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FES 05-01

O SER-PARA-A-MORTE EM HEIDEGGER: UMA PROBLEMATIZAÇÃO


FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

João Bosco Batista1

O pensamento de Martin Heidegger (1889-1976), tenta reabrir o caminho para uma verdadeira compreensão do Ser (Sein),

questão fundamental que a seu ver ficou esquecida na História da Filosofia ocidental, identificada com a própria História da

Metafísica. A questão do sentido do Ser (Sinn vom Sein) só se torna compreensível a partir da análise fenomenológica de um ente

– o Dasein - com possibilidades de pensar e questionar o sentido do Ser a partir da própria existência.

De acordo com a abordagem heideggeriana, a História da Metafísica deve ser superada, como condição para se configurar a

história da verdade do Ser. A Metafísica representa a história do esquecimento do Ser. Como podemos ver em sua obra prima Ser

e Tempo (Sein und Zeit), a tentativa de superação da Metafísica é, ao mesmo tempo, projeto de construção de uma “ontologia

fundamental” (Fundamentalontologie).

A Ontologia Fundamental, proposta que perfaz a analítica existencial de Ser e Tempo, procura explicitar a relevância da

relação originária entre Ser e homem; o que constitui o cerne da indagação do conteúdo da ontologia a partir da relação possível

que se estabelece entre o ser do homem (Dasein) e o Ser. Na analítica (ontológica) existencial, segundo o autor alemão, viabiliza-

se a sistematização do núcleo originário de tal ontologia. Nela, o ser do homem “se evidencia como o ente a ser , em princípio,

previamente interrogado em seu ser” (Ser e Tempo, 1988, p 41).

Heidegger exprime concisamente numa passagem da Introdução à Metafísica (1953) o teor da ontologia fundamental

exercitada em Ser e Tempo, onde a relação primordial Ser – homem (existência) é essencial para a abordagem ontológica

Se a questão do ser procura não só o ser do ente mas o ser mesmo em sua essencialização,
necessita, então de maneira completa e expressa de uma fundamentação da existência calcada nessa questão,
à qual se deu por essa necessidade, e só por isso, o nome de ‘ontologia fundamental’ (p 195).

A noção heideggeriana do homem como Dasein e Existência, é indispensável para se compreender o fulcro que sustenta a

construção do pensamento ontológico que busca o levantamento do sentido do Ser. Quando Heidegger pergunta pelo ser do

Dasein, o aí do ser-aí que é o próprio homem, ele o faz tendo em vista alcançar uma compreensão da essencialização (wesen) do

Ser, sem contúdo se descuidar da essencialização do ser do homem, que participa da constituição do Ser. Pondera o filósofo que
“dizemos muito pouco do homem quando dizendo o ser, pomos o homem para si, para apenas então afirmarmos uma relação do

assim posto com o ser” (Sobre o problema do Ser, p 40).

Uma análise da condição existencial do homem não pode prescindir da compreensão da questão do sentido do Ser. O que

significa que a busca de compreensão da essência do homem encontra-se fundamentalmente vinculada à questão da essência

(wesen) do Ser. O que distingue o homem como Dasein é o fato de ele ser “aquele ente que existe compreendendo o ser e que por

isso pode interpretar de uma certa maneira a si mesmo e ao mundo” (NUNES, 1999, p 58).

A ontologia fundamental não reconhece a abordagem do ser do homem restrita ao em si e pa si humano. Tal tipo de análise

estaria ainda condicionado ao pensamento metafísico de esquecimento do Ser.

Heidegger ao colocar a questão do ser do Dasein, procura analisar a questão do homem como ser-no-mundo (in-der-Welt-

Sein). A partir deste ente determinado e finito é que se deverá colocar a questão do sentido do Ser. Isto mostra que a ontologia

heideggeriana não pretende ultrapassar o horizonte da finitude e da temporalidade, como fez a metafísica.

Gerd Bornheim atinge com clareza o cerne da ontologia da finitude e da temporalidade de Heidegger quando afirma: “Com

a expressão Dasein , Heidegger situa propriamente o problema do Ser, mas em relação a este ente particular que é o homem”.

