da sobreüvência de tais
elementos ou poÍque, como afirmam alguns, seja müto difícil ao inglês
afastar-se daquela velha crença segundo a qual se "nasct" inglês, não
sendo possível "tomar-se" inglês. Os frenc€ses, por seu lado, imbuídos de
uma mentalidade mais centralizedora e universalista, transPortada da me-
trópole, são mais reticentes em relação às autoridades locais' sem, contu'
do, se recusarem a utilizáJas quando assim julgam conveniente'
Os demais povoi colonizadores, tais como belgas, alemães, holande-
ses, portuglesese espanhóis, adotaram métodos que variam entre os limi'
tes repÍesentados pelo ideal de assimilação e as necessidades práticas do
respeilo e utilizaçãó das autoridades Iocais. Holandeses, alemães e belgas
dão ênfase especial ao enquadramento das populações e Pouca importân-
cia à promoção das mesmas em termos de assimila@'o?l '
Verifiiamos, assim, a esrreita conelaçiío existente entre as transfor-
mações do capitalismo na segunda metade do século XD( c o aparecimen-
to áe uma nova categoria histórica, a qual, na falta de expressão mais ade-
quada e precisa, convencionou'se chamar de impeialísmo, em que pese 4
confusão facilmente estabe.lecido entre este e as nunifestações expansio-
nistas, predominantemente mílitares e potíticas, quando não mesmo étni
cas e comerciais, encontradas ao longo da História no decorrer dos sécu'
los, facilmente capazes de pÍovoc uma confusão de conceitos, proposi'
tal ou não, que prua mútos Permite sem mais nem menos afirmar a "pe-
renidade do fenômeno imperialista"2 .
Âs modalidades assumidas pela expansão imperialista, sempre admi-
tindo-se aqui a conexão entre os esforços privados e a atuação estatal,

'r ANDERSON, P . Portugal e o fim do ultracolonialismo. Rio, ECB'


' scttuMpffex., ! - l mperiatismo e classes súiais. Rio, Zúar, l 96 l

89
podem ser esquematizâdas da seguirte maneira: 19) as colônias propia-
mente ditas - trata{e de árcas em que o domrnio da metrópole colonizado
ra é exercido em todos os setores da atiüdade econômica e em todos os
nr'veis, podendose distingür as chamadas colônias de enmizonento du
chamadas de enquadrarnenton ;29) os ptotetorados
- neste caso, o país
colonizador âssegura a manutenção aparente da estrutura política e social
prcexistente, como se o país colonizado fosse apenas um aliado .'protegi-
do" c ajudado pelo país colonizador, que se faz rcpresentar por intermé-
dio de um ministro residente ou seu equivalente;3g) drcds ou zonas de
influência - neste caso, a poténcia ou as potências colonizadoras reser-
vam pi[a seus nacionais áreas em que os mesmos possam atuar sob a pro-
teção de privilégios especiais em detÍimento dos possíveis competidores
euÍopet§; o Estado preexistente é conservado e com ele são negociados
os tÍatados e convenções que asseguram a zona de inIlúncia;49) as cha-
madas colônias est/ategictts
- mütb em voga no século XIX, refletem a
preocupação então dominante nos círculos navais em fins do século, e se
referem à obtenÉo de portos, ilhas e outros pequenos rcrritórios capazes
de servir ao abastecimento de frotas de guerra e naúos meÍcrntes ou de
entrepostos comerciais, ou mesmo de simples ponto de apoio pàa as co-
municações telegáIicas; 59) além desses tipos, que correspontlem a for-
mas mais ou menos limitadas geograficamente, encontramos no decurso
da expansão imperialista o processo de investiinento d.e capitais em teti-
tórios que nâo úegam a se enquadrar em nenhuma das modalidades an-
tes referidas; tal é o caso principa.lmente das regiões latino-americanas
nesse período, à quais poderíamos acres@ntaÍ muitas áreas da própria
Europa (meridional e centrooriental), os domrnios britânicos etc.
Fica, portanto, entendido que a expansa-o colonial propiamente
dita, isto é, o conjunto de acontecimentos vulgarmente resumidos sob a
denominaçe-o de "partilha da África" ou também "partilha da Ásia",
não constitui seni,o um aspecto do vasto processo abtatgSd,o pela expan-
são do cdpitalismo monopolista e impeialista, o qual, voltamos a frisar, é
a exportação de capitais, següda ou não da exportação de produtos
industrializados, o aspecto predominante, ocupando lugar relativamente
secundário a questão dos excedentes demográficos e mesmo, até certo
ponto, conforme a região, a questão dzs matérias-primas.
A competição entre as potências capitalistas que se agavou no final

ts HnnoY, Ç. It politique coloniale la


et Frtage dê la tene.paris, A. Michel,
1937 .

90
e
do século XIX com.a progressiva entra,la em cena da Alemaúa, Japão
Estados Unidos, influiu sobre o climo geml das relações interrucíonais '
agravando conflitos e contradições que iriam afinal levar à explosão da
Primeira Guena Mundial. Ã Alenunha encontÍou um mundo já diüdido
entre lnglaterra e França, potências que haúam logrado industrializar-se
mais cedo, daí a luta dos alemães pelo que eles denominaram de "um
lu'
gar ao sol", cuja réplica foi a progresiva germanofobia britânica' cohcre'
tizada no famoso "made in Germany". No Extremo-Oriente, a entrada
em cena do Japõo como jovem potência imperialista colocou em xeque
as

posições inglesas e francesas, levando ao choque com a iRússra (na verda-


â", ripret"rt*te de inteÍesses sobretudo franceses), e ÍnÂis t de com os
Estados Ilnidos , gue se PÍojetam no plano mundial após a guerra hispano'
americana de 1898.
A expansão imperialista caracteriza-se poÍ seu a§Peclo intemacional
e não raro até mesmo supranacional. No inÍcio do século XX, Por exem'
plo, começam a se faznr acordos que reúnem as grandes empresas que
opeÍam no mesmo setoÍ em divenos países Qembremo-nos do exemplo
clássíco de acordo àntre a General Electric e a A. E. G. alemã)' Neste ter-
reno, a industria Petrolífera PÍaticamente bateu todos os recordes, ora
produzindo a partilha de mercados, ora resultando em lutas ferozes pela
posse de'áreas ou países interiores, como foi o caso da disputâ entÍe a
St*a.td OiI e a Anglo Dutch Shell, no México, antes e druante a revolu'
ção mexicana.
Tais acordos não significam a cessaçâo das ivalidades entre os inle'
resses capitalistas das Potêncies competidoras, pois constantemente há a
disputa declarada ou surda entre os gupos mais poderosos no sentido de
ampliar as suas vantagens e abrir novas persPectivas de investimento' As'
sim é que, no setoÍ dos produtos siderúrgicos, no dos Produtos químicos
e em inúmeros outÍos, a tendência é o estabelecimento de gran des redes
de conexões que assegurírm o domínio de tais gupos sobre as mais diver-
sas regiões do globo. Tudo isto, aÍinal de contas, üsa âPenas a maiores
po§sibilidades de lucro e à defesa das margens de lucro já estabelecidas'
Sem dúüda alguma, o esubelecimento das "mlônias propriamente
ditas" ÍePresentou urn pesado fardo pua as populações africalas e algu-
mas popúações asiáticas, utna vez que nesse üpo de ação imperialista não
há quaisquer limites possíveis à exploração câpitalista. Nas colônias de
povodmento, por exemplo, o que se verifica é a expropriação dos nativos
de suas melhores teÍras com um duplo objetivo: permitir ao europeu aí se
estabelecer em caráter Permanente; obrigar o nativo sem terras a traba-

91
lhar como assa.lariado para o europeu nas gandes plantações e áreas
de mineração7a .
Enquanto iso, nas colônias de enquadmmen o, o europeu procura
explorar o elemento nativo sem desalojáJo de suas terras em caráter per-
manente: ou extrai vantagens da comercialização da produção indígena,
ou obriga, através da texação, este mesmo indÍgena a tÍabalhar nas minas,
na extração florestal e em todos os setores em que a presença dessa mão_
deobra se faça necessária, através de uÍn Íevezarnento contínuo, extÍema-
mente vantajoso também para os respectivos empresários.
A longo prazo, ils colônias de enraizamento, isto é, de povoaÍnento
branco, vieram a ser as mais problemáticas em termos de emancipação do
domínio europeu (como exemplos podemos citar a Argélia, o euênia e
principalmente a .rifrica do Sul).
Na colônia de enquadramento, o europeu apenas exerce as funções
técnicas, ad,-ninistrativas e de segurança, como funcionário da metrópole,
cabendo aos particulares empreender a exploraçalo dos recursos eco-
nômicos da colônia, o que favoreceu em geral o desenvolvimento de
uma burguesia local, base de uma futura burguesia nacional.
2.b A ocapaçao da Ásio
O interesse europeu pela Ásia na ldade Modema começou com as
-
grandes navegações e até o século XVIII, aproximadaÍnente,
as relações
entre um e outro estavam contidas nos limites do mercanü.lism o, com ên-
fase no comércio de produtos mros na Europa (espeaarias" anil, salitre,
açúcar, cânham o elc.), realizado por companhias privilegiadas de co-
mépio.
A partir do Íinal do século XVIII, com a eclosão da Revolução In_
dustrial, abriu.se uma nova fase: o interesse pela Ásia se rclacionova então
à necessidade de obter mercados para os produtos industrializatlos euro_
peus. O que interessava era o intercâmbio desses produtos por matérias-
primas e/ou alimentos, realizado em termos de livre comérclb. Os países
extremamente populosos da Ásia começavíun a ser üstos como utn mer_
cado inesgotável e se procurou estabglecer ou mesmo impor o comércio
a esses países, que mantiveram, contudo, certa autonomia política e in_
tegridade territorial.
A parür do Íinal do século XIX iniciou-se uÍna terceira fase na rela_
ção Europa-Ásia, catacteiztda pla exportaçalo de capitais disponíveis

' WooOtS, t.11, ca, os roízes ú revolra. Rio, Zahar, 1959.

92
através de rtrmas banctiias, acompanhado de ivoliúde acirrado entre as
potências pelo domínio territoial e político do continente. AgoÍâ, as ati'
üdades e preocupagões financeiras suPerâvam - embora nâo eliminas'
sem - as pÍeocuPagões comerciais' Assistiu+e ao investimento em larga
escala: nos transpofles (fluüais, fenoüários), nas plantações (chá, borra'
cha, câfé, açúcaÍ, tabaco etc.) e nas atividades exÜativas (estrnho, petró-
teo) todas aüüdades voltadas para exPortação. As indu§trias nascentes
foram desestimuladas e mesmo impedidas de funcionar: os Produtos in'
dustrializados deviam ser adqúridos nas metÍópoles'
Embora o estudo desta Parte (2.b) se relacione diÍetamente à ter'
ceira fase, freqüentemente tomaremos como ponto de partida de certos
problemas a época anterior (segunda fase). A história desse período se cq-
ir"tarirou poÍ uma sucessão de ívalidades entre potências, intervenções
e guerras, cujo resultado final foi a ocuPação colonial da fuia'

b.1 As aberruras
(i) A abertura da China
O Império chinês era o Estado mais anügo e poderoso do Oriente'
Sua üda econômica e social era determinada pela dualidade Estado'al'
deia: o lmperador possuía as terÍas; a aldeia as explorava, pagando tribu-
tos ao Estado; este construÍa e mantinha em funcionamento os dlques e
canais de irrigação, bem como outros seÍYiços necessários à agricultura'
Este traço básico levou alguns autores a araclenzar l organização econô'
mica chinesa como "asiática", mas há outros caÍacterísticos que fogem a
esta classificafo: era o caso dos seúores de terra, membros da aristocra-
cia e da burocracia estatal que possuÍarn, a título privado, Srendes ííÍeas
e exploravam os cârnponeses através de obriga@es divenas; cste tiPo de
exploração econômica levou uma parcela de historiadores a cÂÍaclerizÃI
. õhir,r como um país feudal. A discussão está abeÍta- É perfeitamente
legítimo consideiar que existiam, entâo, tÍaços dos dois tipos de organi'
zação. Uma pesquisa apurada poderia indicar qual dos dois tipos seria
dominante.
O aÍtesanato (rural e urbano) proüa os bens necessárim ao coosu-
mo diário e nas oficinas imperiais produziam-se tecidos Íinos, porcela'
nas, lacas etc. O comércio desses produtos, bem como de produtos natu'
rais (sal, minerais, produtos florestais), criou um grupo de mercadores
nos portos principais, onde formavam associações: é o caso do Co'Hong,
de Canüio, único canal de mmércio com o exterior.

