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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÕES


LICENCIATURA EM MÚSICA

DA TOADA AO SAMBA: ensino de música no Cavalo-Marinho Boi


Pintado de Aliança - Pernambuco

Igor Cavalcante de Sá

Recife
2018
IGOR CAVALCANTE DE SÁ

DA TOADA AO SAMBA: ensino de música no Cavalo-Marinho Boi


Pintado de Aliança - Pernambuco

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Música da Universidade Federal
de Pernambuco, como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em Música, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Cristiane Maria Galdino
de Almeida.

Recife
2018
Dedico a todos os brincadores de Cavalo-Marinho
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os brincadores do Cavalo-Marinho Boi Pintado, em especial ao


Mestre Grimário, pessoa que embarcou nessa empeleitada de escrever este trabalho. Também
do Boi Pintado agradeço ao banco, na figura de Nylber, Leo, Miguel, Eude e Biu do coco,
também agradeço a Grilinho, Girlane, José Borba, Nal, Val, Yaô, Kaio, Vitinho, Eveliny,
Jardiele, Ruben, Gustavo e Gal. Agradeço também a alguns brincadores de outros grupos que
sempre foram atenciosos comigo em conversas sobre o brinquedo, como: Mestra Nice, Totó,
Natan e Fabinho do Cavalo-Marinho Estrela Brilhante; Mestre Luiz Paixão, Zé Mário e
Ricardo do Cavalo-Marinho Boi Brasileiro; Mestre Biu Alexandre, Fabinho, Aguinaldo e
Risoaldo do Cavalo-Marinho Estrela de Ouro; e Mestre João Pissica e dona Rosa, do Cavalo-
Marinho Boi Ventania. Agradeço também a professora Cristiane Galdino, pela orientação
neste trabalho, sempre muito atenciosa, mostrando caminhos e possibilidades de pesquisa na
educação musical, e que a orientação neste trabalho foi essencial para sua finalização. Meus
agradecimentos também se destinam a professora Klésia, que ajudou na concepção do projeto
desta monografia e aceitou participar da banca de avaliação juntamente a Climério. Agradeço
também ao professor Carlos Sandroni, professor que muito colaborou para minha formação
acadêmica pesquisa e por ser minha referência enquanto pesquisador e professor. Agradeço
também a Luíza Nunes, companheira de vida que não me deixou desistir, me dando forças,
motivação, alegrias e segurança, além de me ajudar na correção do texto, tratamento de
imagens, elaboração de mapa, design do trabalho, concepção visual, dentre outras coisas.
Também agradeço aos meus pais, Expedito e Edna, pelo apoio e torcida nessa caminhada que
não é fácil. Agradeço também à Rannier Venâncio, pelas conversas sobre Cavalo-Marinho e
sobre pesquisas acadêmicas, pelas tocadas, pelos trabalhos, pelas farras, por me ajudar neste
trabalho. Bem como a Mariá Vilar, pela amizade e por me ajudar com as imagens. Também
por me aturar diariamente na sua casa e por me auxiliar na correção deste trabalho agradeço a
Diego Miranda. Da mesma forma agradeço a Edelson Morais e Lucas Furtunato. Agradeço
também à Patricia Patriota, Luciano Santos e Sofia Carvalho, por gentilmente cederem suas
fotos para este trabalho. Por fim agradeço a todos os professores e colegas que passaram pela
minha formação acadêmica e profissional até hoje.
RESUMO

O Cavalo-Marinho é uma rica manifestação integrada por música, dança, poesia, artes visuais
e artes cênicas, presente expressivamente no estado de Pernambuco e com singulares práticas
de transmissão de saberes. Entendendo educação musical como cultura (ARROYO, 1999),
este trabalho teve como principal objetivo compreender as características do ensino de música
no Cavalo-Marinho Boi Pintado. Para isso, foi realizada uma pesquisa de campo, com coleta
de dados por meio de observação participante, diário de campo e entrevista semiestruturada.
Os dados foram organizados e expostos no texto de forma a compreender os saberes
transmitidos, organização social do grupo, situações de transmissão e processos de
transmissão. Foi observado que o processo de transmissão do folguedo está pautado no fazer,
tanto coletivo, como individual, tendo como princípios a observação, imitação gestual e
auditiva, repetição, recriação e corporalidade. Algumas características também foram
observadas, dentre elas: autonomia de quem aprende, fazer musical coletivo e individual,
indicação do erro para busca do acerto e demonstração da maneira correta do fazer. O
processo de transmissão de saberes musicais no Cavalo-Marinho Boi Pintado está ligado à
transmissão de outros saberes e da cosmovisão dos brincadores.

Palavras-chave: Cavalo-Marinho; Educação Musical; Transmissão de saberes musicais.


ABSTRACT

The Cavalo-Marinho, a rich tradicional practice integrated by music, dance, poetry, visual arts
and scenic arts, presents expressively in Pernambuco and with singular practices of
transmission of knowledges. This study aimed to comprise the music teaching characteristics
in Cavalo-Marinho Boi Pintado, understanding music education as culture (ARROYO, 1999).
For that, a field research was carried out, with data collection through participant observation,
notebook and field diary and semi-structured interview. The data were organized and exposed
in the text in order to understand the transmitted knowledge, social organization of the group,
situations of transmission and transmission processes. It was observed that the transmission
process of the group is based on the doing, both collective and individual, having as principles
the observation, gesture and auditory imitation, repetition, recreation and corporality. Some
characteristics were also observed, among them: the autonomy of the learner, the playing
music collectively and individually, the indication of the error in order to seek the correct and
demonstration of the correct way of doing. The process of transmitting musical knowledge in
the Cavalo-Marinho Boi Pintado is linked to the transmission of other knowledge and the
worldview of the group participants.
Keywords: Cavalo-Marinho Boi Pintado; Music Education; Transmission of the music
knowledge
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Banco do Cavalo-Marinho Boi Pintado na festa para Nossa Senhora


do Ó, no distrito de Tupaoca, Aliança – PE.............................................................. 17
Figura 02 - Roda do Cavalo-Marinho...................................................................... 18
Figura 03 - Mateu e Bastião, Zé Borba e Nau. ....................................................... 19
Figura 04 - Soldado da Gurita, Mateu e Bastião...................................................... 20
Figura 05–Estrela. ................................................................................................. 21
Figura 06 - Dança dos áico. .................................................................................... 22
Figura 07 - Bastião e NêgoTitanda. ....................................................................... 22
Figura 08–Boi........................................................................................................ 23
Figura 09 - Mapa dos locais visitados neste trabalho. ............................................ 31
Figura 10 - Viola de 10 cordas. ............................................................................... 36
Figura 11 - Rabeca................................................................................................... 36
Figura 12- Mineiro ou Ganzá.................................................................................. 36
Figura 13 -Bage....................................................................................................... 36
Figura 14–Pandeiro................................................................................................ 36
LISTA DE TRANSCRIÇÕES MUSICAIS

Transcrição 01 - Ritmo do baião....................................................................................... 37


Transcrição 02 - Ritmo executado no pandeiro................................................................ 37
Transcrição 03 - Ritmo executado por bage e mineiro..................................................... 38
Transcrição 04 - Trecho de baiano, com afinação da viola e rabeca................................ 39
Transcrição 05 - Trecho da toada solta “Baiano é hoje”.................................................. 39
Transcrição 06 - Trecho de toada de figura, chamada do Mateu...................................... 39
Transcrição 07 - Ritmo da pisada do magúio comparado com o a batida do
pandeiro................................................................................................................................ 40
SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
2. A BRINCADEIRA É DO CAVALO-MARINHO.................................................. 13
2.1. A brincadeira é na Zona da Mata........................................................................ 13
2.2. A música do Cavalo-Marinho – “Banana, menino”............................................ 15
2.3. A brincadeira....................................................................................................... 17
3. EDUCAÇÃO MUSICAL INVISÍVEL OU TRANSMISSÃO DE SABERES
MUSICAIS: DISCUSSÕES ENTRE A EDUCAÇÃO MUSICAL E
ETNOMUSICOLOGIA................................................................................................ 23
3.1. Educação musical nas manifestações de tradição oral....................................... 23
3.2. Educação musical e cultura................................................................................ 25
3.3. Cavalo-Marinho e estudos acadêmicos.............................................................. 26
4. CAMINHOS E FRONTEIRAS ENTRE EDUCAÇÃO MUSICAL E
CAVALO-MARINHO BOI PINTADO...................................................................... 28
4.1. Caminhos escolhidos................................................................................................ 29
4.2. Ética na pesquisa...................................................................................................... 33
5. EDUCAÇÃO MUSICAL NO CAVALO-MARINHO BOI PINTADO............... 35
5.1. O que se ensina......................................................................................................... 35
5.2. Organização social do Cavalo-Marinho Boi Pintado............................................... 41
5.3. Situações de transmissão.......................................................................................... 43
5.4. Processos de transmissão.......................................................................................... 45
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 49
REFERENCIAS............................................................................................................. 51
APÊNCIDE A................................................................................................................ 55
APÊNCIDE B................................................................................................................. 56
APÊNCIDE C................................................................................................................ 57
1. INTRODUÇÃO
As manifestações de tradição oral despertam o interesse de pesquisadores de várias
áreas, principalmente na área das ciências sociais, como a antropologia e sociologia, além da
etnomusicologia, que tem laços estreitos com a antropologia. Nas últimas décadas algumas
áreas distantes das ciências sociais começaram a se interessar por essas manifestações
utilizando metodologias que dialogam com as utilizadas nas ciências sociais, em uma virada
epistemológica, com a característica da adoção do prefixo “etno” como é o caso da
etnobiologia, com seus campos específicos, tais como a etnozoologia, etnobotânica,
etnoecologia, etnoentomologia e etnofarmacologia. Este prefixo remete a busca do
inteligibilidade do social, do interesse pelo outro (MENEZES BASTOS, 2014, p. 64;
PIEDADE, 2010, p. 63). Na área das ciências humanas temos a etnopedagogia, termo
utilizado para se referir a estudos da Educação Musical que dialogam com a Etnomusicologia
(PRASS, 2004), caso deste trabalho. Dentre as manifestações de tradição oral que mais
despertam curiosidade entre os pesquisadores está o Cavalo-Marinho.
Minha afeição por esse folguedo surgiu muito antes do interesse pela pesquisa
acadêmica. Entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015 conheci o Cavalo-Marinho, a mistura
imbricada de várias artes em uma só brincadeira, dentre elas as duas que mais me encantam,
música – minha profissão – e dança. Iniciei uma busca incessante que não visava nada além
do prazer estético pessoal por esse brinquedo.Essa procura me rendeu em 2016 o convite
realizado por Mestre Grimário, dono do Cavalo-Marinho Boi Pintado de Aliança –
Pernambuco, para reintrodução da viola no brinquedo, trabalho árduo que ainda está em
processo, porém muito gratificante. Só após essa aproximação com o brinquedo surgiu o
interesse pela pesquisa. Antes disso tinha receio por eu ser branco, de classe média e porestar
estudando na universidade, tendo consciência da desigualdade existente entre mim e
folgazões, além da possibilidade de estar tirando proveito de brincadores, sugando o
conhecimento de Mestres e tendo o reconhecimento como pesquisador. Esse receio é
fundamentado por práticas de alguns pesquisadores observadas por mim e por brincadores, os
quais fazem suas pesquisas e criam laços e vínculos sociais, mas depois de findada a pesquisa,
nunca mais aparecem. O receio de reproduzir essas práticas não sumiu, mas diminuiu após
minha efetivação como brincador de Cavalo-Marinho. Hoje consigo realizar esta pesquisa
junto aos meus colegas do Cavalo-Marinho Boi Pintado de forma mais equânime, colegas a
quem atribuo a co-autoria deste texto, tendo a consciência de que sou o maior beneficiado
com este trabalho, com meu desenvolvimento como pesquisador e com a titulação de
licenciado em música.
A colaboração e co-autoria deste texto se expressa de forma clara com o respeito e a
utilização de grafias correspondentes à variação linguística da Zona da Mata norte de
Pernambuco (ver HORA; VOGELEY, 2013), berço do Cavalo-Marinho Boi Pintado e de
outros grupos. Algumas dessas palavras são: maguio, variação de mergulho; bale, variação de
baile; véia, variação de velha; além da supressão da letra “s” em palavras como Mateu e Rei.
Dentre esses termos, o que causou um pequeno impasse foi o “Cavalo-Marinho”. Mestre
Grimário afirma que o termo correto é “Cavalo Marim”, “o pessoal da academia achou que a
gente estava falando errado, mas o certo mesmo é Cavalo Marim” (SILVA, 2018)1. Ainda
assim o próprio Grimário optou pelo uso da expressão “Cavalo-Marinho”, por ser a expressão
utilizada no registro do brinquedo no livro de patrimônio imaterial (ver INRC – Cavalo-
Marinho, 2014), e por ser termo presente no estatuto que registra o Cavalo-Marinho Boi
Pintado como pessoa jurídica. Essa discussão está presente de forma ínfima no dossiê
supracitado (IDEM, p. 144).
Minha participação como violeiro do Cavalo-Marinho Boi Pintado é de extrema
importância na minha formação como músico, principalmente como violeiro. Este trabalho foi
delineado a partir desta perspectiva formativa do Cavalo-Marinho, tendo como base principal
a bibliografia da Educação Musical. Esta pesquisa teve com objetivo geral: compreender as
características do ensino de música no Cavalo-Marinho Boi Pintado. Como objetivos
específicos: Identificar as situações e os espaços em que os ensinos ocorrem; identificar os
elementos estruturais e não propriamente sonoros que são ensinados; analisar a relação entre
os ensinos e o contexto sociocultural do Cavalo-Marinho.
A pesquisa se justifica na perspectiva de colaborar com trabalhos que tenham um olhar
sobre as práticas de ensino de música em manifestações de tradição oral, também
contribuindo com a continuidade do Cavalo-Marinho, dos seus atores, de outros patrimônios
imateriais do Brasil e da sociedade como um todo. Além disso, é o primeiro trabalho que
versa exclusivamente sobre o ensino de música no Cavalo-Marinho2 e parte da compreensão
de que a observação de outras práticas de ensino em contextos culturais diversos poderá

