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Filosofia da Educação

Santa Cruz do Capibaribe – PE


2014
Introdução

A disciplina Filosofia da Educação objetiva analisar a importância das reflexões


filosóficas direcionadas à prática pedagógica. Nela, pensaremos como os filósofos e as
correntes de pensamento pensam a educação em suas múltiplas dimensões, sejam elas
antropológicas (o que é o homem?), axiológicas (o que são valores?), epistemológicas (o que
é conhecimento?) e políticas (quais são os meios legais para aplicar e operacionalizar a
proposta educacional?).
Nessa disciplina será trabalhado o que é filosofia da educação e os pressupostos
filosóficos subjacentes às práticas educativas, ou seja, quais são os fundamentos
antropológicos, axiológicos, epistemológicos e políticos. Com isso, buscamos inicialmente
entender a gênese dos conceitos filosóficos e aprender como aplicá-los no reconhecimento
dos pressupostos de toda teoria, sejam eles explícitos ou não.
Primeiras questões sobre a relação educação-escola

...é possível pensar educação sem escola?

TEXTO

EDUCAÇÃO? EDUCAÇÕES: APRENDER COM O ÍNDIO

“Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é: a coragem minha.


Buriti quer todo o azul, e não se aparta de sua água – carece de
espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um


modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os
dias misturamos a vida com a educação. Com um ou com várias: educação? Educações. E já
que pelo menos por isso sempre achamos que temos algumas coisas a dizer sobre a educação
que nos invade a vida, por que não começar a pensar sobre ela com o que uns índios uma vez
escreveram?
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz
com os Índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre
foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes
mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos.
Os chefes responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque alguns
anos mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que
nos interessa: “... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para
nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que
diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não
ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e
aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles, voltavam para nós, eles eram maus
corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não
sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa
língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros,
como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-
la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos
enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles,
homens.”

De tudo o que se discute hoje sobre a educação, algumas questões entre as mais
importantes, estão escritas nesta carta de índios. Não há uma forma única nem um único
modelo de educação, a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o
melhor. O ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único
praticante.
Em mundos diversos a educação existe diferente: em pequenas sociedades tribais de
povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades camponesas, em países
desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais sem classes, de classes, com este ou
aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos de sociedades e culturas sem Estado,
com um Estado em formação ou com ele consolidado entre e sobre as pessoas.
Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo,
ou entre se que se encontram. Existe entre povos que submetem e dominam outros povos,
usando a educação como um recurso a mais de sua dominância. Da família à comunidade, a
educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios
do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mais
adiante com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas
criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que é comunitário
como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistema
centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que reforçam a
desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos.
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de
educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-
aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras
do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer
povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos,
através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do
mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a, explicar — às vezes a
ocultar, às vezes a inculcar – de geração em geração, a necessidade da existência e sua ordem.
Por isso mesmo — e os índios sabiam — a educação do colonizador, que contém o saber de
seu modo de vida e ajuda a confirmar a aparente legalidade de seus atos de domínio, na
verdade não serve para ser a educação do colonizado. Não serve e existe contra uma educação
que ele, não obstante dominado, também possui como um dos seus recursos, em seu mundo,
dentro de sua cultura.
Assim, quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios
de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de
homens. Mais que isso, ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber
que os constitui e legitima. Mais ainda, a educação participa do processo de produção de
crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e
poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta é a sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por si próprio, livre e em nome de todos, o
educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar
servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos
escusos que ocultam também na educação — nas suas agências; suas práticas e nas ideias que
ela professa — interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade
que habita. E esta é a sua fraqueza.
Aqui e ali será preciso voltar a estas ideias, e elas podem ser como que um roteiro
daqui para a frente. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos
sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a sua missão é
transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se tem
de uns e outros: “... e deles faremos homens”. Mas, na prática, a mesma educação que ensina
pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz, ou do que
inventa que pode fazer: “... eles eram, portanto, totalmente inúteis”.

.........
(Texto correspondente ao primeiro capítulo do livro “O que é educação”, de Carlos Rodrigues
Brandão, publicado pela Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos)
.........
Como se processava a educação primitiva?

A educação “primitiva”(..) existe quando a mãe corrige o filho para que


ele fale direito a língua do grupo, ou quando fala à filha sobre as normas
sociais do modo de “ser mulher” ali. Existe também quando o pai ensina ao
filho a polir a ponta da flecha, ou quando os guerreiros saem com os jovens
para ensiná-los a caçar. A educação aparece sempre que surgem formas
sociais de condução e controle da aventura de ensinar-e-aprender.

A educação primitiva se processava na comunidade. Todos eram responsáveis pela


inserção dos jovens à cultura. Cultura, aliás, é uma palavra bem sugestiva, pois, em latim,
significa cultivo. Aculturar um jovem da comunidade é inseri-lo no campo de sentido que
legitima e resguarda a tradição da qual o grupo abraça como princípio para a vida. Mesmo
sem escolas, ninguém deixava de aprender. As relações sociais eram – necessariamente –
relações educativas. Em outras palavras, teoria e prática não estavam dissociadas, mas
conviviam juntas nos exemplos da vida cotidiana. Não se precisava separar o jovem num
espaço educativo formal para ensiná-lo “como fazer?” algo. O modelo teórico que caracteriza
as sociedades ocidentais “modernas” certamente estranharia os povos primitivos.

TEXTO

“Um primeiro longo período da história humana vai de setenta milhões a setecentos
mil anos atrás. (...) Trata-se da longuíssima fase na qual o homem criou a si mesmo: aprendeu
a andar ereto, a falar, a educar a prole. (...) Tínhamos um olfato fraco, portanto não podíamos
perseguir a caça farejando a terra, como fazem os animais, mais tínhamos que avistá-la: para
isto devíamos caminhar de pé, já que a caça frequentemente fugia, desaparecia na vegetação.
Isto fez com que se tenham salvado somente aqueles indivíduos da nossa espécie que se
tornaram mais aptos a caminhar eretos. Como caminhar ereto implicava passar a dispor
membros superiores - que já não eram mais usados para caminhar -, nós liberamos e
especializamos as mãos, usando-as para compensar um ponto fraco: o da nossa mandíbula.
Não tínhamos capacidade para agarrar a presa e esquarteja-la com os dentes e, por isso,
usamos as mãos para construir utensílios e instrumentos. Eis outra grande novidade deste
período: o homem descobre que pode fabricar objetos.(...) Em suma, aprendemos a usar
utensílios com os quais podíamos compensar nossas fraquezas, mas que serviam também, em
um segundo momento, para expressar nossa potencialidade. (...) A partir deste ponto surge
outra modificação fisiológica: graças a posição ereta e graças ao uso intensivo do nosso
cérebro, este último cresceu também quantitativamente. (...) Em resumo, naquela época
aumentamos e potencializamos o cérebro, aguçamos a vista e liberamos as mãos. E educamos
a prole. Aí está um outro fato extraordinário. Basta lembrar os dinossauros, cuja extinção
também está associada ao fato de que, quando os ovos se abriam, a prole gerada já era
autônoma e, portanto, não era educada pelos genitores. Cada dinossauro recomeçava do zero.
(...) O dinossauro era perfeito na sua origem, já sabia se mover, já sabia obter alimento
sozinho e, portanto, os genitores o abandonavam a própria sorte. O ser humano ao contrário
(...) nasce indefeso. Se não for socorrido, morreria em poucas horas. Contudo, a sua fraqueza
se transforma na sua força, pois a assistência biológica que se dá ao seu desenvolvimento
durante tanto tempo implica também a aculturação do indivíduo. Nós somos os únicos
animais que precisam de ao menos dez anos de assistência para que nos tornemos indivíduos
em condições de sobreviver. E somos os únicos animais que não recomeçam sempre do
início, mas que, além das características hereditárias e do saber instintivo, recebem dos
adultos o saber cultural.”.

.........
(DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Trad. de Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. pp. 23-
25.)
.........

Quase sempre, a fim de exigir uma prova da capacidade dos iniciantes na cultura
provarem sua confiabilidade e honradez, as tribos realizavam ainda na fase da adolescência
ritos de passagem, que funcionavam como uma verdadeira prova de que, o que foi aprendido,
havia sido guardado no corpo e na alma. E o corpo, por sua vez, passava a carregar as marcas
desse rito para que o indivíduo nunca se esquecesse de suas origens. Acerca disso, temos o
célebre texto do etnólogo Pierre Clastres, “A pedagogia da tortura nas sociedades primitivas”.
Nele, o autor levanta um problema: Por que – nas sociedades primitivas (tribais) era
necessário que o corpo individual fosse atravessado pelo espírito da cultura, através de ritos
de passagens? Por que os segredos da vida coletiva só podiam ser comunicados mediante a
operação social do rito sobre o corpo dos jovens?
Diante disso, o que diz Pierre Clastres? Diversos meios foram inventados para
conservar a lei, uma dessas formas foi a escrita, que proclama o poder da lei. A lei e a escrita
são indissociáveis. A escrita, entendida como toda forma de linguagem e transmissão de
conhecimento, faz com que os indivíduos tomem ciência da lei que os regem. Fazendo com
que a lei se torne legítima, seja aceita pela sociedade por meio do terror, pois o medo é
essencial para que a lei seja cumprida. O corpo é um dos lugares onde a lei é transmitida, e
onde é melhor captada pelos indivíduos. A tortura é uma forma de escrita onde se "insere" no
indivíduo um conhecimento, um saber, uma lei social. "É, sem qualquer intermediário, o
corpo que a sociedade designa como único espaço propício a conter o sinal de um tempo, o
traço de uma passagem, a determinação de um destino".
Em várias sociedades primitivas, os jovens têm que passar por rituais para fazerem
parte da sociedade. São os ritos de passagem são fundamentais para essas sociedades, pois
ordenam a vida social e religiosa desses povos. Através do ritual, a sociedade fica com a
posse do corpo do indivíduo, é um ritual de pertencimento. E a tortura faz parte desse ritual
que é aceito por toda a sociedade, inclusive pelos jovens que recebem essa tortura, esses
jovens recebem esse sofrimento em silêncio, pois aceita esse ritual como legítimo". De uma
tribo a outra, de uma a outra região, diferem as técnicas, os meios, os objetivos explicitamente
afirmados da crueldade; mas a meta é sempre a mesma: provocar o sofrimento".
A sociedade, nesses rituais, marcam o corpo do indivíduo para sinalizar a sua pertença
ao grupo. O corpo é uma memória, o sofrimento imprime esse sinal na memória do indivíduo,
uma recordação desagradável, é difícil sair da memória, e principalmente quando o corpo
carrega essa marca pelo resto da vida, fazendo o indivíduo lembrar a qualquer hora o poder
dessa sociedade que ele pertence.
As funções do sofrimento nas sociedades primitivas são avaliar a resistência pessoal,
significar um pertencimento social, e principalmente igualar todos os indivíduos pertencentes
ao grupo. A lei primitiva é uma proibição à desigualdade, as marcas inseridas nos corpos das
pessoas afirmam que todos são iguais, e que não pode haver divisão.

