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Jung no Espirito Santo – Site de Fabrício Moraes

BEOWULF vs BEOWULF : UMA DISCUSSÃO ACERCA DO POEMA ÉPICO


BEOWULF E DO FILME “A LENDA DE BEOWULF”1

No final do ano de 2007 a Warner Bros. Pictures e Paramount Pictures lançaram


o filme de animação “A lenda de Beowulf”, baseado no poema épico anglo-saxão
“Beowulf” datado do século VII d.C., mas que chegou até nós através de um
manuscrito do século X.

Na animação “A lenda de Beowulf” a imagem de atores consagrados como


Anthony Hopkins, Angelina Jolie e John Malkovich foi digitalizada dando um
efeito misto de realidade (atores reais) e fantasia (personagens irreais). Este
misto de real e fantástico na produção do filme (independente do roteiro) nos traz
a imagem que é própria ao mito.

Os mitos são modelos exemplares para comportamentos e ações do homem,


oferecendo ao individuo uma referência de conduta ou ação. O mito possui uma
estrutura básica e relativamente imutável, que subjaz às representações da
cultura e da época onde o mito floresce. Ao despirmos o mito de seu aspecto
cultural, teremos sua estrutura básica: mitemas. Os mitemas correspondem, na
psicologia analítica, aos arquétipos – que são elementos estruturais
fundamentais do psiquismo.

Na experiência psíquica, os arquétipos são estruturas básicas


relativamente imutáveis, garantindo uma organização e coerência
fundamental ao psiquismo humano ao longo do tempo. Contudo,
os arquétipos possuem a capacidade de se auto-representar
através de imagens que são percebidas pela
consciência. Ao longo do tempo essas imagens podem se
transformar assumindo formas diferentes, embora seu núcleo
fundamental continue o mesmo. Essas imagens arquetípicas fazem
parte da vida psíquica humana e se mantém claramente
perceptíveis através dos dos mitos e das religiões. Os “DEUSES

1
Este artigo é uma adaptação do trabalho apresentado para a disciplina “Mitologia”, ministrada pela
prof. Dra. Isabela Fernandes, no curso de pós-graduação/especialização latusensu em “Teoria e Prática
Junguiana”, da Universidade Veiga de Almeida, 2008.

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista
em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes,
ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion
– Estudos Junguianos Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@psicologiaanalitica.com
www.psicologiaanalitica.com

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são METÁFORAS de comportamentos arquetípicos e MITOS são


ENCENAÇÕES ARQUETÍPICAS. Os arquétipos não podem ser
completamente integrados nem esgotados em forma humana.”
(SAMUELS et al.1988, p. 39). 2

O estudo comparado da mitologia nos permite compreender a dinâmica da


psique de uma época ou do espírito da época. A variação de um mito ou da
forma como é contado nos permite observar quais os aspectos mais ativos na
psique coletiva de um dado período.

Neste trabalho, consideraremos o filme “A lenda de Beowulf” assim como o


poema “Beowulf” como variações do mito de Beowulf, que se insere no tema
mítico do herói. Neste ínterim, propomos uma comparação entre a narrativa
mítica (poética) do século X com a narrativa mítica (cinema) do século XXI.

O Poema Beowulf

O poema épico “Beowulf” é um dos mais longos e antigos poemas épicos anglo-
saxônicos, possuindo 3182 versos.

Escrito em inglês antigo por volta dos anos 680 e 725, Beowulf é
um longo poema de temática heróica que apresenta as principais
características épicas anglo-saxãs – sobretudo a dicção típica da
narrativa dos feitos bélicos e os valores específicos de conduta
militar – mescladas a uma amálgama de material histórico,
elemento mitológicos comuns aos povos germânicos antigos e
preceitos do cristianismo. (RAMALHO, 2007, p. XI).

Como este poema não é muito conhecido em português, estaremos narrando o


poema, utilizando a citação. O poema se inicia narrado brevemente o surgimento
da família real dos Danos, até os dias do Rei Hrothgar,

E a glória na guerra então garantiu


Hrothgar. E o seu sucesso se seguiu
da obediência dos homens, seus amigos
de boa vontade, até vir varões
jovens – um bando. Então, ele gerou,

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Grifos do Autor

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista
em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes,
ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion
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em sua cabeça, a idéia de construir


um salão de hidromel muito suntuoso –
igual a ele ninguém jamais veria.
(…)
As ordens dadas (eu ouvi dizer)
para essa construção, por toda a terra,
mundo-médio, (lar humano) migraram.
Rápido, veio o reconhecimento:
aquele salão era superior.
Hrothgar chamou-o Heorot, o Salão
das Hastes, pelo poder que lá havia
em suas palavras, que eram soberanas.
(versos 63-81 RAMALHO, 2007, p. 5-6).