1
Seguindo a proposta de Almeida (2009), referencio mestre Grimário como autor a partir de seu sobrenome
(SILVA) e da data em que os depoimentos foram feitos. Na bibliografia podem ser encontrados maiores detalhes
sobre cada registro.
2
Os trabalhos de Nader (2005), Queiroz et al. (2007) e Tanaka (2001) versam sobre a transmissão de saberes
musicais de uma manifestação que também se denomina Cavalo-Marinho, mas que difere muito do Cavalo-
Marinho descrito no INRC – Cavalo-Marinho (2014) e registrado no livro de patrimônio imaterial do IPHAN-
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
colaborar para uma prática docente mais coerente com o ideal de educação musical que
abarque diferentes dimensões – étnicas, raciais, multiculturais (QUEIROZ, 2004, p. 100).
Posto isto, o segundo capítulo “A Brincadeira é do Cavalo-Marinho”, contextualiza o
leitor sobre o que é Cavalo-Marinho, localizando a cidade de Aliança – PE e trazendo um
panorama histórico-social da Zona da Mata norte de Pernambuco. Também é abordado neste
capítulo questões da estrutura musical além da descrição do enredo, elaborado por Mestre
Grimário e escrito e organizado por mim, e dos locais onde as performances ocorrem, tendo
como base o trabalho de Murphy (2008).
O terceiro capítulo, intitulado “Educação musical invisível ou transmissão de saberes
musicais – discussões entre a Educação Musical e Etnomusicologia” apresenta os conceitos,
autores e áreas de estudos que alicerçam este trabalho. O modelo teórico interdisciplinar é
exposto e discutido de forma sucinta, tendo o aporte teórico nas áreas de Educação Musical e
Etnomusicologia. Inicialmente os trabalhos do campo da Educação Musical são trazidos para
discussão, seguidos dos trabalhos interdisciplinares da Educação Musical e Etnomusicologia,
finalizando o capítulo com os trabalhos etnomusicológicos e antropológicos.
Dando continuidade, no quarto capítulo, “Caminhos e fronteiras entre educação
musical e Cavalo-Marinho”, são abordados os pressupostos metodológicos, entre eles, a
perspectiva que o pesquisado deve tornar-se pesquisador, tendo como prática de pesquisa o
envolvimento de diversos autores e horizontalidade entre os pesquisadores, além da
observação participante e entrevistas semiestruturadas como ferramentas de coletas de dados.
Além disso, também são abordados os procedimentos éticos que apresentam o cuidado e o
respeito com a propriedade intelectual do grupo pesquisado.
A análise de dados está presente no quinto capítulo “Educação musical no Cavalo-
Marinho Boi Pintado”, que identifica e reflete sobre os saberes musicais e sobre os elementos
estruturais transmitidos, a organização social do grupo e sua relação com os ensinos, as
situações e espaços em que a transmissão ocorre e os processos de transmissão observados.
Por fim, esta monografia apresenta as considerações finais sobre o processo de ensino
e aprendizado do Cavalo-Marinho Boi Pintado, sintetizando quais situações, características,
princípios e processos que constituem a educação musical no brinquedo, entendendo que a
transmissão no brinquedo é elemento basal para construção cultural e identitária de cada
brincador.
2. A BRINCADEIRA É DO CAVALO-MARINHO

Pernambuco é conhecido, dentre outras coisas, por sua diversidade de manifestações


culturais e gêneros musicais. Dentre os mais famosos estão o frevo, maracatu de baque virado,
ciranda, maracatu de baque solto, caboclinhos, samba de matuto, samba de véio. Além de
expressões que também tem notoriedade em outros estados do Brasil, como o repente de
viola, bumba-meu-boi, reisado, mamulengo, babau, terno de pífanos, cocos e todas suas
variações, São Gonçalo, aboio, dentre outras. Nesse universo está o Cavalo-Marinho,
brincadeira3 que ocorre principalmente na Zona da Mata e Agreste de Pernambuco e Sul da
Paraíba.

2.1 A brincadeira é na Zona da Mata


A Zona da Mata Norte do Estado de Pernambuco, localizada entre o litoral e o
Agreste, a cerca de setenta quilômetros de Recife, capital do estado, concentra algumas das
manifestações culturais do estado. Dentre elas está o Cavalo-Marinho, brincadeira que
engloba características de outras expressões culturais e vários gêneros musicais (MURPHY,
2008, p. 117), além da dicotomia do sagrado e profano (ACSELRAD, 2013, p. 48), sendo
uma das definições encontradas nas bibliografias disponíveis “mistura de dança, música,
teatro e poesia sob a forma de espetáculo de rua com duração de até oito horas, a brincadeira
do cavalo marinho teve a sua origem, segundo seus brincadores, nas senzalas da Zona da
Mata Norte de Pernambuco” (ACSELRAD, 2013, p.28). Para além disso, o Cavalo-Marinho é
arte visual, com seus peitorais bordados e enfeitados com espelhos e franjas de tecidos,
usados pelos galantes, junto aos chapéus com espelhos e ornamentos brilhosos, bem como os
vestidos da pastorinha e dama, que são espécie de personagens, além das mascaras e animais
confeccionados com bastante cor e brilho. O Cavalo-Marinho também é fonte de renda e
possibilidade de mudança social, além de ser uma escola de todas as artes aqui já citadas, que
formaram vários artistas, incluindo o autor desta monografia.
O Cavalo-Marinho Boi Pintado, grupo estudado neste trabalho, foi fundado na Chã do
Esconso, distrito da cidade de Aliança, localizada na Zona da Mata Norte de Pernambuco. A

3
“O Brincador, aquele que dança, toca ou coloca figura, também é chamado de sambador ou folgazão”
(ACSELRAD, 2013, p. 48). Segundo Da Matta (1997) “o verbo brincar está cheio de possibilidades metafóricas
no Brasil. Assim, brincar significa também relacionar-se, procurando romper fronteiras entre as posições sociais,
criar um clima não verdadeiro superimposto à realidade” (1997, p.144), sendo a brincadeira não um divertimento
propriamente infantil, mas o Cavalo-Marinho em si. Essas serão as expressões mais utilizadas, por ser mais
abrangente em significados e porque são as mais utilizadas entre os integrantes do Cavalo-Marinho
(ACSELRAD, 2013, p. 48).
Chã, bem como toda a zona da mata, foi alicerçada na monocultura da cana-de-açúcar, no
trabalho escravo e nos grandes latifúndios. Os grandes latifúndios continuam existindo, em
Aliança, já que 92,8% das propriedades rurais têm 100 hectares ou mais (DABAT, 2003, p.
72) e onde mais da metade da população tem o rendimento per capita de até meio salário
mínimo, sendo a média do salário dos trabalhadores formais de 1,5 salários mínimos4. O
Cavalo-Marinho é uma das principais fontes de renda para alguns brincadores.
Murphy, autor de um importante livro sobre o tema, aborda as performances do
Cavalo-Marinho em dois contextos. Um dos contextos são as apresentações nas cidades do
interior de Pernambuco que o autor chama de apresentações rurais e se dariam na rua de
pequenas cidades do interior ou integrada a festa de padroeiros e em engenhos e sítios. O
outro contexto são apresentações urbanas, onde o Cavalo-Marinho é tratado como pitoresco.
Nas apresentações no interior, as brincadeiras nas ruas de pequenas cidades geralmente
aconteciam próximas a bares, onde o dono do brinquedo acordava com os donos dos bares e
das mesas de jogo um pagamento para ser distribuído entre os participantes do grupo. Este
valor era suplementado durante a apresentação pelos brincantes, em arrecadação, chamada de
sorte. As apresentações eram financiadas pela prefeitura de uma cidade na época de festa de
um santo padroeiro. O brinquedo fazia parte da programação de apresentações fora do
contexto religioso da festa, que pode durar de 7 a 9 dias. Por ordem da prefeitura, o Cavalo-
Marinho se encerraria às 3h para evitar possíveis distúrbios causados por pessoas ébrias. Nas
apresentações urbanas a duração pode variar entre 40 e 60 minutos e se inicia com uma
explanação sobre o que é o folguedo feita pelo mestre de cerimônias ou pelo mestre do
brinquedo. Isso se justifica pelo espaço das apresentações, grande circulação de pessoas e
comércio de artesanato popular, com público majoritariamente de turistas, como a Casa da
Cultura, na cidade do Recife (MURPHY, 2008, p. 87 - 98).
Hoje, praticamente todas as apresentações do Cavalo-Marinho se dão em contextos
urbanos, onde é tratado como excêntrico, como as apresentações que ocorrem na época de
Natal na Casa da Cultura ou na Avenida Rio Branco, ambos no centro do Recife. Uma
exceção para essa regra é o Encontro de Cavalo-Marinho realizado na Casa da Rabeca do
Brasil, localizada na Cidade Tabajara, bairro de Olinda – PE, fundada por Mestre Salustiano e
hoje administrada por sua família. Há majoritariamente familiaridade ao folguedo pelo
público nesse encontro, que geralmente começa por volta das 21h, podendo durar até 5 horas,
dependendo da disposição dos brincadores e da audiência, também a mercê dos dias úteis que

4
Fonte:https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pe/alianca/panorama Acesso em: 28 maio 2018.
virão após o dia 25 de dezembro, no Natal, e 06 de janeiro, dia dos Santos Reis do Oriente,
datas em que são realizados os encontros.

2.2 A música do Cavalo-Marinho – “Banana, menino”


Sobre o aspecto musical do brinquedo, Gonçalves (2001) explana que:
[...] a música inicia e finaliza o ciclo da brincadeira, permeia suas estruturas
internas, alimenta o espírito dos personagens, saúda os Santos Reis do Oriente,
envolve o público e os folgazões na roda do mergulhão, é elemento vital para
vencer a madrugada e amanhecer o dia fazendo o Boi morrer e renascer
(GONÇALVES, 2001, p. 34).

Uma brincadeira de Cavalo-Marinho não acontece sem música. Ela é indispensável ao


seu desenrolar, desde o início com a toada de “Boa Noite!” que anuncia o início da
brincadeira, até os momentos finais com o Boi, os cocos e os “vivas!”. Cada figura, os
“personagens” representados no folguedo, entram e saem da roda com música, que também
preenche os vazios da ação dramática e ajuda na coordenação dos gestos. Tudo que acontece
de relevante em uma brincadeira está de alguma maneira relacionada à música: ou acontece
ao mesmo tempo que ela – caso das danças e das toadas – ou acontece em alternância com
ela, caso das falas, onde o ritmo das cenas é regido pela maneira como as figuras alternam
seus diálogos com intervenções pontuais do banco, como é chamada a formação instrumental.
Murphy (2008), que cronometrou as alternâncias entre música e cenas dialogadas num trecho
de cerca de 8 minutos, num Cavalo-Marinho realizado em 1990 e obteve 15 alternâncias
(MURPHY, 2008, p. 106), supõe que um público típico poderia não ter paciência para
acompanhar a brincadeira de uma noite inteira, se não houvesse a dinamicidade que a música
proporciona com seus interlúdios, que estruturam o tempo e o sabor da performance,
mantendo a atenção da assistência e conservando a energia dos brincantes. “Uma gravação
realizada pelo Núcleo de Etnomusicologia da UFPE em 2010 registra cinco alternâncias em
pouco mais de um minuto (03 Biu Alexandre, Condado, 2010)” (INRC – Cavalo-Marinho,
2014, p. 94)
A formação instrumental é chamada de banco, em referência ao longo banco de
madeira utilizado pelos músicos para se sentar, sendo hoje mais comum o uso de cadeiras
plásticas. O banco do Cavalo-Marinho Boi Pintado é composto por viola brasileira5, rabeca,

5
Segundo o violeiro e pesquisador Ivan Vilela, “É com essa força que esse instrumento chega na terra de
Pindorama e aos poucos vai criando sua personalidade brasileira a ponto de receber, hoje, inúmeros atributos da
terra, como viola caipira, viola cabocla, viola nordestina, viola sertaneja, viola brasileira.” (VILELA, p.78, 2004-
2005). Neste trabalho usarei o termo viola ou viola brasileira, referente ao instrumento com cinco conjuntos de
corda que se assemelha ao violão.
pandeiro, bage (idiofone raspador de madeira de taboca), e mineiro ou ganzá, espacialmente
localizado nessa sequência, da direita para esquerda, em relação ao público (figura 1). A
bexiga do Mateu e Bastião e o apito do Mestre também são utilizados como elementos
musicais (ALCANTARA, 2011, p. 70-72). A bexiga de boi desidratada e cheia de ar é usada
como arma cômica, além do seu uso como instrumento musical por Mateu e Bastião, também
figuras do brinquedo (figura 3; ALCÂNTARA, 2011, p. 68). “Na brincadeira o apito é sinal
de autoridade e serve para indicar momentos que a música deve ser executada ou
interrompida, além de chamar atenção para o início de algum movimento em algumas danças”
(ALCÂNTARA, 2011, p. 70). O início musical também pode ser indicado por figuras, um
exemplo é quando o Mateu fala “banana menino”, ou “esfola o ovo”, indicando o início da
música, mas que só tem efeito com o apito do Mestre. O Banco também cumpre o papel de
uma figura, é o primeiro a entrar e o último a sair e interage com todas as figuras que passam
pela brincadeira, de forma musical, ou falada. O Cavalo-Marinho em questão é o único que
conta com a presença da viola em sua formação instrumental, instrumento que deixou de ser
usado (IDEM, p. 61; INRC – Cavalo-Marinho, 2014, p.118 e 131; MURPHY, 2008, p.68),
porém foi reintroduzido a partir de esforços do Mestre do grupo e do autor deste texto.

