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XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018
1. Introdução
Esse trabalho debruça-se sobre o cenário contemporâneo de transformações do
jornalismo e de insegurança quanto à preservação de seu estatuto como instituição com papel
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Jornalismo, do XXVII Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018.
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Universidade Federal de Sergipe, Doutor, cfranciscato@uol.com.br.
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de mediação social, exercido por meio da produção de um discurso capaz de gerar, para a
sociedade, um tipo particular de conhecimento do mundo. Mais especificamente, o
argumento proposto busca considerar um fator reconhecido pela literatura recente sobre o
jornalismo: há uma profunda alteração nas organizações jornalísticas, seja em seu
direcionamento para ação em um mercado, seja na estrutura de produção das notícias, seja
nos reflexos sobre práticas e atores (tradicionalmente os jornalistas) envolvidos no processo,
seja no seu produto final (o conteúdo noticioso). Se estas transformações colocam em xeque
boa parte dos alicerces sobre os quais o jornalismo foi historicamente construído, como é
possível manter a premissa de que ele constrói simbolicamente o mundo social (pelo menos
seu cotidiano)?
Procuramos explorar essa questão em três momentos neste paper. O primeiro destinou-
se a dimensionar a “transformação” ou a “crise” do jornalismo, bem como seus possíveis
desdobramentos. É reconhecido o profundo efeito das tecnologias digitais e suas apropriações
sociais como uma forte vertente que afeta estruturalmente o jornalismo. Entretanto, optamos
por alargar esta premissa, mostrando tanto a diversidade de tecnologias e de efeitos sobre
práticas sociais como o jornalismo quanto a interação entre fatores de níveis variados, como o
econômico e o político. A crise de legitimidade do jornalismo como um produtor de discursos
verazes sobre o mundo é um exemplo do entrelaçamento desses níveis, com suas raízes em
fatores tecnológicos, econômicos e políticos.
Um segundo momento buscou retomar a literatura em jornalismo como uma forma
social de conhecimento. Embora esta abordagem pareça sólida e estável na recente tradição
de pesquisa em jornalismo, optamos por problematizá-la ao defrontar suas teses com a
realidade descrita acima. Se o jornalismo possui este entranhamento no conhecimento do
mundo social, como a sociedade pode estar tão convictamente questionando seu papel social
e crendo que, eventualmente, pode prescindir dele na comunicação cotidiana? Arriscaremos
aqui uma trajetória de diálogo interdisciplinar como método lógico para delinear uma noção
de conhecimento no jornalismo mais abrangente e mais plural, incorporando filiações de
diferentes correntes de estudo. A interdisciplinaridade será o procedimento analítico para este
esforço de reformulação, por meio da qual esperamos acrescer uma contribuição para o
entendimento desse aspecto.
O terceiro momento executou um pequeno deslocamento neste percurso. Em vez de
olhar o jornalismo como conhecimento produzido, o esforço será concentrar-se sobre o ato de
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subestimou a velocidade dos efeitos da Internet quanto para ser mais pessimista sobre o
futuro dos jornais: “O fim do jogo para os jornais está à vista” (2008, p. 1).
O diagnóstico dos efeitos colaterais perversos do comercialismo e da Internet foi
também reconhecido por Schudson (2009) em uma pesquisa sobre o jornalismo dos Estados
Unidos. O autor constatou uma situação de “transformação”, em que a grande mídia
jornalística perde fôlego financeiro e comercial e, ao mesmo tempo, surge uma diversidade
de atores na apuração, financiamento e compartilhamento de conteúdo jornalístico,
impulsionados pela infraestrutura que as redes digitais oferecem. Isso não seria, no entanto,
um processo de evanescência do próprio jornalístico na sociedade, que continuam relevantes,
mas de suas organizações tradicionalmente constituídas.
Além da preocupação em preservar a instituição jornalística e do cenário incerto sobre
as organizações que o produzem, o futuro do jornalismo como atividade e como profissão é
também um objeto a ser compreendido nessas transformações. Relatório do Reuters Institute
for the Study of Journalism, produzido em 2014 por Philipp Rottwilm, reconhece a perda de
empregos nas grandes organizações jornalísticas, insere o fenômeno em tendências mais
amplas do trabalho nas sociedades ocidentais e aponta para um tipo de trabalho com menos
vínculo formal, focado principalmente na autonomia, na cooperação entre profissionais, em
parcerias com empresas jornalísticas ou mesmo em tornar-se empresários independentes.
