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TEXTO
De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas questões entre as mais
importantes, estão escritas nesta carta de índios. Não há uma forma única nem um único
modelo de educação, a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o
melhor. O ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único
praticante.
Em mundos diversos a educação existe diferente: em pequenas sociedades tribais de
povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países
desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou
aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado,
com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo,
ou entre se que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos,
usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade, a
educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios
do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mais
adiante com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas
criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que é comunitário
como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistema
centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que reforçam a
desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos.
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de
educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-
aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras
do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer
povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos,
através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do
mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a, explicar — às vezes a
ocultar, às vezes a inculcar – de geração em geração, a necessidade da existência e sua ordem.
Por isso mesmo — e os índios sabiam — a educação do colonizador, que contém o saber de
seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio, na
verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma educação
que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em seu mundo,
dentro de sua cultura.
Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios
de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de
homens. Mais que isso, ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber
que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção de
crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e
poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é a sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o
educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar
servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos
escusos que ocultam também na educação — nas suas agências; suas práticas e nas ideias que
ela professa — interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade
que habita. E esta é a sua fraqueza.
Aqui e ali será preciso voltar a estas ideias, e elas podem ser como que um roteiro
daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos
sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é
transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se tem
de uns e outros: “... e deles faremos homens”. Mas, na prática, a mesma educação que ensina
pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou do que
inventa que pode fazer: “... eles eram, portanto, totalmente inúteis”.
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(Texto correspondente ao primeiro capítulo do livro “O que é educação”, de Carlos Rodrigues
Brandão, publicado pela Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos)
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Como se processava a educação primitiva?
TEXTO
“Um primeiro longo período da história humana vai de setenta milhões a setecentos
mil anos atrás. (...) Trata-se da longuíssima fase na qual o homem criou a si mesmo: aprendeu
a andar ereto, a falar, a educar a prole. (...) Tínhamos um olfato fraco, portanto não podíamos
perseguir a caça farejando a terra, como fazem os animais, mais tínhamos que avistá-la: para
isto devíamos caminhar de pé, já que a caça frequentemente fugia, desaparecia na vegetação.
Isto fez com que se tenham salvado somente aqueles indivíduos da nossa espécie que se
tornaram mais aptos a caminhar eretos. Como caminhar ereto implicava passar a dispor
membros superiores - que já não eram mais usados para caminhar -, nós liberamos e
especializamos as mãos, usando-as para compensar um ponto fraco: o da nossa mandíbula.
Não tínhamos capacidade para agarrar a presa e esquarteja-la com os dentes e, por isso,
usamos as mãos para construir utensílios e instrumentos. Eis outra grande novidade deste
período: o homem descobre que pode fabricar objetos.(...) Em suma, aprendemos a usar
utensílios com os quais podíamos compensar nossas fraquezas, mas que serviam também, em
um segundo momento, para expressar nossa potencialidade. (...) A partir deste ponto surge
outra modificação fisiológica: graças a posição ereta e graças ao uso intensivo do nosso
cérebro, este último cresceu também quantitativamente. (...) Em resumo, naquela época
aumentamos e potencializamos o cérebro, aguçamos a vista e liberamos as mãos. E educamos
a prole. Aí está um outro fato extraordinário. Basta lembrar os dinossauros, cuja extinção
também está associada ao fato de que, quando os ovos se abriam, a prole gerada já era
autônoma e, portanto, não era educada pelos genitores. Cada dinossauro recomeçava do zero.
(...) O dinossauro era perfeito na sua origem, já sabia se mover, já sabia obter alimento
sozinho e, portanto, os genitores o abandonavam a própria sorte. O ser humano ao contrário
(...) nasce indefeso. Se não for socorrido, morreria em poucas horas. Contudo, a sua fraqueza
se transforma na sua força, pois a assistência biológica que se dá ao seu desenvolvimento
durante tanto tempo implica também a aculturação do indivíduo. Nós somos os únicos
animais que precisam de ao menos dez anos de assistência para que nos tornemos indivíduos
em condições de sobreviver. E somos os únicos animais que não recomeçam sempre do
início, mas que, além das características hereditárias e do saber instintivo, recebem dos
adultos o saber cultural.”.
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(DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Trad. de Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. pp. 23-
25.)