.........
(Cf. CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1978. p. 125-130)
.........

Com o desenvolvimento das civilizações, as estruturas sociais se tornam mais


complexas e, o ensino formal aparece como uma necessidade para organizar os papeis sociais
(algo, aliás, desnecessário para os povos primitivos, que conheciam seu lugar na sociedade e
não precisavam se especializar na cultura para se inserir nela de forma mais ou menos
confortável)
O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita à
pedagogia (a teoria da educação), cria situações próprias para o
seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e
tempos, e constitui executores especializados. É quando aparecem
a escola, o aluno, o professor...

Da maneira como existe entre nós, a educação surge na Grécia e vai para Roma, ao
longo de muitos séculos da história de espartanos, atenienses e romanos: Deles deriva todo o
nosso sistema de ensino e, sobre a educação que havia em Atenas, até mesmo as sociedades
capitalistas mais tecnologicamente avançadas têm feito poucas inovações Talvez estejam,
portanto, entre os seus inventos e escolas, algumas das respostas às nossas perguntas.
Por falar na Grécia, tomaremo-la agora como eixo do debate, pensando como a
filosofia se relaciona com o tema educação, como os pensadores (durante a história) vem
pensando a educação e como isso repercute na questão da escolarização.
Qual a concepção de homem da Filosofia?
O que significa Filosofia?

O termo filosofia tem origem grega. O termo philia significa amizade/amor e sophia,
sabedoria. Temos, pois, a “amizade pelo saber”, o desejo de estar próximo do saber, do
conhecimento verdadeiro. A filosofia, como a entendemos atualmente, tem seu início no
século VI a.C., na Grécia Antiga. Poderia ter surgido em qualquer lugar, mas naquele
momento da história diversas coisas ocorriam para que ali fosse seu começo. A Grécia Antiga
vivia um momento de auge de sua cultura. O comércio com outros povos trouxe
conhecimento. A produção artística era muito ativa. Havia os jogos olímpicos.A linguagem,
moeda e tecnologia (de arquitetura e militar) também marcaram esse período. Com toda essa
efervescência cultural, iniciou-se uma nova tentativa de responder os questionamentos sobre a
existência. Se, para alguns, as narrações fantásticas da mitologia serviam para explicar o
mundo, suas catástrofes, seu clima, sua organização, sua origem; outras pessoas começaram a
procurar respostas fora dos mitos.
A Antiguidade Grega é conhecida como o berço dos pensadores, sendo que os sophos
(sábios) tentaram formular, por volta dos séculos VII-VI a.C., explicações racionais para tudo
aquilo que era explicado, até então, através dos mitos.

*********
Segundo o helenista e mitólogo Mircea Eliade,
em seu livro intitulado Mito e realidade,
mitos são “narrativas de caráter exemplar,
sagrado e atemporal”

*********

A passagem do mito à filosofia

Compreendemos por filosofia uma nova forma pensar, que se desenvolveu na Grécia.
Antes disso, diante de uma dúvida sobre a realidade, as pessoas não costumavam investigar as
causas (os porquês) de suas dúvidas, respondendo às questões por via das narrativas
religiosas, que eram narrativas míticas. Tais explicações eram passadas de geração para
geração e tinham uma enorme força educativa. Ouvindo as estórias míticas, as pessoas
padronizavam seus comportamentos (ethos) conforme os exemplos dos deuses e dos heróis.
Se num mito, um herói era punido por um erro, as pessoas aprendiam que tal ato não deveria
ser repetido.
Os primeiros filósofos passam a questionar a forma como os mitos explicavam a
realidade, a saber, sem buscar fundamentação para suas interpretações de mundo. A filosofia
nasce como uma tentativa racional para conceituar o mundo, buscar uma lógica para todas as
coisas. Essa foi uma verdadeira evolução de pensamento. Em suma, o objetivo dos primeiros
filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza.
O mito é uma compreensão da realidade dirigida fundamentalmente pela intuição, um
conhecimento imediato, que não exige argumentação e fundamentação. Para os povos antigos,
os mitos tinham força de verdade, pois era a partir deles que sua relação com o mundo se
tornava compreensível. Para quem crê no mito, basta a crença sem que se precise
compreender plenamente os mistérios, que, por sua vez, são aceitos sem discussão,
transmitidos pela tradição cultural, muitas vezes com forte apelo ao sobrenatural, isto é, à
origem divina dos fenômenos. Entre os povos tribais, o mito constitui uma estrutura
dominante, porque abarca as demais abordagens, fecundando todo o pensar, o agir e o valorar:
ou seja, por acreditar na atuação constante dos deuses, o mito primitivo ritualiza todas as
atividades: os instrumentos úteis e as manifestações artísticas têm características mágicas; o
mesmo ocorre com o plantio e a colheita, a caça, a guerra, as relações entre os indivíduos
(nascer, tornar-se adulto, casar, morrer), a explicação da origem do universo, os valores
aceitos. Enfim, no mundo primitivo tudo é mito e tudo se faz por magia. Quando as relações
sociais começam a se tornar mais complexas, por ocasião do comércio, do contato com outros
povos e o confronto com os costumes diversos produzem uma forma de explicação da
realidade mais elaborada e crítica, o que reduz o poder do mito, restringindo-o a alguns
setores da vida da comunidade, sobretudo no campo religioso. À medida que o mito deixa de
ser uma compreensão abrangente do real, o conhecimento se seculariza, isto é, torna- se
predominantemente profano, “do mundo”. Pode-se então falar de saber menos mítico e mais
racional, bem como de um agir menos mágico e mais técnico, ambos – pensamento e ação –
orientados pela experiência de vida.
Vale a pena destacar que com a “invenção” da filosofia e das ciências os mitos não
deixaram de existir. Aliás, a consciência mítica transpassou a história, tornando-se presente
em nossos dias, mesmo entre povos ditos civilizados.

