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Supremo Tribunal Federal

Revista Trimestral de
Jurisprudência

Volume 198 – Número 2


Outubro / Dezembro de 2006
Páginas 419 a 844
Diretoria-Geral
Sérgio José Américo Pedreira
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim

Seção de Preparo de Publicações


Neiva Maria de Moura Ludwig
Seção de Padronização e Revisão
Rochelle Quito
Seção de Distribuição de Edições
Margarida Caetano de Miranda

Diagramação: Manoel Vieira Santana


Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima
Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,


Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — Ano 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-
2001; Editora Brasília Jurídica Ltda. 2002- .
v. 198; n. 2.
Trimestral
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Brasil. Supremo
Tribunal Federal (STF).
CDD 340.6

Solicita-se permuta. STF/CDJU


Pídese canje. Anexo I, 2º andar
On demande l'échange. Praça dos Três Poderes
Si richiede lo scambio. 70175-900 – Brasília-DF
We ask for exchange. rtj@stf.gov.br
Wir bitten um Austausch. Fone: (0xx61) 3217-3573
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE


Ministro GILMAR MENDES
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Ministro EROS GRAU – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURÉLIO


Ministro CEZAR PELUSO
Ministro JOAQUIM BARBOSA

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLO


Ministro CARLOS BRITTO
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDES


Ministro CEZAR PELUSO
Ministro EROS GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente


Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI
Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha
SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente


Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministro Antonio CEZAR PELUSO
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes
Ministro EROS Roberto GRAU
SUMÁRIO

Pág.
ACÓRDÃOS ............................................................................................ 419
ÍNDICE ALFABÉTICO .......................................................................... I
ÍNDICE NUMÉRICO .............................................................................. XXIII
ACÓRDÃOS
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 244 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Requerente: Ministério Público Federal — Requerido: Cid Rojas Américo de
Carvalho
Arresto — Extensão — Pendência do processo principal — Projeção
no tempo. A natureza acauteladora do arresto sinaliza a existência de ato
precário e balizado no tempo, mormente quando alcançado o universo
dos bens do destinatário do ato de constrição. A regra do artigo 807 do
Código de Processo Civil há de ser tomada sob o ângulo da razoabilidade,
longe ficando de implicar a indeterminação do prazo de eficácia das
medidas cautelares.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, resolvendo a questão
de ordem suscitada, afastar o arresto de bens e determinar o sobrestamento da ação para
aguardar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2/DF.
Brasília, 21 de outubro de 2004 — Ellen Gracie, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em 19 de outubro de 1994, o Ministério Público
Federal ajuizou esta ação cautelar de seqüestro, dizendo-a preparatória de “ação ordiná-
ria contra improbidade administrativa”, apontando como réu o ex-Deputado Federal
Cid Rojas Américo de Carvalho. Fê-lo a partir de informações colhidas pela Comissão
422 R.T.J. — 198

Parlamentar Mista de Inquérito que resultou das denúncias do Sr. José Carlos Alves dos
Santos sobre as atividades de parlamentares, membros do governo e representantes de
empresas na destinação de recursos do orçamento da União.
A inicial da citada ação, de folhas 2 a 16, remete a dados relativos à atuação do réu
como Presidente da Comissão de Orçamento. Comporia ele o que se denominou de
núcleo de poder dirigido pelo Deputado João Alves de Almeida. Referiu o Fiscal da Lei a
participação do réu na confecção do orçamento, manuseando verbas. A seguir, cogitou
do possível enriquecimento ilícito do réu, que teria admitido, para justificar movimento
bancário acima do que formalmente percebido, a existência de doações para custear
despesas da atividade política. Aludiu, então, à circunstância de haver o réu movimen-
tado 6,28% a mais, em contas bancárias, do que os rendimentos auferidos no período de
1989 a 1992. Após lançar o rol dos bens do réu, requereu o Ministério Público a
concessão de medida liminar de seqüestro de bens, sem a oitiva da parte ré, bem como as
diligências mencionadas à folha 16. Tal requerimento baseou-se nas conseqüências da
eventual configuração de improbidade administrativa, na obrigação de ressarcimento
ao Erário dos valores havidos ilicitamente.
A liminar veio a ser deferida mediante ato do seguinte teor (folhas 344 e 345):
O que justifica a concessão de qualquer liminar é a presença concomitante e
palpável da aparência do alegado direito e da necessidade da medida.
Sem antecipar qualquer juízo de valor, tenho por presentes, in casu, os
pressupostos acima referidos.
Com efeito, pela documentação que acompanha a exordial restou demons-
trador pela CPMI que o ex-deputado Cid Carvalho participou da Comissão
Mista de Orçamento de 1986 a 1992, sendo Presidente da referida Comissão
no período de 1989 a 1991 e em 1992 foi Relator Parcial do Ministério da
Agricultura.
No período de 1990 a 1993 o réu teve aprovadas 79 emendas num montante
de US$ 60,2 milhões, “o que dá uma média de US$ 15,1 milhões por ano”, nível de
aprovação 86% acima da média que é de US$ 8,1 milhões anuais.
Nesse mesmo período a média de liberação de suas emendas foi de US$ 13,5
milhões por ano, “o que situa 137% acima da média, que é de US$ 5,7 milhões
anuais”.
Devendo ser ressaltado que todas as liberações, com exceção das realizadas
em decorrência de sua posição como Relator Parcial do Ministério da Agricultura,
tiveram caráter programático.
Deve-se ainda registrar que as Emendas do Relator “foram amplamente
utilizadas como forma de ocultar os verdadeiros postulantes”, sendo possível ter
sido veículo para “dissimular a verdadeira participação e influência do parlamen-
tar” em outras emendas.
Restou ainda demonstrado (sic) a inclusão de subprojetos de interesse do réu
já no Projeto de Lei Orçamentária Anual, configurando acordo entre membros da
Comissão de Orçamento e o então Secretário de Planejamento.
R.T.J. — 198 423

Por tudo, restou evidenciado (sic) a participação do réu, no período já


mencionado, no “núcleo de poder” que se instalou na Comissão Mista de Orça-
mento que manipulava vultosos recursos do erário público federal, sendo que
simultaneamente a esse período houve significativos depósitos nas contas bancá-
rias do réu, ultrapassando em muito os valores de seus ganhos de parlamentar
(única fonte de renda), todos de origem injustificada.
Esses elementos de prova instruem a exordial já delineiam e justificam a ação
de rito ordinário a ser proposta com o fim de ser reconhecida a prática de atos de
improbidade administrativa que importaram em enriquecimento ilícito, com o
conseqüente ressarcimento ao erário público federal.
Assim, presente a aparência do alegado direito.
Por outro lado, há necessidade da medida, pois o decurso do tempo pode
inviabilizar a eficácia da decisão judicial de mérito no processo principal, consi-
derando que o réu poderá livremente dispor de seus bens.
Pelo exposto, presentes os pressupostos autorizativos, concedo a liminar
para determinar o seqüestro dos bens do réu, relacionados às fls. 14 e 15, ficando
como depositário o próprio réu ou pessoa de sua família, considerando a existência
de bens em três Estados da Federação, comunicando-se ao Oficial do correspon-
dente Registro de Imóvel para o registro do seqüestro dos bens imóveis.
Deverá o autor, em cinco (5) dias, especificar a localização dos bens móveis.
Expeça-se precatória para o efetivo cumprimento desta decisão referente aos
bens localizados nos outros Estados Membros.
Efetivada a medida, cite-se.
Brasília, 24 de outubro de 1994.
Solange Salgado da Silva
Juíza Federal Substituta
Respondendo pela 18ª Vara
Na contestação, de folhas 356 a 377, argüiu-se a inépcia da inicial, diante da
confusão entre seqüestro e arresto de bens. Frisou-se que, em momento algum, veio a ser
afirmada a aquisição dos bens mediante valores alcançados no campo do enriqueci-
mento ilícito, considerados atos de improbidade. Evocou-se o artigo 814, inciso I, do
Código de Processo Civil, ou seja, a inexistência de prova literal de dívida líquida e
certa. O Ministério Público não teria quantificado o valor decorrente do enriquecimento
ilícito, não se fazendo presente qualquer dos casos contemplados no artigo 813 do
referido Código. A seguir, reporta-se ao depoimento de José Carlos Alves dos Santos,
apontado como uma tentativa de desviar o rumo das apurações. Ressaltou-se a óptica
que prevaleceu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, levando em conta período
pré-eleitoral. Quanto ao perfil, em si, do réu, aduziu-se que foi cassado em 1968,
havendo-se casado com Cléa Maria Carneiro de Carvalho, filha do jurisconsulto Levi
Carneiro. Asseverou-se que o casal sempre teve, em patrimônio, bens, acumulando-os
com o passar dos anos. No que concerne à denominada “máfia do orçamento”, argumen-
424 R.T.J. — 198

tou-se que, tradicionalmente, os líderes partidários na Câmara e no Senado procedem à


indicação dos respectivos membros. Após discorrer-se sobre a trajetória do então depu-
tado e o funcionamento da Comissão, salientou-se a vida pública do réu, a remontar a
1954, refutando-se a caracterização de enriquecimento ilícito. Segundo as razões
expendidas, o Ministério Público não lograra identificar de forma concreta a vantagem
econômica alegada. Estaria a confundir, sob o ângulo das doações de campanha, os
institutos do ilícito eleitoral e do enriquecimento ilícito. A movimentação bancária
assinalada não se mostrara idônea à conclusão a que chegara o Ministério Público. É que
ocorrera a venda de imóveis herdados pela mulher do réu. Teceram-se considerações
ainda sobre o disposto no artigo 18 da Lei n. 8.429/92, a revelar que “a ação que julgar
procedente ação civil de reparação de danos ou decretar a perda dos bens havidos
ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor
da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito”. Na hipótese, segundo a óptica do réu, não
fora viável a reversão, porquanto implicaria devolução, e nada teria sido alcançado em
detrimento de bens públicos. Sustentou-se a inexistência do risco de se manter a
disponibilidade dos bens imóveis.
Às folhas 378 a 380, requereu-se a liberação de certo bem adquirido com recursos
exclusivos da mulher do réu. O Ministério Público apresentou, a título de réplica, a peça
de folhas 421 a 426.
Mediante a decisão de folha 460, foi excluído, do ato de constrição, o imóvel
situado na Rua Almirante Alexandrino, 2.628, apartamento 101, Rio de Janeiro, ante a
circunstância de consubstanciar bem reservado da mulher do réu.
Às folhas 489 a 491, pleiteou-se a exclusão de apartamento situado no Setor
Sudoeste, em Brasília, porque ocorrida a cessão de direitos em data anterior ao seqüestro.
Às folhas 501 e 502, Humberto da Costa Pedrosa, assegurando ser proprietário de
determinado veículo, pediu fosse o automóvel excluído do seqüestro implementado. O
requerimento restou atendido, conforme decisão de folhas 510 e 511. À folha 525, veio
a ser liberado o apartamento do Sudoeste.
Agravo de instrumento interposto contra a decisão interlocutória proferida, deter-
minando o seqüestro, foi desprovido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(folhas 580 a 589). Eis a ementa do acórdão:
Constitucional e processo civil. Agravo de instrumento. Medida cautelar.
Seqüestro de bens. Improbidade administrativa. Possibilidade jurídica do pedi-
do. Arts. 37, § 4º, da CF/88 e 7º e 16, da Lei 8.429/92. Ato investigado pela
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI. Preenchimento, na espécie,
dos pressupostos da providência liminar buscada. Decisão mantida.
I. Nos termos dos arts. 7º e 16, da Lei n. 8.429/92, que encontra alicerce no art.
37, parágrafo 4º, da Carta Magna Nacional, é possível juridicamente o seqüestro de
bens, como medida cautelar incidental da ação de improbidade administrativa.
Nesse diapasão, pouco importa se o ato judicial constritivo constitui, na essência,
em arresto, uma vez que tal conduta acautelatória está autorizada pela ordem
jurídica (MS n. 94.001.32951-6/DF, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJU/II de 10-4-95).
Preliminar de inépcia da inicial rejeitada.
R.T.J. — 198 425

II. Não merece censura a decisão judicial que, apoiada em farta documenta-
ção, conclui pela existência de indícios razoáveis de participação do réu, ex-
parlamentar, cassado pelo Congresso Nacional, na prática de atos de improbidade
administrativa, decretando, em conseqüência, o seqüestro de bens, a fim de acaute-
lar eventual condenação ao ressarcimento do erário público.
III. O decisum monocrático impugnado, aliás, contém juízo de delibação
sumária e provisória que, não esgotando a análise do mérito da irresignação,
responde suficientemente a todos os argumentos do recorrente, sem acarretar dano
irreparável, uma vez que o réu permanecerá com a posse dos bens seqüestrados.
Nesse sentido, o resultado útil do julgamento meritório da ação principal foi
preservado, ante os fortes indícios de ato de improbidade administrativa. Prece-
dente da Corte, em hipótese análoga: AG n. 95.01.11120-2-DF, Rel. Juiz Hilton
Queiroz, DJU/II de 14-2-2000.
IV. A urgência da medida cautelar não se concilia com a exigência da certeza
do perigo. Anote-se que a tutela cautelar tem por finalidade assegurar a viabilidade
da realização de uma pretensão deduzida no processo principal.
V. Firme é a jurisprudência nacional no sentido de que a Lei n. 8.429/92
alcança os bens do agente público, ainda que adquiridos antes da prática dos atos
de improbidade, pois, por imperativo constitucional (37, § 4º), deve ser garantido
o ressarcimento do patrimônio público (AG n. 95.01.10152-5-DF, Rel. Juiz
Tourinho Neto, DJU/II de 29-5-95).
VI. Agravo de instrumento improvido.
Deu-se a declinação da competência, ante o teor do artigo 84 do Código de
Processo Penal, considerada a redação decorrente da Lei n. 10.628/02.
À folha 647, despachei, implementando o sobrestamento deste processo, para
aguardar o desfecho da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2. O réu apresen-
tou a petição de folhas 657 a 663, ressaltando:
a) a passagem de uma década sem o desfecho quer desta ação cautelar, quer da ação
de improbidade;
b) a inaplicabilidade da Lei n. 8.429/92, levando em conta que o réu integrou a
Comissão de Orçamento no período de 1989 a 1991;
c) o acometimento de grave enfermidade — neoplasia maligna no pulmão —
devendo o réu submeter-se a dispendioso tratamento médico, cujo valor semanal supera
R$ 2.700,00;
d) a falta de recursos, por ser a pensão parlamentar igual a R$ 8.576,96 e a soma dos
aluguéis, R$ 2.500,00. Daí o requerimento no sentido de se afastar o seqüestro até aqui
prevalecente.
Procedeu-se à juntada de documentos. O processo seguiu à Procuradoria-Geral
da República, que, na peça de folhas 671 a 672, alude ao perigo inverso e preconiza
que o exame do afastamento da liminar se faça pelo Juízo competente — de primeira
instância —, dada a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 84 do Código de Processo
Penal.
426 R.T.J. — 198

Trago o processo em questão de ordem para o Plenário deliberar sobre o que


pleiteado, tendo em vista a pendência do tema referente ao conflito do artigo 84 do
Código de Processo Penal com a Carta da República e a existência de voto do Relator da
ação direta de inconstitucionalidade, pela inconstitucionalidade da extensão da prerro-
gativa de foro.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os dados são incontroversos. Está-se
diante de medida acauteladora que implicou a indisponibilidade dos bens do réu, que
data de 24 de outubro de 1994. Praticamente dez anos são passados e o Estado-juiz não
chegou ao julgamento da ação de improbidade ajuizada. O processo respectivo, autuado
como Petição n. 3.114-8, encontra-se sobrestado, também aguardando o desfecho da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2. Os parâmetros da razoabilidade estão
suplantados. Não é aceitável que perdure ato de constrição precário e efêmero, como o
do arresto verificado, por tanto tempo.
A par desse aspecto, da necessidade de o Estado aparelhar-se, visando a atender aos
reclamos de restabelecimento, em tempo hábil, da paz social momentaneamente abalada,
surge a problemática alusiva à saúde e à faixa etária do envolvido. O réu, octogenário,
acometido de grave doença, conforme retratado na peça de folhas 657 a 663 bem como
nos documentos que a acompanharam, depende de tratamento especializado cujo ônus,
ante até mesmo a falência da saúde pública, é incontestável. Em síntese, sob os dois
ângulos, não há como persistir o ato de contrição que objetivou, consoante a causa de
pedir do Ministério Público, ressarcimento do erário a partir de simples suposições, ou
seja, o manuseio do orçamento da União para alcançar-se vantagem indevida. Resolvo a
questão de ordem afastando o arresto que fora determinado liminarmente, sobrestado o
processo.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Marco Aurélio, vamos definir se estamos
decidindo pela competência do Supremo Tribunal com relação à questão?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não houve o deferimento da liminar na
ação direta de inconstitucionalidade. Urge uma providência, urge uma prestação
jurisdicional e, a esta altura, é de tirar par ou ímpar para saber se deve decidir o Juízo ou
Supremo Tribunal Federal?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Penso que não temos competência constitucional,
no caso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os aspectos positivos pelo indeferimento
da liminar na ação direta de inconstitucionalidade, pela pendência do tema, pela
vigência do artigo 84, conduzem à prática de medidas urgentes. Reputo essa urgência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas essas medidas urgentes têm de ser tomadas
pelo juiz competente.
R.T.J. — 198 427

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E qual é o Juízo competente? Quanto ao


artigo 84, sob a minha óptica, que coincide com a do Ministro Sepúlveda Pertence — e
já revelei isso no Plenário —, sei que a competência é do Juízo. Mas será que essa virá a
ser a conclusão do Plenário?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Lembro ao Tribunal uma situação similar, a do
conflito de competência, em que a lei determina que se designe um dos órgãos concor-
rentes para a tomada de medidas de urgência: trata-se do artigo 120 do Código do
Processo Civil. Creio que, por analogia...
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ele é específico quanto a conflito. Como,
até aqui, com o indeferimento da liminar da ação direta de inconstitucionalidade, todos
os processos foram remetidos ao Supremo Tribunal, creio que a nós cabe enfrentar a
matéria.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência só está discutindo a questão de
processo de cautelar.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Somente a liminar. Se preocupa Vossa
Excelência, posso retirar do voto a extinção da ação cautelar, mas mantê-la também sem
a liminar perde o sentido, porque visam apenas ao arresto dos bens. Arresto, medida
precária e efêmera para se aguardar um pronunciamento judicial projetado no tempo por
dez anos!
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Foi proposta a ação em primeiro grau, e o juiz
declinou.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ele declinou, e aí foi autuada.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O seqüestro foi decretado pelo juiz?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Pela Juíza Solange, que respondia pela 18ª
Vara.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E, posteriormente, o juízo veio a remeter o caso
ao STF em dezembro do ano passado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Então, decretou-se o arresto, e a ação
cautelar ficou em stand by para aguardar a definição da ação principal intentada, porque
ela se mostrou preparatória, num primeiro passo, da ação que realmente acabou sendo
ajuizada.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não poderíamos determinar que o juiz decidisse?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mas por que o Juízo se, até aqui, temos ato
do Supremo Tribunal Federal que não vislumbrou, pelo menos no exame perfunctório,
preliminar, o conflito do artigo 84 do Código de Processo Penal com a Carta da
República? Todos os processos virão para cá. Será que em todos os processos com
situação semelhante vamos ter de abrir a exceção?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Ministro, quando indeferiu a liminar, não o fez
com base em conveniência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Hoje é uma providência jurisdicional.
428 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O que significa o despacho indeferitório da liminar


em sede de ADI? Não temos definição. De qualquer sorte, mantém-se a lei em toda a sua
extensão.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mantém-se a lei, mas os órgãos do Poder
Judiciário estão livres para decidir. Não há decisão do Supremo Tribunal Federal em
efeito vinculante, porque o Supremo apenas indeferiu a liminar. Se tivesse havido
decisão deferitória da liminar, com suspensão da lei, aí, sim, ter-se-ia decisão com efeito
vinculante.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Mantida a lei, a premissa é de que a
competência é nossa, a não ser que, em certas situações, pinçando este ou aquele caso,
entendamos que a competência é do Juízo, havendo dualidade na competência.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que não pode haver é a ausência de um órgão
jurisdicional para decidir uma questão urgente, seja ela a prisão preventiva, seja esse
problema de um seqüestro, que já dura dez anos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Acima de tudo, tendo em conta os
parâmetros, sinto-me muito à vontade para persistir no voto encaminhado.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não me sinto à vontade porque entendo que o
Supremo Tribunal Federal não tem competência para esse tipo de ação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, são dez anos, e a ação de
improbidade não foi julgada, que dificuldade há em se instruir?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A ação foi proposta em 1994.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, será que o Supremo Tribunal Federal não
tem como determinar uma providência?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Qual seria?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mandar o juiz julgar.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Que juiz, se está pendente a competência?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, o artigo 120 do Código de Processo Civil.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Por que, se há, em plena vigência no
cenário nacional, uma norma a indicar a competência do Supremo Tribunal Federal? E
essa norma não foi afastada.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Então, temos de decidir a respeito dessa norma, se
constitucional ou não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Enquanto isso, o octogenário morre, não é
tratado, diante da falência da saúde pública, e persiste um ato de constrição determinado
há dez anos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Decidir se essa norma é ou não constitucional.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O processo já está no Supremo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhora Presidente, inverto a situação.
Imaginemos que, em um desses processos deslocados ao Supremo Tribunal Federal, em
R.T.J. — 198 429

pleno vigor o artigo 84 do Código de Processo Penal, haja um pleito do Procurador-


Geral da República de arresto. Quem determinará o arresto? Ou ele não será determina-
do? Da mesma forma, há de se proceder quanto ao afastamento.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Houve uma medida semelhante naquele caso do
Governador Eduardo Azeredo; o Ministro Carlos Britto trouxe ao Plenário, e o Procura-
dor-Geral ofereceu a denúncia perante o Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Era ação de improbidade.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Por causa da prescrição.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Por conta da prescrição, mas foi uma questão que se
resolveu dessa maneira.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Foi pedido urgente.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Resolveu dessa maneira.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exatamente, para evitar o perecimento da ação.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Encaminhei os autos ao Procurador-Geral e ele
formulou a denúncia aqui.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Se não se julgou essa ação de improbidade
em dez anos, alguma coisa de fragilidade acusatória existe, principalmente porque o
pano de fundo mostrou-se, à época, momentoso: o escândalo do orçamento. Agora,
reconheço: não estou aqui formulando juízo prévio, segundo o qual é muito difícil
demonstrar-se que a simples aprovação de emendas incluindo verbas no orçamento
implique, necessariamente, o desvio das importâncias previstas, ou a vantagem
indevida para o parlamentar. Raciocino com o que ocorre normalmente e presumo, em
relação a todos — julgo a todos por mim —, uma postura consentânea com aquela que se
espera do homem médio. Não presumo a culpa.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acho que podemos decidir da seguinte forma,
eminente Presidente: sobrestamos e consideramos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não posso concordar, Excelência; não
posso cruzar os braços quanto ao caso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Um momento, Ministro; Vossa Excelência não me
esperou terminar o raciocínio. Sobrestamos a ação e consideramos essa medida como
sendo urgente, e decidimos. Aí, acompanho Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Adiro. É minha a proposta. Vossa Excelên-
cia me acompanha no segundo passo?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: No segundo passo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Então, penso que estamos todos de acordo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência sobrestou?
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Não, ele julgava prejudicada a cautelar.
Não é? A conclusão inicial de seu voto?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Afasto o ato de constrição. Libero os bens
arrestados.
430 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas Vossa Excelência sobresta?


O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Determino o sobrestamento, e não a
extinção do processo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aí, então, concordo.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Retifico, Presidente, evoluindo, como
cumpre fazer, tão logo convencido de assistir maior razão à tese inicialmente repudiada.
Adoto a proposta do Ministro Carlos Velloso, sem o deslocamento da redação do
acórdão.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sra. Presidente, a ação de improbidade tem como
uma das suas vertentes uma das possibilidades que ela viabiliza, o ressarcimento dos
prejuízos que foram causados. Liberar esses bens pelo simples argumento de que a ação
está parada há dez anos significa, na prática, talvez, inviabilizarmos esse provável
ressarcimento.
Lembro à Casa o seguinte: trata-se de um caso de extrema gravidade, fruto de uma
CPI que constatou fraudes gigantescas praticadas por parlamentares. Essa CPI deu
origem a esta ação de improbidade.
De maneira que acho temerária essa medida de sobrestar e ao mesmo tempo liberar
a constrição.
Peço vênia, mas não acompanho.

VOTO (Questão de Ordem)


O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhora Presidente, diante do impasse proces-
sual efetivamente criado, acho razoável a proposta do eminente Ministro Carlos Velloso
encampada pelo próprio Relator do feito.
É como voto.

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidente, gostaria de indagar ao eminente
Relator se não há uma alternativa em termos de garantia para eventual execução da
sentença, como, por exemplo, reduzir os limites do seqüestro. Na verdade, estamos
pondo em risco a efetividade da sentença.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, observo, no caso, o princípio do
terceiro excluído. Ou o arresto tem base para ser mantido, passados os dez anos da
providência e a falta de julgamento da ação — e presumo que não se coligiram
elementos para chegar-se ao desfecho —, ou o arresto deve ser fulminado. Eu não teria
como tarifar — como que prejulgando a ação principal — a garantia.
R.T.J. — 198 431

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Onde a ação está pendente?


O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A ação foi proposta em 1994, em juízo de
Primeiro Grau.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Em dezembro veio ao Supremo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Em razão da Lei n. 10.628, declinou-se da
competência para o Supremo, e aqui ela foi sobrestada.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aí declinou e não se conseguiu julgar a
ação. Um episódio momentoso com todos os holofotes direcionados a ele e, mesmo
assim, esse processo, que, estou certo, mereceu a atenção do Ministério Público, mereceu
a atenção do Juízo, não chegou ao desfecho, por quê?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Eu gostaria de fazer uma outra ponderação: o
patrimônio dessa pessoa é bastante específico. Se o pedido fosse no sentido de se liberar
um ou outro item desse patrimônio, acharia até razoável. Veja — cito —, é mais de uma
página composta de uma relação de imóveis em vários Estados.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Certamente, não é o maior patrimônio de
pessoa natural no País!
O Sr. Ministro Cezar Peluso: As preocupações que, inicialmente, eram minhas
também, eminente Ministro Joaquim Barbosa, acho que podem ser dissipadas pelo fato
de que, embora liberados os bens do seqüestro, qualquer alienação vai encher-se de
ineficácia por fraude à execução. Se há ação pendente, como há — e a hipótese legal é
típica —, que poderia levar à insolvência do réu, qualquer alienação no curso dela
implica fraude à execução e, portanto, ineficácia relativa automática. Ou seja, se o
devedor alienar bens, estes serão alcançados pela execução. De modo que, por este
fundamento, acompanho integralmente o voto de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A fraude é, realmente, não a credores, mas
à execução.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: É hipótese típica de fraude à execução.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sra. Presidente, não tenho dúvida em acompanhar
o Relator.
Tenho, também, a impressão de que este processo fala um pouco dessas histórias
das ações de improbidade, como elas são propostas, como elas não são acompanhadas e
qual é o seu desfecho. Muitas delas mal propostas, mal encaminhadas, e, por isso, depois,
se eternizam. Isto fala bem das histórias das manipulações das ações de improbidade.
Acompanho o Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Qual a colocação do Ministro Cezar Peluso?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Uma colocação de que, se os bens forem
alienados e a ação vier a ser julgada procedente, ter-se-á a caracterização da fraude à
execução e aí haverá seqüela quanto a esses bens.
432 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: E Vossa Excelência está de acordo?


O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Em incluir no voto não, eu não advirto,
não assessoro possíveis compradores dos bens.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Ainda a título de discussão, que inconveniente
haveria em liberar bens suficientes para o tratamento?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de um patrimônio considerável, boa
parte dele de aquisição provavelmente anterior a esse mandato do impetrante na Comis-
são de Orçamento.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): E de duas, uma: ou é válido o arresto —
passados dez anos — ou não é.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O prazo de seqüestro é para a propositura da
ação. O resto é prescrição intercorrente da ação.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa causa me deixa também em perplexidade,
porque, como bem observou o Ministro Joaquim Barbosa, a indisponibilidade dos
bens — não sei se o Ministro chegou a dizer isso — é de previsibilidade constitucio-
nal expressa. Está no artigo 37, § 4º. Se fosse possível trabalhar com essa hipótese
de liberação dos bens suficientes para o tratamento, acho que seria uma medida
razoável.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: O artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil
é expresso. Considera como fraude à execução a alienação ou a oneração feita ao tempo
em que pendia contra o alienante ou o onerante demanda capaz de reduzi-lo à insolvên-
cia. Isso significa ineficácia relativa. Os negócios jurídicos serão válidos, mas eficazes
perante o juízo apenas à medida que não frustrem a execução.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Independe de ação anulatória. O juiz da
execução mandará penhorar, como se os bens ainda estivessem no patrimônio do réu da
ação de improbidade.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A consideração do Ministro Cezar Peluso de
que efetivamente eventuais alienações poderão ser alcançadas e anuladas, em caso de
procedência da ação, como em fraude à execução, leva-me a acompanhar o Ministro
Relator.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Manifesto, também, a minha adesão
ao voto do Relator, acrescentando que, além de que os bens eventualmente transfe-
ridos indevidamente terão a sua persecução garantida posteriormente, seria extrema-
mente difícil para esta Corte, neste momento, determinar quais e quantos bens
seriam necessários para a finalidade humanitária que informa a proposta do eminente
Relator.
Por isso acompanho o seu voto.
R.T.J. — 198 433

EXTRATO DA ATA
AC 244-QO/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerente: Ministério Pú-
blico Federal. Requerido: Cid Rojas Américo de Carvalho (Advogados: José Eduardo
Rangel de Alckmin e outro).
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, resolvendo
a questão de ordem suscitada, afastou o arresto de bens e determinou o sobrestamento
desta ação para aguardar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2.797-2/DF. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim,
Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 21 de outubro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 397 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo
Ação direta de inconstitucionalidade. Item 1 do § 2º do artigo 31 da
Constituição do Estado de São Paulo. Tribunal de Contas. Conselheiro.
Escolha. Membros da Procuradoria da Fazenda do Estado. Impossibilidade.
Enunciado n. 653 da Súmula desta Corte.
1. Nos termos do Enunciado n. 653 da Súmula desta Corte, nos
Tribunais de Contas estaduais, compostos por sete Conselheiros, três
deles serão escolhidos pelo Governador do Estado, cabendo-lhe indicar
um entre auditores e outro entre membros do Ministério Público Espe-
cial, o terceiro sendo da sua livre escolha. Os demais são escolhidos pela
Assembléia Legislativa.
2. Quanto aos dois primeiros, apenas os auditores e membros do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas podem figurar entre os
possíveis Conselheiros.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
434 R.T.J. — 198

taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação e declarar a


inconstitucionalidade dos itens 1 e 3 do § 2º do artigo 31 da Constituição do Estado de
São Paulo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 3 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe ação direta,
com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade do item 1 do §
2º do artigo 31 da Constituição do Estado de São Paulo, que tem o seguinte teor:
“Artigo 31. O Tribunal de Contas do Estado, integrado por sete conselheiros,
tem sede na Capital do Estado, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o
território estadual, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96 da
Constituição Federal.
[...]
§ 2º Os Conselheiros do Tribunal serão escolhidos:
1. dois, pelo Governador do Estado com aprovação da Assembléia Legis-
lativa, alternadamente entre os substitutos de Conselheiros e membros da
Procuradoria da Fazenda do Estado junto ao Tribunal, indicados por este, em
lista tríplice, segundo critérios de antiguidade e merecimento.
[...]”.
2. O requerente sustenta, inicialmente, que o preceito aludido viola as disposições
do artigo 73, § 2º, inciso I, e artigo 75, caput, ambos da Constituição do Brasil. Aduz que
o poder constituinte do Estado-Membro se encontra sujeito aos condicionamentos
normativos impostos pela Constituição de 1988. Alega ainda que o texto da Constitui-
ção do Estado de São Paulo está em dissonância com o paradigma federal, na medida em
que foram subtraídas as vagas destinadas aos membros do Ministério Público, visto que
essas foram direcionadas aos Procuradores da Fazenda do Estado.
3. A pretensão cautelar foi deferida em 30 de novembro de 1990, consoante o
acórdão de fls. 45/49, assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Constituição do
Estado de São Paulo (item 1, § 2º, art. 31). Conselheiros do Tribunal de Contas do
Estado. Critério de escolha dissociado do paradigma federal, ao qual estaria
vinculado o Constituinte estadual (CF, arts. 73, § 2º, inciso I, e 75). Plausibilidade
jurídica. Periculum in mora. Liminar deferida.”
4. A Assembléia Legislativa alega que as disposições constitucionais atinentes à
organização do Tribunal de Contas da União serão aplicadas pelos Estados-Membros no
que couber. Ressalta que o intuito da regra do artigo 73 da Constituição de 1988 é
“reservar uma parcela de vagas para premiar aqueles que intimamente estão ligados ao
funcionamento da Corte, quer atuando institucionalmente, quer detendo conhecimen-
tos especializados à função”, e que, no caso do Estado de São Paulo, “a única instituição
que atua junto ao Tribunal de Contas é a Procuradoria da Fazenda Estadual”. Conclui
R.T.J. — 198 435

afirmando que “exigir-se que a ‘nomenclatura’ do paradigma federal seja seguida


fielmente no texto estadual é querer impor um modelo incabível aos Estados, é distorcer
a vontade do constituinte mormente porque a regra a respeitar-se, do inciso I, § 2º, do art.
73 da CF, é a função equivalente, e não a denominação semelhante” [fls. 52/65].
5. O Procurador-Geral da República ratificou os termos da inicial, acrescentando
que “nem há que se falar que à [sic] Procuradoria da Fazenda do Estado junto ao Tribunal
de Contas estaria exercendo as funções do Ministério Público especial, eis que, confor-
me o artigo 5º da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Lei
Complementar estadual n. 709, de 14 de janeiro de 1993) (em anexo), junto ao referido
Tribunal funciona, além do Ministério Público, a Procuradoria da Fazenda do Estado, e,
nos termos do artigo 24 da Lei Orgânica do referido Órgão estadual (Lei Complementar
estadual n. 478, de 18 de julho de 1986) (em anexo), suas atribuições são, precipuamente,
a representação e defesa, com exclusividade, dos interesses da Fazenda do Estado
perante aquela Corte” [fls. 76/79].
6. O Advogado-Geral da União refere-se a precedentes desta Corte relativos à
composição dos Tribunais de Contas estaduais [fls. 105/108].
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores
Ministros [RISTF, artigo 172].

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Procurador-Geral da República pretende a
declaração de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do artigo 31 da Constituição do
Estado de São Paulo, que cuida do número de vagas de Conselheiros do Tribunal de
Contas estadual a serem escolhidos pelo Governador.
2. O ponto a ser enfrentado nesta ação direta é o relativo à possibilidade de atuação
dos Procuradores da Fazenda do Estado de São Paulo junto à Corte de Contas estadual,
em substituição aos membros do Ministério Público Especial.
3. Quando do julgamento da medida cautelar, o Ministro Célio Borja, Relator à
época, ressaltou que o preceito atacado:
“[...] parece violar a regra do artigo 75 da Lei Maior, a opção do constituinte
estadual pelos Procuradores da Fazenda que atuam perante o Tribunal de Contas
estadual, em detrimento dos órgãos do Ministério Público, aos quais foram reservadas
tais vagas pela Constituição Federal”.
4. Questão semelhante foi, recentemente, apreciada por esta Corte, em sessão do
dia 2 de dezembro de 2004, quando do julgamento da ADI n. 2.884, Relator o Ministro
Celso de Mello1. Naquele julgamento, no qual se discutia a possibilidade de atuação do
Ministério Público comum junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro,
entendeu o Relator que somente o Ministério Público especial tem legitimidade para
atuar junto aos Tribunais de Contas dos Estados e que a organização e a composição dos

1 Informativo n. 372.
436 R.T.J. — 198

Tribunais de Contas dos Estados-Membros estão sujeitas ao modelo jurídico estabelecido


pela Constituição do Brasil (artigo 75), que prevê a atuação do MP especial junto aos
Tribunais de Contas.
5. Assim, é inconstitucional o preceito da Constituição paulista que estabelece
que os Procuradores da Fazenda do Estado figurem entre os possíveis Conselheiros do
Tribunal de Contas daquela unidade federativa. O preceito é incompatível com o
modelo federal, de observância compulsória pelos Estados-Membros, inclusive no
que se refere à clientela à qual estão vinculadas as nomeações do Governador: um
provimento será de sua livre escolha e as duas vagas restantes deverão ser preenchidas,
necessariamente, uma por ocupante de cargo de Auditor do Tribunal de Contas, a
outra por membro do Ministério Público junto àquele órgão [ADI n. 892, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 7-11-1997; ADI n. 2.013, Relator o Ministro
Maurício Corrêa, DJ de 8-10-1999; ADI n. 2.209, Relator o Ministro Maurício
Corrêa, DJ de 25-4-2003, e ADI n. 2.596/PA, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence,
DJ de 2-5-2003].
6. Note-se ainda que o preceito hostilizado estabelece que o Governador do Estado
escolherá 2 (dois) Conselheiros, disposição que não se coaduna com os preceitos
constitucionais [ADI n. 419, Relator o Ministro Francisco Rezek, DJ de 24-11-1995;
ADI n. 1.566, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 18-3-1999; ADI n. 2.828, Relator
o Ministro Sydney Sanches, DJ de 2-5-2003; ADI n. 2.208, Relator o Ministro Gilmar
Mendes, DJ de 25-6-2004]. Esse entendimento é bem retratado no enunciado n. 653 da
Súmula desta Corte, que tem o seguinte teor:
“No Tribunal de Contas estadual, composto por sete conselheiros, quatro
devem ser escolhidos pela assembléia legislativa e três pelo chefe do poder
executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre
membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha”.
7. A Constituição estadual estabelece, ademais, que quatro Conselheiros serão
escolhidos pela Assembléia Legislativa [artigo 31, § 2º, item 2] e que a vaga remanes-
cente será preenchida, uma vez pelo Governador e duas vezes pela Assembléia, alterna-
da e sucessivamente [artigo 31, § 2º, item 3]. Esse último preceito — ainda que não
alcançado pelo deferimento da medida cautelar —, considerados os fundamentos
atinentes à quantidade de Conselheiros que devem ser escolhidos pelo Governador,
deve ser declarado inconstitucional por arrastamento.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro
inconstitucional o item 1 do § 2º do artigo 31 e, por arrastamento, o item 3 desse mesmo
parágrafo da Constituição do Estado de São Paulo.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, segundo vi, a petição e os
pareceres não se referem a esses substitutos de conselheiros. Não seria uma denominação
paulista para auditores?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, é um exercício eventual.
.
R.T.J. — 198 437

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Posso esclarecer que essa função de substituto
de conselheiro não tem nada a ver com a de auditor. Inclusive, já fui indicado, em uma
ocasião, e declinei da honra.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mostra que era dispensável essa categoria.

EXTRATO DA ATA
ADI 397/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da
República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Advogados:
Marcelo de Carvalho e outro e Jorge L. Galli).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade dos itens 1 e 3 do § 2º do artigo 31 da Constituição do Estado
de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 640 — RR

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Autora: União — Réu: Estado de Roraima
Bens da União — Território de Roraima — Utilização. Ante o teor do
§ 2º do artigo 14 do Ato das Disposições Transitórias da Carta de 1988,
aplicáveis são as normas norteadoras da criação do Estado de Rondônia
e, portanto, quanto aos bens da União e à transferência destes para o novo
Estado de Roraima, o preceito do artigo 15 da Lei Complementar n. 41/
81. Os bens efetivamente utilizados pela Administração do Território
Federal de Roraima passaram ao domínio do novo Estado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, julgar improcedente a ação, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 9 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.
438 R.T.J. — 198

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esta ação foi ajuizada na Seção Judiciária de
Roraima e remetida a esta Corte ante decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
que, na ação cautelar em apenso, implicou, julgado o agravo de instrumento, a declara-
ção de incompetência absoluta da Justiça Federal, ressaltando-se o envolvimento de
conflito entre a União e o Estado de Roraima (folhas 49 a 52). Trata-se de ação ordinária
de anulação de escritura pública e registro de bem imóvel no cartório competente. Eis os
fatos narrados na inicial de folhas 2 a 9:
a) a Gerente Regional do Patrimônio da União no Amazonas reclamou providência
para se reaver a posse e o domínio da União sobre os bens móveis e imóveis que fazem
parte do Núcleo Residencial Executivo Roraimense, colocado à venda pelo Estado de
Roraima mediante concorrência pública capitaneada pela Caixa Econômica;
b) a concessão de medida acauteladora no processo em apenso — Ação Cível
Originária n. 639 — obstaculizou o ato;
c) o imóvel foi havido, pela União, do Governo do Estado do Amazonas, conforme
título formalizado em 30 de janeiro de 1899, tornando-se próprio nacional ante o
Decreto-Lei n. 5.812, de 4 de outubro de 1943;
d) antes, esteve sob administração do Território Federal de Roraima, sendo certo
que particulares obtiveram-lhe a posse;
e) no inventário de José Estevam Sampaio Guimarães, veio a ser homologada
partilha de bens, sendo que o Estado de Roraima reclamou a adjudicação;
f) em 5 de junho de 2001, o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista
acolheu o pedido do Estado, verificando-se, com isso, a adjudicação, com os atos
subseqüentes.
Sustenta-se a insubsistência da adjudicação e do registro formalizado, afirmando-
se que a União necessita do imóvel, o que não ocorre com o Estado de Roraima, tanto
assim que, em época de eleições, colocara-o à venda. Assevera-se inaplicável o § 2º do
artigo 14 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988. Ter-se-ia o
Decreto-Lei n. 9.760, de 15 de setembro de 1946, recepcionado pela Carta da República,
razão pela qual o domínio do Conjunto Executivo pertence à União. Pleiteia-se a
procedência do pedido, assentando-se a incompetência absoluta do Juízo da 1ª Vara
Cível da Comarca de Boa Vista e declarando-se nulos os atos praticados, a fim de que
seja restabelecido o domínio da União. À inicial juntaram-se os documentos de folhas
10 a 53.
O processo revelador da ação cautelar — Ação Cível Originária n. 639 — foi
apensado por determinação do Relator a quem sucedi, Ministro Maurício Corrêa (folha
56).
O Estado de Roraima, citado, apresentou a contestação de folhas 105 a 112,
apontando que, mediante a norma do artigo 15 da Lei Complementar n. 41, de 22 de
dezembro de 1981, foram transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a
administração dos bens móveis e imóveis pertencentes ao outrora Território de
Rondônia, efetivamente utilizados pela administração deste e os bens especificados nos
R.T.J. — 198 439

incisos I e II. Então, considera adequado o § 2º do artigo 14 do Ato das Disposições


Transitórias da Carta de 1988, no que prevista a regência, na criação do Estado de
Roraima, pelas normas relativas à criação do Estado de Rondônia. A União teria detido
a posse das casas do Conjunto em nome do Território Federal de Roraima, operando-se
a transferência com a promulgação da Constituição de 1988. Assenta o Estado, a partir
dessas premissas, a ilegitimidade ativa da União. Ressalta ainda a impossibilidade
jurídica do pedido de suspensão de efeitos das inscrições verificadas no registro de
imóveis. É que o Conjunto, segundo o sustentado, encontra-se desmembrado,
consubstanciando trinta e oito unidades de terrenos urbanos, cada qual com a devida
averbação no registro imobiliário. Teriam sido observados os requisitos pertinentes,
inclusive no tocante às edificações. Aduz que a União, atuando via Território Federal de
Roraima, procedeu à desapropriação do imóvel, para servir à Administração Pública do
Território, reconhecendo, assim, a ausência do domínio. Daí a inviabilidade de se
obstaculizar o exercício dos poderes próprios pelo Estado. Menciona o que decidido
pelo Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima no Processo n. 2001.42.1712-9.
Vieram aos autos os documentos de folhas 113 a 123.
Somente a União atendeu ao despacho de folha 125, declarando não possuir
provas a produzir (folhas 130 e 131). À folha 133, abri às partes prazos sucessivos para
apresentarem razões, determinando fosse colhido, a seguir, o parecer da Procuradoria-
Geral da República. A União, com a peça de folhas 139 a 145, discorreu sobre os
parâmetros da controvérsia, asseverando inaplicável o § 2º do artigo 14 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 147 a 152, pela
improcedência do pedido formulado, deixando assim sintetizada a peça:
Ação cível originária. Domínio de bem imóvel localizado no Estado de
Roraima. Território federal não possui bens, sendo todos pertencentes à União.
Artigo 14 do ADCT e § 2º, do artigo 15 da LC n. 41/81. Transferência, pela
União, de todos os bens móveis e imóveis localizados no então Território
Federal de Roraima ao Estado de Roraima. Parecer pela improcedência do
pedido.
Seguiu-se pedido de vista do Estado de Roraima que, deferido, não desaguou em
manifestação. Em 7 de julho de 2004, lancei visto no processo, declarando-me habilita-
do a relatá-lo e a votar e determinando a juntada do relatório e a distribuição de cópias
aos demais integrantes da Corte (folha 163).
É o relatório.

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Comunico à Corte que, no espelho deste
processo, no item III, há um equívoco: o parecer da Procuradoria não é pela procedência,
mas sim pela improcedência.
440 R.T.J. — 198

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A União foi intimada quanto à inclusão do
processo em pauta em setembro de 2004. A petição, pedindo o sobrestamento, deu
entrada no protocolo no dia de ontem, às 17h56, chegando ao Gabinete às 14h20 do dia
de hoje.
No caso, não há um argumento suficiente a interromper-se o julgamento já iniciado.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A competência para o julgamento, quer da
ação cível de anulação de escritura e de registro de bem no cartório de imóveis, quer da
cautelar em apenso, é do Supremo Tribunal Federal, conforme concluiu o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, mediante acórdão da lavra da juíza Maria Isabel Gallotti
Rodrigues no Agravo de Instrumento n. 2002.01.00.021615-6/RR (folhas 49 a 52).
Realmente, consta da Carta da República competir ao Supremo Tribunal Federal proces-
sar e julgar originariamente as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União
e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da adminis-
tração indireta. Descabe interpretar a norma de competência e estabelecer distinções em
face do conteúdo econômico do conflito, da repercussão política que possa haver. Esse
enfoque harmoniza-se com o texto constitucional, no que apanha ações que envolvam,
na relação processual, até mesmo entidades da administração indireta. O objetivo não é
outro senão afastar da primeira instância da Justiça Federal ou da Justiça do Estado os
conflitos, surgindo o Supremo Tribunal Federal como árbitro maior da boa convivência
federativa.
No mais, de acordo com o artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, foram transformados em Estados os Territórios Federais de Roraima e do
Amapá, dispondo o § 2º nele contido sobre a aplicação das normas e critérios observados
na criação do Estado de Rondônia. Ora, a Lei Complementar n. 41, de 22 de dezembro de
1981, preceitua, no artigo 15:
Art. 15. Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a
administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
II - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de
Rondônia;
III - rendas, direitos e obrigações decorrentes dos bens especificados nos
incisos I e II, bem como os relativos aos convênios, contratos e ajustes firmados
pela União, no interesse do Território Federal de Rondônia.
Então, há de se considerar o item 20 do parecer do ilustre Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, aprovado pelo Procurador-
Geral:
Ante tal constatação, conclui-se que o correto deslinde da questio ora anali-
sada perpassa a análise acerca da utilização dada ao “Conjunto Executivo” antes
do advento da Constituição de 1988, que determinou a transformação do Territó-
R.T.J. — 198 441

rio Federal de Roraima em Estado. Da leitura dos autos, infere-se que a única
informação a respeito da destinação dada ao referido bem àquela época está
apostada às fls. 165, onde resta consignado que, em declaração firmada a 07 de
junho de 2002, o Sr. Diretor de Serviços Gerais do Estado de Roraima afirmou que
as unidades habitacionais que formam o Conjunto dos Executivos, construídas
entre 1979 e 1985, eram utilizadas para fins de residência dos juízes da Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios e de servidores de primeiro escalão da Adminis-
tração do então Território Federal de Roraima. Assevera, ainda, que, após a instala-
ção do Estado de Roraima, as unidades passaram a ser ocupadas por servidores do
primeiro escalão do governo, como, por exemplo, secretários de Estado.
Diante do quadro retratado neste processo, julgo improcedente o pedido
formulado pela União e a condeno a satisfazer honorários advocatícios, que arbitro em
R$ 5.000,00, tendo em conta os dois processos, ou seja, esta Ação Cível Originária n.
640 e a Ação Cível Originária n. 639, que se revela como cautelar. Considero, na fixação,
o trabalho em ambos os processos e, portanto, observo o teor do § 4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil. Declaro, com este julgamento, prejudicada a apreciação final
desta última ação, ou seja, da cautelar.

EXTRATO DA ATA
ACO 640/RR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autora: União (Advogado:
Advogado-Geral da União). Réu: Estado de Roraima (Advogado: Cleusa Lucia de
Souza Lima).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação, nos termos do
voto do Relator. Falou pelo réu o Dr. Régis Gurgel do Amaral Jereissatti, Procurador do
Estado. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 9 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO CAUTELAR 669 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Requerente: Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ — Requerido:
Cetenco Engenharia S.A.
Constitucional e processo civil. Sociedade de economia mista,
prestadora de serviço público. Sistema metroviário de transportes.
Execução de título judicial. Penhora incidente sobre receita de
bilheterias. Recurso extraordinário com alegação de ofensa ao inciso II
do § 1º do art. 173 da Magna Carta. Medida cautelar.
442 R.T.J. — 198

Até o julgamento do respectivo recurso extraordinário, fica sem


efeito a decisão do Juízo da execução, que determinou o bloqueio de
vultosa quantia nas contas bancárias da executada, Companhia do Me-
tropolitano de São Paulo – METRÔ.
Adota-se esse entendimento sobretudo em homenagem ao princípio
da continuidade do serviço público, sobre o qual, a princípio, não pode
prevalecer o interesse creditício de terceiros, conclusão que se reforça, no
caso, ante o caráter essencial do transporte coletivo, assim considerado
pelo inciso V do art. 30 da Lei Maior.
Nesse entretempo, restaura-se o esquema de pagamento concebido
na forma do art. 678 do CPC.
Medida cautelar deferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conceder a medida cautelar, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco
Aurélio. Votou o Presidente.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação cautelar, com requerimento de
liminar, por meio da qual a Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ requer
a suspensão dos efeitos da decisão de primeira instância, decisão que, em execução de
sentença, determinou a penhora de recursos financeiros dela, ora requerente, como
resultado de sua condenação em ação de cobrança.
2. Diz a peticionária que tal constrição judicial, a incidir sobre a receita auferida
em suas bilheterias, implicará o colapso do serviço de transporte público metroviário na
capital do Estado bandeirante, visto que a empresa compromete cerca de 80% (oitenta
por cento) de sua renda com a folha de pagamento dos respectivos servidores. No caso,
o valor da dívida ascende, hoje, no patamar de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de
reais).
3. Mais: por ser prestadora de serviço público, voltado este à satisfação de necessi-
dades materiais da população, a postulante entende que não se lhe aplica a norma do
inciso II do § 1º do art. 173 da Magna Carta. Noutras palavras, a Companhia do
Metropolitano de São Paulo não exerce atividade econômica em sentido estrito e, por
isso, defende a prerrogativa da impenhorabilidade de seus bens, tal como foi reconhecido
em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, no bojo do RE 220.906.
4. Essa linha de argumentação foi apresentada ao Juízo da execução, que não a
acolheu. Houve agravo de instrumento, desprovido pelo Tribunal de Justiça, do que
advieram recurso especial e recurso extraordinário. O primeiro não obteve sucesso no
R.T.J. — 198 443

Superior Tribunal de Justiça. O segundo passou, finalmente, pelo crivo de admissibili-


dade, por efeito do provimento do agravo de instrumento contra o despacho obstativo
que promanara da Corte estadual. Logo, o apelo extremo é, agora, a última cartada de
que se vale a requerente. E foi acreditando nela e buscando a antecipação de seus efeitos,
que foi ajuizada a presente cautelar, antes mesmo de julgado o agravo acima referido.
5. Pois bem, feito o exame prefacial da matéria, indeferi a liminar, em face das
razões expostas às fls. 191/192.
6. Em seqüência, a requerida, Cetenco Engenharia S.A., fez a contestação de fls.
202/263, dizendo, inicialmente, que esta cautelar é apenas mais uma das várias medidas
procrastinatórias de que se tem valido a requerente para retardar o cumprimento da
sentença condenatória. No mais, defende a idéia de que o entendimento sufragado pelo
Supremo Tribunal Federal, quanto à impenhorabilidade dos bens da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos, não se aplica ao presente caso. Isso porque a ECT é empresa
pública, prestadora de serviço público. Já a Companhia do Metropolitano de São Paulo
é sociedade de economia mista que se volta para a exploração de ramos de atividades
que vão além do próprio serviço de transporte coletivo urbano e suburbano. Daí que se
deva submeter ao regime jurídico de Direito Privado, tal como imposto pelo inciso II do
§ 1º do art. 173 da Constituição Federal. Além do que possui diversos bens que não se
acham vinculados à prestação de qualquer serviço público.
7. Às fls. 553/562, manifestou-se o Ministério Público Federal “pela extinção do
processo sem julgamento do mérito, em decorrência da incompetência dessa Suprema
Corte para o julgamento do feito, ou pela improcedência do pedido”.
8. Por último, a autora informou que a Fazenda do Estado de São Paulo, até março
de 2005, “era titular de 99,583692% de seu capital social” (fl. 613).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Começo por esclarecer que, no dia 31-
5-2005, dei provimento ao AI 494.132, para determinar a subida do recurso
extraordinário de que lançou mão a requerente, recurso em que se alega ofensa ao § 1º do
art. 173 da Magna Carta. Pelo que ficou aberta a jurisdição cautelar desta egrégia Corte,
ensejando o exame da tese fincada na seguinte pergunta: são impenhoráveis os bens da
Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ? Ou, mais precisamente, estão
livres de bloqueio as receitas que essa empresa estatal aufere em suas bilheterias?
Receitas diretamente obtidas nos guichês de venda de tickets aos usuários dos serviços
por ela prestados na área do transporte coletivo urbano e suburbano? Ainda que o
bloqueio recaia sobre quantias presentes e futuras em conta bancária? Mas sempre
receita do tipo ortodoxamente tarifário? Além do mais, de estrita vinculabilidade ao
custeio da empresa, marcadamente com folha de pessoal?
11. É claro que este exame, no momento, é de ser feito exclusivamente para os fins
da medida cautelar, sem foros de definitividade. E, para que os ilustrados decididores já
possam iniciar a formulação do seu mais lúcido pensar, anoto que a decisão alvejada
veio a lume em maio de 2002, determinando ao Presidente da Nossa Caixa S.A. a
444 R.T.J. — 198

efetivação de depósito judicial, em conta à disposição do Juízo, “quanto aos créditos


em nome da executada, a Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ,
existentes em conta corrente ou outras aplicações financeiras, bem como os que vierem
a ser depositados até o limite do título judicial” (fl. 35), sendo de se advertir que, à
época, a execução importava a cifra de R$ 12.071.834,77 (doze milhões, setenta e um
mil e oitocentos e trinta e quatro reais e setenta e sete centavos).
12. Pois bem, enquanto tramitavam os recursos mencionados no relatório, foi
apresentado um esquema de pagamento, na forma do art. 678 do CPC, pelo qual a
executada deveria quitar o débito em parcelas mensais de R$ 400.000,00 (quatrocentos
mil reais). Com o que não se conformou a exeqüente, dizendo que “somente de juros e
atualização monetária a dívida cresce R$ 300.000,00/mês”. Seja como for, o certo é que
a decisão autorizada dessa fórmula de pagamento foi revogada pelo Superior Tribunal
de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial n. 637.960, o que não impediu a
executada de prosseguir honrando tal compromisso, sob o seu declarado receio de que
“poderá ocorrer bloqueio e penhora de suas contas, a qualquer momento, pelo Juízo da
execução” (fl. 549).
13. Uma outra pergunta quanto a esse recolhimento compulsório de receitas da
executada parece autorizada pelo art. 620 do CPC, in verbis: “quando por vários meios
o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos
gravoso para o devedor”? A resposta encontra-se na constatação de que (o STJ é quem
o diz) “as instâncias ordinárias reconheceram a inexistência de outros meios para a
realização da constrição judicial” (fl. 153) — prova, então, de que o Metrô se mantém
mesmo é com as receitas hauridas em suas bilheterias.
14. Não é só. Uma pesquisa na mesma Corte Superior de Justiça revela que a
medida cautelar ali ajuizada, com idêntico objetivo, teve tramitação acidentada, com
liminares deferidas e indeferidas, marchas e contramarchas, tudo permeado com referên-
cias do eminente Relator sobre uma possível litigância temerária ou abusiva da executada,
ora requerente, no intuito de ganhar tempo e postergar a satisfação do crédito
exeqüendo. É claro que esses incidentes não vinculam a Suprema Corte, que julgará
livremente a questão. Menciono-os aqui, de forma aligeirada, apenas com o propósito de
trazer à luz todo o conturbado itinerário do processo.
15. Com esse propósito, devo ainda pontuar que tenho por inaplicável ao caso a
norma do § 3º do art. 542 do CPC (recurso retido), pois o fato é que a discussão que se
trava não ocorre em embargos à execução.
16. Muito bem. Esclarecidos esses pontos, volto à linha de argumentação exposta
na cautelar, que se espelha no precedente oriundo do RE 220.906 (Relator Ministro
Maurício Corrêa), assim ementado:
“Recurso extraordinário. Constitucional. Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos. Impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do
artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69. Execução. Observância do regime de
precatório. Aplicação do artigo 100 da Constituição Federal. 1. À Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública,
é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços.
Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69 e não-incidência da restrição
R.T.J. — 198 445

contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa


pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade
econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obriga-
ções trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econô-
mica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido.
Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do
disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido
e provido.”
17. Agora é se perguntar: a orientação firmada no aludido precedente se amolda ao
presente feito, ainda que a partir de algumas achegas? Dito de outra forma: a luva da mão
direita (empresa pública) serve à mão esquerda (sociedade de economia mista)? A
resposta definitiva talvez só a tenhamos no julgamento do recurso extraordinário a que
se vincula esta cautelar. Por enquanto, inclino-me pela resposta afirmativa, atento aos
termos da decisão guerreada, que tem em mira a “conta corrente ou outras aplicações
financeiras” da Companhia do Metropolitano de São Paulo. Além do que essa empresa
estatal só tem de economia mista o nome, pois, de fato, é uma empresa pública, visto que
99,583692% do seu capital provém de recursos exclusivamente públicos.
18. Ora, bem, o que marcantemente supre a conta bancária da requerente é a receita
auferida em suas bilheterias; receitas que, se bloqueadas ou compulsoriamente repassa-
das a terceiros, acarretariam o próprio estancamento dos serviços públicos que lhe cabe
prestar — lesão coletiva que não passou despercebida ao ínclito Procurador-Geral da
República, ao invocar a seguinte doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta serviço público, os
bens que estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de
penhora, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado”
(Direito Administrativo, 18ª edição, pp. 409/410).
19. Penso que faz todo o sentido o juízo da eminente publicista da Universidade de
São Paulo, dado que em sintonia com um dos mais importantes princípios dessa ativida-
de estatal que atende pelo nome técnico de “serviço público”, que é o princípio da
continuidade. Daí o seguro magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem
“o princípio da continuidade do serviço público é um subprincípio, ou, se quiser,
princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade
administrativa” (Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, p. 70).
20. Quando se tratar de prestadoras de serviço ou obra pública — prossegue o
festejado autor —, “é bem de ver que os bens afetados ao serviço e as obras em questão
são bens públicos e não podem ser distraídos da correspondente finalidade, necessários
que são ao cumprimento dos interesses públicos a que devem servir. Com efeito, não
faria sentido que interesses creditícios de terceiros preferissem aos interesses de toda a
coletividade no regular prosseguimento de um serviço público” (idem, p. 191)”. Vale
dizer, essa ou aquela empresa do setor privado que vier a celebrar contrato oneroso com
empresa estatal prestadora de serviço público já deve saber que está a vincular-se a quem
não pode deixar de suprir necessidades materiais de toda uma população. No caso,
necessidades materiais que a própria Constituição rotulou como de “caráter essencial”,
a teor dos seguintes dispositivos constitucionais: “Art. 30. Compete aos Municípios:
446 R.T.J. — 198

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os


serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial” — o que autoriza a desembaraçada ilação de que o mencionado princípio da
continuidade, em tema de transporte coletivo urbano, decola é da própria Magna Carta
Federal.
21. Não é outra a razão pela qual o Poder Público responde, subsidiariamente,
pelos débitos de tais entidades, conforme volta a ajuizar Celso Antônio Bandeira de
Mello, nestes claríssimos termos: “tratando-se de sujeito prestador de serviços ou obras
públicas, atividades que lhe são típicas, é natural que, exaustas as forças do sujeito que
criou para realizá-las, responda pelos atos de sua criatura, já que esta não tem mais
como fazê-lo” (p. 191).
22. Esse panorama ganha relevo jurídico-positivo quando se atenta para a conside-
ração de que o transporte coletivo urbano é o meio usual de deslocamento físico da
maioria do povo para o seu próprio local de trabalho. Trabalho, como sabido, que é um
dos explícitos direitos sociais de assento constitucional (art. 6º) e de cuja primazia a
Constituição dá enfático testemunho neste emblemático artigo: “A ordem social tem
como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social” (art.
193). Sem falar que o transporte coletivo urbano é marcante fator de bem-estar, essa outra
situação jurídico-subjetiva que figura no rol daqueles bens que o preâmbulo da Consti-
tuição-cidadã etiquetou como “valores supremos”, além de um dos explícitos objetivos
da política de desenvolvimento urbano, conforme se lê na cabeça do artigo constitucio-
nal de número 182.
23. Por tudo quanto posto, e num juízo de delibação que é próprio dos provimen-
tos judiciais cautelares, tenho como presentes os invocados fumus boni juris e
periculum in mora, isso para tornar sem efeito, até o julgamento do apelo extremo, a
decisão de primeira instância que determinou a penhora/bloqueio de recursos financei-
ros nas contas bancárias da executada, como também para restabelecer o esquema de
pagamento já concebido na forma do art. 678 do CPC.
24. É como voto.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para, num primeiro passo,
firmar convencimento quanto à competência da Corte para julgar a ação cautelar.
O parecer da Procuradoria parte da premissa de que o Supremo só pode atuar uma
vez admitido o recurso. Penso que não é essa a óptica a prevalecer. Realmente, exige-se
o crivo do Juízo primeiro de admissibilidade para dar-se a devolução da matéria
suficiente a acarretar a competência da Corte.
Ora, negativo esse exame e interposto recurso que já não passa pelo Juízo primeiro
de admissibilidade, que resulta na devolução automática da matéria a esta Corte, de
quem é a competência para julgar a ação cautelar? É do Supremo. O Relator adianta que,
no caso, proveu o agravo e determinou a subida do recurso extraordinário.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Somente uma indagação: o feito veio para o Pleno,
por quê? Ele não é da Turma?
R.T.J. — 198 447

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tenho como aberta a jurisdição cautelar do
Supremo Tribunal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem dúvida, provido o agravo, obviamente
não se aplica a súmula.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas seria julgado na Turma.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Na Turma?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De início, sim.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Depende da relevância.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acontece, também, que essa cautelar não passa de
um incidente do recurso extraordinário, não é verdade? Não é ação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Perfeito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não vamos obrigar o advogado a fazer nova defesa em
Turma. A sustentação foi brilhante.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Carlos Velloso, eu próprio, que vinha
imprimindo trânsito ao processo revelador da cautelar, já aderi, por sugestão inclusive
do Ministro Sepúlveda Pertence, à óptica de que ocorre simples incidente do recurso
extraordinário e, até por celeridade e economia processuais, não devemos ir adiante para
julgar o pedido final. Não estou levando mais as ações cautelares a julgamento final.
Determino a apensação, deferida ou indeferida a liminar. Indeferida, aguardo a
provocação de possível prejudicado. Deferida, submeto o ato ao referendo do
Colegiado.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): é pela importância do tema; já fizemos isso;
já fizemos isso com os Correios também.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fiz esses alertas para não parecer que a questão deve
ser sempre assim. É importante o alerta.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O tema processual já foi superado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Admitiria a competência do Supremo ainda que o
Relator não tivesse provido o agravo para processamento do recurso extraordinário.
Quanto ao tema de fundo, pede-se simplesmente a eficácia suspensiva do recurso
extraordinário? Seria inócua, porque o empréstimo desse efeito implicaria afastar, do
mundo jurídico, o pronunciamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mesmo
afastado, tal ato não restabeleceria quadro favorável a quem pleiteia o efeito suspensivo,
já que acarretou a manutenção da penhora realizada. O que se quer é o efeito suspensivo
ativo, com a providência maior, e não sei se a providência seria no sentido de se devolver
a verba pleiteada ou apenas congelá-la.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu desfaço o bloqueio e determino a
continuidade de um pagamento acertado no esquema entre partes de quatrocentos mil
reais por mês.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Cancelada a penhora desse valor.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Cancelada a penhora.
448 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O vocábulo “esquema” é usado aí no bom sentido.


Senhor Presidente, peço vênia ao Relator para entender que, no caso, procede o
que foi articulado pela Procuradoria-Geral da República. Estamos diante de sociedade
de economia mista que possui, nos respectivos estatutos, a finalidade abrangente quanto
à atuação (folha 221):
Art. 4º (...)
(...)
d) construção e comercialização, direta e indireta, admitida a co-participação
da iniciativa privada, de prédios residenciais e ou comerciais (...)
e) comercialização de marca, patente, nome e insígnia; comercialização de
áreas e espaços para propaganda; prestação de serviços complementares de suporte
ao usuário (...)
f) comercialização de tecnologia (...) prestação de serviços de consultoria,
apoio técnico e prestação de serviços na operação e na manutenção de equipamen-
tos; construção e implantação de sistemas de transporte e terminais de passageiros,
no país e no exterior;
g) edição, vedada a impressão, de jornais, revistas e outras publicações de
cunho técnico e comercial, permitida a propaganda;
h) participação, majoritária, ou não, no capital de outras empresas (...)
E há a atividade, sem dúvida alguma, econômica. Outro detalhe: o precedente
alusivo à Empresa de Correios e Telégrafos não serve ao desfecho do pedido formulado
nesta ação cautelar, porque se trata de empresa pública. O capital é integralmente
público. Mesmo assim, continuo convencido quanto à inaplicabilidade do artigo 100
da Constituição Federal às pessoas jurídicas de direito privado como são as sociedades
de economia mista e as empresas públicas, porque me custa perceber a existência de
orçamento projetado no tempo, para o ano subseqüente. Dir-se-á: há risco de o serviço
público ser interrompido. Creio que o Estado de São Paulo não deixaria ocorrer essa
interrupção, como não deixou, e isso foi anunciado da tribuna pelo ilustre advogado.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Há verba orçamentária para manter os
serviços? Se se tratasse de entidade privada, em que o governador pudesse investir em
qualquer coisa, tudo bem.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, a promiscuidade é tão grande que fico sem
saber até que ponto podemos realmente potencializar a personalidade jurídica da
empresa autora.
Há um débito em execução — imagino que se tenha discutido em termos de
parâmetros desse débito, que não foi honrado —, e pretende-se que, mesmo assim, não
possa o Judiciário dar as conseqüências próprias ao inadimplemento.
O recurso de natureza extraordinária, por força do Código de Processo Civil, não
tem efeito suspensivo. Somente em situações especialíssimas, diria extravagantes, deve-
se partir para o afastamento — porque o poder de cautela é ínsito ao Judiciário — da
regra e, portanto, conferir eficácia suspensiva a esse mesmo recurso.
R.T.J. — 198 449

Hoje as pessoas jurídicas de direito público não honram as dívidas — e já me referi


aqui ao calote oficial —, tendo em vista obrigações de dar, essas estampadas em decisões
judiciais não mais sujeitas à reforma mediante recurso.
Não creio que se deva marchar no sentido de dar mão forte, em face do não-
cumprimento das obrigações, a pessoas jurídicas de direito privado.
Peço vênia ao Relator para subscrever o parecer do Ministério Público Federal e
indeferir a eficácia suspensiva ativa implementada por Sua Excelência.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, tenho em consideração alguns
pontos. Primeiro, estamos decidindo se devemos emprestar efeito suspensivo ou não a
um recurso extraordinário já admitido.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tutela antecipada.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Nesse sentido, é tutela antecipada.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “Efeito suspensivo ativo” são termos que
“hurlent de se trouver ensemble”.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Respondendo à pergunta do Ministro
Marco Aurélio, realmente tive o cuidado de ler a decisão do STJ, especialmente na parte
em que deixa claro o seguinte: “as instâncias ordinárias reconheceram a inexistência de
outros meios para a realização da constrição judicial” — fl. 153 —, a evidenciar que essa
razão social plúrima, no caso, é meramente retórica: não há outras fontes de renda para o
metrô que não as suas próprias bilheterias. Daí por que a constrição se fez exatamente
nessas fontes de renda; não havia outro meio de satisfazer ao crédito.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: De que decorre esse crédito?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É uma empreiteira; são créditos decorrentes
de contratos passados de construção.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Companhia do Metrô perdeu em primeira instância?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Estamos já na fase da execução.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Houve processo de conhecimento antes ou, consi-
derado título extrajudicial, já se partiu para a execução forçada?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não me lembro, Excelência. Acho que se
trata de um processo de conhecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fase de conhecimento ou de execução?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Acredito ser de conhecimento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma ação ordinária de cobrança.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Transitou em julgado a decisão a encerrar obrigação
de dar, partindo-se, então, para a execução forçada.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É uma ação de conhecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Companhia do Metrô perdeu na primeira e na
segunda instância, e Vossa Excelência mencionou o Superior Tribunal de Justiça.
450 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Antes pediu a cautelar.


O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Ministro Carlos Velloso, no caso, foi no
recurso especial, também atacando a execução. Claro que, no processo de conhecimento,
a Companhia deve ter esgotado a parafernália de recursos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: No caso, continuo afirmando que se pretende o
efeito suspensivo ao recurso extraordinário abrangente. É dizer, o efeito suspensivo
impediria a penhora, os atos de execução. Nesse sentido, utilizo — e penso que bem —
a terminologia “efeito suspensivo” ao recurso extraordinário.
Nesta sede de cautelar em que se pede efeito suspensivo ao recurso extraordinário,
incidente do próprio recurso, vamos verificar se há fumus boni juris e periculum in mora.
Tem-se, no caso, penhora — ficou esclarecido — de receita tarifária. A tarifa é
fixada a partir de certos dados que estão postos na lei. É dizer: o preço público, a tarifa,
é rigorosamente estabelecido com observância desses elementos postos na lei. Tem-se,
portanto, um preço público. Não obstante o caráter privado que se empresta a essa
exação, não se pode, entretanto, ficar contra a natureza das coisas. Não se pode desprezar
a sua natureza eminentemente pública. Indago: a Companhia é mista ou pública?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Ela é mista, porém 99,592% de capital
público.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: É mista, perfeito.
Sr. Presidente, desde a Constituição de 1967, faço a distinção entre sociedade de
economia mista que presta somente serviço público e entidade de economia mista ou
empresa pública que exerce atividade econômica.
A natureza daquela é, na verdade, de autarquia, que segue as regras do direito
privado, porque ela precisa de uma maior maleabilidade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem ônus!
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não, tem ônus também. Veja, Ministro Marco
Aurélio, se não fosse uma empresa sujeita a preço público, poderia cobrar, quem sabe,
um preço maior.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tem o ônus da licitação, do concurso
público, da prestação de contas.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Perfeito. Há uma série de ônus. De modo que associo
essas questões, Sr. Presidente, ajunto-as e delas retiro o fumus boni juris que autorizaria
a concessão desse efeito suspensivo.
Acompanho, portanto, o brilhante voto do eminente Ministro Carlos Britto, com a
vênia do Sr. Ministro Marco Aurélio.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, o caso, para mim — que ainda
não compreendi exatamente o que possa ser o tal “efeito suspensivo ativo”—, é de tutela
recursal antecipada.
R.T.J. — 198 451

Seja como for, tem-se um dado: a decisão do Plenário no RE 220.906, Maurício


Corrêa, relativa à Empresa de Correios e Telégrafos. Nela, fiquei vencido, mas não posso
negar, ante a sólida maioria então formada, que o precedente tem pertinência a este caso.
Não me impressiona o dado, ao qual deu grande ênfase o eminente Procurador-Geral
da República, de cuidar-se, no precedente, de uma empresa pública, a ECT, e aqui, de uma
sociedade de economia mista: certo é que são empresas estatais de prestação de serviço
público essencial, como realçava há pouco o eminente Relator, Ministro Carlos Britto.
É quanto me basta para aderir à maioria, reservando a análise da questão de fundo
para o julgamento do recurso extraordinário.
A mim me parecem preenchidos os requisitos da tutela de urgência e, por isso,
acompanho o eminente Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho o Ministro
Relator.
Reitero as considerações feitas no Plenário, lembrando que todas essas empresas
prestadoras de serviços — principalmente os de construção —, quando operam com
empresas dessa natureza, já embutem no preço todos os riscos decorrentes dessas
operações, inclusive as delongas; ou seja, não há que se falar em efetivo prejuízo,
porque, economicamente, todos eles calculam, na sua planilha de ofertas, todas as taxas
de risco da operação, tanto é que continuam operando com essas empresas, senão não o
fariam. Então, a regra de mercado já atende às preocupações em relação à seriedade dos
trabalhos. O fato é que estamos perante um serviço de natureza pública — efetivamente
de natureza pública —, e foi claramente demonstrado pela tribuna que essa receita
representa condição de operação da empresa.

EXTRATO DA ATA
AC 669/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Companhia do Metropo-
litano de São Paulo – METRÔ (Advogados: Sérgio Henrique Passos Avelleda e outro).
Requerido: Cetenco Engenharia S.A. (Advogados: Alfredo Jorge Achôa Mello e outro).
Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a medida cautelar, nos termos do voto
do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Nelson
Jobim. Falou pela requerente o Dr. Carlos Ari Sundfeld. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
452 R.T.J. — 198

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 687 — PA

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Pará
Ação direta de inconstitucionalidade — Autonomia do Estado-
Membro — A Constituição do Estado-Membro como expressão de uma
ordem normativa autônoma — Limitações ao poder constituinte decor-
rente — Imposição, ao Prefeito Municipal e respectivos auxiliares, do
dever de comparecimento, perante a Câmara de Vereadores, sob pena de
configuração de crime de responsabilidade — Prescrição normativa
emanada do legislador constituinte estadual — Falta de competência do
Estado-Membro para legislar sobre crimes de responsabilidade — Ofensa
à autonomia municipal — Transgressão ao princípio da separação de
poderes — Competência da Câmara Municipal para processar e julgar o
Prefeito nos ilícitos político-administrativos — Organização municipal —
Esfera mínima de ingerência normativa do Estado-Membro autorizada
pela Constituição da República — Exigência de os Tribunais de Contas
encaminharem relatórios trimestrais de suas atividades ao Poder
Legislativo — Plena adequação ao modelo federal consagrado no art. 71,
§ 4º, da Constituição da República — Ação direta julgada parcialmente
procedente.
Constituição estadual e autonomia do Município.
— A Constituição estadual não pode impor, ao Prefeito Municipal, o
dever de comparecimento perante a Câmara de Vereadores, pois seme-
lhante prescrição normativa — além de provocar estado de submissão
institucional do Chefe do Executivo ao Poder Legislativo municipal (sem
qualquer correspondência com o modelo positivado na Constituição da
República), transgredindo, desse modo, o postulado da separação de pode-
res — também ofende a autonomia municipal, que se qualifica como pedra
angular da organização político-jurídica da Federação brasileira. Prece-
dentes.
Infrações político-administrativas: incompetência legislativa do
Estado-Membro.
— O Estado-Membro não dispõe de competência para instituir,
mesmo em sua própria Constituição, cláusulas tipificadoras de ilícitos
político-administrativos, ainda mais se as normas estaduais definidoras
de tais infrações tiverem por finalidade viabilizar a responsabilização
política de agentes e autoridades municipais. Precedentes.
Competência para o processo e julgamento de Prefeito Municipal:
infrações político-administrativas e ilícitos penais.
— Compete, exclusivamente, à Câmara de Vereadores, processar e
julgar o Prefeito Municipal nas infrações político-administrativas, assim
R.T.J. — 198 453

definidas em legislação emanada da União Federal, podendo impor, ao


Chefe do Executivo local, observada a garantia constitucional do due
process of law, a sanção de cassação de seu mandato eletivo. Precedentes.
— O Tribunal de Justiça do Estado, ressalvadas as hipóteses que se
incluem na esfera de atribuições jurisdicionais da Justiça Federal co-
mum, da Justiça Militar da União e da Justiça Eleitoral, dispõe de compe-
tência originária para processar e julgar os Prefeitos Municipais nas
infrações penais comuns.
Legitimidade da competência da Assembléia Legislativa para julgar
as contas do Tribunal de Contas do Estado.
— Reveste-se de plena legitimidade constitucional a norma inscrita
na Carta Política do Estado-Membro que atribui, à Assembléia
Legislativa, competência para efetuar, em sede de fiscalização financeira,
orçamentária, contábil, operacional e patrimonial, o controle externo das
contas do respectivo Tribunal de Contas. Doutrina. Precedentes.
— O Tribunal de Contas está obrigado, por expressa determinação
constitucional (CF, art. 71, § 4º), aplicável ao plano local (CF, art. 75), a
encaminhar, ao Poder Legislativo a que se acha institucionalmente vincu-
lado, tanto relatórios trimestrais quanto anuais de suas próprias ativida-
des, pois tais relatórios, além de permitirem o exame parlamentar do
desempenho, pela Corte de Contas, de suas atribuições fiscalizadoras,
também se destinam a expor, ao Legislativo, a situação das finanças
públicas administradas pelos órgãos e entidades governamentais, em
ordem a conferir um grau de maior eficácia ao exercício, pela instituição
parlamentar, do seu poder de controle externo. Precedente.
Municípios e Tribunais de Contas.
— A Constituição da República impede que os Municípios criem os
seus próprios Tribunais, Conselhos ou órgãos de contas municipais (CF,
art. 31, § 4º), mas permite que os Estados-Membros, mediante autônoma
deliberação, instituam órgão estadual denominado Conselho ou Tribu-
nal de Contas dos Municípios (RTJ 135/457, Rel. Min. Octavio Gallotti —
ADI 445/DF, Rel. Min. Néri da Silveira), incumbido de auxiliar as Câma-
ras Municipais no exercício de seu poder de controle externo (CF, art.
31, § 1º).
— Esses Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios — embo-
ra qualificados como órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º) — atuam, onde
tenham sido instituídos, como órgãos auxiliares e de cooperação técnica
das Câmaras de Vereadores.
— A prestação de contas desses Tribunais de Contas dos Municípios,
que são órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º), há de se fazer, por isso mesmo,
perante o Tribunal de Contas do próprio Estado, e não perante a Assem-
bléia Legislativa do Estado-Membro. Prevalência, na espécie, da compe-
tência genérica do Tribunal de Contas do Estado (CF, art. 71, II, c/c o art. 75).
454 R.T.J. — 198

Sucessão e substituição do Prefeito e do Vice-Prefeito do Município.


— Não cabe, ao Estado-Membro, sob pena de frontal transgressão à
autonomia constitucional do Município, disciplinar, ainda que no âmbito
da própria Carta Política estadual, a ordem de vocação das autoridades
municipais, quando configuradas situações de vacância ou de impedimen-
to cuja ocorrência justifique a sucessão ou a substituição nos cargos de
Prefeito e/ou de Vice-Prefeito do Município.
A matéria pertinente à sucessão e à substituição do Prefeito e do
Vice-Prefeito inclui-se, por efeito de sua natureza mesma, no domínio
normativo da Lei Orgânica promulgada pelo próprio Município.
— Não se reveste de validade jurídico-constitucional, por ofensiva
aos postulados da autonomia do Município (CF, arts. 29 e 30) e da
separação de poderes (CF, art. 2º c/c o art. 95, parágrafo único, I), a
norma, que, embora inscrita na Constituição do Estado-Membro, atribui,
indevidamente, ao Juiz de Direito da comarca, que é autoridade estadual,
a condição de substituto eventual do Prefeito Municipal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Octavio Gallotti,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, julgar procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 60 e 78
e seus §§ 1º e 2º, bem como das expressões “e do Tribunal de Contas dos Municípios”,
contidas, respectivamente, no inciso XXX do art. 92 e no art. 122, todos da Constituição
do Estado do Pará. Também, por unanimidade de votos, julgar improcedente a ação,
para declarar a constitucionalidade do inciso XXVII do art. 92, e, por maioria de votos,
improcedente e constitucional o art. 65, vencidos os Ministros Moreira Alves e Marco
Aurélio, que a julgavam procedente e inconstitucional o dispositivo impugnado. Votou
o Presidente. O Ministro Sydney Sanches esteve ausente, ocasionalmente, na votação
dos incisos XXVII e XXX do art. 92 e do art. 122. Procurador-Geral da República, Dr.
Moacir Antonio Machado da Silva, na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira
Alvarenga.
Brasília, 2 de fevereiro de 1995 — Celso de Mello, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavra
do ilustre Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva,
aprovado pelo eminente titular do Parquet, assim resumiu e apreciou as múltiplas
questões constitucionais suscitadas na presente sede de fiscalização normativa abstrata
(fls. 39/58):
“Com fundamento no art. 103, VI, da Constituição Federal, o Procurador-
Geral da República propôs a presente ação direta de inconstitucionalidade dos
R.T.J. — 198 455

arts. 60, 65, 78 e seus parágrafos 1º e 2º, bem como dos incisos XXVII e XXX do art.
92, e do art. 122, todos da Constituição do Estado do Pará, promulgada em 5 de
outubro de 1989, que dispõem:
‘Art. 60. A Câmara poderá convocar o Prefeito ou seus auxiliares
para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente deter-
minado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação
adequada.’
‘Art. 65. Nos crimes de responsabilidade, o Prefeito será processado e
julgado pela Câmara Municipal.’
‘Art. 78. O Prefeito será substituído, no caso de ausência do Município
ou de impedimento, e sucedido no de vaga, pelo Vice-Prefeito.
§ 1º Em caso de ausência ou de impedimento do Prefeito e do Vice-
Prefeito, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados
ao exercício da Prefeitura os membros da Mesa Diretora da Câmara
Municipal, obedecida a respectiva ordem, e o Juiz de Direito da Comarca,
lavrando-se o ato de transmissão em livro próprio.
§ 2º Implica responsabilidade a não transmissão de cargo nos casos
de ausência ou impedimento.’
‘Art. 92. É de competência exclusiva da Assembléia Legislativa:
(...)
XXVII - apreciar, trimestralmente, os relatórios das atividades do
Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios;
(...)
XXX - julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Estado
e do Tribunal de Contas dos Municípios.’
‘Art. 122. O Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal de Contas dos
Municípios prestarão suas contas, anualmente, à Assembléia Legislativa,
no prazo de sessenta dias da abertura da sessão legislativa.’
Adotou o requerente, como fundamento do pedido, as razões constantes
do expediente do Prefeito do Município de Belém, que consideram os dispositi-
vos impugnados ofensivos à autonomia municipal, pois extravasam os limites da
normação geral sobre temas concernentes à organização dos Municípios.
Tratando analiticamente de cada um dos dispositivos, acrescenta que:
a) o art. 60 infringe o princípio da separação de poderes, ao subme-
ter o Prefeito à convocação da Câmara Municipal, discrepando dos
paradigmas federal e estadual, que autorizam apenas a convocação dos
auxiliares diretos, nunca do Chefe do Poder Executivo (arts. 50 e 93,
respectivamente);
b) o art. 65 incide no mesmo vício, violando a competência do
Tribunal de Justiça para julgar os crimes praticados por Prefeito Municipal
nos termos do art. 29, VIII, da Carta Federal;
456 R.T.J. — 198

c) o art. 78 e seu § 1º impõem a substituição do Prefeito no caso de


ausência, mesmo por prazo inferior a quinze dias, desbordando dos modelos
federal e estadual, o que, além de atentar contra a autonomia municipal,
também contraria a própria Carta Estadual, que exige prévia licença da
Câmara de Vereadores apenas na hipótese de ausência superior a quinze dias,
em viagem pelo território nacional e, por qualquer tempo, em viagem ao
exterior (art. 80);
d) por fim, os arts. 92, XXVII e XXX, e 122, da Carta Estadual, que
obrigam o Tribunal de Contas dos Municípios a apresentar relatório trimes-
tral de suas atividades e a prestar anualmente contas à Assembléia
Legislativa do Estado, ferem a autonomia dos Municípios e a independência
dos Tribunais de Contas, que não estão subordinadas a quaisquer dos Pode-
res, no exercício de sua função constitucional de fiscalização contábil,
financeira e orçamentária, sem prejuízo do controle da legalidade de seus
atos pelo Poder Judiciário.
Após a requisição das informações (fl. 12), formulou o Prefeito Municipal
de Belém do Pará pedido incidental de medida cautelar (fl. 16), indeferido pelo
eminente Ministro Relator, em face da ilegitimidade ativa ad causam do requerente
(fl. 18).
Nas informações, sustenta a Assembléia Legislativa do Estado, em síntese,
que:
a) o art. 60 da Constituição Estadual não ofende o princípio da
separação dos Poderes, antes preserva a concepção de que são eles harmôni-
cos, o que justificaria a exigência até de prestação de informações do Chefe
do Executivo pelo Legislativo, como forma deste exercer plenamente a
grave missão fiscalizadora que lhe é atribuída, dispensando norma idêntica
na Lei Maior, porque inexiste vedação a respeito;
b) o art. 65 adere ao modelo federal, que, no tocante aos crimes de
responsabilidade do Presidente da República, estabelece a competência do
Senado Federal para o seu julgamento (art. 86), tendo, pois, a Constituição
Estadual apenas tratado de imprimir na órbita municipal orientação já tradi-
cional no direito brasileiro, com a qual, aliás, há de ser interpretado o art. 29,
VIII, da Constituição Federal, no sentido de afastar do Poder Judiciário o
julgamento de tais crimes de conotação eminentemente política;
c) o art. 78, ao tratar da ‘ausência’, não inovou o paradigma federal ou
mesmo estadual, uma vez que é subconceito do conceito de ‘impedimento’,
não havendo que se invocar, por outro lado, os subsídios do art. 80 da
Constituição Estadual, que cuida apenas de autorização legislativa para
viagens do Prefeito Municipal, e não de matéria relativa à substituição;
d) finalmente, os arts. 92, XXVII e XXX, e 122 não afrontam a autono-
mia municipal, pois o Tribunal de Contas dos Municípios é órgão estadual,
e não municipal, e, ademais, os Tribunais de Contas não estão sobranceiros à
prestação de contas ao Poder Legislativo, seja porque a este é que incumbe a
R.T.J. — 198 457

fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do Estado, seja


porque o próprio Tribunal de Contas da União deve prestar contas ao Con-
gresso Nacional, por força do disposto no parágrafo único do art. 70 da
Constituição Federal.
Em defesa das normas impugnadas (CF, art. 103, § 3º), o Ministério Público
Federal, na função de Advogado-Geral da União, não vislumbrou inconstitucio-
nalidade nos dispositivos impugnados, ressalvando apenas a possibilidade de
censura à expressão ‘ausência’, no art. 78.
Em cumprimento ao r. despacho de fls. 31, vieram em seguida os autos com
vista ao Procurador-Geral da República (CF/88, art. 103, § 1º).
II.
O art. 60 da Constituição do Pará define como crime de responsabilidade do
Prefeito ou seus auxiliares o desatendimento à convocação da Câmara de Vereado-
res para prestar informações sobre assunto previamente determinado.
A norma é incompatível com o art. 22, I, da Constituição Federal, que
atribui competência privativa à União para legislar sobre direito penal, sem qual-
quer distinção entre crimes comuns e de responsabilidade.
A competência para legislar sobre crimes de responsabilidade é da União,
como refere José Celso de Mello Filho, com apoio na doutrina dominante e na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Revista Forense n. 125, p. 93 a 161;
n. 125, pp. 41 a 43; e n. 126, pp. 126 a 177).
Cumpre referir ainda recente decisão desse Colendo Tribunal, de 29-6-90,
relativa a pedido de medida liminar na ADIn 307-1-CE, Relator o eminente
Ministro Célio Borja, em que se deferiu a suspensão requerida do parágrafo 1º do
art. 42 da Constituição do Estado do Ceará, pelo qual se instituía hipótese de crime
de responsabilidade, justamente sob o fundamento de que tal dispositivo envere-
dava na esfera penal de competência privativa da União (CF/88, art. 22, I).
Tanto é suficiente para demonstrar a invalidade da norma impugnada.
Ademais, o dispositivo trata de matéria concernente ao relacionamento
entre os poderes municipais, estabelecendo modalidade de perda do mandato,
dependente de julgamento da própria Câmara de Vereadores (Constituição do
Estado, art. 65), à inteira revelia do direito federal, afrontando assim o princípio
da independência e harmonia dos Poderes, inscrito no art. 2º da Constituição
Federal.
A matéria concernente às convocações de Secretários Municipais é ordinaria-
mente tratada nas leis orgânicas municipais. Nessa perspectiva é que o art. 29 da
Constituição Federal enumera regras de conteúdo obrigatório nas leis orgânicas
dos Municípios, entre as quais as relativas à eleição, mandato, posse, remuneração,
foro para julgamento criminal e perda do mandato do Prefeito.
O art. 60 da Constituição do Estado do Pará, portanto, é incompatível com
os arts. 2º e 22, inciso I, da Constituição Federal.
458 R.T.J. — 198

III.
O art. 65 determina que o Prefeito seja julgado pela Câmara Municipal nos
crimes de responsabilidade.
A norma é incompatível com o art. 29, inciso VIII, da Constituição
Federal, que atribui competência ao Tribunal de Justiça para julgar os Prefeitos
Municipais, em matéria penal, uma vez que inexiste foro privilegiado em matéria
civil, no sistema constitucional brasileiro.
É verdade que o julgamento dos crimes de responsabilidade do Presidente
da República e dos Governadores de Estado compete ao Poder Legislativo. Já no
regime constitucional anterior, contudo, inexistindo regra constitucional expressa
sobre os Prefeitos, veio a lume o Decreto-lei n. 201, de 1967, que, em seu art. 1º,
atribuiu ao Poder Judiciário a competência para julgar os crimes de responsabili-
dade dos Chefes de Executivo municipais.
Em face da inovação introduzida pela nova Constituição, assinala Hely
Lopes Meirelles que ‘o Prefeito responde, agora, por crime comum e crime de
responsabilidade, perante o Tribunal de Justiça (Const. Rep. art. 29, VIII) e por
infrações político-administrativas, perante a Câmara de Vereadores, na forma
estabelecida pelo Dec.-lei 201, de 27-2-1967.’ (‘Direito Administrativo Brasilei-
ro’, 15ª ed., 1990, p. 665).
No julgamento do HC 67.721-5-SP, decidiu o Supremo Tribunal Federal no
mesmo sentido (DJ de 7-12-89):
‘Crime de Responsabilidade. Imputação penal deduzida contra ex-
Prefeito Municipal, por fatos alegadamente ocorridos durante o seu mandato.
Inadmissibilidade. Situação configuradora de constrangimento ilegal. Juris-
prudência firme do Supremo Tribunal Federal. Competência do Tribunal de
Justiça para processar e julgar Prefeitos Municipais (CF, art. 29, VIII). A
situação de ex-Prefeitos Municipais (Súmula 394 do STF). Habeas Corpus
deferido.’
O art. 65 da Constituição do Pará é, portanto, inconciliável com o art. 29,
VIII, da Constituição Federal.
IV.
O art. 78 e seu § 1º estabelecem regras concernentes à substituição do
Prefeito, em caso de ausência ou de impedimento, e de sucessão, em caso de vaga,
enquanto o § 2º do mesmo artigo define como crime de responsabilidade a não-
transmissão do cargo nos casos de ausência ou impedimento.
Aponta-se a inconstitucionalidade dos dispositivos, em primeiro lugar,
porque a expressão ‘ausência’, neles contida, reverte contra a sistemática consti-
tucional, que não contempla essa hipótese como causa de substituição, acrescen-
tando-se que a regra ainda está em clara contradição com o art. 80 da Constituição
Estadual, do qual decorreria a autorização para o Prefeito ausentar-se do Municí-
pio por tempo não superior a quinze dias, sem necessidade de transmissão do cargo
ao substituto.
R.T.J. — 198 459

Não há a contradição indicada entre o art. 78 e o art. 80 da Corte Estadual,


como bem assinalam as informações: o primeiro trata da substituição do Prefeito
em todos os casos de ausência, por qualquer período, e de impedimento, enquanto
o último exige licença da Câmara, em caso de ausência do Município, por tempo
superior a quinze dias consecutivos, ou em caso de saída para o exterior.
É verdade, porém, que a substituição obrigatória é imposta não apenas nos
casos de impedimento, mas também nos de simples ‘ausência’.
Não se pode acolher a tese lançada nas informações no sentido de que a
expressão ‘ausência’ constitui mera explicitação do conceito de ‘impedimento’.
Pode ocorrer o impedimento sem que o Prefeito se ausente do Município e, por
outro lado, em muitos casos, a ausência do Prefeito não significa impedimento.
Afastada a hipótese de redundância, a inserção da palavra no texto denota clara-
mente o objetivo de elastecer as hipóteses de substituição.
Os casos de ausência são certamente de maior amplitude que os de ‘impedi-
mento’. Este importa em cessação do exercício do cargo, isto é, em abertura de
vaga, que compele à substituição, ao passo que a simples ausência do Município
não significa, sempre e necessariamente, suspensão do exercício do cargo. O mero
deslocamento para outros Municípios, no exercício de funções inerentes ao pró-
prio cargo, como, por exemplo, para a celebração de convênio ou por qualquer
outro motivo de interesse da Municipalidade, não constitui impedimento, a com-
pelir a transmissão do cargo.
Bem observa, a respeito, o ilustre Hely Lopes Meirelles (‘Direito Municipal
Brasileiro’, 5ª ed., 1985, p. 522):
‘Não se deve confundir a licença com o simples afastamento do Muni-
cípio, sem cessação do cargo ou do mandato, para tratar de interesses da
Prefeitura ou da Câmara fora do território municipal e por tempo mais ou
menos prolongado. No primeiro caso cuida-se de um licenciamento propria-
mente dito, que abre vaga, obriga à convocação do substituto ou suplente, e
faz cessar a remuneração do licenciado; no segundo, trata-se apenas de uma
autorização de afastamento do local de trabalho, sem suspensão do exercício
do cargo e sem prejuízo das atribuições e vantagens funcionais, e, portanto,
sem abrir vaga que autorize substituição. Neste último caso, o Prefeito
poderá credenciar um de seus auxiliares mais categorizados, apenas para
responder pelo expediente, ou seja, para atender os que procuram a Prefeitura
e dar andamento aos casos mais urgentes, sem praticar atos finais ou firmar
contratos com terceiros.’
A Constituição Federal refere-se à substituição do Presidente da República
nos casos de substituição, dela não cogitando nas hipóteses de simples ‘ausência’
(arts. 79 e 80). Os Estados-membros e os Municípios devem obrigatória observân-
cia ao princípio, por força do disposto nos arts. 25 e 29.
A regra impositiva de substituição do Prefeito, fora das hipóteses de impedi-
mento, aliás, importa em cercear o próprio exercício do mandato pelo titular,
atentando contra a autonomia política do Município (CF/88, art. 29, I a III).
460 R.T.J. — 198

O § 1º do art. 78 ressente-se ainda de outro vício de inconstitucionalidade,


quando inclui o Juiz de Direito da Comarca na ordem sucessiva de substituição do
Prefeito.
O art. 95, par. único, inciso I, da Constituição Federal, com efeito, proíbe o
magistrado de exercer qualquer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, in
verbis:
‘Art. 95.
(...)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo em função, salvo
uma de magistério.’
A regra proibitiva tem o sentido de preservar a própria independência da
magistratura. Ao incluir o Juiz de Direito da Comarca, na ordem de substituição
do Prefeito, o § 1º do art. 78 afronta ainda o princípio da independência e harmonia
dos poderes (CF/88, art. 2º).
Não justifica a regra impugnada o art. 80 da Constituição Federal, que inclui
o Presidente do Supremo Tribunal Federal na ordem de substituição do Presidente
e do Vice-Presidente da República. Trata-se de regra que excepciona princípios
fundamentais da ordem constitucional brasileira, recaindo no Chefe do Poder
Judiciário, não comportando nenhuma extensão no âmbito dos Municípios, que
sequer dispõem de órgãos judiciários. Por isso mesmo, a norma constitucional
estadual termina por incluir na ordem de substituição do Prefeito Municipal não
uma autoridade local, mas sim um magistrado estadual.
Por último, o § 2º do art. 78 é incompatível com o art. 22, inciso I, da
Constituição Federal, que insere na competência privativa da União legislar
sobre direito penal, compreendendo, como se viu, não apenas a definição das
infrações penais comuns, como também dos crimes de responsabilidade.
São inconstitucionais, portanto:
a) as expressões ‘de ausência do Município ou’, constantes do art. 78,
caput;
b) as expressões ‘de ausência ou’ e ‘e o Juiz de Direito da Comarca’,
constantes do § 1º do art. 78;
c) o § 2º do art. 78.
Ressalvadas as inconstitucionalidades apontadas, o art. 78, no mais, consti-
tui verdadeira norma geral tendente a conferir uniformidade de critérios de substitui-
ção do Chefe do Executivo, em ordem sucessiva, sem ofensa à autonomia municipal.
V.
Os incisos XXVII e XXX do art. 92, da Constituição do Pará, atribuem
competência exclusiva à Assembléia Legislativa para apreciar os relatórios trimes-
trais das atividades do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos
Municípios e para julgar anualmente as contas dessas mesmas Cortes de Contas.
R.T.J. — 198 461

E o art. 122 da Carta Estadual impõe a esses Tribunais a obrigação de prestar


contas anualmente à Assembléia Legislativa, no prazo de sessenta dias da abertura
da sessão legislativa.
No tocante à exigência de prestação de contas, convém referir que as normas
impugnadas tratam unicamente de órgãos estaduais, o Tribunal de Contas do
Estado, destinado a auxiliar a Assembléia Legislativa no controle externo das
contas do Estado do Pará, e o Tribunal de Contas dos Municípios, ao qual compete
auxiliar o Poder Legislativo Municipal no controle externo das Contas dos Muni-
cípios do mesmo Estado.
Em se tratando de órgãos estaduais, o controle externo das Contas de ambos
os Tribunais compete à Assembléia Legislativa do Estado do Pará, por força do art.
70 e seu parágrafo único da Constituição Federal, de obrigatória observância pelos
Estados-membros (CF/88, art. 75), que dispõem:
‘Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional
e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subven-
ções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade
pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens
e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta,
assuma obrigações de natureza pecuniária.’
Pondera, a respeito, Hely Lopes Meirelles (‘Direito Administrativo Brasi-
leiro’, 16ª ed., 1991, p. 598):
‘A fiscalização financeira e orçamentária é conferida em termos amplos
ao Congresso Nacional, mas se refere fundamentalmente à prestação de
contas de todo aquele que administra bens, valores ou dinheiros públicos. É
decorrência natural da administração como atividade exercida em relação a
interesses alheios. Não é, pois, a natureza do órgão ou da pessoa que a obriga
a prestar contas; é a origem pública do bem administrado ou do dinheiro
gerido que acarreta para o gestor o dever de comprovar o seu zelo e bom
emprego.’
A Constituição Federal não contempla nenhuma exceção, estando com-
preendidos na regra, evidentemente, como entidades sujeitas à prestação de con-
tas, os próprios Tribunais responsáveis pelo controle técnico. A incumbência
constitucional de auxiliar o Poder Legislativo no controle externo não subtrai o
Tribunal de Contas a esse mesmo controle, que se estende a qualquer entidade
pública que utilize, arrecade e guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou
valores públicos.
O controle externo — insista-se — constitui atribuição do Poder
Legislativo, exercido com a participação do Tribunal de Contas, como órgão
técnico. Nesse sentido nota José Afonso da Silva (‘Curso de Direito Constitucio-
nal Positivo’, 2ª ed., 1984, p. 249):
462 R.T.J. — 198

‘O controle externo é feito por um órgão de natureza política que é o


Congresso Nacional. Daí deflui que se contamine de inegável teor político,
que é amenizado pela participação do Tribunal de Contas, órgão eminente-
mente técnico.’
Não há dúvida, portanto, de que as contas dos Tribunais de Contas estão
submetidas ao controle financeiro e orçamentário do Poder Legislativo. Em voto
proferido na Representação n. 1.021-RJ, acentuou a propósito o eminente Minis-
tro Djaci Falcão (RTJ 110, p. 485):
‘A circunstância do Tribunal de Contas, órgão singular e autônomo,
servir de instrumento para o controle financeiro e orçamentário efetuado
pelo Poder Legislativo, em termos de controle externo, não constitui óbice a
que as suas próprias contas sejam submetidas à apreciação deste Poder.
Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle
financeiro e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, segundo
ficou realçado no início do voto, nada impede que o Poder Legislativo,
exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no particular,
situa-se como órgão auxiliar. O controle externo é basicamente controle de
caráter político, como ensina José Afonso da Silva (‘Curso de Direito Cons-
titucional Positivo’, vol. I, pág. 296).’
Estes trechos da ementa do acórdão na aludida Representação bem resu-
mem os seus fundamentos (RTJ 110, p. 476):
‘Legítima é a competência conferida pela Constituição Estadual para
apreciar as contas do Tribunal de Contas e do Conselho de Contas dos
Municípios. Cabe ao Poder Legislativo o controle externo em matéria de
fiscalização financeira e orçamentária dos Três Poderes, abrangendo não só a
administração direta, mas, também a administração indireta, sem prejuízo do
controle interno no âmbito de cada Poder. Inteligência do art. 70 e seu § 1º,
da Constituição da República.
Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle
financeiro e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, nada impede
que o Poder Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas
daquele que, no particular, situa-se como órgão auxiliar.
Inexistência no sistema constitucional brasileiro de norma que revele
vedação do controle externo das contas dos Tribunais de Contas. Improce-
dência da singela invocação de afronta aos arts. 13, inc. IV e 8º, inc. XVII,
letra c, da Carta Política.’
Essa mesma orientação prevaleceu no julgamento da Representação n.
1.179/ES (DJ de 17-8-84, pág. 12.908):
‘Pode o Poder Legislativo estabelecer em lei a obrigação de o Tribunal
de Contas prestar contas à Assembléia Legislativa.’
Não se ressentem de inconstitucionalidade, portanto, o inciso XXX do art.
92 nem o art. 122 da Constituição do Estado.
R.T.J. — 198 463

Quanto ao inciso XXVII do art. 92, sustenta a inicial que a obrigação


imposta ao Tribunal de Contas dos Municípios de apresentar relatórios trimestrais
de suas atividades à Assembléia Legislativa fere a autonomia municipal.
A Constituição Federal, no art. 71, § 4º, determina que o Tribunal de
Contas da União encaminhe relatório trimestral de suas atividades ao Congresso
Nacional.
O relatório de atividades, a que se referem a Constituição Federal e a Carta
Estadual, diz respeito ao próprio exercício das funções institucionais das Cortes de
Contas. Não se trata de exigência tendente à fiscalização das contas dos próprios
Tribunais, mas sim do controle de seu desempenho no cumprimento de sua missão
constitucional, como órgãos técnicos destinados a auxiliar o Poder Legislativo no
controle externo das contas da Administração Pública.
Essa obrigatoriedade deriva da circunstância de serem os Tribunais de
Contas órgãos auxiliares do Poder Legislativo (Price Waterhouse, ‘A Constitui-
ção do Brasil de 1988’, p. 451, e Roberto Bastos Lellis ‘in’ ‘Comentários à
Constituição Federal’, por Paulo Saboia e outros, v. 2, p. 283). Visa a conferir
efetividade ao controle externo, como instrumento destinado a aferir o próprio
desempenho dos Tribunais na apreciação e julgamento das contas de todo o
universo de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, para que
o Poder Legislativo não fique subordinado ou à mercê da iniciativa das Cortes de
Contas.
De fato, a efetividade do controle externo, a cargo do Poder Legislativo,
depende também da iniciativa prévia do controle técnico da Corte de Contas, em
cada exercício, justificando-se dessa forma, o controle das atividades do próprio
Tribunal, a fim de evitar que eventual omissão deste possa entravar o cumprimento
da atribuição constitucional confiada àquele Poder do Estado.
Em suma, no exercício do controle externo da administração pública, o
Poder Legislativo não só exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, com o auxílio dos Tribunais de Contas, como avalia o
desempenho destes últimos no cumprimento efetivo de suas atribuições, como
instituições técnicas destinadas a auxiliá-lo no aludido controle.
É verdade que os Tribunais de Contas dos Municípios constituem órgãos
destinados a auxiliar as Câmaras Municipais no controle externo das Contas dos
Municípios.
A atribuição do controle de suas atividades à Assembléia Legislativa do
Estado, porém, não atenta contra a autonomia municipal, porque não envolve a
própria apreciação das contas municipais, mas unicamente o desempenho do
Tribunal no que se refere ao cumprimento de suas funções institucionais.
Cumpre enfatizar, a propósito, que o Tribunal de Contas dos Municípios é
órgão estadual, de modo que o controle de suas atividades deve ser exercido pelo
próprio Estado-Membro, particularmente ao Poder Legislativo, ao qual está afeto
o controle da administração.
464 R.T.J. — 198

A obrigatoriedade atribuída ao Tribunal de Contas dos Municípios de apre-


sentação do relatório trimestral de suas atividades constitui meio de esclarecimento
do Poder Legislativo. Tem este a prerrogativa de obter informações no vasto domí-
nio de sua competência constitucional, que compreende todos os fatos que podem
ser objeto de legislação, de deliberação e de fiscalização desse Poder do Estado.
Ademais, a questão de saber se o Tribunal de Contas dos Municípios está
ou não cumprindo a função institucional de apreciar ou julgar as contas munici-
pais interessa diretamente ao Estado-Membro, que tem inclusive o poder de
intervenção no Município nas hipóteses excepcionais elencadas no art. 35 da
Constituição Federal, algumas das quais diretamente correlacionadas com as
próprias atividades da Corte de Contas, como a de deixar o Município de pagar,
por dois anos consecutivos, a sua dívida fundada, de prestar as contas devidas e
a de aplicar o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvi-
mento do ensino. E, nesses casos, se é verdade que a Assembléia Legislativa não
tem a iniciativa do processo interventivo, dele participa, na apreciação do
decreto correspondente.
Dessa forma, o inciso XXVII do art. 92 da Constituição do Estado, ao impor
ao Tribunal de Contas dos Municípios a obrigatoriedade de apresentação de
relatório trimestral de suas atividades à Assembléia Legislativa, não atenta contra
a autonomia municipal, uma vez que a apreciação desses relatórios não se refere ao
controle externo das contas municipais, mas unicamente à fiscalização do desem-
penho do próprio Tribunal, órgão instituído pelo Estado para auxiliar na fiscaliza-
ção das contas dos Municípios.
VI.
Em face do exposto, o parecer é no sentido da procedência parcial da ação,
para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 60 e 65, bem como das
expressões ‘de ausência do Município ou’, constantes do caput, das expressões
‘de ausência ou’ e ‘e o Juiz de Direito da Comarca’, constantes do § 1º, e do § 2º, do
artigo 78, todos da Constituição do Estado do Pará, promulgada em 5 de outubro
de 1989.”
Este é o relatório, cujas cópias deverão ser distribuídas aos eminentes Senhores
Ministros desta Suprema Corte, nos termos do art. 87, I, do RISTF.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Sustenta-se, inicialmente, a inconstituciona-
lidade do art. 60 da Constituição do Pará, que assim dispõe:
“Art. 60. A Câmara poderá convocar o Prefeito ou seus auxiliares para
prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, im-
portando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.”
(Grifei)
A douta Procuradoria-Geral da República, apreciando a validade jurídica do
dispositivo em questão, manifestou-se por sua inconstitucionalidade, nos seguintes
termos (fls. 44/45):
R.T.J. — 198 465

“O art. 60. da Constituição do Pará define como crime de responsabilidade


do Prefeito ou de seus auxiliares o desatendimento à convocação da Câmara de
Vereadores para prestar informações sobre assunto previamente determinado.
A norma é incompatível com o art. 22, I, da Constituição Federal, que
atribui competência privativa à União para legislar sobre direito penal, sem
qualquer distinção entre crimes comuns e de responsabilidade.
A competência para legislar sobre crimes de responsabilidade é da União,
como refere José Celso de Mello Filho, com apoio na doutrina dominante e na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Revista Forense n. 125, p. 93 a 161;
n. 125, p. 41 a 43; e n. 126, p. 126 a 177).
Cumpre referir ainda recente decisão deste Colendo Tribunal, de 29-6-90,
relativa a pedido de medida liminar na ADIn 307-1/CE, Relator o eminente
Ministro Célio Borja, em que se deferiu a suspensão requerida do parágrafo 1º do
art. 42 da Constituição do Estado do Ceará, pelo qual se instituía hipótese de crime
de responsabilidade, justamente sob o fundamento de que tal dispositivo, envere-
dava na esfera penal de competência privativa da União (CF/88, art. 22, I).
Tanto é suficiente para demonstrar a invalidade da norma impugnada.
Ademais, o dispositivo trata de matéria concernente ao relacionamento entre
os poderes municipais, estabelecendo modalidade de perda do mandato, depen-
dente de julgamento da própria Câmara de Vereadores (Constituição do Estado,
art. 65), à inteira revelia do direito federal, afrontando assim o princípio da
independência e harmonia dos Poderes, inscrito no art. 2º da Constituição Federal.
A matéria concernente às convocações de Secretários Municipais é ordinaria-
mente tratada nas leis orgânicas municipais. Nessa perspectiva é que o art. 29 da
Constituição Federal enumera regras de conteúdo obrigatório nas leis orgânicas
dos Municípios, entre as quais as relativas à eleição, mandato, posse, remuneração,
foro para julgamento criminal e perda do mandato do Prefeito.
O art. 60 da Constituição do Estado do Pará, portanto, é incompatível com
os arts. 2º e 22, inciso I, da Constituição Federal.” (Grifei)
Entendo assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, pois o
legislador constituinte estadual, ao formular a norma inscrita no art. 60 da Constitui-
ção local, claramente transgrediu os limites a que estão sujeitas todas as unidades
federadas regionais, como resulta claro do preceito consubstanciado no art. 25 da
Constituição da República.
Não se ignora que a autonomia dos Estados-Membros constitui um dos funda-
mentos essenciais em que repousa a própria estrutura institucional da Federação.
Essa autonomia institucional, considerada a dimensão político-jurídica em que
ela se projeta, confere, ao Estado-Membro, o poder de auto-organização que lhe permite
definir, por efeito de autônoma deliberação, a sua própria ordem constitucional, como
reconhece o magistério da doutrina (José Afonso da Silva, “Curso de Direito Constitu-
cional Positivo”, p. 512, 5. ed., 1989, RT; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “Comen-
tários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/200, 1990, Saraiva; Anna Cândida da
Cunha Ferraz, “Poder Constituinte do Estado-membro”, p. 54, 1979, RT).
466 R.T.J. — 198

A Constituição estadual, portanto, representa, no plano local, a expressão jurí-


dica mais elevada do poder autônomo que a Lei Fundamental da República atribuiu
aos Estados-Membros no âmbito da organização federativa consagrada na Constituição
Federal.
Essa eminente prerrogativa institucional, contudo, não se reveste de caráter
absoluto. Acha-se submetida, ao contrário, quanto ao seu exercício, a expressivas limita-
ções jurídicas impostas pela própria Carta Federal, que, no caput do seu art. 25, preceitua:
“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adota-
rem, observados os princípios desta Constituição.” (Grifei)
É por essa razão que Raul Machado Horta (“Revista de Direito Público”, vol.
88/5), ao enfatizar o caráter essencialmente limitado da capacidade de auto-organiza-
ção das unidades federadas, adverte, em síntese lapidar, que “(...) é na Constituição
Federal que se localiza a fonte jurídica do Poder Constituinte do Estado-membro.”
Cumpre registrar, ainda, além do precedente mencionado pela douta Procurado-
ria-Geral da República, o julgamento da ADI 111/BA, Rel. Min. Carlos Madeira, que
teve por objeto dispositivo de idêntico conteúdo, inscrito na Constituição do Estado da
Bahia, que prevê a convocação, pelo Poder Legislativo, para efeito de comparecimento
perante a instância parlamentar, do Chefe do Poder Executivo estadual.
Ao deferir a suspensão cautelar de eficácia daquela prescrição normativa, o
eminente Ministro Carlos Madeira, no precedente referido, ressaltou a ofensa ao
princípio da separação de poderes, assim fundamentando, no ponto, o seu douto voto
(RTJ 130/524, 525):
“O dispositivo cuja inconstitucionalidade se argúi não é da nossa tradição
republicana. Em nenhuma das Constituições brasileiras, de 1891 a 1967, com a
Emenda de 1969, foi prevista a convocação, pelo Congresso, do Presidente da
República, para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto determinado.
Previu-se, sim, a convocação dos Ministros de Estado à Câmara dos Deputa-
dos ou ao Senado Federal, para os fins indicados na lei fundamental. A Constitui-
ção de 1988 especifica pormenorizadamente os casos de comparecimento dos
Ministros de Estados às Casas do Congresso Nacional, mediante convocação ou
voluntariamente (art. 50 e § 1º) ou perante as Comissões (art. 58 e § 3º), ou, ainda,
ao atendimento de pedidos escritos de informações formulados pelas Mesas da
Câmara e do Senado (art. 50, § 2º).
Ministros de Estado, porém, são auxiliares do Presidente da República. Não
obstante a eminência dos seus cargos e a autonomia de suas funções, não têm eles
a titularidade do poder, que se caracteriza, nas palavras de Sampaio Dória, na
capacidade de haver-se sem dependência, por delegação constitucional da sobera-
nia do povo. Esse poder é que detém outro poder, como fundamento da separação
e harmonia dos poderes, antevista por Montesquieu.
A Constituição de 1988 não se afastou desse princípio, apesar da inspiração
parlamentarista que a permeia. O Presidente da República não é subordinado ao
Poder Legislativo, em ordem a ser por este convocado para prestar esclarecimentos
perante as Casas do Congresso.
R.T.J. — 198 467

Igual modelo inspira a autonomia dos poderes dos Estados.