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Quase sempre, a fim de exigir uma prova da capacidade dos iniciantes na cultura
provarem sua confiabilidade e honradez, as tribos realizavam ainda na fase da adolescência
ritos de passagem, que funcionavam como uma verdadeira prova de que, o que foi aprendido,
havia sido guardado no corpo e na alma. E o corpo, por sua vez, passava a carregar as marcas
desse rito para que o indivíduo nunca se esquecesse de suas origens. Acerca disso, temos o
célebre texto do etnólogo Pierre Clastres, “A pedagogia da tortura nas sociedades primitivas”.
Nele, o autor levanta um problema: Por que – nas sociedades primitivas (tribais) era
necessário que o corpo individual fosse atravessado pelo espírito da cultura, através de ritos
de passagens? Por que os segredos da vida coletiva só podiam ser comunicados mediante a
operação social do rito sobre o corpo dos jovens?
Diante disso, o que diz Pierre Clastres? Diversos meios foram inventados para
conservar a lei, uma dessas formas foi a escrita, que proclama o poder da lei. A lei e a escrita
são indissociáveis. A escrita, entendida como toda forma de linguagem e transmissão de
conhecimento, faz com que os indivíduos tomem ciência da lei que os regem. Fazendo com
que a lei se torne legítima, seja aceita pela sociedade por meio do terror, pois o medo é
essencial para que a lei seja cumprida. O corpo é um dos lugares onde a lei é transmitida, e
onde é melhor captada pelos indivíduos. A tortura é uma forma de escrita onde se "insere" no
indivíduo um conhecimento, um saber, uma lei social. "É, sem qualquer intermediário, o
corpo que a sociedade designa como único espaço propício a conter o sinal de um tempo, o
traço de uma passagem, a determinação de um destino".
Em várias sociedades primitivas, os jovens têm que passar por rituais para fazerem
parte da sociedade. São os ritos de passagem são fundamentais para essas sociedades, pois
ordenam a vida social e religiosa desses povos. Através do ritual, a sociedade fica com a
posse do corpo do indivíduo, é um ritual de pertencimento. E a tortura faz parte desse ritual
que é aceito por toda a sociedade, inclusive pelos jovens que recebem essa tortura, esses
jovens recebem esse sofrimento em silêncio, pois aceita esse ritual como legítimo". De uma
tribo a outra, de uma a outra região, diferem as técnicas, os meios, os objetivos explicitamente
afirmados da crueldade; mas a meta é sempre a mesma: provocar o sofrimento".
A sociedade, nesses rituais, marcam o corpo do indivíduo para sinalizar a sua pertença
ao grupo. O corpo é uma memória, o sofrimento imprime esse sinal na memória do indivíduo,
uma recordação desagradável, é difícil sair da memória, e principalmente quando o corpo
carrega essa marca pelo resto da vida, fazendo o indivíduo lembrar a qualquer hora o poder
dessa sociedade que ele pertence.
As funções do sofrimento nas sociedades primitivas são avaliar a resistência pessoal,
significar um pertencimento social, e principalmente igualar todos os indivíduos pertencentes
ao grupo. A lei primitiva é uma proibição à desigualdade, as marcas inseridas nos corpos das
pessoas afirmam que todos são iguais, e que não pode haver divisão.
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(Cf. CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1978. p. 125-130)
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Da maneira como existe entre nós, a educação surge na Grécia e vai para Roma, ao
longo de muitos séculos da história de espartanos, atenienses e romanos: Deles deriva todo o
nosso sistema de ensino e, sobre a educação que havia em Atenas, até mesmo as sociedades
capitalistas mais tecnologicamente avançadas têm feito poucas inovações Talvez estejam,
portanto, entre os seus inventos e escolas, algumas das respostas às nossas perguntas.
Por falar na Grécia, tomaremo-la agora como eixo do debate, pensando como a
filosofia se relaciona com o tema educação, como os pensadores (durante a história) vem
pensando a educação e como isso repercute na questão da escolarização.
Qual a concepção de homem da Filosofia?
O que significa Filosofia?
O termo filosofia tem origem grega. O termo philia significa amizade/amor e sophia,
sabedoria. Temos, pois, a “amizade pelo saber”, o desejo de estar próximo do saber, do
conhecimento verdadeiro. A filosofia, como a entendemos atualmente, tem seu início no
século VI a.C., na Grécia Antiga. Poderia ter surgido em qualquer lugar, mas naquele
momento da história diversas coisas ocorriam para que ali fosse seu começo. A Grécia Antiga
vivia um momento de auge de sua cultura. O comércio com outros povos trouxe
conhecimento. A produção artística era muito ativa. Havia os jogos olímpicos.A linguagem,
moeda e tecnologia (de arquitetura e militar) também marcaram esse período. Com toda essa
efervescência cultural, iniciou-se uma nova tentativa de responder os questionamentos sobre a
existência. Se, para alguns, as narrações fantásticas da mitologia serviam para explicar o
mundo, suas catástrofes, seu clima, sua organização, sua origem; outras pessoas começaram a
procurar respostas fora dos mitos.