Continua ele: “Poderíamos traduzir o aí do ser-aí com a palavra presença , que tem dois rostos: é presença do homem no ser, e é

presença do ser no homem”. E conclui: “O homem é, em seu ser mesmo, compreensão do ser , ou ele é compreendido pelo ser”

(Metafísica e Finitude, p 139-140).

Vemos assim, que tal ontologia que pensa “desde a finitude do finito” (Op. cit., p 139), isto é, desde a relação Ser-homem,

mantém-se coerente com o pensamento da diferença ontológica. Em uma passagem da carta Sobre o Humanismo (1949),

Heidegger expressa um pensamento que sintetiza a sua proposta de uma nova ontologia que procura situar a compreensão do Ser a

partir do horizonte da finitude e de sua íntima relação com o homem:

O ser - o que é o ser? (doch das sein – was ist das sein?) Ele é ele mesmo (es ist es selbst).
Experimentar isto e dizê-lo é a aprendizagem pela qual deve passar o pensamento do futuro. O ser- isto não é
Deus, nem um fundamento do mundo. O ser é mais amplo que qualquer ente, seja isso uma rocha, um animal,
uma obra de arte, uma máquina, seja isto um anjo ou Deus. O ser é o mais próximo. E, contudo, a
proximidade permanece para o homem, a mais distante (p 158).

Como se explica a paradoxalidade deste último enunciado? O que estaria Heidegger querendo dizer ao afirmar que a

proximidade do Ser em relação ao homem é, no entanto, a mais distante? Heidegger com tal afirmação pretende expor a situação

ambígua da existência humana no mundo. O homem é o ente que tem como “privilégio” o confronto com o mistério ontológico da

existência em suas diversas manifestações, desde um simples ente microscópico até os maiores astros do macrocosmo. Expressou
bem tal situação do homem, o filósofo do século XVII, Blaise Pascal, ao afirmar estupefato, que a imensidão infinita do Universo

o apavorava. Para o homem, o mistério da existência não é algo que dista muito de seu cotidiano, mas, ao contrário, irrompe nos

aspectos comuns e aparentemente corriqueiros da cotidianidade. É preciso, no entanto, que para isto o homem esteja aberto (em

estado de atenção) aos fenômenos que lhe ocorrem e que se manifestam na proximidade de seu existir. Desta forma, é que,

segundo Heidegger, o homem, enquanto ser-no-mundo, encontra-se diante do significado do Ser.

Como se apresenta o fenômeno da morte na abordagem fenomenólogico-existencial, tal como apresentada por Heidegger?

A morte, em primeiro lugar, deve ser enfocada a partir da analítica existencial e não como mero fato que ocorre naturalmente.

Neste sentido, o filósofo quer abordar a morte como um fenômeno constituinte da existência humana. Ela não pode ser vista

desvinculada da constituição ontológica do Dasein e de sua relação originária de abertura com o Ser. A morte é, pois, um

acontecimento humano, existencial, e não se confunde com o simples fenecimento natural dos entes, como uma folha que cai de

uma árvore. Veremos, assim, que para Heidegger, a morte é, por estranho que aparentemente possa aparecer, um fenômeno

(existencial) privilegiado, que se encontra profundamente entranhado no ser do homem como ser-no-mundo e ser-de-projeto.

A expressão, alcunhada pelo filósofo, ser-para-a-morte (Sein zum Tode), insere-se e se contextualiza, irrefragavelmente, na

abordagem ontológica que busca alcançar o sentido do Ser. Ela é, pois, compreendida no âmbito da hermenêutica ontológico-

existencial, da qual se ocupa Heidegger em Ser e Tempo. Em outros termos, a abordagem fenomenológica da morte, feita pelo

autor alemão, não se compatibiliza com o aspecto trágico e fatalista, às vezes apresentado pela corrente existencialista; ao

contrário, trata-se de um capítulo importante da analítica ontológica, que investiga a relação de abertura do ser do homem

(Dasein) com o Ser.

Em Heidegger, especificamente nos parágrafos 46 a 53 de Ser e Tempo, a morte enquanto fenômeno humano, existencial e

ontológico diz respeito à análise da possibilidade do Dasein “ser-todo”, enquanto em sua constituição é fundamentalmente um ser-

para-a-morte. Atentemos um pouco para o enfoque inusitado com o qual o autor trata do tema da morte, que, de certa maneira,

inaugura uma abordagem especificamente fenomenológico-existencial do homem enquanto ser-no-mundo e ser-de-projeto.