No entanto, a Constituição do Estado da Bahia, no inciso XXVIII do art. 71,
estabelece verdadeira subordinação do Governador à Assembléia Legislativa,
imputando-lhe crime de responsabilidade no caso de não atender à convocação
para prestar, pessoalmente, perante a Casa, informações sobre assunto previamente
determinado.
Daí o fumus boni iuris do pedido da medida cautelar: a exigência constituci-
onal baiana não se harmoniza com o modelo federal.”
A Constituição do Estado-Membro, em norma dela constante, não pode impor, ao
Prefeito Municipal, o dever de comparecimento perante a Câmara de Vereadores, pois
falece, ao Estado-Membro, competência para assim dispor em sede normativa, conside-
rada a autonomia dos Municípios, que se qualifica como pedra angular da organização
institucional da Federação brasileira.
Tal prescrição normativa também implica clara transgressão ao princípio da
separação de poderes, pois expõe o Chefe do Executivo a um estado de submissão
institucional ao Poder Legislativo municipal, sem guardar qualquer correspondência
com o modelo positivado na própria Constituição da República.
À semelhança do Presidente da República e do Governador do Estado, que não
podem ser constrangidos a comparecer perante órgãos parlamentares, também o Pre-
feito do Município não se submete — em obséquio ao postulado da divisão funcional
do poder — ao dever de apresentar-se, compulsoriamente, mediante convocação do
Legislativo, à Câmara de Vereadores.
Evidente, pois, a inconstitucionalidade da norma em questão, no ponto em que
torna impositivo, sob pena de configuração de crime de responsabilidade, o compareci-
mento do Prefeito Municipal perante a instância legislativa local.
A norma inscrita no art. 60 da Constituição do Pará também impõe, aos auxiliares
do Prefeito, a obrigação de comparecimento perante a Câmara de Vereadores, “impor-
tando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada”.
Essa norma, não obstante reproduza — no que concerne aos auxiliares do Chefe
do Poder Executivo — o preceito inscrito no art. 50, caput, da Carta Federal, revela-se,
em função da fonte de que emanou, regra constitucionalmente inidônea.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, tem
proclamado, com apoio na doutrina (Pontes de Miranda, “Comentários à Constitui-
ção de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo III/355, 3. ed., 1987, Forense;
Marcelo Caetano, “Direito Constitucional”, vol. II/545, item n. 179, 1978, Forense e
Oswaldo Trigueiro, “Direito Constitucional Estadual”, p. 191, item n. 101, 1980,
Forense), a impossibilidade jurídico-constitucional de os Estados-Membros definirem
novas modalidades típicas de crime de responsabilidade, “por ser essa atribuição
exclusiva do Poder Legislativo da União” (RF 125/431, Rel. Min. Barros Barreto).
Esta Corte, ao versar o tema em análise, tem advertido que “Violam a Constitui-
ção Federal os dispositivos de Constituição estadual que estabeleçam, para o
impeachment, normas exorbitantes das fixadas na Carta Magna, transfiram ao
468 R.T.J. — 198

Judiciário o julgamento dos crimes de responsabilidade e definam os fatos que os


constituam” (RF 126/77, Rel. Min. Hahnemann Guimarães — Grifei).
Mais recentemente, esta Suprema Corte, ao julgar pedido de medida cautelar
formulado na ADI 307/CE, Rel. Min. Célio Borja, suspendeu a eficácia de norma
constitucional estadual, que, por haver definido novo tipo de crime de responsabilidade,
foi reputada usurpadora da competência privativa da União Federal na disciplinação
jurídica do tema (DJ de 28-9-90).
Mesmo que se possa reconhecer, no entanto, com apoio em prestigiosa corrente
doutrinária (Paulo Brossard de Souza Pinto, “O Impeachment”, pp. 88/112, 2. ed.,
1992, Saraiva; José Afonso da Silva, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, pp.
529/530, 5. ed., 1989, RT), a possibilidade de o Estado-Membro definir os modelos
tipificadores dos impropriamente denominados “crimes de responsabilidade”, ainda
assim se torna imperioso concluir que essa especial competência, sob pena de ofensa à
autonomia municipal (CF, art. 29), não autoriza o Estado-Membro a disciplinar, para
os Municípios, a matéria pertinente às infrações político-administrativas dos agentes
municipais, como o Prefeito, os seus secretários e auxiliares.
O Estado-Membro, na realidade, mesmo que se lhe reconheça a prerrogativa de
legislar sobre infrações político-administrativas, não dispõe de competência para pres-
crever normas definidoras de ilícitos político-administrativos aplicáveis às autoridades
municipais.
Revela-se evidente, pois, a inconstitucionalidade do preceito consubstanciado
no art. 60 da Constituição do Estado do Pará.
O outro dispositivo impugnado é o art. 65 da Constituição paraense, que estabe-
lece a competência da Câmara Municipal para processar e julgar o Prefeito nos crimes
de responsabilidade.
No que concerne a esse aspecto específico da argüição de inconstitucionalidade,
o Ministério Público Federal assim se pronunciou (fl. 45):
“A norma é incompatível com o art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal,
que atribui competência ao Tribunal de Justiça para julgar os Prefeitos Munici-
pais, em matéria penal, uma vez que inexiste foro privilegiado em matéria civil, no
sistema constitucional brasileiro.”
Não vislumbro, ao contrário do que sustenta a douta Procuradoria-Geral da
República, qualquer eiva de inconstitucionalidade no preceito em causa, que, cir-
cunscrito àquela esfera mínima de ingerência normativa autorizada pela Constituição
Federal no que concerne ao delineamento da organização municipal, limitou-se a
enunciar o postulado de que, nos ilícitos político-administrativos (que não se con-
fundem com os ilícitos penais), o Prefeito municipal será sempre processado e
julgado pela Câmara de Vereadores. Essa competência decorre do postulado consti-
tucional, que, proclamado pelo art. 29, XI, da Carta Federal, reconhece, às Câmaras
Municipais, a prerrogativa de exercer, no âmbito do Município (e em relação aos
órgãos e autoridades que lhe compõem a estrutura), atividades inerentes ao controle
político-administrativo do poder local.
R.T.J. — 198 469

Tratando-se de princípio de índole nacional, proclamado pela própria Carta da


República, nada impede venha ele a ser reproduzido na Constituição estadual, ainda
que com projeção específica sobre a organização dos Municípios.
Inocorre, na espécie, qualquer vulneração à regra de competência inscrita no art.
29, X, da Carta Federal, que atribui, ao Tribunal de Justiça, o poder de julgar, nos ilícitos
penais de competência da Justiça comum estadual (HC 68.967/PR, Rel. p/ o acórdão
Min. Ilmar Galvão — DJ de 16-4-93), os Prefeitos Municipais.
Com efeito, o Tribunal de Justiça do Estado, ressalvadas as hipóteses que se
incluem na esfera de atribuições jurisdicionais da Justiça Federal comum, da Justiça
Militar da União e da Justiça Eleitoral, dispõe de competência penal originária para
processar e julgar os Prefeitos Municipais.
Tratando-se de infrações de caráter político-administrativo, no entanto (cuja
noção conceitual não se confunde com a de ilícitos penais), assiste, com exclusividade,
ao Poder Legislativo local, a competência para processar e julgar o Chefe do Poder
Executivo municipal, com o objetivo de impor-lhe a sanção de destituição do mandato
eletivo com inabilitação temporária para o exercício de qualquer outra função pública.
Daí a correta observação de Adilson Abreu Dallari (“Crime de Responsabilidade
do Prefeito”, in “Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo”, vol. 72/146-
148), para quem a competência originária do Tribunal de Justiça restringe-se ao processo
e julgamento das infrações penais comuns cometidas por Prefeitos, remanescendo, no
entanto, na esfera da Câmara Municipal, o poder de deliberar sobre os ilícitos político-
administrativos:
“Portanto, não pode haver dúvida. Uma coisa é infração penal, comum,
disciplinada pela legislação penal. O Código Penal está em vigor, cuidando dos
crimes contra a administração pública, que podem ser cometidos, inclusive por
Prefeitos. O Prefeito pode perfeitamente ser julgado, pelo Tribunal de Justiça,
no caso de cometer peculato, emprego irregular de verbas públicas, concussão,
prevaricação, tudo isso não é crime de responsabilidade; tudo isso é crime comum
que o Prefeito pode cometer e ser julgado pelo Poder Judiciário.
Ao lado disso, existe o crime de responsabilidade, que é uma infração
político-administrativa e, portanto, sujeita a julgamento por um órgão político,
que é o Poder Legislativo.
(...)
Como conclusão, cabe afirmar, com absoluta segurança, que o art. 29 da
Constituição Federal (que diz competir ao Tribunal de Justiça o julgamento dos
Prefeitos) deve ser entendido corretamente no seguinte sentido: compete ao
Tribunal de Justiça o julgamento dos Prefeitos, no caso de crime comum.
Na sistemática constitucional, onde fica claro que crime de responsabilidade
não é infração penal, mas infração político-administrativa, os crimes de responsa-
bilidade dos Prefeitos devem ser definidos pela lei municipal e julgados pela
Câmara Municipal.” (Grifei)
Rejeito, pois, a alegação de inconstitucionalidade do art. 65 da Constituição do Pará.
470 R.T.J. — 198

A terceira norma ora impugnada nesta sede processual acha-se inscrita no art.
78, e respectivos parágrafos, da Constituição do Pará:
“Art. 78. O Prefeito será substituído, no caso de ausência do Município ou de
impedimento, e sucedido, no de vaga, pelo Vice-Presidente.
§ 1º Em caso de ausência ou de impedimento do Prefeito e do Vice-Prefeito,
ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício
da Prefeitura os membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal, obedecida a
respectiva ordem, e o Juiz de Direito da Comarca, lavrando-se o ato de transmis-
são em livro próprio.
§ 2º Implica responsabilidade a não-transmissão de cargo nos casos de
ausência ou impedimento.” (Grifei)
O conteúdo normativo da regra em questão torna evidente que o Estado-Mem-
bro, agindo ultra vires, incidiu em domínio constitucionalmente reservado à esfera de
atuação exclusiva dos Municípios, pois disciplinou, de modo indevido, questão que se
submete ao âmbito do preponderante interesse das coletividades locais.
É necessário relembrar que o exercício, pelo Estado-Membro, do poder consti-
tuinte decorrente que lhe atribuiu a Constituição da República sofre os condiciona-
mentos normativos que derivam da Lei Fundamental (art. 25) e que conformam, por
isso mesmo, a prática legítima de suas atribuições institucionais.
Examinada a questão sob tal perspectiva, torna-se forçoso concluir que a auto-
nomia municipal — que representa um dos pilares em que se apóia a própria organiza-
ção institucional do Estado Federal brasileiro — qualifica-se como princípio de obser-
vância necessária pelos Estados-Membros e cuja violação, como sucede na espécie,
implica o reconhecimento de que a norma estadual resultante dessa grave transgressão
incide no vício inconvalidável da inconstitucionalidade.
A ocorrência de inconstitucionalidade orgânica, considerada a fonte normativa
de que provieram as normas inscritas no art. 78 e respectivos parágrafos da Constitui-
ção do Estado do Pará, basta, por si só, quanto a esse específico ponto, para tornar
acolhível a pretensão ora veiculada na presente ação direta.
Se não fosse por tal razão, procederia à análise dos preceitos em causa, examinan-
do-os sob a perspectiva material de sua alegada inconstitucionalidade.
Caberia, então, o exame — já procedido por esta Suprema Corte (ADI 819/RO,
Rel. Min. Celso de Mello — ADI 887/AM, Rel. Min. Sydney Sanches) — da noção
conceitual de impedimento para o exercício das atribuições inerentes à Chefia do Poder
Executivo e da conseqüente disciplina da ordem de vocação, para efeito de substitui-
ção (sempre temporária) do Prefeito Municipal.
É claro que o Juiz de Direito — que é autoridade estadual — não pode figurar,
por efeito de determinação inscrita na Constituição do Estado-Membro, na ordem de
substituição do Prefeito Municipal, seja em respeito ao postulado da autonomia do
Município (CF, art. 29), seja, ainda, em obediência à norma vedatória, que, inscrita no
art. 95, parágrafo único, I, da Carta Política, proíbe o magistrado, em atenção ao
princípio da separação de poderes, de exercer, ainda que em disponibilidade, outro
cargo ou função, salvo uma de magistério.
R.T.J. — 198 471

É também inconstitucional a prescrição consubstanciada no § 2º do art. 78 da


Constituição do Pará, pois, como precedentemente acentuado a propósito do art. 60,
não compete, ao Estado-Membro, legislar sobre “crime de responsabilidade”, especial-
mente quando o faz para definir ilícitos político-administrativos na esfera municipal.
A douta Procuradoria-Geral da República impugna, ainda, normas que estabele-
cem o controle das atividades e das contas do Tribunal de Contas do Estado e do
Tribunal de Contas dos Municípios, inscritas no art. 92, incisos XXVII e XXX, e no art.
122 da Constituição do Pará, que assim dispõem:
“Art. 92. É de competência exclusiva da Assembléia Legislativa:
(...)
XXVII - apreciar, trimestralmente, os relatórios das atividades do Tribunal de
Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios;
(...)
XXX - julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Estado e do
Tribunal de Contas dos Municípios.’
‘Art. 122. O Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal de Contas dos
Municípios prestarão suas contas, anualmente, à Assembléia Legislativa, no prazo
de sessenta dias da abertura da sessão legislativa.”
Apreciando esse específico aspecto da argüição de inconstitucionalidade
deduzida nestes autos, o Ministério Público Federal manifestou-se nos seguintes termos
(fls. 51/58):
“No tocante à exigência de prestação de contas, convém referir que as
normas impugnadas tratam unicamente de órgãos estaduais, o Tribunal de Contas
do Estado, destinado a auxiliar a Assembléia Legislativa no controle externo das
contas do Estado do Pará, e o Tribunal de Contas dos Municípios, ao qual compete
auxiliar o Poder Legislativo Municipal no controle externo das Contas dos Muni-
cípios do mesmo Estado.
Em se tratando de órgãos estaduais, o controle externo das Contas de
ambos os Tribunais compete à Assembléia Legislativa do Estado do Pará, por
força do art. 70 e seu parágrafo único da Constituição Federal, de obrigatória
observância pelos Estados-membros (CF/88, art. 75), que dispõem:
‘Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional
e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subven-
ções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade
pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens
e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta,
assuma obrigações de natureza pecuniária.’
(...)
472 R.T.J. — 198

Não há dúvida, portanto, de que as contas dos Tribunais de Contas estão


submetidas ao controle financeiro e orçamentário do Poder Legislativo. Em voto
proferido na Representação n. 1.021/RJ, acentuou a propósito o eminente Minis-
tro Djaci Falcão (RTJ 110, p. 485):
‘A circunstância do Tribunal de Contas, órgão singular e autônomo,
servir de instrumento para o controle financeiro e orçamentário efetuado
pelo Poder Legislativo, em termos de controle externo, não constitui óbice a
que as suas próprias contas sejam submetidas à apreciação deste Poder.
(...)
Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle
financeiro e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, segundo
ficou realçado no início do voto, nada impede que o Poder Legislativo,
exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no particular,
situa-se como órgão auxiliar. O controle externo é basicamente controle de
caráter político, como ensina José Afonso da Silva (‘Curso de Direito Cons-
titucional Positivo’, vol. I, pág. 296).’
Estes trechos da ementa do acórdão na aludida Representação bem resu-
mem os seus fundamentos (RTJ 110, p. 476):
‘Legítima é a competência conferida pela Constituição Estadual
para apreciar as contas do Tribunal de Contas e do Conselho de Contas
dos Municípios. Cabe ao Poder Legislativo o controle externo em matéria
de fiscalização financeira e orçamentária dos Três Poderes, abrangendo não
só a administração direta, mas, também a administração indireta, sem prejuízo
do controle interno no âmbito de cada Poder. Inteligência do art. 70 e seu §
1º, da Constituição da República.
Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle
financeiro e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, nada impede
que o Poder Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas
daquele que, no particular, situa-se como órgão auxiliar.
Inexistência no sistema constitucional brasileiro de norma que revele
vedação do controle externo das contas dos Tribunais de Contas. Improce-
dência da singela invocação de afronta aos arts. 13, inc. IV e 8º, inc. XVII,
letra c, da Carta Política.’
Essa mesma orientação prevaleceu no julgamento da Representação n.
1.179/ES (DJ de 17-8-84, pág. 12.908):
‘Pode o Poder Legislativo estabelecer em lei a obrigação de o Tribunal
de Contas prestar contas à Assembléia Legislativa.’
Não se ressentem de inconstitucionalidade, portanto, o inciso XXX do art.
92 nem o art. 122 da Constituição do Estado.
Quanto ao inciso XXVII do art. 92, sustenta a inicial que a obrigação
imposta ao Tribunal de Contas dos Municípios de apresentar relatórios trimestrais
de suas atividades à Assembléia Legislativa fere a autonomia municipal.
R.T.J. — 198 473

A Constituição Federal, no art. 71, § 4º, determina que o Tribunal de Contas


da União encaminhe relatório trimestral de suas atividades ao Congresso Nacio-
nal.
O relatório de atividades, a que se referem a Constituição Federal e a Carta
Estadual, diz respeito ao próprio exercício das funções institucionais das Cortes
de Contas. Não se trata de exigência tendente à fiscalização das contas dos
próprios Tribunais, mas sim do controle de seu desempenho no cumprimento de
sua missão constitucional, como órgãos técnicos destinados a auxiliar o Poder
Legislativo no controle externo das contas da Administração Pública.
Essa obrigatoriedade deriva da circunstância de serem os Tribunais de
Contas órgãos auxiliares do Poder Legislativo (Price Waterhouse, ‘A Constitui-
ção do Brasil de 1988’, p. 451, e Roberto Bastos Lellis ‘in’ ‘Comentários à
Constituição Federal’, por Paulo Saboia e outros, v. 2, p. 283). Visa a conferir
efetividade ao controle externo, como instrumento destinado a aferir o próprio
desempenho dos Tribunais na apreciação e julgamento das contas de todo o
universo de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, para que
o Poder Legislativo não fique subordinado ou à mercê da iniciativa das Cortes de
Contas.
De fato, a efetividade do controle externo, a cargo do Poder Legislativo,
depende também da iniciativa prévia do controle técnico da Corte de Contas, em
cada exercício, justificando-se dessa forma, o controle das atividades do próprio
Tribunal, a fim de evitar que eventual omissão deste possa entravar o cumprimento
da atribuição constitucional confiada àquele Poder do Estado.
Em suma, no exercício do controle externo da administração pública, o
Poder Legislativo não só exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, com o auxílio dos Tribunais de Contas, como avalia o
desempenho destes últimos no cumprimento efetivo de suas atribuições, como
instituições técnicas destinadas a auxiliá-lo no aludido controle.
É verdade que os Tribunais de Contas dos Municípios constituem órgãos
destinados a auxiliar as Câmaras Municipais no controle externo das Contas dos
Municípios.
A atribuição do controle de suas atividades à Assembléia Legislativa do
Estado, porém, não atenta contra a autonomia municipal, porque não envolve a
própria apreciação das contas municipais, mas unicamente o desempenho do
Tribunal no que se refere ao cumprimento de suas funções institucionais.
Cumpre enfatizar, a propósito, que o Tribunal de Contas dos Municípios é
órgão estadual, de modo que o controle de suas atividades deve ser exercido pelo
próprio Estado-Membro, particularmente ao Poder Legislativo, ao qual está afeto
o controle da administração.
A obrigatoriedade atribuída ao Tribunal de Contas dos Municípios de
apresentação do relatório trimestral de suas atividades constitui meio de esclareci-
mento do Poder Legislativo. Tem este a prerrogativa de obter informações no vasto
domínio de sua competência constitucional, que compreende todos os fatos que
474 R.T.J. — 198

podem ser objeto de legislação, de deliberação e de fiscalização desse Poder do


Estado.
Ademais, a questão de saber se o Tribunal de Contas dos Municípios está ou
não cumprindo a função institucional de apreciar ou julgar as contas municipais
interessa diretamente ao Estado-Membro, que tem inclusive o poder de interven-
ção no Município nas hipóteses excepcionais elencadas no art. 35 da Constituição
Federal, algumas das quais diretamente correlacionadas com as próprias ativida-
des da Corte de Contas, como a de deixar o Município de pagar, por dois anos
consecutivos, a sua dívida fundada, de prestar as contas devidas e a de aplicar o
mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino.
E, nesses casos, se é verdade que a Assembléia Legislativa não tem a iniciativa do
processo interventivo, dele participa, na apreciação do decreto correspondente.
Dessa forma, o inciso XXVII do art. 92 da Constituição do Estado, ao impor
ao Tribunal de Contas dos Municípios a obrigatoriedade de apresentação de
relatório trimestral de suas atividades à Assembléia Legislativa, não atenta contra
a autonomia municipal, uma vez que a apreciação desses relatórios não se refere ao
controle externo das contas municipais, mas unicamente à fiscalização do desem-
penho do próprio Tribunal, órgão instituído pelo Estado para auxiliar na fiscaliza-
ção das contas dos Municípios.” (Grifei)
Entendo inquestionável a validade jurídica das normas que impõem a submissão
das contas do próprio Tribunal de Contas do Estado-Membro à apreciação da Assem-
bléia Legislativa. A possibilidade jurídico-constitucional dessa atividade parlamentar
de controle já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, quer sob a égide do
ordenamento constitucional precedente (RTJ 110/476), quer em face da vigente Cons-
tituição Federal (RTJ 138/409).
Impõe-se destacar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal proclamou a
constitucionalidade de exigência constante de Carta Política do Estado-Membro que
submetia as contas do Tribunal de Contas estadual à apreciação da Assembléia
Legislativa (Rp 937/RJ). Essa competência — que ainda remanesce na esfera de
atribuições do Legislativo — decorre do poder de fiscalização que se revela inerente,
no plano de sua projeção institucional, ao exercício da atividade parlamentar.
O controle externo, em matéria de fiscalização financeira e orçamentária, quali-
fica-se, na realidade, como função política e juridicamente eminente do Poder
Legislativo.
É por isso que o Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se sobre o tema,
deixou positivada, quando do julgamento da Rp 1.021/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão
(RTJ 110/476), a seguinte diretriz:
“Legítima é a competência conferida pela Constituição Estadual para apre-
ciar as contas do Tribunal de Contas e do Conselho de Contas dos Municípios.
Cabe ao Poder Legislativo o controle externo em matéria de fiscalização finan-
ceira e orçamentária dos Três Poderes, abrangendo não só a administração direta,
mas, também a administração indireta, sem prejuízo do controle interno no âmbito
de cada Poder (...).
R.T.J. — 198 475

Não obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle financeiro


e orçamentário, como órgão eminentemente técnico, nada impede que o Poder
Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no
particular, situa-se como órgão auxiliar.
Inexistência no sistema constitucional brasileiro de norma que revele
vedação do controle externo das contas dos Tribunais de Contas (...).” (Grifei)
Tal como então se acentuou no referido julgamento plenário, “A circunstância do
Tribunal de Contas, órgão singular e autônomo, servir de instrumento para o controle
financeiro e orçamentário efetuado pelo Poder Legislativo, em termos de controle
externo, não constitui óbice a que as suas próprias contas sejam submetidas à apreciação
deste Poder” (RTJ 110/485).
Essa mesma orientação prevaleceu por ocasião do julgamento da Rp 1.179/ES,
Rel. Min. Alfredo Buzaid, quando, uma vez mais, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, em unânime decisão, assim se pronunciou:
“1. Pode o Poder Legislativo estabelecer em lei a obrigação de o Tribunal de
Contas prestar contas à Assembléia Legislativa.
2. O Tribunal de Contas, embora órgão autônomo, integra-no sistema consti-
tucional o Poder Legislativo, sem ser contudo órgão preposto.”
O saudoso Min. Alfredo Buzaid, Relator, ao versar o tema em análise, expendeu,
como sempre, considerações juridicamente irrepreensíveis, que guardam inteira
pertinência e atualidade em face do vigente ordenamento constitucional:
“Consoante o disposto no art. 6º da Constituição, três são os Poderes da
União, independentes e harmônicos, a saber, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário. De outro não cuida a Constituição. Ora, o Tribunal de Contas não se
integra no Poder Judiciário, porque não foi enumerado no elenco dos órgãos
constantes do art. 112 da Constituição. Não participa do Poder Executivo,
porque a sua função é justamente acompanhar e fiscalizar a execução do orçamen-
to, investido da atribuição de julgar e de outras definidas na Constituição e nas
leis. O legislador constituinte houve por bem situá-lo como órgão auxiliar do
Poder Legislativo. A Constituição da República conferiu ao Congresso Nacio-
nal, com o auxílio do Tribunal de Contas, a fiscalização financeira e orçamentária
da União (art. 70, § 1º). A razão é que o Poder, que concede os recursos da receita,
deve ter competência para julgar as despesas feitas. Este controle, que é eminen-
temente político, conta com a colaboração técnica do Tribunal de Contas. O
Tribunal de Contas situa-se, pois, no sistema constitucional brasileiro, à seme-
lhança do que ocorre noutros países, como órgão auxiliar do Poder Legislativo
(cf. Pontes de Miranda, Comentários, cit. vol. III, p. 244; Wilson Accioli, Institui-
ções de Direito Constitucional, Forense, 3. ed., 1984, p. 380; Hely Lopes
Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 10. ed., Rev. Trib., 1984, p. 602;
Cretella Júnior, Manual de Direito Administrativo, Forense, 3. ed., 1984, p. 48).
Esta orientação de política legislativa obedece ao princípio de que todos
os que são responsáveis por dinheiro, valores e bens públicos estão obrigados a
prestar contas de sua administração. Desta regra não se pode excetuar o
476 R.T.J. — 198

Tribunal de Contas que, sendo órgão auxiliar do Poder Legislativo, a este se acha
sujeito; não é lícito, pois, ao Tribunal subtrair-se à prestação de contas, quando
a lei lhe impõe esta obrigação. A condição jurídica do Tribunal de Contas, posto
que autônoma e relevante, foi definida pela própria Constituição.
(...)
A Constituição da República, atribuindo ao Tribunal de Contas o caráter de
órgão auxiliar do Poder Legislativo, não precisa inserir norma expressa, estabele-
cendo que ele deve prestar contas ao Congresso, porque esta verdade resulta da
sua própria condição jurídica.” (Grifei)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a ADI 375/AM,
Rel. Min. Octavio Gallotti, ressaltou, em unânime votação, que o Tribunal de Contas
do Estado-Membro não é imune ao controle externo que repousa, institucionalmente,
na esfera de competência do Poder Legislativo. Salientou-se, então, no voto condutor
proferido pelo eminente Ministro Octavio Gallotti (RTJ 138/415-416):
“Ao manifestar-me como Relator, acerca do requerimento de medida
cautelar, tive, nestes mesmos autos, ocasião de asseverar:
‘Creio ser hoje possível afirmar, sem receio de erro, que os Tribunais
de Contas são órgãos do Poder Legislativo, sem, todavia, se acharem
subordinados às Casas do Congresso, Assembléias Legislativas ou Câmaras
de Vereadores. Que não são subordinados, nem dependentes, comprovam-
no o dispositivo da Constituição Federal que lhes atribui competência para
realizar, por iniciativa própria, inspeções e auditorias nas unidades adminis-
trativas dos três Poderes (art. 71, IV), bem como as garantias de magistratura,
asseguradas aos seus Membros (art. 73, § 3º), além de extensão da autonomia
inerente aos Tribunais do Poder Judiciário (art. 73, combinado com o art. 96).
Acresce que a competência dos Tribunais de Contas não resulta de
delegação das Câmaras legislativas, mas, originariamente, da Constituição.
(...)
Em assentada anterior, já havia esta Corte, aliás, placitado dispositivo
da Constituição do Rio de Janeiro, que conferia, à Assembléia Legislativa,
competência para apreciar as contas do Tribunal de Contas (Rpr 1.021,
Relator o eminente Ministro Djaci Falcão, RTJ 110/476).
Pode-se, portanto, deduzir que os Tribunais de Contas Estaduais
guardam autonomia perante as Assembléias Legislativas, mas isto não
basta para torná-los indenes ao controle externo delas, segundo a Consti-
tuição Federal, como parecem supor os Tribunais promoventes desta ação
direta. Mesmo porque diferem, em conceito e conseqüências, o controle e a
subordinação.
(...)
Procuram apoio, em suma, os dignos promotores desta Ação Direta, em
primeiro lugar, na alegada indenidade dos Tribunais de Contas ao controle
externo, exercitável pelas Assembléias Legislativas (...).
R.T.J. — 198 477

Quanto à suposta indenidade, a tese não encontra respaldo na juris-


prudência do Supremo Tribunal, que, ao julgar as Representações n. 1.021 e
n. 1.179, já declarou, como anteriormente ressaltei, a constitucionalidade
de normas estaduais que sujeitavam as contas do Tribunal de Contas ao
exame da Assembléia Legislativa’ (...).” (Grifei)
A Constituição do Estado do Pará refere-se, em seu art. 92, incisos XXVII e XXX,
e em seu art. 122, ao Tribunal de Contas dos Municípios, atribuindo-lhe o encargo de
auxiliar as Câmaras de Vereadores no controle externo das atividades financeiras e
orçamentárias desenvolvidas no âmbito dos Municípios situados naquele Estado-
Membro.
Sabemos que a Constituição da República impede que os Municípios criem os
seus próprios Tribunais, Conselhos ou órgãos de contas municipais (CF, art. 31, § 4º),
mas permite que os Estados-Membros, mediante autônoma deliberação, instituam
órgão estadual denominado Conselho ou Tribunal de Contas dos Municípios (RTJ
135/457, Rel. Min. Octavio Gallotti — ADI 445/DF, Rel. Min. Néri da Silveira),
incumbido de auxiliar as Câmaras Municipais no exercício de seu poder de controle
externo (CF, art. 31, § 1º).
Esses Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios — embora qualificados
como órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º) — atuam, onde tenham sido instituídos, como
órgãos auxiliares e de cooperação técnica das Câmaras de Vereadores.
Impende assinalar, no ponto, que esta Suprema Corte, desde a vigência do regime
constitucional anterior (RTJ 77/361 — RTJ 96/473), tem reconhecido a validade
jurídica da criação, pelo Estado-Membro, de órgão estadual destinado a auxiliar a
Câmara de Vereadores na fiscalização financeiro-orçamentária dos Municípios. Essa
orientação veio a ser reafirmada, já sob a égide da Carta Política de 1988, no julga-
mento da ADI 445/TO, ocasião em que o eminente Ministro Néri da Silveira, Relator,
destacou:
“O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de os Estados-
Membros criarem Tribunal de Contas destinado à fiscalização contábil, financei-
ra e orçamentária dos Municípios, tal como ocorre em diversas Unidades da
Federação, onde Corte de Contas, órgão estadual especial, realiza essas ativida-
des, à vista do artigo 31, § 1º, da Constituição.” (Grifei)
Cumpre rememorar, ainda, a decisão plenária proferida por esta Corte na ADI
154/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti, cuja ementa assim resume a interpretação que o
Supremo Tribunal Federal deu à matéria ora em análise (RTJ 135/457):
“A vedação contida no § 4º do art. 31 da Constituição Federal só impede a
criação de órgão, Tribunal ou Conselho de Contas, pelos Municípios, inserido na
estrutura destes.
Não proíbe a instituição de órgão, Tribunal ou Conselho, pelos Estados,
com jurisdição sobre as contas municipais.
Constitucionalidade dos parágrafos do art. 358 da Carta fluminense de
1989.” (Grifei)
478 R.T.J. — 198

Irrecusável, portanto, a legitimidade jurídica das normas inscritas na Carta


Política do Estado do Pará no ponto em que instituíram, no âmbito dessa unidade da
Federação, um Tribunal de Contas dos Municípios, cabendo acentuar, por relevante,
considerado o que dispõe o art. 31, § 1º, da Lei Fundamental, que, em tema de criação
de órgão estadual de contas dos Municípios, inexiste qualquer restrição de ordem
constitucional que afete ou possa afetar a autonomia do Estado-Membro, o qual
poderá, em conseqüência, atuar e dispor facultativamente sobre a matéria em questão
(RTJ 135/457), sem quaisquer outras limitações que não as decorrentes da norma
inscrita no art. 75 da Carta Federal.
Não obstante a plena validade da instituição, pelo Estado-Membro, desse Tribu-
nal (estadual) de Contas dos Municípios (CF, art. 31, § 1º), impõe-se reconhecer a
inconstitucionalidade das expressões “e do Tribunal de Contas dos Municípios” e “e o
Tribunal de Contas dos Municípios”, constantes, respectivamente, do inciso XXX do
art. 92 e do art. 122 da Constituição paraense.
É que a prestação de contas desses Tribunais de Contas dos Municípios, que são
órgãos estaduais (CF, art. 31, § 1º), há de se fazer, por isso mesmo, perante o Tribunal
de Contas do próprio Estado (CF, art. 71, II, c/c o art. 75), e não perante a Assembléia
Legislativa do Estado-Membro.
Mostra-se peculiar, portanto, a situação do Tribunal de Contas dos Municípios,
pois, por expressa autorização constitucional (CF, art. 31, § 1º), cabe-lhe o encargo de
auxiliar, no plano técnico-jurídico, as Câmaras Municipais no exercício de seu poder de
controle externo das contas dos Municípios.
Por ser órgão estadual (o Tribunal de Contas dos Municípios), está ele sujeito,
no entanto, em tema de fiscalização financeira e orçamentária, à competência
institucional do próprio Tribunal de Contas do Estado, a quem incumbe, ope
constitutionis (CF, art. 71, II, c/c o art. 75), tornar efetivo o controle da execução
orçamentária referente a todos os órgãos estaduais, o que justifica a prevalência, na
espécie, da competência genérica do Tribunal de Contas do Estado (CF, art. 71, II,
c/c o art. 75), afastada, em conseqüência, a atribuição que o inciso XXX do art. 92 e
o art. 122 da Constituição do Pará estabeleceram em favor da Assembléia Legislativa
local.
Por tais razões, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade das expressões
normativas precedentemente referidas e constantes dos preceitos que venho de mencio-
nar.
No que concerne, finalmente, à determinação de os órgãos estaduais de contas
encaminharem relatórios trimestrais de suas atividades à Assembléia Legislativa, o
Supremo Tribunal Federal, apreciando tal matéria, já proclamou a plena adequação
dessa exigência ao modelo federal consagrado no art. 71, § 4º, da Constituição da
República, que assim dispõe: “O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional,
trimestral e anualmente, relatório de suas atividades” (Grifei).
O entendimento em questão, adotado por esta Corte Suprema, assim foi justifica-
do pelo eminente Ministro Octavio Gallotti, Relator, quando do julgamento da ADI
375/AM (RTJ 138/416):
R.T.J. — 198 479

“No tocante ao art. 71, § 4º, da Constituição Federal, os relatórios, trimes-


tral e anual, ali previstos, a par do nível de eficácia do exercício da atividade de
controle externo, a cargo do Tribunal, destinam-se a fornecer, ao Legislativo,
um quadro da gestão das finanças públicas, pelos órgãos e entidades fiscaliza-
dos, com o natural destaque das falhas e irregularidades apontadas. Não se
prendem, tais relatórios, à eventual conferência dos atos de administração
interna (a chamada atividade-meio) das Cortes de Contas, a que se prende o
dispositivo estadual atacado (inciso XXX do art. 28 da Constituição do Amazo-
nas).
Julgo improcedente a ação.” (Grifei)
Vê-se, pois, que o Tribunal de Contas está obrigado, por expressa determinação
constitucional (CF, art. 71, § 4º), aplicável ao plano local (CF, art. 75), a encaminhar,
ao Poder Legislativo a que se acha institucionalmente vinculado, tanto relatórios
trimestrais quanto anuais de suas próprias atividades, pois tais relatórios, além de
permitirem o exame parlamentar do desempenho, pela Corte de Contas, de suas atribui-
ções fiscalizadoras, também se destinam a expor, ao Legislativo, a situação das finan-
ças públicas administradas pelos órgãos e entidades governamentais, em ordem a
conferir um grau de maior eficácia ao exercício, pela instituição parlamentar, do seu
poder de controle externo.
Sendo assim, e em face das razões expostas, julgo procedente a presente ação
direta, para declarar a inconstitucionalidade do art. 60, do art. 78 e de seus §§ 1º e 2º,
bem assim das expressões “e do Tribunal de Contas dos Municípios” e “e o Tribunal de
Contas dos Municípios”, constantes, respectivamente, do inciso XXX do art. 92 e do art.
122 da Constituição do Estado do Pará, declarando improcedente, ainda, esta mesma
ação direta no que se refere ao inciso XXVII do art. 92 e ao art. 65 da Constituição
paraense.
É o meu voto.

VOTO
(Art. 60 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, mantenho reservas, na linha
do pensamento do eminente Ministro Paulo Brossard, quanto à afirmação peremptória
de que a definição dos crimes de responsabilidade de dignitários locais seja matéria
penal e, conseqüentemente, da competência privativa da União. Mas o eminente Relator
trouxe outro fundamento suficiente à inconstitucionalidade, ou seja, quando coubesse
essa definição ao poder local, dado que, no caso, se cuida de crime de responsabilidade
de prefeito, a sede normativa dessa definição seria a Lei Orgânica Municipal, hoje
descentralizada para a competência de cada município.
Portanto, essa razão dispensa o exame, por ora, do outro fundamento aventado.
Cinjo-me a ela e acompanho o eminente Relator, julgando procedente a ação direta.
480 R.T.J. — 198

VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Senhor Presidente, também tenho dúvidas a
respeito da possibilidade de o Estado legislar sobre este tipo de matéria para o municí-
pio. Em face da inexistência de uma norma específica neste sentido, e havendo uma
regra já assentada através do art. 65, acompanho o eminente Relator, reservando-me, se
surgir um caso semelhante, para estudar com mais profundidade o assunto.
Julgo improcedente.

VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também eu acompanho o
Ministro Relator. Não vejo nítida a inconstitucionalidade formal, no caso. Embora, a
meu ver, se cuide de mera explicitação do que decorre do sistema da Constituição
Federal, não creio daí decorra vedação para que a faça a Constituição do Estado. Mas a
inconstitucionalidade material, como demonstrou o ilustre Relator, é patente.

VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Presidente, fico vencido, seguindo a orientação
que esta Corte tem adotado, no sentido de que quando se trata de inconstitucionalidade
formal em decorrência de incompetência, não há que se examinar o mérito da norma; e,
a meu ver, a inconstitucionalidade formal, no caso é manifesta, pois se trata de matéria a
ser disciplinada na Lei Orgânica dos municípios, para a qual é competente o Município,
e não a Constituição do Estado.

VOTO (Retificação)
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reajusto o meu voto, atento, a esta
altura, ao que ressaltado pelo Ministro Moreira Alves. Realmente, não podemos cogitar,
estou convencido disso, da competência do Estado para disciplinar a matéria, já que se
trata de assunto de interesse, em si, do próprio Município, jungido, portanto, à autonomia
municipal. Esta Corte, em inúmeros pronunciamentos, tem ordenado a matéria, dizendo
dos vícios que podem macular uma norma, procedendo, antes do exame de fundo, à análise
sob o ângulo formal. Ora, se assentamos de início que, no caso, não havia competência do
órgão legislador para dispor sobre o tema, pouco importa o modo pelo qual o tenha feito.
Subsiste, de qualquer maneira, o defeito formal, concernente à origem.
Por isso, deixo de acompanhar o nobre Relator, que sustentou a constitucionalidade
da norma, para aderir ao voto do Ministro Moreira Alves, convicto de que estou
homenageando a jurisprudência da Corte no tocante à necessidade de, antes de exami-
nar, repito, o tema de fundo, apreciar o vício concernente à forma.
É como voto na espécie.
R.T.J. — 198 481

VOTO
(Art. 92, incisos XXVII e XXX, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Senhor Presidente, gostaria, preliminarmente, de
prestar um esclarecimento a este Tribunal. Na última sessão do ano passado foram
julgadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 1.140/RO e 1.175/DF relativa-
mente a essa mesma matéria. Naquela ocasião votei de acordo com o eminente Relator
da ADIn n. 1.175, acentuando bem que o meu voto não era definitivo.
Mas hoje, examinando bem essa questão, confirmo o meu voto em caráter
definitivo para acompanhar o nobre Ministro Celso de Mello, julgando improcedente
a ação, porque também entendo que devem ser cortadas as expressões “e o Tribunal de
Contas dos Municípios”, contidas no inciso XXX do art. 92 e no art. 122 da Carta do
Estado do Pará.

VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reafirmo o que tive oportu-
nidade de salientar numa das últimas sessões do ano judiciário de 1994. Não
consigo conceber a existência ou transmudação de um órgão auxiliar em um
superórgão não sujeito a qualquer prestação de contas. Os Tribunais de Contas
atuam como órgãos auxiliares do Legislativo e, a meu ver, devem-lhes contas. Não
é o fato de julgarem as contas do próprio Legislativo que obstaculiza essa aprecia-
ção. Há de ser observado, a meu ver, o próprio sistema da Carta, a realidade —
como salientou o Ministro Moreira Alves —, a ordem natural das coisas, e o
sistema de freios e contrapesos.
Acompanho o Ministro Relator, restringindo a declaração de inconstitucionalidade
à expressão mencionada por S. Exa.

VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, assim como o eminente
Ministro Marco Aurélio e o próprio Relator deste caso, Ministro Celso de Mello,
fiquei vencido no julgamento das Ações Diretas n. 1.140/RO e 1.175/DF, em 19
de dezembro de 1994. Já então nos negáramos a suspender liminarmente a
eficácia de dispositivos da Constituição de Rondônia e da Lei Orgânica do
Distrito Federal que submetiam ao Poder Legislativo local as contas do seu
Tribunal de Contas.
Portanto, no que se refere ao Tribunal de Contas Estadual, acompanho integral-
mente o eminente Relator na improcedência da ação. Mas, no segundo ponto, como bem
observou V. Exa., não há razão para subtrair o Tribunal de Contas dos Municípios, que
é um órgão estadual, à competência genérica do Tribunal de Contas do Estado, por
transposição do art. 75, II da Constituição.
482 R.T.J. — 198

VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Senhor Presidente, não participei do julgamento da
liminar nas Ações Diretas n. 1.140 e 1.175 e, por isso, não examinara essa matéria
anteriormente.
Como o eminente Ministro Relator, também entendo que a exigência estabelecida
na Constituição Estadual, quanto à prestação de contas pelo Tribunal de Contas à
Assembléia Legislativa, não ofende o sistema da Constituição, não obstante não se
preveja no Texto Federal idêntica obrigação, relativamente ao Tribunal de Contas da
União. É certo que o modelo federal é aplicável para os Estados no que respeita à
fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Mas a Constituição Federal, no particu-
lar, é omissa, porque também não proíbe que haja prestação de contas pelo Tribunal de
Contas da União ao Congresso Nacional.
Essa decisão que a Corte vem adotando implica, de certa forma, uma asseveração de
que o sistema da Constituição Federal conduz a uma sujeição dos Tribunais de Contas ao
Poder Legislativo, no que concerne à prestação de suas contas, embora isso não esteja
expresso na Constituição Federal com referência ao Tribunal de Contas da União.
Penso, todavia, que nada impede, na faixa de autonomia dos Estados, que se
preveja a prestação de contas, nos termos estabelecidos nos dispositivos em exame. É
exato que nenhum órgão dos Três Poderes pode ficar imune à prestação de contas. Os
tribunais, a partir do Supremo Tribunal Federal, têm suas contas examinadas pelo
Tribunal de Contas da União. Isso significa que todos aqueles órgãos do poder público
que recebem dotações orçamentárias hão de prestar contas da aplicação desses valores
que lhes são destinados; também, evidentemente, o Tribunal de Contas. Dir-se-á que, no
plano federal, o próprio Tribunal de Contas julga as suas contas, não havendo necessidade
de sujeitá-las ao Congresso Nacional. Pergunta-se, entretanto: não podem os Estados
estabelecer que os respectivos Tribunais de Contas submetam as suas contas à Assem-
bléia Legislativa? Esta é a matéria em exame, pois o dispositivo prevê tal obrigação para
o Tribunal de Contas do Estado. Vejo que, mesmo na omissão da Carta Federal, não é, no
ponto, inconstitucional o sistema previsto na Carta Estadual.
No que concerne ao Tribunal de Contas dos Municípios, não há dúvida de sua
situação ser diferente em relação ao Poder Legislativo. Cuida-se, aí, de um órgão
estadual que tem a incumbência de auxiliar as Câmaras Municipais na fiscalização das
contas dos Municípios. Não se trata, portanto, de contas estaduais. Ora, a Assembléia
Legislativa não tem o controle externo das contas municipais. Desse modo, sendo tal
órgão auxiliar das Câmaras Municipais, enquanto órgão estadual, as suas contas hão de
ser prestadas àquele Tribunal que controla a execução orçamentária de todos os órgãos
estaduais. A prestação das contas dos Tribunais de Contas dos Municípios há de se fazer,
portanto, ao Tribunal de Contas do Estado e não à Assembléia Legislativa do mesmo
Estado.
Com essas singelas considerações, acompanho o voto do ilustre Ministro Relator,
julgando improcedente a presente ação direta, quanto ao art. 92, XXVII, e XXX, e ao art.
122, da Constituição do Estado do Pará.
R.T.J. — 198 483

VOTO
(Sobre o art. 92, incisos XVII e XXX, e o art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Presidente, não estava eu presente à sessão
em que foram concedidas as liminares ora referidas.
Na realidade, embora os tribunais de contas dos municípios não sejam órgãos
auxiliares da Assembléia estadual, mas sim das Câmaras de Vereadores, são eles órgãos
estaduais, e, conseqüentemente, as contas de seus administradores se enquadram no
inciso II do artigo 71 da Constituição.
Assim, também acompanho o eminente Relator, e julgo improcedente a presente
ação quanto aos artigos 92, XXVII e XXX, e 122 da Constituição do Estado do Pará.
EXTRATO DA ATA
ADI 687/PA — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Pará.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 3-2-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 24-2-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 3-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 16-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 25-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 6-4-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 26-5-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 1º-6-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 1º-7-94.
Decisão: Por votação unânime, o Tribunal julgou procedente a ação, para declarar
a inconstitucionalidade dos arts. 60 e 78 e seus §§ 1º e 2º, bem como das expressões “e
do Tribunal de Contas dos Municípios”, contidas, respectivamente, no inciso XXX do
art. 92 e no art. 122, todos da Constituição do Estado do Pará. Também, por unanimidade
de votos, julgou improcedente a ação, para declarar a constitucionalidade do inciso
XXVII do art. 92, e, por maioria de votos, improcedente a ação e constitucional o art. 65,
vencidos os Ministros Moreira Alves e Marco Aurélio, que a julgavam procedente e
inconstitucional o dispositivo impugnado. Votou o Presidente. O Ministro Sydney
Sanches esteve ausente, ocasionalmente, na votação dos incisos XXVII e XXX do art. 92
484 R.T.J. — 198

e do art. 122. Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, na


ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.
Presidência do Ministro Octavio Gallotti. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek e Maurício Corrêa. Procurador-
Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.
Brasília, 2 de fevereiro de 1995 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CAUTELAR 731 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Requerentes: Reckitt Benckiser (Brasil) Ltda. e outro — Requerida: União
Ação cautelar — Liminar — Recurso extraordinário — Eficácia
suspensiva. Se a matéria versada no extraordinário está submetida ao
crivo do Tribunal, com julgamento iniciado no Plenário, cabe emprestar
ao recurso interposto, veiculando-a, eficácia suspensiva.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,
referendar a decisão do Relator na ação cautelar.
Brasília, 3 de maio de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis o teor da decisão mediante a qual emprestei
efeito suspensivo ao recurso extraordinário:
PIS — Base de incidência — Faturamento — Recurso
Extraordinário n. 346.084/PR — Julgamento não completado
pelo Pleno — Recurso extraordinário — Eficácia suspensiva.
1. Esta ação cautelar visa a emprestar eficácia suspensiva — ou tríplice
efeito — ao recurso extraordinário interposto pelas autoras. Consigna-se que, em
mandado de segurança, foi concedida medida acauteladora, vindo a implementar-
se parcialmente a ordem. Interposta apelação, foi provida, juntamente com a
remessa obrigatória, sendo desprovida a apelação das ora autoras. Alude-se à
questão relativa à incidência do PIS, ou seja, a substituição do faturamento pela
receita das requerentes, afirmando-se que o tema vem sendo apreciado pelo Plenário
no julgamento do Recurso Extraordinário n. 346.084/PR.
R.T.J. — 198 485

2. Repetem-se as ações cautelares sobre a matéria e, invariavelmente, tem-se


deferido tutela com a finalidade de, emprestando-se o efeito suspensivo a recurso
extraordinário, aguardar-se o término do exame do Plenário. É o que faço neste
momento no tocante ao recurso extraordinário admitido na origem, submetendo o
ato ao referendo da Turma.
3. Comunique-se, citando-se a União.
4. Publique-se.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Proponho o referendo da Turma à mencio-
nada decisão.

EXTRATO DA ATA
AC 731-MC/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerentes: Reckitt
Benckiser (Brasil) Ltda. e outro (Advogados: Helenilson Cunha Pontes e outro e Paula
Negro Prudente de Aquino). Requerida: União (Advogada: PFN – Cinthia Yumi
Maruyama Ledesma).
Decisão: A Turma referendou a decisão do Relator na ação cautelar. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 3 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR 865 — MT

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Agravante: Paulo Luiz de Moraes — Agravado: Stoessel Santos
Competência. Ação ou medida cautelar. Atribuição de efeito
suspensivo a recurso extraordinário. Recurso não admitido na origem.
Interposição de agravo de instrumento ainda não julgado. Agravo que
ainda nem subiu ao STF. Causa da competência do Presidente do Tribunal
local, não do Supremo. Agravo regimental improvido. Aplicação das
Súmulas 634 e 635. Não é da competência do Supremo, mas do Presidente
do Tribunal local, ação ou pedido de medida cautelar tendente a obter
efeito suspensivo para recurso extraordinário não admitido na origem, e
cuja decisão de inadmissibilidade é objeto de agravo de instrumento
ainda não julgado.
486 R.T.J. — 198

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos termos do voto do Relator.
Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra
decisão proferida pela Min. Ellen Gracie quando no exercício da Presidência da Corte,
do seguinte teor:
“1. Trata-se de ação cautelar, com pedido de medida liminar, que busca dar
efeito suspensivo ‘ao recurso de agravo e extraordinário, aquele interposto em face
do acórdão denegando a subida do RE, e este interposto em face do acórdão
proferido pelo E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso nos autos de Recurso de
Apelação 35348/2004’ (fl. 2).
Na origem, o requerido ajuizou contra o requerente ação de execução por
título extrajudicial (nota promissória). O requerente opôs embargos à execução,
sob o argumento de quitação do débito e excesso de juros — agiotagem.
O juiz da 20ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá julgou improcedentes os
pedidos formulados pelo requerente (fls. 350/354).
A apelação foi improvida (fls. 61/66), por não estar configurado o cercea-
mento de defesa e pelo fato de os ‘documentos unilaterais e pretendida requisição
de documentos que deviam ter sido providenciados pela parte, por serem do seu
interesse pessoal, não se prestam para tal’ (fl. 61).
O RE foi denegado (fls. 77/83), e aqui o requerente intenta efeito suspensivo
ao recurso de agravo (fls. 27/49).
Sustenta que solicitou ao juiz e ao Tribunal que se requisitassem à agência
bancária os dados do correntista-requerido, pedido esse não atendido, o que veio a
cercear-lhe o direito à defesa, ensejando o deferimento desta cautelar.
Alega presentes o periculum in mora, em face da penhora dos semoventes de
sua propriedade, que são ‘fonte de renda para o sustento próprio e familiar, uma vez
que é pecuarista’ (fl. 19), bem como o fumus boni iuris, em razão do cerceamento
de defesa.
2. Pretende o requerente, na verdade, atribuir efeito suspensivo ao agravo de
instrumento de decisão denegatória do RE por ele interposto. Todavia, esta Corte
firmou o entendimento de que a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal
somente estará firmada com a admissão do recurso extraordinário.
Segundo essa mesma jurisprudência, a interposição do agravo de instrumento,
por si só, não é capaz de instaurar a referida jurisdição. Nesse sentido, vejam-se,
R.T.J. — 198 487

como exemplo, a AC 741, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 2-5-2005; a AC 144,


Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 2-2-2004; e a Pet 2.835-QO, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 11-4-03, que possui a seguinte ementa:
‘Medida cautelar — Recurso extraordinário não admitido —
Interposição de agravo de instrumento — Pretendida outorga, ao recurso
de agravo, de eficácia suspensiva — Inadmissibilidade — Procedimento
extinto — Decisão referendada. Não se revela cabível, em sede de medida
cautelar, a outorga de eficácia suspensiva a agravo de instrumento interposto
contra decisão que não admitiu recurso extraordinário deduzido pela parte
interessada, eis que, nesse tema, só se reputa viável a concessão de efeito
suspensivo, se e quando — além de outros pressupostos (RTJ 174/437-
438) — existir juízo positivo de admissibilidade concernente ao apelo
extremo, cuja prolação faz instaurar a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal
Federal. Precedentes. (...)’.
Ressalto, ainda, em conformidade com o entendimento aqui exposto, que,
não tendo sido admitido o extraordinário, apenas o provimento do agravo — e não
apenas sua interposição e vinda a esta Corte — submeterá aquele apelo extremo ou
eventual pedido cautelar a ele incidental ao julgamento deste Tribunal, hipótese
ainda inviável.
Por fim, destaco que, no julgamento da Pet 1.903-AgR, Rel. Min. Néri da
Silveira, Plenário, e da Pet 1.872, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, ficou
assentado que, até o momento da admissão do RE na origem ou até que ocorra o
provimento do agravo interposto do seu indeferimento, ‘só o Presidente do Tribu-
nal a quo detém competência para conferir efeito suspensivo ao recurso’ (Pet
2.934-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 4-6-2003).
3. Diante dessas razões, nego seguimento à presente medida cautelar, ficando
prejudicado o exame do pedido de liminar.
Publique-se.
Brasília, 14 de julho de 2005” (fls. 390/391).
Requer o agravante seja provido o regimental, para conferir efeito suspensivo ao
agravo de instrumento e ao recurso extraordinário, argumentando que competiria, sim, a
esta Corte apreciar pedidos de antecipação da tutela recursal, independentemente do
juízo positivo de admissibilidade da impugnação (fls. 397/407).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.
Conforme tenho decidido, “é hoje o objeto das Súmulas 634 e 635 a orientação de
que esta Corte ganha competência para apreciar pedido de tutela cautelar tendente a
atribuir efeito suspensivo a recurso extraordinário, apenas desde quando seja este
admitido, quer pelo Presidente do tribunal a quo, quer por provimento a agravo contra
decisão que o não haja admitido na origem. Antes dessa condição, ou sem ela, de
488 R.T.J. — 198

nenhum modo a causa se submete à jurisdição desta Casa, que não pode, pois, conhe-
cer-lhe de medida cautelar incidental ou preparatória” (AC n. 491, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJ de 22-11-2004).
No caso, o Supremo Tribunal Federal não tem ainda competência para apreciar o
pedido de suspensão dos efeitos do acórdão impugnado no tribunal a quo. E não o tem,
assim porque o recurso extraordinário não foi admitido pelo Presidente do Superior
Tribunal de Justiça, como porque o agravo de instrumento tirado dessa decisão de
inadmissibilidade não foi nem poderia ter sido provido à míngua dos autos, que sequer
subiram a esta Corte.
Dessa forma, nos termos das Súmulas 634 e 635, não compete a esta Casa, mas, sim,
ao Tribunal de origem conhecer do pedido cautelar (Pet n. 2.934-MC, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 4-6-2003).
2. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AC 865-AgR/MT — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Paulo Luiz de
Moraes (Advogada: Suzana Cristina Figueiredo Moraes). Agravado: Stoessel Santos
(Advogado: Carlos Roberto Santos).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos
termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

INQUÉRITO 1.326 — RO

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Autor: Ministério Público Federal — Denunciado: José Mohamede Janene
1. Prescrição criminal. Prazo. Pretensão punitiva. Denúncia contra
Deputado Federal. Oferecimento durante a vigência da redação original
do art. 53 da Constituição da República. Solicitação de licença à Câmara
dos Deputados e sobrestamento do feito. Despacho do Ministro Relator.
Suspensão do curso da prescrição. Demora na apreciação do pedido por
falta de cópias do inquérito. Irrelevância. Licença indeferida. Impedimen-
to jurídico ao curso do processo penal. Suficiência. Superveniência da
Emenda Constitucional n. 35/2001. Retomada do fluxo do prazo. Prescri-
R.T.J. — 198 489

ção não consumada da ação penal. Preliminar repelida. Até o advento da


Emenda Constitucional n. 35/2001, reputava-se suspenso o curso da pres-
crição da pretensão punitiva desde a data do despacho do Ministro
Relator que solicitava licença para instauração de ação penal contra
membro do Congresso Nacional.
2. Ação penal. Propositura contra Deputado Federal. Crime de
corrupção ativa, em concurso de pessoas. Materialidade comprovada. Indí-
cios suficientes de autoria. Art. 333, cc. art. 29, ambos do CP. Descrição do
fato correspondente ao tipo penal. Denúncia apta. Elemento subjetivo do
tipo. Impossibilidade de análise prévia. Matéria por apreciar no curso da
instrução. Denúncia recebida. Aplicação do art. 41 do CPP. Se a denúncia,
alicerçada em elementos do inquérito, contém a descrição clara e objetiva
do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a classificação do
delito, possibilitando a ampla defesa do réu, deve ser recebida, sem prejuízo
da apuração do elemento subjetivo do tipo no curso da ação penal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, afastar
a alegação de prescrição. Em seguida, também por votação unânime, receber a denúncia,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso.
Falou pelo denunciado o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira.
Brasília, 3 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de inquérito originário do Estado de
Rondônia, instaurado para a apuração de crime de corrupção ativa (art. 333 do Código
Penal).
Da denúncia, oferecida ao Juízo da Vara Criminal da comarca de Rolim de Moura/
RO e por este recebida em 19 de março de 1996, constavam como acusados Cícero
Sérgio Lopes, José Aurélio Barcellos e José Mohamede Janene. Este, entretanto, fora
eleito Deputado Federal para exercer a 50ª Legislatura (1995-1999), com posse em 1º de
fevereiro de 1995.
Em sede de correição, os autos foram remetidos a esta Corte, conforme despacho
exarado em 4-8-1997:
“Tendo em vista a certidão de fls. 124-verso, e considerando o disposto no
art. 102, inciso I, alínea b, da Constituição Federal, declino a competência e
determino a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, independente do
retorno da precatória de fl. 127, que nem deveria ter sido expedida.” (Fl. 128).
Autuado aqui como inquérito, determinou-se vista ao Procurador-Geral da Repú-
blica, que ofereceu nova denúncia em 19 de outubro de 2000 (fls. 134/137 e 158/160).
490 R.T.J. — 198

O então Relator, Min. Sydney Sanches, ante o disposto na primitiva redação dos
§§ 1º e 2º do art. 53 da Constituição Federal, solicitou licença à Câmara dos Deputados
para submeter a inicial à apreciação do Plenário.
Ordenou, ainda, a suspensão do curso do prazo prescricional em relação ao parla-
mentar federal e o desmembramento do feito, com a remessa de cópia dos autos à origem
(Vara Criminal da comarca de Rolim de Moura/RO), para prosseguimento da causa
contra os demais acusados.
Ante a publicação da Emenda Constitucional n. 35, que deu nova redação ao art.
53 da Constituição Federal, manifestou-se o Procurador-Geral da República, nestes
termos:
“Parece-nos que a Emenda Constitucional publicada em 21.12.2001 não
operou profundas modificações no sistema de inviolabilidades e imunidades dos
Senhores Parlamentares. Antes, por exemplo, a inicial acusatória era recebida tão-
só nos efeitos mecânicos por assim dizer, ficando a denúncia sobrestada nos seus
efeitos jurídicos, até que fosse dada autorização ao S.T.F., pelas casas legislativas,
para que o processo prosseguisse.
Agora, o recebimento da denúncia é feito plenamente pelo Supremo Tribu-
nal Federal, cabendo, portanto, à Casa Legislativa, caso assim entenda, sustar o
andamento da ação.
Inverte-se, como se vê, a ordem procedimental.
Desse modo, data máxima vênia, deverá esse Augusto Pretório encaminhar a
incoativa e recebê-la ou rejeitá-la comunicando o fato à Casa Legislativa respecti-
va, que poderá sustar a ação se proposta ou deixá-la prosseguir, como já dito” (fls.
158/160).
Em nova conclusão, decidiu o Min. Sydney Sanches:
“Em face do que consta à fl. 167, é nula a denúncia de fls. 2/6, enquanto
oferecida contra José Mohamede Janene, que, à época, já era Deputado Federal,
com foro nesta Corte, não podendo, pois, ser denunciado, em outra instância, pelo
Ministério Público de Rondônia.
Nulo, também, em conseqüência, seu recebimento por Juiz de 1º grau (fl.
89v).
Foi ela, porém, oferecida novamente, perante esta Corte, pela Procuradoria-
Geral da República (fls. 134/137 e 158/160).
Notifique-se, pois, o denunciado José Mohamede Janene (Deputado Fe-
deral), nos endereços constantes dos autos, com cópias de tais peças (fls. 134/137
e 158/160), para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias (art. 4º da Lei 8.038,
de 28-5-90).
Deixo esclarecido que a denúncia da PGR, contra Cícero Sérgio Lopes e José
Aurélio Barcellos, está prejudicada pela decisão de fl. 138v, que determinou o
desdobramento do processo contra esses réus, para que se prossiga quanto a eles,
no que foi instaurado em primeira instância, no estágio em que se encontrava
quando subiram os autos a esta Corte (v. fls. 2/128)” (fl. 169).
R.T.J. — 198 491

Em resposta prévia, o denunciado José Janene aduz que: “i) não havia processo de
cassação contra o Prefeito de Rolim Amaro; ii) o advogado preso jamais prestou qual-
quer serviço à empresa Eletrojan ou ao requerente; iii) não houve solicitação, por parte
do causídico ao Requerente, de qualquer quantia em dinheiro, aliás, o Dr. José Aurélio
Barcellos é pessoa completamente desconhecida do ora indiciado; iv) a prisão, conforme
referido, está documentada, presume-se, com efeito, que tenha ocorrido e, v) finalmente,
apesar do preso ter afirmado falsamente que recebera o dinheiro do Requerente, disse,
também, não lhe informou qual seria sua destinação específica” (fl. 227).
Requer, por fim, a rejeição da denúncia, com base na primeira parte do art. 41 e no
inc. I do art. 43, ambos do Código de Processo Penal (fl. 229).
O Ministério Público Federal é pelo recebimento da denúncia, haja vista “a
apreensão da importância oferecida como prova do crime de corrupção (fl. 16), restando,
dessa forma, infundadas as alegações da defesa” (fl. 235).
Submeto a denúncia à apreciação deste Plenário, na forma e para os fins do art. 6º
da Lei n. 8.038/90.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com a diplomação do Deputado José
Mohamede Janene, em 13 de dezembro de 1994, firmou-se a competência originária
absoluta desta Corte, por prerrogativa de função, para cognição da denúncia.
O recebimento da denúncia por órgão absolutamente incompetente não inter-
rompe o curso da prescrição da pretensão punitiva (art. 117, inc. I, do Código Penal), de
modo que apenas o recebimento válido, por autoridade competente, tem força bastante
para o interromper, como, aliás, já esclareceu o Plenário na decisão do Inq n. 1.544-QO
(Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14-12-2001):
“Denúncia contra Deputado Federal recebida por Tribunal Regional
Federal — Incompetência absoluta desse órgão judiciário — Nulidade —
Inocorrência de interrupção da prescrição penal — Consumação do lapso
prescricional — Extinção da punibilidade.
O respeito ao princípio do Juiz Natural — que se impõe à observância dos
órgãos do Poder Judiciário — traduz indisponível garantia constitucional outor-
gada a qualquer acusado, em sede penal.
O Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos membros do
Congresso Nacional (RTJ 137/570 — RTJ 151/402), quaisquer que sejam as
infrações penais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de simples
ilícitos contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à competência
dos ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 — RTJ 166/785-786).
Precedentes.
Somente o Supremo Tribunal Federal, em sua condição de juiz natural
dos membros do Congresso Nacional, pode receber denúncia contra estes
formuladas.
492 R.T.J. — 198

A decisão emanada de qualquer outro Tribunal judiciário, que implique


recebimento de denúncia formulada contra membro do Congresso Nacional, re-
veste-se de nulidade, pois, no sistema jurídico brasileiro, somente o Supremo
Tribunal Federal dispõe dessa especial competência, considerada a sua qualifica-
ção constitucional como juiz natural de Deputados Federais e Senadores da
República, nas hipóteses de ilícitos penais comuns. Precedentes.
O recebimento da denúncia, por órgão judiciário absolutamente incom-
petente, não interrompe a prescrição penal.
O recebimento da denúncia, quando efetuado por órgão judiciário incompe-
tente, não se reveste de eficácia interruptiva da prescrição penal, eis que decisão
nula não pode gerar a conseqüência jurídica a que se refere o art. 117, I, do Código
Penal. Precedentes. Doutrina”.
O termo inicial do lapso prescricional é o dia 30 de novembro de 1992, data em que
o crime se teria consumado (fls. 134/137).
A prescrição da pretensão punitiva do Estado, antes de transitar em julgado a
sentença final, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao
crime, que, em relação ao art. 333 do Código Penal, era de 8 (oito) anos de reclusão,
consoante a redação original dessa norma. No caso, pois, a prescrição consumar-se-ia em
12 (doze) anos.
Mas interveio causa de suspensão do lapso prescricional, segundo o disposto na
primitiva redação do art. 53 da Constituição Federal:
“Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e
votos.
§ 1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados
criminalmente sem prévia licença de sua Casa.
§ 2º O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação
suspende a prescrição enquanto durar o mandato.
(...)” (Grifei)
Os precedentes da Corte, sob a vigência dessa norma, eram no sentido de que o
termo inicial da suspensão do lapso prescricional se operava com o despacho de
solicitação da licença e conseqüente sobrestamento do feito (Cf. Inq-QO n. 242, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 27-10-1994).
Aplicava-se tal entendimento, segundo o Plenário da Corte, tanto nas hipóteses de
indeferimento da licença para o processo quanto naquelas em que a casa legislativa
respectiva se quedasse inerte (Cf. Inq-QO n. 457, Rel. para o acórdão Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 6-8-1993).
No caso, a Câmara dos Deputados indeferiu o pedido de licença prévia formulado
por esta Corte, para apreciar a denúncia oferecida contra o Deputado José Janene, em 21
de agosto de 2001 (fl. 422).
Ocorre, entretanto, que o curso da prescrição já se encontrava suspenso desde o dia
24 de outubro de 2000, por força da decisão do então Relator Min. Sydney Sanches:
R.T.J. — 198 493

“1. Solicite-se prévia licença à Câmara dos Deputados, em face da denún-


cia contra o Deputado Federal José Mohamede Janene, ficando, com relação a
este, suspenso o curso do prazo prescricional (art. 53, parágrafos 1º e 2º, da CF).
Oficie-se.
2. Diante do que ficou decidido em Questões de Ordem nos Inquéritos n. 559
e 242, pelo Plenário do STF, determino o desmembramento do processo e a
remessa de cópias de todas as peças destes autos, à Vara Criminal da Comarca de
Rolim de Moura, Estado de Rondônia, para o prosseguimento do feito quanto aos
réus Cícero Sérgio Lopes e José Aurélio Barcellos (fls. 2/6 e seguintes).
3. Publique-se e int.” (Fls. 138/139 — grifei).
Ora, a causa suspensiva da prescrição em apreço justifica-se pelo impedimento
direto que exerce sob o regular trâmite da ação penal. Evidente, pois, a impossibilidade
do exercício jurisdicional entre a decisão supra e a resolução que indeferiu o pedido de
licença prévia.
Essa questão, referente ao momento em que se deve reputar suspenso o curso da
prescrição, à luz do antigo § 2º do art. 53 da Constituição Federal, foi exaustivamente
debatida no julgamento do HC n. 457 (Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence).
Na oportunidade, três posições foram objeto de discussão. A primeira, defendida
pelo Min. Carlos Velloso, foi no sentido de que “se considerasse suspensa a prescrição
a contar do dia em que a Câmara recebesse o ofício solicitando a licença”.
A segunda, partida do Min. Marco Aurélio, era que “só se poderia reputar
suspensa a prescrição, por ausência de deliberação, quando caracterizado o retarda-
mento indevido do procedimento parlamentar respectivo”.
A este fundamento é que se atém a defesa, alegando que, como a Câmara dos
Deputados teria ficado impossibilitada de deliberar sobre a imunidade formal, sem
conhecer o inteiro teor dos autos do inquérito, não haveria falar em indevido retarda-
mento. Logo, a suspensão da prescrição deveria dar-se apenas na data em que esta Corte
enviou as cópias solicitadas (29-3-2001).
Mas, naquele julgamento, terceira posição foi sustentada pelo Min. Sepúlveda
Pertence, que entendia que “o prazo prescricional deveria ser suspenso a partir da
data do despacho que solicitava licença para processar o parlamentar”.
A racionalidade dessa postura estava em que as causas suspensivas da prescrição
são explicadas pelo impedimento que acarretam, no exercício da ação penal, à seqüên-
cia do processo ou à execução da pena. De modo que, independentemente da possibili-
dade de a casa parlamentar deliberar, ou não, sobre a imunidade, o fato é que não se
podia ter dado seqüência ao processo nesta Corte. A suspensão da prescrição está ligada
à impossibilidade de trâmite do feito. Noutras palavras, “a suspensão da prescrição se
dá onde existe impedimento do exercício jurisdicional”.
O Plenário desta Corte, no citado julgamento do HC n. 457 (Rel. p/ o ac. Min.
Sepúlveda Pertence), decidiu, à luz do antigo § 2º do art. 53 da Constituição, que o
termo inicial da suspensão da prescrição se daria nas hipóteses de indeferimento da
licença ou de ausência de deliberação da casa respectiva:
494 R.T.J. — 198

“Ementa: Imunidade parlamentar: suspensão da prescrição na hipótese de


indeferimento da licença para o processo ou de ausência de deliberação a respeito:
termo inicial: despacho de solicitação da licença e conseqüente sobrestamento do
feito.
A suspensão da prescrição da pretensão punitiva contra o parlamentar, deter-
minada pelo art. 53, §2º, da Constituição, para as hipóteses de indeferimento da
licença para o processo ou de ausência de deliberação a respeito, não tem o caráter
de sanção: resulta unicamente — como é da natureza do instituto — do conse-
qüente empecilho ao exercício da jurisdição, que se manifesta desde quando se faça
necessário paralisar o procedimento e aguardar a deliberação do Parlamento ou, no
caso de deliberação negativa, o término, com o fim do mandato, da imunidade
processual do acusado.
Conseqüentemente, o termo inicial da suspensão da prescrição é o momento
em que, reconhecendo-a necessária, o relator determina a solicitação da licença
com o conseqüente sobrestamento”.
Colhe-se do voto condutor:
“(...)
As causas suspensivas da prescrição são costumeiramente explicadas pelo
impedimento que acarretam ao exercício da ação penal, à seqüência do processo
ou à execução da pena.
(...)
Entre nós, por isso, Rodrigues Porto (Da Prescrição Penal, 1957, p. 87) opõe
a suspensão da prescrição, que se dá onde ‘existe impedimento do exercício
jurisdicional’, à interrupção, que, ao contrário, ‘resulta exatamente daquele efeti-
vo exercício’.
(...)
O decisivo, porém, é que a Constituição vigente — embora restabelecendo a
exigência da licença prévia, de tradição republicana — não só acolheu mas
radicalizou os termos da construção pretoriana sob o regime anterior para dispor:
‘Art. 53 (...)
§ 2º O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação
suspende a prescrição enquanto durar o mandato.’
Rendeu-se, pois, a Constituinte ao embasamento lógico-jurídico e às inspira-
ções éticas subjacentes à orientação precedentemente tomada pelo Supremo, ao
final do regime decaído.
De fato, no plano lógico-jurídico, o efeito suspensivo da prescrição empres-
tado à negativa da licença ou a ausência de deliberação a respeito se explica por
constituírem ambas as hipóteses, a exemplo da pendência da questão prejudicial
objeto de processo diverso, impedimentos de jure ao curso do processo penal,
irremovível ou de remoção sujeita a decisão alheia.
(...)
R.T.J. — 198 495

À vista daquele embasamento lógico e dessa inspiração ética — fontes


materiais da norma constitucional do art. 53, § 2º — é que, a meu ver, há de ser
resolvida a vexata quaestio da fixação do termo inicial da suspensão da prescrição,
na hipótese de ausência de deliberação da Câmara competente.
Certo, a letra do dispositivo constitucional, por si só, inclinaria o exegeta ao
entendimento esposado pelo eminente Ministro Marco Aurélio: de fato, se a
suspensão ocorre desde o pedido de licença, dizer que igualmente a acarreta a
negativa da mesma licença, fato necessariamente posterior, parece inócuo.
Não obstante, protrair o início da suspensão para momento posterior ao
pedido é abstrair-se dos fundamentos da regra cuja interpretação se controverte.
(...)
A suspensão, pela falta de deliberação sobre o pedido ou pela decisão
parlamentar que indefere a licença não tem, pois, caráter de sanção nem contra o
acusado, nem menos ainda contra a sua Câmara: resulta unicamente do conseqüente
empecilho ao exercício da jurisdição, que se manifesta desde quando se faça
necessário paralisar o procedimento e aguardar, desde o início, a deliberação do
Parlamento ou, no caso de deliberação negativa, o término, com o fim do mandato,
dos efeitos da imunidade processual do acusado.
Se a suspensão da prescrição resulta do impedimento ao curso do procedi-
mento penal derivado da necessidade da licença prévia da Câmara, o início e a
duração daquela hão de coincidir com os deste. Começa, pois, a suspensão da
prescrição no exato momento em que, reconhecendo-a necessária, o Relator deter-
mine a solicitação da licença com o conseqüente sobrestamento do feito.
Ao contrário do Relator, sequer exijo, portanto, a recepção pela Câmara do
pedido do Tribunal: a suspensão da prescrição, repito, não resulta de mora da
deliberação do Legislativo, mas da suspensão do procedimento penal, que a
necessidade da solicitação desde logo acarreta e dura, desde então, até a remoção
do obstáculo, seja pela concessão de licença, seja pelo término da imunidade
processual do acusado.
Nessa perspectiva, compreende-se a alusão do preceito constitucional invo-
cado ao indeferimento do pedido de licença: embora, no ponto, a redação se possa
reputar tecnicamente defeituosa, ela visou a tornar explícito que a denegação da
licença não altera o status quo ante, ou seja, que a prescrição, suspensa desde a
decisão judicial de sobrestamento do feito, para aguardar a licença, segue, sem
solução de continuidade, após deliberação parlamentar denegatória da autoriza-
ção solicitada”.
O curso da prescrição penal, portanto, ficou suspenso do dia 24 de outubro de 2000
(fls. 138-139), até a publicação da Emenda Constitucional n. 35, de 21 de dezembro de
2001, que deu nova redação àquele texto:
“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quais-
quer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão subme-
tidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
496 R.T.J. — 198

(...)
§ 3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva,
que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de
seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
(...)
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”.
Com tal alteração, o estatuto dos congressistas sofreu mudanças significativas,
dentre as quais relevo a abolição da exigência de licença prévia da Casa Legislativa para
a instauração de ação penal contra Deputados ou Senadores, por fatos não abrangidos
pela imunidade material.
Diante da publicação da Emenda Constitucional n. 35 (21 de dezembro de 2001),
o prazo prescricional retomou seu curso, como já decidiu o Plenário desta Corte, no
julgamento do Inq n. 1.566 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-2002):
“Imunidade parlamentar: abolição da licença prévia pela EC 35/01:
aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição.
1. A licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de processo
penal contra os membros do Congresso Nacional, como exigida pelo texto origi-
nário do art. 53, §1º, da Constituição configurava condição de procedibilidade,
instituto de natureza processual, a qual, enquanto não implementada, representava
empecilho ao exercício da jurisdição sobre o fato e acarretava, por conseguinte, a
suspensão do curso da prescrição, conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei
Fundamental.
2. Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição
pela EC 35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso do processo é de
aplicabilidade imediata, independentemente da indagação sobre a eficácia tempo-
ral das emendas à Constituição: em conseqüência, desde a publicação da EC 35/
01, tornou-se prejudicado o pedido de licença pendente de apreciação pela Câmara
competente ou sem efeito a sua denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o
feito do ponto em que paralisado.
3. Da remoção do empecilho à instauração ou à seqüência do processo contra
o membro do Congresso Nacional, decorre retomar o seu curso desde a publicação
da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa”.
Em resumo, o curso da prescrição iniciou-se com a hipotética consumação do
delito no dia 30 de novembro de 1992, até ser suspenso no dia 24 de outubro de 2000,
por força da decisão do Min. Sydney Sanches.
Retomou seu fluxo no dia 21 de dezembro de 2001, com a publicação da Emenda
Constitucional n. 35 e, desde então, corre em favor do parlamentar denunciado.
Nos termos do inc. III do art. 109 do Código Penal, a prescrição penal in abstracto
consuma-se em 12 (doze) anos, os quais, tendo por marco inicial a data de 30 de
novembro de 1992 (dia em que se teria dado o crime), alcançariam seu termo final em 29
de novembro de 2004.
R.T.J. — 198 497

Mas, com acrescentar o período de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 27 (vinte e sete) dias,
referente ao interregno em que o curso prescricional permaneceu suspenso, tenho que a
nova data para consumação da prescrição da pretensão punitiva será o dia 26 de janeiro
de 2006.
Não se operou, portanto, a prescrição penal in abstracto.
2. Analiso a denúncia.
O Deputado Federal José Mohamede Janene foi denunciado pela prática do crime
de corrupção ativa, em concurso de pessoas (art. 333, c/c o art. 29, ambos do Código
Penal).
O tipo objetivo tem por núcleo os verbos oferecer e prometer vantagem indevida.
“O primeiro verbo indica a apresentação desta; é ela posta à disposição do funcioná-
rio. Prometer é obrigar-se, exigindo por isso ação complementar ou futura. Há perfeito
paralelismo com as ações declinadas no art. 317: solicitar ou receber, e aceitar
promessa de vantagem. Conseqüentemente, quer oferecendo, quer prometendo o pro-
veito, comete o extraneus o delito”1.
Já o elemento subjetivo, leciona Nelson Hungria, é representado pelo “dolo
genérico (vontade livremente dirigida à oferta ou promessa da vantagem que se sabe
indevida) e específico (fim de determinar o funcionário público a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício)”2. Adotada a teoria finalista da ação, é correto afirmar que o crime
é doloso, e o tipo encerra elemento subjetivo consistente em agir para determinar o
funcionário a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. O objeto material da conduta é a
vantagem indevida, podendo o agente valer-se de interposta pessoa para corromper o
funcionário ou o agente político.
Nos termos da denúncia, “no mês de novembro de 1992 o então Prefeito Munici-
pal de Rolim de Moura, RO, José Joacil Guimarães estava sendo processado pela
Câmara dos Vereadores pela prática de infração político-administrativa por estar
mancomunado com a empresa Eletrojan – Iluminação e Eletricidade Ltda., no
superfaturamento da iluminação pública da Avenida 25 de agosto desta cidade”.
O denunciado, na condição de sócio e gerente da empresa Eletrojan, teria
enviado, por intermédio do seu advogado José Aurélio Barcellos, a quantia de Cr$
40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzeiros), a título de vantagem indevida, aos
vereadores, para influenciá-los a votarem contra a cassação do Prefeito Municipal.
Teria, ainda, prometido outra parcela, de igual valor, por entregar em 20 de dezembro
de 1992.
A descrição encontra reflexo nos autos de inquérito, como se vê ao auto de prisão
em flagrante (fl. 5), onde o então advogado da empresa Eletrojan, José Aurélio Barcellos,
preso na oportunidade, informou:

1 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 329.


2 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958. v. IX,
p. 428.
498 R.T.J. — 198

“que a pessoa do vereador Sergio Sequessabe disse ao conduzido que havia


uma maneira de impedir a cassação do Prefeito Municipal; que a conversa foi nos
seguintes termos, com a pessoa de Sérgio dizendo: ‘o prefeito não vai ser cassado de
forma alguma, tem oito vereadores que votam com ele, mas para garantir estes votos e
não haver nenhuma retomada de posição eu quero oitenta milhões, até às 10:30 do
dia 1-12-92, ou seja hoje’; que o ora conduzido retornou a cidade de Ji-Paraná onde
manteve contato com a pessoa proprietário da firma Eletrojam, conhecido pelo
conduzido pelo nome de Ganene; que expôs, digo, que o conduzido disse a essa
pessoa que precisava da soma em dinheiro para acertar a situação com relação
a pessoa do Prefeito Municipal; que o conduzido afirma que normalmente teria
pedido este dinheiro ao Prefeito Municipal, mas como o mesmo não se encontrava
nesta cidade, pediu a importância ao proprietário da firma Eletrojam, ‘para
deixar tudo certinho aqui em Rolim de Moura’, não entrando em detalhes sobre o
uso dessa importância com a pessoa de Ganene; que Ganene remeteu ao conduzido
apenas quarenta milhões de cruzeiros, informando que o restante do dinheiro
remeteria até o dia 20 do mês em curso; que o depoente, digo, que o conduzido
acompanhado com alguns funcionários da firma Eletrojam e seu defensor afim de
proceder a entrega do dinheiro a pessoa do vereador Sergio Sequessabe (...)” (Grifei).
Quanto à ausência do elemento subjetivo do tipo, no caso o dolo de corromper,
invocada pelo denunciado na resposta escrita, tenho que não deva ser objeto de delibe-
ração nesta fase, senão após o encerramento da instrução criminal (cf. Pleno, Inq n.
1.622, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-5-2004).
Basta para o recebimento da denúncia, nos estreitos limites deste juízo de
admissibilidade, que o fato narrado se ajuste a tipo penal abstrato. Magalhães
Noronha3, com apoio em Vincenzo Manzini, ao comentar o art. 43 do Código de
Processo Penal, retrata a doutrina comum:
“O inciso I exige que o fato narrado, na forma do art. 41, tenha tipicidade,
isto é, corresponda ou se subsuma em um tipo da lei penal. Não é mister,
entretanto, que seja provado, pois isso é objeto da instrução. A denúncia é meio
de promoção da ação e ‘Promover la acción penal no significa necesariamente
investir al juez con acto que exija el castigo del imputado, sino simplemente
requerir del juez una decisión ‘positiva’ o también ‘negativa’ sobre la
imputación, o sea, sobre la pretensión punitiva”.
A materialidade do delito está comprovada pela apreensão do valor correspondente
a “quarenta milhões de cruzeiros dispostos em quatro blocos, em notas de cem mil
cruzeiros com a tarja do Banco o Brasil, acondicionados a papel sulfite branco com
fita crepe” (fl. 16).
Argumenta o denunciado, ainda, que “não havia processo de cassação contra o
Prefeito de Rolim de Moura” (fl. 227). Mas a alegação é refutada pelos depoimentos dos
então vereadores José Carlos Rasteiro (fl. 24) e Edson Santana Motta (fl. 25). E consta
dos autos fragmento do periódico O Estadão, que, circulando em Porto Velho/RO, no

3 NORONHA, E. Magalhães, Curso de direito processual penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969.
p. 29.
R.T.J. — 198 499

dia 8 de dezembro de 1992, noticiou providências tomadas pelo prefeito, diante da


decisão da Câmara dos Vereadores que o afastou do cargo (fl. 33).
Não tenho dúvidas acerca da subsunção dos fatos narrados na denúncia ao tipo
penal descrito no art. 333, c/c o art. 29, ambos do Código Penal.
3. Por conseguinte, se a prática delituosa está descrita de modo claro e objetivo na
peça inicial, oferecida, sob forma jurídica, com base em elementos concretos que
demonstram indícios suficientes de autoria e a materialidade do delito, há de ser
recebida a denúncia:
“Se a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos delituosos, vale
dizer, a narrativa do crime em tese, possibilitando citada narrativa a defesa do
acusado, deve ser recebida” (cf. Pleno, Inq n. 1.622, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
de 28-5-2004).
A meu ver, a denúncia está em consonância com o disposto no art. 41 do Código
Penal, por conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a
classificação do delito.
4. Do exposto, recebo a denúncia formulada às fls. 134/137 e 158/160, pela
Procuradoria-Geral da República, contra o Deputado Federal José Mohamede Janene.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para ressaltar que, no caso, o
móvel de se concluir pela suspensão da prescrição é realmente a impossibilidade de se
dar seqüência, em si, à ação penal, impossibilidade decorrente da licença outrora
exigida para se ter a persecução contra o parlamentar.
Fiz os cálculos também, como fez o Relator, e encontrei que, durante um ano, um
mês e vinte e sete dias, a prescrição esteve suspensa. Considerei para tanto a data do
despacho do Relator, sucedido pelos Ministros Sydney Sanches e Cezar Peluso, solici-
tando a licença, e a data da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 35/2001.
Em síntese, se levarmos em conta que o ato teria sido praticado, não afirmo que o foi,
não estou a julgar ainda o fundo da ação penal, em 1º de dezembro de 1992, subtraído
aquele ano, mês e vinte e sete dias, não transcorreu ainda o período alusivo à prescrição,
tendo-se a passagem de onze anos, dez meses e cinco dias, pelos meus cálculos.
Surge a alegação de impedimento por parte do Supremo Tribunal Federal, no que
teria havido atraso no envio de cópia do inquérito à Câmara dos Deputados. Será que
esse atraso é de molde a afastar o fenômeno da suspensão da prescrição? A resposta, para
mim, é negativa.
Considerado que se articula a incursão no artigo 333 do Código Penal, combinado
com o artigo 29, concurso de pessoas, não tenho dúvida quanto à possibilidade de
incidência de um dos parágrafos, posteriormente, do artigo 110 do mesmo Código. Por
ora, entretanto, não posso chegar a essa conclusão, porque a pena não está concretizada.
Deixo de ponderar o que se mostra com prescrição virtual.
Acompanho o Relator.
.
500 R.T.J. — 198

EXTRATO DA ATA
Inq 1.326/RO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Autor: Ministério Público Federal.
Denunciado: José Mohamede Janene (Advogados: Eduardo A. L. Ferrão e outros e Paulo
Roberto Baeta Neves).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, afastou a alegação de prescrição. Em
seguida, também por votação unânime, o Tribunal recebeu a denúncia, nos termos do
voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso. Falou pelo
denunciado o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Velloso. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 3 de novembro 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO INQUÉRITO 1.819 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Agravantes: Laura Carneiro e Luiz Alberto Botelho Salgado — Agravado: Minis-
tério Público Federal
Competência criminal. Inquérito. Parlamentar. Suspeita de envol-
vimento de Deputada Federal. Diligências determinadas. Desmembra-
mento de autos que informaram denúncia contra terceiros sem prerroga-
tiva de foro. Indícios de participação em outros fatos. Incompetência do
Supremo Tribunal Federal para apreciar a denúncia. Competência do
juízo de primeiro. Agravo improvido. Eventual envolvimento de Deputada
Federal nos fatos narrados em denúncia apresentada apenas contra
terceiros, os quais carecem de prerrogativa de foro, não basta para
deslocar a competência dessa possível ação penal para o Supremo,
sobretudo quando, contra aquela, há suspeita de participação noutros
fatos ainda por apurar.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar
provimento aos agravos regimentais, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificada-
mente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente).
Presidiu o julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Brasília, 10 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
R.T.J. — 198 501

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravos regimentais interpostos por
Luis Alberto Botelho Salgado e Maria Laura Monteza de Souza Carneiro, contra
decisão do então Relator, Min. Sydney Sanches, que deferiu os requerimentos do
Procurador-Geral da República às fls. 273-283 e 299-300, quais sejam: i) desmembra-
mento do feito; ii) extração de cópia dos autos e formação de novo instrumento, a fim de
apurar eventual responsabilidade penal da Deputada Federal Laura Carneiro; iii) e, por
fim, o retorno dos autos à origem (5ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do
Estado do Rio de Janeiro), para prosseguimento da causa perante o juízo competente. A
decisão é do seguinte teor:
“Defiro os requerimentos da PGR (fls. 273/283, 299/300) e acolho o parecer
de fls. 349/350. Providencie-se”.
Aduz o agravante Luis Alberto: “Neste caso concreto, considerando ser o Supre-
mo Tribunal Federal o Juízo Natural dos membros do Congresso Nacional (art. 102, I,
b CF/88), é forçoso concluir que falece a competência da Justiça Federal de 1º grau
para prosseguir no controle jurisdicional das investigações, nos exatos termos do
entendimento firmado pelo próprio STF” (fl. 366).
A agravante, Deputada Laura Carneiro, alega: “Parece claro que cindida a investi-
gação, como deferido na decisão agravada, e tendo o Ministério Público ou a Força
Tarefa como sua mais importante testemunha o referido Luiz Etério Ventura (ex-marido
da agravante), a investigação que se fizer na cidade do Rio de Janeiro, por certo, terá
como alvo a agravante que, repita-se, tem prerrogativa constitucional de foro” (fl. 374).
Informa, ainda, a agravante que, “junto dos documentos que a dita Força Tarefa
apreendeu em casa de seu irmão Jorge Miguel, e que estão nos autos, há vários
documentos da agravante. É que Jorge Miguel, além de ser irmão da agravante, sempre
coordenou suas campanhas eleitorais, inclusive a do ano passado” (fl. 374).
Requerem, por fim, ambos os agravantes a reconsideração da decisão agravada ou
a apreciação do agravo pelo Colegiado.
O Ministério Público Federal aduz que, “preliminarmente, não se vislumbra no
caso dos autos hipótese de cabimento do recurso. Com efeito, o inquérito, com as
finalidades que lhe são próprias — apurar a materialidade e colher indícios da autoria
de eventual crime —, não exige, em seu transcurso, a observância do princípio do
contraditório” (fls. 392-399).
No mérito, alega que “in casu, verifica-se possível envolvimento de uma Deputada
Federal, num dos fatos narrados, com diversos outros indiciados que não ostentam foro
privilegiado”. Conclui adiante: “evidencia-se a inviabilidade de processamento e julga-
mento de todos os envolvidos nas fraudes perpetradas nas agências do INSS da cidade do
Rio de Janeiro por essa Excelsa Corte. A insuperável dificuldade advinda da apreciação
dos fatos ocorridos, envolvendo um sem número de funcionários da autarquia
previdenciária, autoriza exceção ao princípio do simultaneus processus” (fl. 395).
Requer, preliminarmente, não sejam conhecidos os agravos regimentais interpos-
tos e, no mérito, é pelo desprovimento dos recursos.
É o relatório.
502 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Afasto a preliminar argüida pela PGR,
pois o objeto dos agravos não versa sobre a incidência do princípio do contraditório no
inquérito, senão sobre a competência desta Corte para processar e julgar os denunciados.
2. Inconseqüentes, no entanto, os agravos.
A suspeita de envolvimento da Deputada Federal Laura Carneiro nos fatos
narrados na denúncia não tem, por si só, força bastante para deslocar a competência de
possível ação penal para esta Corte. É que tal parlamentar não foi denunciada e, pois,
não é parte passiva na causa, de modo que, em relação a esta, a competência era e é do
juízo da 5ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.
O que sucedeu é que, no decorrer das investigações realizadas no curso do inqué-
rito policial, teriam sido apurados indícios de participação daquela agente política, não
apenas nos supostos delitos imputados aos denunciados (quadrilha ou bando, peculato
e inserção de dados falsos em sistema de informações) mas também em eventual “i)
desvio de verbas federais da Cia. Docas do Rio de Janeiro/RJ; ii) recebimento de
valores ilicitamente havidos em razão das fraudes perpetradas nas agências do INSS;
iii) evasão de divisas para contas situadas nos Estados Unidos e paraísos fiscais, como
Luxemburgo e outros; iv) ligação com o narcotráfico do Rio de Janeiro” (fl. 398).
Não há dúvida quanto à competência da Corte para exercer o controle das investi-
gações necessárias à dilucidação da suspeita conseqüente, com base nos indícios de
ilícitos penais que poderiam ter sido cometidos pela Deputada Federal. Mas isso não
exclui a competência do juízo de origem para receber a denúncia e julgar a ação penal
contra aqueloutras pessoas, até porque não se sabe ainda se há fundamento para ação
penal contra a parlamentar e, também, porque parece que os indícios apontariam para
outros ilícitos que não são objeto da peça inicial.
3. Do exposto, nego provimento aos agravos.

EXTRATO DA ATA
Inq 1.819-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Laura Carneiro
(Advogado: José Gerardo Grossi) e Luiz Alberto Botelho Salgado (Advogados: Gui-
lherme Martins Frederico e outro). Agravado: Ministério Público Federal.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos agravos regimen-
tais, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie
e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento o
Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 10 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 198 503

RECLAMAÇÃO 2.224 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Reclamante: União — Reclamada: Juíza Federal da 17ª Vara da Seção Judiciária
de São Paulo — Interessados: PRO-TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consu-
midor e outro
Reclamação: procedência: usurpação da competência do STF (CF,
art. 102, I, a).
Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade
com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o
próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta
de inconstitucionalidade de leis federais, da privativa competência
originária do Supremo Tribunal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a reclamação, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 26 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Reclamação — com pedido de liminar —
contra a tutela antecipada concedida pela Juíza Federal da 17ª Vara da Seção Judiciária
de São Paulo que suspendeu a aplicação do art. 1º da Medida Provisória 14/01, conver-
tida na Lei 10.438/02.
Eis o núcleo da alegação:
“Postos os fatos, a presente reclamação objetiva seja preservada a competência
do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l, CF) para processar e julgar, originaria-
mente, o pedido formulado na Ação Civil Pública n. 2002.61.00.005500-0 (17ª
Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo).”
Deferi a liminar (DJ de 20-2-03) nestes termos:
“É densa a plausibilidade da alegação de que, no caso, o conhecimento da
ação civil pública e o deferimento da antecipação de tutela pelo juízo federal de
primeiro grau usurpa a competência do Supremo Tribunal para o julgamento das
ações diretas de inconstitucionalidade de leis federais.
Ao contrário do que sucedia em outros casos, nos quais aventada alegação
similar (v.g., Rcls 597 e 600, Néri, e 602, Galvão, 3-9-97, Informativo/STF 82), na
espécie, à primeira vista, a argüição de inconstitucionalidade não é questão
prejudicial de pedido de provimento que não se poderia obter na ação direta.
504 R.T.J. — 198

É ver a formulação do pedido — fl. 50:


‘Diante de tudo o quanto se expôs requerem as entidades autoras:
1. seja deferida a liminar nos termos acima expostos:
2. seja julgada procedente a presente demanda para:
a) seja reconhecida para o caso em tela a inconstitucionalidade dos
arts. 1º e 2º, da Medida Provisória 14 e da Resolução 71, da Aneel;
b) seja proibida a cobrança dos adicionais tarifários instituídos com as
normas acima referidas.
c) sejam citadas a União e a Aneel para contestarem a presente deman-
da, no prazo legal.’
Com efeito: a proibição — objeto do item 2, b — parece confundir-se com a
eficácia vinculante erga omnes da decisão que, na ADI, viesse a declarar a
inconstitucionalidade da lei.
Esse o quadro, defiro a liminar para sustar, até que decidida a presente reclama-
ção, a eficácia da decisão reclamada e o curso do processo no qual exarada.”
As informações foram prestadas (fls. 97/107).
O Ministério Público opinou pela procedência da reclamação (fls. 110/116).
Após, o Ministério Público requereu a juntada do parecer confeccionado para a
Rcl 2.286, da Relatoria da em. Min. Ellen Gracie, no qual opinou pela improcedência
da reclamação.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A ADI 2.693, Rel. em. Ministro
Carlos Velloso, impugna a Lei 10.438/02, que resultou da conversão em lei da Medida
Provisória 14/01.
A ação civil pública em questão foi ajuizada antes da conversão e da propositura
da ação direta.
A existência de ação direta não basta — tampouco se alega — ao êxito da
reclamação: é suficiente a esse raciocínio a dissimilitude entre os requerentes da ação
concreta e o da ação abstrata.

II
Pretende-se a extinção — sem o julgamento do mérito — de ação civil pública
ajuizada pela PRO-TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e pelo
IPEG – Instituto Pedra Grande de Preservação Ambiental contra a União e a ANEEL –
Agência Nacional de Energia Elétrica.
Impugna-se a validade do encargo tarifário — ou “seguro anti-apagão” — cobrado
de forma proporcional ao consumo individual verificado e incorporado às contas de luz
de todos os consumidores, exceto aqueles classificados como de baixa-renda.
R.T.J. — 198 505

A inicial da ação civil pública (fls. 17/50) recorda a desestatização do setor


energético, o período da crise energética e os motivos que teriam justificado a Medida
Provisória 14, de 21 de dezembro de 2001.
Daí, segue a tecer considerações sobre os direitos do consumidor (art. 14, Código
de Defesa do Consumidor) e argúi a inconstitucionalidade da Medida Provisória, à luz
do art. 175 da Constituição.
Sobre a constitucionalidade da norma, o Tribunal decidirá quando do julgamento
da ADI 2.693: o que está em causa nesta reclamação é apenas a alegação de usurpação de
competência do Supremo Tribunal Federal, especificamente de sua competência priva-
tiva e originária para julgar a ação direta de inconstitucionalidade que tenha como
parâmetro a Constituição Federal.
No julgamento da Rcl 602 (Ilmar Galvão, DJ de 14-2-03), o Supremo Tribunal
reafirmou a possibilidade da declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade de
lei na decisão de ação civil pública, não obstante os eventuais efeitos erga omnes da
sentença que a julgue procedente.
O caso — como também no precedente — é de ação civil pública para a tutela do
que o Código de Defesa do Consumidor chama “interesses individuais homogêneos”.
Já acentuei (v.g. Rcl 1.017, Pertence, DJ de 3-6-05) que, na complexa convivên-
cia, no Brasil, entre os dois sistemas básicos de controle de normas — o concentrado,
direto e abstrato e o difuso e incidente — não se discute que, nesse último, a questão da
inconstitucionalidade possa traduzir o fundamento principal da causa de pedir de uma
demanda — quiçá o único — sem que isso a confunda com uma ação direta: basta que,
na primeira, se veicule pretensão que, pela via do controle abstrato, seria inadmissível.
Assim, são as ações diretas — a ação direta, a ação declaratória e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental — os meios idôneos a obter, em caráter
principal e não incidente, a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionali-
dade de normas.
Logo, se a argüição de inconstitucionalidade é fundamento de outra pretensão,
que não a declaração da validez ou não da norma abstrata, será o controle incidente e
difuso o meio adequado: é o que já realçara nas mencionadas Reclamações 507, 600 e
602, que também examinaram problemas envolvendo ações cíveis públicas.
O segundo parecer do Ministério Público, que opina pela improcedência desta recla-
mação, invoca como precedentes o decidido nas Rcls 602 (Ilmar Galvão) e 600 (Néri).
Nelas, entretanto, cuidava-se de ações civis públicas propostas por entidades de
defesa do consumidor contra instituições financeiras, postulando a condenação delas ao
crédito de correção monetária que entendia sonegada por força de lei inconstitucional.
No caso presente, ao contrário, a ação civil é proposta contra a União e a Aneel, e
a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa
de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido.
Esse o quadro, julgo procedente a reclamação para cassar a medida liminar conce-
dida e declarar a incompetência do reclamado para processar a ação civil pública em
questão, cujo arquivamento determino: é o meu voto.
506 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, só para registro de uma observação,
este é um caso em que, mesmo se tivéssemos a declaração de inconstitucionalidade
como fundamento, teríamos a dificuldade de convivência dos dois modelos e a tensão
que Vossa Excelência já ressaltou em outra oportunidade, inclusive no julgamento da
ADC n. 1, porque, certamente, extraída a coisa julgada, especialmente ação proposta em
São Paulo — ressalto bem —, teríamos uma repercussão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): Parece-me que não havia
limitação territorial aqui.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas já seria o bastante para mostrar a dificul-
dade de convivência entre esses dois modelos, nessa dimensão. Por isso, tenho resistido
à adoção da jurisprudência assente na Reclamação — não é a hipótese — n. 622.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): Reclamações 597, 600 e
602.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho a impressão de que isso pode provocar, de
fato, impasses significativos. Lembro-me, também, de que, em um caso — salvo engano —
da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, tivemos também essa impugnação cumulada:
ação civil pública, no âmbito do Rio de Janeiro — no caso dos bingos —, e, também,
ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Gostaria apenas de registrar, como nota de pé de página, para que, em outro
momento, pudéssemos voltar a discutir essa questão.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no passado, já sustentei que, em
situações nas quais, de início, entrelaçam-se matérias que, a um só tempo, sugerem o
controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade, não há campo para a
ação civil pública. Sustentei em voto e acabei convencido pelos colegas de que não é bem
assim. O que define realmente a adequação da ação civil pública é o pedido formulado; é
estar tal pedido direcionado à defesa de interesses individuais homogêneos ou interesses
difusos, pouco importando que, para se chegar ao acolhimento do pleito, tenha-se de
declarar incidentalmente — para efeito no caso concreto — a inconstitucionalidade de
certo ato normativo.
Afirmei que, diante dessa aparente confusão sob o ângulo da competência, não se
teria campo para a ação civil pública, mas fui vencido — praticamente de forma isolada —
no Plenário. Depois, refletindo e percebendo o alcance do denominado macroprocesso,
da atividade do Ministério Público no campo da ação civil pública, evoluí para admitir
que não há o prejuízo da ação civil pública quando se tem pleito bem delimitado
circunscrito à proteção visada pela Constituição. Se, para chegar-se ao acolhimento
desse pleito, é preciso averiguar se a lei de regência do tema é harmônica, ou não, com a
Carta Federal, isso é possível.
R.T.J. — 198 507

Creio que o pedido que se formalizou na 17ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo
não se confunde com aquele no qual não se tem o trato de direitos individuais, com o
pedido próprio ao processo objetivo revelado pela ação direta de inconstitucionalidade.
Por isso, peço vênia a Vossa Excelência para julgar improcedente o pleito da
reclamante, a União.
Não reconheço a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, porque
o pronunciamento, afastando a incidência da lei, é restrito e indispensável — entendeu-
se assim — à acolhida do pedido de medida acauteladora na ação civil pública.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): A minha discordância,
naquela época, a sustentar o cabimento, em princípio, da ação civil pública, é porque
havia um pedido condenatório.
Como existia uma série de ações propostas contra todas as instituições financeiras
com sede em São Paulo, tinha-se realmente um efeito multitudinário; não obstante,
haver um pedido condenatório — que não poderia ser feito em ação direta de
inconstitucionalidade —, me parece decisivo.
Aqui, além da declaração de inconstitucionalidade — por isso entendi que se
confundiam as duas ações —, o que se pede é só a proibição de cobrança: ora, a proibição
de cobrança é o efeito vinculante da declaração de inconstitucionalidade in abstrato.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a ação civil pública tem de encerrar um
pedido, que geralmente está voltado, quando se parte para a proteção do consumidor, ao
afastamento de um ato de cobrança. A lei veio e, para não haver essa abrangência maior,
delimitou a eficácia da sentença a ser proferida na ação civil pública à área de jurisdição
do juízo.
Com essa delimitação, se foi formulado, realmente, na ação civil pública, um
pedido abrangente, caberá recurso da parte interessada nesse processo. Não posso, só a
partir da erronia do pedido sob o ângulo do alcance, assentar que estará havendo a
usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, como se houvesse postulado
no juízo algo que é próprio da ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, a declara-
ção de inconstitucionalidade linear, considerado o território nacional, simples declara-
ção de inconstitucionalidade, sem envolvimento de outros interesses do ato normativo.
Por isso, acabei evoluindo. Debateu-se muito essa matéria, penso que foi até na
composição anterior, e se disse que é possível, incidentalmente, declarar a inconstitucio-
nalidade para se acolher o pedido específico, concreto, formulado na ação direta de
inconstitucionalidade. E, aqui, penso que há um pedido concreto, ou seja, o afastamento
da cobrança abusiva no tocante ao consumo de energia elétrica.

EXTRATO DA ATA
Rcl 2.224/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: União (Advo-
gado: Advogado-Geral da União). Reclamada: Juíza Federal da 17ª Vara da Seção
Judiciária de São Paulo. Interessados: PRO-TESTE – Associação Brasileira de Defesa do
Consumidor e outro (Advogados: Flavia Lefèvre Guimarães e outro).
508 R.T.J. — 198

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação, nos termos do


voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Carlos Velloso, Cezar Peluso e, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o
Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Sepúlveda Per-
tence (art. 37, inciso I, do RISTF).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Carlos Britto,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 26 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE 2.551 — MG

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Requerentes: Confederação Nacional do Comércio e outra — Requeridos: Gover-
nador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais
Ação direta de inconstitucionalidade — Taxa de expediente do Estado
de Minas Gerais — DPVAT — Incidência da referida taxa de expediente
sobre as sociedades seguradoras — Alegação de ilegitimidade ativa das
entidades sindicais que fizeram instaurar o processo de fiscalização norma-
tiva abstrata — Inocorrência — Pertinência temática configurada — Ale-
gada utilização do controle normativo abstrato para a defesa de interesses
individuais e concretos — Não-caracterização — Reconhecimento, pelo
Relator da causa, de que se reveste de densidade jurídica a pretensão de
inconstitucionalidade deduzida pelos litisconsortes ativos — Inobser-
vância, na espécie, da relação de razoável equivalência que necessaria-
mente deve haver entre o valor da taxa e o custo do serviço prestado ou
posto à disposição do contribuinte — Ofensa aos princípios constitucio-
nais da não-confiscatoriedade (CF, art. 150, IV) e da proporcionalidade
(CF, art. 5º, LIV) — Entendimento do Relator de que, não obstante confi-
gurado o requisito pertinente à plausibilidade jurídica, não se revela
presente, no caso, o pressuposto do “periculum in mora” — Decisão do
Plenário, no entanto, que reconheceu configurada, na espécie, a situação
caracterizadora do “periculum in mora”, o que o levou a não referendar,
por tal razão, a decisão do Relator — Conseqüente deferimento da medida
cautelar.
Inadequação do controle normativo abstrato para a defesa de inte-
resses individuais e concretos: situação inocorrente na espécie. Conse-
qüente idoneidade jurídica do meio processual utilizado.
R.T.J. — 198 509

— O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como


típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defe-
sa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse
processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da
validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O
exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juri-
dicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de
constitucionalidade.
A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a
controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle
difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso con-
creto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e
legitimidade (CPC, art. 3º).
A garantia constitucional da não-confiscatoriedade.
— O ordenamento constitucional brasileiro, ao definir o estatuto
dos contribuintes, instituiu, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a
ação fiscal dos entes estatais, expressiva garantia de ordem jurídica que
limita, de modo significativo, o poder de tributar de que o Estado se acha
investido. Dentre as garantias constitucionais que protegem o contribuinte,
destaca-se, em face de seu caráter eminente, aquela que proíbe a utiliza-
ção do tributo — de qualquer tributo — com efeito confiscatório (CF, art.
150, IV).
— A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-
confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa
conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do
patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em
função da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existên-
cia digna, ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular
satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.).
— Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucio-
nal do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de
Mello, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da
carga tributária.
Taxa: correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade
estatal.
— A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder
Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve
existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o
valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para
esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo
fixadas em lei.
— Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço
prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma
510 R.T.J. — 198

situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equi-


valência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o
valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a
essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita
no art. 150, IV, da Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina.
Tributação e ofensa ao princípio da proporcionalidade.
— O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode
agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente
condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação mate-
rial à ação normativa do Poder Legislativo.
— O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa
está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamen-
tal, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade,
veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacio-
nado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de
suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria
constitucionalidade material dos atos estatais.
— A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento posi-
tivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de
inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente asse-
gurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta
Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais
excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências
irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
negar referendo ao indeferimento da liminar de Sua Excelência o Ministro Celso de
Mello, Relator, e deferir a medida acauteladora para suspender a eficácia do artigo 16
da Lei n. 13.430, de 28 de dezembro de 1999, que deu nova redação ao artigo 15 da Lei
n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, ambas do Estado de Minas Gerais, vencidos os
Ministros Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa.
Brasília, 2 de abril de 2003 — Celso de Mello, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Submeto, à elevada apreciação do Egrégio Plená-
rio desta Suprema Corte, nos termos do RISTF (art. 21, V), a decisão que, por mim
proferida em 19-12-2002 (último dia do ano judiciário), indeferiu pedido de medida
cautelar formulado nesta sede de controle normativo abstrato.
R.T.J. — 198 511

Eis o teor da decisão ora submetida ao referendo deste colendo Plenário (fls. 703/
727):
“A Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF e a Confedera-
ção Nacional do Comércio – CNC, ambas entidades sindicais de grau superior (CF,
art. 103, IX), ajuízam a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido
de medida cautelar, em que impugnam o art. 16 da Lei n. 13.430, de 28 de
dezembro de 1999, que, editada pelo Estado de Minas Gerais, deu, ao art. 15 da Lei
estadual n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, a seguinte redação (fl. 4):
‘Art. 16. A Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, fica acrescida do
seguinte art. 15:
Art. 15. A taxa de expediente de que trata esta lei será cobrada,
ainda, das sociedades seguradoras beneficiadas, nas seguintes hipóte-
ses:
I - pela emissão das guias de arrecadação do Seguro de
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias
Terrestres – DPVAT;
II - pelo fornecimento dos dados cadastrais dos proprietári-
os de veículos automotores para fins de cobrança do DPVAT;
§ 1º Na hipótese do inciso I, o valor da Taxa de Expediente
será retido na conta do Tesouro Estadual em estabelecimento da
rede bancária para o recolhimento do tributo.
§ 2º É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencio-
nados no inciso II às sociedades seguradoras beneficiadas, sem a
comprovação do pagamento da Taxa de Expediente a que se
refere o caput deste artigo.
§ 3º O valor da Taxa de Expediente previsto no caput deste
artigo será de R$ 10,00 (dez reais) por veículo, e seu custo não
poderá ser acrescido ao valor do DPVAT e não poderá ser repassado
ao contribuinte do IPVA.’
Alega-se, na presente ação direta, em síntese, que ‘a ‘taxa’ de expediente
criada pela legislação impugnada excede de muito o custo do serviço e caracteri-
za-se, assim, como imposto com efeitos de confisco’ (fl. 05 — grifei).
Como suporte de tal argumento, as autoras trazem aos autos pareceres
técnicos sobre os custos dos serviços prestados pelo Estado de Minas Gerais (fls.
111/114, 116/120, 122/143 e 145/154), concluindo, em abono de sua tese, que ‘a
taxa de expediente de R$ 10,00, cuja legislação é ora impugnada, é incompara-
velmente maior do que os custos dos serviços que a ela correspondem’ (fls. 09 e
35/36 — grifei):
‘Ora, os custos relevantes na espécie são ridículos e, mesmo ínfimos,
muito inferiores ao valor da taxa de expediente de R$ 10,00 (dez reais) por
cada veículo.
512 R.T.J. — 198

Como vimos na epígrafe da presente petição inicial, segundo a lição do


eminente Professor Luiz Pereira Calôba, Titular da Escola de Engenharia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Coope e Doutor em Engenharia
pela Universidade da USMG de Grenoble, o custo do serviço do fornecimento
de dados cadastrais não passa de ‘0,000.319 (trezentos e dezenove milionési-
mos de real)’ (nosso o grifo) por veículo cadastrado (doc. n.s. 05 e 05A).
Na verdade, o Professor Calôba em seu Parecer (p. 8/13) (doc. n. 05)
demonstra que o serviço de fornecimento dos dados cadastrais tem o custo
total de materiais de R$ 80,00 (oitenta reais) acrescido do custo de pessoal de
R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais), valor este que, dividido pelo
número de 2.600.000 veículos, resulta no custo de R$ 0,000.319 (trezentos e
dezenove milionésimos de real) por veículo. O custo por veículo ainda
diminui se o número de veículos for maior, pois o valor de R$ 830,00
(oitocentos e trinta reais) terá que ser dividido por um número mais elevado.
O ilustre Professor Rubenildo Pithon de Barros, do Instituto Militar de
Engenharia e Conselheiro e Orientador da Comissão de Ensino do Crea/RJ
concluiu em relação ao referido serviço que ‘por unidade de veículo, o custo
real estimado seria inferior a um milésimo de centavo’ (nosso o grifo)
(doc. n. 06 e 06-A).
Na verdade é inconcebível que, em face do que acima foi provado, o
Estado de Minas Gerais cobre R$ 10,00 (dez reais) por veículo, e isto,
independente de prestação de qualquer outro serviço, como resulta dos
dispositivos legais cuja constitucionalidade é ora impugnada.
Acresce que, também o primeiro dos serviços mencionados na legisla-
ção impugnada, o de ‘(...) emissão das guias de arrecadação de Seguro de
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores — DPVAT — também é
manifestamente exorbitante’.
Efetivamente, o Professor Luiz Calôba alcançou a seguinte conclusão
sobre a matéria, levando em conta a taxa exigida de R$ 10,00 (dez reais):
‘Considerando a execução do serviço do Item I em papel tipo
‘talho doce’ haverá um lucro de 226% (duzentos e vinte e seis por
cento) sobre o valor da execução do serviço, isto é, o preço cobrado
será 3,26 vezes o valor do serviço. No caso do Item I ser executado
utilizando papel comum, haverá um lucro de 835% (oitocentos e trinta
e cinco por cento) sobre o valor da execução do serviço, isto é, o preço
cobrado será 9,35 vezes o valor do serviço. Finalmente, no caso de
apenas o serviço do Item II ser executado, praticamente todo o preço
da execução do serviço é completamente desprezível diante do preço
total cobrado.’
(doc. n. 05, p. 12/13 e 13/13)’ (Grifei)
As entidades sindicais que promovem a presente ação direta sustentam que a
taxa de expediente em causa — considerada a nova hipótese de incidência —
acha-se impregnada de excessiva onerosidade, eis que o seu valor fixo revelar-
R.T.J. — 198 513

se-ia extremamente gravoso em relação à parcela do prêmio do seguro DPVAT


(que é retida pela seguradora), especialmente se se considerarem os prêmios pagos
pelos proprietários de veículos que venham a ser adquiridos e licenciados em data
próxima ao encerramento do ano civil (fls. 42/49).
A Susep, em estudo técnico a respeito do impacto causado pela incidência da
taxa de expediente sobre o prêmio do seguro DPVAT, corrobora a tese de que essa
espécie tributária excede, em muito, o valor do custo do serviço prestado (fls.
111/112):
‘a) Ônus causado pela taxa de expediente de Minas Gerais às categorias
1 e 2.
O último estudo de reavaliação tarifária do seguro DPVAT, publicado
através da Resolução CNSP n. 35/00, determinou, para as categorias do
Convênio, que a parcela de 52,4452% do prêmio comercial seria destinada
aos repasses (SUS, Denatran, Sincor, Funenseg e Susep) e a parcela de
47,5548% seria destinada ao pagamento de sinistros (avisados e provisão de
IBNR), despesas gerais e carregamentos (resultado e corretagem). Deste
modo, no caso das categorias 1 e 2, o prêmio comercial anual de R$ 48,24
resulta num prêmio retido anual de R$ 22,94.
Para a cobertura de 12 meses, constatamos que a taxa expediente de R$
10,00 onera em 43,59% o prêmio retido pela seguradora. Todavia, conforme
a cobertura decresce e a taxa expediente se mantém constante, o ônus sobre o
prêmio retido se agrava, como segue:

Cobertura Prêmio Prêmio Taxa Ônus sobre o


(meses) Comercial Retido Expediente Prêmio Retido
12 R$ 48,24 R$ 22,94 R$ 10,00 43,59%
11 R$ 44,22 R$ 21,03 R$ 10,00 47,55%
10 R$ 40,20 R$ 19,12 R$ 10,00 52,30%
9 R$ 36,18 R$ 17,21 R$ 10,00 58,11%
8 R$ 32,16 R$ 15,29 R$ 10,00 65,40%
7 R$ 28,14 R$ 13,38 R$ 10,00 74,74%
6 R$ 24,12 R$ 11,47 R$ 10,00 87,18%
5 R$ 20,10 R$ 9,56 R$ 10,00 104,60%
4 R$ 16,08 R$ 7,65 R$ 10,00 130,72%
3 R$ 12,06 R$ 5,74 R$ 10,00 174,22%
2 R$ 8,04 R$ 3,82 R$ 10,00 261,78%
1 R$ 4,02 R$ 1,91 R$ 10,00 523,56%
Com base na tabela apresentada, constatamos que a aplicação da taxa
expediente de R$ 10,00 onera o prêmio retido do seguro DPVAT de 43,59%
a 523,56%. Para os bilhetes emitidos a partir do mês de agosto (cobertura de
514 R.T.J. — 198

5 meses), a taxa expediente é superior ao prêmio retido, não restando recursos


para o pagamento de sinistros, despesas e carregamentos. Deste modo, a
aplicação da taxa expediente tem impacto negativo sobre o equilíbrio tarifá-
rio do seguro DPVAT.’
O Governador (fls. 669/686) e a Assembléia Legislativa do Estado de
Minas Gerais (fls. 505/534), nas informações prestadas ao Supremo Tribunal
Federal, defenderam a plena validade constitucional das normas legais em ques-
tão, enfatizando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa das requerentes, pois,
‘em nenhuma das Confederações que figuram no pólo ativo da presente ação, se
encontra presente o requisito inarredável para o processamento da ação direta de
inconstitucionalidade, referente à necessidade de existir pertinência temática
entre o objeto social da entidade confederada e a norma questionada, sendo, pois,
imperiosa a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos da
legislação vigente’ (fl. 676).
De outro lado, os órgãos estatais de que emanaram as normas ora impugna-
das também se insurgem contra a admissibilidade da presente ação, eis que estão,
‘as Requerentes, a buscar declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da
Legislação do Estado de Minas Gerais como mero meio de defesa de interesses
próprios, concretos e individualizados de umas das associadas da Consif, sem que
haja qualquer vinculação, portanto, com os direitos dos demais integrantes da
categoria representada e tampouco daqueles representados pela Confederação
Nacional do Comércio’ (fl. 677).
Tendo em vista a relevância do tema versado na presente ação direta, e por
entender indispensável a audiência prévia da douta Procuradoria-Geral da Repú-
blica, determinei, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei n. 9.868, de 10-11-99, o
pronunciamento do Ministério Público Federal, que, em parecer da lavra do
eminente Chefe da Instituição, Dr. Geraldo Brindeiro, opinou, preliminarmente,
pela ilegitimidade ativa da Consif, e, no mérito, pelo deferimento do pedido de
medida cautelar, em ordem a suspender ‘a eficácia do inciso II e dos §§ 2º e 3º, do
art. 15, da Lei n. 12.425/96, do Estado de Minas Gerais, introduzido pelo art. 16 da
Lei estadual n. 13.430/99’ (fls. 660/665).
Embora houvesse apresentado, como Relator, para julgamento plenário, o
pedido de medida cautelar formulado pelas entidades sindicais autoras, esta E.
Corte, no entanto, por razões de congestionamento de sua pauta, não teve condi-
ções materiais de apreciar tal postulação (fl. 702).
Por ainda subsistirem as razões de urgência invocadas pelas litisconsortes
ativas, e por iniciar-se, na data de hoje, o período de recesso judiciário, passo a
apreciar, ad referendum do E. Plenário deste Tribunal (Lei n. 9.868/99, art. 10,
caput), o pedido de suspensão cautelar de eficácia das normas legais ora impug-
nadas.
Cabe reconhecer, inicialmente, não obstante a questão preliminar suscita-
da pelo Governador do Estado de Minas Gerais e pelo eminente Procurador-Geral
da República, que as confederações sindicais que ajuizaram a presente ação
direta dispõem de legitimidade ativa ad causam, para fazer instaurar, na espécie,
R.T.J. — 198 515

este processo de controle normativo abstrato, seja em face do que estabelece o art.
103, IX, da Constituição da República, seja, ainda, em face da exigência
jurisprudencial concernente à pertinência temática, tendo em vista, de um lado, as
finalidades institucionais das entidades autoras, e, de outro, o conteúdo material
das normas legais ora impugnadas.
Como se sabe, o requisito da pertinência temática — que se traduz na
afinidade entre os objetivos institucionais das entidades autoras e o conteúdo
material das regras por elas questionadas — foi erigido, pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, em fator de qualificação da própria legitimidade
ativa ad causam das entidades sindicais de grau superior:
‘A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal erigiu o vínculo de
pertinência temática à condição objetiva de requisito qualificador da pró-
pria legitimidade ativa ad causam do Autor, somente naquelas hipóteses de
ação direta ajuizada por confederações sindicais, por entidades de classe de
âmbito nacional, por Mesas das Assembléias Legislativas estaduais ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal e, finalmente, por Governadores dos
Estados-Membros e do Distrito Federal. Precedentes.’
(RTJ 158/441, Rel. Min. Celso de Mello)
Como já enfatizado, tenho para mim que as litisconsortes ativas preenchem
as exigências relativas ao vínculo da pertinência temática, qualificando-se, por
isso mesmo, para o ajuizamento da presente ação direta de inconstitucionalidade,
consideradas as razões a seguir expostas.
Sabemos, dentro de uma perspectiva estritamente histórica, que a subsunção
das atividades de seguro à noção conceitual de mercancia resultou, em nosso
sistema de direito positivo, do clássico Regulamento 737/1850, que, definindo a
compreensão e o significado do que devesse ser entendido por operação mercantil,
expressamente referiu-se aos contratos de seguro (art. 19, § 4º).
Vê-se, daí, que a atividade seguradora, por ajustar-se às exigências de
ordem tipológica resultantes do tratamento legal dispensado às operações comuns
à mercancia, qualifica-se entre os atos de comércio, achando-se regida, por isso
mesmo, pelas normas que se projetam no campo do direito mercantil.
Essa circunstância justifica, portanto — inclusive com apoio no que prescre-
ve o art. 73 do DL 73/66 —, a pertinente vinculação das entidades seguradoras à
Confederação Nacional do Comércio, uma das autoras da presente ação direta,
pois as sociedades seguradoras desenvolvem atividade efetivamente mercantil.
Impõe-se ter presente, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em
decisões plenárias, já reconheceu legitimidade à Confederação Nacional do Co-
mércio, para questionar, em sede de fiscalização normativa abstrata, ato estatal
relativo a entidades seguradoras (RTJ 164/59, Rel. Min. Sydney Sanches — RTJ
170/771, Rel. Min. Celso de Mello).
Sendo assim, e rejeitando a preliminar suscitada pelo Governador do Estado
de Minas Gerais, cumpre reconhecer a plena legitimidade ativa ad causam da
Confederação Nacional do Comércio, para o ajuizamento da presente ação direta
de inconstitucionalidade.
516 R.T.J. — 198

Tenho para mim, de outro lado, no que se refere à Confederação Nacional


do Sistema Financeiro – CONSIF, que esta entidade sindical de grau superior
satisfaz o requisito da pertinência temática, considerada, sob tal perspectiva, a
própria natureza das atividades desenvolvidas pelas empresas que integram a
Confederação em referência.
Com efeito, os Estatutos Sociais da Consif indicam que tal entidade sindical,
registrada no Ministério do Trabalho (fl. 398), ‘congrega as federações que
agrupam as entidades de classe representativas das instituições financeiras e
assemelhadas, empresas seguradoras e empresas de capitalização e previdência,
que operem em todo o território nacional’ (art. 1º — fl. 248, grifei), tendo, dentre
outros, o objetivo de ‘orientar, coordenar, defender e representar os interesses das
entidades a que se refere o artigo 1º’ (art. 4º, n. I — fl. 249).
Vê-se, pois, que a Consif — que se qualifica como Confederação Sindical —
atende a exigência da pertinência temática, pois representa categoria econômica
diretamente afetada pelas normas legais ora impugnadas (empresas seguradoras),
dispondo, por isso mesmo, de legitimidade ativa ad causam para a instauração
deste processo de controle normativo abstrato.
Há, ainda, uma segunda questão preliminar, que, suscitada pela Assembléia
Legislativa e pelo Governador do Estado de Minas Gerais, concerne à utilização,
alegadamente inadequada, da ação direta de inconstitucionalidade, que teria
sido ajuizada, no caso ora em exame, segundo sustentado por esses órgãos estaduais,
com o indevido objetivo de promover, em sede de controle abstrato, a defesa de
interesses individuais e concretos (fl. 677).
É certo que, ao julgar a ADI 2.394/MG, Rel. Min. Celso de Mello, acentuei
que se revelava evidente, naquela ação direta, ‘o intuito da autora de promover,
em sede de controle abstrato, a defesa dos interesses individuais e concretos das
entidades seguradoras’, consideradas as próprias razões então expostas, naquele
processo, pela Consif.
Não é, porém, o que ocorre na presente ação direta, eis que as entidades
sindicais autoras ajustaram a petição inicial aos reais objetivos e à natureza do
processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, em cujo âmbito não se
discutem situações individuais e concretas (RTJ 164/506-509, Rel. Min. Celso de
Mello — RTJ 170/801-802, Rel. Min. Celso de Mello).
Na realidade, as autoras abstiveram-se, corretamente, de fundamentar, a
pretensão ora formulada, em interesses individuais e concretos das empresas
seguradoras, o que — caso ocorresse — revelar-se-ia apto a subverter a própria
natureza do controle concentrado de constitucionalidade.
Foi por tal razão que as autoras da presente ação direta situaram a discus-
são do tema em plano essencialmente abstrato, limitando-se a discutir, em tese,
sem qualquer referência a situações concretas, a validade jurídico-constitucional
das normas legais ora impugnadas.
Sendo assim, e com fundamento nas razões ora expostas, rejeito a questão
preliminar de não-conhecimento da presente ação direta.
R.T.J. — 198 517

Passo, em conseqüência, a apreciar o pedido de medida cautelar formulado


nesta sede processual, analisando-o em função dos requisitos pertinentes ao fumus
boni juris, de um lado, e ao periculum in mora, de outro.
Entendo, em juízo de estrita delibação, no que se refere ao fumus boni juris,
que se revestem de plausibilidade jurídica os fundamentos deduzidos pelas enti-
dades sindicais autoras.
Todos sabemos que os desvios inconstitucionais do Estado, no exercício do
seu poder de tributar, geram, na ilegitimidade desse comportamento do aparelho
governamental, efeitos perversos, cuja projeção — ao incidir, de modo gravoso,
nas relações jurídico-fiscais mantidas pelo Poder Público com os contribuintes —
culmina por deformar os princípios que estruturam a ordem jurídica, por subver-
ter as finalidades do sistema normativo e por comprometer a integridade e a
supremacia da própria Constituição da República.
A necessidade de preservação da incolumidade do sistema consagrado pela
Constituição Federal não se revela compatível, por isso mesmo, com pretensões
fiscais contestáveis do Poder Público, especialmente quando os entes estatais,
divorciando-se dos parâmetros estabelecidos pela Lei Magna, buscam impor, ao
contribuinte, um estado de submissão tributária, inconvivente com os princípios
que informam e condicionam, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a ação
das instâncias governamentais.
O fundamento do poder de tributar reside, em essência, no dever jurídico de
estrita fidelidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Consti-
tuição da República.
As autoras da presente ação direta, bem por isso, sustentam que a taxa de
expediente — a que se referem as normas legais ora impugnadas — desrespeita a
Constituição, pois, considerados os elementos quantitativos que compõem a hipó-
tese de incidência instituída pela Lei estadual n. 13.430/99 (art. 16), parece regis-
trar-se, na espécie, inobservância da relação de razoável equivalência que deve,
necessariamente, existir ‘entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser
compelido o contribuinte a pagar’ (RTJ 112/34, 59, Rel. Min. Moreira Alves).
A aparente ofensa aos princípios constitucionais da não-confiscatoriedade
(CF, art. 150, IV) e da proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), em que teriam incidido
as normas legais ora impugnadas, foi bem exposta pelo eminente Professor
Humberto Theodoro Jr., cujo parecer — a propósito da matéria ora em análise —
destacou, por expressivo, o seguinte aspecto (fls. 194/195):
‘Não bastasse estar descaracterizada a sua natureza de taxa, porquanto
sua base de cálculo não guarda qualquer relação de proporcionalidade e
razoabilidade com a prestação de serviços pelo Poder Público — mesmo
porque consoante se demonstrou não há aludida prestação —, a exigência de
um valor fixo de R$ 10,00 (dez reais) por veículo revela seu caráter
confiscatório. Isto porque a taxa verdadeiramente inviabiliza não só a ativi-
dade das seguradoras, como o próprio sistema do Seguro Obrigatório, rom-
pendo com seu equilíbrio.
518 R.T.J. — 198

Com efeito, consoante exaustivamente demonstrado nas bens lançadas


razões da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o valor da taxa de expediente
fixada suplanta a parcela do prêmio que toca às Seguradoras no percentual
que oscila entre 40% a 100%. Isto mesmo, o valor de R$ 10,00 (dez reais) é
superior, em alguns casos, à quantia destinada às Seguradoras para garantia
do pagamento das indenizações, inclusive da que constitui sua margem de
resultado estatuída em Resolução de Órgão Federal. A título exemplificativo,
pede-se vênia para transcrever a hipótese simulada na petição inicial da
ADIn, porquanto bem ilustra a ausência de razoabilidade da exação e seu
efeito confiscatório:
‘Vejamos o exemplo de quem compra um automóvel em 1º de
setembro. A cobertura será de 4 meses encerrando-se em 31 de
dezembro. O prêmio tarifário do seguro será correspondente a 4/12, ou
seja, 4 duodécimos do prêmio total da categoria tarifária do veículo,
em cada exercício fiscal. Assim sendo, o valor será de R$ 24,12 (valor
correspondente a 50% do total do prêmio tarifário anual que cabe à
seguradora) dividido por 12 meses para apurar um duodécimo que
corresponde à cobertura de um mês: R$ 2,01. Multiplicando-se por 4,
chega-se ao valor do prêmio correspondente à cobertura de 4 meses: R$
8,04 (oito reais e quatro centavos).’
Na hipótese supra, o valor que a Seguradora terá que despender para
pagamento da taxa — R$ 10,00 (dez reais) é maior que aquele a ser recebido
correspondente à parcela do prêmio que lhe tocará — R$ 8,04. Assim a
Seguradora não só deixará de receber a parcela do prêmio indispensável à
composição dos cálculos para fins de pagamento da indenização, como terá
que retirar do fundo respectivo os valores para custear o inexistente serviço
público do qual não é a beneficiária.
Neste contexto, a taxa de expediente não só desestimula a atividade,
mas inviabiliza seriamente a utilização dos serviços e o sistema do Seguro
Obrigatório. Representa, destarte, segundo bem explorado na inicial da
ADIn, uma penalty tax (...).’
Esse fundamento, em que se apóia a presente argüição de inconstitucionali-
dade, parece assumir relevo, pois — como se sabe — as taxas, quando instituídas
como contraprestação a uma determinada atuação estatal referida ao contribuinte,
submetem-se a um limite — que se revela insuperável —, cuja definição se pauta
pelo custo dessa mesma atividade estatal, sob pena de descaracterização da
própria legitimidade jurídico-constitucional dessa especial modalidade de tributo.
Daí a advertência do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada no voto
proferido pelo eminente Ministro Moreira Alves, Relator, ao ensejo do julgamento
da Rp 1.077/RJ (RTJ 112/34, 58-59), verbis:
‘Sendo — como já se acentuou — a taxa judiciária, em face do atual
sistema constitucional, taxa que serve de contraprestação à atuação de
órgãos da Justiça cujas despesas não sejam cobertas por custas e emolu-
mentos, tem ela — como toda taxa com o caráter de contraprestação —
R.T.J. — 198 519

um limite, que é o custo da atividade do Estado dirigido àquele contribuinte.


