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28/11/2018 Plekhanov: Os Princípios Fundamentais do Marxismo

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Os Princípios Fundamentais do Marxismo

G. V. Plekhanov

O marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas palavras, é o


materialismo contemporâneo que representa o mais alto grau daquela concepção
do mundo, cujas bases foram lançadas, na velha Hélade, por Demócrito, assim
como pelos pensadores jônios, seus precursores. O chamado hilozoísmo não é,
pois, outra coisa que um materialismo ingênuo. O mérito principal de ter
recuperado e formulado os princípios fundamentais do materialismo moderno
pertence incontestavelmente a Karl Marx e a seu amigo Friedrich Engels. Os
aspectos histórico e econômico dessa concepção do mundo, a qual se designa
comumente por materialismo histórico, assim como o conjunto, a ele ligado, das
concepções sobre os problemas, o método e as categorias da economia política,
sobre o desenvolvimento econômico da sociedade e, muito particularmente da
sociedade capitalista, são quase que exclusivamente a obra de Marx e Engels. A
contribuição de seus predecessores, neste domínio, deve ser considerada como
um trabalho preparatório. Materiais, às vezes abundantes e preciosos, haviam
sido reunidos mas não sistematizados nem elucidados do ponto de vista de um
pensamento geral e, portanto, não puderam ser apreciados nem utilizados como
deviam. O que fizeram, neste domínio, os adeptos de Marx e Engels na Europa e
na América, foi o estudo mais ou menos feliz de problemas particulares, algumas
vezes, é verdade, da maior importância. Daí entender-se geralmente por
"marxismo" apenas os dois aspectos acima mencionados da atual concepção
materialista do mundo, e isto não apenas no que se refere ao "grande público",
que ainda não está educado para a compreensão profunda das doutrinas
filosóficas, mas também entre aqueles que se consideram os discípulos fiéis de
Marx e Engels, tanto na Rússia como no resto do mundo civilizado. Esses dois
aspectos são considerados algo completamente independente do "materialismo
filosófico" e quase mesmo seus opostos. Mas como eles, arbitrariamente
desligados do conjunto das concepções que lhe são aparentadas e formam sua
base teórica, não podem ficar suspensos no ar, aqueles que os separaram
sentem naturalmente a necessidade de "reembasar o marxismo", acoplando-o -
e ainda desta vez arbitrariamente e, com muita freqüência, sob o domínio das
correntes filosóficas predominantes entre os ideólogos da burguesia - a este ou
àquele filósofo: Kant, Mach, Avenarius, Ostwald e, nos últimos tempos, a Joseph
Dietzgen. É verdade que as concepções filosóficas de J. Dietzgen se formaram
independentemente das influências burguesas, pois são, numa medida notável,
aparentadas às de Marx e Engels. Mas as concepções filosóficas destes últimos
têm um conteúdo incomparavelmente mais ordenado e mais rico e, já por esta
única razão, não podem ser completadas mas, no máximo, até certo ponto
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popularizadas com a ajuda da doutrina de Dietzgen. Até agora não se tentou


"completar Marx" com São Tomás de Aquino. Entretanto, não é nada impossível
que, apesar da recente encíclica papal contra os modernistas, o mundo católico
produza um pensador capaz desta proeza teórica.

Freqüentemente pleiteia-se a necessidade de "completar" o marxismo com


tal ou qual filosofia, alegando que em lugar algum Marx e Engels expuseram
suas concepções filosóficas. Mas tal alegação é pouco convincente, e mesmo se
fosse fundamentada, não seria razão para substituir as concepções filosóficas de
Marx e Engels pelas do primeiro pensador que surge e que freqüentemente se
coloca sob um ponto de vista totalmente diferente. É necessário lembrar que
dispomos de dados suficientes para ter uma idéia justa das concepções
filosóficas de Marx e Engels. [1]

Estas concepções, em seu aspecto definitivo, foram expostas de maneira


suficientemente completa, se bem que polêmica, na primeira parte do livro de
Engels: "Herrn Eugen Dürings Umwälzung der Wissenschaft (Anti-Dühring)" (da
qual existem várias traduções russas). Na notável brochura do mesmo autor:
"Ludwig Feuerbach und der Ausgang der Klassischen deutschen Philosophie"
(brochura por nós traduzida ao russo e munida de um prefácio e notas
explicativas), as concepções que constituem a base filosófica do marxismo são
então expostas de forma positiva. Uma caracterização breve, mas brilhante,
destas mesmas concepções, em suas relações com o agnosticismo, foi formulada
por Engels no prefácio à tradução inglesa da brochura "Socialismo Utópico e
Socialismo Científico". No que concerne a Marx, é oportuno salientar, como de
grande importância para a compreensão do aspecto filosófico de sua doutrina,
inicialmente a caracterização da dialética materialista feita por ele mesmo, em
oposição à dialética idealista de Hegel, no prefácio da segunda edição do
primeiro tomo do "Capital"; em seguida, as numerosas observações detalhadas,
consignadas de passagem, no mesmo tomo, no decorrer da exposição. Algumas
páginas da "Miséria da Filosofia" são igualmente, sob certos aspectos, da maior
importância. Por último, o processus da evolução das idéias filosóficas de Marx e
Engels se destaca com uma clareza suficiente de seus primeiros escritos,
publicados recentemente por F. Mehring sob o título: "Aus dem literarischen
Nachlass von Karl Marx, Friedrich Engels und Ferdinand Lassalle", Stuttgart
1902.