Vejamos então como se configura a hermenêutica ontológica do fenômeno da morte na analítica existencial elaborada por

Heidegger.

Como afirmamos acima, uma abordagem coerente do Dasein enquanto ser-para-a-morte, encontra-se imbricada à

interpretação ontológica (a ontologia fundamental) desenvolvida em Ser e Tempo. Isto é o mesmo que tematizar a morte a partir da

determinação ontológica que constitui a própria existência. Diz o autor alemão que “determinamos a idéia de existência como
poder-ser que compreende, e onde está em jogo seu próprio ser” Continua o filósofo: “Sendo porém sempre meu, o poder-ser é

livre para a propriedade e a impropriedade ou ainda para um modo de indiferença” (Ser e Tempo, Parte II, p 11).

A morte não é tratada como uma simples categoria metafísica, mas vê-se encarnada na existência pessoal e historicizada de

cada Dasein. Por isso Heidegger não fala propriamente em morte de modo geral ou generalizado, mas enfatiza sempre a expressão

hifenada ser-para-a-morte. Isto revela a morte, a minha morte e a morte dos outros (a morte de cada um), na perspectiva de “uma

determinação concreta da existencialidade da existência” (Id. ibid., p 11). Nesta concepção, a ênfase recai sobre o termo para, que

significa a situação de pendência, na qual se encontra o homem na temporalidade da própria cotidianidade: “No Dasein, enquanto

ele é, sempre se acha algo pendente, que ele pode ser e será” (Id., p 12).

A pretensão de Heidegger com sua análise é alcançar um “conceito existencial da morte”. Tal propósito se torna viável

quando se visibiliza a existência concreta do Dasein em seu poder-ser que vislumbra a totalidade. No entanto, é preciso que se

observe que ao se referir à totalidade, o autor não está a retomar uma categoria da metafísica, que se afina com os conceitos de

infinito e absoluto, mas refere-se ao sentido temporal da existência que se norteia por meio das noções de sentido e de significado.

É nesta perspectiva que o autor afirma que à pendência que determina a existência, pertence o próprio fim. Assim pode-se afirmar

que “o ‘fim’do ser-no-mundo é a morte” (Id., p 12).

O fim a que se refere Heidegger está, pois, intimamente relacionado com o poder-ser que constitui o ser-aí do homem. O

homem não está lançado no mundo ao modo de um ente simplesmente dado que fatalmente terá seu fim, mas encontra-se lançado

no horizonte das possibilidades, sendo até mesmo a morte uma possibilidade, a última delas: a possibilidade da impossibilidade.

Este é o significado que encontra Heidegger para clarificar a expressão de que o homem enquanto Dasein precede-a-si-mesmo.

Ele é bastante claro ao elucidar tal análise com a afirmativa de que até mesmo “a falta de esperança não retira o Dasein de suas

possibilidades, sendo apenas um modo próprio de ser para essas possibilidades” (Id., p 15).

Como se explicaria, no caso, o fenômeno da morte no seio desta hermenêutica ontológico-existencial? Como foi dito acima,

o Dasein se compreende como ser-para-a-morte, porque nele sempre há algo pendente (Ausstand) que ainda não se tornou “real”,

como um poder- ser de si mesmo. Afirma Heidegger: “Na essência da constituição fundamental do Dasein reside, portanto, uma

constante inconclusão. A não totalidade significa o pendente do poder-ser” (Id., p 16). O Dasein enquanto ente, jamais alcança o

seu fim,isto é, a sua totalidade, pois isto significaria, evidentemente, deixar de ser ente, ou seja, um ser-no-mundo. Como pode

então o Dasein fazer a experiência (existencial) da morte? Esta experiência, à primeira vista, parece impossível, pois ao morrer, o

Dasein já não mais é, isto é, ele deixa de ser. Com a morte o ser do homem não mais está presente, enquanto é concebido

essencialmente como ser-no-mundo. Diz Heidegger que é por meio da morte dos “outros” que o homem pode observar
“objetivamente” o findar da presença do Dasein no mundo. Explica o autor que sendo “essencialmente ser-com os outros, o

Dasein pode obter uma experiência da morte”. Continua ele: “Esse dado ‘objetivo’ da morte também deverá possibilitar uma

delimitação ontológica da totalidade do Dasein” (Id., p 17).