A Antiguidade Grega é conhecida como o berço dos pensadores, sendo que os sophos
(sábios) tentaram formular, por volta dos séculos VII-VI a.C., explicações racionais para tudo
aquilo que era explicado, até então, através dos mitos.
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Segundo o helenista e mitólogo Mircea Eliade,
em seu livro intitulado Mito e realidade,
mitos são “narrativas de caráter exemplar,
sagrado e atemporal”
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Compreendemos por filosofia uma nova forma pensar, que se desenvolveu na Grécia.
Antes disso, diante de uma dúvida sobre a realidade, as pessoas não costumavam investigar as
causas (os porquês) de suas dúvidas, respondendo às questões por via das narrativas
religiosas, que eram narrativas míticas. Tais explicações eram passadas de geração para
geração e tinham uma enorme força educativa. Ouvindo as estórias míticas, as pessoas
padronizavam seus comportamentos (ethos) conforme os exemplos dos deuses e dos heróis.
Se num mito, um herói era punido por um erro, as pessoas aprendiam que tal ato não deveria
ser repetido.
Os primeiros filósofos passam a questionar a forma como os mitos explicavam a
realidade, a saber, sem buscar fundamentação para suas interpretações de mundo. A filosofia
nasce como uma tentativa racional para conceituar o mundo, buscar uma lógica para todas as
coisas. Essa foi uma verdadeira evolução de pensamento. Em suma, o objetivo dos primeiros
filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza.
O mito é uma compreensão da realidade dirigida fundamentalmente pela intuição, um
conhecimento imediato, que não exige argumentação e fundamentação. Para os povos antigos,
os mitos tinham força de verdade, pois era a partir deles que sua relação com o mundo se
tornava compreensível. Para quem crê no mito, basta a crença sem que se precise
compreender plenamente os mistérios, que, por sua vez, são aceitos sem discussão,
transmitidos pela tradição cultural, muitas vezes com forte apelo ao sobrenatural, isto é, à
origem divina dos fenômenos. Entre os povos tribais, o mito constitui uma estrutura
dominante, porque abarca as demais abordagens, fecundando todo o pensar, o agir e o valorar:
ou seja, por acreditar na atuação constante dos deuses, o mito primitivo ritualiza todas as
atividades: os instrumentos úteis e as manifestações artísticas têm características mágicas; o
mesmo ocorre com o plantio e a colheita, a caça, a guerra, as relações entre os indivíduos
(nascer, tornar-se adulto, casar, morrer), a explicação da origem do universo, os valores
aceitos. Enfim, no mundo primitivo tudo é mito e tudo se faz por magia. Quando as relações
sociais começam a se tornar mais complexas, por ocasião do comércio, do contato com outros
povos e o confronto com os costumes diversos produzem uma forma de explicação da
realidade mais elaborada e crítica, o que reduz o poder do mito, restringindo-o a alguns
setores da vida da comunidade, sobretudo no campo religioso. À medida que o mito deixa de
ser uma compreensão abrangente do real, o conhecimento se seculariza, isto é, torna- se
predominantemente profano, “do mundo”. Pode-se então falar de saber menos mítico e mais
racional, bem como de um agir menos mágico e mais técnico, ambos – pensamento e ação –
orientados pela experiência de vida.
Vale a pena destacar que com a “invenção” da filosofia e das ciências os mitos não
deixaram de existir. Aliás, a consciência mítica transpassou a história, tornando-se presente
em nossos dias, mesmo entre povos ditos civilizados.
A questão primordial que se coloca para o homem, em sua vida, mesmo que dela ele
não tenha consciência, é a antropológica. Antropologia, aliás, significa um discurso sobre o
homem, Na educação, é importante que se tenha claramente abordada a questão antropológica,
para que a atuação do mestre seja intencional e não se faça apenas de forma empírica. As
teorias pedagógicas, por exemplo, buscam compreender o conceito de homem que anima suas
diretrizes. A educação tradicional valoriza a transmissão da cultura geral e a realização
intelectual do homem, e centra a atividade escolar na figura do mestre, transmissor do
conhecimento. Já na proposta da Escola Nova, o ensino se volta para a existência, para a vida,
para a atividade do aluno, passando este a ser o centro do processo. As duas teorias denotam
expectativas diferentes de transformação do homem naquilo que ele deve ser, priorizando
valores que determinam a escolha dos conteúdos que serão transmitidos, e a maneira como
transmiti-los a partir dos objetivos propostos: que tipo de homem se quer formar. Diante
disso, vale a pena destacar – a seguir – três concepções possíveis sobre esse tema: a
metafísica, a naturalista e a histórico-social.