O homem segundo a filosofia

A questão primordial que se coloca para o homem, em sua vida, mesmo que dela ele
não tenha consciência, é a antropológica. Antropologia, aliás, significa um discurso sobre o
homem, Na educação, é importante que se tenha claramente abordada a questão antropológica,
para que a atuação do mestre seja intencional e não se faça apenas de forma empírica. As
teorias pedagógicas, por exemplo, buscam compreender o conceito de homem que anima suas
diretrizes. A educação tradicional valoriza a transmissão da cultura geral e a realização
intelectual do homem, e centra a atividade escolar na figura do mestre, transmissor do
conhecimento. Já na proposta da Escola Nova, o ensino se volta para a existência, para a vida,
para a atividade do aluno, passando este a ser o centro do processo. As duas teorias denotam
expectativas diferentes de transformação do homem naquilo que ele deve ser, priorizando
valores que determinam a escolha dos conteúdos que serão transmitidos, e a maneira como
transmiti-los a partir dos objetivos propostos: que tipo de homem se quer formar. Diante
disso, vale a pena destacar – a seguir – três concepções possíveis sobre esse tema: a
metafísica, a naturalista e a histórico-social.
Vamos começar com a concepção metafísica. É uma concepção, herdada dos gregos,
onde se busca a unidade na multiplicidade dos seres, ou seja, a essência que caracteriza cada
coisa. O conceito de homem é compreendido a partir de sua natureza imutável: mesmo sendo
os seres humanos diferentes uns dos outros, existe uma essência humana a ser atingida, à
medida que se vai amadurecendo. Esta concepção tem suas raízes nas mais antigas teorias
pedagógicas, desde Platão e Aristóteles, passando pela Idade Média e influenciando a escola
tradicional que surge na Idade Moderna. Nesta última, a educação é compreendida como um
processo de aperfeiçoamento em que o indivíduo é levado a realizar suas potencialidades. A
criança deve alcançar um modelo de homem, atualizando a essência que possui enquanto
potência.
Immanuel Kant, no século XVII, disse que “a finalidade da educação é desenvolver
em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seja capaz. Chamada de essencialista pelo
polonês Suchodolski, essa tendência marcou a pedagogia durante um longo período da
história. Essa tendência tem uma visão parcial do problema educacional, centrado no interior
do indivíduo e nas formas ideais que determinam a priori o que é o homem e como deve ser a
educação.
No tocante a concepção naturalista, a ciência surge como uma forma rigorosa de
conhecer que permite perceber regularidades na natureza, levando à formulação de leis e,
portanto, à previsibilidade dos fenômenos. O rigor da abordagem certamente influenciará a
busca da compreensão a respeito do homem, que agora terá a preocupação de encontrar as
regularidades que marcam seu comportamento.
Diante do desenvolvimento científico, o modelo mecanicista é substituído por outros,
mais elaborados, mas persiste a ideia – o corpo como coisa submetida às leis da natureza.
Surge um campo muito fértil para a concepção determinista: o homem, reduzido à dimensão
corpórea, está sujeito às forças da natureza, tornando-se incapaz de gerir seu próprio destino.
No final do século XIX e no decorrer o século XX, quando as ciências humanas estabelecem
seus métodos, nota-se forte influência naturalista. A psicologia experimental, a psicologia do
comportamento, influenciam até hoje diversas tendências na educação, inspirando uma
metodologia que enfatiza a rigorosa programação dos passos para se adquirir o conhecimento,
bem como as técnicas e os procedimentos pedagógicos.
O que marca a tendência naturalista é a tentativa de ajustar a metodologia das ciências
humanas ao método das ciências naturais, que se baseia na experimentação, no controle e na
generalização, contrapondo-se às tendências humanistas.
Por fim, vamos a concepção histórico-social. Essa concepção se expressa em
inúmeras tendências. O que importa é destacar, apesar das diferenças entre elas, a
preocupação com o processo (nada é estático), com a contradição (não há linearidade no
desenvolvimento, que resulta do embate e do conflito) e com o caráter social do
engendramento humano (o ser homem se faz permeado pelas relações humanas e por isso se
expressa de formas diferentes ao longo da história). É inevitável que tais concepções
marquem de forma permanente o ideário pedagógico contemporâneo. Abandonam-se as
explicações essencialistas e estáticas, não mais reduzindo o homem à dimensão de indivíduo
solitário. Ele passa a ser baseado como pessoa ou ser social, e compreende-se melhor a
interação entre sujeito e sociedade, inclusive ante as forças do poder.

Como tornar-se um ser humano?

Esse foi uma questão cara, por exemplo, a Platão e Aristóteles, a Rousseau e a
Hobbes. Quando falamos a respeito da infância, não é possível se referir à criança em si sem
se considerar o tempo, o lugar, a estrutura social em que ela se insere. Não existe uma
natureza infantil universal. A propósito, a mesma observação vale para uma suposta família
em si ou uma natureza humana atemporal. Sabemos que a criança é, em qualquer lugar,
biológica e socialmente dependente dos adultos para sua sobrevivência, mas a maneira como
ela é alimentada, vestida, tratada, gera em uma determinada comunidade certa expectativa a
respeito do que é ser criança. Esta expectativa geralmente reflete as aspirações e repulsas dos
adultos projetados na criança, aquilo que eles pensam que ela é ou esperam que ela seja. É
compreensível que essa imagem evolua historicamente, fazendo da dependência da criança
não um fato natural, mas social. Quando as estruturas econômicas começam a mudar devido
ao aparecimento da nova classe, mudam as relações entre os homens e, consequentemente,
muda a imagem da infância. A criança é afastada das atividades que desempenhava, e seu
papel nas relações econômicas e sociais torna-se marginal. Surge aí a imagem da fragilidade
infantil, da dependência, da impotência, do inacabamento que vai animar a construção, na
Idade Moderna, de uma teoria pedagógica que visa à proteção e à vigilância da criança.
Surge com o escolanovismo (a Escola Nova) a defesa da imagem da criança baseada
na espontaneidade, na iniciativa e na criatividade, em oposição à pedagogia de resignação e
disciplina, e pode ser explicada pelas necessidades a burguesia do século XIX. Com base
nestes questionamentos, podemos refletir a respeito desse novo homem, que surge a partir do
impacto os efeitos das novas tecnologias, como informática, dos meios de comunicação de
massa (mídia) e dos processos de globalização. Como é esse homem emergente?
Cruzando textos, problematizando posições filosóficas sobre
P L Aeducação...
TÃO X ARISTÓTELES

 É possível educar (inserir) algo ao (no) ser, ou já nascemos prontos?

 Podemos educar para as virtudes? Se nossas características são naturais (inatas), onde
entra a educação?

OUVINDO PLATÃO...
.........
(RUFINO, Emmanoel de Almeida. Conselhos de Platão: o pensamento platônico sobre temas de
ontem, de hoje e de sempre. 1. ed. João Pessoa: Edição do autor, 2013, p. 77-98. ISBN: 978-85-
914499-1-0)
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Conselhos de Platão para uma educação mais humana

Século XXI d. C.: avanços tecnológicos são inquestionáveis e desvelam o brilho no