Em sua tese de doutorado intitulada "Differenz der Demokritischen und


Epikureischen Naturphilosophie", assim como em certos artigos reproduzidos por
Mehring no primeiro tomo da edição recém-citada, o jovem Marx ainda aparece
como o idealista puro-sangue da escola hegeliana. Mas nos artigos publicados
inicialmente no "Deutsch-Französische Jahrbücher" e inseridos agora no mesmo
primeiro tomo, Marx, e com ele Engels, que igualmente colaborou no Jahrbücher,
já se coloca firmemente sob o ponto de vista do humanismo de Feuerbach. Na
obra intitulada "Die Heilige Familie, oder Kritk der kritischen Kritik" (A Sagrada

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Família ou Crítica da Crítica Crítica), publicada em 1845 e reproduzida no


segundo tomo da edição de Mehring, os dois autores, isto é, Marx e Engels,
realizaram alguns progressos importantes no que concerne ao desenvolvimento
da filosofia de Feuerbach. A direção na qual empreenderam este trabalho é
visível nas onze "Teses sobre Feuerbach", que Marx redigira na primavera de
1845 e que Engels publicou no anexo à brochura Ludwig Feuerbach, que
mencionamos acima.

Em suma, não são, no caso, os materiais que faltam; é apenas necessário


saber servir-se deles, ou seja, estar preparado para compreendê-los. Mas os
leitores atuais não estão preparados para isto e logo não sabem deles se servir.

E por quê? Por múltiplas razões. Uma das mais importantes é que
atualmente se conhece muito mal não só a filosofia hegeliana, sem a qual é difícil
assimilar o método de Marx, mas também a história do materialismo, sem a qual
não é possível ter uma idéia clara da doutrina de Feuerbach, que foi, em filosofia,
o predecessor imediato de Marx, e que forneceu, em considerável medida, a
base filosófica da concepção de mundo de Marx e Engels.

O "humanismo" de Feuerbach é freqüentemente apresentado como algo


bastante confuso e indeterminado. F. A. Lange, que muito contribuiu para
divulgar, junto ao "grande público" e ao mundo erudito, uma idéia
completamente falsa da essência do materialismo e de sua história, recusa-se
totalmente a reconhecer o "humanismo" de Feuerbach como uma doutrina
materialista. O exemplo de F. A. Lange foi seguido pela quase totalidade
daqueles que escreveram sobre Feuerbach, tanto na Rússia como no estrangeiro.
P. A. Berline, que descreve o humanismo de Feuerbach como um materialismo
não "puro", [2] também não pôde, visivelmente, subtrair-se à influência de
Lange. Confessamos não ver muito claramente o que pensa sobre esta questão
Fr. Mehring, o melhor e talvez único conhecedor de filosofia entre os social-
democratas alemães. Em contrapartida, está perfeitamente claro para nós que
Marx e Engels viam em Feuerbach um materialista. É certo que Engels chama a
atenção para a inconseqüência de Feuerbach. Mas isso não o impede,
absolutamente, de reconhecer os princípios fundamentais de sua filosofia como
puramente materialistas. E não pode ser de outra forma para quem quer que se
dê ao trabalho de estudar a fundo a doutrina de Feuerbach.

II

Dizendo isso, compreendemos perfeitamente que corremos o risco de


surpreender um grande número de nossos leitores. Mas isso não nos deve
intimidar, pois tinha razão o pensador antigo que dizia que a surpresa era o
começo da ciência. E para que nossos leitores não fiquem, por assim dizer, no
estágio da surpresa, recomendamo-lhes, antes de mais nada, que se perguntem
o que exatamente pretendia Feuerbach exprimir quando, esboçando brevemente,
mas de forma muito característica seu curriculum vitae filosófico, escrevia: "Deus
foi o meu primeiro pensamento, a razão o segundo e o homem, meu terceiro e

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último". Afirmamos que esta questão encontra incontestavelmente solução


nestas palavras muito significativas do próprio Feuerbach: "Na discussão entre o
materialismo e o espiritualismo, o que está em questão, é a cabeça humana".

Uma vez fixados sobre a matéria da qual é feita o cérebro, logo chegaremos
a uma visão clara no que concerne igualmente toda outra matéria, no que
concerne à matéria em geral. [3] Em outra parte, ele declara que sua
antropologia, quer dizer, seu humanismo, significa unicamente que Deus, não é
outra coisa que o próprio espírito humano. [4] Esse ponto de vista antropológico,
observa Feuerbach, já não era estranho ao próprio Descartes. [5] Mas o que
significa tudo isto? Significa que Feuerbach tinha tomado "o homem" como ponto
de partida de seus raciocínios filosóficos unicamente porque esperava, partindo
deste ponto, chegar mais cedo ao objetivo, que era dar uma idéia justa da
matéria, em geral, e de suas relações com o espírito. Estamos pois, neste caso,
tratando com um procedimento metodológico cujo valor era condicionado pelas
circunstâncias de tempo e lugar, ou seja, pelos modos de raciocinar habituais aos
eruditos alemães, ou simplesmente aos alemães cultos da época [6], mas que
não dependia absolutamente de qualquer concepção particular do mundo.

Já se vê, conforme nossa citação das palavras de Feuerbach a propósito da


"cabeça humana", que na época em que ele as escreveu, a questão da "matéria
da qual é feito o cérebro" tinha sido resolvida num sentido puramente
materialista. E essa solução tinha sido igualmente adotada por Marx e Engels. Ela
tornou-se a base de sua própria filosofia e isso sobressai com a mais completa
clareza das obras de Engels: Ludwig Feuerbach e Anti-Dühring, por nós já
mencionadas. Eis porque devemos examinar mais de perto essa solução, pois
estudando-a, estudaremos ao mesmo tempo o aspecto filosófico do marxismo.