Após o Rei Hrothgar concluir seu salão, que era cheio de convidados para os
banquetes, uma criatura monstruosa passou a atacar o salão do Rei Hrothgar
toda vez que havia festividades. Com os ataques frequentes esvaziaram o salão.
Durante 12 anos. a criatura chamada Grendel atacou o salão matando os
convidados, o Rei Hrothgar o combateu sem sucesso.

por doze invernos tanta dor teve,


pois, o povo Danes, então passando
por essa magna mágoa. Mesmo em outros
tempos, outras gerações ouviram
(a prole do povo) patentes cantos
sobre a guerra que Grendel contra Hrothgar
travou. Atos hostis, por anos (tantos)
a perdurar – prélio sem paz. Dos Danos,
riquezas e trégua recusou Grendel.
Sábio algum esperava, nos salões,
por diferente decisão daquele
monstro márcio – o qual, à noite; matava:

(…)
Assim, êmulo de humanos, estava
o perverso monstro a perpetrar
seu mal e sua afronta, habitando Heorot
nas negras noites. Não tocava o trono –
assento-dádiva: Deus não deixava-o.
(versos 145-156; 163-167)

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Os feitos de Grendel se tornaram conhecidos entre os povos. Até chegar ao


conhecimento do guerreiro Beowulf, sobrinho do Rei do Getas, que se dispõe a
ir até o Rei Hrothgar e se oferecer para matar Grendel. Chegando ao rei dos
Danos, e façanhas sendo comentadas – como a derrota de Beowulf, num desafio
de natação para um guerreiro, chamado Breca, segundo Beowulf, ele foi
derrotado devido ataques de monstros marinhos que o levaram para as
profundezas, onde ele os matou.

Chegando noite combinada, o rei Hrothgar e seus homens se retiraram do salão


deixando apenas os Beowulf e seus guerreiros getas.
Fiava o herói dos Getas na sua força
grande – graça divina. Então, da gálea
e, depois, da cota férrea despiu-se.
A espada ornada (a melhor) entregou
ao seu criado, a ordenar-lhe que cuidasse
dos seus bélicos artefatos. Beowulf,
ao deitar-se no leito, depôs verbos –
jactava-se no leito o herói: “Eu, cá, jamais digo
que sou, em poder de pugna, sup’rior
a Grendel – nem em façanhas de guerra.
Não venho para deixa-lo sem vida
com esta espada minha, embora isso eu
pudesse. Posto, pois, que não possui prática
de armas alguma, não há de atacar-me,
nem de me perfurar o pavês, mesmo
que possa ser, assim, tão poderoso
o terror que ele traz. Se não temer
ele lutar desarmado, sem lâmina
enfrentar-nos-emos . Que escolha Deus
sábio(Senhor sacro) o sobrevivente.
(versos 567-687)

A noite, Grendel chega, devora um dos companheiros de Beowulf, quando tenta


pegar o herói, este rapidamente acorda e se ataca Grendel iniciando um
combate, que por fim terminou com a fuga de Grendel mortalmente ferido – com
o braço arrancado. O prodígio de Beowulf de propagou por todos os lugares, ele
foi ricamente recompensado.

A alegria durou pouco tempo, pois as mortes no salão de Heorot recomeçaram.


A sono solto dormiam. Só um
pelo noturno repouso pagava

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como ocorria, quando ocupou Grendel


o salão de ouro, até o fim fazer-se-lhe
(mal vindo): após pecados, a morte;
Viu-se (era sabido) que um vingativo
ser, após o prélio, sobrevivera:
tivera que habitar temíveis águas
(fêmea guerreira nas frias ribeiras),
quando, co´a espada, ao seu único irmão Caim
matara – parente de mesmo pai –
e, marcado pela morte, do humano
júbilo fugira – fora para o ermo.
(…)
Humilhado, o algoz dos homens a umbria
da morte procurara, pois, privado de
júbilo. De desgraças jornada
a mãe fez para a desforra de seu filho –
lúgubre no âmago, de vingança ávida.
Foi a Heorot. Dormiam Danos de Anéis.
Adentrou ela o salão. Mais ataques
fez ela, então: desforra ao filho seu.
(versos 1251-1265; 1275-1282)

Beowulf se dispõe a matar a mãe de Grendel, e assim por fim ao sofrimento dos
Danos. A mãe de Grendel, era uma espécie de demônio aquático, que vivia
numa caverna submarina à beira de um penhasco. Beowulf recebe de um nobre
uma espada chamada Hrunting que era considerada excelente, que já fora usada
em muitas batalhas vitoriosas, e afirma:

(…)Ou fama, com Hrunting, hei de fazer,


ou ela há de me levar à morte” O lorde
dos Getas, depois de (com tal denodo)
expressar aqueles verbos, então,
não haveria, pois, de réplica aguardar
alguma. E a água recebeu, agitada,
ao guerreiro. Algum tempo ele gastou
para discernir o fundo. Descobriu,
logo, o estranho ser, ao encontro do qual
tal homem descia. A devoradora
(ávida) há meio século nas águas
Estava. Golpe de garra, Ao guerreiro
O monstro tocou, mas não fez mal: malha
de prélio (elos em laços) protegia-lhe