93
No alto da sociedade úinesa, organizada hierarqúcamente em ca-
tegorias muito bem definidas (letrados, camponeses, aÍtesãos e comer-
ciantes), encontrava+e a autoridade do lmperador, agente do Mandato do
Céu, soberano de poder ircontestado, auxiliado por trrna vasta burocracia
(mandarins), Íecrutada atÍavés de concursos literários; est€s eram teorica-
mente aberlos, mas, na reúdade, somente os filhos de famílias de gran-
des proprietários podiarn realizáJos.
Desde a metade do sécuto XVII reinavam os Quing, dinastia estràn-
geira (de origem maachu). Embora se c€rcirssem de nobres e letrados chi-
neses, privilegiavam os de origem manchu, bem como mantinham guami
ções manúus nas cidades principais a fim de asseguÍar seu domrnio..EsÍe
caxiter estrangeiro da dinastia foi a tnaior fonte de sua debilidade. O do-
mínio nobre e dinástico foi mütas vezes contestado no secúo XD( por
sublevações camponesas e pela format''o de sociedades secretas, em geÍal
de caráter antimanchu.
A China esteve fechada ao Ocidente desde os contatos do século
XVL Sendo obrigados a comerciar através do Co-Hong, sem sequer tocaÍ
o solo chinês, os comerciantes ocidentais apelavam amplamente para o
conúabando, desde o início do século XIX. Introduziram na China ópio
cúüvado em Bengala pela Companhia das Índias (inglesa) e trocavam-no
por chá chinês. O confisco e destruição dos estoques de ópio por urna au-
toridade chinesa foi a ocasião encontrada pela Inglaterra para atacar a
China: deflagrouse a piméittl gUena do ópio, que forçou a aberrum de
cinco portos e a cessõo de Eing-Kong ao comércio r'rltl᧠(Tratado de
Nanquim, 1842).
Em 1856 e 1858, a segunda e teroeira guerras do ópio perrnitiram
aos ingleses e franceses obter mais onze portos e o estabelecimento de re-
lações diplotrulticos com a China. Os rratados obtidos (Tien-Bin e Pe-
qüm) ficaram conhecidos como "Tratados Desiguais", pois determina-
vam entrada praticamente [vre dos produtos ocidentais nas aduanas chi-
nesas, bem como estabeleciam direitos especiais no plano jurídico (extra-
territorialidade, isto é, os estÍangeiros escapavÍun à jurisdifo das leis
úinesas) e econômico (liberdade de atiüdade econômica de estrangeiros
em certas regiões, ou melhor, cidades úinesas). Fora dos TÍatados, ou-
tros privilégios foram+e estabelecendo: a livre circulação dos naüos de
Brcrra euÍopeus em águas interiores e as "concessões" (bairrõs ou portos
sob autoridade estrangeira, onde as autoridades úinesas não podiàm
penetrar).
A fraqueza da dinastia dilrnte dos estrangeiros permiüu a eclosão

94
de movimentos popr.rlares de grande porte a PartiÍ das guenas do ópio'
O mais importante des§es movimentos foi a revolta Taiping, movimento
camponês, que institüu na China Central um poder imperial dissidente
com capital em Nanquim, de 1851 a 1864' Seus característicos mais
importantes erarr: oposição à dinastia nanchu e à opressõo estrangeira'
uma expressõo religiosa que era unu mucla de cristianismo e cultos po-
pulores chineses e também uma ampla redistribuiçiio de terras. Além des'
ses, outros moümentos imPortantes da éPoca foram a revolta dirigida pe'
la sociedade secreta dos Nian, no norte da China, entre 1851-64; as insur-
reições das múorias muçulmanas entre 1855-73 no sudoeste e entÍe
1863-78 no noroeste; e óutros movimentos menoÍes no norte e no sul'
Eses movimentos assustaram não apenas a dinasüa, mas também
os estrangeiros, que üram na estabiÍdade política do império uma ondi'
ção necessária para o cumprimento dos acordos realizados;daí sua ajuda
técnicâ e militar à dinastia que conseguiu, assim, sufocar estas revoltas. O
fracasso dos movimentos permiüu um fortalecimento sem paralelo dos
grandes senhores de terra. Esta nobreza territorial, mirando-se no exem-
plo japonês, procurou prumovet rus últimas ücadas do século a moder'
nização do par's (moúment o yan-wt): criaram+e escritórios de tradugo.
arsenais modemm, manúaturas de tã e algodão etc. Mas perrnaneciam es'
tes senhores fundamentalmente ligados à concep@es confucianas tradi'
cionais da sociedade. A tentativa não produziu resultados significativos.
Com a gttena sinoiaponesa em 1895 , o regime enfraqueceu*e ainda
mais. O lapão se industrializara rapidamente no fim do século e alcançara
a possibilidade de expandir-se em teÍmos imperialistas. Alegando cuúlito
na Coréia (reino protegido do Imlrio Chinês), o Japão invadiu a pentn'
sula coreana, indo até a Manchúria. Pelo Tratado de Simonoseki, além de
enorme indenização, a China recoúeceu a indeprindência da Coréia e
cedeu Formosa e as ilhas Pescadores, além da Península de Uao'Tmg
(Porto,Artur e Dairen) ao Japão. No entanto, a ação diplomática da
Rússia, Aemanha e França obrigou o Japão a devolver Liao-Trmg à
China.
A debilidade chinesa animou as potências ocidentais: de 1896 a
I902 assistiu+e.à "batatha das concessões", cada poténcia exigindo terri-
tórios de arrendamento por 99 anos (bases militares), áreas exclusivas de
influência e praticaÍnente desmembrando o território clinês (break-up da
China).
O perigo da desinte$ação deu forças à oposição antiocidental ex-
pressa na Sociedade dos Puúos Harmoniosos (moúmento boxer) com

95
ramiÍicações em toda a China e até na corte tmperial. Seu lema era .,for_
talecer a dinastia Quing, rdestruir a potência colonial e implantar nova-
mente a justiçá do Céu"75.
Em 1900 dri-se o levante boxer, com a destruição das missões reli_
giosas e o ataque âs legaçõcs ocidentais em pequim. Uma força expedicio-
nária de várias nações consegüu úegar a tempo e sufocar a revolta. O
amrdo de paz (Protocolo dos Boxers) de l90l assegurou a presença mili_
tar ocidental na China e na própria capital (cidade sagrada).
Os dez anos seguintes são o auge do domrnio ocidental. A China
tomou{e uma semicolônia; só a rivalidade e desconÍiança entre Írs potên_
cias impediu o domrnio total em benefício de uma só. Ao mesmo tempo,
as forças de renovação não cessavam de atuar; a partir da derrota frente
ao Japão criou-se uma "[.hrião pelo renascimento da China", fundada por
Sun-Yat.len. No inÍcio do século XX ela se fundiu com outros movl.
mentos entimanchus e sociedades secreta.s em urna Ljga de Àiança, orien_
tada por "três princípios do povo": independência, soberania e bem-
estar. Seus objetivos principais eram:,.19) derrubar o govemo manchu;
29) estabelecer uma República; 39) salvaguardar a paz mund.ial;49) favo-
recer a naciona.liza$o da tena"76 .
Apoiado nos intelectuais modemos,'na burguesia, em camadas po-
püares e mesmo nos grandes proprietários (que retiraram seu apoio à di-
nastia incapaz), o movimento conseguiu a derrubada da dinastia em
l9l l. Sun-Yat§en elegeu-se Presidente da República Chinesa.

(ií) A abertura do Japão


No Japão haüa uma organização política e econômica basicamente
semelhante à da China (organizaçâo de economia aldeã,
artesanato e co-
mércio desenvolüdos, organiza$o social fuerarqüzada, propriedade im-
perial das tenas etc.), mas as diferenças eram bastante acentuadas: (l) o
poder crntral encontrava-se nas mãos do ,.xogum',, chefe militar que se
interpuúa entre o Imperadot e os daimio (gandes senhores de terra);
(2) a orgnização econômica se aproximava de um modelo ..fsu.tal", na
medida em que entrq, o poder imperial e as aldeias existiam cerca de 27O
"feudos" (han), cujos seúores, os daimio, exploravam o trabalho dos
cirmponeses; (3) os samumis,elementos militares, eram un grupo à parte,

6 CfESNEAUX, !. Asiq Orientol en los siglos XIX y XX. Nueva Ctio, Barcelona,
Ed. Labor, 1969.
É \d.9. t6t.

96
socialmente superioÍes aos camPoneses e comerciantes, embora subordi'
nados aos dainúo.
No século XIX vtiios latores se coniugaram para comfuter o poder
do "xogum": sublevações agrárias, a intenção de mütos daimio no senti'
do de modemizar seu cultivo, o descontentamen to de samurais empobre-
cidos com o fim das gueras entre os daimio, as tendências ocidentalizan'
tes de grupos intelectuais etc. O resultado foi a Revolução Melli (1868)'
qu. pro"*u uma mudança profunda no País. Muitos preferem não fa-
lar em revolução para designar o movimento, aJirmando que a compo'
siçâo do poaleÍ pouco mudou (contrariamente às revoluções burguesas do
Ocidente). O fato é que a partir de 1868 a polírica do Estado se reorien-
tou no sentido de transformações econômicas e sociais que permitiram
um progÍesso rápido do capitalismo no país.
Mas toda essa transformação foi precipitada pelo intervenção es-
trangeira, que começou em 1853 com a missão americana comandada
pelo Almirante Perry, com nrensegem ao "xogum":
"Um grande número de nossos poderosos naúos de guerra dirige'se
para o.Japâo;... o infrafirmado, como Prova de suas intenções ami'
gáveis, trouxe consigo tão-somente quatÍo de seus menores naüos;
mas está pÍonto... a voltar a Iedo na primavera ündoura com uma
.força bem maior."7,

No ano seguinte firmou-se um tratado que abria dois portos ao co-


mércio ameúcano e estabelecia relações diplomáÚcas. lnglaterra, Holanda
e Russia seguiram imediatamente o mesmo camiúo. Poucos anos mais
tarde, imprseram-se ao Japão novos acordos que afirmavam o direito à
residêncii de estÍangeiÍos e o da extraterritoríalidade (Tratados Desiguais)'
O "xogum", coúecendo a debilidade japonesa, consentiu ne assi'
natura dos Tratados. Toda a oposição eo "xogunato" aglutinou-se em
tomo do lmperador, derrubando o "xogum" e restaurando a autoridade
imperial ( I 8ó8); inaugurava-se a "Era Meiji" (era da claridade)' Bem cedo
o gupo dirigente percebeu que nâo podia maíter o país isolado etema-
mente e que deveria aprender a técnica e a ciência ocidentais' Escudado
na autoridade do Imperador, aceitou â interferência ocidental, aprendeu
suas técnicas econômicas e militares, modemizou suas institúções políti-
co-jurídicas à maneira ocidental, mantendo, porém, sua cultura, organiza'

'r paNlKx.en, K. M. A dominaçõo ocidental na lsra. Rio, Ed' Saga, 1965,


Vol. I.

97
ção social e o controle político da nação. Em pouco mais de 20 anos o
par's se industrializou e concentrou sua produção em alguns grandes
cartéis (Zaibatsu) como Vitsui, Mitsubishi, Sumitomo. A iniciativa esta-
tal teve atuação destacada nesse processo. O Japalo ascendeu, assim, à
categoria de potência no plano intemacional: em 1894 conseguiu a aboli-
ção dos tratados desiguais e lançou-se à expansão imperialista.
Que razões teriam permitido esse desenvolümento próprio do Ja-
plÍo, enquanto a China permanecia presa à tradição e subordinada ao
Ocidente? Algumas indicações, que não esgotam o assunto, poderiam ser:
(a) por seu recursos minerais, produção complexa e relmada e grande
população, a China foi alvo preferido do Ocidente que üa nela um mer-
cado fabuloso, bem como fonte fomecedora de matérias-primas; (b)
crentes na superioridade de sua própria cultura, os chineses se recrsavíun
a conhecer os pÍogressos dos ocidentais (que consideravam "bárbaros',),
enquanto o Japão há müto tempo era receptivo às ciéncias e técnicas do
Ocidente, procurando aprender aüdamente suas institüções, as razões
de seu progesso econômico e superioridade militar;(c) a China era gover-
nada por uma dinastia sem apoio popular, obrigada, por isso mesmo, a
concessões cada vez maiores ao Ocidente, incapaz de resistir à penetração
das potências e obrigada, por isso, a fazer concessões cada vez maiores à
exploração colonia.l; enquanto isso, o imperador japonês agluünou em
tomo de si o apoio e entusiasmo da população; o Estado teve condições
de realizar uma política autônoma.

b.2 A ocupaçdo da tndia


A mesma feição básica da sociedade asiática era encontrada na Ín-
dia, com algumas especificidades: um sistema rígido de castas, um dualis-
mo cultural centralizado na diüsão religiosa hinduísmo-islamismo, pre-
sença europeia em feitorias litorâneas desde o século XVI.
A ocupaçaio territorial se efetuou a parúr do século XVIII pela
Compurhia das Índias Orientais. No século XIX a Inglatena completou a
dominação, estabelecendo c€Ítas fueáis de dominação direta, mas permi-
tindo que c€rtos pnÍrcipes continuassem govemando s''as regiões. Acima
de tudo se colocava a autoridade de um vice-rei (na Índia) e de um Secre-
tário de Estado (nomeado pelo Parlamento). O domrnio se estabeleceu
atraves de guerris que duraram mais de um século, uma das quois, a revol-
ta dos Cipaio (1857-58), se tomôu famosa como símbolo de resistência
ao estrângeiro.
Percebem*e claramente, na Índia, as üversas ênfases corresponden-

98
tes às várias fases do desenvolvimento inglês: das preocupações fiscais e
mercanti[stas (especiarias e produtos raros) do século XMII, passa-se à
ênfase na expansão do c<rmércio em larga escala (alimentos e matéria-
prima por industrializados) na era da Revolução Industrial..ás necessida-
des prementes desta época impõem, além do intercâmbio, o domínio.
Para que a Índia fosse o grande mercado mnsumidor da industria
inglesa nascente, era necessário ven@r a concorrência do aÍtesanato in'
diano, que vendera até o século XVIII tecidos mais finos e mais baratos
à tnglatãrra, e impedir o surgimento de industria têxtil modema na Índia.
O domrnio político permitiu essas medidas.
Na época imperialista, os investimentos se aplicaram em grandes
plantações (de chá, borracha, café, anil), minas e fenoüas (que ligavam
as plantations aos portos). de recursos foi imensa, a pon-
A transferência
to de o próprio Secretário de Estado, Marquês de Salisbury, declarar que
"se a Índia-deve ser sangrada, a, sangria deve ser feita com cüdado"?8.
AtÍavés de cálculos estatrtticos verificou-se que, no in ício do século XX,
cerca de l0% do produto nacional bruto indiano eram trmsferidos para
a lnglaterra, isso sem contâr as transferências indiretas oriundas de rela-
ções de troca desfavoráveis à ÍndiaD.
Além disso, o "Império Indiano" foi a base territorial e financcira
da expansão británica na Ásia neste período que estarnos estudando. Mui'
tas expedições não aPenas eram formadas Por tÍopͧ indianas, como sua
manutenção corria por conta do orçamento colonial.
No estabelecimento e mânutençâo de seu domínio na Índia os
ingleses lançaram mão de rivalidades políticas de príncipes,_de rivalidades
étnicas e religiosas das populações, do monopólio das funções adminis'
trativas (o Civil Seruice fechado aos indianos) - tudo foÍtemente apoiado
na doutrina da superioridade racial:
"Foi essa consciência de nossa superioridade inata que nos Permitiu
conqrristaÍ a Índia. Por mais educado e inteligente que seja um indí'
gena, poÍ mais valente que ele se manifeste e seja qryl for a posição
que posszrm6 atribúr-lhe, penso que jamais ele será igual a um oÍi-
cial britânico."e

ã »eGBy, W. "hosperous" Dritish Indio, cit. poÍ BARÂN, P. A economb polí-


tics do desenvolvimenro. R.io, Zúar.
D BÂRAN, P. rp. cit.,p.2l2.
e KlTCuENrn. LoÍd, cir. cm PANIKXAR, op. cir., p. 160.