Figura 1. Banco do Cavalo-Marinho Boi Pintado na festa para Nossa Senhora do Ó, no distrito de Tupaoca,
Aliança – PE (Foto: Luciano A. Santos)

O gênero musical e o ritmo característico do Cavalo-Marinho, segundo os brincadores,


é o baião, constituído por partes vocais e instrumentais. A parte vocal é chamada de toada e a
parte instrumental é chamada de baiano. Além desse gênero, estão presentes o coco e as
incelênças (por vezes chamada de excelências).
2.3 A brincadeira
O enredo do Cavalo-Marinho tem como cerne uma festa para o Santo Rei do Oriente,
os Três Reis Magos, santos católicos. A brincadeira é dinâmica, fluida, volátil e adaptável,
onde cada performance é diferente da outra (MARINHO, 1984, p. 31). Essas variações
ocorrem por vários motivos, tempo de apresentação, presença ou ausência de determinado
brincador, mudanças climáticas, defeito em alguma indumentária essencial para determinada
figura. No Cavalo-Marinho Boi Pintado, uma brincadeira completa é dividida em três partes,
conforme a descrição do Mestre Grimário6, apesar de este pesquisador não ter presenciado
uma brincadeira completa. A primeira parte se inicia com a figura do banco tocando uma
toada de abertura, desejando boa noite aos que estão presentes, saldando os santos padroeiros
e ao dono da casa, aquele que contrata a brincadeira, quando se forma a roda humana para
assistir ao espetáculo.

Figura 2 – Roda do Cavalo-Marinho (foto: Sofia Carvalho)

Em seguida os brincadores, com roupa cotidiana, começam a dançar simultaneamente


os passos do Cavalo-Marinho em frente ao Banco, organizados em fileiras. O Banco toca
toadas soltas – que são uma espécie de canção – e o mestre, ou um folgazão experiente, inicia

6
Para outras versões e leituras ver INRC – Cavalo Marinho (2014, p. 71); Murphy (2008, p. 53); Oliveira (2006,
p. 258; Tenderini (2003, p. 55)
os passos e indica as mudanças com o apito. Nesse momento a audiência participa da dança
nas últimas fileiras, aprendendo por imitação alguns passos. Grimário afirma que todos os
passos apresentados nesse início e por isso perde-se o caráter de surpresa e que isso é errado,
e não acontecia antes (SILVA, 2018). Após as toadas soltas, os folgazões formam um círculo
com o banco e iniciam o tombo do magúi (ou marguio, variante de mergulho), uma dança em
formato de jogo para aquecimento, seguindo o princípio de pergunta e resposta – o mestre vai
ao centro na roda, dançando um trupé, passo característico do magúi, forte e marcado, tendo
como célula rítmica o baião, chamando outro brincante ao centro da roda, e assim
sucessivamente. É uma dança vigorosa e provocadora, sendo o momento em que os brincantes
“acordam as pernas e o juízo” (ACSELRAD, 2013, p. 69), e a percussão forte feita com os
pés é usada para demonstrar vigor e também como um elemento musical. Nesse momento a
roda da audiência cresce.
Logo após o Mateu e Bastião são chamados e empeleitam7 o serviço de cuidar da festa
com o mestre, que está colocando a figura do Capitão Marinho, que precisará viajar (figura 2
e 3). Essas figuras, além da dança do tombo do magui, costumam aparecer em qualquer tipo
de apresentação.

Figura 3 – Mateu e Bastião, Zé Borba e Nau (foto: Patricia Patriota)

O Mateu e Bastião tomam conta da brincadeira e não devolvem a posse ao capitão,


que precisou viajar para buscar sua família, e só devolvem após a presença do Soldado da

7
Corruptela de empreitada, sistema de contrato de serviço remunerado.
Gurita, que é a primeira figura que usa máscara. Ele é contratado pelo Capitão para prender os
nêgos Mateu e Bastião e retomar a posse da festa (figura 4).

Figura 4 – Soldado da Gurita, Mateu e Bastião (foto: Luciano A. Santos)

Na sequência entra o Empata-Samba, que Grimário também chama de Sargento, figura


que prende todos os instrumentos e não deixa ninguém tocar. O Mané do Bale (Baile) chega
para soltar todos os instrumentos e deixar o samba8 continuar e tomar posse da festa. Em
seguida os Galantes e a Estrela entram na roda, com a toada da Estrela, em referência a estrela
que guiou os Reis Magos ao local onde Jesus nasceu; esta é umas das partes de maior
evidencia de religiosidade, em específico do catolicismo popular (figura 5). Após isso o
mestre canta uma toada com intuito de pedir licença para a brincadeira.

8
Samba como sinônimo de festa
Figura 5 – Estrela (foto: Luciana A. Santos)

Depois desse instante, o Bode, ou capitão do campo, que de acordo com Grimário
exerce o papel de feitor, aquele que supervisionava o trabalho escravo, são colocados por duas
pessoas para perseguir e incomodar o Mateu e Bastião, que se escondem atrás dos áico (arcos)
de fitas de papel coloridos, que nesse momento cumprem a função de arbusto. O Capitão, a
Galantaria e o Mateu e Bastião dizem loas e em seguida ocorre uma série de danças que
possuem “[...] passos de dança definidos para cada canção, que o Capitão deve coordenar,
sinalizando com um apito” (MURPHY, 2008, p. 57). O momento da Galantaria é o de maior
audiência, por conta das cores e brilhos dos adornos nas roupas e áicos dos Galantes, que são
a família do Capitão Marinho (figura 6). Algumas das danças utilizam os áicos abertos e
outras utilizam fechados sobre o ombro, sendo a última das danças a Cobra, onde os Galantes
dançam e circulam na roda em fila, um atrás do outro. Após essa dança entra o Cavalo, a
última figura da primeira parte representando o Capitão Marinho montado em seu Cavalo,
provavelmente é dessa figura que surge o nome da brincadeira.
Figura 6 – Dança dos áico (foto: Luciano A. Santos)
A segunda parte se inicia com o Seu Ambrósio, ou simplesmente Ambrósio, que é
uma espécie de índice das figuras. Todas essas figuras representam alguma pessoa que existiu,
ou alguma profissão comum na Zona da Mata. O Capitão precisa comprar figuras para a
brincadeira, o Seu Ambrósio afirma não ter figuras para Cavalo-Marinho. Após alguma
insistência do Capitão, o mostra cada figura, cada dança e trejeitos, para que ele possa
comprar e pagar, o Capitão compra, mas nunca paga. A sequência de figuras que vem depois
do Ambrósio não tem uma ordem definida, mas algumas figuras dependem de outras para a
cena, como é o caso da Véia do Bambu, que vem sob o pretexto de procurar uma Ema,
armação de animal com uma pessoa dentro, que entra antes dela. Depois dela vem o Véio
Joaquim, a Morte, o Padre e o Diabo.

Figura 7 – Bastião e NêgoTitanda (foto: Luciano A. Santos)


Outras figuras compõem a segunda parte do brinquedo, como o Pisa Pilão, o Mana
Nêga, o Vila Nova ou Varredor, o Mané Chorão, o Nêgo Titanda, o Mané Taião, o Mané do
Motor, o Mestre Domingo, dentre outras (figura 7). A última figura da segunda parte é o
Matuto da Goma, que vende goma à mando do Capitão e em troca pede para que ele conte
alguma estória de suas viagens.
A terceira parte se inicia com o Vaqueiro, uma figura importante e difícil de ser
colocada, segundo o Mestre, por seu extenso diálogo, quase todo em formato de loas, as
poesias de versos rimados. O Vaqueiro vende o Boi ao Capitão Marinho, mas é seu filho, o
Mané da Batata quem leva o Boi para o Capitão.

Figura 8 – Boi (foto: Luciano A. Santos)


O Boi chega no terreiro e começa a dançar, mas é acidentalmente morto pelo Mateu.
Depois entram em cena o Fiscal, o Pacaia, em seguida o Urubu para comer a Carcaça do Boi.
Na sequência o Dotô, para examinar o Boi. Chegando ao fim, junto à ressurreição do Boi, é
feita a Roda Grande, dança circular ao redor da armação do Boi (figura 8). E a brincadeira é
finalizada com “Vivas!”, momento em que o mestre saúda os Santos Rei, a todos os
brincadores, a audiência, e em seguida são cantados os cocos, momento em que todos os
brincadores deixam o terreiro (SILVA, 2018). Junto a esses conhecimentos, os trabalhos
acadêmicos que versam sobre temas semelhantes e que serão expostos no próximo capítulo,
ajudaram na construção deste trabalho.
3. EDUCAÇÃO MUSICAL INVISÍVEL OU TRANSMISSÃO DE SABERES
MUSICAIS: DISCUSSÕES ENTRE A EDUCAÇÃO MUSICAL E
ETNOMUSICOLOGIA
Recorro neste trabalho a um modelo teórico interdisciplinar entre a Educação Musical
e a Etnomusicologia. Também foram utilizados trabalhos das áreas de Pedagogia e
Antropologia, em menor escala e que são áreas correlatas às citadas anteriormente.
Compreendendo a “Educação musical como um fenômeno presente em qualquer processo
e/ou situação em que ocorra ensino e aprendizagem da música, ou seja, como aspecto
característico de todo processo e/ou situação em que ocorra transmissão de saberes musicais.”
(QUEIROZ, 2008, p. 2), este trabalho busca entender a educação musical no Cavalo-Marinho
Boi Pintado.
Pela escolha interdisciplinar, serão utilizados alguns termos que versam sobre o
mesmo assunto, todos inseridos na Educação Musical. Dentre eles estão: transmissão, ensino,
aprendizagem e práticas de ensino. Essas escolhas e a bibliografia que sustenta esta
monografia serão apresentadas a seguir.