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o corpo – cota contra seu cruel golpe


de odiosos dedos. Desceu, a detê-lo
p´la malha de anéis, a loba do mar
rumo ao lar seu, no fundo.
(…)
Ele se deu conta de que estava
num adverso salão sem água – seu
as enchentes evitava. Então,
reparou luz de fogo, lume rútilo.
O bravo foi bispar aquela fêmea-
Mulher do mar. Deu, co´a espada marcial,
Golpe. Cantou, gládio de guerra, um canto
ávido: lâmina de anéis, eis a arma
na cabeça do ser cravada após
deixar a mão do herói. Mas, divisou
o ser que, lâmina de luta, o gládio
não lhe ameaçava a vida. A arma falhou,
embora fendesse os elmos e as cotas
daqueles em batalhas, destinavam-se
(mano a mano) a morrer. Pela primeira
vez, preciosa peça, a espada no prélio
não fizera lá valer sua fama.
(versos 1291-1505; 1512-1528)

Segue-se uma batalha feroz. Sem espada capaz de vencer a mãe de Grendel,
Beowulf ataca de mãos nuas, estando em situação muito desfavorável.
Vira o varão u´a espada de vitórias,
entre as armas – lâmina artificiada
por gigantes. Gume rígido, glória
de lutadores. Excelente e esplêndida,
era a melhor espada, e a maior. Obra
de gigantes, nunca os homens, nos jogos
de gládios, conseguiam combater co´ela.
De Scyld esse herói chegara-se, então,
(irado estava – letal e implacável)
à arma p´lo cinto que lhe cingia o cabo
anelado. Aflito e irado, atacara:
co´a ponta atingira, pois, o pescoço
do monstro, quando os anéis se quebraram
(de osso). Cravara-lhe o gume no corpo
fadado a falecer. Ao chão, fora ela.
Espada ensangüentada. Ele, feliz.
(versos 1557-1573)

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Tendo matado a mãe de Grendel, Beowulf encontra o corpo de Grendel,


decapita-o e o leva como para o Rei Hrothgar, que o honra com mais presentes,
e o louva como grande herói. O rei e Beowulf juram lealdade e amizade. Após
as comemorações, os Getas retornam para casa. Chegando em sua terra natal,
Beowulf é honrado pelo rei Hygelac, seu tio, e pelo seu povo pelos seus feitos.
Ambos, por direito ancestral, ali
tinham, naturalmente, terras (mais,
porém, Hygelac possuía, por ter
posição superior). Porém, Beowulf
teria o reino, co´os tombos (na guerra
de gládios) de Hygelac e de Heardred
(sobrinho de Hereric, lá sofrendo –
Rasgado o escudo – espada de heróis:
Danos, atrozes, em triunfal ataque).
Beowulf, protetor do povo, tão bem
Reinaria sua terra natal (rei
sábio), por cinqüenta invernos. Sob ´scura
noite, começaria um dragão, contudo,
(de ouro guardião, num outeiro-sepulcro,
alta pedra) a ataca-los: via haveria –
lá dentro, dos homens desconhecia –
de achar um ladrão tão astuto, então,
que (o dragão a dormir) despojaria-o
do cintilante ouro pagão. Sob fúria,
ao acordar, ele atacaria o arrebalde.
(versos 2200-2220)

Beowulf, o mais bravo dos getas, apesar de idoso, se dispõe a proteger seu
povo, com alguns bravos guerreiros, ele se prepara para enfrentar o dragão.
Segue assim, até a caverna onde o monstro jazia.
Verbos ditos. Veio o dragão malévolo –
colérico. De chispas coruscante,
o monstro, outra vez, contra os seus odiosos inimigos investiu. Incendiou,
´té o cabo, o broquel com flamas em fluxo,
quais vagas. A cota não conseguiu
guardar o jovem lutador de guerra.
Mas, pele jogou sob o pavês do amigo,
com denodo, depois que o seu ardera.
Então, o marcial rei (na mente, glória,
outra vez), co´o gládio de guerra, golpe
desferiu (o impelia a força da ira)
no crânio do ser. E quebrou-se Nægling:

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gorou o antigo gládio gris de beowulf –


pelas feridas que fizera era ela
enrijada. O fado não fez o férreo
gládio o auxiliar na guerra. Forte
a mão é desse que maneou espadas
para além da dureza delas – assim
ouvi. Mas bem não estava o bravo homem.
Rumo a ele o dragão de fogo ropeu,
(p´la terceira vez, quando teve chance)
Terrível, quente e cruel: luta intentava
Co´afiadas presas prendeu-lhe o pescoço.
E Beowulf de sangue banhado estava:
O licor da vida de lá vertia um jorro.
(versos 2668-2693)