Em seu artigo intitulado: "Vorlaufige Thesen zur Reform der Philosophie",


surgido em 1842, e que exerceu uma grande influência sobre Marx, Feuerbach
declara que "as verdadeiras relações entre o pensar e o ser devem ser expressas
da seguinte maneira: o ser é o sujeito, e o pensar é o atributo". O pensamento é
condicionado pelo ser, não o ser pelo pensamento. O ser é condicionado por si
mesmo... tem seu fundamento em si mesmo. [7]

Essa concepção das relações entre o ser e o pensamento colocados por Marx
e Engels na base da interpretação materialista da história constitui o resultado
mais importante da crítica ao idealismo hegeliano que, em seus traços principais
foram feita pelo próprio Feuerbach, cujas conclusões podem ser assim
resumidas:

Feuerbach achava que a filosofia de Hegel suprimira a contradição existente


entre o ser e o pensar. Mas segundo ele ela suprimiu esta contradição
mantendo-se ainda em seu interior, ou seja, no interior de um dos elementos
dessa contradição, a saber, o pensamento. Em Hegel o pensamento é
precisamente o ser: o pensamento é sujeito, o ser é atributo [8]. Daí decorre
que Hegel - em geral o idealismo - só suprime a contradição por meio da
supressão de seus elementos constitutivos, a saber, o ser ou a existência da

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matéria, da natureza. Mas suprimir um dos elementos constitutivos da


contradição não significa absolutamente resolvê-la. "A doutrina de Hegel,
segundo a qual a natureza "é criada" pela idéia representa a tradução, em
linguagem filosófica, da doutrina teológica segundo a qual, a natureza é criada
por Deus, a realidade, a matéria, por um ser abstrato, imaterial" [9]. E isto não
se refere apenas ao idealismo absoluto de Hegel. O idealismo transcendental de
Kant, segundo o qual o mundo exterior recebe suas leis da Razão, e não
inversamente, é estreitamente aparentado à concepção teológica segundo a qual
é a razão divina que dita ao mundo as leis que o regem [10]. O idealismo não
estabeleceu a unidade entre o ser e o pensamento, e não pode estabelecê-la, ao
contrário, ele a rompe. O ponto de partida da filosofia idealista - o eu, como
princípio filosófico fundamental - é totalmente errado. O ponto de partida da
verdadeira filosofia não deve ser o eu, mas o eu e o tu. Só este ponto de partida
permite chegar a uma justa compreensão das relações entre o pensamento e o
ser, entre o sujeito e o objeto. Eu sou "eu" para mim mesmo e simultaneamente
"tu" para um outro. Eu sou ao mesmo tempo sujeito e objeto. É necessário
observar, além disso, que o "eu", não é o ser abstrato com o qual opera a
filosofia idealista. Eu sou um ser real; meu corpo pertence à minha existência;
ainda mais meu corpo, considerado como um todo, é precisamente meu "eu",
minha verdadeira entidade. Não é o ser abstrato que pensa, mas precisamente
esse ser real, esse corpo. Daí resulta que, contrariamente ao que afirmam os
idealistas, é o ser material real que é sujeito, e o pensamento atributo. E
precisamente nisto que consiste a única solução possível da contradição entre o
ser e o pensar, a qual se debatia sem resultado no idealismo. No presente caso,
não se suprime nenhum dos elementos da contradição; eles são conservados
ambos, ao mesmo tempo em que manifestam sua verdadeira unidade. "O que
para mim, ou subjetivamente, é um ato puramente espiritual, imaterial, não
sensível, é em si, objetivamente, um ato material sensível" [11].

Observemos que, dizendo isso, Feuerbach aproxima-se de Espinosa, cuja


filosofia ele expunha com muita simpatia já na época em que seu divórcio com o
idealismo apenas se esboçava, ou seja, quando escrevia sua história da nova
filosofia. Em 1843, ele observa muito habilmente em seus Grunsatze que o
panteísmo é um materialismo teológico, uma negação da teologia, negação que
se mantém num ponto de vista teológico. E nessa confusão do materialismo com
a teologia que residia a inconseqüência de Espinosa, inconseqüência que,
entretanto, não o impediu de encontrar "a expressão justa, ao menos para seu
tempo, para os conceitos materialistas da época moderna". Por isso Feuerbach
denominava Espinosa "o Moisés dos livres-pensadores e materialistas modernos"
[12]. Em 1847, Feuerbach coloca a questão: "O que Espinosa chama, lógica ou
metafisicamente, substância, e teologicamente, Deus?" E, a essa questão, ele
responde categoricamente: "Nada mais que a natureza". Ele vê como principal
falha do espinosismo que a essência sensível, antiteológica da natureza, adquire,
para ele, o aspecto de um ser abstrato, metafísico". Espinosa suprimiu o
dualismo entre Deus e a natureza, pois considera os fenômenos naturais como
atos de Deus. Mas, precisamente porque os fenômenos naturais são a seus olhos
os atos de Deus, este último permanece para ele um tipo de ser distinto da

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natureza e sobre o qual ela se apóia. Deus se apresenta como sujeito, a natureza
como atributo. A filosofia, que se emancipou definitivamente das tradições
teológicas, deve suprimir essa falha considerável da filosofia, no fundo exata, de
Espinosa. "Abaixo esta contradição!" exclama Feuerbach. Não Deus "sive
natura", mas "Aut deus aut natura". Aí está a verdade. [13]

Portanto, o humanismo de Feuerbach aparece como não sendo outra coisa


que o espinosismo desembaraçado de seu apêndice teológico. Foi precisamente
este espinosismo desembaraçado por Feuerbach de seu apêndice teológico, que
Marx e Engels adotaram, quando romperam com o idealismo.