99
O racismo, asim como uÍnâ etiqueta minuciosa para cerimônias,
tiúa funções precisas na úrmação da su-
linguagem e relações pessoais,
perioridade do colonizador e, poÍtanto, na legitimidade e manutenção
do "lmperio lndiano".
As reações contta o domínio britânico no século XIX assumiram
várias formas: desde preocupações reformadoras até revoltas declaradas.
A revolta dos Cipaios foi uma tentativa da índia tradicional de se livrar
da tutela estrangeira. As forças antiinglesas eram, porém, heterogêneas
(soldados, pnncipes insatisfeitos, religiosos que temiam o progresso do
cristianismo, artesãos arrurnados) e não consegüram a adesão popular.
bem como a de importantes príncipes. O resultado foi o fracasio da
revolta.
Depois disso, os movimentos nacionais caracterizaram-se por preo-
ci:pações religiosas, educativas e sociais. A atuação propriamente políüca
restringiu-se a algumas penonalidades que tentavarn reformas prudentes
dentro da ordem colonial (exemplo: ampliação da participação indiana
nos órgãos legislativos e administrativos britânims). Deste üpo de açá-o
política surgiu o Congresso Nacional Indtano. No entanto, ao hnal do
século. apareceu no moümento uma dissidência que defendia o hinduís.
mo, criticava o ocidentalismo e a moderação dos lrderes, propunha ações
(inclusive ilegais) contra os ingleses.

b.3 As ivalidades
Além da rivalidade plurinacional que s€ estabeleceu na China, em
várias outras regiões notam-se nvalidades marcantes: a anglo-francesa, a
anglo-russa e a russo-japonesa. Toda a Ásia tornou-se objeto da competi-
ção colonial.

(i) A nvolifude anglo-francesa mais aguda oe.rueu na Indochina. Os


ingleses, procurando garantir seu imperio indiano, avançararn para leste
(Birmânia) e da Malásia para o norte. Os franceses, tentando dcançar a
China, ocuparam suce ssivamente o Camboja, a Conchinchina, o Anam, o
Tonquim e o [aos; à medida que se instalavam, seus interesses Í'ixaram-se
na exploração dos recursos naturais: mrnerais, cawão, seda, aÍÍoz etc. Os
rivú defrontaramse no Sião (Tailândia). sendo a disputa resolüda pelos
acordos de 1896 e 1907, que estabeleceram duas áreas distintas de in-
fluência no Sião.

(ir) A nvafidade anglo-russa tinha sido ume constante das relações

100
intemacionais européias no século XlX, na questâo Íelativa ao lmpério
Otomano. Essa rivalidade se repetiu na Ásia devido à decisão russa de
expandir-se na Ásia Centrd (Turquestão) na década de 1880, aproúman'
do+e, assim, das fronteiras da Índia. A Inglaterra temie que esse impulso
levasse a Rússia a ocupaÍ 6 planaltos do AfeganistiÍo, com o que estariam
ameaçadas as próprias fronteiras da Índia. Por iso impôs um quase-PÍote'
torado ao Afeganistão. que se constituiu, assim, nuÍn Estado'tamPão en'
tre as duas potências. A tensão levou à iminência de uma guerra anglo'
nssa, Ítas foi proüsoriamente sufocada por uma delimitação de áreas de
influência. As rivalidades só foram definiüvamente reguladas em 1907,
com o acordo que repartiu a Pérsia em duas áreas de influência, uma
russa, outra inglesa.

(i1\ Á iwlidade russoiaponesa surgiu em firnção da disPuta em


torno da Manchúria e Coréia, bem como de Porto'Artur' Já na guerra
§no-japonesa a Rrssia (ao lado de outras potências) obrigara o Japão a
devolver Porto-Artur e Dairen à Chinà. Na "batalha das concessõcs", a
Rúsia conseguiu para si própria Porto-futur e Dairen, bem como licença
para pissar no sul da Manúúria a ferroüa transiberiana que ia até Madi'
vostok. A Russia podia administrar os territórios cortados pela fenovia e
ocásionaimente utilizáJa para transporte de troPas. I-nglaterra e Japão te-
miam a ampliação da influéncia Íussa, que parecia orientar'se para um
protetorado na Manchúria;daí o tratado anglo'ioponês de 1902, que afir-
mava a independência da China e da Coréia e preüa a cooPeÍação militaÍ
entre os dois paises. O Japâo pôde, assim, fazer frente à Rússia
A guerm russo-iaponesa (1901-5) foi breve, com sucessivas vitórias
nipônicas. Pelo Tratado de Portsmouth , a Rrssia entÍegou PoÍto-futu,
o sul da Sacalina e a transiberiana ao JaPão. Pela primeira vez uma naÉo
asiáüca vencia uma potência européia, fato imPortantc PaÍa o surgimento
de um moümento anücolonial na Ásia. Após a guerra, o Japâo teve um
papel ativo na expansalo imperialista: obteve concessôes na China e parti-
cipou da repressâo à revolta boxer, obtendo novas vantagens econômicas
e políticas.

b.4 Conseqüências da colonização


A integra$o progressiva das economias locais no sistema mundial
capitalista produziu certos benefícios para aquelas, como a introduçâo
de novas técnicas. Mas no geral provocou impactos negativos, tais como a
ruína das regiões que equilibravam culüvos alimentícios, aÍtesanato Para

l0l
subsistência e coméÍcio Íegional; elas se arruinaÍam em beneficio das
áreas de produção em larga escala para o meÍcado extemo (ex.: algodão
bruto, borracha etc.). Ondê o cultivo tradicional consegúu suhsistir, sua
ligação com o sistema econômico implicara forte taxâFo. Tanto o culti-
vo tradicional crrmo a plotation ligavam-se, pois, de alguna forma à eco-
nomia metÍopolitana. Também o âÍtesanato asiático foi sendo destruÍdo
à medida que os produtos industrializados europeui penetràvam em glan'
de escala.
Do ponto de üsta social, destaca{e um primeiro fato imPoÍtante:
à antiga hierarqúzação rígida em castas ou classes se sobreÉs uma hie-
o colonizador
rarqüzaça--o étnica: falando.
é superior racial e socialmente
Ficou famoso, neste senüdo, o aüso flos jardins de Xangai: "Proibida
a entrada de cachorros e chineses". As velhas classes dirigentes geralmen-
te sobreüveram à sombra do poder eolonial ao qual se adaptavam. Tam-
bém a burguesia nasc€nte se ligava aos modelos ocidentais e se subordina-
va ao regime colonial, embora, em alguns ceso6, tentasse opor-se a ele. A
dissoluS-o do cütivo aldeão, com o estabelecimento progressivo da pro-
priedade privada do solo, bem como a deúntegração do artesanato urba-
no, criaram uma plebe desocupada, assim como trabalhadores de plonto-
tion e de serviços públicos: tÍatave-se de um proletariado miserável e con-
c€ntrado em algumas cidades.
fu potências mloniais em geral modemizaram as áreas ocupadas,
estabelecendo instituições e códigos judiciários, bem como um sistema
fiscal moderno nas colônias. Implantaram processos de cultivo e irriga-
ção, fenoüas, rodoúas, telégrafos, escolâs e universidades. Observe-se,
porém, que mútos deses progressos tinham um sentido estratégico para
a manutenção do domínio colonial e/ou tendiam a beneficiar as classes
dirigentes locais, que aos poucos se tomavaÍn parceiras da administração
colonial. As contribüções da técnica e ciência ocidentais aos povos colq-
niais foram reais, mas pode-se perguntar se elas não podeáam ser reparti'
das com os povos sem o domrnio colonial, isto é, sem a dominação políti-
ca e a exploração econômica.

2.c A partilha da Afnco


As fases gerais da relaç5o Europa-África correspondem aproximada'
mente às que tÍaçâmos ao estudar a ocupação da Ásia.
 época da expansão meÍcantit européia, a África foi üsta PÍinci-
palmente amo fomecedora de algura proàttos raros e especialmente de
escravos - o tráfico negreiro durou até os séculos XV[I-XD(.

t02
No início do sécrúo XD( ooÍreçou a se institür a proibição do triáfi-
co negeiro nos países qúe se industdalizaram. O mercantilismo cedeu lu'
gar aos postulados da liwe concorÉncia e liwe mméÍcio e as necessidades
da Revoluçâo Indrstrial impuseram a busca de novos mercados e a luta
contÍa a escraüdão. As feitoia do litoral africano perderam impttôn'
cia, enquanto o intercômbio comercial de industrializados por mitérias-
pimas (ozeite de pabru, cacan) e alimentos adquiiu valor. As sociedades
mais complexas (como o Norte da África) tomaram-se o foco das eten-
ções européias por se constituíÍem em meÍcados mais promissores.
Na segrmda metade do século XIX o desenvolümento euÍopeu Pro-
duziu a expansão imperialista e colonial que, no caso africano, foi larga
medida protetoÍa e antecipatória. A anemção tenitorful permitiu o inves'
timento e a ciação de novos mercados pan os produtos europeus. Tam'
bém aqui se estabeleceram plonutions, *ividades mineradoras e redes de
ferroüas.

c.l Álrica do Norte


Região de sociedades complexas há longo tcmpo estabelecidas, com
certa unidade cultural baseada nurna Lngua (iírabe) e religiaio (islamismo)
comuns, sofrendo um domínio turco pouco acentuado e apresentando no
litoral uma üda urbana e comercial mú1o ativa enqurnto o interior prati-
ca agricultura bastante avançada, o norte da Áfíca é uma regiâo pratica-
mente circunscrita ao MediterÍâneo e por isso rnesrno era objeto próximo
da expansalo eurofria. Ài os rivú mais importantes eram os franceses.
ingleses e italian6.

(i) A França exeÍceu. durante boa parte do século XIX, uma grande
inÍluência no Egito, a quem ajudou a se modemizar econômica e militar-
mente (ex.: a constÍução do canal de Suez, por Lesscpn). Além diso ini'
ciou a conquista da Argélia em 1830, completando-a em 1852. Numa pri-
meira fase (até 1880), a atiüdade colonizadora na Ârgélia se caracterizou
por especrÍação de terras, desapropriação cÍes@nte das terras das aldeias
do interior, imigraçâo de colonos brancos em larga escala paÍa ocuPaÉ'o
de terra e cultura de vinha, substitündo as culturas tradicionais. A parür
de 1880, aprofundou+e a conqüsta do interior (Saara argelino), caPítulo
integante da partilha da África, com caracterísücos estÍatégicos marcan'
tes: rede ferroüária para ligar vários pontos do "império colonid" franoês
na África.

103
Na lunr'siz, o be (govemador) Mohammed Saddok (1859-1882)
pÍocuÍou modemizar o seu part, para o que tomou emprésümos às po-
tências européias, o que acabou por permitir uma influência crescente da
Itália, França e Inglaterra nos negócios tunisianos. A França, Íeceando
perder sua posiçâo predominante em todo o Magreb, dada pela ocupa$o
da Argélia, decidiu agir para resguardar aquela predominância. Sua ação
recebeu o encoÍajamento explícito de Bismarck ("Creio que a pêra tuni-
siana está madurâ e que é para vós o tempo de colhêJa") e teve a condes-
cendéncia inglesa, que preferia o domínio Íiancês ao.italiano na outÍa
margem do estreito da Sicflia. A pretexto de incursões de piratas tunisia-
nos na Argelia, o govemo enüou uma expedição. Em I 881 , pelo Tratodo
de Bardo, a FÍança estabeleceu o protetorado sobÍe o paÍs. A Itiília pro-
testou veementemente, mas nada pôde fazer.
No Monocos, a França enfrentou a rivalidade alemã, o que provo-
cou duas crises sérias. A pimeira cise manoquina surgiu da reação alemã
à Entente Cordiale. O Imperador Guilherme II desembarcou em TânBeÍ
(1905) prometendo ajuda ao sultão e advertindo que não permitiria deci-
sões sobre o MeÍrocos sem a participação alemã. O resútado da manobra
foi a realização de uma conferência de potências (Conferência de Ageci-
ras), que asseguÍou a preponderância da França nos negócios rnarroqú-
nos, embora não lhe permiüsse o protetorado. A segunda crise marroquí
r2a ocorreu em l9l I e ficou conhecida como cnie de Agadir. Pretextando
uma violaçâo do sratus quo, a Àemanlu enviou um navio de guerÍa ao
porto atlântico marroquino de Àgadir. As conversações franco-alemãs,
com participação inglesa, decidiram o estabelecimento do protetoÍa(o
francês no Marrocos e a cessâo de uma parte do Congo franc6s (entre o
Camerum e o Congo belga) à Alemanha como compensação.