Beowulf cai desacordado. Os companheiros ou fugiram ou foram mortos pelo


dragão, apenas Wiglaf ficou ao lado do rei dos Getas, auxiliando-o.
O rei, pois, aos sentidos retornou.
Então, brandiu ele sua espada afiada –
gume de guerra que estava guardado
sob seu arnês. Co´ela atravessando
o dragão, o herói, que era defensor
dos Getas ao meio cortou-o – monstro.
Fizeram o hoste ter derrota. Foi
o valor que levou dele a vida. Ambos
aniquilaram-no – nobres aliados.
(versos 2705-2713)

Mortalmente ferido, Beowulf e Wiglaf conversam pela última vez. Beowulf pede
para ver o ouro que constara, pagando com a própria vida. A morte de Beowulf
foi honrada pelo povo. Uma grandiosa pira funerária foi erigida e ali o herói que
venceu Grendel, sua mãe e o dragão, encontrou seu descanso final.

Beowulf de Hollywood

A versão cinematográfica do mito de Beowulf possuía muitas diferenças do mito


do século X. A história de Beowulf segundo o filme se inicia com uma
comemoração no salão de hidromel do Rei Hrothgar, que bêbado festeja com
seus homens, até o som das cantorias chegam até a caverna de Grendel, que
sentido “dores” devido os cantos alegres parte de sua caverna em direção ao
salão, onde inicia um ataque contra os participantes do salão. Contudo, o único
homem que Grendel não podia atacar era o Rei Hrothgar. Após o

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ataque Grendel retorna à caverna onde encontra sua mãe, que o questiona
sobre o que ele tinha feito e se ele tocou no rei.

Com os ataques de Grendel, o salão de Hidromel de Hrothgar é fechado. A


noticia do fechamento do salão de Hrothgar chega à Beowulf, que navega até a
terra do Danos em busca de glória. Uma vez na terra dos Danos, Beowulf chega
ao Rei Hrothgar prontificando-se a acabar com sua aflição. Nesse meio tempo,
Beowulf é questionado sobre sua competição com Breca, da qual saiu perdedor.
Beowulf responde que lutou com monstros marinhos e por isso abandonou a
competição, respondendo de forma ofensiva a quem lhe inqueriu.

O rei Hrothgar aceita de bom grado a ajuda oferecida por Beowulf, que em meio
aos festejos fica flertando com a rainha de Hrothgar. Já era noite, quando o Rei
Hrothgar, bêbado, se retira e chama sua rainha para ir, Beowulf começa a retirar
usa roupa e dizer que lutaria desarmado assim como Grendel, diante da rainha,
se exibindo e seduzindo a rainha – por que apaixona-se, que logo após se retira
para os aposentos de Hrothgar, onde é revelado que Hrothgar e a rainha
Wealhtheow não tenha uma vida intima, nem herdeiros, pois a rainha se
recusava a deitar junto com Hrothgar por sabe teve relação com o demônio sem
nome – a mãe de grendel, sendo ele pai de Grendel.

No meio da noite, com os homens cantando, Grendel ataca o salão. Devorando


e matando os homens. Ao se aproximar de Beowulf, este acorda, e inicia um
combate sem armas. Quando Grendel ameaça fugir, Beowulf que o havia
prendido por um braço com uma corrente, o segura, quando ele tenta sair pela
porta, Beowulf arranca seu braço batendo a porta contra o mesmo. Mortalmente
ferido, Grendel foge para sua caverna, onde encontra sua mãe, conta-lhe o
ocorrido e morre. A mãe parte em busca de vingança. Enquanto isso, os homens
comemoram e Hrothgar dá um chifre dourado em forma de dragão como
presente a Beowulf e todos comemoram. Ela invade o sonho de Beowulf,
tentando seduzi-lo para ter um filho com ele – e quando ele acorda todos seus
companheiros estão mortos.

Beowulf resolve se vingar e parte em busca da mãe de Grendel, em sua


caverna. Ao encontrar a mãe de Grendel, ela fala sobre glorias do futuro que ele
terá se unir a ela e lhe dar um filho. Beowulf tenta ataca-la inutilmente. Ela lhe
promete ele será um rei invencível, sempre forte, majestoso. Como parte do
acordo, ela exige que ele deixe a taça em forma de dragão que recebeu de

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Hrothgar, enquanto essa taça permanecer com ela o acordo tudo que ela
prometeu continuará válido. Beowulf aceita.

Quando retorna ao Rei, Beowulf leva a cabeça de Grendel e afirma que matou a
mãe. Hrothgar chama Beowulf para conversar e desconfia que ele não falou a
verdade. Na conversa Hrothgar afirma que “ a mãe de grendel, não é mais minha
maldição”. Retornando para a festa, o Rei Hrothgar declara para todos, que
quando ele morresse Beowulf seria seu sucessor no trono. Pouco depois,
Hrothgar se afasta e se suicida, Beowulf é declarado rei.