Mas desembaraçar o espinosismo de seu apêndice teológico significava


desvendar seu verdadeiro conteúdo materialista. Logo, o espinosismo de Marx e
Engels, era precisamente o materialismo mais moderno.

Mas não é tudo. O pensar não é a causa do ser, mas sua conseqüência, ou
mais exatamente, sua propriedade. Feuerbach diz: "Folge und Eigenschaft"
(conseqüência e propriedade). Eu sinto e eu penso, de maneira alguma como um
sujeito oposto ao objeto, mas como um sujeito-objeto, como um ser real,
material. E o objeto é para mim, não apenas a coisa que eu sinto, mas também
o fundamento, a condição indispensável de minha sensação. O mundo objetivo
não se encontra apenas fora de mim, ele está também em mim, em minha
própria pele. O homem é só uma parte da natureza, uma parte do ser; eis
porque não há lugar para a contradição entre seu pensamento e seu ser. O
espaço e o tempo não existem apenas para o pensamento. Eles são igualmente
formas do ser. São formas da minha contemplação. Mas eles o são unicamente
porque eu mesmo sou um ser que vive no tempo e no espaço e que só percebo e
sinto porque sou um tal ser. De maneira geral, as leis do ser são ao mesmo
tempo também as leis do pensar.

Assim se expressava Feuerbach [14]. E é também isso que dizia Engels, se


bem que em outros termos, em sua polêmica contra Dühring. Já se vê qual parte
importante da filosofia de Feuerbach foi transportada para a filosofia de Marx e
Engels.

Se Marx começou sua obra de interpretação materialista da história pela


crítica da filosofia hegeliana do direito, só pôde assim proceder porque a crítica
da filosofia especulativa de Hegel já fora feita por Feuerbach.

Mesmo criticando Feuerbach em suas teses, Marx muito freqüentemente


desenvolve e completa suas idéias. Eis um exemplo extraído do domínio da
"gnosiologia". Segundo Feuerbach, o homem, antes de pensar o objeto,
experimenta sobre si sua ação, contempla-o, sente-o.

Marx tem em vista esse pensamento de Feuerbach, quando diz: "A principal
falha do materialismo - aí incluído o de Feuerbach - consistia, até aqui, em que
ele só concebe a realidade, o mundo objetivo e sensível sob a forma do objeto ou
sob a forma da contemplação e não como atividade humana concreta, não como
exercício prático, não subjetivamente". É esta falha do materialismo, diz Marx
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adiante, que explica que Feuerbach, em seu livro sobre a Essência do


Cristianismo, só considere como atividade verdadeiramente humana a atividade
teórica. Em outros termos, Feuerbach chama a atenção para o fato que nosso
"eu" conhece o objeto somente expondo-se à sua ação [15]; entretanto Marx
replica: nosso "eu" conhece o objeto agindo, por sua vez, sobre ele. O
pensamento de Marx é perfeitamente justo: já dissera Fausto: "No começo era a
ação".

Certamente pode-se responder, em defesa de Feuerbach, que também no


processo de nossa ação sobre os objetos, nós só conhecemos suas propriedades,
na medida em que eles agem, por sua vez, sobre nós. Nos dois casos, o
pensamento é precedido pela sensação: nos dois casos, experimentamos de
início as propriedades dos objetos e somente após pensamos sobre elas. Marx
não o negava. Para ele, não se tratava do fato incontestável que a sensação
precede o pensamento, mas do fato que o homem é levado ao pensamento
principalmente pelas sensações que experimenta no processo de sua ação sobre
o mundo exterior. E como esta ação sobre o mundo exterior lhe é imposta pela
luta pela existência, a teoria do conhecimento está, em Marx, estreitamente
ligada à sua concepção materialista da história. Não é sem razão que este
mesmo pensador, que redigira contra Feuerbach a tese acima referida, escreveu
no primeiro tomo de seu Capital: "Agindo sobre a natureza, exterior a si, o
homem transforma ao mesmo tempo sua própria natureza". Esta fórmula só
revela todo seu profundo sentido à luz da teoria do conhecimento formulada por
Marx. E veremos adiante até que ponto esta teoria é confirmada pela história da
civilização e pela lingüística. É necessário reconhecer entretanto que a teoria do
conhecimento de Marx provém em linha direta da de Feuerbach ou, se
quisermos, que ela é, propriamente falando, a de Feuerbach, só que
aprofundada, de forma genial, por Marx.

Acrescentemos, de passagem, que este aperfeiçoamento genial havia sido


sugerido pelo "espírito da época". A tendência a considerar a relação recíproca de
ação e reação entre o objeto e o sujeito precisamente da perspectiva em que o
sujeito assume um papel ativo, era o reflexo do estado de espírito que animava a
sociedade da época, onde se precisou a concepção de mundo de Marx e Engels.
A revolução de 1848 já não estava longe...

III

A teoria da unidade entre o sujeito e o objeto, entre o pensar e o ser, que é


própria tanto a Feuerbach quanto a Marx e Engels, foi igualmente a dos
materialistas mais eminentes dos séculos XVII e XVIII.