(ii) A atuação da Inglaterm tinha um sentido primordialmeÍrte


estratégico e comercial. Já vimos que ela abandonou suas pÍetensões na
Tunísia em benefício da França; agiu, porém, de maneira decidida no
Egito. O üedivo lsmul, teoricamente repÍesentando o sultão otomâno
(na práüca um poder autônomo), empreendeu a parür de l8ó4 uma polí-
tica de modemização do país através de empréstimos estrangeiros. Sem
Íecursos para pegaÍ as díüdas, acabou por vender suas 177.000 ações do
csnal de Suez à tnglaterra. Prosseguindo o endiüdamento egípcio e tam-
bém sua incapacidade de resgaüJo, a FrÀnça e InglateÍra impõem-lhe, em
1876, a criação dz C-aixa da Dívida hiblica, pela <iual um repÍesentante
inglês e um francés controlavam a Íeceita e a despese do país: é o chama-

104
do regime de CondomÍnio. A tutela franco-inglesa teve de enfÍentrr a Íe.
sistência do nacionalismo egípcio sob a liderança do corcnel Arabi Pacha,
que pÍovocou um amplo moümento em todo o país. A intervenfo ingle-
sa em 1882 (a França não pôde participar) esmagou a Íevolta e implantou
o protetorado inglás sobre o Egito. À lnglatena se assegurava, assim. o
trân§to no Mediterrâneo Oriental para a Índia e o Oriente em geral. Ao
mesmo tempo, criava-se na França um forte Íessenümento antiinglês.
Com o objetivo de assegurar a posse do Nilo, a Inglatena estabele-
ceu um condomÍnio anglo-egípci o no Suüío em 1882. A França, não ad-
mitindo a possibilidade de que todo o vale do rio ca ísse em mãos inglesas,
enviou expedição ao Sudão (.incidente de Fachoda); o confronto armado
das expedições inglesa e francesa foi contornado através de acordos que
reconheceram a proeminência inglesa no Sudão e deixaram à França as
regiões ao noÍte e a leste do lado Chade (o atual país Chade).

(ln) A ltália , embora tardia e parcialmente industrializada, realizou


uma políüca colonial ativa, resultado da influência de grandes grupos
econômicos sobre o governo. MaJ preparada, entretanto, nem sempre foi
bem+ucedida na corrida colonial, como foi o caso da denota na Abisí-
nia em 1896 diante das tropas do negus Menelik. Consegüu pelo menos,
no norte da África, estabelecrr em l9l I /12 a tutela sobre a Líbia (Tripo-
litânia e Cirenaica)-

c.2 Africa Negra (ou sul-saariana)

A competição ao sul do Saara entre franceses, ingleses, belgas, ale-


mâes, italianos e poÍtugueses foi acirradíssima. Tornaram-se famosas, nes-
sa região, as expedições científicas e puamilitares que preedeÍam a con-
qüsta colonial e os nomes de algurs dos exploradores ficaÍam mundial-
mente conhecidos, como Livingstone (pela Inglaterra), Stanley (pelo rei
belgz), Cecil Rhodes (pela Inglateta), Brazza (pela França).
A parür de 1870, as expedi@es garanüam a tutela de seus Estados
sobre socredades negÍas por meio de Tratados com os chefes locais. Mas
já em I880 começavírm a surgir atritos entre as potências, atritos estes
que foram regulados pela Conferéncia de Berlim (1884/5), que estabele-
ceu algumas regras gerais para a corrida colonial, tais como: informação
recipÍoca das pretensões enúe es potências, necessidade de ocupação
efetiva dos territórios para garantír a posse. Entre 1890/1900, conclüü.
se a partilha da ÃÍrtca entre as grandes potências.
A organizaS'o social e pohlica dessa região eÍa bastante heterogê-

105
nea, encontÍando4e desde as sociedades mais simdes (tribo§ de caçadores
e coletores) até oÍgailzâcfr's complexas (chefias agícolas, Pestoris ou
comerciais e âté mesmo federaSes e Estados organizads). A unidade
econômica fundamental, em geral, era a agricultura (familiar ou coletiva).
Uma ctrta unificação social e econômica veio de fora, pelo imPacto dâ
colonização.
os principais momentos rla partilha rta África foram os s€gúntes:

(i) Nas regiôes centrais

A pneluação francesa no vale do Níger,ligando a região aos domí-


nioi do norte aa Áf;ca, criou a África Ocidental Francesa (hoje Senegal'
Guiné, MauÍitânia, Níger, Costa do Marfun, Mali, Alto Volta e Daomei).
A penetÍaçâo na bacia do Congo e na região do lago Chade cÍiou a África
Equatorial Francesa (hoje Chade, República Centro-Africana, Congo
Brazzaville, Gabão). Além desses, a ilha de Madagáscar (hoje República
Malgaxe).
Os injy'eses exploraram o vale do Zanbezp e do lago Vitória, na par-
te oriental: Uganda, Quênia; na paÍte ocidental do mntinente, explora'
ram o baixo N4er, ocupando o que hoje é a Nigéria, e também Gâmbia
e a Costa do Ouro (Gana).
 maior parte do vale do Congo (região rica em mbre, cobalto,
chumbo e zinco, bem como müto fértil) caiu em mãos de uma Associa-
ção Intemacional do Congo, na realidade propriedade pessoa.l de Leopol'
do ll, rei belga. §o século XX passou ràs mãos do govemo belga.)
A ltália, frustrada em suas pÍetensões na Tunr'sia. ocupÔu PaÍte do
litoÍal do Mar Vermelho entre 1885/9 (Massaua, Eritréia e Somália).
A Álenunho estendeu sua influência entre 1880/6 sobre a África
Oriental (Ruanda-Burundi e Tanganica), o Sudoeste Africano, o Togo e
o Camerum.

(ii) O sul da África

A presenga ingleso ta
região foi o fato mais importante. Desde o
início do século XD( ela ocupava a cidade do Cabo e também Natal. Â
tentativa de ocupar todo o sul do continente no fim do século chocou-se
com a prcsença dos àoers, além das resistências locais. A população biirer,
de origem holandesa e instalada na região desde o sécrÍo XVIII, compu-
úa+e de dois Estados: Orange e Transvaal. Â descoberta do ouro em
1889 produz. uma corrida européia (ingleses. escooeses e australianos) à
regiâo. O Transvaal impôs limites e tributos à explorafo auÍífera, bem

106
como negou direitos políticos a estes forasteiÍos. Sua negativa em aceitar
uma federação sob tutela inglesa, propota por Cecil Rhodes, então 8o-
vemador da colônia do Cabo, pÍovocou um primeiro confronto armado
em 1895. A guerra geral começou em 1899 e dwou até 1902, com a vitó'
ria inglesa. Posreriormente (190617) a Inglaterra concedeu autonomia
limitada aos dois Estados, qw acabaram por se unir ao Cabo e Natal nu-
ma feàeraçâo, a Uniâo Sul.Africana, em 1910. A lnglaterra dominou,
assim, todo o sul do continente: União Sul-Africana, Bechuanalândia,
Rodésias (norte e sul) e Niassalândia.
As possessões portuguesas, Angola e Moçambique, que tinham de'
clinado no século XIX, ampliaram-se territorialmente nessa época deüdo
ao apoio da lnglatena, desejosa de eütar a progressão francesa e belga no
Congo. Quando, porém, Portugal tentou, em l866,ligar os territóÍios de
Angola a Moçambique numa faixa contínua de terra, a Crã'Bretanha rea'
giu üolêntamente e impediu sua realização. O soúo de Cecil Rhodes,
de unir o Cabo ao Cairo, recebia, asim, o apoio da polÍüca oficial inglesa.

c.3 A colonizaçõo e suas conseqüências

Na maior paÍte da África, principalmente na África Negra, não ha'


via condições prontas pare receber os investimentos europeus. Era neces-
sário, portanto, preparaf as condições que permitissem o integração do
continenÍe à economia mundial . Daí uma desarticulaçâo ainda mais com-
pleta das estruturas econômicas e sociais anteriores à colonização.
Nas colônias de povoamento, para onde se dirigiram grandes con'
tingentes de população européia, o probletru da posse e utilização da ter-
ra em fundamenral. Os investimentos das Companhias Concessionárias se
destinavam cm geral à exploração mineiÍa ou ao estabelecimen to de plan-
tations; para se colocarem colonos europeus na área, também se necessi-
tava de terra disponível. Daí as medidas no sentido de apossar-se das ter-
ras dos nativos, @m ou sem oompensação. O método rsado foi o da
pressão e/ou violência. Nas palawas do Gomandante Poinçot, na Argéüa:

"Se qüséssemos, poderíamos .tomaÍ vossas terras, mâs nós vos soli-
citamos que no-las dêem; . . . nosso govemo não qwr usar de seu
poder e deseja obter de vós pela p€rsuasão o que não poderr?is
igualmente recusar diante de nosos caúões." (Cit. em IlcGte e
o\tÍos, LAlgérie, Passé et Presen Í, Paris, Ed. Sociales.)

Na África Negra, os africanos deslocados de suas terÍas tÍadicionais


eram localizados geralmente em "reservas", o que seria uma forma de

l0?
salvar uma parcêla de seus diÍeitos; mas âs reservas se constituíam de ter-
ras de qualidade inferior, distantes das ferrovias e iruuficientes em
relação ao número de ocupantes: daí seu uso inadequado, o esgotamento
do solo, a emigração constante.
As grandes plantações que então se instalavam dedicavam-se ao cul-
tivo de produtos primários de exportação (café, cacau, algodão, borracha,
óleo de palma) e tendiam a deseQuübrar a produção de subsistência (ce-
reais, legumes), contÍibuindo para criar estados generalizados de carência
alimentar e subnutrição.
Em todo o continente, o colonizador criou impostos individuais
que deviam ser Wgos em dinheiro: t razão deste e de outros rmpostos na-o
era criar uma fonte de renda, rla:r prover mão-de-obra para as plantações
e as minas. O aldeão, até entâo pouco ligado à economia monetária, eÍa
levado a trabalhar em troca de salário para poder enfrentar a despesa dos
impostos; ou entãó tinha de comercializar seus produtos, cítso fosse um
produtor independente. Mas, em geral, tinha de deixar sua aldeia em bus-
ca de trabalho.

"Foi difícil, no princípio, convencer os africanos a deixar suas al-


deias e procurar os centros industriais para trabalhar para o homem
branco. Todos os processos possÍveis foram usados paÍa estimular o
movimento: várias formas de imposto em diúeiro, como o impos-
to indiüdual e o imposto predial."Er
Onde os estímulos econômicos se revelavam insuticientes para mo-
bilizar a mão-deobra, utilizaram-se outros recursos, desde o recrutamento
por aldeia até o trabalho forçado. Este foi amplamente aplicado desde o
fim do século XIX até a década de 1920130. No Quênia, por exemplo,
uma autoridade declarou francamente que:

"O trabalho compulsório éo corolário de nossa ocupação do país."E2


Esse conjunto de medidas compunha um só processo: destruição
da agricultura tradicional e instalaçalo de rrma agricultuÍL Ínodeúa (plan-
tation) irlleglada ao mercado capitalista mundial; concentração da terra
em mãos de companhias ou empresários europeus; perda da condição
círmponesa da população africana, passando a compor várias categorias
(trabalhadores migantes sazonais, trabalhadores de plantation, pequenos

8r NIDDRIE, WODDIS, op. cit.,p.63.


e "it. "m
GRoGnN, c"l. From &pe to coito,woDDls, op. cit

108
pÍodutores individuais de culturas comerciais ou simplesrnente subem-
pregados), todas ligadas à economia mundial'
A ãominação política européia se beneÍiciou da desagregação dos
laços sociais tr"di.ion"it (parenteico alileias - chefias) e às vezes che-
- a res'
gou -.rÍno a programáJa. Nas palarras de uma autoridade fiancesa'
peito das populações do norte da África:
"O governo não perderá de üsta que a tendência da Política deve
,e, e. gerrl a diminuição da influência dos chefes (árabes) e a de'
sagregação da tribo.'E3
euroPeus
Também na África, para manteÍ seu domínio, os Estados
lançaram mão de políticas tais como:
chefias tradiciG
- PÍovocar diferenças sociais que beneficiassem
locais;
nais, ganhando, assim, o apoio das lideranças
uma nação por mais de
- estÍmulo às rivalidades étnicas, diüsãodedemais de uma nação num
um Estado "nacional" (europeu), aglutinação
mesmo Estado "nacional";
(língua, costumes' reLigião)' em
- imposição da cultura européialocais à cultÚra metropoütana;
certos casos prácurando "assimilar" os

-estabelecimento de discriminação jurÍdica - é o caso do Indige-


sociais'
nato, código de proibições à população local relativas a aliüdades
religiosas,.educacionais e mesmo econômicasl
que "demonstrava"
- e naturalmente um racisrno generalizado, a forma
a inferioridade do africano; em certos casos, o racismo asumiu
ê19 apartheid' que estabelecia
de um sistema juridicamente estabelecido; --1l1re
normas precisas de componamento social coísagravam a discrimi'
nação.
européia à
As mesmas considerações a ÍesPeito da contribúção
etc.
Ásia, feitas no final do item anterior - técnica e ciência, uÍbanizacão
também
poderiam ser aqui reproduzidas em relação à África' O mesmo
e humanos
em relação à utilização e transferência de recursos materiais
paÍa as metrôPoles euroPéias.