A morte que presencio do outro, me revela, segundo Heidegger, que o outro Dasein alcançou sua totalidade, ao não-mais

estar-presente, no sentido de não-mais-ser-no-mundo. Mas, pondera ainda o filósofo, mesmo o não-mais-ser-no-mundo do morto

ainda é também um ser, na acepção de do ser simplesmente dado de uma coisa corpórea (como cadáver). Ele se “apresenta” agora

como um ser “finado”, que chegou a seu “fim”(no sentido de totalidade).

Diz Heidegger que na morte do outro “pode-se fazer a experiência do curioso fenômeno ontológico que se pode determinar

como a alteração sofrida por um ente ao passar do modo de ser da pre-sença (a vida) para o modo de não-ser-mais-pre-

sente”.Continua o autor: “O fim de um ente, enquanto pre-sença, é o seu princípio como mero ser simplesmente dado” (Id., p 18).

A morte de alguém, embora revele o seu desaparecimento como ser pre-sente no mundo, tem ainda uma significação para

os que ficaram. Assim explicita o pensador alemão: “O ‘finado’que, em oposição ao morto, foi retirado do meio dos que ‘ficaram

para trás’ é objeto de ‘ocupação’nos funerais, no enterro, nas cerimônias e culto dos mortos”. “E isso porque”, prossegue o autor,

“em seu modo de ser, ele é ‘ainda mais’que um ente simplesmente dado no mundo circundante[...]. Junto com ele, na homenagem

do culto, os que ficaram para trás são e estão com ele, no modo de uma preocupação reverencial” (Id., p 18).

A morte em uma interpretação fenomenal (fenomenológico-existencial) se apresenta primeiramente como a morte dos

outros. Mas observe-se que se trata da morte dos outros e não propriamente da minha. Por mais que esteja ao lado do ente querido

que se vai, a experiência da morte, em sentido próprio, só pode ser realizada por aquele que se encontra em situação de morte, ou

seja, que está morrendo. Neste sentido, podemos afirmar que, como a experiência de nascer, a morte é uma experiência que se dá

na so-lidão do ser pessoal (o Dasein). Por mais que esteja acompanhado dos entes queridos e de suas com-dolências, o moribundo

tem que se haver solitariamente com a experiência de sua morte que, na verdade, já se encontrava entranhada contitutivamente em

seu ser desde o nascimento.

Explicando melhor a complexa relação que se trava entre o momento de partida de alguém do mundo, através da morte, e os

que ficam e presenciam sua partida, Heidegger diz que “a morte se desentranha como perda e, mais do que isso, como aquela

perda experimentada pelos que ficam”. Continua ele: “Ao sofrer a perda, não se tem acesso à perda ontológica como tal, ‘sofrida’

por quem morre. Em sentido genuíno, não fazemos a experiência da morte dos outros. No máximo, estamos apenas ‘junto’”

(Id., p 19).
Expressando de modo diferente o mesmo pensamento, poderíamos dizer que, a rigor, não é possível ao homem fazer a

experiência de sua morte e muito menos da morte dos outros. Uma questão, no entanto, se faz pertinente: Como falar da morte a

partir de uma interpretação existencial e fenomenológica? É possível elaborar uma análise existencial da morte? Em última

análise, como se explicita o ser-para-a-morte em sentido próprio como viabilização do projeto existencial?