3.1 Educação musical nas manifestações de tradição oral

Além das áreas de estudo da Educação Musical e da Etnomusicologia, também foi


utilizado neste trabalho bibliografias da Pedagogia e da antropologia. Na pedagogia utilizou-
se o livro Pedagogias e pedagogos, para quê? de Libâneo (2010), que trata da natureza da
Pedagogia, estrutura do conhecimento pedagógico, das questões de identidade profissional, da
formação do pedagogo e das práticas educativas, dentre elas as modalidades de educação
informal, não-formal e formal. O autor tece em seu texto a idéia de que a educação pode ser
considerada em duas modalidades: a educação não intencional, chamada de informal ou
paralela, e a educação intencional, que é estendida em educação formal e não-formal. O
contexto da vida social, política, econômica e social, bem como a família e a rua, também
produzem efeitos educativos sem constituírem instâncias claramente institucionalizadas,
sendo esses efeitos características da educação informal (LIBÂNEO, 2010). Porém, foram
identificadas situações de intencionalidade de ensino no Cavalo-Marinho Boi Pintado, que
serão expostas no Capítulo 4 deste trabalho. Concorda-se com Sandroni (2000) sobre os
termos Educação Informal e Assistemática, “parece-me que o emprego destas expressões
denuncia antes de mais nada nosso desconhecimento dos modos pelos quais funcionam os
variados aprendizados extra-escolares” (SANDRONI, 2000, p. 20). O autor ainda afirma que
não existe educação espontânea, e que a educação não apenas transmite cultura, ela é um
artefato cultural, e como tal, algo elaborado, organizado. “Eis aí: em vez de falar em ensino
‘informal’ ou ‘assistemático’, seria muito mais realista falar em ensino ‘invisível’, ou ‘não-
explícito’. (SANDRONI, 2000, p. 21).
Na Educação Musical, seguindo a metodologia interdisciplinar com a Antropologia,
usamos o trabalho de Margarete Arroyo (1999), Representações sociais sobre práticas de
ensino e aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e
estudantes de música, tomando como base a sua abordagem de educação como cultura. Nessa
tese, Arroyo analisa as práticas de ensino de dois contextos de modalidades de ensino
diferentes, o Congado e o Conservatório de Música, ambos em Uberlândia – MG, entre os
anos de 1995 e 1997. Ela analisa algumas características de práticas de como a imitação – que
o etnomusicólogo Alan P. Merriam (1964, p. 158) chamou de “técnica de aprendizagem
universal” –, além da corporalidade e prática musical coletiva. A autora utiliza o conceito de
cultura elaborado por Geertz (1989), que a entende como uma rede de significados, sendo
assim, “[...] as práticas de educação musical, escolares ou não-escolares, são espaços de
criação e recriação de significados e, portanto, de cultura.” (apud ARROYO, 2000, p. 19).
Com a metodologia semelhanteao trabalho de Arroyo (1999), Luciana Prass (2004)
produziu uma dissertação de mestrado, defendido em 1998, que resultou na publicação do
livro Saberes Musicais em uma Bateria de Escola de Samba: uma etnografia entre os Bambas
da Orgia, também usado neste trabalho. A autora denomina a metodologia utilizada na
dissertação por etnopedagogia de educação musical. Nessa monografia, ela buscou
compreender o ensino e aprendizagem na Escola de Samba os Bambas da Orgia, em Porto
Alegre – RS. A autora aborda tópicos como o aprendizado durante a festa e características do
processo de aprendizagem como a imitação, improvisação e corporalidade. O artigo “É de
pequeno que se aprende...” Três estudos sobre processos nativos de ensino e aprendizagem
musical em contextos populares (LUCAS; ARROYO; PRASS; STEIN, 1999), desvela os
pontos correlatos entre os trabalhos, como os princípios ordenadores das práticas de ensino e
aprendizado musical nos três cenários dos três processos de pesquisa, que são: observação;
imitação gestual e auditiva; repetição; recriação; corporalidade.
A dissertação As vivências musicais formais, não formais e informais de adolescentes:
três estudos de caso, escrita por Regina Blank Wille (2003), aponta em seu trabalho a
complexidade da distinção entre os termos formal, informal e não-formal quando se trata do
ensino de música, tendo como base a presença ou ausência de estruturas ou processos
sistemáticos. Ela argumenta que qualquer processo de musicalização envolve estruturas e
processos específicos e variáveis tanto em relação aos sujeitos da aprendizagem como aos
seus contextos. Porém essas estruturas ou processos sistemáticos existem de formas diferentes
em qualquer espaço ou situação em que ocorra o ensino e aprendizagem (SANDRONI, 2000,
p.20).
Também foram utilizados dois trabalhos de conclusões de curso de Licenciatura em
Música, são eles Aprendizagem musical não formal no ambiente do samba, de Denis Almeida
Lopes Carvalho (2009) e Práticas do ensino de música do terreiro de Mãe Amara, de Tiago
Sá Leitão dos Santos (2017). No primeiro trabalho, o autor investigou os processos de
aprendizagem em rodas de samba por meio de observação, registro e entrevistas, com intuito
de identificá-los e analisá-los para refletir sobre as aplicações desses processos no ensino
escolar de música. No trabalho de Santos (2017), ele buscou compreender as práticas de
ensino de música no contexto das religiões afro-brasileiras, em específico no terreiro de Mãe
Amara por meio de uma pesquisa de caráter etnográfico.

3.2 Educação musical e cultura


Toma-se como base alguns artigos de Luiz Ricardo Silva Queiroz (2004; 2008; 2010;
2011), que versam sobre os temas de Educação Musical, Cultura e Etnomusicologia de modo
simultâneo. Dentre eles está o artigo Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade
cultural no ensino e aprendizagem da música (QUEIROZ, 2004), no qual o autor discute as
relações entre educação musical e cultura com o objetivo de analisar diferentes dimensões do
ensino e aprendizagem da música dentro de uma realidade social, concluindo que o diálogo
entre educação musical e cultura pode auxiliar em algumas dificuldades encontradas
oferecendo uma melhora aos processos de ensino-aprendizagem. Também foi estudado o
texto A dinâmica de transmissão dos saberes musicais em culturas de tradição oral: reflexões
para o campo da educação musical (QUEIROZ, 2008), onde Queiroz apresenta o resultado
da pesquisa em dois grupos de cultura de tradição oral sobre o processo de transmissão dos
saberes musicais entendendo que esta pesquisa pode fortalecer a concepção e as estratégias
utilizadas para o ensino da música em diferentes contextos. Claramente versando sobre as
duas áreas de estudo utilizadas neste trabalho, o artigo Educação musical e etnomusicologia:
caminhos, fronteiras e diálogos (QUEIROZ, 2010), apresenta discussões sobre relações entre
os dois campos de pesquisa tendo o enfoque na transmissão musical. Além desses artigos,
também foi estudado, do mesmo autor o Criação, Circulação e Transmissão Musical: Inter-
relações e (Re)Definições a Partir dos Cenários Tecnológico e Midiático Contemporâneos
(QUEIROZ, 2011), que busca refletir sobre as inter-relações entre música, mídia e tecnologia
discutindo os impactos na transmissão de saberes musicais, além da criação e circulação da
música.
Buscou-se observar, com base nessa bibliografia, estratégias e características de ensino
no Cavalo-Marinho Boi Pintado, principalmente observando a “interferência do mestre e
também dos integrantes mais experientes.” (QUEIROZ, 2004, p. 103). Cientes também que
“No Cavalo-Marinho, o entendimento do que se ensina e do que se aprende musicalmente não
pode ser desvinculado do entendimento geral dos diversos elementos que estabelecem as
bases do conhecimento cultural a ser transmitido.” (QUEIROZ, 2010, p. 128). O processo de
ensino e aprendizagem é construído a partir de experiências sociais do indivíduo e se
estabelece no contexto sociocultural do brinquedo, onde ocorre a vivência dos valores e das
técnicas utilizadas.

3.3 Cavalo-Marinho e estudos acadêmicos


A bibliografia estudada sobre o Cavalo-Marinho incluiu escritos das áreas de
antropologia, etnocenologia, mas principalmente da etnomusicologia, dentre eles, a
dissertação, posteriormente lançada em livro sob o título de Viva pareia!, da antropóloga
Maria Acselrad (2013), que levanta um debate sobre a estética do Cavalo-Marinho através da
pesquisa etnográfica. Esse texto foi de grande relevância para este trabalho. Da mesma forma,
o livro de John Murphy (2008), baseado em sua tese de doutorado em Etnomusicologia, sob o
título de Cavalo-marinho Pernambucano. Nele, o Etnomusicólogo sustenta a hipótese de que
a brincadeira é multivocal e que seu significado é complexo, a partir de problematizações
sobre versões antigas e novas da brincadeira, além da exploração do significado do brinquedo
para os brincadores. Também na etnomusicologia, estudou-se a dissertação Na batida do
baião: o cavalo-marinho no terreiro da família Teles em Condado-PE, de Paulo Henrique
Lopes de Alcântara (2014), onde ele estuda o patrimônio musical em três gerações da mesma
família de brincadores de Cavalo-Marinho, a partir dos discursos, práticas, experiências,
valores e concepções da família. Do mesmo modo, o trabalho de conclusão de curso de
licenciatura em música Novos pareias no terreiro: cultura popular, tradição e patrimônio
imaterial na reprodução cultural do cavalo-marinho em Condado-PE, também de Alcântara
(2011). Além do dossiê do Cavalo-Marinho (INRC – Cavalo-Marinho, 2014), do trabalho A
roda do mundo gira: Um olhar etnocenológico sobre a brincadeira do Cavalo-Marinho
Estrela de Ouro (Condado – Pernambuco) (OLIVEIRA, 2006) e da dissertação Na Pisada do
Galope: Cavalo Marinho na fronteira traçada entre Brincadeira e Realidade (TENDERINI,
2003).
Ainda na área da Etnomusicologia, um dos textos utilizados foi uma tradução de
Ethnography of music, de Anthony Seeger (1992). O texto discute métodos sobre a pesquisa
musical, sobretudo aquelas voltadas às manifestações culturais coletivas de tradição oral,
utilizando principalmente de observação, entrevistas pré-formuladas e conversas informais.
Dois artigos do professor Samuel Araújo foram consultados para este trabalho: From
neutrality to praxis; the shifting politics of applied ethnomusicology. (ARAÚJO, 2008) e
Diversidade e desigualdade entre pesquisadores e pesquisados. Considerações teórico-
metodológicas a partir da etnomusicologia. (ARAÚJO, 2009) onde o autor apresenta noções
teórico-metodológicas sobre a corrente da etnomusicologia aplicada e suas implicações,
rumando a uma abordagem mais autocrítica e politizada da produção de conhecimento. Esses
trabalhos foram usados principalmente para o embasamento da metodologia, que será
abordado com mais profundidade no próximo capítulo.
4. CAMINHOS E FRONTEIRAS ENTRE EDUCAÇÃO MUSICAL E CAVALO-
MARINHO BOI PINTADO

O Cavalo-Marinho é uma “escola” que forma ou no mínimo influencia diversos


artistas de diferentes áreas, principalmente na música. Atribuo uma parte da minha formação
como músico e principalmente como violeiro ao brinquedo. Essa pesquisa foi delineada a
partir do entendimento do caráter formativo do folguedo, e das bibliografias sobre as
possibilidades de locais e situações de ensino diversas, além da necessidade de entender as
características dos diversos ensinos.
O grupo abordado neste trabalho, Cavalo-Marinho Boi Pintado, é o único que conta
com a presença da viola em sua formação instrumental, instrumento que deixou de ser usado
(INRC – Cavalo-Marinho, p.118, 131), porém foi reintroduzido a partir de esforços do mestre
do grupo e do autor deste texto, justificando com isso a escolha desse campo.
Segundo Vilar:
[...] existe uma distinção (subliminar / não verbalizada) entre ser mestre e ser líder
no Cavalo Marinho, podendo as duas funções pertencer a uma mesma pessoa ou
não. Ser mestre significa conhecer o folguedo em toda a sua dimensão: musical,
coreográfica, cênica, poética e ritual. Ser líder diz respeito ao poder executivo e
administrativo sobre o folguedo. (VILAR, 2004, p.108).

O líder e Mestre do grupo é José Grimário da Silva, de 51 anos de idade, o Mestre


Grimário. Começou a participar da brincadeira aos 8 anos de idade e teve como principal
mentor Severino Lourenço da Silva, o Mestre Batista. Grimário atuou como brincante do
Cavalo-Marinho de Mestre Batista até o falecimento dele; após o ocorrido, ele fundou o
próprio grupo. Trabalhou como cortador de cana-de-açúcar por vários anos, função que
abandonou por conseguir seu sustento com as atividades culturais que realiza. Além de dono e
mestre de Cavalo-Marinho, é músico ritmista, dono do grupo de forró “Matulão” e Mestre
caboclo do Maracatu Piaba de Ouro.
O Cavalo-Marinho Boi Pintado, foco de estudo desta pesquisa, tem sua fundação
datada em 1993 com cerca de 20 componentes e é o grupo que mais se apresenta em eventos
locais e nacionais, tendo em seu histórico apresentações no exterior. Ao mesmo tempo em que
o folguedo e o Mestre se adaptaram às exigências contemporâneas relacionadas à produção
executiva, concorrendo aos editais de fomento à cultura e participando de festivais que se
autodenominam multiculturais, segue a linhagem do Cavalo-Marinho de Mestre.
Fui convidado a participar do grupo pelo Mestre Grimário em visita a sua casa, em
meados de maio ou junho de 2016. Comecei a tocar viola em 2014, ano que tive contato com
o instrumento, antes dele tocava guitarra e violão. Em 2015 tive meu primeiro contato com o
brinquedo, no mesmo ano participei de uma oficina ministrada por Grimário, “Da Figura ao
Samba – A brincadeira é do Cavalo-Marinho”, feita com recursos do Fundo de Incentivo à
Cultura do Estado de Pernambuco (Funcultura) de julho de 2015 a dezembro de 2015,
produzida por Andala Pereira da Silva. Essa oficina foi o primeiro contato que tive com o
Mestre, estabelecendo aí uma amizade. No mesmo ano fiz visitas ao Mestre João Pissica do
Cavalo-Marinho Boi Ventania, um dos mestres de Cavalo-Marinho mais idosos e que viu e
lembra-se da viola no banco do brinquedo (ver INRC – Cavalo-Marinho, 2014, p.118 e 131;
MURPHY, 2008, p. 121; MAIOR JUNIOR, 2014, p. 115). Em 2016, quando já conseguia
tocar Cavalo-Marinho na viola, fui ao aniversário do Mestre Grimário com o instrumento e,
em um determinado momento da festa, um banco se formou, mas não havia nenhum
rabequeiro. Consegui cumprir a função tocando viola, diminuindo a sensação da falta da
rabeca, e o banco durou por bastante tempo. No mesmo dia, quando o banco parou de tocar, o
mestre me convidou para fazer parte do Cavalo-Marinho Boi Pintado tocando viola. Senti-me
honrado, mas ao mesmo tempo, com receio por ser uma grande responsabilidade. Não existe
nenhum violeiro vivo que tocou em banco de Cavalo-Marinho e a maioria das pessoas que
brincam nunca viu uma viola no brinquedo, algumas nunca ouviram falar. A responsabilidade
é ainda maior por minha família não ser da região da Zona da Mata de Pernambuco, e não
possuir nenhuma ligação com o brinquedo. Assumi a responsabilidade e abordarei algumas
questões da reinserção do instrumento no próximo capítulo.