Passam-se cinquenta anos. Beowulf, já velho, com cabelos brancos está num
campo de batalha. Insatisfeito com as batalhas e com a vida. Apesar de ter-se
casado com a rainha Wealhtheow, ele não teve filhos, nem sequer conseguia
dormir com ela, o mesmo ocorre com outras mulheres. Apesar de amar
Wealhtheow, Beowulf não consegue tê-la como mulher.

Numa noite, um dos servos traz a antiga taça do dragão que pertenceu a
Hrothgar, assustado Beowulf questiona onde foi encontrada a taça, e lhe dizem
que foi achada nos montes. Nessa mesma noite, um dragão começa assolar o
reino de Beowulf. Uma vez que a taça retornou à Beowulf, o acordo com a mão
de Grendel estava acabado.

O dragão passou a atacar o reino, Beowulf, pai do Dragão, tomou sobre si a


responsabilidade do que estava acontecendo e pôs em direção da caverna onde
estava o Dragão e sua mãe. Lá chegando, o dragão se revela e parte para
destruir o castelo e matar a rainha. Beowulf o persegue e trava uma batalha com
o dragão. Sacrificando a si mesmo, consegue matar o dragão.

Após a morte de Beowulf, ele recebe um funeral real, sendo colocado num barco
fúnebre. Quando o barco está submergindo, a mãe de Grendel e do Dragão
aparece, e beija Beowulf. Depois aparece próxima a Wiglaf, o novo rei, como
que se também quisesse seduzi-lo.

Entre o Poema e o Filme

Para podermos pensar e discutir o mito de Beowulf nessas duas versões


devemos ressaltar algumas diferenças entre essas duas versões.

Personagem/Elemento Poema Filme

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Beowulf É um guerreiro É um guerreiro


orgulhoso, que busca a arrogante, que se impõe
gloria, realizando pela força em busca da
grandes feitos. É glória. Egocêntrico não
honrado e fiel às se importa em cortejar a
convenções de corte. esposa do rei seu
anfitrião.

Rei Hrothgar Um rei sábio, corajoso Um rei fraco, alcoolista.


que fez de tudo por seu No filme Horthgar nem
povo. de longe lembra um rei
guerreiro.

A relação de Grendel e Grendel não atacava o Não atacava Grendel


o Rei Hrothgar Rei Hrothgar porque por ser filho de
Deus não permitia Hrothgar, e ter sido
proibido pela mãe.

Grendel É um ogro, monstro que Filho de Hrothgar com


devora carne humana um demônio marinho,
ataca por estar se
sentido “ferido” com as
cantorias do salão de
Hrothgar

Mãe de Grendel É um ser demoníaco, É um ser sedutor,


um demônio marinho. sensual, com
características
reptílianas. Após a
morte de Beowulf, ela
aparece no mar e
posteriormente tenta
sutilmente seduzir
Wiglaf – o novo rei.

Dragão É um dragão clássico. É Filho de Beowulf, é


Uma gigantesca um dragão alado e
serpente. cospe fogo.

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Batalha com o dragão A batalha ocorre na A batalha em si, ocorre


caverna, no subsolo. durante o voo do
Beowulf dragão, que vai até o
castelo matar a rainha
Wealhtheow, esposa de
Beowulf

O Reino de Beowulf Beowulf herda o reino Recebe o reino de


do tio, após sua morte – Hrothgar como se fosse
Beowulf não desejava o uma maldição. Após, o
trono, mas com a morte anúncio que seria o
do tio e do primo ele era herdeiro de Hrothgar,
próximo na linha de este se suicida
sucessão, se tornando entregando o trono à
protetor do Getas Beowulf.

Rainha Wealhtheow Aparece muito pouco no É bela e sábia.


poema.

Morte de Beowulf Durante o combate, Após, arrancar o ferir


Beowulf é mordido pelo mortamente o dragão,
dragão – sendo assim que estava em pleno
envenado. Ele morre vôo, ambos caem no
pouco tempo depois de penhasco, morrendo
vencer do dragão. juntos na praia.

Enterro de Beowulf Beowulf é cremado É lançando num barco


numa pira funerária. funerário, que após
incendiado submerge
no mar.

O Mito e o Arquétipo do Herói

Quando falamos em “mito do herói” não nos referimos a um mito específico, mas
a uma categoria de mitos que se referem a essa temática. De forma geral,

A aventura do herói pode ser resumida no seguinte (…): O herói


mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído,

Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista
em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes,
ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion
– Estudos Junguianos Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@psicologiaanalitica.com
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levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali,


encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói
pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com
ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o irmão,
batalha com o dragão; oferenda, encantamento); pode, da mesma
maneira, ser morto pelo oponente e descer morto
(desmembramento, crucifixão). Além do limiar, então, o herói inicia
uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não
obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam
fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda
mágica (auxiliares). Quando chega ao nadir da jornada mitológica,
o herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa.
(CAMPBELL, 2003, p. 241-242)

A jornada ou aventura do herói está sempre vinculada a um momento crítico, um


momento de tensão, onde o herói não surge pelo ímpeto individual, ele é
produzido pelo espírito da época. O surgimento, a preparação do herói, a
aventura, seus feitos, sua recompensa e sua morte apontam para o processo de
transformação de toda uma época. E, por isso é necessária a morte do herói. O
herói, como um importante símbolo de transformação, ele surge como o agente
de mudança, mas, contudo, ele também pertence à época que ele ajuda a
transformar.