Primeiramente é preciso aclarar o sentido próprio do findar do Dasein. O fim ou findar não significam terminar ou

completar-se. Para Heidegger, na morte, o Dasein não se completa, nem simplesmente desaparece ou acaba, e muito menos pode

estar disponível à mão (Id., p 26). A morte assume um significado mais profundamente existencial.Ao descartar as categorias

quantitativas e comensuráveis da morte como um simples terminar ou completar-se, Heidegger pretende alcançar o sentido

ontológico e existencial do morrer em sentido próprio. A morte não deve ser entendida como algo que está no fim; que nos

aguarda ou nos espreita externamente. Ela não é algo a ser hipostasiado, como uma categoria metafísica, apartada da concretude

do existir do homem, em seu modo peculiar de ser. A morte, em sentido ontológico, está intimamente imbricada com o fenômeno

da existência. Daí afirmarmos com Heidegger que o Dasein enquanto ser-de-projeto é simultaneamente ser-para-a-morte. O

fenômeno existencial da morte não obstaculiza a constituição do Dasein como ser-para-frente, ao contrário, ela pertence à

condição ontológica e existencial do ser do homem, como ser de prospectiva que elabora projetos e acalenta o sonho de ser em

plenitude, mesmo em meio a finitude que lhe é constitutiva. Ela é intrínseca ao ser do homem, é seu modo próprio de ser-no-

mundo.

É isto que pretende mostrar o autor quando afirma:

Da mesma forma que o Dasein, enquanto é, continuamente já é o seu ainda-não, ele também já é
sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa o ser e estar-no-fim do Dasein, mas o seu ser-
para-o-fim. A morte é um modo de ser que o Dasein assume no momento em que é. “Para morrer, basta estar
vivo” (Id., p 26).

O ser do homem está implicado nesta determinação existencial do ser-para-o-fim, enquanto já é seu ainda-não; o que quer

dizer que a morte deve ser interpretada no horizonte da constituição ontológica do Dasein. Ela, enquanto pertence ao ser do

homem, é catalizada pelos caracteres fundamentais que determinam o Dasein como: o preceder-a-si-mesmo, a existência, o já-ser-

em, a facticidade, o ser-com, a decadência. Heidegger é bem explícito quando enuncia que “a morte é uma possibilidade

ontológica que o próprio Dasein sempre tem de assumir” (Id., p 32).

O filósofo alemão para representar o significado existencial privilegiado da morte utiliza o termo impendente (Bevorstand).

Este termo indica o caráter inalienável e insuperável da morte como uma possibilidade irremissível, isto é, ela já é no modo de

estar e ser-acontecendo-no-mundo. O sentido de impendência da morte é existencial e não simplesmente metafísico e extrínseco
ao ser do homem. Com a morte, a existência humana é impendente em seu poder-ser mais próprio. A possibilidade da morte não

se encontra num porvir indefinido; paradoxalmente, ela, embora seja um ainda-não, já se encontra arraigada nas fibras da própria

ex-sitência. Diz Heidegger que “em existindo, o Dasein já está lançado nessa possibilidade” (Id., p 33). O ex-sistir do homem tem

seu sentido ontológico na possibilidade inalienável de ser-para-a-morte. A morte não é uma possibilidade no sentido de algo que

poderá ou não acontecer, mas como aquilo que essencialmente já está acontecendo e se dando em meio a escolhas. Por isto ela é

denominada por Heidegger como a possibilidade privilegiada, pois já se encontra subentendida nas outras possibilidades.

Fenomenalmente, a morte pertence ao ser-no-mundo. Segundo Heidegger, é por meio da angústia que o “estar-lançado na

morte se desentranha” para o homem de modo mais originário e penetrante. A angústia diante da morte, é, na verdade, a angústia

com o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. Ela já se revela na compreensão da constituição existencial de ser-no-

mundo.

Vejamos que na hermenêutica existencial feita por Heidegger, a angústia não se confunde com a angústia mórbida e

patológica, mas é a disposição fundamental que caracteriza o modo de ser do homem como ser-no-mundo. Ela se manifesta como

a abertura constituinte do Dasein que, como ser-lançado (no mundo) existe para seu fim. É a angústia, pois, o sentimento

(disposição) que possibilita uma compreensão existencial da morte. Tal sentimento é que revela ao homem a condição ontológica

inalienável de ser-para-o-fim como um modo essencial de ser e estar-lançado no mundo.