Esse limite, evidentemente, é relativo, dada a dificuldade de se saber,
exatamente, o custo dos serviços a que corresponde tal contraprestação. O
que é certo, porém, é que não pode taxa dessa natureza ultrapassar uma
equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que
pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo
estabelecida pela lei e o quantum da alíquota por esta fixado.’ (Grifei)
Cabe ressaltar que esse entendimento reflete-se na orientação jurispru-
dencial firmada por esta Suprema Corte, cujo magistério, no tema, sustenta a
necessidade de existir, entre os custos da atividade estatal, de um lado, e o valor
da taxa, de outro, uma relação de ‘equivalência razoável’ (RTJ 172/778, Rel.
Min. Francisco Rezek — RTJ 175/35-36, Rel. Min. Carlos Velloso).
Impõe-se registrar que essa mesma orientação é também perfilhada por
autorizado magistério doutrinário (Leandro Paulsen, ‘Direito Tributário’, p.
567, anotação ao art. 77 CTN, 4ª ed., 2002, Livraria do Advogado Editora/Esmafe;
Célio Armando Janczeski, ‘Das Taxas — Aspectos Jurídicos e Caracteriza-
ção’, pp. 33/35, item n. 3.4.2, 2000, Juruá; Vladimir da Rocha França, ‘Aspectos
Constitucionais da Hipótese Tributária da Taxa pela Prestação de Serviço
Público’, in Revista de Informação Legislativa n. 149, jan-março/2001; Estevão
Horvath, ‘O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário’, pp. 131/134,
item n. 14.2, 2002, Dialética; Sacha Calmon Navarro Coelho, ‘Curso de Direito
Tributário Brasileiro’, pp. 91/94, item n. 2.24, 1999, Forense; Mário Severo
Marques, ‘Classificação Constitucional dos Tributos’, pp. 174/178, item n. 9.2,
2000, Max Limonad; Fabio Barbalho Leite, ‘O Conceito de Serviço Público
para o Direito Tributário’, in ‘Direito Tributário Constitucional’, 1999, Max
Limonad; Aires Barreto, ‘Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucio-
nais’, pp. 84/92, item n. 6.1.2, 2ª ed., 1998, Max Limonad; Hugo de Brito
Machado, ‘Curso de Direito Tributário’, pp. 319/320, item n. 3, 13ª ed., 1998,
Malheiros; Sérgio Pinto Martins, ‘Manual de Direito Tributário’, p. 111, item n.
6, 2002, Atlas, v.g.).
Cumpre rememorar, neste ponto, a advertência de Roque Antonio Carrazza
(‘Curso de Direito Constitucional Tributário’, pp. 477/479, item n. 3.1.2.2, 17ª
ed., 2002, Malheiros):
‘Conquanto não seja necessária uma perfeita coincidência entre o
custo da atividade estatal e o montante exigido a título de taxa, deve haver,
no mínimo, uma correlação entre ambas. Queremos com tais palavras
destacar que, ao contrário do que acontece com os impostos, as pessoas
políticas não podem criar taxas com o fito exclusivo de carrear dinheiro
para os cofres públicos. Além disso, na medida em que o pagamento das
taxas está vinculado à prestação de um dado serviço público ou à prática
de um determinado ato de polícia, elas devem estar voltadas a seu custeio,
e não de outros serviços ou atos de polícia, que não alcançam o contribuinte
(ou que a ele não estão disponibilizados, no caso dos serviços públicos).
520 R.T.J. — 198

Ainda dentro desta linha de raciocínio, não é dado ao Poder Público mani-
pular abusivamente os serviços públicos ou as diligências que levam ao
exercício do poder de polícia, só para incrementar receitas.
(...)
O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao
custo, ainda que aproximado, da atuação estatal específica. É claro que,
neste campo, não precisa haver uma precisão matemática; deve, no entanto,
existir uma razoabilidade entre a quantia cobrada e o gasto que o Poder
Público teve para prestar aquele serviço público ou praticar aquele ato de
polícia. Esta razoabilidade é aferível, em última análise, pelo Poder Judi-
ciário, mediante provocação do contribuinte interessado.
Se não houver equivalência entre o custo da atuação estatal específica
e o quantum da taxa, o tributo será inconstitucional, por desvirtuamento de
sua base de cálculo. Com isto, aliás, ele assumirá feições confiscatórias,
afrontando, pois, o art. 150, IV, da CF.’ (Grifei)
A eminente Professora e ilustre magistrada federal, Regina Helena Costa
(‘Princípio da Capacidade Contributiva’, p. 55, item n. 8.1, 1993, Malheiros),
também demonstra possuir igual percepção da matéria ora em exame, como se vê
da seguinte passagem de seu magistério:
‘As taxas têm caráter remuneratório da atuação do Poder Público,
devendo, por isso, manter razoável equivalência com a despesa por ele
efetuada.
(...) Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público,
diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir, nas taxas, como
critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia
a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, pretende-se remunerar a
atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma
(...).’ (Grifei)
Vê-se, desse modo, que, se o valor da taxa não corresponder ao custo do
serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte — e se resultar, ainda, da
inobservância da relação de equivalência entre esses dois fatores, uma situação
de onerosidade excessiva, que afete o sujeito passivo da obrigação tributária —,
tornar-se-á lícito vislumbrar, em ocorrendo tal hipótese, possível transgressão ao
postulado constitucional da não-confiscatoriedade dos tributos em geral (CF, art.
150, IV).
Sob esse outro aspecto, parecem assumir relevo jurídico as alegações
deduzidas pelas autoras da presente ação direta (fls. 38/39 e 46/47):
‘A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP — com base na
Legislação em vigor evidencia que o prêmio de seguros DPVAT é repassado
ao SUS, Denatran, Sincor, Funenseg e à própria Susep ‘e a parcela de 47,5548
seria destinada ao pagamento de sinistros (avisados e provisão de IBNR),
despesas gerais e carregamentos (resultado e corretagem). Deste modo, no
R.T.J. — 198 521

caso das categorias 1 e 2, o prêmio comercial anual de R$ 48,24 (quarenta e


oito reais e vinte e quatro centavos) resulta num prêmio anual retido de R$
22,94 (vinte e dois reais e noventa e quatro centavos). (...).
Como vimos em epígrafe, a taxa de expediente de R$ 10,00 (dez reais)
onera o prêmio de seguro DPVAT de 43,59% a 523,56% (...).
Trata-se de uma cobrança com efeitos nítidos e insofismáveis de con-
fisco.
A Susep esclarece, ainda, o seguinte:
‘Para os bilhetes emitidos a partir do mês de agosto (cobertura de
5 meses) a taxa de expediente é superior ao prêmio retido, não restando
recursos para o pagamento de sinistros, despesas de carregamento.’ (...).
Trata-se de inqualificável absurdo.
(...)
Como se verifica da leitura do parágrafo 3º do artigo 15 da Lei n.
12.425, de 27-12-1996 (doc. n. 01), o valor da taxa de expediente será fixo,
de R$ 10,00 por veículo, seu custo não poderá ser acrescido ao valor do
seguro (DPVAT) e não poderá ser repassado ao contribuinte do IPVA.
Desde logo se verifica o absurdo de o tributo ter valor fixo quando a sua
base de cálculo, parcela do prêmio destinada ás seguradoras, reduz-se mês a
mês, o que, como vimos, fará com que o tributo exceda a totalidade da
parcela do prêmio destinado às seguradoras com relação aos veículos novos
adquiridos a partir de 1º de agosto (...).
O que acabamos de dizer já merece uma retificação: não é o valor do
tributo e sim o valor do confisco que excede o prêmio, ou, ao menos, o valor
do tributo com efeito de confisco. Pergunta-se: o que dizer de uma ‘taxa’ que
causa o ônus de 43,59% da parcela do prêmio que pode ser retida pelas
Seguradoras? E o que dizer da mesma taxa quando ela ultrapassa 100% do
valor recebido pelas Seguradoras e chega a 523,56%? (...).’
Esse mesmo entendimento, por sua vez, foi exposto, em seu douto parecer,
pelo eminente Procurador-Geral da República (fls. 664/665):
‘Afigura-se relevante, ademais, o argumento de que a taxa em questão,
no valor estipulado, reveste-se de caráter confiscatório, pois, ao ser paga
diretamente pela seguradora, sem possibilidade de repasse para os proprietá-
rios de veículos, parece reduzir, significativamente, a quantia reservada à
seguradora, inviabilizando o pagamento de indenizações.
De fato, extrai-se do parecer da Superintendência de Seguros Privados –
SUSEP, constante a fls.111/114, a seguinte afirmação:
‘Com base na tabela apresentada, constatamos que a aplicação da
taxa expediente de R$ 10,00 onera o prêmio retido do seguro DPVAT,
de 43,59% a 523,56%. Para os bilhetes emitidos a partir do mês de
agosto (cobertura de 5 meses), a taxa expediente é superior ao prêmio
522 R.T.J. — 198

retido, não restando recursos para o pagamento de sinistros, despesas e


carregamentos. Deste modo, a aplicação da taxa expediente tem impacto
negativo sobre o equilíbrio tarifário do seguro DPVAT.’
Daí a conclusão de que o valor da taxa de expediente previsto no § 3º,
do art. 15, da Lei n. 12.425/96, parece vulnerar o art. 150, IV, da Constituição
da República.’
Não se pode recusar, neste ponto, na perspectiva dos aspectos ora ressalta-
dos, plausibilidade jurídica à tese sustentada pelas autoras da presente ação
direta.
Sabemos todos que o ordenamento normativo vigente no Brasil, ao definir
o estatuto dos contribuintes, proclamou, em favor dos sujeitos passivos que
sofrem a ação fiscal do Estado, uma importante garantia fundamental que impõe,
em sede constitucional, aos entes públicos dotados de competência impositiva,
expressiva limitação ao seu poder de tributar.
Essa garantia reflete-se na vedação, que, destinada à União Federal, aos
Estados-Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, proíbe-lhes a utilização
do tributo — de qualquer tributo — ‘com efeito de confisco’ (CF, art. 150, IV).
Plausível, desse modo, consideradas as circunstâncias ora expostas, a tese
de que o quantum da taxa de expediente ora questionada, porque fixado em valor
aparentemente apto a comprometer a atividade das entidades seguradoras, pode-
ria incidir na proibição constitucional, hoje expressamente inscrita no art. 150,
IV, da Carta Política, que veda a utilização de prestações tributárias com efeito
confiscatório, consoante enfatizado pela doutrina (Ives Gandra Martins, ‘Co-
mentários à Constituição do Brasil’, vol. VI, tomo I, pp. 161-165, 1990, Saraiva;
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ‘Comentários à Constituição Brasileira de
1988’, vol. 3/101-102, 1994, Saraiva; Roque Antonio Carrazza, ‘Curso de Direito
Constitucional Tributário’, p. 210, 5ª ed., 1993, Malheiros, v.g.) e acentuado
pela própria jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal (RTJ 33/647, Rel.
Min. Luiz Gallotti — RTJ 44/661, Rel. Min. Evandro Lins — RTJ 73/548, Rel.
Min. Aliomar Baleeiro — RTJ 74/319, Rel. Min. Xavier de Albuquerque —
RTJ 78/610, Rel. Min. Leitão de Abreu — RTJ 96/1354, Rel. Min. Moreira
Alves — ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
Cumpre destacar, neste ponto, a correta observação de Luiz Emygdio F. da
Rosa Jr. (‘Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário’, p. 320, item n.
14, 10ª ed., 1995, Renovar), cujo magistério, ao analisar o princípio constitucio-
nal que veda a utilização do tributo com efeito confiscatório, ressalta:
‘A vedação do tributo confiscatório decorre de um outro princípio: o
poder de tributar deve ser compatível com o de conservar e não com o de
destruir. Assim, tem efeito confiscatório o tributo que não apresenta as
características de razoabilidade e justiça, sendo, assim, igualmente atenta-
tório ao princípio da capacidade contributiva.’ (Grifei)
É certo que a norma inscrita no art. 150, IV, da Constituição encerra uma
cláusula aberta, veiculadora de um conceito jurídico indeterminado, reclamando,
R.T.J. — 198 523

em conseqüência, que os Tribunais, na ausência de ‘uma diretriz objetiva e


genérica, aplicável a todas as circunstâncias’ (Antônio Roberto Sampaio Dória,
‘Direito Constitucional Tributário e Due Process of Law’, p. 196, item n. 62, 2ª
ed., 1986, Forense), procedam à avaliação dos excessos eventualmente praticados
pelo Estado, tendo em consideração as limitações que derivam do princípio da
proporcionalidade.
É irrepreensível, sob esse aspecto, o magistério de Ricardo Lobo Torres
(‘Curso de Direito Financeiro e Tributário’, p. 56, 2ª ed., 1995, Renovar), verbis:
‘A vedação de tributo confiscatório, que erige o status negativus liber-
tatis, se expressa em cláusula aberta ou conceito indeterminado. Inexiste
possibilidade prévia de fixar os limites quantitativos para a cobrança, além
dos quais se caracterizaria o confisco, cabendo ao critério prudente do juiz
tal aferição, que deverá se pautar pela razoabilidade. A exceção deu-se na
Argentina, onde a jurisprudência, em certa época, fixou em 33% o limite
máximo da incidência tributária não-confiscatória.’
Nem se diga que se revelaria inviável, em sede de controle normativo
abstrato, indagar-se do caráter confiscatório de determinado tributo.
É que esta Suprema Corte, ao apreciar a questão da tributação confisca-
tória, no julgamento do pedido de medida cautelar formulado na ADI 1.075/DF,
Rel. Min. Celso de Mello, decidiu, contra o meu voto, pela possibilidade de
efetuar a fiscalização abstrata de constitucionalidade dessa anômala situação
jurídico-tributária, cuja ocorrência traduz inaceitável excesso de poder por parte
do aparelho estatal.
Cabe enfatizar, ainda, por oportuno, que tal entendimento foi reafirmado,
posteriormente, pelo Supremo Tribunal Federal, que, ao deferir pedido de medida
cautelar formulado na ADI 2.010/DF, Rel. Min. Celso de Mello, assim decidiu:
‘A Tributação Confiscatória é vedada pela Constituição da Repú-
blica.
— A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível,
em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar
se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-
confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente:
ADI 1.075/DF, Rel. Min. Celso de Mello (o Relator ficou vencido, no
precedente mencionado, por entender que o exame do efeito confiscatório
do tributo depende da apreciação individual de cada caso concreto).
— A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada
mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer preten-
são governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta
apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos
dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga
tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de
atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessida-
des vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo).
524 R.T.J. — 198

A Constituição da República, ao disciplinar o exercício do poder


impositivo do Estado, subordinou-o a limites insuperáveis, em ordem a impedir
que fossem praticados, em detrimento do patrimônio privado e das atividades
particulares e profissionais lícitas, excessos que culminassem por comprometer, de
maneira arbitrária e irrazoável, o desempenho regular de direitos que o sistema
constitucional reconhece e protege.
Como observei anteriormente, não há uma definição constitucional de con-
fisco em matéria tributária. Trata-se, na realidade, de um conceito aberto, a ser
formulado pelo juiz, com apoio em seu prudente critério, quando chamado a
resolver os conflitos entre o Poder Público e os contribuintes.
A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais
representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governa-
mental que possa conduzir, no campo da fiscalidade — trate-se de tributos não-
vinculados ou cuide-se de tributos vinculados (como a taxa) —, à injusta apropri-
ação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contri-
buintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exer-
cício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional
lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais.
De outro lado, o Poder Público, especialmente em sede de tributação, não
pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente con-
dicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação
normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da
proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade,
com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no
âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas
emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de
maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação
absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Também sob esse outro aspecto, entendo que a tese exposta pelas autoras
revela-se juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência
constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já assentou, a propósito do tema,
o entendimento de que transgride o postulado do devido processo legal (CF, art.
5º, LIV), analisado em sua dimensão material (substantive due process of law), a
regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela
nota da irrazoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da
proporcionalidade, que se qualifica — enquanto coeficiente de aferição da
razoabilidade dos atos estatais (Celso Antônio Bandeira de Mello, ‘Curso de
Direito Administrativo’, pp. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros;
R.T.J. — 198 525

Lúcia Valle Figueiredo, ‘Curso de Direito Administrativo’, p. 46, item n. 3.3, 2ª


ed., 1995, Malheiros) — como postulado básico de contenção dos excessos do
Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse
postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado —
inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa — adverte que o
princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democráti-
co de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe
o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de
diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua
dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law (Raquel
Denize Stumm, ‘Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional
Brasileiro’, pp. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, ‘Direitos Humanos Fundamentais’, pp. 111/112, item n. 14,
1995, Saraiva; Paulo Bonavides, ‘Curso de Direito Constitucional’, pp. 352/355,
item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a
inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe
são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo.
Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria funda-
mental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu
conteúdo intrínseco — especialmente naquelas hipóteses de imposições restri-
tivas incidentes sobre determinados valores básicos — passa a depender, essencial-
mente, da observância de determinados requisitos que atuam como verdadeiras
limitações materiais à ação normativa do Poder Legislativo.
A essência do substantive due process of law reside na necessidade de conter
os excessos do Poder, quando o Estado edita legislação que se revele destituída
do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder
ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência
para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o
seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até
mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
Daí a advertência de Caio Tácito (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a
lição pioneira de Santi Romano, destaca que a figura do desvio de poder
legislativo impõe o reconhecimento de que, mesmo nas hipóteses de seu discricio-
nário exercício, a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de
harmonia com o interesse público.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por
isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as
limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições
que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa
526 R.T.J. — 198

legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inú-


teis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. Celso de
Mello — ADI 1.063/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem
prestigiado normas que não se revelam arbitrárias ou irrazoáveis em suas prescri-
ções, ou em suas determinações ou, ainda, em suas limitações:
‘A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade,
ajusta-se ao princípio do devido processo legal, analisado na perspectiva de
sua projeção material (substantive due process of law).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do
abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de
legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente
limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa
repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.’
(RTJ 176/578-579, Rel. Min. Celso de Mello)
Daí a advertência de Sacha Calmon Navarro Coêlho (‘Curso de Direito
Tributário Brasileiro’, p. 253, item n. 6.28, 1999, Forense), cujo magistério —
ao ressaltar que a vedação do confisco atua como limitação constitucional ao
poder de graduar a tributação — enfatiza que, em sede de estrita fiscalidade, ‘o
princípio do não-confisco tem sido utilizado também para fixar padrões ou pata-
mares de tributação tidos por suportáveis (...) ao sabor das conjunturas mais ou
menos adversas que estejam se passando. Neste sentido, o princípio do não-
confisco se nos parece mais com um princípio da razoabilidade da tributação (...)’.
Cabe invocar, neste ponto, histórico precedente firmado pelo Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do RE 18.331/SP, Rel. Min. Orosimbo Nonato
(RF 145/164):
‘O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de des-
truir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que
o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria
e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até
o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda
do détournement de pouvoir. Não há que estranhar a invocação dessa doutri-
na ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclama-
do que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se
acender não somente considerando a letra, o texto, como, também, e princi-
palmente, o espírito e o dispositivo invocado.
— O imposto, ainda que imodesto, é exigível, a não ser que aniquile a
atividade particular.’ (Grifei)
Não obstante as razões expostas, que evidenciam, pelo menos em juízo
preliminar, a plausibilidade jurídica da presente argüição de inconstitucio-
nalidade — o que me levaria a acolher a postulação cautelar deduzida pelas
autoras —, entendo não se revelar possível o deferimento desse pleito, conside-
rada a ausência, na espécie, do requisito concernente ao periculum in mora.
R.T.J. — 198 527

Ao assim decidir, tenho presentes as informações prestadas pelo Senhor


Governador do Estado de Minas Gerais (fls. 669/686), no ponto em que elas
demonstram inexistir, objetivamente, situação configuradora do periculum in
mora, eis que ‘A taxa de expediente instituída pelo art. 16 da Lei n. 13.430/99 (...)
está vinculada (...) à utilização efetiva de serviço público específico e divisível
prestado ao contribuinte, no caso, as seguradoras, o que significa dizer que, não se
valendo elas de tal serviço, não se verão obrigadas ao tributo’ (fl. 680).
Essas informações, por sua vez, enfatizam aspectos de fato relevantes, que
descaracterizam, a meu juízo, a alegada situação supostamente evidenciadora
do periculum in mora (fls. 678/681 e 684/685):
‘Não estão, contudo, as seguradoras obrigadas por qualquer lei editada
pelo Estado de Minas Gerais a se valerem dos serviços postos à sua disposi-
ção pelo citado dispositivo.
A elas é assegurado o direito, e nem poderia ser de outra forma, de
providenciar a emissão das guias necessárias para o recebimento do DPVAT
a partir de banco cadastral próprio; ou de pagamento de prêmios; ou
mesmo o de adotarem outro procedimento qualquer voltado para o recebi-
mento dos referidos prêmios.
(...)
Mas é certo que permanece íntegro o direito de as seguradoras, por
meio de avaliações que fizerem de natureza gerencial e administrativa,
optarem pela cobrança direta do DPVAT sem se valerem dos serviços
postos à sua disposição pelo Estado de Minas Gerais (...).
(...)
Vale repetir, então, que a taxa questionada não incidirá, como se
verifica da própria norma, nos casos em que as próprias seguradoras, pelos
meios que mais lhes parecerem convenientes, buscarem o recebimento do
DPVAT, sem se valerem, para tanto, da direta ação estatal.
(...)
Cuidou o Estado, portanto, de cobrar o IPVA, deixando a cargo das
seguradoras a cobrança do DPVAT, nos termos e da forma que julgassem
mais conveniente, por não terem elas se utilizado dos serviços postos à sua
disposição pela entidade estadual.
É de ser salientado, ainda, que, no início do ano de 2001, o Secretário
de Estado da Fazenda comunicou às seguradoras que o banco de dados dos
proprietários de veículos automotores mantido pelo Estado estaria à disposi-
ção delas, caso, por opção, quisessem valer-se, já que em 2001 tinha havido
a emissão pela própria Secretaria de Estado da Fazenda, de guias volta-
das tanto para o recebimento do IPVA como para o do DPVAT.
Assim, não se cobrou naquele ano, das seguradoras, qualquer taxa de
expediente por emissão de guia para recebimento do DPVAT, por não terem
elas se utilizado de tal serviço, do mesmo modo como inexistiu cobrança
da mesma taxa vinculada a fornecimento de dados cadastrais de proprietários
528 R.T.J. — 198

de veículos automotores, uma vez que as seguradoras não quiseram se


valer dos mesmos, como era e é direito delas.
(...)
Os dispositivos legais contra os quais se volta a Requerente foram
instituídos em 28 de dezembro de 1999, sendo certo que no exercício de
2000, por haver o Estado de Minas Gerais emitido as guias voltadas para o
recebimento do DPVAT, já que assim o quiseram as seguradoras, concreti-
zou-se a hipótese determinante da incidência da taxa de expediente anterior-
mente instituída.
(...)
Já no que se refere aos exercícios subseqüentes, perigo algum há para
as seguradoras, destinatárias diretas dos efeitos pretendidos com a presente
Ação Direta de Inconstitucionalidade, na medida em que não se verão
sujeitas à taxa caso não queiram se valer dos serviços postos à sua disposi-
ção pelo Estado.
Conseqüentemente, não se vislumbra, menos ainda se comprova
qualquer perigo para que se dê a imediata suspensão da eficácia das normas,
já que a cobrança do DPVAT, a ser feita diretamente pelas seguradoras dos
proprietários de veículos automotores, não atrairá a incidência do tributo
questionado.’ (Grifei)
Os dados ora veiculados nas informações governamentais não podem ser
desconsiderados na formulação do juízo provisório concernente à ausência, no
caso, segundo entendo, da ocorrência da hipótese caracterizadora do periculum in
mora, alegada pelas autoras, eis que, em matéria de fato, tais informações qualifi-
cam-se pela nota da veracidade, prevalecendo eficazes em decorrência da pre-
sunção juris tantum que milita em seu favor.
E a razão é uma só: tais informações oficiais devem prevalecer, pois, como
se sabe, gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, consoante
assinala autorizado magistério doutrinário (Celso Antônio Bandeira de Mello,
‘Curso de Direito Administrativo’, p. 373, item n. 59, 13ª ed., 2001, Malheiros;
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ‘Direito Administrativo’, pp. 189/191, item n.
7.6.1, 14ª ed., 2002, Atlas; Diogenes Gasparini, ‘Direito Administrativo’, p. 63,
item n. 7.1, 1989, Saraiva; José Cretella Júnior, ‘Direito Administrativo Brasi-
leiro’, p. 54, item n. 43, 1999, Forense).
Esse entendimento — que põe em evidência o atributo de veracidade ineren-
te às declarações oficiais sobre matéria de fato, emanadas do Poder Público e de seus
agentes — é perfilhado, igualmente, pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, qualquer que seja a sede processual em que prestadas (RTJ 86/212 — RTJ
133/1235-1236 — RTJ 161/572 — MS 20.882/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
Finalmente, cabe ter em consideração o fato de que o diploma legislativo
estadual objeto de impugnação nesta sede de controle normativo abstrato foi
editado em 28-12-99.
R.T.J. — 198 529

Esse dado de ordem temporal mostra-se relevante na espécie, eis que a


jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse especí-
fico aspecto concernente à questão do periculum in mora, já advertiu, por mais de
uma vez (ADI 1.185/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — ADI 1.561/SC, Rel.
Min. Sydney Sanches — ADI 1.935/RO, Rel. Min. Marco Aurélio — ADI 1.950/
SP, Rel. Min. Nelson Jobim), que, verbis:
‘O tardio ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, quan-
do já decorrido lapso temporal considerável desde a edição do ato
normativo impugnado, desautoriza — não obstante o relevo jurídico da tese
deduzida — o reconhecimento da situação configuradora do periculum in
mora, o que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada.’
(RTJ 152/692-693, Rel. Min. Celso de Mello)
Esta Suprema Corte, atenta à excepcionalidade de que se reveste a conces-
são da medida cautelar (Michel Temer, ‘Elementos de Direito Constitucional’, p.
50, item n. 8, 17ª ed., 2001, Malheiros), tem decidido, com fundamento em
inúmeros precedentes (RTJ 113/1006 — RTJ 119/72 — RTJ 120/66 — RTJ
125/56 — RTJ 125/58 — RTJ 125/65), que a suspensão provisória da execução
de leis e atos normativos traduz provimento, cuja outorga pressupõe a necessá-
ria e cumulativa satisfação de certos requisitos, que se expressam (a) na
plausibilidade jurídica da tese exposta pelo autor (fumus boni juris), (b) na possi-
bilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum
in mora), (c) na irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos
próprios atos impugnados e (d) na necessidade de garantir a ulterior eficácia da
decisão a ser proferida na causa (RTJ 130/5-6, Rel. Min. Celso de Mello):
‘A concessão de medida cautelar, em sede de controle normativo
abstrato, pressupõe a necessária ocorrência dos requisitos concernente ao
fumus boni juris e ao periculum in mora.
Por mais relevante que seja a plausibilidade jurídica do tema versado
na ação direta, a sua isolada configuração não basta para justificar a suspen-
são provisória de eficácia do ato estatal impugnado, se inocorrente o
periculum in mora ou, quando menos, a conveniência da medida cautelar
postulada.’
(RTJ 145/753-754, Rel. Min. Celso de Mello)
Sendo assim, e por não concorrer, na espécie, com o pressuposto do fumus
boni juris, o requisito necessário do periculum in mora, indefiro, ad referendum
do E. Plenário do Supremo Tribunal Federal, o pedido de suspensão cautelar de
eficácia do art. 16 da Lei n. 13.430, de 28-12-99, editada pelo Estado de Minas
Gerais.
(...)
Ministro Celso de Mello
Relator”
É o relatório.
530 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Referendo, integralmente, a decisão
proferida a fls. 703/727, mantendo-a por seus próprios fundamentos, não obstante a
extrema densidade jurídica de que se reveste a pretensão de inconstitucionalidade
deduzida pelas autoras, consoante expressamente deixei ressaltado no ato decisório
em causa.
Com efeito, impende relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutri-
nárias a que aludi no ato decisório ora em análise, o locus classicus de Orosimbo
Nonato proferido em decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em
acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particular-
mente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice John Marshall, quando
do julgamento, em 1819, do célebre caso “McCulloch v. Maryland”, que “o poder de
tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (RF 145/164 — RDA 34/
132), eis que — como relembra Bilac Pinto, em conhecida conferência sobre “Os
Limites do Poder Fiscal do Estado” (RF 82/547-562, 552) — essa extraordinária
prerrogativa estatal traduz, em essência, “um poder que somente pode ser exercido
dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio
e de indústria e com o direito de propriedade” (grifei).
Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário,
investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das enti-
dades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso
sistema jurídico, de um “estatuto constitucional do contribuinte”, consubstanciador
de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel.
Min. Celso de Mello, in Informativo/STF n. 125), culminam por asfixiar, arbitraria-
mente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o
exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às
palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. (“The power to tax is not the power to
destroy while this Court sits”), em “dictum” segundo o qual, em livre tradução, “o
poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto
existir esta Corte Suprema”, proferidas, ainda que como “dissenting opinion”, no
julgamento, em 1928, do caso “Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel.
Knox” (277 U.S. 218).
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo material
da norma legal ora questionada, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria
tributária, como sucede na espécie, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das
leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe,
todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra,
em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º,
LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se
como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais,
consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/
140-141 — RTJ 178/22-24, v.g.):
R.T.J. — 198 531

“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está


necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encon-
trando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos
normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade — que extrai a sua justificação dogmática
de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia
do substantive due process of law — acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os
abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade,
presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que
consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of
law (CF, art. 5º, LIV).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso
de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada
ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o
momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente
político ou discricionário do legislador.”
(RTJ 176/578-580, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)
Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo
reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos
de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este
dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a
ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda,
contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo
Estado.
Embora reconhecendo, Senhor Presidente, a configuração, na espécie, de situa-
ção caracterizadora do fumus boni juris, como resulta claro de minha decisão — e,
também, deste voto —, vim a indeferir a pretendida suspensão de eficácia do ato estatal
questionado, por não vislumbrar, no caso, a ocorrência do requisito concernente ao
periculum in mora, consideradas as informações prestadas pelo Senhor Governador do
Estado de Minas Gerais (fls. 669/686).
Vê-se, portanto, que o indeferimento da medida cautelar apoiou-se, unicamente,
na inocorrência da situação configuradora do periculum in mora, eis que irrecusável —
como precedentemente por mim enfatizado — a plausibilidade jurídica da pretensão
de inconstitucionalidade deduzida pelas confederações sindicais.
Por tal razão, Senhor Presidente, confirmo a decisão de fls. 703/727.
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Ministro
Celso de Mello, neste caso, com seus próprios fundamentos jurídicos claramente
532 R.T.J. — 198

no sentido da plausibilidade jurídica do pedido, e também tendo em vista a conveni-


ência política, até porque ontem mesmo discutíamos a necessidade de depois se fazer
uma limitação de efeitos. E este será, talvez, um caso com grave repercussão, se depois
o Tribunal chegar à conclusão de que se cuida de uma flagrante inconstitucionalida-
de, como tudo está a indicar. Do contrário, talvez, o Estado venha a postular que se
declare a inconstitucionalidade, com a eficácia limitada no tempo, por todos esses
inconvenientes.
Defiro a cautelar, com base nesse segundo fundamento, reconhecendo, aqui, a
conveniência política de que se defira a cautelar, na espécie.

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, entendi plausíveis os argumentos
trazidos pelo eminente Relator, que procurou demonstrar, baseado nas informações do
Chefe do Executivo de Minas Gerais, que há uma separação dos serviços prestados pelo
Estado, nos quais incidiria essa taxa, e a liberdade que terão as empresas seguradoras de
efetivamente poderem fazer a cobrança diretamente.
Nesse juízo puramente de delibação, parece-me que seria o caso de manter o
indeferimento proclamado pelo eminente Relator, razão por que, com essas concisas
observações, referendo a decisão de S. Exa.

VOTO
O Sr. Ministro Sydney Sanches: Sr. Presidente, com a devida vênia, a plausibilidade
é tão forte que o requisito do periculum in mora fica atendido, como conseqüência.
Acompanho o voto do Ministro Gilmar Mendes.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Entendo que, no caso, o acesso ao
banco de dados que o Estado possui deve ser viabilizado por ele próprio.
A par desse aspecto, a lei federal disciplinadora do seguro obrigatório revela que o
Conselho Nacional de Seguros Privados expedirá normas disciplinadoras e tarifas que
atendam ao disposto na lei. No § 2º do artigo 11, constata-se preceito a revelar que, para
o efeito do parágrafo anterior — o parágrafo que cogita da implantação e da fiscalização
relativas ao seguro —, “o Conselho Nacional de Trânsito expedirá normas para o
vencimento do seguro coincidir com o do IPVA, arquivando-se cópia do bilhete ou
apólice no prontuário respectivo, bem como fazer constar no registro de ocorrências
nome, qualificação, endereço residencial e profissional completos do proprietário do
veículo, além do nome da seguradora, número e vencimento do bilhete ou apólice de
seguro.”
Tenho presente que o caráter obrigatório do seguro vincula-lhe a cobrança àquela
ligada ao IPVA, como ocorre no Brasil inteiro. Recebe-se o documento para se recolher
o IPVA, constando desse mesmo documento, emitido pelo Estado, o seguro obrigatório.
R.T.J. — 198 533

O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Ministro Marco Aurélio, V. Exa. acha indissociável
o seguro obrigatório?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Penso que sim, pela lei. A rigor, o
veículo não pode circular sem o seguro obrigatório.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Veja como está certo o Presidente. Diz assim o texto:
“Art. 16. A Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, fica acrescida do
seguinte art. 15:
Art. 15. A taxa de expediente de que trata esta lei será cobrada, ainda,
das sociedades seguradoras beneficiadas, nas seguintes hipóteses:
I - pela emissão das guias de arrecadação do Seguro de Danos Pessoais
Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT;
II - pelo fornecimento dos dados cadastrais dos proprietários de veícu-
los automotores para fins de cobrança do DPVAT;
§ 1º Na hipótese do inciso I, o valor da taxa de Expediente será retido
na conta do Tesouro Estadual em estabelecimento da rede bancária para o
recolhimento do tributo.
§ 2º É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencionados no
inciso II às sociedades seguradoras beneficiadas, sem a comprovação do
pagamento da Taxa de Expediente a que se refere o caput deste artigo.”
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Ora, o único local em que existe a informação de qual
a frota que vai circular no Estado, onde está? No departamento correspondente de
registro de veículos. Então, não tem como fazer.
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A autoridade administrativa do próprio Estado,
sob a responsabilidade deles lá, não autorizaria em princípio?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): O que cola a concretude à obrigatorie-
dade é essa vinculação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Vejam o que diz o § 2º:
“É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencionados no inciso II às
sociedades seguradoras beneficiadas, sem a comprovação do pagamento da Taxa
de Expediente a que se refere o caput deste artigo.”
Então, ele não terá a informação.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No ano de 2001, está dito aqui que eles teriam
facultado o acesso.
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Quer dizer que V. Exa. negaria o referendo em face
da violação ao princípio do confisco?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ficaríamos com a fundamentação
quanto à relevância, mas concluiríamos pela existência de risco em se manter com plena
eficácia o diploma. E prejudicada não é a seguradora, em si; prejudicados serão aqueles
534 R.T.J. — 198

que estarão garantidos pelo seguro obrigatório quanto à intangibilidade, quanto ao


prejuízo.
Agora, não alcançamos a maioria absoluta.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Senhor Presidente, desejo fazer uma
ponderação. Tenho a impressão de que os eminentes Ministros estão de acordo com a
rejeição das preliminares, nos termos e com apoio nos fundamentos enunciados em meu
voto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Sim, quanto à pertinência temática e à
legitimidade das requerentes.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Entendo, ainda, Senhor Presidente,
considerado o teor dos debates, que os eminentes Ministros desta Corte também
concordam com o meu voto, no ponto em que enfatizei a impropriedade da utilização
da ação direta de inconstitucionalidade como instrumento de defesa de interesses
concretos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Estamos de acordo.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Desejo registrar, finalmente, Senhor
Presidente, tal como salientei em meu voto, que reconheço a extrema densidade
jurídica da tese sustentada pelas autoras. Apenas observo que a única razão que me
levou a indeferir o pedido de medida cautelar, ad referendum deste Egrégio Plenário, foi
a inocorrência de situação caracterizadora do periculum in mora.
Tenho por inquestionável, portanto, tal como longamente exposto em meu voto,
que, do ponto de vista estritamente constitucional, revela-se irrecusável e densa a
plausibilidade jurídica ora deduzida nesta sede de fiscalização normativa abstrata.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.551-MC-QO/MG — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerentes: Confe-
deração Nacional do Comércio e outra (Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e
outros). Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/MG –
Arthur Pereira de Mattos Paixão Filho) e Assembléia Legislativa do Estado de Minas
Gerais.
Decisão: Apresentado o processo em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Presidência do Ministro Marco Aurélio. Plenário, 18-12-2002.
Decisão: Apresentada a questão de ordem suscitada em Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 2.551-1/MG, o julgamento foi adiado. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Moreira Alves, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, e,
nesta assentada, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Marco Aurélio. Plená-
rio, 12-3-2003.
Decisão: Tomados os votos, relativamente às preliminares, o Tribunal, a uma só
voz, rejeitou-as. Votou o Presidente. E, quanto ao referendo, após os votos dos Ministros
Celso de Mello, Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa, referendando o indeferimento
R.T.J. — 198 535

da liminar, e dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Ilmar Galvão,
Sydney Sanches e Presidente, Ministro Marco Aurélio, negando o referendo para deferir
a medida acauteladora, a conclusão do julgamento foi adiada por não ter sido alcança-
do o quorum qualificado como previsto na lei, encaminhando-se os autos, sucessiva-
mente, aos Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Moreira Alves, ausentes
justificadamente.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Sydney
Sanches, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e
Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 13 de março de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Peço licença para acompanhar o voto do eminente
Ministro Gilmar Mendes. Faço-o com base no voto do nobre Ministro Celso de Mello,
que demonstrou, à saciedade, o fumus boni juris. Defiro a liminar.

VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Com a devida vênia, também acompanho o voto do
eminente Ministro Gilmar Mendes.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.551-MC-QO/MG — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerentes: Confe-
deração Nacional do Comércio e outra (Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e outros).
Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais (Advogados: PGE/MG – Arthur
Pereira de Mattos Paixão Filho) e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Decisão: Colhidos os votos dos Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e
Moreira Alves, o Tribunal, por maioria, negou referendo ao indeferimento da liminar de
Sua Excelência o Ministro Celso de Mello, Relator, e deferiu a medida acauteladora para
suspender a eficácia do artigo 16 da Lei n. 13.430, de 28 de dezembro de 1999, que deu
nova redação ao artigo 15 da Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, ambas do
Estado de Minas Gerais, vencidos os Ministros Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa.
Presidência do Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar
Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-
Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 2 de abril de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
536 R.T.J. — 198

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.639 — PR

Relator: O Sr. Ministro Nelson Jobim


Requerente: Governador do Estado do Paraná — Requerida: Assembléia Legisla-
tiva do Estado do Paraná
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Constituição
do Paraná (EC 14/2001). Indenização por atos de exceção. Terceiros de
boa-fé. Arts. 8º e 9º do ADCT.
1. A anistia referida nos arts. 8º e 9º do ADCT foi prevista em benefício
daqueles que foram vítimas de atos de “exceção, institucionais ou comple-
mentares” que, de alguma forma, sofreram prejuízos em suas atividades
profissionais, em seus direitos ou por motivos políticos, mesmo que traba-
lhadores da iniciativa privada, dirigentes e representantes sindicais.
2. A anistia dos arts. 8º e 9º do ADCT tem índole político-
institucional e, por essa mesma natureza, sua competência de concessão
legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal.
Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de
vista da compensação financeira das vítimas de atos de exceção, constitui-
se também na aceitação excepcional de uma responsabilidade civil extra-
ordinária do Estado, quanto aos atos políticos do passado.
3. Essa repercussão política e financeira quando da concessão de
anistia reveste o ato de absoluta excepcionalidade e, por isso, não é
possível que norma constitucional estadual amplie tal benefício.
ADI que se julga procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
também Relator, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 8 de fevereiro de 2006 — Nelson Jobim, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. A norma estadual.
A Assembléia Legislativa do Estado do Paraná promulgou Emenda à Constitui-
ção de n. 14, de 17-12-2001.
Incluiu o art. 40 à Constituição:
“(...)
Art. 40. Aos terceiros de boa-fé serão indenizados todos os prejuízos materiais,
inclusive perda ou cessação de renda, advindos de ato de exceção ocorrido no
.
R.T.J. — 198 537

período revolucionário, desde que também haja resultados em benefício direto ou


indireto ao Estado do Paraná.
Parágrafo único. A verificação do direito e do valor dos prejuízos deverão ser
realizados em pleito administrativo, mediante requerimento do interessado, po-
dendo o Poder Executivo pagar o débito através de compensação com os seus
créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa.
(...)” (Fl. 11)
2. Os fatos.
O então Deputado Aníbal Khury adquiriu, em 1965, lotes de terra rural no
município de Cascavel (fl. 71).
Certidão do Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos (n. 1795, de
29-9-1965) da cidade de Cascavel noticia que foi efetuado em
“(...)
(...) 23 de junho de 1965 (...) a transcrição do extrato abaixo: Circunscrição:
Cascavel. — Denominação: Lote de terras rural — Chácara n. 1, da gleba Casca-
vel, do Patrimônio Cascavel, situado no município e comarca de Cascavel, com a
área de 1.596.200 m2, sem benfeitorias (...) Adquirente: Aníbal Khury, brasileiro,
casado, Deputado Estadual e industrial residente e domiciliado na cidade de
Curitiba, Capital deste Estado Transmitente: Airton Maltauro e sua mulher
Balbina Silva Maltauro, brasileiros, casados (...) — Título: Compra e Venda.
Forma do título: Escritura, lavrada em 21-6-65, às fls. 258 a 262 do livro n. 6 (...)
(...)” (Fl. 71)
O novo proprietário procedeu ao loteamento da referida Chácara n. 1, que passou
a denominar-se ‘Loteamento Curitiba’, nos termos da
“(...)
(...) transcrição n. 13.734, às folhas do livro 3-AE, [do 1º Ofício de Registro
de Imóveis de Cascavel/PR], (...) conforme Inscrição n. 34 às folhas 553 a 582 do
livro 8, na data de 25 de outubro de 1965 (...)
(...)” (Fl. 72).
Em 27 de abril de 1968, o casal Aníbal Khury doou lotes a José Marcos de
Almeida Formighieri (fls. 79 e 80).
Em 1969, tal Loteamento foi incorporado, a título de Confisco, ao Estado, por
força do Ato Complementar 42, de 27-1-1969, e do Decreto 65.551, de 21-10-1969, tudo
referido no Registro Imobiliário.1

1 Livro 3-AQ, fl. 246, n. 24.742:


“(...)
Denominação: Lote de terras rural — Chácara n. 1, da Gleba Cascavel, do Patrimônio Cascavel,
com a área de 1.596.200 m2, dividido em 1.352 lotes urbanos, 65 chácaras agrícolas e reservas para
utilidades públicas e com a denominação de ‘Loteamento Curitiba’ (...)
(...)” (fl. 73).
538 R.T.J. — 198

Em 26-10-1970
“(...)
(...) em cumprimento ao (...) mandado (...) do (...) Secretário de Estados dos
Negócios de Interior e Justiça, [foi reintegrado] o Estado do Paraná na posse do
imóvel a seguir discriminado, confiscado a Aníbal Khoury, pelo artigo 1º do
Decreto n. 65.551, de 20 de outubro de 1969 (...)
(...)” (Fl. 83).
Em 19 de dezembro de 2001, o beneficiário da doação, Sr. José Marcos
Formighieri, faz contrato de cessão de direitos, mediante prestação de serviços, ao Sr.
Antônio Reis.
Pelo contrato firmado,
“(...)
10 (...)
a) o cessionário fica obrigado a tomar todas as providências necessárias ao
recebimento da indenização respectiva, apresentando requerimento ao Poder Pú-
blico Estadual, mandando elaborar Laudos dos valores dos prejuízos sofridos pelo
cedente, enfim, promovendo todas as diligências necessários ao recebimento do
respectivo crédito, fazendo por sua conta todas as despesas que se fizerem necessá-
rias; (fl. 50)
(...)
c) quando for paga a indenização, do produto líquido recebido será feita a
distribuição da seguinte forma:
ca) [20%] para o cessionário; e,
cb) [80%] para o cedente. (fl. 51)
(...)”

“Adquirente: (Incorporado) — Estado do Paraná, por força e nos termos dos arts. 1º e 3º e o Ato
Complementar n. 42 de 27 de janeiro de 1969.
Transmitente: Anibal Khury e sua mulher Niva Sabóia Khyry, brasileiros, casados (...) residentes em
Curitiba, na conformidade do Decreto n. 65.551 de 21 de outubro de 1969 do confisco de bens.
Título: Confisco de Bens.
Forma do Título: Incorporação ao Estado do Paraná, na conformidade e nos termos dos artigos 1º
e 3º do Ato Complementar n. 42 de 27 de janeiro de 1969 e conforme Decreto n. 65.551, de 21 de
outubro de 1969, publicado no Diário Oficial da União em data de 27 de outubro de 1969.
Valor: O da transmissão originária ou sejam NCr$ 31,96 (trinta e um cruzeiros novos e noventa e
seis centavos) pela aquisição ao Estado do Paraná e NCr$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos cruzeiros
novos) pela aquisição de Airton Maltauro e sua mulher.
Condições: As da transcrição originária, e inclusive que são nulos todos os atos de alienação de lotes
e chácaras dos ‘Loteamento Curitiba’, nos termos do art. 8º e do Decreto-Lei n. 359, de 17 de dezembro
de 1968, com a redação dada pelo Decreto-Lei n. 760, de 13 de agosto de 1969.
(...)” (fl. 73 e verso).
R.T.J. — 198 539

Logo em seguida, em 21-12-2001, o cessionário, Sr. Antonio Reis, encaminhou ao


Sr. Governador do Estado do Paraná pedido de indenização em face do contido na [ECE
n. 14/2001] (fls. 62/70).
Trouxe laudo técnico de avaliação (fls. 107/191), em que se atribuiu valor de
mercado dos imóveis em R$ 5.579.000,00 (cinco milhões, quinhentos e setenta e nove
mil reais). (Fl. 187)
Desse laudo foi aberta vista à PGE/PR, que assim se manifestou:
“(...)
3. (...) tratam-se de áreas confiscadas pela Revolução de 64 (...) confiscadas
pela União, incorporadas ao patrimônio do Estado, ocupadas para diversas instala-
ções públicas, inclusive de serviços da União, com regularização da propriedade
ao Governo Federal feita ainda neste governo.
4. O confisco, não obstante um ato de exceção, alega irregularidade na
aquisição das propriedades, antes terras devolutas do Estado. A respeito existe
ligeira menção a um mandado de segurança, trânsito em julgado no STF, afirmando
a legalidade de ato administrativo que transferira terras devolutas aos particulares
de quem o deputado as adquiriu.
5. Como os atos revolucionários eram subtraídos ao princípio da universali-
dade do Judiciário, o confisco jamais foi oportunamente contrastado em juízo.
6. Com o advento da [CF] houve no ADCT, o art.: 8º, uma ampliação das
disposições legislativas que antes já haviam outorgado anistia às pessoas perse-
guidas pelo regime. Dada a amplitude de tal norma o confiscado e seus ingressaram
com ação ordinária visando indenização de todos os bens subtraídos. (Fl. 87)
Neste processo houve julgamento favorável ao Estado do Paraná porque o
dispositivo trata apenas da situação de servidores públicos, não atingindo os
autores. Este julgamento de 1º grau foi confirmado no TRF da 4ª Região, e o
acórdão respectivo recebeu recurso de embargos de declaração pelo Estado do
Paraná, que foram providos e aguardam publicação. (Fl. 87/88)
7. Neste quadro sobreveio a lei estadual 10.027/98, objeto do já citado
parecer 237. Esta lei prevê a regularização fundiária do ‘Loteamento Curitiba’,
para regularizar os posseiros e promitentes comprovadores que foram frustrados
pelo ato de exceção.
8. Agora sobreveio a [EC n. 14/01] (...) (fl. 88)
(...)”
Destaca ainda que
“(...)
4. (...) [a EC n. 14/01] necessita de regulamentação pelo Poder Executivo.
Com efeito, para aplicabilidade da referida norma constitucional é indispensável,
por exemplo, que se explique quais os requisitos e condições exigidos para que o
interessado venha a ser considerado ‘terceiro de boa fé’, bem como o que se
540 R.T.J. — 198

entende por ‘benefício indireto’ do Estado como condição de eventual indeniza-


ção. É (...) indispensável que o Poder Executivo estabeleça o procedimento a ser
observado no ‘pleito administrativo’ impulsionado pelo requerimento de indeni-
zação do interessado (...) Há, portanto, necessidade de definir os órgãos do Poder
Executivo que atuarão no procedimento e quais as suas competências na verifica-
ção do direito alegado e na valoração dos prejuízos indicados.O eventual paga-
mento em dinheiro do valor da indenização não está normatizado uma vez que a
norma constitucional dispõe tão somente a respeito do pagamento alternativo
mediante compensação com créditos fiscais, esse meio, igualmente carente de
regulamentação. (Fls. 94/95)
(...)”
3. O histórico da legislação correlata.
3.1. O Ato Institucional n. 5, de 13-12-68.
Dispõe:
“(...)
Art. 2º O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso
Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato
Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar
quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica
autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas
Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
(...)”
3.2. O Ato Complementar n. 42, de 27-1-69.
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelos
arts. 2º, § 1º, e 9º do [AI n. 5], de 13-12-68, dispôs:
“Art. 1º O Presidente da República, após investigação, poderá decretar o
confisco de bens de pessoa natural ou jurídica que, em relações de qualquer
natureza, com a administração, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedades de econo-
mia mista e fundações instituídas pelos poderes públicos, associações ou entida-
des beneficiadas com auxílios ou contribuições estabelecidos em lei, permissioná-
rias ou concessionárias de serviços públicos, se haja enriquecido, ilicitamente,
com bens, dinheiros ou valores, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se também, o disposto neste artigo a quem, de
qualquer modo, concorre para o enriquecimento ilícito.
Art. 2º Considera-se enriquecimento ilícito o que resultar de:
I - Vantagem ou benefício auferido, ilicitamente, na qualidade de diretor,
gerente, superintendente, administrador, sócio ou empregado das entidades men-
cionadas no art. 1º ou outras que se mantenham, no todo ou em parte, mediante
contribuições periódicas populares;
.
R.T.J. — 198 541

II - Exploração de jogos de azar ou de lenocínio e do comércio clandestino de


entorpecentes;
III - Declaração falsa:
a) em medição de serviços de construção de estradas ou de obras públicas
executadas por empreiteiros, subempreiteiros, concessionários e tarefeiros;
b) sobre quantidade, qualidade, peso ou características de mercadorias ou
bens entregues a serviço de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º;
IV - Inserção de elementos inexatos ou a omissão de operações de qualquer
natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de se
subtrair ao pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública;
V - Alteração de faturas e quaisquer outros documentos relativos a operações
mercantis, com o propósito de fraudar à Fazenda Pública;
VI - Fornecimento ou a emissão de documentos graciosos ou a alteração de
despesas, ou outras verbas não especificadas, com o propósito de obter redução de
tributos devidos à Fazenda Pública.
Parágrafo único. Os casos de enriquecimento ilícito acima referidos não
excluem atos ou fatos que possam ser abrangidos pelo disposto no artigo 1º.
Art. 3º Os bens confiscados, de acordo com este Ato Complementar, serão
incorporados ao patrimônio da entidade jurídica prejudicada com o enriqueci-
mento ilícito e, se nenhum o tiver sido, ao da União.
Art. 4º Nenhuma sanção fiscal, de qualquer natureza, se aplicará a contribuinte
beneficiado por anistias fiscais anteriores a este Ato Complementar.
Art. 5º Este Ato Complementar entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.
(...)”
3.3. O Decreto n. 65.551, de 21-10-69.
Dispôs:
“Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica
Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º2 do Ato Institucional
número 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o artigo 83, item II3, da
Constituição, na forma do artigo 8º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de

2 Ato Institucional n. 16/69.


“(...)
Art. 3º Enquanto não se realizarem a eleição e posse do Presidente da República, a Chefia do Poder
Executivo continuará a ser exercida pelos Ministros militares.
(...)”
3 Constituição de 1967.
“(...)
Art. 83. Compete privativamente ao Presidente:
(...)
542 R.T.J. — 198

1968, e o artigo 1º do Ato Complementar n. 42, de 27 de janeiro de 1949, e tendo


em vista o que consta dos autos da Investigação Sumária CGI n. 105-69, da
Comissão Geral de Investigações,
Decretam:
Art. 1º São confiscados e incorporados ao patrimônio do Estado do Paraná,
nos termos dos artigos 1º e 3º do Ato Complementar n. 42, de 27 de janeiro de
1969, o imóvel pertencente a Anibal Khoury, brasileiro, casado, industrial, resi-
dente em Curitiba, no Estado do Paraná, e abaixo especificado:
— Lote de terras rural n. 1 (antigo lote rural n. 7, incorporado ao Patrimônio
Florestal do Estado do Paraná), da Gleba Cascavel, da Chácara do Patrimônio
Cascavel, no município e comarca do mesmo nome, no Estado do Paraná, com a
área de 1.596.200 m2, transcrito sob o n. 13.734, a folhas 50 do livro 3-AE, de
transcrição das transmissões, em 23 de julho de 1965, no Registro de Imóveis,
Títulos e Documentos da Comarca de Cascavel, Estado do Paraná, e dividido em
1.352 lotes urbanos, 65 chácaras agrícolas e reservas para utilidades públicas, sob
a denominação ‘Loteamento Curitiba’, inscrito sob o n. 34, no livro 8, da inscrição
de loteamentos do citado Cartório.
Art. 2º São nulos de pleno direito, em relação à Fazenda Pública do Estado do
Paraná, nos termos do artigo 8º do Decreto-lei n. 359, de 17 de dezembro de 1968,
com a redação dada pelo Decreto-lei n. 760, de 13 de agosto de 1969, todos os atos
de alienação de lotes de terras urbanas e chácaras do ‘Loteamento Curitiba’, de que
trata o artigo anterior.
Parágrafo único. Aos terceiros possuidores de boa fé é assegurado direito
regressivo contra Anibal Khoury, nos termos do § 4º do artigo 8º do Decreto-lei n.
359, de 17 de dezembro de 1968, com redação dada pelo Decreto-lei n. 760, de 13
de agosto de 1968.
Art. 3º São confiscados e incorporados ao patrimônio da União nos termos
dos artigos 1º e 3º do Ato Complementar n. 42, de 27 de janeiro de 1969, e artigo
6º do Decreto-lei n. 359, de 17 de dezembro de 1968, os bens imóveis, pertencentes
a Anibal Khoury, abaixo especificados:
I - 50/100 do imóvel com a área de 43.000 m2, na Rua Nilo Peçanha, Mateus
Leme e Carlos Pioli, em Curitiba, Estado do Paraná, adquirido conforme escrituras
de compra e venda, lavradas no 7º Tabelião de Curitiba, à fl. 150 do Livro 182, 3v
do livro 202-N, 146v do livro 182-N e 97v do livro 188-N, todas em 1962;
II - Lote n. 8, da quadra n. 4, do Jardim Guabirotuba, em Curitiba, Estado do
Paraná, transcrito na 3ª Circunscrição do Registro Imobiliário da Comarca daquela
Cidade, sob o número 25.207, no livro 3-J, de transcrição das transmissões, em 30
de abril de 1962;

II - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel
execução;
(...)”
R.T.J. — 198 543

III - Imóvel constituído por casa e respectivo terreno na Rua Francisco


Rocha, em Curitiba, Estado do Paraná, adquirida conforme escritura de compra e
venda lavrada, em 8 de janeiro de 1962, no 7º Tabelião daquela Cidade, à fls. 38 do
livro 190-N;
IV - Área com 330 alqueires na Gleba Caraguaçu, Município de Paranaguá,
Estado do Paraná, adquiridas por escrituras de promessa de compra e venda
lavradas, no Tabelião do Distrito de Guajuvira, Comarca de Araucária, à fls. 131v
e fls. 128, do livro n. 2, ambas em 16 de novembro de 1962;
V - Área com 97,3 alqueires na Gleba n. 6, da Colônia Fronteira, Distrito e
Município de Guaraqueçaba, Estado do Paraná, adquirida conforme escritura de
promessa de compra e venda lavrada no Tabelião do Distrito de Guajuvira,
Comarca de Araucária, à fls. 136v., do livro n. 2, em 17 de novembro de 1962;
VI - Área com 16 alqueires, no lote rural n. 11, da Gleba n. 6, da Colônia
Fronteira, Distrito e Município de Guaraqueçaba, Estado do Paraná, adquirida
conforme escritura de promessa de compra e venda lavrada no Tabelião do Distrito
de Guajuvira, Comarca de Araucária, à fls. 135 livro n. 2, em 16 de novembro de
1962;
VII - Loja n. 10, de 1º andar, do Edifício Asa, na Rua Voluntários da Pátria,
com a fração ideal do solo de 3,123 m2 em Curitiba, Estado do Paraná, adquirida
conforme escritura de compra e venda lavrada no 3º Ofício de notas daquela
Cidade, à fls. 95 do livro 192.
Art. 4º Os imóveis de que trata o artigo 3º são entregues ao Ministério da
Fazenda (Serviços do Patrimônio da União).
Art. 5º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
(...)”.
O inciso I do art. 3º do Decreto 65.551/69 foi retificado pelo Decreto n. 74.839, de
6-11-74, cuja redação passou a constar:
“(...)
‘Art. 3º (...)
I - 150/100 sobre a parte ideal de 36.000m2 do imóvel sito à rua Nilo
Peçanha, Mateus Leme e Carlos Pioli, em Curitiba, Estado do Paraná, cuja área
total é de 43.162m2, adquirido conforme escrituras de compra e venda, lavradas no
7º Tabelião de Curitiba, a fls. 150 do livro 182-N, 3 v do livro 202-N, — 146 v do
livro 182-N, e 97v do livro 188-N — todas em 1962';
Art. 2º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.”
4. A ADI.
O Governador do Estado do Paraná requer a declaração de inconstitucionali-
dade da EC n. 14/2001.
544 R.T.J. — 198

Sustenta que referida norma


“(...)
I - (...)
(...)
2. (...) determina que seja concedida administrativamente indenização aos
que foram atingidos por atos de exceção, no período de ditadura militar. Inclusive,
dispõe que tal indenização pode ser paga mediante compensação tributária.
3. Trata-se de benefício não previsto na [CF], que estabelece, expressa e
taxativamente, no [ADCT] (...), os benefícios que devem ser concedidos aos
afetados por atos de exceção. (Fl. 3)
(...)
II - (...)
(...)
2. [os arts. 8º e 9º do ADCT/CF outorgaram] (...) anistia e conferiu (sic)
benefícios às pessoas que sofreram represálias e perseguições relativas ao exercí-
cio de atividade profissional, sindical, mandato eletivo e de direitos políticos.
(fls. 5)
(...)
4. (...) a abrangência conferida pela [ECE n. 14/2001] (...) aos ‘prejuízos
sofridos’, ao ultrapassar a delimitação promovida pela [CF], afronta ao disposto
nos artigos 8º e 9º do ADCT. Razão pela qual a Emenda Constitucional encontra-
se eivada do vício de inconstitucionalidade material.
(...)
6. (...) frise-se que a Emenda, na medida em que estabelece, no parágrafo
único, que a ‘verificação do direito e do valor dos prejuízos deverão ser realizados
em pleito administrativo’, contraria (...) o art. 9º, do ADCT, eis que este dispositivo
constitucional determina que, para ‘reconhecimento dos direitos e vantagens
interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes
eivados de vício grave’, deve ser feito requerimento ao [STF] e não mero pedido
administrativo ao Poder Executivo. (Fl. 6)
(...)
10. (...) tendo sido a iniciativa e a promulgação do mencionado diploma
legislativo promovidas pela Assembléia Legislativa, vislumbra-se que a referida
[ECE] encontra-se eivada do vício de inconstitucionalidade formal, vez que não
se respeitou a iniciativa privativa do Poder Executivo, prevista no artigo 61 da
[CE], a qual exige lei formal e não emenda constitucional.
11. (...) seja pela usurpação da iniciativa privativa do Poder Executivo, seja
pela afronta aos artigos 8º e 9º do ADCT, da [CF], é irrefutável a existência de vício
de inconstitucionalidade na Emenda Constitucional Estadual n. 14. (fls. 8)
(...)”
R.T.J. — 198 545

Requer, em liminar, a suspensão da norma, por entender demonstrada


“(...)
4. (...) a inconstitucionalidade, seja formal, seja material, da Emenda Consti-
tucional Estadual n. 14/2001, restando (...) presente (...) o fumus boni iuris da
pretensão deduzida (...)
5. O periculum in mora (...) reside no fato de que o Governador do Estado do
Paraná, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, deverá cumprir (...) a
Emenda Constitucional, sendo obrigado a deferir os pleitos administrativos e, por
conseguinte, pagar indenizações que sequer são devidas.
(...)” (Fl. 9).
No mérito, requer a declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucio-
nal estadual n. 14 (fl. 10).
5. As informações da Assembléia Legislativa.
O Presidente da Assembléia Legislativa daquele Estado, em suas informações,
observa que
“(...)
II - (...)
(...) merece reservas a alegação de afronta aos artigos 8º e 9º do ADCT pelo
fato de a norma impugnada não observar o paradigma federal, que vincula os
Estados da Federação. Trata-se de vezo, já superado, de concentrar-se na União (...)
quase todas as competências que devam ser distribuídas, no verdadeiro regime
federativo, às outras entidades públicas de direito interno (fls. 22)
(...)”
Traz parecer da PGR na ADI 104-3, a qual sustenta
“(...)
15. (...) que as normas limitadoras da autonomia dos Estados devem receber
interpretação estrita, considerando-se a importância do princípio federativo (...)
16. Nesse contexto é de ser entendido o art. 48, VIII, da [CF], que atribui ao
[CN] dispor sobre a concessão de anistia. Trata-se de norma que não restringe a
autonomia dos Estados-membros, cujo exercício pressupõe a competência para
dispor sobre os seus servidores, no âmbito das relações de direito administrativo.
(Fls. 26)
(...)”
Conclui
“(...)
(...) que aqui (...) a alegação de inconstitucionalidade formal se restringe à
matéria tributária. Quanto a essa (...) a Emenda Constitucional 14/2001 não traz
senão uma opção que ele poderá ou não exercer. Daí porque plausibilidade
546 R.T.J. — 198

jurídica inexiste, também, quanto a esse fundamento para justificar a concessão da


liminar. (Fls. 26)
(...)”
6. O parecer do AGU.
“(...)
2.1. (...)
(...) o artigo 40 da [CE/PR] não se refere propriamente a casos de anistia
concedida em face de atos de motivação política, nos moldes traçados no art. 21,
XVII da [CF], mas de indenizações decorrentes de atos de responsabilização civil
do Estado. (Fls. 201/202)
(...)
Além do mais, (...) os artigos 8º e 9º do [ADCT] referem-se a casos de anistia,
cuja concessão, nos termos do art. 21, XVII da [CF], compete única e exclusiva-
mente à União.
(...)
(...) a legislação sobre a indenização, verdadeiro caso de responsabilização
civil, não está vedada aos Estados. É o que depreende-se dos termos do artigo 37,
§6º, da [CF].
E em se considerando que a questão de indenização por prejuízos causados a
terceiros não se refere à anistia política ou funcional, que a atividade legislativa
residual compete aos Estados, que não houve desrespeito a princípios constitucio-
nais federais, não há que se falar em inconstitucionalidade do caput do artigo 40 da
Constituição do Estado do Paraná. (Fls. 204/205)
2.2. (...)
A jurisprudência do [STF] fixou o entendimento de que o art. 61, § 1º,
inciso II, alínea b, da [CF] diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais,
não sendo norma cuja observância seja impositiva aos Estados-membros.” (Fl.
205)
(...)
Conclui pela improcedência da presente ação.
7. O parecer do PGR.
Observa que a
“(...)
8. (...) alegação de que a [AL/PR] teria invadido esfera privativa do Chefe do
Poder Executivo, no que tange à iniciativa de leis em matéria tributária, não tem a
ver com a invocação de ofensa à alínea ‘b’ do inciso II do art. 61, da [CF], que
cuida de matéria concernente à iniciativa para dispor sobre organização adminis-
trativa de Território.
R.T.J. — 198 547

(...)
10. (...) o Constituinte Federal outorgou anistia e conferiu benefícios às
pessoas que sofreram represálias e perseguições relativas ao exercício de atividade
profissional, sindical, mandato eletivo e cassação de direitos políticos, durante o
período de exceção. Dessa forma, ao permitir que o terceiro de boa fé seja indeni-
zado por prejuízos materiais, o constituinte estadual concedeu benefício não
previsto na Constituição Federal, contrariando, portanto, o disposto nos seus arts.
8º e 9º do ADCT.
11. Ademais, o § 2º, do art. 8º, do ADCT da Constituição Federal, prevê que
ficam assegurados os benefícios estabelecidos no artigo aos trabalhadores do setor
privado, dirigentes e representantes sindicais, que por motivos exclusivamente
políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das
atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de
exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes
oficiais sigilosos. Nenhuma reparação econômica em razão de prejuízos decorren-
tes de perda ou cessação de renda está prevista na Constituição Federal, para
aqueles atingidos por atos de exceção, no setor privado, como o fez a norma
constitucional estadual impugnada, extravasando os limites do texto constitucio-
nal federal. (Fls. 212)
(...)”
É pela procedência da ação.
É o relatório.
Encaminhem-se cópias aos Exmos. Srs. Ministros.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator):
1. Do histórico da anistia no Brasil.
Anistia, do grego amnistia, significa esquecimento.
O primeiro registro de anistia que se tem na história data de 594 a.C., período de
Sólon, que a concede aos helenos.
Conforme ensina o Professor de Ciências Políticas da UFRN, Homero de Oliveira
Costa, Sólon reintegra
“(...)
(...) os direitos aos cidadãos perseguidos pelos regimes tirânicos que lhe
antecede e concede o perdão a todos os perseguidos, exceto aos condenados por
traição ou homicídio.
(...)”
Segundo Rui Barbosa, em Roma, a concepção de anistia aparece sob o nome
generalis abolitio, com o significado de perdão, esquecimento.
548 R.T.J. — 198

Historicamente, portanto, é um ato eminentemente político, com o objetivo de


reconduzir à paz governamental.
Com o poder político dos senhores feudais durante a Idade Média, e os atos de
tirania que se seguiram, eram concedidas ‘graças’, conforme a vontade pessoal dos
donos das terras, sem qualquer fundamento legal.
Em seu livro Liberdade para os brasileiros, anistia ontem e hoje, Roberto Ribeiro
Martins diz que
“(...)
(...) Os sinais entremostrados na história, referem-se à aplicação da graça
como medida abrangente de clemência, traduzida na comutação de pena de
morte, quanto à forma de execução, determinando-se por meio menos cruel de
execução, ou ainda, a proibição de torturas no caso específico tangido pela medida
da graça.
(...)” (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 21).
É na Constituição francesa de 1791 que se faz a diferença entre graça e anistia:
aquela, atribuída ao Presidente da República; e esta, de competência da Assembléia.
Nas Constituições brasileiras, a figura da anistia também se fez presente.
Na Constituição de 1824, competia ao Imperador concedê-la ou negá-la (art. 101,
VIII e IX).
Na Constituição de 1891, há a previsão de competência privativa do Congresso
Nacional em conceder anistia (art. 34, 27º).
Alterou-se a competência para a União concedê-la, privativamente, na Constitui-
ção de 1934 (art. 5º, XVIII).
Essa regra se repete na Constituição de 1937 (art. 15, XI).
A expressão ‘privativamente’ foi retirada da competência da União nas Constitui-
ções de 1946 (art. 5º, XIV), 1967 (art. 8º, XVI) e 1988 (art. 21, XVII).
Os arts. 8º e 9º do ADCT/88 prevêem os casos em que será concedida anistia, com
efeitos financeiros.
2. A decisão.
Defende o AGU que os arts. 8º e 9º do ADCT são atos próprios de anistia política e
que a Constituição paranaense cuidou de indenização em face da responsabilidade civil
do Estado.
Sustenta que não há vedação aos Estados em legislar, como o fez o Estado do
Paraná, por tratar-se de competência legislativa residual.
Diz ainda que a norma impugnada trata apenas de matéria indenizatória àqueles
que sofreram atos de exceção no período revolucionário, e que acarretaram, esses
mesmos atos, benefícios diretos ou indiretos ao Estado do Paraná.
A CF não conceituou a anistia, mas é esta um instituto constitucional.
R.T.J. — 198 549

Leio Rui Barbosa:


“(...)
(...) não estando expressado, entre nós, nos textos constitucionais, o conceito
jurídico da anistia, onde havemos de ir tomar os elementos para reconstruir a
intenção do legislador constituinte? Na história da instituição em nosso país e nas
leis que a regiam, quando se elaborou o pacto fundamental. (...)” (Obras completas.
Vol. XXIV, Tomo III, Rio de Janeiro, 1955, p. 129).
Esta é a razão do relato histórico que li anteriormente.
É da competência da União conceder a anistia (CF, art. 21, XVII).
Refere-se à anistia ampla, que pode incluir as hipóteses do art. 150, § 6º (matéria
tributária ou previdenciária), e dos arts. 8º e 9º do ADCT.
O legislador federal, ao tentar reparar o dano causado pelos atos de exceção,
elaborou o que disposto nos arts. 8º e 9º do ADCT.
É a anistia em benefício daqueles que foram vítimas de atos de “exceção,
institucionais ou complementares”; que de alguma forma sofreram prejuízos em suas
atividades profissionais; em seus direitos, ou por motivos políticos.
Alcançou também os trabalhadores da iniciativa privada, dirigentes e representan-
tes sindicais que foram
“(...) punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remu-
neradas que exerciam, bem como foram impedidos de exercer atividades profissio-
nais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.” (§ 2º do
art. 8º do ADCT)
A CF delimitou os beneficiários e os benefícios por estes alcançados.
Também fixou àqueles que foram “(...) cassados ou tiveram seus direitos políticos
suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então
Presidente da República, (...) [a possibilidade de] (...) requerer ao [STF] o reconhecimen-
to dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem
terem sido estes eivados de vício grave.” (Art. 9º, ADCT).
Da leitura desses dispositivos constitucionais verifica-se a prevalência dos direi-
tos humanos.
A norma estadual, por sua vez, estabelece uma nova forma de anistia, mais ampla e
abrangente que aquela prevista na Constituição Federal.
É esse o caráter que se quer dar.
Isso porque não há nenhuma previsão indenizatória, na Constituição Federal,
àqueles que sofreram perda ou cessação de renda em razão de ato de exceção.
A hipótese da EC n. 14, do Estado do Paraná, amplia o que disposto na CF.
Se ato de exceção houve, causador de dano, fora das situações constitucionais
previstas, não será uma Emenda Constitucional estadual o caminho legal para buscar a
reparação, a indenização.
550 R.T.J. — 198

De fato, pela própria natureza do ato de anistia previsto nos arts. 8º e 9º do ADCT, sua
competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal.
Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da compensa-
ção financeira das vítimas de atos de exceção, é também claramente a aceitação excepcio-
nal de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado por atos políticos do passado.
A repercussão política e financeira reveste esse ato confessional de culpa do Estado
de excepcionalidade que, por isso, não admitiria interpretação extensiva e nem, ao menos,
ampliação por parte do poder constituinte derivado dos Estados-Membros.
Do contrário, com facilidade, ato de tamanha envergadura política e institucional
do nosso Estado Democrático de Direito se vulgarizaria e sua previsão poderia tornar-se
instrumento de populismo ou até mesmo de práticas da Administração local em violação
aos princípios da moralidade e da impessoalidade.
Por isso mesmo, em se tratando de indenização por atos de exceção, valem
somente as regras estritas dos arts. 8º e 9º do ADCT, sem possibilidade de ampliação do
benefício.
Aliás, foi o que decidiu o Supremo em recente caso julgado em 6-10-2005, de
Relatoria do Ministro Eros Grau (AOE 16), com acórdão ainda não publicado.
Finalmente, o Plenário do Tribunal já assentou esse entendimento ao julgar
exatamente a ampliação de anistia feita no Estado do Paraná.
Trata-se do RE 275.480, de Relatoria de Ellen Gracie:
“Anistia. Efeitos financeiros. Compatibilidade do art. 8º, §§ 1º e 5º, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e
do art. 39 do ADCT da Constituição do Estado do Paraná.
Limitação dos efeitos financeiros da anistia ao período posterior à promulga-
ção da Carta de 1988. Precedentes.
Se o Constituinte Federal estabeleceu, como princípio, a limitação, no tem-
po, dos efeitos financeiros da anistia, o Poder Constituinte derivado, não pode
ultrapassar este limite.
Interpretação conforme do 8º, § 1º e 5º, do ADCT da Carta Maior.
Na expressão ‘todas as vantagens’ encontram-se tão-só aquelas não excluí-
das pela correspondente norma da Constituição Federal.
Recurso conhecido e provido.”
Por todo o exposto e acompanhando o parecer da PGR, declaro inconstitucional a
Emenda Constitucional n. 14, de 10 de dezembro de 2001, do Estado do Paraná.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, formalmente, parece-me
bem inspirado o texto paranaense, por buscar uma compensação. Naquilo em que o
Estado cessionário se beneficiou como resultante do ato mesmo de cessão, o Estado
cedente quer se compensar, material e financeiramente.
R.T.J. — 198 551

Porém, o voto de Vossa Excelência deixa claro que essa matéria foi normada pela
Constituição Federal no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em ordem a —
parece-me — sedimentar uma interpretação clara de que houve uma reserva de mercado
legislativo. Ou seja, continuamos com a palavra “mercado”. É matéria que tem seus
pontos de partida e de chegada na Constituição Federal, mais precisamente nos artigos
8º e 9º.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, tem-se, a um só tempo, paga-
mento pelo Estado e benefício decorrente desse pagamento. Até a redação é confusa.
Acompanho Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.639/PR — Relator: Ministro Nelson Jobim. Requerente: Governador do
Estado do Paraná (Advogada: PGE/PR – Márcia Carla Pereira Ribeiro). Requerida:
Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 14/2001, do Estado do Paraná, nos
termos do voto do Relator, Ministro Nelson Jobim, Presidente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 8 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 2.772 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Reclamante: Maria Auxiliadora Barros Medeiros Rodrigues — Reclamados: Tri-
bunal Regional do Trabalho da 21ª Região, Tribunal Superior do Trabalho e Presidente
da República — Interessados: Joaquim Silvio Caldas e Maria Suzete Monte de Hollanda
Diógenes
1. Intervenção de terceiro. Terceiro prejudicado ou interessado.
Reclamação. Admissibilidade. Magistrado incluído em lista tríplice im-
pugnada. Destinatário da eficácia gravosa de eventual decisão favorável à
reclamante. Recepção da causa no estado em que a encontre. Poder de
sustentação oral deferido. Aplicação do art. 15 da Lei n. 8.038/1990.
552 R.T.J. — 198

Precedente. Admite-se, em reclamação, que intervenha terceiro juridica-


mente interessado ou prejudicado, com direito de exercer poderes proces-
suais a partir do momento da intervenção, entre os quais o de fazer
sustentação oral.
2. Magistrado. Promoção por merecimento. Vaga única em Tribunal
Regional Federal. Lista tríplice. Composição. Inclusão de magistrados
que não pertenciam à primeira quinta parte da lista de antiguidade. Ilega-
lidade. Mandado de segurança concedido a juíza que era um dos três
únicos magistrados que cumpriam todos os requisitos constitucionais.
Trânsito em julgado. Recomposição sem inclusão nem recusa formal da
impetrante. Inadmissibilidade. Descumprimento da decisão do Supremo.
Reclamação julgada procedente. Desrespeita a autoridade de decisão do
Supremo Tribunal Federal o ato complexo de recomposição de lista
tríplice para promoção de magistrados, sem inclusão nem recusa do
nome de juiz a quem a Corte assegurou, mediante concessão de mandado
de segurança, com trânsito em julgado, o direito líquido e certo de ser nela
incluído, salvo recusa formal em procedimento específico, que não houve.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar procedente a reclamação e prejudicado o agravo regimental, nos termos do voto
do Relator. Falaram, pelo reclamante, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro e, pelo interessado,
Bento Herculano Duarte Neto, o Dr. Fernando Neves da Silva. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de reclamação movida por Maria
Auxiliadora Barros Medeiros Rodrigues, juíza do trabalho, contra o Tribunal Regional
do Trabalho da 21ª Região, o Tribunal Superior do Trabalho e o Presidente da Repúbli-
ca, por terem, respectivamente, o primeiro, elaborado lista tríplice contrária à decisão
desta Corte no MS n. 24.414; o segundo, dado a ela regular encaminhamento; e, o
terceiro, não a ter devolvido em razão do vício que a inquina (fls. 02-15).
A controvérsia daquele writ preventivo, por mim relatado, envolvia a elaboração
de lista tríplice pelo TRT da 21ª Região, para promoção de juiz de carreira em vaga cujo
preenchimento devia dar-se por critério de merecimento. Da ementa, constou:
“Magistrado. Promoção por merecimento. Vaga única em Tribunal Regi-
onal Federal. Lista tríplice. Composição. Escolha entre três únicos juízes que
cumprem todos os requisitos constitucionais. Indicação de dois outros que não
pertencem à primeira quinta parte da lista de antiguidade. Recomposição
dessa quinta parte na votação do segundo e terceiro nomes. Inadmissibilidade.
R.T.J. — 198 553

Não ocorrência de recusa, nem de impossibilidade do exercício do poder de


escolha. Ofensa a direito líquido e certo de juiz remanescente da primeira
votação. Nulidade parcial da lista encaminhada ao Presidente da República.
Mandado de segurança concedido, em parte, para decretá-la. Inteligência do
art. 93, II, b e d, da CF, e da interpretação fixada na ADI n. 581/DF. Ofende
direito líquido e certo de magistrado que, sendo um dos três únicos juízes com
plenas condições constitucionais de promoção por merecimento, é preterido, sem
recusa em procedimento próprio e específico, por outros dois que não pertencem à
primeira quinta parte da lista de antiguidade, na composição de lista tríplice para
o preenchimento de uma única vaga”.
Alega a reclamante, em síntese, desrespeito a tal decisão, deduzindo que a elabora-
ção da lista pelo TRT, no dia 23-7-2004, passados quase doze meses da concessão da
segurança, nos termos suso vistos, levou em consideração a existência de primeira
quinta parte de antiguidade diversa daquela existente à época da coação inibida, ou
seja, nova lista foi elaborada, sob o argumento de que houve, com a criação de novas
varas, aumento do número de juízes que compõem o quadro da magistratura de primeiro
grau.
Sustenta que os fatos novos não podem retroagir para alcançar ou modificar-lhe
o direito subjetivo, o qual “nasceu no momento da abertura da vaga para o Tribunal
e foi violado quando da formação da primeira lista, já anulada por esse eg. Tribunal
(...). Tal direito tem força de lei e faz coisa julgada entre as partes no processo (...)
razão pela qual não poderia o TRT da 21ª Região ter protelado o seu cumprimento
para, invocando uma situação de fato nova, superveniente, burlar o comando judicial,
d.v..”.
A medida liminar foi deferida nos seguintes termos:
“(...)
2. O caso é de liminar.
A lista tríplice elaborada, ratificada e já encaminhada ao Presidente da
República aparece, neste juízo prévio, deveras afrontosa à autoridade da decisão
proferida no julgamento do MS n. 24.414, cujo acórdão determinou fosse a lista
primitiva refeita, sem recomposição do quinto de antiguidade, quando
remanesciam pelo menos dois juízes que cumpriam os requisitos constitucionais
para a integrar.
A Corte reconheceu e garantiu à ora reclamante o direito subjetivo de ser
votada para o segundo lugar, em companhia do juiz Sílvio Caldas, ou o de, salvo
recusa formal e fundamentada, ser indicada sozinha para o terceiro lugar. Nesse
sentido, foi muito categórico o acórdão prolatado em grau de embargos
declaratórios:
‘Não há, pois, nenhuma dúvida de que, salvo eventual recusa formali-
zada nos termos das exigências constantes do acórdão, a escolha do terceiro
nome prescindirá de recomposição da quinta parte de antiguidade, de modo
que deve recair sobre o nome do único remanescente que atende às condi-
ções constitucionais’ (fl. 211. Grifei).
554 R.T.J. — 198

Daí que, sob pena de aberta transgressão à eficácia de decisão tão clara e
inequívoca, emitida em processo subjetivo, onde se não julgam princípios, mas
situações jurídicas subjetivas (por isso diz-se que de seus julgamentos definitivos
advém caso julgado ou coisa julgada), não poderia ser desconsiderada a situação
factual existente à data da impetração e objeto específico do mesmo ato decisório,
de caráter mandamental.
Escusaria, aliás, tivessem sido tão explícitos ambos os acórdãos a respeito,
porque bastaria recordar a velhíssima lição de Chiovenda, hoje incorporada ao
patrimônio universal da dogmática e da positividade do Direito Processual do
mundo civilizado:
‘Tendo em conta que a atividade do Estado, para operar a atuação da
lei, exige tempo e despesa, urge impedir que aquele, que se viu na necessi-
dade de servir-se do processo para obter razão, tenha prejuízo do tempo e da
despesa exigidos: a necessidade de servir-se do processo para obter razão não
deve reverter em dano a quem tem razão (...) a sentença que recebe a demanda
deve atuar a lei como se isso acontecesse no momento mesmo da demanda
judicial’ (Instituições de Direito Processual Civil. Trad. de J. Guimarães
Menegale. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1942. vol. I, pp. 233-234 e 235, n. 34.
Grifos do original).
Em síntese, o que a Corte reconheceu e garantiu à ora reclamante foi direito
subjetivo, líquido e certo, que deveria ser reverenciado segundo a realidade
histórica existente no momento em que ajuizou o pedido, para que se observassem
as normas incidentes nesse mesmo momento, como aconteceria se não tivessem
sido violadas na organização da lista original. Se houvera tal lista atendido às
normas incidentes sobre os fatos da época, consoante elucidaram e demonstraram
os acórdãos da Corte, a lei teria, enquanto ordenamento jurídico, atuado desde sua
incidência, sem violação do direito subjetivo da ora reclamante, a qual não teria
precisado servir-se do processo de mandado de segurança para ver declarada a sua
razão.
A ora reclamante não foi recusada, nem indicada!
3. Do exposto, defiro a liminar, para sustar, até julgamento da reclamação, o
trâmite do ato de nomeação para o preenchimento da vaga, por merecimento, de
juiz do trabalho no TRT da 21ª Região, objeto desta causa.
Comunique-se incontinenti, por telex ou fac-símile e ofício, o teor da liminar
às autoridades reclamadas e requisitem-se-lhes as informações que entendam de
prestar. Decorrido o prazo, com ou sem elas, encaminhem-se os autos à Procurado-
ria-Geral da República.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 23 de setembro de 2004.
Ministro Cezar Peluso
Relator” (fls. 115-117).
Contra essa decisão liminar, a União interpôs agravo regimental.
R.T.J. — 198 555

Foram prestadas informações pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região


e pelo Tribunal Superior do Trabalho (fls. 152-162 e 187-190). A Procuradoria-Geral
da República entende ter sido afrontada a decisão do mandado de segurança (fls. 211-
215).
É o relatório.

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, lembro-me bem deste
caso.
A questão é que à ora reclamante — então impetrante e um dos três únicos juízes
que cumpriam todas as condições constitucionais — foi assegurado o direito de ser
incluída na lista, no segundo, ou no terceiro lugar, a menos que fosse recusada formal e
especificamente. O acórdão ainda foi textual a respeito, advertindo que, para haver
recusa, tinha de ser formal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem o refazimento da clientela, segundo sustentei e
fiquei vencido.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Pois é, Vossa Excelência ficou vencido.
Enfim, foi essa a decisão óbvia do Tribunal.
Não quero entrar, aqui, em considerações sobre o Tribunal ter agido de boa ou de
má-fé, até porque se presume que tenha agido de boa-fé. Sucedeu, na verdade, que,
quando foi cumprir o acórdão, invocando o fato de, com o transcurso do tempo, ter
aumentado a primeira quinta parte, não incluiu a impetrante, sem recusa formal — isso é
o grave. O tribunal não a recusou, não houve nenhuma recusa, quando a impetrante
estava garantida pela decisão do mandado de segurança, mas incluiu outros da primeira
quinta parte por considerar que a lista aumentara.
Levando-se em conta, sob presunção de lealdade processual, ser verdadeiro que
um dos juízes — aquele situado em primeiro lugar na lista, porque a posição dele não
estava em discussão — completou agora sessenta e cinco anos, isso ocorreu após
descumprimento do acórdão. Quer dizer, nem é fato superveniente em relação ao
acórdão. É fato recente, que não interfere no julgamento da causa. Se a lista toda tem, ou
não, de ser refeita, não é o problema em causa; o problema é saber se à ora impetrante
deve ser garantido, ou não, o cumprimento do mandado de segurança que lhe assegurou
uma posição na lista, a menos que fosse recusada, e não o foi.
Com esse esclarecimento, lerei o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Consistente a reclamação.
Das informações prestadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região,
extraem-se as razões em que se apoiou para esquivar a inclusão do nome da reclamante
na lista tríplice para promoção por merecimento, elaborada em 23-7-2004, quase doze
meses após a concessão da segurança. Delas consta:
.
556 R.T.J. — 198

“A improcedência da reclamação em epígrafe, portanto, se funda essencial-


mente em não ter a reclamante como ampliar o raio de ação da decisão emanada do
e. STF, com o fito de garantir sua permanência na lista tríplice de promoção por
merecimento, quando a formação desta, em sua essência, não foi discutida no
aludido mandamus. A abrangência da decisão proferida no mencionado Mandado
de Segurança é, portanto, restrita à matéria que lhe foi questionada, qual seja, a
formação da lista de antiguidade em obediência ao art. 93, inciso II, alínea b da
Constituição Federal. Este ato, contudo, por anteceder a formação da lista tríplice
por merecimento, certamente, deve ter levado a reclamante à confusão no tocante
à abrangência da decisão em comento. Esta, todavia, não se vincula a requisito
outro que não seja a estrita obediência ao preceito constitucional acima citado” (fl.
155).
“(...) ao ser considerado determinado ato nulo por ferir direito líquido e certo
de outrem, óbice não há para que, ultrapassadas as irregularidades ditadas pelo
decisum da Corte Suprema, o referido ato seja restabelecido de forma legal e
constitucional. Atuando assim, o Tribunal quando formulou nova lista tríplice
para promoção por merecimento, em face da modificação da lista de antiguidade
por fato superveniente, não agiu em ofensa à decisão do e. Supremo Tribunal
Federal” (fl. 157)
De forma semelhante pronunciou-se o Tribunal Superior do Trabalho:
“Como pode ser observado da decisão supra, a Corte Suprema determinou
que o Regional respectivo recompusesse a lista tríplice com relação aos dois
últimos nomes, não tendo em momento algum determinado a obrigatoriedade de
indicação da i. Requerente para a formação da respectiva lista” (fl. 187).
Como se vê, entenderam os órgãos questionados que a tutela mandamental conce-
dida no MS n. 24.414 se limitara a determinar fossem observadas, na elaboração de listas
tríplices para promoção por merecimento, as diretrizes impostas pelo art. 93, inc. II, letras
b e d, da Constituição da República. Logo — deduziram eles —, ao proceder à escolha
dos nomes integrantes da nova lista com observância dessas normas, ainda que à luz de
fato superveniente, o TRT não teria afrontado a autoridade da decisão desta Corte.
É manifesto o equívoco.
Não há dúvida de que o acórdão concessivo da segurança, reconhecendo o vício
na composição da lista tríplice impugnada, determinou fosse refeita, desta vez em estrita
consonância com o art. 93, inc. II, letras b e d, da Constituição Federal, cujas normas
tinham sido vulneradas. O que o TRT se recusa a ver, conforme se lhe depreende à
justificativa, é que a aplicação daquelas normas, na elaboração da nova lista tríplice,
deveria ter incidido sobre a realidade fática existente no momento da violação dos
preceitos constitucionais.
Com efeito, o acórdão foi proferido em mandado de segurança, destinado à
resolução de certo conflito intersubjetivo de interesses, ou lide, na clássica denomina-
ção de Carnelutti1. Quer isso dizer que a concessão do mandamus significou o reconhe-

1 Sistemad di diritto processuale civile, vol. I. Padova: Cedam, 1936. pp. 40-42.
R.T.J. — 198 557

cimento de que a impetrante era titular de direito subjetivo, “líquido e certo”, violado na
composição da lista tríplice. Esse foi, exata e precisamente, o comando emergente do
acórdão do MS n. 24.414, como se lhe infere à simples leitura. Confira-se:
“Feriu-se de morte, em resumo, direito líquido e certo da impetrante, que
é o de, em companhia do juiz Joaquim Sílvio Caldas, ser votada para o segundo
lugar ou ser ainda indicada sozinha para o terceiro lugar da lista de mereci-
mento, a qual é nula quanto à escolha do segundo e terceiro nomes, devendo,
como tal, ser refeita com observância da orientação agora firmada”.
“Não há, deveras, nenhuma dúvida de que o critério de merecimento implica
sempre possibilidade de escolha, que, por sua vez, pressupõe, em tese, universo
necessário de, pelo menos, dois juízes que cumpram os requisitos constitucionais
conjuntos, pela razão óbvia de que, em regra, se se aplicara ao rol de um único
magistrado, conduziria, tirante hipótese de recusa, a promoção automática, idênti-
ca à resultante da incidência do critério de antiguidade. Nem a hipótese de haver
um único magistrado para o último lugar de lista tríplice elide o exercício do
poder de escolha, porque, se o indica quando tem a alternativa de recusa em
procedimento específico, o tribunal não deixa, segundo penso, de formular
juízo de opção, aplicando do mesmo modo o critério de merecimento”.
Está aí evidente que o acórdão proclamou terem as autoridades coatoras vulnerado
direito líquido e certo da então impetrante, ordenando cessasse o estado de violação.
Aliás, a tutela mandamental de segurança destina-se, como é óbvio, a prevenir ou a
reparar lesão a direito subjetivo, restabelecendo o status quo ante.
Não se está diante de processo de índole objetiva, em que o conflito submetido ao
conhecimento do juiz recai sobre confronto entre normas, tomadas abstratamente, ou seja,
desvinculadas de toda relação histórica. Antes, a decisão proferida no MS n. 24.414 —
como se dá em qualquer processo dito subjetivo — visou a tutelar direito subjetivo
concreto de pessoa determinada, a impetrante. De modo que a adequada composição dessa
lide só atua mediante restauração do direito violado, ou seja, com a recondução da parte ao
estado em que se encontraria, caso houvera sido respeitado tal direito. Ao propósito,
advertia Chiovenda que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem
tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”.2
Se se tivessem guardado as regras constitucionais à época da violação, o nome da
reclamante teria integrado a lista tríplice encaminhada para o Poder Executivo, sem
recusa manifestada em procedimento específico. Logo, o cumprimento da decisão que
lhe reconheceu o direito subjetivo não pode produzir resultado diverso.
Escusaria lembrar que “os resultados obtidos através do exercício da jurisdição
constituem, (...), a atuação prática da vontade jurídica preexistente.3 É coisa velha que

2 CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile. 2. ed. Trad. port. de J.


Menegale, Instituições de direito processual civil. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 46. A
mesma afirmação já havia sido feita em “Dell’azione nascente dal contratto preliminare”. In: Rivista
del diritto commerciale, vol. 9, n. 1, 1911. p. 110.
3 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
1993. p. 209.
558 R.T.J. — 198

o juiz, ao conceder a tutela jurisdicional, nada mais faz que reconhecer e fazer valer ao
vencedor da causa o direito subjetivo de que, antes e independentemente do processo, já
era titular, segundo o direito objetivo. Seria, pois, ilógico que o resultado da atividade
jurisdicional, ao menos no momento declaratório da sentença, não remontasse ao estado
de coisas preexistente à propositura da ação. Doutro modo, incapaz de restaurar a situação
atingida pelo comportamento antijurídico, o processo não passaria de inútil simulacro.
Ora, ao elaborar a nova lista tríplice, tomando por base o número de juízes que hoje
compõem o quadro da magistratura e a atual composição da primeira quinta parte de
antiguidade, o TRT, a despeito de afirmar ter cumprido os termos do decidido no MS n.
24.414, violou-os às inteiras, desrespeitando a autoridade da decisão.
A situação não passou despercebida à Procuradoria-Geral da República:
“De acordo com a decisão prolatada no Mandado de Segurança n. 24.414, foi
assegurado à reclamante, ora agravada, o direito de ser votada para segundo lugar,
em companhia do juiz Silvio Caldas, ou o de, salvo recusa formal e fundamentada,
ser indicada sozinha para o terceiro lugar. O acórdão determinou, ainda, que a lista
primitiva fosse refeita sem recomposição do quinto de antigüidade.
No entanto, uma nova lista foi elaborada sem incluir ou recusar a agravada. A
nova lista foi baseada em um quinto da antigüidade diverso do existente à época
da elaboração da primeira lista. Com isso, no lugar da ora agravante, o juiz Bento
Herculano foi incluído na lista como integrante da quinta parte da lista de antigüi-
dade, o que não poderia ter ocorrido e em total afronta ao decidido no mandado de
segurança” (fl. 215).
Em nada releva a alegação de que a nova lista teria ajustado a decisão a “fato
superveniente”. Encerrada a atividade jurisdicional, a sucessão de fatos novos não pode
alterar a eficácia normante do decisum, sobre o qual recaiu a autoridade da res iudicata,
ou seja, do caso (ou coisa) que, nas suas particularidades jurídico-históricas, foi defini-
tivamente julgado. Por isso, diz-se que há aí coisa julgada, ou, mais expressivamente,
caso julgado.
A hipótese não é da chamada relação jurídica continuativa, em que modificações
no estado de fato ou de direito criam coisa ou caso imune à eficácia da sentença como
norma singular e concreta (art. 471, inc. I, do CPC), que, não obstante, ainda rege a
situação original, cujos contornos figuram os limites objetivos da res iudicata.4 A lide
decidida no MS n. 24.414 dizia respeito a uma situação histórico-jurídica estável e
definida: a ilegalidade na composição da lista tríplice para promoção, à luz da ordem
geral de antiguidade então vigente.
2. Do exposto, julgo procedente a reclamação e prejudicado o agravo regimen-
tal, a fim de anular a nova lista tríplice, determinando seja incontinenti refeita com
estrita observância do direito subjetivo da reclamante de nela ser incluída, sem possibi-
lidade de recusa, porque não foi esta manifestada opportuno tempore.

4 “A declaração judicial revestida da autoridade da coisa julgada tem por objeto a relação jurídica tal
como se apresenta no momento do julgamento. Pode ocorrer, entretanto, que, com a superveniência de
fatos novos ou de lei nova, aquela relação jurídica venha a se modificar ou mesmo a se extinguir e isso,
R.T.J. — 198 559

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o tempo é inexorável, realmente
o é, mas não a ponto de afastar do cenário jurídico título judicial emanado do Supremo.
Fiquei vencido, na companhia honrosa do Ministro Carlos Ayres Britto, quando
julgamos o mandado de segurança. Prevaleceu a óptica de que — como apenas havia,
integrando a quinta parte, três juízes — não se poderia confeccionar a lista a não ser com
os três nomes. Foi exatamente o que prevaleceu.
Em passo seguinte, o Tribunal de origem tornou prevalecente a corrente
minoritária notada no Supremo: inseriu um nome na lista e recompôs a quinta parte para
a escolha dos dois outros. A clientela ficou aumentada.
Devemos caminhar no sentido de determinar a observância do acórdão do Supre-
mo tal como se contém. O que esta Corte proclamou — repito, contra o meu ponto de
vista e contra o ponto de vista do Ministro Carlos Ayres Britto — é que haveria o direito
líquido e certo de ser a impetrante considerada. O Supremo, inclusive, preservou o início
da confecção da lista, mantendo aquele que foi escolhido. Sobejaram os outros dois
nomes, entre esses o da impetrante, da reclamante.
Presidente, de qualquer forma, se não for essa a solução, o Tribunal, a esta altura, se
prevalecer a óptica segundo a qual aquele que já tem 65 anos não pode integrar a lista,
terá de recompor o quinto.
Concluiria no sentido de julgar procedente o pedido para, afastado o que integrou,
à margem do que decidido pelo Tribunal, a lista, vir a figurar nesse lugar a própria
impetrante, a própria reclamante.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Esse é meu voto também.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O meu voto também diz isto: tem de constar
da lista até aquele que agora já não pode integrá-la, porque podia na época.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não posso abrir margem a uma retaliação pelo
Tribunal — embora não imagine que ele possa fazer isso — de vir agora a recusá-la para
driblar a nossa decisão.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Somente assim será cumprida a decisão do Supremo
Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Até porque, se deixarmos ao tribunal
oportunidade de reavaliar, vai fazer outra lista, uma terceira lista, e vamos chegar aos
netos da impetrante.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não tenha dúvida. E vai discricionariamente. É
verdade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Julgo procedente para que figure na lista, em
substituição ao juiz que foi erroneamente incluído, a reclamante, outrora impetrante.

é claro, não atinge a coisa julgada, que permanecerá intocável através do tempo, dentro de seus limites
objetivos” (ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. IV, p. 307).
560 R.T.J. — 198

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Cezar Peluso, Vossa Excelên-
cia concorda com a conclusão do Ministro Marco Aurélio?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Fica uma decisão meio inócua.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Ministro Marco Aurélio, o que Vossa
Excelência diria mais especificamente?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Afasto aquele que foi erroneamente incluído, em
descumprimento à decisão, e determino que, em substituição, figure na lista a própria
impetrante-reclamante.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Em segundo lugar.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Estou de acordo. E, em terceiro lugar,
coloque quem quiser.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Quem fica em primeiro lugar?
O Sr. Ministro Carlos Britto: É discricionário o terceiro lugar.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Como?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senão, abriremos margem a que ocorra o
estapafúrdio: até a recusa, por dois terços, da impetrante, tendo em conta ela vir
litigando, considerada a postura do Tribunal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Isso pode acontecer.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Presidente, apenas não concordo com que se mante-
nha na lista alguém que já não pode mais constar dela.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não é isso o que está se discutindo. É só
para manter no segundo lugar a reclamante; ou seja, ela não está mais submetida à recusa
dos dois terços.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Talvez possamos deixar para um outro tempo essa
idéia, porque, por exemplo, sustento que, em se tratando de carreira, não se exigem, para
o acesso ao novo cargo, os 65 anos. O problema se resolve posteriormente quanto à
aposentadoria: se se aposentará no cargo preenchido, já com 65 anos.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Essa é uma interpretação de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Isso é algo que não está em discussão nesta
reclamação.

EXTRATO DA ATA
Rcl 2.772/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Reclamante: Maria Auxiliadora
Barros Medeiros Rodrigues (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Reclamados:
Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, Tribunal Superior do Trabalho e
Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União). Interessados: Joaquim
Silvio Caldas e Maria Suzete Monte de Hollanda Diógenes.
R.T.J. — 198 561

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a reclamação e prejudi-


cado o agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Falaram, pelo reclamante, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro e, pelo interessado,
Bento Herculano Duarte Neto, o Dr. Fernando Neves da Silva. Ausentes, justificadamente,
os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e
Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.208 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Requerente: Partido Democrático Trabalhista – PDT — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Emenda constitucional estadual. Perda de mandato de parlamentar
estadual mediante voto aberto. Inconstitucionalidade. Violação de limita-
ção expressa ao poder constituinte decorrente dos Estados-Membros (CF,
art. 27, § 1º, c/c art. 55, § 2º). Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente, por maioria.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF,
art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, julgar procedente e declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de maio de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se do julgamento de duas ações diretas de
inconstitucionalidade, com objeto idêntico: a ADI n. 2.461/RJ (ajuizada pelo Partido
Social Liberal – PSL) e a ADI n. 3.208/RJ (ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhis-
ta – PDT).
Na ADI n. 2.461/RJ, o parecer da Procuradoria-Geral da República, de lavra do
então Procurador-Geral, Dr. Geraldo Brindeiro, assim relata a controvérsia (fls. 76-80):
“1. O Partido Social Liberal ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade,
com pedido de cautelar, com relação à redação dada ao § 2º do art. 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que tem o seguinte teor:
562 R.T.J. — 198

‘Emenda Constitucional n. 17, de 2001.