(…) virtualmente, todo herói é uma personagem, cuja morte


apresenta um relevo particular e que tem relações estreitas com o
combate, com a agonística [arte da luta atlética], a arte divinatória
e a medicina, com a iniciação da puberdade e os mistérios; é
fundador de cidades e seu culto possui um caráter cívico; é
ancestral de grupos consangüíneos e representante protótipo de
certas atividades humanas fundamentais e primordiais. Todas
essas características demonstram sua natureza sobre-humana,
enquanto, de outro lado, a personagem pode aparecer como um
ser monstruoso, como gigante e anão, teriomorfo [forma animal
selvagem] ou andrógino, fálico, sexualmente anormal ou impotente,
voltado para a violência sanguinária, a loucura, a astúcia, o furto, o
sacrilégio e para a transgressão dos limites e medidas que os
deuses não permitem sejam ultrapassados pelos mortais. E
embora o herói possua uma descendência privilegiada e sobre-

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humana, se bem que marcada pelo signo da ilegalidade, sua


carreira, por isso mesmo, desde o início, é ameaçada por situações
críticas. Assim, após alcançar o vértice do triunfo com a superação
de provas extraordinárias, após núpcias e conquistas memoráveis,
em razão mesmo de suas imperfeições congênitas e
descomedimentos, o herói está condenado ao fracasso e a um fim
trágico.” (Brelich apud. BRANDÃO, 2005, p.19).

O herói é um tema universal, isto é, está presente em todas as culturas e


mitologias por representar um aspecto fundamental do ser humano. C.G.Jung
chamou esses temas universais de arquétipos. Deve-se notar, notanto, os
arquétipos não são apenas padrões culturais ou vinculados apenas à cultura,
são estruturas inerentes ao ser humano, independente da cultura – a cultura vai
determinar a sua forma de manifestação e expressão.

Na psicologia junguiana os arquétipos são padrões de organização psicofísica –


isto é, padrões que atuam tanto no âmbito psíquico quanto somático – que se
manifestam por meio de impulsos/reflexos instintivos para a execução de
determinado comportamento. No sentido propriamente somático, a manifestação
de um arquétipo pode desencadear reações fisiológicas correspondentes a tal
comportamento, por exemplo, temos a pseudociese ou em casos de mulheres
passam a produzir leite no contato com crianças recém-nascidas, que não são
seus filhos e mesmo sem ter tido filhos. No âmbito psíquico a manifestação do
arquétipo se dá na configuração de imagens psíquicas em sonhos, devaneios ou
mesmo em idéias relativamente fixas ou persistentes com amplo poder de
atração que podem subjugar o ego à sua dinâmica própria.

De forma geral, os arquétipos são reconhecidos pelas imagens culturais a eles


vinculados. Em nosso caso, o arquétipo do herói ou o arquétipo cuja temática é
a experiência mítica do herói, nos fala do processo de diferenciação e mudança
de paradigmas.

(…) no mito do herói jamais se trata da história pessoal de um


indivíduo qualquer, mas sempre de um evento transpessoal e ideal
de significado coletivo. Mesmo as características quase-pessoais
são de natureza arquetípica, por mais que os heróis individuais, os
seus destinos e os alvos das suas respectivas lutas com o dragão
possam sugerir que diferem uns dos outros.

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Mesmo que interpretemos a luta e seu objetivo, no nível subjetivo,


como um processo interior do herói, o evento é transpessoal. A
vitória e a transformação do herói, mesmo quando apresentadas
como eventos “interiores”, são para cada ser humano um evento
válido, que deve ser contemplado para ser imitado na vida, ou, pelo
menos, para que o sinta. Enquanto a moderna historiografia, com
seu viés personalista, se inclina a representar os eventos coletivos
da vida das nações e da humanidade como dependentes de
impulsos personalistas de monarcas e líderes, o mito reflete a
personalidade transpessoal através dos eventos singulares da vida
do herói. (NEUMANN, 1995, p. 152)

Devemos, contudo, compreender que herói

etimologicamente, ήρως (héros) talvez se pudesse aproximar do


indo-europeu serva, da raiz ser-, de que provem o
avésticohaurvaiti, “ele guarda” e o latim seruare, “ conservar,
defender, guardar, velar sobre, ser útil”, donde herói seria o
“guardião, o defensor, o que nasceu para servir”. (BRANDÃO,
2005, p. 15)

Dessa forma, o herói é aquele que se coloca a serviço de algo maior, o bem
coletivo. O arquétipo do herói é o impulso à manutenção e transformação da
consciência, contribuindo assim par o desenvolvimento da personalidade, isto é,
do processo de individuação.

