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"A" propôs acção com processo ordinário contra a Ré "B" pedindo a condenação desta a
pagar-lhe a quantia de 21245541 escudos e o que se vier a liquidar em execução de sentença,
tudo a título indemnizatório.
Alega, em suma, que outorgou com a Ré um contrato de concessão comercial, em regime de
exclusividade, que a Ré resolveu ilicitamente e que lhe provocou prejuízos do montante agora
peticionado.
Contestou a Ré; e na sequência da tramitação processual normal foi proferida sentença que,
julgando o pedido parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de
14881351 escudos e 50 centavos.
Inconformada, recorreu a Ré, tendo a apelação sido julgada parcialmente procedente,
condenando-se a final a Ré a pagar à A. a quantia de 9114370 escudos devendo, contudo, esta
restituir àquela o material em stock avaliado em 3120085 escudos.
Recorre, agora, de revista a A. que conclui as suas alegações da forma seguinte:
1.) o fax de fls. 20 dos autos consubstancia uma resolução contratual pela Ré e não uma
denúncia contratual como foi decidido pelo Tribunal da Relação;
2.) aliás, isso mesmo se vê do facto de, à data do fax, já ter sido nomeado outro concessionário
para a zona de Setúbal, porquanto, estando estipulado o regime da exclusividade, era
impensável uma denúncia contratual que pressupusesse a existência de dois concessionários
em simultâneo;
3.) daí que a indemnização pela resolução ilícita esteja sujeita às regras dos arts. 798 e 564 do
C. Civil;
4.) os danos emergentes sofridos pelo A. ascendem a 9103272 escudos e 50 centavos; os lucros
cessantes a 6364351 escudos; e a perda de clientela deve ser fixada em 5000000 escudos.
Pede, assim, o provimento do recurso nos termos referidos.
Contra-alegou a Ré defendendo a bondade da decisão.
Dá-se por reproduzida a matéria de facto constante do acórdão recorrido nos termos dos
arts. 713 n. 6 e 726 do C.P.C.
1. Está basicamente em questão saber neste recurso se - face ao contrato outorgado entre as
partes - a Ré o resolveu ou o denunciou e, na sequência disso mesmo, qual a indemnização a
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01/07/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
A resolução ocorre nos contratos bilaterais quando uma das partes o não cumpre,
justificando-se, assim, que a contraparte o rompa (art. 432 do C. Civil) ou quando há uma
alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações (art. 437 do C.
Civil que traz uma nova visão da antiga teoria da imprevisão elaborada na sequência das
profundas mutações sócio-económicas ocorridas após a guerra de 1914-1918).
A resolução é, por conseguinte, motivada, com efeitos imediatos e retroactivos e sem
dependência ou observância de qualquer prazo contratual.
O diploma que regula a representação comercial (aplicável à concessão comercial como se
disse e conforme o sublinham as decisões das instâncias) corporiza esses dois factores de lei
geral que legitimam a resolução do contrato: o n. 1 do art. 30 corresponde ao incumprimento
culposo, o n. 2 é uma variante da alteração da base negocial que o art. 437 do C. Civil regula.
O caso dos autos enquadra-se numa evidente resolução contratual não motivada.
A Ré resolveu o contrato imputado à Autora um incumprimento culposo que, na sua óptica,
justificava a declaração resolutiva; simplesmente provou-se que não houve incumprimento
culposo da Autora, facto esse que veio tornar ilícita a resolução contratual operada pela Ré.
É certo que este tinha à sua disposição um outro meio de extinguir o negócio: a denúncia com
pré-aviso. Mas não foi esse o caminho por si escolhido: a Ré optou por um instituto jurídico
diferente que, afinal, não tinha factos concretos que o legitimassem.
3. A denúncia do contrato de agência não dá em regra direito a indemnização porque,
consoante se viu, trata-se de facto lícito. Aliás, neste tipo contratual a denúncia pressupõe a
existência de um negócio sem prazo já que, havendo prazo, o decurso deste faz eclodir outro
factor de extinção contratual (a caducidade).
Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não
cumprimento dos requisitos do pré-aviso (art. 29). Ou seja, na denúncia não se indemniza
porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão-só porque não pré-avisou a
contraparte a tempo.
Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude do pré-aviso e não
com a denúncia em si.
Na resolução, a fixação do direito indemnizatório faz-se de modo diverso.
Se o contraente resolve o contrato motivadamente porque a outra parte o incumpriu, tem
direito à indemnização "nos termos gerais pelos danos resultantes do não cumprimento" (art.
32 n. 1); se a resolução advém da alteração da base negocial, a indemnização computa-se
segundo regras de equidade.
Mas o que aconteceu no caso vertente foi algo de diferente.
A Ré resolveu o contrato sem motivo, praticando com isso um ilícito civil que atingiu a
posição contratual da outra parte (a Autora).
Daí que a Autora tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma
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01/07/2019 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
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