Altera o § 2º do art. 104, da Constituição, instituindo o voto aberto para
a cassação de mandato de deputado.
A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro resolve:
Art. 1º O § 2º do art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
passa a ter a seguinte redação:
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida
pela Assembléia Legislativa, por voto aberto e maioria absoluta, mediante
provocação da Mesa Diretora ou de partido político com representação na
Casa, assegurada a ampla defesa.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entrará em vigor na data da sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2001’.
2. Aduziu, em síntese, o Requerente, a afronta aos arts. 5º, LIV; 25 e 55, § 2º
da Constituição Federal, pois o último dispositivo estatui que a perda do mandato
será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto
secreto, enquanto o art. 25 dispõe que os Estados se organizam e se regem pelas
Constituições e Leis que adotarem, observados os princípios da Lei Maior. Susten-
tou ainda, à luz do art. 5º, LIV da Carta Magna, a afronta à garantia do devido
processo legal e recordou que a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal
‘(...) tem confirmado o entendimento de que o ato normativo não razoável viola o
direito ao devido processo legal.’
3. Ao concluir, enfatizando a necessidade de cautelar, sustenta que deve ser
garantida a imparcialidade dos Deputados fluminenses, para que possam votar de
acordo com suas consciências ‘(...) protegidas das pressões políticas e da própria
opinião pública’, o que só é possível mediante votação secreta.
4. A Assembléia Legislativa, em suas informações, ressaltou que ‘(...) os
parâmetros a que estão subordinados os Estados, quanto à capacidade de elabo-
rarem sua própria normatização, dizem respeito tão somente aos princípios
estabelecidos na Constituição Federal e não a toda e qualquer norma lá prevista.
Caso contrário, estar-se-ia impondo aos Estados limitações excessivas, que não
se coadunariam com o disposto no art. 1º da Constituição Federal, que consagra
o princípio federativo’. Aduziu ainda que a Carta Magna consagrou, no art. 37, o
princípio da publicidade e que ‘(...) somente com observância a tal princípio,
consubstanciado na transparência da conduta, é que se daria aplicabilidade ao
princípio constitucional da soberania popular’.
5. A Advocacia-Geral da União, em sua manifestação, observou que a procu-
ração, em momento algum, faz menção à Emenda Constitucional n. 17, de 2001,
que altera o § 2º do art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
contrariando, assim a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal no sentido de
que todas as procurações ou delegações outorgadas pelos autores de ação direta a
seus advogados e procuradores contenham poderes especiais para a instauração do
R.T.J. — 198 563

pertinente processo do controle normativo abstrato perante a Corte Suprema ‘(...)


com a indicação objetiva dos diplomas legislativos ou dos atos normativos, e
respectivamente preceitos (quando for o caso), que devam expor-se, especifica-
mente, à impugnação em sede de ação direta de inconstitucionalidade’ e que, se
o vício não for sanado, deve o feito ser extinto, sem julgamento de mérito.
6. Citando jurisprudência do Excelso Pretório, salientou que o procedimento
da cassação do parlamentar estadual é matéria interna corporis e que, em momento
nenhum, se verifica ofensa ao princípio do devido processo legal, pois ‘(...) apenas
o ato decisório de responsabilização política é que se dará mediante votação
aberta, todos os atos antecedentes obviamente serão precedidos do contraditório
e da ampla defesa somados às discussões parlamentares’”.
Em despacho de 19-7-2002, determinei a observância do rito do art. 12 (fl. 48).
Na decisão de 14-3-2003 (fl. 106), em consonância com a jurisprudência da Corte
à época, julguei prejudicada a presente ADI, visto que o requerente, o Partido Social
Liberal – PSL, perdera sua representação parlamentar no Congresso Nacional.
Em 30-8-2004, ao apreciar o agravo regimental interposto, reconsiderei minha
decisão e determinei o prosseguimento do feito (fl. 154), de acordo com a nova orienta-
ção do Tribunal, adotada no julgamento das ADIs n. 2.159/DF e 2.618/PR (DJ de 24-8-
2004), em que se reconheceu que “a perda superveniente de representação parlamentar
não desqualifica o partido político como legitimado ativo para a propositura da ação
direta de inconstitucionalidade”.
Em 2 de março último, para fins de apreciação conjunta, determinei o apensamento
dos autos da ADI n. 3.208/RJ aos desta (fl. 157), pois ambas possuem objeto totalmente
idêntico.
Entretanto, apenas para efeito de registro, creio ser relevante destacar as seguintes
vicissitudes apontadas pelo parecer da Procuradoria-Geral da República na ADI n.
3.208/RJ, de lavra do atual Procurador-Geral, o Dr. Cláudio Fonteles (fls. 261-266):
“Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida
liminar, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, em face do § 2º do
art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
1. Eis o teor da norma estadual impugnada:
‘Art. 104. (...)
(...)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida
pela Assembléia Legislativa, por voto aberto e maioria absoluta, mediante
provocação da Mesa Diretora ou de partido político com representação na
Casa, assegurada a ampla defesa.’
2. Sustenta o requerente, em síntese, que a norma impugnada viola o art. 27,
§ 1º c/c o art. 55, § 2º, da Constituição da República. Afirma que ‘se a norma
constitucional Federal estabelece que quanto ao processo de cassação do
mandato outorgado aos Deputados Estaduais deverá ser observado em exatidão
564 R.T.J. — 198

aquele definido para os Deputados Federais e Senadores da República, restringindo


a autonomia outorgada aos entes Estaduais, ao estabelecer a Constituição do
Estado do Rio de Janeiro o procedimento diverso, acabou tal dispositivo eivado de
inconstitucionalidade’ (fls. 11-12).
3. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro prestou
informações a fls. 215-223, sustentando preliminarmente o não conhecimento da
presente ação direta, tendo em vista que o requerente não impugnou o art. 96,
caput e parágrafo único da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Argumenta
que ‘mesmo que se declare a inconstitucionalidade do preceito inserto no art.
104, § 2º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, restará, em pleno vigor, o
comando do parágrafo único do art. 96 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, o qual dispõe de maneira idêntica’ (fl. 218). Quanto ao mérito, defende a
constitucionalidade da norma, pois a Constituição Federal não impõe às
Constituições Estaduais a observância do voto secreto para a deliberação sobre a
perda de mandato do deputado estadual.
4. O Advogado-Geral da União manifestou-se pela declaração de
inconstitucionalidade do art. 104, § 2º, da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, tendo em vista a violação ao art. 27, § 1º c/c o art. 55, § 2º, ambos da
Constituição Federal (fls. 244-256).” (Fls. 261-262)
Em ambas as ações, o parecer da Procuradoria-Geral da República é pela
procedência da ação direta de inconstitucionalidade (fls. 76-80, na ADI n. 2.461; e fls.
261-266, na ADI n. 3.208).
É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos Senhores Ministros desta
Corte.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Relativamente à preliminar suscitada
pela Advocacia-Geral da União (fls. 67-72) na ADI n. 2.461/RJ acerca do caráter
genérico da procuração outorgada (fl. 14), observo que, a partir da orientação firmada
por este Tribunal no julgamento da ADI n. 2.187/BA, Rel. Min. Octavio Gallotti (DJ
de 12-12-2003), determinou-se que “todas as procurações ou delegações outorgadas
pelos autores de ação direta (CF, art. 103), a seus advogados e procuradores,
contenham poderes especiais para a instauração do pertinente processo de controle
normativo abstrato perante esta Corte, com a indicação objetiva dos diplomas
legislativos ou dos atos normativos, e respectivos preceitos (quando for o caso), que
devam expor-se especificamente, à impugnação em sede de ação direta de
inconstitucionalidade.” (ADI n. 2.521/PE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30-4-
2002)
Afora as restrições que, de minha parte, poderiam ser feitas com relação à extensão
do rigor processual assumido pelo Tribunal, entendo que, para efeito da presente
apreciação conjunta, a solução ortodoxa da extinção da ADI n. 2.461/RJ sem
julgamento de mérito não afeta, sob hipótese alguma, a análise da questão constitucional
aqui colocada.
R.T.J. — 198 565

Já com pertinência à preliminar suscitada pela Assembléia Legislativa do Estado


do Rio de Janeiro (fls. 215-223) na ADI n. 3.208/RJ, a qual propugna pelo não-
conhecimento da ação por suposta ausência de impugnação total dos dispositivos
eivados de inconstitucionalidade, creio que tal alegação não procede. A propósito,
anotou o parecer da Procuradoria-Geral da República:
“6. Em primeira linha, deve ser ressaltado que, ao contrário do proposto pela
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a presente ação direta de
inconstitucionalidade merece ser conhecida. A eventual declaração de
inconstitucionalidade do § 2º do art. 104 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, não fará com que a matéria atinente ao método de decisão da perda do
mandato parlamentar seja regida pelo art. 96, da mesma Carta Constitucional.
Declarada a nulidade ex tunc, voltará a viger a norma revogada, ou seja, a redação
originária do § 2º do art. 104, o qual prescrevia, em consonância com a
Constituição Federal, o voto secreto como meio de deliberação da Casa
Legislativa sobre a perda do mandato parlamentar.” (Fls. 262-263)
Quanto ao mérito o tema encontra adequada equação no texto constitucional.
O § 1º do art. 27 da Constituição estabelece a seguinte regra:
“Art. 27. (...)
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-
lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas. (ênfases acrescidas)”
O art. 55, § 2º, fixa, por sentença, a seguinte norma:
“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(...)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela
Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria
absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”
Ademais, a doutrina é pacífica no sentido da aplicação das regras vigentes na
Constituição aos deputados estaduais no que concerne a inviolabilidade, imunidades,
subsídios, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
A esse respeito, destaco o seguinte excerto do parecer da lavra do Professor Cláudio
Fonteles (fls. 261-266):
“7. Quanto ao mérito, a inconstitucionalidade da norma impugnada resta
evidente pela simples leitura do enunciado normativo. Com efeito, a Constituição
da República deixa claro que as regras por ela fixadas quanto à perda de mandato
parlamentar devem ser obrigatoriamente observadas pelas Constituições Estaduais.
8. A Constituição de 1988, ao mesmo tempo que atribui aos Estados poderes
de auto-organização, auto-governo, auto-legislação e auto-administração (art.
18, 25 a 28), impõe limitações a esses poderes e determina que sejam respeitados
os princípios nela estabelecidos. Assim, no caput do art. 25, está consignado que
566 R.T.J. — 198

‘os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,


observados os princípios desta Constituição.’
9. Não indica a Constituição quais seriam esses princípios. Alguns podem
ser descobertos com facilidade, como os chamados princípios sensíveis,
enumerados no art. 34, inciso VII, quais sejam: a) a forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia
municipal; d) prestação de contas da administração pública; e) aplicação do
mínimo exigido da receita de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.
10. José Afonso da Silva fala ainda em princípios constitucionais
estabelecidos, que são os que limitam a autonomia organizatória dos Estados. São
regras que revelam previamente a matéria de sua organização e as normas
constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização
política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia
estadual, e cuja identificação reclama pesquisa no texto da Constituição (SILVA,
José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19a Ed. São Paulo: Ed.
Malheiros; 2001, p. 597).
11. Dessa forma, José Afonso da Silva, em análise do texto constitucional,
nota que alguns princípios geram limitações expressas, outros limitações
implícitas e outros limitações decorrentes do sistema constitucional adotado.
Dentre as limitações expressas, encontram-se as de natureza vedatória e as de
caráter mandatório. As mandatórias ‘consistem em disposições que, de maneira
explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios, de sorte
que, na sua organização constitucional e normativa, hão que adotá-los, o que
importa confranger sua liberdade organizatória aos limites positivamente
determinados.’ (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo. 19a Ed. São Paulo: Ed. Malheiros; 2001, p. 597)
(...)
14. Dessa forma, o mandamento constitucional é de que o Poder
Constituinte Decorrente do Estados-membros, ao tratar a respeito de perda de
mandato parlamentar, deve, obrigatoriamente, observar as regras estabelecidas
pela Constituição Federal.
15. Outro não é o entendimento de José Afonso da Silva (SILVA, José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19a Ed. São Paulo:
Malheiros; 2001, p. 610), quando afirma:
‘O Estatuto dos Deputados Estaduais é matéria que compete ao
constituinte de cada Estado definir na respectiva Constituição, mas a
Constituição Federal já determina que lhes sejam aplicadas as regras sobre
sistema eleitoral (sistema proporcional), inviolabilidade, imunidades,
subsídio, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às
Forças Armadas, o que invoca o conteúdo do modelo federal constante dos
arts. 53 a 56, cumprindo apenas acrescentar aí o privilégio de foro a ser
previsto na Constituição estadual, para declarar que serão julgados pelo
Tribunal de Justiça’. (ênfases acrescidas)” (Fls. 263-265)
R.T.J. — 198 567

Diante do exposto, ao prescrever que a perda do mandato de deputado estadual


seria decidida por “voto aberto”, o Constituinte Estadual promulgou emenda
constitucional em sentido diametralmente oposto às disposições fixadas pela
Constituição Federal.
Destarte, é forçoso concluir que o § 2º do art. 104 da Constituição do Estado do Rio
de Janeiro viola o art. 27, § 1º, e o art. 55, § 2º, da Constituição da República.
Nestes termos, na linha do parecer da Procuradoria-Geral da República na ADI n.
3.208/RJ, o meu voto é pela procedência da ação, para declarar a inconstitucionalidade
do § 2º do art. 104 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, impressionou-me, e muito, a
sustentação de Marcello Cerqueira, eminente advogado.
Sei, também, que a interpretação da Constituição não é, apenas, interpretação da
Constituição escrita, do que Lassalle chamaria de Constituição formal; a interpretação
que fazemos é, também, interpretação da Constituição material.
Para mim é claro. Não se aplica à hipótese o disposto no art. 25 da Constituição,
que vincula o Estado-Membro aos seus princípios, porque o § 2º do art. 55 da Carta
Magna veicula uma regra e não um princípio. Não obstante se aplica, sim, a regra do § 1º
do art. 27 da Constituição, que define aplicarem-se aos deputados estaduais as regras do
sistema eleitoral, etc., e “perda de mandato”.
Ainda que a minha pré-compreensão, alimentada pela brilhante sustentação, me
levasse a privilegiar a transparência, há uma regra — que não é princípio — neste § 1º do
art. 27 da Constituição. Acompanho o Ministro Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, reitero os elogios justíssimos que
o eminente Ministro Eros Grau fez à sustentação oral do advogado, constitucionalista e
politicólogo Marcello Cerqueira, do Rio de Janeiro.
Digo que, de fato, a opção política feita pelo Constituinte de 88 quanto ao voto
secreto em caso de processo de perda de mandato de parlamentares não foi a melhor
opção. Não homenageia o princípio da publicidade, não homenageia o princípio da
transparência, esquece que o parlamentar não vota simplesmente por si, ele tem uma
satisfação a dar aos eleitores ou a seus representados, diferentemente do eleitor
individual, do cidadão, que só dá satisfação a si mesmo. Mas foi a opção política
expressamente grafada, consignada na Constituição de 88, com uma particularidade: ela
consta da redação originária do Texto Magno.
Se fosse uma redação introduzida por emenda, eu não teria dúvida em seguir o
ponto de vista de Sua Excelência, advogado constitucionalista, politicólogo, Marcello
Cerqueira. Mas tanto o art. 27, § 1º, consta da Constituição originária quanto a regra
específica de perda de mandato por votação secreta, estampada no art. 55, § 2º.
568 R.T.J. — 198

Diante disso, eu também subscrevo a opinião do eminente Ministro Eros Grau de


que, embora estejamos a cuidar de regra e não de princípio, há, todavia, uma expressa
extensão da respectiva aplicabilidade aos deputados estaduais.
Apenas, a título de conclusão, faço uma observação ao eminente Ministro Relator:
teríamos que declarar os efeitos da nossa decisão apenas para o futuro, ex nunc, portanto.
Ocorre-me o seguinte: se nesse interregno algum deputado estadual, do Rio de Janeiro,
foi cassado, por processo em aberto, aí a nossa decisão, se fosse ex tunc, implicaria
restaurar o mandato.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Não me parece que tenha essa
relevância. Parece-me que há um caso determinado que obteve proteção judicial no
STJ, segundo me informou o gabinete. De qualquer forma, isso não teria relevância
para justificar.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E por que não ex tunc?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Não, é ex tunc.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Eu sei que é ex tunc. Apenas estou suscitando.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Na nossa regra, quando não se faz
nenhuma referência é porque estamos seguindo a fórmula normal.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Se Vossa Excelência entende que não há nenhum
inconveniente, é apenas uma observação lateral, e eu a retiro.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, quero associar-me expressamente
às homenagens que os eminentes Ministros já prestaram ao ilustre advogado Marcello
Cerqueira, cuja inteligência e fineza intelectual consegue tornar concreto aquilo que
Humberto Eco, num ensaio muito famoso, chama de superinterpretação. Qualquer
texto é suscetível de muitas interpretações, mas, com certeza, não é suscetível de
qualquer interpretação, ainda quando provenha de uma inteligência privilegiada.
Com certeza, a do ilustre advogado não é suscetível de ser admitida, diante da
textualidade da regra, que não é despida de sentido e racionalidade; ela também é
baseada em princípios, quem sabe, tão ou mais importantes que o da transparência, da
claridade, como, por exemplo, o de preservar os deputados de injunções censuráveis
que se podem intuir.
Acompanho integralmente o voto do eminente Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, aprendi, desde cedo, em
colegiado, de que participo há vinte e sete anos, que quase sempre, quando se começa
elogiando sustentação feita da tribuna, caminha-se para votar em sentido contrário ao
entendimento externado. Por isso, não vou elogiar.
R.T.J. — 198 569

Senhora Presidente, precisamos compreender — e o faremos em algum dia — que


vivemos em uma federação, tendo como base o artigo 1º da Carta da República, a revelar
que o Brasil é formado “pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal”.
É certo que, ao reverso do que ocorreu nos Estados Unidos, partimos, no Brasil,
não de uma descentralização para uma centralização, mas de uma centralização para a
descentralização. Talvez, por isso mesmo, continuemos ainda a cultivar a óptica da
centralização.
Vem-nos da Carta da República que a autonomia normativa dos Estados-Membros é
uma autonomia realmente balizada, mitigada. Por outro lado, vem-nos que o autogoverno
em si — e aí considero não só o autogoverno do Executivo, como também do
Legislativo e do Judiciário — é de abrangência maior.
Acresce que deflui da Constituição Federal que os ares democráticos nela revelados
direcionam a uma regra quanto a escrutínios, que é a votação aberta.
Há exceção, não há a menor dúvida, demonstrada, há pouco, com a aprovação
da Emenda Constitucional n. 45 — já chegarei lá —, que consubstancia o sigilo,
principalmente quando se tem o exercício de mandato. Portanto, quando ocorre
representação, os representados têm interesse no acompanhamento dos trabalhos, da
atividade desenvolvida por aquele que mereceu ter o nome sufragado.
Se formos à disciplina do Judiciário, essa disciplina, de forma clara, precisa,
concreta, é abrangente na Carta da República, ou seja, alcança não só o Judiciário
federal como o estadual. Estabeleceu-se como regra o escrutínio aberto. Aqui mesmo, no
Supremo Tribunal Federal, só me lembro de haver presenciado um caso de votação em
regime fechado — do qual fui Relator depois —, com a saída, da sala, da assistência.
Recordo que, inclusive, deu-se a publicação de ato no Diário da Justiça noticiando os
parâmetros da controvérsia. Mesmo assim, caminhamos para a sessão dita secreta, que
fica bem em relação a certas sociedades, como, talvez, para exemplificar, na da
Maçonaria, Rosa Cruz, etc., mas que não guarda consonância quando em jogo a
Administração Pública, quando em jogo algo que deve ser, acima de tudo, transparente,
perceptível aos olhos da sociedade.
Quanto ao Judiciário, hoje temos que até mesmo as sessões administrativas devem
ser públicas, correndo a exceção à conta, apenas no campo jurisdicional, daquelas
situações em que o interesse público — e creio que aqui o interesse público está
justamente na votação aberta — dite a ausência de publicidade do ato a ser praticado.
Se partirmos para o campo legislativo, vamos ver que se tem a regra do § 4º do artigo
66 da Constituição Federal quanto à apreciação de veto, e procurou o ilustre advogado,
que honra a classe, Dr. Marcello Cerqueira, justificar a origem dessa previsão, considerada
a possibilidade de alguns sucumbirem, e não deveriam sucumbir, à retaliação, tendo em
conta o voto proferido no tocante a um veto do todo-poderoso Executivo. Tem-se a norma
— e não encontro uma justificativa socialmente aceitável para ela — do § 2º do artigo 55
da Constituição Federal, que, a meu ver — chegarei ao artigo 27, posteriormente —, é um
preceito que revela exceção e, portanto, somente pode ser interpretado de forma estrita, no
que se dispôs relativamente aos incisos I, II e VI:
570 R.T.J. — 198

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:


I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
(...)
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
Aqui, há outro dispositivo que estabelece a suspensão dos direitos políticos e — não
concebo alguém exercendo mandato com os direitos políticos suspensos — a votação
para a perda do mandato de deputado ou senador far-se-á por voto secreto.
Digo mais uma vez: a Constituição Federal excepcionou a regra, a revelar
princípio, norteando, portanto, a interpretação do grande todo, que é a da publicidade
dos atos, gênero administrativo, a transparência desses atos administrativos. Dir-se-á
que existe o artigo 27, § 1º, da Constituição Federal. O que se contém na cabeça do artigo
25 responde ou esclarece o alcance do § 1º do artigo 27, mitigando a interpretação
abrangente, a ponto de se transportar para as assembléias, para as câmaras de vereadores,
automaticamente, todo o balizamento federal que diga respeito às duas Casas do
Congresso Nacional. Não podemos dissociar o § 1º do artigo 27 de princípio contido na
primeira cláusula do artigo 25: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições”,
sob pena de solaparmos o pacto federativo, “e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição”.
Será que algo como ressaltado da tribuna, instrumental, algo que diz respeito ao
procedimento pode ganhar contornos de verdadeiro princípio, a ponto de se ter a adoção
obrigatória na Carta do Estado, na Lei Orgânica do município, do que disposto quanto
à Câmara, quanto aos deputados, representantes do povo; quanto ao Senado, quanto aos
senadores, representantes dos Estados? A resposta, para mim, é desenganadamente
negativa.
Concebo a interpretação como um ato de vontade, presente a dogmática. Não é
dado potencializar o ato de vontade, colocando em plano secundário o ordenamento
jurídico. Mas é preciso emprestar a esse ordenamento jurídico, principalmente se constitu-
cional, alcance que compatibilize valores, alcance que compatibilize a existência da
União, de Estados e de Municípios.
Quando o § 1º do artigo 27 se refere à aplicação, aos deputados estaduais, das
regras contidas na Lei Fundamental, e alude à perda de mandato, direciona ao direito
substancial e não ao instrumental, que está circunscrito à economia interna do Estado, e
diria, de forma específica, da Casa Legislativa. O artigo 27, § 1º, remete àquelas causas
constantes dos artigos 54 e 55 da Constituição Federal, proibitivas em relação a
deputados federais e senadores, gerando, também, proibições para os deputados
estaduais.
Não se tem, porque haveria contrariedade a princípio, uma norma a fixar a espécie
de escrutínio a ser adotado. Dir-se-á que a independência do deputado estadual fica
comprometida com a votação aberta. A independência fica comprometida quanto à
votação de perda de mandato de um colega? Se assentarmos que fica, é preferível termos,
no tocante à votação de projetos envolvendo interesses primários da sociedade, também
a votação fechada, e não a aberta.
R.T.J. — 198 571

Há um caleidoscópio e as visões são diversas. A meu ver, a votação aberta atrai o


que se pressupõe relativamente ao setor público, que é a transparência nos atos
praticados por agentes políticos, visando à fiscalização, e um dia o povo brasileiro
fiscalizará, dando o troco, principalmente, na eleição futura, a atuação dos seus
representantes, quer no Executivo, quer nas Casas Legislativas.
A votação fechada — e precisamos dizer isso com desassombro —, quando em
jogo o mandato de um parlamentar, somente atende ao espírito de corpo, a uma
solidariedade que acaba mitigando o interesse maior, que é o interesse dos eleitores em
geral. Esta Corte teve oportunidade de elucidar o que se tem como regra e como exceção
na Constituição Federal. Julgando o Mandado de Segurança n. 21.564-0/DF, de que foi
Relator o Ministro Carlos Velloso, quanto ao Presidente da República, não quanto a um
deputado estadual, mas quanto ao dirigente maior do País, assentou que se teria a
observância do que se quer como regra, porque salutar, que é a votação aberta.
Precisamos avançar em termos de cultura.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Essa colisão entre regras e princípios, no interior da
própria Constituição, ocorre com muita freqüência. Recordo-me de que Carlos Maximi-
liano — nosso príncipe dos intérpretes — dizia que, quando isso ocorre, é preciso
lembrar que os princípios são lançados pela Constituição por uma razão, por uma lógica
perpassante de todo o diploma constitucional. Já as exceções ao princípio, elas são
ditadas por razões particulares do Texto Magno.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Disse ao microfone, com desassombro, que a razão
particular do Texto Magno, ao prever a votação relativamente à perda de mandato de
deputados e senadores, foi a autoproteção — digo isso com todas as letras. A bancada
aqui é livre.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas isso nos coloca naquele terrível dilema de ter de
admitir normas constitucionais inconstitucionais.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, vejamos um outro lado, no tocante às
minorias. O que concorre mais para um massacre por parte da maioria: a votação secreta
ou a votação aberta, tendo em conta o acompanhamento dos eleitores? A votação
secreta.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Frisei isso em meu voto. Agora, foi uma opção
política que se fez no bojo da Constituição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Fez-se em uma norma, para mim, de extravagância
maior que é a do sigilo, do fechamento das votações, em uma Casa que se quer aberta,
como também as do Judiciário, ao povo, relativamente apenas — porque aí, no caso,
temos matéria instrumental — a deputados e senadores. Não estendo essa regra, que para
mim é excepcional, e por isso colo ao teor do § 2º do artigo 55, interpretação estrita, às
assembléias estaduais. E creio que o Estado do qual sou originário deu um passo a
merecer encômios, ao dispor, na Constituição, que a votação relativa à perda de mandato
de deputado será aberta, escancarada aos olhos da sociedade carioca, da sociedade do
Estado do Rio de Janeiro.
Por isso, peço vênia para julgar improcedentes os pedidos formulados nas ações
diretas de inconstitucionalidade.
572 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhora Presidente, em homenagem ao voto do
eminente Ministro Marco Aurélio, devo fundamentar, ainda que ligeiramente, meu voto.
A Constituição, em seu art. 25, estabelece:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição;”.
O Professor Raul Machado Horta foi quem primeiro elaborou a doutrina dos
princípios que os Estados devem observar. Primeiro — lembrou bem o eminente
Ministro Relator —, no art. 34, inciso VII, da Constituição, estão os princípios
constitucionais sensíveis. Seguem-se os estabelecidos, que demandam pesquisa; e há,
também, os extensíveis, que existiam em um bom número na Constituição de 46 e na
Constituição de 1967. Praticamente desapareceram na Constituição de 1988.
Estamos aqui diante de um princípio, ou regra constitucional extensível, a que os
Estados devem obediência. O art. 27, § 1º, situado no capítulo terceiro, que diz respeito
aos Estados Federados, estabelece:
Art. 27 (...)
“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-
se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imuni-
dades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às
Forças Armadas.”
E, no que toca à perda de mandato, no art. 55, § 2º, a Constituição estabelece:
“Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela
Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria
absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político repre-
sentado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”
Estende-se aos Estados, portanto, este procedimento, não só a norma da perda do
mandato como também o procedimento. Trata-se, na verdade, de um princípio, ou regra
constitucional extensível, que os Estados devem observar.
Assim, com a vênia do Senhor Ministro Marco Aurélio, prestando, também,
homenagem ao Professor Marcello Cerqueira, que produziu excelente sustentação oral,
acompanho o voto do Ministro Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Já tive o ensejo de salientar, em decisões
proferidas nesta Suprema Corte, que alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime
de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio
puro que o caracterizaram, na concepção e na formulação teórica de um sistema
claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas.
Esse sistema, fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe.
Joseph Comblin, “A Ideologia da Segurança Nacional — O Poder Militar na
R.T.J. — 198 573

América Latina”, p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira),
ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em praxis governamental
institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante
adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da
Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a
democracia, espaço possível reservado ao mistério.
Por isso mesmo, Senhora Presidente, tenho como inquestionável que a exigência
de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz
conseqüência que resulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-
constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente.
O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e que não
tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos e das atividades
estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta
significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da
República reconhece e assegura aos cidadãos, tal como expressamente proclamou o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento plenário do MI 284/DF, Rel. para o acórdão
Min. Celso de Mello (RTJ 139/712-732).
O fato irrecusável, Senhora Presidente, em face do contexto ora em exame, é um só:
os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil,
não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo —
que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos — sempre
coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos
cidadãos.
A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art.
5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da
ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de
Bobbio (op. cit., p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.
A Assembléia Nacional Constituinte, por isso mesmo, Senhora Presidente, em
momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com
o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político
anterior, quando no desempenho de sua prática governamental. Ao dessacralizar o
segredo, de um lado, e ao banir a possibilidade do exercício de um poder não
consentido, de outro, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e
expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em
sua expressão concreta, em fator de legitimação material das decisões e atos
governamentais.
Assentadas tais premissas, cumpre registrar, Senhora Presidente, que as votações
procedidas no âmbito do Poder Legislativo submetem-se, ordinariamente, ao processo
de votação ostensiva, sendo de exegese estrita as normas que fazem prevalecer, em
hipóteses taxativas, os casos de deliberação sigilosa.
A lição ministrada por João Barbalho (“Constituição Federal Brasileira —
Comentários”, p. 88, 1902, RJ) bem justifica a ampla publicidade que deve
prevalecer, ordinariamente, na esfera do Poder Legislativo, quando das deliberações
574 R.T.J. — 198

que os membros que o integram venham a proferir. No magistério desse intérprete de


nossa primeira Constituição republicana, e membro ilustre do Supremo Tribunal
Federal, deve-se presumir que os parlamentares, em sua condição política de
representantes da sociedade, “são sensíveis às simpatias, estão vigilantes aos
interesses e prontos a reparar os males do povo. Se é do seu dever denunciar à justiça
os delinqüentes oficiais, mal poderão deixar de cumprir esse dever, sem que da
parte dos seus constituintes sejam publicamente denunciados e politicamente
abandonados”.
É por tal razão que o caráter aberto dessa votação parlamentar, em tudo
compatível com a exigência democrática do regime de poder visível, impõe-se como
um dos meios necessários de controle, pela opinião pública, das deliberações dos
representantes do povo.
A imperatividade da votação ostensiva e aberta encontra a sua própria razão de
ser — consoante observa Carlos Maximiliano (“Comentários à Constituição
Brasileira de 1946”, vol. 2/39-40, 5. ed., 1954, Freitas Bastos) — na relevantíssima
circunstância de que:
“Em um regímen democrático devem os governantes agir à luz
meridiana, expondo todos os seus atos ao estudo e à crítica dos interessados e
dos competentes.
A publicidade ainda é mais necessária, em se tratando das palavras e votos
de congressistas, que não têm senão a responsabilidade moral e são mandatários
diretos do povo. Quando erram, o castigo único é a repulsa geral e a falta de
sufrágios quando pleiteiem a reeleição.
(...)
‘Consistem a virtude, o espírito e a essência do parlamento em ser a
imagem exata dos sentimentos da nação’, diz Burke. Precisa esta conhecer
as palavras dos representantes, a fim de demonstrar por aplausos ou protestos se
eles refletem ou não as aspirações da comunidade. O próprio parlamentar inspira-
se nas reações que os votos dos seus pares provocam no seio da multidão.”
(Grifei)
Bem por isso, assinalava Pontes de Miranda (“Comentários à Constituição de
1946”, tomo II/403, 3. ed., 1960, Borsoi), ao versar o tema da exclusão do sigilo no
processo de deliberação parlamentar, que o voto secreto — que jamais se presume —
reveste-se, no contexto de atuação das corporações legislativas, da nota de excepciona-
lidade:
“A votação pública constitui a regra geral, o processo costumeiro, nos
parlamentos livres; não é possível negar, ou, sequer, atenuar, o imperativo
categórico dessa verdade, proclamada, unanimemente, por comentadores,
estadistas e sociólogos, tanto nacionais como estrangeiros (...). No regime
pluripartidário, em Constituição que mandou atender-se à representação dos
partidos nas comissões e adotou outras medidas de responsabilização, é difícil
explicar-se esse receio de votação aberta. O eleitor é que deve votar
secretamente; não, o eleito. O voto secreto é excepcional.” (Grifei)
R.T.J. — 198 575

É importante rememorar, neste ponto, Senhora Presidente, que a técnica das


Constituições republicanas brasileiras sempre consagrou, como indeclinável postu-
lado geral, o princípio da publicidade das deliberações parlamentares, de que é conse-
qüência necessária a regra do caráter aberto ou ostensivo do próprio ato de votação,
ressalvada a possibilidade do sigilo, unicamente, em determinadas situações discrimi-
nadas, em numerus clausus, no texto constitucional.
Entendo, por isso mesmo, Senhora Presidente, na linha do douto voto proferido
pelo eminente Ministro Marco Aurélio, que, tratando-se de perda de mandato
parlamentar, no âmbito estadual, a interpretação da norma inscrita no art. 27, § 1º, da
Constituição Federal (que não pode desconhecer as exigências do postulado
democrático e do princípio da Federação) há de ser efetuada no sentido de reconhecer
que essa regra somente vincula os Estados-Membros no que se refere à definição
material das causas autorizadoras de privação do mandato legislativo dos Deputados
Estaduais, não se lhes aplicando, sob tal perspectiva, as normas de caráter meramente
ritual, respeitada, contudo, a cláusula da ampla defesa — que traduz princípio geral em
nosso sistema constitucional —, de tal modo que se permitirá, ao Estado-Membro, no
exercício autônomo do seu poder de auto-organização e de auto-governo, dispor, com
liberdade, sobre a modalidade aberta da votação a ser proferida nos processos de
cassação de mandato de que é titular o parlamentar estadual.
É por tal razão, Senhora Presidente, considerados os fundamentos que venho de
expor, que tenho para mim, no exame da controvérsia ora em análise, que a Assembléia
Legislativa fluminense, ao promulgar a norma ora questionada (EC n. 17/2001), nada
mais fez senão prestar integral reverência a dois postulados fundamentais e inerentes
ao sistema político-jurídico que a Constituição da República consagrou: de um lado, o
princípio da Federação, que privilegia a essencial autonomia de que se acham
impregnados os Estados-Membros, e, de outro, o princípio democrático, que tem, na
transparência e na publicidade dos atos e deliberações que se formam no âmbito da
comunidade estatal (inclusive no seio das corporações legislativas), um de seus mais
expressivos valores ético-jurídicos.
Atento, desse modo, Senhora Presidente, à necessidade de fazer preservar a
integridade desses insuprimíveis valores constitucionais, é que peço vênia para,
acompanhando, integralmente, o douto voto proferido pelo eminente Ministro Marco
Aurélio, julgar improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhora Presidente, uma palavra apenas. É que fui
Relator do mandado de segurança mencionado pelo eminente Ministro Marco
Aurélio, e pode parecer que estaria eu em contradição com o que ali foi decidido: voto
em aberto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No precedente, não, porque Vossa Excelência votou
a partir da lei.
576 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente. É que, quanto ao impeachment, ou


quanto ao crime de responsabilidade, do Presidente da República, dispõe a Constituição,
parágrafo único do art. 85. Diz assim:
“Art. 85.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabele-
cerá as normas de processo e julgamento.”
E a Lei n. 1.079, art. 31:
“Art. 31. Encerrada a discussão o Presidente do Supremo Tribunal Federal
fará relatório resumido da denúncia e das provas da acusação e da defesa e
submeterá a votação nominal dos senadores o julgamento.”.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não pretendi lançar qualquer cobrança, mas devo
revelar que esperava a simpatia de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas nós temos grande simpatia pelo Colega
ilustre.
E o Regimento Interno da Câmara fixara como secreto o voto, quer dizer, em
confronto com a lei. Aliás, lembro que citei uma frase que está num dos livros de Paulo
Bonavides no sentido de que o infortúnio de Roma começou quando o Senado
romano adotou o voto secreto. Também penso que o voto em aberto, por parte do
eleito, constitui um dever. No caso indicado, a Lei n. 1.079, art. 31, é expressa: voto
em aberto.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Senhora Presidente, gostaria de ter até as
convicções dos Colegas quanto à conveniência ou não do voto aberto ou secreto em
semelhante situação; mas, como não estamos no processo constituinte, não é dado
discutir e, aqui, o texto é de clareza tão meridiana que, parece-me sair daqui, é quase que
conferir um arbítrio ao intérprete. O Ministro Cezar Peluso já falou na overinterpretation
do nosso professor.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí, caso se refira pelo menos ao arbítrio da
assembléia, não do intérprete em alusão a seus colegas, não em relação ao intérprete
quanto aos seus colegas.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Do intérprete constitucional, qualquer
que seja. Agora, eu também não gostaria de tomar partido quanto — é isso que gostaria
de dizer — à conveniência ou não, em determinadas situações, da adoção de um ou de
outro modelo. Sabemos, e a história está aí para ensinar, quão deletério pode ser o voto
aberto em determinadas circunstâncias, especialmente diante da capacidade de
manipulação que hoje existe — nós sabemos muito bem, quem lê e acompanha o poder
midiático —, como se contrasta contra esse tipo de manifestação. De modo que me
poupei de externar juízos de valor sobre esse tipo de controvérsia, porque certamente
poderíamos adentrar a noite discutindo essas questões, os modelos de plebiscito,
referendo e quão danosos eles foram para a própria democracia.
Apenas gostaria de fazer esta nota como pé de página da observação, reservando-
me para outras manifestações em momentos oportunos.
R.T.J. — 198 577

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, li o memorial e ouvi, hoje,
a sustentação do Professor Marcello Cerqueira com o encantamento que todos
experimentamos. Mas me pareceu, com todas as vênias, que foi um magnífico exercício
de wishful thinking constitucional.
Partiu Sua Excelência de uma premissa pela qual tenho me batido muito,
sobretudo contra uma certa tendência deste Tribunal, que parte, a meu ver, da
Constituição de 1967 — que deu um prazo curto para que os Estados adaptassem suas
constituições à nova Constituição Federal —, do chamado “princípio da simetria”,
como um dogma da Constituição. E por isso, tenho enfatizado muito que, regra geral,
o que submete o Poder Constituinte estadual são princípios da Constituição. Regra
geral, no entanto, porque é manifesto que não há procurar princípios, excogitar
princípios, quando haja regra expressa de absorção compulsória de determinada norma
constitucional federal pelo ordenamento dos Estados-Membros.
Tivemos, aqui, um exercício aritmético difícil: os tribunais de contas estaduais —
objeto também do que, para não ofender hoje a distinção tão cara aos teóricos da
hermenêutica constitucional, eu não chamaria de princípios extensíveis, mas de regras
extensíveis — que mandam observar na sua composição o disposto quanto ao Tribunal
de Contas da União. E tivemos, aqui, um longo exercício de imaginação aritmética para
dividir sete por três.
Outra regra é a do art. 27, § 1º, que — como se o Constituinte estivesse imbuído de
Alexy, Dworkin e tantos autores de justa nomeada na distinção entre princípios e regras —
o constituinte manda aplicar aos deputados estaduais não os princípios, mas as regras
atinentes aos membros do Congresso Nacional.
“Art. 27 (...)
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-
lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.”
A mim, com todas as vênias, parece especioso distinguir aí regras substanciais de
regras processuais.
Trata-se de uma extensão das garantias e das restrições impostas pela Constituição
Federal a senadores e deputados aos deputados estaduais. E nas regras processuais estão,
mal ou bem, garantias, como a da inviolabilidade. A propósito, pronunciei longo voto,
que acabou prejudicado, em um caso sobre a oponibilidade à Justiça Federal das regras
de imunidade parlamentar, a partir da Constituição de 1988, precisamente porque aqui
não se deixou campo para excogitar princípios, mandaram-se aplicar regras (Inq 316).
Mal ou bem inspirado, o art. 55, § 2º, quando impõe o voto secreto, estabeleceu
uma regra processual eminente e, ao contrário do que possa parecer à primeira leitura, os
que compusemos a maioria no MS n. 21.564 — o primeiro dos mandados de segurança
na série do impeachment do ex-Presidente Collor — primeiro assentamos que, por se
tratar de uma norma de processo, a questão era de reserva à lei, segundo o art. 85 da
Constituição Federal; por isso é que desprezamos o Regimento Interno da Câmara dos
578 R.T.J. — 198

Deputados para aplicar o art. 23 da Lei n. 1.079 e determinar que, na admissão da


acusação contra o Presidente da República, o voto na Câmara dos Deputados seria
nominal e, portanto, público.
A invocação da ADIn 792 também não tem pertinência. Cuidava-se do problema
da reelegibilidade dos membros das Mesas; e, aí sim, na omissão de regra de absorção
compulsória pelas Constituições estaduais, indagamos — divergiu Vossa Excelência,
Ministro Velloso, e, salvo engano, o Ministro Marco Aurélio — que a irreelegibilidade das
mesas do Congresso Nacional não constituía um princípio estabelecido e de absorção
compulsória pelos Estados. Não nego que as conseqüências possam ter sido lamentáveis,
mas foi a minha convicção que já expressara, sob o regime constitucional anterior, como
Procurador-Geral da República.
Temer conseqüências concretas dessa nossa decisão num processo abstrato, talvez.
Mas é preciso citar — e agora estou satisfeito, porque finalmente encontrei o autor, que
não é Holmes, como supunha, mas Frankfurter:
“It´s a fair summary of history to say that safeguards of liberty have been
forged in controverses envolving not very nice people.” (339 U.S.56 (1950) at 69)
É um risco a correr quando se tem de afirmar garantias postas pela Constituição,
sejam elas ou não de nosso agrado, sejam as personagens very nice ou not very nice
people.
Peço todas as vênias aos brilhantes votos dissidentes dos Ministros Marco Aurélio
e Celso de Mello. Adivinhei que voltaria a ouvir Bobbio sobre o “governo em público”.
Mas ele também escreveu sobre o governo invisível, e ele existe, e, muitas vezes, é posto
na Constituição. O Ministro Marco Aurélio mesmo lembrou um dispositivo da
Constituição, o que nos trouxe muita perplexidade e que conduziu o meu voto, mas não
o da maioria do Tribunal: é o art. 53, § 2º, o qual estabelece que, condenado com trânsito
em julgado o Senador ou o Deputado, a Câmara decidirá sobre se perdem ou não o
mandato, o que me levou a tentar construir, para evitar o privilégio, que, então, era que
a condenação criminal não trazia automaticamente a perda dos direitos políticos. Mas,
não; a interpretação do Tribunal foi a de que trazia, sim, salvo para Deputados e
Senadores. Afinal de contas, não fomos nós que escrevemos a Constituição deles: por
isso, as nossas sessões administrativas serão abertas.
Acompanho o eminente Relator para julgar procedente a ação direta.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o eminente Relator
para julgar procedente e declarar a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhora Presidente, vou confirmar o meu voto,
acompanhando o eminente Relator, mas insisto em votar pela atribuição de efeito ex
nunc à nossa decisão.
R.T.J. — 198 579

EXTRATO DA ATA
ADI 3.208/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Partido
Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Luiz Carlos da Silva Neto e outro).
Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade do § 2º do artigo 104 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de
Mello. Votou o Presidente. Falaram, pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, o Dr.
Luiz Carlos da Silva Neto e, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o
Dr. Marcello Cerqueira. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim,
Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen
Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 12 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

PETIÇÃO 3.297 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Requerente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais — Requeridos:
Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, Luiz Roberto Judice, Mario Marques de Oliveira,
Domenico Carlo Falci, Edna Mara de Souza, Paulo Roberto Rodrigues Milton, Antonio
Carlos Alvisi, Ercules Berlini Tassinari, Everaldo de Oliveira Melo, Salma Maria Neder
Camacho e Augusto Celso Franco Drumont
Inquérito policial. Arquivamento. Requerimento do Procurador-
Geral da República. Pedido fundado na alegação de atipicidade dos fatos.
Formação de coisa julgada material. Não-atendimento compulsório.
Necessidade de apreciação e decisão pelo órgão jurisdicional competente.
Inquérito arquivado. Precedentes. O pedido de arquivamento de inquérito
policial, quando não se baseie em falta de elementos suficientes para
oferecimento de denúncia, mas na alegação de atipicidade do fato, ou de
extinção da punibilidade, não é de atendimento compulsório, senão que
deve ser objeto de decisão do órgão judicial competente, dada a possibili-
dade de formação de coisa julgada material.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
580 R.T.J. — 198

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,


determinar o arquivamento do feito, tendo em vista a atipicidade do delito, nos termos
do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros
Grau.
Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de inquérito policial instaurado pela 25ª
Delegacia Regional de Polícia de Poços de Caldas/MG e, posteriormente, remetido a
esta Corte, contra Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, para apurar suposta prática dos
crimes de falso testemunho (art. 342 do CP) e denunciação caluniosa (art. 339 do CP).
A diligência requerida pela PGR (fl. 138) foi deferida à fl. 140.
O parlamentar manifestou-se às fls. 152-154, oportunidade em que requereu o
arquivamento do feito.
Determinei, então, nova vista ao Procurador-Geral da República, que oficiou nos
seguintes termos:
“Trata-se de inquérito policial instaurado pela 25ª Delegacia Regional de
Polícia de Poços de Caldas-MG objetivando apurar a suposta prática dos crimes
de falso testemunho (art. 342 do CP) e denunciação caluniosa (art. 339 do CP),
atribuídos a várias pessoas, dentre elas, o Deputado Federal Geraldo Thadeu
Pedreira dos Santos (fls. 2-5).
Consta dos autos que a empresa de Antônio Carlos de Oliveira (noticiante a fls.
3/5), no ano de 1999, objetivando participar de concorrência pública para a execução
de obras na cidade de Poços de Caldas-MG, juntou ao procedimento licitatório
certidão negativa de débito do INSS e certidão de registro e quitação expedida pelo
Crea-MG, ambas supostamente falsas e adulteradas.
Um dos noticiados, Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, então Prefeito
do Município de Poços de Caldas-MG, subscreveu a Portaria n. 3.755, de 6.12.99
(fl. 11), determinando a instauração de processo administrativo para apurar os
fatos antes narrados.
Foram enviadas cópias dos autos ao Ministério Público pela assessoria
jurídica do citado município (fls. 22/23), que ofereceu denúncia contra Antônio
Carlos de Oliveira, como incurso nas sanções do art. 299 do CP. Após a regular
tramitação do processo criminal e não obstante a comprovação da materialidade
do delito (falsidade dos documentos carreados ao processo licitatório), a ação
penal foi julgada improcedente (fls. 24/26) por insuficiência de provas (art. 386,
VI, CPP).
Em decorrência, o Sr. Antônio Carlos de Oliveira requereu a instauração de
inquérito policial contra as pessoas que trabalharam na prefeitura e no Conselho
Regional de Engenharia (fls. 3/5), e que tiveram relação com a referida ação penal,
imputando-lhes o cometimento dos delitos de falso testemunho (art. 342 do CP) e
denunciação caluniosa (art. 339 do CP).
R.T.J. — 198 581

Concluídas as investigações, a autoridade policial emitiu relatório afirmando


não ter apurado os crimes referidos pelo noticiante (fls. 120/122).
Em razão de um dos investidos estar investido atualmente, no mandato de
parlamentar de deputado federal, vieram os autos a esse Supremo Tribunal
Federal (fls. 133).
O Ministério Público Federal requereu a manifestação do representado
(fls. 138), tendo este apresentado suas razões às fls. 152/154. Posteriormente,
vieram aos autos informações de que o parlamentar impetrou o Habeas Corpus
n. 85.954, visando o trancamento do presente procedimento investigatório (fls.
166/170).
É o breve relatório.
Com efeito, o presente inquérito policial deve ser arquivado, em relação ao
ora parlamentar, por atipicidade da conduta a ele atribuída na notitia criminis.
Consoante as provas coligidas aos autos, é de se concluir que o noticiado, à
época dos fatos, ocupando o cargo de prefeito municipal, agiu rigorosamente em
obediência às normas legais, especialmente os princípios constitucionais que
regem a administração pública.
O administrador público, ao ser informado de indícios de adulteração de
documentos públicos, tem o poder-dever de adotar todas as medidas legais
cabíveis para o completo esclarecimento dos fatos. E foi exatamente o que fez o
ora parlamentar ao subscrever a Portaria n. 3.755, instaurando o competente
processo administrativo. Conduta reprovável, e até mesmo criminosa, seria a
oposta, ou seja, tendo conhecimento de possível falsificação de documentos
permanecesse inerte.
Como bem destacado na manifestação de fls. 152/154, o ‘representado,
Prefeito Municipal na época, hoje Deputado Federal, agiu no estrito
cumprimento do dever legal pois poderia até mesmo ser punido, caso se omitisse,
por crime de prevaricação’ (fl. 153). Acrescentou que ‘ao determinar a abertura
do processo administrativo, em momento algum atribuiu ao Sr. Antonio Carlos
de Oliveira a prática de fato definido como crime. Apenas cumpriu o seu dever,
não tendo agido com dolo ou culpa, por mais leve que fosse. Nunca existiu a
intenção deliberada de prejudicar a quem quer que seja, mas simplesmente a
apuração dos fatos’ (fl. 153).
O art. 339 do CP define como denunciação caluniosa ‘dar causa à instaura-
ção de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação
administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra
alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente’ (Redação dada pela Lei n.
10.028, de 19-10-2000, DOU 20-10-2000).
O elemento subjetivo do tipo descrito no art. 339 do CP é o dolo direto, ou
seja, é necessário o ‘nítido conhecimento do agente acerca da inocência do
imputado’ (in Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 5ª ed.,
Saraiva, São Paulo, 2005, p. 1059).
582 R.T.J. — 198

No presente caso, tem-se que o ora noticiado (Geraldo Thadeu Pedreira


dos Santos) não imputou crime ao noticiante (Antônio Carlos de Oliveira) e, tão
pouco, era possível, na época dos fatos, saber da inocência do noticiante.
Ademais, ressalte-se que foi a assessoria jurídica do Município de Poços de
Caldas-MG quem enviou cópias dos autos do processo administrativo ao
Ministério Público e não o então prefeito.
Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal o arquivamento deste
inquérito policial em relação ao Deputado Federal Geraldo Thadeu Pedreira
dos Santos, por atipicidade de conduta, e o retorno dos autos à Vara Criminal da
Comarca de Poços de Caldas-MG para que adote as providências que julgar
cabíveis em relação aos demais noticiados” (fls. 174-176).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A eficácia preclusiva da decisão de
arquivamento de inquérito depende da razão jurídica que, fundamentando-a, não
admita desarquivamento nem pesquisa de novos elementos de informação, o que se dá
quando reconhecida atipicidade da conduta ou pronunciada extinção da
punibilidade.
É que, nesses casos, o ato de arquivamento do inquérito se reveste da autoridade de
coisa julgada material, donde a necessidade de ser objeto de decisão do órgão judicial
competente.
O Plenário desta Corte, no julgamento da Pet n. 3.197, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 31-3-2005, decidiu:
“Ementa: I - Arquivamento de notícia criminal requerido com base na
atipicidade do fato: exigência de decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia
de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento:
precedentes.
II - Crime contra a honra: ausência patente de criminalidade dos fatos
imputados aos requeridos”.
Colhe-se do voto condutor:
“(...) diversamente do que sucede no arquivamento requerido com a
anuência do Procurador-Geral da República, com fundamento na ausência de
elementos informativos para a denúncia — cujo atendimento é compulsório pelo
Tribunal —, aquele que se lastreia na atipicidade do fato (v.g., HC 59.764,
Muñoz, RTJ 103/590; HC 66.625, 1ª T., Gallotti, RT 670/357; HC 80.560, 20-2-
01, Pertence) ou na extinção da sua punibilidade — dados os seus efeitos de
coisa julgada material — há de ser objeto de decisão jurisdicional do órgão
judicial competente”.
2. A conduta imputada ao parlamentar não se amolda ao tipo descrito no art. 339
do Código Penal.
.
R.T.J. — 198 583

O tratamento penal dispensado à denunciação caluniosa atende ao fato de que,


nela, há, “além da objetividade jurídica consistente na honra ou na incolumidade
moral, a violação também das regras estabelecidas para a boa Administração da
Justiça”1.
Não é o caso. O que sucedeu é que o parlamentar, à época Prefeito Municipal de
Poços de Caldas/MG, ao inteirar-se de indícios de adulteração de documentos públicos
apresentados de certa empresa, em certame licitatório, determinou a instauração de
procedimento administrativo (Portaria n. 3.755).
A Assessoria Jurídica do Município, após conclusão do feito, remeteu cópia dos
autos ao Ministério Público, que ofereceu denúncia contra Antônio Carlos de Oliveira.
Não há, pois, como atribuir ao parlamentar conduta típica que se acomode ao tipo
penal.
3. Assim, acolho o parecer da PGR e determino o arquivamento do inquérito penal
em relação ao Deputado Federal Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, por atipicidade
de conduta, e o retorno dos autos à origem (Vara Criminal da Comarca de Poços de
Caldas/MG), para que, no juízo competente, se adotem as providências cabíveis em
relação aos demais representados.
É como voto.

EXTRATO DA ATA
Pet 3.297/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Ministério Público
do Estado de Minas Gerais. Requeridos: Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos
(Advogados: Luís Sérgio Monteiro Terra e outros), Luiz Roberto Judice, Mario Marques
de Oliveira, Domenico Carlo Falci, Edna Mara de Souza (Advogada: Silvani Alves da
Silva), Paulo Roberto Rodrigues Milton, Antonio Carlos Alvisi, Ercules Berlini
Tassinari, Everaldo de Oliveira Melo, Salma Maria Neder Camacho e Augusto Celso
Franco Drumont.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, determinou o arquivamento do feito,
tendo em vista a atipicidade do delito, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu o julgamento o
Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

1 BARBOSA, Marcelo Fortes. “A denunciação caluniosa e os crimes contra a honra”. Revista


Juditia, São Paulo: 1980. v. 110. p. 17.
584 R.T.J. — 198

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 22.665 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim
Recorrente: Cabotec Ltda. — Recorrida: União Federal
Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Pedido de
autorização para operar distribuição de sinais de televisão a cabo.
Supremacia do interesse público sobre o privado. Autorização. Ato de
natureza precária. Necessidade de preenchimento de requisitos objetivos
e subjetivos (conveniência e oportunidade). Ausência de direito subjetivo
da recorrente. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
negar provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça assentou não
concorrer, na espécie, direito líquido e certo da Impetrante de operar o sistema de
televisão por cabo. Para tanto, assentou que restaram exauridos os efeitos de sentença
proferida em mandado de segurança impetrado contra ato do Diretor da Delegacia de
Telecomunicações de Minas Gerais. O provimento judicial teria ficado restrito à
determinação de encaminhamento, à autoridade competente, de peça em que a ora
Recorrente requerera fosse autorizada a operar a distribuição de sinais de televisão.
Justamente o cumprimento do que decidido desaguou no ato impugnado mediante o
mandado de segurança. Fez-se ver que o Poder Executivo, representado pelo Ministério
das Comunicações, define a conveniência e a oportunidade da ação administrativa de
concessão, não podendo o Judiciário atuar, de forma substitutiva, em tal campo. Eis
como ficou sintetizada a espécie:
“Administrativo — Mandado de Segurança — Concessão de Distribuição de
Sinais de TV a Cabo — Portarias n. 250/89 e 36/91 — Ministério das Comunicações.
1. Exaurida a precedente ordem judicial para o exame do processo
administrativo, seja por incapacidade técnica ou desvio nas considerações, com
resultado insatisfatório para o interessado, no circunlóquio da legalidade, não
pode o Judiciário, em substituindo a Administração Pública, inclusive abonada
nas vertentes da oportunidade e conveniência, autorizar a operação do sistema de
sinais de televisão.
2. Não demonstrado, suficientemente, o direito líquido e certo, a segurança
é denegada.” (Folha 121)
.
R.T.J. — 198 585

Ocorreu a oposição de embargos declaratórios objetivando suscitar o exame do


atendimento às exigências da Portaria n. 250/89, fato que não chegou a ser negado
pela Administração. Aludiu-se à obscuridade na análise do que pleiteado, refutando-
se a óptica sobre estar este último dirigido à atuação do Judiciário fazendo as vezes
da autoridade administrativa. Solicitou-se, mais, definição sobre as premissas que
teriam levado a concluir-se pelo envolvimento de ato discricionário. Consoante o
sustentado, a partir do momento em que a União resolveu delegar os serviços,
estipulando condições para que os interessados obtivessem a respectiva concessão,
passou a existir um ato vinculado, obrigando-a, desde que observados os pressupostos
nele inicialmente previstos. O pedido formulado seria anterior à edição da Lei n.
8.977/95.
Os embargos foram rejeitados, salientando-se não se prestarem “para respostas a
indagações”. Consignou-se a emissão de entendimento sobre a Portaria n. 250/89.
Segundo a ilação do Órgão julgador, tal Portaria “concebeu uma faculdade; permitiu,
mas não se obrigou a autorizar o serviço”. Os embargos estariam a reiterar matéria ligada
ao mérito do pedido (folhas 136 a 140).
Daí o recurso ordinário de folhas 142 a 161, em cujas razões reitera-se o
cumprimento da Portaria em tela e a impossibilidade de aplicar-se à hipótese a Lei n.
8.977/95, por ser posterior aos pedidos administrativos formulados (em 1994). A
Recorrente afirma que o ato de concessão deixou de ser discricionário para ser
vinculado por ato do próprio Ministério, no que dispôs que o preenchimento de certas
condições desaguaria na acolhida do pedido. Busca-se demonstrar que, mediante a
Portaria n. 250/89, previu-se o direito à autorização, desde que atendidas as condições
estipuladas. Na óptica da Recorrente, não se poderia evocar, como óbice ao
deferimento do pedido, a Portaria n. 36/91, que implicara determinação de não se
aceitar mais pleitos de concessão, isso considerado o fato de a decisão judicial anterior
haver transitado em julgado, afastando tal obstáculo. Daí a conclusão de que,
atendidos os requisitos da Portaria n. 250/89, o procedimento atacado mostra-se
insubsistente. Transcreve-se a lição de Cretella Júnior sobre ato vinculado, regrado ou
predeterminado.
Aos autos vieram as contra-razões de folhas 171 a 173, ressaltando que o
pronunciamento sobre a Portaria n. 36/91 fez-se sob o ângulo único do direito de
petição, abrindo-se a via do exame do pedido pelo Ministro das Comunicações, no
exercício da função de decidir “conforme a conveniência da Administração e o bem-
estar da comunidade”. Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República,
posicionou-se esta no sentido do desprovimento:
“Autorização para operar o Sistema de Distribuição de Sinais de Televisão
(Portaria n. 250, de 13 de dezembro de 1989, do Ministro de Estado das Comuni-
cações): ‘Na autorização, embora o pretendente satisfaça às exigências admi-
nistrativas, o Poder Público decide discricionariamente sobre a conveniência
ou não do atendimento da pretensão do interessado ou da cessação do ato
autorizado, diversamente do que ocorre com a licença e admissão, em que,
satisfeitas as prescrições legais, fica a Administração obrigada a licenciar ou
586 R.T.J. — 198

a admitir.’ (Hely Lopes Meirelles). Recurso Ordinário em Mandado de Segurança


insuscetível de provimento.” (Folha 178)
Os autos vieram-me conclusos para exame em 10 de março de 1997, sendo que
neles lancei visto em 15 imediato (folha 187).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Este recurso ordinário está em condições de
ser conhecido. A representação processual mostra-se regular (folhas 37 e 124), constando
à folha 162 a guia correspondente ao preparo. Por outro lado, o acórdão impugnado teve
notícia veiculada no Diário da Justiça de 1º de julho de 1996, segunda-feira (folha 141),
ocorrendo a manifestação do inconformismo em 15 de agosto de 1996, quinta-feira (folha
142), ou seja, no décimo-quinto dia dos computáveis na contagem do prazo recursal, isso
consideradas as férias coletivas de julho. Conheço do recurso.
Inicialmente, consigno que a decisão no mandado de segurança anterior ficou
restrita à determinação da autoridade então impetrada, o Diretor da Delegacia das
Telecomunicações de Minas Gerais, no sentido de receber, processar e encaminhar
requerimento de concessão de serviço de distribuição de sinais de televisão a cabo na
cidade de Ipatinga. Nada se decidiu quanto ao fundo do direito, ou seja, à procedência,
ou não, do pleito da ora Recorrente visando à distribuição de sinais de televisão. Tanto
é assim que consta da sentença:
“(...) concedo a segurança e determino ao Diretor da Delegacia de Tele-
comunicações em Minas Gerais, que receba e faça processar, encaminhado-o à
análise da autoridade competente, o requerimento de concessão e distribuição
de sinais de TV a cabo formulado pela Impetrante.” (Folha 69)
Resta o exame do ato mediante o qual o Ministro das Comunicações, Doutor
Sérgio Motta, indeferiu o pedido (folha 50), reportando-se, para fundamentar tal
decisão, ao parecer Conjur/MC 3405/95, que se encontra às folhas 55 e 60 dos autos,
cuja leitura leva à conclusão de que, em momento algum, assentou-se a ausência de
atendimento, pela ora Recorrente, dos requisitos previstos na Portaria n. 250/89.
Simplesmente teve-se a situação como reveladora de mera expectativa, consignando-se
que “a autorização, em si, fica na dependência do preenchimento de um requisito
fundamental, exterior àquele fato, qual seja, a sua outorga pelo poder concedente. A
portaria concebeu uma faculdade: permitiu, mas não se obrigou a autorizar o serviço”
(folha 57).
Ora, ninguém coloca em dúvida que a autorização, apresentando contornos que
lhe são próprios, está no âmbito dos atos discricionários, despontando o interesse
público. Neste sentido são as lições de, entre outros, Cretella Júnior, Hely Lopes Meirelles,
Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem a autorização “é o ato unilateral pelo qual
a administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo,
como regra, caráter precário. É o caso de autorização de porte de arma ou da autorização
para exploração de jazida mineral” (Curso de Direito Administrativo, 8. ed., Malheiros
Editores Ltda., p. 256). Resta perquirir, na espécie, os termos divulgados pela adminis-
R.T.J. — 198 587

tração pública para chegar-se à autorização e que estão, inegavelmente, na Portaria n.


250, de 13 de dezembro de 1989. Foram lançadas não só definições, como também
indicada competência para a distribuição de sinais de televisão e as condições a serem
atendidas pelos pretendentes. De início, esse arcabouço de previsões estaria a direcio-
nar, em face até mesmo do emprego do vocábulo “autorização”, a crer-se em mecanismo
próprio à prática de ato discricionário. Todavia, a administração, mediante a citada
Portaria, foi adiante, comprometendo-se a formalizar a autorização uma vez atendidos os
requisitos previamente lançados. Eis o item da Portaria relativo à matéria:
“4.3 - Atendidas as exigências acima o Dentel baixará ato autorizando a
entidade solicitante a operar o Sistema de Distribuição de Sinais de Televisão.
4.4 - A interessada, ao receber a Portaria de autorização efetuará o
pagamento da Taxa do Fistel e enviará o respectivo comprovante ao Dentel, que
expedirá o Certificado de Licença.” (Folha 48)
Portanto, caminhou a própria administração pública no sentido de obrigar-se à
titularização, prevendo, para tanto, tão-somente o atendimento aos requisitos que esta-
beleceu. Poderia fazê-lo? Entendemos que sim, a partir da premissa, ressaltada por Celso
Antônio Bandeira de Mello, de que a discricionariedade existe, por definição “única e
tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é,
aquela que realiza superiormente o interesse público alvejado pela lei aplicada”. Na
definição desse mesmo interesse, atuou a administração pública impondo as condições
a serem atendidas. Por isso, o indeferimento, após a Recorrente lograr êxito em mandado
de segurança, visando à análise do pleito, resultou na colocação, em plano secundário,
do que disposto anteriormente, valendo notar que se aguarda do poder público postura
exemplar, não lhe sendo dado adotar posições ambíguas e que, alfim, apenas geram
insegurança. Na hipótese dos autos, o administrador se autolimitou na liberdade de
deliberar a respeito, vinculando-se aos parâmetros por si editados. Portanto, não tenho a
Portaria como a encerrar uma simples faculdade, passível de ser implementada ao sabor
dos critérios alusivos à conveniência e à oportunidade. Daí o ato indeferitório ter
implicado, em última análise, não a observância de discricionariedade, mas arbitrarieda-
de, no que discrepante do que estabelecido. A entender-se de forma diversa, caminhar-
se-á para o campo da liberdade total do administrador, podendo, em que pese haver se
comprometido a deferir as solicitações, uma vez preenchidos os requisitos que fixara, vir
a negá-las sob o manto protetor de estar no âmbito da prática de ato discricionário. O que
define este último como tal ou vinculado são os parâmetros de regência previamente
assinalados e estes, no caso concreto, conforme já salientado, mostraram-se precisos,
havendo sido previsto o resultado natural, ou seja, o deferimento do que requerido.
Em última análise, o que se nota, na espécie, é uma conseqüência do teor da
Portaria n. 36, de 21 de março de 1991, no que resultou na suspensão do recebimento dos
pedidos de autorização para distribuição de sinais de televisão. Havendo a Recorrente
logrado suplantar o óbice, deparou, então, com procedimento da administração pública
que colocou em plano secundário o atendimento aos requisitos que, segundo a Portaria
n. 250/89, desaguariam na licença para operar na distribuição de sinais de televisão.
Por tais razões, conheço e provejo o recurso para conceder a segurança.
É o meu voto.
.
588 R.T.J. — 198

EXTRATO DA ATA
RMS 22.665/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. (Advogados: Fernanda Guimaraes
Hernandez e outros). Recorrida: União Federal (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator, conhecendo do recurso e lhe dando
provimento para deferir o mandado de segurança, o julgamento foi adiado em virtude do
pedido de vista do Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 7 de outubro de 1997 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. Os fatos
Em 25-3-1993, a Recorrente protocolou, em uma das delegacias do Ministério das
Comunicações em São Paulo, requerimento para concessão de serviço de distribuição de
sinais de TV a cabo (fl. 66).
Fundamentou o pedido na Portaria n. 250/891, expedida pelo Ministro das
Comunicações.
Correspondência oriunda do Diretor da Delegacia das Telecomunicações situada
em Minas Gerais negou o pedido.

1 Portaria n. 250/89
“(...)
(...) Considerando:
A crescente demanda por serviços de recepção de sinais de TV, mediante antenas comunitárias e
sua distribuição por meios físicos a usuários (...)
(...)
(...) Resolve:
1. Regulamentar a Distribuição de Sinais de Televisão – ‘DISTV’ por meios físicos a usuários.
2. A distribuição de Sinais de Televisão regulada nesta Norma destina-se à recepção de sinais de TV,
através de antenas comunitárias diretamente de estações geradoras, repetidoras ou retransmissoras ou
repetidos via satélite, o tratamento destes sinais em um cabeçal de recepção e sua posterior distribuição por
meios físicos a usuários.
(...)
4.2. As entidades interessadas na distribuição de sinais de Televisão deverão apresentar ao
Departamento Nacional de Telecomunicações – DENTEL, os seguintes documentos:
a) requerimento solicitando a autorização;
b) uma via do seu Contrato Social ou Estatuto, devidamente registrado ou arquivado na repartição
competente, exceto quando se tratar de pessoas jurídicas de Direito Público interno.
R.T.J. — 198 589

O motivo foi a Portaria n. 36/912, expedida pelo Secretário Nacional de Comunica-


ções.
Por conseqüência, a empresa ora recorrente impetrou mandado de segurança
perante a Justiça Federal, por entender que houve ofensa aos princípios da isonomia, da
legalidade e do direito de petição.
Em 20-10-94, a segurança foi concedida.
Determinou-se o recebimento e a análise do requerimento da impetrante (fl. 69).
Na remessa obrigatória a sentença foi confirmada.
O acórdão foi publicado em 2-10-95 (fl. 74).
Em 26-6-95, o Ministro das Comunicações indeferiu “(...) os pedidos de autoriza-
ção para operar Distribuição de Sinais de Televisão formulados pela Cabotec Ltda
(...)” (fl. 50).
Considerou que a Portaria 250/89 atribuiu uma faculdade ao Poder Público, e não
uma obrigação.
2. Mandado de segurança
Inconformada com a decisão administrativa, impetrou novo mandado de segu-
rança, agora perante o Superior Tribunal de Justiça.
Sustentou nessa impetração:
“(...)
“O ato ilegal (...) está aprisionado na negativa do Exmo. Sr. Ministro das
Comunicações que, por lesar direito já adquirido pelo Impetrante, à liberação da
exploração dos sinais de TV, deverá ser corrigido mediante concessão de segu-
rança que determine à aquela autoridade a emissão e publicação do ato administra-
tivo que autorize o Impetrante a explorar o DISTV (...)
(...)” (fl. 91).

c) projeto do sistema assinado por profissional habilitado, indicando o local das instalações, área
inicial de prestação do serviço e áreas futuras de expansão do mesmo, bem como equipamentos etc.
4.3. Atendidas as exigências acima o Dentel baixará ato autorizando a entidade solicitante a operar
o Sistema de Distribuição de sinais de Televisão. (...)
(...)”
2 “O Secretário Nacional de Comunicações, no uso de suas atribuições, resolve:
1. Suspender, a partir desta data, até que venha a ser regulamentado o serviço de televisão por cabo,
o recebimento dos pedidos de autorização para distribuição de sinais de televisão – DISTV, a que se
refere a Portaria MC n. 250, de 13 de dezembro de 1989, publicada no Diário Oficial do dia 15
subseqüente.
II - Os pedidos em tramitação nesta Secretaria terão prosseguimento normal, desde que devidamen-
te instruídos.
III - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.”
590 R.T.J. — 198

3. As informações
O Ministro de Estado das Comunicações prestou informações.
Alegou tratar-se de ato discricionário da Administração sujeito à suspensividade.
4. A decisão do STJ
O STJ denegou a ordem, em acórdão assim ementado:
“(...)
Administrativo — Mandado de Segurança — Concessão de Distribuição de
Sinais de Tv a Cabo — Portarias n. 250/89 e 36/91 — Ministério das Comunicações.
1. Exaurida a precedente ordem judicial para o exame do processo
administrativo, seja por incapacidade técnica ou desvio nas considerações, com
resultado insatisfatório para o interessado, no circunlóquio da legalidade, não
pode o judiciário, em substituindo a Administração Publica, inclusive abonada
nas vertentes da oportunidade e conveniência, autorizar a operação do sistema de
sinais de televisão.
2. Não demonstrado, suficientemente, o direito líquido e certo, a segurança
é denegada.
(...)” (fl. 121).
Oposto embargos de declaração, esses foram rejeitados (fl. 140).
5. O RMS
Alega a Recorrente:
“(...)
A autoridade coatora (...) dá como única motivação para o indeferimento
proibição que veio a surgir com a Portaria n. 36/91, Portaria esta, porém, que já
fora considerada inconstitucional pelo Judiciário.
(...) o pedido foi formulado e todos os requisitos atendidos ainda quando
vigorante o Regulamento de 1989, não podendo ser atingido por disposições
novas, com efeito retroativo para atingir eventos já constituídos anteriormente (...)
(...) a Lei n. 8977, que cuida da questão da televisão a cabo, é de janeiro de
1995, quando (...) os pedidos administrativos da ora impetrante são de 1994 e (...)
o Decreto n. 4718, que lhe dá regulamentação é de 28 de novembro de 1995, e se
tem que a impetração é de 11 de outubro do mesmo ano e sendo, portanto, tais
pedidos anteriores.
(...) o ato de concessão deixou de ser discricionário para ser vinculado por
ato do próprio Ministério, pois este vinculou a autorização do DISTV ao preen-
chimento de determinadas condições, estabelecendo que o atendimento destas
resultariam na autorização.
(...)
(...) não poderia (...) ser invocada essa mesma Portaria n. 36/91 (...) para
justificar o indeferimento (...)
R.T.J. — 198 591

Afastada (...) a Portaria n. 36/91 como impeditiva do direito do Impetrante,


é de ver-se que tendo sido atendidos (...) os requisitos necessários, segundo a
Portaria n. 250/89, na conformidade do seu item 4.2 (...) a autorização havia de ser
concedida (...)”
(...)
(...) subsistindo a Portaria n. 250/89, como implicitamente veio a admitir
o acórdão, (...) tem-se que não poderia deixar de ser concedida a autorização,
eis que, na hipótese (...) o ato autorizativo possuía a condição jurídica de ato
vinculado (...)
(...)” (fls. 144/145, 148/149 e 157).
O PGR é pelo desprovimento do recurso.
6. A decisão do Relator
Marco Aurélio concede a segurança.
Está no voto:
“(...)
(...) a decisão no mandado de segurança anterior ficou restrita à determinação
da autoridade então impetrada (...) no sentido de receber, processar e encaminhar
requerimento de concessão de serviço de distribuição de sinais de televisão a cabo (...)
Nada se decidiu quanto (...) à procedência ou não, do pleito da ora Recorrente visando à
distribuição de sinais de televisão (...)
Resta o exame do ato mediante o qual o Ministro das Comunicações, Doutor
Sérgio Motta, indeferiu o pedido (folha 50), reportando-se, para fundamentar tal
decisão, ao parecer Conjur/MC 3405/95, que se encontra às folhas 55 e 60 dos autos,
cuja leitura leva à conclusão de que em momento algum assentou-se a ausência de
atendimento, pela ora Recorrente, dos requisitos previstos na Portaria n. 250/89.
Simplesmente teve-se a situação como reveladora de mera expectativa, consignando-
se que “a autorização, em si, fica na dependência do preenchimento de um requisito
fundamental, exterior àquele fato, qual seja, a sua outorga pelo poder concedente.
A portaria concebeu uma faculdade: permitiu, mas não se obrigou a autorizar o
serviço” (folha 57).
(...)
Portanto, caminhou a própria administração pública no sentido de obrigar-se à
titularização, prevendo, para tanto, tão-somente o atendimento aos requisitos que
estabeleceu. Poderia fazê-lo? Entendemos que sim (...) Na hipótese dos autos, o
administrador se autolimitou na liberdade de deliberar a respeito, vinculando-se aos
parâmetros por si editados. (...) Daí o ato indeferitório ter implicado (...) não a
observância da discricionariedade, mas arbitrariedade, no que discrepante do que
estabelecido. A entender-se de forma diversa, caminhar-se-á para o campo da liberdade
total do administrador, podendo, em que pese haver se comprometido a deferir as
solicitações, uma vez preenchidos os requisitos que fixara, vir a negá-las sob o manto
592 R.T.J. — 198

protetor de estar no âmbito da prática de ato discricionário. O que define este último
como tal ou vinculado são os parâmetros de regência previamente assinalados e estes, no
caso concreto, conforme já salientado, mostraram-se precisos, havendo sido previsto o
resultado natural, ou seja, o deferimento do que requerido.
(...)
Por tais razões, conheço e provejo o recurso para conceder a segurança.
(...)”
7. Voto (Vista)
Pedi vista para melhor exame.
A pergunta que se faz no RMS é se a Administração (autoridade impetrada) estava
ou não obrigada a emitir autorização à impetrante para que pudesse distribuir sinais de
televisão por cabo — DISTV, em face do que disposto pela Portaria n. 250/89.
Entendo que a resposta deve ser negativa.
Prevalece no caso concreto a regra axiomática da supremacia do interesse público
sobre o privado.
Diferente do que afirmou o Relator, não se trata de conceder liberdade total ao
administrador.
É que o agente público, ou no caso dos autos o agente político (Ministro de Estado),
no exercício de suas atribuições e a bem do interesse público pode, desde que expostos os
motivos, deixar de executar ato de natureza precária, como é o caso da autorização.
Não cabe, ainda, a invocação de direito subjetivo.
A Portaria 250/89, utilizada como base do direito líquido e certo na impetração,
não gerou e nem poderia gerar direito subjetivo à impetrante. Não é próprio da natureza
desse ato.
Além disso, o administrado (Cabotec) não pode obrigar a Administração (Ministé-
rio das Comunicações) a conceder-lhe direito que tem como pressuposto de validade o
preenchimento de requisitos objetivos (capacidade técnica), como também requisitos
subjetivos (conveniência e oportunidade).
Nesse sentido foi o parecer do PGR.
Leio:
“(...)
Tem-se, assim, que a circunstância de haver a Portaria 250/89, do Ministro das
Comunicações, disposto que, ‘atendidas as exigências acima o Dentel, baixará ato
autorizando a entidade solicitante a operar o Sistema de Distribuição de Sinais de
Televisão’ (4.3), de modo algum obrigou a Administração Pública a automatica-
mente conceder autorização à interessada, uma vez satisfeitas as exigências feitas:
ainda que satisfeitos todos os requisitos técnicos, continuou a restar espaço para o
exercício, pela autoridade administrativa, do juízo de conveniência e oportunidade
acerca da prática do ato, porque isso é da própria natureza da autorização.
R.T.J. — 198 593

De outra parte, sendo da competência administrativa do Ministro das Comu-


nicações expedir a controvérsia, nestes autos — muito obviamente não poderia
aquela autoridade ser destituída, nem mesmo despojar-se, ainda que o quisesse, do
direito de exercê-la.
(...) o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não comporta provi-
mento.
(...)” (fls. 185/186).
Não há razão para a reforma do acórdão do STJ.
Nego provimento ao recurso.

VOTO (Ratificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, tenho um longo voto
sobre o caso e admito que, realmente, a autorização, de início precária, fica sujeita à
discricionariedade. Citando autores como Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio
Bandeira de Mello, digo que esta existe para se chegar ao que se poderia apontar como
providência ótima.
Se a própria Administração se vinculou e determinou requisitos a serem atendidos,
uma vez observados, não pode acionar o instituto da discricionariedade. O que se tem é
arbitrariedade. No caso, a impetrante atendeu às regras estabelecidas.
Não vou cansar os integrantes da Turma relendo o voto. Por isso, mantenho-o,
provendo o recurso interposto e concedendo a segurança.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro Marco
Aurélio e denego a segurança.
Entendo não se fazer presente, no caso, uma daquelas situações nas quais,
preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos, o requerente ou cidadão tem um
direito perante a Administração. Ao contrário, temos uma situação de precariedade, de
discricionariedade. Por se tratar de serviço concedido, autorizado, a discricionariedade
faz-se presente.
Nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RMS 22.665/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. (Advogados: Fernanda Guimaraes
Hernandez e outros). Recorrida: União Federal (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, vencido o Relator,
Ministro Marco Aurélio. Redigirá o acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este
julgamento o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a
Ministra Ellen Gracie.
594 R.T.J. — 198

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Gilmar


Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Compareceu o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo, nesta
ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, do RISTF, e o
Ministro Marco Aurélio, a fim de julgarem processos a eles vinculados. Subprocurador-
Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.764 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Impetrante: CBE – Companhia Brasileira de Equipamentos — Impetrado:
Presidente da República
Mandado de segurança. 2. Desapropriação para fins de reforma
agrária. 3. Os recursos administrativos, sem efeito suspensivo, não impe-
dem a edição do decreto de declaração de utilidade pública (Lei 9.794/99,
art. 61). Precedente: MS n. 24.163, DJ de 19-9-2003. Inocorrência de
ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 4. Vistorias
parceladas. Admissibilidade. Glebas exploradas autonomamente por
arrendatários distintos. 5. Configuração de plausibilidade da impetração
de modo a obstar medidas tendentes a dificultar a própria produtividade
do imóvel, especialmente se, como no caso, a invasão ocorre em áreas
onde haja água, passagens ou caminhos. 6. Ocupação pelos “sem-terra”
de fração que, embora diminuta, é representativa para a administração
da propriedade denominada Engenho Dependência. Superação da juris-
prudência do STF firmada no MS n. 23.054/PB, DJ de 4-5-2001, e no MS
n. 23.857/MS, DJ de 13-6-2003, segundo a qual a ínfima extensão de área
invadida não justifica a improdutividade de imóvel. 7. Mandado de segu-
rança parcialmente deferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF,
art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, deferir, em parte, a segurança.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Companhia Brasileira de Equipamentos –
CBE impetra mandado de segurança contra o decreto do Presidente da República, de 25
.
R.T.J. — 198 595

de novembro de 2003, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural Engenho Prado Grupo Prado1, composto pelos engenhos Prado, Papicu,
Tocos, Taquara e Dependência, localizados no Município de Tracunhaém/PE.
Afirma-se que as glebas Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência, “contínuas
e contíguas”, formam um só e único imóvel rural (fl. 3):
“Trata-se inelutavelmente de imóvel único, que como tal é tributado (docs.
13 a 19).”
Aduz ainda que a gleba Prado foi alvo de sucessivas invasões e que o imóvel rural
Engenho Prado Grupo Prado já fora objeto de decreto de desapropriação, anulado,
porém, pelo Supremo Tribunal Federal (MS 23.073, Marco Aurélio, DJ de 31-3-2000).
É este o núcleo do mandado de segurança (fl. 7):
“Como as glebas denominadas engenhos Prado e Dependência — que inte-
gram o imóvel rural Engenho Prado Grupo Prado — estavam invadidas e a
reintegração de posse quanto a elas se operou, respectivamente, em 1º-11-03 e 3-7-
03, nenhuma vistoria poderia ali ser realizada, para fins de reforma agrária, por-
quanto não decorrera aquele prazo mínimo de dois anos que deve mediar o ato de
reintegração de posse e a realização da vistoria, nos exatos termos do parágrafo 6º
do artigo 2º da Lei 8.619/93, com as alterações impostas pela Medida Provisória
2.183-56, de 24 de agosto de 2001.”
Alega ainda que, “por força das invasões, ficou a impetrante, proprietária do
imóvel rural Engenho do Prado Grupo Prado, impedido de utilizá-lo, tornando-o
produtivo” (fl. 11): invoca, por isso, o § 7º do art. 6º da Lei 8.629/93 e, como precedentes,
o MS 23.241, Carlos Velloso; o MS 23.738, Ellen Gracie; e o MS 23.759, Celso de Mello.
Acrescenta a impetração (fl. 13):
“Mas há óbice outro a impedir a desapropriação, no caso. É que, ao realizar
as vistorias, o Incra não cuidou de dar ciência à ora Impetrante das decisões que
adotara diante das impugnações opostas aos laudos de vistorias.
Essa comunicação é essencial, à luz do princípio constitucional da ampla
defesa: se não é feita, macula inegavelmente o procedimento de vistoria.”
E mais (fl. 17):
“Logo, como as vistorias foram feitas tomando cada parte do imóvel
isoladamente, há de ser provido, também por isso mas não apenas por esse
fundamento, o presente mandamus, em sede liminar para suspender a eficácia
do decreto presidencial ora atacado e no mérito para anular o decreto
declaratório.”
O em. Ministro Maurício Corrêa, no exercício da Presidência do Tribunal, negou
a liminar requerida, ante a “complexidade dos fatos narrados na inicial e o teor da
documentação juntada” (fl. 170).

1 “Historicamente, essas terras sempre foram destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar (...)” (fl. 3).
596 R.T.J. — 198

Vieram as informações presidenciais, elaboradas pela Consultoria-Geral da União


(fl. 178) com base nas encaminhadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (fl.
197): sustentam, em resumo, tratar-se de imóveis rurais distintos e, mesmo se assim não
fosse, que a soma dos índices das diversas glebas não modificaria o caráter improdutivo
do todo; e que as chamadas invasões aconteceram no Engenho do Prado — que não é
objeto da desapropriação, apesar do nome do imóvel —, ao passo que, no Engenho
Dependência, a invasão teria atingido apenas 19 hectares.
Indeferi o pedido de liminar nos seguintes termos (fl. 496, DJ de 13-2-2004):
“As informações da autoridade coatora — afora relevantes questões jurídicas
suscitadas — turvam, a um primeiro exame, a pretensão de ‘direito líquido e certo’
da impetrante, que reclama prova documental inequívoca da base empírica do
pedido.
No tocante à invalidade da notificação prévia à vistoria, o memorial não se
presta a aditar a causa de pedir.
Indefiro a liminar.
Vista à Procuradoria-Geral da República.”
Os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral da República, que ofereceu parecer
resumido nesta ementa (fl. 499):
“Mandado de segurança. Desapropriação. Declaração de nulidade de
decreto presidencial declaratório de interesse social, para fins de reforma
agrária, do imóvel rural denominado Engenho Prado Grupo Prado.
— Propriedade indigitada produtiva e insuscetível de desapropriação, em
razão de ter sido objeto de invasões praticadas por grupos de “sem terras”.
Alegação de ofensa ao disposto no art. 2º, § 6º, da Lei 8.629/93. Inocorrência.
— Vistoria em áreas isoladas. Possibilidade.
— Não configurada hipótese de força maior justificadora da improduti-
vidade.
— Projeto de reflorestamento. Prorrogação para impedimento de desapro-
priação.
Alegação da Impetrante de não ter tido ciência das vistorias. Recusa de recebi-
mento pelos procuradores.
— Medida liminar indeferida.
— Parecer pela extinção do processo sem julgamento de mérito, visto que,
em mandado de segurança, não cabe dilação probatória.”
Em 30-4-2004 (Pet 45.734, fl. 506), o impetrante requereu reconsideração da
denegação da liminar, que deferi na decisão de seguinte teor (fls. 510/511):
“Indeferida a liminar, à vista das questões de fato suscitadas nas informações
da autoridade coatora, sobreveio o parecer do em. Procurador-Geral da República,
pela denegação da segurança.
Conclusos os autos, volta a impetrante com a seguinte petição — fl. 506:
.
R.T.J. — 198 597

‘(...)
A impetrante teve conhecimento de que o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária dirigiu expediente à Secretaria do Tesouro
Nacional, solicitando a emissão de Títulos da Divida Agrária para indeni-
zação da terra nua das glebas rurais que são objeto do Decreto Presidencial
atacado no writ. Essa informação se confirma no documento apresentado
em anexo.
Sabia ainda a Impetrante que essa solicitação já foi deferida, estando a
emissão dos TDA’s pendente apenas de formalidades burocráticas.
Ora, emitidos os TDA’s o Incra poderá propor a qualquer momento a
ação de desapropriação (LC 76/93), da qual seria conseqüência direta a pronta
imissão da autarquia na posse do imóvel.
Mas não é só: a Impetrante teve ciência de que, a essa altura, o
Superintendente Nacional de Desenvolvimento Agrário já autorizou o
Incra/PE a propor a ação de desapropriação perante a Seção Judiciária
Federal de Pernambuco, tão logo sejam emitidos os TDA’s.
(...)
Tem-se no caso, portanto, a hipótese de perigo reverso: não concedida
a liminar, haverá dano irreparável à Impetrante; a sua concessão, porém,
nenhum dano acarretará ao processo de reforma agrária porquanto, uma vez
denegada a segurança, o Incra poderá retomar a implementação do decreto
desapropriatório impugnado, sem nenhuma situação irreversível a impossi-
bilitar-lhe a implementação.’
(...)
Tenho por plausível o temor da impetrante de que o ajuizamento da
desapropriação — propiciada pela liberação dos TDAs — e a conseqüente
imissão de posse gerem fato consumado irreversível na hipótese de deferimento
da ordem.
De outro lado, no estado do processo, já pronto para estudo final e julga-
mento, a sustação requerida não acarretará demora significativa no apossamento
dos imóveis para reforma agrária, caso se venha a denegar a segurança.
Esse o quadro, defiro a petição de fl. 506.
Comunique-se.”
Sobre os fatos novos, determinei vista ao Ministério Público, que manteve o
parecer anterior (fl. 540).
Em 20-8-2004, foram juntados documentos pela Advocacia-Geral da União (Pet
77.966, fl. 543).
Deferi vista dos autos à impetrante (Código de Processo Civil, art. 398), que os
devolveu em 14-9-2004. Aduziu a impetrante:
598 R.T.J. — 198

“(...)
Demonstram tais documentos que o processo administrativo de desapropriação
não estava concluído à época da expedição do decreto atacado, circunstância que por
si só inquina a nulidade do ato presidencial.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I
Inverto a ordem das questões suscitadas pela impetração, de modo a começar pela
nulidade do processo administrativo preparatório da expropriação, por cerceamento de
defesa, que, se procedente, prejudicaria as demais.
No tópico, a petição inicial queixa-se basicamente da falta de cientificação à
impetrante do indeferimento de sua impugnação às conclusões das vistorias nas diversas
glebas componentes do Engenho Prado Grupo Prado (fl. 12).
A invectiva, no entanto, está minuciosa e documentadamente contestada pelas
informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em capítulo que vale
transcrever — fls. 197, 213:
“Antes de mais nada vale dizer que a Impetrante, por meio de seus advogados,
compareceu espontaneamente ao processo administrativo e acompanhou todos os
atos dos mesmos, apresentando requerimentos junto ao Incra e a vários órgãos da
Administração tais como, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do
Meio Ambiente, Ibama, Ministério da Justiça, Casa Civil.
Compulsando os autos administrativos verifica-se que:
‘1. A notificação prévia para levantamento de dados e informações,
em relação a cada um dos cinco imóveis, foi feita por edital, publicado por
3 vezes em jornal de grande circulação, após o advogado da Impetrante ter
se recusado a receber notificação pessoal (evento este certificado, com fé
pública e com a assinatura de uma testemunha).
2. A vistoria dos imóveis se deu no interregno de 3 dias após as
publicações.
3. Em 1º-7-2003 a Impetrante compareceu espontaneamente ao
processo administrativo, através de advogados constituídos nos termos da
procuração juntada onde consta o endereço profissional dos mesmos.
4. Em 4-8-2003, através de ofícios encaminhados pelo correio para o
endereço profissional dos advogados sito à Av. Marquês de Olinda, n. 11,
bairro do Recife, Recife/PE, consoante comprova AR anexo (assinado por
Maurílio Araújo), a Impetrante foi notificada da reclassificação dos
imóveis, e recebeu cópia das DPs ex-offício e relatórios de levantamento de
dados.
R.T.J. — 198 599

5. Em 18-8-2003, pelos advogados da proprietária, que mais uma vez


indicaram seu endereço profissional na Av. Marquês de Olinda, n. 11, bairro
do Recife, Recife/PE, foram apresentadas impugnações às classificações
dos imóveis como improdutivos.
6. Julgadas as impugnações em 24-9-2003 pelo Comitê de Decisão
Regional, no dia 8-10-2003, o Servidor do Incra compareceu pessoal-
mente ao endereço profissional indicado pelos advogados supra referidos
para entrega dos ofícios comunicando da decisão que indeferiu as
impugnações, e teve o recebimento dos ofícios recusado, nos termos da
certidão anexa.
7. Após a primeira tentativa frustrada, os ofícios que comunicam da
decisão das impugnações foram postados em 14-10-2003, tendo o AR
retornado dos correios com a informação: Recusado (‘informação escrita
pelo porteiro' — Maurílio), consoante atesta cópia anexa.
8. Inobstante o insucesso das duas tentativas anteriores, o Incra, mais
uma vez, na pessoa do Superintendente Regional em Pernambuco, que
compareceu pessoalmente ao endereço em que tinham sido feitas as
notificações anteriores, tentou entregar os ofícios que comunicavam da
decisão das impugnações que foram recusados pelo mesmo porteiro, de
nome Maurílio Araújo, que em 4-8-2003 assinou o AR recebimento dos
ofícios de notificação da reclassificação dos imóveis e cópia das DPs ex-
offício e relatórios de levantamento de dados.
9. Entretanto, mesmo negando-se a receber a comunicação do indefe-
rimento das suas impugnações, e talvez por já saber do julgamento destas,
em 9-10-2003 a Impetrante apresentou recurso dirigido à Presidência do
Incra em Brasília-DF, que recebido sem efeito suspensivo, foi julgado em
27-11-2003, conforme cópias anexas.”
E adiante — fl. 215:
“Por outro lado, qualquer alegação da Impetrante quanto à absurda
alegação de falta de comunicação de decisão administrativa só teria relevância
jurídica se houvesse prejuízo à mesma com cerceamento de defesa. No entanto,
como se verifica dos documentos anexos, foi apresentado recurso administrativo
junto à Presidência do Incra que, recebido sem efeito suspensivo, já foi julgado
em 27-11-2003.
Desse modo, ainda que não tivesse tido ciência a Impetrante da decisão das
impugnações — o que não ocorreu — foi exercido o seu direito de recorrer e,
portanto, inexistiu prejuízo configurador de cerceamento de defesa.”
Recorde-se que, ciente da juntada de documentos novos pela autoridade coatora —
dentre eles o de fl. 548, cópia de correspondência do Incra à impetrante, datada de 30-10-03,
dando conta do recebimento de seu recurso, sem efeito suspensivo, ainda a ser julgado —,
aduziu a requerente que nele estava a prova de que ‘o processo administrativo de
desapropriação não estava concluído à época do decreto atacado, circunstância que
por si só inquina de nulidade do ato presidencial'.
600 R.T.J. — 198

O processo de mandado de segurança não comporta aditamento de nova razão de


pedir, quando de há muito exaurido o prazo de decadência e prestadas as informações.
Nem se cogita de fato superveniente, pois o documento juntado é cópia de corres-
pondência à impetrante e anterior à impetração.
De qualquer sorte, não existe a pretensa nulidade: cuida-se de recurso administrativo
recebido “sem efeito suspensivo”, o que, portanto, faz de todo irrelevante que tenha sido
julgado após o decreto de desapropriação, tanto mais que improvido.
Rejeito a argüição de cerceamento de defesa.

II
Segue-se a invocação de inviabilidade das vistorias e, conseqüentemente, da
desapropriação, à luz do art. 2º, § 6º (cf. MPr 2.183/01), e do art. 6º, § 7º, da Lei
8.629/93, dado que, alega-se, o imóvel esteve invadido por “sem terras”, até havia
menos de dois anos antes e as invasões constituiriam motivo de força maior da sua
improdutividade.
No entanto, os conflitos rurais significativos, a que se apega a impetração,
conforme a documentação que a instrui, tiveram por objeto uma das glebas do grupo, o
Engenho Prado, que o decreto não incluiu na área declarada de interesse social, o que
elide a consistência da alegação.
De resto, as informações põem em dúvida a natureza dos conflitos possessórios do
Engenho Prado. É ler — fl. 206:
“Nesse ponto vale, inicialmente, ressaltar que não houve invasão em
qualquer das glebas vistoriadas pelo Incra.
A Comissão de Vistoria reportou a existência de posseiros trabalhando e
residindo no local, há mais de sete anos e com a concordância tácita dos antigos
arrendatários do imóvel, informando ainda que a proprietária reconhece expressa-
mente essa condição dos trabalhadores, na medida em que indeniza as
benfeitorias por eles erguidas no imóvel, consoante atesta termo de compro-
misso que firmou com tais trabalhadores, ora anexado.
A respeito, o Incra assim manifestou-se por ocasião do julgamento da
Impugnação Administrativa que a Impetrante ofertou a essa vistoria em particular:
‘(...)
2) Os imóveis podiam sim ser vistoriados. Primeiro, porque não houve
invasão e sim conflito entre proprietário e posseiros amplamente divulgado
pela mídia; segundo porque os impugnantes tentaram e não obtiveram êxito
junto ao Judiciário, para obstar os trabalhos de vistoria.
No mais, chega a ser jocosa a alegação de que a invasão de um imóvel
contaminaria os demais contíguos.
3) Consta destes autos, à fl. 84, termo de compromisso firmado em
25 de março de 2003, no qual a Usina Santa Tereza reconhece os
R.T.J. — 198 601

trabalhadores do Engenho Prado não apenas como residentes e posseiros,


como se compromete a não promover trabalhos agrícolas nas áreas
plantadas pelos trabalhadores nos últimos 6 anos, reconhecendo ainda a
existência de inúmeras benfeitorias por eles edificadas, reservando-se a
faculdade de trabalhar nas demais áreas de terras que não se encontrem
utilizadas com sítios e lavouras pelos trabalhadores rurais residentes e
posseiros.
Verifica-se portanto, que o conflito havido em Prado, com ampla
cobertura da mídia, deu-se entre proprietários e posseiros antigos.’
Ressalte-se que no referido termo de compromisso anexo, a Impetrante não só
reconhece ‘áreas residenciais’ (item 3) e áreas agrícolas (‘sítios e lavouras’ item 4)
‘plantadas pelos trabalhadores nos últimos seis anos’ no Engenho Prado (item 1),
como ainda a existência de áreas ‘ociosas e sem uso’ (item 3) por eles não ocupadas,
tanto que comprometeu-se a nelas realizar ‘atividades agrícolas’ (item 3).
Assim, os documentos acerca de Ações de Reintegração de Posse trazidos
pela Impetrante, apenas servem para comprovar o litígio entre posseiros antigos e
arrendatários/proprietária existente em data muito anterior à edição da MP n.
2.027-41, onde, datando a última petição do arrendatário Luiz Octávio Fittipaldi
Freire de 1998, evidencia-se o reconhecimento da posse e do cultivo da terra
pelos trabalhadores, aplicando-se, portanto o art. 1.256 do Código Civil, mesmo
porque a Impetrante não fez prova de que tenha impugnado judicialmente o
plantio.
Vale salientar que o Engenho Prado, gleba onde alega a Impetrante ter
ocorrido ocupação, sequer foi objeto do Decreto expropriatório.”
Quanto à gleba Engenho Dependência, aduzem as informações que “inobstante
não ter sido invadida, mas também apenas palco de conflitos entre posseiros antigos e
proprietária, noticiou a Impetrante que a área ocupada seria de aproximadamente 19
hectares (doc 44, terceiro parágrafo), constituindo-se, portanto, em ínfima parcela da
área total do imóvel — 459,71 hectare — que não poderia justificar o estado de
improdutividade do mesmo, segundo reiterada jurisprudência do STF”.
E invocam com pertinência diversos julgados (MS 23.054, 15-6-00, Pertence, DJ
de 4-5-01; MS 23.857, 23-4-03, Ellen, DJ de 13-6-03).
De resto, é também de nossa jurisprudência que a invocação de invasões como
escusa da improdutividade reclama que se faça prova de que, antes, o imóvel era
produtivo (MS 23.857, cit.; MS 24.494, 3-3-04, Ellen, DJ de 26-3-04): disso, entretanto,
sequer cogitou a impetração.
Improcede, pois, o segundo fundamento do pedido de segurança.

III
A impetração faz finca-pé na unicidade do imóvel Engenho Prado Grupo Prado,
composto de glebas “contínuas e contíguas”, que são tratadas como uma só propriedade
no cadastro do Incra e, como tal, objeto de tributação.
602 R.T.J. — 198

Pretende extrair daí que não poderiam as diferentes glebas que o compõem —
denominadas Engenhos Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência — terem sido,
cada uma, objeto de vistoria específica.
Demoram-se, de sua vez, as informações em contestar a alegada unicidade: pren-
dem-se, para tanto, à existência de matrícula distinta de cada gleba no registro imobili-
ário, na diversidade dos regimes de exploração, confiada a diferentes arrendatários (fl.
204).
Tem-se, no entanto, no ponto, um falso problema, como as informações mesmas já
haviam demonstrado.
Delas, extrato — fl. 202:
“A Impetrante postula — data venia — a partir de uma concepção acadêmica
do conceito que invoca, que só ganharia dimensão na medida da demonstração do
prejuízo que a opção adversa (do Incra) lhe estaria a trazer, dever de que não se
desincumbe objetivamente.
Inicialmente, é mister enfatizar, com Bagolini, citado por Miguel Reale in
Teoria Tridimensional do Direito, que:
‘O Direito não pode ser visto como puro fato, nem como pura forma,
nem como norma entendida em sentido formal nem como puro valor ideal,
nem como puro conteúdo intencional, mas sim como objetivação normativa
da Justiça.’
Assim sendo, passa a ser desnecessário sequer incursionar sobre as
variantes exegéticas do conceito aventado pela Impetrante, pois na esteira do
pas de nullité sans grief, apenas a objetivação do prejuízo advindo com a não
opção pela exegese que defende é que embasaria minimamente à Impetrante
invocá-la.
Ora, a postulação da Impetrante pode facilmente ser refutada em face da
irrelevância de cada vistoria ter sido feita em separado, já que no somatório das
vistorias, todos deram improdutivos, e, pois, uma vistoria global também daria
improdutiva.
Embora vistoriados os imóveis em separado, o fato de cada imóvel
separadamente ter resultado improdutivo impõe a conclusão de que o todo é
improdutivo, na medida em que a soma das partes compõe o todo, como
consectário da propriedade comutativa da matemática, segundo a qual a ordem
dos fatores não altera o produto.
Sabendo-se que a vistoria é de coleta de dados, e sabendo-se que o
tratamento técnico desses dados é que resulta na aferição da improdutividade,
tanto faz colhê-los em separado para cada imóvel e tratá-los em separado ou
colhê-los globalmente e globalmente dar-lhes tratamento.”
À clareza do irrepreensível raciocínio lógico, soma-se a demonstração
aritmética da assertiva, a que procedeu o Incra, mediante agregação — como se
efetivamente se tratasse de um só imóvel —, dos dados relativos às das cinco glebas
vistoriadas (fl. 371 ss).
R.T.J. — 198 603

Da simulação resultou o GUT de 44,9% e o GEE de 99,9%, do que resultaria — do


mesmo modo que se concluíra em relação a cada uma das glebas em separado — a
verificação da improdutividade do imóvel total.

IV
De tudo, indefiro a segurança, cassada a liminar: é o meu voto.

VOTO (Sobre preliminar)


O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, apenas registro que, no caso,
considero imprópria a apreciação da matéria, como ressaltado pelo Relator na primeira
parte do voto. Isso porque não se trata de um fato novo capaz de ensejar a observância do
artigo 462 do Código de Processo Civil, mas de fato pretérito, do qual a impetrante teve
conhecimento.
Quanto à segunda parte, para firmar posição a respeito, permito-me veicular o que
penso. Tomo o processo de desapropriação realmente como um ato complexo, partindo-
se do levantamento de dados, na vistoria, para, concluindo-se que o imóvel é
improdutivo, somente então, à mercê do processo administrativo a cargo do Incra, vir à
balha o decreto desapropriatório, que vislumbro como a integrar o ciclo indispensável a
que se aperfeiçoe a própria declaração de utilidade pública.
O que houve no caso, se pudesse ultrapassar a problemática da oportunidade de
veiculação do tema?
Ainda estava pendente o processo administrativo quando foi editado o decreto pelo
Presidente da República. Ora, se o decreto é o ato final da cadeia que revela aperfeiçoado
o processo, entendo que foi olvidada a organicidade desse mesmo processo, com inversão
da ordem natural dos atos que o compõem. Subscrevo, todavia, a óptica do Relator quanto
à impossibilidade de se levar em conta essa causa de pedir — que seria o atropelo,
expedindo-se o decreto antes do encerramento do processo administrativo —, porque
estranha à peça inicial.
Rejeito a preliminar com esse fundamento e com a ressalva no tocante à segunda
parte.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sra. Presidente, tenho profundas dúvidas quanto à
terra invadida.
Se tal invasão for na porteira de uma propriedade, compromete radicalmente a adminis-
tração do imóvel.
Não me sinto habilitado — talvez por ser da área rural e conhecer um pouco o tema —
a fazer esse tipo de distinguishing. Não consigo conviver com a idéia de que se possa ter
alguém dentro da propriedade, perturbando o exercício, turbando a posse e ainda assim o
seu titular consiga manter a propriedade em funcionamento, especialmente se a invasão
estiver localizada, como sói acontecer, em áreas onde haja água, passagens, caminhos.
604 R.T.J. — 198

É de se indagar: como é que se convive com tal estado de coisa? Quem tem um mínimo
de experiência sabe! E vinte hectares em quatrocentos hectares é algo significativo.
De modo que, em relação a esta propriedade — Gleba Dependência —, eu concedo
a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, a propriedade é única, quanto
ao titular. Conforme consta da inicial, era e é denominada como “Engenho Prado —
Grupo Prado”. Realmente, surge o aspecto ligado à existência de matrículas diversas.
Não houve o remembramento da área para ter-se título único, para ter-se matrícula única.
O imóvel assim foi levado a registro no Incra, constando cadastro único, a abranger
as diversas glebas. Causa-me perplexidade a feitura da vistoria, gleba por gleba, sem se
considerar o próprio cadastro existente no Incra.
Há outro aspecto, no entanto, que também me sensibiliza relativamente às causas
de pedir constantes da peça inicial do mandado de segurança. Sabemos que a
desapropriação prevista no artigo 184 da Constituição Federal reveste-se de contornos
punitivos, em virtude da ausência de atendimento à função social, da própria sociedade.
Ora, se se demonstrou no processo que, no tocante ao que aponto como um todo —
o Engenho Prado – Grupo Prado, composto das diversas glebas, de titularidade única —,
deu-se a reintegração de posse após o início da vistoria, ante o esbulho revelado por essa
reintegração de posse colhida no Judiciário, o fenômeno não interfere na conclusão a
respeito da produtividade? A meu ver, sim. E, no que concerne ao ônus da prova, há
necessidade de o impetrante comprovar que, antes do esbulho, a propriedade era
produtiva? Presumo o que normalmente ocorre. Inexistente ato do Incra, visando à
desapropriação em data anterior, estando o imóvel cadastrado no Incra, presumo que,
antes, a propriedade era produtiva.
Não tenho como, diante desses parâmetros, assentar que se mostrou legítimo o
decreto de desapropriação. Repito: a um só tempo, não posso entender que se teria
cadastramento — considerado o todo, as diversas glebas — no Incra, e vir esse mesmo
Órgão a proceder à vistoria, área por área, já que o trato das glebas seria único, voltado à
produção.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Tanto não era que cada um, até cerca
de um ano antes, estava em mãos de um arrendatário diverso, com culturas diferentes e
exploração diversificada.
Não desci a esses detalhes, porque me pareceu irrelevante, ante a demonstração
aritmética de que, se considerados agregados os dados das cinco vistorias, ainda assim se
teria um imóvel improdutivo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, persiste para mim o óbice ao
endosso do decreto, que é o alusivo ao denominado “esbulho”.
Peço vênia ao Relator para conceder a ordem, acompanhando o Ministro Gilmar
Mendes.
R.T.J. — 198 605

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, tenho sustentado que o imóvel
invadido está sendo balburdiado por essa mesma invasão. Sendo assim, não se pode
exigir que esse imóvel seja produtivo e esteja satisfazendo o requisito constitucional.
Tenho sustentado, em diversas oportunidades, esse ponto de vista.
Verifico que, no caso, há invasão. São três glebas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): São cinco glebas. Mas uma,
simplesmente, além de não ser caracterizado o chamado esbulho coletivo — que é o de
que trata o decreto-lei —, mas, sim, conflitos possessórios entre o arrendatário e posseiros
antigos, além disso, foi excluída da desapropriação.
Agora, quanto ao imóvel “Dependência”, houve invasão, mas segui a jurisprudência
que leva em conta a ínfima área atingida.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Com relação a esta gleba que não estaria invadida e,
sim, ocupada por posseiros, não haveria problema, mas ela está afastada da desapropriação.
Também sustentei a mesma tese que acabou de sustentar o eminente Ministro Gilmar
Mendes, num caso da Bahia, em que houve invasão na porteira, próximo à casa sede da
fazenda. Não obstante, naquele caso, ser muito pequena a área invadida, sustentei a tese no
sentido de que não seria possível a desapropriação com base na alegação de que a terra não
seria produtiva. Ora, se se invade a entrada da fazenda, o local onde a fazenda tem a sua
casa sede, isso balburdia a propriedade. Não se pode exigir, em sã consciência, desses
proprietários, fosse a terra produtiva. Restei vencido, é certo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O julgamento está pendente da apreciação de
embargos declaratórios. Pedi vista em mesa, liberei, mas não houve espaço para
continuarmos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: É o caso da Bahia, eminente Ministro?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Este caso da Bahia.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente. No qual estava realmente configurada
a invasão numa parte pequena e importante da fazenda. De modo que, no caso, parece
que não se esclarece isso. A dúvida vai resultar em favor, portanto, do expropriado.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Do expropriado ou do expropriante, tendo em vista as
limitações do mandado de segurança?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temos uma lei que diz que não se deve
desapropriar imóvel invadido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Finalmente, quero dizer que, se a terra fosse
produtiva — bem registrou o Sr. Ministro Marco Aurélio —, não seria necessária a
vistoria. No caso, é mesmo a presunção juris et de jure; a terra era produtiva até ocorrer
a invasão. Se não fosse produtiva, não haveria a vistoria, e o decreto seria baixado com
base no cadastro do órgão competente para a realização da reforma agrária.
Assim, Sra. Ministra Presidente, peço licença ao meu eminente Colega Ministro
Sepúlveda Pertence, Relator, para acompanhar a divergência e deferir a segurança.
606 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): V. Exa. defere em parte? Ao que


entendi, o Ministro Gilmar Mendes defere apenas com relação a um imóvel.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Os imóveis são separados. Eu estava deferindo em
relação ao imóvel que, de fato, foi invadido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: É o que consta aqui.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Sepúlveda Pertence, o cadastro é único?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O cadastro do Incra, sim. As
matrículas são outra coisa, até porque adquiridas em épocas diversas.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Pelo relatório, defendi que eram culturas
autônomas, exploradas autonomamente. Então, me atenho, também, a essa perspectiva.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aqui consta que elas são contínuas e englobadas
num único cadastro do Incra, Pernambuco, sob o único código de número tal, com a
denominação de Engenho Prado – Grupo Prado e tributado pela Receita Federal nessa
condição.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A reintegração de posse é dada aos
arrendatários.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tanto que alguns imóveis foram objeto da desapro-
priação, outros, não, mas acho que um imóvel ainda restou.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Um está afastado: onde não havia invasão e,
sim, posseiros.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: V. Exa. está entendendo que é, portanto, uma unidade?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, é uma unidade.

EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrante: CBE –
Companhia Brasileira de Equipamentos (Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e
outro). Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar. No mérito, após os
votos dos Ministros Sepúlveda Pertence (Relator), Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos
Britto e Cezar Peluso, indeferindo a segurança, e dos votos dos Ministros Gilmar
Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso, concedendo, em parte, a segurança, pediu
vista dos autos o Ministro Eros Grau. Falaram, pela impetrante, o Dr. Marcelo Galvão e,
pelo Ministério Público Federal, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, Subprocurador-Geral
da República. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim
(Presidente). Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
.
R.T.J. — 198 607

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Eros Grau: A impetrante pretende anular decreto do Presidente da
República que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, os engenhos
Tocos, Papicu, Dependência e Taquara.
2. Cuido, inicialmente, das alegações da impetrante, aparentemente confirmadas
pela autoridade coatora, de que não foi intimada das decisões proferidas no âmbito do
processo administrativo, tendo sido expedido o decreto presidencial antes de exaurido
aquele procedimento.
3. Não há como deixar de analisar a documentação posteriormente juntada aos
autos por ambas as partes, sob o argumento de ser descabido o aditamento da causa de
pedir em mandado de segurança ou de não se tratar de fato superveniente.
4. Lembro a observação de Hely Lopes Meirelles1: “se a impetração for feita com
desconhecimento dos fundamentos integrais do ato impugnado, [...] só apresentadas
com as informações ou posteriormente a elas, pode o impetrante adequar o pedido aos
fundamentos do ato, até então não revelados pela autoridade coatora, pois que esta não
há de tirar proveito de sua própria malícia, e, feita essa adequação, lícito é ao juiz julgar
a causa levando em consideração o que ficou esclarecido nos autos.”
5. A questão respeita a matéria fática de suma importância para a solução do litígio
e deve ser enfrentada pelo Tribunal, visto que poderia ensejar a nulidade do decreto
impugnado.
6. A autoridade coatora, em sua manifestação [fl. 215], afirma que o último
recurso apresentado pela impetrante foi julgado em 27-11-2003. Na documentação
juntada pelo Advogado-Geral da União, no entanto, não há qualquer comprovação
dessa informação. A última notícia sobre o andamento do processo administrativo é
uma correspondência endereçada à Impetrante, datada de 30 de outubro de 2003 [fl.
459], na qual o Incra afirma que o recurso interposto pela Companhia Brasileira de
Equipamentos, recebido sem efeito suspensivo, ainda estava pendente de julgamento
por aquele órgão. Não há, no entanto, qualquer comprovante de entrega da correspon-
dência à impetrante.
7. O mesmo documento é juntado novamente pela autoridade coatora à fl. 548.
Mas o comprovante de recebimento juntado em seguida [fls. 549/550] noticia a entrega
da comunicação em endereço diverso do indicado pela impetrante nas manifestações
anteriores.
8. A impetrante informa, às fls. 529/531, o recebimento do Ofício Incra/GAB n.
105/04, datado de 13 de maio de 2004, em que a Procuradoria do Incra esclarece que o
processo administrativo ainda se encontrava pendente de julgamento em 15 de março de
2004. Note-se que a impetrante tomou conhecimento deste documento somente quatro
meses após a impetração.

1 Mandado de segurança. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 112.


608 R.T.J. — 198

9. Já na petição inicial, no entanto, a impetrante alega que não havia sido


notificada da tramitação dos recursos administrativos interpostos [fl. 5], o que deixa a
dúvida sobre o encerramento do processo de desapropriação pelo Incra.
10. Respondo a estas alegações com a recente jurisprudência do Tribunal,
traduzida na ementa do MS n. 24.163, Relator o Ministro Marco Aurélio [DJ de 19-9-
2003]:
“Desapropriação — Interesse social — Decreto — Oportunidade e alcance.
A ausência de eficácia suspensiva do recurso administrativo viabiliza a edição do
decreto desapropriatório no que apenas formaliza a declaração de interesse social,
relativamente ao imóvel, para efeito de reforma agrária, decorrendo a perda da
propriedade de decisão na ação desapropriatória, não mais sujeita, na via recursal,
a alteração.”
11. Naquela ocasião, o Tribunal, por unanimidade, pautou-se no preceito do art. 61
da Lei n. 9.784/992, que define como regra geral a admissão dos recursos administrativos
tão-somente no efeito devolutivo, franqueando à Administração, em casos excepcio-
nais, a concessão de efeito suspensivo.
12. Sem a suspensão dos efeitos da decisão do Incra, resta autorizada a prática
imediata do ato administrativo subseqüente, qual seja, a expedição do decreto pelo
Presidente da República. Este decreto não representa risco à garantia constitucional da
propriedade, já que apenas declara o imóvel de interesse social para fins de reforma
agrária, consubstanciando mera condição para a propositura da ação de desapropriação
[art. 184, § 2º, da Constituição do Brasil].
13. A perda do direito de propriedade ocorrerá tão-somente ao cabo da ação de
desapropriação, com o pagamento de indenização ao expropriado.
14. No presente caso, como noticiado às fls. 459 e 548, o recurso interposto carece
de efeito suspensivo, seja à luz do art. 61 da Lei n. 9.784/99, seja conforme os
procedimentos previstos na regulamentação do Incra3, inexistindo óbice à expedição do
decreto presidencial.
15. Em conseqüência, torna-se irrelevante, para os fins deste mandado de
segurança, a ausência de intimação da correspondência de 30 de outubro de 2003, já que
exercido o direito de recurso pela impetrante, cientificada da pendência de julgamento
do recurso pelo Ofício Incra/GAB n. 105/04, de 13-5-2004. Passo à análise da alegação
de unicidade dos imóveis rurais.
16. Desejo ressaltar, neste ponto, a circunstância de o texto do decreto não fazer
qualquer menção ao imóvel denominado Engenho Prado, registrado sob matrícula

2 “Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da
execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito
suspensivo ao recurso.”
3 No caso, a Norma de Execução n. 10 do Incra, vigente à época do procedimento administrativo.
R.T.J. — 198 609

distinta dos demais4. Do recurso modo, os imóveis objeto de desapropriação não se


confundem com o chamado “Engenho Prado Grupo Prado”, denominação atribuída ao
conjunto dos imóveis constantes do decreto presidencial e outros de propriedade da
impetrante, a Companhia Brasileira de Equipamentos. Não se trata, portanto, de imóvel
único, como alegado na inicial.
17. O registro do imóvel no cartório competente prova a titularidade do domínio e
a determinação correta da área do prédio, conforme disposto no art. 252 da Lei n. 6.015/
73, na redação dada pela Lei n. 6.216/75:
“Art. 252. O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos
legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado,
extinto ou rescindido.”
18. Protegido por esta presunção iuris tantum, qualquer modificação subjetiva ou
objetiva referente ao imóvel há de ser averbada em sua matrícula para que tenha eficácia
no mundo jurídico. O registro imobiliário prevalece nos estritos termos de seu conteúdo.
Neste sentido a jurisprudência desta Corte, conforme o MS n. 21.919, Relator o Ministro
Celso de Mello [DJ de 6-6-97]5.
19. O raciocínio que adoto prestigia a presunção de veracidade dos registros
imobiliários, adequando-se à legislação vigente em matéria de direitos reais. Não serve
como parâmetro o cadastramento dos imóveis para fins de recolhimento do ITR, que
segue sistemática específica para sua apuração, conforme os princípios previstos no art.
47 do Estatuto da Terra [Lei n. 4.504/64]6.
20. Note-se que, em diversos momentos, a própria impetrante admite tratar-se de
glebas individualizadas, manipulando a contigüidade dos imóveis ao sabor de seus
interesses, como no projeto de reflorestamento elaborado no ano de 2001, que, em outra

4 Registrado no 1º Ofício de Registro de Imóveis de Nazaré da Mata/PE sob a Matrícula n. 100,


Livro 2-B [fl. 239].
5 “Demais disso, impende observar — até mesmo em função do que prescreve o art. 252 da Lei n.
6.015/73 — que o conteúdo do Registro Imobiliário, enquanto não for invalidado, reveste-se de
presunção iuris tantum de veracidade. Vale dizer, o ato registral, enquanto subsistir, produzirá todos
os seus efeitos legais, notadamente aqueles que se referem à designação formal do dominus e à
identificação material do imóvel.”
6 “Art. 47. Para incentivar a política de desenvolvimento rural, o Poder Público se utilizará da
tributação progressiva da terra, do Imposto de Renda, da colonização pública e particular, da
assistência e proteção à economia rural e ao cooperativismo e, finalmente, da regulamentação do uso
e posse temporários da terra, objetivando:
I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função social e
econômica da terra;
II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de conservação dos
recursos naturais renováveis;
III - proporcionar recursos à União, aos Estados e Municípios para financiar os projetos de
Reforma Agrária;
IV - aperfeiçoar os sistemas de controle da arrecadação dos impostos.”
610 R.T.J. — 198

ocasião, garantiu-lhe a concessão de segurança nos autos do MS n. 23.073, Relator o


Ministro Marco Aurélio [DJ de 31-3-2000]7.
21. Leio trecho do relatório elaborado pela impetrante [fl. 228]: “O presente
projeto abrange sete (7) imóveis rurais distintos, sem continuidade territorial, que
somam uma área equivalente a 5.872,71 ha (...)”. Cumpre lembrar, no entanto, que o
cronograma do projeto não foi cumprido pela impetrante, o que, à luz do disposto no
art. 7º, II, da Lei n. 8.629/938, impede sua utilização como óbice ao decreto
expropriatório.
22. As informações da AGU, por sua vez, confirmam a existência de culturas
distintas em cada um dos imóveis mencionados no decreto impugnado, o que faz cair
por terra a afirmação da existência de regime homogêneo de exploração dos prédios
rústicos [fls. 186 e 204].
23. A alegação de que os imóveis denominados Engenho Prado e Engenho
Dependência foram invadidos por movimento popular também não afasta a validade do
decreto impugnado.
24. Segundo o entendimento preconizado no MS 24.136, Relator o Ministro
Maurício Correa [DJ de 8-11-2002], o esbulho possessório mencionado no art. 2º, § 6º,
da Lei n. 8.629/93, há de ser significativo, de modo a interferir na produtividade do
imóvel, devendo ocorrer antes da vistoria realizada pelo Incra.
25. Os boletins de ocorrência juntados pela impetrante dão conta de invasões de
trabalhadores rurais ocorridas no imóvel Engenho Prado, que não é mencionado no
decreto expropriatório, nem se confunde com o conglomerado que, na região, é conhe-
cido como “Engenho Prado Grupo Prado”.
26. A situação é ainda mais curiosa no Engenho Dependência. Na Certidão n. 17/
05, expedida pelo Cartório Judicial da Comarca de Nazaré da Mata e juntada pela AGU
em 17-3-2005, o oficial de justiça informou, quando do cumprimento da liminar de
reintegração de posse, que “não foi identificado nenhum ocupante, como também não
havia barracos” [Documento n. 2, juntado por linha em 18-3-2005].
27. Em contraposição, a impetrante junta aos autos a Certidão n. 69/05 [fl. 587],
lavrada pela mesma serventia judicial, noticiando, algumas páginas após o relato do
oficial de justiça quanto ao cumprimento do mandado de reintegração, que o oficial

7 “Desapropriação — Reforma agrária — Projeto de reflorestamento. Em curso projeto de


reflorestamento, devidamente registrado — Lei n. 8.629/93 — ou aprovado — Medida Provisória n.
1.577, de 1997 — e observado o respectivo cronograma, tem-se como insubsistente decreto
revelando interesse social para fins de reforma agrária do imóvel.”
8 “Art. 7º Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que
comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos:
[...]
II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas
prorrogações dos prazos;”
R.T.J. — 198 611

afirma: no local “havia lavoura branca, e (sic) os invasores existentes na referida gleba,
se negaram (sic) a se identificarem (sic)”.
28. Em vista do conflito existente entre certidões emanadas do mesmo órgão
judiciário, portanto de igual valor probatório, é impossível tomar-se uma delas como
expressão de verdade absoluta, em detrimento da outra. Do contrário, admitir-se-ia a
existência de invasão no Engenho Dependência, concluindo-se pelo deferimento da
ordem unicamente com relação a este imóvel.
29. A prudência, no entanto, recomenda que ambas as certidões sejam desconside-
radas, de modo que esta Corte se atenha a uma questão fática extremamente simples: a
liminar de reintegração de posse data de 13 de agosto de 1999 [fls. 153/156], tendo sido
“ressuscitada” e cumprida somente no ano de 2003 [fl. 105], às vésperas da vistoria do
Incra no referido imóvel, do que se infere, no mínimo, a existência de posse mansa,
pacífica e anterior à introdução do § 6º no art. 2º da Lei n. 8.629/93, que não retroage
[MS 23.818, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 22-2-2002, e MS n. 23.857,
Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 13-6-2003]9.
30. Ainda que assim não fosse, esta Corte já decidiu que a divergência entre as
alegações do impetrante e as informações da autoridade coatora implica dilação
probatória incompatível em mandado de segurança [MS n. 24.136, Relator o Ministro
Maurício Corrêa, DJ de 8-11-2002].
31. A verdade é que a impetrante busca “contaminar” os imóveis objeto de
desapropriação com focos isolados de manifestações de rurícolas no Engenho Prado,
estranho ao decreto impugnado. Sustenta, ainda, a existência de esbulho possessório,
como no caso do Engenho Dependência, perseguindo a efetivação de medidas liminares
inócuas, concedidas há muito, em processos abandonados por mais de seis anos.
32. De mais a mais, a ocupação noticiada em março de 1999, no boletim de
ocorrência juntado à fl. 161, abrange a área de 19 ha, parcela ínfima da área total do
imóvel, 459,71 ha, como bem observado pelo Relator, juntando precedentes desta
Corte10.
33. A ausência de dilação probatória em sede de mandado de segurança, bem como
a certidão do Oficial de Justiça ao dar cumprimento à reintegração de posse no Engenho
Dependência, “ressuscitada” pela impetrante, consubstanciam motivos suficientes para
afastar a existência do esbulho noticiado na inicial.

9 “Mandado de segurança. Desapropriação para fins de reforma agrária. Imóvel ocupado por
integrantes do MST antes da vigência da Medida Provisória 2.027/00. Vistoria realizada em data
anterior à ocupação. Não-ocorrência de litigância de má-fé. 1. Ocupação do imóvel por integrantes do
MST antes da edição da Medida Provisória 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, que introduziu o
§ 6º do artigo 2º da Lei 8.629/93, vedando a vistoria nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel.
Impossível a retroação da norma legal. 2. Vistoria realizada sete meses antes da referida ocupação,
inexistindo, no ponto, óbice que possa viciar o decreto presidencial. 3. Litigância de má-fé não
caracterizada, tendo-se em vista os fundamentos expostos na inicial, razoavelmente justificados sob o
ponto de vista jurídico, embora não socorram a pretensão do impetrante. Segurança denegada.”
1 0 MS n. 23.054, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 4-5-01, e MS n. 23.857, 23-4-03,
Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 13-6-03.
612 R.T.J. — 198

34. A impetrante busca, de todo modo, obstar a desapropriação dos imóveis,


utilizando-se de todos os subterfúgios possíveis. Na esfera administrativa, como consta
do Ofício Incra/GAB n. 105/04 [fls. 532/534], fez excessivo e abusivo uso do direito de
petição, enviando correspondências a diversos entes administrativos [Ministério da
Justiça, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, entre
outros], o que tumultuou o procedimento de desapropriação no Incra.
35. Já em litígio perante esta Corte, inicialmente negada a medida liminar pelo
eminente Relator, a impetrante celebrou contrato de arrendamento com sociedade cujo
corpo diretivo é integrado pelas mesmas pessoas que a administram. Daí a propositura de
novo mandado de segurança [MS n. 24.843], com o intuito de fugir à distribuição por
prevenção, na esperança de obter a tutela cautelar por via transversa. Essa impetração foi
fulminada por decisão monocrática da Relatora, Ministra Ellen Gracie [DJ de 22-4-
2004].
36. A análise dos autos, Senhora Presidente, associada ao o histórico do presente
mandado de segurança e do processo administrativo de desapropriação dos imóveis
localizados na Zona da Mata pernambucana, leva-me à firme convicção de que a pretensão
da impetrante carece de amparo jurídico.
Ante o exposto, indefiro o presente mandado de segurança, cassando a liminar
anteriormente concedida, para restabelecer os efeitos do decreto, do Presidente da
República, de 25 de novembro de 2003.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Os fundamentos em que se apóia esta impetração
justificam a concessão, em parte, do mandado de segurança, especialmente se se tiver
presente a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em
exame, em decisões proferidas a propósito de declarações expropriatórias de imóveis
rurais objeto de esbulho possessório.
Em tais decisões, esta Corte Suprema — considerado, ainda, o julgamento
plenário da ADI 2.213-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, em que se reconheceu, em
juízo de delibação a plena legitimidade constitucional do art. 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/93,
na redação dada pela MP n. 2.183-56 de 24-8-2001 — tem advertido que o esbulho
possessório, enquanto subsistir (e até dois anos após a desocupação do imóvel rural
invadido por movimentos sociais organizados), impede que se pratiquem atos de
vistoria, de avaliação e de desapropriação da propriedade imobiliária rural, por interesse
social, para efeito de reforma agrária, pois a prática da violação possessória, além de
configurar ato impregnado de evidente ilicitude, revela-se apta a comprometer a
racional e adequada exploração do imóvel rural, justificando-se, por isso mesmo, a
invocação da vis major, em ordem a afastar a alegação de descumprimento da função
social (RTJ 182/545, Rel. Min. Ellen Gracie — MS 23.563/GO, Rel. p/ o acórdão Min.
Maurício Corrêa, v.g.):
“— Constitucional. Agrário. Reforma agrária: desapropriação. Imóvel
invadido: ‘sem-terra’.
.
R.T.J. — 198 613

I - Imóvel rural ocupado por famílias dos denominados ‘sem-terra’: situa-


ção configuradora da justificativa do descumprimento do dever de tornar produ-
tivo o imóvel. Força maior prevista no § 7º do art. 6º da Lei 8.629/93. Precedentes
do Supremo Tribunal Federal.
II - Mandado de segurança deferido.”
(RTJ 188/131, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei)
“A prática ilícita do esbulho possessório, quando afetar os graus de utiliza-
ção da terra e de eficiência em sua exploração, comprometendo os índices fixados
por órgão federal competente, qualifica-se, em face do caráter extraordinário que
decorre dessa anômala situação, como hipótese configuradora de força maior,
constituindo, por efeito da incidência dessa circunstância excepcional, causa
inibitória da válida edição do decreto presidencial consubstanciador da declara-
ção expropriatória, por interesse social, para fins de reforma agrária, notadamente
naqueles casos em que o coeficiente de produtividade fundiária — revelador do
caráter produtivo da propriedade imobiliária rural e assim comprovado por
registro constante do Sistema Nacional de Cadastro Rural — vem a ser descarac-
terizado como decorrência direta e imediata da ação predatória desenvolvida
pelos invasores, cujo comportamento, frontalmente desautorizado pelo ordena-
mento jurídico, culmina por frustrar a própria realização da função social inerente
à propriedade. Precedentes.”
(RTJ 187/910, Rel. Min. Celso de Mello)
O Supremo Tribunal Federal, ao extrair conseqüências jurídicas do esbulho
possessório praticado por terceiros, notadamente quando organizados em movi-
mentos coletivos, teve presente — em casos nos quais invalidou a declaração
expropriatória emanada do Presidente da República — a circunstância excepcional
ora referida.
Esta Suprema Corte, por mais de uma vez, pronunciando-se sobre a questão
específica do esbulho possessório, executado, mediante ação coletiva, por movi-
mentos de trabalhadores rurais, não hesitou em censurar essa prática ilícita, ao
mesmo tempo em que invalidou o decreto presidencial consubstanciador da decla-
ração expropriatória de imóveis rurais, pois, com a arbitrária ocupação de tais
bens, não mais se viabiliza a realização de vistoria destinada a constatar se a
propriedade invadida teria atingido, ou não, coeficientes mínimos de produtividade
fundiária.
Esse entendimento — que identifica, no ato de esbulho possessório, causa
impeditiva de declaração expropriatória do imóvel rural, para fins de reforma agrária
(RTJ 182/545, Rel. Min. Ellen Gracie — RTJ 183/171, Rel. Min. Néri da Silveira —
MS 23.323/PR, Rel. Min. Néri da Silveira, v.g.) — acentua que a ocupação ilícita da
propriedade imobiliária, notadamente nos casos em que esta se faz de modo coletivo,
além de impedir, injustamente, que o proprietário nela desenvolva regular atividade
de exploração econômica, representa motivo legítimo que justifica, ante o caráter
extraordinário de tal anômala situação, a impossibilidade de o imóvel invadido
atender os graus mínimos de produtividade exigidos pelo ordenamento positivo,
para, desse modo, poder realizar a função social que lhe é inerente.
614 R.T.J. — 198

Esse particular aspecto da questão resultou evidenciado, quando do julga-


mento plenário, por esta Suprema Corte, do MS 22.666/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão
(RTJ 175/921), ocasião em que o Tribunal anulou declaração expropriatória que
incidira sobre imóvel rural cujas atividades foram injustamente paralisadas, por
efeito de esbulho possessório praticado, coletivamente, por movimento de trabalha-
dores rurais.
O acórdão consubstanciador desse julgamento está assim ementado:
“Reforma agrária. Imóvel rural. Decreto que o declarou de interesse social,
para esse fim. Alegada afronta ao art. 185, II, da Constituição.
Imóvel que cumpriu sua função social até ser invadido por agricultores
‘sem-terra’, em meados de 1996, quando teve suas atividades paralisadas.
Situação configuradora da justificativa da força maior, prevista no § 7º do
art. 6º da Lei n. 8.629/93, que tem por efeito tornar o imóvel insuscetível de
desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária.
Mandado de segurança deferido.” (Grifei)
Essa mesma orientação foi reiterada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do MS 22.328/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão (RTJ 163/984-985), que
reconheceu a invalidade da declaração expropriatória de imóvel rural, comprometido,
em razão do esbulho possessório que injustamente o atingira, na consecução dos
índices adequados de produtividade compatíveis com as exigências estipuladas em lei,
considerados, para esse efeito, os cálculos do GUT (grau de utilização da terra) e do GEE
(grau de exploração econômica):
“Decreto que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural denominado ‘Fazenda Ingá’, no Município de Alvorada do Sul,
Paraná.
Procedência da alegação de que a ocupação do imóvel pelos chamados
‘sem terra’ em 1991, ano em que os impetrantes se haviam investido na sua posse,
constituindo fato suficiente para justificar o descumprimento do dever de tê-lo
tornado produtivo e tendo-se revelado insuscetível de ser removido por sua
própria iniciativa, configura hipótese de caso fortuito e força maior previsto no
art. 6º, § 7º, da Lei n. 8.629/93, a impedir a classificação do imóvel como não
produtivo, inviabilizando, por conseqüência, a desapropriação.
Mandado de segurança deferido.” (Grifei)
Cumpre também destacar que esse particular aspecto da questão — impossibili-
dade de realização de vistoria em imóvel rural invadido (seja durante a invasão, seja
nos dois anos subseqüentes à desocupação), além da prática de outros atos tendentes à
formalização da própria declaração expropriatória — resultou evidenciado, quando do
julgamento da ADI 2.213-MC/DF, de que sou Relator, ocasião em que o Egrégio
Plenário desta Suprema Corte reconheceu, por expressiva maioria, a validade jurídico-
constitucional do § 6º do art. 2º da Lei n. 8.629/93, cuja redação, nos termos da MP n.
2.183-56, de 24-8-2001, é a seguinte:
“Art. 2º (...)
R.T.J. — 198 615

§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho


possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter
coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes
à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá
ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com
qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas
vedações.” (Grifei)
Sendo assim, e em face das razões expostas, peço vênia para deferir, em parte, o
presente mandado de segurança, fazendo-o na linha dos votos proferidos pelos eminentes
Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso.
É o meu voto.

ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Presidente, permita-me fazer um esclarecimento. Na
verdade, essa invasão é em um dos imóveis: o Engenho Dependência.

VISTA
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Após o voto do Ministro Eros Grau, que
acompanhava o voto do Relator indeferindo a segurança, e o voto do Ministro Celso de Mello,
que — na esteira dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso —
a deferia em parte, cabe-me votar. No entanto, em frente das ponderações substanciosas trazidas
nos votos que me precederam, não tenho condições de me manifestar no momento.
Peço vista dos autos.

EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrante: CBE –
Companhia Brasileira de Equipamentos (Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e outro).
Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Eros Grau, justificadamente, nos
termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência
do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 10-3-2005.
Decisão: Após o voto do Ministro Eros Grau, que acompanhava o Relator,
indeferindo a segurança, e do voto do Ministro Celso de Mello, que, na esteira dos votos
dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso, deferia, em parte, a
segurança, pediu vista dos autos a Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o
Ministro Nelson Jobim (Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-
Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 29 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
616 R.T.J. — 198

VOTO (Vista)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente,
1. Pedi vista dos autos do mandado de segurança impetrado pela Companhia
Brasileira de Equipamentos contra decreto presidencial que declarou de utilidade pública,
para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado Engenho Prado — Grupo Prado,
composto pelos Engenhos Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência, localizados no
Município de Tracunhaém, Estado de Pernambuco. Já se haviam manifestado, além do
Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, os Srs. Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.
São três os fundamentos pelos quais a impetrante entende que o decreto deva ser
anulado. O primeiro diz respeito à nulidade do processo administrativo preparatório da
desapropriação, por cerceamento de defesa. Outro repousa no fato de o imóvel ter sido
objeto de cinco diferentes vistorias. E o último refere-se à inviabilidade das vistorias, em
razão de o imóvel ter sido invadido pelo movimento dos chamados sem-terra.
2. Um primeiro esclarecimento é necessário. A impetrante se insurge contra a expro-
priação de cinco imóveis com matrículas de Registro de Imóveis diversas. Entretanto, o
decreto expropriatório refere-se a apenas quatro. O Engenho Prado não consta entre os
imóveis relacionados no decreto expropriatório de 25-11-03. E é exatamente em relação a
essa gleba que se reporta a maior parte dos documentos comprobatórios de invasões.
Verifica-se, portanto, que o poder público optou por excluir do decreto expropriatório a
área de maior conflito, que, portanto, não é objeto deste mandado de segurança.
3. Acompanho, quanto à primeira questão, a decisão, até agora unânime, referente
à inexistência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Os recursos
administrativos, sem efeito suspensivo, como dispõe o art. 61 da Lei 9.794/99, não
impedem a edição do decreto de declaração de utilidade pública. Refiro, nesse sentido,
o que decidimos no MS 24.163, Rel. Min. Marco Aurélio, in DJ de 19-9-03.
4. A unicidade do imóvel e o fato de haver sido objeto de vistorias individualizadas
constituem problema mais complexo. O Tribunal tratou a mesma área como um todo no
momento em que deferiu o MS 23.073, ocasião em que foi desconstituído o decreto de
declaração de utilidade pública porque as vistorias não haviam considerado o projeto de
reflorestamento. Não me comprometo com a utilização artificiosa do argumento matemá-
tico de que a soma das partes é igual ao todo e que, portanto, sendo cada uma das frações
improdutiva, o todo também o será. É do próprio Incra a afirmação em parecer citado à fl.
16: “Vistorias parceladas alteram os dados e cálculos básicos para a classificação do
imóvel rural.” Supero essa dificuldade, porém, pela constatação de que a exploração
efetiva das glebas se fazia mediante arrendamentos distintos, como se unidades autôno-
mas fossem. Assim, o Engenho Taquara era explorado por Itamir Rodrigues da Silva Filho;
o Dependência, por Germano Ribeiro; o Papicu e o Prado, por Luiz Octávio Fittipaldi
Freire.
5. No que diz respeito ao impedimento representado pelas invasões, acompanho o
posicionamento já manifestado pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. Há
evidência, nos autos, de invasão em terras do Engenho Dependência. Medida judicial de
reintegração foi deferida em 13-3-99 (doc. 25) e apenas veio a ser cumprida em 3-7-
2003. O fato de que a ordem judicial de reintegração não haja sido cumprida não tem o
condão de transformar o esbulho em posse mansa e pacífica.
R.T.J. — 198 617

6. Assim sendo, peço vênia ao eminente Relator e àqueles que o acompanham para
deferir em parte o presente mandado de segurança, para excluir dos efeitos do decreto
expropriatório o imóvel rural denominado Engenho Dependência.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, quero reajustar meu voto para
excluir da área de desapropriação o Engenho Dependência, nos termos do voto agora
proferido pela Ministra Ellen Gracie.
Defiro, em parte, a segurança, acompanhando o voto do Ministro Gilmar Mendes.

EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Relator para o acórdão:
Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: CBE – Companhia Brasileira de Equipamentos
(Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e Alessandro Christian da Costa Silva e outros).
Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Renovado o pedido de vista da Ministra Ellen Gracie, justificadamente,
nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 24-8-2005.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu, em parte, a segurança, nos termos do
voto do Ministro Gilmar Mendes, vencidos, parcialmente, os Ministros Sepúlveda
Pertence (Relator), Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que indeferiam
integralmente a segurança. Votou a Presidente. Impedido o Ministro Nelson Jobim.
Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Reajustou o voto proferido o Ministro
Carlos Britto. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.258 — MG

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Francisco Soares Silverio — Agravado: Colegiado Recursal do
Juizado Especial de Pequenas Causas da Comarca de Sete Lagoas
Agravo regimental. Mandado de segurança impetrado contra Turma
Recursal dos Juizados Especiais. Incompetência do STF. Pretendida
remessa dos autos ao juízo competente. Impossibilidade. Prevalência, ante
618 R.T.J. — 198

a sua especialidade, da norma inscrita no § 1º do art. 21 do RI/STF em


detrimento do § 2º do art. 113 do CPC.
Em razão da taxatividade da competência deste Supremo Tribunal
em sede de mandado de segurança (alínea d do inciso I do art. 102), é da
própria Turma Recursal a competência para julgar aquelas ações
mandamentais impetradas contra seus atos. Precedentes.
Ante a sua especialidade, a norma regimental (recebida como lei
federal) do § 1º do art. 21 prevalece sobre a regra do § 2º do art. 113 do
CPC, pelo que não compete a este Supremo Tribunal Federal proceder à
remessa, ao juízo competente, dos autos de processos indevidamente ajui-
zados nesta Casa de Justiça. Entendimento contrário implicaria o STF
deliberar, de modo definitivo, sobre a competência de determinado Tri-
bunal, antes mesmo que esse Tribunal pudesse posicionar-se a respeito,
em típica atuação per saltum e, por isso mesmo, concentradora de autori-
dade. Sem falar na grave conseqüência de transmudar esta Casa num
órgão de distribuição de processos, de maneira a estimular a arrevesada
lógica de que, “em caso de dúvida, ajuíze-se no Supremo, e este dará o
devido destino à causa”.
Em se tratando de processo remetido ao Supremo Tribunal Federal
por outro órgão judiciário, aí, então, será imperiosa a devolução do feito
à autoridade remetente. Não podendo a parte ser prejudicada por equí-
voco a que não deu causa.
Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie
(Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
maioria de votos, negar provimento ao recurso de agravo regimental, por entender
inaplicável a parte final do § 2º do artigo 113 do Código de Processo Civil, vencidos,
parcialmente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Sepúlveda
Pertence. Votou a Presidente.
Brasília, 1º de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental interposto
contra decisão singular que negou seguimento ao presente mandado de segurança,
negativa de seguimento, essa, fundamentada na incompetência do STF para processar e
julgar o mandamus.
2. O decisum impugnado está assim redigido:
.
R.T.J. — 198 619

“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar,


impetrado contra ato da Turma Recursal do Juizado Especial Cível e Criminal de
Sete Lagoas/MG.
2. Por ele, mandado de segurança, a acionante busca a efetivação do direito de
receber quantias em Ação Ordinária de Cobrança n. 67202098164-9, que tramitou
perante a Comarca de Sete Lagoas/MG.
3. À luz dos dispositivos constitucionais versantes sobre a competência
originária do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a autoridade aqui aponta-
da como coatora não é nenhuma daquelas enumeradas no artigo 102, inciso I, d, da
Carta Republicana de 1988.
4. Nessa linha de raciocínio, cumpre reconhecer a total incompetência desta
Corte de Justiça para processar e julgar o mandamus, razão pela qual, com funda-
mento no artigo 21, inciso XVII, § 1º, do RI/STF, nego seguimento à ação, restando
prejudicada, por conseguinte, a análise da medida liminar requestada.”
3. Pois bem, postula o impetrante seja reconhecida a competência do Supremo Tribunal
Federal para analisar o writ, ou, alternativamente, se assim não se entender, seja “declinado
qual o possível tribunal competente para conhecimento da matéria ali exposta”.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante relatado, o agravante pede
seja reconhecida a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar
mandado de segurança impetrado contra ato proferido por Turma Recursal ou por um de
seus integrantes. Alternativamente, pretende sejam os autos encaminhados ao juízo tido
como competente para a análise da causa.
6. Em boa verdade, a questão, apesar de interessante, não é nova, já existindo pronun-
ciamento deste egrégio Plenário a propósito de situações semelhantes.
7. No tocante à incompetência desta Casa de Justiça para apreciar mandado de
segurança contra ato de Turma Recursal ou de seus integrantes, o tema já está
consolidado desde 4-12-2003, quando o Plenário, atento à taxatividade da competência
deste Supremo Tribunal em sede de mandado de segurança (alínea d do inciso I do art.
102), entendeu ser da própria Turma Recursal a competência para julgar aquelas ações
mandamentais impetradas contra seus atos (MS 24.691-QO, Relator para o acórdão o
Min. Sepúlveda Pertence). Essa orientação tem sido sucessivamente adotada pelos
Ministros que compõem esta Casa.
8. De outro lado, também já foi analisada a aplicabilidade, ou não, do § 2º do art.
113 do CPC1 a esta Corte (MS 22.313-ED-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches; MS 23.621-
AgR, Rel. Min. Moreira Alves; MS 24.615-ED, Rel. Min. Nelson Jobim; MS 24.674-QO,
Rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso; MS 25.137, Rel. Min. Celso de Mello; AO 175-

1 Art. 113, § 2º: “Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos,
remetendo-se os autos ao juízo competente” (sem grifos no original).
620 R.T.J. — 198

ED-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti; Inq 1.793-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie). Pelo que
restou prevalecente, por sua especialidade mesma, a norma regimental (recebida como
lei federal) do § 1º do art. 21, que apenas atribui ao Ministro Relator a possibilidade de
“arquivar” ou “negar seguimento” ao pedido naqueles casos em que “for evidente a sua
incompetência”. Não se lhe facultou, pois, a remessa do processo a quem entender de
direito. E a razão deste proceder se me afigura clara. É que o Supremo Tribunal Federal,
por se situar no topo da organização judiciária brasileira, emite seus pronunciamentos
de modo derradeiro e irrecorrível, enquadrando e reformando manifestações anteriores,
eventualmente contrárias. Disso decorre que, uma vez julgada uma causa, resta apenas
aos demais Tribunais judiciários dar cumprimento àquilo que foi estabelecido por esta
Casa da mais alta Justiça Brasileira.
9. Nesse diapasão, devo ressaltar que o pressuposto lógico da competência de
decidir por último é a preexistência de manifestação formal pelo órgão recorrido,
manifestação que, além de ensejar uma pluralização do debate e democratizar a
distribuição da Justiça, está a prestigiar a magistratura ordinária. Daí por que,
excepcionadas as hipóteses de sua originária competência (inciso I do art. 102 da CF), o
pronunciamento desta colenda Corte há de incidir sobre deliberação prévia, alhures
externada sobre o mesmo tema. Sob pena de o Supremo Tribunal Federal vir a empalmar
as próprias competências dos demais Tribunais, antecipando-se a eles no julgamento de
questões por eles, Tribunais, ainda não apreciadas.
10. Foi nessa perspectiva que se desenvolveu a idéia de que o prequestionamento
explícito da matéria constitucional se torna requisito de cognoscibilidade do recurso
extraordinário para esta Suprema Casa. Também assim é que se estabeleceu, em habeas
corpus, que o direito nele defendido somente é de ser apreciado se previamente suscitado
perante a autoridade coatora2.
11. Pois bem. Ainda segundo essa concepção das coisas foi que o Supremo Tribunal
Federal deliberou não caber a ele encaminhar autos de processos que, por equívoco, foram
instaurados diretamente nesta Corte. Isso porque estaria o STF a deliberar, de modo
definitivo, sobre a competência de determinado Tribunal, antes mesmo que esse Tribunal
pudesse posicionar-se a respeito, em típica atuação per saltum e, por isso mesmo, concen-
tradora de autoridade. Sem falar na grave conseqüência de transmudar esta Casa num
órgão de distribuição de processos, de maneira a estimular a arrevesada lógica de que, “em
caso de dúvida, ajuíze-se no Supremo, e este dará o devido destino à causa”.
12. Há mais o que dizer: ainda que extraordinariamente se cogitasse dessa remessa,
em face de controvérsia existente sobre a definição de determinada competência, a
excepcionalidade seria de todo inexistente na espécie! É que, segundo já acentuado, a
competência das próprias Turmas Recursais para julgar mandados de segurança contra
seus atos foi definida pelo Plenário deste Supremo Tribunal em 4-12-2003, ou seja, mais
de um ano antes da presente impetração.

2 Excepcionando-se, aí, as hipóteses de concessão da ordem de ofício.


R.T.J. — 198 621

13. Nesta marcha batida, devo consignar que a solução da causa seria diversa se,
em vez de originariamente deduzido perante o Supremo Tribunal Federal, este mandado
de segurança nos chegasse por ato de remessa de outro Tribunal, caso em que não
caberia falar em equívoco da parte, não podendo ela ser prejudicada por ato a que não
deu causa. Por isso mesmo, naquelas hipóteses de mandado de segurança indevidamente
encaminhado a esta Corte, mister se faz a devolução dos autos ao órgão de origem, nos
termos de diferenciação que já é feita por esta Casa (MS 24.793-AgR, Rel. Min. Celso de
Mello; MS 24.796, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MS 25.190, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence).
14. Nessa contextura, não sendo caso nem de competência originária desta Casa
nem de devolução dos autos, meu voto nega provimento ao presente recurso de agravo
regimental.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, o Regimento Interno vem de
uma época em que cabia ao Supremo Tribunal Federal reger ações situadas na respectiva
competência originária e recursos também alusivos à competência recursal. Ora, se
mergulharmos um pouco mais fundo, subsiste essa norma que autoriza, à margem da
legislação processual comum — e o Código de Processo é posterior ao Regimento
Interno —, a negativa de seguimento pura e simples? A meu ver, não. Tanto quanto
possível, devemos homenagear a economia, a celeridade processuais e, também, a
desburocratização do processo.
É regra geral que o órgão que conclua pela própria incompetência deve apontar o
órgão competente e remeter-lhe o processo. É o que faço, acionando não o Regimento
Interno — pois entendo que não mais subsiste, no particular, o previsto no artigo 21, § 1º —,
mas o Código de Processo Civil.
Sabemos que há lei mitigando a envergadura do mandado de segurança ao estabe-
lecer um prazo decadencial para a impetração. E o brasileiro, normalmente, deixa para
formalizar o pedido no último dia desse prazo. Resulta que, se o Tribunal, inexistente a
competência, extingue o processo sem apreciação do mérito, ter-se-á a incidência do
prazo decadencial.
De qualquer forma, por entender que, em primeiro lugar, a autorização constitu-
cional, quanto à normatização, ao Supremo ficou restrita, sob a Carta anterior — a atual
não versa essa autorização —, à disciplina de processos da respectiva competência — e,
no caso do processo, ele não o é —, não cabe a extinção a partir do artigo 21, § 1º, do
Regimento Interno.
Peço vênia a Sua Excelência o Relator para prover parcialmente o agravo e determi-
nar a remessa dos processos para o órgão competente. Sua Excelência, inclusive, exclui a
possibilidade de o Colegiado pousar de Órgão consultivo, já que a jurisprudência é
pacífica. Não se veio ao Supremo por se ter dúvida quanto à competência para julgar o
mandado de segurança, mas em face da interpretação das normas de regência, principal-
mente a da Lei Complementar n. 35/79, que prevê que compete — aí revela a norma — ao
.
622 R.T.J. — 198

Tribunal — e turma recursal não é tribunal, o que sugere dúvida quanto à competência —
julgar os mandados de segurança impetrados contra atos dos respectivos órgãos.
Peço vênia para, nessa visão, até mesmo passível de ser enquadrada como flexível,
prover parcialmente o agravo e determinar a remessa dos processos às turmas recursais.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, estou de acordo com a
observação do Ministro Marco Aurélio, porque já decidimos isso no Agravo Regimental
no Mandado de Segurança n. 24.700, Relator Ministro Celso de Mello, em 24 de junho
do ano passado.
A Corte modificou a sua jurisprudência e entendeu de remeter o Mandado de
Segurança para o órgão que entendia competente para conhecer da causa.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, sobre a questão de remeter ou
não, de indicar o órgão jurisdicional competente, nesse ponto acompanho a diver-
gência.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Peço vênia, Senhora Presidente, para acompanhar o
douto voto do eminente Ministro Carlos Britto, que corretamente deixou de ordenar o
encaminhamento deste processo mandamental ao órgão judiciário competente, por não
caber, ao Relator da causa, considerados os limites fixados no art. 21, § 1º, do RISTF, a
efetivação de tal medida.
Cabe registrar, por necessário, que esse entendimento encontra apoio em
orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões,
no tema, têm proclamado a inaplicabilidade, no âmbito desta Corte, do art. 113, §
2º, do CPC (Ao 175-AgR-ED/RN, Rel. Min. Octavio Gallotti — Inq 1.793-AgR/DF,
Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno — MS 22.313-AgR-ED/BA, Rel. Min. Sydney
Sanches, Pleno — MS 23.621-AgR/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno — MS
24.261/DF, Rel. Min. Celso de Mello — Pet 2.160/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU
19-3-2001):
“Medida cautelar — Incompetência do Supremo Tribunal Federal —
Pretendido encaminhamento do processo ao juízo competente —
Inaplicabilidade do art. 113, § 2º, do CPC — Incidência, na espécie, do art. 21, §
1º do RISTF — Recurso de agravo improvido.
— Revela-se inaplicável, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o art.
113, § 2º, do CPC, eis que o art. 21, § 1º do RISTF estabelece que o Relator da
causa, na hipótese de incompetência deste Tribunal, deve limitar-se a negar
seguimento ao pedido, sem ordenar, contudo, o encaminhamento dos autos ao
R.T.J. — 198 623

juízo competente, sob pena de o Supremo Tribunal Federal converter-se,


indevidamente, em órgão de orientação e consulta das partes, em tema de compe-
tência, quando estas tiverem dúvida a respeito de tal matéria. Precedentes.
— A norma consubstanciada no art. 21, § 1º do RISTF foi recebida, pela
vigente Constituição, com força e eficácia de lei (RTJ 167/51), porque
validamente editada com fundamento em regra constitucional que atribuía, ao
Supremo Tribunal Federal, poder normativo primário para dispor sobre o processo
e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal (CF/69, art.
119, § 3º, c). Esse preceito regimental — destinado a reger os processos no âmbito
do Supremo Tribunal Federal — qualifica-se, por isso mesmo, como lex specialis
e, nessa condição, tem precedência sobre normas legais, resolvendo-se a situação
de antinomia aparente, quando esta ocorrer, pela adoção do critério da especiali-
dade (lex specialis derogat generali).”
(RTJ 189/1010-1011, Rel. Min. Celso de Mello)
Cumpre assinalar, finalmente, que este egrégio Plenário do Supremo Tribunal
Federal vem de reafirmar essa orientação, enfatizando ser inaplicável, a esta Corte, em
situações como a ora versada nesta causa, a determinação constante do art. 113, § 2º, in
fine, do CPC (MS 24.615-ED/SP, Rel. Min. Nelson Jobim — MS 25.258-AgR/MG, Rel.
Min. Carlos Britto).
Com tais fundamentos, Senhora Presidente, nego provimento ao presente recurso
de agravo.
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, congratulo-me com os
juizados especiais pela maioria já composta no sentido de determinar o arquivamento
do mandado de segurança.
Coerente, já que o assunto voltou à Mesa, vou acompanhar o Ministro Marco
Aurélio, não em função do que Sua Excelência sustentou — que estaria revogado no
ponto o Regimento Interno, porque o Regimento Interno, hoje, é cópia da Lei n. 8.038:
apenas nele não leio que negar seguimento, isto é, não dar seguimento neste Tribunal ao
mandado de segurança, implica mandá-lo para o arquivo.
Agora me congratulo, repito, com a maioria que se formou em sentido contrário,
porque, com relação aos juizados especiais, eu temo muito que esses mandados de
segurança se transformem num mecanismo de chicana e de protelação absoluta,
substituindo embargos da decisão, na apelação, da Turma recursal.
Mas, posta a questão em termos da tese jurídica, acompanho o Ministro Marco
Aurélio, reportando-me a votos anteriores, sobretudo a longa discussão com o eminente
Ministro Moreira Alves, no sentido de remeter ao órgão competente o mandado de
segurança aqui ajuizado, mas que não seja de nossa competência, nos termos do art. 113,
§ 2º, do Código de Processo Civil (v.g. MS 21.345-AgR, Brossard).
624 R.T.J. — 198

EXTRATO DA ATA
MS 25.258-AgR/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Francisco
Soares Silverio (Advogado: Joaquim José Santos). Agravado: Colegiado Recursal do
Juizado Especial de Pequenas Causas da Comarca de Sete Lagoas.
Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso de agravo
regimental, por entender inaplicável a parte final do § 2º do artigo 113 do Código de
Processo Civil, vencidos, parcialmente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa,
Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim, Presidente. Presidiu o julgamento a
Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 1º de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.456 — DF

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Agravante: Aparecido Nei Oliveira Costa — Agravados: Presidente da República
e Congresso Nacional
Mandado de segurança. Pedido de declaração de inconstitucionali-
dade de dispositivos da Lei n. 9.099/95. Inadmissibilidade. Pedido contra
lei em tese. Dedução como sucedâneo de ação direta de inconstitucionali-
dade. Agravo improvido. Aplicação da Súmula n. 266. Não cabe mandado
de segurança contra lei em tese, nem como sucedâneo de ação direta de
inconstitucionalidade.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes.
Brasília, 17 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
proferida pela Min. Ellen Gracie, no exercício da Presidência da Corte, e do seguinte teor:
R.T.J. — 198 625

“1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por advogado, em causa


própria, contra os Excelentíssimos Senhores Presidentes da República e do Con-
gresso Nacional, com pedido de concessão de liminar, para fins de determinar ‘a
não aplicabilidade, pelas Justiças Estaduais e Federais, das leis dos juizados
especiais, no tocante à restrição da atuação de advogados’ (fl. 20).
Sustenta que se encontra preterido em seus direitos de advocacia, em razão
da promulgação da Lei 9.099/95 (fls. 2/3). Requer o benefício da justiça gratuita.
2. O pedido é manifestamente incabível. Como inúmeras vezes decidiu esta
Corte, o mandado de segurança não é sucedâneo de ação direta de inconstitucio-
nalidade (MS 22.304, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 18-3-2002; MS 23.331,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 8-2-1999; MS 22.543, Rel. Min. Néri da Silveira,
DJ de 18-5-2001), e contra lei em tese não cabe mandado de segurança (Súmula
STF n. 266).
3. Defiro a gratuidade da justiça (Lei 1.060/50) e, nos termos do art. 21, § 1º,
do RISTF, nego seguimento.
Publique-se.
Brasília, 14 de julho de 2005" (fl. 27).
Requer o agravante seja provido o regimental, a fim de que o mandado de
segurança tenha regular seguimento (fls. 32/36). É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.
A decisão impugnada acertou ao indeferir a inicial do mandado de segurança.
O pedido aí formulado, de que se reconheça inconstitucionalidade e, por conse-
qüência, se afaste, erga omnes, aplicação dos dispositivos da Lei dos Juizados
Especiais que prevêem a facultatividade da presença do advogado, encontra evidente
óbice no comando da Súmula 266, que reputa inadmissível a via eleita para discutir
lei em tese.
No fundo, o ora agravante usa do mandado de segurança como sucedâneo de
ação direta de inconstitucionalidade, o que é repelido por velha e aturada jurispru-
dência da Corte (MS n. 23.809-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6-4-2001; MS n.
24.173-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 23-8-2002; MS n. 21.615, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 13-3-1998; MS n. 24.838, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
24-6-2004).
2. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
MS 25.456-AgR/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Aparecido Nei
Oliveira Costa (Advogado: Aparecido Nei Oliveira Costa). Agravados: Presidente da
República (Advogado: Advogado-Geral da União) e Congresso Nacional.
626 R.T.J. — 198

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos


termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros
Carlos Velloso e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Brasília, 17 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

HABEAS CORPUS 81.263 — MG

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Paciente: Márcia Lúcia Kamimura de Castro — Impetrantes: Léo S. David e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Recurso criminal. Recurso especial interposto pela defesa. Não-
conhecimento. Intempestividade não ocorrente. Prazo contado da publi-
cação de acórdão que não conheceu de embargos infringentes. Erro no
não-conhecimento. Divergência existente no julgamento das apelações,
quanto à fixação da pena. Voto vencido que a reduzia, a despeito de
reconhecer delito mais grave. Constrangimento ilegal caracterizado. HC
indeferido, mas concedida ordem de ofício, para cassar os acórdãos do TJ
e do STJ. Se, por divergência quanto à fixação da pena, deveriam ser
conhecidos embargos infringentes da defesa, seu equivocado não-conhe-
cimento não torna intempestivo recurso especial interposto pelo réu no
prazo contado da publicação do acórdão que os julgou inadmissíveis.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus. Conceder, porém, a ordem de ofício, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Márcia Lúcia Kamimura de Castro, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça,
que negou provimento ao AI n. 306.552 e ao agravo regimental respectivo.
R.T.J. — 198 627

Denunciada pela prática de peculato, delito previsto no art. 312, § 1º, do Código
Penal (fls. 14-18), entendeu o Juízo da Comarca de Araguari/MG que faltava à paciente
a condição específica de funcionária pública, razão pela qual procedeu à desclassi-
ficação do delito e condenou-a pela prática do crime do art. 171 do Código Penal, em
continuidade delitiva, à pena de reclusão de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de reclusão,
para início de cumprimento em regime semi-aberto, e ao pagamento de multa de 450
(quatrocentos e cinqüenta) dias-multa, no valor de 5 (cinco) salários mínimos cada dia
(fls. 19-43).
Inconformados com a decisão, Ministério Público e defesa apelaram; aquele, por
discordar da desclassificação operada pelo juízo (fls. 44-49), pleiteando, subsidiaria-
mente, caso mantida a desclassificação, a majoração da pena; e a defesa, requerendo, em
preliminar, o reconhecimento de diversas nulidades processuais — incompetência
absoluta do juízo, desobediência ao rito processual e à regra da indivisibilidade da ação
penal, ausência de exame de corpo do delito e inépcia da denúncia — e, no mérito,
atipicidade da conduta e insuficiência de prova, além de, subsidiariamente, sustentar a
aplicação da pena no mínimo legal e o direito de a condenada recorrer em liberdade (fls.
50-78).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, então, ao julgar as apelações,
negou provimento à apelação do Ministério Público, contra o voto do Relator, que
reconhecia que a conduta da paciente se subsumia ao tipo do peculato; foi dado
provimento parcial ao recurso da defesa, tendo o Tribunal reduzido a pena pecuniária a
200 (duzentos) dias-multa, calculado o dia-multa em 2 (dois) salários mínimos. Mas,
ressalte-se, o Relator, ao dar provimento ao recurso do Ministério Público e entender
configurado o peculato, também dava provimento à apelação da defesa, para reduzir a
reprimenda (fls. 79-123), que fixava em 6 (seis) anos de reclusão. E nisto ficou vencido.
A ora paciente interpôs, então, embargos infringentes (fls. 125-133), baseando-se
no voto vencido do Relator, que, embora considerasse importuna a desclassificação
operada pelo juízo, reconhecia que a pena não havia sido corretamente dosada:
“Por outro lado, não obstante o restabelecimento da capitulação do crime
contida na denúncia, mais gravemente apenado, cuja individualização se fará
adiante, verifico — em consonância com o parecer da ilustrada Procuradoria de
Justiça — serem procedentes os argumentos expendidos pela Defesa no sentido
de que houve excessivo rigor na aplicação da reprimenda, especialmente na
fixação da pena-base, inclusive no que tange a pena pecuniária, eis que, não
obstante a gravidade do crime que cometeu e o vulto do desfalque que provocou,
possui ela condições pessoais favoráveis, condições essas que, a meu sentir, não
foram devidamente consideradas na sentença, ainda que em relação ao crime ali
capitulado, de estelionato” (fl. 111).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, todavia, não conheceu dos
embargos infringentes (fls. 138-144), sob o argumento de que não havia divergência no
tocante à aplicação da pena privativa de liberdade, haja vista que, “em verdade, o voto
minoritário fixou pena pelo delito do art. 312 do Código Penal e não para o tipo do art.
171, no qual a ré se viu condenada, sendo acordos os votos dos Desembargadores
Revisor e Vogal, relativamente à pena, que mantiveram a desclassificação da sentença
.
628 R.T.J. — 198

de 1º grau. Não se pode pretender a apenação constante do voto minoritário, se ela se


refere a outro delito, o de peculato, quando se decide pela classificação do crime como
estelionato. (...) Então, o que os embargos pretendem, é a pena imposta pelo crime de
peculato, conforme decidiu o voto minoritário, com a incursão pelo crime de
estelionato, que foi a decisão majoritária” (fls. 140-141).
Interpôs, então, a defesa recurso especial (fls. 146-154), em que discutia
exatamente a pena fixada e o qual, todavia, não foi admitido pelo Tribunal de Justiça,
que o entendeu intempestivo porque os embargos infringentes não conhecidos, por
serem incabíveis, não teriam o condão de suspender o prazo para interposição de recurso
especial (fls. 159-160). Dessa forma, entendia o Tribunal, o não-conhecimento dos
embargos infringentes faria retroagir o prazo de interposição do recurso especial, que
deveria ter como termo inicío a publicação do acórdão decorrente do julgamento dos
recursos de apelação.
A defesa interpôs agravo de instrumento (fls. 61-168), e o Superior Tribunal de
Justiça lhe negou provimento (fl. 178), ao reconhecer a preclusão e compartilhar do
mesmo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Intentou, por fim, agravo regimental (fls. 176-179), ao qual também foi negado
provimento pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 180-191).
A PGR opinou pelo não-conhecimento deste writ, ou, caso seja conhecido, pelo
não-provimento (fls. 201-203).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A questão deste pedido de habeas corpus
foi posta em termos de saber se o não-conhecimento de embargos infringentes
inadmissíveis suspenderia, ou não, o prazo para interposição de recurso especial.
Segundo a doutrina, a só apresentação dos embargos não impediria o trânsito em
julgado, por conta de sua inadmissibilidade, e, como tal, não seria causa de suspensão do
prazo do recurso especial:
“Quanto à recorribilidade da sentença, ou não existe, desde que foi proferida
(a lei não a fez recorrível), ou deixou, ou dela se recorreu e não houve cognição do
recurso (= julgou-se não ser de conhecer-se). Se da decisão que não tomou
conhecimento do recurso cabia recurso e não foi interposto no prazo, houve o
trânsito em julgado. Se o foi, há outro julgamento: ou dele se conhece, e a sentença
rescindenda tem de ser a que foi dada em confirmação, ou a que consta do último
julgamento”1.
“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente decla-
ratório. (...) Destarte, se inexiste outro óbice (isto é, outro recurso ainda admissí-

1 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de


outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. pp. 365-366. Grifos nossos.
R.T.J. — 198 629

vel, ou sujeição da matéria, ex vi legis, ao duplo grau de jurisdição), a coisa


julgada exsurge a partir da configuração da inadmissibilidade. Note-se bem:
não a partir da decisão que a pronuncia, pois esta, como já se assinalou, é
declaratória; limita-se a proclamar, a manifestar, a certificar algo que lhe preexiste.
(...) Se o recurso, ao ser interposto, satisfazia os requisitos de admissibilidade, e só
depois veio a faltar um deles, ou vários, a interposição foi eficaz no impedir a
formação da res iudicata, e apenas deixou de produzir esse efeito no momento em
que se verificou o fato superveniente, por força do qual se tornou inadmissível o
recurso. Se, todavia, a inadmissibilidade estava configurada ab initio, a inter-
posição do recurso não obstou ao surgimento da coisa julgada, que (com
ressalva dos casos em que a lei mesma a exclui, independentemente de recurso)
remonta: a) ao próprio instante da publicação, em se tratando de decisão irrecor-
rível; ou b) ao instante em que, entre a publicação e a interposição, ocorreu o fato
gerador da inadmissibilidade”2.
“Recurso inadmissível é recurso a que a sentença não estava sujeita, e que
conseqüentemente não tem força para impedir o seu trânsito em julgado. É esse o
exato sentido do art. 467, CPC, assim revelado pela doutrina. (...) No caso de o
órgão ad quem deixar de conhecer o recurso interposto, o momento do trânsito
em julgado será necessariamente anterior a este não conhecimento. A decisão
que pronuncia a inadmissibilidade é meramente declaratória, limitando-se a
proclamar e certificar algo que lhe preexiste”3.
Da mesma forma, esta Corte já assentou:
“1. Recurso extraordinário: intempestividade: a oposição de embargos
infringentes incabíveis não interrompe o prazo para a interposição do
recurso extraordinário.
2. Agravo regimental manifestamente infundado: aplicação da multa de 2%
(dois por cento) sobre o valor corrigido da causa (Código de Processo Civil, art.
557, § 2º)” (AI n. 513.837-AgR — Rel. Min. Sepúlveda Pertence — DJ de 29-4-
2005).
Não estou de acordo com o caráter absoluto dessa postura, que põe entre parênteses
grave ofensa, que implica, à segurança jurídica, salvo quando seja o recurso inadmissível
por intempestividade. De todo modo, foi esse o entendimento do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais.
Mas o caso é singular, porque à tese discutida neste habeas corpus precede outra
questão decisiva, cuja resposta revela nítida ilegalidade remediável desde logo.

2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, v. V. pp. 264-267. Grifos nossos.
3 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade II. Rio de Janeiro: Forense, 1984. pp.
321-322. Grifos nossos.
630 R.T.J. — 198

É que, no julgamento dos recursos de apelação da defesa e do representante do


Ministério Público, colheu-se divergência manifesta e formal em relação à qualificação
jurídica do delito e, o que é mais, ao quantum da pena, pois o Relator original, suposto
alterando a capitulação legal para crime mais grave, o de peculato, estabeleceu, por
largas razões aduzidas, a reprimenda em 6 (seis) anos de reclusão, enquanto o Revisor e
o Vogal, entendendo tratar-se, deveras, de estelionato, mantiveram a pena fixada pela
sentença em 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de reclusão.
É o que consta do voto vencido:
“(...)
Entendo, portanto, que a acusada, empregada do Banco do Brasil S/A.,
sociedade de economia mista, é funcionária pública para efeitos penais.
E sua conduta se amolda exatamente ao tipo do art. 312, § 1º, do Código
Penal, eis que, embora não tendo a posse do dinheiro, o subtraiu, em proveito
próprio a alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporcionava a qualidade de
funcionária e através de expedientes fraudulentos, e reiteradamente, de forma
continuada, na forma do art. 71 do citado Diploma Legal.
Por outro lado, não obstante o restabelecimento da capitulação do crime
contida na denúncia, mais gravemente apenado, cuja individualização se fará
adiante, verifico — em consonância com o parecer da ilustrada Procuradoria de
Justiça — serem precedentes os argumentos expendidos pela Defesa no sentido
de que houve excessivo rigor na aplicação da reprimenda, especialmente na
fixação da pena-base, inclusive no que tange a pena pecuniária, eis que, não
obstante a gravidade do crime que cometeu e o vulto do desfalque que
provocou, possui ela condições pessoais favoráveis, condições essas que, a meu
sentir, não foram devidamente consideradas na sentença, ainda que em
relação ao crime ali capitulado, de estelionato.
Assim, pelas razões expostas, provejo o recurso aviado pelo Órgão do
Ministério Público para, retificando a capitulação da sentença, condenar a ré,
Márcia Lúcia Kamimura de Castro, como incursa no art. 312, § 1º, c/c o 327 e seu
§ 1º, e 71, todos do Código Penal.
Considerando que a acusada é primária, não registra antecedentes, não
revela periculosidade e não possui má conduta social — sendo certo que possuía,
até a prática dos crimes, bom conceito entre os colegas —, mas tem contra si a
motivação leviana do ganho fácil, a ambição desmedida, agravada pelo fato de
que já desfrutava de situação financeira confortável, tendo, por outro lado,
abusado da confiança que lhe depositava a Instituição e os próprios colegas,
iludidos, alguns deles, em sua boa-fé, fixo-lhe a pena-base em quatro anos e seis
meses de reclusão.
Desconsiderando a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal, reconhecida
na sentença, eis que a mesma constitui elementar do delito de peculato, reduzo em
seis meses de reclusão a referida pena pela incidência da atenuante obrigatória da
confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal), chegando ao resultado de
quatro anos de reclusão. Aumento-a, contudo, de metade, pelo reconhecimento
.
R.T.J. — 198 631

da continuidade delitiva (art. 71, caput, do Código Penal), para concretizá-la,


finalmente, em seis anos de reclusão, devendo a acusada arcar ainda com o
pagamento das custas processuais.
Arbitro em 200 (duzentos) dias-multa a pena pecuniária, tendo em conta a
situação financeira da ré, que é boa, como informam os autos, estabelecendo em
dois salários mínimos o valor de cada dia-multa.
O regime prisional, tendo em vista o quantum da pena aplicada e as
condições pessoais da acusada, será o semi-aberto.
Estou, portanto, provendo o recurso do Ministério Público, para retificar
a capitulação da sentença, mas provendo também, em parte, o recurso
interposto pela Defesa, para reduzir a reprimenda” (fls. 110-113. Grifos nossos).
Na assentada seguinte, o Relator vencido não se retratou, observando que já
manifestara seu voto sobre ambas as apelações (cf. fl. 120), donde não sobrar dúvida a
respeito do alcance desse mesmo voto.
Errou, portanto, o tribunal, quando, em julgamento do qual não participou, segundo
consta, o Relator original das apelações, Des. Guido de Andrade, ali vencido, não
conheceu dos embargos infringentes, sob fundamento de não ter, no julgamento daquelas,
havido divergência e, até, de ser a pretensão prejudicial à embargante, ora paciente:
“Preliminarmente, estou em que não cabem os presentes embargos, porquanto
tratam de matéria sobre a qual não houve divergência, data venia.
Conforme se vê, o substancioso voto vencido que deu guarida ao recurso
aviado pelo Ministério Público e negou o recurso da ré, alterou a capitulação do
delito e, por conseguinte, fixou a pena em que a condenava, tendo sido proferido
pelo eminente Desembargador Relator. Dissentindo deste entendimento, em
seguida os dignos Desembargadores Revisor e Vogal proferiram os luminares
votos majoritários, onde negavam provimento à apelação do Órgão Ministerial e
davam parcial provimento ao recurso interposto pela acusada, tão-somente para
reduzir a pena de multa.
Vê-se, então, sem dificuldades, que não houve divergência quanto a fixação
da pena corporal e se sobre o assunto fez alusão o voto minoritário, o foi em lógica
conseqüência do fato de ter alterado a capitulação do delito. Inadmtida (sic) pela
maioria essa pretendida alteração, não se manifestou acerca da pena, razão pela
qual inexiste o alegado dissenso.
É da Jurisprudência Pátria:
‘STF – Os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência
(RT 554/431)’.
‘TACRSP – Deve-se rejeitar Embargos Infringentes interpostos para o
reexame de questão sem divergência, já que é limite para seu conhecimento
a discrepância existente entre os votos vencedores e vencido, favorável ao
réu (RJDTACRIM 27/211)’.
Assim, com essas considerações e lembrando que a matéria objeto de
divergência é, em tese, prejudicial à embargante, posto que reconhece crime mais
632 R.T.J. — 198

gravemente sancionado, parecem-me fadados ao não conhecimento os presentes


Embargos Infringentes, data venia” (fls. 135-136).
De modo que, por paradoxal que possa parecer, o voto vencido do Relator das
apelações, que tipificou a conduta da ora paciente como peculato, era-lhe desenganada-
mente mais favorável, pela razão óbvia de que lhe reduzia a pena corporal. Estava aí, pois,
a vistosa divergência que fazia, sob esse ângulo, de todo em todo admissíveis os embargos,
cujo errôneo não-conhecimento, ditado sob escusa de falta de requisito objetivo que
existia, levou às decisões de intempestividade do recurso especial. E está o manifestíssimo
constrangimento ilegal conseqüente, que se não resume na desconsideração da tempesti-
vidade do recurso especial, senão que alcança a própria validez do acórdão dos embargos.
2. Do exposto, indefiro o pedido, mas concedo de ofício ordem de habeas corpus,
para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e o proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que não conheceu dos embargos infrin-
gentes, para que sejam estes conhecidos e decididos no mérito, como de direito.

EXTRATO DA ATA
HC 81.263/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Márcia Lúcia Kamimura
de Castro. Impetrantes: Léo S. David e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Concedeu, porém, a
ordem, de ofício, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 81.787 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Recorrente: Ricardo Monteiro Valente — Recorrido: Superior Tribunal de Justiça
Prazo. Cômputo. Recurso. Apelação criminal. Interposição pelo
Ministério Público. Ciência. Intimação. Contagem a partir da data de entrega
dos autos com vista na sede da Procuradoria. Falta de nota da ciência do
representante. Irrelevância. Intempestividade reconhecida. Recurso provido.
Extensão da eficácia aos co-réus. Precedentes. Reputa-se intimado da
decisão o representante do Ministério Público à data de entrega dos autos,
com vista, na sede da Procuradoria.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
R.T.J. — 198 633

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,


dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, estendendo a ordem aos co-réus,
nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso em habeas corpus, interposto em
favor de Ricardo Monteiro Valente, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que
lhe denegou o HC n. 12.485, assim ementado:
“Habeas corpus. Processo penal. Sentença. Intimação pessoal do membro
do Ministério Público.
1. A intimação dos membros do Ministério Público, como é de sua prerroga-
tiva funcional, é pessoal, sendo estranha ao seu aperfeiçoamento a simples entre-
ga do processo no protocolo administrativo da Procuradoria-Geral de Justiça
(artigos 41, inciso IV, da LONMP e 18, inciso II, alínea h, da LOMPU).
2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ordem denegada” (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 25-6-2001).
Tendo sido o ora recorrente e co-réus absolvidos da acusação de prática de gestão
fraudulenta (arts. 4º, caput, da Lei 7.492/86, c/c o 29 do Código Penal), o órgão ministerial
interpôs apelação criminal, julgada intempestiva pelo Juízo da 4ª Vara Criminal Federal
da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo (Autos n. 97.0102227-0), “determinando à
Secretaria que certifique nos autos o trânsito em julgado da decisão absolutória para o
Ministério Público Federal” (fl. 40).
O órgão ministerial opôs, então, recurso em sentido estrito, ao qual foi dado
provimento pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que ordenou o
“retorno dos autos à Vara de origem para seu regular processamento” (fl. 70).
Impetrou a defesa de Ricardo Monteiro Valente habeas corpus, perante o Superior
Tribunal de Justiça, e em que alegou a intempestividade do recurso ministerial de apelação
e requereu fosse mantido o trânsito em julgado da sentença absolutória (fl. 11).
Denegada a ordem, recorreu a defesa, reiterando os argumentos e pedidos apresen-
tados ao STJ (fls. 110 e ss.).
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo improvimento do recurso (fls.
126-128).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. É, deveras, intempestiva a apelação
interposta pelo Ministério Público Federal.
É que, sobrevindo a publicação da sentença absolutória em 2 de março de 1999,
foram os autos recebidos, na Procuradoria da República, no dia 3 de março de 1999,
conforme carimbo cuja cópia foi juntada pelo recorrente à fl. 36.
634 R.T.J. — 198

O membro do Ministério Público oficiante apôs outro carimbo — datado de 4 de


março de 1999 —, indicando que oferecia “promoção em apartado” (cf. fl. 36). A
petição de apelação, no entanto, só foi juntada aos autos em 9 de março de 1999 (fl. 38),
ou seja, um dia após o término do prazo, considerando-se que este se conta do
recebimento dos autos na sede do MP.
Diante do princípio do tratamento isonômico das partes, o prazo para interposição de
recurso pelo Ministério Público inicia-se, já guardadas as peculiaridades da instituição, à
intimação pessoal do seu representante, a qual se reputa perfeita à data em que, mediante
carga, se dê entrega dos autos, com vista, à secretaria do órgão, ou ao representante mesmo.
A adoção de entendimento diverso, que o reputasse, no caso, à data de aposição do
“ciente”, implicaria inadmissível outorga de poder de gerenciamento, pelo próprio
Ministério Público, do termo inicial do seu prazo para recurso.
Daí, a renovada jurisprudência que o Plenário desta Corte assentou no sentido de
que o termo inicial do prazo de recurso do Ministério Público é a data de entrega dos
autos ao setor administrativo encarregado de os receber em nome da instituição:
“Recurso — Prazo — Termo inicial — Ministério Público. A entrega de
processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo
servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida
como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do
processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério
Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o ‘ciente’,
com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo
recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência
predominante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas”
(Pleno, HC n. 83.255, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 12-3-2004. No mesmo
sentido, confiram-se: HC n. 84.159, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 6-
8-2004; HC n. 84.153, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 18-6-2004; e HC
n. 83.821, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 1ª Turma, DJ de 6-8-2004. HC n. 84.166,
Rel. Min. Cezar Peluso, j. 22-3-2005).
2. Isso posto, dou provimento ao recurso, para declarar o trânsito em julgado da
sentença que absolveu Ricardo Monteiro Valente, proferida nos autos do Processo-
crime n. 97.0102227-0.
Estendo, ainda, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, a eficácia
desta decisão aos co-réus, Sergio Parolini, Nelson Adhemar Fagarazzi, Luiz Gilberto
Cesari, Orlando Terzulli Filho e Sérgio José Coffoni, condenados, juntamente com o ora
recorrente, nos autos da Apelação Criminal n. 1999.03.99.030642-7, em curso perante
o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

EXTRATO DA ATA
RHC 81.787/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Ricardo Monteiro
Valente (Advogada: Suzana Lesiv dos Anjos). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, estendendo
a ordem aos co-réus, nos termos do voto do Relator. Unânime.
R.T.J. — 198 635

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros


Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.545 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Paciente: Venacildo Santos do Nascimento — Impetrantes: PGE/SP – José Alexandre
Cunha Campos (Defensor Público) e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Sentença penal. Capítulo decisório. Condenação. Pena privativa de
liberdade. Reclusão. Fixação. Soma dos fatores considerados na dosime-
tria. Erro de cálculo. Estipulação final de pena inferior à devida. Trânsito
em julgado para o Ministério Público. Recurso de apelação da defesa.
Improvimento. Acórdão que, no entanto, aumenta de ofício a pena, a título
de correção de erro material. Inadmissibilidade. Ofensa à proibição da
reformatio in peius. HC concedido para restabelecer o teor da sentença de
primeiro grau. Não é lícito ao tribunal, na cognição de recurso da defesa,
agravar a pena do réu, sob fundamento de corrigir ex officio erro material
da sentença na somatória dos fatores considerados no processo de indivi-
dualização.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,
impetrado em favor de Venacildo Santos do Nascimento, contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça que, ao decidir writ com o mesmo pedido e causa de pedir, denegou-
lhe a ordem, nos seguintes termos:
“Habeas corpus. Processual penal. Roubo. Condenação. Pena. Erro
material. Correção em sede de apelação exclusiva da defesa. Reformatio in
pejus. Inocorrência.
636 R.T.J. — 198

1. Não configura reformatio in pejus a correção feita pelo Tribunal, em sede


de apelação da defesa, de erro material na fixação da pena.
2. Precedentes desta Corte e do Colendo Supremo Tribunal Federal.
3. Writ denegado” (HC n. 27.240, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de
8-9-2003).
Conforme a inicial, o ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 6
(seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por cumprir inicialmente em
regime fechado, e ao pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, pela prática do delito de
roubo qualificado.
Ao fixar a reprimenda, o juízo de primeiro grau havia majorado a pena-base na
fração de 1/6, em razão dos maus antecedentes do paciente; e, por conta das três causas
de aumento no delito de roubo — concurso de agentes, emprego de arma de fogo e
seqüestro —, aumentara a pena na fração de 2/5. Seguindo tal raciocínio, a pena aplicada
ao paciente alcançaria 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão e,
ainda, 17 (dezessete) dias-multa. Mas, por erro aritmético, o juízo fez menor a pena
definitiva, fixando-a em 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, além
de 14 (quatorze) dias-multa.
A sentença transitou em julgado para o Ministério Público. Mas a defesa apelou,
pleiteando a absolvição e, de forma alternativa, a fixação da pena-base no mínimo legal,
o reconhecimento de atenuante decorrente da confissão espontânea, a desclassificação
para a modalidade simples de roubo ou aumento da pena fixada à fração de 1/3, a
diminuição da pena em 2/3 em razão da tentativa e a fixação de regime inicial mais
benéfico para o início do cumprimento da pena.
2. Não obstante o recurso de apelação do ora paciente ter sido improvido, a 13a
Câmara do extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, no julgamento
da Apelação n. 1.329.533/6, exclusiva da defesa, corrigiu de ofício o erro material,
elevando a pena do paciente em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão,
além de acrescentar 3 (três) dias-multa à pena pecuniária.
Contra tal acórdão, sustentando ter havido reformatio in pejus, a defesa interpôs
habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que manteve a decisão da Corte estadual,
nos termos já sintetizados (v. supra).
O impetrante pede, então, a restauração da decisão de primeiro grau e, ainda, a
concessão de liminar, que indeferi (fl. 18).
Colhidas as informações do Superior Tribunal de Justiça (fls. 24/30), o Subprocura-
dor-Geral da República opinou pelo indeferimento do writ (fls. 35/38).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Como flui nítido ao relatório, o pedido envolve a
questão de saber se o tribunal estadual, ao julgar apelação interposta exclusivamente
.
R.T.J. — 198 637

pela defesa, poderia, ou não, aumentar a pena estatuída na decisão de primeiro grau, sob
fundamento de tratar-se de erro material, corrigível de ofício.
No caso, somente a defesa apelou da decisão condenatória. Não obstante esta
contivesse erro material — de cunho aritmético —, dele nem o magistrado sentenciante
nem o representante do Ministério Público se aperceberam, pois a decisão transitou em
julgado para o Ministério Público, que não opôs embargos declaratórios e tampouco
apelou. Sobreveio, portanto, preclusão máxima para o órgão acusatório.
2. Se é certo que, no processo civil, erro material pode ser corrigido a qualquer
tempo, até ex officio, conforme preceitua o art. 463, inc. I, do Código de Processo
Civil, é diverso o sistema que informa o processo penal, em cujo âmbito não consta
preceito idêntico nem análogo e, como princípio cardeal, vige proibição de reformatio
in peius.
Dispõe, com efeito, o art. 617, parte final, do Código de Processo Penal que o
tribunal não poderá agravar a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
É a expressão da regra da chamada personalidade dos recursos, que, em última
análise, significa que o réu recorrente não pode ter a situação agravada, quando não
interposto recurso da parte contrária. “Costuma-se invocar, como fundamento do
princípio, o fato de o recurso devolver ao tribunal tão-somente o conhecimento da
matéria impugnada, o que se expressa no brocardo latino tantum devolutum,
quantum appellatum. No direito positivo, o princípio é buscado no art. 574 CPP,
caput, c/c art. 599”.1
3. Ao sistema processual penal repugna-lhe a reformatio in peius. É o que, por
exemplo, se vê à exceção da regra que faz cognoscível de ofício, a qualquer tempo, toda
causa de nulidade absoluta, salvo quando agrave a situação do réu: não pode o tribunal,
em recurso exclusivo da defesa, pronunciar nulidade absoluta que, não argüida pela
acusação, prejudique a defesa. É a postura que esta Corte sedimentou na Súmula 160, a
qual preceitua:
“É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não
argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
4. E essa repugnância do sistema assume contornos absolutos perante a norma
implícita de que, ainda quando contenha gritante erro judiciário, que é o mais, sentença
absolutória se reveste, uma vez transitada em julgado, de autoridade incontrastável e,
como tal, não admite revisão (art. 621 do Código de Processo Penal, a contrario). Trata-
se da cabal confirmação do entendimento de que, neste, como noutros temas, o processo
penal não é estruturado por princípios comuns ao processo civil, senão por regras
próprias2, em razão da prevalência dos interesses públicos que constituem a substância
e o objeto permanente do conflito jurídico típico que se presta a decidir e, sobretudo, por
força do valor supremo do ius libertatis, do qual o processo é concebido e disciplinado

1 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio


Scarance. Recursos no processo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 46.
2 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 40.
638 R.T.J. — 198

como instrumento de tutela. Como tenho sustentado faz muito, o processo penal não
serve ao ius puniendi, que, no uso da força, o Estado poderia sempre exercer doutro
modo, mas ao resguardo dos direitos do réu a um julgamento legal e justo (due process
of law).
Tal é a razão última por que esta Corte já assentou, como consectário, que, na
cognição de habeas corpus ou recurso do réu, não pode tribunal suprir, com razões
novas ainda à luz da prova ou do direito aplicável, deficiências da fundamentação da
decisão impugnada, que é o menos (HC n. 83.173, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 16-3-2004; HC n. 83.828; 1ª Turma; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 16-
12-2003, DJ de 20-2-2004; RHC n. 84.293/SP; 1ª Turma; Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 29-6-2004; HC n. 84.448/SP; 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto (vencido),
Rel. p/ ac. Min. Eros Grau, j. 14-9-2004; HC n. 85.238/SP, 1ª Turma, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, j. 6-9-2005).
5. Pouco se dá, em suma, conste dos autos causa de nulidade absoluta ou erro
material; nem este nem aquela podem, no âmbito do recurso da defesa, ser reconhecidos
ou remediados em termos de agravamento da situação do réu, cuja expectativa jurídica
da possibilidade única de obter decisão que o beneficie ou, pelo menos, nunca o
desfavoreça, não se pode inverter sem grave dano à certeza, à segurança e ao escopo
tuitivo da liberdade no processo penal:
“Assim, pelo recurso do réu e sem que haja recurso do Ministério Público,
não pode ser agravada a situação do recorrente. Não se admite a reformatio in
pejus, entendida como diferença para pior, entre a decisão recorrida e a decisão no
recurso, não podendo a piora ocorrer nem do ponto de vista quantitativo, nem sob
o ângulo qualitativo”3.
De modo que não poderia o tribunal, no caso, sob argumento de corrigir erro
material aritmético, ter agravado a reprimenda imposta ao paciente.
6. Do exposto, concedo a ordem, para restabelecer a condenação do paciente a 6
(seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, para cumprimento inicial em
regime fechado, e 14 (quatorze) dias-multa, consoante dispunha a sentença proferida
pelo juízo da 25a Vara Criminal da Comarca de São Paulo.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Relator, o descompasso concreto, qual
seria?
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Um ano.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Aplicou-se menos um ano do que
a pena mínima; e o tribunal, então, achou que era um erro material.

3 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio


Scarance. Op. e loc. cits..
R.T.J. — 198 639

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): A sentença foi dispondo os números e, na


soma, errou: em vez de sete anos, mencionou seis anos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Considerados os fatores numéricos anteriores,
deságua-se, realmente, num total diverso.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Num total diverso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Penso que a situação tem peculiaridade, porque uma
coisa é considerar-se, por exemplo, como mínimo previsto para o tipo o que não é o
previsto na lei. Algo diverso é ter-se a fixação correta e, numa simples inexatidão de
cálculo, no somatório, chegar-se a quantitativo superior. Entendo, nesse caso, ser uma
inexatidão, porque o Código de Processo Civil se refere à inexatidão material ou erro de
cálculo, não ao erro material, embora o erro de cálculo não deixe de ser um erro material.
Nesse caso, o raciocínio é correto com a fixação da pena-base — não sei se incidiram os
posteriormente agravantes —, mas, quando se puxou a totalização, consignou-se algo
discrepante do que lançado anteriormente.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O que me embaraça e incomoda, sobretudo,
é o seguinte: imagine Vossa Excelência esteja o sentenciado cumprindo pena e, seis
meses antes de terminar a pena, o diretor do presídio lhe diz: “O senhor não vai sair,
porque houve um erro material na sentença e o juiz não viu; mas vou lá avisar o juiz para
corrigir”.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A parte dispositiva.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): A parte dispositiva é textual, não houve erro
nenhum.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência, então, não dá relevância maior ao
que seria a fundamentação e observa a parte dispositiva quanto à fixação final da pena.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O problema aqui é este: se o réu não tivesse
recorrido, não teria sido agravada sua situação!
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Acompanho o voto de Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA
HC 83.545/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Venacildo Santos do
Nascimento. Impetrantes: PGE/SP – José Alexandre Cunha Campos (Defensor Público)
e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

.
640 R.T.J. — 198

RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.295 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Recorrente: Luiz Jorge Biglia da Silva ou Luiz Cláudio de Souza Vieira ou Luiz
Jorge Briglia da Silva — Recorrido: Ministério Público Federal
Ação penal. Sentença. Condenação. Capítulo decisório. Pena
privativa de liberdade. Reclusão. Fixação da pena-base. Cálculo.
Consideração conjunta e indiscriminada dos maus antecedentes e da
reincidência do réu. Inobservância do critério trifásico ou das três fases.
Nulidade caracterizada. Capítulo anulado. Recurso provido para esse
fim. Precedentes. Inteligência dos arts. 59, 61, I, e 68 do CP. É nulo o
capítulo decisório de sentença condenatória que, sem observar os
cálculos segundo o critério trifásico, considera, para efeito de fixação da
pena-base, os maus antecedentes e a reincidência do réu.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
dar parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, estendendo os efeitos
desta decisão ao condenado Carlos Adalberto Martins Ribeiro, nos termos do voto do
Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Sepúlveda Pertence.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. O il. Subprocurador-Geral da República, Edson
Oliveira de Almeida, no parecer de fls. 158-159, sintetizou com precisão o caso e opinou
pelo provimento parcial do recurso, nos seguintes termos:
“A sentença do MM. Juízo da 24ª Vara Criminal do Rio de Janeiro
condenou o paciente e seu outro comparsa a 10 anos e 6 meses de reclusão, mais
multa, por infringência ao art. 157, §2º, I e II, do Código Penal. O Tribunal de
Alçada Criminal, dando parcial provimento ao apelo da defesa, reduziu a pena
privativa da liberdade para oito anos de reclusão.
O recurso ordinário, apontando vício na individualização da pena, postula
a anulação da sentença.
No caso, a pena-base foi fixada em seis anos, acrescida de dois (um terço)
pelas qualificadoras, resultando a pena final de oito anos de reclusão.
Reclama, sem razão, do tratamento uniforme dispensado aos dois réus na
questão da fixação da pena. É que, embora para ambos a fundamentação tenha
sido a mesma, disso não resulta nulidade se as circunstâncias avaliadas são
idênticas.
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R.T.J. — 198 641

Entretanto, na fixação da pena-base levou-se em consideração, além de


outras circunstâncias, a reincidência e os maus antecedentes dos réus. Portanto,
houve a avaliação englobada, na primeira fase, junto com as circunstâncias
judiciais desfavoráveis, da agravante da reincidência, que deveria ser sopesada na
segunda fase, como manda o art. 68 do Código Penal.
Isso posto, verificada a desobediência ao método trifásico, opino pelo
provimento parcial do recurso, que deve ser estendido ao co-réu, para, sem
prejuízo da condenação e da manutenção da prisão, anular a sentença na parte em
que fixou a pena privativa de liberdade, devendo outra ser proferida em
conformidade com a lei penal”.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão à Procuradoria-Geral da
República.
Em atenção à norma constitucional que obriga a lei a regular a individualização da
pena (inc. XLVI do art. 5º da Constituição Federal), o Código Penal dispõe acerca do
sistema trifásico1, verbis:
“Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59
deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e
agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.
O caráter discricionário que envolve o sistema de fixação da pena, objeto do
mencionado artigo 59 do CP, é vinculado a determinações legais e constitucionais, que
obrigam à individualização da medida concreta, mediante suficiente fundamentação
(inc. IX do art. 93 da Constituição Federal).
A sentença considerou como circunstâncias judiciais, na primeira fase de fixação
da pena, assim os maus antecedentes, como a reincidência dos acusados:
“Atendendo às diretrizes do art. 59 do Código Penal, sendo os réus reinci-
dentes e com péssimos e vários antecedentes penais, demonstrando personali-
dade distorcida, sem qualquer inibição quanto a responder perante a Justiça e alta
periculosidade, às circunstâncias e conseqüências do delito e ao dolo com que

1 Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal, remanescem as divergências


suscitadas sobre as etapas da aplicação da pena. O Projeto opta claramente pelo critério das três faces,
predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-base,
obedecido o disposto no art. 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e
agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério
permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos
elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum
da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da
sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo
mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa
(Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal).
642 R.T.J. — 198

agiram, fixo a pena base em 07 (sete) anos de reclusão, que pela existência de duas
qualificadoras aumento da metade, perfazendo a pena total e definitiva de 10
(dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão a ser cumprida em regime fechado e multa
que, pelos mesmos critérios e verificando a situação econômica dos réus, fixo em
40 dias multa, a qual exacerbo pelas qualificadoras em metade, perfazendo a pena
de multa em 60 (sessenta) dias multa, sendo cada dia multa no valor mínimo
permitido em lei” (fl. 13 — Grifei).
A Terceira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro
reduziu a pena-base, que a sentença fixara em sete, para seis anos de reclusão.
Ao fazê-lo, porém, o acórdão, no mesmo sentido da sentença condenatória,
imputou a exacerbação, a um só tempo, aos maus antecedentes dos acusados e à
reincidência, como se vê à fl. 17:
“(...)
Os apelantes são reincidentes, sendo que, Luiz registra onze anotações em
sua FAC, com crimes de homicídios, roubos, furtos, quadrilha ou bando e
extorsão mediante seqüestro, enquanto que Carlos, registra nove anotações com
homicídio, contravenções, tráfico de entorpecentes, roubos, quadrilha ou bando,
furto e latrocínio. Acontece que nada justifica a fixação da pena base em sete anos
de reclusão, motivo pelo qual, dou parcial provimento ao recurso para fixá-la em
seis anos. Da mesma forma, o aumento das penas pelas qualificadoras, sem
fundamentação, em razão do entendimento desta Egrégia Câmara, deve ser
reduzido para um terço”.
Evidente que, mais uma vez, os cálculos não foram explicitados e só podem ser
inferidos aos termos genéricos dos elementos levados em consideração pelo magistrado
de 1º grau e pelo Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro, o que não se
me afigura bastante para que se possa dar por observado o sistema trifásico de fixação da
pena.
É o que tem proclamado esta Corte, como se vê à ementa do HC n. 70.899 (Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-1994):
“Sentença condenatória: fixação da pena pelo método trifásico: consideração
como agravantes, não só da reincidência, que o é, mas também dos antecedentes do
réu, que são critério para a determinação da pena-base: nulidade, no ponto, da
decisão”.
2. Acolho, portanto, o parecer da Procuradoria-Geral da República, para dar
parcial provimento ao recurso, a fim de, sem prejuízo da condenação e da prisão do ora
paciente, cassar os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e da Terceira Câmara do
Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, anular a sentença no
capítulo em que lhe individualizou a pena privativa de liberdade, devendo outra ser
prolatada nesse ponto, com estrita observância do critério trifásico de fixação da pena.
Estendo, outrossim, os efeitos desta decisão ao condenado Carlos Adalberto
Martins Ribeiro, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.
É como voto.
.
R.T.J. — 198 643

EXTRATO DA ATA
RHC 84.295/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Luiz Jorge Biglia
da Silva ou Luiz Cláudio de Souza Vieira ou Luiz Jorge Briglia da Silva (Advogada:
Karine Faria Braga Michel). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma deu parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,
estendendo os efeitos desta decisão ao condenado Carlos Adalberto Martins Ribeiro,
nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Marco
Aurélio na ausência, ocasional, do Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.388 — SP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa


Paciente: Casem Mazloum — Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. “Operação Anaconda”. Inépcia da denúncia. Alega-
ções de nulidade quanto às provas obtidas por meio ilícito.
Interceptação telefônica. Importante instrumento de investigação e
apuração de ilícitos. Art. 5º da Lei 9.296/1996: prazo de 15 dias prorro-
gável uma única vez por igual período. Subsistência dos pressupostos que
conduziram à decretação da interceptação telefônica. Decisões fundamen-
tadas e razoáveis.
A aparente limitação imposta pelo art. 5º da Lei 9.296/1996 não
constitui óbice à viabilidade das múltiplas renovações das autorizações.
Desvio de finalidade nas interceptações telefônicas, o que teria impli-
cado conhecimento não autorizado de outro crime.
O objetivo das investigações era apurar o envolvimento de policiais
federais e magistrados em crime contra a Administração. Não se pode
falar, portanto, em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso,
estranho ao objeto das investigações.
Incompetência da Justiça Federal de Alagoas para autorizar a reali-
zação das escutas telefônicas que envolvem magistrados paulistas.
As investigações foram iniciadas na Justiça Federal de Alagoas em
razão das suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades
criminosas. Diante da descoberta de possível envolvimento de magistrados
644 R.T.J. — 198

paulistas, o procedimento investigatório foi imediatamente encaminhado


ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, onde as investigações tiveram
prosseguimento, com o aproveitamento das provas até então produzidas.
Atipicidade de condutas, dada a falta de descrição objetiva das
circunstâncias elementares dos tipos penais. Art. 10 da Lei 9.296/1996:
realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou
telemática, ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial ou com
objetivos não autorizados em lei.
Inexistem, nos autos, elementos sólidos aptos a demonstrar a não-
realização da interceptação de que o paciente teria participado. Habeas
corpus indeferido nessa parte.
Declaração de Imposto de Renda. Discrepância acerca do local
onde se encontra depositada determinada quantia monetária.
A denúncia é inepta, pois não especificou o fato juridicamente
relevante que teria resultado da suposta falsidade — art. 299 do Código
Penal. Habeas corpus deferido nessa parte.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, para afastar o crime de falsidade ideológica, extin-
guindo, quanto a ele, o processo penal instaurado contra o paciente. No que se refere ao
delito de interceptação telefônica, a Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido,
para, também quanto a esse crime, extinguir o processo penal em curso contra o paciente,
vencidos, no ponto, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Ellen Gracie, que o
denegavam.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Masloum, em face de acórdão em que a Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça denegou a ordem impetrada no HC 34.008.
É este o teor da ementa do acórdão impugnado (fl. 88):
“Habeas corpus. Denúncia. Constrangimento ilegal. Atipicidade das
condutas do paciente. Nulidades nas interceptações e gravações de
comunicações telefônicas que embasaram a acusação. Incompetência da
Justiça Federal de Alagoas para investigar magistrados da Seção Judiciária
de São Paulo. Improcedência.
O habeas corpus não se presta a demonstrar a atipicidade dos fatos se
reclama aprofundado exame de provas.
R.T.J. — 198 645

As interceptações e gravações telefônicas ocorreram por determinação


judicial e perduraram pelo tempo necessário à elucidação dos fatos delituosos,
revestidos de complexidade e envolvendo organização criminosa, com o que não
se violou a Lei 9.296/96 (art. 10).
Procedimento investigatório instaurado perante Juízo Federal. Deparando-
se com indícios de envolvimento de Juízes Federais de São Paulo, nas atividades
ilícitas, o feito autuado no Juízo de 1º grau foi remetido ao TRF/3ª Região, o
competente. Nenhuma balda a proclamar.
Ordem denegada.”
O paciente, juiz federal, fora denunciado pelo Ministério Público Federal como
incurso nas sanções previstas no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica) e no art.
10 da Lei 9.296/1996 (interceptação telefônica ilegal).
O impetrante sustenta a atipicidade das condutas, ante a falta de descrição objetiva
das circunstâncias elementares dos tipos penais. Aponta, ainda, os seguintes fatores de
nulidade, todos referentes às ilicitudes das provas geradas pelas escutas telefônicas que
deram base à denúncia: (i) excesso de prazo para as escutas telefônicas, prazo esse que,
embora tenha sido renovado inúmeras vezes, apenas seria passível de uma única prorro-
gação; (ii) ocorrência de desvio de finalidade nas interceptações telefônicas, o que
implicou o conhecimento não autorizado de outro crime; e (iii) incompetência da
Justiça Federal de Alagoas para autorizar a realização dessas escutas, uma vez que as
investigações envolviam magistrados paulistas.
Indeferi o pedido de liminar e, considerando que a impetração estava suficiente-
mente instruída, dispensei as informações de praxe (fl. 118).
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo indeferimento do pedido.
Às fls. 140-141, a defesa requereu o sobrestamento do feito, até que sobreviesse a
decisão no agravo regimental na questão de ordem suscitada no HC 84.263, acerca da
alegação de prevenção da Primeira Turma. A questão foi solucionada pelo Plenário, o
qual, por maioria, decidiu estar a Segunda Turma preventa para julgar aquele writ.
Resolvida a questão de ordem, preparei o feito para julgamento na sessão de 19-
10-2004, mas novamente a defesa apresentou pedido de adiamento do julgamento
(Petição de número 112656), desta vez para a sessão de hoje, 26-10-2004.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, a impetração traz
três argumentos principais para sustentar a inépcia da denúncia. O primeiro refere-se à
atipicidade do crime de falsidade ideológica. O segundo é relativo à atipicidade do
crime de interceptação telefônica ilegal. O terceiro diz respeito à nulidade das
interceptações telefônicas que deram sustentação à denúncia.
Passo ao exame das questões apresentadas, a começar pela argüição de nulidade,
dado seu caráter de prejudicialidade em relação a todas as demais questões, uma vez que,
646 R.T.J. — 198

se consideradas ilícitas as escutas, não se haverá de discutir a aptidão da denúncia


oferecida.
O impetrante alega, inicialmente, a nulidade das escutas telefônicas em virtude do
excesso de prazo, sob o argumento de que o art. 5º da Lei 9.296/1996 estabelece o limite
de duração em 15 dias, prorrogável uma única vez por igual período.
A redação do referido dispositivo legal é a seguinte:
“Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando
também a forma de execução de diligência, que não poderá exceder o prazo de
quinze dias, renovável por igual período de tempo uma vez comprovada a
indispensabilidade do meio de prova.”
Entendo, no entanto, que essa aparente limitação do prazo para realização das
interceptações telefônicas não constitui óbice à renovação do pedido de interceptação
telefônica por mais de uma vez.
Isso porque, se persistirem os pressupostos que conduziram à decretação da
interceptação telefônica e forem as prorrogações devidamente fundamentadas pelo
magistrado, não há obstáculos para a renovação, nem ficam maculadas como ilícitas as
provas derivadas da interceptação.
Há forte posicionamento da doutrina nesse sentido. Luiz Flávio Gomes, por
exemplo, assim se manifesta sobre o tema:
“A interceptação telefônica é medida excepcional e tem por fundamento a
sua necessidade para a obtenção de uma prova. O fundamental, assim, não é tanto
a duração da medida, senão a demonstração inequívoca da sua indispensabili-
dade. Enquanto indispensável, enquanto necessária, pode ser autorizada. A lei
não limitou o número de vezes, apenas exige a evidenciação da indispensabili-
dade. É o prudente arbítrio do Juiz que está em jogo. Mais tecnicamente falando:
é a proporcionalidade. No instante em que se perceber que a interceptação já não
tem sentido, desaparece a proporcionalidade. Logo, já não pode ser renovada. E
se for, é nula.” (GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Interceptação telefônica.
RT, p. 219.)
Vicente Greco Filho, por seu turno, afirma o seguinte:
“[...] a lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-
se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30
dias pode ser prazo muito exíguo.” (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação
telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 31)
Cito, ainda, Luiz Francisco Torquato Avolio:
“É criticável a limitação, pois desde que permaneçam os pressupostos para
a concessão inicial da medida, esta poderia ser renovada perante o juiz, em
períodos iguais e sucessivos, indeterminadamente, como previu o Projeto Miro
Teixeira. Não é o prazo que importa, mas a correta limitação da finalidade da
interceptação. Imagine-se um crime de lavagem de dinheiro, com remessa ilegal
de capitais para o exterior, que pode ser praticado ao longo de meses, ou o próprio
tráfico de drogas, que envolve operações sucessivas, até ‘fechar’ o cartel.
R.T.J. — 198 647

Daí que, como também entendem Luiz Flávio Gomes e Antonio Scarance
Fernandes, poderá o juiz, com base no princípio da proporcionalidade, renovar a
duração da interceptação tantas vezes quantas se fizerem necessárias.” (AVOLIO,
Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas ambientais
e gravações clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 189)
A questão há de ser examinada pelo ângulo da razoabilidade. Uma autorização
judicial com o restrito prazo de 30 dias (na hipótese de se admitir uma única renovação)
não teria efetividade alguma em nosso país. Em primeiro lugar, porque existe todo um
trâmite a ser superado a fim de que a decisão jurisdicional seja cumprida a contento. Além
disso, há de se considerar que as interceptações telefônicas foram autorizadas para investi-
gação de organização criminosa extremamente complexa, que envolve, entre outros,
magistrados e policiais federais. A investigação, denominada “Operação Anaconda”,
apurou o cometimento de diversos ilícitos penais, alguns deles de extrema complexidade.
Não seria razoável, portanto, a limitação das escutas telefônicas a apenas 30 dias,
pois, pelo que consta dos autos, todas as prorrogações foram devidamente fundamen-
tadas e feitas dentro do prazo, presentes, à época, todos os requisitos que as autorizavam.
Entendimento contrário levaria à total ineficácia da medida, que, atualmente, se apre-
senta como importante instrumento de investigação e apuração de ilícitos.
Aliás, por ocasião do julgamento do HC 83.515, de relatoria do eminente Presiden-
te desta Corte, Ministro Nelson Jobim, o Pleno abraçou a tese da viabilidade de
múltiplas renovações das autorizações de interceptação pelo prazo de 15 dias.
Resolvida essa primeira questão, enfrento a segunda tese do impetrante. Sustenta
ele que a prova produzida pelas escutas telefônicas é ilícita, na medida em que os
supostos fatos criminosos imputados ao paciente se tornaram conhecidos de forma
fortuita, estranha, portanto, ao objeto das investigações que autorizaram as intercep-
tações telefônicas.
Também não acato essa causa de pedir. Com efeito, as interceptações telefônicas
realizadas na “Operação Anaconda” tiveram, conforme exposto, o objetivo de apurar
suspeita de envolvimento de policiais federais e magistrados em práticas delituosas,
notadamente a venda de sentenças.
Foi por meio das conversas mantidas entre o ora paciente e um de seus co-réus,
César Herman Rodriguez (fls. 45-48), que se descobriu o possível envolvimento
daquele na organização criminosa.
Repita-se: o objeto das interceptações era justamente o suposto envolvimento de
magistrados em atos de corrupção. E quais são os fatos que o Ministério Público atribuiu
ao paciente? O primeiro foi a participação em interceptação telefônica ilícita em favor,
supostamente, de amigo do paciente. O segundo diz respeito à falsa declaração do local
onde se encontraria determinada quantia de moeda estrangeira, o que, em princípio,
seria de interesse para a comprovação de outros fatos relativos à “Operação Anaconda”.
Assim, não há nada que possa tornar ilícita a prova produzida. O objetivo daquelas
interceptações telefônicas não está dissociado dos crimes supostamente cometidos pelo
paciente, não se podendo falar em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso,
estranho, portanto, ao objeto das investigações.
648 R.T.J. — 198

Pelo contrário, o objetivo das investigações era apurar o envolvimento de policiais


federais e magistrados em crimes contra a Administração. Ora, consoante narra a denúncia,
essa apuração teria ocorrido por meio da gravação de conversas entre o paciente e o co-réu
César Herman Rodriguez, também investigado.
Por fim, no que tange às alegações de ilicitude da prova produzida, o impetrante
requer a nulidade das escutas telefônicas, ante a incompetência do juízo federal de
Alagoas para investigar magistrados de São Paulo.
As investigações foram iniciadas na Justiça Federal de Alagoas em virtude das
suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades criminosas. Diante da
descoberta de possível envolvimento de magistrados, o procedimento investigató-
rio foi imediatamente encaminhado ao juízo competente — no caso, o Tribunal
Regional Federal da 3ª Região —, onde as investigações tiveram prosseguimento,
com aproveitamento das provas até então produzidas, exatamente como deveria
ocorrer.
Note-se que o acórdão do TRF da 3ª Região é preciso a esse respeito, razão por que
extraio dele trecho que me parece elucidativo:
“Iniciaram-se as apurações referentes à ‘Operação Anaconda’, em Alagoas,
tendo como juízo condutor do inquérito, especialmente para fins de autorização
de interceptações telefônicas, a 4ª Vara Federal de Maceió, à época competente,
porque lá se desenvolviam as ações investigadas pela Diretoria de Inteligência
da Polícia Federal, a partir da suspeita de envolvimento de policiais federais,
aposentados e da ativa, em práticas delituosas, mais especificamente, de que
Jorge Luiz Bezerra da Silva, delegado aposentado, estaria corrompendo policiais
federais e outras pessoas para obter vantagens em inquéritos instaurados na
Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado de
Alagoas.” (Fls. 68-69)
Assim, a prova produzida mostra-se perfeitamente válida, apta, portanto, a embasar
a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.
Há, na Corte, um precedente — o HC 81.260, de relatoria do Ministro Sepúlveda
Pertence — que trata exatamente dessa hipótese, ou seja, de medida cautelar de
interceptação telefônica, prévia à ação penal, em juízo distinto daquele em que houve
oferecimento da denúncia e subseqüente trâmite do processo. Transcrevo, por oportuno,
trecho da ementa:
“IV - Interceptação telefônica: exigência de autorização do ‘juiz compe-
tente da ação principal’ (Lei 9.296/96, art. 1º): inteligência.
1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de
processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da Lei 9.296/
96: só ao juiz da ação penal condenatória — e que dirige toda a instrução — caberá
deferir a medida cautelar incidente.
2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar
preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de compe-
tência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em
absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a
R.T.J. — 198 649

ordem judicial de interceptação — não podendo ser o fato imputado, que só a


denúncia, eventual e futura, precisará —, haverá de ser o fato suspeitado, objeto
dos procedimentos investigatórios em curso.
3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a
autorização provenha de Juiz Federal — aparentemente competente, à vista do
objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão — que, posterior-
mente, se haja declarado incompetente, à vista do andamento delas.” (Grifos
originais)
Rejeito, portanto, também essa questão prejudicial.
Passo agora à análise das questões de fundo, referentes à atipicidade do crime de
falsidade ideológica.
Esclareça-se, por primeiro, em quais circunstâncias ocorreu o fato supostamente
violador da lei penal.
O crime de falsidade ideológica teria ocorrido porque as declarações de renda
prestadas pelo paciente ao TRF da 3ª Região (em cumprimento ao disposto no art. 13 da
Lei 8.429/1992) e à Receita Federal divergiram, na medida em que, para o Tribunal, o
paciente declarou possuir, no Brasil, a quantia de U$ 9,300 (nove mil e trezentos
dólares), ao passo que, à Receita, informou que tal quantia estaria no Afeganistão.
Sustenta o impetrante, inicialmente, a ocorrência de simples erro no preenchimento
da declaração entregue à Receita Federal: teria o paciente, por equívoco, consignado que
a quantia de U$ 9,300 (nove mil e trezentos dólares) estaria no Afeganistão, quando na
verdade os dólares estariam no Brasil. Em seguida, argumenta que a denúncia é inepta, por
não especificar qual seria o fato juridicamente relevante exigido como elementar do tipo
penal descrito no art. 299 do Código Penal.
Tenho que, neste ponto, a ordem deve ser concedida.
De fato, a denúncia afigura-se inepta, porquanto não especificou o fato juridica-
mente relevante que resultou da suposta falsidade.
A denúncia limitou-se a afirmar o seguinte:
“Atendendo ao requerimento do MPF no Inquérito n. 533, vieram aos autos
as declarações de Imposto de Renda de cinco dos envolvidos, sendo três deles
magistrados.
Verificou-se que o Juiz Federal Casem Mazloum, contribuinte regular,
entregou à Receita Federal a Declaração de Ajuste Anual de 2003, ano-base 2002,
em 26-3-2003 às 15h35m. No campo destinado à declaração de bens e direitos, no
item 11, como se confere às fls. 1.621, declarou possuir:

Moeda estrangeira (US$ 9.300) — Afeganistão


Código do país: 13
Situação em 31 de dezembro de 2001: R$ 7.000,00
Situação em 31 de dezembro de 2002: R$ 31.620,00.
650 R.T.J. — 198

Entretanto, ao cumprir o disposto no caput do artigo 13 da Lei n. 8429/92,


Casem Mazloum entregou a este Colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Re-
gião declaração diversa da que fora entregue às autoridades fiscais (fls.), omitindo
o fato de ter dinheiro depositado no Afeganistão e declarando a esta Corte,
falsamente, para induzi-la em erro, que tal valor estava em seu poder no Brasil:
Moeda estrangeira (U$ 9.300) — Brasil
Situação em 31 de dezembro de 2001: R$ 7.000,00
Situação em 31 de dezembro de 2002: R$ 31.620,00

O Juiz Federal Casem Mazloum, assim, inseriu ou fez inserir declaração


falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar fato juridicamente
relevante para este Colendo Tribunal. A conduta desenvolvida enquadra-se no
artigo 299 do Código Penal, com a agravante do artigo 61, II, alínea g do mesmo
diploma e, sob ângulo da improbidade administrativa, que será apurada em
processo próprio, é fato sujeito a pena de demissão (§ 3º do art. 13 da Lei n. 8.429/
92).” (Fls. 38-40 — Grifos originais)
A esse respeito, entendo que o Ministério Público Federal não especificou de
maneira clara qual seria a conseqüência jurídica da falsidade ideológica. Aparentemente,
seria a simples discrepância acerca do local onde se encontra a quantia de U$ 9,300 (nove
mil e trezentos dólares).
Mas, então, indaga-se: se inexiste conseqüência fiscal, civil ou administrativa, a
conduta do paciente pode ser considerada juridicamente relevante?
Tenho dificuldades em admitir que essa divergência de localização da quantia
referida — Brasil ou Afeganistão — seja o que o tipo penal da falsidade ideológica exige
como fato juridicamente relevante, até mesmo porque não gerou (nem poderia gerar)
nenhuma situação de vantagem ao paciente. Em outras palavras, esse fato não apresenta
nenhum potencial dano, de sorte que não se ajusta ao tipo penal descrito no art. 299 do
Código Penal.
Desse modo, penso que a discrepância existente nas declarações prestadas pelo
paciente quanto ao local em que se encontrava o numerário — ressalte-se, expresso em
valores idênticos em ambas as declarações — não configura tipo penal algum, sendo,
nessas circunstâncias, atípico.
O Ministério Público Federal, ao deixar de esclarecer por que esse fato — que
considero irrelevante para o direito — é juridicamente relevante, ofereceu denúncia inepta,
dificultando a defesa do paciente, razão por que, neste ponto, concedo o habeas corpus.
Por fim, aprecio a tese de atipicidade da conduta tipificada no art. 10 da Lei 9.296/
1996.
Antes mesmo de cuidar do fato em si, esclareço qual é a redação do referido
dispositivo legal:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,
de informática ou telemática, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização
judicial ou com objetivos não autorizados em lei.”
R.T.J. — 198 651

Creio que se deva confrontar o texto legal, a denúncia e o acórdão de recebimento


da denúncia.
A denúncia assim descreve a conduta do paciente:
“Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a
seus ‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar
a interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96.” (Fl. 50 — Grifos originais)
Já o acórdão do TRF da 3ª Região que recebeu a denúncia tem a seguinte redação:
“As conversações revelam que César viabilizou uma escuta ao amigo de
Casem para confirmar se se tratava da pessoa de quem suspeitava (fl. 12). Há
elementos, portanto, acerca da realização de interceptação, fora das hipóteses
legais e sem autorização judicial, que se subsumem ao tipo previsto no art. 10 da
Lei n. 9.296/1996.” (Fl. 81)
Nota-se, portanto, que a imputação feita ao paciente partiu da premissa de que a
interceptação ilícita efetivamente ocorreu. De fato, caso ela não tivesse ocorrido —
como sustenta o impetrante —, a conduta do paciente consistiria em mera cogitatio, de
forma que seria atípica.
Por essa razão, e por não haver nos autos elementos sólidos aptos a demonstrar a
não-realização da interceptação em que o paciente teria participado, não há como
conceder o habeas corpus.
Outro argumento apresentado pelo impetrante refere-se ao fato de que a denúncia
“deixou de mencionar quando, como, onde, qual ou quais os telefone interceptados e
quem teve sua conversa interceptada, isto é, quem foram as vítimas do imaginário
delito — circunstâncias elementares do tipo” (fl. 19).
Valho-me novamente da letra do art. 10 da Lei 9.296/1996. O tipo objetivo refere-
se apenas ao ato de interceptar comunicações telefônicas, de informática ou telemática,
ou de quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não
autorizados em lei.
Assim, as referidas circunstâncias, embora desejáveis, não são essenciais à tipicidade
da conduta imputada ao paciente, tampouco conduzem à inépcia da denúncia.
Rejeito, portanto, também essa causa de pedir.
De todo o exposto, considero lícitas as interceptações telefônicas realizadas e concedo
parcialmente a ordem, para afastar o crime de falsidade ideológica imputado ao paciente.
É como voto.

VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, o Ministro Joaquim Barbosa está
convencido de que, de fato, se efetivou a interceptação telefônica.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, aliás o próprio Advogado não
negou isso da tribuna.
652 R.T.J. — 198

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Eu não ouvi isso.


O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Advogado falou em tentativa, cogitação?
O Sr. Adriano Salles Vanni (Advogado): Excelência, houve o pedido. Casem pediu
para César auxiliá-lo, mas, pela própria leitura da denúncia, por uma questão financeira,
ele não fez o “grampo” e sequer forneceu os extratos. O “grampo” não se realizou, e
posso dizê-lo porque a instrução já se encerrou. Aqui não se trata de mérito. Desculpe-me
pela veemência, mas eu defendo um magistrado federal. Não houve a interceptação, isso
é certo. A própria denúncia aflora isso.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não tenho esse dado, pois é matéria
probatória.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ministro Joaquim Barbosa, Vossa Excelência não
gostaria de examinar essa questão, tendo em vista os elementos dos autos?
Sr. Presidente, de tudo o que vi na imprensa em torno desse assunto e agora vejo a
denúncia quanto a este fato — quase surrealista — ligado ao depósito no Afeganistão,
estou realmente perplexo com a leviandade da denúncia e do seu recebimento.
De fato, é preciso que, ao lado do senso de justiça, tenhamos senso do ridículo,
porque isso realmente beira ao ridículo. É preciso tratar esses temas com maior seriedade.
Acompanho o Relator, com conforto, mas gostaria de fazer essas observações, pois,
de fato, aqui faltou seriedade no oferecimento da denúncia, na ocupação do Judiciário e
no recebimento da denúncia.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Gilmar Mendes, concordo
plenamente com Vossa Excelência com relação a esse primeiro aspecto. Agora, no
tocante ao segundo, o relevante é o fato de que o juiz, efetivamente, utilizou de seus
poderes para pedir a um colaborador seu para fazer uma interceptação ilegal. Esse é o
fato relevante.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A questão é saber se integra o tipo.

VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, quando há elementos postos com
clareza no sentido de que, como no caso presente, não ocorreu a interceptação, então, é
possível.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não posso dizer que ela não ocorreu.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente, já que não é possível, a menos que se
debruce sobre a prova, e isso não é possível em habeas corpus. O eminente Advogado
disse que a instrução está finda.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, já acabou, em vias de acabar.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Então, até por cautela é bom esperar o julgamento
do juiz natural.
R.T.J. — 198 653

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Então, julga-se a primeira questão e deixa-se a


outra.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Agora, com relação à atipicidade do crime de
falsidade ideológica, estou inteiramente de acordo com o voto do eminente Relator e,
sob certos aspectos, também faço minhas as palavras do eminente Ministro Gilmar
Mendes.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Dois, na verdade. Ele levanta outro:
nulidade.
O Sr. Adriano Salles Vanni (Advogado): No caso são dois delitos. Ele usou placa
reservada, então está sendo processado pelo artigo que trata de adulteração de sinal
identificador de veículos. Existem três denúncias contra Casem Mazloum: quadrilha,
falsidade ideológica e interceptação ilegal e o uso de placa reservada.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aqui estamos analisando apenas dois.

VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, acompanho, desde logo, o Ministro
Relator com relação ao primeiro argumento e aguardo o julgamento quanto aos demais.

EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Depois do voto do Relator, que deferiu, em parte, o pedido de habeas
corpus, nos termos e para os fins indicados em seu voto, acompanhado, no ponto, pelos
demais Ministros da Turma, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista
formulado pelo Ministro Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. Adriano Salles
Vanni.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Mazloum, pelos seguintes fatos:
“O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal por suposta
prática de falsidade ideológica e de interceptação telefônica ilegal (doc. 01)
De acordo com a exordial, a falsidade ideológica teria ocorrido porque o
paciente declarou falsamente ao Tribunal Regional Federal, ao cumprir o disposto
no artigo 13 da Lei n. 8.429/92, possuir U$ 9300 no Brasil, quando, de acordo com
654 R.T.J. — 198

a declaração anteriormente entregue à Receita Federal, havia consignado que a


referida quantia estaria no Afeganistão.
(...)
Em relação à segunda acusação, a denúncia afirmou que o paciente
‘engendrou junto ao Agente de Polícia Federal César Herman Rodrigues todas as
providências para realizar uma interceptação telefônica clandestina, como se
verifica também da conversa de ambos no dia seguinte, 18-9-2002" (g.n.). Mais
adiante, as procuradoras da República consignaram, que “ilegalmente, o juiz
federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a seus ‘colaboradores’, em
especial o co-acusado César Herman, para providenciar a interceptação ilícita
(...)’ (g.n.)” (fls. 4-5)
Requer-se a concessão da ordem para se determinar o trancamento da ação penal,
com o reconhecimento da ilicitude da interceptação telefônica e das provas derivadas,
bem como da atipicidade das condutas descritas na denúncia.
Após o voto do Ministro Relator pela concessão parcial da ordem para afastar o
crime de falsidade ideológica imputado ao paciente, pedi vistas dos autos para analisar
a acusação também atribuída de crime de interceptação telefônica.
Estando o processo pronto para julgamento na semana passada, por solicitação do
advogado, aguardei que fosse encaminhada petição com documentos acerca da efetiva
realização ou não da interceptação supostamente ilegal.
Protocolada a petição em 18 de novembro próximo passado, apresento o processo
em mesa para julgamento.
O paciente foi denunciado como incurso nas sanções do: a) art. 299, com a
agravante do art. 61, II, alínea g, ambos do Código Penal; e b) art. 10 da Lei n. 9.296/96,
com as agravantes do art. 61, II, alíneas a, c e g, ambos do Código Penal.
Relativamente à primeira imputação, na sessão anterior, esta Segunda Turma já se
posicionou pela concessão da ordem para trancar a ação penal. Quanto à segunda, pedi
vista dos autos para melhor examinar a questão.
A denúncia assim descreve a conduta criminosa atribuída ao paciente:
“Constam dos autos arquivos de áudio e de conversas entre o Juiz Federal
Casem Mazloum e o Agente de Polícia Federal César Herman Rodriguez (...).
Casem liga para César em 17-9-2002. Conversam sempre de forma cifrada, sobre
uma reunião à qual César compareceu e na qual teria tratado de assuntos de
interesse comum:
(...)” (fl. 40)
Em seguida, passa a transcrever conversas telefônicas entre esses denunciados:
“César: Alô.
Casem: Alô.
César: Oi
Casem: Oi, Herman?
R.T.J. — 198 655

César: Oi, Dr. Mazloum, tudo bem?


Casem: Tudo bom, tudo em ordem?
César: Tudo jóia.
Casem: E aí, já teve a reunião lá?
César: Tive. Tive, teve muito interesse, tá, vai ser... vai estudar de hoje pra
amanhã, tá, agora... eu fui obrigado a deixar o... uma cópia lá, até... até pra poder ser
estudado, né?
Casem: Lógico, lógico.
César: mas tem um compromisso lá... de que... qualquer start agora, tá,
depende... depende da gente, tá?
Casem: Ah, tá.
César: Então, já tá dado o start, ... eu não quis passar nome nem nada, mas...
já avisei que... teria um pessoal, não é, que estaria junto com a gente, né... aí... e
realmente, se eles falarem vamo tocar pra frente, tá, aí vamos ter uma reunião junto
com... com o senhor.
Casem: Ah, tá legal.
César: Aí vai ser bem fechada, tá, se for pra acontecer vai ser nesses próximos
dois dias.
Casem: Ah, então tá bom, aí você me avisa e...
César: Bom, e eu já falei, né? Eu já avisei que o material tá entregue e que se
por um acaso eu tiver em algum lugar nós vamos saber se foi utilizado ou não o
material, né?
Casem: Certo.
César: mas já sabemos que tem algum tipo de... de... de... reconhecimento, né?
Casem: Certo, tá bom. ... escuta... bom, aí você me avisa, né
César: Aviso. Com certeza.
Casem: Bom, outro motivo também que eu tô te ligando, tem um amigo meu,
uma pessoa de confiança, né, e... ai tem um... um amigo dele que é uma pessoa aí...
um prefeito aí, né... precisa grampear um...
César (interrompe): ah, a gente tem ... a gente tem que se falar pessoalmente.
Casem: Certo.
César: Sem problema.
Casem: tá bom, e... é celular, né.
César: esses é mais problemático, tá, depois eu te explico porquê.
Casem: Tá bom, então faz o seguinte, é ... cê vai estar lá amanhã, vai estar por
aqui?
César: Eu vou estar por aqui amanhã, tá, e eu marquei, eu tô tentando marcar
uma reunião amanhã, tá, com o... Abdo, tá?
656 R.T.J. — 198

Casem: Certo.
César: Eu quero ver se o pessoal realmente vai, daí, não falou que ia ajudar?
eu quero deixar que ele tome o pé da situação tá, então amanhã de qualquer
maneira eu estou vendo se eu tenho uma reunião com ele.
Casem: tá.
César: em relação a isso, só uma coisa, muito... o... só se for o fixo, tá, é cem
por cento pra fazer de imediato, tá, agora o... o outro, não.
Casem: o outro... ah... aquela... aquele aparelho lá que fica clonando...
César (corta de imediato): não, mas daí, não, eu te explico, eu explico tudo
como funciona, até lá o... o... oficial.
Casem: Ah, tá.
César: Tá.
Casem: Bom, vamos fazer o seguinte, amanhã se você estiver por aqui vamos
combinar, a gente se encontra aí em algum lugar, aqui, no aeroporto...
César: Tá bom, tá bom, tá bom. Eu estou correndo atfás, estou tentando
salvar o que dá pra salvar ali do João também né?
Casem: ah, e lá como é que tá?
César: eu tive com ele, ele tá mal, né.
Casem: Ele tá mal?
César: Tá mal, sabe, eu tô... eu já fiz as ações, né, pra ver se consegue anular
o casamento lá e pra fazer o reconhecimento dela aqui.
Casem: e ela tá pegando no pé dele aqui?
César: não, ela tá dando uma folga, em relação por exemplo aquelas conver-
sa maluca dela, ela tá dando uma folga, tá, agora em relação às perdas de bônus
dela, aquelas coisas, isso não.
Casem: de o que?
César: em relação homem e mulher, dele ter levado a menina...
Casem: a menina lá?
César: é, levar pra dentro de casa...
Casem: ele tá junto com ela de novo, né?
César: não, está no mesmo teto, né.
Casem: Morando perto?
César: é, no mesmo teto.
Casem: ah, bom, vamos ver se amanhã a gente se encontra?
César: olha, esses dois dias são dois dias que... vão acontecer, assim, ou
vamo acontecer muita coisa ou nós vamo deixar tudo de mão e deixar quieto, tá,
então vai acontecer realmente bastante coisa, tá, é... eu falei direto co ... com o
pessoal mesmo, tá, e o pessoal ficou assim super interessado.
R.T.J. — 198 657

Casem: Ah, tá.


César: tá... naquele material que o senhor leu o final de semana.
Casem: Ah, tá. Tá bom, então, e... então eu vou ver se a gente sé encontra aí
amanhã pra gente conversar direitinho.
César: Tá bom.
Casem: Tá bom?
César: Tá bom então, tá?
Casem: Tá legal então.
César: Eu estou em casa, qualquer coisa... o João vai passar aqui daqui a
pouco.
Casem: ah, ele vai passar ai?
César: vai.
Casem: tá bom, então. Bom, a gente se fala amanhã então.
César: Tá bom então.
Casem: Um abraço.
César: Um abraço, tchau.” (Fls. 40-43)
Após, afirma:
“O Juiz Federal Casem Mazloum engendrou junto ao Agente de Polícia
Federal César Herman Rodriguez todas as providências para realizar uma
interceptação telefônica clandestina, com se verifica também da conversa entre
ambos no dia seguinte, 18-9-2003.” (Fl. 45)
Em seguida, transcrevem-se mais conversas telefônicas:
“Casem: Alô.
César: César.
Casem: Oi.
César: Oi, é César, tudo bem?
Casem: Tudo bom?
César: Tudo bom. Falou com seu amigo ontem?
Casem: Com...?
César: Com seu amigo ontem, lá de Cotia?
Casem: Ah, eu liguei pra ele e aí diz que você falou prá ele que ia ser dificil
o celular né?
César: Não, é, dificil não, é oneroso, tá?
Casem: Hã?
César: É oneroso.
Casem: Ah, oneroso...
658 R.T.J. — 198

César: É oneroso, muito oneroso. Agora é o seguinte: ele falou que te deu o
nome do rapaz?
Casem: Eu tenho o nome.
César: Eu levantei o nome, o endereço, o carro, ele falou...
Casem: O endereço do que? Da... do... lá da ...
César: Tudo, tudo, tudo. Confirmei que o caso existe, ele falou isso, né?
Casem: ó, eu não tô entendendo, o cara...
César: ele veio com uma suspeita de que a mulher do rapaz lá teria um caso
com o ex-segurança da... da... da empresa que fez a segurança pra ele, tá? Aí, o que
aconteceu: ele tinha o número do telefone que ele tinha uma suspeita, tá? Aí eu
levantei o número do telefone, tá, de quem usava o telefone, o nome dele, e bateu
com o nome do segurança...
Casem: Ah, tá...
César: ...depois que ele já tinha sido demitido, no período que ele viajou
para o Líbano.
Casem: Ah...
César: ..(inaudível)... acontece todos os dias, então
Casem: Ô, a ligação tá ruim, rapaz, não tô quase entendendo nada. Mas
escuta, e aí você queria que...
César: Bom, agora, o que eu tô fazendo é assim, eu tô levantando essa
possibilidade pra ele, tá, que o problema dele não é nem questão da separação, tá,
é móstrar pras filhas.
Casem: é, ele falou isso aí.
César: (inaudível) tá ruim a ligação.
Casem: Alô?
César: Alô, agora melhorou, né?
Casem: É... cê tá falando de celular ou de fixo?
César: De celular.
Casem: De celular.
César: É. Então, o rapaz lá, é... ela realmente tem um contato com o ex-
segurança que ficou até maio, em maio o ex-segurança foi demitido e de maio em
diante ela continua mantendo contato com esse segurança via celular dela, tá?
Como o celular dela ela tem assim um milhão de ligação, tá, eu levantei exatamen-
te o telefone que o cara tava usando, tá? Então, levantei o telefone que o cara tava
usando, eu levantei o nome do cara, dei pro seu amigo ver e escutar que é o cara
mesmo, entendeu?
Casem: Ah, então fica fácil agora pra... pra ver o...
César: é, agora eu tô pedindo o reverso, eu tô pedindo a... eu tô pedindo
agora a conta de telefone dele, pra provar que ele também liga pra ela.
R.T.J. — 198 659

Casem: Ah, tá.


César: Entendeu?
Casem: Ah, sim, é que esse cara aí é muito meu amigo, viu, se você puder dar
uma...
César: não, eu falei pra ele que não é uma coisa que a gente.... não é uma
coisa que a gente.... não é o que a gente... não é o nosso metier, mas que nós tava
fazendo isso pra ele já em consideração a isso...
Casem: Ah, tá
César: Porque é uma coisa trabalhosa, ele já tinha sido acharcado aí por um
monte de... de... de...
Casem: Exatamente!
César: ...de picareta. Então falei aqui não tem isso, tá, ajudamo, ajudamo.
Levantei o carro do cara, o endereço do cara, os dados do cara todinho, tá, o
telefone que o cara falava com ela, provei que ela falava com o cara, levantei que
o telefone é do cara, então isso aí já tá tudo levantado, tá? Agora eu tô tentando ver
se eu consigo pegar a conta do cara ligando pra ela.
Casem: ah... tá.
César: tá, aí o cara tem um convite mesmo próprio...
Casem: é... alô, alô, alô.
César: entendeu?
Casem: celular é uma bosta ... alô, alô, alô (cai a ligação).” (Fls. 45-47)
Ao final, arremata a exordial:
“Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a
seus ‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar
a interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96. No caso do magistrado, incidem ainda as agravantes
do artigo 61, II, alíneas a, c e g, bem como o artigo 62, inciso I, ambos do Código
Penal.” (Fl. 50)
Dispõe o referido art. 10 da Lei n. 9.296/96:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,
de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização
judicial ou com objetivos não autorizados em lei.”
Ao analisar as condutas típicas previstas nesse preceito, assevera Damásio de
Jesus:
“De acordo com norma incriminadora, configura delito o fato de quem,
sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, realiza
interceptação de comunicação telefônica, de informática ou telemática, ou
quebra de segredo de justiça referente à diligência (arts. 1º, caput, e 8º, caput,
da Lei).
660 R.T.J. — 198

Realizar a interceptação significa ouvir a conversação ou gravá-la. Cuidando-


se de mensagem transmitida via Modem ou Internet, quer dizer dela tomar
conhecimento, lê-la, vê-la (desenho) ou captá-la.” (JESUS, Damásio E. “Crime de
Interceptação de comunicações telefônicas. Notas ao art. 10 da Lei n. 9.296, de 24
de julho de 1996.” Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 8, n. 4,
out./dez. 1996, pp. 185-188, p. 187)
Relativamente ao momento consumativo do crime, esclarece Damásio:
“Ocorre no instante em que o sujeito está iniciando a gravação da conversação
ou começa a ouvi-la. Tratando-se de mensagem ou documentos transmitidos via
Modem ou Internet, quando principia a captá-los ou dele tomar conhecimento.”
(JESUS, op. cit., fl. 188)
Sobre esse aspecto, leciona Vicente Greco Filho:
“(...) O crime consuma-se com o ato de interceptar, ou seja, intervir, imiscuir-
se, ingressar em, independentemente de a conversa vir a ser gravada. Em tese
admite-se a tentativa.” (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 42)
E, é ainda, Vicente Greco quem adverte:
“O crime se consuma com a interceptação, ou seja, com a escuta realizada
por terceiro da conversa entre outros interlocutores, qualquer que seja o meio
técnico utilizado e independente da revelação da comunicação a outrem. A
divulgação da comunicação é mero exaurimento do delito. O crime comporta
tentativa como, por exemplo, se o agente é interrompido no ato de implantar o
instrumento para a interceptação.” (GRECO FILHO, op. cit., p. 43)
Para que se examine a aptidão da denúncia, há de se fazer a leitura do disposto no
art. 41 do Código de Processo Penal, verbis:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos
quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol
das testemunhas.”
Sobre a denúncia ensina o clássico João Mendes de Almeida Júnior, verbis:
“É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar
o fato com tôdas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a
pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício
que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira
porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando).
(Segundo enumeração de Aristóteles, na Ética a Nincomac, 1. III, as
circunstâncias são resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur,
quomodo, quando, assim referidas por Cícero (De Invent. I)). Demonstrativa,
porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção
e nomear as testemunhas e informantes.” (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O
processo criminal brasileiro, v. II. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos,
1959, p. 183)
R.T.J. — 198 661

São lições que devem ser sempre relembradas!


Observa-se da leitura da denúncia oferecida contra o paciente, em especial das fls.
40-50, que não se demonstra na descrição dos fatos, a configuração dos elementos do
tipo, a caracterizar qualquer das condutas nele contempladas, seja na forma tentada, seja
na consumada, do art. 10 da Lei n. 9.296/96.
A denúncia limita-se a transcrever conversas telefônicas, sem a observância dos
requisitos mínimos à persecução criminal.
A decisão de recebimento da denúncia também não é esclarecedora quanto às
alegações. Transcreva-se:
“No que concerne ao delito tipificado no art. 10 da Lei n. 9.296, de 24 de
julho de 1996, significativas as conversações voltadas à efetivação de escuta
telefônica clandestina.
Em 17 de setembro de 20023, Casem Mazloum pediu ao também acusado
César Herman que a providenciasse, para auxiliar um amigo (fl. 06).
(...)
São transcritas, ainda, conversações entre César Herman e ‘Caled’ ou
‘Khaled’, ao que consta, primo de Casem, por indicação deste. Tratam da obtenção
de contas telefônicas (fls. 14/15).
Como se vê, ao contrário do que sustenta a defesa de Casem Mazloum, os
atos praticados não consubstanciam mera cogitação.
Importante ressaltar que o acusado Casem em momento algum nega o
pedido feito ao co-réu César, visando à interceptação clandestina. Além de
confirmá-lo, acrescentou que tal pedido foi alterado para obtenção de extratos
telefônicos.
As conversações revelam que César viabilizou uma escuta ao amigo de
Casem para confirmar se se tratava da pessoa de quem suspeitava (fl. 12). Há
elementos, portanto, acerca da realização de interceptação, fora das hipóteses
legais e sem autorização judicial, que se subsumem ao tipo previsto no art. 10 da
Lei n. 9.296/1996. Interceptação requerida por Casem Mazloum, interditando os
interesses de um amigo. Interceptação que contou com o auxílio de César
Herman.
Não se pode negar, em princípio, tenham concorrido para a infração penal,
ainda que não tenham pessoalmente realizado a interceptação.” (Fls. 79-81)
Como se vê, tanto na denúncia quanto na decisão de seu recebimento há um forte
quid de imaginação e de ausência de elementos de realidade.
A doutrina desta Corte é bastante precisa a respeito da qualidade da denúncia.
É que denúncia imprecisa, genérica, vaga, além de traduzir persecução criminal
injusta, é incompatível com o princípio da dignidade humana e com o postulado do
direito à defesa e ao contraditório.
A propósito, vale transcrever trecho da ementa de acórdão de relatoria do eminente
Ministro Celso de Mello:
662 R.T.J. — 198

“Ministério Público — Aptidão da denúncia. O Ministério Público, para


validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base
empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em
instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condena-
tória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o
comportamento atribuído ao réu ‘nem mesmo em tese constitui crime, ou quando,
configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação’ (RF
150/393, Rel. Min. Orozimbo Nonato). A peça acusatória deve conter a exposição
do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa
narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício do direito de
defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia
inepta.” (HC 73.271, DJ de 4-10-94)
Em outro habeas corpus, também da relatoria do Ministro Celso de Mello, extrai-
se o seguinte excerto:
“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da
plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas,
contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios consti-
tucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a
obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e
o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal
omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se
impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A
denúncia — enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação
penal — constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimi-
tar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta.
A peca acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua
essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta,
impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que
assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não
descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta.” (HC 70.763, DJ de
23-9-94)
Ressalte-se que, na espécie, não se está a discutir matéria probatória — se a
interceptação teria efetivamente ocorrido ou não —, pois tal exame poderia transcender
os limites estreitos do habeas corpus e não há nos autos elementos suficientes para uma
análise categórica a esse respeito.
Assinale-se, por inegável, que a petição, posteriormente, apresentada pelo impetrante
com transcrição de depoimentos das testemunhas parece evidenciar que, efetivamente, não
houve a cogitada escuta.
Não é imprescindível, porém, definir tal questão no âmbito do presente habeas
corpus.
Todavia, independentemente de qualquer outra consideração, afigura-se inequí-
voco que a denúncia, tal como posta, não preenche os requisitos para o desenrolar de
R.T.J. — 198 663

uma ação penal garantidora do legítimo direito de defesa, tendo em vista a ausência de
fatos elementares associados ao crime de interceptação telefônica.
Nesses termos, em face da manifesta inépcia da denúncia, o meu voto é no sentido
de também quanto à segunda imputação atribuída ao paciente (art. 10 da Lei n. 9.296/
96) conceder a ordem de habeas corpus.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, peço vênia ao
Ministro Gilmar Mendes para dele discordar e manter o meu voto, porque entendo que a
denúncia oferece, sim, todas as condições para o exercício do direito de defesa.
Leio, aqui, trecho da denúncia que, aliás, já foi lido por S. Exa.:
“Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a
seus ‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar a
interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96.”
Recapitulemos os fatos: o juiz pediu a esse César Herman, um dos acusados da
chamada “Operação Anaconda”, para que interceptasse telefonemas de pessoas das
relações de amigos seus. Isso foi confirmado aqui da tribuna pelo próprio advogado, que
disse: “Realmente, ele fez esse pedido ao policial”.
No meu voto, esclareci que, por não haver nos autos elementos sólidos, aptos a
demonstrar a não-realização da interceptação de que o paciente teria participado, não há
como conceder o habeas corpus, mesmo porque a elucidação de tal dúvida é matéria
probatória insuscetível de exame na via do habeas corpus.
Já agora, mais recentemente, chegou-me o memorial dos procuradores que atuaram
no caso. Esses procuradores informam que — claro, não nos cabe aqui examinar essas
provas produzidas, mas a informação me parece relevante — as investigações levaram
ao achado, na residência desse policial César Herman, de instrumentos de interceptação.
Esses fatos foram confirmados em juízo por sua própria mulher. Logo, os equipamentos
de escuta estavam na casa do próprio Herman, pessoa a quem o magistrado pediu para
fazer as investigações.
Portanto, acho bastante temerário trancar a ação penal diante de um quadro como
o descrito na denúncia e reforçado agora pelos novos dados colhidos na instrução
criminal.
Por essas razões, peço vênia ao Ministro Gilmar Mendes e mantenho o meu
voto.

DEBATE
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas isso não é matéria para nós
apurarmos. Isso é matéria a ser deslindada lá na ação penal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, não há a mínima tentativa de se
adequar ao artigo 10. Leio isso com tanto constrangimento.
664 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas, Ministro Gilmar Mendes, Vossa
Excelência não fica constrangido com o fato de um juiz federal utilizar-se do poder de
que dispõe para pedir grampeamento de desafetos de amigos seus?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Que essa questão vá ser resolvida na esfera discipli-
nar.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A mim me constrange muito.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A mim me constrange receber uma denúncia que sei
inepta.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não cabe a nós receber denúncia contra
juiz federal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cabe a nós definir isso, sim. E é matéria constitu-
cional.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas isso é memorial, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Trata-se de memorial apresentado pelo
Ministério Público Federal, subscrito pelas ilustres Procuradoras da República que
formularam a denúncia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Feito em 3 de novembro, depois da instrução.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): As ilustres representantes do Minis-
tério Público põem ênfase na intenção que teria sido manifestada pelo paciente,
quando da suposta prática criminosa que lhe foi atribuída. Ocorre, no entanto, que,
para efeito de configuração típica do delito, não basta o mero intento de realizar a
conduta punível. Impõe-se considerar, no ponto, o que prescreve o art. 31 do Código
Penal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Elas não afirmam que teria ocorrido.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não, realmente não afirmam.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas isso não consta da denúncia.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Reforço de argumento.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não vejo como discutir essa matéria,
porque ela não constitui objeto da denúncia, não constando dessa peça acusatória.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não consta.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Torna-se destituída de relevo proces-
sual a alegação, que, não referida na denúncia, venha a ser mencionada em memorial
pela parte acusadora. “Quod non est in libello, non est in mundo”.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas estavam elas obrigadas a fazê-lo
perante o Supremo em memorial?
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não, pois a menção ao fato e à conduta
deveria compor o texto da peça acusatória, integrando, formalmente, a denúncia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, eles tinham de ter feito na denúncia.
R.T.J. — 198 665

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não, isso é um memorial endereçado a


nós, Ministros do Supremo.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Ninguém ignora que constitui
problema extremamente delicado oferecer-se denúncia sem que dela constem os
elementos básicos essenciais à configuração típica da conduta punível, impondo-se, ao
Ministério Público, ainda, como ônus indeclinável que lhe compete atender, o encargo
de fazer apoiar a acusação penal em base empírica idônea.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, evidentemente, ao tempo em que
Vossa Excelência estava no Ministério Público, também eu, os Ministros Joaquim
Barbosa e Gilmar Mendes, o modelo atual de denúncia não estava em voga. Nós, ainda,
seguíamos a velha cartilha: quem, quando, onde, de que modo, e tratávamos de
descrever, no que me respeita, da forma mais singela possível e até parcimoniosa para
exatamente não abrir, desde logo, todas as provas de que dispunha para obter o
resultado, a condenação.
No entanto, Sr. Presidente, embora a denúncia agora oferecida seja de modelo
diverso daquelas que estávamos habituados a fazer — e temos encontrado, inclusive
perante o Plenário desta Casa, denúncias semelhantes, que são recorte e colagem de
diversos trechos de depoimentos ou de escutas telefônicas. E elas têm sido acatadas.
Creio, porém, que essa denúncia, pelo menos para mim, ficou sobremodo enriquecida
com a interpretação vívida que lhe deu o Ministro Gilmar Mendes. Através da palavra de
Sua Excelência, eu pude, claramente, distinguir que houve um primeiro diálogo e, nesse
diálogo, Mazloum indaga a Herman se há viabilidade na escuta ilegal. E houve em
segundo diálogo, em que Herman dá conta a Mazloum de que o serviço foi realizado, de
uma forma ou de outra, e mais: que Herman fez saber ao interessado, ou marido traído, as
dificuldades inerentes ao equipamento, objeto do grampo (celulares) e também que,
embora não fosse serviço da sua rotina, ele fora executado por consideração à amizade
do interessado com Mazloum. Fica realmente um pouco em dúvida, nesse diálogo tão
entrecortado de expressões coloquiais e talvez estáticas do telefone, não se sabe, se a
pesquisa teve seu objeto alterado de uma escuta telefônica para uma quebra de sigilo das
contas telefônicas.
Entendo que isso é suficiente para descrever, ainda que nesse formato inusitado, a
prática delituosa que teria ocorrido, em tese, e a dilação probatória haverá de elucidar.
Por isso, com a vênia do eminente Ministro Gilmar Mendes, e louvando seu talento
teatral, acompanho o eminente Relator.

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, tenho de reconhecer e louvar a
inteligência da Ministra Ellen Gracie, que certamente conseguiu apreender muito mais
do que eu, porque, de fato, eu não tive condições de apreender.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Daquele diálogo, esses fatos, para mim, ficaram claros.
666 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Gilmar Mendes, é porque


Vossa Excelência não tem estado em contato com os dados desse caso, como estou há
meses. Para mim, é claríssimo.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tanto é que eu não quis fazer menção à juntada
dos documentos, trazidos os depoimentos pelo impetrante, em que várias testemunhas
negam a efetivação da interceptação telefônica. Parece-me que os diálogos são cifra-
dos e extremamente incompletos. Agora, de fato, parece-me que os paradigmas do
estado de direito não admitem, aqui, qualquer transação, qualquer concessão a esse
modelo, por mais exóticos que sejam, agora, os procuradores e que decidam fazer essas
narrações surrealistas. Há que haver um compromisso mínimo com o estado de direito,
seguindo essa cartilha, que não é uma exigência meramente formal. Trata-se, simples-
mente, de observar a Constituição. A denúncia tem que descrever o fato, dizer o que
ocorreu, quando e em que condições ocorreu, para que haja um mínimo de plausibili-
dade. Veja — e Vossa Excelência, Senhor Presidente, demonstrou-o muito bem —, não
se sabe, sequer, se estamos no plano da mera cogitação. Não sou eu quem está dizendo
ou interpretando; são as procuradoras firmatárias desta denúncia que agora vêm,
depois de encerrada a instrução, e dizem que não é relevante se houve cogitação ou
não, ou se houve a troca de um crime por outro, crime de que não foi cogitado na
denúncia.
É constrangedor, Sr. Presidente!