Nós havíamos mostrado algures [16] que La Mettrie e Diderot haviam


chegado - se bem que, é necessário dizer, cada um por via distinta - a uma
concepção do mundo que era "uma espécie de espinosismo'', quer dizer, a um
espinosismo privado de seu apêndice teológico, que lhe desfigurava o verdadeiro
conteúdo. Seria fácil demonstrar que, no que concerne à unidade entre o sujeito

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e o objeto, Hobbes está também muito próximo de Espinosa. Mas isto nos levaria
muito longe. E, além disso, não existe nenhuma necessidade premente em fazê-
lo. Será bem mais interessante para o leitor constatar que atualmente todo
naturalista que reflete, por pouco que seja, sobre a questão das relações entre o
pensar e o ser, chega à teoria de sua unidade que encontráramos em Feuerbach.

Quando Huxley escrevia: "Em nossos dias, nenhum daqueles que estão ao
corrente da ciência contemporânea e que conhecem os fatos, pode duvidar que é
necessário buscar as bases da psicologia, na fisiologia do sistema nervoso e que
aquilo que chamamos de atividade do espírito é um complexo de funções
cerebrais" [17], ele exprimia precisamente o que dizia Feuerbach. Só que aí
agregava concepções bem menos claras e por isso pôde tentar aliar sua maneira
de ver ao ceticismo filosófico de Hume [18].

Da mesma forma o "monismo" de Haeckel, aquela doutrina que tanta


repercussão teve, nada mais é que uma doutrina puramente materialista, no
fundo, próxima da doutrina de Feuerbach sobre a unidade entre o sujeito e o
objeto. Mas Haeckel conhece muito mal a história do materialismo e por isto
julga necessário combater "seu caráter unilateral", quando deveria dar-se ao
trabalho de estudar a teoria materialista do conhecimento na forma que ela
adquiriu em Feuerbach e Marx. Isso o teria preservado contra muitos erros e
opiniões unilaterais que facilitam consideravelmente a seus adversários lutar
contra ele no terreno filosófico.

Em suas diferentes obras, como por exemplo, no relatório intitulado "Cérebro


e Alma", lido no 66º congresso dos naturalistas e médicos alemães em Viena (26
de setembro de 1894), Auguste Forel [19] aproxima-se muito do materialismo
moderno, do materialismo de Feuerbach-Marx-Engels. Em certos pontos, Forel
não apenas expressa idéias muito semelhantes às de Feuerbach, mas, o que é
verdadeiramente surpreendente, ele dispõe seus argumentos exatamente da
mesma forma que Feuerbach.

Segundo Forel, cada novo dia traz novas e convincentes provas do fato que a
psicologia e a fisiologia do cérebro são apenas duas formas diferentes de
considerar "uma só e mesma coisa". O leitor não terá esquecido o ponto de vista
idêntico de Feuerbach, citado acima, sobre esta questão. Este ponto de vista,
pode-se completar aqui com a seguinte frase de Feuerbach: "Eu sou para mim
mesmo um objeto psicológico; mas um objeto fisiológico para o outro" [20].
Afinal, a idéia principal de Forel se reduz à tese na qual a consciência é "um
reflexo interior da atividade cerebral" [21]. E isto já é uma concepção puramente
materialista.

Os idealistas e os kantistas de todas as espécies e de todos os matizes


objetam aos materialistas que nós podemos conhecer diretamente apenas o
aspecto físico dos fenômenos tratados por Forel e Feuerbach. Esta objeção,
Schelhing já havia formulado de forma extremamente clara. Ele dizia que o
"espírito permanecerá para sempre uma ilha, à qual só se poderia atingir através
do oceano da matéria, sob condição de dar um salto". Forel sabe perfeitamente

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disso, mas prova de forma concludente que a ciência seria verdadeiramente


impossível, se nós não quisermos ultrapassar os limites desta ilha. "Cada
homem", diz ele, "não teria mais que a psicologia de seu subjetivismo e deveria
positivamente colocar em dúvida a existência do mundo exterior, inclusive a dos
outros homens" [22]. Mas tal dúvida é um absurdo. "As conclusões tiradas por
analogia, a indução aplicada segundo as ciências naturais e físicas, a comparação
da experiência de nossos cinco sentidos nos provam a existência do mundo
exterior, assim como a de nossos semelhantes e de sua psicologia. Da mesma
forma, elas nos mostram que há uma psicologia comparativa, uma psicologia dos
animais. Enfim, nossa própria psicologia seria para nós incompreensível e cheia
de contradições, se quiséssemos considerá-la fora de toda relação com a
atividade de nosso cérebro; ela estaria sobretudo em contradição com a lei da
conservação da energia" [23].

Feuerbach não se limita a indicar as contradições nas quais caem


inevitavelmente aqueles que repudiam o ponto de vista materialista; ele mostra
também por qual caminho os idealistas atingem sua "ilha". Ele diz: "Eu sou eu
para mim mesmo e tu para os outros. Mas só o sou enquanto ser sensível, ou
seja, material. Mas a razão abstrata isola este 'ser para si mesmo' enquanto
substância, átomo, 'eu', Deus. Eis porque ela só pode estabelecer de maneira
arbitrária a relação entre o 'ser para si mesmo' e o 'ser para os outros'. Aquilo
que eu penso sem sensibilidade, eu penso fora de toda relação" [24]. Esta
consideração extremamente importante é acompanhada em Feuerbach, da
análise do processo de abstração que culmina no nascimento da lógica hegeliana
como doutrina ontológica [25].