Beowulf vs Beowulf

Quando relacionamos as duas versões do mito de Beowulf, notamos uma


estrutura básica e algumas diferenças marcantes. A estrutura básica do mito de
Beowulf, compartilhando do tema arquetípico do herói, é mantida – Beowulf
como guerreiro em busca de glória, que vence monstros, é coroado e
posteriormente tem sua grande ultima batalha onde cai vencido e vencedor.

As diferenças, entretanto, são úteis para compreendermos a necessidade e das


dificuldades do homem em cada época. Os relatos do mito segundo o
manuscrito do século X, nos indicam aspectos da psique coletiva do homem
daquela época.

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Beowulf é um herói geta ou godo, como chamaram os romanos, uma tribo


originária da Escandinávia. No poema medieval no século X, o norte da Europa
passava por um processo de transformação, a era Viking estava em franco
declínio, chegando ao fim no século XI, quando os guerreiros Vikings deixaram
os assaltos (saques) e invasões e criaram reinos, passando a se dedicar ao
comércio. O cristianismo modificava a conduta dos povos germânicos e
escandinavos e inseria uma nova concepção ética. O mito de Beowulf coloca-se
nessa interseção de mudanças na psique coletiva.

No poema Beowulf é um guerreiro que parte de sua terra em busca de aventura


e glória. A luta com Grendel e sua mãe, foi parte de sua preparação como herói.
Sua descida a caverna marinha (um símbolo feminino e materno – caverna e
mar), ao mundo urobórico marinho, nos fala de uma descida iniciática, um
segundo nascimento onde beowulf vencendo a “grande mãe” de Grendel,
restabelece a paz, restaurando o reinado (paterno) de Hrothgar. O sucesso de
sua empreitada, é fundamental no seu retorno à casa, pois o destino lhe
reservou, sem que o mesmo desejasse, o trono.

O poema retrata a transição de um guerreiro-aventureiro a um sábio rei, protetor


de seu povo. O heroísmo de Beowulf não diminui com a idade – assim como o
potencial do arquétipo não está restrito a juventude.

Outro aspecto importante é pouca presença do feminino no poema. Beowulf é


um guerreiro sem donzela; um rei sem rainha. A única presença feminina
marcante é a mãe de Grendel, que é um feminino perigoso, urobórico, que
assassina os homens. A ausência de participação ou presença do feminino no
contexto do poema nos leva a observar o modelo ideal do homem godo na alta
idade média – que era o ideal guerreiro. O não encontro com o feminino impede
que Beowulf atinja na velhice a verdadeira sabedoria, apesar de sua justiça ele
continua sendo herói. E, por esse heroísmo é morto.

O mito Beowulf medieval nos serve de modelo para pensarmos o a consciência


masculina, ergue do inconsciente, lutando contra as forças ctônicas do mundo
inferior, mas que por não integrar o princípio feminino não subsiste ao encontro
com a sombra-dragão.

A versão contemporânea do mito de Beowulf é igualmente rica e expressa


aspectos importantes da psique coletiva contemporânea. O Beowulf de nossos
dias é um guerreiro em busca de glória, mas não uma glória vinda da honra de

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servir, mas pelo desejo de poder. Seu individualismo (quase narcísico) se reflete
no modo como insiste em fazer seu nome conhecido, bradando seu nome aos
quatro ventos sempre que possível.

Na versão contemporânea, as mulheres são muito presentes na narrativa – a


rainha Wealhtheow e a bela mãe de Grendel. A atração de Beowulf pelas
mulheres é evidente desde o primeiro contato com a rainha, onde se mostra
“admirado” e logo após “apaixonado” – a ponto de romper com todas as regras
de cortesia ao tentar seduzir a rainha Wealtheow quase que diante do rei
Hrothgar.

O descaso de Beowulf com regras de cortesia, assim como a representação de


Hrothgar como um rei bêbado e fracassado é um aspecto importante que para
pensarmos em nossa época. O nosso herói não respeita as tradições, nem os
velhos tem nada acrescentar.

Talvez, deveríamos classificar Beowulf não como herói, mas como um “anti-
herói” – ele não serve a ninguém a não ser a si mesmo e seus impulsos. Beowulf
é um herói sem referências – assim como Hrothgar é um rei sem
majestade. Hrothgar é um velho (senex) que não atingiu o auto-conhecimento
e a sabedoria – necessárias guiar o herói em seu caminho de
transformação. Tanto Hrothgar quanto Beowulf, são presos ao princípio princípio
feminino da mãe Grendal, os que lhe impedem de ter um herdeiro.

O encontro de Beowulf com a mãe de Grendel aponta seu despreparo para lidar
com o mundo ctônico e inferior, que o seduz e o prende num juramento – ele
recebe em troca “força” e “majestade” – uma “juventude” que dura 50
anos. Beowulf não amadurece nem frutifica.