2.d A riwlidade ru Amériu


de
No caso aÍnericano, a exPÍessão típica da expanúo imperiafista

B aLLARD, G"t., cit. em LACOSTE e ouÚo}. oP' ct'

l(»
1870-1914 é o investimento em ferroüas, empresas
de serviço público e
atividades primárias (agricultura, extração mineral).
Só na América tati_
na calcula-se em l0 bilhões de dólares o total de recursos
aplicados em
l9l4 (dos quais 78Vo se referiam a investimentos de empresas privadas
e 22% a empréstimos governamentais). por ordem de importánciã,
as po_
tências investidoras erarn Grã-Bretaúa. Estados Unidos,
França e Ale-
manha; em escala muito menor, Bélgica, Holanda e Suíça.
A expansalo não se restÍingiu apenas à exportação de capitais, mas
assumiu também a forma de intervenção militar e polÍtica
nas iireas pró-
ximas aos Estados Unidos (Caribe e Aménca Central); essa
atuação mili-
tar tem um sentido primordialmente estratégico, ao qual nâo faliam,
po-
rém, razões econômicas imediatas.

d,.L A competição pelos investimentos


Já vimos como a América, principalmente a látina. se incorporou
ao mercado mundial à época da Revolução Industrial, em termos
de in-
tercâmbio comercial. No perÍodo que egora estudamos nota_se
um aÍluxo
extrdordiruirio de capitais que se uplicam diretamente à pro(luÇao,
uo
transporte e à exporruça'o dos produtos ameicanos. Nota_se no
século
XIX uma seqüência no aparecimento de novoe produtos no comércro in-
ternacional, que corresponde à seqüência de pàÍses nesse comércio:
lâ,
cÍunes e cereais (Argentina e Uruguai); salitre (Chile); café,
cacau, banana
(Brasil, Colômbia, América Central); metais f;rrosos e não-ferrosos
(Bo_
líüa, Peru, Chile);petróleo (Venezuela) etc.
Os investimentos britânicos foram os pioneiros e alcançaram um
maior volume - 213 do total às véspêras da primeira Cuerra
Mundial.
Destinavam-se principalmente aferrovios, que permitiam
um gaaho extra-
ordinário tanro na instalação (construção da feiroúa, fomecimento de
lo-
comotivas. vagões, material de reposiçalo, técnicos etc.) como no trans.
porte entre as regrões produtoras e os centros exportadores.
Os outros se-
tores. preferidos eram: empresas de serviço público, como
fabricação e
distribuição de gás, empresas de telefone, luz, água potável, transportes
urbanos etc. Ao final do século dirigem_se também ã mineração, petró_
leo, salitre.
Os demais concoÍrentes, americanos, franceses e alemães, seguiam
mais ou menos o mesmo caminho, notando-se, porém, que os americanos
preferiam investir nas regiões de minérios. prõduto, tiopicais, como
se
pode ver neste levantamento da ONU:

ll0
DE 1914
INVESTIMENTOS PRIVADOS ESTRANGEIROS EM FINS
(em milhões de dólares)

Setores G.-Br. França Alem. EUA Outros Total

l2 239 4 255
Agricultura
l0l 5 415 l1 530
Mineração
4 136 140
Fetróleo
I 667 t52 l5 305 203 2342
Ferroüas
546 l'1 75 r27 t49 914
Empr./serv. Público
83 17 462 s62
Manufaturas
Comércio
1 34 M9 485
I 170 539 230 121 281 2341
OutÍos
TOTAL 3 585 7tl 320 1394 I 559 7 569

Cepal' ol{U'
Fonte: .8, fuanci|miento extemo de Améri@ Lstins' New York'
1964

O fato mais imPortante a Íespeito deste üpo de investimento era


o selor exportador'
sua concenüaçao num setor do ativiüde econômica"
à utilização de
Éste cresceu ánormemente deüdo ao aÍluxo de capitais'
era' na realidade' o
tecnologia moderna e a uma organiàção eficaz Ele
sobre os de-
ãinâmico da economia, mas sua capacidade de agir
"ertro
mais setores e de aumentar a capacidade pÍodutiva era
reduzida' Surgiu'
Ài-, ,r. processo de modemização e de urbanizaçâo,- consubstanciado
de bens de
n. -át ori, dos sewiços pÚblicos e no surgimento de industria
con§umo, como indútria têxtil, de calgados, móveis etc' Estas' porém'
econômico'
eram incápazes de imprimir um impulso próprio ao Proc€sso
da demanda externa
;; fi.J, assim, dependendo do comportamento Latina üa
áe produtos primários- Por essa raáo, a economia da América
países al-
,frãfuna., seu caráter dependente em relação à economia dos
temente industrializados.

Um economista da CEPAL assinalou sobÍe o assunto que


"sobre a base de um sistema econÔmico altamente precário
se so-
eleva enorme-
brepõe uma atiüdade de outro nível tecnolÓgico que
da renda se dá
-ant. renda nacional do país' Mas es§a elevação
"
llr
em forma altamente concentrada Beneficia certos grupos
sociais
ou determinadas regiões do país e alguns ramos da atividade
eco-
nômica."e
A concentração da renda permitia financiar a importaçalo
dos bens de
consumo não produzidos intemamente e de que
os países iatino_america-
nos necessitavam. Mas as possibilidades de um proiesso
industrializador
auto-sustentado se frustravam não apenas porqra
o, capitais afluíam para
o setor efetivamente rentável (que era o eipoàador), àmo
também por_
que a concentraçâo da renda limitava fortemente
a criação de um merca_
do interno.
Para explicar o contraste marcante entre os paÍses
latineamerica_
nos e os países industrializados, mütos eutores ap;laram
para a ..teoria
do desenvolümento". Segundo esta, o desenvolvi*.nto
e um processo de
crescimento econômico, constatável através de certos
Índices econômi-
cos, e o subdesenvolümento, urn estágio (baixo) deste
processo, estágio
esle em que o aparelho produtivo é pouco diferenciado,
em que o setor
primário é predominante e em que há uma grande concentração
da renda.
A diferença entre desenvolümento e subdesenvolvimento seria, portanto,.
quantitativa, isto é, diferentes estágios de um processo
de crescimento.
Esta diferença poderia ser reduzida e eliminada mediante
a aplicação de
uma política econômica adequada-
OutÍos autores rejeitam esta explicação e utilizam o
conceito de
"situação de dependência" para explicar o iipo de
relação que se estabe-
leceu entre a América Latina e os países industrializados. para
esta con_
ceituação, a diferença entre uns e outros reside na posição distinta
que
ambos ocupam no conjunto de um sistema global, mundial _
posição de
dominação e posição de subordinação _ cadi qual fundando
sua existên_
cia na do outro. Nas áreas dependentes, a dominação não seria,
porém,
um mero fatoÍ "extemo", mas estaria inscrita na pópria estrutura
da so_
ciedade como um todo (gupos internos dominanies vinculados
ao siste_
ma mundial em posição dominada), que mantém sua independência
em
maior ou menor grau. Neste caso, o cresciÍnento econômico seria
por si só
insuÍiciente para romper a situação de dependência8s.

e SU}IKEL, O. El ttwro histórico del prccen de desanollo y de subdeunollo.


Santiago, C.epal, 1967.
o V.,."n*"-ort os,
_CARDOSO, F. H. Mudaças sociais na América Latind - Sã.o
Paulo, Dif. Européia do Livro, 1969.

112
d.2 A exclusividade norteamericana
Após a guena ciúI, os Estados Unidos conheceram um rápido de'
senvolvimento econômico, umâ "trustificação" rápida, a ocuPação de tc
do o território continental - bases econÔmicas de um poder expansionis
ta de primeira ortlem, cujo marco inicial foi a guena hispano-americana
ae tAó8. O "destino manifesto", que fora aPenas um sonho de círculos
Íestritos na metade do século XX, tornara'se no final do século um pro'
grama explícito de Política externa. Nas palawas de Cabot Lodge, em
1895:
"Âs grandes nações do inundo estão devorando rapidamente todos
os lugares desocupados da teÍra, com üstas a sua futura exPansão e
u ,u. dafar. atual; como uma das grandes nações do mundo, os Es'
tados Unidos não devem frcar atrás "e
O interesse norte-americano não estava basicamente em anexações
territoriais, mas no estabelecimento de esferas de influência econômica'
e nos canais de acesso a elas' Sua atuação visava principalmente a bases
navais que circundassem o território nacÍonal, daí seu interesse pela Amé'
rica Central, Caribe e todo o Pacífico.
Alguns marcos imPortântes da expansão americana foram: a guerra
hispano-americana, a intervenção européia na Venezuela, a independência
do Panamá e uma série de intervenções.
à Espanha'
' A propósito da tentativa de independência de Cuba face
os Estados Unidos - com gÍandes investimentos privados nas plantações
de cana-de-açúcar - intervieram, combatendo a Espanha em ampla faixa
marÍtima. Vitoriosos, aprovaram em seu Congresso Nacional a "emenda
Platt", que determinava o direito de intervenção em Cuba' Paralelamente
o"up.r* Porto Rico. Em 1902' uma intervenção ang)ofranco-italiana
na úenezuela levou os Estados Unidos,a repelir o intervencionismo euro-
peu na América, advogando para si o düeito de intewenção: era o Corolá'
rio Roosevelt à doutrina de Monroe. Em 1903, o Congresso colombiano
da
negou-se a ratificar um tratado entre os goveÍnos dos Estados Unidos e
ColOmbia para o arrendamento de uma parte do territóÍio do último com
üstas à construção de um canal que ligasse o Pacífico âo Atlântico Um
moümento separatista eclodiu e proclamou a independência da região
(Panamá), logo recoúecida e protegida (por naüos de guerra) pelos Esta'

e LODGE, C., cit. por BARRACLOUGH , G.Introducción s lo histoia conÍempo


ninea, Madri,Ed.. GÍedos, 1965, P. 77.

113
dos Unidos. Inaugurou-se a partiÍ de enta:o uma era de intewenções arma_
das em vários países da área
- Rep. Dominicana, Nicarfuua, Méúco _
que consagraÍam a influência exclusiva dos Estados Unidos no Caribe e
Àmérica Central.
As justiÍicativas americanas paÍa a ação colonial vinculam-se à ..su-
perioridade de civilização" e os govemos mais ativos do período são os de
Theodore Roosevelt (política do big stick) e Taft (poUtca da ..diploma-
cia do dólar'). A doutrina do primeiro, conhecida como Corolário
Roosevelt à doutrina de Monroe, aÍirmava:
"Incidentes crônicos, a incapacidade (de certos govemos) ... po-
dem, na América, como em outÍos lugares, requerer a intewenção
de uma nação civilizada e, no hemisfério ocidental, a adesão dos Es,
tados Unidos à Doutrina de Monroe pode forçáJos, mesmo contra
sua vontade. a exercer poderes de polícia internacional em casos
claros de incidentes ou incapacidades."E?
Quanto ao segundo, ficaram famosas suas formulações no sentido
de justificar a intervençaio pela necessidade de proteger interesses econô-
micm e Í-rnanceiros. Em suas palavras:
"Se é verdade que nossa política estrangeira não deve desviar-se...
do caminho reto da justiça, isto não exclü de modo algum uma in-
teryenção ativa para asseguraÍ a nossas mercadorias.e a nossos ca-
pitalistas faciüdades para investimentos lucrativos, fontes de be_
nefÍcios para s5 drr^e partes em presença."t8
O presidente seguinte, Wilson, justiÍicava a intervenção com argu-
mentos morais fluta contra a iniqtÍdade, divisão dos benefÍcios da civili-
zação etc.). Mas os três casos são eüdência de que os Estados Unidos
tinham alcançado a posição de grande potência em expansão no mundo.

E' FOHLEN, C- L'Amérique Anglofuxonne de tgll à nos loun.Cot. Nouvelle


CIio, Paris, PUF, p. I19.
a ld.,p. tzo.

lt4
TEXTOS PARA ANÁLISE

Texto n9 I
A E)CORTAçÃO DE CÀPITAIS
É nossa inren$o expoÍ a situâÉ'o intolerável que reina em nosso país ern
fun$'o da dominaÉo de um sindrcato de bancos todo-podeÍoso que dirige pratica-
menle a poupança fÍancesa e a ÍesPello do qu3l nâo clssamos, há úrios anos' de
denunciar o monopóüo monstruoso.
Esse sindicâto, ao qual demos o nome de oligarquia financeua compreende
q,r"oo i. "redtro com imensa clientela, denominados Crédit
".iuill""i-"ntos
iyonnais, Société Générale, ComPtoiÍ d'Escompte' CJédit lndustriel et ComÍnercial'
um grande banco de negócios: o Banco de PaÍis e dos Países-Baixos' e numerosas
o
instituições-satélites, das quais algumas são de desenvolümento recenle"' como
Crédit Mobi[er, a União Parisiense, o Banm Francês para o Comércio e a Indústria'
chamado Banco Rouúer, o Sindicato dos Bancos de Província elc ' estabelecimen-
enten-
tos que têm certamente sua fisionomia e §eus lnteÍesses próprios' mas que se
demmaÍaYilhosamenteemconjunloecâminhamdeacoÍdoemtodasasslandes
emissôes.
Essesindicatodebancos,oniPotente,é,comomostaremos'oorganizadore
o autoÍ responúvel Pela exportaÉo dos caPitais franceses para o estÍanteüo' deten-
do o monopólio mais lucrativo que sê possa conceber, vendendo a poupang da
França a quem mais ofereça. a quem lhe pague as maiores comissões: sob seu impul-
,o ,- fonur" francesa é orientada sistematicámente para os palses de finanças du-
vidosâs'comoaRússia.oBrasil.aBu|gária.asérúaerc'DePoisdequinzeanosno
poder, a oligarquia de bancos aPlicou mai§ de 20 bilhôes de nossa foÍuna nacional
no estrangeiro em netócios mais ou menos aventrrlosos'
En"tretanto, nássa indústria caÍece de capitais, nosso ^omércio dc exPo
a§ão

declina por falta de cÍéditos, a maior paíe de nossâs colôniâs vegeta ' enquanto
que, do ponto de Yisla dos portos marítimos' canais etc, estamos com um atraso
áe ,int. em relat'o aos outros Povos... nâo levamos a cabo nenhuma obra'
"no,
nem;gandes consuu@es para tuaÍ partido dâ rnaraYilhosa situaça-o Seogáfica
que

poaru-í^o, na Europa. Há atgo de tâo foÍmidável, falando em termo§ morais' nes-


ia polírica dos granàes bancos franceses, que abandonam, para nâo dizer boicotam'
nossa produça-o nacional, enquanto empÍeíam bilhôes e bilh6es aos nossos @'l@Í-
rentes estranleüos os mais endividados, que é impossível delã tomar conhecimento
scm soltar um Srito de revolta.