olhar de todos. A princípio, esse cenário deveria ser reflexo de uma educação que elevasse a
todos, do ponto de vista da promoção do potencial humano. Mas não é o que vemos em escala
global. Do contrário, paira a sensação de uma educação engessada, que privilegia a produção
da vida material... À margem dos mercados que gerenciam a vida material estão os seres
humanos e seus talentos, muitas vezes sufocados por esse pragmatismo que eleva o Ter em
detrimento do Ser. À margem dos tantos mercados da vida onde o futuro é especulado, paira o
cheiro frio e seco da morte. Competimos em nome de um ideal tosco de justiça que, em nome
da igualdade, da liberdade e da fraternidade, distorce-as profundamente, já que somos
educados como guerreiros para uma sociedade de conflitos de espaço, onde a meritocracia é
excludente, destrutiva. Vivemos uma estranha dialética: quando mais produzimos uma
sociedade avançada em termos materiais, menos conforto esta sociedade nos oferece, já que
estamos sempre em conflito para conquistar um espaço (reconhecimento) de “dignidade” ou
manter o padrão (status) já possuído.
Diante desse contexto, uma pergunta – de súbito – nos assalta: evoluímos de fato,
enquanto civilização? Assim, aqui peço licença ao leitor para transmitir alguns conselhos (de
um “velho” filósofo) que – mesmo a vinte e cinco séculos atrás – propuseram ideias sobre
educação das mais avançadas que o Ocidente já teve.
Certamente, antes de dar atenção a qualquer pergunta sobre o quê ensinar ou como
ensinar, outra anterior (e bem mais importante) questão deve ser respondida: que seres
humanos se quer formar? Quando – por ocasião do seu livro A República – Platão propõe um
ideal de educação, está pensando primordialmente nesse ponto; está vislumbrando um ideal
possível e desejável de ser humano. A história nos mostra a selvageria que é marca de muitas
ações humanas, mas isso não pode ser tomado como paradigma da condição humana. Afirmar
que é impossível formar um ser humano justo e digno é desconhecê-lo por completo. Platão
sabe dos desafios que envolvem a questão da educação (ou paidéia, como diziam os gregos),
mas acredita que ninguém é plenamente bom ou mal por natureza. Por isso a educação é
viável e necessária, devendo dirigir os indivíduos às virtudes que são próprias dos talentos
que podem manifestar, de modo que, assim, cada um deles seja formado para o bem agir.
Platão acredita que a verdadeira e justa educação deve educar os talentos para a
construção da civilidade. Isso parte do princípio de que uma cidade justa é aquela onde todos
são educados para que suas virtudes sejam manifestas de modo pleno e dispostas ao bem
comum. Cada função na cidade será realizada por aquele cujo talento seja mais propício a
exercê-la. O que for mais excelente para realizar uma atividade, esse assim será incumbido. E
essa lógica serve para todas as funções da cidade. Cada um tem, portanto, uma função
específica e inalienável na cidade. Mas aí que entra a educação: cada indivíduo só pode
oferecer o que tem de melhor (virtude/areté) se for submetido à paidéia. A educação proposta
por Platão visa lapidar esses tesouros que são os talentos, para assim, bem direcioná-los
conforme as demandas da cidade. Quando, pois, todos na cidade agem seguindo seus talentos
realizam o melhor de si, de modo que se faz o melhor para a cidade. Assim paira sobre ela o
termo certo de cada ação individual, corroborando para a saúde do todo, sua harmonia, sua
justiça. Do contrário, quando – na cidade – alguém realiza uma função qualquer que
desconsidere seus talentos, está consequentemente os anulando, prejudicando principalmente
essa justiça coletiva de que falamos.
Quando Platão pensa em justiça, pensa em educação. Não é possível construir uma
cidade justa sem indivíduos justos. Por isso teoriza sobre esse tema, chegando à compreensão
acima de que a educação deve lapidar os talentos, que, por sua vez, são os alicerces da justiça.
Não poder realizar seus pendores é sofrer uma injustiça contra o próprio direito cósmico de
Ser. Essa mística é abarcada por Platão, que se preocupa com uma educação que projeta cada
um para si mesmo e para o outro, a pólis (cidade).
Lendo a República vemos que o processo educativo duraria décadas. Os primeiros
anos eram dedicados à educação da temperança, do trato com as relações e trabalhos sociais
básicos à subsistência coletiva. Os que demonstravam um algo a mais, seriam submetidos a
mais um período intenso e prolongado de paidéia, de modo a revelar se possuíam talentos
para a guarda da cidade. Por fim, diante dos que manifestassem mais capacidades, deveriam
ser preparados para assumirem a função de governo da cidade. E para Platão, estes só
poderiam ser sábios, ou melhor, amantes da sabedoria, os filósofos. Mas por que Platão busca
essa seletividade em seu ideal de educação? Não estaria produzindo um processo seletivo
seriado que reproduz a lógica de uma segregação de acesso ao poder e aos bens sócio-
políticos, de modo bem parecido com o que atestou Bourdieu, ao analisar a escola francesa do
século XX d. C.?
Na verdade, mesmo quando defende que a educação deva selecionar os melhores para
funções como o governo da cidade, Platão não está segregando os não escolhidos. Quando
fala dos melhores para cada função, ele não advoga uma eugenia aos moldes de Hitler; não
separa as pessoas por raça, religião, QI, opção sexual, potência físico-funcional; apenas
defende que o melhor de cada um seja resguardado e promovido. É uma questão
fundamentalmente ética. Aqui não está sob defesa uma aristocracia que diz “nasceste
agricultor e assim o serás por toda a tua vida”. Do contrário, há uma supervalorização de cada
um em sua diferença. Há aqui um respeito à diversidade de cada Ser, e isso não é uma
aristocracia convencional, como possa parecer. Quando cada indivíduo realiza o melhor
possível de si, torna-se um virtuoso e colabora para a excelência da cidade. A educação
iguala, pois, os cidadãos, mas não os massifica. É dessa multiplicidade que Platão acredita
dever vir a força e a unidade da pólis.
Assim, ao dizer, pois, que só os filósofos devem assumir o governo, por
desenvolverem a virtude da sabedoria, Platão não está relegando os demais ao estigma de
funcionários de baixo calão. Ele não aponta o governante-filósofo como alguém que dotado
naturalmente dessa virtude, como se isso fosse mero dom inato, mas fala disso no sentido de
que ser naturalmente sábio significa estar ligado ao cosmos, à natureza e aos seus ditames,
compreendendo sua justiça. Quem é filósofo o é por uma disposição à natureza, não tão
somente por disposição natural. Senão, por que Platão pensaria numa educação para todos,
inclusive para os que revelam desde cedo grande sabedoria? Qual o sentido de
educar/aprontar o que já se está pronto?
Quando diz que o filósofo deve ser o governante, Platão não está direcionando o
poder, muito menos dando ao filósofo a tutela da manipulação. Confiar o poder político a um
filósofo é garantir que tal confiança está sendo depositada em posse de um iniciado, de
alguém que esteja sempre disposto ao saber, em busca da verdade. Para além da questão
mística dessa afirmação, está a consciência prática de que só pode exercer grandes
responsabilidades quem está preparado para tal. Aproximando essa compreensão ao nosso
tempo – “fervorosamente democrático” – podemos entender alguns motivos para tantos
problemas de exercício político (e aqui chamamos atenção ao Brasil): as portas estão abertas
para que qualquer um possa exercer um exigente cargo governamental sem preparo algum.
Desse ponto a problemas como corrupção temos um espaço muito curto.
Quando diz que o filósofo deve ser o governante, Platão também não está defendendo
que a este sejam dados privilégios, por ter chegado a um estado de excelência. Quanto maior
o cargo, maiores as responsabilidade. Assim, apesar de ser uma honra, assumir o governo
significa abraçar o inverso da acomodação, mas o trabalho constante. Quanto mais obrigações
um indivíduo possui na esfera pública, mais deve servir a todos com seus talentos. Isso é
verdadeira democracia, bem diferente da nossa, onde quem assume altos cargos passa a ser
tratado de modo diferente, privilegiado, acomodador. O que justifica, por exemplo, o foro
privilegiado de um parlamentar?
Em suma, quanto mais se atinge a excelência e o topo de uma função, mais se tem
obrigações de se ofertar em serviço aos demais. O plano individual da paidéia não é formar
indivíduos belos, nobres e justos para seu próprio e único bem; não é formá-los para o
isolamento dos demais, sob a chancela de confortos e benefícios privilegiados. A busca da
paidéia pela excelência do ser humano não intenciona formar pessoas individualistas, não é
um projeto elitista. Basta lembrar que, ao narrar a alegoria da caverna, Platão manda o
indivíduo “iluminado” voltar à caverna para ajudar os que ainda se encontram na escuridão.
Não há elitismo em Platão, muito menos um idealismo radical, despreocupado com a
realidade prática das relações. Só os que demonstrarem sabedoria e bondade deverão
governar, porque estão prontos para captar a harmoniosa inteligência cósmica, aproximando o
divino do humano.
Não se poder deixar de exigir uma educação mais apurada, sensível ao complexo, só
porque a maioria não está acessando esse nível de excelência. Em nome de uma crítica a um
elitismo, corremos o risco do contentamento com uma educação desqualificada. Quando, por
exemplo, alguém fala que uma música de um Beethoven é mais bela do que uma dessas
músicas da moda (com muito swing, mas letra, harmonia e melodia superficial), é certa a
retaliação de um moralismo generalizado que julga esse alguém como um elitista
preconceituoso, um “nariz empinado”. A questão do melhor reflete uma condição de
sensibilidade educativa. A civilidade depende do acesso ao Belo e o Belo não é visto por uma
maioria ignorante e alienada, que consome a estética de uma mídia de massa. Dizer que
música X é melhor do que Y não é manifestar um elitismo pautado num aristocrático esnobe e
preconceituoso, mas sim, insistir que o Belo é exigente e só pode ser manifesto com apuro da
alma. E uma sinfonia de Beethoven transmite a própria alma desse compositor. E isso vale
para as demais obras de arte. Como dissemos, para reconhecer o belo de algo é preciso aguçar
a alma para ver o que está para além do sensível. Não podemos, pois, sugerirmos uma
educação que, em nome de um ideal falido de democracia, nivela por baixo a alma da cultura,
que passa dizer que o feio é belo só porquê a maioria assim o crê. Como dar crédito a uma
maioria cega, alienada? Quando se fala de excelência humana, a lógica da maioria, típica da
democracia, é ineficaz para definir o que é nobre e belo, a não ser que essa maioria seja
educada para apurar a alma para contemplar e compreender o complexo da existência. Mas,
que pena, não é o que vemos em nossa educação de massa.
Já que falamos de música, Platão sugere que a educação da cidade ideal deve ter em
vista o ensino da música. Ao afirmar isso, está defendendo a necessidade de se buscar a
elegância interior, para que se possa aproximar-se do divino, do sublime. Educar pela música
significa preparar o indivíduo para ser inspirado pelas Musas; e isso significa estar aberto à
escuta dos seus talentos. Platão não insiste na educação musical do ponto de vista do simples
aprendizado instrumental (que não deixa de ser importante), mas do aprendizado a abrir a
alma para que se deixe florescer os talentos que nos inspiram.
A questão da educação é decisiva para a formação de uma sociedade nobre, bela e
justa, já o sabia Platão. Mas, uma educação que sirva a esse objetivo deve elevar o humano,
aproximando o divino do humano. Por esse motivo a geometria era tão cara a Platão. Ela
aproxima a alma das coisas eternas, sublimes. Ela “atrai a alma para a verdade e desenvolve
nela o espírito filosófico que eleva para as coisas de cima os olhares que inclinamos
erradamente para as coisas daqui debaixo”i.
Estas coisas de baixo podem sinalizar para o utilitarismo educativo atual. Como o
estudo da geometria foi empobrecido, lançado para baixo, perdendo suas potencialidades em
função de uma educação castrada, voltada para reproduzir uma cultura escrava da economia
material!
Além do ensino da música, Platão propõe a ginástica. Essa proposta resguarda um
ensinamento já bastante conhecido desde os tempos arcaicos: era próprio ao ideal de paidéia a
sabedoria de que o homem deve exercitar-se para a verdade e a disposição de ser, para que
pudesse transparecer coerência entre o que está dentro e fora de si mesmo. Ora, o gymnasium
era o local onde isso era cultivado nos jovens, que desnudavam o corpo como sinal de uma
educação do ser pelo aprendizado de se revelar como se é realmente. É importante notar que a
raiz grega de gymnos denota o ato de desnudar-se.
Para esta tradição não havia nada mais desonroso do que esconder o que se tem
enquanto ser. Nos gymnasium era ensinado que o que está em nosso interior deve ser idêntico
ao que revelamos em nosso exterior. A identidade entre essência e aparência estava no centro