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, o delito de violação de dados
telefônicos seria o mesmo da interceptação?
A Sra. Ministra Ellen Gracie: É um formato novo de denúncia que não utilizamos,
mas fico imaginando se, no futuro, não será possível fazer a descrição de fatos para
formalização de denúncia mediante um filme, quando se tenha, por exemplo, a tomada
de um assalto a banco. Será? Não sei.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Talvez não se precise mais fazer nem prova de
Português na Procuradoria.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, o voto do Ministro Gilmar Mendes —
voto de um constitucionalista liberal — é impressionante. Todavia, não conseguiria
decidir sem examinar a prova. Reconheço que a denúncia não é um primor. Interessante
que, em alguns desses casos, a impressão que tivemos através do relato da mídia foi uma
e a que estamos tendo do exame dos autos é outra.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): São doze réus.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Por exemplo, a primeira imputação é ridícula.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): É patética.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Pior a repercussão, na mídia, contra o Judiciário.
Estamos verificando isso tudo, mas vou pedir licença ao meu eminente Colega
Ministro Gilmar Mendes, porque eu teria de examinar a prova para acabar com a minha
dúvida.
R.T.J. — 198 667

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, Ministro Carlos Velloso, não se trata disso. Fiz
questão de explicitar que ficava apenas no plano formal da inépcia, porque começamos
a discutir essa questão quando, da tribuna, o Advogado sustentou que, agora, as provas
já estavam consolidadas, a instrução encerrada e que não ficara provada a existência da
interceptação. Mas a mim me basta exatamente a inexistência de qualquer descrição, e,
se lermos, de fato isso é constrangedor.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Gilmar Mendes, os diálogos
lidos por Vossa Excelência são mais que eloqüentes.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Desculpe, Ministro Joaquim.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mais que eloqüentes. Estou em contato
com os dados, com os fatos desse caso há meses.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Li a denúncia, com atenção, e fui fiel à leitura, aqui.
É isso que resulta da denúncia. Posteriormente, o Ministro Celso de Mello teve a
oportunidade de ler o memorial, que resulta ainda mais constrangedor, porque em 3 de
novembro, encerrada a instrução, vêm as mesmas autoras, Ana Lúcia Amaral, Janice
Agostinho e Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, e dizem exatamente o que Ministro
Celso de Mello acabou de ler, que é irrelevante a cogitação e que, eventualmente, um
crime teria sido trocado por outro.
Nós estamos vivenciando um quadro surrealista. Só quero discutir, aqui, a aptidão da
denúncia como temos feito no Plenário, que é a jurisprudência assentada, e que me parece
consentânea com os padrões do estado de direito, como tive oportunidade de reler em dois
magníficos votos de autoria do Ministro Celso de Mello. Tão-somente isso. Tanto é que, se
amanhã eles conseguirem produzir uma denúncia apta, o assunto poderá voltar. Não
estamos a falar em atipicidade, estamos a falar na inaptidão da denúncia. Agora, é preciso
ser rigoroso nessa matéria, porque sabemos que é um tipo de consórcio negativo que leva
a esse tipo de demissão. Produzem-se denúncias, de fato, irresponsáveis, às vezes
consorciado com a imprensa, com desígnios outros. Não é possível que um Tribunal deste
nível, Tribunal Constitucional, como o Supremo Tribunal Federal, valide esse tipo de
prática. Não é razoável. É preciso que o Tribunal tenha a noção do seu papel institucional,
compromisso inequívoco com os direitos fundamentais.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Concordo plenamente com Vossa
Excelência, inclusive no que tange aos aspectos teóricos bem lançados por Vossa
Excelência, no que diz respeito ao estado de direito, mas me é extremamente chocante,
Ministro Gilmar, que venhamos a trancar uma ação penal em que um juiz, um magistrado
federal, tem um comportamento dessa natureza, por razões meramente formais.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Comportamento que interessa na área penal é
comportamento previsto na lei penal.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Que se resume na ação penal, que será
desvendada em uma semana. É temerário. É absolutamente temerário.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temerário é receber denúncia temerária. Vossa
Excelência está com enfoque errado, o uso do Direito Penal para outro tipo de
persecução. O problema há de se resolver na esfera disciplinar do Judiciário se não se
caracterizar crime.
668 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não posso chancelar o comportamento,


absolutamente, inaceitável da parte de magistrado como esse.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência tem que caracterizar como crime.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não posso utilizar a dogmática para
encobrir ou ofuscar comportamento dessa natureza. Não posso!
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Esse é ônus do estado de direito, em qualquer
padrão civilizatório. Isso não tem nada a ver com bagrinhos ou bagrões, como Vossa
Excelência falou esses dias no Plenário. Não tem!
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Esse é o ônus do estado de direito que
leva à “bananalização” de um Estado. É isso que leva alguns a nos caracterizar, com
ironia, como uma “República de Bananas”! Não é isso?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Vossa Excelência tem complexo, por isso que
Vossa Excelência vive falando em República de Bananas. Vossa Excelência tem
complexo!
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não, só não quero que o meu País seja
visto como República de Bananas...
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nós não somos juízes de uma República de
Bananas! Talvez Vossa Excelência esteja na Corte errada.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, peço vista dos autos.

EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu, em parte, quanto ao primeiro
fundamento da impetração, o pedido de habeas corpus, nos termos e para os fins
indicados pelo Ministro Relator em seu voto. No que se refere ao segundo fundamento
(exame da aptidão formal da denúncia quanto ao delito tipificado no artigo 10 da Lei
9.296/96), e após os votos dos Ministros Relator e Ellen Gracie, que indeferiam o pleito,
e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que o deferia, o julgamento foi interrompido em
virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Mazloum, denunciado pelo Ministério Público Federal como incurso no art. 299
do Código Penal (falsidade ideológica) e no art. 10 da Lei 9.296/1996 (interceptação
telefônica irregular). Sustenta a impetração a inépcia da denúncia, aos seguintes argu-
R.T.J. — 198 669

mentos: a) atipicidade das condutas descritas na denúncia, em razão da falta de descrição


objetiva das circunstâncias elementares dos tipos penais; b) nulidade das interceptações
telefônicas que serviram de base à denúncia.
Requer a concessão da ordem, a fim de que seja trancada a ação penal.
Relativamente ao crime de falsidade ideológica, esta Turma, em 26-10-2004,
concedeu a ordem para trancar a ação penal. No que se refere ao crime de interceptação
telefônica, o Sr. Ministro Joaquim Barbosa, Relator, votou no sentido da denegação da
ordem, no que foi acompanhado pela Sra. Ministra Ellen Gracie. O Sr. Ministro Gilmar
Mendes, por sua vez, votou no sentido da concessão da ordem de habeas corpus.
Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento do writ.
Passo a votar.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Casem Mazloum e César
Herman Rodriguez dando-os como incursos nas penas do art. 10 da Lei 9.296, de 1996,
c/c art. 61, II, alíneas a, c e g, e bem assim do art. 62, I (Casem) e II (César).
A denúncia assim expõe a matéria:
“(...)
O Juiz Federal Casem Mazloum engendrou junto ao Agente de Polícia
Federal César Herman Rodriguez todas as providências para realizar uma
interceptação telefônica clandestina, como se verifica também da conversa entre
ambos no dia seguinte, 18-9-2002 (fl. 1199 — áudio 020918155314.C001):
Casem: Alô.
César: César.
Casem: Oi.
César: Oi, é César, tudo bem?
Casem: Tudo bom?
César: Tudo bom. Falou com seu amigo ontem?
Casem: Com...?
César: Com seu amigo ontem, lá de Cotia?
Casem: Ah, eu liguei pra ele e aí diz que você falou prá ele que ia ser
difícil o celular né?
César: Não, é, difícil não, é oneroso, tá?
Casem: Hã?
César: E oneroso.
Casem: Ah, oneroso...
César: É oneroso, muito oneroso. Agora é o seguinte: ele falou que te
deu o nome do rapaz?
Casem: Eu tenho o nome.
César: Eu levantei o nome, o endereço, o carro, ele falou...
670 R.T.J. — 198

Casem: O endereço do que? Da... do... lá da...


César: Tudo, tudo, tudo. Confirmei que o caso existe, ele falou isso, né?
Casem: ó, eu não tô entendendo, o cara...
César: ele veio com uma suspeita de que a mulher do rapaz lá teria um
caso com o ex-segurança da ... da ... da empresa que fez a segurança pra ele,
tá? Aí, o que aconteceu: ele tinha o número do telefone que ele tinha uma
suspeita, tá? Ai eu levantei o número do telefone, tá, de quem usava o
telefone, o nome dele, e bateu com o nome do segurança...
Casem: Ah, tá...
César: ...depois que ele já tinha sido demitido, no período que ele
viajou para o Líbano.
Casem: Ah...
César: ...(inaudível)... acontece todos os dias, então
Casem: Ô, a ligação tá ruim, rapaz, não tô quase entendendo nada. Mas
escuta, e aí você queria que...
César: Bom, agora, o que eu tô fazendo é assim, eu tô levantando essa
possibilidade pra ele, tá, que o problema dele não é nem questão da separa-
ção, tá, é mostrar pras filhas
Casem: é, ele falou isso aí.
César: (inaudível) tá ruim a ligação.
Casem: Alô?
César: Alô, agora melhorou, né?
Casem: É... cê tá falando de celular ou de fixo?
César: De celular.
Casem: De celular.
César: É. Então, o rapaz lá, é... ela realmente tem um contato com o ex-
segurança que ficou até maio, em maio o ex-segurança foi demitido e de maio
em diante ela continua mantendo contato com esse segurança via celular
dela, tá? Como o celular dela ela tem assim um milhão de ligação, tá, eu
levantei exatamente o telefone que o cara tava usando, tá? Então, levantei o
telefone que o cara tava usando, eu levantei o nome do cara, dei pro seu
amigo ver e escutar que é o cara mesmo, entendeu?
Casem: Ah, então fica fácil agora pra ...pra ver o ...
César: é, agora eu tô pedindo o reverso, eu tô pedindo a ... eu tô pedindo
agora a conta de telefone dele, pra provar que ele também liga pra ela.
Casem: Ah, tá.
César: Entendeu?
Casem: Ah, sim, é que esse cara aí é muito meu amigo, viu, se você
puder dar uma...
R.T.J. — 198 671

César: não, eu falei pra ele que não é uma coisa que a gente.... não é
uma coisa que a gente.... não é o que a gente... não é o nosso metier, mas que
nós tava fazendo isso pra ele já em consideração a isso...
Casem: Ah, tá
César: Porque é uma coisa trabalhosa, ele já tinha sido acharcado aí
por um monte de...de...de...
Casem: Exatamente!
César: ...de picareta. Então falei aqui não tem isso, tá, ajudamo,
ajudamo. Levantei o carro do cara, o endereço do cara, os dados do cara
todinho, tá, o telefone que o cara falava com ela, provei que ela falava com
o cara, levantei que o telefone é do cara, então isso aí já tá tudo levantado,
tá? Agora eu tô tentando ver se eu consigo pegar a conta do cara ligando
pra ela.
Casem: ah ...tá.
César: tá, aí o cara tem um convite mesmo próprio...
Casem: é... alô, alô, alô.
César: entendeu?
Casem: celular é uma bosta...alô, alô, alô (cai a ligação)
Em outra conversa, mantida no mesmo dia, César e Casem:
César: Alô.
Casem: Oi.
César: Hoje eu tô tentando agora no final pegar um cara que falou que
faz pra mim o... a prova auditiva tá? se ele falar pra mim que é cem por cento,
tá, aí eu dou o start.
Casem: ah... tá bom, não tem problema não.
César: aí depois pessoalmente eu explico pro senhor como é que
funciona.
Casem: ah, tá legal
César: tá? mas a atenção que puder dar... e agora eu tô aguardando a
resposta também daquela conversa que eu tive ontem, tá?
Casem: do... sobre aqueles documentos?
César: daqueles papéis, é, tõ aguardando também aquela resposta lá
que se eles vão poder usar ou não, tá? Qualquer coisa eu mantenho o senhor
informado.
Casem: tá legal, tá bom. Alô, alô.
César: oi, um abraço, qualquer coisa te ligo mais tarde.
Casem: tá bom então.
César: Um abraço, tchau.
672 R.T.J. — 198

Ainda constam dos autos as conversas de um homem identificado apenas


como ‘Caled’ ou ‘Khaled’, que liga para César algumas vezes para tratar da
interceptação ilegal por indicação de Casem, que vem a ser seu primo (fls. 1198 e
1202, áudios 020917112654.C001, 020919142345.C001 e 020919144333.C001).
Nas conversas de fls. 1202, César transmite a Caled os valores que deverão ser
pagos para a obtenção das contas telefônicas, avisando que o preço é ‘indigesto’
(cerca de 400 reais cada conta de telefone) e o quanto ele poderia regatear o preço,
baixando para 100 ou 150 reais cada uma. César diz a Caled que o preço está um
absurdo, ainda mais considerando que o ‘serviço’ é uma ‘cortesia’ ao suposto
marido traído.
Na conversa constante do áudio 020919144333.C001 (fl. 1.202), ‘Caled’ ou
‘Khaled’ pede a César Herman que se certifique que a conta irá sair em nome do
‘rapaz’, ao que César responde que certas coisas ‘só oficialmente’:
César: Alô.
Khaled: César? Herman?
César: Oi
Khaled: Khaled.
César: Oi, Khaled.
Khaled: Sou eu. Viu, é... assim, ó, pra gente fazer aquele lá, fazer só
aquele igual cê falou e depois a gente espera o resto, não tem problema, mas
tem antes de você fazer, pra gente não ... não rasgar dinheiro, né, só saber se
aquela... aquele número vai sair em nome dele mesmo, a conta?
César: É provável, Khaled, é que tem muito tempo que eu não peço
pra puxar.
Khaled: Então, é, tem como saber? Se tiver pode puxar, eu pago pro
cara esse negócio aí, pelo menos fico... já me livro desse assunto e...
quatrocentos por conta, né?
César: É. Eu acho que é muito caro, isso aí... Khaled, eu nunca paguei
mais que cento e cinqüenta, tá, por que isso aí...
Khaled: Chora pra ele lá deixar um mil, as três.
César: (ininteligível) Via de regra não há diferença, entendeu, Khaled,
o problema é ser preciso...
Khaled: O problema... o problema é só minha precisão mesmo, se tiver
no nome do... do... dele mesmo a conta...
César: Pode ser que não esteja em nome dele, entendeu?
Khaled: Então, aí se não tiver aí cê não tira, aí pede pra não tirar.
César: Mas daí não tem jeito, Khaled.
Khaled: Hã?
César: Não tem jeito.
R.T.J. — 198 673

Khaled: Não tem como levantar de quem era o nome, de quem era essa
conta...
César: Ah, tenho.
Khaled:...de quem era esse número?
César: Tenho, tenho. Eu... tenho que pedir oficialmente, ô Khaled.
Tenho lá pela minha senha, entendeu?
Khaled: Hã, hã.
César: E aí fica registrado.
Khaled: E ai cê num pode, né, lógico.
Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a seus
‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar a
interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96. No caso do magistrado, incidem ainda as agravantes
do artigo 61, II, alíneas a, c e g, bem como do artigo 62, inciso II, ambos do Código
Penal.
(...).” (Fls. 45-50)
Sustenta-se, na impetração, a inexistência de enquadramento da conduta irrogada
ao paciente ao tipo penal previsto no artigo 10 da Lei 9.296/96, que seria atípica. É que
a denúncia descreve, apenas, atos de cogitação ao afirmar que o paciente “engendrou
junto ao Agente de Polícia Federal César Herman Rodriguez todas as providências
para realizar uma interceptação clandestina, como se verifica também da conversa
entre ambos no dia seguinte, 18-9-2002” (g.n.), concluindo, ao final, que “ilegalmente,
o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a seus ‘colaboradores’, em
especial o co-acusado César Herman, para providenciar a interceptação telefônica
ilícita’ (g.n.)” (fl. 18).
Examinemos a questão.
Dispõe o art. 10 da Lei 9.296, de 24-7-96 — lei regulamentadora do inciso XII,
parte final, do art. 5º da Constituição Federal:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,
de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização
judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.”
Realmente, das conversas telefônicas havidas entre Casem e César e César e um
certo Khaled, que foram interceptadas e cujas degravações embasam a denúncia, não
ressai ter sido realizada a interceptação pretendida pelo acusado Casem Mazloum. O
crime de interceptação telefônica sem autorização judicial consuma-se, é certo, no
momento em que o sujeito começa a ouvir a conversação havida entre duas outras
pessoas, ou inicia a gravação dessa conversação.
No caso, repito, das degravações constantes da denúncia não ressai ter sido
realizada a interceptação telefônica, revelando tais degravações, na verdade, atos de
cogitação, atípicos frente ao disposto no art. 10 da Lei 9.296, de 1996. Mesmo que
674 R.T.J. — 198

admitamos revelarem os diálogos, transcritos na denúncia, atos preparatórios, somente


isso não seria suficiente para torná-los típicos frente ao citado art. 10 da Lei 9.296/96. É
que, conforme foi dito, o crime de interceptação telefônica se consuma “com a
interceptação, ou seja, com a escuta realizada por terceiro da conversa entre outros
interlocutores”, podendo ocorrer a tentativa, “como, por exemplo, se o agente é inter-
rompido no ato de implementar o instrumento para a interceptação.” (Vicente Grego
Filho, Interceptação Telefônica, Saraiva, 1996, pp. 42-43). Luiz Flávio Gomes leciona,
a seu turno, que “consuma-se o delito desde o instante em que o agente começa a tomar
conhecimento da comunicação alheia, não sendo necessário que tenha ciência de toda
a comunicação”, exigindo-se “a lesão ao bem jurídico tutelado (liberdade de comuni-
cação) para a consumação”, ocorrendo essa lesão “no instante em que o agente, sem
autorização judicial, vem a imiscuir, ingerir, intrometer-se na comunicação alheia”.
(Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini, Interceptação Telefônica — Lei 9.296, de 24-7-96,
Ed. Rev. dos Tribunais, 1997, p. 243).
Ora, o fato de o indivíduo ser flagrado a combinar com outrem modo ou forma de
realizar a interceptação — e é isso o que as degravações constantes da denúncia revelam —
não constitui fato típico, mas simplesmente ato de cogitação ou mesmo preparatório,
que, por si só, não autoriza a instauração da ação penal. É o que ocorre, no caso, como
bem registrou o Ministro Gilmar Mendes, no seu voto: “Observa-se da leitura da
denúncia oferecida contra o paciente, em especial das fls. 40-50, que não se demonstra
na descrição dos fatos a configuração dos elementos do tipo, a caracterizar quaisquer
das condutas, seja na forma tentada, seja na consumada, do art. 10 da Lei n. 9.296/96”.
Assim posta a questão, força é convir que a denúncia, no caso, é inepta.
É claro que o Ministério Público, dispondo de novos elementos, poderá oferecer
nova denúncia contra o paciente. É que a denúncia inepta pode ser, existentes elementos
ainda não apresentados, novamente apresentada.
Do exposto, com a vênia do Sr. Ministro Joaquim Barbosa e da Sra. Ministra Ellen
Gracie, adiro ao voto do Sr. Ministro Gilmar Mendes e concedo a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Trata-se de indagar, no caso ora em
análise, tal como pude enfatizar no precedente julgamento do HC 84.409/SP, se se
revela inidônea e imprestável, na espécie, a peça acusatória oferecida pelo Ministério
Público.
Entendo, na linha do voto que proferi no HC 84.409/SP, que as alegações feitas
pelo ilustre impetrante impõem algumas reflexões em torno da indeclinável obrigação
jurídica que condiciona o exercício, pelo Ministério Público, de seu gravíssimo poder
de denunciar.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça
acusatória apresentada pelo Ministério Público impõe que nela se identifique, desde
logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que deve ser especi-
ficado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão
estatal da acusação penal.
R.T.J. — 198 675

É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade
pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello). Este,
para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma
necessária base empírica, a fim de que a acusação não se transforme, como advertia o
saudoso Ministro Orozimbo Nonato, em pura criação mental do acusador (RF 150/
393).
Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público, no processo
penal de condenação, consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo
claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe
são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo
da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no
art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da
cláusula constitucional da plenitude de defesa.
Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório — que constitui
estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade
persecutória —, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação
de tensão dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo
Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.
A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato
criminoso, não se projeta, nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo
estatal. A persecutio criminis sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento
jurídico. A tutela da liberdade representa, desse modo, uma insuperável limitação
constitucional ao poder persecutório do Estado.
As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dis-
pensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo
acusado, do seu natural estado de liberdade.
Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal
do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece
entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade
do jus libertatis titularizado pelo réu, de outro.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada,
por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis da República,
traduzem limitações significativas ao poder do Estado (RTJ 161/264-266, Rel. Min.
Celso de Mello). Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido — e assim
deve ser visto — como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu (João Mendes
de Almeida Júnior, “O Processo Criminal Brasileiro”, vol. I/8, 1911).
A primeira garantia jurídica assegurada ao suposto autor de infrações penais
traduz-se na exigência — que é constitucional — de instauração de um procedimento
formal de persecução in judicio.
Insinua-se, neste ponto, bem por isso, a questão pertinente ao controle prévio da
denúncia penal, referente à análise dos seus requisitos formais e ao exame dos elemen-
tos em que se fundamenta a pretensão punitiva do Estado deduzida pelo Ministério
Público.
676 R.T.J. — 198

A denúncia — enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação


penal — constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais
nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio
deducta.
A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, em
toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta,
impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que asse-
gura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve
adequadamente o fato criminoso — já advertiu esta Corte — é denúncia inepta (RTJ
57/389 — RTJ 168/896-897).
Lapidar, sob esse aspecto, a advertência do eminente Desembargador paulista
Alberto Silva Franco, cujo magistério vale relembrar (RT 525/372-375):
“Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da
acusação fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é
ele que estabelece os limites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A este
efeito do objeto da acusação é que Eberhard Schmidt denominou de vinculação
temática do Juiz. Este só pode ter ‘como objeto de suas comprovações objetivas e
de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito
ao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...)”. (Grifei)
Não se pode deixar de ter presente, neste ponto, que foi em proveito da liberdade
individual que se impôs, ao órgão da acusação, o dever de incluir, na denúncia, todos os
elementos essenciais à exata compreensão da imputação penal por ele deduzida contra
o suposto autor do comportamento delituoso.
Essa obrigação processual do Ministério Público guarda íntima conexão com
uma garantia fundamental outorgada pela Constituição da República em favor daqueles
que sofrem, em juízo, a persecução penal movida pelo Estado: a garantia da plenitude
de defesa (RTJ 33/430).
É por essa razão que Vicente Greco Filho (Manual de Processo Penal, p. 64,
1991, Saraiva), ao versar o tema referente aos princípios constitucionais que regem o
processo penal, estabelece o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obriga-
ção estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito
individual de que dispõe o acusado à ampla defesa:
“Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e comple-
ta da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a
seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas
circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico
penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibilidade de
trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial.
Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramen-
te descrito o fato de que deve defender-se.” (Grifei)
É que, se assim não for, inverter-se-á, de modo ilegítimo, no processo penal de
condenação, o ônus da prova, com evidente ofensa ao postulado constitucional da não-
culpabilidade.
R.T.J. — 198 677

Não custa enfatizar, por isso mesmo, na linha do magistério jurisprudencial


consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que “Nenhuma acusação penal se
presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério
Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais
prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento
histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta
de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a
sua própria inocência (Decreto-Lei n. 88, de 20-12-37, art. 20, n. 5)” (RTJ 161/264-
266, 265, Rel. Min. Celso de Mello).
Tendo em vista, portanto, a natureza dialógica do processo penal acusatório,
hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático
(José Frederico Marques, “O Processo Penal na Atualidade”, in “Processo Penal e
Constituição Federal”, pp. 13/20, 1993, Apamagis/Ed. Acadêmica), não se pode
desconsiderar, na análise do conteúdo da peça acusatória — conteúdo esse que delimita
e que condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial —, que o sistema
jurídico vigente no Brasil impõe ao Ministério Público, quando este deduzir determi-
nada imputação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada
e precisa, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a
fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos
postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due
process of law, e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de
persecução estatal, apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua
expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de
incriminação.
Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe ao Estado, no plano da
persecução penal, o dever de definir, com precisão, na peça acusatória, a participação
individual dos autores de quaisquer delitos, sob pena de inépcia da denúncia (RTJ 168/
896-897, Rel. Min. Celso de Mello).
Bem por isso é que o Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 41 do
Código de Processo Penal, não pode deixar de observar as exigências que emanam
desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no
momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a persecutio criminis
contra aqueles que, alegadamente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.
Impõe-se relembrar, neste ponto, a advertência de Heleno Cláudio Fragoso,
que, ao versar o tema da “Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão
Preventiva”, observou (Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, n. 13/
63):
“(...) elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do
fato fundamenta o pedido, demonstra a convicção da acusação pública, justifica a
ação penal, afasta o arbítrio e o abuso de poder.”
Não custa enfatizar, ainda, por necessário, que, no sistema jurídico brasileiro, não
existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com
fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.
678 R.T.J. — 198

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional


consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o
dogma de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal
por mera suspeita.
Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação
estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em
sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal,
quer para fins de prolação de juízo condenatório.
Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que, “Por exclusão, suspeita
ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”,
consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (RT 165/596, Rel. Des. Vicente de Azevedo).
Desse modo, a análise de qualquer peça acusatória impõe que nela se identifique,
desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que, além de
estar concretamente vinculado ao comportamento de cada agente, deve ser especificado
e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da
acusação penal.
Daí a advertência presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da
plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas,
vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princí-
pios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível
vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e
juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.
A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do
dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade
processual absoluta.”
(RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso de Mello)
Assentadas tais premissas, entendo — na linha do voto proferido pelo eminente
Ministro Gilmar Mendes — que a denúncia em causa, tal como aquela invalidada no
julgamento do HC 84.409/SP, é formalmente inepta, eis que o exame da imputação
penal consubstanciada na denúncia evidencia que o Ministério Público deixou de
cumprir as exigências impostas pelo art. 41 do CPP, incidindo, por isso mesmo, na
censura feita tanto pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (RF 150/393, Rel.
Min. Orozimbo Nonato — RTJ 57/389, Rel. Min. Aliomar Baleeiro — RTJ 165/877-
878, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)
quanto pelo magistério da doutrina (Heleno Cláudio Fragoso, “Ilegalidade e Abuso
de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva”, in Revista Brasileira de Criminologia
e Direito Penal n. 13/63 e 72; Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes
e Antônio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo Penal”, p. 78/80,
1992, Malheiros, v.g.).
Tenho por consistente, portanto, a alegação feita pelo ilustre impetrante de que a
denúncia oferecida pelo Ministério Público, na espécie ora em análise, está viciada pelo
R.T.J. — 198 679

gravíssimo defeito da inépcia, como bem o reconheceu, em seu douto voto, o eminente
Ministro Gilmar Mendes.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para deferir
o pedido de habeas corpus, nos precisos termos constantes do douto voto que acaba de
proferir o eminente Ministro Gilmar Mendes, por reconhecer que a denúncia ora em
análise — tal como aquela que esta Colenda Turma invalidou no julgamento do HC
84.409/SP — “não preenche os requisitos para o desenrolar de uma ação penal
garantidora do legítimo direito de defesa” (grifei).
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, para
afastar o crime de falsidade ideológica, extinguindo, quanto a este, o processo penal
instaurado contra o paciente. No que se refere ao delito de interceptação telefônica, a
Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido, para, também quanto a esse crime,
extinguir o processo penal em curso contra o paciente, vencidos, no ponto, os Ministros
Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que o denegavam.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.690 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Wesley Rosa Moreira — Impetrante: João Evangelista Luiz da Costa —
Coator: Superior Tribunal Militar
Justiça Militar: crime de homicídio qualificado (Código Penal Mili-
tar, art. 205, § 2º, I e IV): apelação contra veredicto absolutório do
Conselho de Justiça: efeito devolutivo.
A restrição, no processo penal comum, do efeito devolutivo da
apelação do mérito dos veredictos do Conselho de Sentença não tem por
base o crime de que se cogita — na espécie, o de homicídio —, mas, sim, a
nota de soberania das decisões do Júri, outorgada pela Constituição, que
não é de estender-se às do órgão de primeiro grau da Justiça Militar (v.g.
RE 122.706, 21-11-90, Pertence, RTJ 137/418); (HC 71.893, Primeira
Turma, 6-12-94, Ilmar, DJ de 3-3-95).
680 R.T.J. — 198

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado pelo Tribunal do
Júri de Ceilândia/DF, pela prática de homicídio qualificado, decisão referendada pelo
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas posteriormente anulada pelo Superior
Tribunal de Justiça, que fixou a competência da Justiça Militar.
Julgando-o, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército, da Auditoria da 11ª
Circunscrição Judiciária Militar, absolveu o paciente, por insuficiência de provas, da
imputação da prática do crime previsto no art. 205, § 2º, I e IV, do Código Penal Militar
(homicídio qualificado).
O Superior Tribunal Militar, contudo, deu provimento à apelação do Ministério
Público para condená-lo à pena de 12 (doze) anos de reclusão, fixando o regime fechado
para o cumprimento inicial da pena.
Daí a presente impetração, que alega nulidade do acórdão porque, cuidando-se de
situação assemelhada às decisões do Tribunal do Júri, o STM não poderia alterar a
decisão do Conselho de Justiça quanto ao mérito: no caso de anulação da sentença,
aduz, diante da soberania dos veredictos, novo julgamento deve ser proferido pelo
Conselho de Justiça, “sob pena de usurpação da soberania do Conselho Julgador”.
Afirma-se que cumpre ao Tribunal Superior verificar apenas se a decisão foi
manifestamente dissociada dos elementos apurados no processo, e que, no caso, a
reforma pelo STM da sentença absolutória é que foi contra a evidência dos autos.
Alega-se falta de fundamentação do julgado, que teria baseado a “condenação em
aspectos fático-probatórios inexistentes”.
Indeferida a liminar (fls. 181/182), sobreveio o parecer do Ministério Público Federal,
da lavra da Il. Subprocuradora-Geral Delza Rocha, que opinou pelo indeferimento da
ordem, verbis (fls. 185/189):
“(...)
Sem razão o impetrante. Quanto as provas produzidas nos autos da ação
penal pelo órgão ministerial, na formação da culpa, não cabe, em sede estreita de
habeas corpus, serem reexaminadas, por se tratar de via excepcional.
No que respeita à competência do Colendo Superior Tribunal Militar,
preceitua o artigo 6º, inciso II, alínea c que:
‘art. 6º Compete ao Superior Tribunal Militar: (...)
II - Julgar: (...)
c) as apelações e os recursos de decisões dos juízes de primeiro grau;’
R.T.J. — 198 681

Portanto, vê-se que a tese defendida pelo impetrante, considerando limitada


a atuação do Órgão Superior, não tem fundamento, haja vista a matéria decidida
pelo órgão singular militar poder ser alterada pelo STM a quem é devolvida a
análise de todo o processado, podendo ele confirmá-lo ou reformá-lo, conforme
entender de direito.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Com razão o parecer do Ministério
Público Federal.
Certo, no processo penal comum, a devolução das apelações contra as decisões
do Júri se restringe ao fundamento legal — dentre as quatro alíneas do art. 593, III, do
Código de Processo Penal — indicado na interposição ou, na falta de indicação
expressa, ao versado nas razões (v.g., RE 80.423, Primeira Turma, 15-8-75, Moreira,
RTJ 75/243; HHCC 54.717, 1º-3-77, Primeira Turma, Bilac, RTJ 81/48; 66.649, 6-12-88,
Primeira Turma, Moreira, RTJ 127/929; 68.109, 26-3-91, Primeira Turma, Celso, RTJ
136/606; 68.854, 17-12-91, Segunda Turma, Borja, RTJ 140/138; HC 85.858-ED,
Primeira Turma, 22-6-05, Pertence, DJ de 26-8-05; donde, a Súmula 713 do STF: “O
efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos de
sua interposição”).
Assim é, no entanto, não por se tratar de julgamento de crimes dolosos contra a
vida, mas sim pela nota de soberania dos veredictos do Júri Popular, que a estrutura da
Justiça Militar não comporta (v.g., RE 122.706, 21-11-90, Pertence, RTJ 137/418).
Nem sendo o caso de estender-se a soberania das decisões do Júri às do órgão de
primeiro grau da Justiça Militar — conforme ressaltei ao indeferir a liminar —, não há
falar em simples cassação do julgado, solução que, conforme decidiu a Turma no HC
71.893, 6-12-94, Ilmar, DJ de 3-3-95, é exclusiva dos “casos submetidos ao Júri, não se
aplicando quando o homicídio tem conotação de crime militar, sendo julgado, por isso,
perante a Justiça Castrense”.
De outro lado, não há falar em deficiência de fundamentação do acórdão do STM
que, para dar provimento ao recurso do Ministério Público, convencendo-se da autoria
e materialidade, invocou fatos e provas que permeiam a lide, especialmente a prova oral
e o exame pericial, tidos por suficientes.
Para chegar a conclusão diversa — bem como decidir se uma das versões de fato
acaso existentes seria a melhor —, indispensável o revolvimento deles, ao que não se
presta o procedimento sumário e documental do habeas corpus.
Indefiro a ordem: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.690/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Wesley Rosa
Moreira. Impetrante: João Evangelista Luiz da Costa. Coator: Superior Tribunal Militar.
682 R.T.J. — 198

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.


Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.144 — SC

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Lenoir Luiz Pompermayer — Impetrantes: Hélio de Melo Mosimann e
outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Homicídio qualificado. Quesitos formulados em séries
distintas. Crimes diversos. Respostas contraditórias. Nulidade. Inocorrência.
Execução da pena condicionada ao trânsito em julgado. Recurso de apelação
exclusivo da defesa. Reformatio in pejus.
1. Crime de homicídio duplamente qualificado. Quesitos de séries
distintas, cujas respostas negaram, de um lado, a tese de legítima defesa
putativa, sustentada com esteio no depoimento da única testemunha
presencial e, de outro, o crime de falso testemunho atribuído a ela em
razão de seus depoimentos discrepantes.
2. O único quesito da segunda série, relativo ao crime de falso
testemunho, não tem relação com os quesitos da primeira série,
especificamente o que afastou a tese de legítima defesa putativa. Não
há, assim, que se falar em nulidade decorrente de respostas contradi-
tórias.
3. Constando da sentença que a execução está condicionada ao
trânsito em julgado, fica vedada a expedição do mandado de prisão em
decorrência do não-provimento do recurso de apelação exclusivo da
defesa.
Ordem concedida, parcialmente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir em parte, o pedido de habeas corpus.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Eros Grau, Relator.
R.T.J. — 198 683

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente foi condenado a 13 (treze) anos de reclusão,
em regime integralmente fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II e IV do
Código Penal.
2. O TJ/SC negou provimento ao recurso de apelação da defesa, sobrevindo HC no
STJ, que o denegou em acórdão assim ementado:
“Criminal. HC. Homicídio qualificado. Contradição entre as respostas
dos jurados a dois quesitos. Nulidade. Inocorrência. Questionamentos relativos
a crimes diferentes. Preclusão. Expedição de mandado prisional para cumpri-
mento da pena. Possibilidade. Efeito da condenação. Efeito suspensivo a recur-
so especial. Impossibilidade. Inadequação da via eleita. Apelo extremo não
admitido. Ordem denegada.
I. Hipótese em que se sustenta a ocorrência de contradição entre as respostas
dadas pelos jurados a dois quesitos formulados ao Conselho de Sentença, concer-
nentes à tese defensiva de legítima defesa putativa.
II. Não se verifica a apontada contradição de respostas aos quesitos, se
evidenciado que estes se referiam a crimes distintos e, por isso, pertenciam a séries
diferentes.
III. Considera-se preclusa a nulidade que não for suscitada no momento
oportuno.
IV. O início do cumprimento da pena constitui-se em mero efeito da conde-
nação, não se cogitando de qualquer violação ao princípio constitucional da
presunção de inocência ou da não-culpabilidade.
V. Tanto o recurso especial quanto o extraordinário não têm, de regra, efeito
suspensivo, razão pela qual sua eventual interposição não tem o condão de
impedir a imediata execução do julgado, com o início do cumprimento da pena.
Precedentes do STJ e do STF.
VI. O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo
a recurso especial ou a recurso extraordinário, pedido que, normalmente, é
veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepciona-
líssimos, condicionado ao recebimento do recurso na origem, o que não ocorreu
in casu.
VII. Ordem denegada.”
3. Esta impetração, com pedido de liminar, cinge-se a dois fundamentos: (i) contra-
dição nas respostas a quesitos e (ii) impossibilidade de execução da sentença quando
pendentes recursos sem efeito suspensivo.
4. Os impetrantes afirmam que o depoimento da única testemunha do homicídio,
Selma Oliveira de Freitas, levaria à admissão de legítima defesa putativa, que acabou
sendo negada pelos jurados. Sustentam que a contradição estaria em que os jurados
responderam negativamente, por 6 a 1, ao quesito cuja indagação visava a apurar se ela
prestara falso testemunho sobre fato relevante e pertinente ao processo a que responde o
684 R.T.J. — 198

paciente. Logo, não tendo ela prestado falso testemunho, ao afirmar que o paciente agira
em estado de legítima defesa putativa, a negativa ao quesito correspondente a essa tese
da defesa seria contraditória.
5. Quanto à alegação de impossibilidade da execução da pena na pendência de
recursos sem efeito suspensivo, os impetrantes argumentam que a própria sentença
condenatória dispôs a respeito, ao consignar que “transitada em julgado, lance-se o
nome no rol dos culpados, comunique-se à E. Corregedoria Geral da Justiça e ao MM.
Juiz Eleitoral, requisite-se vaga, expeça-se o PEC e o mandado de prisão (...)”. Assim, a
execução da sentença como decorrência do não-provimento da apelação interposta
exclusivamente pela defesa constitui reformatio in pejus.
6. Os impetrantes requerem “a concessão da ordem (...) a fim de anular o julga-
mento do Tribunal do Júri para determinar que a outro seja submetido o paciente; cassar
o mandado de prisão, expedindo-se salvo-conduto; e dar efeito suspensivo ao recurso
especial”.
7. Deferi a liminar para sobrestar a execução da sentença, até o julgamento definitivo
do habeas corpus.
8. A PGR opina no sentido do indeferimento.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A contradição que os impetrantes apontam
decorreria das respostas ao quesito n. 10, da primeira série e ao quesito único da segunda
série. Transcrevo-os:
“Tese da legítima defesa putativa
10) - O réu, por erro plenamente justificado pela circunstância alegada de ter
a vítima procedido gesto com a mão rumo ao assento do caroneiro, acompanhado
de palavras ditas agressivas, supôs encontrar-se diante de uma agressão à sua
pessoa:
Sim três não quatro”
“2ª Série:
Quesito da indagação de falso testemunho prestado pela testemunha Sel-
ma Oliveira de Freitas:
Quesito único: A testemunha Selma Oliveira de Freitas, inquirida nos
autos, prestou falso testemunho sobre fato relevante e pertinente ao processo
presente, a que responde Lenoir Luiz Pompermayer?
Sim um não seis”
2. São quesitos de séries distintas, sendo que o primeiro teve o intuito de identificar,
ou não, causa putativa de exclusão da antijuridicidade. O quesito da segunda série,
relativo à única testemunha presencial, objetivou apurar a prática do crime de falso
testemunho em decorrência da discrepância de seus depoimentos, já verificada na sentença
de pronúncia:
R.T.J. — 198 685

“A testemunha Selma Oliveira Freits (fls. 195/196), declara que a vítima


fora em sua residência, no dia anterior aos fatos, cobrar uma dívida de seu marido
e ficou de retornar na manhã seguinte para pegar o dinheiro. Afirma que na
manhã dos fatos estava falando com a vítima, que se encontrava dentro do seu
veículo, quando o acusado lá chegou e passou a conversar com a mesma. Devido
a distância (cerca de seis metros) que se encontrava de ambos, afirma não ter
ouvido o que o acusado dizia, apenas ouviu que as vozes estavam alteradas e que
a vítima chamou o acusado de ‘vagabundo’. Afirma ter visto a vítima engatar
‘marcha ré arrastando junto o acusado com a porta do veículo até bater na
Belina’ e ouvido ‘quando a vítima disse ‘tem pra você vagabundo’ quando
então ouviu os disparos feitos pelo acusado’. Perguntada, não soube explicar
porque somente ouvira o que a vítima dissera ao acusado e não o que o acusado
disse à vítima.
Todavia, tanto o réu quanto a referida testemunha ofereceram na fase
indiciária versão discrepante em pontos relevantes. Dentre outras, lá, em momento
qualquer procederam referência de que a vítima teria engatado marcha-à-ré no
veículo, arrastando o acusado. Conforme se vê, Selma asseverou que no momento
dos disparos estava voltada para dentro da sua casa, retomando atenção apenas
após ouvi-los, momento em que presenciou ter o veículo da vítima descido de ré e
batido noutro, estacionado, evidentemente se desgovernando após atingido por
tiros seu condutor (fls. 19/20).
Referida discrepância demonstra, a princípio, o comprometimento de tal
testemunha com o réu, restando sob sofisma a versão sustentada.” (Fl. 70 do
apenso 1).
3. Daí por que o quesito único da segunda série, destinado tão-somente à apuração
do crime de falso testemunho, não guarda qualquer relação de comprometimento com os
quesitos da primeira série, especificamente os que afastaram tanto a legítima defesa real
quanto a putativa. A decisão soberana do Tribunal do Júri deve, pois, ser prestigiada no
que tange à legítima defesa putativa, rejeitada à luz dos elementos probatórios subme-
tidos à apreciação dos jurados.
4. Os impetrantes têm razão no que tange à segunda causa de pedir: impossibilidade
de execução da sentença antes de seu trânsito em julgado. Valho-me aqui do seguinte
trecho da decisão pela qual deferi a liminar:
“5. No que tange ao primeiro fundamento, não vislumbro de plano o fumus
boni iuris. Todavia, vejo-o presente no segundo argumento da impetração. Está
expresso no dispositivo da sentença: ‘Transitada em julgado, lance-se o nome no
rol dos culpados, comunique-se à E. Corregedoria Geral da Justiça e ao MM. Juiz
Eleitoral, requisite-se vaga, expeça-se o PEC e o mandado de prisão e intime-se
para o pagamento das custas processuais, de lei’. Vê-se, assim, que o juiz determi-
nou várias providências, todas elas condicionadas ao trânsito em julgado da
sentença. Por seu turno, o TJ/SC, ao julgar a apelação, não ordenou a execução da
sentença. A propósito, destaco que a Primeira Turma desta Corte examinou caso
semelhante ao destes autos no HC 83.128, Marco Aurélio, DJ de 30-4-04, cujo
acórdão restou assim ementado:
686 R.T.J. — 198

‘Recurso — Balizas — Reforma prejudicial ao recorrente — Man-


dado de prisão — Pena — Cumprimento. Ao órgão revisor não cabe, em
recurso da defesa, retirar o direito, assegurado em sentença, de apenas ser
expedido o mandado de prisão uma vez verificado o trânsito em julgado, a
imutabilidade recursal da condenação. O desprovimento, prolatando o Tri-
bunal acórdão que substitui a sentença — artigo 512 do Código de Processo
Civil —, sem se defrontar com recurso do Ministério Público, longe fica de
respaldar o afastamento da condição imposta, alfim harmônica com a impos-
sibilidade de executar-se precocemente o título judicial, conforme previsto
no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal: ‘ninguém será conside-
rado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.’
6. Reitere-se que no caso concreto sequer há comando no acórdão para
executar a pena. Observe-se, por fim, que a sentença transitou em julgado para o
Ministério Público.
Ante o exposto, defiro o pedido de liminar para conceder salvo-conduto ao
paciente, até o julgamento final do writ.”
Concedo a ordem, parcialmente, para sobrestar a execução da sentença até o seu
trânsito em julgado.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, estou desenvolvendo um estudo
que pretendo apresentar a V. Exas. quanto ao conteúdo de alcance do princípio da
presunção de não-culpabilidade.
Vou acompanhar o voto do Relator, mas sempre fazendo ressalva quanto à esta tese
de que não pode haver execução da sentença provisoriamente.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também acompanho o voto do
Ministro Relator. Estou invocando o precedente no qual V. Exa. foi Relator. É um caso
idêntico ao do HC n. 85.429, em que o concedemos por unanimidade.

EXTRATO DA ATA
HC 85.144/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Lenoir Luiz Pompermayer.
Impetrantes: Hélio de Melo Mosimann e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do
voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 198 687

HABEAS CORPUS 85.238 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Rodrigo Sampaio Lopes — Impetrantes: Carlos Kauffmann e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
1. Decisão judicial: a falta ou inidoneidade da sua fundamentação
não pode ser suprida pela decisão do órgão judicial de grau superior ao
negar habeas corpus ou desprover recurso: precedentes.
2. Prisão preventiva: duvidosa idoneidade de sua motivação, à luz da
jurisprudência do Supremo Tribunal, aliada à manutenção de longo
encarceramento do paciente, que traz consigo indícios veementes de tra-
tamento discriminatório em cotejo com a liberdade provisória dos de-
mais acusados: conseqüente deferimento da ordem para determinar o
relaxamento da prisão do paciente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, confirmada a liminar, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Justiça Federal, no dia 15 de setembro de
2003, recebeu denúncia oferecida contra o paciente (Código Penal, arts. 288, caput;
171, § 3º; 297, § 1º; 313-A; 317, § 1º; e 325, § 1º, I, e § 2º) em co-autoria com outros dez
co-réus (fls. 253/255).
No mesmo ato determinou-se o desmembramento dos autos quanto a cinco deles,
silenciando-se, entretanto, quanto à prisão preventiva anteriormente decretada com
relação a nove dos onze denunciados, dentre eles o paciente, conforme decisão datada
de 1º de setembro de 2003, da qual se extrai (fls. 234/237):
“(...)
Os representantes do Ministério Público Federal, diante dos fatos breve-
mente narrados, requereram a prisão preventiva tendo por fundamento a garantia
da ordem pública, da ordem econômica e garantia da instrução criminal.
Pelo exposto, não há dúvidas no que concerne a existência de indícios de
autoria e prova da materialidade dos delitos descritos nos artigos 288, 297, 313-A
e 317, todos do Código Penal. As fraudes estão fartamente demonstradas nos autos
sendo que, numa estimativa preliminar efetuada pelos técnicos da Receita, atin-
gem o montante de 50 milhões de reais no período investigado. A participação de
cada agente no cometimento dos delitos está, da mesma forma, suficientemente
detalhada pelos relatórios policiais.
688 R.T.J. — 198

Vejamos se presentes os demais pressupostos. Diz-se que a prisão cautelar


é necessária para conveniência da instrução criminal quando, ‘do contrário, a
instrução criminal ficará deturpada, e o juiz não poderá colher, com segurança,
os elementos de convicção de que necessitará para o desate do litígio penal’
(Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, V. 3, Ed. Saraiva, 23ª ed., p. 487).
As fraudes cometidas contra a Receita Federal envolveram um esquema
bastante sofisticado e com várias ramificações. Vejo que, não obstante já terem
sido anexadas aos autos provas suficientes para um juízo inicial de culpabilidade,
faz-se necessário um aprofundamento das investigações para a colheita dos
demais elementos indispensáveis ao deslinde total da causa, fato que seria preju-
dicado se livres os investigados. Veja-se, ainda, que há locais mencionados pelos
investigados onde podem estar sendo guardados documentos aptos a não só a
desvendar o crime em tela mas todo um esquema de ilícitos cometidos em
detrimento da coletividade. Estes fatos somados aos valores envolvidos, possibi-
lidade, neste instante, do cometimento de novas fraudes e eventual tentativa de
apagarem-se os vestígios deixados autorizam a decretação da prisão cautelar
requerida.
Destarte, decreto a prisão preventiva de (...) Rodrigo Sampaio Lopes (...), para
conveniência da instrução criminal e garantia da ordem econômica, conforme
requerido pelo Ministério Público Federal. Não entendo necessárias, todavia, as
prisões de Cleber Claus em razão de ele não ter acesso aos terminais da Receita e
por ser a sua participação de menor importância e de Osorito Vieira por faltar, até
o instante, elementos seguros para tanto”.
Depois de revogadas as prisões de Antônio Roberto Justel Quiles (fls. 267-268),
dada a sua confissão e colaboração com a instrução; e de Ruth Maria (fls. 269-270) e
Ricardo Canalli (fls. 271-272), por terem tido estes menor participação nos fatos, o
paciente também pleiteou a revogação da prisão, pedido indeferido sob o fundamento
de que permaneciam os motivos de sua decretação, verbis (fls. 273-274):
“O contexto fático que levou este juízo a decretar a prisão preventiva do acusado
mantém-se, por ora, inalterado.
(...)
Decorridos poucos dias da prisão dos autores dos fatos, é necessário
observar-se que a Receita Federal não teve ainda sequer tempo hábil de desfazer
as fraudes montadas em seu sistema de informática. Diante desse fato, a imediata
concessão da liberdade aos acusados, que conseguiam fraudar a segurança do
sistema de informática, significa colocar em risco até mesmo a instrução
processual, que depende da completa verificação dos danos causados ao sistema
informatizado da Receita Federal.
A única novidade processual, desde a prisão do acusado, registre-se, é o
recebimento da denúncia, com a conseqüente designação do interrogatório
(...)”.
O paciente, no dia 20 de outubro de 2003, reiterou o pedido de revogação,
indeferido nestes termos (fl. 275):
R.T.J. — 198 689

“As informações bancárias e patrimoniais do requerente estão sendo colhi-


das por este juízo, além de estar prevista a realização de audiência nos dias 24 de
outubro e 07 de novembro de 2003, para a oitiva das testemunhas arroladas na
denúncia.
Por ora, os motivos que levaram este juízo a decretar a prisão preventiva do
acusado ainda subsistem e eventual reapreciação da questão será feita somente
após o encerramento da instrução processual.”
Impetrado habeas corpus ao TRF/3ª Região, este deferiu a liminar para assegurar
ao paciente o direito de aguardar em liberdade o julgamento final (fls. 201-209).
O Juízo local, no dia seguinte, proferiu esta decisão (fls. 192-193):
“Junte-se aos autos a r. decisão que revogou a prisão preventiva do acusado
Rodrigo Sampaio Lopes.
Cumpra-se em seus exatos termos, expedindo-se de imediato alvará de soltura
clausulado em favor do acusado.
Analisando a situação dos demais co-réus, verifico que a prisão da cautelar
de Marcos Antonio Ascari, Célia Maria Israel e Edivaldo Cassimiro Júnior
não pode mais subsistir.
Com efeito, os dossiês encaminhados pela Receita Federal demonstram que
o co-réu Rodrigo Sampaio Lopes teve movimentação financeira de R$ 596.742,32
(quinhentos e noventa e seis mil, setecentos e quarenta e dois reais e trinta e dois
centavos) durante o ano de 2003 e de R$ 304.420,59 (trezentos e quatro mil,
quatrocentos e vinte reais e cinqüenta e nove centavos) durante o ano de 2002.
Essa vultosa movimentação financeira até a presente data não tem a sua
origem esclarecida e supera em várias vezes a movimentação financeira dos
demais co-réus supra mencionados.
Diante desse contexto fático, afigurar-se-ia manifestamente injusto, até mes-
mo incoerente, revogar-se a prisão do co-réu que, pelas informações até aqui
colhidas, obteve a maior vantagem financeira no esquema fraudes contra a Receita
Federal narrado na denúncia e, ao mesmo tempo, manter-se no cárcere outros co-
réus que, conforme demonstram os dossiês enviados a este juízo pela Receita
Federal, ostentam movimentação financeira substancialmente menor do que a de
Rodrigo Sampaio Lopes.
Em razão do exposto, revogo a prisão preventiva dos co-réus Marcos
Antônio Ascari, Célia Maria Israel e Edvaldo Cassimiro Júnior, mediante
compromisso de comparecimento a todos os atos do processo e proibição de se
ausentar da seção judiciária onde reside sem prévia autorização deste juízo,
conforme já estabelecido para o co-réu Rodrigo Sampaio, sob pena de revogação
do benefício.”
Contra esta decisão, o Ministério Público Federal impetrou recurso em sentido
estrito e, simultaneamente, mandado de segurança, cuja liminar foi deferida para conce-
der efeito suspensivo àquele recurso, restabelecendo-se, assim, a prisão de Marcos
Ascari, Célia Maria e Edvaldo Cassimiro Júnior (fl. 280).
690 R.T.J. — 198

Este último, então, impetrou habeas corpus ao STJ, que deferiu a liminar para
colocá-lo em liberdade, até o julgamento final da impetração, quando concedeu a ordem
(fls. 174-179).
No julgamento do mérito do habeas corpus impetrado pelo paciente, o TRF/3ª
Região, no dia 10-2-04, por maioria, restabeleceu a sua prisão, nos termos do voto
condutor, do qual se extrai (fls. 165-168):
“O eminente Desembargador Federal Relator em judicioso voto, concedeu a
ordem, proclamando, no mérito, o entendimento de que não mais subsistem os
fundamentos autorizadores da custódia cautelar, do paciente, os quais estavam
presentes no momento em que foi decretada, máxime por encontrar-se encerrada a
instrução criminal.
(...)
Todavia, com a devida vênia do i. Relator tenho que, no caso, estão presentes
os pressupostos autorizadores da prisão cautelar do Paciente, a qual deverá ser
restabelecida.
Em primeiro lugar, do Agravo Regimental interposto pelo Parquet, verifico
que a decisão que indeferiu o benefício pleiteado encontra-se fundamentada à
saciedade, não se limitando à conveniência da instrução criminal, como entendeu o
d. Relator. Ao contrário, funda-se na comprovação da materialidade delitiva, dos
indícios de autoria, na gravidade da conduta delitiva descrita na denúncia, bem
como na proeminência da função exercida pelo Paciente dentro da organização
criminosa, o qual possui papel fundamental na coordenação das atividades ilícitas
da quadrilha.
Funda-se, também, na garantia da ordem econômica tendo em vista a
magnitude da lesão sofrida pelos cofres públicos, em quantia superior a R$ 30
milhões e para assegurar a aplicação da lei penal, evitando eventual evasão do réu
e buscando impedir que o mesmo aliene bens e suprima outras informações que
possam vir a ser obtidas pela polícia federal.
Presentes os pressupostos exigidos, e estando suficientemente fundamen-
tada a decisão que expressamente reconheceu a necessidade da prisão preventi-
va, para a garantia da ordem pública, da ordem econômica e para assegurar a
aplicação da lei penal, nenhuma relevância tem as condições pessoais do
Paciente.
Demais disso, não se justifica o tratamento diferenciado conferido ao co-réu
Marcos Antonio Ascari, no Habeas Corpus impetrado em seu favor, cujo pedido
de liminar foi indeferido pelo eminente Relator deste feito, o qual enfatizou,
naquela oportunidade, a complexidade da organização criminosa, a grande
magnitude da lesão causada (montante superior a R$ 30 milhões) e o ‘desvalor’ da
conduta, eis que o desfalque lesionou a toda a coletividade, aplicando o princípio
in dubio pro societate. E mais. Entendeu necessária a manutenção da custódia
cautelar a fim de evitar possibilidade de fuga, bem como, para impossibilitar a
alienação de bens e a supressão de informações que possam ser obtidas pela
polícia federal.
R.T.J. — 198 691

Afiguram-se contraditórias as decisões proferidas em ambos os Habeas


Corpus, versando sobre os mesmos fatos, com a agravante de que a situação do
Paciente Rodrigo é mais gravosa e mais comprometedora, como se colhe das
informações prestadas pelo Impetrado (fls. 228/229):
(...)
Conclui-se, portanto, que a segregação cautelar do Paciente se justifica como
garantia da ordem econômica, da ordem pública, bem como para assegurar a
aplicabilidade da lei penal em virtude do seu envolvimento mais grave na prática
criminosa.
Por fim, colho dos autos a existência de discrepâncias relativamente ao
recolhimento da CPMF, demonstrando movimentação bancária incompatível com
a renda declarada pelo Paciente, em montante superior ao dos demais co-réus.
Todavia, trata-se de questão que demanda dilação probatória, a ser feita no
curso da ação penal, sendo inviável em sede de Habeas Corpus.
(...)
Ante o exposto, denego a ordem, revogando-se a liminar concedida. Expeça-
se mandado de prisão.”
Diante desta decisão, o Ministério Público Federal requereu, mas o Juiz Federal
indeferiu, fosse restabelecida a prisão dos co-réus postos em liberdade com fundamento
na liminar deferida ao paciente (fls. 280-281).
No final de abril de 2004, após, portanto, a impetração ao TRF/3ª Região, o Juízo
local indeferiu novo pedido de revogação da prisão preventiva.
Contra aquele acórdão do TRF/3ª Região, o paciente impetrou habeas corpus ao
STJ que, no dia 23-11-04, denegou a ordem (fls. 347-361).
Donde o presente habeas corpus — com pedido de liminar —, no qual se alega: (a)
violação do princípio da isonomia, dado que outros co-réus, denunciados pelos mesmos
crimes e presos pelos mesmos fundamentos, já foram postos em liberdade pelo subscritor
do decreto da prisão processual, sobretudo porque devem ser desprezados os “argumen-
tos intrinsecamente ligados ao mérito da causa para manter a medida de força”; (b)
ausência de fato concreto para amparar o decreto da prisão; (c) que a medida adequada
para o objetivo que se visava, quando do decreto, era a prisão temporária, e não
preventiva; (d) que, “em 14-11-03, com o encerramento da prova acusatória e a
‘conclusão também das diligências faltantes’”, não mais persiste o fundamento de
conveniência da instrução, conforme ressaltou o voto vencido no HC ao TRF/3ª Região;
(e) que a ordem econômica não precisa ser resguardada no caso, pois o paciente não está
sendo processado por qualquer crime capaz de atingi-la (Leis n. 8.137/90, 7.492/86 e
1.521/52); (f) o paciente entregou espontaneamente o passaporte em Juízo, não possui
antecedentes criminais, tem residência fixa no distrito da culpa e ocupação lícita e, no
período em que esteve em liberdade, compareceu às audiências designadas e (g) o
relatório de folha 216 não atesta que existiram, mas que “poderiam acarretar em
supressão de crédito tributário da Fazenda Nacional no montante aproximado de 30,5
milhões de reais”, fato, contudo, que deve ser apreciado quando do julgamento de
mérito, e não para fundamentar a preventiva.
692 R.T.J. — 198

Deferida a liminar (fls. 312-321), sobreveio o parecer do Ministério Público


Federal, da lavra do Il. Subprocurador-Geral Haroldo da Nóbrega, pelo indeferimento
da ordem, na linha do acórdão impugnado que — segundo entende — “demonstra a
especificidade da situação do paciente, a justificar a sua custódia”, especialmente
porque teria sido ele que “obteve a maior vantagem financeira no esquema de fraudes
contra a Receita Federal” (fls. 342-346).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Conforme ressaltei ao deferir a
liminar, ainda quando se tenham por razoáveis os motivos iniciais da decretação da
prisão preventiva do paciente e dos co-réus, em favor da apuração dos fatos, então, ainda
em fase inicial, o certo é que sua relevância e sua idoneidade esmaeceram, seja em face
da posterior concessão de liberdade provisória aos co-denunciados, seja em razão do
término da instrução.
Impressiona, com efeito — como ressai do longo relatório —, a fragilidade das
circunstâncias diferenciais aduzidas para explicar a manutenção do encarceramento do
paciente — que até dezembro de 2004 já estava preso havia mais de um ano — à vista da
libertação dos outros acusados.
Assim, de logo, a sua suposta maior participação na empreitada criminosa, por si
só, não seria razão bastante para a continuidade da prisão cautelar, a menos que dela
adviesse o risco concreto de prosseguimento na comissão de crimes.
Não é, entretanto, o que ocorre.
O paciente não era servidor da Receita Federal, no interior da qual e por ação dos
funcionários com acesso ao sistema informatizado se executariam as fraudes consisten-
tes no desfazimento de anotações relativas à situação fiscal de contribuintes interessa-
dos na obtenção de certidões negativas ou no cancelamento de débitos fiscais: por isso,
afastados os servidores encarregados das fraudes eletrônicas, não há como presumir
pudesse o paciente, extraneus, continuar na sua atividade de agenciamento dos interes-
sados e do ajuste com eles da corrupção ativa.
De igual modo, não impressiona o dado de maior vulto de suas disponibilidades
bancárias, que, se há indícios de sua origem criminosa, estaria a sugerir a decretação de
medidas cautelares reais, mas não da prisão preventiva.
O maior proveito extraído da imputada atividade criminosa é dado a considerar na
eventual aplicação da pena; fundar-se nele para a prisão preventiva é transformá-la em
indevida antecipação da sanção penal, que os princípios repelem, como iterativamente
decidido pelo Tribunal.
Por outro lado, a existência ou não de prova da materialidade dos crimes e de
indícios da autoria — à qual se apega o acórdão do TRF/3ª Região, denegatório do
habeas corpus — é requisito de admissibilidade da prisão preventiva, mas não motivos
suficientes dela, que, insista-se, não é sentença condenatória, mas medida cautelar que
só se legitima à vista da concretização do periculum a libertatis dos réus.
R.T.J. — 198 693

Alude-se ainda, no mesmo acórdão, ao endossar informações do Juízo de primeiro


grau, à inexistência de prova de ocupação lícita do paciente, que — somada à referência
ao seu poder aquisitivo — sustentaria a necessidade da prisão processual para garantir a
aplicação da lei penal: afora não ser a disponibilidade de recursos financeiros motivo
idôneo para a cautela pessoal — mas, quiçá, para a medida acautelatória do seqüestro
(Código de Processo Penal, art. 125 ss.), como já observado —, o certo é que tais
circunstâncias não são bastantes para lastrear o juízo de probabilidade de fuga, se não se
apontam fatos concretos que a indiciem.
Na espécie, contudo, além da inexistência de tais indícios, milita em favor do
paciente o seu comparecimento — diversamente de outros réus — a todas as audiências
realizadas nos três meses em que permaneceu solto, por força de liminar concedida pelo
Tribunal Regional (fls. 211-214).
É renitente a invocação do montante do suposto prejuízo acarretado ao Fisco,
orçado em cerca de 30 milhões de reais: daí adviria, é de supor, a necessidade da
preventiva para garantia da ordem econômica.
A ser real, no entanto, o vulto do dano suposto não explicaria a manutenção
solitária da detenção do paciente.
De resto, o que verdadeiramente se colhe do relatório da Corregedoria da Receita
Federal é que o grande prejuízo orçado é o que poderia ter advindo do arquivamento
indevido de processos fiscais (fl. 216), que, no entanto, ao que parece, teria sido evitado
com o desmantelamento da associação criminosa.
Resta o motivo da “conveniência da instrução criminal”.
Também aqui não se explica por que só a liberdade provisória do paciente, ao
contrário da dos demais acusados, poderia comprometê-la.
De qualquer sorte, fez-se prova de que a instrução está finda.
E mais: que as diligências requeridas pelo Ministério Público, na fase do art. 499
do Código de Processo Penal, tem por objeto — salvo a inquirição de testemunhas para
esclarecimento de fatos relativos a outro co-réu — a realização de provas periciais, na
qual não se vislumbra como as poderia prejudicar a soltura do paciente.
Certo, para denegar a ordem, o STJ invocou o que consta das informações presta-
das ao TRF/3ª Região pelo Juízo local, segundo as quais o paciente estaria orientando o
interrogatório de alguns dos co-réus, bem como “condicionando o custeio de advogado
no curso da ação penal à realização de depoimento nos termos pré-estabelecidos” (fls.
356 e 359).
Ocorre que desse fundamento adicional — que também se refere a fase processual
já superada — não cogitou o decreto da prisão preventiva, nem as decisões do Juízo
local que a mantiveram; e, por isso, deve ser desprezado.
Nesse sentido o HC 81.148, Primeira Turma, por mim relatado, DJ de 19-10-01,
quando acentuei:
“(...) no julgamento do habeas corpus que impugna a fundamentação de
decisões do primeiro grau constritivas da liberdade do paciente, não cabe às
694 R.T.J. — 198

sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária,


mediante achegas de novos motivos por elas não aventados.
A motivação é requisito essencial da decretação da prisão preventiva: por
isso, quando impugna a existência ou idoneidade dela, é apenas a questão proces-
sual de sua validade que a impetração submete aos tribunais, aos quais não se
devolve a questão de mérito de ser ou não justa, no caso, por outros motivos, a
cautelar questionada (v.g., HC 76.370, Primeira Turma, Gallotti, DJ de 30-4-98;
HC 75.371, Primeira Turma, Pertence, 2-9-97, DJ de 10-10-97; HC 56.900,
Mayer, 3-4-79, RTJ 89/451; HC 44.299, Evandro, DJ de 23-3-68).”
De tudo, restou-me a funda impressão de que, além de lastreada em fundamentos de
duvidosa idoneidade, conforme a jurisprudência do Tribunal, a manutenção do longo
encarceramento do paciente traz consigo indícios veementes de tratamento discrimina-
tório em cotejo com a liberdade provisória dos demais acusados.
Esse o quadro, defiro a ordem para determinar o relaxamento da prisão do paciente,
se por al: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.238/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Rodrigo
Sampaio Lopes. Impetrantes: Carlos Kauffmann e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, confirmada a liminar, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.410 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Pacientes: Eduardo Leonel Brandão e Carlos Alberto Braga de Castro — Impe-
trantes: Manuel de Jesus Soares e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
I - Habeas corpus: cabimento.
1. Admite-se o habeas corpus contra decisão do STJ, para rever
questões jurídicas decididas contra o réu no julgamento do REsp, ainda
que fundado em dissídio jurisprudencial (v.g., HC 83.468, 1ª T., 30-3-04,
Pertence, DJ de 23-4-04).
R.T.J. — 198 695

2. Cabe o habeas corpus “para aferir a idoneidade jurídica ou não


das provas onde se fundou a decisão condenatória” (v.g., HC 84.517, 1ª T,
19-10-04, Pertence).
II - Sentença condenatória: nulidade inexistente: condenação
apoiada em prova válida e tida por suficiente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os pacientes foram condenados, em primeiro
grau, por extorsão mediante seqüestro.
Mantida a condenação pelo TJ/RJ, interpôs-se recurso especial, alegando-se,
dentre outras questões, que a condenação se fundara em prova colhida no inquérito (CF/
88, art. 105, c).
O recurso foi inadmitido, no ponto, sob o fundamento de que “não serve à
demonstração de dissenso pretoriano a simples transcrição de ementas, porque
necessário o inteiro teor dos acórdãos confrontados, com indicação de sua similitude
fática e jurídica e expressa indicação dos pontos divergentes”, e, também, pelo seu
descabimento para o reexame de provas (fls. 95/96).
O STJ negou provimento ao agravo interposto dessa decisão reiterando-lhe os
fundamentos.
Donde o presente habeas corpus, no qual se repisa a alegação de que a condenação
se fundou em provas colhidas no inquérito policial.
Requer-se seja concedida a ordem, para anular a condenação dos pacientes “ou,
então, por economia processual”, para que se “decrete a absolvição dos mesmos”.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-Geral
Haroldo da Nóbrega, opinou pelo indeferimento da ordem (fls. 121/125).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

I
Conheço do habeas corpus.
Já afirmou a Turma o cabimento de habeas corpus contra decisão do STJ, para
rever questões jurídicas decididas contra o réu no julgamento de REsp, ainda que
696 R.T.J. — 198

fundado em dissídio jurisprudencial — CF/88, art. 105, III, c (v.g., HC 83.468, 1ª T., 30-
3-04, Pertence, DJ de 23-4-04).
Também já se assentou a admissibilidade do habeas corpus “para aferir a
idoneidade jurídica ou não das provas onde se fundou a decisão condenatória”
(v.g., HC 84.517, 1ª T., 19-10-04, Pertence, DJ de 19-11-04), como sucede, no caso,
quanto à alegação de estar a condenação fundada nos elementos colhidos no inqué-
rito.

II
Mas, no mérito, a ordem é de ser indeferida.
Certo, temos entendido que a ementa do acórdão paradigma pode servir de
demonstração da divergência, quando nela se expresse inequivocamente a dissonância
acerca da questão federal objeto do recurso especial fundado no art. 105, III, c, da
Constituição (v.g., Inq 1.070, Pleno, 24-11-04, Pertence, DJ de 1º-7-05).
Ocorre que a impetração não foi instruída com a petição do recurso especial
interposto, o que seria imprescindível para saber se as ementas transcritas efetivamente
exprimiam a divergência.
De qualquer sorte, ainda que aqui fosse analisado o dissídio, este seria inevitavel-
mente resolvido em sentido contrário ao pretendido na impetração.
Demonstrou o Ministério Público Federal em seu parecer que a condenação dos
pacientes não se fundou exclusivamente no inquérito policial.
Ao contrário, o que ocorreu foi que se emprestou valor decisivo à prova colhida em
Juízo, conforme se lê do acórdão da apelação (fls. 71/72):
“(...)
Como bem realçado na decisão guerreada, ‘a participação dos quatro réus
no crime de extorsão mediante seqüestro está comprovada pela prova testemunhal
e corroborada por seus próprios interrogatórios, apesar da veemente negativa da
autoria, posto que todos afirmam que estiveram e saíram da casa da vítima em sua
companhia, divergindo as versões da acusação e da defesa apenas de sua saída
com a mesma’. Neste sentido a prova colhida, em sede judicial e sob o crivo do
contraditório, com destaque para versão oferecida por Maria Francisca (fls. 143),
esposa da vítima, é firme quando afirmou que os réus, identificando-se como
policiais, estiveram em sua casa, dizendo que gostariam de falar com seu marido,
a vítima, disse que houve uma busca na casa e, em seguida, o seu marido deixou
a casa na companhia dos réus, tendo um dos réus de lá saindo dirigindo o Tempra
da vítima. Já a vítima Carlos Henrique, ouvida em Juízo (fls. 140), disse que, de
fato, os réus estiveram em sua casa dizendo que estavam a procurar armas, drogas
e prostituição infantil, tendo ele franqueado a entrada deles em sua casa, de onde
saiu com destino a via Dutra na companhia dos réus, com os quais almoçou em um
restaurante e de lá, deixando o seu veículo na posse dos réus, retornou a casa, no
veículo de um dos réus, a pretexto de pegar um celular que havia sido esquecido
pelos policiais em sua casa, porém, ao retornar ao tal restaurante, logo percebeu
R.T.J. — 198 697

que o seu carro lá não mais estava e ao procurar se informar foi abordado por dois
outros policiais que, segundo a vítima, a jogaram no chão e a algemara, sendo
levado para a DPO de Arrozal, contudo esclarece que os policiais dele não
solicitaram qualquer quantia como preço do resgate, não obstante, em sede
policial, no mesmo dia dos fatos, não tivesse tido a mais mínima dúvida em
afirmar que os policiais réus dele exigiram R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para
liberá-lo, tudo mediante ameaça de morte, tanto que recebeu uma ligação, via
celular, ao seu ver do irmão Edson ou seu vizinho Sebastião, para quem disse
necessitar de tal quantia.
Sebastião, depondo em Juízo (fls. 150), disse que assistiu parte do
depoimento da vítima na DP de Barra Mansa, podendo afirmar, e isto é muito
importante, que a vítima, naquela oportunidade, em linhas gerais, afirmou que foi
pega em casa pelos acusados e que estes queriam dinheiro.
Vê-se, pois, sem esforço, que a prova é firme no sentido de apontar a
responsabilidade dos apelantes, como bem sentenciou o Dr. Juiz a quo, cabendo,
ainda, destacar que o Dr. Delegado de Polícia que presidiu a investigação policial
foi incisivo ao afirmar que a vítima se mostrou muito nervosa, com medo dos
acusados, temendo efetivamente por sua vida, eis que no curso da empreitada
houve ameaça de morte. Este depoimento do Delegado foi prestado em juízo, em
fls. 237/239, sob o crivo do contraditório.”
Apoiada a condenação em prova válida e tida por suficiente, não há nulidade a
reconhecer.
O fato de a vítima não ter confirmado em Juízo o seu depoimento durante o inquérito
não significa que o julgador, com base em outros elementos da instrução, sob o
contraditório e ampla defesa, não possa concluir pela condenação.
Indefiro a ordem: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.410/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Eduardo Leonel
Brandão e Carlos Alberto Braga de Castro. Impetrantes: Manuel de Jesus Soares e outro.
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente,
justificadamente, o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

.
698 R.T.J. — 198

HABEAS CORPUS 85.549 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Pacientes: Carlos Alberto Machline, Paulo Ricardo Machline e Sérgio Alexandre
Machline — Impetrante: Alberto Zacharias Toron — Coator: Superior Tribunal de
Justiça
I - Habeas corpus: recurso ordinário ou impetração substitutiva
dele: exigência de fundamentação pertinente.
II - Omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias
descontadas de empregados: denúncia: aptidão.
Tratando-se de crimes societários em que não se verifica, de plano,
que “as responsabilidades de cada um dos sócios ou gerentes são
diferenciadas, em razão do próprio contrato social relativo ao registro da
pessoa jurídica envolvida”, não há inépcia da denúncia pela ausência de
indicação individualizada da conduta de cada indiciado, sendo suficiente
a de que “os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução
da sociedade sob a qual foram supostamente praticados os delitos” (HC
85.579, Segunda Turma, 24-5-05, Gilmar, DJ de 24-6-05).
A condição de gestores da empresa, nos sucessivos períodos da
prática dos fatos delituosos, basta a fundar a imputação inicial feita a
cada um dos pacientes, não se prestando o habeas corpus à verificação do
efetivo exercício da gestão, no período em que por ela responsável.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus contra acórdão do
Superior Tribunal de Justiça que, à unanimidade, confirmou o recebimento de denúncia
que imputa aos pacientes e a outros co-réus a prática do crime previsto no art. 168-A do
Código Penal.
Colhe-se da denúncia que, após qualificar os denunciados e especificar os
respectivos períodos de gestão na empresa1, assim descreveu os fatos (fls. 13/16):

1 Carlos Machline — “gestão de 9-1994 a 10-2002”; Sérgio Machline — “gestão de 5-1995 a 5-


1996 e 3-2000 a 1-2002”; Paulo Machline — “gestão de 5-1995 a 10-2002”.
R.T.J. — 198 699

“(...)
1. Consta dos autos que os denunciados, na qualidade de representantes
legais da empresa Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos — (...), deixaram de
repassar aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, no prazo
devido, as contribuições previdenciárias descontadas de seus funcionários nos
períodos de 01/1992 a 15/1992; 01/1993; 08/1992 a 02/1994; 06/1999; 08/1999
a 09/2000.
2. Restaram demonstradas, em regular procedimento administrativo, autoria
e materialidade delitivas, pois os denunciados deixaram de recolher o montante
total de R$ 187.610,16, de acordo com as NFLDs n. 35.014.394-3 (fls. 06/36) e
35.014.398-6 (fls. 79/96), nos valores respectivos de R$ 96.619,11 e R$
90.911,05, já acrescidos os valores relativos à multa e aos juros moratórios, e
tendo em vista que o débito consubstanciado na NFLD 35.014.396-0 (fls. 56/67),
no valor de R$ 1.382,00, encontra-se liquidado (fls. 364).
3. Observe-se, ainda, conforme o ofício de fls. 364/374, que a empresa não
aderiu ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), nem parcelou seus débitos
perante o INSS.
4. Deste modo, incorreram os agentes na descrição do tipo penal previsto no
artigo 168-A do Código Penal.
5. Os denunciados eram capazes à época dos fatos, possuíam consciência de
sua ilicitude e deles se exigia conduta diversa.
6. Tais as circunstâncias, requer o Ministério Público Federal a instauração
da ação penal com o recebimento desta denúncia, citando-se os réus para todos os
termos do processo até final julgamento.
(...).”
Alega-se: (a) ausência de base empírica para a denúncia; (b) inadmissível
responsabilização objetiva, pois a denúncia, depois de reconhecer que os pacientes não
estavam na gestão da empresa durante todos os períodos, imputa indistintamente a todos
os acusados a prática dos fatos delituosos; (c) inépcia da denúncia, dado que “não
indica qual ato gesto ou conduta vincula cada acusado com o crime que aponta”
(Código de Processo Penal, art. 41).
Invoca precedentes do Tribunal, todos no sentido de que, na denúncia, há de ser
estabelecido o vínculo de cada acusado com o ilícito, malgrado sem a exigência de
descrição pormenorizada dos fatos (v.g., HH 736.324, 1ª T., 12-3-96, Ilmar, DJ de 26-
4-96; 80.549, 2ª T., 20-3-01, Jobim, DJ de 24-8-01; 83.948, 2ª T., 20-4-04, Velloso,
DJ de 7-5-04; 83.301, 1ª T., Peluso, DJ; Inq 169, Pl., 4-12-03, Velloso, DJ de 30-4-04).
O STJ deixou de analisar o primeiro dos fundamentos do pedido, dada a deficiência
da instrução.
E afastou as demais, sob o fundamento de que a denúncia, no caso, não inviabiliza
o exercício da ampla defesa, sobretudo porque especificou “os períodos de gestão de
cada paciente à frente da empresa”.
.
700 R.T.J. — 198

Ademais, depois de mencionar que a jurisprudência tem abrandado os rigores


formais do art. 41 do Código de Processo Penal quanto aos crimes societários, acolheu a
seguinte passagem do parecer do Ministério Público Federal:
“Os pacientes foram denunciados na condição de gestores da empresa
referida nos períodos assinalados, aos quais inegavelmente competia a tomada de
todas as decisões a ela pertinentes, circunstância que há de ser tida ao menos
como indício veemente de autoria. Portanto, partes manifestamente ilegítimas com
certeza não o são.
E por esta mesma razão é que não se cuida, pelo menos nessa fase, de
responsabilidade penal objetiva.
Com efeito, o que se veda é a responsabilidade sem que haja, entre a ação ou
omissão do agente e o resultado produzido, relação de causalidade. A condição
de administradores da empresa, nessa fase da ação penal, é suficiente a autorizar a
conclusão da ocorrência dessa relação.”
Consta dos autos que foi decretada extinta a punibilidade, por falecimento, de
Mathias Machline e Renato Buonomo (fl. 30), bem como de outros seis acusados,
dado o pagamento, antes do recebimento da denúncia, dos débitos relativos aos
períodos em que se encontravam eles na gestão da empresa (Lei 9.249/95, art. 34; fls.
29/31).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-Geral
Haroldo da Nóbrega, opinou pelo conhecimento parcial da ordem e, na parte
conhecida, pela sua denegação, na linha do acórdão impugnado (fls. 68/76).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

I
O STJ não conheceu do habeas corpus quanto à alegação de ausência de base
empírica para a denúncia, pois a impetração àquela Corte não fora instruída com as
“cópias dos documentos que acompanham a peça acusatória”, tidas por indispen-
sáveis.
Não afasto, de logo, a possibilidade de o Supremo conhecer nessa parte do habeas
corpus, ainda que para “aferir da correção dos motivos do não-conhecimento” (v.g., HC
80.620, 1ª T., 6-3-01 Pertence, DJ de 27-4-91).
Para tanto, contudo, tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, como no caso, é necessário que a impetração “contenha fundamentação
pertinente à decisão denegatória que impugna”, ou ao menos “desenvolva tese
contrária à sua motivação” (v.g., HC 79.804, 1ª T., 8-2-00, Pertence, DJ de 3-3-00), o
que não ocorreu.
Não conheço, no ponto, do habeas corpus.
.
R.T.J. — 198 701

II
Não há falar que, segundo a denúncia, os pacientes também estariam respondendo
“pelo não-recolhimento das contribuições” de “outras gestões”.
Nem a impetração contesta que os períodos de gestão dos pacientes, ao menos em
parte, coincidem com aqueles em que supostamente não foram repassadas ao INSS as
contribuições descontadas dos empregados.
Segundo a denúncia, com efeito, Carlos Machline e Paulo Machline2 estavam na
gestão da empresa nos períodos de junho de 1999 e de agosto de 1999 a setembro de
2000, enquanto Sérgio Machline3 teria participado da gestão entre março e setembro de
2000.
E é somente quanto a tais períodos que efetivamente cada um dos pacientes está
respondendo ao processo, conforme se extrai da indicação da época em que detiveram a
gestão da empresa.
Pelo que se pode inferir dos autos, ademais, não é outro o motivo pelo qual se
reconheceu a extinção da punibilidade quanto aos co-réus que estariam na gestão da
empresa “apenas nos anos de 1992, 1993 e 1994” — Aziz Naufal, Luiz Gonçalves e
João Muratório Filho —, pois relativamente a este período houve a posterior compro-
vação do pagamento do débito previdenciário antes do recebimento da denúncia (Lei
9.249/95, art. 34 — fls. 30/31.

III
Também não há pretender fosse exigível a descrição de qual “ato gesto ou conduta”
vincula cada paciente ao delito.
Conforme asseverei no HC 81.828, Primeira Turma, “a dificuldade da apuração
de certos fatos — cujo exemplo mais eloqüente são os chamados delitos societários —
não basta a elidir a garantia constitucional da personalidade da responsabilidade
penal”.
Na oportunidade, contudo, ressaltei que os temperamentos ao princípio ortodoxo
de individualização da conduta de cada denunciado devem ser analisados caso a caso.
Aqui, a condição de gestores da empresa no período da prática dos fatos delituosos
basta a fundar a imputação inicial a eles feitas de co-responsáveis pelas infrações.
Não se trata de fazer concessão à responsabilidade penal objetiva nos crimes
societários: cuida-se, apenas, de admitir que, conforme ressaltou o acórdão impugnado
ao acolher o parecer do MPF, a circunstância de terem sido os pacientes denunciados na
condição de dirigentes da empresa, aos quais cabe, a princípio, tomar as decisões a ela
pertinentes, “há de ser tida ao menos como indício veemente de autoria” (fl. 64).

2 Carlos Machline — “gestão de 9-1994 a 10-2002”; Paulo Machline — “gestão de 5-1995 a 10-
2002”.
3 Sérgio Machline — “gestão de 5-1995 a 5-1996 e 3-2000 a 1-2002”;
702 R.T.J. — 198

Nesse sentido o HC 85.579, Segunda Turma, 24-5-05, Gilmar, DJ de 24-6-05,


quando se assentou que — na linha da jurisprudência dominante do Tribunal4 —,
tratando-se de crimes societários em que não se verifica, de plano, que “as responsabili-
dades de cada um dos sócios ou gerentes são diferenciadas, em razão do próprio
contrato social relativo ao registro da pessoa jurídica envolvida”, não há inépcia da
denúncia pela ausência de indicação individualizada da conduta de cada indiciado,
sendo suficiente a de que “os acusados sejam de algum modo responsáveis pela
condução da sociedade sob a qual foram supostamente praticados os delitos”.
Ressalte-se que — à semelhança do que acentuaram os em. Ministros Relatores dos
HHCC 84.402, Primeira Turma, 3-8-04, Marco Aurélio, DJ de 17-8-04; 83.369, Primei-
ra Turma, 21-10-03, Britto, DJ de 28-11-035 —, regra geral, não cabe no habeas corpus
o exame da questão relativa ao efetivo exercício da gestão da empresa, que há de ser feito
pelas instâncias de mérito à luz da instrução.
Esse o quadro, conheço em parte do habeas corpus e, nessa parte, o indefiro: é o
meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, Vossa Excelência ressaltou —
e isso já tinha chamado a minha atenção — a circunstância que está no parecer da
Procuradoria-Geral da República. A ação penal foi extinta — e creio que, aí, deu-se a
declaração da extinção da punibilidade em relação a seis acusados — considerado o
disposto no artigo 34 da Lei n. 9.249/95. Ora, esse fato já seria conducente a concluir-se
que houve a individualização, na peça primeira da ação penal, da responsabilidade de
cada qual dos acusados. Veio o voto de Vossa Excelência, em que pese ao brilho da
sustentação feita da tribuna pelo Dr. Toron, a elucidar que, no caso, atribuiu-se de forma
concreta, com delimitação no tempo, a responsabilidade dos hoje pacientes deste
habeas corpus.

4 Cf. HHCC 84.663, Segunda Turma, 23-11-04, Barbosa, DJ de 18-2-05; 82.242, Segunda
Turma, 17-9-02, Gilmar, DJ de 11-10-02; 73.903, Rezek, DJ de 25-4-97; HC 74.791, Ilmar, DJ de
9-5-97; RHC 65.369, Moreira, DJ de 27-10-87; RHC 59.857, Firmino Paz, DJ de 10-12-82), entre
outros.
5 Colhe-se do voto do em. Relator, Ministro Marco Aurélio, HC 84.402: “(...) Quanto à alegação
de não haver a paciente exercido, de forma efetiva, a administração da empresa, há de aguardar-se
o desenrolar da instrução e certamente a defesa estará atenta à necessidade de infirmar o que
decorre do próprio contrato social. O que não é possível, nesta fase, como salientado pela
Procuradoria-Geral da República, é realizar-se esse exame, afastando-se até mesmo o princípio do
juiz natural e procedendo-se sem a indispensável instrução probatória. O contrato social que está no
apenso revela, na cláusula alusiva à administração da sociedade, que ambos os sócios
gerenciariam, contando com amplos e ilimitados poderes. (...)”
Assim também no HC 83.369, quando o em. Ministro Carlos Britto destacou ser “instrução
criminal a fase propícia para esclarecer em definitivo a real participação dos pacientes nos eventos
tidos por criminosos (...)”.
R.T.J. — 198 703

Tem-se o envolvimento de prática criminosa por pessoa jurídica. E, quando se


busca a responsabilidade no campo penal, parte-se para aqueles que a administraram no
período respectivo. Exerceram, portanto, atos de gestão.
Por isso, não deixando de ressaltar a clareza da sustentação feita da tribuna, creio
que ela não se mostrou adequada ao caso concreto.
Acompanho o voto de Vossa Excelência e indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.549/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Carlos Alberto
Machline, Paulo Ricardo Machline e Sérgio Alexandre Machline. Impetrante: Alberto
Zacharias Toron. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Falou pelos
pacientes o Dr. Alberto Zacharias Toron.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 85.623 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Recorrente: Tânia Regina de Souza Fróes Anghinoni — Recorrido: Ministério
Público Federal
Recurso ordinário em habeas corpus. Alegação de nulidade da con-
denação pela não-abertura de prazo para a manifestação da defesa sobre
suposta mutatio libelli.
Denunciada pelo crime de peculato doloso, a paciente foi condenada
pela prática de peculato culposo. Inocorrência de mutatio libelli em face
da simples desclassificação de delito.
Condenação reformada pelo Tribunal local, que reenquadrou a
conduta no caput do art. 312 (peculato doloso), nos exatos termos da
denúncia. Inexistência de constrangimento ilegal.
Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
.
704 R.T.J. — 198

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário, manejado
contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no qual se busca a nulidade do aresto
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisum, este último, que
reformou a sentença de primeira instância, de modo a colocar a paciente em situação
mais gravosa.
2. Colhe-se dos autos que a paciente foi denunciada pela suposta prática do crime
de peculato doloso (art. 312, caput, do CP). Isso porque, na qualidade de diretora da
Serprev (Serviço de Previdência Social dos Funcionários Públicos Civis do Município
de Serra Negra/SP), “efetuava o pagamento de notas de empenho fraudulentas (...)”, no
contexto de um esquema de “contratação de advogadas inexistentes”. Eis o que se
contém na mencionada denúncia:
“Em conluio e unidade de propósitos, a denunciada Roseli, contadora da
autarquia, que ingressou na mesma através de concurso público fraudado pelos
demais denunciados, efetuava o pagamento das notas de empenho fraudulentas, e
assinava as cártulas conjuntamente com Tânia (ora recorrente), e as entregava a
Alessandro.
O denunciado Alessandro, após receber as cártulas preenchidas e assinadas
pelas demais denunciadas, procedia ao depósito das mesmas na conta-corrente de
seu namorado, a testemunha Fábio Luis Adami, conforme por este narrado visando
a ‘lavagem do dinheiro’ desviado.
Sendo assim, caracterizou-se o delito de peculato praticado pelos denun-
ciados Alessandro, Tânia e Roseli, posto que, após simularem a contratação de
advogadas inexistentes, as duas acusadas emitiam as notas de empenho fraudu-
lentas; preenchiam as cártulas da autarquia; assinavam as mesmas e entregavam a
Alessandro, que depositava os valores na conta-corrente de Fábio, e sacava o
mesmo em proveito próprio ou alheio”.
3. Pois bem, em que pese a denúncia pelo crime de peculato doloso, a recorrente se
viu condenada pelo crime de peculato culposo, fixada sua apenação em 5 meses e 10
dias de detenção, substituída a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária. Eis
as razões invocadas pelo juízo sentenciante para desclassificar a infração para a modali-
dade culposa:
“(...) Portanto, comprovado restou na conduta do réu Alessandro o dolo,
ou seja, a vontade livre e consciente de obter um proveito próprio, de natureza
patrimonial.
Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação às rés Tânia (ora recor-
rente) e Roseli, tendo ficado comprovada quanto às mesmas apenas a culpa, na
modalidade de negligência (...).
A ré Tânia (recorrente), como diretora do Serprev, autorizou a emissão dos
cheques, através dos empenhos respectivos, que foram elaborados por Roseli, a
seu pedido, e assinou as cártulas, em conjunto com esta última, para pagamento às
pessoas supostamente contratadas por Alessandro.
R.T.J. — 198 705

Por seu turno, Roseli, como contadora, elaborou as notas de empenho e


emitiu os cheques para pagamento (...), assinando-os em conjunto com Tânia.
Entretanto, nenhuma das duas verificou a regularidade das contratações
ou a efetiva prestação do serviço por aquelas pessoas, antes de assinarem os
cheques, cautelas estas que lhe cabiam em virtude dos cargos que ocupavam. E,
o que comprova que realmente não tomaram o cuidado de verificar a efetiva
entrega do trabalho por ‘Solange’ e ‘Patrícia’ é o fato de que até a presente data, o
pretenso trabalho não foi localizado na autarquia...
Assim, o réu Alessandro, contando com a negligência de Tânia e Roseli,
em mais de uma oportunidade, desviou verba pública, em razão do exercício de
cargo na autarquia, o que redundou no seu enriquecimento ilícito, fato este que
se enquadra na conduta típica descrita no artigo 312, caput, do Código Penal;
devendo as co-rés Tânia e Roseli responderem pelo delito previsto no § 2º do
mesmo artigo”.
4. Sucede que, irresignada com o referido decisum, a recorrente, Tânia Regina de
Souza Fróes Anghinoni, dirigiu recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo. Assim também procedeu o Ministério Público local, sendo que o Tribunal de
Justiça negou o apelo da defesa e acolheu o da acusação, em ordem a reenquadrar a ora
demandante (Tânia) no caput do art. 312 do Código Penal. Vale dizer, a condenação de
Tânia passou a decorrer do crime de peculato doloso (tal como inicialmente descrito na
denúncia), e não mais da modalidade culposa (em tudo mais benéfica à condenada). Daí
a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, cujo não-conhecimento,
a seu turno, ensejou este recurso ordinário.
5. Sustenta-se, aqui, a nulidade da sentença condenatória de primeira instância. É
que tal ato decisório, ao condenar a recorrente por peculato culposo, e não por peculato
doloso (tal como indicado na denúncia), teria incorrido em mutatio libelli, e, por isso
mesmo, impor-se-ia a prévia abertura de prazo à defesa, nos termos do art. 384 do CPP. A
não-observância do art. 384 do CPP, pois, causaria a nulidade da sentença condenatória,
por ofensa às garantias da ampla defesa e do contraditório.
6. Prossigo neste relato para consignar que o Ministério Público Federal, em
parecer do Procurador-Geral, Professor Cláudio Fonteles, opinou pelo desprovimento
do recurso.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Antes de tudo, anoto que a paciente é
co-ré de Roseli Palhares de Oliveira, cujo recurso já foi julgado por esta Turma na
semana passada. Pelo que, também neste caso, a tese central do recurso consiste em saber
se a sentença de primeira instância, ao condenar a recorrente por peculato culposo, e não
por peculato doloso (tal como capitulado na denúncia), teria incorrido em mutatio
libelli, com o fito de impor a observância do art. 384 do CPP. Todavia, bem vistas as
coisas, entendo que é de se acatar o parecer do Ministério Público Federal, vazado nos
seguintes termos (fls. 195/197):
706 R.T.J. — 198

“(...) quanto ao mérito, não assiste razão ao recorrente.


O Il. 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, autori-
dade indigitada coatora, bem resumiu a hipótese dos autos, verbis:
‘Nos autos da ação penal n. 156/2000 da 2ª Vara da Comarca de Serra Negra,
por r. sentença proferida em 27-3-2001 a paciente foi condenada como
incursa no art. 312, § 2º, por cinco vezes, c.c. art. 327, § 2º, na forma do
artigo 71, todos do Código Penal, à pena de 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias
de detenção. A MM. Juíza de Direito, usando da faculdade contida no
artigo 44, § 2º, parte final, do Código Penal (com a redação dada pela Lei
n. 9.714, de 25-11-1998) substituiu a pena privativa de liberdade por
prestação pecuniária consistente no pagamento de 13 (treze) salários
mínimos vigentes, em prol do asilo local (artigo 45, § 1º supra), facultando
o recurso em liberdade, e, se necessário, o regime aberto para eventual
cumprimento da pena corporal.
A paciente e o Ministério Público apelaram. A Colenda Quinta
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo julgado em 19-2-
2004 a Apelação Criminal n. 355.785-3/7, por votação unânime deu parcial
provimento ao recurso da Justiça Pública para fazer incidir na condenação
da paciente o caput do artigo 312 do Código Penal, resultando as penas
em 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 66 (sessenta e
seis) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade para 50
(cinqüenta) salários mínimos. Embargos de declaração foram recebidos
tão somente para esclarecimentos quanto à fundamentação do venerando
acórdão impugnado. Não consta dos autos certidão de trânsito em julgado.’
(fls. 86/87).
A impetrante aponta inobservância da regra que prevê a mutatio libelli.
Todavia, não restou demonstrada qualquer nulidade ou prejuízo para a impetrante,
pois o magistrado, à luz tão somente dos elementos contidos na denúncia,
desclassificou o delito de doloso para culposo, fato que, aliás, beneficiou a ré, não
tendo havido, na hipótese, necessidade de baixa do processo à defesa nos termos do
art. 384 do CPP.
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo não provimento do
recurso ordinário em habeas corpus”.
9. Presente esta ampla moldura, além de também achar não ser o caso de mutatio
libelli, ressalto que a sentença questionada veio a ser reformada pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, tribunal que reenquadrou a conduta da ré no caput do
art. 312 (peculato doloso), precisamente como descrito na denúncia. Logo, ainda que
houvesse mutatio libelli (e não houve), essa não mais subsistiria, já que o aresto
proferido pela Corte de segunda instância condenou a ora recorrente nos exatos
termos da denúncia.
10. Tudo isso posto, meu voto acolhe o parecer da douta Procuradoria-Geral da
República e nega provimento ao presente recurso ordinário, exatamente nos termos do
RHC 85.657, interposto por Roseli Palhares de Oliveira, então co-ré.
R.T.J. — 198 707

EXTRATO DA ATA
RHC 85.623/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Tânia Regina de
Souza Fróes Anghinoni (Advogado: Wladimir Valler). Recorrido: Ministério Público
Federal.
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.910 — MS

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente e Impetrante: Roberval Maurício Cardoso Rodrigues ou Ruberval Maurí-
cio Cardoso Rodrigues ou Ruberval Maurício Cardoso — Coator: Presidente da 1ª
Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal de Campo Grande
Habeas corpus. Prevaricação. Atipicidade.
Evidenciado que a acusação se cinge ao fato de o delegado de polícia
ter devolvido pequena quantia em dinheiro, apreendida com traficantes
de drogas, a fim de que estes repassassem a duas companheiras estranhas
ao tráfico, para retornarem à cidade de origem, resulta patente a
atipicidade relativa ao crime de prevaricação.
Ordem concedida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus nos termos do voto do Relator.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente, delegado de polícia civil, foi indiciado em
Termo Circunstanciado de Ocorrência por suposto crime de prevaricação porque devol-
veu a um dos traficantes de cocaína que prendera em flagrante a quantia de R$ 220,00
(duzentos e vinte reais), a fim de que este custeasse o retorno de duas acompanhantes à
cidade de origem, já que elas não tinham nada a ver com o tráfico de entorpecentes.
708 R.T.J. — 198

2. Alega falta de justa causa para a instauração do Termo Circunstanciado de


Ocorrência (TCO), porque sua conduta não foi dolosa, como requer o tipo penal. A
devolução foi feita por razões humanitárias, visto que as mulheres não tinham recursos
para regressar aos seus lares, além do que a quantia era insuficiente para a prática do
tráfico. Argumenta, ademais, com o princípio da insignificância.
3. Requer a concessão de liminar, a fim de suspender o trâmite do TCO; no mérito,
o deferimento do writ para trancá-lo definitivamente.
4. A PGR é pela concessão.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Leio os seguintes trechos do parecer do
Subprocurador-Geral da República Haroldo Ferraz da Nóbrega:
“A inicial sustenta que não há justa causa para o TCO. Dela destaco:
‘II - Ausência de justa causa quanto ao TCO
Resumidamente, atente-se para a realidade fática da situação que
ensejou o entendimento de haver o impetrante prevaricado: quando esteve
lotado no Denar/MS (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfi-
co), o impetrante efetuou a prisão em flagrante de José Gomes dos Santos e
Itamar Pereira do Nascimento, na posse de 66 quilogramas de cocaína, no
Posto da Polícia Rodoviária Federal, no município de Miranda/MS. Ditos
cidadãos tinham em sua companhia duas mulheres (Maria Helena de
Oliveira e Suely Vieira da Silva), moradoras de Rondonópolis/MT, que
nem sequer sabiam do transporte de substâncias entorpecentes, estando
conhecendo o Pantanal, a convite daqueles, motivo pelo qual foram inquiri-
das e liberadas. Como suas despesas vinham sendo pagas por Itamar
Pereira do Nascimento, com quem foram apreendidos R$ 220,00 (duzentos
e vinte reais), quantia esta insuficiente para ser utilizada para a prática de
tráfico de entorpecentes, na forma do art. 34, da Lei n. 6.368/76.
Ante a afirmação do prisioneiro de que tal importância seria utili-
zada para a compra de passagens para as mulheres retornarem a sua
cidade de origem, e considerando a inexistência de qualquer numerário
na posse das mesmas, nem para alimentação, e, ainda, diante do pedido
expresso do réu preso, o impetrante, atuando como autoridade policial e
observando as disposições vigentes, entregou o dinheiro a Itamar, que, no
mesmo instante, e, na frente do impetrante e dos demais policiais do
Denar/MS, o repassou às mulheres (Auto de Entrega de fl. 61)’
Na investigação disciplinar, o paciente foi inocentado pela autoridade
sindicante.
(...)
Os fatos, no caso, são certos e nada obsta a que sejam examinados através de
habeas corpus.
R.T.J. — 198 709

(...)
O paciente, no caso, praticou apenas um gesto de humanidade, com inteiro
apoio legal, visando a evitar que as Sras. Maria Helena de oliveira e Suely Vieira
da Silva — que nenhuma participação tiveram com o tráfico, ver fls. 30/1, são
apenas testemunhas e, nos termos do art. 202 do CPP ‘Toda pessoa poderá ser
testemunha’ — tivessem que fazer penosa mendicância para adquirir numerário
para retornar à cidade de origem.
(...)
O parecer é pela concessão da ordem, nos termos do pedido.”
2. É patente a falta de justa causa para a persecução penal quanto ao crime de
prevaricação.
Acolho a manifestação ministerial e defiro o habeas corpus para determinar o
trancamento do Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO n. 015.04.000880-5, em
trâmite no Juizado Especial da Comarca de Miranda/MS.

EXTRATO DA ATA
HC 85.910/MS — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente e Impetrante: Roberval
Maurício Cardoso Rodrigues ou Ruberval Maurício Cardoso Rodrigues ou Ruberval
Maurício Cardoso (Advogados: Angelo Sichinel da Silva e outro). Coator: Presidente da
1ª Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal de Campo Grande.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Não participaram deste julgamento os Ministros Marco Aurélio e
Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.950 — PE

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: José Fernando Victor da Silva — Impetrante: Inaldo Fernando Ramos
de Oliveira — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Homicídios consumados e tentados. Ausência de
citação pessoal no endereço fornecido na denúncia. Tentativa frustra-
da de citação na forma do artigo 358 do Código de Processo Penal.
Citação por edital. Nulidade. Inocorrência. Constituição de defesa
técnica.
710 R.T.J. — 198

1. Paciente militar preso em flagrante sob a acusação da prática de


dois homicídios consumados e de três tentativas. Fuga. Tentativa
frustrada de citação na forma do artigo 358 do Código de Processo
Penal. Citação por edital. Alegação de nulidade ao argumento de que o
paciente não foi procurado para citação pessoal no endereço constante
da denúncia. Improcedência: tendo o Oficial de Justiça certificado que
deixou de citar o paciente na unidade militar em que servia porque fora
informado que ele se encontrava deserto, considerando ainda a fuga
empreendida, é válida a citação por edital.
2. Se houvesse nulidade, estaria sanada com a constituição de defesa
técnica, que atuou desde o início do processo, requerendo medidas caute-
lares, apresentando defesa prévia, indicando testemunhas e acompa-
nhando as oitivas.
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente, que é policial militar, e outros foram
denunciados e pronunciados pela prática do crime tipificado no artigo 121, § 2º, incisos
II, IV e V, c/c os artigos 29 e 14, II, todos do Código Penal (dois homicídios qualificados
e três tentativas de homicídios).
2. Consta da denúncia que “os acusados chegaram ao bar numa Marajó, de cor
branca, acompanhados por uma mulher desconhecida e, após beberem, saíram do referido
estabelecimento comercial. Passados alguns minutos, José Fernando e Antônio José
retornaram ao bar, acompanhados do terceiro denunciado, que não efetuou nenhum
disparo, e com armas em punho, executaram fria e covardemente Tiago Fernando Soares
e Luiz Daniel da Silva, que se encontravam desarmados e foram apanhados de surpresa,
já que não esperavam pela agressão, tendo em vista não ter havido motivo aparente para
a ação criminosa, conforme se vê dos documentos de fls. 14 e 15, corroborados pelos
depoimentos constantes dos autos, produzindo ainda lesões corporais em José Ricardo
de Santana Oliveira e Luciano Roseno Tabosa” (fl. 11 do apenso 2).
3. Impetrou habeas corpus no TJ de Pernambuco alegando nulidade da citação por
edital, ao argumento de que seu endereço constou da denúncia e mesmo assim o juiz, após
frustrada a citação na corporação militar a que servia, determinou que se expedisse edital,
sem procurá-lo no endereço fornecido, do que resultou violação dos princípios da ampla
defesa e do devido processo legal.
.
R.T.J. — 198 711

4. À denegação do habeas corpus pela Corte pernambucana sucedeu outra


impetração, desta feita no STJ, que, ao encampar o ato impugnado, passou a ocupar a
posição de autoridade coatora.
5. Daí este writ sob idênticas razões.
6. O impetrante requer seja anulado “o processo a partir da citação editalícia (...),
renovando-se os atos processuais (...), com respeito ao devido processo legal”. Plei-
teia, ademais, a concessão de salvo-conduto, a fim de que o paciente possa responder ao
processo em liberdade.
A PGR opina no sentido do indeferimento.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Observo de início que o paciente se encontrava
preso na delegacia, em razão do flagrante, e empreendeu fuga. Ao procurá-lo para
citação na corporação militar a que pertencia, na forma do artigo 358 do CPP1, o oficial
de justiça certificou que ele se encontrava deserto.
2. O parecer do Subprocurador-Geral da República Francisco Xavier Pinheiro
Filho, além de elucidativo na exposição da matéria, é correto na conclusão pelo indefe-
rimento da ordem:
“[O]bservo que a citação por edital do paciente deu-se em razão deste ter
foragido do local onde estava detido, tendo sido certificado às folhas 235 — verso
do apenso II, que o acusado não havia sido encontrado, apesar das diligências
empreendidas, inclusive, pela Polícia Militar de Pernambuco, fato que ensejou a
declaração de deserção. Daí a necessidade de proceder-se à citação por edital.
(...)
Cumpre consignar que a citação por edital não ocasionou prejuízos ao
paciente pois apesar de não encontrado, constituiu advogado para defendê-lo nos
autos (fls. 236 e 237 — apenso I), tendo este requerido inúmeras vezes a revogação
da custódia provisória (fl. 451, 463), oferecido defesa prévia e indicado testemu-
nhas (fl. 474/475), fato que motivou o magistrado do primeiro grau a revogar o
despacho que havia suspendido o processo, fazendo-se, assim, cessar os efeitos do
art. 366 do CPP (fl. 304 do apenso II).
Da análise dos documentos acostados aos autos, observo que o advogado
constituído pelo paciente acompanhou devidamente a instrução, pois além de
arrolar testemunhas, substituiu-as por outras, reiterou pedido de oitiva, requereu
adiamento de audiência, no que foi atendido, não havendo que se falar em
cerceamento de defesa (apenso II). Ressalte-se que na ausência do aludido advoga-
do em uma das audiências de oitiva das testemunhas de defesa, foi nomeada
defensora dativa ao paciente (fl. 450 — apenso II).
Assim, a meu ver, a pretensão de nulidade processual em razão da citação
por edital é totalmente improcedente, ante a ausência de prejuízo.”

1 CPP
Art. 358. A citação militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço.
712 R.T.J. — 198

3. É necessário que fique bem vincado que o paciente foi preso em flagrante e fugiu
da delegacia de polícia. Além disso, também é foragido da polícia militar, perante a qual
reponde por crime de deserção. Ora, ante essas circunstâncias, frustrada a citação na
forma do artigo 358 do CPP, em face da evidência de que seria inócua a citação no
endereço fornecido, ao Juiz não caberia outra alternativa senão a de proceder à citação
por edital.
4. Ademais, ainda que se admita a nulidade apontada, teria ela resultado sanada —
na forma do § 2º do art. 366 do Código de Processo Penal2 — com a presença do paciente
no processo, ao constituir defesa técnica com atuação desde o início da instrução,
requerendo medidas cautelares, apresentando defesa prévia, requerendo substituição de
testemunhas, acompanhando as oitivas, etc.
Denego a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.950/PE — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: José Fernando Victor da
Silva. Impetrante: Inaldo Fernando Ramos de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justifica-
damente, o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro
Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.047 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Loris Andrade Pessi — Impetrante: Osvaldo J. Pacheco — Coator:
Colégio Recursal de Bragança Paulista
Crime de desobediência: caracterização: descumprimento de ordem
judicial que determinou apreensão e entrega de veículo, sob expressa
cominação das penas da desobediência.

2 CPP
Art. 362 (...)
§ 2º Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus
ulteriores atos.
R.T.J. — 198 713

Caso diverso daquele em que há cominação legal exclusiva de


sanção civil ou administrativa para um fato específico, quando, para a
doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal (v.g. RHC
59.610, 1ª T., 13-4-82, Néri da Silveira, RTJ 104/599; RHC 64.142, 2ª T.,
2-9-86, Célio Borja, RTJ 613/413), deve ser excluída a sanção penal se a
mesma lei dela não faz ressalva expressa.
Por isso, incide na espécie o princípio da independência das instâncias
civil, administrativa e penal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus — substitutivo de
recurso ordinário — contra acórdão do Colégio Recursal de Bragança Paulista/SP, que
denegou a impetração lá ajuizada com o objetivo de trancar inquérito policial instaura-
do para apuração de crime de desobediência supostamente cometido pelo paciente
(Código Penal, art. 330).
O inquérito foi aberto mediante requisição do Juízo de Direito de Atibaia/SP, à
vista de descumprimento de decisão deste, que concedera “tutela antecipada” para
apreensão e entrega de veículo adquirido pelo paciente.
A “tutela antecipada” — confirmada pelo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
(fl. 64) — foi concedida nos autos de ação de rescisão contratual com pedidos de
restituição do veículo e perdas e danos, por estes fundamentos (fls. 22 e 64/65):
“Diante das alegações verossímeis da requerente, no sentido de que foi
vítima de inadimplemento doloso, assemelhado a estelionato, e que encontra
ressonância na prova documental e tendo em vista que aparentemente o veículo
automotor foi alienado fraudulentamente, corre o risco de sumir ou perecer facil-
mente, concedo a tutela antecipada para restituir o veículo à requerente, expedin-
do-se mandado de busca e apreensão e entrega, ficando a requerente por ora como
depositário. Cumprido. Citem-se”.
Em conseqüência, foi expedido o mandado de intimação, determinando que o
paciente entregasse imediatamente o veículo, “sob pena de não fazendo, estar
incidindo em crime de desobediência a ordem judicial, instaurando-se a ação penal
competente, além de arcar com a multa diária já fixada” (fl. 59).
Alega-se falta de justa causa, sob o fundamento de que, havendo imposição de
multa diária (fl. 40), afasta-se o crime de desobediência.
.
714 R.T.J. — 198

O MPF, em parecer da lavra da Il. Subprocuradora-Geral Delza Rocha, opinou pelo


indeferimento da ordem, ressaltando, de um lado, que “as esferas civil, administrativa e
penal são independentes, não havendo pertinência a afirmação do impetrante, no
sentido de que a aplicação de multa civil ou administrativa retira a tipicidade do
ilícito”, e, de outro, que o habeas corpus não é a via idônea para postular o trancamento
de ação penal ou do inquérito quando, como no caso, a falta de justa causa não se verifica
de pronto (fls. 112/116).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Já acentuava Hungria1 que, “se pela
desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penali-
dade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a
dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330”, como o faz o art.
219 do Código de Processo Penal2.
Essa parece ser a corrente majoritária, à qual também se alinham, dentre outros,
Cezar Bitencourt3, Damásio de Jesus4 e Guilherme Nucci5.
Assim também no RHC 64.142, Segunda Turma, 2-9-86, Célio Borja, RTJ 613/
413, no qual a Turma decidiu que “não se configura, sequer em tese, o delito de
desobediência quando a lei comina para o ato penalidade civil ou administrativa”,
sem “ressalva legal da cumulação (...) com a criminal”.
Tratava o caso de aplicação de multa com base no art. 433, parágrafo único, do
Código de Processo Civil, na redação anterior às Leis 8.455/92 e 10.358/016.
A rigor, é o mesmo entendimento firmado no RHC 59.610, Primeira Turma, 13-4-
82, Néri da Silveira, RTJ 104/599, que também se referia à hipótese em que “o próprio
diploma legal prevê, expressamente, a possibilidade de reprimenda, em ambas as
esferas”.

1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. v. 9, p. 420.


2 1. Redação anterior:
“Art. 219. O juiz poderá impor à testemunha faltosa prisão até 15 dias, sem prejuízo do processo
penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.”
2. Redação posterior à Lei 6.416/77:
“Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do
processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.
(Redação dada pela Lei n. 6.416, de 24-5-1977)”.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1120.
4 JESUS, Damásio E. Direito Penal. 6. ed. v. 4, São Paulo: Saraiva, 1995. p. 187.
5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 823.
6 1. Redação anterior:
“Art. 433. O perito e os assistentes técnicos apresentarão o laudo em cartório pelo menos dez (10)
dias antes da audiência de instrução e julgamento.
R.T.J. — 198 715

Os precedentes, contudo, se referem à cominação exclusiva de sanção civil ou


administrativa para um fato específico, de tal modo que, se a mesma lei não faz ressalva
expressa, se deve entender excluída a sanção penal.
Aqui, a situação é diversa.
A aplicação de multa diária — tal como a imposta ao paciente — constitui modali-
dade de sanção civil, que não se dirige a um fato específico: ao contrário, funda-se em
disposição relativamente aberta que, antes de excluir a sanção penal por desobediência à
ordem judicial, busca compelir ao cumprimento desta, por motivos que, a depender da
situação concreta, somente a referida cumulação poderá tornar eficaz.
Por isso, incide o princípio da independência das instâncias civil, administrativa e
penal.
Indefiro a ordem: é o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia para divergir.
Entendo que, no caso, não temos a configuração do tipo penal, porque houve
pronunciamento do Estado-juiz no sentido de se proceder, no processo, que penso cível,
à entrega de um bem móvel. Essa determinação foi formalizada, cominando-se, no caso
de descumprimento, a pena de multa diária.
A meu ver, nessa hipótese concreta, em que há em curso um processo específico, de
procedimento próprio, não se pode entender que a inobservância da ordem judicial
configura, em si, o tipo penal. Cumpre executar a ordem judicial, caminhar-se para a
imposição da multa prevista e, até mesmo, expedir mandado de busca e apreensão do bem.
Porém, ter-se como autor — agente do crime de desobediência — aquele que está envolvido
na pendência judicial cível por não ter observado a determinação de pronta entrega do
veículo, sob o meu ponto de vista, é um passo demasiadamente largo, com a devida vênia.
Por isso, concedo a ordem para trancar o inquérito, tendo em conta a atipicidade da
conduta.

EXTRATO DA ATA
HC 86.047/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Loris Andrade
Pessi. Impetrante: Osvaldo J. Pacheco. Coator: Colégio Recursal de Bragança Paulista.

Parágrafo único. Se o assistente técnico deixar de apresentar o laudo dentro do prazo assinado pelo
juiz ou até dez (10) dias antes da audiência, esta realizar-se-á independentemente dele. Se remisso for
o perito nomeado pelo juiz, este o substituirá, impondo-lhe multa, que não excederá dez (10) vezes o
salário-mínimo vigente na sede do juízo.”
2. Redação após as Leis 8.455/92 e 10.358/01:
“Art. 433. O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20
(vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento. (Redação dada pela Lei 8.455/92)
Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez)
dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo. (Redação dada pela Lei 10.358/01)”
716 R.T.J. — 198

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus,


vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Cláudia Sampaio Marques.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 87.172 — GO

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso


Recorrente: Eliene de Souza Ramos — Recorrido: Ministério Público Federal
Processo criminal. Defesa. Cerceamento caracterizado. Ré interro-
gada sem a presença de defensor, no dia de início de vigência da Lei n.
10.792, de 2003, que deu nova redação ao art. 185 do Código de Processo
Penal. Sentença que, para a condenação, se valeu do teor desse interroga-
tório. Prejuízo manifesto. Nulidade absoluta reconhecida. Provimento ao
recurso, com extensão da ordem a co-réu na mesma situação processual.
É causa de nulidade processual absoluta ter sido o réu qualificado e
interrogado sem a presença de defensor, sobretudo quando sobrevém
sentença que, para o condenar, se vale do teor desse interrogatório.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformi-
dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar
provimento ao recurso extraordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário de habeas corpus
interposto contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, ao apreciar o HC n. 40.404,
impetrado em favor de Eliene de Souza Ramos, o indeferiu, nos seguintes termos:
“Processual penal. Habeas corpus. Interrogatório do réu realizado na
data da publicação da Lei 10.792/2003. Ato processual realizado sem a presença
de defensor constituído ou nomeado. Nomeação para apresentação da defesa
prévia. Curso regular da ação penal até o julgamento da apelação de embargos
de declaração. Nulidade relativa. Preclusão. Liminar indeferida. Agravo regi-
mental prejudicado. Ordem denegada.
.
R.T.J. — 198 717

1. A paciente foi interrogada no dia 2-12-2003, data em que foi publicada a


Lei 10.792/2993, sem que tenha sido observada a necessidade da presença de
defensor constituído ou nomeado para a prática do referido ato processual, o que
constituiu inegável ilegalidade, nos termos do art. 185 do Código de Processo
Penal, com a redação dada pelo diploma legal acima referido.
2. Contudo, essa ilegalidade configura nulidade relativa, passível de
convalidação, nos termos do art. 572 do Estatuto Processual, que a considera
sanada quando não argüida em tempo oportuno, de acordo com o disposto no art.
571 do mencionado Código de Processo Penal, ou seja, no prazo para as alegações
finais.
3. No caso, ao final do interrogatório da paciente, diante de sua afirmação de
que não tinha advogado e nem condições de constituir um, o Juízo de Direito da
Comarca de Alexânia/GO nomeou defensor para patrocinar a sua defesa, determi-
nando, inclusive, a intimação deste para apresentar a defesa prévia no prazo legal,
tendo a respectiva ação penal curso regular até o julgamento da apelação pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, oportunidade em que, por meio de
embargos de declaração, foi suscitada pela primeira vez, extemporaneamente, a
aludida ilegalidade, já convalidada pela preclusão.
4. Se é certo que a intenção do legislador, ao proceder a alterações no
Código de Processo Penal, na parte relativa ao interrogatório do réu, foi assegu-
rar maior amplitude à defesa, permitindo a participação do defensor antes e
depois do interrogatório (CPP, arts. 185 e 188, coma redação dada pela Lei
10.792/2003), em homenagem aos princípios constitucionais da ampla defesa e
do contraditório, certo é, também, que não foi seu propósito elevar à categoria de
nulidade absoluta as eventuais irregularidades verificadas no referido ato pro-
cessual, pois, do contrário, teria alterado a redação do art. 572 do referido estatuto
processual.
5. Ademais, conforme consignado na respectiva Exposição de Motivos, o
Código de Processo Penal, ‘(...) é infenso ao excessivo rigorismo formal, que dá
ensejo, atualmente, à infindável série das nulidades processuais. (...). Se a parte
interessada não argúi a irregularidade ou com esta implicitamente se conforma,
aceitando-se os efeitos, nada mais natural que se entenda haver renunciado ao
direito de argüi-la. Se toda formalidade processual via um determinado fim, e este
fim é alcançado, apesar de sua irregularidade, evidentemente carece esta de impor-
tância. Decidir de outro modo será incidir no despropósito de considerar-se a
formalidade um fim em si mesma’.
6. Agravo regimental interposto contra o indeferimento da liminar reclamada
inicialmente prejudicado.
7. Ordem denegada por restar convalidada a nulidade relativa suscitada nesta
impetração, sendo certo que ‘(...) Tanto vulnera a lei aquele que inclui no campo de
aplicação hipótese não contemplada como o que exclui caso por ela abrangido’
(STF — HC 74.183/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 21-2-1997, p. 2.825)” (fls.
265-277).
.
718 R.T.J. — 198

A recorrente foi processada, juntamente com outros co-réus, perante o juízo da


Comarca de Alexânia/GO, pela prática do delito previsto no art. 157, § 3º, 2ª parte, do
Código Penal.
Recebida a denúncia no dia 1º de dezembro de 2003 (fls. 147-149), a ora recorrente
foi interrogada no dia seguinte, 2 de dezembro (fls. 153-155). Esse interrogatório,
todavia, deu-se sem a presença de defensor, conforme se infere do que consta à fl. 155:
“não tem advogado e nem condições de constituir um, razão pela qual o MM. Juiz
nomeou o Dr. Valdivino Clarindo Lima, para patrocinar a defesa da mesma, devendo o
mesmo ser intimado para apresentar a defesa prévia no prazo legal. Na oportunidade
fica desde já designado o dia 23-12-03, às 14:00 horas para inquirição das testemu-
nhas arroladas pela acusação” (fl. 155).
Ao fim do processo, a ora recorrente foi condenada à pena de 20 (vinte) anos de
reclusão, para cumprimento integral em regime fechado, e ao pagamento de 10 (dez)
dias-multa (fls. 224-231). Para chegar a tal decisão, o magistrado fundamentou seu
convencimento, textualmente dentre outros meios de prova, no teor do interrogatório da
ora paciente, conforme se verifica às fls. 226-227.
A defesa apelou (fls. 241-261). O Ministério Público, ao contra-arrazoar o recurso
de apelação (fls. 121-129), notou que o interrogatório da paciente era nulo, porque
realizado sem a presença do defensor:
“Vislumbro, preliminarmente, ocorrência de nulidade no ato do interrogató-
rio, à falta de nomeação de curador à apelante, em face da sua menoridade.
Indagada da autoridade judicial, naquele ato (fls. 153-55), a respeito, respon-
deu ela que não tinha advogado e nem condições de constituir um, razão pela qual
o MM. Juiz lhe nomeou o Dr. Valdivino Clarindo Lima.
Ressalte-se, que aludido profissional não estava presente ao interrogatório,
e, ao receber vista dos autos para ofertar a defesa prévia da então acusada e de
outros, declinou da nomeação (fl. 161v).
Não há como, neste caso, o que se discutir quanto a ocorrência da nulidade
prevista no artigo 564, III, alínea c, última parte, do Código de Processo Penal,
nulidade, aliás, absoluta, visto que, considerada peca de defesa, ao interrogatório
devem ser asseguradas todas as garantias que lhe confere a lei.
O dissenso que porventura possa existir quanto a interpretação do artigo 194,
combinado com o artigo 564, inciso III, letra c, in fine, do CPP, sobre ser a regra
corolário lógico do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, e,
por isso, não haverá nulidade se não houver prova do prejuízo, não pode existir no
presente caso, sob pena de ser letra morta o dispositivo que instituiu a eiva como
causa de nulidade.
Enfim, o fato é que não se nomeou curador à ré.
O Defensor que lhe foi dado, não se fez presente ao ato, e, quando se manifestou
no processo, foi para declinar da nomeação.
Nulo, portanto, o interrogatório, nos termos da jurisprudência em vigor” (fls.
124-125).
.
R.T.J. — 198 719

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás manteve, contudo, a decisão condenatória


de primeiro grau (fls. 132-154), entendendo não configurada violação ao direito de defesa,
sob o argumento de que a Lei n. 10.792/03 teria revogado o art. 194 do Código de Processo
Penal e, portanto, na data do interrogatório, já não haveria necessidade de assistência de
curador no interrogatório judicial (fl. 147).
Constituído, então, novo defensor (fl. 156), este atentou para o fato de que a
ora recorrente não contara com a presença de defensor no interrogatório, e opôs o
fato em embargos de declaração (fls. 161-164), os quais foram rejeitados (fls. 170-
175).
Contra tal decisão foi impetrado habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça (fls. 247-256). A Procuradoria manifestou-se pela concessão da ordem (fls.
259-263), mas o Tribunal reconheceu que a falta de defensor no interrogatório
judicial constitui nulidade relativa, sujeita, portanto, à preclusão, que se teria
operado (fls. 263-277).
A PGR, agora, em seu parecer, opina pelo improvimento do recurso (fls. 295-301).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Como se viu, o pedido envolve a questão
de saber se o interrogatório, realizado sem a presença de defensor, no dia 2 de dezembro
de 2003, data em que entrou em vigor a Lei n. 10.792/2003, está eivado de nulidade
absoluta ou relativa.
Tenho que o caso é de nulidade absoluta.
“A Constituição assegura, ao preso (rectius, ao acusado), juntamente com o
direito ao silêncio, a assistência da família e do advogado (art. 5º, LVIII). Está
prevista, assim, a possibilidade de assistência de advogado, seja no momento da
prisão, seja — pela extensão já examinada — no do interrogatório.
Mas a Lei 10.792/2003 vai além, exigindo a presença do defensor no inter-
rogatório. Com efeito, estabelece o novo art. 185 do CPP: ‘O acusado que compa-
recer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado
e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado’ (grifo
nosso)”1.
A presença do defensor no interrogatório, com possibilidade de entrevistar-se livre-
mente com o assistido (art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal) e de fazer reperguntas
no interrogatório (art. 188 do Código de Processo Penal), garantindo plenamente o
exercício do direito de defesa na produção da prova, tudo isso foi irremediavelmente
sacrificado em razão de a paciente não ter podido contar com defensor no momento do
interrogatório.