(Texto dc jornal. 2/6/1910. reproduzido em Politique et frnance d'svanl'


tuene. Pais, PaYo1, 1920, PP I l6-7.)

l15
-Ç-

Texto n9 2

SOBRE A POLÍTICÂ COLONIAL INGLESA


Nosso império distingue-se dos demais por traços especrficos de pÍimeüa im-
portâncla... É composto de países que teograficâmente não formam um todo, oa:o
são contÍguos. apÍesentam variedades de clima, solos, homens, retigiões etc. portan-
to, temos aqui uma ortanizaçâ'o política que, por sua própria existência, afasta a
possibilidade de guerra entre populações que reprÊsentam aproxiÍnâdamente um
terço da humanidadc..- O que nos une, apesar de todas as nossas diferenças? Duas
únicas coisas... A primeúa é o reino da lei: onde queÍ que os decÍetos reais sejam
recebidos, eles sôo os símbolos e as mensagens não de uma autoridade arbitrária,
mas de direitos partilhados por todos os cidadãos. os quais os rribunais do paÍs
podem sustentar e tornar reái§. A segunda é a cnmbinaça-o de uma autonomla lo-
cal - absoluta, sem entraves, completa - com a lealdade paÍa com uma cabeça co-
mum, a çooperaça:o liwe e espontánea para a defesa dos interesses e dos objetivos
comuns.
Senhores... ncsta mcsa assentam-se hoje s€is pÍimeios-Ministros, cxercendo
todos sua funça-o do mesmo Rei e baseando seu direito dc exeÍcê-la ruls vozes e
votos de uma liwe demosracia. Todos nós somos em nossos rcspectivos parla-
mentos. suponho, chefes de partido, recebendo o poder graçâs à confunça dc um
partido majoritúrio... Hoje e duante toda a confedncia teremos somente uma emo-
ção e um objetivo: fazeÍ deste Imt'rio um instrumento mais completo e mais eficaz
em todas as suas atividades e em todas as partes...

(LORD ASQUITH, Discursos à himeka Conltrência lmperial de Londres,


t9l I, cit. em KEITH, Selected speeches and documents on British Colonial
Policy, 1763-1917.)

ll6
Texto nq 3

TRECHOS DO TRÂTADO DE TIEN-TSIN


Sua Majestade o lmperadoÍ dos Franceses e Sua Majestade o lmPerador da
China, animados pelo desejo de pôr um termo às diÍerenças que surSüam enüe os
dois lmperios e desejosos de Íestabelecer e melhorat as ÍelaÉes de amizade, de co-
mércio e de navegação que existiÍam enúe as duÀs polências, assim como rcSularizar
sua exislência e favorecer o seu desenvolvimento e PerPetuff sua duÍação, resolve-
ram concluir um novo Tratado, baseado no inteÍesse comum dos dois paÍses.
fut, 19 - Haverá paz constante e arnizade PeÍpétua entÍe Sua Majestade o
Imperador dos Franceses e Sua Majestade o ImPerador da China. assim como enlre
os súditos dos dois Impérios, sem exceÉo de pessoa ou lugar.
tur.39 - As comunicáções oficiais dos Agentes diplomátrcos e consulares
franceses com as auloÍidades chinesas serâo escÍitas em françês, Ínas serão acompa-
nhadas de uma tÍaduçá-o chinesa tão exata qurnto pqssível parr faciütar o sêrúço...
(em caso de divergência, prevalecÊÍá o texto fnncês).
fut. 59 - Sua Majestade o lmPemdot dos Franc€ses poderá nomear ónsules
ou agentes consuliues nos portos marítimos ou fluúais do ImÉrio Chinês, dêsigna'
do no Arl. 69 do presente TÍatado, psra servü de inrermediários entte as autoÍida-
des chinesas, os negociantes e os súditos franceses.
ful. 69 - Tendo a expcriênciâ demonstrado que a sbertura dE novos portos
ao comércio esúan8eiro é uma das necrssidades da época, estabelee'se que as re-
giões de Krouryr-Tcheou e Tachao-Tcheou, na província de Kien; Tachang'Tcheou'
na prpvíncia de Chan-toung. e Nanking, na província de XianS-nan. gozarâo dos
mesmos privilégios de Cantâo. Chang-hai, Ningpo. Amoy e Fou-tcheou.
fut. 79 - Os franceses e suas famílias poderão transpoíat-se, estabelecet-se
e dedicar-se ao comércio ou à induslria com toda a seturança c sem entrave de es-
pécie algurna nos portos e cidadcs do lmpério Chinôs situados no litora.l m8rítimo
e nos trandes rios. cuja enumeraçáo está contida no a.rtigo precedentc.
An.99 - Todas as modificaçôes opeÍadas de comum acordo entre uma das
potências signatárias de Tratados e a ChinÂ, com üstas a melhorias inlroduzidas na
tarifa atualmentc em vigor ou que s€ intÍoduzâm mais tsrde. bem como aos dueitos
de aduana, tonelagem, impoÍtaçã'o, tÍánsito e exportação, sÊrão imediatamente apli-
cáveis ao coméÍcio c 8os neSociantes ftanceses, pelo simPles fato de entrarcm em
execuça_o.
Art. 38 - (Em caso de xas entte franceses e chineses), os france§es serâo
presos por diligência do Cônsul... sendo estabelecido o princípio de que, paÍa a re-
pressío de crimcs e delitos cametidos na China, os Íranceses serâo sempre regidos
pelas lers francesas.

íCit. em CORDIER-H. Hisroire des relations de lo Chine ovec les pur'ssazc€s


occidentales ( 1860-190O)- Vol. l,pp.2l-21.)

117
Têxto nq 4
ATO GERAL DA CONFERENCTA nE BERLIM (2712/1885)
tut. 19 - O comércio de todas as nações gozará de completa überdade: (l)
em todos os terÍitóÍios que constituam a bacia do Congo e de seus a.flucntes; (2)
em loda a zona marítima sobre o Oceano Áüântico desde o paÍa.lelo de 2" 3O' de
latitude S até a foz do rio Logê; (3)na zona que se prolonga a lesre dâ bacia do
Congo, acima delimitâda, até o Oceano Írdico, entre 5" de latitude N e a foz do
Zambeze. ao Sul..-
tut.69 - ...4 liberdade de consciência e a toleráncia religiosa sâo expres-
samente garantidas aos indígenas, como aos nacionais e aos estrangeúos. O livle e
público exercíoo de todos os cuhos. o dteiro de erigir edúícios Íeligiosos e orga-
nizar missôes pe ence a todos os cultos e nâo serâo sujeitos a nenhuma testÍiçâo
nem embaraço-
Art. 99 - C.onsoanre os princípios do dueiro dâs gentes, tais como sã'o rc-
conhccidos pelas potências signatánas, sendo proibido o tráfico de escravos e deven-
do ser igualmente tidas como proibidas as opeÍaçôes que sobre lerra e mar for-
neçam escravos ao tÍáfico, as Potêncus que exerçam ou venham a exercer direitos
de soberanra ou influéncia nos lerritórios que constituem a bacia convencional do
Congo declaram que os ditos territórios não podcÍão servü de mercado nem de yia
de trânslto paÍa o táfico de escravos, de qualquer Iaça que sejam...
I
fut. I - No caso de uma potência. que exeÍça os direitos de sobeÍania ou
pÍotetorado nas regiões mencionadas no Aí. l9 ser envolüda numa tuerrd. as Altas
Partes signatárias do presente Ato e as que a ele aderirem se comprometem a prestaJ
seus bons ofÍcios paÍa que os teffitórios compreendidos na zona convencional...
sejam colocados, durante a guerra. sob o regime de neutralidade. -.
Art- 34 - A potência que de oÍa em diante tomar posse de um tc[ttório
sobre as costas do continente africano, fora de suas possessões atuais,.,, acompanha-
rá o ato Íespectivo de uÍna notificaça:o às demais potências stgnatárias do presente
Ato, a fim de que estejam em condições de formulàr, se for o caso, as suas recla-
maçôes.

ll8
2.3 À Evolução Social e Política
3.a Novas forças em ascenúo e srus nwniÍestações
a.l tlma nova situação social

No decurso da segunda metade do século }(IX o panorama Político


e social da Europa caracterizou-se pela relativa estabüdade política rei'
nan te namaioria dos países, notadamente o§ situados na suâ parte centro-
ocidental. Em tais países, nos mais ricos dentre eles, os conflitos sociais
tenderam a reduzir-se às dimensões PolíticcPartidárias e às reiündicações
em nível sindical.
Estabeleceu-se algo como uma espécie de "linha geral de normalida-
de", em termos de comportamento polÍtico, cujas regras são tacitamente
aceitas e acatadas pela maioria dos grupos políticos em Presença, quer
aqueles que se identiÍicaram cnm a, orulem existente no plano social -
tÍatâ-se evidentemente da buÍguesia - quer os contestadores desta mesÍna
ordem social, isto é, os agrupamentos socialistas que em princípio PÍeten'
dem expressar o ponto de ústa do proletariado.
Apenas nos setores extremos desse universo polÍtico-social encon-
travam-se os verdadeiros dissidentes ou nãeconformistas, cujas atividedes
conspiratórias, revolucionárias ou não, tendiarn a pôr em xeque a estru'
tura social vigente.
AsstÍn, na extrema-esquerda encontramos os gnrpos e lacções divet'
gentes no seio da social'democracia "bem comportada", ou mesmo aque-
les que se opõem üolentamente ao s'atus quo' qtJeÍ dizer ' os anarquistas
e mais tarde os anarco-sindicalistas. Paru muitos destes, o objetivo é de'
molir, eüminar o Estado, símbolo da opressão, e Para tanto aÍigura-se-lhes
medida fundamental liquidar as resPectivas cabeças - daÍ os atentados
a bomba e tiro de pistola que se multiplicaram nas ultimas décadas do
século XIX. Para outros, cumpria PreParaÍ e acreditar nessa espécie de
"Juízo Final" da burguesia - a esperada "Greve Geral".
No outro extremo do espectro político, constitúndo o que se de'
nomina de "direita", encontraÍnos uma mistura, algo confusa e contra-
ditória, que reúne os inimigos hereditários da "democracia burguesa"
- monarquistas, legitimistas ou não, aristocratas em geral, e os mais no-
vos e ferreúos adverúrios dessa mesma democracia - os nacionalistas,
cuja bandeira de luta é o nacionalismo, fortemente eivado de racismo e
quase sempre ligado ao militarismo nascente.

119
a.2 Uma novo situação político
Até essa época, predomintva a denocracia liberal, caruclerizada
por um corpo eleitoral restÍito (voto censitário) e um controle mais ou
menos firme da üda política pelos Parlamentos. ,4ssrsÍt'mos agora à am-
pliaçõo dos corpos eleitorais e ao surgimmto de partidos, no sentido
moderno do termo. Aguns autores ahrmam mesmo que essa mudança
criou a democracia de massasEe. A essa mudança correspondeu, porém.
uma modificação no caráteÍ do Parlamento, até então um corpo unido,
agora um campo de rivalidades partidárias acesas (expressão de reivindi-
cações sociais claras) e que vê seu poder declinar gradativamente. O poder
parlamentar fora expressivo na época em que o Estado tinha pequena fun-
ção econômica e socia.l - o executivo não tivera de assumir grandes res.
ponsabilidades - e o Parlamento tinha condiçÕes de agy. A outro face
desse mesmo processo foi o reforço do ramo Executivo, quc ossumiu pa-
péis novos, intervindo, arnda que levemente, na economia (corrigindo
excessos, protegendo os empreendimentos nacionais), atuando na ques-
tão social (política de manutenção da ordem através de planos de segu-
ro social. assistência educacional. assistência saÍitária etc.), agindo na
expansão exterior (colônias. áreas de investimento etc.). O Executivo
tinha a flexibilidade e a rapidez de decisões - o que neo acontecia com
o Parlamenlo - a uma açáo eficaz,

a.3 A defesa da nova ordem


Partidos liberais, conservadores, cató[cos e outÍos, embora diveÍ-
gissem entre si e lutassem pelo poder. concordavam na manuÍenção do
regime e esposavam um progÍema nacionalista e hostil ou reticente em
relação às reivindicações operárias; os ultraconservadores adicionavam a
estas posições um pÍogÍírÍna declaradamente antiüberal e anti-semita.
Assim o ruciorulisrno, após ter sido uma das mais legítimas expres
sões da luta da burguesia revolucionária contra a restauÍação da sociedade
do Antigo Regime, na primeira metade do século )OX, converte-se aos
poucos em algo que pode ser considerado como a sua negação;o patrio-
tismo transformou-se em xenofobia, e o liberalísÍno foi repudiado como
coÍrupto, "judaizante" (note-se aí o antísemitismo), materialista e mes
mo apátrida.
Na verdade, tal metamorfose traduzia a apÍoximação dos setores

B genucLouc{, op. cit

120
nais conservadores, burgueses e aristocúticos, diante do perigo que ünha
de uma esquerda que se proclapava cada vez mais proletária, intemacio'
nalista e pacifista. Tais setores tendem a enfatizar valores antagônicos aos
da esquerda, permeando-os ao mesmo tempo de sentimentos religiosos -
em contraste com o anticleúcalismo da burguesia revolucionária - e do
cÍescente moralismo que se contrapõe ao naturalismo e mesmo amoralis-
mo, atribuídos, certa ou erÍadaÍnente, aos seus adversários.
O nacionalismo se caracterizava aSota pela glorificaçâo da naç:io, da
honra e grandeza nacionais face a outros povos, isto é, proclamava a de-
siguaidade nacional e o direito ao dominio. O nacionrlismo funcionou,
portanto, como uma iuma na competição mundiel. Mas como se tratava
de um sentimento profundamente aÍraiSado na consciência coletiva, era
um poderoso instrumento na mobüzaçâo das populações para a luta.
O racismo tinha função semelhante. Esse período â§sistiu a vários
sobressaltos de preconceitos contra as minorias étnicas, em particular de
antt-semitismo, que se apresentâva como uma "explicaça:o" para a crise
do Íinal do #culo. Os anti-semitas "descobriram" a influência do judaív
mo no poder econômico da alta finança, no radicalismo político de lÍde'
res socialistas, nas tendências mateiialistas da época. nas traições à Pá'
tria (ex.: o caso Dreyfus, oficial do exército francês acusado de revelar
planos militares aos estrangeiÍos). No contexto social dessa época, o ra'
cismo (em particular o anti-semitismo) assumiu uma função impoÍtante:
a de dewiar as atenções de um possível conflito social para um conÍlito
racial. E, nesse sentido, a onda de anti-semirismo ndo foi um fenômeno
exclusivamente alemio, mas ocorreu em toda a Europa- Um bom exem-
plo é a França, onde um jornal aÍtisemlta bradava em 1892:
"A anarquia universal na qual nos debatemos, o desaPaÍecimento
de todo senso moral, a dissoluçâo dos laços sociais, a ausência de
toda justiça e piedade pelos fracos, a adoração única do Dinheiro..'
são sempre as mesmas características do espÍrito semítico, perso-
nificado no Judeu, sobÍe o espÍÍito ariano, que encontrou no Clie
tianismo sua expressão mais sublime."s)

a.4 A contestoção da nova ordem

Os movimentos e partidos contestadores tinham em comum a re-

s Jornal La Libre Parole,2)l4llSg2, cit. em VOILLIARD, Documents d'Histoite


Paris, A. Cotlin, 1964. Vol. 2, P. 55.