4.1 Caminhos escolhidos


Esta pesquisa foi estruturada e realizada a partir de diretrizes metodológicas das áreas
de Educação Musical e Etnomusicologia, bem como Antropologia, tendo como base
abordagens plurais de pesquisa e como suporte estudo bibliográfico nas duas áreas, além de
coleta de dados a partir da observação participante, caderno de campo, notas de campo,
realização de entrevistas e fotografias.
Outro norte da pesquisa é de que o pesquisado deve-se tornar pesquisador durante a
realização da mesma, dentro da corrente da etnomusicologia participativa, fazendo com que
os brincantes do Cavalo-Marinho Boi Pintado se interessem pelo processo e façam parte dele
e de sua construção:

A legitimação científica de pesquisas participativas depende de uma


ampliação do conceito de cientificidade, uma vez que, nelas, os
“pesquisados” se tornam também “pesquisadores”, muitas vezes sem
qualificação acadêmica formalizada. Essa ampliação vem sendo defendida
por diversos autores, especialmente a partir dos anos 1980, sob o argumento
de que a comunidade científica ocidental é que tem definido o que é ou não
científico, tendo prezado, ao longo da história, para que os conhecimentos
que não se adequem aos seus moldes não ameacem sua soberania em
legitimidade (Carvalho, 1999; Santos, 1996, entre outros). (TYGEL;
NOGUEIRA, 2008, p. 241)

Logo é trazido para esclarecimento que:

Lühning (2006) enfatiza que a pesquisa participativa em etnomusicologia


não constitui apenas uma metodologia, mas fundamenta-se no propósito
individual do pesquisador de trazer contribuições às pessoas através do seu
trabalho – ideal que é anterior à própria pesquisa (TYGEL; NASCIMENTO,
2008, p. 340)

Araújo (2008) explica que as críticas pós-modernas às pesquisas de campo são rasas e
estipulam o poder maior ao conhecimento produzido em detrimento do conhecimento da
comunidade (ARAÚJO, 2008, p. 14). A prática de pesquisa deste trabalho, envolvendo
diversos autores e horizontalidade entre os pesquisadores é entendida pelo Mestre Grimário
como “segurança pra gente trabalhar mais aberto, tanto com os pesquisadores e a gente
pesquisando também” (SILVA, 2017). Grimário complementa dizendo que:

[...] eu como pesquisador de cavalo-marinho também – pois pesquisei muito para


chegar onde estou – vejo os pesquisadores, que eles pesquisem, mas que eles
valorizem e vejam a qualidade de cada um [...], uns chegam, só sugam e vão embora,
não querem saber o que aconteceu. Depois aparece em mídia de televisão, jornal, e os
próprios mestres – coitados – não têm o valor que essas pessoas têm por ser
pesquisador (SILVA, 2017)

A coleta de dados e pesquisa de campos foram acordadas e avisadas previamente e


ocorreram de forma efetiva para este trabalho entre dezembro de 2017 e março de 2018,
principalmente nas apresentações dos dias 25 de dezembro de 2017 na Casa da Rebeca do
Brasil, em Olinda – Pernambuco e 6 de janeiro de 2018, no mesmo local. Além de
apresentações nas festas de padroeiro nos dias 7, 14, 21 e 28 de janeiro e 2 de fevereiro de
2018 nos distritos de Macujê, Tupaóca, Upatininga e Caueiras que pertencem ao município de
Aliança – Pernambuco9, que também recebeu apresentações do brinquedo (figura 9).

9
http://www.alianca.pe.gov.br/?s=Boi+Pintado (acesso em 05.06.2018, às 17h33)
Figura 9 – Mapa dos locais visitados neste trabalho (elaborado por Luíza Nunes)

Os momentos da apresentação, trajeto, alimentação e até descontração foram


observados, possibilitando o entendimento e descrição dos processos de ensino e, onde vários
brincadores do Boi Pintado puderam escrever comigo este trabalho. As conversas ocorreram
principalmente na casa de Grimário Filho, na Chã do Esconso, em Aliança – Pernambuco e no
trajeto entre Olinda e Zona da Mata. As anotações do caderno de campo foram realizadas
principalmente nos trajetos de ônibus, entre a Chã do Esconso e os outros distritos de Aliança,
momento o qual todos tocavam e cantavam diferentemente das apresentações, onde cada um
cumpria uma função pré-estabelecida. O caderno de campo não era especificamente um
caderno, mas um celular pessoal no qual escrevia sempre que podia, seja durante ou após as
apresentações. Foi necessária disciplina para usar esse meio de coleta de dados, tendo em
vista a participação como violeiro e pesquisador. As fotos eram minha maior preocupação,
não havia possibilidade de tirar fotos durante a performance, pois sempre estava tocando.
Contou-se com a sorte em encontrar algumas pessoas que tiraram fotos durantes essas
performances e as disponibilizaram para esse trabalho, essa autorização foi oficializada por
documento de Autorização de Uso de Fotografias (Apêndice A)
A forma de entrevista escolhida para esta monografia foi a semiestruturada ou
semidiretiva onde as perguntas abertas podem ser aplicadas “de forma flexível conforme o
desenvolvimento da interação” (PENNA, 2015, p. 137), estas perguntas estão disponíveis no
apêndice B deste trabalho. As entrevistas “são interpretativas e permite observação de
posturas corporais e expressões faciais do entrevistado” (PENNA, 2015, p. 136), com isso
conseguiu-se tirar algumas dúvidas sobre o processo de ensino de música, além de questões
estruturais do brinquedo, que são importantes para esse trabalho, mas que passam
despercebidas mesmo por olhares muito atentos. A entrevista foi realizada somente com o
Mestre Grimário, mesmo havendo outros brincadores experientes no grupo, que também
exercem o ensino. Não foi possível realizar outras entrevistas por falta de recursos financeiros
e de tempo, pois a maioria dos brincadores mora em outras cidades. Somente esta entrevista
foi satisfatória, pois “[...]os mestres que mantém o nome do grupo, e ensinam os
procedimentos aos brincantes sobre como agir em cada ambiente em que se encontram[...]”
(BRANDÃO, 1983, p. 33). É o mestre quem define como as coisas vão acontecer, a partir da
linha que ele aprendeu, pois ele é o mestre e o dono do brinquedo. A entrevista foi realizada,
após observações, no dia 29 de março de 2018, por volta das 10h, na casa de Grimário, no
bairro Cidade Tabajara em Olinda, Pernambuco. Em seguida a entrevista foi transcrita e
analisada, abordando os seguintes temas: locais onde ocorrem os ensinos; concepção do
ensino de música; características do ensino no brinquedo. Antes da entrevista foi conversado
sobre o que seria perguntado. Ele se mostrou favorável ao diálogo, pois já tinha conhecimento
a respeito da pesquisa em curso. O início da entrevista foi um pouco incomodo, pois havia
uma câmera de vídeo gravando o mestre, mas logo foi possível esquecê-la e desenvolver um
diálogo fluido. Além dessa entrevista, outra forma de diálogo estabelecido foi por meio de
aplicativo de mensagem instantânea. Por meio deste foi possível se comunicar principalmente
com o mestre Grimário diversas vezes, sanando dúvidas que surgiram, principalmente durante
a escrita desta monografia.
A análise dos dados será apresentada no quarto capítulo desta monografia, dividida em
quatro partes: os saberes, principalmente os musicais, que são ensinados no Cavalo-Marinho
Boi Pintado; a organização social do grupo; situações em que ocorrem a transmissão;
processos e características de transmissão no grupo. Na primeira parte, são apresentados os
instrumentos utilizados no folguedo, dissertando-se sobre suas características e funções de
forma detalhada, também se apresenta as características das partes vocais, cantadas ou não,
que foram observadas na pesquisa, além de algumas características das danças. Para alguns
exemplos musicais foram utilizadas a escrita musical, que por ser limitada não exprime por
completo nuances rítmicas e afinações precisas utilizadas no Cavalo-Marinho. Nesta parte
também é feito um apanhado geral sobre outros saberes, não propriamente sonoros, mas
indissociáveis. Na segunda parte, na qual se trata sobre a organização social do grupo,
discute-se sobre cada função existente no brinquedo e indica-se quem cumpre cada função.
Isso foi necessário para identificar quem conhece mais sobre a brincadeira e que
consequentemente ensina mais. Na sequência, foram identificadas diversas situações onde
ocorre transmissão, principalmente nos momentos onde ocorre a prática musical em conjunto,
sendo a brincadeira o momento mais importante. Alguns princípios ordenadores da
transmissão dos saberes musicais foram identificados neste trabalho, são eles: observação,
imitação gestual e auditiva, repetição, recriação e corporalidade. Cada princípio desses está
quase sempre interligado a outras e cada um possui características por vezes distintas, por
vezes similares. A coleta e análise de dados foram realizadas partindo de alguns pressupostos
éticos que serão apresentados a seguir.

4.2 Ética na pesquisa


Minha posição como pesquisador-brincador, bem como a participação de outros
pesquisadores-brincadores do Cavalo-Marinho Boi Pintado, com suas escritas, mesmo que de
forma verbal, a quem eu atribuo a autoria deste texto, trouxe uma perspectiva global dos
processos de ensino de música no brinquedo. Mesmo com a prática de pesquisa participativa e
da minha posição como violeiro do grupo, alguns procedimentos éticos foram executados para
a escrita desta pesquisa.
Seguindo Queiroz (2013), “a ética deve estar no cerne das pesquisas e da produção
científica em todas as áreas do conhecimento, sobretudo aquelas que, como a música, se atêm
a estudos que envolvem pessoas, de forma direta ou não.”. O autor define ética como “o
conjunto de princípios norteadores para a ação, convivência e atuação na sociedade, lidando
de forma cuidadosa com os limites humanos (individuais e coletivos), naturais e culturais, que
marcam a nossa trajetória como ser.”(QUEIROZ, 2013, p. 8).
O primeiro princípio ético deste trabalho, e básico, foi a utilização e indicação das
referências dos textos que não foram escritos por mim, ou que foram escritos, mas seguindo
pensamentos de outro autor. Antes do início desta pesquisa aconteceu uma conversa com o
Mestre Grimário, líder do grupo pesquisado, momento em que foi explicitado o intuito da
mesma, garantindo a propriedade intelectual dos saberes observados, onde aconteceu a
autorização verbal para realização deste trabalho. Esta autorização foi ratificada através de
assinatura, por Mestre Grimário, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice
B). As autorizações das fotos utilizadas neste trabalho também estão presentes no apêndice.
O trabalho de pesquisa pôde ser feito sem alterar o ritmo e o planejamento do grupo.
Todas as conversas sobre a pesquisa aconteceram em momentos de descontração que não
atrapalharam a performance do grupo. A entrevista também ocorreu em período posterior ao
das apresentações, em visita a casa de José Grimário, que me recebeu como amigo em sua
residência. Questões sobre termos utilizados neste trabalho e informações divergentes na
literatura sobre o Cavalo-Marinho foram sanadas diretamente com o Mestre, que esteve
sempre disponível e interessado nesta pesquisa. Por fim, também constitui um procedimento
ético desta pesquisa, o convite para participação da defesa desse trabalho e a entrega do texto
final.
5. EDUCAÇÃO MUSICAL NO CAVALO-MARINHO BOI PINTADO

Nas apresentações do brinquedo as interações sociais e as práticas musicais estão mais


visíveis, sendo a situação em que o ensino é mais bem percebido. Como foi apresentado
anteriormente, existem dois contextos onde as performances acontecem, os contextos rurais e
urbanos, com duração variada. O processo de transmissão também está relacionado à
organização social do grupo da brincadeira, onde o mestre é a figura central que coordena
toda a performance. No caso do Cavalo-Marinho Boi Pintado, o mestre também é o dono do
brinquedo, é ele que faz contratos para brincadeiras, é dono das indumentárias e das armações
dos animais, além de ser o idealizador de toda a parte estética das fantasias.
Com esta constatação, buscou-se elucidar neste capítulo o que é ensinado no Cavalo-
Marinho Boi Pintado, a organização social do grupo, as características atuais de transmissão,
situações e locais de transmissão, além das características das práticas de ensino de música.

5.1 O que se ensina


Para uma brincadeira de Cavalo-Marinho acontecer são necessários vários objetos – os
quais quase todos são feitos participantes do brinquedo –, além de habilidades diversas, como
dança, música, canto e bordado. Todos esses saberes e fazeres são transmitidos ou
compartilhados entre os integrantes do folguedo (ver INRC-Cavalo-Marinho, 2014, p. 59). O
mestre borda o peitoral dos galantes, sua esposa costura as roupas, o toadeiro é também
luthier de rabeca, um vizinho trabalha no matadouro (açougue, abatedouro) e fornece o couro
das máscaras e a bexiga do Mateu, o qual trata a bexiga e deixa ela pronta para as
apresentações, dentre várias outras associações, formando uma grande rede de transmissão de
conhecimento e produção de bens culturais. Dentre esses saberes e fazeres observados no
Cavalo-Marinho Boi Pintado, os saberes musicais serão abordados com mais ênfase neste
trabalho e serão explicitados a seguir.
A formação oficial do banco10 do Cavalo-Marinho Boi Pintado, registrado durante a
pesquisa de campo, é constituido por mim, tocando viola, Nylber da Silva na rabeca, Leandro
Silva como toadeiro, Miguel Santos e Eude como bagistas e Biu do Coco tocando mineiro.