1 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio


Scarance. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 100.
720 R.T.J. — 198

A defesa, é óbvio, acabou comprometida. E o prejuízo aqui é manifesto, pois a paciente


foi condenada por sentença que, para a condenação, se valeu de trechos do seu próprio
interrogatório, a título de ratio decidendi.
Tenho, assim, por caracterizada causa de nulidade absoluta e insanável desde o
interrogatório e, como tal, imune a preclusão.
2. Isso posto, dou provimento ao recurso, para decretar nulo o processo desde o
interrogatório, inclusive, e, estando presentes os requisitos previstos no art. 580 do Código
de Processo Penal, estender a ordem ao co-réu Daniel Paulo de Menezes, interrogado na
mesmíssima situação.

EXTRATO DA ATA
RHC 87.172/GO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Reclamante: Eliene de Souza
Ramos (Advogado: Ubiratan Brasiliense Cunha). Reclamado: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 87.263 — MS

Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski


Paciente: André Luiz Conegundes — Impetrante: André Luiz Conegundes —
Coator: Primeira Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal do Estado
de Mato Grosso do Sul
Habeas corpus. Penal. Dosimetria da pena. Pena-base fixada no
máximo legal. Insuficiência de fundamentação. Confissão espontânea.
Fixação da pena abaixo do mínimo legal: impossibilidade.
I - Insuficiência de fundamentação da sentença condenatória que
fixou a pena-base no máximo legal.
II - O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não tem
o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedente: HC
70.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24-6-94.
III - O habeas corpus não é a via adequada para correção da
dosagem da pena.
IV - Habeas corpus conhecido de ofício. Ordem parcialmente
concedida.
.
R.T.J. — 198 721

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
deferir, em parte, o pedido de habeas corpus; vencido, parcialmente, o Ministro Marco
Aurélio, que o deferia em maior extensão.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado em
favor de André Luiz Conegundes contra acórdão da Primeira Turma Recursal Mista dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado de Mato Grosso do Sul que não
conheceu da apelação criminal, interposta intempestivamente pelo paciente. Esta a
ementa do julgado:
“Ementa: Ação criminal — Posse de entorpecente — Recurso intempestivo —
Não conhecido.
Passada em julgado a sentença, o réu defendido por advogado particular não
tem prazo em dobro para recorrer, mesmo que passe a ser assistido pela Defensoria
Pública.” (Fl. 27)
O paciente, incurso no art. 16 da Lei n. 6.368/76, foi condenado pela 3ª Vara do
Juizado Especial de Campo Grande/MS à pena de 2 (dois) anos de detenção, atenuada
para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de detenção, em virtude de confissão espontânea.
Sustenta o impetrante, em síntese, a ausência de fundamentação da sentença que
fixou a pena-base no máximo legal. A referida exarcebação da pena não teria motivação
adequada, não se utilizando o magistrado de um critério justo para fixá-la e mantê-la
acima do mínimo legal, acrescida de quatro vezes.
Nesse sentido, argumenta o impetrante que, para uma correta aplicação do
disposto no art. 59, II, do Código Penal, com a conseqüente aplicação da atenuante
contida no art. 65, III, d, do mesmo diploma legal, a pena deveria ter sido reduzida
abaixo do mínimo legal.
Postula, ao final, a concessão da ordem para que seja reduzida a pena-base ao
mínimo legal do crime imputado, bem como se reconheça a atenuante da confissão
espontânea, para que se reduza a reprimenda abaixo do mínimo legal.
A inicial foi instruída com documentos (fls. 11-27).
Prestadas as informações de estilo pela autoridade apontada como coatora (fls. 41-
56), a douta Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial da ordem,
“para que seja reformada a sentença monocrática, tão-somente quanto à dosimetria da
reprimenda, a fim de que outra seja proferida com nova e motivada fixação da pena”
(fls. 69-73).
É o relatório.
722 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Insurge-se a impetração contra
acórdão da Primeira Turma Recursal Mista dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do
Estado de Mato Grosso do Sul que não conheceu da apelação criminal, porquanto
interposta intempestivamente.
Observo, de início, que, embora a apelação criminal interposta pelo paciente
tenha sido considerada intempestiva, o que levaria ao não-conhecimento do presente
habeas corpus, sob pena de supressão de instância, tenho que, no presente caso, a
jurisprudência da Casa abona parte dos argumentos expostos pelo impetrante, pelo
que conheço da ordem de ofício. Nesse sentido, HC 83.017/RJ, Rel. Min. Carlos
Britto, Primeira Turma.
Passo ao exame dos argumentos.
O paciente, flagrado por policiais militares com 5,3g de maconha, foi condenado
pela 3ª Vara do Juizado Especial de Campo Grande/MS, pela prática do delito previsto
no art. 16 da Lei n. 6.368/76, à pena de 2 (dois) anos de detenção, atenuada para 1 (um)
ano e 8 (oito) meses de detenção, em virtude de confissão espontânea.
Sustenta o impetrante, em síntese, que a sentença condenatória não fundamentou
a fixação da pena-base no máximo legal. Assim, pede o impetrante a concessão da ordem
para que seja reduzida a pena-base ao mínimo legal do crime imputado, bem como se
reconheça a atenuante da confissão espontânea, para que se fixe a pena abaixo daquele
limite.
Preceitua o art. 16 da Lei n. 6.368/76, no qual incurso o paciente:
“Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte)
a 50 (cinqüenta) dias-multa.”
Da sentença condenatória proferida pela MMa. Juíza de Direito da 3ª Vara do
Juizado Especial de Campo Grande/MS, que condenou o paciente pelo referido crime,
extrai-se o seguinte trecho:
“(...)
Tendo-se em vista o disposto no artigo 59, do Código Penal, preponde-
rando circunstâncias judiciais negativas em relação ao acusado, tais como
evidente culpabilidade evidenciada na sua detenção portando substância en-
torpecente em desacordo com norma legal ou regulamentar, conduta social e
personalidade voltadas ao delito, a falta de motivos para a prática do delito e
conseqüências que atingem o todo social, fixo a pena-base em dois anos de
detenção. Deixo de aplicar a pena de multa por se encontrar assistido pela
Defensoria Pública, o que faz presumir seu estado de miserabilidade nos termos
da Lei.
R.T.J. — 198 723

Em virtude da confissão, atenuo a pena em quatro meses de detenção. Não


há prova inequívoca da reincidência. Não militam causas de diminuição e
aumento de pena, restando definitiva a pena de um ano e oito meses de detenção,
a ser cumprida em regime aberto.
(...).” (Fls. 19-20)
A fundamentação que lastreia a condenação do paciente revela-se insuficiente
para a fixação da pena-base no máximo legal.
Sendo a culpabilidade do agente a base para a individualização da sanção penal,
não poderia o juízo a quo, na análise das circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do
CP, avaliar o grau de culpa do paciente partindo de elementos integrantes do tipo penal.
Está na sentença condenatória que a culpabilidade do paciente ficou evidenciada em
razão de “sua detenção portando substância entorpecente em desacordo com a norma
legal ou regulamentar” (fl. 20).
Por outro lado, na análise da conduta social e da personalidade do agente, bem
como dos motivos que o levaram à prática do delito, a sentença traz, tão-somente,
enunciado genérico, não demonstrando fundamentação idônea a justificar a exaspera-
ção da pena-base.
No que toca à dosimetria da pena, a Procuradoria-Geral da República, na ementa
do parecer, anotou corretamente que:
“A fixação da pena-base pelo julgador monocrático no máximo da pena
legalmente prevista, além de vaga e insuficientemente fundamentada, foi
manifestamente descabida diante dos fundamentos apresentados, inerentes
quase que em sua totalidade às circunstâncias do crime e a quantidade de
droga apreendida, não se apresentando, desta forma, adequados para justificar
as respectivas exasperações. (...).” (Fl. 69)
Atente-se, contudo, para o fato de o paciente haver espontaneamente confessado a
prática do fato delituoso não tem o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. No
julgamento do HC 70.883/SP, relatado pelo eminente Ministro Celso de Mello, DJ de
24-6-94, esta Primeira Turma decidiu que “o juiz não pode, mesmo considerando as
diversas circunstâncias atenuantes genéricas (a menoridade do réu, inclusive), fixar a
sanção penal definitiva em limite abaixo do mínimo legalmente autorizado”.
Observo, por fim, que o habeas corpus não é a via adequada para correção da
dosagem da pena.
Isso posto, conheço do habeas corpus de ofício, para conceder parcialmente a ordem,
nos termos do parecer do Parquet Federal, determinando a reforma da sentença condenatória
tão-somente quanto à dosimetria da pena, para que outra seja proferida de forma motivada.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o eminente Relator conclui pelo
vício parcial. Peço vênia a Sua Excelência para ir um pouco adiante.
Acredito que o decreto condenatório é um grande todo e que não cabe simples-
mente fulminá-lo no tocante à fixação da pena. Tenho presente que o maior efeito de se
724 R.T.J. — 198

concluir pela pecha, apenas quanto ao estabelecimento da pena, é justamente manter o


fenômeno da interrupção da prescrição, mas custa-me conceber uma condenação sem a
determinação da pena imposta.
Vislumbrando, portanto, o pronunciamento judicial como formado por um grande
todo, não subsistindo a condenação sem a fixação da pena, peço vênia ao Relator para
entender que não persiste a condenação.

EXTRATO DA ATA
HC 87.263/MS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: André Luiz
Conegundes. Impetrante: André Luiz Conegundes (Advogado: Defensoria Pública da
União). Coator: Primeira Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal do
Estado de Mato Grosso do Sul.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus;
vencido, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que o deferia em maior extensão.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-
Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 174.478 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cezar Peluso
Recorrente: Monsanto do Brasil S.A. — Recorrido: Estado de São Paulo
Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias. ICMS. Créditos
relativos à entrada de insumos usados em industrialização de produtos cujas
saídas foram realizadas com redução da base de cálculo. Caso de isenção
fiscal parcial. Previsão de estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei
estadual n. 6.374/89, e art. 32, inc. II, do Convênio ICMS n. 66/88. Constitu-
cionalidade reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso.
Aplicação do art. 155, § 2º, inc. II, letra b, da CF. Voto vencido. São
constitucionais o art. 41, inc. IV, da Lei n. 6.374/89, do Estado de São Paulo,
e o art. 32, incs. I e II, do Convênio ICMS n. 66/88.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, negar-lhe provimen-
to, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Votou o Presidente, Ministro Nelson
R.T.J. — 198 725

Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Cezar Peluso. Falou pelo recorrido o Dr. Aylton
Marcelo Barbosa da Silva, Procurador do Estado. Ausentes, justificadamente, os Minis-
tros Carlos Velloso, Carlos Britto e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Brasília, 17 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Cezar Peluso,
Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de origem acolheu pedido formulado em
apelação, sufragando tese no sentido de que o fato de os insumos utilizados na fabrica-
ção do produto estarem sujeitos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
não autoriza o crédito integral quando ocorrida a saída da mercadoria mediante a
redução da base de cálculo que, segundo o Colegiado, equivale a uma isenção parcial.
Entendeu, portanto, ser legal a “exigência do estorno proporcional à parcela correspon-
dente à redução da base de cálculo, por parte do contribuinte, do imposto a ser credita-
do” (folhas 584 a 587).
No extraordinário de folhas 605 a 617, interposto com alegada base nas alíneas a
e c do permissivo constitucional, articula-se com a transgressão do artigo 155, § 2º,
incisos I, II, alínea b, e III da Carta Política da República, porquanto desrespeitados os
princípios da não-cumulatividade, da seletividade do tributo e da vedação ao crédito
apenas nas hipóteses de saídas amparadas por isenção ou não-incidência, o que não
ocorre no caso concreto. A recorrente busca o esteio da alínea c do inciso III do artigo
102 do texto constitucional pelo fato de terem sido julgados válidos os artigos 32,
inciso II, do Convênio n. 66/88 e 41, inciso IV, da Lei n. 6.374/89, contestados frente ao
Diploma Fundamental. Discorre sobre a figura da redução da base de cálculo, diferenci-
ando-a da isenção e da não-incidência, na medida em que corresponde “a uma forma de
dimensionamento do valor do imposto”.
A Fazenda do Estado apresentou as contra-razões de folhas 619 a 625, evocando
precedentes jurisprudenciais desta Corte no mesmo sentido da decisão recorrida e
pleiteando, assim, o não-acolhimento do recurso.
O ato mediante o qual foi admitido o extraordinário está às folhas 638 a 641.
O especial simultaneamente interposto teve o trânsito obstado por meio do proce-
dimento citado, seguindo-se a protocolação de agravo, alfim desprovido no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça (folhas 647 a 650).
Em 20 de abril de 1994, despachei determinando o encaminhamento do processo
à Procuradoria-Geral da República, que exarou o parecer de folha 656, pelo não-
provimento do recurso, na forma de precedente da Corte.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos. Os documentos de folhas 17 e 18 revelam regular a representação
726 R.T.J. — 198

processual, estando à folha 644 a guia relativa ao preparo. Quanto à oportunidade, o


acórdão impugnado mediante extraordinário teve notícia em publicação oficial dia 5 de
dezembro de 1991, quinta-feira (folha 590), ocorrendo a protocolação do inconformis-
mo a 12 imediato, quinta-feira (folha 605) e, portanto, dentro do prazo de 15 dias
assinado em lei. Sobre o tema do crédito relativo ao recolhimento do tributo na operação
anterior, o Plenário proferiu decisão considerada a regência pela Carta de 1969. As
linhas mestras delineadas no voto condutor do julgamento servem à reflexão sobre o
tema.
Conforme consta do relatório, a ora recorrente produz e comercializa herbicidas,
para cuja fabricação adquire certos produtos, nos quais incide o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços, o mesmo não acontecendo, em face de
isenção, quanto aos herbicidas já fabricados. A regência da matéria, tendo em conta
a data da impetração da segurança e o período questionado sob o ângulo do crédito,
fez-se pela Constituição anterior que, no inciso II do artigo 23, com a redação
imprimida pela Emenda Constitucional n. 23, de 1º de dezembro de 1983, assim
dispunha:
Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
I - (...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por
produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e
do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-
incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará
crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações
seguintes.
Consigne-se, inicialmente, que o princípio da não-cumulatividade, a consubstan-
ciar garantia constitucional do contribuinte, é observado de forma global, ou seja, não
diz respeito, em si, à mesma mercadoria. A razão é muito simples: a não ser assim,
dificilmente ter-se-iam parâmetros objetivos para chegar-se à viabilização efetiva do
tributo porquanto na maioria das vezes dá-se a modificação do produto, já que uma certa
mercadoria ingressa no estabelecimento, para, mediante a industrialização, dar ensejo
ao surgimento de outra diversa, processo este no qual se consome aquela inicialmente
adquirida. Por isso mesmo, o modo de observância do importante princípio mencionado
está na existência de uma conta de créditos e débitos, a ensejar acerto em épocas
próprias. Por outro lado, para efeito da técnica tributária e suas implicações, toma-se a
figura da isenção como se o imposto tivesse sido efetivamente pago. É o que se
depreende da lição de Rubens de Gomes de Souza, transcrita em sentença prolatada nos
autos do processo que deu ensejo ao julgamento do Recurso Extraordinário n. 115.152-
8/SP, pela Primeira Turma, reproduzida que foi no voto condutor do julgamento, da
lavra do Ministro Néri da Silveira:
(...) se recorde o preceito elementar de que a não-incidência (ou a isenção)
equivalem, para todos os efeitos legais (salvo, é claro, o de produzirem receita),
R.T.J. — 198 727

ao pagamento efetivo do imposto. Logo, além de isenção ao dispensar o


pagamento, evidentemente considero o imposto como se estivesse efetivamente
pago.
A razão de ser desse enfoque é muito simples. É possível que um certo produto
esteja isento, mas que aquele resultante da industrialização pela qual passou não esteja.
Ora, caso não se viesse a assim entender, ter-se-ia, como muito bem exposto na inicial do
mandado de segurança que deu origem a este extraordinário, a transgressão do princípio
da não-cumulatividade. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços seria
satisfeito quando da entrada do produto no estabelecimento, deixando de sê-lo na saída
da mercadoria produzida, para vir a ser considerado, novamente e sem o crédito referente
à primeira operação, na subseqüente, em que comercializada mercadoria a partir daquela
objeto da isenção. Atente-se para a circunstância de não haver limite à circulação, ou
seja, não se poder, adredemente, fixar um termo final para os atos de comércio que a
consubstanciem, tampouco podendo-se afirmar, também a priori, que em certa fase dar-
se-á o consumo final.
A par dessas premissas, tem-se outra: é tradição no direito pátrio somente conce-
ber-se a mitigação do princípio da não-cumulatividade mediante dispositivo constituci-
onal. A boa procedência desse enfoque levou o legislador da Emenda Constitucional n.
23, de 1º de dezembro de 1983, a inserir, no inciso II do artigo 23, preceito de inegável
temperamento ao princípio da não-cumulatividade. Eis o teor:
A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação,
não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações
seguintes.
Vale dizer que o afastamento do crédito apenas restou previsto, em sede constitu-
cional, como cabia, quando a isenção diz respeito não à circulação subseqüente, mas, à
anterior. Ora, a partir do momento em que se tem a mitigação do princípio da não-
cumulatividade como fato de caráter excepcional, não há como patrocinar a inversão
dos elementos contidos na exceção constitucional. A Emenda n. 23 apenas alijou do
cenário jurídico-constitucional o crédito em se tratando de hipótese de isenção ou não-
incidência na operação antecedente e cobrança do tributo nas operações subseqüentes.
A toda evidência, porquanto assentado o raciocínio em regras de hermenêutica e
aplicação do direito, mister se faz reconhecer não restar albergado pela disposição
constitucional caso como o dos autos, em que houve, na operação antecedente, o
pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, e a isenção na
subseqüente. Confira-se ao preceito constitucional decorrente da Emenda n. 23/83
interpretação estrita, como convém em toda e qualquer hipótese na qual o intérprete se
defronte com norma que encerre verdadeira exceção. Mais se reforça esse enquadra-
mento quando se constata que o legislador de 1988 adotou a exceção resultante da
Emenda n. 23, elastecendo-a para, salvo determinação em contrário da legislação,
também impedir o crédito relativo às operações anteriores em que, obviamente, efetuou-
se o pagamento do tributo. Eis o teor das alíneas a e b do inciso II do § 2º do artigo 155
da Constituição Federal:
728 R.T.J. — 198

Art. 155. (...)


(...)
§ 2º (...)
(...)
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legisla-
ção:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas
operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Resista-se à tentação de enveredar-se pela lógica matemática, potencializando-
se o fato de, na operação imediatamente posterior àquela que deu origem ao pagamen-
to do tributo, não se ter a incidência do imposto e, por via de conseqüência, não se
contar com o valor do tributo a ser alvo de abatimento. Reitere-se o que já foi dito
anteriormente: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços tem como base
o princípio da não-cumulatividade em razão da premissa segundo a qual a circulação
da mercadoria não se esgota em duas fases, podendo mostrar-se múltipla. Assim, o
raciocínio matemático não se mostra pertinente, mesmo porque a ciência do Direito
não é exata.
Embora sem sensibilizar os órgãos prolatores das decisões anteriores (Juízo e
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), a impetrante, à mercê da diligência
demonstrada pelos representantes processuais que defendem os interesses em jogo,
empolgou decisões proferidas por esta Corte. Refiro-me ao que decidido nos Recursos
Extraordinários n. 103.102-6/SP, 106.701-2/SP e 111.456-8/SP, os dois primeiros rela-
tados pelo Ministro Oscar Corrêa e o último, perante a Segunda Turma, pelo Ministro
Célio Borja. Deles retiro os seguintes trechos:
ICM — Legitimidade do crédito de ICM correspondente às entradas da
matéria-prima integradas nos produtos cujas saídas estão isentas do imposto, por
força da LC 4/69 (art. 1º, inciso XIV). Não cumulativo o imposto. Vedado o estorno
pretendido.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
No voto condutor do julgamento, o Ministro Oscar Corrêa teve oportunidade de
consignar:
A não-cumulatividade do ICM impõe o abatimento, em cada operação, do
montante cobrado nas anteriores. Esta a regra constitucional do art. 23, II, que o
Decreto-Lei 406/68 repete no art. 3º.
E não se trata apenas de operação individual, mas de montante que, em
determinado período, a favor do contribuinte, se transfere para o período ou
períodos seguintes.
Quando se fala, pois, em abater, não importa sempre que na mesma operação
o montante das operações anteriores seja sempre menor; se não for, levará, obvia-
mente, ao creditamento da diferença, para o cômputo final do período.
R.T.J. — 198 729

A regra, não pode, portanto, ser burlada se, isenta a operação de saída, na qual
se abateria o imposto anterior, impediria o creditamento, porque se anularia o
montante da primeira operação por um processo oblíquo. E o pretenso benefício da
isenção acabaria redundando em ônus do consumidor final: porque não podendo
creditar-se do imposto recolhido na operação anterior, nem abatê-lo na operação
de saída, porque isenta, não restaria ao produtor senão incorporá-la ao custo do
produto. E não haveria como sustentar o princípio constitucional da não-
cumulatividade. (Primeira Turma, Diário da Justiça de 22 de fevereiro de 1985,
Ementário n. 1.367 — folhas 96 a 110)
Inegavelmente, no trecho transcrito têm-se as premissas que levaram esta Corte, em
inúmeros casos, a glosar preceitos de legislações estaduais que limitavam o abatimento
ao montante do valor devido na operação subseqüente.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 106.701-2/SP, voltou o Ministro
Oscar Corrêa, também perante a Primeira Turma, a enfatizar a matéria, aduzindo:
A questão que se examina neste recurso já foi objeto de decisão nesta Turma,
no RE 103.102-6, entre as mesmas partes, recebendo o acórdão esta Ementa (fl. 264):
“ICM — Legitimidade do crédito de ICM correspondente às entradas
de matéria-prima integradas nos produtos cujas saídas estão isentas do im-
posto, por força da LC 4/69 (art. 1º, inciso XIV). Não cumulativo o imposto,
vedado o estorno pretendido.”
Recurso extraordinário conhecido e provido.
Registrou, ainda, que:
Neste recurso alega-se a mesma contrariedade ao art. 23, II, da Consti-
tuição Federal e ao art. 3º do Decreto-Lei 406/68, além da divergência com os
mesmos paradigmas, inclusive a AC 249.073, do Tribunal de Alçada Civil de
São Paulo (cópia, fls. 220/229), aos quais se acrescentou, nas razões, o
aludido RE 103.102, em cópia, às fls. 264/278.
Nesses termos, acolhendo a fundamentação desse precedente específi-
co, no qual analisada a espécie, conheço do recurso e dou-lhe provimento
(folhas 111 a 117).
Por sua vez, o Ministro Célio Borja, julgando o Recurso Extraordinário n.
111.456-8/SP, no âmbito da Segunda Turma, deixou assinalado na ementa:
ICM. Direito ao crédito, decorrente da compra de matéria-prima destinada à
fabricação de máquinas e equipamentos cuja saída encontra-se isenta do pagamen-
to do imposto.
Inobservância do princípio constitucional da não-cumulatividade. Prece-
dentes do STF.
RE conhecido e provido (folhas 118 a 122).
Senhor Presidente, não cabe, na espécie, como que transportar para a Carta anterior
a inovação da atual, no que sujeitou à lei o afastamento da anulação do crédito relativo
às operações anteriores quando verificada isenção ou não-incidência. Tenho, assim,
730 R.T.J. — 198

como de melhor procedência as decisões referidas, deixando de acatar a tese que acabou
por prevalecer no Recurso Extraordinário n. 115.966-9/RS, no âmbito da Primeira
Turma, mediante a qual restou potencializada, a mais não poder, a questão que enqua-
drei como matemática, exigindo-se para a existência do crédito algo a ser satisfeito na
operação imediatamente posterior, olvidando-se, portanto, as subseqüentes. Aliás, co-
lho da inicial o exemplo mencionado pela impetrante a partir de conclusão sobre a
impossibilidade do crédito:
Contribuinte A
matérias-primas entradas por ............... 100
ICM pago na operação anterior ............ 10
vende o produto a B por ...................... 200
seu débito em razão da isenção ................ -
Contribuinte B
adquire o produto por ........................... 200
sem crédito de ICM ............................ ........ -
vende um produto onde usou
aquela mercadoria por .......................... 300
com débito de ICM de ............................ 30
A não se admitir o crédito, ter-se-á que, em tal hipótese, o fisco, ao invés de
arrecadar o que seria devido, ou seja, os trinta, acabaria por arrecadar quarenta — trinta
mais dez. Isso ocorreria em que pese ao caráter limitado, ao contrário da Constituição de
1988, da regra do inciso II do artigo 23 da Carta de 1969, com a redação decorrente da
Emenda Constitucional n. 23/83.
É certo que a Corte de origem dirimiu a controvérsia tendo em conta a Carta em
vigor. Todavia, a alteração constante do voto proferido no Recurso Extraordinário n.
161.257-6/SP, no que se previu que a isenção ou não-incidência acarreta a anulação do
crédito relativo às operações anteriores, não guarda adequação com a hipótese dos
autos. Conforme consta do acórdão proferido, não se tem o envolvimento, na espécie,
quer de isenção, quer de não-incidência quando apropriada seria a regra constitucional
mitigadora do princípio da não-cumulatividade. Discute-se a questão referente à base de
cálculo do tributo. Cumpre elucidar se a redução desta é capaz de conduzir, em que pese
ao silêncio da Carta da República, a redução do crédito do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços recolhido na operação antecedente.
Ora, o preceito das alíneas a e b do inciso II do § 2º do artigo 155 da Carta da
República encerram restrição ao princípio da não-cumulatividade. Assim sendo, a eles
somente cabe emprestar interpretação estrita, não inserindo, no campo de atuação
normativa constitucional, hipótese não contemplada.
O Direito é ciência e, como tal, os institutos, as expressões e os vocábulos têm
sentido próprio. A sinonímia não se faz presente. Uma coisa é isenção, outra a não-
incidência e um terceiro gênero surge quando se cogita da incidência com simples
R.T.J. — 198 731

redução de base de cálculo. Atente-se, mais, para a circunstância de a conta alusiva a


créditos e débitos referentes ao ICMS não se fazer de forma específica considerada
mercadoria única. É abrangente e implica até mesmo modificação sob o ângulo subjeti-
vo, ou seja, envolve contribuintes diversos. O débito é lançado na conta de titularidade
do alienante da mercadoria, enquanto o crédito, considerado o valor constante do
documento de venda, é implementado pelo adquirente, que, ao alienar por sua vez o
produto, passa a situar-se como devedor do tributo. Por tais razões, conheço deste
recurso extraordinário, no que interposto com base nas alíneas a e c do inciso III do
artigo 102 da Carta da República, e o provejo para, assentando a inconstitucionalidade
do artigo 32, inciso II, do Convênio 66/88 e do artigo 41, inciso IV, da Lei n. 6.374/89,
do Estado de São Paulo, reformar o acórdão proferido pela Corte de origem (folhas 584
a 587), restabelecendo, com isso, o entendimento sufragado na sentença do Juízo (folhas
525 a 530) no que concedida a segurança.

ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, tenho uma
dúvida, porque o ICMS também é uma questão contábil, a cumulatividade se evita no
sentido de não se cobrar tributo sobre base já cobrada. No caso da nova Constituição,
decorrente da Emenda Passos Porto, há um mecanismo de cumulatividade quando há
isenção e não-incidência. Aqui, quero saber: o que visa o Estado de São Paulo? Ele visa,
com a redução da base de cálculo, dar um benefício fiscal nas operações com determina-
dos produtos.
Vamos, então, pegar os números que Vossa Excelência utilizou e, trabalhando
com alíquota única de 10%, veremos que a operação anterior gerou R$ 10,00 de
tributo. O vendedor é debitado em R$ 10,00 e o coadquirente do insumo é creditado
em R$ 10,00. Admitindo-se a industrialização desse insumo, ele vem a vender esse
produto por R$ 150,00, significando que ele agregou R$ 50,00 no valor da mercado-
ria. Sobre esses R$ 50,00, em uma operação normal, incidindo os 10%, ele deveria
pagar R$ 15,00, mas como ele teria um crédito de R$ 10,00, no final da sua contabili-
dade, ele deveria recolher R$ 5,00 — se não houvesse outros créditos; fiquemos
apenas nesse exemplo —; então, ele deveria ao Estado R$ 5,00, exatamente 10% sobre
os R$ 50,00 acrescidos.
Vejamos a hipótese: ele venderá por R$ 150,00. Por razões de política fiscal,
reduziu-se a base de cálculo sobre a qual incidem os 10% da venda para 75%. Vamos
supor que a redução seja de 50%: de R$ 150,00 de base de cálculo, passa-se a R$ 75,00.
Sobre os R$ 75,00, incidem os 10%. Logo, o tributo devido seria R$ 7,50.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só uma observação. Na verdade, em última
análise, o Estado procura limitar o crédito primitivo ante a redução da base de incidência
no negócio seguinte.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, é um exercício
que estou fazendo. Vamos caminhar.
Então, reduzo R$ 150,00 para R$ 75,00 e sobre ele o Estado de São Paulo incide
10%, que dá 5%. Dá 7,5%, perfeito?
732 R.T.J. — 198

Se o Estado de São Paulo der um crédito de R$ 10,00, haverá um negativo de R$


2,50; haverá, dito na linguagem fiscal, uma cumulação de crédito de R$ 2,50, que ele
vai tentar despachar de outro jeito. O que pretende o Estado de São Paulo? Ele
pretende reduzir, também em 10%, o crédito. Reduzo 50% sobre o crédito de R$
10,00; logo, o Estado de São Paulo quer que ele aproveite, dos R$ 10,00, somente a
metade. Nessa hipótese, ele teria de recolher R$ 7,50 — a base de cálculo dele — e vai
aproveitar, pela regra paulista ou pela regra do convênio, somente R$ 5,00 do crédito
anterior. Teria que recolher R$ 2,50. A minha pergunta é a seguinte: R$ 2,50
corresponde a quanto sobre R$ 50,00? Corresponde a 5% sobre R$ 50,00, correto? Ou
seja, parece-me ser uma fórmula contábil para fazer com que a alíquota final seja
reduzida. Caso se estabeleça o contrário, não haverá cumulação nenhuma, porque
esses R$ 2,50 que ele recolherá não é valor superior ao que ele cobraria de 10% sobre
R$ 50,00, mas é a metade. Então, o que ele faz? Ele faz uma técnica contábil para
tentar, exclusivamente, fazer com que, sobre o valor agregado, incida a metade da
alíquota. Esse é o final do cálculo. Daí a minha dúvida, porque cumulação não há,
tanto é que ele não recorreu.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? Meu raciocínio é um pouco mais
simples. São bem ilustrativos os cálculos de V. Exa., mas penso que não se pode
raciocinar com base nos termos da Constituição de 1969 e da Emenda Passos Porto,
porque, na Constituição atual, há impedimento a crédito nas operações isentas. O de que
se trata aqui é da previsão de estorno no inciso b. Este caso, com o devido respeito, não
tem — como a precisa sustentação oral demonstrou, invocando escólio do voto do
Ministro Carlos Velloso — similaridade com o precedente invocado.
Na verdade, cuida-se aqui de um favor fiscal que, mutilando o aspecto quantitativo
da base de cálculo, corresponde à figura da isenção parcial, porque impede a incidência
da regra matriz de incidência tributária na sua totalidade. Quer dizer, substancialmente
é caso de isenção.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Uma política fiscal. Agora, não pode
prejudicar um direito preexistente, o direito ao crédito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não há direito preexistente nenhum. Sendo de
isenção, aplica-se o art. 155, § 2º, II, letra b:
“b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;”
Ou seja, haverá estorno proporcional que o Estado de São Paulo está preconi-
zando.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, só foi contemplado pela Carta de
1988. A Carta de 1969 é a regedora do conflito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Coloquei no relatório de meu voto que a
regência é pela Carta anterior.
A Corte de origem evocou, em reforço, a Carta de 1988, mas a impetração é de
1990.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? A petição inicial narra:
R.T.J. — 198 733

“Os Fatos
(...)
Com base no disposto no Convênio ICMS n. 78 as saídas desses produtos
realizadas nos últimos meses de novembro e dezembro foram devidamente tributa-
das mas com a aplicação de redução em sua base de cálculo como o demonstram as
notas fiscais de saída exemplificativamente juntadas em anexo (doc. 3).”
São, portanto, fatos sujeitos à Constituição atual. O mandado de segurança versa
exatamente sobre fatos sujeitos à incidência da Constituição atual.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Saída, Ministro. No entanto, estamos a
discutir algo que se obstaculiza: o crédito correspondente a operações posteriores, a
negócios jurídicos após 1988? Não, de negócios jurídicos anteriores.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, estamos a discutir exatamente saídas realizadas
em novembro e dezembro de 1990.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É fato, Presidente, aí cada qual fica com os
seus elementos. Quem sabe o Ministro Cezar Peluso conte com dados que não tenho, na
condição de Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, vou pedir vênia ao eminente
Relator — cujo voto é, todavia, brilhante, substancioso —, para conhecer do recurso,
mas negar-lhe provimento.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, também nego provimento, e
para tanto invoco precedente recente da lavra do Ministro Gilmar Mendes, referente ao
RE 154.179-AgR, publicado em 27 de agosto de 2004.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, verifico, no presente caso, que o
Estado de São Paulo concedeu um benefício na saída — poderíamos chamar, Ministro
Cezar Peluso, uma isenção parcial —, e ele exige uma contraprestação proporcional
relativamente ao crédito da entrada. Ou seja, o crédito obtido na entrada não pode
superar o tributo que seria devido na saída.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministra, não é bem que não pode
superar, é que será reduzido na mesma proporção, se supera, é uma questão de valor.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Exatamente, seria superado, se se adotasse a solução
proposta pelo eminente Relator.
Então, a sistemática encontrada está perfeitamente de acordo com o espírito do
tributo, que é o da não-cumulatividade, e ela está respeitada.
Conheço, também, do recurso, mas lhe nego provimento.
734 R.T.J. — 198

APARTE
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Interessante que não serve o acórdão — e
não servem os acórdãos de “agravinhos” — para impulsionar o recurso de embargos de
divergência. Não é isso? Não obstante, são usados como precedentes para obstaculizar o
exame, pelo Colegiado, de certo recurso.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também não vejo a
inconstitucionalidade argüida. Acrescento algo que é, a meu ver, da teoria geral da
inconstitucionalidade e que o Tribunal tem aplicado rigorosamente: dado o benefício
sob determinada condição, não se pode declarar inconstitucional a condição e manter o
benefício (v.g., ADIn 1.502, 12-6-96, Galvão; ADIn 1.574, Sanches). Então, ter-se-ia de
declarar inconstitucional todo o conjunto normativo, tanto o bônus, quanto o ônus.
Não vejo a inconstitucionalidade na redução e no conseqüente estorno proporcio-
nal do crédito relativo à operação anterior.
Por isso, peço vênia ao eminente Relator e acompanho o voto do Ministro Cezar
Peluso.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Conforme adiantei, também entendo
que isso foi uma fórmula contábil, tendo em vista os critérios de crédito e de débito
utilizados exatamente para dar um benefício fiscal que importaria, ao fim e ao cabo, na
redução da alíquota final do tributo incidente sobre o valor da saída.

EXTRATO DA ATA
RE 174.478/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Monsanto do Brasil S.A. (Advogados: Hamilton
Dias de Souza e outros). Recorrridos: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP –
Eleonora Lucchesi Martins Ferreira).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, negou-
lhe provimento, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Votou o Presidente, Minis-
tro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Cezar Peluso. Falou pelo recorrido o Dr.
Aylton Marcelo Barbosa da Silva, Procurador do Estado. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Carlos Velloso, Carlos Britto e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 17 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 198 735

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 174.742 — PR

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: Ministro Nelson Jobim
Recorrente: Estado do Paraná — Recorrido: José Manoel de Macedo Caron
Teto constitucional. CF, art. 37, XI. Procurador do Estado. Percepção
de proventos equivalentes aos de Secretário de Estado, além de gratificações,
adicional por tempo de serviço e verba de representação de gabinete.
1. Entendimento do Supremo — anterior à EC 19/98 e à EC 41/
2003 — de que o adicional por tempo de serviço é vantagem de caráter
pessoal excluída do limitador constitucional (ADI 14, Célio Borja).
2. Verbas relativas à natureza do cargo incluem-se no teto. Prece-
dente (RE 218.465, Gallotti).
Recurso conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer e dar parcial provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná houve
por bem conceder parcialmente a segurança impetrada, em acórdão assim sintetizado:
“Funcionário público. Limitação de vencimentos. I - Cabe à lei, não ao
decreto, fixar o limite máximo de remuneração a que se refere o art. 37, inc. XI, da
Constituição Federal. II -”Para efeito de equiparação entre cargos que têm vanta-
gens pessoais diversas, só se leva em conta a parte fixa da remuneração” (voto do
Ministro Moreira Alves, na ADIn 14 DF). III - a parte fixa da remuneração de
Procurador do Estado (vencimento básico e gratificação de representação) não
pode exceder a parte fixa da remuneração de Secretário de Estado (vencimento
básico e gratificação de encargos especiais); vantagens pessoais, como a gratifica-
ção adicional por tempo de serviço, estão a salvo dessa limitação” (folha 121).
Os embargos declaratórios que se seguiram foram acolhidos para, concedendo-se
efeito modificativo ao julgado, esclarecer-se:
“Por isso, o acolhimento dos presentes embargos para, de acordo com o
contido na fundamentação, fazer incluir no cálculo já mencionado na decisão
embargada, as vantagens das gratificações de serviço extraordinário e de produti-
vidade, reconhecendo-lhes o caráter de ‘vantagens pessoais’, excluídas, portanto,
736 R.T.J. — 198

do limitador legal, ficando assim compostos os proventos do impetrante: venci-


mento básico de Secretaria de Estado, mais 160% de representação de gabinete, e
sobre o total assim apurado, 50% de adicionais, gratificações por serviço extraor-
dinário e produtividade e verba de representação, as últimas calculadas na forma
legal” (folha 158).
Exsurgiram novos declaratórios, então opostos pela Fazenda Estadual, alfim rejei-
tados, a uma só voz, pelo Colegiado (folhas 172 a 176).
No recurso extraordinário de folhas 180 a 209, interposto pelo Estado com alegada
base na alínea a do permissivo constitucional, articula-se com a transgressão dos artigos
37, incisos XI e XIV; 39, § 1º, do corpo permanente da Carta Federal e 17 das Disposições
Transitórias, desenvolvendo-se argumentação no sentido de que todos os valores conce-
didos em espécie, a qualquer título, são considerados para a imposição do limite de
vencimentos, inclusive as vantagens pessoais e as decorrentes de decisão judicial; o
limitador, por não aumentar despesas e incidir sobre vencimentos já fixados, não precisa
ser determinado por lei; os salários equiparados também estão sujeitos ao limite; não se
caracterizam como vantagens pessoais as verbas propter laborem e pro labore faciendo;
o artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece uma exceção
ao princípio da irredutibilidade de vencimentos; o inciso XIV do artigo 37 da Carta veda
a concessão de gratificação sobre gratificação, a cumulação de vantagens dos cargos em
comissão com aquelas dos cargos efetivos, a cumulação de gratificações extintas com
vencimentos superiores aos que as absorveram e a sobrevivência de verbas extintas ou
absorvidas pelo vencimento básico.
O Recorrido ofereceu as contra-razões de folhas 222 a 250, com preliminar de
intempestividade do recurso, acolhida pelo Juízo primeiro de admissibilidade (folhas
253 a 262).
O processamento do recurso deu-se em razão do provimento do agravo em apenso,
ocasião em que discorri sobre a suspensão do prazo recursal pelos declaratórios e o
alcance do teto constitucional remuneratório.
A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 469 a 472, preconiza o
conhecimento e provimento parcial do extraordinário para que “no confronto com o teto
remuneratório do Estado-Membro, sejam consideradas as verbas correspondentes a
serviço extraordinário e produtividade”.
Recebi os autos em 12 de agosto de 1996 e os liberei em 24 de março de 1997,
decorrendo a ultrapassagem do prazo regimental da atuação simultânea nesta Corte e no
Tribunal Superior Eleitoral, em ano de eleições e na Presidência deste último.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos. É certo que nas razões de contrariedade do extraordinário de folhas 222 a
250 apontou-se a intempestividade destes. No particular, reitero o que tive oportunidade
de consignar ao enfrentar, na apreciação do agravo de instrumento em apenso, a matéria:
R.T.J. — 198 737

De início, registro que o fenômeno da suspensão decorrente dos embargos


declaratórios está limitado ao recurso cabível contra a decisão proferida, ou seja,
ao curso do prazo recursal atinente à submissão do acerto ou desacerto do
acórdão ao órgão revisor. Descabe elastecê-lo para dizer-se que, opostos
declaratórios por uma das partes, dá-se a suspensão do prazo para protocolação
de idêntico remédio pela parte contrária. Esta óptica, no entanto, não prejudica,
em si, a argumentação feita pelo Estado na cuidadosa peça de folhas 2 a 23. É
que, por ficção legal, dá-se a formação, com o julgamento dos declaratórios, de
peça única passível de ser atacada, como um todo, por qualquer das partes
envolvidas. Se é possível falar-se de preclusão, esta fica restrita, como salientado
na minuta do agravo, os temas que não tenham sido objeto de debate e decisão
prévios. Exsurge extravagante conclusão mais abrangente, a ponto de, desco-
nhecendo-se a suspensividade resultante dos sucessivos declaratórios, assentar-
se a intempestividade do recurso extraordinário. Os provimentos judiciais decor-
rentes dos embargos consubstanciam a integração do acórdão primitivo, reve-
lando, na maioria das vezes, a entrega da prestação jurisdicional de forma
completa. Passa-se a ter, como frisado acima, aresto único. Impróprio é o
desmembramento conducente à intempestividade do extraordinário. A não ser
assim, ou seja, a partir do rechaçamento da tese da integração, caminhar-se-á para
o abandono do princípio da unirrecorribilidade e, o que é pior, admitir-se-ão
impugnações sucessivas como se houvesse, no caso, provimentos autônomos.
Toda vez que os embargos declaratórios não alcançassem a totalidade das
controvérsias dirimidas ter-se-ia que, concomitantemente, interpor o extraordi-
nário. (folha 347 do agravo em apenso)
Assim, não se pode cogitar, na espécie, de intempestividade, valendo notar que o
acórdão inicialmente proferido foi publicado no Diário da Justiça de 18 de fevereiro de
1991, segunda-feira (folha 135), ocorrendo a protocolação dos primeiros declaratórios
em 19 de fevereiro de 1991, terça-feira (folha 146). Excluído o dia da publicação do
acórdão e também o relativo à apresentação dos declaratórios, já que este último não
chegou a se completar, verifica-se que não foi gasto, do prazo relativo ao extraordinário,
um único dia. O acórdão decorrente dos primeiros declaratórios foi veiculado no Diário
da Justiça de 22 de abril de 1991, segunda-feira (folha 159), vindo à balha novos
declaratórios em 26 imediato, sexta-feira (folha 164). Aqui foram consumidos três dias
do prazo de trinta alusivo ao extraordinário, considerada a prerrogativa da dobra de que
goza a Fazenda. O provimento judicial último, emanado da Corte de origem, foi
publicado no Diário de 24 de junho de 1991, segunda-feira (folha 177), verificando-se a
interposição deste extraordinário em 17 de julho de 1991, quarta-feira (folha 180) e,
portanto, dentro dos trinta dias assinados em lei. No mais, o recurso está subscrito por
Procurador do Estado, não se podendo falar em preparo. Resta o exame do pressuposto
específico de recorribilidade, ou seja, da violência à alínea a do inciso III do artigo 102
da Constituição Federal, no que se aponta a ofensa aos incisos XI e XIV do artigo 37, ao
§ 1º do artigo 39, ambos do corpo permanente da Carta de 1988 e ao artigo 17 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Recordo, mais uma vez, o que restou assinalado quando do julgamento do agravo
em apenso:
738 R.T.J. — 198

“Feita esta ressalva, tenho que os assuntos articulados no extraordinário de


folhas 180 a 209 estão a merecer o crivo de Colegiado desta Corte, quer levando-
se em conta os incisos mencionados do artigo 37, quer o teor do artigo 17, o
primeiro do corpo permanente da Carta e o segundo do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Depreende-se do acórdão prolatado por força do
julgamento dos declaratórios apresentados pelo Agravado que se acabou por
conjugar, no que tange aos proventos da aposentadoria, parcelas pertinentes ao
cargo de Procurador do Estado e ao cargo de Secretário de Estado, caminhando-se,
ao primeiro exame, para acumulação que destoa do texto constitucional. Além
disto, há de se perquirir se a gratificação de serviço extraordinário e de produtivi-
dade afiguram-se como vantagens pessoais, analisando-se também, a inteligente
tese sobre a exclusão das vantagens pessoais apenas quando se cuide do atendi-
mento à equivalência, não alcançando, destarte, hipótese em que discute o respei-
to ao limite remuneratório.” (Folha 348 do agravo em apenso)
Em primeiro lugar, assento estar o decisum, alvo de impugnação, no acórdão alusivo
aos primeiros declaratórios. Eis como lançado, com base no voto condutor do julgamento:
“(...) para o cálculo de seus proventos, devem ser considerados o vencimento
básico de Secretário de Estado, mais cento e sessenta por cento de representação de
gabinete e sobre o total assim apurado, cinqüenta por cento de adicionais e ainda
as gratificações por serviço extraordinário e de produtividade, tidas estas últimas
também como de caráter pessoal, e portanto, excluídas do chamado limitador de
vencimentos”. (Folhas 157 e 158)
Quanto à observância do decreto que precedeu à Lei n. 9.105/89, o recurso não está
a merecer conhecimento. A razão é muito simples: no inciso XI do artigo 37, ao aludir-
se ao limite máximo e à relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos, remete-se a lei e esta há de ser tomada no sentido formal e material,
mesmo porque não se pode conceber regulamentação de preceito constitucional medi-
ante penada única do Chefe do Poder Executivo. No particular, bem andou a Corte de
origem ao proceder a glosa, citando, inclusive, oportuna lição de Hely Lopes Meirelles
no sentido da preservação do campo reservado à lei. Provimentos administrativos
preater legem não podem invadir o sítio reservado à lei, ou seja, adentrar na disciplina
de matérias que só por lei podem ser reguladas. Isso não quer dizer, no entanto, que,
afastado o decreto, não se tenha o respeito, por simetria, do limite máximo concernente
ao Executivo que, no caso da União, é o revelado pela remuneração em espécie e
percebida a qualquer título por Ministro de Estado e no tocante às unidades da Federa-
ção pelos Secretários de Estado. Há de examinar-se o tema sob tal ângulo.
Esta Corte, defrontando-se com hipótese em que em jogo não o teto constitucio-
nal, mas o instituto da equivalência, assentou, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 14, relatada pelo Ministro Célio Borja — e em época na qual eu
não integrava, ainda, o Colegiado — que as vantagens pessoais não são passíveis de
cômputo para o citado efeito, ou seja, para chegar-se à equivalência. Não cabe, no
âmbito de órgão fracionado, como é a Turma, rediscutir a questão. O tema, alvo de
constante reflexão por tantos quantos se debruçam sobre o Direito, há de merecer, estou
certo, reexame pelo Plenário tão logo surja oportunidade.
R.T.J. — 198 739

Neste processo, a discussão é outra: trata-se não da equivalência e, tampouco da


equiparação prevista no § 1º do artigo 39 da Constituição Federal, mas do teto fixado
no inciso XI do artigo 37 da referida Carta. A isonomia de vencimentos de que cuida
o § 1º do artigo 39 em comento, para cargos e atribuições iguais ou assemelhados do
mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, faz-
se, pela própria natureza que lhe qualifica, sem levar-se em conta as vantagens de
caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho. A razão de ser da
regra é visível: em jogo isonomia, somente são sopesadas parcelas que estejam
situadas no campo da igualdade. Logo, vantagens de caráter individual, pessoais, não
podem ser consideradas. O objetivo do preceito é chegar-se à igualização dos venci-
mentos em face de atribuições iguais ou cargos assemelhados. Transcreva-se o dispo-
sitivo:
“§ 1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de
vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder
ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as
vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho”.
Entrementes, conforme já consignado, a questão não concerne à equivalência, ou,
em si, à isonomia. Está-se diante de controvérsia a ser dirimida, na esfera constitucional,
mediante julgamento deste extraordinário, sobre o real alcance da norma do inciso XI do
artigo 37 e, também, do inciso XIV nele inserido, combinado com o artigo 17 do trecho
transitório da Carta.
Ao versar sobre a observância do teto revelado pelo que percebido por membros do
Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal,
quadro que, transportado para o âmbito do Estado, leva à consideração da remuneração
dos membros da Assembléia Legislativa, dos Secretários de Estado e dos Desembarga-
dores, o dispositivo constitucional cogita de valores satisfeitos a título de remuneração
(retribuição total pelo serviço alusivo ao cargo), prevendo, para efeito de cálculo,
aqueles percebidos em espécie, com cláusula de abrangência ímpar (a qualquer título).
Evidentemente, o mesmo procedimento há de adotar-se quanto àquele que está subme-
tido ao teto. O cotejo há de fazer-se de forma idêntica, levando-se em conta, quer
considerada a situação jurídica do servidor, quer a daquele que lhe serve de modelo
maior, “os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título (...)”. No
particular, não há como adotar dois pesos e duas medidas, tendo em vista a totalidade da
remuneração do membro do Congresso Nacional, do Ministro de Estado e do Ministro
do Supremo Tribunal Federal e, no tocante ao servidor submetido ao limite remunerató-
rio, os valores percebidos com exclusão das vantagens pessoais. Essas, com as distorções
notadas no campo administrativo, passaram pelos valores ao patamar de parcelas princi-
pais, chegando a percentagens que ultrapassam, por vezes, a totalidade do básico
percebido. Ora, a partir do momento em que se inclui no inciso XI do artigo 37 exceção
nele não contemplada, vulnerando-se, com isso, regra de hermenêutica e aplicação do
Direito, ter-se-á preceito inócuo, teto que exsurgirá como simplesmente formal, a condu-
zir a quadros extravagantes nos quais, em detrimento até mesmo da hierarquia, servido-
res nos âmbitos do Congresso Nacional, do Executivo e do Supremo Tribunal Federal
perceberão remuneração em muito superior à daqueles que estão situados no topo. Há de
tirar-se da Constituição Federal o máximo de eficácia, mormente quando o dispositivo
740 R.T.J. — 198

está direcionado à preservação da organicidade da própria administração pública,


afastando situações de privilégio e, portanto, odiosas. A partir desse enfoque, examino a
hipótese dos autos.
Do cargo a ser considerado
Como afirmado anteriormente, no julgamento dos declaratórios, consignou-se que
os proventos da aposentadoria hão de ser calculados a partir do vencimento básico do
Secretário de Estado. Aqui ocorreu inegável entrelaçamento de institutos. É pacífico,
porquanto consta dos acórdãos proferidos, que o Impetrante aposentou-se como Procura-
dor do Estado de Primeira Classe, havendo exercido o cargo em comissão pelo período
indispensável a aposentar-se com os respectivos vencimentos de Procurador-Geral do
Estado. Muito embora haja-se elucidado que “os vencimentos de Procurador-Geral do
Estado são iguais aos de Secretários de Estado” (folha 125), não se pode falar, em
detrimento dos parâmetros levados em conta quando dos cálculos da aposentadoria, em ter
como referência o básico percebido por Secretário de Estado. Considerar-se-á, na espécie,
o vencimento de Procurador-Geral do Estado, presente a igualdade com o que percebido
por Secretário de Estado, isso em face da isonomia em vigor à época em que exercida a
Procuradoria-Geral. Este enquadramento, a rigor, no campo da praticidade, não altera os
quantitativos, apenas sendo lançado em prol de um apego maior à boa técnica.
Da gratificação por tempo de serviço
A Corte de origem prestou à Carta da República interpretação fidedigna. O
Impetrante, em face de normas locais, obteve o direito à parcela igual a cinqüenta por cento
a esse título. É certo que foi editada a Lei Complementar n. 51/90, limitando os adicionais
a sete qüinqüênios (35%). Todavia, o citado Diploma não teve o alcance de apanhar
situação jurídica já constituída, direito integrado ao patrimônio do Recorrido, não se
podendo cogitar, na espécie, de cálculo cumulativo glosado pelos artigos 37, inciso XIV
e 17, respectivamente do corpo permanente e do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Carta de 1988. No particular, a instância soberana no exame dos elementos
probatórios dos autos afastou a possibilidade de, em face dos parâmetros do cálculo da
parcela, assentar-se o chamado “efeito cascata”, assim consignando:
“Os adicionais do Impetrante, por conseguinte, não comportam o que se
convencionou chamar de efeito cascata, mas continuam em número de dez e, além
disso, estão à salvo do limitador de vencimentos, na medida em que possuem
natureza de vantagem pessoal”. (Folha 127)
Portanto, não se trata, no caso, de cômputo acumulado, para fim de concessão de
acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento, mas de critério legal
de aquisição do adicional por tempo de serviço à razão de cinco por cento por
qüinqüênio, estando o limite não em sete qüinqüênios, mas em dez qüinqüênios. Neste
ponto, deixando a matéria alusiva ao limitador para a apreciação a seguir, tenho que
improcede o inconformismo do Estado.
Do teto constitucional e das vantagens tidas como pessoais
Já se disse que o precedente do Plenário, formalizado quando do julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 14, ficou restrito ao instituto da equivalência,
não alcançando quer a isonomia do § 1º do artigo 39, quer o teto do inciso XI do artigo
R.T.J. — 198 741

37, ambos da Constituição Federal. Daí porque, na hipótese vertente, não se há de


excluir parcelas. Ou bem o teto constitucional existe, e é algo a ser por todos respeitado,
ou não. Admitir que, mediante a inserção de hipóteses não contempladas, delineie-se
quadro em que servidor, em atividade ou aposentado, perceberá mais do que Secretário
de Estado, sem que o plus decorra, em si, de vantagem inerente à aposentadoria, é
olvidar, transgredindo-o, o que se contém no inciso XI do artigo 37 da Constituição
Federal. As vantagens tomadas como pessoais (Adicional por Tempo de Serviço na
ordem de cinqüenta por cento, Gratificação de Representação de Gabinete na ordem de
cento e sessenta por cento, Gratificação por Serviço Extraordinário e Gratificação de
Produtividade) hão de ser computadas para efeito de saber-se da observância do teto
revelado pelos valores percebidos como remuneração em espécie, a qualquer título, por
Secretário de Estado. Aliás, é bom frisar que de se de um lado a Gratificação de
Representação de Gabinete e o Adicional por Tempo de Serviço dizem respeito a uma
situação peculiar do Recorrido, de outra, como bem apanhado pela Procuradoria-Geral
da República, isso não ocorre no que tange à Gratificação por Serviço Extraordinário e
à Gratificação por Produtividade, no que inerente ao cargo.
Por tais razões, conheço este extraordinário em face a ofensa do inciso XI do artigo
37 da Constituição Federal, e o provejo para determinar a observância do teto nele
previsto, levando-se em conta valores percebidos como remuneração, em espécie e a
qualquer título, pelo Recorrido e o Secretário de Estado, tomada a remuneração deste
como limite. É como voto na espécie dos autos.

PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Senhor Presidente, há uma manifestação da Tribuna
em relação à não-incorporação dos serviços extraordinários e de produtividade em
decorrência de coisa julgada por mandado de segurança anterior. Fato que é competen-
temente afastado pelo Relator.
Por outra parte, há a manifestação de divergência ou uma interpretação do Relator
sobre a extensão da ADI 14, que restringe a isonomia à equivalência, mas não para efeito
de teto puro e simples.
Em face dessas circunstâncias, como tenho simpatia muito grande em relação à
vigência do já moribundo, em estado de fenecimento, inciso XI do art. 37, uma vez que
a reforma constitucional vai resolver definitivamente esta confusão, peço vista.

EXTRATO DA ATA
RE 174.742/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado do
Paraná (Advogados: Julio Cesar Ribas Boeng, Carlos Frederico Mares de Souza Filho
e outros). Recorrido: José Manoel de Macedo Caron (Advogado: Francisco de Paula
Xavier Neto).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator conhecendo do recurso do Estado do
Paraná e lhe dando parcial provimento, nos termos do voto anunciado, o julgamento foi
adiado, em virtude do pedido de vista do Ministro Nelson Jobim. Falou pelo recorrido o
Dr. Francisco de Paula Xavier Neto.
742 R.T.J. — 198

Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 17 de fevereiro de 1998 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
José Manoel de Macedo Caron foi Procurador do Estado.
Aposentou-se em 1986.
A forma do cálculo de seus proventos foi esta:
“(...)
a) Vencimento — C. Comissão Proc. Ger. Estado (...)
b) Adicionais — 25% + 25%
c) Serviço Extraordinário — 33,33%
d) Grat. Produtividade (Lei 6559/74)
e) Verba de Representação...
(...)” (Fl. 03).
A gratificação de Representação de Gabinete foi excluída do cálculo.
Em 22 de setembro de 1989, adveio o Decreto n. 5.764 que reduziu a remuneração
do servidor.
2. O mandado de segurança
O servidor impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar.
Leio na inicial:
“(...)
6.1 – Entre as ofensas ao direito líquido e certo do impetrante, está a ofensa
à coisa julgada, como ficou demonstrado, eis que o ato de aposentadoria foi objeto
do crivo do Poder Judiciário, que expressamente decidiu, mantendo as vantagens
concedidas pelo ato administrativo que o inativou, e acrescendo mais a Gratifica-
ção de Representação de Gabinete.
6.2 – Em que pese, até mesmo o art. 17 das Disposições Transitórias da C.F.,
que os vencimentos, etc. etc., que estejam sendo percebidos em desacordo com a
Constituição, ‘serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se
admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a
qualquer título, é de se ver que, especificando e limitando ao ‘direito adquirido’,
não extendeu (sic) à coisa julgada.
(...)
R.T.J. — 198 743

(...) embora o citado art. 17 das Disposições Transitórias tivesse feito referên-
cia expressa ao direito adquirido, como não cabimento à alegação, todavia, não
elencou a coisa julgada, que expressamente mantém como Direitos e Garantias
Fundamentais no art. 5º, XXXVI, citado.
(...)” (Fls. 14/15).
A autoridade impetrada, nas informações, alegou perda de objeto do MS pelo
advento da Lei n. 9.105, de 23 de outubro de 1989, que impôs a mesma sujeição prevista
no decreto impugnado.
Em relação à coisa julgada, disse que o art. 17 do ADCT não admite invocar direito
adquirido.
3. A decisão no TJ/PR
A segurança foi concedida em parte.
Destaco no acórdão:
“(...)
(...) tudo quanto o impetrante deixou de perceber em razão do limitador
instituído por decreto, até 23 de outubro de 1989, data em que entrou em vigor a
Lei 9.105, foi-lhe descontado indevidamente. E nem se diga que a lei teria
convalidado o decreto, pois esse efeito retroativo encontra obstáculo na garantia
assegurada pelo inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal: ‘a lei não prejudi-
cará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.
3. O limitador predefinido na Constituição Federal e fixado pela Lei 9.105
corresponde aos vencimentos do cargo de Secretário de Estado; não à remunera-
ção que um Secretário de Estado, optando pelos vencimentos de seu cargo
efetivo, possa perceber – até porque esta remuneração, a seu turno, não escapa do
limitador.
Aos vencimentos assim limitados a Constituição Federal permite o acrésci-
mo de vantagens pessoais (art. 39, § 1º), que podem variar conforme a categoria
funcional de que se cuide. Relativamente ao impetrante, que se aposentou no
cargo de Procurador do Estado de 1ª classe, vantagens pessoais autorizadas são
aquelas previstas na Lei Complementar Estadual 51/90, que dispõe sobre venci-
mento básico e vantagens pecuniárias dos integrantes da carreira de Procurador do
Estado.
(...)
Alterações recentes na remuneração dos Procuradores do Estado suprimiram
parte das vantagens até então autorizadas, como v.g. as gratificações de serviço
extraordinário e produtividade. Em contrapartida, acarretaram vencimentos supe-
riores que absorvem com folga as vantagens suprimidas.
(...)
Daí se conclui que as gratificações de serviço extraordinário e produtivida-
de, computadas como vantagens no primeiro cálculo de proventos do impetrante,
estão agora absorvidas pelos vencimentos a que ele tem direito.
744 R.T.J. — 198

(...)
Os vencimentos de Procurador Geral de Estado são iguais aos de Secretário
de Estado. Já a gratificação de 20% é vantagem pessoal que o limitador de
vencimentos não atinge.
(...)
Aqui o discurso é diferente daquele efetuado a propósito das gratificações de
serviço extraordinário e produtividade: os adicionais não foram absorvidos por
vencimentos superiores, mas simplesmente limitados ao número de sete; logo, a
supressão de três qüinqüênios não se aplica ao impetrante, pois isso acarretaria
redução de proventos e ofensa a direito adquirido. Só a Constituição Federal
poderia ir tão longe(...)
(...)
A Constituição Federal, entretanto, não limitou o número de adicionais...
(...)
7. O impetrante faz jus à gratificação de representação de gabinete que
logrou assegurar em juízo por decisão que adquiriu força de coisa julgada (o
acórdão 815 deste Grupo e Câmaras). Essa gratificação (de 160%) corresponde,
hoje, à gratificação de encargos especiais que compõe, somada ao vencimento
básico, a parte fixa da remuneração de Secretário de Estado:
(...)
Isso significa que o impetrante não pode perceber, cumulativamente, as
gratificações de encargos especiais e representação de gabinete.
(...)
Em suma, essas gratificações (representação de gabinete, encargos especiais)
perderam a natureza de vantagem pessoal e passaram à condição de parcela da
chamada parte fixa da remuneração do cargo. É por isso que não são cumuláveis
entre si.
8. Em conclusão, o impetrante tem direito a proventos equivalentes ao
vencimento básico de Secretário de Estado, mais 160% de representação de
gabinete e, sobre o total assim apurado, 50% de adicionais. Pode, no entanto,
optar pela seguinte composição de proventos: vencimentos básico de Procura-
dor do Estado de 1ª classe, mais 170% de representação, até o limite da remune-
ração (vencimento básico e encargos especiais) de Secretário de Estado; além
disso, 20% do valor do símbolo do cargo em comissão e 50% de adicionais. (O
direito de opção decorre, como ficou dito, do disposto no art. 143, § 1º, da Lei
6.174.)
(...)” (fls. 123/128).
Dessa decisão o servidor opôs embargos, os quais foram recebidos.
Está no voto:
R.T.J. — 198 745

“(...)
(...) o impetrante foi aposentado com os vencimentos de Secretário de Estado,
questão incontroversa na ação, e não com os vencimentos de Procurador de
carreira, estes sim com a absorção das vantagens multicitadas em favor de venci-
mentos superiores.
(...)
Por isso o acolhimento dos presentes embargos para, de acordo com o
contido na fundamentação, fazer incluir no cálculo já mencionado na decisão
embargada, as vantagens das gratificações de serviço extraordinário e produ-
tividade, reconhecendo-lhes o caráter de ‘vantagens pessoais’, excluídas, por-
tanto, do limitador legal, ficando assim compostos os proventos do impetrante:
vencimentos básico de Secretário de Estado, mais 160% de representação de
gabinete, e sobre o total assim apurado, 50% de adicionais, gratificações por
serviço extraordinário e produtividade e verba de representação, as últimas calcu-
ladas na forma legal.
(...)” (Fls. 157/158).
O Estado opôs embargos dessa última decisão.
Os embargos foram rejeitados.
Leio no voto:
“(...)
2.1. Afastou-se a cláusula ‘a qualquer título’ mencionada no dispositivo
constitucional invocado, porque o impetrante foi aposentado exatamente com os
vencimentos de Secretário de Estado, por ter sido Procurador Geral do Estado por
tempo suficiente para tal aquisição. Assim, recebe ele o mesmo que é pago aos
atuais Secretários de Estado, com os acréscimos das chamadas vantagens pessoais.
(...)
O v. Acórdão embargado deixou claro, em sua fundamentação que o cálculo
dos proventos do impetrante, como ali contido, é impositivo pelo direito adquiri-
do, ‘como também e principalmente por tratar-se de coisa julgada’ (fl. 158).
A decisão atacada não invocou somente o direito adquirido, mas ateve-se
principalmente, como transcrito, na coisa julgada.
(...)” (Fls. 174/175).
4. O RE
O Estado interpôs RE, admitido pelo provimento de agravo em apenso (AI 152.857).
Fundamenta o recurso na alínea a do permissivo (CF, art. 102, III).
Sustenta ofensa aos arts. 37, XI e XIV; 39, § 1º, da CF e art. 17 do ADCT.
O PGR manifestou-se pelo parcial provimento.
5. O voto do Relator
Marco Aurélio dá provimento ao recurso.
746 R.T.J. — 198

Eis o voto:
“No particular, reitero o que tive oportunidade de consignar ao enfrentar, na
apreciação do agravo de instrumento em apenso, a matéria:
De início, registro que o fenômeno da suspensão decorrente dos embargos
declaratórios está limitado ao recurso cabível contra a decisão proferida, ou seja,
ao curso do prazo recursal atinente à submissão do acerto ou desacerto do
acórdão ao órgão revisor. Descabe elastecê-lo para dizer-se que, opostos
declaratórios por uma das partes, dá-se a suspensão do prazo para protocolação
de idêntico remédio pela parte contrária. Esta óptica, no entanto, não prejudica,
em si, a argumentação feita pelo Estado na cuidadosa peça de folhas 2 a 23. É
que, por ficção legal, dá-se a formação, com o julgamento dos declaratórios, de
peça única passível de ser atacada, como um todo, por qualquer das partes
envolvidas. Se é possível falar-se de preclusão, esta fica restrita, como salientado
na minuta do agravo, aos temas que não tenham sido objeto de debate e decisão
prévios. Exsurge extravagante conclusão mais abrangente, a ponto de, desco-
nhecendo-se a suspensividade resultante dos sucessivos declaratórios, assentar-
se a intempestividade do recurso extraordinário. Os provimentos judiciais decor-
rentes dos embargos consubstanciam a integração do acórdão primitivo, reve-
lando, na maioria das vezes, a entrega da prestação jurisdicional de forma
completa. Passa-se a ter, como frisado acima, aresto único. Impróprio é o
desmembramento conducente à intempestividade do extraordinário. A não ser
assim, ou seja, a partir do rechaçamento da tese da integração caminhar-se-á para
o abandono do princípio da unirrecorribilidade e, o que é pior, admitir-se-ão
impugnações sucessivas como se houvesse, no caso, provimentos autônomos.
Toda vez que os embargos declaratórios não alcançassem a totalidade das
controvérsias dirimidas ter-se-ia que, concomitantemente, interpor o extraordi-
nário. (Folha 347 do agravo em apenso)
Assim, não se pode cogitar, na espécie, de intempestividade, valendo notar
que o acórdão inicialmente proferido foi publicado no Diário da Justiça de 18 de
fevereiro de 1991, segunda-feira (folha 135), ocorrendo a protocolação dos primei-
ros declaratórios em 19 de fevereiro de 1991, terça-feira (folha 146). Excluído o dia
da publicação do acórdão e também o relativo à apresentação dos declaratórios, já
que este último não chegou a se completar, verifica-se que não foi gasto, do prazo
relativo ao extraordinário, um único dia. O acórdão decorrente dos primeiros
declaratórios foi veiculado no Diário da Justiça de 22 de abril de 1991, segunda-
feira (folha 159), vindo à balha novos declaratórios em 26 imediato, sexta-feira
(folha 164). Aqui foram consumidos três dias do prazo de trinta alusivo ao extraor-
dinário, considerada a prerrogativa da dobra de que goza a Fazenda. O provimento
judicial último, emanado da Corte de origem, foi publicado no Diário de 24 de
junho de 1991, segunda-feira (folha 177), verificando-se a interposição deste
extraordinário em 17 de julho de 1991, quarta-feira (folha 180) e, portanto, dentro
dos trinta dias assinados em lei. No mais, o recurso está subscrito por Procurador do
Estado, não se podendo falar em preparo. Resta o exame do pressuposto específico
de recorribilidade, ou seja, da violência à alínea a do inciso III do artigo 102 da
R.T.J. — 198 747

Constituição Federal, no que aponta a ofensa aos incisos XI e XIV do artigo 37, ao
§ 1º do artigo 39, ambos do corpo permanente da Carta de 1988 e ao artigo 17 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Recordo, mais uma vez, o que restou assinalado quando do julgamento do
agravo em apenso:
‘Feita esta ressalva, tenho que os assuntos articulados no extraordinário
de folhas 180 a 209 estão a merecer o crivo de Colegiado desta Corte, quer
levando-se em conta os incisos mencionados do artigo 37, quer o teor do artigo
17, o primeiro do corpo permanente da Carta e o segundo do Ato das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias. Depreende-se do acórdão prolatado por
força do julgamento dos declaratórios apresentados pelo Agravado que se
acabou por conjugar, no que tange aos proventos da aposentadoria, parcelas
pertinentes ao cargo de Procurador do Estado e ao cargo de Secretário de
Estado, caminhando-se, ao primeiro exame, para acumulação que destoa do
texto constitucional. Além disto, há de se perquirir se a gratificação de serviço
extraordinário e de produtividade afiguram-se como vantagens pessoais, ana-
lisando-se também, a inteligente tese sobre a exclusão das vantagens pessoais
apenas quando se cuide do atendimento à equivalência, não alcançando,
destarte, hipótese em que discute o respeito ao limite remuneratório.’ (Folha
348 do agravo em apenso)
Em primeiro lugar, assento estar o decisum, alvo de impugnação, no acórdão
alusivo aos primeiros declaratórios. Eis como lançado, com base no voto condutor
do julgamento:
‘(…) para o cálculo de seus proventos, devem ser considerados o
vencimento básico de Secretário de Estado, mais cento e sessenta por cento
de representação de gabinete e sobre o total assim apurado, cinqüenta por
cento de adicionais e ainda as gratificações por serviço extraordinário e de
produtividade, tidas estas últimas também como de caráter pessoal, e portan-
to, excluídas do chamado limitador de vencimentos’. (Folhas 157 e 158)
Quanto à observância do decreto que precedeu à Lei n. 9.105/89, o recurso
não está a merecer conhecimento. A razão é muito simples: no inciso XI do artigo
37, ao aludir-se ao limite máximo e à relação de valores entre a maior e a menor
remuneração dos servidores públicos, remete-se a lei e esta há de ser tomada no
sentido formal e material, mesmo porque não se pode conceber regulamentação de
preceito constitucional mediante penada única do Chefe do Poder Executivo. No
particular, bem andou a Corte de origem ao proceder a glosa, citando, inclusive,
oportuna lição de Hely Lopes Meirelles no sentido da preservação do campo
reservado à lei. Provimentos administrativos preater legem não podem invadir o
sítio reservado à lei, ou seja, adentrar na disciplina de matérias que só por lei
podem ser reguladas. Isso não quer dizer, no entanto, que, afastado o decreto, não
se tenha o respeito, por simetria, do limite máximo concernente ao Executivo que,
no caso da União, é o revelado pela remuneração em espécie e percebida a
qualquer título por Ministro de Estado e no tocante às unidades da Federação
pelos Secretários de Estado. Há de examinar-se o tema sob tal ângulo.
748 R.T.J. — 198

Esta Corte, defrontando-se com hipótese em que em jogo não o teto constitu-
cional, mas o instituto da equivalência, assentou, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 14, relatada pelo Ministro Célio Borja — e em época na
qual eu não integrava, ainda, o Colegiado — que as vantagens pessoais não são
passíveis de cômputo para o citado efeito, ou seja, para chegar-se à equivalência.
Não cabe, no âmbito de órgão fracionado, como é a Turma, rediscutir a questão. O
tema, alvo de constante reflexão por tantos quantos se debruçam sobre o Direito,
há de merecer, estou certo, reexame pelo Plenário tão logo surja oportunidade.
Neste processo, a discussão é outra: trata-se não da equivalência e, tampouco
da equiparação prevista no § 1º do artigo 39 da Constituição Federal, mas do teto
fixado no inciso XI do artigo 37 da referida Carta. A isonomia de vencimentos de
que cuida o § 1º do artigo 39 em comento, para cargos e atribuições iguais ou
assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, faz-se, pela própria natureza que lhe qualifica, sem levar-
se em conta as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de
trabalho. A razão de ser da regra é visível: em jogo isonomia, somente são
sopesadas parcelas que estejam situadas no campo da igualdade. Logo, vantagens
de caráter individual, pessoais, não podem ser consideradas. O objetivo do precei-
to é chegar-se à igualização dos vencimentos em face de atribuições iguais ou
cargos assemelhados. Transcreva-se o dispositivo:
‘§ 1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia
de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mes-
mo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciá-
rio, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou
ao local de trabalho’.
Entrementes, conforme já consignado, a questão não concerne à equivalên-
cia, ou, em si, à isonomia. Está-se diante de controvérsia a ser dirimida, na esfera
constitucional, mediante julgamento deste extraordinário, sobre o real alcance da
norma do inciso XI do artigo 37 e, também, do inciso XIV nele inserido, combina-
do com o artigo 17 do trecho transitório da Carta.
Ao versar sobre a observância do teto revelado pelo que percebido por
membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo
Tribunal Federal, quadro que, transportado para o âmbito do Estado, leva à
consideração da remuneração dos membros da Assembléia Legislativa, dos Secre-
tários de Estado e dos Desembargadores, o dispositivo constitucional cogita de
valores satisfeitos a título de remuneração (retribuição total pelo serviço alusivo
ao cargo), prevendo, para efeito de cálculo, aqueles percebidos em espécie, com
cláusula de abrangência ímpar (a qualquer título). Evidentemente, o mesmo proce-
dimento há de adotar-se quanto àquele que está submetido ao teto. O cotejo há de
fazer-se de forma idêntica, levando-se em conta, quer considerada a situação
jurídica do servidor, quer a daquele que lhe serve de modelo maior, ‘os valores
percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título (…)’. No particular,
não há como adotar dois pesos e duas medidas, tendo em vista a totalidade da
remuneração do membro do Congresso Nacional, do Ministro de Estado e do
R.T.J. — 198 749

Ministro do Supremo Tribunal Federal e, no tocante ao servidor submetido ao


limite remuneratório, os valores percebidos com exclusão das vantagens pessoais.
Essas, com as distorções notadas no campo administrativo, passaram pelos valores
ao patamar de parcelas principais, chegando a percentagens que ultrapassam, por
vezes, a totalidade do básico percebido. Ora, a partir do momento em que se inclui
no inciso XI do artigo 37 exceção nele não contemplada, vulnerando-se, com isso,
regra de hermanêutica e aplicação do Direito, ter-se-á preceito inócuo, teto que
exsurgirá como simplesmente formal, a conduzir a quadros extravagantes nos
quais, em detrimento até mesmo da hierarquia, servidores nos âmbitos do Congres-
so Nacional, do Executivo e do Supremo Tribunal Federal perceberão remunera-
ção em muito superior à daqueles que estão situados no topo. Há de tirar-se da
Constituição Federal o máximo de eficácia, mormente quando o dispositivo está
direcionado à preservação da organicidade da própria administração pública,
afastando situações de privilégio e, portanto, odiosas. A partir desse enfoque,
examino a hipótese dos autos.
Do cargo a ser considerado
Como afirmado anteriormente, no julgamento dos declaratórios, consignou-
se que os proventos da aposentadoria hão de ser calculados a partir do vencimento
básico do Secretário de Estado. Aqui ocorreu inegável entrelaçamento de institu-
tos. É pacífico, porquanto consta dos acórdãos proferidos, que o Impetrante apo-
sentou-se como Procurador do Estado de Primeira Classe, havendo exercido o
cargo em comissão pelo período indispensável a aposentar-se com os respectivos
vencimentos de Procurador-Geral do Estado. Muito embora haja-se elucidado que
‘os vencimentos de Procurador-Geral do Estado são iguais aos de Secretários de
Estado’ (folha 125), não se pode falar, em detrimento dos parâmetros levados em
conta quando dos cálculos da aposentadoria, em ter como referência o básico
percebido por Secretário de Estado. Considerar-se-á, na espécie, o vencimento de
Procurador-Geral do Estado, presente a igualdade com o que percebido por Secre-
tário de Estado, isso em face da isonomia em vigor à época em que exercida a
Procuradoria-Geral. Este enquadramento, a rigor, no campo da praticidade, não
altera os quantitativos, apenas sendo lançado em prol de um apego maior à boa
técnica.
Da gratificação por tempo de serviço
A Corte de origem prestou à Carta da República interpretação fidedigna. O
Impetrante, em face de normas locais, obteve o direito à parcela igual a cinqüenta
por cento a esse título. É certo que foi editada a Lei Complementar n. 51/90,
limitando os adicionais a sete qüinqüênios (35%). Todavia, o citado Diploma não
teve o alcance de apanhar situação jurídica já constituída, direito integrado ao
patrimônio do Recorrido, não se podendo cogitar, na espécie, de cálculo cumula-
tivo glosado pelos artigos 37, inciso XIV, e 17, respectivamente do corpo perma-
nente e do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988. No
particular, a instância soberana no exame dos elementos probatórios dos autos
afastou a possibilidade de, em face dos parâmetros do cálculo da parcela, assentar-
se o chamado ‘efeito cascata’, assim consignando:
750 R.T.J. — 198

‘os adicionais do Impetrante, por conseguinte, não comportam o que se


convencionou chamar de efeito cascata, mas continuam em número de dez e,
além disso, estão à salvo do limitador de vencimentos, na medida em que
possuem natureza de vantagem pessoal’. (Folha 127)
Portanto, não se trata, no caso, de cômputo acumulado, para fim de concessão
de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento, mas de
critério ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento, mas de critério
legal de aquisição do adicional por tempo de serviço à razão de cinco por cento por
qüinqüênio, estando o limite não em sete qüinqüênios, mas em dez qüinqüênios.
Neste ponto, deixando a matéria alusiva ao limitador para a apreciação a seguir,
tenho que improcede o inconformismo do Estado.
Do teto constitucional e das vantagens tidas como pessoais
Já se disse que o precedente do Plenário, formalizado quando do julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 14, ficou restrito ao instituto da equivalência,
não alcançando quer a isonomia do § 1º do artigo 39, quer o teto do inciso XI do artigo
37, ambos da Constituição Federal. Daí porque, na hipótese vertente, não se há de
excluir parcelas. Ou bem o teto constitucional existe, e é algo a ser por todos respeitado,
ou não. Admitir que, mediante a inserção de hipóteses não contempladas, delineie-se
quadro em que servidor, em atividade ou aposentado, perceberá mais do que Secretário
de Estado, sem que o plus decorra, em si, de vantagem inerente à aposentadoria, é
olvidar, transgredindo-o, o que se contém no inciso XI do artigo 37 da Constituição
Federal. As vantagens tomadas como pessoais (Adicional por Tempo de Serviço na
ordem de cinqüenta por cento, Gratificação de Representação de Gabinete na ordem de
cento e sessenta por cento, Gratificação por Serviço Extraordinário e Gratificação de
Produtividade) hão de ser computadas para efeito de saber-se da observância do teto
revelado pelos valores percebidos como remuneração em espécie, a qualquer título, por
Secretário de Estado. Aliás, é bom frisar que de se de um lado a Gratificação de
Representação de Gabinete e o Adicional por Tempo de Serviço dizem respeito a uma
situação peculiar do Recorrido, de outra, como bem apanhado pela Procuradoria-Geral
da República, isso não ocorre no que tange à Gratificação por Serviço Extraordinário e
à Gratificação por Produtividade, no que inerente ao cargo.
Por tais razões, conheço este extraordinário em face a ofensa do inciso XI do artigo
37 da Constituição Federal, e o provejo para determinar a observância do teto nele
previsto, levando-se em conta valores percebidos como remuneração, em espécie e a
qualquer título, pelo Recorrido e o Secretário de Estado, tomada a remuneração deste
como limite. É como voto na espécie dos autos.”
6. O voto vista
Pedi vista para melhor exame.
A questão está em saber se o impetrante, ora recorrido, tinha direito à percepção de
proventos equivalentes aos de Secretário de Estado, além de gratificações de produtivi-
dade e de serviço extraordinário, gratificação de gabinete, adicional por tempo de
serviço e verba de representação, vantagens excluídas do teto pelo Tribunal a quo.
A essas vantagens o TJ/PR deu caráter de natureza individual.
R.T.J. — 198 751

Acatou, ainda, alegação de existência de coisa julgada.


Quanto a esse último argumento, foi matéria devidamente afastada pelo Relator.
Sobre o adicional por tempo de serviço o Supremo fixou entendimento — anterior
à EC 19/98 e à EC 41/2003 — de que é vantagem de caráter pessoal excluída do
limitador constitucional (ADI 14).
Em relação às demais verbas que compõem os proventos do recorrido, são elas
relativas à natureza do cargo.
Incluem-se, portanto, no teto.
A Primeira Turma do Tribunal, em caso análogo ao dos autos, assim decidiu:
“(...)
1. Teto de remuneração (artigos 37, XI e 39, § 1º, ambos da Constituição de
1988, em seu teor original). 2. Por configurar vantagem de natureza individual,
exclui-se dessa limitação o adicional por tempo de serviço, o mesmo sucedendo
com a gratificação de risco de vida, correspondente à natureza do trabalho. 3.
Compreendem-se, porém, no valor do teto, as vantagens de função gratificada,
representação de gabinete, cargo em comissão de função gratificada e, ainda,
de tempo integral. 4. A circunstância de decorrer o pagamento de decisão
judicial, só aproveita o servidor quando haja a sentença decidido acerca da
questão de ser a parcela excecionável da limitação. 5. Recurso extraordinário
conhecido, em parte, e nela provido, para reduzir a extensão da concessão da
segurança.
(...)” (RE 218.465/PR, Gallotti, DJ de 13-11-1998).
Ante o exposto, conheço do RE para dar-lhe parcial provimento, cassando a
segurança quanto às vantagens das gratificações de serviço extraordinário e produtivi-
dade, de representação de gabinete e verba de representação.

EXTRATO DA ATA
RE 174.742/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Estado do Paraná (Advogados: Julio Cesar Ribas
Boeng, Carlos Frederico Mares de Souza Filho e outros). Recorrido: José Manoel de
Macedo Caron (Advogado: Francisco de Paula Xavier Neto).
Decisão: A Turma, por maioria, conheceu e deu parcial provimento ao recurso,
cassando a segurança quanto às gratificações de serviço extraordinário e produtividade,
de representação de gabinete e verba de representação, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que conhecia e dava provimento em maior extensão ao recurso. Redigirá o
acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de
Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Compareceram o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo,
752 R.T.J. — 198

nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF,
e o Ministro Marco Aurélio, a fim de julgarem este processo, ao qual estão vinculados.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 192.364 — SC

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim
Recorrente: Estado de Santa Catarina — Recorrido: Rui João Cirilo Ramos Soares
Servidor público do Estado de Santa Catarina. Teto. Advento da LC
43/92. Lei estadual que fixa teto inferior ao constitucional. Possibilidade.
Contrariedade aos arts. 2º; 37, XI; 49, VIII; 61, § 1º, II, a, e 63, I, da CF.
Recurso parcialmente conhecido.
1. RE não conhecido pela alínea c, visto que o acórdão não julgou
válida lei ou ato de governo local em face da CF.
2. Ausência de prequestionamento quanto à impugnação ao art. 63,
I, da CF. Incidência das Súmulas 282 e 356.
3. Entendimento deste Tribunal no sentido de que, no art. 37, XI, da
CF, permite-se a implementação do teto fixado em lei elaborada pela
União e por cada unidade federada, com respeito ao limite constitucional,
porém poderá fixar valor inferior a ele, com exceção apenas das hipóte-
ses de teto diverso estabelecidas na própria CF (arts. 27, § 2º, e 93, V).
4. Recurso conhecido em parte e nela provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer, em parte, do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento para cassar o acórdão
na parte em que diverge da jurisprudência do Tribunal, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que não conhecia do recurso.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
houve por bem conceder parcialmente a segurança impetrada pelos ora Recorridos, em
acórdão assim sintetizado:
R.T.J. — 198 753

Mandado de Segurança — Carência — Lei em tese — Rejeição da proemial.


Se da norma legal defluem efeitos concretos e imediatos na esfera jurídica do
impetrante, não há falar-se em lei em tese.
Legitimidade passiva — Governador do Estado e Secretários de Estado.
Havendo a autoridade superior encampado o ato inferior, defendendo-lhe a
legalidade, torna-se também coatora.
Poder Judiciário — Função constitucional.
Ao fazer valer a vontade concreta da lei, dirimindo o direito litigioso, está o
Poder Judiciário sendo fiel ao princípio constitucional da divisão de poderes; se
assim não fosse, estabelecer-se-ia uma anarquia jurídica absolutamente indesejá-
vel para todos.
Funcionalismo — Teto remuneratório — Lei Complementar n. 43/92.
A Lei posterior não pode abalar o benefício de estabilidade financeira
incorporado ao patrimônio jurídico do servidor, desde que não exceda a limitação
prevista no art. 37, XI, da CF, ante a expressa ressalva do art. 17 do ADCT.
Adicional de tempo de serviço — Exclusão do cômputo.
O parâmetro remuneratório do Secretário do Estado, como teto, pressupõe
igual tempo de serviço que o do servidor parametrado (folha 81).
Exsurgiram sucessivos embargos declaratórios, sendo rejeitados os primeiros
mediante o acórdão de folhas 116 a 124, e acolhidos os últimos para esclarecer a
existência de prequestionamento em torno dos artigos 61, § 1º, inciso II, alínea a, e
169 da Carta Federal, e 50, § 2º, incisos II e IV, e 118 da Estadual, já que os preceitos
foram evocados pela autoridade coatora nas informações, e apreciados no aresto de
folhas 81 a 95.
No extraordinário de folhas 137 a 152, interposto com alegada base nas alíneas
a e c do permissivo constitucional, defende-se a harmonia da Lei Complementar local
n. 43/92 com o Diploma Maior, no que estabeleceu, como limite máximo de remune-
ração dos servidores do Poder Executivo, oitenta por cento dos vencimentos do cargo
de Secretário de Estado. Noutro passo, articula-se com o malferimento dos artigos 2º,
25, 37, inciso XI, 49, inciso VIII, 61, § 1º, inciso II, alínea a, e 63, inciso I, todos da Lei
Fundamental. Evocam-se precedentes jurisdicionais desta Corte e do Superior Tribu-
nal de Justiça no sentido de que o teto deve ser observado dentro de cada Poder,
visando a demonstrar a impossibilidade de serem tomados, como salário limite dos
servidores do Executivo, os vencimentos dos deputados estaduais acrescidos dos
subsídios.
O Recorrido ofereceu as contra-razões de folhas 155 a 158, estando o procedimen-
to atinente ao juízo primeiro de admissibilidade à folha 165.
Em 21 de junho de 1995 determinei o encaminhamento dos autos à Procuradoria-
Geral da República, que exarou o parecer de folhas 170 e 171, no sentido do provimento
do recurso, na forma de precedentes da Corte.
É o relatório.
754 R.T.J. — 198

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos, cabendo proceder ao exame do específico, ou seja, dos retratados nas
alíneas a e c do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.
Em primeiro lugar, relembre-se o que deveria ser de sabença geral: julga-se o
recurso extraordinário a partir das premissas constantes do acórdão proferido e das
conclusões a que chegou a Corte de origem, considerados dispositivos constitucionais.
Cada processo é um processo e, quase sempre, apresenta contornos fáticos e jurídicos
próprios. Defeso é substituir as premissas do acórdão proferido para, à mercê de aresto
inexistente, chegar-se à conclusão sobre o enquadramento do extraordinário em um dos
permissivos de recorribilidade que lhe são próprios.
Pois bem, na hipótese vertente, a Corte de origem, em momento algum, adotou
entendimento contrário aos preceitos constitucionais evocados pelo Estado, chegando a
estarrecer o que articulado quanto ao § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. O
Colegiado assentou que não se discute, na espécie, a iniciativa de lei, mas a supremacia de
situação jurídica alcançada pelo Recorrido e, portanto, o afastamento de diploma legal
que acabou por reduzir o teto relativo à remuneração a oitenta por cento do que percebido
por secretário de Estado. Por isso mesmo, a Corte deixou consignada a inexistência de
ofensa ao princípio federativo, ressaltando que a Constituição do Estado não vinculou a
remuneração do deputado estadual à do federal, mas fixou, como teto, setenta e cinco por
cento do que percebido por este último. Mencionou-se que, ao decidir mandado de
segurança e concluir pelo concurso do direito líquido e certo, o Judiciário não vulnera o
princípio da independência e harmonia dos Poderes. Assinalou-se que a hipótese vertente
envolve “servidor público que percebia importância maior, e que por força do teto, passou
a receber menos, locupletando-se o erário estadual com os recursos glosados” (folha 90).
Determinou-se a observância, como teto, do que percebido por secretário de Estado sem a
redução imposta pela Lei Complementar n. 43/92, determinando-se, no entanto, o respeito
ao que contido na Emenda Constitucional n. 5. Fixou-se, como termo final da conclusão a
respeito do teto de cem por cento, a data da citada Emenda (folhas 91 e 92). No julgamento
de embargos declaratórios, veio a ser explicitado que a Carta do Estado, seguindo a
orientação da Federal, encerra a igualação do que percebido por secretário de Estado e
deputado estadual, razão pela qual não se teria, via decisão judicial, chegado à equivalên-
cia, fruto do próprio diploma maior local. Destarte, não se pode concluir, no que condena-
do o Estado a satisfazer diferenças de vencimentos, pela transgressão a qualquer dos
preceitos apontados como infringidos. Vê-se que a espécie dos autos é diversa da que
resultou nos julgamentos apontados no parecer da Procuradoria-Geral da República.
Por tais razões, não conheço deste extraordinário.
É como voto, na espécie dos autos.

EXTRATO DA ATA
RE 192.364/SC — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado de Santa
Catarina (Advogado: Francisco Guilherme Laske). Recorrido: Rui João Cirilo Ramos
Soares (Advogado: Zany Gonzaga).
R.T.J. — 198 755

Decisão: Após o voto do Ministro Relator não conhecendo do recurso extraordiná-


rio, o julgamento foi adiado, em virtude de pedido de vista do Ministro Nelson Jobim.
Falou, pelo recorrente, a Dra. Edite Gondin.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 7 de abril de 1998 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
Rui João Cirilo Ramos Soares exercia cargo no grupo de atividades de nível
superior, vinculado ao quadro de engenheiros civis do Estado de Santa Catarina.
Aposentou-se em 19 de junho de 1990, com vencimentos integrais.
Leio na inicial:
“O impetrante (...) veio a ser aposentado (...) com vencimentos integrais, no
parâmetro da remuneração atribuída à Presidente de Autarquia, fixados pelo artigo
4º (Anexo I) da Lei n. 7.881, de 28 de dezembro de 1989, agregado na forma do
artigo 160, da Lei n. 4.425, de 16 de fevereiro de 1970, sobre os quais há incidência
dos adicionais, na base de 66% (sessenta e seis por cento), além da vantagem
paralela de 90% (noventa por cento), à título de gratificação de responsabilidade
técnica, legalmente instituída.” (Fls. 02/03)
A remuneração estava desvinculada de qualquer redutor.
Em janeiro de 1992, adveio a Lei Complementar 43, que fixou o limite máximo de
remuneração dos servidores.
O teto de vencimentos foi fixado em 80% (oitenta por cento) de Secretário de
Estado.
2. A ação
O servidor impetrou segurança, com pedido de liminar.
Está no pedido:
“(...) com a confirmação da liminar, a concessão da segurança impetrada,
através da qual, ‘permissa venia’ tornar-se-á sem efeito em relação ao impetrante a
retroatividade da Lei Complementar n. 43/92, vez que, as sanções que atingem
contrariam o artigo 5º, item XXXVI, da Magna Carta e o artigo 23, VII, da
Constituição Estadual, partindo do pressuposto de que a Lei Nova não revoga,
nem modifica a anterior para os casos de aposentadoria já consumada.” (Fls. 18/
19)
A liminar foi concedida em parte.
Leio no despacho:
756 R.T.J. — 198

“II - O teto dos estipêndios deve corresponder a 100% da remuneração do


Secretário de Estado, excluído o adicional de tempo de serviço o qual não deve
sofrer qualquer limitação.” (Fl. 31)
A autoridade coatora, nas informações, alegou preliminares processuais e, no
mérito, a denegação da ordem.
3. A decisão no TJ/SC
As preliminares foram afastadas.
A segurança foi concedida.
Leio no voto:
“Quanto ao mérito, deve-se analisar prioritariamente as inconstitucionali-
dades suscitadas na informações.
Não há ofensa ao princípio federativo (arts. 1º e 25, parágrafo 1º da CF),
posto que o art. 27, parágrafo 2º da CE, com a alteração da EC n. 1/92 não vincula
a remuneração do Deputado Estadual ao Federal, mas sim fixa como teto o
percentual de 75%. Equivocada, portanto, a afirmação de que há vinculação de
remuneração da esfera estadual com a federal.
Inexiste malferimento ao princípio de divisão e independência de poderes
(art. 2º, CF, e art. 32, CE), porquanto o Poder Judiciário, ao decidir um mandado de
segurança, estará sempre exercendo a sua função constitucional.
(...)
Não há ofensa ao art. 61, parágrafo 1º, II, a e art. 169 da CF e art. 50,
parágrafo 2º, II e IV e art. 118 da CE e art. 36 do ADCT, pela simples razão de que
in casu não se está tirando do chefe do Poder Executivo o poder de iniciativa em
matéria de fixação e aumento de remuneração pelo estabelecimento de atualização
periódica.
O que se discute aqui é a aplicação de um redutor salarial; vale dizer, a
servidor público que percebia importância maior, e que por força do teto, passou a
receber menos, locupletando-se o erário estadual com os recursos glosados.
É óbvio que, elevado o teto, a retenção será menor, mas isto jamais pode ser
confundido com reajustamento automático de remuneração.
Pela mesma razão não há falar-se em ofensa ao art. 37, XIII, da CF, haja
vista que é inaceitável a idéia de vinculação permanente de remuneração.
A aplicabilidade do preceituado no art. 37, XI, da CF é indiscutível,
porquanto nele está expresso que ninguém pode ganhar mais que os agentes
políticos dos Poderes.
Já o art. 17 do ADCT afasta a alegação de direito adquirido quando a
percepção de estipêndios estiver em desacordo com a Carta Magna.
Daí concluir-se, com cristalina clareza, que o direito adquirido do impe-
trante é o de perceber 100% da remuneração do Secretário de Estado. Só que a
Lei Complementar n. 43/92 reduziu este teto para 80%, ocasionando um decesso
de 20%. Exatamente aí reside a ilegalidade que deve ser reparada.
R.T.J. — 198 757

Com relação ao teto, deve ser aquele previsto no art. 23, III, da Carta
Estadual, ou seja, o vencimento a que tem direito o Secretário de Estado (rectius
igual ao subsídio do Deputado Estadual), mais a representação por aquele
percebida, excluído, evidentemente, o tempo de serviço, com efeito a partir da
impetração.
Importante ressaltar que após a impetração ocorreu um fato superveniente,
qual seja, a edição da Emenda Constitucional n. 5, de 14 de julho de 1993, que
alterou o disposto no art. 23, III, da CE, merecendo este ser levado em considera-
ção, forte no dispositivo inserto no art. 462, do CPC.
Assim, após a edição da precitada Emenda Constitucional, o teto a respei-
tar-se será aquele fixado na Lei Complementar n. 43, ou seja, a remuneração do
Secretário de Estado, afastado o redutor de 20%, consignado no precitado diploma
legal.
Quanto ao tempo de serviço, não se pode olvidar que o parâmetro da remune-
ração do Secretário de Estado deve ser o daquele cujo lapso temporal de exercício
público seja igual ao da impetrante, vale dizer, adicional por igual tempo.
O STJ já explicitou:
‘Funcionário — Adicional por tempo de serviço.
‘O Estado ao fixar o limite máximo de remuneração de seus servidores
no âmbito do Poder Executivo, não pode, simplesmente, reduzir os adicio-
nais já definitivamente adquiridos pelo funcionário e, para sempre, incorpo-
rados a seus vencimentos.
‘Recurso improvido’ (STJ — REsp n. 24.236-1-GO, Rel. Min. Garcia
Vieira, DJ n. 186, de 28-9-92, p. 16.401).
(...)
Por fim, quanto ao pleito de que a gratificação de responsabilidade técnica
não fosse incluída no teto da remuneração, cumpre ressaltar ser ele totalmente
descabido, posto que o entendimento contrário levaria a alijar o teto constitucio-
nal a uma figura inoperante.
A própria administração pública é que poderia, via diploma legal próprio,
excluir do teto outras vantagens expressamente nominadas, dentre as quais não se
fez incluir a presente.
Concede, pois, parcialmente o writ.” (Fls. 89-94)
Contra essa decisão o Estado opôs embargos.
Aduziu que o critério sustentado no acórdão quanto ao limite máximo de remune-
ração contraria o inciso XI do art. 37 da CF e que a aplicação do inciso II do art. 23 da
Constituição Estadual diverge da Súmula 339/STF.
Os embargos foram rejeitados.
Foram opostos novos embargos, que foram providos.
Destaco no voto:
758 R.T.J. — 198

“Acoima o recorrente de contraditório o acórdão relativo aos embargos de


declaração, ao afirmar haver pós-questionamento, quando a questão da ofensa ao
art. 61, par. 1º, II, a, e art. 169, da CF/88, e o art. 50, par. 2º, II e IV, e 118, da CE, foi
agitada nas informações e apreciada no acórdão de fls. 81/95.
(...)
Realmente, referidos dispositivos constitucionais foram invocados nas in-
formações (fls. 48) e apreciados no aresto de fls. 81/95. Acontece que, no acórdão
embargado (fls. 116/124), após tal matéria ter sido reproduzida, afirmou-se haver
pós-questionamento a seu respeito, devendo ser desconsiderado este tópico.
Para esta finalidade merecem ser recebidos os presentes embargos.” (Fls. 134/
135)
4. O RE
O Estado interpõe RE, admitido.
Fundamenta o recurso nas alíneas a e c do permissivo constitucional (art. 102, III).
Sustenta ofensa aos arts. 2º; 37, XI; 49, VIII; 61, § 1º, II, a, e 63, I, da CF.
Nas contra-razões, o impetrante pede a manutenção do acórdão.
A PGR é pelo provimento.
5. O voto do Relator
Marco Aurélio não conhece do recurso.
Leio no voto:
“Os pressupostos gerais de recorribilidade estão atendidos, cabendo proce-
der ao exame do específico, ou seja, dos retratados nas alíneas a e c do inciso III do
artigo 102 da Constituição Federal.
Em primeiro lugar, relembre-se o que deveria ser de sabença geral: julga-se
o recurso extraordinário a partir das premissas constantes do acórdão proferido e
das conclusões a que chegou a Corte de origem, considerados dispositivos
constitucionais. Cada processo é um processo e, quase sempre, apresenta contor-
nos fáticos e jurídicos próprios. Defeso é substituir as premissas do acórdão
proferido para, à mercê de aresto inexistente, chegar-se à conclusão sobre o
enquadramento do extraordinário em um dos permissivos de recorribilidade que
lhe são próprios.
Pois bem, na hipótese vertente, a Corte de origem, em momento algum,
adotou entendimento contrário aos preceitos constitucionais evocados pelo Esta-
do, chegando a estarrecer o que articulado quanto ao § 1º do artigo 61 da Consti-
tuição Federal. O Colegiado assentou que não se discute, na espécie, a iniciativa
de lei, mas a supremacia de situação jurídica alcançada pelo Recorrido e, portanto,
o afastamento de diploma legal que acabou por reduzir o teto relativo à remunera-
ção a oitenta por cento do que percebido por secretário de Estado. Por isso mesmo,
a Corte deixou consignada a inexistência de ofensa ao princípio federativo,
ressaltando que a Constituição do Estado não vinculou a remuneração do deputado
R.T.J. — 198 759

estadual à do federal, mas fixou, como teto, setenta e cinco por cento do que
percebido por este último. Mencionou-se que, ao decidir mandado de segurança e
concluir pelo concurso do direito líquido e certo, o Judiciário não vulnera o
princípio da independência e harmonia dos Poderes. Assinalou-se que a hipótese
vertente envolve ‘servidor público que percebia importância maior, e que por
força do teto, passou a receber menos, locupletando-se o erário estadual com os
recursos glosados’ (folha 90). Determinou-se a observância, como teto, do que
percebido por secretário de Estado sem a redução imposta pela Lei Complementar
n. 43/92, determinando-se, no entanto, o respeito ao que contido na Emenda
Constitucional n. 5. Fixou-se, como termo final da conclusão a respeito do teto de
cem por cento, a data da citada Emenda (folhas 91 e 92). No julgamento de
embargos declaratórios, veio a ser explicitado que a Carta do Estado, seguindo a
orientação da Federal, encerra a igualação do que percebido por secretário de
Estado e deputado estadual, razão pela qual não se teria, via decisão judicial,
chegado à equivalência, fruto do próprio diploma maior local. Destarte, não se
pode concluir, no que condenado o Estado a satisfazer diferenças de vencimentos,
pela transgressão a qualquer dos preceitos apontados como infringidos. Vê-se que
a espécie dos autos é diversa da que resultou nos julgamentos apontados no
parecer da Procuradoria-Geral da República.”.
6. O voto vista
Pedi vista para melhor exame.
A questão está em saber se a lei estadual pode fixar teto inferior ao da remuneração
dos Secretários de Estado.
Preliminarmente, não conheço do RE pela alínea c.
O acórdão atacado não julgou válida lei ou ato de governo local em face da CF.
Em relação à impugnação ao art. 63, I, dele também não conheço, por falta de
prequestionamento (Súmulas 282 e 356).
Quanto aos demais dispositivos, a jurisprudência do Supremo já fixou o entendi-
mento sobre a matéria.
Destaco precedente:
“I - Servidor público estadual: teto constitucional: equivalência entre os
tetos (CF, art. 37, XI).
(...)
II - Teto: redução do limite remuneratório (LC estadual 43/92/SC): inexis-
tência de direito adquirido à manutenção do limite previsto na legislação revo-
gada, pois é axiomático não existir direito adquirido a regime jurídico.
III - Lícita a anterior fixação do teto local na remuneração dos Secretários de
Estado e dada a garantia constitucional da irredutibilidade dos vencimentos, têm
os impetrantes direito a que, da incidência imediata da LC 43/92, não poderá
resultar o decréscimo da quantia que licitamente percebessem, até o montante do
teto anterior.
760 R.T.J. — 198

IV - Teto estadual: fixação em montante inferior ao previsto no art. 37, XI, da


Constituição: possibilidade.
No art. 37, XI, da CF, são previstos dois limites máximos a considerar na
implementação do sistema: o primeiro, já predeterminado pela Constituição, para
cada Poder; o segundo, a ser fixado por lei da União e de cada unidade federada,
contido, porém, pela observância do primeiro, mas ao qual poderá ser inferior,
excetuadas apenas as hipóteses de teto diverso estabelecida na própria Constitui-
ção da República (arts. 27, § 2º, e 93, IV).” (RE 226.473, Pertence, DJ de 25-6-
1999).
No mesmo sentido: RE 282.525, Ilmar, DJ de 2-2-2001; RE 210.976, Maurício,
DJ de 29-6-2001, RE 275.214, Pertence, DJ de 20-10-2000, dentre outros.
Ante o exposto, peço vênia ao Relator para conhecer em parte do RE e, nessa parte,
dar-lhe provimento para cassar o acórdão na parte em que diverge da jurisprudência do
Supremo.

VOTO (Explicação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No julgamento dos declaratórios, ficou
explicitado que a Carta local prevê a percepção de subsídio idêntico por secretários
e deputados estaduais. A partir dessa premissa, não estou conhecendo do extraordi-
nário.

EXTRATO DA ATA
RE 192.364/SC — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Estado de Santa Catarina (Advogado: Francisco
Guilherme Laske). Recorrido: Rui João Cirilo Ramos Soares (Advogado: Zany
Gonzaga).
Decisão: A Turma, por maioria, conheceu, em parte, do recurso e, nessa parte, deu-
lhe provimento para cassar o acórdão na parte em que diverge da jurisprudência do
Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso. Redigirá o
acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de
Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Compareceram o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo,
nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF,
e o Ministro Marco Aurélio, a fim de julgarem este processo, ao qual estão vinculados.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 198 761

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 215.612 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim
Recorrente: Município de São Paulo — Recorrida: Maria do Carmo Prandini
Dermenjian
Administrativo. Procuradores do Estado de São Paulo. Lei n. 10.430,
de 29 de fevereiro de 1988, art. 42. Teto remuneratório. Gratificação de
gabinete, adicional de função e honorários advocatícios. Precedentes.
— O Plenário deste Tribunal decidiu no sentido de que deverão ser
excluídas do cálculo do teto previsto no art. 37, XI, da CF as vantagens
pessoais, como tais, entretanto, consideradas apenas as decorrentes de
situação funcional própria do servidor e as que representem uma situa-
ção individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho.
— Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de
votos, dar provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, nos termos da
divergência.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A decisão impugnada mediante o extraordinário
implicou o acolhimento parcial do pedido formulado na apelação, para que:
“O limite de remuneração no âmbito municipal seja aquele definido no art.
37, XI, CF, isto é, os valores recebidos em espécie pelo Prefeito, excluindo-se do
cálculo o adicional por tempo de serviço, a gratificação de nível superior e a
vantagem pela dedicação exclusiva.” (Folha 167)
O extraordinário foi interposto com alegado fundamento na alínea a do permissivo
constitucional, com articulação de violência aos artigos 37, inciso XI, do corpo perma-
nente da Carta Política da República e 17 das Disposições Transitórias. Argumenta-se
que o artigo 42 da Lei Municipal n. 10.430/88 não fere a Constituição ao estabelecer
como teto de vencimentos dos servidores públicos remuneração diferente da do Prefeito,
uma vez que a Carta remete à lei para a fixação dos limites máximos de remuneração.
Alude-se ao princípio da autonomia municipal, segundo o qual, dentro do círculo de
competências fixado pela Constituição, cabe aos municípios, “(...) organizar sem inter-
ferências seu governo e estabelecer sponte propria suas normas jurídicas de acordo com
suas rendas e despesas”. Em passo seguinte, defende-se abranger o limite “o padrão de
762 R.T.J. — 198

vencimentos e todas as demais vantagens recebidas pelo servidor, sem qualquer exce-
ção” (folhas 187 a 194).
A Recorrida apresentou as contra-razões de folhas 197 a 200, evocando, como
óbice à admissibilidade do recurso, a orientação do verbete n. 282, da Súmula desta
Corte. Quanto ao tema de fundo, ressalta que a norma contida no artigo 37, inciso XI, da
Carta tem caráter geral e mandamental imediato, devendo ser observada por todos os
Municípios.
O procedimento alusivo ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se às
folhas 208 e 209. Consignou-se o atendimento aos pressupostos específicos atinentes ao
extraordinário.
Recebi os autos em 12 agosto de 1997 e os liberei para julgamento no dia 26
imediato.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De início, esclareço que não redigi
acórdão indicando a possibilidade de serem excluídas do teto constitucional as vanta-
gens de natureza pessoal. Ao que tudo indica, o subscritor do parecer deixou de atentar
para a circunstância de haver sido designado para redigir os acórdãos relativos aos
Mandados de Segurança n. 21.840 e 21.992 outro integrante da Corte. Faço este registro
por um dever de fidelidade intelectual.
Os pressupostos gerais de recorribilidade estão atendidos. O recurso extraordinário
veio subscrito por procurador municipal, notando-se a oportuna manifestação de
inconformismo. O acórdão impugnado teve notícia veiculada no Diário de 26 de agosto
de 1996, segunda-feira (folha 181), ocorrendo a protocolação do extraordinário no dia
25 de setembro imediato, quarta-feira (folha 187) e, portanto, dentro do prazo em dobro
a que tem jus o Município.
Relativamente à subsistência, ou não, da Lei n. 10.430/88, do Município de São
Paulo, no que, antes da Carta em vigor, estipulou o teto a ser observado relativamente
aos vencimentos dos servidores do Município, estabelecendo-o em sete vezes o valor da
referência DA-15, o extraordinário não está a merecer conhecimento, isso considerado o
fato de a Corte de origem haver declarado a incompatibilidade do citado diploma com o
inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal. A lei neste prevista há de conter a fixação
do “limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos
poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por
membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal
Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios e, nos
Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito”. A Lei
municipal não dispôs sobre o limite mínimo remuneratório, tampouco a relação de
valores entre a maior e a menor remuneração. Simplesmente cogitou de teto aquém do
limite máximo fixado no inciso XI em comento. É certo que a lei cogitada pode vir a
R.T.J. — 198 763

estabelecer teto inferior à remuneração do prefeito, mas é indispensável que dela conste
a citada relação de valores, tendo em vista a maior e a menor remuneração. Nem se diga
que o tema não foi abordado no acórdão proferido. Este remete, como se verifica às
folhas 169 e 170, ao que decidido no Mandado de Segurança n. 15.782-0/2/São Paulo.
Conforme é dado constatar pela leitura de tal peça, declarou-se a ausência de recepção
da Lei Municipal n. 10.430/88 pela Carta em vigor, justamente em razão do silêncio
sobre os valores situados entre a maior e menor remuneração, apontando, inclusive, que
sequer foi prevista esta última. Portanto, a decisão proferida pela Corte de origem
exsurge harmônica com o inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, isso no que se
teve como não-recepcionada a Lei Municipal n. 10.430/88 do Município de São Paulo.
Limitado o recurso a essa matéria, dele não conheço.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 215.612/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Município de São Paulo (Advogada: Lígia Maria
Torggler Silva). Recorrida: Maria do Carmo Prandini Dermenjian (Advogados: Angelo
Roberto Chiurco, Pedro Gordilho, Alberto Pavie Ribeiro e outro).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator não conhecendo do recurso extraordiná-
rio, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Ministro Nelson Jobim.
Falou pela recorrida o Dr. Pedro Gordilho.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 7 de outubro de 1997 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
Maria do Carmo Prandini Dermenjian, servidora do Município de São Paulo,
ocupa o cargo de procuradora.
A servidora sofreu descontos em seu pagamento, com fundamento no art. 42 da Lei
municipal 10.430/88.
Em decorrência, impetrou mandado de segurança.
Fundamentou o pedido no inciso XI do art. 37 da CF (teto salarial).
Leio, na inicial, sobre os vencimentos:
“(...) Além do padrão de vencimento/salário e dos honorários advocatícios, a
impetrante recebe uma série de outras vantagens, todas estas pessoais, quais sejam:
adicional de qüinqüênios, regime de dedicação profissional exclusiva, gratifica-
ção de nível superior, adicional de função e gratificação de gabinete.” (Fl. 03)
764 R.T.J. — 198

O Município, nas informações, em preliminar, alegou carência da ação e, no


mérito, a constitucionalidade da lei municipal impugnada.
2. A sentença
A segurança foi denegada.
Leio na sentença:
“(...)
No mérito, tem-se que a Constituição da República, em seu art. 37, inciso XI,
disciplinou que no âmbito municipal, o limite máximo da remuneração do servi-
dor público, não poderá ultrapassar a do Prefeito.
(...)
A Constituição Federal impôs novo limite para a remuneração dos entes
políticos. Mas deixou em aberto a hipótese de serem adotados critérios menos
vantajosos para o servidor municipal, porém, respeitando-se sempre, o limite
máximo.
E é justamente o que vem ocorrendo dentro do Município de São Paulo.
Tanto que o impetrado afirma que somente na hipótese de o cálculo de sete vezes
o valor da referência DA-15 ultrapassar a remuneração percebida pelo Prefeito, está
ser considerado (sic).
Por isso, o antigo método, disciplinado pelo art. 42 da Lei Municipal 10.430/
88, está em sintonia com o art. 37, XI, da Constituição Federal, tendo ocorrido o
fenômeno da recepção, havendo obediência ao princípio da supremacia constitu-
cional.
As vantagens ex facto temporis estão fora de questão, porque já não mais são
computadas da apuração da remuneração e nem participam do denominado exces-
so legal.
Resta a análise das demais vantagens: nível superior, gratificação de gabine-
te, adicional de função e regime de dedicação exclusiva.
Estas são as denominadas vantagens condicionais ou modais que exigem,
para a sua percepção, além do exercício do cargo, a ocorrência de certas situações
ou preenchimento de determinadas condições. Ao contrário das vantagens por
tempo de serviço, as modais ou condicionais não se incorporam ao vencimento,
exceto por expressa determinação legal.
Desta feita, somente as vantagens por tempo de serviço não poderiam ser
consideradas para efeito da remuneração máxima municipal, conforme vem sendo
observado. As demais vantagens, modais ou condicionais devem, por sua nature-
za, compor a remuneração e ser consideradas para o cálculo do teto.
Friso por fim, ante o princípio da autonomia municipal e das pessoas políti-
cas, as normas editadas em uma esfera de poder, não vincula, de modo algum outra
pessoa política, por inexiste hierarquia entre elas.
(...)” (fls. 112/113).
R.T.J. — 198 765

Contra essa decisão a servidora apelou.