Vamos começar com a concepção metafísica. É uma concepção, herdada dos gregos,
onde se busca a unidade na multiplicidade dos seres, ou seja, a essência que caracteriza cada
coisa. O conceito de homem é compreendido a partir de sua natureza imutável: mesmo sendo
os seres humanos diferentes uns dos outros, existe uma essência humana a ser atingida, à
medida que se vai amadurecendo. Esta concepção tem suas raízes nas mais antigas teorias
pedagógicas, desde Platão e Aristóteles, passando pela Idade Média e influenciando a escola
tradicional que surge na Idade Moderna. Nesta última, a educação é compreendida como um
processo de aperfeiçoamento em que o indivíduo é levado a realizar suas potencialidades. A
criança deve alcançar um modelo de homem, atualizando a essência que possui enquanto
potência.
Immanuel Kant, no século XVII, disse que “a finalidade da educação é desenvolver
em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seja capaz. Chamada de essencialista pelo
polonês Suchodolski, essa tendência marcou a pedagogia durante um longo período da
história. Essa tendência tem uma visão parcial do problema educacional, centrado no interior
do indivíduo e nas formas ideais que determinam a priori o que é o homem e como deve ser a
educação.
No tocante a concepção naturalista, a ciência surge como uma forma rigorosa de
conhecer que permite perceber regularidades na natureza, levando à formulação de leis e,
portanto, à previsibilidade dos fenômenos. O rigor da abordagem certamente influenciará a
busca da compreensão a respeito do homem, que agora terá a preocupação de encontrar as
regularidades que marcam seu comportamento.
Diante do desenvolvimento científico, o modelo mecanicista é substituído por outros,
mais elaborados, mas persiste a ideia – o corpo como coisa submetida às leis da natureza.
Surge um campo muito fértil para a concepção determinista: o homem, reduzido à dimensão
corpórea, está sujeito às forças da natureza, tornando-se incapaz de gerir seu próprio destino.
No final do século XIX e no decorrer o século XX, quando as ciências humanas estabelecem
seus métodos, nota-se forte influência naturalista. A psicologia experimental, a psicologia do
comportamento, influenciam até hoje diversas tendências na educação, inspirando uma
metodologia que enfatiza a rigorosa programação dos passos para se adquirir o conhecimento,
bem como as técnicas e os procedimentos pedagógicos.
O que marca a tendência naturalista é a tentativa de ajustar a metodologia das ciências
humanas ao método das ciências naturais, que se baseia na experimentação, no controle e na
generalização, contrapondo-se às tendências humanistas.
Por fim, vamos a concepção histórico-social. Essa concepção se expressa em
inúmeras tendências. O que importa é destacar, apesar das diferenças entre elas, a
preocupação com o processo (nada é estático), com a contradição (não há linearidade no
desenvolvimento, que resulta do embate e do conflito) e com o caráter social do
engendramento humano (o ser homem se faz permeado pelas relações humanas e por isso se
expressa de formas diferentes ao longo da história). É inevitável que tais concepções
marquem de forma permanente o ideário pedagógico contemporâneo. Abandonam-se as
explicações essencialistas e estáticas, não mais reduzindo o homem à dimensão de indivíduo
solitário. Ele passa a ser baseado como pessoa ou ser social, e compreende-se melhor a
interação entre sujeito e sociedade, inclusive ante as forças do poder.
Esse foi uma questão cara, por exemplo, a Platão e Aristóteles, a Rousseau e a
Hobbes. Quando falamos a respeito da infância, não é possível se referir à criança em si sem
se considerar o tempo, o lugar, a estrutura social em que ela se insere. Não existe uma
natureza infantil universal. A propósito, a mesma observação vale para uma suposta família
em si ou uma natureza humana atemporal. Sabemos que a criança é, em qualquer lugar,
biológica e socialmente dependente dos adultos para sua sobrevivência, mas a maneira como
ela é alimentada, vestida, tratada, gera em uma determinada comunidade certa expectativa a
respeito do que é ser criança. Esta expectativa geralmente reflete as aspirações e repulsas dos
adultos projetados na criança, aquilo que eles pensam que ela é ou esperam que ela seja. É
compreensível que essa imagem evolua historicamente, fazendo da dependência da criança
não um fato natural, mas social. Quando as estruturas econômicas começam a mudar devido
ao aparecimento da nova classe, mudam as relações entre os homens e, consequentemente,
muda a imagem da infância. A criança é afastada das atividades que desempenhava, e seu
papel nas relações econômicas e sociais torna-se marginal. Surge aí a imagem da fragilidade
infantil, da dependência, da impotência, do inacabamento que vai animar a construção, na
Idade Moderna, de uma teoria pedagógica que visa à proteção e à vigilância da criança.