do conceito arcaico de verdade. Não por acaso que encontramos na República a afirmação de
que o filósofo tem amor pela verdade; é por isso que Platão principia a educação do rei-
filósofo com a ginástica, educando-o a revelar identidade entre o interior e o exterior.
Numa época – como a nossa – marcada por um forte apelo individualista, essa
reflexão também tem grande ressonância. As pessoas acabam se submetendo às exigentes
contingências da vida dos mercados: precisam se adaptar, preservar o mínimo poder que têm
sobre si mesmas, resguardar sua visibilidade social, mesmo se isso exigir que mudem seus
perfis, que sejam flex, que revelem em seu exterior o que o sistema lhes exige e não o que são
de verdade.
A verdade hoje é que o limite da autenticidade interior versus exterior vai até onde for
possível frente às demandas do mercado de trabalho, do mundo do consumo, enfim... Se
estivermos frente a frente com um entrevistador que quer ouvir de nós palavras confiantes,
que transmitam força, coragem, domínio de si, mesmo se estivermos passando por uma fase
de extrema crise de sentido existencial, adaptaremos nosso humor ao momento, representando
o personagem ideal, exteriorizando o que é útil àquele momento. A verdade interior é um
detalhe pouco relevante nestes casos. Nossa sociedade vive fragmentada por ideais
capitalizados de vida: como escutamos que vale somente aquele(a) que tem o que mostrar,
acabamos nos esforçando para parir boas impressões, mesmo que sejamos assaltados – de
surpresa – pela necessidade. O que acontece quando queremos forçar que saia de nós algo não
natural? Certamente, sairá algo doloroso, como um excremento forçado a deixar o corpo fora
de hora.
Nossa sociedade individualizada produz subjetividades cindidas, falidas, sem
identidade própria, prontas para o encaixe nas várias formas-fôrmas-formações sistêmicas.
Cada sujeito humano está invariavelmente posto à venda e o detalhe é o preço, sempre aquém
do possível; afinal, todo ser humano é invalorável. Na verdade, a coerência entre exterior e
interior é algo irrelevante em nossos dias, ao menos para a maioria: mentir não é um verbo
intransitivo, cuja razão é irrelevante ao fato, cuja justificativa não complementa e atenua o
peso da ação; mentir pode – sim – ser transitivo, sempre dependente de um motivo
justificador; mas isso não é o pior: mentir parece ser sinônimo de adaptar-se a uma
circunstância exterior. Não parecer haver nenhum interdito moral para o indivíduo se sua ação
for motivada por uma conveniência, algo – a propósito – muito criticado por Platão, face aos
sofistas: mentir sempre é mentir, independente das utilidades sociais que isso possa trazer.
Resumindo nosso dilema, podemos dizer que vivemos em “tempo de partidos, tempo
de homem partidos”, como disse Carlos Drummond de Andrade, no poema Nosso Tempo, de
1945, por ocasião de sua bela A rosa do povo; mas esse não é um tempo homens partidos por
explosões de bombas em confrontos militares. Há uma guerra silenciosa em nossa cultura.
Muitos estão morrendo. Outros tantos estão vendendo sua identidade a preços mínimos,
vendendo o que são pelo que podem ter. Que há de mal em não exteriorizar o que se é, dirão
muitos? Se a sociedade exigir, se a sobrevivência exigir, bem-aventurados serão os que
conseguirem adaptar-se.
O mundo é dos espertos, dirão alguns; “o que vale é sobreviver!”, completarão. Que
triste saber que chegamos a um nível de desvalorização tão profundo. Para muitos de nós, o
que se é interiormente fica em segundo plano diante das necessidades materiais, diante dos
mandos e desmandos do capital, por exemplo. Escutamos afirmações como “Ninguém vive só
de amor!”, ou, “Sonhar não enche barriga de ninguém!”. Para muitos a honestidade é algo
vergonhoso, se isso mantiver uma condição de dificuldade material. Por que ser justo, se a
injustiça causa mais benefícios materiais, pensavam muitos sofistas (basta lermos o livro II da
República de Platão)? A injustiça é mais vantajosa que a justiça, repetira Trasímaco nessa
mesma obra.
Para além da questão de justiça ou injustiça, a questão crucial aqui é – reiteramos – o
problema da desconexão entre o que somos e o que exteriorizamos, seja pelo dizer ou pelo
fazer. Saudoso Parmênides com sua máxima “ser e dizer são os mesmos”! Essa era a
sabedoria antiga dos gregos: o interior e o exterior devem revelar-se como uma harmonia.
Como a educação grega poderia nos ajudar como seres humanos! É claro que, como todo
projeto humano, ela está sujeita a falhas; e certos detalhes talvez sejam viáveis em nosso
modus vivendi. Contudo, voltar às raízes é sempre um exercício rejuvenescedor. Entender o
sentido de um caminho é um bom começo para se entender as razões pelas quais se caminha e
quais os possíveis desvios do caminho.
Ao ingressarmos um pouco no universo espiritual da paidéia grega, sentimos algo um
tanto que distante de nós, tamanho foi o desvio de nossos projetos educativos unilaterais,
utilitaristas, burocráticos. Basta lembrarmos da grande contradição produzida pelo projeto do
Iluminismo (Aufklärung): é sintomático vermos duas grandes guerras mundiais onde as
pessoas passaram a matar com mais eficiência, a partir de uma indústria bélica mais
especializada em produzir armas potencialmente mais letais. A morte passou a ser pensada
conforme a lógica industrial.
Nos campos de concentração, a morte era fabricada industrialmente por homens
altamente intelectuais, como bem lembrou Zygmunt Bauman, em seu livro Modernidade e
Holocaustoii. Portanto, a selvageria não provém tão somente da falta de conhecimento, como
se pensa: ela também pode derivar do seu oposto, do intelectual, dotado de uma grande carga
de conhecimento. Ignorante não é apenas o que não busca o conhecimento, mas também
aquele que é bem dotado de conhecimento, mas o usa de forma deturpada. Ser intelectual não
garante ser humano, muito menos ser sábio. Formar é muito mais que informar. Aliás,
seguindo esta lógica já estava Platão, quando disse que “as almas mais dotadas são as que se
tornam piores sob a influência de uma má educação. Os grandes crimes e a maldade
consumada procedem não de um caráter medíocre, mas de um caráter excelente corrompido
pela educação errada”iii. Portanto, justifica-se o motivo pelo qual Platão coloca a questão da
injustiça como proveniente de uma má educação da alma, por não anular os vícios. A
educação é justa quando cultiva as virtudes da alma. A questão é decisiva, pois ou essas
virtudes são cultivadas, ou o solo da barbárie estará fértil para vermos florescer mais homens
como Hitler que, quanto mais poder recebe, mais perigoso se torna.
A depender da educação dada, pode-se elevar ou deteriorar o caráter de alguém. Quem
lê a biografia de Hitler, certamente se espanta com a descoberta do seu veio artístico. Apesar
disso, não obteve a atenção merecida e as obras potenciais desses talentos se esvaíram. Como
é perigoso o desperdício de talentos? Inúmeros são os exemplos que temos de pessoas que,
por meio de uma má educação, apresentam sérias distorções de caráter. E num mundo como o
nosso, majoritariamente capitalista, como nossas escolas estão cegas frente ao desserviço que
prestam à formação de uma sociedade humana, quando educam para a competição
mercadológica! E pior: os critérios que costumam classificar as escolas como melhores ou
piores são definidos a partir de bases objetivas, como estatísticas de aprovados em vestibular,
número de reprovações, evasões, etc. Como se não bastasse, há uma cegueira coletiva frente a
isso. Quais os pais que não enchem os olhos diante dos slogans das escolas que mais aprovam
em vestibular? E assim, nossas crianças e jovens ingressam no mundo escolar e acadêmico,
acreditando que a única finalidade do estudo é apre(e)nder dados técnicos para “passarem” em
exames, conquistarem diploma(s), ingressarem no mercado de trabalho e, por fim, ganharem
dinheiro. E assim, as “melhores” escolas continuam formando seus monstrinhos, prontos para
digladiarem os que ousarem cruzar suas metas individuais. Não é isso que se quer formar
quando se coloca os vestibulares (ou seja, a concorrência mercadológica) como objetivo da
educação escolar?
Que bom seria que quando um pai ou mãe proclamasse a um(a) filho(a) um “vá para a
escola para ser gente”, estivesse preocupado em encaminhá-lo(a) para o primordial processo
de humanização, para que depois viesse a preocupação no papel social a ser escolhido e
desempenhado. Entretanto, o que se vê hoje é o inverso. Afinal, não é isso que hoje significa
“ser gente”, a saber, ter emprego privilegiado, dinheiro, visibilidade social? À escola é
relegada a função de preparar os jovens para que eles tenham uma identidade social
reconhecida e não para que sejam pessoas de caráter inconfundível. Ora, em tempos de
mercado, o que parece valer mais é ter bons requisitos objetivos (eficiência profissional),
mesmo que se seja um sujeito sem caráter, até desumano. Quantos não são os patrões que
massacram seus subordinados, os médicos que tratam pacientes como objetos, os vários
outros profissionais que se portam como verdadeiros assassinos do dever e do respeito ao
outro?
No Livro VI da República, Platão deixa claro que a instrução correta a ser ensinada é
aquela que nos leva a verdade do Ser. E isso significa – dentre outras coisas – privilegiar os
talentos que manifestamos. Sejam quais forem os níveis desses talentos, a verdadeira
educação deve aproveitá-los, dirigindo-os com correção e zelo humano, sob o risco de que
esses talentos possam descambar na barbárie. A diferença entre um Einstein e um Hitler não
está simplesmente no QI: ambos tinham uma inteligência privilegiada, cada um ao seu modo.
Um Einstein não poderia ter-se transformado num Hitler e um Hitler num Einstein, se os
cenários que os envolveram tivessem outras configurações? É possível que sim. O que
queremos mostrar – seguindo Platão – é que, mesmo dotados ou não de mentes privilegiadas
(por força de mistérios do nascimento que desafiam nosso atual entendimento), isso nada
garante que tenhamos indivíduos excelentes ou descomedidos. Certamente, quando por
ocasião da escrita da introdução do livro Educação e Emancipação (de Theodor W. Adorno),
Wolfgang Leo Maar expressa seu espanto com a seguinte pergunta, a saber, “como um país
tão culto e educado como a Alemanha de Goethe pode culminar na barbárie nazista de
Hitler?”iv, estava se deparando com essa estranha dialética da educação, que Platão tão bem
alertou em sua República: “se não for semeada, plantada e nutrida em solo adequado, isso irá
dar no oposto total. A não ser que um deus venha socorrê-la”v. Não basta, pois, que
possuamos uma sociedade culta para termos uma civilização verdadeiramente humana.
Ao entrarmos no sentido mesmo da paidéia grega, percebemos o tamanho do desvio
que fizemos, não em relação – tão somente – ao caminho em si desse modelo grego, mas de
nós mesmos como seres humanos. Diante disso, podemos começar a beber dessa fonte e não
faltam margens para isso. Em qualquer posição da borda desse poço, podemos nos dobrar e
matar a sede com grandes goles de sabedoria, de pura sabedoria.
Sabedoria. Essa é uma boa palavra para um bom começo. Lembremos da pergunta
provocadora de Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?”. Em
época de muitos intelectuais, essa é uma questão muito pertinente: onde estão os sábios?
Afinal, não é o fato de possuir muitas informações técnicas sobre determinado assunto que me
faz um sábio. Meu avô mal conhecia uma escola em seus átrios, mas possuía uma sabedoria
invejável a muitos. Que postura frente à vida! Que potencial de exteriorizar o que pensava,
independente das conveniências! Que potencial de dar conselhos, de traduzir as metáforas da
vida, de ser temperante em suas palavras e ações! Eis um sábio.
As escolas são importantes, desde que não desfigurem o humano, servindo a
ideologias que lhe façam meio e não fim em si mesmo. A escola é um campo de
possibilidades, desde que não se desfaça da poética da vida. “Não só de pão vive o homem”,
disse Jesus; não só por pão vive uma escola, podemos defender. Não podemos mercantilizar
nossa cultura, maquiando os malefícios disso com termos sedutores como bens culturais.
Os intelectuais devem ser cultivados em salas de aula, porque nossa cultura conseguiu
alçar – com muito ardor – pontos altos do monte do conhecimento. Contudo, deve estar
disposta a maturar tudo isso, buscando a transcendência do que se conhece, buscando desvelar
a mera materialidade da linguagem científica. Aqui nem estamos falando de religião, mas sim
de transcender ao que há de sublime em tudo que conhecemos por meio do intelecto. Deste
modo podemos vislumbrar a verdadeira aplicação do conhecimento, nos tornando sábios, pois
encontrando tudo o que converge para nós, potência do saber.
Triste perceber a extrema valorização tecnocrática das escolas modernas. Triste notar
que as estatísticas dominam os interesses públicos, cujos projetos de melhoria quase nunca
remediam a raiz dos problemas. Se todos estiverem na escola, pronto! Como se a quantidade
de formados em um ano fosse igual ao número de indivíduos de qualidade, bons cidadãos, ou