Aumenta a flexibilidade e também a precariedade das relações trabalhistas.
A gradativa perda de centralidade das indústrias jornalísticas e, em consequência, das
‘redações jornalísticas’ como lugares de construção e definição de uma prática e de uma
identidade profissional é uma das percepções apresentadas por Deuze e Witschge (2017) para
sustentar sua tese (“Beyond journalism”) de que a configuração da profissão está além destes
ambientes estáveis. Em vez disso, deve ser vista em situações de rede (“networked
journalism”), onde a prática se estende e se mostra dependente desta situação de
conectividade com outros jornalistas, fontes de informação e públicos constantemente
acessíveis online.
Também seria característico desse novo perfil profissional o deslocamento do jornalista
para constituir-se como empreendedor autônomo responsável por conceber e conduzir
empresas inovadoras de base tecnológica (as startups). É o que Deuze e Witschge
caracterizam como “a emergência de uma cultura global de startup no jornalismo” (2017, p.
10) em que, além da autonomia, oferecem possibilidades de atuar complementarmente às
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grandes empresas na cadeia produtiva, muitas vezes em parceria. Isto revela uma nova
configuração do sistema de mídia jornalística, em que as organizações consolidadas
estimulam a criação de divisões ou unidades separadas para que estas assumam o risco e os
custos da inovação. Nestas startups o jornalista é condutor do seu projeto jornalístico, com
possibilidade de maior independência editorial e regimes de trabalho mais flexíveis. A
mudança em curso, no entanto, não é fragmentada ou concentrada em alguns aspectos.
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tarefa revelar a essência, sem, no entanto, isolar essa essência em relação ao fenomênico”
(2015, p. 364). Por Meditsch podemos exemplificar as duas demais: “...o Jornalismo produz e
reproduz conhecimento, não apenas de forma válida mas também útil para as sociedades e
seus indivíduos” (MEDITSCH, 1998, p. 35).
Cremos que um avanço nessas abordagens foi obtido com o direcionamento da
problematização para o processo de construção desse conhecimento. Rodrigo Alsina nos
orienta a olhar para a dimensão representacional desta produção: “...a notícia é uma
representação social da realidade quotidiana, produzida institucionalmente e que se manifesta
na construção de um mundo possível” (RODRIGO ALSINA, 2009, p. 299). Além disso,
atenua uma possibilidade de leitura determinista da instituição jornalística: “...não devemos
vincular o conceito ‘construção da realidade’ única e exclusivamente com a prática
jornalística” (2009, p. 46), o que exige levar em conta outras mídias e as interações com as
audiências. E o trabalho do jornalista não é construir o “mundo real” nem o “mundo de
referência”, mas o “mundo possível”: este “...é o mundo narrativo construído pelo sujeito
enunciador, a partir dos outros dois mundos citados” (2009, p. 210). Esses três mundos
estariam inter-relacionados.
Esta problematização do conhecimento a partir do seu processo de produção fica mais
explícita em autores como Sponholz (2009) e Guerra (2008). Pela primeira autora, “...o
jornalismo é um tipo de processo de conhecimento” (SPONHOLZ, 2009, p. 79) em que
“Como qualquer outro tipo de processo de conhecimento, não consegue espelhar a realidade
porque este processo é sempre perspectivo, seletivo e construtivo” (2009, p. 105). Guerra
procura enfrentar esse problema a partir da formulação de um “percurso interpretativo”
(2008, p. 122) do trabalho jornalístico, propondo um conjunto de categorias analíticas para
“sistematizar o processo de conhecimento do fato pelo jornalista na produção da notícia”
(GUERRA, 2008, p. 123).