Para outras informações sobre o banco ver Alcântara (2014, p. 53); INRC – Cavalo-Marinho (2014, p. 103);
10

Murphy (2008, p. 61)


Figura 10 -Viola de 10 cordas, fabricada por Rodrigo Figura 11 -Rabeca, fabricada por Zé de Nininha. (foto:
Veras. (foto: Autor.) Autor.)

Figura 12 - Mineiro ou Ganzá. (foto: Autor.)

Figura 13 - Bage, fabricada por Mestre Grimário. Figura 14 - Pandeiro. (foto: Autor.)
(foto: Autor.)

Durante esta pesquisa, no dia 25 de dezembro de 2017, no 23º Encontro Nacional de


Cavalo-Marinho na Casa da Rabeca, em Olinda - PE, Biu do Coco foi substituído por Zé
Mário, que é capitão do Cavalo-Marinho Boi Brasileiro que não brincou nesse dia. No dia 6
de janeiro, na festa de Reis, também na Casa da Rabeca, Eude foi substituído por Fernando.
Essas presenças e ausências de brincantes são comuns em todos os grupos, constatando a
afirmação presente no primeiro capítulo, de que a brincadeira é fluida, dinâmica, volátil, e por
seu caráter de oralidade, permite a improvisação (MARINHO, 1983, p. 31).
O gênero musical11 e o ritmo característico do Cavalo-Marinho, segundo os
brincadores, é o baião. A música é constituída por partes vocais e instrumentais, normalmente
chamadas de toadas e baianos, respectivamente. A célula rítmica do baião é a que mais se faz
presente no brinquedo, principalmente na viola, pandeiro, bexiga e passos de dança (ver
ALCÂNTARA, 2014, p. 76).

Transcrição 1 – Ritmo do baião. (fonte: Autor.)

O pandeiro, talvez o principal instrumento, junto à rabeca, normalmente é tocado pelo


toadeiro, responsável por iniciar o canto das toadas e cantar as toadas corretas, nos momentos
certos. Normalmente são de pele sintética e platinelas e tarrachas de metal, ele é segurado de
forma perpendicular ao solo, com a mão esquerda, e tocada com as unhas dos dedos indicador
e médio para fazer o ritmo de baião, e polegar rufando entre as células de baião, ou depois
delas, até o próximo ciclo. Essa maneira é particular do Cavalo-Marinho e é diferente da
técnica utilizada para tocar outros ritmos como o samba, o choro e a capoeira.

Transcrição 2 – Ritmo executado no pandeiro. (fonte: Autor.)

O coco e as incelênças são outros gêneros presentes no Cavalo-Marinho. O coco,


gênero musical e dança, presente em todo nordeste, é tocado antes e depois da morte e
ressurreição do Boi, momento final da brincadeira e a primeira vez que os músicos tocam em
pé. As incelênças, normalmente de caráter religioso fúnebre, cantados em velórios e cortejos
fúnebres, aparecem na brincadeira com caráter cômico, principalmente na passagem das
figuras da Véia do Bambu e o do Veio.
A rabeca é um instrumento de corda friccionada semelhante ao violino, afinado em
quintas, normalmente tocado apoiado no peito e no antebraço, usando os dedos indicador,

11
Para outras informações sobre os gêneros musicais do Cavalo-Marinho ver Alcântara (2014, p. 72); INRC –
Cavalo-Marinho (2014, p. 98); Murphy (2008, p. 74)
médio e anelar, da mão esquerda para apertar as cordas, onde poucas vezes o dedo mínimo é
usado. Na mão direita está o arco côncavo, diferente dos convexos usados nos instrumentos
de corda de orquestra sinfônica, no arco é usado fios de nylon ou crina de cavalo untados em
breu, espécie de resina, para aderência dos fios e melhor fricção nas cordas. Normalmente o
rabequeiro toca as melodias em uníssono com a melodia cantada pela toadeiro, além de
acompanhamentos instrumentais melódicos, frequentemente tocando outros intervalos,
principalmente terças, quintas justas e oitavas justas, através da arcada em duas ou mais
cordas.
A viola toca acordes de três sons, por vezes tétrades nos acordes dominantes, bem
como melodias em terça com a rabeca (ver MURPHY, 2008, p. 121). Nas partes em que a
viola toca melodias, as cordas são dedilhadas com os dedos indicador e médio, enquanto o
polegar toca um pedal no quarto ou quinto conjunto de cordas em ritmo de baião. São evitadas
as melodias em uníssono, principalmente nas partes instrumentais, por causa do não
temperamento da rabeca.
A bage é friccionada por um bastão de madeira em suas ranhuras, tocando subdivisões
rítmicas, semelhante ao que é tocado pelo mineiro. O mineiro é um chocalho metálico com
contas internas, normalmente de semente de piriquiti, da família dos idiofones.

Transcrição 3 – Ritmo executado por bage e mineiro. (fonte: Autor.)

O baiano, repertório instrumental do brinquedo, apresenta-se sob a forma de uma


melodia rápida, formada por arpejos melódicos com variações realizadas pela rabeca e viola,
acompanhada pela base rítmica dos demais instrumentos.
Transcrição 4 – Trecho de baiano, com afinação da viola e rabeca. (fonte: Autor.)

As toadas são normalmente diferenciadas em duas: toadas de figuras, que


acompanham uma figura específica; e toada solta, que pode ser cantada a qualquer momento e
geralmente está associada a danças coletivas, aquecimento físico ou musical, bem como
preenchimento de vazios da dramaturgia. Quase todas as toadas são cantadas em esquema
responsorial, onde o toadeiro, que normalmente é o pandeirista, canta um trecho e os outros
componentes do banco respondem. Por vezes, as figuras, ou o mestre, cantam e o banco
responde.

Transcrição 5 – Trecho da toada solta “Baiano é hoje”, cantada por todos do banco. (fonte: Autor.)

Transcrição 6 – Trecho de toada de figura, chamada do Mateu, parte cantada com ele presente na roda.
(fonte: Autor.)
As danças do Cavalo-Marinho, juntamente com a música, marcam o início, o fim e os
entremeios da brincadeira, além de estarem presentes em todas as encenações e em todas as
figuras. Em quase todos os momentos, a música e a dança estão juntas. São compostas pelo
tombo do magúi (margúi, magúião, magúio), bale (baile) da galantaria, dança dos áico
(arcos), dança das figuras e roda grande (ACSELRAD, 2013, p. 131). Quase todos os passos
das danças do brinquedo têm como eixo a região pélvica e abdominal, são dançados com a
base baixa e os joelhos flexionados. Alguns brincadores afirmam que a posição do corpo na
dança é o mesmo no trabalho do corte de cana-de-açúcar. Esses passos têm como base a
célula rítmica do baião, a dança que mais explicita isso é o magúio com uma pisada percutida
com força no chão (ALCÂNTARA, 2014, p. 81).

Transcrição 7 – Ritmo da pisada do magúio comparado com o a batida do pandeiro. (fonte: Autor.)

Os textos falados podem ser improvisados, mais ou menos fixos ou fixos, rimados ou
não. Os textos rimados são conhecidos por loas, normalmente em quadras, ou em décimas,
presentes em maior quantidade no bale da galantaria. Mário de Andrade (1982a, p. 59)
explana que “As louvações recebem no Nordeste às vezes o nome antigo de Loas, mas esse
nome designa especialmente certas recitações de alguns bailados”. Algumas figuras também
falam muitas loas, e loas extensas, como a figura do Vaqueiro e do Matuto da Goma, por isso
são consideradas figuras difíceis, pois além da dança, da dramaturgia e do corpo, é necessária
uma boa memória para dizer as loas. Os textos não rimados estão presentes na maioria das
figuras, na sua interação com o público de forma improvisada e nos diálogos entre figuras,
desde o diálogo do Mateu com o Capitão, até o momento de despedida, onde o mestre saúda a
todos com vários vivas (ver ALCÂNTARA, 2014, p. 49; INRC – Cavalo-Marinho, 2014, p.
88; MURPHY, 2008, p. 82; OLIVEIRA, 2006, p. 303)
Outros saberes transmitidos são os bordados dos peitorais, confecção dos chapéus dos
galantes, dos chapéus do Mateu, confecção das máscaras, construção dos animais, bem como
enfeite e costura dos mesmos, confecção da bage e do mineiro, que inclui identificar e saber
extrair a semente do piriquiti e o caule da taboca, tratamento da bexiga, dentre outros (INRC –
Cavalo-Marinho, 2014, p. 64). A propriedade desses saberes define quem ensina e define
também a importância da pessoa ou da função que a pessoa exerce no grupo, e é isso que será
visto a seguir.

5.2 Organização social do Cavalo-Marinho Boi Pintado


A pessoa mais importante do grupo, sem dúvidas, é o Mestre Grimário. Ele, além de
ser o brincador mais experiente, é dono de toda indumentária do grupo: o uniforme do banco,
bage, mineiro, roupa (peitoral e chapéus da galantaria), máscaras, roupas e adereços das
figuras (espadas, armas, cruz, banco, chapéus, dentre outros), arcos, estrela, animais (ema,
cavalo e boi) e o elemento que define e que rege várias partes da apresentação – o apito. O
mestre tem conhecimento extenso de toda a brincadeira, da dança, das figuras e da música.
Mesmo não sabendo tocar os instrumentos de corda, ele sabe indicar o erro e o acerto dos
instrumentistas. De acordo com Brandão (1983, p. 33), “os mestres que mantém o nome do
grupo, e ensinam os procedimentos aos brincantes sobre como agir em cada ambiente em que
se encontram, não precisando necessariamente ter uma formação acadêmica para isso.”.
Também é ele quem borda os peitorais e constrói as bages e mineiros, além de ser responsável
pela concepção visual das roupas e indumentárias. É ele que também acerta contratos de
apresentações, pagamentos e é quem define o que vai ser apresentado em cada performance.
Na brincadeira ele é responsável por receber as figuras, orquestrar o início e o fim de músicas,
além de atuar como figureiro12.
Talvez a pessoa que é subsequente em grau de importância no brinquedo seja
Grimário Filho, que é contramestre e figureiro do grupo. É o primogênito do Mestre e brinca
desde criança no brinquedo. Durante a brincadeira ele atua substituindo o Mestre, quando o
mesmo vai colocar figura, além de colocar várias figuras importantes para a brincadeira, como
o Cavalo (Mestre Cavaleiro, Cavalo do Capitão Marinho). A parte burocrática, como
administração da conta no banco, emissão de notas fiscais e regularização do grupo como
pessoa jurídica, estão sob a responsabilidade dele. Também está sob sua responsabilidade o
armazenamento de toda a indumentária do grupo. Além de Mestre Grimário e Grimário Filho,
há outros figureiros no grupo, como Yaô, e figureiros menos experientes, tal como Val e
outros adolescentes, tais como Vitinho e Kaio.

Figureiro é quem bota ou coloca (encena) figuras “[...] de muito diálogo, dança ou ação, como o Soldado, o
12

Valentão ou o vaqueiro. Uma brincadeira efetiva requer a presença de ao menos um figureiro, e dois ou três são
necessários para sustentar uma brincadeira de noite inteira” (MURPHY, 2008, p. 44)
José Borba e Nal, o Mateu e Bastião, respectivamente, são de grande deferência para o
Cavalo-Marinho Boi Pintado, pois são os brincantes mais antigos do grupo, e ocupam a
mesma função desde a fundação do mesmo. Eles também têm um vasto conhecimento da
brincadeira, pois o Mateu e Bastião recebem e interagem com quase todas as figuras que
passam pela roda do Cavalo-Marinho e permanecem na roda quase continuamente. São tão
importantes quanto os figureiros, pois animam e fazem piada de tudo, executam as ordens do
Capitão e interagem com a audiência em vários momentos. “Mateus e Bastião têm ‘o papel
cerimonial duplo do palhaço, de manter a ordem e quebrá-la, à maneira do bufo italiano’”
(MURPHY, 2008, p. 44)
Pelo menos um toadeiro é também essencial. Quem cumpre essa função no grupo é
Leo que, como a maioria dos toadeiros, também é pandeirista do grupo. No grupo, Miguel é
quem substitui Leo na função, quando o mesmo não pode estar presente. Os toadeiros
precisam conhecer todo o repertório vocal de uma brincadeira completa e idealmente
improvisar entre as cenas. Quem cumpre essa função, além de conhecer o repertório, precisa
saber qual é a toada subsequente da que está cantando e precisa saber o momento certo de
cantar. Leo, além de ser toadeiro, é percussionista e luthier de rabeca.
Entre os instrumentistas, o rabequeiro ocupa o lugar de destaque; sem o rabequeiro
uma brincadeira não pode acontecer. O repertório é ainda maior para esse instrumento e é o
instrumento que mais toca, pois, além de tocar todas as melodias das toadas junto ao toadeiro,
toca o baiano, que é instrumental, e as toadas de algumas figuras que não têm
acompanhamento rítmico, como a toada da estrela. Quem ocupa a função de rabequeiro no
Cavalo-Marinho Boi Pintado é Nylber. Houve uma apresentação em que Nylber não pode
comparecer no dia 29 de julho de 2017, na Chã do Esconso, local da sede do brinquedo,
nesses dois momentos o rabequeiro Rannier Venâncio o substituiu. A viola, apesar de
dificuldade semelhante à rabeca, tanto pela técnica e repertório, não tem a mesma importância
do instrumento de corda friccionada, pois poucos brincantes que ainda estão vivos viram a
viola no brinquedo.
Os papéis de Dama e Pastorinha, bem como do Arrelequim e dos outros Galantes são
exercidos pelos menos experientes, até os brincadores que têm mais experiência, nessa ordem.
É sobre a experiência e sobre as características dos ensinos no Cavalo-Marinho Boi Pintado
que iremos tratar agora, começando pelas situações e locais em que os ensinos ocorrem.
5.3 Situações de transmissão