O Beowulf medieval, estava desconectado do mundo feminino preso no mundo


patriarcal das normas e tradições, também nosso Beowulf contemporâneo, está
preso no mundo da grande mãe, não consegue se unir a sua alma (anima).

Se formos pensar em nosso mundo, onde também há uma perda das tradições,
os idosos são asilados (ou exilados) e cada vez mais temos pessoas sem
direção, adolescentes de 40 anos, adolescentes que buscam a glória a todo
custo – mesmo que seja da própria vida ou de outros. A dificuldade de
amadurecer é mostrada quando Beowulf, 50 anos depois de ser coroado

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continua no campo de batalha, como se envelhecesse sem perder o físico da


juventude, Beowulf é um misto de herói e puer aeternus.

Podemos compreender a busca pelo Dragão – inicialmente como uma descida,


na caverna – como o encontro com a sombra, um reencontro com seus atos do
passado. O que fica bem claro, visto que o dragão é o filho que busca o pai. A
após ferir mortalmente o dragão e caírem do penhasco na praia, o dragão (que
assume uma forma quase humana) e Beowulf ficam estirados lado a lado, como
iguais.

No funeral de Beowulf, a presença de mãe de Grendel em seu barco fúnebre,


indica o retorno de Beowulf ao mundo materno, do qual ele nunca saiu
realmente. que não conseguiu integrar o feminino de forma criativa, o que
impediu que chegasse a um desenvolvimento pleno.

Ao confrontarmos as duas versões desse mito, podemos observar que eles


chegam ao mesmo ponto, por vias diferentes. O herói que não integra o princípio
feminino está fadado a uma morte desastrosa. O princípio feminino é o princípio
complementar da consciência, isto é, o próprio inconsciente, sem o qual é
impossível chegar à totalidade. Contudo, devemos notar, que o feminino não se
restringe somente a mãe de Grendel e a rainha Wealhtheow, o dragão-sombra,
não deixa de ser um símbolo do feminino. Segundo Neumann,

(…) podemos dizer que o dragão é habitualmente um símbolo do


feminino.

(…) Na batalha heróica, o dragão do Feminino Terrível tem um


aspecto dual. Num dos aspectos, o dragão aparece francamente
para o ego como uma imagem negativa da psique, como a face
aterradora do inconsciente que – como impulso e afeto, como
letargia e covardia, e a tendência a desistir da luta – (…) Isto
porque, na constelação do dragão, o mundo é também um aspecto
do Feminino Terrível gerador de ansiedade, que ameaça devorar o
ego-herói e levá-lo de volta aos braços da Mãe-Terrível que está
dentro dele, e que em seu abraço incestuoso promete a paz da
morte por meio da rendição do eu. (NEUMANN, 2000, p.230-2)

Não podemos deixar, dizer que no filme fica bem claro dos aspectos reptilíneo
da mãe de Grendel. O próprio dragão, viveu preso ao mundo urobórico da grande

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mãe, expressa os desígnios sombrios da Mãe Terrível, que envia o próprio filho
para a morte no confronto com o pai.

Na sociedade guerreira gótica, onde o feminino não tinha espaço devido, o mito
apontou para o perigo dessa falta, por outro em nossa sociedade, a busca por
uma igualdade entre os sexos não significa nem diferenciação do ego das
imagens arquetípicas, nem integração dos pares opostos, no caso, o feminino
(anima) no homem e o masculino (animus) na mulher, o mito de Beowulf aponta
para os perigos tanto da falta quanto da submissão ao feminino, que não leva a
diferenciação do ego. Em ambas versões do mito de Beowulf, podemos
compreender que a não integração do feminino conduz ao um confronto
desastroso com o inconsciente (dragão).

Cerca de dez séculos separam as sociedades que produziram as versões do


mito de Beowulf. As diferenças entre as versões são enormes, o foco, a
caracterização dos personagens, contudo há um elemento fundamental e
estrutural do mito que independe da roupagem que recobre o mito, que é o
núcleo arquetípico em torno do qual o mito se desenvolve.

Ao discutirmos as duas versões podemos observar que o mito de Beowulf


pertence ao grupo de heróis que, como Édipo, não se diferenciaram do feminino,
ficando presos ao mundo matriarcal. Cujos feitos heróicos foram ofuscados por
sua tragédia.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega, vol III, Vozes: Petrópolis, 2005.

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2003.

NEUMANN, Erich. História da origem da consciência. 10 ed. Cultrix: São


Paulo, 1995.

______________. O Medo do Feminino São Paulo: Paulus: 2000.

SAMUELS, Andrew, SHORTER, B., PLAUT, F. Dicionário crítico de análise


junguiana Rio de Janeiro: Imago, 1988

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RAMALHO, E. BEOWULF, Tessitura :Belo horizonte, 2007.

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