Surge com o escolanovismo (a Escola Nova) a defesa da imagem da criança baseada
na espontaneidade, na iniciativa e na criatividade, em oposição à pedagogia de resignação e
disciplina, e pode ser explicada pelas necessidades a burguesia do século XIX. Com base
nestes questionamentos, podemos refletir a respeito desse novo homem, que surge a partir do
impacto os efeitos das novas tecnologias, como informática, dos meios de comunicação de
massa (mídia) e dos processos de globalização. Como é esse homem emergente?
Cruzando textos, problematizando posições filosóficas sobre
P L Aeducação...
TÃO X ARISTÓTELES
Podemos educar para as virtudes? Se nossas características são naturais (inatas), onde
entra a educação?
OUVINDO PLATÃO...
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(RUFINO, Emmanoel de Almeida. Conselhos de Platão: o pensamento platônico sobre temas de
ontem, de hoje e de sempre. 1. ed. João Pessoa: Edição do autor, 2013, p. 77-98. ISBN: 978-85-
914499-1-0)
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Livro II
1ª seção
“Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de
regra, gera-se. e cresce graças ao ensino — por isso requer experiência e tempo; enquanto a
virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome por uma
pequena modificação da palavra (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma
das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente
pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se
move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la
jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem
qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra.
Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em
nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos
pelo hábito. Por outro lado, de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro adquirimos
a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Isso é evidente no caso dos sentidos, pois não
foi por ver ou ouvir frequentemente que adquirimos a visão e a audição, mas, pelo contrário,
nós as possuíamos antes de usá-las, e não entramos na posse delas pelo uso. Com as virtudes
dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, como também sucede com as artes.
Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo;
por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse
instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a
temperança, a bravura, etc.
Isto é confirmado pelo que acontece nos Estados: os legisladores tornam bons os
cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem. Esse é o propósito de todo legislador, e quem
não logra tal desiderato falha no desempenho da sua missão. Nisso, precisamente, reside a
diferença entre as boas e as más constituições. Ainda mais: é das mesmas causas e pelos
mesmos meios que se gera e se destrói toda virtude, assim como toda arte: de tocar a lira
surgem os bons e os maus músicos. Isso também vale para os arquitetos e todos os demais;
construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus. Se não fosse assim não
haveria necessidade de mestres, e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu
ofício. Isso, pois, é o que também ocorre com as virtudes: pelos atos que praticamos em
nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em
presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes.
O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoção da ira: uns se tornam temperantes e calmos,
outros intemperantes e irascíveis, portando-se de um modo ou de outro em igualdade de
circunstâncias.
Numa palavra: as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso,
pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos, porquanto da sua diferença se pode
aquilatar a diferença de caracteres. E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos
habituemos desta ou daquela maneira. Tem, pelo contrário, imensa importância, ou melhor:
tudo depende disso”.
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Cultivar a perfeição
A virtude, para Aristóteles, é uma prática e não um dado da natureza de cada um,
tampouco o mero conhecimento do que é virtuoso, como para Platão (427-347 a.C.). Para ser
praticada constantemente, a virtude precisa se tornar um hábito. Embora não se conheça
nenhum estudo de Aristóteles sobre o assunto, é possível concluir que o hábito da virtude
deve ser adquirido na escola.
Grande parte da obra que originou o legado aristotélico se desenvolveu em oposição à
filosofia de Platão, seu mestre e fundador da Academia ateniense, que Aristóteles frequentou
durante duas décadas. Posteriormente, ele fundaria uma escola própria, o Liceu. Uma das duas
grandes inovações do filósofo em relação ao antecessor foi negar a existência de um mundo
supra-real, onde residiriam as ideias. Para Aristóteles, ao contrário, o mundo que percebemos
é suficiente, e nele a perfeição está ao alcance de todos os homens. A oposição entre os dois
filósofos gregos – ou entre a supremacia das ideias (idealismo) ou das coisas (realismo) –
marcaria para sempre o pensamento ocidental.
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