melhor, bons humanos! Mero engano, como vimos anteriormente. Friedrich Nietzsche notou
com maestria esse panorama sócio-educativo, já em fins de século XIX, deixando-nos uma
boa profecia, somente compreendida muito tempo depois: na obra Escritos sobre educação,
encontramos discursos em que admoestava a Alemanha para os riscos de uma educação
pragmatista, voltada meramente a fins utilitaristas, a estatísticas públicas, a números de
governo.
Do mesmo modo Adorno, que, na década de 60 do século passado, em uma entrevista
radiofônica na Alemanha (posteriormente publicada no já citado livro Educação e
Emancipação), alertou o seu país para os riscos da manutenção desse paradigma. Pasmem! Já
éramos herdeiros da IIª Guerra Mundial e já tínhamos presenciado a extensão das ações
orquestradas pelos engenheiros de guerra, extremamente inteligentes e insensíveis.
Educar – de fato – é bem mais do que informar, porque uma educação
verdadeiramente humana deve formar o humano, em todas as suas dimensões, não só
cognitivamente. Essa lição está amplamente compreendida na paidéia grega, que,
essencialmente, tinha como guia o paradigma de que a verdadeira educação é polissêmica e
voltada à plenitude do humano. Devia aprender principalmente a arte de amar e desejar a
beleza em si mesma. E a vida – em si mesma – é bela, porque polissêmica, imprecisa,
misteriosa, divina.
Quando falamos da educação platônica, podemos destacar um ideal – que para ele era
– bem claro: formar o humano conforme o nobre, o belo e o bom. Isso é tão importante que
antecipa qualquer esforço de construção de um Estado perfeito. Sem cidadãos bem formados
não há coletividade que viva feliz, principalmente sob o teto do contrato social. Para que um
Estado seja justo é preciso que os indivíduos o sejam. Por isso a educação. Hoje, quando
falamos de política, por exemplo, poucos são os que se envolvem de forma teórica e prática.
Aqui não estamos falando de politicagem, mas de política. E, para Platão, política e vida são
sinônimos. Política não é algo exótico, restrito a poucos.
Atualmente muitos dizem que política não se discute, justificando sua inércia crítica e
sua atuação funcional. Outros dizem que não ingressam no meio político porque “nenhum
político presta”, um problema, aliás, já que não se deve julgar o todo pela parte, mesmo que
ela seja a maior. Com isso, as pessoas demonstram um dos pontos fracos de nossa educação,
certamente gerenciada por nossa cultura da satisfação individual e momentânea: a “formação”
para o individualismo, para a preocupação com o privado, em detrimento do público.
Gilles Lipovetsky destaca bem o hedonismo contemporâneo: nossa cultura está sendo
formada para a indiferença pública, motivada apenas pela ideia de satisfação individual. A
educação de hoje acompanha esse tom. Ideias como a de Platão soam – no mínimo – como
“cafonice”, loucura, idealismo irreal. O que chama a atenção da maioria? Vejamos uma pista:
enquanto milhões de pessoas se dedicam a assistir algum reality show, interessando-se pela
privacidade de alguns (e julgando seus destinos num jogo), o país sofre para reunir assinaturas
para alguma lei proveniente do povo. Vemos manifestações públicas cada vez mais carecas.
Não é difícil concluir que as questões realmente importantes perdem espaço para o supérfluo.
Todo este quadro nos faz perceber que a culpa é muito mais do modelo cultural que
instituímos (como bandeira), do que a própria escola que quase sempre a reproduz. Esse
modelo investe na ideia de que a escola deve garantir ao menos que as pessoas sejam
capacitadas para o mercado de trabalho e do consumo. Deve garantir que as pessoas sejam
felizes individualmente. E repetimos: atualmente, ser feliz significa poder consumir prazeres
quando bem desejar.
Mesmo os profissionais de educação – conscientes desse processo – têm dificuldade
de romper a lógica do sistema; até mesmo porque lutam sozinhos, sem a histórica presença da
família, que, distante, não só não educa, mas deseduca as crianças e os jovens, deixando-os
livres para a sedução da televisão, por exemplo. A propósito, a família abdicou de seu papel
de formadora. E como esse papel é importante! As crianças chegam ao mundo despidas dos
códigos culturais, precisam ser aculturadas, cultivadas para a vida espiritual de seu povo. Mas,
com esse “abandono”, ficam relegadas à escola, que recebe a incumbência messiânica de
“resolver os problemas”. Outro problema!
É fato que, para trabalhar, muitos pais acabam tendo que desamparar seus filhos
durante a maior parte do dia, deixando-as à mercê das ruas ou da televisão (dentre outras
mídias que programam um tipo de sujeito bem peculiar). Mas, muitas vezes, reina o princípio
da omissão. Mesmo em suas casas, muitos pais transferem a responsabilidade da educação
para a mídia e, principalmente, para as escolas, de quem – nesse caso – podem reclamar. E aí
mora um dos piores problemas.
Somado com uma educação em crise de identidade, nossos jovens estão se deixando
governar pelo hedonismo de que falamos, pela omissão social, enfim... É por isso que se torna
cada vez mais difícil ensinar coisas como filosofia; afinal, quem está na escola espera que o
conhecimento aprendido seja uma senha útil para conseguir algo em troca. Filosofar, portanto,
não serve para nada, é coisa para loucos e/ou desocupados. A que distância estamos do ideal
grego de paidéia! É um desafio propor a quem quer que seja viver princípio de austeridade,
ante tanta oferta de felicidade fácil. Mas como seria bom que todos pudessem entender (e
viver) uma das bases da paidéia: o exercício do interior e do exterior para o governo dos
vícios. Mas como isso exige muito de nós, torna-se algo cafona, fora de moda.
A ideologia hedonista contemporânea está nas bases do individualismo que se
espalhou entre nós. Como já dissemos, até para exercerem um movimento interior de auto-
reflexão, os indivíduos dependem de um motivo prático e útil. Como parece cafona, por
exemplo, a proposta de uma educação para o autoconhecimento, aos moldes do que propõe a
filosofia socrática, a estóica, dentre outras! Imaginemos um professor, em sala de aula,
declamando a bela proposta de uma formação cursiva baseada na paidéia: “Em nossas aulas,
cada um deverá descobrir quem é, imergindo em seu si mesmo, conhecendo aquilo que lhe é
próprio, sua virtude, que deve estar em função do tripé nobre, belo e justo. Cada um deverá
usar seu talento em prol de si mesmo sim, mas colocando em primeiro lugar os outros. A
excelência de cada um deverá servir a todos, pois, assim, todos seremos agraciados, por
fazermos parte do todo”. Imaginem tal discurso! Certamente soaria estranho nos ouvidos (des)
atentos.
A propósito, usar os talentos em prol dos outros – deixando-se em segundo plano –
não parece ser uma receita muito agradável em nossos tempos. Mas quão valiosa é essa
sabedoria presente em Platão! Isso é valioso, dentro desse tempo de individualismos, onde as
pessoas vendem (corrompem) o que for preciso para se autopromover: seja um amigo ou a
própria dignidade.
Ao mostrar que a educação começa com a música e a ginástica, Platão deixa implícita
uma sabedoria de que educar não é somente transmitir conhecimento. Educar não é só
informar cognitivamente, não é só acumular informações na memória. Isso nos faz lembrar
uma sábia frase de Rubem Alves: “Livros: quanto mais melhor. É tão verdadeiro quanto a
comida: quanto mais melhor. Comida ingerida em grandes quantidades não produz
musculatura, produz obesidade. Eruditos, com frequência, são obesos de espírito”vi. O grande
pedagogo brasileiro Paulo Freire já alertava para a deficiência de modelos educativos que
insistem em transformar estudantes em depositários de informação, como se o nível de
inteligência dependesse da quantidade de conteúdos gravados! Há tantos sábios pelo mundo
que nunca frequentaram uma escola! Certamente, sob o modelo escolar capitalista, eles
seriam emburrecidos. Com uma educação que não só informe, mas forme o homem
integralmente, é muito provável que essa sabedoria fosse multiplicada.
Os sábios são os que se aproximam do nobre, do belo e do justo: eis o cerne da paidéia
grega, lição retomada por Nietzsche e por vários outros na atualidade, que a defendem, mas
são silenciados com os gritos efusivos dos burocratas da política educacional, tão fascinados
por estatísticas quanto alguém envolvido em pregão de bolsas de valores.
Tudo o que dissemos anteriormente toca diretamente na questão dos talentos: como
insistimos até aqui, atualmente, os ideais assumidos pelos indivíduos estão perdendo a quebra
de braço com os imperativos utilitaristas do mundo financiado aos vários mercados que
dominam a vida. A necessidade de aparentar status tenta reprimir a força interior de cada um,
que nos faz querer o que sentimos ser dom, talento, uma verdadeira excelência aos moldes da
areté grega. Vivemos uma cultura das aparências, onde é nítida a desvantagem do ser frente à
força do ter. Pessoas estão se vendendo para ganhar em troca a moeda da visibilidade social,
cujo título é a mera identidade formal.
Jovens estão escolhendo as profissões que aparentam ser economicamente mais
rentáveis e isso não se explica só pela vontade justificável de quererem melhores condições de
vida; o principal ingrediente desse desejo é o medo de não serem notados. Esquecem (por não
saberem) que somos notados pelo que fazemos de melhor, por sermos bons no que fazemos; e
ser bom depende basicamente de gostarmos, ou melhor, de nos sentirmos envolvidos pela arte
de fazer o que fazemos. O saber fazer não é o suficiente para se ser um bom profissional.
A questão do talento é tão importante quanto desprezada em nossos dias. Sucedidos
por ideal(ais), o talento integraliza a felicidade humana no âmbito do trabalho social. Quiçá
não ouvíssemos desde a infância a corriqueira frase dita pelos “adultos”: vá para a escola
para ser gente. Pobre opinião. Pobre cultura a nossa, que acredita que ser gente é ter dinheiro.
Pobre escola, entendida como uma mera fábrica de técnicos assalariados. Quiçá
desaparecessem nossas escolas, mitificadas como o lugar supremo do desenvolvimento, como
se já fôssemos o supra-sumo da civilização. Pobre opinião. Não foram as escolas os
mecanismos favoritos do nazismo para a alienação ideológica de seus infantes? A escola
poderia ser abolida e ainda sim sermos civilizados, como propôs Ivan Illich? Sim! E não
estaríamos necessariamente fadados à barbárie...
Talvez sem escolas pudéssemos reencontrar a educação, resgatar a sabedoria que
perdemos com o projeto racionalista moderno. Contudo, muito mais do que advogar tal
radicalidade, queremos desmistificar a noção equivocada de que a escola é a salvação de
nossa sociedade. Poderia ser, mas não sob os paradigmas que movem nossa cultura. Mas que
paradigma poderíamos utilizar como substitutos? Não precisamos ir tão longe: basta fazermos
a arqueologia de nós mesmos, ou melhor, de nossa própria cultura.
Distorcemos grande parte da essência da racionalidade grega clássica, que até hoje
alicerça nossa cultura. É bem verdade que a própria era clássica já distorceu algumas
sabedorias arcaicas, que tão bem nos serviriam nesse (atual) tempo materialista. Mas o fato é
que podemos enxergar em Platão a importante dica da educação integral, que vai além da
finalidade política própria de sua obra. O importante é formar o homem em todas as suas
dimensões. A educação é um meio para que o homem desenvolva seu si mesmo e não sua
mera capacidade cognitiva. Para Platão, é fundamental promover o homem a partir do que ele
é, dos talentos que possui. Talentos bem dirigidos promovem a excelência do Ser. Eis o ideal
difícil, mas plenamente possível. Afinal, por ser difícil é que se torna ideal, pois,
parafraseando nosso filósofo, “as coisas belas são difíceis”vii.
A propósito, num tempo tecnológico onde desde cedo aprendemos a facilitar a vida, a
buscarmos caminhos curtos, a fazermos pouco esforço, fica essa dica derradeira do nosso
conselheiro: a verdadeira educação exige esforço, pois nos impõe a dificuldade de reconhecer
o belo. Só percebe os encantos de uma bela música quem se dispõe a ouvir com a alma, indo
além do que os ouvidos conseguem captar. Há o esforço de se preparar a alma. Nos dias de
hoje, as coisas fáceis são mais atraentes à maioria; não por acaso, é tão grande o número dos
que consomem músicas cada vez mais pobres de beleza, de sensibilidade. Afinal, músicas
assim não exigem uma sensibilidade da alma, de tão pobres que são. Para percebermos a
beleza de uma composição de Chopin, de um poema de Baudelaire ou Augusto dos Anjos, é
preciso sentir os inúmeros detalhes que adornam a obra. Há detalhes elevados e escondidos,
como um belo fruto de uma árvore frondosa. É preciso esforço. Como seria bom que
aprendêssemos desde cedo a enfrentar a dificuldade do encontro com belo! Afinal, se a
educação exige esforço e as coisas belas são difíceis, somente a contemplação do belo
civiliza.
OUVINDO ARISTÓTELES...
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha.. 4. ed. São
Paulo : Nova Cultural, 1991. (Coleção Os pensadores; v. 2)
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Livro II
1ª seção

“Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de
regra, gera-se. e cresce graças ao ensino — por isso requer experiência e tempo; enquanto a
virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome por uma
pequena modificação da palavra (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma
das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente
pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se
move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la
jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem
qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra.
Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em
nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos
pelo hábito. Por outro lado, de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro adquirimos
a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Isso é evidente no caso dos sentidos, pois não
foi por ver ou ouvir frequentemente que adquirimos a visão e a audição, mas, pelo contrário,
nós as possuíamos antes de usá-las, e não entramos na posse delas pelo uso. Com as virtudes
dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, como também sucede com as artes.
Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo;
por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse
instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a
temperança, a bravura, etc.
Isto é confirmado pelo que acontece nos Estados: os legisladores tornam bons os
cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem. Esse é o propósito de todo legislador, e quem
não logra tal desiderato falha no desempenho da sua missão. Nisso, precisamente, reside a
diferença entre as boas e as más constituições. Ainda mais: é das mesmas causas e pelos
mesmos meios que se gera e se destrói toda virtude, assim como toda arte: de tocar a lira
surgem os bons e os maus músicos. Isso também vale para os arquitetos e todos os demais;
construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus. Se não fosse assim não
haveria necessidade de mestres, e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu
ofício. Isso, pois, é o que também ocorre com as virtudes: pelos atos que praticamos em
nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em
presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes.
O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoção da ira: uns se tornam temperantes e calmos,
outros intemperantes e irascíveis, portando-se de um modo ou de outro em igualdade de
circunstâncias.
Numa palavra: as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso,
pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos, porquanto da sua diferença se pode
aquilatar a diferença de caracteres. E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos
habituemos desta ou daquela maneira. Tem, pelo contrário, imensa importância, ou melhor:
tudo depende disso”.
.........
Cultivar a perfeição