Se Feuerbach dispusesse dos conhecimentos que fornece a etnologia atual,


teria podido acrescentar que o idealismo filosófico procede, historicamente, do
animismo, próprio às raças primitivas. Isso já havia sido indicado por E. Taylor
[26], e alguns historiadores da filosofia [27] já começaram a levar parcialmente
em conta - se bem que, no momento, mais como curiosidade do que como um
fato de considerável importância teórica.

Todas estas considerações e argumentos de Feuerbach não somente eram


bem conhecidos de Marx e Engels, que sobre elas haviam refletido
profundamente, mas contribuíram, indubitavelmente em grande medida, para a
formação de sua própria concepção do mundo. Se, mais tarde, Engels
manifestou o maior desprezo pela filosofia alemã posterior a Feuerbach, é porque
ela nada mais fazia, em sua opinião, que reanimar os velhos erros filosóficos que
Feuerbach já havia revelado. E, na realidade, assim era. Nenhum dos modernos
críticos do materialismo trouxe um argumento que já não tenha sido refutado,
seja pelo próprio Feuerbach, ou ainda antes dele, pelos materialistas franceses.
Mas, para os "críticos de Marx" - E. Bernstein, K. Schmidt, B. Croce e outros - a
"deplorável sopa eclética" da filosofia alemã mais moderna parece um prato
novo: eles aí se alimentam e, vendo que Engels não considerava útil dele
ocupar-se acreditavam que ele se "esquivava" ao exame de uma argumentação
que já há muito ele analisara e declarara sem nenhum valor. É uma velha

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história, sempre nova, no entanto. Os ratos jamais deixarão de acreditar que o


gato é muito mais forte que o leão.

Mesmo reconhecendo a incrível semelhança e, em parte, a identidade das


concepções de Feuerbach e Forel, observemos que, se este último possui
conhecimentos muito mais consideráveis no domínio das ciências naturais,
Feuerbach era-lhe muito superior no domínio filosófico. E por isso Forel comete
erros que não encontramos em Feuerbach. Forel chama sua teoria de teoria
psicofisiológica da identidade [28]. A isto nada há de essencial a objetar, pois
toda terminologia é coisa convencional. Mas como a teoria da identidade esteve
outrora na base de uma filosofia idealista bem determinada, Forel teria feito
melhor chamando sua doutrina, franca e corajosamente, de doutrina
materialista. Mas ele conservou, visivelmente, alguns preconceitos contra o
materialismo e essa é a razão pela qual escolheu outro nome. Por isso
consideramos necessário advertir que a identidade, no sentido que lhe dá Forel,
nada tem em comum com a identidade no sentido idealista corrente.

Os "críticos de Marx" tampouco sabem disso. Em sua polêmica conosco, K.


Schmidt atribuía aos materialistas a doutrina idealista da identidade. Realmente,
o materialismo reconhece a unidade entre o sujeito e o objeto, mas nunca sua
identidade. E foi ainda Feuerbach que explicou isso muito bem.

Segundo Feuerbach, a unidade entre o sujeito e o objeto, entre o pensar e o


ser, só tem sentido quando o homem é tomado como base desta unidade. Isto
tem ainda um certo ar de "humanismo" e a maioria dos que estudaram
Feuerbach acharam desnecessário refletir seriamente sobre a forma na qual o
homem serve de base da unidade dos opostos acima mencionados. Na realidade
Feuerbach compreende isso da seguinte maneira: "O pensamento só não está
desligado do ser onde não é um sujeito para si mesmo, mas o atributo de um ser
real (quer dizer, material)" [29]. Ora, em quais sistemas filosóficos o
pensamento é "sujeito para si mesmo", ou seja, algo independente da existência
corporal do indivíduo pensante? A resposta é clara: nos sistemas idealistas. Os
idealistas transformam inicialmente o pensamento em uma entidade autônoma,
independente do homem (em "sujeito para si") e, depois, declaram que, nessa
entidade - precisamente porque ela tem existência distinta, independente da
matéria - se resolve a contradição entre o ser e o pensamento. E, com efeito, ela
aí se resolve, pois o que é afinal esta entidade? li o pensamento. E este
pensamento tem uma existência completamente independente. Mas esta solução
da contradição é uma solução puramente formal. Obtém-se este resultado, como
já havíamos dito, suprimindo um dos elementos da contradição, a saber, o ser
independente do pensar. O ser se apresenta como simples propriedade do
pensar e, quando dizemos que tal objeto existe, isto apenas significa que ele
existe em nosso pensamento. Assim o compreendia, por exemplo, Schelling.
Para ele, o pensar era o princípio absoluto, de onde procedia necessariamente o
mundo real, que dizer, a natureza e o espírito "finito". Mas como? Que significava
a existência do mundo real? Nada mais que a existência no pensamento. Para
Schelling, o universo era só autocontemplação do espírito absoluto. O mesmo se
dava em Hegel. Mas Feuerbach não se contenta com tal solução, puramente
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formal, da contradição entre o pensar e o ser. Ele mostra que não há e não pode
haver pensamento independente do homem, quer dizer, do ser real, material. O
pensamento é uma atividade do cérebro. "Mas o cérebro só é um órgão de
pensamento na medida em que está ligado a uma cabeça e a um corpo
humanos" [30].