A sambada de Cavalo-Marinho é o apogeu de todo o trabalho realizado no grupo, e é


um dos maiores momentos de transmissão por concentrar diversos processos, os quais
veremos mais à frente. Na sambada, semelhante ao que ocorre na escola de samba estudada
por Luciana Prass (2009), “[...] não há uma separação entre situações de aprendizagem e de
performance” (PRASS, 2009, p. 101). No Inventário Nacional de Registro Cultural do
Cavalo-Marinho também é explicitado que “aprende-se brincando. Realizar a brincadeira
torna-se, portanto, o próprio veículo de transmissão, de comunicação e de continuidade da
tradição.” (INRC – Cavalo-Marinho, 2014, p. 87).
Um dos problemas diagnosticados pelo INRC – Cavalo-Marinho foi a diminuição do
tempo de brincadeira, afirmando que “o processo de transmissão de saberes, principalmente
no que diz respeito à realização da brincadeira, se faz durante o ato de brincar. A brincadeira é
o aprendizado em si. Reduzindo-se o tempo de sua duração, reduz-se o aprendizado.” (IDEM,
p. 156). Porém, apesar de existir uma forte ligação entre a prática e o aprendizado, como
afirma Queiroz (2010, p. 123), “nessas práticas, verifica-se que há uma significativa
dependência dos momentos coletivos da prática musical para a efetivação da transmissão dos
elementos sonoros e dos demais aspectos socioculturais que caracterizam a música.”. Foram
identificadas nesta pesquisa situações diversificadas de ensino e aprendizagem, conforme
também identificado por Queiroz (2010, p. 127), “As situações de aprendizagem são diversas,
podendo ser efetivadas durante os ensaios; nos intervalos, tanto do ensaio quanto das
apresentações; nas viagens, como, por exemplo, no ônibus indo para algum local de
apresentação; e durante as performances.”
Na pesquisa de campo foi constatada a importância dos momentos de comunhão do
grupo, alheios à performance, principalmente no trajeto de ônibus entre a Chã do Esconso e os
distritos em que nos apresentamos. Nesse momento, era comum o canto e toque dos
instrumentos por todos, cantando principalmente Coco, Forró, Maracatu de Baque Solto e
Cavalo-Marinho. Além de ocorrer no ônibus, a prática musical estava presente quando o
grupo se reunia em bares, antes da apresentação, atrás do palco ou local de performance. Bem
como na concentração na casa de Dona Inês, mãe de Grimário Filho, na Chã do Esconso,
onde o grupo se encontrava e jantava antes das apresentações, momento em que se afinam os
instrumentos por ser um local mais silencioso, e onde o silêncio acabava com o grupo
tocando. O Mestre Grimário (SILVA, 2018) também coloca a existência de reuniões do
grupo, ou parte do grupo, como situação de ensino.
Há uma situação de aprendizagem que acontece individualmente, no meu caso com a
viola, e em outros casos não observados, mas relatados, como o processo de estudo do
rabequeiro Nylber. Ocorre no momento de estudo individual, característico do estudo de
instrumento, e estudos de dança e de leitura e memorização de loas e toadas por alguns dos
brincantes. Talvez esse processo esteja ocorrendo por conta da diminuição do tempo das
brincadeiras e pela distância dos brincadores do mesmo grupo, inviabilizando ensaios com
mais ocorrência perto dos momentos de brincadeira onde “[...] a interação parece reforçar a
motivação de aprendizagem, levando o aprendiz a tentar reproduzir os modelos mesmo em
sua ausência [...] e a buscar outros modelos, por meio de audição fonográfica.”
(CARVALHO, 2009, p. 40). Esse estudo é tanto de técnica de instrumento, como de
repertório. Para o estudo do repertório o Mestre afirma que o CD do grupo “CD Cavalo-
Marinho Boi Pintado”13 é importante para isso: “esse meu CD mesmo tem muita gente que
está se inspirando com ele para fazer Cavalo-Marinho” (SILVA, 2018), além de outras
gravações, como os fonogramas colhidos pela Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938,
organizado por Mário de Andrade (ver MURPHY, 2008, p. 119; SANDRONI, 1999; 2008;
2014), que contêm registros de um “bumba-meu-boi” gravado em Pernambuco com viola na
formação instrumental e inúmeras toadas semelhantes as cantadas ainda hoje. Além disso, no
livro de John Murphy (2008) há um depoimento de Mestre Batista, o Mestre com quem
Grimário aprendeu Cavalo-Marinho, onde ele afirma que “[...] a viola do cavalo-marinho
tocava mais as linhas melódicas das toadas, com a rabeca” (MURPHY, 2008, p.121).
Outro momento é o da aprendizagem em família, que Arroyo (1999) chama de
“pedagogia êmica”, descrita como:

Iniciação das crianças pelos pais e outros familiares no mundo do congadeiro,


desde muito cedo; incentivo dos adultos a essa inserção; imersão dos filhos e
filhas nas ações rituais pela vestimenta, pela experiência de estar inserido em
um contexto denso de símbolos, pelo acesso aos instrumentos, apitos e
bastões: expectativas de que essas crianças dêem continuidade ao congado.
Possível observar mais: ensino e aprendizagem de música se fazem em
práticas musicais coletivas – congadeiros batendo na rua, terno dançando
congo na Festa, terno ensaiando na rua (ARROYO, 1999, p. 171).

Observa-se no Cavalo-Marinho por Alcântara (2014), na sua dissertação, a


transmissão dos saberes do brinquedo em uma família “[...] onde três gerações de brincadores
de cavalo-marinho vivem a cultura popular intensamente e mantém viva uma tradição através
do compartilhar de uma mesma experiência musical em suas dimensões materiais e

13
CAVALO-MARINHO BOI PINTADO. Cavalo-Marinho Boi Pintado. Recife, 2007
simbólicas” (ALCÂNTARA, 2014, p. 98). Algumas características e princípios foram
observados no processo de transmissão dos saberes musicais, que serão expostos a seguir.

5.4 Processos de transmissão


Os princípios ordenadores da transmissão dos saberes musicais no Cavalo-Marinho
Boi Pintado são
• Observação
• Imitação gestual e auditiva
• Repetição
• Recriação
• Corporalidade

Eles foram observados também nas dissertações de mestrado em Educação Musical


“Saberes musicais em uma escola de samba: uma etnografia entre os Bambas da Orgia”, de
Luciana Prass (1998); “Oficinas de música: uma etnografia de processos de ensino e
aprendizagem musical em bairros populares de Porto Alegre”, de Marília Stein (1998) e na
tese de doutorado em Educação Musical “Representações sociais sobre práticas de ensino e
aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de
música em Uberlândia, MG ”, de Margarete Arroyo (1999) (LUCAS et al., 1999).
Esses princípios, na maioria das vezes não se separam, estão integrados e são
acompanhados de algumas características, ou ocorrem em situações diversas, como tocar em
conjunto, que está ligado a todos os princípios, ou tocar junto a uma gravação, que está mais
ligada a imitação auditiva e repetição, além de corporalidade. Além dessas características,
temos: indicação do erro; aprender sozinho (por talento ou esforço); e a indicação de como
deve ser feito. Queiroz (2010) traz a afirmativa que “No Cavalo Marinho Infantil se aprende
música a partir de uma percepção ampla em que ver, ouvir e experimentar são atributos
essenciais para a prática musical.” (QUEIROZ, 2010, p. 127). Neste trabalho também foi
constatado esses atributos. Esses aspectos são relacionados a situações observadas durante a
pesquisa de campo e entrevista e trazidos a discussão a seguir.
Na brincadeira do Cavalo-Marinho é comum que outras pessoas que não façam parte
do grupo – mas que são amigos ou conhecidos – substituam por um breve tempo algum
componente do banco. Também é comum ver nas sambadas, principalmente as que ocorrem
na Casa da Rabeca, um banco com mais de um rabequeiro, sendo só um deles o rabequeiro
oficial do grupo. No Encontro de Cavalo-Marinho da Casa da Rabeca, no dia 25 de dezembro
de 2017 não foi diferente. Nesse dia, Biu do Coco, o mineirista do grupo, não pode ir por estar
viajando com seu grupo de Coco, quem o substituiu foi Zé Mário. Em um determinado
momento, Mariá Vilar, conhecida do grupo, assumiu o mineiro. Zé Mário a conheceu quando
criança, mas não se lembrava dela e ficou ao seu lado por um longo período. Depois de
acabada a brincadeira, me relatou o ocorrido: Zé Mário duvidou que ela conseguisse tocar o
mineiro sem errar – é necessária uma grande resistência para tocar, pois o andamento é
acelerado e algumas toadas são relativamente longas, sem a possibilidade de pausa. Ele
entregou o instrumento e disse “se errar, eu tomo”, e ficou ao lado dela. Quando começava a
cansar e iniciava o erro, ele prontamente dizia “tá errado”.14 Essa característica de transmissão
foi identificada por Lacorte e Galvão (2007), na aprendizagem de músicos populares, “Em
músicos populares, procedimentos de resolução de problemas por tentativa e erro são uma
constante durante a aprendizagem por meio da audição.” (LACORTE; GALVÃO, 2007, p.
31). Nessa situação podemos notar o aprendizado vinculado com a prática constatada por
Queiroz (2011, p. 126) sendo que, “a assimilação de conhecimentos musicais é concretizada,
fundamentalmente, a partir da prática, construída pela vivência e pela participação na
brincadeira.” Outro ponto identificado é a autonomia proporcionada por quem estava
ensinando e vivenciada por quem estava aprendendo. Essa autonomia é enfatizada no livro de
Paulo Freire (1996) como um dos saberes necessários à prática educativa, na medida em que
está “[...] fundada na ética, no respeito à dignidade e na própria autonomia do educando”
(FREIRE, 1996, p. 10). Lucy Green (2012) salienta a importância da autonomia de quem
aprende, afirmando que
Ao possibilitar uma autonomia pessoal dos alunos para explorar
autenticamente esse aspecto da autonomia musical, nós podemos abrir seus
ouvidos para a possibilidade de incutir música com uma variedade muito mais
ampla de delineações do que as crianças e jovens normalmente percebem que
estão disponíveis. Ao fazer isso, nós também disponibilizamos uma nova
riqueza de respostas não só à música, mas aos significados sociais, culturais,
políticos e ideológicos que a música carrega. (GREEN, 2012, p. 78)

A autonomia de quem aprende é explicitada em todas as situações de transmissão no


brinquedo. Simões (2017) coloca essa idéia de forma análoga a apresentada neste texto
Nas práticas de aprendizagem informal em música observamos que a
autonomia se configura como elemento chave para o aprendizado musical.
Desde as primeiras etapas do processo de aprendizagem o indivíduo realiza
seus estudos e práticas orientados por motivações pessoais e diferentes níveis
de vinculação com a música (SIMÕES, 2017, p. 3)

14
Caderno de campo, Olinda, 25.12.2017
Observamos a autonomia em outras situações, como o depoimento de Kaio José, um
dos mais jovens brincantes do Cavalo-Marinho Boi Pintado, que afirma “fui aprender por
vontade minha, me interessei e corri atrás.”15. A autônomia também é observada nas
transmissões de saberes durante os traslados entre a Chã do Esconso e os distritos de Macujê,
Tupaoca, Upatininga, Caueiras e Aliança – PE município constituído por esses distritos, nas
festas de padroeiro de cada distrito que ocorreram durante a pesquisa de campo em janeiro de
2018. Esses traslados eram sempre regados com música, quem tivesse interesse pegava um
instrumento, ou batia palma, cantava junto. A aprendizagem com a prática e a imitação foi
bastante observada nesse momento. Essa imitação ocorre junto ao imitado, ou por vezes longe
dele, em ambientes onde a prática é solitária.
No caso da aprendizagem musical, a imitação engloba uma escuta imitativa
que acompanha a observação dos gestos de maneira simultânea, trabalhando
interiormente com imagens aurais que são recursos que serão acionados sem a
presença do imitado, à medida que o imitador construiu internamente essas
referências. (PRASS, 2009, p. 151-152)