A perspectiva interdisciplinar para análise deste tema se torna promissora quando
lembramos que um dos autores considerados clássicos na concepção do jornalista como
produtor de conhecimento não foi um estudioso do jornalismo, mas das ciências sociais em
geral. A obra de Berger e Luckmann, A construção social da realidade: tratado de sociologia
do conhecimento (1978) é uma referência na perspectiva construcionista nos estudos de
jornalismo - embora o jornalismo praticamente não seja considerado, e mesmo os meios de
comunicação de massa apareçam apenas em curtas passagens. “Para os autores, naquela obra,
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“A disciplina é definida pela posse de um capital coletivo de métodos e conceitos especializados cujo domínio
constitui o requisito de admissão tácito ou implícito no campo.” (BOURDIEU, 2004, p. 92).
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procedimentos, nem seus conceitos, mas tem uma noção elementar do que é o jornalismo e
do papel dele em suas vidas. Neste conjunto de saberes situam-se tanto a crença do público
na funcionalidade do sistema perito do jornalismo quanto nos valores, curiosidades,
interesses e expectativas que, ao serem captadas pela organização jornalística, são, em
alguma medida, incorporadas pelos jornalistas na sua prática e contribuem para a
conformação do produto noticioso. Este subcampo é o mais difuso entre eles, pois não pode
ser localizado em atores particulares, nem competências ou conhecimentos.
É possível reconhecer uma tensão entre o primeiro conjunto de conhecimentos sobre o
jornalismo, constituído em tradições humanísticas, e o segundo tipo de conhecimento, de
natureza sistêmica, administrativa e tecnológica, em que um corpo de “técnicos peritos”
estabelece princípios de produção e eficiência não apenas dos processos, mas também
submetendo os produtos e essas lógicas. Assim, um empreendimento interdisciplinar exige a
superação deste tensionamento e das formas como este se espalha para diferentes formas de
tratamento do jornalismo, em particular sobre a noção de conhecimento produzido, já que a
produção de conhecimento pode ser visto sob um viés humanístico ou tecnicista.
Entendemos que tais premissas são aplicáveis também no mapeamento de atores,
ambientes, princípios e práticas que compõem a produção de conhecimento em jornalismo. A
prática jornalística é cada vez menos conduzida pelo saber de autoridade do jornalista e de
seus especialistas e exige, cada vez mais, uma postura relacional: multiplicam-se conexões de
vários níveis, movimentos de atravessamento de lugares institucionais fixos e encontros
inusitados.
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aprofundada, a checagem sistemática dos fatos, entre outros, buscando realinhar a atividade
jornalística em bases menos determinadas pela normativa funcional e estratégica dos
conglomerados (jornalísticos, entre outros) detentores de poder econômico e político.
Um outro sintoma das transformações no jornalismo, que poderia auxiliar na
consideração da hipótese de essas novas organizações jornalísticas atuarem como instituições
intermediárias na sociedade, encontra-se na expansão da atividade jornalística para além da
profissão típica de jornalista (DEUZE; WITSCHGE, 2017) para abarcar uma multiplicidade
de tarefas emergentes nas plataformas digitais. Se por um lado esta expansão é vista
criticamente como um risco de diluição da profissão de jornalista, ao mesmo tempo ela
explicita um deslocamento do centro da prática jornalística: da Redação como o coração da
empresa jornalística para interações dinâmicas na produção com base nas conexões (redes
sociais, digitais ou não) entre atores uma pluralidade de atores, como os jornalistas
profissionais, especialistas ou amadores –o conceito de ecossistema abordado há pouco tem a
pretensão de descrever essa condição interacional.
Se utilizarmos o modelo de Berger e Luckmann (2012) em sua afirmação da
necessidade de instituições intermediárias entre os grandes atores e a comunicação na vida
cotidiana, sendo essas instituições formas de atuar “contra a emergência de crises de sentido
oriundas do pluralismo moderno” (2012, p. 76), talvez possamos reconhecer que o
mecanismo proposto sirva para nortear uma forma de repensar o lugar da mídia jornalística
como produtora de conhecimento na sociedade contemporânea. E particularmente a
emergência de novos atores jornalísticos que, com base em uma matriz tecnológica digital,
alcancem um novo perfil organizacional e um maior grau de autonomia em relação às
grandes instituições jornalísticas – autonomia que lhes permite optar pela possibilidade de
definir sua linha editorial reintroduzindo valores jornalísticos enfraquecidos no campo.