Vemos agora em que sentido o homem é, para Feuerbach, a base da unidade


entre o ser e o pensar; no sentido em que ele mesmo nada mais é que um ser
material que possui a faculdade de pensar. Mas se ele é um tal ser, está claro
que nenhum dos elementos da contradição tem necessidade de ser nele
suprimido: nem o ser, nem o pensar, nem a "matéria", nem o "espírito", nem o
sujeito, nem o objeto. Eles nele se unem exatamente como um sujeito-objeto.
"Eu sou e eu penso... unicamente como um sujeito-objeto", diz Feuerbach.

Ser não significa existir no pensamento. Neste aspecto, a filosofia de


Feuerbach é muito mais clara que a de J. Dietzgen. "Provar que uma coisa
existe", diz Feuerbach, "é provar que ela existe não simplesmente no
pensamento" [31]. E isto é perfeitamente justo. Mas isto quer dizer que a
unidade do pensar e do ser não significa e não pode significar, sua identidade.
Aqui aparece um dos traços mais importantes que distinguem o materialismo do
idealismo.

IV

Quando se diz que Marx e Engels foram durante certo tempo adeptos de
Feuerbach, freqüentemente quer-se dizer com isto, que sua concepção do mundo
se modificou posteriormente e se diferenciou completamente da de Feuerbach. É
também o que pensa K. Diehl, que acha que normalmente se exagera muito a
influência exercida por Feuerbach sobre Marx [32]. Aí está um erro formidável.
Mesmo após ter deixado de seguir Feuerbach, Marx e Engels continuaram a
partilhar de uma parte considerável de seus pontos de vista filosóficos. É isto que
aparece claramente nas teses de Marx sobre Feuerbach. Estas teses não refutam
absolutamente Feuerbach; elas as completam apenas e, sobretudo, exigem que
estas idéias sejam, de forma mais conseqüente que em Feuerbach, aplicadas à
interpretação da realidade que rodeia o homem e, em particular, a interpretação
de sua própria atividade. "Não é o pensar que determina o ser, é o ser que
determina o pensar". Este pensamento que está na base de toda filosofia de
Feuerbach, Marx e Engels o colocam também na base da interpretação
materialista da história. O materialismo de Marx e Engels é uma doutrina bem
mais desenvolvida que o materialismo de Feuerbach. Mas as concepções
materialistas de Marx e Engels se desenvolveram no próprio sentido indicado
pela lógica interna da filosofia de Feuerbach. Eis porque estas concepções e
particularmente seu aspecto filosófico, jamais serão completamente claras para
aquele que não quiser se dar ao trabalho de conhecer a parte considerável da
filosofia de Feuerbach que entrou na concepção do mundo dos fundadores do
socialismo científico. E se vocês virem alguém esforçar-se por encontrar um
"fundamento filosófico" para o materialismo histórico, esteja persuadido que

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existe, no saber deste mortal, apesar de sua profundidade, grande lacuna a este
respeito.

Mas deixemos os espíritos profundos entregues a seus trabalhos. Já em sua


terceira tese sobre Feuerbach, Marx aborda o problema mais árduo de todos os
que devia enfrentar no domínio da "prática" histórica do homem social e que
resolve com a ajuda do conceito justo, elaborado por Feuerbach, da unidade
entre o sujeito e o objeto. Esta tese é assim concebida: "A doutrina materialista
segundo a qual os homens são produtos das circunstâncias e da educação... não
tem em conta o fato que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos
homens e que o próprio educador também deve ser educado". Uma vez resolvido
este problema, o "segredo" da interpretação materialista da história foi
encontrado. Mas precisamente Feuerbach não podia resolvê-lo. No domínio da
história, ele permanecia idealista - exatamente como os materialistas franceses
do século XVIII, com os quais ele tinha aliás muitos traços comuns. Então foi
necessário a Marx e Engels tudo reconstruir, utilizando o material teórico
acumulado até então pela ciência social e, era particular, pelos historiadores
franceses da época da Restauração. Mas, também no que se refere a isto, a
filosofia de Feuerbach lhes forneceu um grande número de indicações preciosas.
Feuerbach disse particularmente: "A arte, a religião, a filosofia e a ciência não
são mais que as manifestações ou as revelações da 'essência humana' " [33].
Daí decorre que é necessário procurar na "essência humana" a explicação de
todas as ideologias, ou seja, que a sua evolução é determinada pela evolução da
"essência humana". Mas o que é a essência humana? A isto Feuerbach responde:
"A essência humana só reside na comunidade, na unidade do homem com o
homem" [34]. É muito vago. E eis-nos diante do limite que Feuerbach jamais
ultrapassou. Mas é justamente para além deste limite que começa o domínio da
interpretação materialista da história descoberta por Marx e Engels. Esta
interpretação nos indica as causas que que determinam, no curso da evolução
humana, "a comunidade, a unidade do homem com o homem", ou seja, as
relações mútuas que os homens estabelecem entre si. Este limite, que separa
Marx de Feuerbach, mostra também até que ponto eles estão próximos.

Lê-se na sexta tese sobre Feuerbach que a essência humana é o conjunto de


todas as relações sociais. É bem mais preciso que em Feuerbach, mas aqui se
revelam, talvez mais claramente que em qualquer outro lugar, as estreitas
relações existentes entre a concepção do mundo de Marx e a filosofia de
Feuerbach.