Há, todavia, um movimento de fuga por parte do homem em sua cotidianidade; isto é, no dia-a-dia de cada pessoa ainda

prevalece a tendência de evitar o sentimento de angústia que revelaria o sentido mais profundo de sua existência como ser-para-a-

morte. No entanto, tal fuga não anula o fato da morte; acontece que “existindo o Dasein morre de fato”, embora o faça na maior

parte das vezes, no modo da de-cadência. A de-cadência é o modo de ser na impessoalidade. Este modo de ser que se caracteriza

como fuga, não é um puro afastar-se do mundo cotidiano, ao contrário, é “Um empenhar-se no ‘mundo’das ocupações”. “Nesse

de-cadente ser-junto-a”, continua o filósofo, “anuncia-se a fuga da estranheza, isto significa, do ser-para-a-morte mais próprio”

(Id., p 34).

Este modo cotidiano da de-cadência, ao invés de depor contra a interpretação existencial da morte, a confirma, pois flagra o

homem em seu “esforço” quase desesperado de querer conter os sentimentos de angústia e de estranheza diante do ser-para-o-fim.

Desta forma, diz Heidegger: “Pertencendo originária e essencialmente ao ser do Dasein, o ser-para-a-morte deve também ser

comprovado na cotidianidade – embora, de início, de maneira imprópria” (Id., p 34). Trata-se aqui do ser-para-a-morte mediano na

vida cotidiana, na qual predomina o modo de ser da public-idade ou da impessoalidade.


Neste modo mediano da convivência cotidiana, o homem “conhece” a morte como uma ocorrência que sempre vem ao

encontro, como casos de morte, que mantêm a morte na situação da não-surpresa. Ouve-se falar da morte dos outros como um

mero acontecimento jornalístico, ou como mais uma “novidade” no diz-que-diz do falatório que banaliza a morte do outro e cria a

vaga ilusão de que a morte sempre atinge só os outros. A própria morte que já acontece no ato de estar existindo é, assim,

despistada e sempre adiada.

O impessoal (Das Man), como o próprio-impróprio da cotidianidade, segundo Heidegger, também assegura uma

interpretação existencial do acontecimento da morte. Na verdade, evitando tal acontecimento, o homem tem-se que “ocupar” com

ele. O que caracteriza o discurso difuso da public-idade sobre a morte é que “algum dia, por fim, também se morre mas, de

imediato, não se é atingido pela morte” (Id., p 35). O discurso do falatório impessoal sobre a morte contenta-se com a frase

“morre-se” e com o mero imediatismo que nivela e banaliza a morte como algo de impessoal. Morre-se, como de uma árvore cai

uma folha, nada mais: “A morte que é sempre minha, de forma essencial e insubstituível, converte-se num acontecimento público,

que vem ao encontro do impessoal” (Id., ibid.). A minha morte transforma-se em mais um caso de morte que permanentemente

ocorre.

Este “comportamento de escapar da morte encobrindo-a ou “negando-a”, domina com tamanha teimosia, a cotidianidade

que mesmo diante de um “mais próximo” que está “à beira de morrer”, reage-se convencendo-o de que ele haverá de escapar da

morte e retornar à cotidianidade tranqüila de seu “mundo” das ocupações (Id., p 36).

Comenta Heidegger que tal “consolo” do impessoal que busca continuamente tranqüilizar a respeito da morte, vale não

apenas para o “moribundo” mas, sobretudo, para aqueles que “consolam”. No entanto, essa é uma maneira tácita de evitar o

sentimento de angústia que torna possível a atitude de liberdade diante da morte. No domínio público, “pensar na morte” é

considerado um temor covarde, uma fuga sinistra do “mundo”. Por isso falar e pensar na morte, não é uma atitude bem aceita

entre as pessoas. Cria-se com isto um tabu em torno do tema da morte. É um assunto que deve a todo custo ser evitado. Refletir

sobre o tema é até visto como um gesto deselegante. Resume Heidegger esta postura impessoal e mediana diante da morte: “ O

impessoal não permite a coragem de se assumir a angústia com a morte”(Id., ibid.).

Um outro subterfúgio, segundo Heidegger, utilizado pelo domínio público diante da morte, refere-se a uma espécie de

tranqüilidade indiferente frente ao “fato” de que se morre. Pondera o filósofo alemão que tal “elaboração dessa indiferença

‘superior’ aliena o Dasein de seu poder-ser mais próprio e irremissível” (Id., p 37).