Essa imitação, quando o imitador está sozinho, acontece também com auxílio de
gravações de áudio ou de vídeo. “Daniel Gohn (2007, 2009) tem destacado a importância, as
facilidades e as possibilidades que os recursos tecnológicos e as mídias contemporâneas têm
oferecido para a consolidação de processos de ensino e aprendizagem da música” (apud
QUEIROZ, 2011, p. 145). O acesso ao celular com gravador de áudio e vídeo tem facilitado o
registro do Cavalo-Marinho, e os brincantes usam isso também com o intuito de aprender.
Comuniquei-me durante esta pesquisa com o Mestre Grimário e outros brincantes por meio de
aplicativo de mensagem instantânea por uso de internet, onde trocamos informações e onde
aprendi algumas coisas. Além do uso de aparelhos para registro, foi notado o uso de registros
feitos por outras pessoas, como o CD do grupo e as gravações da Missão de Pesquisas
Folclóricas de 1938, como já foi abordado anteriormente.
O papel de instrutor consciente, por parte do Mestre e de alguns brincantes foi
observada durante a pesquisa de campo e entrevista. Em entrevista, o Mestre cita uma reunião
com intuito de instruir dois brincantes
Eu explico a Val, explico a Vitinho, sempre eu tô lá junto deles. Fiz uma
reunião junto a eles para porque o Nêgo Titanda (figura) estava muito
agressivo. Expliquei para eles que Nêgo Titanda é uma coisa para fazer graça,
a graça do Nêgo Titanda não é para agredir o Mateu, nem o Mateu agredir
eles. A graça é o Mateu bater neles com a bixiga, com as bexigada é que o
povo vai rir, o povo não ri com eles caindo do chão. (Entrevista, Mestre
Grimário, 29 de março de 2018)

15
Caderno de Campo, Aliança, 21.01.2018
Nessa reunião, ele ensina a melhor forma de colocar figura, a forma que ele acha certo,
instruindo os brincantes. Queiroz (2010, p. 127) afirma que “o mestre nesse contexto ocupa
lugar de destaque, tendo em vista que, além de ser o detentor do conhecimento, é a autoridade
que tem a função de organizar e definir os caminhos para a performance do grupo”. No dia 14
de janeiro de 2018, o Boi Pintado tocou no distrito de Macujê, em Aliança – PE. Tocamos em
um palco, onde todos os instrumentos foram eletrificados e durante um momento da
apresentação Léo, que é o toadeiro e pandeirista, pediu para que eu não tocasse a melodia em
uníssono com a rabeca, como eu vinha fazendo, principalmente nos momentos em que ele não
cantava.16 A melodia em uníssono da viola que é temperada, com a rabeca que não é
temperada causa eventuais desafinações. Léo me instruiu nesse momento, enquanto
tocávamos juntos, pois percebeu um erro e indicou a melhor forma de fazer para evitar o erro.

Finalmente, pudemos verificar que a imitação e a experimentação constituem


os principais processos utilizados para a formação musical, sendo fatores
determinantes para conhecer, explorar, praticar e se habilitar na prática
musical, descobrindo as ferramentas necessárias para a participação adequada
no mundo da música desse festejo. (QUEIROZ, 2010, p. 127)

Os processos de transmissão dos saberes musicais no Cavalo-Marinho não estão


desvinculados das transmissões de outros saberes e da cosmovisão dos brincantes. “No
Cavalo Marinho, o entendimento do que se ensina e do que se aprende musicalmente não
pode ser desvinculado do entendimento geral dos diversos elementos que estabelecem as
bases do conhecimento cultural a ser transmitido” (QUEIROZ, 2010, p. 128). Murphy (2008),
Acselrad (2013) e Mestre Grimário (SILVA, 2018), afirmam que a brincadeira retrata de
alguma forma a vida dos brincadores, sendo necessário o entendimento de todos os elementos
da brincadeira e da vida dos brincadores para ela poder acontecer.

16
Caderno de campo, Aliança, 14.01.2018
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresenta-se aqui aspectos constitutivos da educação musical no Cavalo-Marinho Boi


Pintado do município de Aliança – PE com o intuito de compreender as características do
processo de transmissão dos saberes musicais. Esse texto foi escrito de forma colaborativa,
onde o Mestre Grimário teve papel fundamental na construção e a quem atribuo à autoria,
junto a mim.
Um dos intuitos deste trabalho é destacar a importância das manifestações de tradição
oral como lugar de transmissão de saberes, e como tal, a necessidade do reconhecimento e
incentivo. Essa perspectiva para manutenção da transmissão é um dos pontos presentes nas
recomendações de salvaguarda do Cavalo-Marinho, presente no dossiê de registro do
brinquedo (INRC – Cavalo-Marinho, 2014, p. 156). Este é o primeiro trabalho que versa
exclusivamente sobre a transmissão de saberes musicais no Cavalo-Marinho.
A brincadeira é o momento mais importante no processo de transmissão de saberes,
mas identificamos nesta pesquisa outras situações e formas de transmissão que vão além do
instante da performance. Constata-se que o aprendizado não diminuiu de forma ameaçadora a
continuidade do brinquedo com a redução do tempo de duração da brincadeira. Para
minimizar os efeitos do encurtamento das performances, novas estratégias e formas de
transmissão foram desenvolvidas ou aperfeiçoadas.
Para identificar as características das práticas de ensino do folguedo foi necessário
desvelar: 1) o que se ensina, principalmente os saberes musicais transmitidos; 2) a
organização social do grupo estudado, para identificar as funções dos atores sociais no
processo de transmissão; 3) as situações de transmissão; 4) e os processos de transmissão.
Os saberes musicais identificados foram: execução dos instrumentos de corda, que são
a viola e a rabeca; e dos instrumentos de percussão – pandeiro, bage, mineiro e bexiga;
execução dos baianos; canto das toadas soltas e de figuras; execução do baião de Cavalo-
Marinho, além dos cocos e incelênças; e as danças do maguio, bale da galantaria, dança dos
áico, dança das figuras e roda grande. Outros saberes constatados foram as loas, as confecções
dos adereços das figuras e a confecção de instrumentos musicais.
Sobre a organização social do grupo, entende-se que Grimário ocupa a posição mais
importante no grupo, por ser Mestre e dono do brinquedo. Ele é a pessoa que detêm o
conhecimento do brinquedo e quem define o formato de cada apresentação, além de ser o
responsável por articular contratações. Foi observado que, mesmo José Borba, o Mateu do
grupo, que possui tanto conhecimento quanto José Grimário, não é tão procurado pelos
brincadores quanto o último. Outras funções têm importâncias equivalentes, como o toadeiro,
rabequeiro, Mateu, Bastião e Figureiros, porém há distinção de importância de quem as
ocupa, por questões de tempo e experiência no brinquedo.
As situações de transmissão são diversificadas e ocorrem antes, durante e depois da
brincadeira, porém o momento da brincadeira é o mais importante. Observam-se ensinos e
aprendizagem nos trajetos e nas concentrações para as performances, na aprendizagem em
família e nas aprendizagens individuais, a partir de estudos de materiais escritos ou gravados.
O processo de transmissão está pautado no fazer, tanto coletivo, como individual,
tendo como princípios a observação; imitação gestual e auditiva; repetição; recriação;
corporalidade. Além desses princípios, as características desveladas neste trabalho são:
autonomia de quem aprende; fazer musical coletivo e individual; indicação do erro para busca
do acerto; demonstração da maneira correta do fazer. O processo de transmissão de saberes
musicais está ligado à transmissão de outros saberes e da cosmovisão dos brincadores, sendo
estas características identificadas também em trabalhos de outros autores (ARROYO, 1999;
PRASS 2004).
Estas são as características do ensino de música constatadas no Cavalo-Marinho Boi
Pintado, grupo que tenho alegria e honra de fazer parte. É perceptível que, para esse grupo, o
Cavalo-Marinho se configura como prática de vida, sendo elemento basal para construção
cultural e identitária de cada brincador. Entender e valorizar os processos de transmissão de
saber em grupos de tradição oral, além de reconhecer nessas manifestações seus espaços
educativos, contribuem para a formação docente, para propostas de metodologias inovadoras
e para a consciência da necessidade de um novo formato de ensino e aprendizagem escolar.
“Aplicações de metodologias de ensino de música baseadas no processo de transmissão do
Cavalo-Marinho” e “Aplicabilidade da LEI 13.278/2016 – concepções metodológicas de
ensino de artes a partir do Cavalo-Marinho” são algumas possíveis questões para novas
investigações no campo da educação musical.
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
APÊNDICE A

AUTORIZAÇÃO DE USO DE FOTOGRAFIAS

Eu_________________________________,CPF____________, RG_______________,

Declaro para os devidos fins, que cedo ao pesquisador Igor Cavalcante de Sá


(residente e domiciliado na Rua XXXXXXXXX, igorcavalcante-@hotmail.com), o acesso
aos arquivos de fotografias para serem utilizados na pesquisa: Da toada ao samba – Ensino de
música no cavalo marinho Boi Pintado de Aliança-PE, que está sob a orientação da Profa.
Cristiane Almeida.
Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos/imagens para fins científicos e de
estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor do pesquisador da pesquisa, acima
especificados, havendo a identificação da autoria da imagem.

________________, em _____/ ________/ __________..

______________________________________________________________
Nome/assinatura do autor da fotografia
APÊNDICE B

Roteiro de entrevista com Mestre Grimário

1) Acontece o ensino no brinquedo?


2) Como esse ensino acontece?
3) Em que momentos acontecem esse ensino?
4) Além do senhor, quem mais ensina?
5) Os brincadores procuram o senhor para tirar dúvidas?
6) Como é o ensino das toadas?
7) Como é o ensino das figuras e das loas?
8) Como é o ensino da confecção das roupas dos galantes?
9) Confecção de instrumentos?
10) Além das oficinas que o senhor ministra, onde acontece o ensino?
APÊNDICE C

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO


CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÕES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


(PARA MAIORES DE 18 ANOS OU EMANCIPADOS)

Convidamos o Sr. José Grimário da Silva para participar como voluntário da pesquisa
Da toada ao samba – Ensino de música no cavalo marinho Boi Pintado de Aliança-PE, que
está sob a responsabilidade do pesquisador Igor Cavalcante de Sá, (residente e domiciliado na
Rua XXXXXXXX, igorcavalcante-@hotmail.com), sob a orientação da professora Cristiane
Almeida. Todas as suas dúvidas podem ser esclarecidas com o responsável por esta pesquisa.
Apenas quando todos os esclarecimentos forem dados e você concorde com a realização do
estudo, pedimos que rubrique as folhas e assine ao final deste documento, que está em duas
vias. Uma via lhe será entregue e a outra ficará com o pesquisador responsável.

Você estará livre para decidir participar ou recusar-se. Caso não aceite participar, não
haverá nenhum problema, desistir é um direito seu, bem como será possível retirar o
consentimento em qualquer fase da pesquisa, também sem nenhuma penalidade.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

➢ A pesquisa tem como objetivo compreender as práticas de ensinos utilizadas no


Cavalo-marinho Boi Pintado de Aliança-PE. Para isso será desenvolvida observações
participante e entrevista.

➢ Esta pesquisa será realizada entre dezembro de 2017 e maio de 2018, realizando
observações participantes e entrevista.
➢ A pesquisa não gerará riscos ao Mestre, ao cavalo-marinho, ou as pessoas
envolvidas, respeitando os seus interesses e a propriedade intelectual. Em caso de
despesas ou algum dano material, o custo será ressarcido pelo pesquisador.
➢ Mediante a conclusão do trabalho, será entregue uma cópia do texto final como
contrapartida da pesquisa.

Solicitamos a permissão de citar também o seu nome, bem como os nomes dos
brincantes do Cavalo-Marinho Boi Pintado, como forma de reconhecimento e prestígio às
suas colaborações no desenvolvimento dessa investigação. Desta forma as informações desta
pesquisa poderão ser divulgadas em eventos ou publicações científicas, havendo a sua
identificação, e entre os responsáveis pelo estudo, sendo assegurado o respeito a sua imagem
e a sua propriedade intelectual. Os dados coletados nesta pesquisa ficarão armazenados em
computador pessoal sob a responsabilidade do pesquisador no endereço acima informado pelo
período de mínimo 5 anos.

Nada lhe será pago e nem será cobrado para participar desta pesquisa, pois a aceitação
é voluntária, mas fica também garantida a indenização em casos de danos, comprovadamente
decorrentes da participação na pesquisa, conforme decisão judicial ou extra-judicial. Se
houver necessidade, as despesas para a sua participação serão assumidas pelos pesquisadores
(ressarcimento de transporte e alimentação).

Em caso de dúvidas relacionadas aos aspectos éticos deste estudo, você poderá
consultar o Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da UFPE no endereço:
(Avenida da Engenharia s/n – 1º Andar, sala 4 - Cidade Universitária, Recife-PE, CEP:
50740-600, Tel.: (81) 2126.8588 – e-mail: cepccs@ufpe.br).

___________________________________________________

(assinatura do pesquisador)
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO VOLUNTÁRIO

Eu, _____________________________________, CPF _________________, abaixo


assinado, após a leitura (ou a escuta da leitura) deste documento e de ter tido a oportunidade
de conversar e ter esclarecido as minhas dúvidas com o pesquisador responsável, concordo
em participar do estudo pesquisa “Da toada ao samba – práticas de ensino de música no
cavalo marinho Boi Pintado de Aliança-PE” como voluntário. Fui devidamente informado e
esclarecido pelo pesquisador sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como
os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que
posso retirar o meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer
penalidade

Local e data __________________

Assinatura do participante: __________________________

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa

e o aceite do voluntário em participar. (02 testemunhas não ligadas à equipe de


pesquisadores):

Nome: Nome:

Assinatura: Assinatura:

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