Para Aristóteles, a educação é um caminho para a vida pública. Cabe à educação a


formação do caráter do aluno. Perseguir a virtude significaria, em todas as atitudes, buscar o
“justo meio”. A prudência e a sensatez se encontrariam no meio-termo, ou medida justa – “o
que não é demais nem muito pouco”, nas palavras do filósofo.
Um dos fundamentos do pensamento aristotélico é que todas as coisas têm uma
finalidade. É isso que, segundo o filósofo, leva todos os seres vivos a se desenvolver de um
estado de imperfeição (semente ou embrião) a outro de perfeição (correspondente ao estágio
de maturidade e reprodução). Nem todos os seres conseguem ou têm oportunidade de cumprir
o ciclo em sua plenitude, porém. Por ter potencialidades múltiplas, o ser humano só será feliz
e dará sua melhor contribuição ao mundo se desfrutar das condições necessárias para
desenvolver o talento. A organização social e política, em geral, e a educação, em particular,
têm a responsabilidade de fornecer essas condições.

Alguém pode nascer virtuoso? Para Aristóteles, não! Por quê?

A virtude, para Aristóteles, é uma prática e não um dado da natureza de cada um,
tampouco o mero conhecimento do que é virtuoso, como para Platão (427-347 a.C.). Para ser
praticada constantemente, a virtude precisa se tornar um hábito. Embora não se conheça
nenhum estudo de Aristóteles sobre o assunto, é possível concluir que o hábito da virtude
deve ser adquirido na escola.
Grande parte da obra que originou o legado aristotélico se desenvolveu em oposição à
filosofia de Platão, seu mestre e fundador da Academia ateniense, que Aristóteles frequentou
durante duas décadas. Posteriormente, ele fundaria uma escola própria, o Liceu. Uma das duas
grandes inovações do filósofo em relação ao antecessor foi negar a existência de um mundo
supra-real, onde residiriam as ideias. Para Aristóteles, ao contrário, o mundo que percebemos
é suficiente, e nele a perfeição está ao alcance de todos os homens. A oposição entre os dois
filósofos gregos – ou entre a supremacia das ideias (idealismo) ou das coisas (realismo) –
marcaria para sempre o pensamento ocidental.

Relação entre Filosofia e Educação


A filosofia se revela ao ser humano como um modo de compreensão que tanto
propicia a entendimento da sua existência em termos de significado, como lhe confere uma
direção para a sua ação, um caminho para seguir ou, ao menos, para lutar por ele. A filosofia
não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. Não é
religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é
uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das significações das obras de arte e do
trabalho do artista. Não é Sociologia, nem Psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica
dos conceitos e métodos da Sociologia e da Psicologia. Não é política, mas a interpretação,
compreensão e reflexão sobre a imagem, a natureza e as formas do poder. Não é história, mas
a interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e na compreensão
do que seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento, da ação humana, conhecimento
da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento das mudanças das
formas do real ou dos seres que constituem a realidade. A filosofia se constitui como
pensamento reflexivo.
A Filosofia não fornece um campo definitivo de conhecimentos, nem o filósofo detém
um conhecimento que o eleva acima de todos. A filosofia se insere na história, e os temas com
que se ocupa mudam de acordo com os problemas que precisa enfrentar. Sendo seres
sensíveis e racionais, estamos sempre dando sentido às coisas. Tornou-se costumeiro chamar
de filosofia da vida o filosofar espontâneo do homem comum, que, no cotidiano, é levado a
momentos de parada, a fim de retomar o significado dos atos e pensamentos, para agir mais
adequadamente. Todas as nossas escolhas em situações da vida nas quais precisamos tomar
decisões, supõem certa reflexão. A palavra reflexão significa retomar o próprio pensamento,
pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece. Segundo
Dermeval Saviani, a reflexão propriamente filosófica é radical, rigorosa e de conjunto. É
radical por explicitar os fundamentos do pensar e do agir. É rigorosa por que, enquanto a
filosofia de vida não leva suas conclusões até as últimas consequências, o filósofo especialista
dispõe de um método claramente explicitado que permite proceder com rigor, garantindo a
coerência e o exercício da crítica, utilizando uma linguagem rigorosa, que define os conceitos,
evitando a ambiguidade típica das expressões cotidianas. Para aprimorar esta linguagem, o
filósofo inventa conceitos, inova em expressões ou modifica e específica o sentido de palavras
usuais.
A partir do pensamento filosófico nasceram as ciências e, com elas, a pedagogia
(palavra derivada de dois termos gregos, a saber, paidós = criança, e agô = conduzir, em
grego), pois os filósofos também discutiam sobre educação. A pedagogia então se
desvinculou da filosofia e a partir da Modernidade e organizou seu próprio espaço de
pesquisa. Mas, nem sempre o homem reflete especificamente e de maneira rigorosa sobre o
ato de educar. A educação é dada muitas vezes de maneira espontânea a partir do senso
comum, repetindo-se costumes transmitidos de geração para geração. Para superar esse
espontaneismo torna-se preciso fundamentar uma teoria, de modo que a ação educacional seja
mais profícua.
Se a filosofia é uma forma de pensamento radical, rigoroso, constituindo-se como
conjunto que se faz a partir dos problemas propostos pelo nosso existir, é inevitável que entre
esses problemas estejam os que se referem à educação. Cabe ao filósofo então acompanhar
reflexiva e criticamente a ação pedagógica, de modo a promover a passagem “de uma
educação assistemática (dirigida pelo senso comum) para uma educação sistematizada. A
partir da realidade, o filósofo indaga a respeito do homem que se quer formar, quais os
valores emergentes que se contrapõem a outros, já decadentes, quais os pressupostos do
conhecimento subjacentes aos métodos e procedimentos utilizados e, examinar a concepção
de homem que orienta a ação pedagógica, para que não se eduque a partir da noção abstrata
de criança em si e de homem em si. Para definir objetivos educacionais, devemos ter claros os
valores que orientam nossa ação. O filósofo avalia os currículos, as técnicas e os métodos, a
fim de julgar se são adequados ou não aos fins propostos, sem cair no tecnicismo, risco
inevitável sempre que os meios são supervalorizados e se desconhecem as bases teóricas do
agir. Os questionamentos da filosofia sobre o que é a educação, não permitirão que a
pedagogia se torne dogmática, nem que a educação se transforme em adestramento ou
qualquer tipo de falsa educação. Deve-se preparar, pois, o pedagogo, para a consciência
crítica, fazendo-o transcender às meras determinações do preparo técnico e científico.
Nas relações multifacetárias do campo social, no qual os seres humanos vivem,
sobrevivem e relacionam-se, a educação se coloca como fenômeno do qual “ninguém
escapa”. Institucionalizada, quando processada no espaço formal do sistema escolar ou
através de telecursos; ou informal, quando vivenciada em ambiências extramuros escolares,
quer seja a própria rua, o círculo familiar ou religioso ou, ainda, através das mensagens
veiculadas pelos meios de comunicação de massa, a educação está presente e dela não se pode
fugir. A educação é, portanto, um fenômeno social que, refletindo o momento histórico no
qual a sociedade estagia, realiza-se por uma prática. Quando questões pertinentes à educação
transformam-se em problema, tornam-se objeto do filosofar, constituindo filosofia da
educação. O que é educação? Por que e para quê educação? Qual o sentido de educar? A
quem essa prática abarca? A quem se dirige?
Perguntas similares fazem imprescindíveis a busca da origem, dos fundamentos, dos
pressupostos, do tipo de ser humano desejado, das relações imbricadas no processo e na
prática pedagógica, do sentido aí subjacente, do conhecimento veiculado ou a veicular, dos
valores (implícitos ou explícitos), da finalidade que informa ou conforma o problema em
exame, tudo isso constitui-se objeto da análise crítico-reflexiva, radical, do que chamamos
filosofia da educação. E aquele que desenvolve tal atividade, na área da educação, estará
fazendo filosofia da educação. No sentido primitivo, a palavra Educação tem sua origem nos
verbos latinos educare, que significa alimentar, amamentar, criar, com significado de algo que
se dá a alguém, e educare, que expressa a ideia de conduzir para fora, fazer sair, tirar de.
Nesta acepção, educação representa um ato de desenvolver, de dentro para fora, algo que está
no indivíduo. Desta maneira, do ponto de vista semântico, o conceito de educação já encerra,
nas suas origens, uma contradição, na medida em que abriga, sob uma mesma raiz, sentidos
diversos. O sentido de educare transmite ideia de algo externo que se acrescenta ao indivíduo,
procurando dar-lhe condições para seu desenvolvimento.
Já o sentido de educare, sugere a liberação de forças que estão latentes e que
dependem de estimulação para virem à tona. Estes dois sentidos têm, historicamente, marcado
as teorias e as práticas de tal forma, que podemos afirmar, sem medo de incorrer em
imprecisões, que os conceitos de educação tradicional e de educação nova estão fortemente
impregnados desta ambiguidade semântica. Com efeito, podemos observar que a educação
tradicional tem, entre seus componentes mais importantes, o fato de que os grandes problemas
estão voltados para o professor, para o programa, para a disciplina, enfim, para algo que é
exterior ao educando. A este, cumpre apenas a tarefa de realizar prescrições fixadas por pais,
professores ou qualquer outra autoridade. Este sentido da educação tradicional é o que mais se
aproxima do significado do educare. Já a educação nova (escolanovismo), procura centrar
suas preocupações sobre o educando, examinando e investigando as maneiras pelas quais se
dá o processo de aprendizagem, que é algo eminentemente individual. O indivíduo, com suas
peculiaridades e seu ritmo próprio de desenvolvimento, é o ponto de referência para toda ação
educativa. A educação nova se identifica, pois, mais diretamente com o sentido de educare,
uma vez que os limites da ação educativa representam algo eminentemente pessoal e
dependem das possibilidades de cada um, conforme os estímulos adequados que receba.
Alguns estudiosos dos problemas da educação iniciam sua abordagem filosófica
perguntando-se, por exemplo: o saber ensinado nas escolas a que propósitos se subordinam? É
possível a educação escolar fazer ascender seus alunos a um conhecimento verdadeiro? Foi aí
que se propuseram, na década de oitenta do século passado, vários pesquisadores brasileiros.
Nessa ocasião, floresceram leituras do nosso panorama educacional e do papel da escola
voltadas para as respostas às necessidades e expectativas da educação escolar da população
brasileira. Com tais objetivos, os estudiosos ocuparam-se da análise crítico-reflexiva do
sistema escolar público em nosso país, procurando identificar-lhe distorções, conteúdo
ideológico, inadequação de conteúdos e metodologias, não raro apontando soluções para os
problemas nele detectados. Janete de Azevedo, Dermeval Saviani, Sílvio Gallo, Moacir
Gadotti, Antônio Severino, José Carlos Libâneo, dentre outros, destacam-se na leitura
filosófica das questões educacionais no Brasil
Reflexões atuais: pensando a escola hoje...

 Qual a finalidade da educação?


 Como a filosofia nos ajuda a pensar a educação como meio
libertador?

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iv
v
vi
vii

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