Quando Marx escreveu esta tese, já conhecia não só a direção na qual era
necessário buscar a solução do problema, mas também a própria solução. Em
sua "Introdução à Critica da Filosofia do Direito de Hegel", ele mostrara que as
relações dos homens em sociedade, "as relações jurídicas, assim como as formas
do Estado, não podem ser explicadas nem por si mesmas nem pela chamada
evolução geral do espírito humano; que elas têm suas raízes nas condições
materiais de existência, cujo conjunto foi denominado "sociedade civil" por
Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII; que a anatomia da
sociedade civil deve ser buscada em sua "economia".
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Não faltava, daí por diante, senão explicar a origem e a evolução da


economia, para ter a solução completa do problema que o materialismo não
pudera resolver durante séculos. E esta explicação foi dada por Marx e Engels.

É evidente que, falando de solução completa deste grande problema, nós só


temos em vista a solução geral, algébrica, que o materialismo não pôde
encontrar durante vários séculos. É evidente que falando de solução completa,
nós temos em vista, não a aritmética do desenvolvimento social, mas sua
álgebra, não a explicação das causas dos diferentes fenômenos, mas a
explicação do procedimento ao qual é preciso ater-se para descobrir estas
causas. Isto significa que a interpretação materialista da história tem sobretudo
um valor metodológico. Isso Engels compreendia muito bem quando escreveu:
"O que é necessário, não são tanto os resultados brutos quanto o estudo; os
resultados nada são sem a evolução que a eles conduziu" [35]. Mas é isto que
não compreendem, a maior parte do tempo, nem os "críticos" de Marx - aos
quais, como se diz, o Senhor perdoará - nem alguns de seus "adeptos", o que é
bem pior. Miguel Ângelo dizia: "Meus conhecimentos engendrarão um grande
número de ignorantes". Essa predição infelizmente se verificou. Agora, são os
conhecimentos de Marx que engendram ignorantes. A falha não é,
evidentemente, de Marx, mas daqueles que dizem tantas tolices em seu nome.
Mas para evitar estas tolices é necessário precisamente compreender o valor
metodológico do materialismo histórico.

continuação: capítulos - V a VIII >>>

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Notas:

[1] O livro de VI. Verigo: Marx als Philosoph (Berna e Leipzig, 1904), é consagrado à filosofia de
Marx e Engels. É difícil, todavia, imaginar obra tão insatisfatória.

[2] Ver seu interessante livro: A Alemanha nas vésperas da Revolução de 1848, São Petersburgo,
1906, p. 228-229.

[3] Ueber Spiritualismus und Materialismus,Oeuvres, X, p. 129.

[4] Oeuvres, IV, p. 249.

[5] Ibid.. , p. 249.

[6] O próprio Feuerbach diz muito bem, que o começo de toda filosofia é determinado pelo
estado precedente do pensamento filosófico.

[7] Oeuvres, II, p. 263 ( Oeuvres , edição do Instituto Marx-Engels, t. I, p. 71).

[8] Ibid.,II, p 261.

[9] Ibid., p. 262.

[10] Ibid., p 295.

[11] Ibid., p 350.

[12] Ibid., p 291.

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[13] Ibid., p 350.

[14] Ibid., 11, p. 334, e X, p. 184-186.

[15] "O pensar", diz ele,"é precedido pelo ser; antes de pensar a qualidade, você a sente"
(Oeuvres , II, p. 253).

[16] Ver o artigo intitulado: "Bernstein e o Materialismo" em nossa coletânea Critique de nos
Critiques (Plekhanov, Oeuvres, t. XI)

[17] Hume, as Vie, as Philosophie, p. 108.

[18] Ibid., p. 110.

[19] Ver também o terceiro capítulo de seu livro: l'Âme et le Systême Nerveux. Hygiene et
Pathologie, Paris, 1906.

[20] Oeuvres, II, p. 348-349.

[21] Die physchischen Fahigkeiten der Ameisen etc., Munique, 1901, p. 7.

[22] Ibid., p. 7 e 8.

[23] Ibid.

[24] Oeuvres, II, p. 322.

[25] "O espírito absoluto de Hegel não é outra coisa que o espíritcs abstrato, que o espírito
isolado de si mesmo, o que chamamos o espírito finito, assim como o Ser infinito da teologia não
é outra coisa que o Ser abstrato finito". (Oeuvres, II, p. 263).

[26] La Civilisation Primitive, Paris, 1876, t. II, p. 143. É preciso-observar que Feuerbach teve,
no que se refere a isto, uma intuição-verdadeiramente genial. Ele diz: "O conceito de objeto não
é primitivamente outra coisa que o conceito de um outro 'eu'. Assim, o homem concebe na
infância todos os objetos como seres que agem livre e arbitrariamente; é por isso que o conceito
de objeto nasce, em geral, por intermédio do tu, que é o eu objetivo". Reymond, Lausanne,
1905, p. 414-415

[27] Ver T. Gomperz: Les Penseurs de la Grèce, trad. por Aug. Reymond, Lausanne, 1905, p.
414-415.

[28] Ver seu artigo, intitulado: Die Psycho-physiologische Identitatstheorie als wissenschaftliches
Postulat, na coletânea Festschrift, I.

[29] Oeuvres, II, p. 340

[30] Jbid., p. 362 e 363.

[31] Ibid., X, p. 187

[32] Handwõrterbuch der Staatswissenschaften, V, p. 708.

[33] Oeuvres, II, p. 343.

[34] Ibid., II, p. 344.

[35] Oeuvres posthumes, 1, p. 477.


Fonte

https://www.marxists.org/portugues/plekhanov/1908/principios/cap01.htm 14/15
28/11/2018 Plekhanov: Os Princípios Fundamentais do Marxismo
Inclusão 22/01/2006

https://www.marxists.org/portugues/plekhanov/1908/principios/cap01.htm 15/15

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