t2l
jeição das condições ügentes do sistema capitalista e pretendiam repÍe'
sentaÍ os setoÍes "deseÍdados" do sisterna- Eles se apoiavam nos moü-
mentos organizados de trabalhadores (sindicatos) estruturados em plano
local, nacional e mesmo internacional.
No plano intemacional, apareceu entre 1864 e 1866 a Associaçõo
Internacional dos Trabalhadores (13 Internacional), uma tentativa de co-
ordenar a ação e a soüdariedade do movimento operário europeu. Ela foi,
poÍém, constantemente dilacerada pela luta de três tendências: o prou'
dhonismo, defensor de um programa associacionista e educltivo; o mar'
xismo. que advogava uma ação política do movimento operário com ús-
tas à conquista do poder; e os anorquistas seguidores de Bakunin, que não
admitiaÍn a tomada do poder. pois pregavam a destruiÉo de qualquer au'
toridade. inclusive do Estado, fosse ele conservador ou revolucionário.
No plano político nacional, criaram-se em quase todos os países
euÍopeus partidos ytcialdernooatos (socialistas), de alguma maneira üga-
dos ao pensamento de Marx. Em geral eles assumtam uma linguagem re'
volucionária e pretendiam reúzar, com o apoio dos trabalhadores, a re'
volução e instalar uma sociedade coletiüsta. Apesar deste proSÍama ra'
dical. as necessidades táticas lançaÍaÍn-nos à úa eleitoral, com o que seus
programas passar:rm a dar ênfase a reformas do regime liberal. Surgiram
em decorrência duas corÍentes que tendiam a se distanciar cada vez mais:
os reformistas (ou reüsionistas), que acreditavam numa evolução gradual
para o socialisrno, em métodos parlamentares de luta po"líüca, abrigando
inclusive algum sentimento nacionalista. Osradimis, por outro lado, acre'
ditavam no agravamento dos antagonisnos sociais e numa luta revolucio
nária para a tomada do poder, defendendo uma posiçâo intemacionalista.
A Segurula Internacional (1899 a l9l4), composta de ÍepÍesentan'
tes dos movimentos socialistas, reÍletiu esses debates e conflitos da social-
democracia. Ela também se caracterizou por uma linguagem revolucioná-
ria e uma atuação modeÍada:na questão colonial, sua atuação foi reticen'
te, produándo condenações teóricas ao colonialismo, enquanto alguns
partidos social-democÍatas o apoiavam velada ou abertamente. Os socia-
listas ingleses, por exemplo, "criam, como Kiplirg, que 'o fardo do ho-
mem branco' era uma realidade, O, império existia; ele era legrtimo na
medida em que estava baseado na confiança das populações colonizadas
e não na força, na medida em que sua política se guiava pelo desejo de
conduar à maturidade os povos atrasados"er.

e' GRIMAL, u.& décolonisation,l gf 9-1963. Col. U., Paris, A. Colin, 1965.

122
Também nL questiio da guena, a Segundâ Intemacional produziu
condenações veementes ao conÍIito que se aproximava, Ínas nalo estabele-
ceu os meios eficazes para lutar contra sua eclosão. Em 1914 os Estados
Nacionais, levantando a bandeira da "união sagrada", conseguiram, com
raras exceções, o apoio dos social-democratas para a guerra. Foi o fim
da Segunda Internaciond.

a.5 A posição da lgreia

O reconhecimento da existência de uma "questão social" por par-


te da lgreja ocorreu principalmente a partir do pontificadb de kão XIII.
Como resultado dessa preocupação, surdram siÍtdicatos e paÍtidos católi-
cos, cujos progÍamas e aFo se orientavam pela encíclica Rerum Novarum
(1891). Esta pretendia Íonrubr unu doutrina social que suplantasse o
que considerava os enos do libemlismo e do socialismo marxisto: defel'
dia a propriedade como um direito natural. rejeitava a luta de classes e
advogava a cooperação das classes, a assistência social, melhores condi-
ções de trabalho etc.

2.6 Aspectos gerais da vida política


. A úda política deste período desenvolveu-se essencialmente em
função dos problemas e situações enfrentados pelos setores dominantes,
majoritários, basicamente liberais, em que pesem suas possíveis divergên-
cias, maiores ou menores. São liberais os que assim se intitulam e como
tal se comportam e são também liberais os seus opositores políticos de-
clarados, que se intitulam conserwdotes. Ambos aceitam as regras do jo-
go e não podem nem pretendem mudá-las em seus aspectos essenciais.
Há, é claro, muitas nuanças e variações quando se trata de examinar as
situações históricas concretase.
Verifica-se, no entanto, a tendência geÍal ao estabelecimento, mais
ou menos rápido, não importa, dos princípios liberais no campo político
e econômico, com maioÍes ou menores concessões no plano social. Ocor-
reu dese modo, com a própria vitôria do liberalismo, um progressivo es"
gotamento de sua mensagem, seu esclerosamento, ao mesmo tempo que
se óbservava a manifesta incapacidade dessa mensagem em atendeÍ às no-
vas exigências suscitadas pela sociedede de masas, em formação, p€lo
avanço da concentração monopolista, pelo agavamento dos choques

9 HayES, C. Y.A generation of nwteialbm-Nova lorque, HarpeÍ, l94l

123
e enrijecimento das posições entÍ€ os setores antagônicos da "esquerda"
e da "direita".
Esquerda e direita, por seu lado, tendiam a rejeitar, com veemência
cada vez maior (encontrando para tanto uma recePtiüdade crescente nas
várias camadas sociais), âs bases mesrnas e os PÍessupostos em que se a§"
sentava a sociedade brilhante e ao mesmo temPo vazia de ideais do fin de
sÊcie - aquela que mais tarde os saudosistas irão idee'lizu'e transformar
no mito da belle époque.
Na verdade, porém. sâo esses "marginais" da sociedade liberal des
se período, esses inimigos do establishment, que irão, em grande parte,
determinar os nlmos dog principais acontecimentos políticos e sociais do
século XX.
Quase por toda parte, nesse período, os partidos liberais esnera'
rarn-se em obter ganhos sucessivos no plano da representatiüdade polí-
tic&. Daí as repetidas reformas eleitorais. cuja preocupação é a ampliação
do direito de voto. A maior açao do Estado no setor educacional - para
fazer face à grande influência das igrejas nesse setor - é outÍo grande ob-
jetivo. ao mesmo tempo que buscavam marteÍ a üda econômica livre de
deformaçôes que atentassem contra o liberalismo econômico - condena-
va-se verbalmente e ignorava-se quase sempÍer na prática, a multip[cação
dos monopólios.
Reticentes face às reiündicações social-democratas conceÍnentes
à melhoria das condiçÕes de trabalho e assistência para o proletariado ur-
bano, os liberais foram aos poucos, embora a contÍagosto, aceitando a
maioria delas, inchsive o trabalho oÍgaÍIizado em sindicatos e o prÓprio
direito de greve. Isso se fez em nome da paz social e da necessidade de
eütar mal maior.
No fundo, porém, a "cidade liberal"e3 dividia-se mais e Ínais, con-
forme as classes e câmades que a compuúatn encontravíun razões dia
a dia menores para a tolerância recíproca e, Portanto, para a própria "co
e>{stência pacífica".
A concentraÉo capitalista monopoüsta imperialismo beneficia-
eo
vam os grandes das finanças, da indrstria e do comércio e deprimiam, real
ou ilusoriamente, as demais camadas burguesas. Assim, à alta burguesia,
seúora do aparelho estatal, opunha-se a pequena burguesia dos Pequenos

ts SCHNEnB, R. "o século xlx" iÍt Histôrb ceml &s civilizações. São Paulo,
Dúusâo Eurofria do Uvro.

124
dos que se
comerciantes e emPreúrios, dos funcionários em geral' enfim'
eo
sentiam comprimido, .ntt. aquelas camadas mais ricas e poderosas
proletariado em geral.
Jâ se obsJwaua também, embora em escala bem menor do
que
e das pes
oconeria em pleno século. )O(, o desenvolvimento dos serviços
em atividades que fuão iustificaÍ mais tarde o con-
soas em geral ocupadas
desenvolüdo por C' Cluk' Profisionais libe'
ceito de "setor terciário",
rais, militares, funcionários públicos etc' lideram tal grupo' Como pessoas
por ve'
de vida organizada, dotadas quase sempÍc de grandes ambições e'
tendo posição social definida e remu-
zes, de frútrações ainda maiores,
neração certa (embora abaixo do que seria "justo"), desenvolvem um for'
em relação ao proletariado, ao trabalho
te sàtimento'de supcrioridade
manual em geral e à fábrica em Particular'
Até 1914 â crença na solidez das instituições liberais e o relativo
posição de
respeito às hierarquias constituídas mantêm tais gruPos em
esporádicas, motivadas princi-
inaüvidade relativa ou de atiüdades apenas
palmente pelas explosões periódicas de nacionalismo, de anticlericalis-
adqui
mo, anti-semitismo etc. Caberia à guerra, subvertendo as situações
para a organização e ação po-
ridas e aceitas como peÍÍnanentes, despertar
lítica, úolenta, não ÍaÍo, esse v8§to setor'
A. velh;- aistocracta colocava'se num gruPo à parte De origem'feu-
dal, já "aburguesada" ou não, conforme o país que focalizemos' essa aris'
de pen-
tocrácia ainda conseguia imprimir múto de sua maneira de ser e
sar às camadas superiores da sociedade euroffia dessa época'
müto em'
elementos ten'
bora seja evidente que seus dias estavam contados' Seus
diamaconstituiÍascoÍrentesmaisretrógradasdópensamentoedaação
política, nutrindo forte sentimento antilibeÍal e assumindo peranle a§

massas populares uma atitude ora de franco Paternalismo,


ora de mal div
farçado desdém. Na Europa Ocidental mútos de seus mernbros aderiram
aos negócios, enquanto outros buscaram na carreira militar a Ínanutenção
das tradições guerreiras da "classe".
grande parte
A' Lurguesia, dona da riqueza mobiliária em geral e de
ao espe'
da riqueza imobiliária, não dcixava de olhar'se incessantemente
lho da velha aristocracia, buscando ao mesmo tempo imitáJa e a ela
asso-
finan-
ciu-se, cultivando os contatos sociais como caminho para as uniões
ceiras e matrimoniais. Orientava, portanto, semPre que possível, seus há-
bitos e preferências segundo o tnód.lo âristocÍático - o que lhe permi-
tia distinguir-se das demais camadas burguesas' Almejava com fewor os
Tam-
brasões e-o prestígio social ligados aos aristocÍatas "bem'nascidos"'

125
bém caberá à guerra desferir profundo golpe nese verdadeüo ranço aris
tocrático, lípico da belle époque.
Sob o domínio dessas camadas sociais que constituem o setoÍ con-
Íiante e dominador de uma Europa capitalista e burguesa, a grande masw
dos assalariados e dos sem-term exercia a função de força de contestação
por excelência, quer se apÍesentasse organizada ou ná'o. Apesar do com-
promisso de muitos de seus líderes mais importantes com íts maneiÍas de
ser e de pensar da burguesia, e mesmo com o próprio status quo, as dou-
trinas socialistas - o socialismo em geral
- consütuíam pelo menos um
perigo latente para a ordem estabelecida. Pouco importa, no caso, que a
social-democracia projetasse píua um futuro cada vez mais distante a sua
"revoluçaio ineütável", ou que seus porta-vozes pÍocuÍassem harmonizar
a ünguagem revolucionária que empregavam nos comícios e congÍessos
com a prática conservadora e conivente que na realidade cÀÍÀcleÍizava
sua atuaçâo no seio da estrutura política existente. A simples existência
do socialismo (ou. dos socialisrnos), reforçado pelo sindicalismo em ex-
pansão, era por si só uma ameaça à sociedade burguesa liberal, pois de-
monstrava que nem tudo ia no melhor dos mundos. Piovava também que
haüa quem acreditasse na possibilidade de estabelecer uma outra socieda-
de - mera utopia, por enquanto.
Observe-se ainda que, nos países nos quais a repressão eÍa meis üc.
lenta, na:o deixando maiores possibilidades de defender posições e refor-
mas no seio do srarus quo - tté os ..überais" eram ali reprimidos, os so_
cialistas mostravam-se müto mais aguerridos e revolucionários, como,
por exernplo, na Rússb tzarista.
Por outro lado, nos países em que exislia um8 grande liberdade de
manifestação do pensamento e onde os socialistas em organizações po
lítico-paíidárias poderosas exerciam grande influência nos sindicatos, os
líderes socialistas mostÍam-se bastante modcÍados, acomodados mesmo,
suscitando críticas de uma minoú mais radical que tendia a constitúr a
extrema-esquerda no seio da social-democracia-
Tudo isso, porém, sc refere müto mak ao proletariado urbano,
pois ness4 época o proletariado rural ainda se achava bastante marginali-
zado e quase que esquecido. Mais uma vez caberia à guerra proCuár mu-
danças radicais nessa situaçâo.