Como se delineia, então, para Heidegger, o projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio? Em outras

palavras, como é possível um pleno conceito ontológico-existencial da morte? Isto é possível mediante a delimitação da estrutura
existencial do ser-para-o-fim. De acordo com a analítica existencial, sabemos que o Dasein se constitui pela abertura, ou seja, por

uma compreensão determinada por disposições. Nesse sentido, o projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio,

deve elaborar os momentos desse ser que o constituem como compreensão da morte (Id., p 44).

Na perspectiva fenomenológico-existencial não falamos da morte em si, desvinculada do ser do homem. Por isso se aborda

a questão a partir da expressão ser-para-a-morte, por esta ser parte da elaboração existencial da morte. A morte não é um ente à

mão e nem um ente simplesmente dado; ela encontra-se,como vimos, entranhada na condição ontológica e existencial do Dasein,

ou seja, do ser do homem enquanto ser-no-mundo.

A morte tem uma inserção no projeto existencial. Como isso é possível? Relacionar morte e projeto existencial não é um

contra-senso, embora possa parecer. É evidente que o homem não projeta sua morte em meio ao conjunto de ações que compõe o

seu projeto de vida. A morte é uma possibilidade que difere das outras, por ser o próprio fundamento delas. É isto que pretende

Heidegger dizer com a expressão condição irremissível e intransferível. Há uma outra expressão que busca a compreensão da

morte como ser-para-o-fim: a possibilidade da impossibilidade da existência. Isto que dizer que o ser-para-a-morte tem seu

significado enquanto antecipação do poder-ser de um ente cujo modo de ser é, em si mesmo, um antecipar. A morte é a

possibilidade mais própria do Dasein. Isto significa que a morte não apenas “pertence” de forma não indiferente à própria

existência humana, como reivindica o Dasein enquanto singularidade. A inalienabilidade da morte, compreendida como

antecipação, singulariza o Dasein em si mesmo. Esta antecipação da possibilidade irremissível obriga o ente (a pessoa em

particular) que assim antecipa à possibilidade de assumir seu próprio ser a partir de si mesmo e para si mesmo.

Desta maneira, a morte é assumida em sua propriedade, como minha, quando me “obriga” por meio da angústia existencial

a encarar o meu ser como um ser-de-projeto que não dispensa a morte, mas ao contrário, esta é a própria mola propulsora de

minhas atitudes e projetos existenciais. Um projeto só será existencial, se em seu cerne estiver a compreensão da propriedade da

morte como a possibilidade irremissível.

Vimos, em última análise, que isto não ocorre sem a assunção corajosa do sentimento de angústia que viabiliza a liberdade

para a morte. A liberdade para a morte se desentranha junto à angústia, que ao invés de aprisionar o homem em relação aos seus

projetos, o libera para a possibilidade de uma existência autêntica, na qual a morte desempenha o papel de força motriz de seu ser-

no-mundo. A morte compreendida em seu sentido verdadeiro, não leva o homem a uma inatividade ou apatia mórbidas, mas torna-

se o elemento doador de sentido das outras possibilidades. Para Heidegger, morte e sentido existencial formam um vínculo que se

patenteia no ser pessoal do Dasein.


Em Heidegger constatamos uma contribuição impar para a análise fenomenológico-existencial da morte que muito tem

influenciado o pensamento contemporâneo, principalmente na área das ciências humanas e comportamentais que buscam uma

compreensão mais acurada do homem enquanto ser existente no mundo. A morte tem sido um fenômeno que muito tem intrigado

aos cientistas e pensadores contemporâneos, que encontram na análise fenomenológica, particularmente na abordagem

heideggeriana, um subsídio altamente relevante para o estudo da problemática antropológica contemporânea.

Notas

1
Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da FUNREI. e-mail: jkdc@mgconecta.com.br voltar

Referências Bibliográficas

BATISTA, João Bosco. A Caminho de Uma Nova Ética: Uma interpretação do pensamento de Heidegger. Londrina: UEL,

2001.

BORNHEIM, Gerd. Metafísica e Finitude. Porto Alegre: Movimento, 1972.

HEIDEGGER,Martin. Introdução à Metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

_____. Ser e Tempo (Parte I). Petrópolis: Vozes, 1988.

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_____. Sobre o Humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Col. Os Pensadores).

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NUNES, Benedito. Hermenêutica e Poesia. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

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