Com esse novo aparato técnico-conceitual, essas novas organizações jornalísticas
teriam mais condições de atuar como instituições intermediárias, conforme o conceito de
Berger e Luckmann, pois sua vocação de “estar em parceria” reforça uma dimensão
comunicativa de sua interação com outros atores sociais. Nestes núcleos jornalísticos mais
autônomos, aumentaria a possibilidade de construção compartilhada de sentidos, a qual tem
sido considerada neste paper como um dos modos de produção de conhecimento em
jornalismo. Ou seja, poderiam exercer, de forma inovadora, o papel de instituições
intermediárias que atuam para “tornar possível a coexistência e a necessária cooperação das
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diferentes comunidades de sentido, sem lhes impor uma ordem comum de valores”
(BERGER; LUCKMANN, 2012, p. 76).
5. Considerações finais
Esse paper teve como vocação produzir uma abordagem dialogada reunindo percursos
e tradições de pesquisa diferenciados para realizar uma releitura da produção de
conhecimento do jornalismo. Partimos da tese clássica do jornalismo como uma forma social
de conhecimento e sugerimos um deslocamento de olhar: pensar os modos de produção deste
conhecimento no jornalismo, procurando, nessa mudança, enfatizar os elementos, processos e
contextos sociais que participam desta produção de conhecimento.
Para isso, adotamos duas linhas de argumentação: o cenário contemporâneo de
transformações do jornalismo e as formas como tais movimentos alteram compreensões
sedimentadas; o movimento em direção a estudos que contemplassem uma visão de
conhecimento mais próxima a problemas de ordem da produção em um sentido mais
macrossocial, com fatores e categorias de um poder analítico mais abstrato, como a própria
noção de conhecimento, tecnologia, capital social e inovação. Este movimento nos permitiu
abrir um diálogo com os estudos construcionistas do jornalismo, nos quais é perceptível um
acento intra-organizacional característico das análises microssociais. A condução desse
diálogo adotou a premissa metodológica da interdisciplinaridade como forma de aproximação
entre campos diferenciados do conhecimento.
Utilizamos também a compreensão sobre mediação social como objeto teórico a ser
problematizado, trazendo, para isso, a noção de “instituições intermediárias”, de Berger e
Luckmann E, a partir de breves considerações que os autores fazem sobre a natureza dos
meios de comunicação de massa na sociedade contemporânea, procuramos aplicá-lo na
compreensão do jornalismo em sua condição prática de produtor de conhecimento. Creio que
tal movimento nos permitiu deduzir aspectos promissores que podem elucidar os caminhos
de desestruturação e reorganização do campo produtivo do jornalismo.
Acreditamos que a opção oferecida por Berger e Luckmann de pensar a mediação não
sob a perspectiva cognitiva em que as instituições jornalísticas dão a conhecer o mundo para
os indivíduos, mas na perspectiva interacional intersubjetiva possibilita ganhos
interpretativos. Isto porque, nesta nova abordagem, as instituições intermediárias seriam
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mediadores de sentido na sociedade por serem delas que os sentidos comuns circulariam
entre grupos sociais diversos e se sedimentam no conjunto da sociedade.
Tal caminho pode nos possibilitar, por exemplo, rever a usual abordagem nas chamadas
teorias da mediação e da construção social nos estudos de jornalismo como entidades teóricas
opostas ou, ao menos, dotadas de contradições inconciliáveis. Isso porque, por um lado, retira
uma ênfase cognitiva atribuída ao processo de mediação que estabelece o jornalismo como
intermediário entre o fato a ser conhecido e o público. Por outro, reforça uma ideia de
mediação presente em uma ação de instituições que tendem a atuar na construção
intersubjetiva e partilhada de sentidos sociais. Assim, mesmo que o jornalismo não traga a
“realidade dos fatos” para a leitura pelos públicos, conforme apregoa a crítica direcionada
pelos construcionistas aos estudos de mediação, as instituições jornalísticas podem continuar
a atuar interacionalmente na construção subjetiva dos sentidos e atuando criativamente na
produção deste conhecimento.
Referências
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