3.b 0s problemas intemacioruis


A noção de 'equilíbrio europeu" norteaÍa âs Íelaçôes intemacio-
nais no Éculo XIX: as potências se garantiâÍl mutuaÍnente direitos e

126
de "igualdade"' Estava im'
compensações que mantinham uÍna situâção
orãii. uÀu.-naquela noção a irléia de que ?s relações-intemacionais
ã.r""arr- .>tá*ir-"-"n," ào que ocortia na Europa' o Íinal do século
assistiu a uma tremenda mudança ness€ PanoÍama' -
força econômica
A julgar por sua extensãL territorial, população'
. *ifii.r, .l gr.rrdes Potência§ da época seriam a G.rã'Bretanha' Alema'
ú., F;ç", Éstados Üniaos e Japao' SlÍo mnsiderada: c'*d:: y':::y
própria.aos setls nego'
porque tiiham condições de imPrimir unu direçiío
'cios' esses critérios' é discutí-
extemos, inftuindo em outfios Estados' Por
ser conside-
ãlií"" Russo e o Império ArstroHúngaropodiam
"ã-*
;;; ilil potências: ambos ocupavam uma posição polÍtica impor-

i."i" ã"trr" iodo o século agiam como Srande-potência' mas


XIX e
no fural do úculo'
.uo fre àtiria. de que tinham um papel subordinado
impéios multinacionais que estendiam seu domínio
sobre
Ar"b*
',r-i ;;.- pela nação de
Jri" a" p"qu"n* nacionalidades, ãm geral oprimidas
o Império
minante lrusú e austríaca' resP€ctivamente)' Também 'O1oma-
turca dominava várias outras nações (da Europa
e
nã,i n"àonaio"de
desenvolvia-se inten'
imffrios
ú.i," tue aiol. No interioÍ de todos esses
do nacionalismo defen-
sa agitação nacionalista, mas neste ca§o tratava-se
,ir.-ái'p""ot dominados que buscavam sua autodeteÍminação' Estas
pela interferência- das grandes potên'
i""tia"t'*,ia*is se compüiavampolítico deses problemas' Exemplos tí-
ii", qu" tentavâm tiÍaÍ proveito Otomano
p1"Lr-.r"., o apoio das potências às nações cristãs do Império
Povos eslavos do lmpério
ã a proteção rus§l aos Austro-Húngaro'
^ mais sigrilicativos da época foi' sem dúüda' a emer-
Um dos fatos
gência de potênciâs extra-européias - -
Estados Unidos e Japão capa'
áreas
i", ã" i*pri-i, uma direção pópria a sua política externa' criandopolínca
de influências próprias o q'" contribuiu para inaugurar umt
-
ã, ioar", que fugia inteiramente dos padrões do "eqúlíbrio
trt;;;;' ^uiail,
É verdade que as potências européias.ainda agiam dentro de*
s., pàároes, mls a nova realidade se irnpôs gadativamente'

b.l As Àtalidades
co-
A competição entre as potências assumiu um caráteÍ mundial'
mo já vimos, . podi" como rivalidade colonial' rivalidade
"pt.t"ntâÍ-se
por investimentos, além das questões intra'euÍoPéias'
àe'
A rivalidade politicamente mais importante eta a angloalenú '
alenião e sua tentativa de
vido ao extrSordinário crescimento econÔmico
Íinanceir4
d"."fi, hegemonia mundial inglesa (competição comercial'
"
t27
A competição francodenií ligava-se aos problemas
iumamentista etc.).
europeus (especialmente na Alsácia- lrrena) : o temoÍ da revanche france-
sa levou Bismarck a tentar o isolamento político da França na Europa,
enquanto apoiava seus projetos coloniais. A rivalidade anglo-ftancesa ti-
nha um caráter colonial (questões do Egito, Marrocos, Sião, África). A ri.
vaüüde austto-rusw e gemano-rus.sa localizava-se nos Balcãs, em torno
do problema das nacionalidades eslavas "protegidas" pela Russia e ao
mesmo tempo rivais entre si. A rivalidade a nglo-russa, além da Pérsia, liga-
va-se ao destino do Império Otomano, cuja integridade era tradicional-
mente defendida pela Inglaterra. A rivaüdade ausfio-italiara ocorria a
propósito de províncias austríacas do norte da Itália (irÍedentismo ita-
liano) e de pÍetensÕes itaüanas sobre os Balcãs. A rivúid.ade fmnco-italia-
na era de caráter colonial (Tunísa e Tripolitânia).

b.2 A política das alianças

Para a consecução de seus objetivos intemacionais, as potências


procuravirm realizar alianças que regulassem suas divergências e neutrali_
zissem ou enfraquecessem os rivais mais importante s. As alianças eram
amrdos poh'tico-militares de duraçdo determinada, em geral de caniter
defensiw, que continham cltiusulas secretas (militaies). Os vários acordos
bilaterais e multilaterais desse período acabaraÍn por se cristalizar em dois
sistemas de alianças: a Trípüce Aliança e a Tríplice Entente.
A Tríplice Aliança foi obra de Bismarck, cujos objetivos fundamen-
tais eram:.manter a Fralça isolada na Europa, eütaÍ um conflito entre
Austria e Rússia nos Balcãs e estabelecer a hegemonia alemã no continen_
te europeu. Integravam.na o Império AleÍnão, o Império AustroHúngaro
e o Reino da ltália.
A Tríplice Enterre, diferentemente da anterioÍ, que era um acordo
assinado por três potências, constituiu-se de vários acordos bilaterais:
lma aliança franco-ntsm (1892), a Entente brdiale (franco-inglesa, de
1904) e o acordo anglo-russo (1907). Estes acordos, ao mesmo tempo
que liquidavam os problemas pendentes entre os tÍês rivais, acabaram por
definir um bloco arti-Tríplice Aliança.
Dividida a Europa em dois "sistemas" de alianças, os conflitos loca-
lizados passavam a teÍ uma ressonância múto maior deüdo aos compro
missos políticos e militares assumidos entre os Estados. Numa dessas
"crises localizadas" se desencadeará um conflito armado, cujas dimensões
e conseqüências surpreenderam os próprios estadistas da época. lniciava-
se uma época de crise do mundo [beral.

128
TEXTOS PARA ANÁLISE
Têxto n9. I
A RERI.IM NOVARUM
(Passamos a um Ponto) de uma grande importáncia, que, piua evitaÍ todo
exagero, exige que seia deÍinido com exâtidão Queremos falar da fixaÇão do sÂláÍio'
- ú"t"ia*" que, com o saláno, uma vez consentido livremente PoÍ amba§ as
partes, o Patrão cum pra todos os seus comPromissos, não sendo obrigado a mais ndda'
A justiçz so scria lesade sê o pauã-o lecusas9 pagaÍ todo o devido ou se o operário
," r"",rr^r" a cumpú toda a sua tareÍa e sâüsfazeÍ seus compromissos' Nesses ca'
sos, e apenas aí, o ioder púbüco deve intervü para
proteger o diÍeito de câda um'
§emethante raciocínio nâo achará juiz imparcial quc consinta em a elo
âdc-

Íir sem reservas. Ele nÂo abrange todos os lado§ da questâo e omite um bastante sé'
rio. Trabalhar é exetcet sua atividade com o objetiYo de obteÍ o que é essencial às
diyersas nec€ssiÍlades da vida. mas, sobÍeludo, Para a manutenção da
própÍia vida..
"Tu comerás tcu pão com o suoÍ de tua fronte"'Eis por que o trabalho Íecebeu
da nâtureza aoao ir" uma dupla marca Ele é pessoal, uma vez que a forç3 ativa é
inerentê à pessoa e é a PÍoPÍiedade daquele que a exerc'e e que a reccbeu
para sua

utilidade. Éle é necesúio, porque o homem tem necessidade do fruto do seu traba-
lho para conservar sua existtncia e deve conservá{a para obedecer às ordens ürevo'
gár"is a, natureza. Ora, se nâo encatamos o tÍabalho seoâo pelo seu lado pe§soal'
vontade
ãinguém duvida de que está na esfera do poder do opcrário restringr à sua
que oferece o trabatho pode contentâÍ-se de
a taxa de satário. A mesma vontade
ou mesmo nâo exigir nenhuma Mas tudo muda de figum se
uma flaca remuneasa:o
quat o pensamento
ao caráter de personalidade acrescentamos o de necessidade do
pode abstÍaü-se, mas do qual nalo é na realidadc separável Com efeito' conserv'ar a
existência é um dever imPosto a todos os homens, ao qual nÁo
podem eximir-se sem
punit'o. Desse.dever decoÍre, necessariamente, o direito de buscar as misas impÍes-
por seu
àinaírels à subsistência, o que o pobre náo consegue senão através do salário
tuabalho.
quantas convenções lhes a8Ía-
Que o patrão e o operúio façam, portanto,
d"m, q,i" u um acordo notadamente sobÍe o valoÍ do salÍio Acima de
"heir"^
sua liwe vontade, há uma lei de justi§a nâtulal mais alta e mais antiga' a
sâbeÍ' d€
que o salário nâo deve ser msuficúnte para guanÚ a subsistência do trabdhador só-
maior'
brio e honesto. Se, obrigado pela necessidade ou levado pelo medo de um mal
o operário aceita condi$es duras, que, aliás, não Pode recusar' porque lhe §o im-
postas Pelo patra-o ou por quem faça a oferta de trabalho' sofre uma violência con-
tra a qual a justiça Protesta.
de
Mas nesses e outros casos arrálogos, como naquilo que concernc à iornada
dos operários nas usinas, os poderes públicos
trabalho e aos cuidados com a saúde
das cü-
deveriam inteÍviÍ inoportunamente, tendo em üsta' §obretudo' a vaÍiedade
de tempo e lugar. Será, portânto, preferível reservar em princípio a sua
cunstáncias
mais adiante' ou recorrer
sotuçá'o às corpolações ou sindicatos, dos quais falaremos
qúlqu", outro meio de salYaguardar os interesses dos operários' e ap€lar mesmo'
"em caso de necessidade, à proteça:o e ao apoio do Estado'
(RERUM NOVARUM. l5 de maio de l89l 'Encvcliques et ltÍessag?sSociaua
pp' 79-81')
textes choiis et préÍace par Guitton' H' Paris, Dalloz' 1948'

129
TGxto nq 2
O ANTI§EMITISMO
A anarquia universal no meio dâ quâl nos debatemos, o deeparecimento de
todo senso moml, a dissoluÇão de todos os laços sociais, a ausência de todâ iustiça
e de toda piedade para com os fracos, a adoração única do Dinheiro, a tcpidação
febril que cede lugar repentinamente às prostrafcs doentias, aos torpoÍes que na-
da consegue sacudil são as caracteÍísticas sempre iguais dâ Predominância do espí-
rito s€ínita personificado pelo judeu sobre o espírito aÍiano que teve no CÍistianis-
mo sua mais subüme expres$o... No século XV, Bedfoí governava a Frang com o
título de Regente de França, Rothschild a goveÍna hojé com o título de Regente
do Banco de França...
Os párias de outrora. que a FÍançâ emancipou com um ardoÍ funesto de ge-
nerosidade, não perdem uma só ocasiâo de lrair e desoÍuat o país que os fez homens
e cidada:os. Rothschild inteÍvém, por oÍdem da Alemanha, para fazer malograr o
empréstimo russo; Isaac exp€Íimenta os fuzis Lebel contra os franceses; Dreyfus
envia trigo envenenado a esses russos que morrem de fome Para puni-los por terem
sido os primeuos na Europa a testemunhar-nos alguma simPatia. Os açougueiros,
judeus, fornecedores do Exército, que Morés descobriu, dão carniça a nossos solda-
dos e pôem o selo vermelho dos fornecimentos militares sobre a carne de animâis
doentes.
APesar do silêncio de uma imprensa venal, malgrado a cumplicidâde da Di-
Íqita e dâ Esquerda, que se enrendem fratemalrnente Para nâo levar esses fatos à
tÍibuna, tudo isso é sabido. contado entÍe franceses, e circula de boca em boca.
Vi ceía manhã um sênhor muito pálido erguer o punho diante do hotel suntuoso
de um desses judeus envenenadores de cereais, murmuÍando: "Miseráveis! o castiSo
está próximol"
Âll, sim! o castigo está próximo e a A Livre Polatm faÁ tudo o quc dePen'
der dela para que ele chegue o mais breve possível. O Erandê edorço foi reallzado;
a obm de liberação está em bcm caminho, a idéia impressa em todos os cerebhds.
l,ogo rodos estârão exasperados contra o judeu. As mulheres francesas irão
aderü e expulsará-o o invasor a golpes de vassoura. Os cachorros, inclusive, os ca-
choros de França, à custa de ouvi, repetú sem cessar em meio a tmprecações os
nomes sinistos dos Rothschild, dos Erlanger, dos Dreyfus e dos lsaac. também par-
ticiparão e Lão latir lodas its vez€s que se tÍatar de um deles. Verets como será fá-
cil nos entendermos entre compatriotas qundo estivermos livres dessa horcla de
judeus ündos de FÍancforte, de Colônia, de Hâmburgo, de todos os Meyer, de todos
os Súauss, de todos os Rernach, que se divertem em nos fazer lutar uns @ntra os
outros para nos assaltar à vontade à sombra do tunrulto... Vereis como lodos os res-
sentimcntos e dissençôcs se apaziguaJão com ÍaPidez quando tiveÍmos comPreendi-
do a palaua de Joana d'Arc: "É preciso que o sangue de França seja senhor", quan-
do se tiveÍ adotado nosso programa que s€ Íesurn numa Palawa: A FRANçA PA-
RA OS FRANCESES.

(I-o Libre Parole, n9 1, 20 de abÍil de 1892.)

130

Das könnte Ihnen auch gefallen