Renovou os argumentos da inicial.
O Município, nas contra-razões, pediu a manutenção da sentença.
3. A decisão no TJ/SP
O apelo foi provido por maioria.
Leio no voto vencedor:
“De um lado, não há falar na recepção do art. 42 da Lei Munic. 10.430/88
pela vigente Carta Política Federal.
Dispõe seu art. 37, inc. XI que ‘a lei fixará o limite máximo e a relação de
valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados,
como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores recebidos
como remuneração em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso
Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus
correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Muni-
cípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito’.
Trata-se de dispositivo a ser entendido e aplicado à luz do art. 39, § 1º, ao
dispor que ‘A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de
vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder
ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas
as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de
trabalho’.
(...)
Ressalte-se inexistir dúvida possível, a teor do processado, representar o
dispositivo sub judice, no tocante à remuneração do Sr. Prefeito do Município de
São Paulo, em teto inferior em relação ao decorrente do art. 37, inc. XI da Constitui-
ção da República, o quanto é incontroverso nos autos.
No mais, sua não recepção pela nova ordem Constitucional é evidente.
Em primeiro lugar, por isso que o art. 37, XI determinou não só fosse
estabelecido um limite máximo de vencimentos, mas também ‘a relação de valores
entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos (...)’.
(...)
Em segundo lugar, o texto em questão desatende ao disposto no art. 39, § 1º,
na medida em que, ao fixar um teto remuneratório, se referindo à ‘remuneração
bruta’, compreensível, portanto, do vencimento e das vantagens pessoais e do
cargo, deixou de ressalvar do limite nele estabelecido, em conflito com o texto
constitucional, ‘as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao
local de trabalho’.
Em terceiro lugar, em virtude de desrespeitar o texto e o espírito da Constitui-
ção Federal.
(...)
766 R.T.J. — 198

Realmente, se o teto limite haverá de ser, em qualquer hipótese, a remunera-


ção em espécie do Prefeito, não poderia a Municipalidade de São Paulo aplicar
redutor desconforme com esse mesmo teto.
Isto é, o limite, o valor maior, é o da remuneração em espécie, do Prefeito.
O art. 17 do ADCT determina que ‘Os vencimentos, a remuneração, as
vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam
sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzi-
dos aos limites dela decorrentes (...)’.
(...)
Tenha-se presente que o redutor aplicado pelo Município de São Paulo, para
adequar o pagamento da Impte. ao disposto no art. 42 e § 1º da Lei 10.430/88,
traduz sob essa ótica, desconto maior do que o determinado pelo art. 17 do ADCT,
o quanto evidencia não recepcionado pela nova ordem constitucional o limite
inferior adotado pela Lei Municipal.
(...)
Aplicando tais claras lições ao caso concreto, a Impte. tem direito de receber,
além do limite previsto no art. 37, inc. XI da Constituição Federal, os adicionais
por tempo de serviço (qüinqüênios e sexta parte) já reconhecidos administrativa-
mente como tais e, bem assim, a gratificação de nível superior e o alusivo ao regime
de dedicação profissional exclusiva, os quais dizem respeito a características
pessoais dela, Impte.
Não se excluem desse limite, outrossim, a gratificação de gabinete e o
adicional de função, concedidas em caráter geral, decorrentes do cargo ocupado e
não de circunstâncias personalíssima da Impte.
(...)” (fls. 174/179).
4. O RE
O Município interpõe RE com fundamento na alínea a do permissivo constitucio-
nal (art. 102, III).
Sustenta ofensa ao inciso XI do art. 37 da CF e ao art. 17 do ADCT.
A servidora, nas contra-razões, pediu a manutenção do acórdão recorrido.
5. O voto do Relator
Marco Aurélio não conhece do recurso.
Leio no voto:
“(...)
Relativamente à subsistência, ou não, da Lei n. 10.430/88, do Município
de São Paulo, no que, antes da Carta em vigor, estipulou o teto a ser observado
relativamente aos vencimentos dos servidores do Município, estabelecendo-o
em sete vezes o valor da referência DA-15, o extraordinário não está a merecer
conhecimento, isso considerado o fato de a Corte de origem haver declarado a
incompatibilidade do citado diploma com o inciso XI do artigo 37 da Cons-
R.T.J. — 198 767

tituição Federal. A lei neste prevista há de conter a fixação do ‘limite máximo e


a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públi-
cos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os
valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por mem-
bros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo
Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos
Territórios e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em
espécie, pelo Prefeito’. A Lei municipal não dispôs sobre o limite mínimo
remuneratório, tampouco a relação de valores entre a maior e a menor remunera-
ção. Simplesmente cogitou de teto aquém do limite máximo fixado no inciso XI
em comento. É certo que a lei cogitada pode vir a estabelecer teto inferior à
remuneração do prefeito, mas é indispensável que dela conste a citada relação de
valores, tendo em vista a maior e a menor remuneração. Nem se diga que o tema
não foi abordado no acórdão proferido. Este remete, como se verifica às folhas
169 e 170, ao que decidido no Mandado de Segurança n. 15.782-0/2/São Paulo.
Conforme é dado constatar pela leitura de tal peça, declarou-se a ausência de
recepção da Lei municipal n. 10.430/88 pela Carta em vigor, justamente em
razão do silêncio sobre os valores situados entre a maior e menor remuneração,
apontado, inclusive, que sequer foi prevista esta última. Portanto, a decisão
proferida pela Corte de origem exsurge harmônica com o inciso XI do artigo 37
da Constituição Federal, isso no que se teve como não-recepcionada a Lei
municipal n. 10.430/88 do Município de São Paulo. Limitado o recurso a essa
matéria, dele não conheço.”
6. O voto vista
Pedi vista para melhor exame.
O Plenário deste Tribunal já examinou a questão.
Foi no julgamento do RE 220.397, do qual cito a ementa:
“(...)
Administrativo. Procuradores do Município de São Paulo. Lei n.
10.430, de março de 1988, art. 42. Teto remuneratório. Gratificação de
gabinete, adicional de função e honorários advocatícios. Legitimidade do teto
remuneratório, na forma fixada pelo dispositivo legal sob enfoque. Preceito que
não foi recebido pela CF/88, no ponto em que fixou teto para a remuneração
bruta, a qualquer título, dos servidores municipais. Orientação assentada pelo
STF, na ADI 14, Rel. Min. Célio Borja, no sentido de que deverão ser excluídas
do cálculo do teto previsto no art. 37, XI, da CF/88, as vantagens pessoais, como
tais, entretanto, consideradas apenas as decorrentes de situação funcional pró-
pria do servidor e as que representem uma situação individual ligada à natureza
ou às condições do seu trabalho. Hipótese a que não se subsome a última das
vantagens em destaque. Ausência, nos autos, de elementos que permitam a
identificação da natureza jurídica da segunda delas. Recurso conhecido e parci-
almente provido.
(...)” (Ilmar, DJ de 18-6-1999).
768 R.T.J. — 198

Cito ainda: RE 312.026, Ilmar, DJ de 14-12-2001; RE-AgR 255.068, Maurício,


DJ de 1-6-2001; e RE-AgR 332.360, Eros Grau, DJ de 15-4-2005.
O TJ/SP divergiu parcialmente desse entendimento.
Assim, peço vênia ao Relator para conhecer do RE e dar-lhe provimento, para
reformar o acórdão na parte divergente da orientação do Supremo.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, apenas para depois não
ter o trabalho de buscar a causa da retificação, esclareço que altero o voto, tendo em
conta a nova nomenclatura adotada pela Corte, isso para concluir pelo conhecimento e
desprovimento do recurso.

EXTRATO DA ATA
RE 215.612/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Município de São Paulo (Advogada: Lígia Maria
Torggler Silva). Recorrida: Maria do Carmo Prandini Dermenjian (Advogados: Angelo
Roberto Chiurco, Pedro Gordilho, Alberto Pavie Ribeiro e outro).
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e, prosseguindo, por
maioria, deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, nos termos da
divergência. Retificou parcialmente o voto o Relator. Redigirá o acórdão o Ministro
Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificada-
mente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.
Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Compareceram o Ministro Nelson
Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de
acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF, e o Ministro Marco Aurélio, a fim de
julgarem este processo, ao qual estão vinculados. Subprocurador-Geral da República,
Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 220.906 — DF

Relator: O Sr. Ministro Maurício Corrêa


Recorrente: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT — Recorrido:
Ismar José da Costa
Recurso extraordinário. Constitucional. Empresa Brasileira de Cor-
reios e Telégrafos. Impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços.
Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69. Execução. Observância
do regime de precatório. Aplicação do artigo 100 da Constituição Federal.
R.T.J. — 198 769

1. À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica


equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabili-
dade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-
Lei n. 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da
Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de
economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao
regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias.
2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta
serviço público da competência da União Federal e por ela mantido.
Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração
do disposto no artigo 100 da Constituição Federal.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 16 de novembro de 2000 — Carlos Velloso, Presidente — Maurício
Corrêa, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A 8ª Junta de Conciliação e Julgamento do
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região julgou procedente a reclamação traba-
lhista proposta pelo ora recorrido, Ismar José da Costa, contra a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT.
2. Elaborada a conta de liquidação, citou-se a requerida para que efetuasse o
pagamento do quantum a que fora condenada, sob pena de penhora.
3. A ECT, afirmando ser empresa pública federal criada pelo Decreto-Lei n.
509, de 20 de março de 1969, com privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública
“em relação à imunidade tributária, direta ou indireta e impenhorabilidade de
seus bens, rendas e serviços”, pediu ao juízo da execução que determinasse o
recolhimento do mandado de citação e que outro fosse expedido em conformidade
com o disposto nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil. O pleito foi
indeferido sob o argumento de que à requerida não se aplicava o preceito do artigo
100 da Constituição Federal.
4. A decisão que rejeitou os embargos opostos à execução deu ensejo ao agravo de
petição a que a Primeira Turma da Corte Regional negou provimento por entender que,
nos termos do artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, as empresas públicas sujeitam-
se ao regime próprio das empresas privadas.
5. Inconformada, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos protocolizou
recurso de revista sustentando verificar-se divergência entre as Turmas do Tribunal
770 R.T.J. — 198

Regional do Trabalho quanto ao privilégio da impenhorabilidade dos bens de empresas


públicas. O recurso tivera negado o seguimento em face do Enunciado n. 266 do
Tribunal Superior do Trabalho, segundo o qual “a admissibilidade do recurso de revista
contra acórdão proferido em agravo de petição, na liquidação de sentença ou em
processo incidente na execução, inclusive os embargos de terceiro, depende da de-
monstração inequívoca de violência direta à Constituição Federal”.
6. Ao agravo de instrumento protocolizado contra essa decisão negou-se provi-
mento.
7. Ainda não resignada, a agravante deduziu o presente recurso extraordinário,
com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, no qual alega terem sido
violados os artigos 5º, incisos II e LIV, 100 e 165, § 5º, todos da mesma Carta.
8. Esclarece a recorrente que a sua pretensão cinge-se a que a requisição de seus
débitos se faça por meio de precatório.
9. Sustenta, ainda, que a teor do artigo 6º do Decreto-Lei n. 509/69 não há como
deixar de se observar o instituto do precatório (CF, artigos 100 e 165) e as normas
processuais alusivas à execução contra a Fazenda Pública.
10. O recurso foi admitido na origem e após processado subiu a esta Corte.
11. O Ministério Público Federal, às fls. 73/76, opina pelo não-conhecimento do
extraordinário.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): A recorrente é empresa pública criada pelo
Decreto-Lei n. 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído integralmente pela
União Federal (art. 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública.
2. Preceitua o artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69, verbis:
“A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipa-
mentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Públi-
ca, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade
de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas
processuais.”
3. No caso sub examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública,
que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X).
4. Assinalo que a Primeira Turma desta Corte já se manifestou sobre a matéria por
ocasião do julgamento do RE n. 100.433/RJ, de que foi Relator o eminente Ministro
Sydney Sanches, em acórdão assim ementado, verbis:
“Ementa: Execução fiscal. Impenhorabilidade de bens de empresa públi-
ca (ECT) que explora serviço monopolizado (§ 3º do art. 170 da Constituição
Federal — EC-01/69), reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII, da
Constituição Federal — EC-01/69).
Recurso extraordinário não conhecido.” (RTJ 113/786)
R.T.J. — 198 771

5. Observo que o referido precedente foi julgado à luz da Carta pretérita (EC-01/
69, artigos 8º, XII, e 170, § 3º). Contudo, a disciplina da matéria não foi alterada com a
promulgação da Constituição de 1988, permanecendo íntegra a competência da União
Federal para manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (CF, artigo 21, X), bem
como a regra para exploração de atividade econômica por empresa pública (CF, artigo
173, caput e § 1º).
6. Dispõe o artigo 173, caput, da Carta Federal, que, “ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado
só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Em seu § 1º reza que “a
empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem
atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”. Daí não há como se inferir que seja
dispensável a expedição de precatórios nas execuções contra empresas públicas que
exerçam atividade tipicamente estatal.
7. Note-se que as empresas prestadoras de serviço público operam em setor próprio
do Estado, no qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado. Assim, o fato de
as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem
atividade econômica estarem sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas não
significa que a elas sejam equiparadas sem qualquer restrição. Veja-se, por exemplo,
que, em face da norma constitucional, as empresas públicas somente podem admitir
servidores mediante concurso público, vedada a acumulação de cargos. No entanto, tais
limitações não se aplicam às empresas privadas.
8. Há ainda que se indagar quanto ao alcance da expressão “que explorem
atividade econômica (...)”, contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.
Preleciona José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª
edição, Revista, 1996, pp. 732 e seguintes, que o tema da atuação do Estado no
domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os
de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade
econômica se desenvolve no regime da livre iniciativa sob a orientação de adminis-
tradores privados, o serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se ao regime
jurídico do direito público.
9. Conclui o eminente jurista que “a exploração dos serviços públicos por empre-
sa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles, sendo
certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos pode
assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio das
empresas privadas”, já que somente por lei e não pela via contratual os serviços são
outorgados às estatais (CF, artigo 37, XIX). Assim, não se aplicam às empresas públi-
cas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que
explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição
Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173, § 2º).
772 R.T.J. — 198

10. A interferência do Estado na ordem econômica está consagrada nos artigos 173
e 174 da Constituição Federal: o próprio Estado, em casos excepcionais, atua empre-
sarialmente no setor, mediante pessoas jurídicas instituídas por lei para tal fim; o
Estado, como agente normativo e regulador, fiscaliza, incentiva e planeja a ativida-
de econômica.
11. Desse modo, os princípios gerais que informam a distribuição de atividades
entre o Estado e a iniciativa privada resultam dos princípios da participação estatal na
economia e da subsidiariedade, em seus aspectos suplementar e complementar à
iniciativa privada.
12. Em obediência a esses princípios, a atividade econômica estatal exsurge nos
serviços públicos, nos serviços públicos econômicos e nos de interesse geral, donde a
possibilidade de o Estado (CF, artigo 173) monopolizar os serviços públicos específi-
cos, os de interesse geral e ainda os econômicos, por motivo de segurança nacional ou
relevante interesse coletivo. Vê-se, pois, que a legitimidade da participação do Estado
na economia se fundamenta em três conceitos fundamentais: segurança nacional, servi-
ço público econômico e interesse público.
13. A Constituição Federal, em seu artigo 173, cuida da exploração direta de
atividade econômica pelo Estado. A respeito da matéria escreveu o constitucionalista
Celso Ribeiro Bastos que “por tais atividades deve entender-se toda função voltada à
produção de bens e serviços, que possam ser vendidos no mercado, ressalvada aquela
porção das referidas atividades que a própria Constituição já reservou como próprias
do Estado, por tê-las definido como serviço público nos termos dos incisos XI e XII do
artigo 21 do Texto Constitucional. Ou então quando forem reservadas a título de
monopólio da União (CF, art. 177). Tal circunstância é que justifica a inserção da
cláusula ‘ressalvados os casos previstos nesta Constituição'” (Comentários à Consti-
tuição do Brasil, 7º v, p. 75).
14. Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas,
pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da
Constituição Federal (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição (...)”), por se
tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu orçamento, elaborado de
acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n. 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela
Lei n. 9.473/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é previamente aprovado pelo
Ministério do Planejamento e Orçamento — Secretaria de Coordenação e Controle
das Empresas Estatais, sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacio-
nal, conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à contracapa destes autos.
Logo, são impenhoráveis seus bens por pertencerem à entidade estatal mantenedora.
Ante o exposto, tenho como recepcionado o Decreto-Lei n. 509/69, que estendeu
à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda
Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo
a execução fazer-se mediante precatório, sob pena de vulneração ao disposto no artigo
100 da Constituição de 1988. Por conseguinte, conheço do recurso extraordinário e
dou-lhe provimento.
R.T.J. — 198 773

VOTO
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Senhor Presidente, neste caso, como o recurso é da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, dele não conheço e declaro a
inconstitucionalidade da expressão “impenhorabilidade de seus bens, rendas e servi-
ços”, contida no art. 12 do Decreto-Lei n. 509, de 1969.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Senhor Presidente, peço vista para melhor exame da
matéria.

EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa Brasi-
leira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros). Recor-
rido: Ismar José da Costa (Advogados: Hudson Cunha e outros).
Decisão: Retirado de pauta por indicação do Ministro Relator. 2ª Turma, 16-6-
98.
Decisão: Depois do voto do Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia e
dava provimento ao recurso extraordinário, e do voto do Ministro Ilmar Galvão, que
dele não conhecia e declarava a inconstitucionalidade da expressão “impenhorabilida-
de de seus bens, rendas e serviços”, constante do art. 12 do Decreto-Lei n. 509, de 20-3-
1969, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro
Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, Presidente, e,
neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Ministro Carlos
Velloso, Vice-Presidente.
Presidência do Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-
Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 10 de dezembro de 1998 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. Os fatos
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT foi condenada em
reclamatória trabalhista.
Sustentou, na execução, que lhe era aplicável o “(...) processo (...) especial do art.
100 da Constituição Federal (...)” (fl. 13).
O Tribunal Regional decidiu:
.
774 R.T.J. — 198

“(...) Considerando que, as empresas públicas sujeitam-se ao regime jurídico


próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173 § 1º1 da CF, não há que se
falar em impenhorabilidade de seus bens.” (fl. 27)
2. O RE
A ECT interpôs RE admitido (fls. 64/68).
Sustentou ofensa à CF (arts. 5º, II e LIV; 100 e 165, § 5º).
A PGR manifestou-se pelo não-conhecimento do recurso.
3. Voto do Relator, Maurício
Maurício, Relator, conhece do RE e lhe dá provimento.
Diz Maurício tratar-se a ECT “(...) de pessoa jurídica equiparada à Fazenda
Pública, que explora serviço de competência de União (CF, art. 21, X2).”
E, mais:
“(...) as empresas prestadoras de serviço público operam em setor próprio
do Estado, no qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado. Assim,
o fato de as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entida-
des que explorem atividade econômica estarem sujeitas ao regime jurídico das
empresas privadas não significa que a elas sejam equiparadas sem qualquer
restrição. Veja-se, por exemplo, que, em face da norma constitucional, as empre-
sas públicas somente podem admitir servidores mediante concurso público,
vedada a acumulação de cargos. No entanto, tais limitações não se aplicam às
empresas privadas.”
Cita José Afonso da Silva3:
“(...) o tema da atuação do Estado no domínio econômico exige prévia
distinção entre serviços públicos, especialmente os de conteúdo econômico e
social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade econômica se desenvolve
no regime da livre iniciativa sob a orientação de administradores privados, o
serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se ao regime jurídico do direito
público.”

1 CF, redação de 1988, anterior à EC 19/98.


Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade
econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obriga-
ções trabalhistas e tributárias.
2 CF/88
Art. 21. Compete à União:
(...)
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
3 Curso de Direito Constitucional Positivo, 12. ed., RT, 1996, pp. 32 e seguintes.
R.T.J. — 198 775

E conclui Maurício:
“(...) não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e
a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a
restrição contida no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao
regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não exten-
sivos às do setor privado (CF, artigo 173, § 2º)4.
(...)
“(...) a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas
privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira
parte do art. 173 da Constituição Federal (‘Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição (...)’), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal,
pois seu orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n.
4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei n. 9.473/97 (Lei de Diretrizes
Orçamentárias), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orça-
mento — Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua
receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário
Oficial da União acostado à contracapa destes autos. Logo, são impenhoráveis
seus bens por pertencerem à entidade estatal mantenedora.”
Galvão pediu vista.
4. O voto de Galvão
Galvão diverge do Relator (sessão de 10-12-1998).
Não conhece do recurso e declara a inconstitucionalidade da norma impugnada
(DL 509/69, art. 12).
Sustenta que o art. 100 e parágrafos da CF de 1988 “(...) em princípio, não veda a
extensão do critério dos precatórios, por lei, à execução de débitos judiciais de
responsabilidade de outros entes da Administração que não os de direito público”.
Diz Galvão:
“(...) o óbice a essa providência, de natureza intransponível, reside (...), no art.
1735, § 1º, II (redação da EC n. 19/98), que impõe a sujeição da ‘empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade

4 CF/88
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensíveis às do setor privado.
5 CF/88 com a redação da EC n. 19/98.
776 R.T.J. — 198

econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços’


‘ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias’, norma que já se continha
na redação original do art. 173, § 1º.”
Afirma, mais, que:
“(...) o obstáculo já existia quando da edição do DL n. 509 (...). Encontrava-se ele
no § 2º do art. 1636 da Carta de 1967 (reproduzido ipsis litteris no § 2º do art. 1707 da EC
01/69) (...)”.
E conclui pela declaração de “(...) inconstitucionalidade da expressão —
impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços — contida no mencionado disposi-
tivo (...)”.
5. Os debates, em 10-12-98
Na mesma sessão houve debates.
Discutiu-se:
(a) sobre o orçamento da ECT: uns manifestaram dúvidas sobre a existência de
orçamento (Galvão e Moreira Alves), outros afirmaram a sua existência (Maurício e
Velloso);
(b) sobre ser irrelevante o fato da ECT exercer atividade monopolizada, haja vista
a situação da Petrobras (Galvão);

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
6 CF/67
Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com o estímulo e apoio do Estado,
organizar e explorar as atividades econômicas.
(...)
§ 2º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas, as autarquias e
sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive
quanto ao direito do trabalho e das obrigações.
7 EC 1/69
Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado,
organizar e explorar as atividades econômicas.
(...)
§ 2º Na exploração. Pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de
economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito
do trabalho e ao das obrigações.
R.T.J. — 198 777

(c) sobre o ECT ser uma empresa pública prestadora de serviço público que não
exerce atividade econômica (Velloso):
Pedi vista.
6. RE 225.011 (Marco Aurélio)
Após, Marco Aurélio trouxe a julgamento o RE 225.011.
A matéria é a mesma.
Sustenta Marco Aurélio:
“(...) considerada a regência constitucional pretérita, vê-se nítida distinção,
conforme a matéria envolvida. Tratando-se de empresa pública que explorasse
atividade econômica, ocorria a submissão quanto às normas de Direito do Trabalho
e de Obrigações ao regime, em si, das empresas privadas stricto sensu, fato justifica-
do pelo tratamento igualitário próprio ao mercado. À luz do Direito Tributário, fazia-
se distinção de acordo com a atividade desenvolvida: não sendo monopolizada,
tinha-se a submissão linear ao regime aplicável às empresas privadas, ao contrário,
envolvida atividade monopolizada, decorria do § 3º do art. 170 regência própria.
(...)
(...) a Carta de 1988 não manteve sequer a distinção relativa aos tributos.
Diz, mais:
(...) A razão maior de contemplar a Carta a adoção [do sistema de precatórios]
está no envolvimento de bens públicos. Daí o art. 100 em comento aludir a ‘(...)
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de
sentença judiciária (...)’, não se podendo dizer que débitos de sociedades de
economia mista e de empresas públicas, federais, estaduais ou municipais, sejam
débitos das respectivas Fazendas.”
Como Galvão, Marco Aurélio declara “(...), a inconstitucionalidade (...) da
expressão ‘impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços’ (...)”.
7. Voto
Analiso a questão.
7.1. CF de 1967/69
Inicio com a Constituição de 1967.
Ela determinava que “na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as
empresas públicas, as autarquias e sociedades de economia mista [reger-se-iam] pelas
normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das
obrigações” (CF 1967, art. 163, § 2º).
Ressalto, desde logo, a limitação de 1967 e a explicito com a pergunta:
¿Quando as empresas estatais se regeriam pelas normas aplicáveis ao setor
privado?
Resposta de 1967:
Quando elas explorassem atividade econômica.
.
778 R.T.J. — 198

Fez, 1967, uma única exceção: o regime tributário.


Leio:
“Art. 163 (...)
(...)
§ 3º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada ficará
sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas”
Isso significava, a contrario sensu, que as empresas públicas que explorassem
atividade monopolizada não ficariam, obrigatoriamente, sujeitas ao mesmo regime
tributário das empresas privadas.
E tão-só.
No mais, regime privado.
Essa era a premissa constitucional de 1967:
— se houvesse exploração de atividade econômica, então o regime seria o do
setor privado, salvo em relação a tributos, se a atividade fosse monopolizada.
A EC n. 1, de 1969, não alterou, na regra geral, o sistema.
O caput de seu art. 170 reproduziu o do art. 163 de 1967.
Houve uma alteração na extensão da equiparação.
Enquanto a CF de 1967 (art. 163, § 2º) referia-se às “empresas públicas, às
autarquias e às sociedades de economia mista”, a EC/69 referiu-se, exclusivamente, às
“empresas públicas e às sociedades de economia mista” (§ 2º do art. 170).
Em 1969, as Autarquias ficaram fora da equiparação com o setor privado.
7.2. O Serviço Postal, o DCT e a ECT
Examino, agora, a situação do serviço postal.
O Serviço Postal competia (CF 1967, art. 8º, XI; EC 1/69, art. 8º, XII), como, hoje,
ainda compete, à União (CF 1988, art. 8º, XI).
Até março de 1969 — antes da EC 1/698 —, esse serviço era prestado pelo
Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT.
Era um órgão da administração direta ligado ao Ministério de Viação e Obras
Públicas.
Em 20 de março de 1969, o DL 509 transformou esse departamento em “empresa
pública, vinculada ao Ministério das Comunicações” (art. 1º).
O DL 509 atribuiu à ECT a competência de “executar e controlar, em regime de
monopólio, os serviços postais em todo o território nacional” (art. 2º, I).

8 A EC n. 1 é de 17 de outubro de 1969.
R.T.J. — 198 779

O seu art. 12 determinou que a empresa gozaria:


(a) de “isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos
destinados aos seus serviços”;
(b) “dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer”;
(b1) “em relação à imunidade tributária, direta ou indireta”;
(b2) “impenhorabilidade de seus bens, renda e serviços”;
(b3) “foro, prazo e custas processuais”.
7.3. Situação do art. 12, DL 509/69, perante os textos constitucionais de 1967/69
Examino, desde logo, a situação do art. 12 (DL 509/69) perante os textos constitu-
cionais de 1967/69.
Uma primeira leitura leva-nos a afirmar que o DL 509/69 teria ido longe demais.
A ECT somente poderia gozar de tratamento tributário diverso do aplicável às
empresas privadas.
O § 3º da CF de 1967, reproduzido como § 3º do art. 170 da EC 1/69, determinava
a sujeição da “empresa pública que explorar atividade não monopolizada” ao regime
tributário das empresas privadas.
Ora, a ECT explorava, como explora, atividade monopolizada.
Está no art. 2º, I, do DL 509/69.
Em sendo assim, o DL poderia, como o fez, conceder-lhe outro tratamento tributá-
rio que não o das empresas privadas.
O imperativo constitucional de então restringia-se à “empresa pública que [explo-
rasse] atividade não monopolizada”.
Não era o caso da ECT.
Era monopólio.
Estaria sob a exceção constitucional o que dissesse com tributos, ou seja:
(a) isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos
seus serviços;
(b) privilégios concedidos à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária,
direta ou indireta; e
(c) custas processuais.
Os demais privilégios não estariam autorizados pela exceção constitucional.
Refiro-me:
(a) à impenhorabilidade de bens, rendas e serviços;
(b) privilégios da Fazenda Pública quanto a foro e prazo processual.
Nessa parte, a regra do art. 12 teria ultrapassado os limites constitucionais.
Teria entrado em conflito com a CF de 1967.
.
780 R.T.J. — 198

7.4. A CF 1988
A situação do art. 12 (DL 509/69) agravar-se-ia perante o regime de 1988.
A CF de 1988, na redação original do art. 1739, introduziu modificações ao
regime.
Continuou a se referir a empresa pública e a sociedade de economia mista.
Como novidade, introduziu, na equiparação com o setor privado, o que chamou de
“outras entidades que explorem atividade econômica”.
O texto de 1988 foi forte e redundante na equiparação:
(a) sujeitou ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, “inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”; e
(b) vedou a atribuição de benefício fiscal “não extensível ao setor privado”.
Desta forma, o que teria remanescido como constitucional do art. 12 do DL 509/69,
no confronto como a CF de 1967, não teria sido recepcionado pela CF de 1988.
Refiro-me ao tratamento tributário diferenciado.
7.5. A expressão “exploração da atividade econômica”
Mas a análise não se esgota no que acima foi dito.
A conclusão — inconstitucionalidade parcial do art. 12 perante os textos de 1967
e 1969 e não a recepção do remanescente perante 1988 — precisa ser testada em outro
ponto.
Refiro-me à extensão da expressão “exploração de atividade econômica”.
Lembro o tratamento de 1967/69 para a atividade econômica.
Foi definida como campo preferencial da atividade privada.
Leio:
Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com estímulo e
apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
O princípio da subsidiaridade foi instituído como regra.
Leio:
Art. 163. (...)
§ 1º Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizará e
explorará diretamente atividade econômica.

9 CF, redação de 1988:


Art. 173 (...)
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade
econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obriga-
ções trabalhistas e tributárias.
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.
(...)
R.T.J. — 198 781

Para essa hipótese de exploração, pelo Estado, de atividade econômica, e


unicamente para ela, havia regra própria de equiparação com o setor privado.
Leio:
Art. 163. (...)
(...)
§ 2º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públi-
cas, as autarquias e sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicá-
veis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das obrigações.
Havia uma exceção para esse tratamento paritário:
Leio:
Art. 163. (...)
(...)
§ 3º A empresa pública que explorar atividade econômica não monopoliza-
da ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Lembro que, no regime de 1967 e de 1969, poderia ser monopolizada “determina-
da indústria ou atividade, mediante lei da União10, quando indispensável por motivos
de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com
eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa (...)” (CF 1967, art. 157,
§ 8º; EC 1/69, art. 163).
Já a Constituição de 1988 adotou posição radical quanto à limitação da atividade
do Estado-empresário.
Não deixou o monopólio para a lei, como era em 1967/69.
Previu, de forma exaustiva, as áreas em que o Estado atuaria de forma monopolística:
petróleo e minerais radioativos (CF/88, art. 177 e incisos I a V).
O mesmo se passa quanto a exploração da atividade econômica.
A CF de 1988 somente permite a exploração direta de atividade econômica em
hipóteses por ela mencionadas — “imperativo da segurança nacional ou relevante
interesse público” — e definidas em lei (art. 173, caput).
O princípio da subsidiaridade, em 1988, saiu fortalecido.
Para 1967/69, os “motivos de segurança nacional, ou para organizar setor” eram
justificativas para a edição de lei de intervenção ou de monopolização.
Para 1988, o “imperativo da segurança nacional ou relevante interesse público”
devem ser objeto de definição em lei, para que o Estado possa explorar atividade
econômica.
Houve real redução do poder discricionário, na medida em que a decisão
intervencionista deve ajustar-se a noções legais.

1 0 O texto de da EC 1/69 usava a expressão “lei federal” (art. 163).


782 R.T.J. — 198

Volto a 1967/69.
Como adiantei acima, esta era premissa constitucional:
— se houvesse exploração de atividade econômica, então o regime seria o
do setor privado, salvo em relação a tributos, se a atividade fosse monopolizada.
Tudo estava no § 2º do art. 163 de 1967 e no § 2º do art. 170 de 1969.
Enuncio a mesma premissa, de outra forma:
— as entidades estatais11 “reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas
privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das obrigações”, quando
explorarem atividade econômica.
Havia um condicionante explícito para que essas entidades fossem equiparadas ao
setor privado:
— a exploração de atividade econômica.
Isso significava dizer que, não ocorrendo a condição, não se daria a conseqüência.
Dessa premissa se segue uma segunda premissa, contida na primeira:
— as estatais que não explorassem atividade econômica não estavam sujei-
tas, obrigatoriamente, à equiparação com o setor privado.
O sistema não proibia que uma estatal com tal objeto — não-exploração de
atividade econômica — pudesse estar sujeita ao regime do setor privado.
A proibição era restrita à estatais que explorassem atividade econômica.
Estas sujeitavam-se, necessariamente, ao regime privado.
Logo, o texto de 1967/69 autorizava a existência de empresas públicas, autarquias
e sociedades de economia mista não equiparadas ao setor privado.
Bastava que elas não explorassem atividade econômica.
A exploração de atividade econômica funcionava como limitador da incidência
da norma.
Usando de linguagem kelseniana, tinha-se uma limitação no âmbito pessoal de
validez da norma.
As entidades sujeitas à regra eram as que explorassem atividade econômica e tão-
somente elas.
Chego ao núcleo do problema.
Pergunto:
¿O que o texto de 1967/69 queria significar com a expressão “exploração da
atividade econômica”?
¿Qual a abrangência dessa expressão?

1 1 1967: empresas públicas, as autarquias e sociedades de economia mista;


1969: empresas públicas e as sociedades de economia mista.
R.T.J. — 198 783

Inicio a resposta, com duas observações topográficas quanto a 1967, aplicáveis a


1969:
(a) o art. 16312 tratava da atividade econômica de natureza privada; e
(b) a expressão — “exploração da atividade econômica” — estava no § 2º
desse art. 16313 (CF/67).
O art. 163 atribuiu ao setor privado, “preferencialmente”, a organização e a
exploração das atividades econômicas.
A participação do Estado, nessa atividade, só era permitida em caráter suplementar
(CF/67, art. 163, § 1º).
E, quando o Estado ingressasse nessa atividade, os entes estatais reger-se-iam “(...)
pelas normas aplicáveis às empresas privadas” (CF/67, art. 163, § 2º).
Lembro que havia uma exceção em 1967/69: o regime tributário.
Somente as empresas públicas que explorassem atividade não monopolizada
estavam sujeitas ao mesmo regime das empresas privadas.
Havendo monopólio, o regime poderia ser diverso.
É evidente que a atividade econômica a que se referia o texto de 1967/69, como
também o de 1988, é aquela sujeita às regras, no mercado, da livre concorrência.
Digo, com Eros Roberto Grau, que se tratava, como se trata para 1988, “de
atuação do Estado (...) como agente econômico, em área de titularidade do setor
privado”14.
A razão da equiparação da empresa pública que participasse de exploração de
atividade econômica com o setor privado é óbvia.
O princípio da livre concorrência, expressamente assumido em 1988 (art. 170, V),
não se coaduna com a atribuição de benefícios diferenciados à empresa estatal.
A empresa estatal não poderia gozar, em relação ao setor privado, de vantagem
comparativa.
Tudo porque repercutiria, como repercute, nos custos e, por conseqüência, na
fixação dos preços.
A regra da livre concorrência seria lesada, com um desequilíbrio no mercado.
Se é para atuar no mercado, que seja de forma igual.
Essa é a regra.
Lembro que 1988 acabou com a vantagem do regime tributário diverso e a EC 19/
98 a explicitou15.

1 2 EC n. 1/69, art. 170, caput.


1 3 EC n. 1/69, § 2º do art. 170.
1 4 in A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 134, 5. ed., Malheiros Editores.
1 5 EC n. 19/98:
784 R.T.J. — 198

A equiparação de 1988 foi mais longe.


Somente admite a concessão de benefícios fiscais às estatais se forem extensivos
ao setor privado (art. 173, § 2º).
Tudo isso para a preservação da livre concorrência e das regras de uma economia
de mercado.
Essa foi a opção de 1967/69, fortalecida em 1988.
No tratamento aos direitos econômicos, o texto de 1988 reforçou a opção por uma
“constituição do Estado de Direito Liberal”.
Essa constatação choca-se com alguns que, condicionados por perspectivas políti-
cas não positivadas, insistem em ver, no texto original de 1988, quanto aos direitos
econômicos, uma “constituição do Estado de Direito Social”16.
Volto à questão.
Somente as empresas estatais que explorem atividade econômica em regime de
mercado — setor reservado primariamente para a iniciativa privada — “reger-se-ão
pelas normas aplicáveis às empresas privadas”.
Ou seja, tal se dará se o Estado, via seus entes, agir no mercado como Estado-
empresário.
Aqui se impõem as perguntas:
¿A Empresa de Correios e Telégrafos explora a atividade econômica a que se
referia o § 2º do art. 163 de 1967 — hoje, art. 173, § 2º?
¿A ECT é um braço do Estado-empresário?
Ou (¿) a ECT é uma empresa que opera em um setor que os textos de 1967,
1969 e 1988 sonegaram ao livre mercado?
Leio em estudo coletivo do qual participei:
“A competência do Estado brasileiro, em suas três esferas de atuação, a saber,
a federal, estadual e municipal, são previstas de forma razoavelmente detalhada na
Constituição Federal. Assim, a organização político-administrativa do Estado

Art. 173. (...)


(...)
§ 1º (...)
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
(...)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.
(...)
1 6 Ver a tipologia de constituições exposta por J. J. CANOTILHO, in Dir. Constitucional, pp. 76/79,
5. ed., Almedina, Coimbra.
R.T.J. — 198 785

consta do Título III, estabelecendo o campo de atuação de cada ente político,


retirando, desta forma, esta parcela do campo de atuação do cidadão. Lá estão
inseridas as competências do estado segundo suas funções exclusivas, tais como
manter relações com Estados estrangeiros, declarar guerra ou celebrar a paz, emitir
moeda, elaborar e executar planos de ordenação do território nacional e de desen-
volvimento econômico e social, organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministé-
rio Público, etc.17 Essas são tarefas típicas de Estado.
Entretanto, neste mesmo capítulo estão elencadas tarefas que podem ser
realizadas, quer pelo setor público, quer pelo segmento privado da sociedade.
Neste segundo campo de atuação estão reservadas as tarefas que o Estado exerce
por si ou delega ao setor privado através do regime de concessões. Neste caso a
realização ocorre de forma direta pelo próprio Estado, ou concedida de forma
exclusiva ao setor privado, ou como terceira hipótese, praticadas
concomitantemente por ambos. Neste caso se encontra o serviço postal, os serviços
de radiodifusão, os de energia elétrica, (...)18
Mas existe uma terceira categoria de atuação do Estado, que transcende às
tarefas típicas e exclusivas, bem como daqueles serviços prestados sob a forma de
concessão ou diretamente, que é quando este exerce atividades no campo empre-
sarial, quer sob o regime de monopólio, quer quando o faz de forma a competir
com o cidadão. Ou seja, quando o Estado adentra o campo direto da exploração de
atividade econômica (art. 173 da Constituição Federal19. (...)”20
Por essa classificação permeia a distinção entre duas atuações do Estado, referidas
por Eros Roberto Grau21:
(a) aquela em que o Estado presta serviços públicos ou regula sua prestação; e
(b) aquela em que o Estado atua “em área de titularidade do setor privado”.
É conceito histórico-político ser certo tipo de atividade a prestação, ou não, de um
serviço público.
As sociedades organizadas, nos seus instrumentos básicos, reservam para a atuação
do Estado um maior ou menor número de atividades.

1 7 CF de 1967: art. 8º, I, II, VIII, (...);


CF de 1969: art. 8º, I, II, IX, (...);
CF de 1988: art. 21, I, II, VII, IX, XIII, (...)
1 8 CF de 1967: art. 8º, XI, XV, a, b, c e d, (...);
CF de 1969: art. 8º, XII, XV, a, b, c e d, (...);
CF de 1988: art. 21, X, XI, XII, a, b, c, d, e, f, (...)
1 9 CF de 1967: art. 163;
CF de 1969: art. 170.
2 0 O Mercado Segurador Brasileiro, p. 111. Coordenador geral, Prof. Augusto Jefferson de O Lemos.
Coordenador no tema, Dr. Ary Oswaldo Mattos Filho. Edição SASSE Cia. de Seguros.
2 1 Ob. cit. p. 124.
786 R.T.J. — 198

É a discussão do tamanho do Estado.


Para uns, o Estado deve tudo prestar, sem reservar espaços para a atividade privada.
A posição radical foi a do estado soviético, com a coletivização dos fatores da
produção.
Outros, no lado oposto, sustentam o Estado-Mínimo, proibindo qualquer ativida-
de fora daquilo que chamam de “ações típicas de Estado”.
E outros circulam entre esses dois extremos.
Alguns mais próximos da tese totalitária e outros mais próximos da tese liberal.
E outros, nem uma coisa nem outra.
Oscilando no meio dos extremos.
Seja como for, o Professor Ruy Cirne Lima foi preciso:
“Serviço público é todo o serviço existencial, relativamente à sociedade ou,
pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso mesmo, tem de ser
prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou por
outra pessoa administrativa”.22
Incluir, ou não, determinada atividade no campo do serviço público é uma opção
política, que se realiza na histórica.
Em alguns casos, por ideologia.
Em outros, por conveniência econômica ou operacional.
Em todos os casos, decorre da extensão dada, em determinado momento da história
de uma sociedade, ao conceito dos “fins do Estado” e da forma de os realizar.
Tudo dependerá das respostas que forem dadas às três questões de Joseph E.
Stiglitz:
“— ¿ O que o Estado deve financiar?
— ¿ O que o Estado deve produzir?
— ¿ O que não deve o Estado nem financiar, nem produzir, e deve limitar-se
a regular?”23
É preciso Cirne Lima:
“A definição do que seja, ou não, serviço público pode, entre nós, em caráter
determinante, formular-se somente na Constituição Federal e, quando não
explícita, há de ter-se como suposta no texto daquela. A lei ordinária que definir
o que seja, ou não, serviço público, terá de ser contrastada com a definição,
expressa ou suposta pela Constituição”.24

2 2 In Princípios de Direito Administrativo, RT, 5. ed. p. 82.


2 3 In The Economic Role of the State, citado por Gaspar Ariño (Economia y estado, p. 34., Marcial
Pons, Madrid, 1993).
2 4 In Pareceres de Direito Público, p. 122, Sulina, 1963.
R.T.J. — 198 787

No caso em exame, o sistema constitucional brasileiro de 1967, 1969 e 1988, como


já vinha de antes, tem, expressamente, o serviço postal como da competência da União.
É, por decisão constitucional, um serviço que integra os “fins do Estado”.
É, por isso e por opção positivada na norma constitucional, um serviço público.
E, como tal, não consiste, por força da opção constitucional, em “exploração de
atividade econômica” do setor privado, pressuposto para a incidência da regra
constitucional de equiparação.
É o caso da ECT.
No debate da sessão do dia 10 de dezembro de 1998, Velloso, na linha do que já
afirmara em outro lugar25, insistiu em ver, no caso, empresa pública prestadora de
serviço público, que não exerce atividade econômica.
Em sendo assim, não se aplicava à ECT o disposto no § 2º do art. 163 da CF de 1967.
O art. 12 do DL 509/69 era constitucional.
Foi ele recebido pela EC 1/69.
O § 3º do art. 170 reproduziu a regra de 1967.
O mesmo se passa com a Constituição de 1988, quer na versão original do art. 173,
quer com a redação dada pela EC 19/98.
Os privilégios concedidos à ECT eram e continuam sendo conforme os textos
constitucionais de 1967, 1969, 1988 e 1998.
Resta uma objeção.
Refiro-me ao argumento de Marco Aurélio, sobre ser o “envolvimento de bens
públicos” a razão da adoção do sistema de precatórios (CF, art. 100).
Volto a Ruy Cirne Lima.
O Professor, quanto à relação bens e administração pública, faz, com base no
Código Civil, a distinção entre:
(a) “bens do domínio público” (CC, art. 66, I);
(b) “bens do patrimônio administrativo” (CC, art. 66, II); e
(c) “bens do patrimônio fiscal” (CC, art. 66, III).
Cirne Lima chama de “‘bens do patrimônio administrativo’ aos bens patrimoniais
indisponíveis, os quais, somente por estarem aplicados a serviço ou estabelecimento
administrativo, é que se tornam, indisponíveis”.
Denomina de “‘bens do patrimônio fiscal’ aos bens patrimoniais disponíveis, os
quais, também, somente por estarem destinados a serem vendidos, permutados ou
explorados economicamente (...), é que são declarados disponíveis”26.

2 5 Seminário sobre o Regime jurídico das empresas estatais, realizado em 9-3-1987, pela
Associação dos dirigentes em Empresas Públicas, in RDP 83, pp. 151/152.
2 6 Ob. cit. p. 74.
788 R.T.J. — 198

Os bens da ECT participam da atividade administrativa da União.


São aplicados aos seus serviços postais.
A impenhorabilidade dos bens que integram o patrimônio administrativo “funda-
se (...)”, no dizer ainda de Cirne Lima, “em que o conceito moderno de Estado não
comporta que o interesse patrimonial de um cidadão determine a apreensão e a
alienação de bens aplicados ao proveito comum da coletividade”27.
No mesmo sentido, Geraldo Ataliba:
“(...) a indisponibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade dos bens
públicos são formas de proteção aos fins a que eles servem. E alcançam as pessoas
administrativas, inclusive sob a forma de empresa”28.
A afetação desses bens ao serviço público é a pedra de toque da questão.
Resta o problema da execução da ECT.
Moreira Alves, no debate, dá a solução.
Deve-se dar uma interpretação conforme ao art. 100 da CF, para submeter as
execuções contra a ECT ao regime de precatório.
A solução é esta porque os bens da ECT integram aquilo que Cirne Lima denomi-
nou de “bens do patrimônio administrativo”.
Peço vênia a Galvão e Marco Aurélio e acompanho Corrêa.
Conheço do recurso e lhe dou provimento.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, neste caso, adoto o voto que
proferi no Recurso Extraordinário n. 225.011:
Tanto a Constituição anterior (artigo 8º, inciso XII) quanto a atual (artigo 21,
inciso X) revelam competir à União manter o serviço postal e o correio aéreo
nacional. Até o advento do Decreto-Lei n. 509/69, esse serviço era desenvolvido
pelo Departamento de Correios e Telégrafos, Órgão ligado ao então Ministério de
Aviação e Obras Públicas, posteriormente transformado em Ministério das Comuni-
cações. Com o advento do Decreto-Lei mencionado, surgiu a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, sob a modalidade empresa pública com capital e patrimônio
formados a partir de iniciativa única, ou seja, da União. O acervo até então utilizado
passou a constituir bens da aludida empresa, dispondo o § 4º do Decreto-Lei n. 509/
69 que outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como entidades
integrantes da administração federal indireta poderiam vir a participar dos futuros
aumentos do capital da nova pessoa jurídica de direito privado. Sob o ângulo do

2 7 Ob. cit., p. 80.


2 8 Patrimônio Administrativo — Empresas estatais delegadas de serviço público — Regime de seus
bens — Execução de sus dívidas, in RTDP 7/21.
R.T.J. — 198 789

monopólio, que entendo presente ante a competência prevista no inciso X do artigo


XXI da Constituição Federal de 1988, a Carta anterior estabelecia tratamento dife-
renciado nas questões tributárias. Eis o preceito respectivo:
Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com estí-
mulo e apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
§ 1º Apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado
organizará e explorará, diretamente, atividade econômica.
§ 2º Na exploração pelo Estado da atividade econômica, as empresas
públicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicá-
veis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das
obrigações.
§ 3º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada
ficará sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Já aqui, considerada a regência constitucional pretérita, vê-se nítida distin-
ção, conforme a matéria envolvida. Tratando-se de empresa pública que explo-
rasse atividade econômica, ocorria a submissão quanto às normas de Direito do
Trabalho e de Obrigações ao regime, em si, das empresas privadas stricto sensu,
fato justificado pelo tratamento igualitário próprio ao mercado. À luz do Direito
Tributário, fazia-se distinção de acordo com a atividade desenvolvida: não
sendo monopolizada, tinha-se a submissão linear ao regime aplicável às empre-
sas privadas, ao contrário, envolvida atividade monopolizada, decorria do § 3º
do artigo 170 regência própria.
Pois bem, a Carta de 1988 não manteve sequer a distinção relativa aos
tributos. Mediante o preceito do artigo 173, previu-se que, ressalvados os casos
contemplados na Constituição, a exploração de atividade econômica pelo Esta-
do só é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. No § 1º deu-se a submis-
são das empresas públicas e das sociedades de economia mista e outras explora-
doras de atividade econômica ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
encerrando o preceito a submissão linear, já que a referência às obrigações
trabalhistas e tributárias fez-se de forma exemplificativa e, portanto, pedagógica.
Lançou-se, nesse parágrafo, o vocábulo “inclusive”, isto após a referência ao
regime global próprio das empresas privadas. Mais do que isso, o legislador, sem
distinguir a natureza da atividade, se monopolizada ou não, previu que “as
empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de
privilégios fiscais não extensivos às do setor privado” (§ 2º do artigo 173). Vê-
se, portanto, que o único traço que distinguia as empresas públicas, mesmo assim
as que desenvolviam atividades monopolizadas das empresas privadas, quanto
ao regime jurídico, desapareceu, ficando elas sujeita, também, à legislação
tributária.
Por outro lado, os bens das empresas públicas, porque pessoas jurídicas de
direito privado, não podem ser enquadrados como bens públicos. Conclusão
diversa implica a incongruência, dando-se ênfase maior ao acessório, em detri-
.
790 R.T.J. — 198

mento do principal, e olvidando-se, mais do que isso, o sistema pátrio, no que


distingue pessoa jurídica de direito privado das pessoas jurídicas de direito
público.
Nota-se, portanto, sem mesmo perquirir-se o teor do artigo 100 da Constitui-
ção Federal, a impropriedade de reconhecer-se quer às sociedades de economia
mista, quer às empresas públicas, ambas pessoas jurídicas de direito privado, a
prerrogativa de execução via precatório. A razão maior de contemplar a Carta a
adoção de tal sistema de execução está no envolvimento de bens públicos. Daí o
artigo 100 em comento aludir a “(...) pagamentos devidos pela Fazenda Federal,
Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária (...)”, não se podendo
dizer que débitos de sociedades de economia mista e de empresas públicas,
federais, estaduais ou municipais, sejam débitos das respectivas Fazendas. Portan-
to, ainda que se abandone a interpretação sistemática dos diversos preceitos que
compõem o arcabouço normativo constitucional, tomando-se de forma isolada o
que se contém nos artigos envolvidos, chega-se, fatalmente, à conclusão de não se
aplicar à ora Recorrente a regra excepcional de execução prevista no artigo 100 da
Carta da República.
A situação seria diversa caso não houvesse sido extinto o Departamento de
Correios e Telégrafos, deixando de surgir a empresa pública que é a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos, a prestar serviços na forma delegada. Pecou o
legislador de 1969 ao editar o Decreto-Lei n. 509/69. Após revelar o regime
jurídico do pessoal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos como sendo o
da Consolidação das Leis do Trabalho, olvidou, a mais não poder, a submissão às
regras próprias das empresas privadas quanto aos débitos existentes, isso ao
inserir no artigo 12 a impenhorabilidade dos bens, rendas e serviços que a
integram. Vale registrar que a Primeira Turma já apreciou a matéria e concluiu, a
uma só voz:
Ementa: Administrativo. Empresa Brasileira de Correio e Telé-
grafos – ECT. Artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69 na parte que instituiu a
impenhorabilidade dos bens, rendas e serviços da entidade. Norma
incompatível com a regra do § 1º do artigo 173 da Constituição, pela
qual os entes da Administração Indireta, que exploram atividade econô-
mica, como no caso, estão sujeitos ao regime jurídico próprio das empresas
privadas. Recurso não conhecido (RE n. 222.041-5/RS, Relator Ministro
Ilmar Galvão).
Daí a conclusão de não se encontrar o recurso extraordinário enquadrado na
alínea a do inciso III do artigo 102 da Carta da República. Deixo de conhecê-lo,
declarando, no entanto, considerada a técnica do Tribunal, a inconstitucionali-
dade no artigo 12 do Decreto-Lei n. 509, de 20 de março de 1969, da expressão
“impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços”. É como voto na espécie,
assentando que esta conclusão decorre do afastamento, por imprópria, da regra do
artigo 100 da Constituição Federal, ou seja, do afastamento do sistema de satisfação
dos débitos mediante precatório.
R.T.J. — 198 791

ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Sr. Presidente, uma observação: diante de uma
decisão dessa natureza, os credores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ficam
completamente a descoberto, porque não poderão efetuar penhora de bens e nem
processar o sistema de precatórios. Não há orçamento obrigando o administrador dos
Correios a cumprir o artigo 100, que diz o seguinte:
“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou
de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este
fim.”
Sou Relator de matéria idêntica.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: V. Exa. fez uma observação que eu preciso contestar,
que é o problema do orçamento. O que se passa — levantei isso para ver como se dava e
concluí que as coisas são feitas através de um parecer dado pelo então Professor Geraldo
Ataliba — é que o serviço de orçamento da União não admite precatório. O Ministério
do Planejamento e os Órgãos de Planejamento da União não admitem que se expeçam
precatórios para a ECT, por causa da confusão interpretativa. A ECT tem feito um
precatório informal: recebe um ofício do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
que é o caso mais nítido, e faz o lançamento.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por força de lei. Há uma lei que dispõe assim; porque,
se não houver lei, fica a critério da administração.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Estou dizendo que essa é a forma pragmática
resolvida pelo Tribunal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A própria União não aceita o sistema de precatório.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: A solução do problema, que é grave e não tem forma
legal — penso que a sugestão do Ministro Moreira Alves resolve —, é a interpretação
conforme a Constituição, no sentido de que se aplicam os precatórios em relação à ECT.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por direito natural.
O Sr. Ministro Moreira Alves: O que é certo, Ministro, é que não é possível admitir-
se, por exemplo, que se penhorem todos os prédios da ECT e depois os vendam.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por que não? Trata-se de uma pessoa jurídica de
direito privado. E se houver uma penhora nessa extensão, é porque ela se tornou
devedora de uma quantia maior.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Data venia, Ministro, um é serviço público; o outro,
não.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Se se penhorarem todos os bens da Petrobras, o Brasil
fica sem petróleo?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, nas concessionárias e permissionárias de
serviços públicos, não pode haver também penhora?
792 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: A Constituição é clara: “pessoas de direito público”.


Então, estamos, a partir de hoje, nesta Sessão, decidindo que existe empresa pública de
direito público.
O Sr. Ministro Moreira Alves: V. Exa. declarou inconstitucional, pois as Constitui-
ções de 1967 e a de 1969 não mencionavam entidade de direito público, mas apenas
Fazenda Nacional, Municipal...
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Perdão. O artigo 217, § 1º, da Constituição de 1969
aludia a entidade de direito público.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Quer dizer, o Estado cria uma empresa pública,
contrata servidores e os despede quando bem entender. Agora, na hora de responder
pelos débitos, não é empresa pública, mas, sim, autarquia.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: A divergência é nítida.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: A divergência não é nítida. Por que irei buscar uma
interpretação no artigo 100, quando fala em entidade de direito público? Onde está a
empresa de direito público no Brasil? Que autor de Direito Administrativo cria essa
entidade?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Então V. Exa. admitiria a penhora deste Tribunal?
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Aqui não, aqui é pessoa de direito público, aqui há a
União. O Tribunal é serviço essencial da União.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Aqui é o serviço público. Serviço postal não é? A
Constituição diz que é competência da União.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: A Constituição diz que não é, exerce monopólio,
tanto que é objeto de franchising. Em qualquer lugar, agora, há uma agência particular
dos Correios, explorando o serviço de correio.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Para prestar o serviço ao cidadão. Está funcionando
muito bem.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Nunca vi serviço público essencial do Estado presta-
do por particular. A cidade de Brasília está cheia de agências dos Correios particulares,
porque não é um serviço essencial ao Estado. Se fosse essencial, seria público. Essencial
é próprio do Estado. Este serviço, no Brasil, é exercido pela União em regime de
monopólio.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Se a Constituição diz que a União tem que manter
o serviço, isso significa que ela terá que pagar. Do contrário, poderá não mantê-lo, e
fechá-lo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí ela está compelida, pelo artigo 21, inciso X, da
Constituição, a “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”, mas sem impedir as
atividades de particulares.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Na defesa de um ente público a privatização não
encontra espaço. A Constituição estabelece que é um serviço exercido pela União em
monopólio, apenas.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Mantido pela União.
R.T.J. — 198 793

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Não é. Porque, se fosse serviço público, não se
precisava dizer que é monopólio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, não está entre as atividades que encerram
o monopólio.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: São os credores que ficarão a salvo, quer dizer, não
tem jeito. O credor não pode processar o precatório, a não ser por direito natural.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas qual é o direito natural?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É o sistema informal do precatório.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por consenso da diretoria, em determinado momento,
processa-se esse precatório. Por consenso da diretoria, sem lei alguma que obrigue.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A União não aceita o sistema de precatório.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Por interpretação do Supremo Tribunal Federal, não
por direito natural.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Não tem orçamento, não tem verba; receita e despesa,
nada disso.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: São lançadas as receitas: Empresa Brasileira de
Correio e Telégrafos. Fontes (receitas): três milhões e tanto. Subsídios do tesouro.
Receita operacional. Receita não-operacional: tantos valores. Receita para aumento de
patrimônio líquido.
Há todo o levantamento, aqui. Está dentro do dispêndio geral, mas estão previstas
as receitas, porque a União tem que repassar dinheiro para a empresa na hipótese de
haver diferença.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ela está compelida a manter e a responder pelas
péssimas administrações.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Lei Orçamentária Anual compreenderá o
orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente,
detém a maioria do capital social com direito a voto: é o art. 165, § 5º, II, da
Constituição.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, gostaria de rever a discussão que
tivemos na ADIn 83, referente à distinção entre empresas públicas e autarquias
prestadoras de serviço ou de atividade econômica, por estar em causa o problema da
legislação trabalhista. Peço vista.

EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros).
Recorrido: Ismar José da Costa (Advogados: Hudson Cunha e outros).
794 R.T.J. — 198

Decisão: Após o voto do Ministro Nelson Jobim, conhecendo e dando provimento


ao recurso extraordinário, o julgamento foi adiado para prosseguimento na próxima
sessão. Presidiu o julgamento o Ministro Carlos Velloso. Plenário, 23-2-2000.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, após os votos dos Ministros Maurício Corrêa
(Relator), Nelson Jobim e Celso de Mello, conhecendo e dando provimento ao recurso
extraordinário, e dos votos dos Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio, que dele não
conheciam e declaravam a inconstitucionalidade da expressão “impenhorabilidade de
seus bens, rendas e serviços”, constante do art. 12 do Decreto-Lei n. 509, de 20-3-1969,
pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Celso de
Mello, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral
da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 2 de agosto de 2000 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Discute-se a submissão da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT à execução direta por título judicial oriunda de reclama-
ção trabalhista, mediante penhora de bens do seu patrimônio.
Vencida na Justiça do Trabalho, pretende a ECT só estar sujeita à execução
mediante precatório, não apenas por força da impenhorabilidade de seus bens —
genericamente prevista no DL 509/69, que a criou — mas também pela do art. 100 da
Constituição, dado cuidar-se de empresa pública delegatária da União no exercício do
monopólio do serviço postal, que a essa última confiou o art. 21, X.
Endossam-lhe a tese, nos três recursos em mesa, os ems. Ministros Maurício Corrêa
(Relator do RE 220.906), Nelson Jobim e Celso de Mello; repelem-na os ems. Ministros
Marco Aurélio (Relator do RE 225.011) e Ilmar Galvão (Relator do RE 230.072).
O brilho dos votos proferidos, num e noutro sentido, levaram-me ao pedido de
vista.
A discussão até aqui tem posto ênfase particular na distinção das empresas estatais,
públicas ou mistas, conforme exerçam atividade econômica em caráter subsidiário da
livre iniciativa ou prestem serviço público por delegação do Estado: na razão do maior
ou menor alcance emprestado ao distinguo, orientaram-se os votos já enunciados no
sentido de validar ou não, na execução por título judicial, a regra da impenhorabilidade
de todos os bens da Empresa recorrente.
De minha parte, tenho compromisso com a diferenciação conceitual aventada e
com várias das conseqüências jurídicas a extrair dela, posto que não todas.
Explicitei-o na ADIn 83, no julgamento da qual o Tribunal declarou inconsti-
tucionais normas transitórias da Constituição de Minas Gerais que concediam vanta-
gens salariais aos empregados das “sociedades de economia mista, empresas públicas e
demais entidades de direito privado sob o controle direto ou indireto do Estado”.
Relator, ponderei — ADIn 83, 24-4-91, RTJ 136/965, 972:
R.T.J. — 198 795

“(...) não vejo empecilho a que, por lei, o Estado-empregador conceda aos
seus empregados benefícios salariais aos quais não o obrigasse a legislação federal:
a norma local, nessa hipótese — a exemplo do que ocorre, nas relações trabalhistas
privadas, com os regulamentos de empresa —, se integrariam aos contratos de
trabalho com o Estado-Membro.
O caso, no entanto, é evidentemente mais complexo, na medida em que o
reajuste progressivo e a reposição salarial questionados só beneficiam empregados
de pessoas jurídicas de direito privado, não obstante integradas à administração
indireta estadual.
Certo, tem mostrado a melhor doutrina pátria que não se pode levar a
conseqüências extremas a personalidade de direito privado das empresas esta-
tais, não só das que prestam serviços públicos, mas até das que se criam para o
exercício de atividades econômicas stricto sensu: todas elas, notou Celso
Antônio (Natureza essencial das sociedades mistas e empresas públicas, Revista
de Direito Público 71/111), ‘são, essencialmente, instrumentos personaliza-
dos da ação do poder público (...) se não o fossem, o Estado não teria porque
criá-las ou, então, assumir-lhes a prevalência acionária votante (...). Conse-
qüentemente’ — prossegue — ‘aí está o critério retor para a interpretação dos
princípios jurídicos que lhe são obrigatoriamente aplicáveis, pena de conver-
ter-se o acidental — suas personalidades de direito privado — em essencial e o
essencial — seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado — em acidental’;
donde — demonstra, em seqüência, o publicista ilustre —, malgrado a persona-
lidade de direito privado de tais entidades, ‘a vigorosa concorrência de princí-
pios e normas publicísticas inevitavelmente afluentes para a proteção da ativi-
dade desempenhada, controle da ação de seus agentes e defesa dos adminis-
trados’.
(...)
Certo, o maior ou menor influxo de normas de Direito Público — e, pois,
sendo o caso, de normas estaduais ou municipais —, tanto no regime estrutural,
quanto nos regimes funcionais interno ou externo, das empresas do Estado (para
usar da terminologia de Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constitui-
ção de 1988, RT, 1990, p. 148), tem a ver com a distinção, de que também se tem
ocupado os nossos publicistas, entre empresas estatais prestadoras de serviço
público, de um lado, e, de outro, as destinadas à intervenção estatal na economia
pela exploração direta de atividade econômica (v.g., Celso Antônio, Prestação
de Serviço Público e Administração Indireta, RT, 1979, passim, e Natureza
Essencial, cit.; Eros Roberto Grau: A Ordem Econômica, cit., p. 149 e 277;
Elementos de Direito Econômico, RT, 1981, p. 103; Carlos Mário Velloso,
Empresas estatais: responsabilidade e controle, Revista de Direito Público,
1988, n. 85/84).
Essa dicotomia das empresas públicas ou mistas, segundo o respectivo
objeto — que ingressara no texto constitucional com o art. 170, § 2º, da Carta de
69 —, continua presente na Constituição de 88 (...):
.
796 R.T.J. — 198

‘Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a explo-


ração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras
entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico
próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e
tributárias.’”
É dizer que, até aqui — ou seja, na demarcação do âmbito normativo do art. 173 da
CF —, tendo a trilhar a senda dos votos dos Ministros Corrêa (§§ 7 ss.), Jobim (n. 7.4) e
Celso.
A expressar essa postura, recordo, por todos, o extrato do voto de Jobim:
“É evidente que a atividade econômica a que se referia o texto de 1967/69,
como também o de 1988, é aquela sujeita às regras, no mercado, da livre concorrên-
cia.
Digo, com Eros Roberto Grau, que se tratava, como se trata para 1988, ‘de
atuação do Estado (...) como agente econômico, em área de titularidade do setor
privado’.
A razão da equiparação da empresa pública que participasse de exploração
de atividade econômica com o setor privado é óbvia.
O princípio da livre concorrência, expressamente assumido em 1988 (art.
170, V), não se coaduna com a atribuição de benefícios diferenciados à empresa
estatal.
A empresa estatal não poderia gozar, em relação ao setor privado, de vanta-
gem comparativa.
Tudo porque repercutiria, como repercute, nos custos e, por conseqüência, na
fixação dos preços.
A regra da livre concorrência seria lesada, com um desequilíbrio no mercado.
Se é para atuar no mercado, que seja de forma igual.”
Para concluir, sempre com as vistas sobre o art. 173 e §§ 1º e 2º:
“Somente as empresas estatais que explorem atividade econômica em regime
de mercado — setor reservado primariamente para a iniciativa privada — reger-se-
ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas”.
Ou seja, tal se dará se o Estado, via seus entes, agir no mercado como Estado-
empresário.”
Recordo, aliás, que a tese já foi expressamente acolhida por este Plenário, com as
únicas exceções dos Ministros Marco Aurélio — que a rejeitou — e Rezek — que, no
caso, com ela não se quis comprometer.
É ver o RE 172.816, 9-2-94, Relator o em. Ministro Paulo Brossard; no acórdão —
para decidir da expropriabilidade pelo Estado de bem afeto ao serviço portuário
.
R.T.J. — 198 797

delegado a empresa mista federal — recusou-se a pertinência ao caso do art. 173 e seu §
1º, da Constituição, fundamento do RE, conforme sintetizado na ementa:
“7. A norma do art. 173, § 1º, da Constituição aplica-se às entidades públicas
que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplica-
ção às sociedades de economia mista ou empresas públicas que, embora exercendo
atividade econômica, gozam de exclusividade.
O dispositivo constitucional não alcança, com maior razão, sociedade de
economia mista federal que explora serviço público, reservado à União.”
Estou, no entanto, em que daí não se extrai tudo quanto daí quiseram inferir os
votos referidos, especialmente, no problema de quo: a execução por título judicial
contra as empresas estatais — conforme ou não o sistema constitucional dos
precatórios —, ainda daquelas que, na dicotomia constitucional, não exercem ativida-
de econômica, mas prestam serviços públicos por delegação do Estado.
Quanto às últimas — este o ponto —, não obstante se reconheça que a sua
atividade-fim — a prestação de serviço público — redunde no maior influxo de normas
de Direito Público, é preciso não perder de vista que constituem, por opção do Estado,
pessoas jurídicas de direito privado.
“Ao Poder Público” — acentua Athos Carneiro, em primoroso parecer sobre tema
similar1 — “é dado o direito de optar sob que ‘estrutura’ jurídica quer desincumbir-se
da atividade, para a qual esteja sendo criada determinada entidade com personalida-
de jurídica própria”.
“Entretanto” — pondera — “uma vez feita a opção por uma pessoa jurídica de
direito privado, v.g., uma sociedade de economia mista, haverá o Poder Público de
submeter-se aos princípios normativos a que estão estas sociedades sujeitas, não
podendo ao seu alvedrio querer transmudar os princípios legais que a elas incidem,
tão-somente para acobertar o inadimplemento reiterado e continuado de suas obriga-
ções”.
Parte daí o renomado jurista para sustentar a penhorabilidade da renda de postos de
pedágio de sociedade de economia mista — a Dersa, de São Paulo — delegatária do
Estado para a construção, a administração e a exploração de rodovias e negar, em
conseqüência, à empresa estatal, o privilégio da execução mediante precatório.
Não o faz, porém, na linha da equiparação radical às empresas privadas das
empresas estatais que não concorrem no mercado com as primeiras, mas sim prestam
serviços públicos: ao contrário, a tese do parecer — com respaldo doutrinário e
jurisprudencial de tomo — tende a conciliar com equilíbrio o já aludido “influxo de
normas de Direito Público” — como impõem a essencialidade e a continuidade do
serviço público confiado a tais empresas —, com a opção legal de dotá-las de personali-
dade de direito privado.

1 CARNEIRO, Athos Gusmão. Sociedade de economia mista, prestadora de serviço público.


Penhorabilidade de seus bens. Rev. de Processo, 1998, 92/164, 177.
798 R.T.J. — 198

Essa opção — acentua Athos Carneiro (ob. loc. cits.) — induz, como regra geral, à
penhorabilidade dos seus bens.
“Exatamente em decorrência da preeminência do direito comum — ressalvadas,
se for o caso, as cautelas necessárias a garantir a continuidade na prestação do serviço
público a elas cometido — é que os bens integrantes do patrimônio das empresas
públicas (em que a totalidade do capital é formado por recursos de pessoas de direito
público) e, com mais razão, do das sociedades de economia mista (em cujo capital se
conjugam recursos públicos e, minoritariamente, recursos particulares), são bens
penhoráveis e executáveis”.
Evoca, a respeito, trecho de Hely Lopes Meirelles2 e Diógenes Gasparini3.
Mas o parecer volta a Hely para subtrair, à regra geral da penhorabilidade, os bens
afetados ao serviço público. E extrata, da obra clássica do saudoso jurista (p. 337):
“A sociedade de economia mista não está sujeita à falência, mas os seus bens
são penhoráveis e executáveis, e a entidade pública que a instituiu responde,
subsidiariamente, pelas suas obrigações. (Lei 6.404/76, art. 242).
Esta é a regra geral prevista pela lei das sociedades anônimas, mas convém
advertir que as sociedades de economia mista prestadoras de serviço público não
podem sofrer a penhora dos bens vinculados ao serviço em virtude do princípio da
‘continuidade do serviço público’. Suas rendas, porém têm sido penhoradas para
pagamento de seus débitos, respondendo a entidade criadora subsidiariamente,
pelas suas obrigações”.
A ressalva está presente também — mostram citações adiante, no mesmo trabalho,
em Celso Antônio Bandeira de Mello4 e em Gasparini.5
Lê-se, com efeito, em Celso Antônio — na monografia em que se dedica especifi-
camente à análise do regime próprio das empresas prestadoras de serviço público6 —,
que, em suas relações com terceiros, tanto como as sociedades de economia mista, “as
empresas públicas submetem-se ao regime comum das pessoas de direito privado, não
contando com prerrogativas de autoridade ou benefícios especiais. Posto que seus
bens não gozam de inalienabilidade, imprescritibilidade ou impenhorabilidade, tais
entidades podem sofrer ação executiva, servindo seus haveres de garantia aos credo-
res. Se insolventes, pode ser-lhes requerida a falência”.
“Dando-se o caso de serem prestadoras de serviço público” — ressalva, porém, o
renomado publicista — “terão, como qualquer outra concessionária, proteção especi-
al para o serviço e para os bens a ele aplicados. Se falida a empresa, reverterão para o
Poder Público. Como já ficou dito, o Estado, nesta hipótese, garantirá os créditos de

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22. ed. Malheiros, 1997. p. 331.
3 GASPARINI, Diógense. Direito Administrativo. 4. ed. Saraiva, 1995. p. 147.
4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 120.
5 GASPARINI, Diógenes. ob. cit., pp. 266 e 274.
6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de Serviço Público e Administração Indireta. 2.
ed. RT, 144.
R.T.J. — 198 799

origem contratual dos concorrentes à massa, até o limite do valor dos bens revertidos e
responderá integralmente apenas pelos danos que a empresa falida haja causado a
terceiros no próprio exercício do serviço público”.
Do art. 66, II, do Código Civil, que inclui entre os bens públicos de uso especial
“os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou
municipal” e de que “dentre as entidades de administração indireta grande parte
presta serviços públicos”, parte de sua vez a Prof. Maria Sylvia di Pietro para afirmar
que7 “a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos
bens de uso especial, pertencentes à União, Estados e Municípios, tornando-os
inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a
adoção de idêntico regime para os bens de entidades da administração indireta
afetados à realização de serviços públicos.”
“É precisamente essa afetação — acentua — que fundamenta a indisponibilidade
desses bens, com todos os demais corolários”.
A conclusão tem sido aceita pacificamente com relação às autarquias e fundações
públicas — observa a autora ilustre —, mas “é também aplicável às entidades de direito
privado, com relação aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos”.
“É sabido” — prossegue — “que a Administração Pública está sujeita a uma série
de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse
possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades
de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses
bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por
usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado
público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a
impossibilidade de sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico
publicístico”.
Tudo para concluir que “são bens públicos de uso especial os bens das
autarquias, das fundações públicas e os das entidades de direito privado prestadoras
de serviços públicos desde que afetados diretamente a essa finalidade”.
Só esses, contudo; diferentemente, os bens das empresas estatais não vinculados
diretamente ao serviço público prestado — entre eles, suas rendas (como tem entendido
a melhor jurisprudência, segundo demonstra Athos Carneiro, ob. loc. cits, p. 176)8 —
segundo a communis opinio doctorum —, são bens privados, sujeitos ao regime comum,
que inclui sua penhorabilidade.
Do que se segue — como já visto em Celso Antônio (Prestação (...), cit. 144) —
estar correto Athos Carneiro (ob. loc. cit., p. 173) ao notar que o regime dos bens de
empresas estatais prestadoras de serviço público, no final das contas, é o mesmo das
concessionárias privadas dos mesmos serviços estatais, às quais, frisa, jamais se preten-
deu estender o sistema de precatórios.

7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2. ed. Atlas, pp. 295-6.
8 CARNEIRO, Athos Gusmão. Ob. loc. cits, pp. 176 ss.
800 R.T.J. — 198

Certo, tanto o parecer quanto alguns dos doutrinadores citados soem conceder
que — afora o que cubra, por a eles inerente, segundo os princípios, os bens afetados
à prestação do serviço público —, a lei possa estender às empresas estatais outras
prerrogativas do Poder Público.
Estou, porém, em que a ressalva há de ser aceita cum grano salis, subordinado,
como parece manifesto, o seu alcance, a que não configure privilégio inconstitucional.
O problema, assim, é saber se constitui privilégio inconciliável com a Lei Funda-
mental a outorga por lei ordinária a determinada empresa pública da impenhorabilidade
universal do seu patrimônio e não apenas dos bens afetados ao serviço público de que
seja delegatária ou concessionária, de tal modo a não deixar alternativa ao sistema do
precatório para a execução judicial de seus débitos.
É o que fez o questionado art. 12 do DL 509/69, em favor da recorrente, a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos:
“Art. 12. A ECT gozará de direitos de importação de materiais e equipamen-
tos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda, quer em
relação à imunidade tributária direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens,
rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazo e custas processuais”.
Não se cogita mais — é bom voltar ao começo deste voto — de extrair do art. 173,
§ 1º, da Constituição uma regra de equiparação compulsória entre as empresas privadas
e as empresas estatais prestadoras de serviço público, às quais, também concordo, não se
aplica aquele dispositivo da Lei Fundamental, só pertinente à exploração por empresas
públicas ou mistas de atividades econômicas, vale dizer, abertas à livre iniciativa dos
particulares.
A questão reclama certas considerações acerca do sistema de precatórios.
Cuida-se de criação genuinamente brasileira9 — para alguns, originário das Orde-
nações10 mas, certamente, previsto no direito pátrio desde o Decreto 3.084, de 1898 —,
sempre concebido como solução a dar eficácia às condenações do Estado, não obstante
a inalienabilidade e conseqüente impenhorabilidade dos bens públicos.
“Por força das disposições que consideram inalienáveis, e não sujeitos à penhora,
os bens da União, dos Estados e dos Municípios” — lê-se em Amilcar de Castro,11
aludindo ao art. 730 do Código de Processo Civil — “a execução por quantia certa contra
qualquer dessas pessoas jurídicas não pode deixar de seguir estas normas especiais: feita
a conta de liqüidação, deve o representante do executado ser intimado para embargar a
execução no prazo de dez dias, dispensada a penhora. E, se não houver embargos, ou
forem estes julgados improcedentes, o juiz executor (...) requisita o pagamento ao presi-
dente do Tribunal (...), pois aos mesmos compete expedir as ordens de pagamento, pelas
importâncias que houverem sido recolhidas aos cofres dos depósitos públicos”.

9 BARBI, Celso. O precatório na Constituição de 1988. RT 701/17; FLAKS, Milton. Precatório


Judiciário na Constituição de 1988. Revista Forense 306/108-9.
1 0 FLAKS, Milton. Ob. loc. cits.
1 1 CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. RT, 1974, VIII/370.
R.T.J. — 198 801

Esse o sistema do art. 100 da Constituição, cujo alcance próprio, específico,


ninguém duvida, se restringe às pessoas jurídicas de Direito Público, não alcançando as
de Direito Privado, posto integradas à Administração Pública indireta.
“A expressão ‘Fazenda Pública’ abrange a Fazenda Federal, Estadual e Munici-
pal, bem como as respectivas autarquias. Entidades paraestatais (sociedades de econo-
mia mista e empresa pública), porque dotadas de personalidade” — anotou Celso de
Mello12 peremptório — “acham-se excluídas desse conceito, por força do disposto no §
1º do art. 117 da Constituição Federal, que se refere, apenas, às ‘entidades de direito
público’ (hoje, art. 100 ‘Fazenda Federal, Estadual ou Municipal’)”.
Igualmente restritiva a compreensão de Fazenda Pública, em Celso Bastos13.
E desconheço autor ou julgado que na expressão utilizada, hoje, pelo art. 100 da
Constituição — que vem, todavia, com variações irrelevantes, desde o texto fundamen-
tal de 1934 — haja cogitado de incluir as empresas estatais.
Se não decorre assim da Constituição, volta-se à indagação decisiva: será, não
obstante, o sistema de precatório uma modalidade de execução por título judicial por
quantia certa que a lei ordinária pudesse estender irrestritamente a pessoas de Direito
Privado, embora integrantes da Administração Indireta — sem ferir princípios constitu-
cionais?
Assim não me parece.
O sistema de precatório, de um lado, é um privilégio — só explicável em favor da
Fazenda Pública, stricto sensu — e, de outro, é inconciliável, nos termos em que hoje o
define o ordenamento brasileiro, com o regime jurídico das empresas estatais.
Com efeito. A mostrar o caráter de privilégio de que se reveste, basta observar, com
a melhor doutrina, que o sistema do precatório sequer constitui, a rigor, uma verdadeira
execução forçada, mas — como assinalou o saudoso Machado Guimarães14 — de um
“sucedâneo da execução”.
“Fala o Código de Processo Civil ‘da execução contra a Fazenda Pública (arts.
730-731)” — anota o lúcido Dinamarco15 — “mas não o faz sem incorrer em imprecisão.
Na realidade, o que temos ali é uma execução indireta, caracterizada pelas medidas de
pressão psicológica que tais dispositivos prevêem, em aplicação ao programa ditado a
nível constitucional (Const., art. 117 e §§); reportando-nos a prestigiosa doutrina,
poderíamos dizer que, contra a Fazenda, desencadeiam-se apenas meios de coação e
não os meios de subrogação. Em outras palavras, não irá um Poder do Estado,

1 2 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. 2. ed. Saraiva, 1986. p. 350.
1 3 GANDRA, Ives; BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, 4. vol, t. III/
114.
1 4 GUIMARÃES, Machado. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, 1942. IV/143, n.,
146.
1 5 DINAMARCO, Cândido. Execução Provisória do Mandado de Segurança em Fundamentos do
Processo Civil Moderno. 2. ed. RT, p. 461, 464.
802 R.T.J. — 198

legitimamente, invadir a esfera de outro, praticando atos de autoridade destinados à


atuação da vontade do direito independentemente ou contra a vontade deste; residin-
do nas atividades dessa ordem a verdadeira execução forçada, isso quer dizer que, já
por mandamento constitucional, a lei não tolera a execução forçada contra a Fazenda.
A expedição do ofício requisitório (chamado ‘precatório’) não é senão um convite à
autoridade a satisfazer, sob as sanções políticas estabelecidas.”
Falta, na verdade, à chamada execução por precatório — não obstante as sanções
indiretas a que pode expor o agente político recalcitrante — o caráter específico da
execução judicial, que está — conforme a lição de Amílcar de Castro,16 inspirada em
Paula Batista — na possibilidade de “reduzir o título executivo a efeito sem a vontade
do executado:” assim, por exemplo, não há como substituir-se o Juiz aos órgãos do
processo de elaboração orçamentária se se omitem estes na inclusão no orçamento anual
da verba necessária à satisfação dos precatórios.
Por outro lado, a mecânica mesma da “execução” mediante precatório — qual
regulada pelo art. 100 da Constituição — pressupõe que a entidade devedora seja
dotada de orçamento legal e anual de despesas, do qual não dispõem as empresas
públicas ou mistas.
Certo, contestou-o Geraldo Ataliba, em parecer já referido na discussão deste
caso17; mas, com todas as vênias devidas ao douto e saudoso mestre, o orçamento fiscal,
a que alude o art. 165, I, da Constituição, não se confunde com o orçamento de
investimento das empresas controladas pelo Estado, previsto ao art. 165, II, da Lei
Fundamental.
E que seja o primeiro — o orçamento fiscal — o pressuposto da incidência do
sistema de execução indireta do art. 100 da Constituição — demonstrou-o exaustiva-
mente o em. Ministro Ilmar Galvão.
Aduziu S. Exa., no aditamento ao voto:
“Não se pode negar ao legislador ordinário o poder de tornar impenhoráveis
certos bens pertencentes não somente a entes da administração, mas também a
particulares. Relativamente à ECT, v.g., nada poderia impedir que o seu patrimônio
imobiliário e, mesmo, os seus equipamentos e instalações fossem postos a cobro de
atos judiciais constritivos, com vista à preservação da regularidade na execução dos
seus serviços.
O dispositivo em foco, todavia, ao gravar com a cláusula de impenhorabili-
dade todos os seus “bens, rendas e serviços”, na verdade, deixou seus credores
desvestidos de outro meio de verem realizados os seus créditos senão por meio do
sistema de precatórios.

1 6 CASTRO, Amilcar de. Ob. cit., VIII/5.


1 7 ATALIBA, Geraldo. “Execução contra as pessoas administrativas”. Revista de Informação
Legislativa, Senado Federal, 1993, n. 19/5, 11.
R.T.J. — 198 803

Ocorre, entretanto, que o referido sistema não apenas não tem aplicação
prevista, na Constituição ou nas leis, para as pessoas jurídicas de direito privado,
como seria de mister, mas também se trata de instituto incompatível com o regime
de tais entes, cuja atividade não se acha sujeita a um rígido programa anual de
trabalho, previamente traçado num quadro demonstrativo da receita, identificada
pelas respectivas fontes, e da despesa, discriminada por meio de dotações estipula-
das para cada função a ser cumprida, como é exigido dos entes públicos, conforme
prevê a vetusta Lei n. 4.320/64 (arts. 2º e seguintes), ainda em vigor nesse ponto.
Por isso mesmo, relativamente às empresas públicas ou sociedades de econo-
mia mista, não cabem expressões como: ‘dotação orçamentária’, ‘anulação de
despesa’, ‘despesa efetuada sem dotação suficiente’, ‘saldos de verba’, ‘créditos
orçamentários’, ‘créditos especiais’, ‘créditos suplementares’, etc., todas próprias
dos entes públicos, cuja atividade se desenvolve nos moldes do orçamento
adredemente aprovado para o referido exercício, sistema manifestamente impró-
prio para empresas e sociedades, que desse modo são organizadas justamente para
terem maior flexibilidade na execução de suas atividades.
Assim, por não terem seus programas de trabalho sujeitos a princípios orça-
mentários, tais entidades são refratárias ao regime de precatório que se acha
estabelecido, em todos os seus termos, no art. 100 da CF, regime cuja essência se
acha na obrigatoriedade de consignação, ao Poder Judiciário, em orçamento, das
dotações destinadas aos pagamentos devidos em razão de sentença judiciária, as
quais serão consignadas, ‘recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição
competente’, a fim de que possa o Presidente do Tribunal ‘determinar o pagamento
segundo as possibilidades do depósito’. Tudo isso, de molde a assegurar a obser-
vância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios.
Se não há orçamento, não há falar em dotação orçamentária nem em abertura
de créditos adicionais, nem em consignações a serem feitas ao Poder Judiciário e,
conseqüentemente em controle do direito de preferência.
Por isso mesmo é que o art. 165, § 5º, da CF prevê que a lei orçamentária anual
compreenderá, no que concerne às empresas em que a União detenha a maioria (ou,
obviamente, a totalidade) do capital social, tão-somente o orçamento de investi-
mento (inc. II), e não o orçamento fiscal (inc. I), de resto inexistente, porque próprio
dos demais órgão da administração direta e entes da administração indireta
(autarquias e fundações).”
Confirmou-o, aliás, o Ministro Jobim ao informar que — como os órgãos do
planejamento orçamentário corretamente não admitem a inclusão no orçamento fiscal
de eventuais precatórios contra as empresas estatais — o que se pratica na ECT é o que
S. Exa. denominou “um precatório informal”.
Essa imitação do sistema de precatórios, por entidade que não dispõe de
orçamento legal em que se inclua a verba necessária à satisfação delas — é preciso
convir —, além de carecer de fundamento jurídico, nenhuma garantia de execução
minimamente eficaz oferece aos credores.
De tudo, concluo, Sr. Presidente:
804 R.T.J. — 198

1º) que o art. 12 do DL 509/69 é inconstitucional no que prescreve a


impenhorabilidade das rendas da ECT e, no que diz com a dos seus bens, somente
em relação àqueles afetos ao serviço postal e telegráfico de que é delegatário;
2º) que à empresa recorrente não se aplica o art. 100 da Constituição;
3º) em conseqüência, que a execução dos seus débitos oriundos de decisão
judicial há de fazer-se segundo o direito comum, mediante penhora de bens não
afetados ao serviço público que lhe é delegado, incluídas as suas rendas.
Nesses termos, data venia dos votos em sentido oposto, não conheço do RE: é o
meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sydney Sanches: Sr. Presidente, fui Relator, na Primeira Turma, a
17-12-1984, de acórdão unânime no RE n. 100.433/RJ, reproduzido na RTJ 113/786,
quando se decidiu:
“Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro — Recorrida: Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.
Execução fiscal. Impenhorabilidade de bens de empresa pública (ECT) que
explora serviço monopolizado (§ 3º do art. 170 da Constituição Federal),
reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII, da Constituição Federal).
Recurso extraordinário não conhecido.”
Tal decisão, é certo, foi proferida sob a égide da CF de 1967, com a redação da
Emenda Constitucional n. 1/69.
Não vejo, porém, na Constituição atual, de 1988, alteração substancial a esse
propósito.
Peço vênia, pois, para acompanhar o voto do Ministro Maurício Corrêa.

VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, realmente, os argumentos são fortes de
um lado e do outro. Na prática, porém, parece-me quase impossível fazer essa distinção
entre bens afetados e não-afetados, inclusive com relação a rendas, porque delas também
depende a atuação dos serviços que são afetados a essas empresas públicas que exercem
atividade monopolizada pelo Estado. Sucede, aqui, que é um serviço que só pode ser feito
pela União. Se, porventura, houver impossibilidade de executá-lo, ninguém poderá fazê-
lo. Esse é o problema, realmente, delicado. Daí a razão da minha perplexidade, pois não há
dúvida de que o sistema de precatório foi o adotado para a Fazenda.
Se o Supremo Tribunal Federal tomar uma decisão dessa natureza, terá que fazer
entrar no orçamento fiscal o orçamento dessas entidades, pois a Constituição também
não o proíbe, para efeito, justamente, de precatório.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A solução prática está, data venia, na respon-
sabilidade subsidiária da União.
R.T.J. — 198 805

O Sr. Ministro Moreira Alves: O grande problema que se põe, com a responsabili-
dade subsidiária, é cair-se no precatório.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, cai no precatório, porque, então a dívida
será da União. Mas, enquanto a cobrirem as rendas de uma empresa que se anuncia
altamente lucrativa, submeter créditos trabalhistas a precatórios, quando a devedora,
solvente, tem todos os outros privilégios de uma empresa privada...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Não estou analisando, aqui, apenas sob o ângulo de
créditos trabalhistas, mas, sim, em relação a todos os créditos. Quero saber como é que se
faz a diferença entre rendas afetadas e não-afetadas. Como é possível fazer isso? É muito
fácil, em obra teórica, dizer: “As rendas não são afetadas”. Agora, pergunto: não há
rendas afetadas? As rendas não são absolutamente essenciais para a continuidade?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso é a União que tem de prover...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Não é a União que vai prover, pois esta não pode
fornecer bens para uma empresa que tem essa destinação. Ela vai fornecer esses bens a
título de quê? Ela vai sustentar a empresa?
Estou tratando do problema das empresas que exercem atividades monopolizadas.
Às outras empresas de energia elétrica, em que não há monopólio, conseqüentemente
não se aplica o que estou aplicando neste caso. O que realmente me impressiona é isto:
todos falam no princípio da continuidade do serviço público. Ninguém discute isso.
Quando chega a hora de dizer quais são os bens não-afetados, o único que se diz são as
rendas, pois, quanto ao restante, prédios, móveis, sem eles não funcionam os serviços. E
aí é preciso distinguir-se as rendas afetadas das não-afetadas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Moreira Alves, não lhe parece que, no
caso, não se trata de monopólio? A atuação não está no rol constitucional das atividades
em que há o monopólio. O que consta da Constituição é que a União é compelida a
manter o serviço, coisa diversa.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se do art. 21, X:
“Art. 21. (...)
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;”
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esse não é o dispositivo que versa sobre mono-
pólio.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se de monopólio. Não se pode interpretar de
outra forma. Se ela tem que manter o serviço postal, ninguém pode mantê-lo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O serviço postal, não. Ele é prestado, no Brasil,
inclusive por certas empresas.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso é crime.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há uma eterna discussão se isso constitui, ou
não, correspondência, sobretudo em matéria de avisos bancários etc. Agora, a regra é que
é crime. A grande discussão é a correspondência bancária, que, neste caso, a jurisprudên-
cia construiu que não era correspondência.
806 R.T.J. — 198

O Sr. Ministro Moreira Alves: Sim, mas, por dizer-se que não é correspondência, é
que não se enquadra como crime.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: O eminente Ministro Marco Aurélio lembrou bem:
monopólio não é. O que a Constituição estabelece como monopólio é a exploração do
petróleo.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso é atividade econômica. Trata-se, no caso, de
serviço público ínsito ao Estado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O artigo 177 aduz:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes
das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por
meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer
origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializa-
ção e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se de atividade econômica. Tem-se que dizer
do que se trata.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que quero dizer é que são coisas distintas: a
obrigação de a União manter o serviço e o monopólio.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Aquilo é justamente a caracterização do que é
monopólio em se tratando de atividade econômica, ao passo que, no art. 21, X, a
Constituição estabelece: “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. E é crime
utilizar-se de terceiros para efeito de correspondência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Excelência, tem-se o serviço de entrega no próprio
Supremo.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas foi uma construção no sentido de que não se
trata correspondência no sentido dado pela Constituição.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: No Lago Sul, temos uma agência dos correios,
particular, explorada pelo sistema de franchising. Está espalhado por todo o Brasil.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É concessão, obviamente. Não se trata do
antigo sistema de telecomunicações, que só admitia a exploração direta pela União, ou
a delegação a empresas sob o seu controle...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Pergunto: então, isso seria o quê? Concessão de
serviços públicos?
R.T.J. — 198 807

O Sr. Ministro Ilmar Galvão: O serviço é explorado por particular.


O Sr. Ministro Moreira Alves: E há mais. Quem edita selos? Essa é uma atividade
do Estado. São os Correios, e só ele pode fazê-lo, o que demonstra tratar-se de monopólio
do Estado. Não é possível, por exemplo, uma empresa particular emitir selos.
Sr. Presidente, em face dessas ponderações, pendo para a linha que segue o
eminente Ministro Maurício Corrêa, com a devida vênia dos que dissentem.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Srs. Ministros, o meu entendimento,
que vem de longe, mencionado, aliás, pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, é no
sentido de distinguir empresa pública que presta serviço público de empresa pública
que exerce atividade econômica, atividade empresarial, concorrendo com empresas
privadas. A primeira, sempre sustentei, tem natureza jurídica de autarquia. O Supremo
Tribunal Federal, quando a lei e a Constituição não distinguiam fundação privada de
fundação pública, fez a distinção, decidindo que a fundação pública equiparava-se à
autarquia. Hoje, a Constituição, adotando aquele entendimento, distingue fundação de
direito público de fundação de direito privado.
O art. 37, § 6º, da CF, quando cuida da responsabilidade objetiva do Poder Público,
é expresso no estabelecer:
“§ 6º as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o respon-
sável nos casos de dolo ou culpa”.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Ministro, se V. Exa. traz esse artigo à
discussão, então, teremos de concluir que uma simples concessionária de serviço públi-
co, condenada, só vai pagar por precatório. Nesse dispositivo estão incluídas as conces-
sionárias, ninguém discute.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Sr. Ministro, estou apenas apresentan-
do um indicativo no sentido de que é possível distinguir empresa prestadora de serviço
público de empresa que exerce atividade empresarial. Veja que a Constituição, no
ponto, empresta tratamento especial às pessoas jurídicas de direito privado que prestam
serviço público.
O RE 220.907/RO, de que sou Relator, está na pauta da Segunda Turma desde 7-5-
98, aguardando o julgamento de recursos extraordinários idênticos remetidos à aprecia-
ção do Plenário, como este RE de que ora cuidamos.
Naquele RE 220.907/RO, proferi o seguinte voto:
“É preciso distinguir as empresas. públicas que exploram atividade econô-
mica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (CF, art. 173, § 1º), daquelas empre-
sas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de
autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art. 173 da Constitui-
808 R.T.J. — 198

ção, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à res-


ponsabilidade objetiva (CF, art. 37, § 6º).
Em votos que tenho proferido, nesta Corte, tenho discutido o tema. Assim o
fiz, por exemplo, no julgamento da medida cautelar havida na ADIn 1.552/DF
(Plenário, 17-4-97). Decidimos, então:
‘Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado empregado. Em-
presas públicas e sociedades de economia mista. Medida Provisória 1.522-
2, de 1996, artigo 3º. Lei 8.906/94, arts. 18 a 21. CF , art, 173, § 1º.
I - As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras
entidades que explorem atividades econômica em sentido estrito, sem mono-
pólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. CF, art. 173, § 1º.
II - Suspensão parcial da eficácia das expressões ‘às empresas públicas
e às sociedades de economia mista’, sem redução do texto, mediante a
aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às em-
presas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade
econômica, em sentido estrito, sem monopólio.
III - Cautelar deferida.’
Destaco do voto que proferi no citado julgamento:
‘(...)
Tem-se, portanto, na Lei 8.906, de 1994, a disciplina da relação de
emprego do advogado. É dizer, a Lei 8.906, de 1994, constitui, nos pontos
referidos no Cap. V, Tít. 1, arts. 18 a 21, a legislação trabalhista dos advoga-
dos empregados.
Indaga-se: essa legislação poderia ser excepcionada em relação aos
advogados empregados das empresas públicas e sociedades de economia
mista que exploram atividade econômica sem monopólio?
Penso que não, tendo em linha de conta a disposição inscrita no § 1º do
art. 173 da Constituição Federal.
Vou mais longe: ela não terá aplicação, também, relativamente aos
advogados empregados de qualquer outra entidade estatal que explore ativi-
dade econômica, sem monopólio.
É que a Constituição Federal, no § 1º do art. 173, dispõe:
‘Art. 173. (...)
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras
entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime
jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias.’
É dizer, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e
quaisquer outras entidades que explorem atividade econômica, sem mono-
R.T.J. — 198 809

pólio, sujeitam-se à legislação trabalhista das empresas privadas, dado que o


fazem em concorrência com estas. Se ocorrer monopólio, não há concorrên-
cia. Então, a ressalva será válida.
Ora, se todas as empresas privadas estão sujeitas às normas trabalhistas
inscritas no Capítulo V do Título 1 da Lei 8.906, de 1994 — Estatuto da
Advocacia — às empresas públicas, sociedades de economia mista e outras
entidades que explorem atividade econômica, sem monopólio, terá aplica-
ção essa mesma legislação.
Posta assim a questão, estou em que à frase — ‘às empresas públicas e às
sociedades de economia mista’ — deve-se emprestar interpretação conforme
à Constituição, assim: as mencionadas expressões não têm aplicação ‘às
empresas públicas e às sociedades de economia mista” que explorem ativida-
de econômica, sem monopólio.
É certo que as empresas públicas e sociedades de economia mista são
instituídas para a exploração de atividade econômica, em sentido estrito,
dado que elas são os instrumentos da intervenção do Estado no domínio
econômico. Pode existir, entretanto, empresa pública ou sociedade de eco-
nomia mista prestadora de serviço público. Essa distinção, no regime da CF/
67, poderia ser feita, e nós por ela propugnamos em trabalho de doutrina
(conf. nosso ‘Responsabilidade e Controle das Empresas Estatais’, em Temas
de Direito Público, Del Rey Ed., p. 490), na linha, aliás, do magistério de
Celso Antônio Bandeira de Mello (Natureza essencial das sociedades mis-
tas e empresas públicas, RDP 71/111; Prestação de serviços públicos e
administração indireta, 1973, pp. 101 e ss.) e Eros Roberto Grau (Elementos
de Direito Econômico, RT, 1981). Este último autor, escrevendo sobre o
tema, já sob o pálio da CF/88, leciona:
‘Da mesma forma, no § 1º do art. 173 a expressão conota ativi-
dade econômica em sentido estrito: determina fiquem sujeitas ao
regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias, a empresa pública, a sociedade de economia
mista e outras entidades que atuem no campo da atividade econômica
em sentido estrito; o preceito à toda evidência, não alcança empresa
pública, sociedade de economia mista e entidades (estatais) que
prestam serviço público’. (Eros Roberto Grau, ‘A ordem econômica
na Const. de 1988 — interpretação e crítica’, Ed. RT, 2. ed., 1991,
p. 140).’
Nos votos que proferi por ocasião do julgamento da ADIn 348/MG, dos
RREE 172.816/RJ e 153.523/RS e da ADin 449/DF, deixei claro o meu
pensamento a respeito do tema.
Neste voto, estou deixando expresso o que ficara implícito no raciocí-
nio desenvolvido nos votos acima indicados.
É que a disposição inscrita no art. 173, caput, da Constituição contém
ressalva: ‘Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
810 R.T.J. — 198

direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando neces-


sária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coleti-
vo; conforme definidos em lei’. Quer dizer, o artigo 173 da CF está cuidando
da hipótese em que o Estado esteja na condição de agente empresarial, isto é,
esteja explorando, diretamente, atividade econômica em concorrência com a
iniciativa privada. Os parágrafos, então, do citado art. 173, aplicam se com
observância do comando constante do caput. Se não houver concorrência —
existindo monopólio, CF, art. 177 —, não haverá aplicação do disposto no §
1º do mencionado art. 173. É que, conforme linhas atrás registrado, o que
quer a Constituição é que o Estado-empresário não tenha privilégios em
relação aos particulares. Se houver monopólio, não há concorrência; não
havendo concorrência, desaparece a finalidade do disposto no § 1º do art.
173.
Impõe-se, então, a suspensão parcial da eficácia das expressões im-
pugnadas, sem redução do texto. É dizer, referentemente às empresas públi-
cas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica,
em sentido estrito, não monopolistas, as mencionadas expressões não têm
aplicacão.
(...)’
No caso, tem-se uma empresa pública prestadora de serviço público — a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT — o serviço postal (CF, art. 21,
X). Além de não estar, portanto, equiparada às empresas privadas, integram o
conceito de fazenda pública.
Assim, os seus bens não podem ser penhorados, estando ela sujeita à execução
própria das pessoas públicas: CF, art. 100.
Neste sentido, aliás, o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE
100.433/RJ, Relator o Ministro Sydney Sanches (RTJ 113/786). No RE 204.653/
RS, o eminente Relator, Ministro Maurício Corrêa, negou seguimento ao Recurso
Extraordinário, sustentando a impenhorabilidade dos bens da ECT (DJ de 25-2-
98).
(...).”
Assim posta a questão, acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.
Conheço do recurso e dou-lhe provimento.

EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa Brasi-
leira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros). Recorrido:
Ismar José da Costa (Advogados: Moacir Akira Yamakawa e outro).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros
Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, conheceu e deu provimento ao
Recurso Extraordinário. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro
Néri da Silveira e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim.
R.T.J. — 198 811

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Moreira


Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ilmar
Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo
Brindeiro.
Brasília, 16 de novembro de 2000 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 361.829 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Recorrentes: Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio e outro — Recorrido:
Município do Rio de Janeiro
Constitucional. Tributário. ISS. Lei complementar: lista de serviços:
caráter taxativo. Lei Complementar 56, de 1987: serviços executados por
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central: exclusão.
I - É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a
lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpre-
tação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei
Complementar 56/87.
II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
III - Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente
excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87.
IV - RE conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do
Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Décima Oitava Câmara Cível do eg. Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, às fls. 534-536, em mandado de segurança, decidiu
pela legitimidade da cobrança de ISS, pelo Município do Rio de Janeiro, de instituições
financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, com fundamento em
sua competência tributária (CF, arts. 30, III, e 156, III), dado que a isenção prevista em lei
complementar editada pela União (LC 56/87) configura restrição ao poder de tributar do
812 R.T.J. — 198

Município, restrição essa que não mais prevalece na vigência da atual Constituição, nos
termos do art. 151, III, motivo por que é aplicável a legislação municipal que deixou de
contemplar tal privilégio fiscal (Lei carioca 691/84, com a redação dada pela Lei carioca
2.277/94).
Rejeitaram-se os embargos de declaração opostos (fls. 547-548).
Daí os recursos especial (fls. 554-574) e extraordinário (fls. 581-603) interpostos
por Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio e outros, este fundado no art. 102, III, a,
b e c, da Constituição Federal, com alegação de ofensa aos arts. 146, III, a; 150, § 6º; 153,
V; 155, § 2º, XI, g; e 156, IV, da mesma Carta.
No RE, dizem os recorrentes que a Lei carioca 2.277/94 deu nova redação ao
disposto nos itens 44, 46 e 48 da Lei Complementar federal 56/87, “norma de hierar-
quia superior” (fl. 582), tendo o acórdão recorrido, explicitamente, declarado a
“inconstitucionalidade parcial” (fl. 584) dos referidos itens.
Sustentam, mais, em síntese:
a) a ocorrência de ofensa ao art. 156, IV, da Constituição Federal, na medida em
que, ao considerar válida a referida lei municipal, o acórdão recorrido referendou a tese
de que o fato gerador de tributo pode ser instituído por lei ordinária;
b) a competência exclusiva da União para tributar operações financeiras, nos
termos do art. 153, V, da Constituição Federal;
c) a existência de ofensa ao art. 146, III, a, da Constituição Federal, mormente
porque a competência tributária conferida pela Constituição aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios somente é válida quando observadas as normas gerais fixadas
em lei complementar, estando em plena vigência o Decreto-Lei 406/68, com as altera-
ções do Decreto-Lei 834/69 e da Lei Complementar 56/87;
d) a inconstitucionalidade da Lei carioca 2.277/94, por afrontar os arts. 146, III, a;
150, § 6º; 153, V; 155, § 2º, XII, g; e 156, IV, da Constituição Federal, ao instituir a
cobrança de ISS sobre serviços de administração de fundos, agenciamento, corretagem ou
intermediação de títulos, bem como sobre agenciamento, corretagem ou intermediação de
franquias e de faturação, quando executados por instituições financeiras, ante a
inexistência de previsão da incidência de ISS nessas hipóteses em lei complementar, certo
que os itens 44, 46 e 48 da Lei Complementar 56/87 ressalvaram, expressamente, essas
hipóteses da incidência do ISS;
e) o próprio Prefeito do Município do Rio de Janeiro, ao vetar a Lei carioca 2.277/
94, reconheceu tratar-se de uma exação inconstitucional, tendo em vista o que dispõe o
art. 148, III, a, da Constituição Federal;
f) a competência exclusiva da União para tributar operações financeiras, nos
termos do art. 153, V, da Constituição Federal, certo que os serviços listados nos itens
44, 46 e 48, quando prestados por instituições financeiras, são operações relativas a
títulos e valores mobiliários;
g) a ocorrência de equívoco do acórdão recorrido, na medida em que não existiria,
na espécie, isenção, mas ausência de previsão legal, pois o Decreto-Lei 406/68 e a Lei
Complementar 56/87 “não fazem referência aos serviços especificados na inicial, como
R.T.J. — 198 813

passíveis de incidência de ISS, quando prestados por instituições autorizadas a funci-


onar pelo Banco Central” (fl. 599);
h) “se na espécie há uma isenção heterônoma, esta foi concedida pelo Decreto-Lei
406/68, que é norma de caráter complementar” (fl. 600), somente passível de revogação
por outra lei complementar, certo que a revogação de uma isenção equivale à criação de
um tributo, que, nos termos do art. 146, III, a, da Constituição Federal, deve ser feita por
lei complementar.
Admitido o recurso (fls. 638-640), subiram os autos.
A Primeira Turma do eg. Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso
especial (fls. 699-707, trânsito em julgado certificado à fl. 708).
Determinei à Secretaria a juntada da cópia da decisão por mim proferida na AC
130-MC/RJ (fls. 711-713), o que foi feito às fls. 715-717.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-
Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, opinou pelo não-conhecimento
do recurso (fls. 719-721).
Em 3-3-2005, neguei seguimento ao recurso extraordinário (fls. 723-733).
A Segunda Turma negou provimento ao agravo regimental interposto pelos
impetrantes (fls. 765-779).
Em 11-10-2005, a Segunda Turma recebeu os embargos de declaração opostos e
anulou o acórdão embargado (fls. 794-803).
Autos conclusos em 22-11-2005.
Em 30-11-2005, determinei a inclusão do feito em pauta (fl. 808).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): No voto que proferi quando do julgamen-
to dos embargos de declaração interpostos por Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio
e outro, escrevi:
“(...)
A espécie é a seguinte: a Lei Complementar 56, de 15-12-87, na lista das
atividades sujeitas ao imposto sobre serviços, itens 44 (administração de fundos
mútuos), 46 (agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer) e
48 (agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia —
franchise — e de faturação — factoring), excepcionou: item 44: a administração
de fundos mútuos realizada por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco
Central; item 46: os serviços executados por instituições financeiras autorizadas a
funcionar pelo Banco Central; item 48: os serviços prestados por instituições
financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
A Lei Complementar 116, de 31-7-2003, que revogou a Lei Complementar
56, de 1987, e a Lei Complementar 100, de 1999, não contém as ressalvas
814 R.T.J. — 198

indicadas na Lei Complementar 56/87. A questão, entretanto, foi posta sob a Lei
Complementar 56, de 1987.
Acontece que a Lei 2.277, de 1994, do Município do Rio de Janeiro,
vigente a partir de 1º-1-95, registra o advogado Luiz Octavio Gallotti, no exce-
lente parecer que está nos autos, ‘ao reproduzir o conteúdo dos mesmos itens,
numerados em romano (XLIV, XLVI e XLVIII), suprimiu a exceção ditada pela
lei complementar nacional em relação aos serviços prestados por instituições
autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Vale dizer: tributou as atividades
explicitamente excluídas pela lei complementar’ (fl. 748), ou seja, pela Lei
Complementar 56/87.
O Município sustentou que a Lei Complementar 56, de 1987, não teria sido
recebida pela CF/88, por conter ela isenção heterônoma, proibida pela menciona-
da Carta, artigos 150, § 6º, e 151, III.
O acórdão embargado enfocou a questão apenas sob o ponto de vista da
isenção heterônoma. Foi omisso no que toca à questão da lista de serviços da lei
complementar. Noutras palavras, deixou o acórdão de abordar e resolver a questão
constitucional, que vem da CF/67, art. 24, II e § 4º, com a redação dada pela EC 1/
69, inscrita, hoje, no art. 156, III e § 3º, I, II e III.
Realmente, a CF/67, art. 24, II, dispunha:
‘Art. 24. Compete aos municípios instituir imposto sôbre:
I - (...)
II - serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência
tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar.” (Gri-
fei)
Acrescentava o § 4º do mesmo artigo 24:
‘§ 4º Lei complementar poderá fixar as alíquotas máximas do imposto
de que trata o item II.’
Na Constituição vigente, a matéria está assim disposta:
‘Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre (EC 3/93,
EC 29/2000 e EC 37/2002):
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar;” (grifei).
Acrescenta o § 3º do citado art. 156:
‘§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo,
cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefí-
cios fiscais serão concedidos.’
R.T.J. — 198 815

Essa matéria foi posta no RE. Todavia, o acórdão embargado não a discutiu.
Incorreu, portanto, em omissão, certo que a matéria foi prequestionada no acórdão
do Tribunal local, tendo havido, inclusive, embargos de declaração (fls. 534-536,
541-544 e 547-548).
Deve ser salientado, aliás, que a discussão a respeito da questão relativa à
isenção heterônoma, no caso, não dispensaria considerações a respeito da exclusi-
vidade ou não da lista de serviços no definir hipóteses de incidência do ISS.
(...).” (Fls. 798-801)
A questão, portanto, resume-se no perquirir se a ressalva que a Lei Complementar
56, de 15-12-87, inseriu na lista das atividades sujeitas ao imposto sobre serviços,
excetuando da tributação do ISS os serviços executados por instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central (itens 44, 46 e 48), teria sido recebida pela Constituição
de 1988, art. 150, § 6º, e 151, III. É que, para o Município do Rio de Janeiro, a ressalva
mencionada, da Lei Complementar 56, de 1987, conteria isenção heterônoma.
Essa é a questão.
Registrei, em trabalho de doutrina que escrevi, “Lei Complementar Tributária”,
em Fórum Administrativo — Direito Público, 9/1343), que a Constituição de 1967, no
art. 18, § 1º, estatuía que “lei complementar estabelecerá normas gerais de direito
tributário, disporá sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações constitucionais ao
poder de tributar”.
Duas correntes doutrinárias surgiram. A primeira, a corrente dicotômica, capitane-
ada por Geraldo Ataliba, sustentava que a lei complementar do § 1º do art. 18 da CF/67
tinha por finalidade editar normas gerais de direito tributário sobre a) conflitos de
competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e b) regular as
limitações constitucionais à tributação (“Normas Gerais de Direito Financeiro e Tributá-
rio”, RDP 10/15). A segunda, a corrente tricotômica, sustentava, a seu turno, que a citada
lei complementar do § 1º do art. 18 da CF/67 tinha por finalidade a) emitir normas gerais
de direito tributário; b) dispor sobre conflitos de competência nessa matéria entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; c) regular as limitações constitu-
cionais ao poder de tributar.
A questão foi bem exposta por Paulo de Barros Carvalho, dos principais líderes da
corrente dicotômica:
“A linha tradicional de nossos tributaristas, calcada na leitura pura e
simples do arranjo textual do preceptivo, erigiu seu entendimento procurando
respeitar todas as cláusulas ao pé da letra, sem vislumbrar o cabimento de
quaisquer outras ponderações alheias à estrutura lingüística do comando. Dessa
maneira, encetou processo hermenêutico, de cunho estritamente literal, para
chegar à inferência de que a lei complementar, citada no art. 18, § 1º, manifestava
três distintas funções: a) emitir normas gerais de direito tributário; b) dispor
sobre conflitos de competências, nessa matéria, entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios; e c) regular as limitações constitucionais ao
poder de tributar.
816 R.T.J. — 198

Trilhando raciocínio diferente, outra facção doutrinária menos numerosa,


mas edificada sobre os alicerces de abalizadas opiniões científicas, veio prospe-
rando, enriquecida, cada vez mais, com valiosas contribuições de novos adeptos.
Não se limitando à feição gramatical do texto, buscava, antes de tudo, analisá-lo
em confronto com as grandes diretrizes do sistema, para obter uma compreensão
que pretendia ser coerente e harmônica. O produto desse trabalho exegético
contestava a afirmação da corrente tradicional e, desapegado aos símbolos
lingüísticos do artigo, promoveu exame sistemático que invocava a primazia da
Federação e da autonomia dos Municípios, para atingir os seguintes resultados: a
lei complementar do art. 18, § 1º, da Constituição anterior, tinha uma única
finalidade: veicular normas gerais de direito tributário. Estas, por seu turno,
exerciam duas funções, dispor sobre conflitos de competência entre as entidades
tributantes e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.” (Paulo de
Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, Saraiva, 3ª ed., 1988, p. 110)
O fundamento básico sobre o qual se apoiava a corrente dicotômica seria o respeito
e “para que se tivesse por respeitado o princípio federativo” (André Luiz Borges Netto,
“Lei Complementar Tributária”, em Cadernos de Direito Constitucional e Ciência
Política, 10/5). Predominou, entretanto, registra André Luiz Borges Netto, a corrente
tricotômica, que “sempre foi amplamente aceita pelos tribunais e entre os juristas da
‘escola bem comportada do Direito Tributário’”, com prejuízo, acrescenta, forte em
Paulo de Barros Carvalho, para “a integridade dos princípios da Federação e da
autonomia dos Municípios” (André Luiz Borges Netto, “Lei Complementar Tributária”,
em Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, 10/5).
Não obstante os poderosos argumentos dos adeptos da corrente dicotômica, certo
é que a prevalência da interpretação que conduziu à preponderância da corrente
tricotômica não causou prejuízo ao princípio federativo, como bem esclareceu Gilberto
de Ulhoa Canto: “Dizer-se que a lei complementar afetava a autonomia dos Estados e
Municípios, e por isso serem elas inconstitucionais, não é correto, pois a sua criação e
o âmbito de sua competência estão expressos na mesma Constituição que assegura a
autonomia, que assim é restringida na sua própria origem. Por outro lado, as suas
normas inibem também a autonomia legislativa da própria União, na medida em que
nem leis federais sobre tributos do poder central escapam à necessidade de se submete-
rem ao que as leis complementares prescrevem, dentro dos limites que lhes são próprios.
Acresce que a lei complementar é elaborada pelo Congresso Nacional, em cujos
quadros a União não tem condição alguma de influir, pois os Senadores representam
os Estados e os Deputados os colégios eleitorais dos Estados e dos Municípios” (“Lei
Complementar Tributária”, em Cadernos de Pesquisas Tributárias, Coordenação de
Ives Gandra Martins, São Paulo, v. 15, pp. 02-03).
A Constituição de 1988 acabou com o debate (Ives Gandra Martins, Comentários
à Constituição do Brasil, Saraiva, 2ª ed., vol. VI, Tomo I, p. 78), porque adotou a
corrente tricotômica, ao estabelecer, no art. 146:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre os conflitos de competência, em matéria tributária, entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
R.T.J. — 198 817

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;


III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especial-
mente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas socie-
dades cooperativas.
(...).”
A lei complementar do art. 146 da Constituição disporá, em primeiro lugar, sobre
os conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios (art. 146, I).
É certo que terá reduzido espaço para dispor sobre conflitos de competência, dado
que a competência tributária dos entes políticos mencionados está estabelecida na
Constituição. Por isso, esclarece Roque Carrazza, “no plano lógico-jurídico, não há
qualquer possibilidade de surgirem conflitos de competência tributária entre a União,
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal”. Todavia, acrescenta Carrazza: “Na
prática, porém, como já vimos, podem surgir certas situações que, afinal, irão traduzir-
se em ‘Conflitos’ de competência tributária” (Roque Antônio Carrazza, Curso de
Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros Ed., 1998, p. 528). Tal é o caso,
por exemplo, acrescenta o mestre de Direito Constitucional Tributário, da recauchuta-
gem de pneumáticos, em que a lei complementar esclarecerá que se trata de prestação de
serviço e não de industrialização, sujeita, portanto, ao ISS e não ao IPI (Roque Antônio
Carrazza, ob. e loc. cits.).
Com correção científica, leciona, a propósito do tema, Eduardo Arruda Alvim que
“a lei complementar que dispuser sobre possíveis conflitos de competência não pode
inovar, em sentido material, senão que, apenas, aclara o disposto no texto constitucio-
nal” (“Lei Complementar Tributária”, em Cadernos de Direito Constitucional e Ciên-
cia Política, 6/47). No mesmo sentido a lição de Ives Gandra Martins (ob. e loc. cits., pp.
79 e segs.).
Na linha do disposto no art. 18, § 1º, da CF/67, vale dizer, com a finalidade de
dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, estabelecia, mencionada CF/67, no art. 24, II,
competir aos municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza não
compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei
complementar, estabelecendo, mais, no § 4º do citado art. 24, que Lei Complementar
poderá fixar as alíquotas máximas do imposto de que trata o item II.
A Constituição de 1988, na mesma linha, art. 156, III, dispôs:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre (EC 3/93, 29/
2000 e EC 37/2000):
818 R.T.J. — 198

(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, defini-
dos em lei complementar;
(...).”
O § 3º do citado art. 156 contém disposições a respeito.
A lei complementar, portanto, que definirá os serviços sobre os quais incidirá o ISS
tem por finalidade, sobretudo, afastar os conflitos de competência, em matéria tributária,
entre as entidades políticas que compõem o Estado Federal brasileiro. Nesse sentido a
lição de Sacha Calmon. (Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 8ª ed., 2005, p.
435).
Cabe-lhe, ademais, na forma do disposto no art. 146, III, a, estabelecer o fato
gerador, a base de cálculo e o contribuinte do ISS. E mais: na forma do disposto no art.
156, § 3º, I, II e III, fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, excluir da sua incidência
exportações de serviços para o exterior e regular a forma e as condições como isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A lei complementar, em resumo, no que toca ao ISS, definirá os serviços sobre os
quais incidirá o ISS, tendo por finalidade, sobretudo: a) afastar os conflitos de competên-
cia, em matéria tributária, entre as entidades políticas (CF, art. 156, III; art. 146, I); b)
cabe-lhe, ainda, estabelecer o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do ISS (CF,
art. 146, III, a); c) fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, excluir da sua incidência
exportação de serviços para o exterior e regular a forma e as condições como isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (CF, art. 156, § 3º, I, II e III).
A Lei Complementar 116, de 2003, é a que disciplina, hoje, o ISS. Antes desta, era
o Decreto-Lei 406, de 31-12-68, recebido pela CF/88, que disciplinava o citado tributo,
cuja lista anexa de serviços foi atualizada pela Lei Complementar 56, de 15-12-87, e
pela Lei Complementar 100, de 22-12-99.
No caso, cuidamos da lista da Lei Complementar 56, de 1987.
O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município competirá instituí-lo (CF, art.
156, III). Todavia, está ele jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complemen-
tar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF,
art. 156, III).
Isso não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS
serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis
pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá incidir o menciona-
do imposto.
Bons juristas sustentam que a lista anexa à lei complementar definidora dos
serviços tributáveis não é taxativa. Sacha Calmon, por todos, leciona que a Constituição
vigente não autorizaria interpretação no sentido de que a lista é taxativa. “É que na CF
de 67, o seu art. 24, inciso II, dizia competir aos municípios instituir imposto sobre
‘serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da
União ou dos Estados, definidos em lei complementar.’ A redação falava genericamen-
te em serviços, sem nomeá-los. E, mais, dava prevalência a serviços tributados, antes,
R.T.J. — 198 819

pela União e os estados, que podiam recortar a área dos serviços à disposição dos entes
municipais. É o que não ocorre com a redação da Constituição de 88, que apropria em
prol dos municípios todos os serviços (de qualquer natureza) não compreendidos no
art. 155, II. Isto é, todo e qualquer serviço que não seja de comunicação e de transporte
interestadual e intermunicipal sujeita-se ao ISS, por expressa determinação constituci-
onal, inclusive o de transporte municipal (transporte no âmbito territorial do municí-
pio)” (Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 8ª ed., 2005, p. 434).
Divirjo do ilustre tributarista.
A Constituição, no art. 156, III, estabelece que compete aos Municípios instituir
imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar”.
O texto precisa ser analisado com cautela.
Os serviços que poderão ser tributados pelo ISS são, em princípio, todos os
serviços, menos os que estão compreendidos no art. 155, II. Mas o citado preceito
constitucional, inciso III do art. 156, acrescenta a cláusula “definidos em lei complemen-
tar”. É dizer, todos os serviços definidos em lei complementar, menos os compreendidos
no art. 155, II, poderão ser objeto do ISS.
Dir-se-á que estamos fazendo interpretação gramatical. Não. A interpretação é
sistemática e teleológica. É que a lei complementar, definindo os serviços sobre os quais
incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar os conflitos de competên-
cia, em matéria tributária, entre as pessoas políticas (CF, art. 146, I). E isso ocorre em
obséquio ao pacto federativo, princípio fundamental do Estado e da República (CF, art.
1º), erigido, pelo constituinte originário, em cláusula pétrea ou limitação material ao
constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I). A norma constitucional tem por finalidade,
portanto, afastando conflitos entre pessoas políticas que compõem o Estado Federal,
garantir, no campo da repartição da competência tributária, estabilidade ao pacto
federativo.
Não obstante as magníficas lições de Geraldo Ataliba, Cleber Giardino, Ayres
Barreto, Roque Carrazza, Sacha Calmon, dentre outros eminentes juristas, não adoto a
doutrina que defende que a lista de serviços é exemplificativa. Confesso que já me inclinei
pela adoção dessa doutrina. Veja-se, por exemplo, o meu voto na AC 130-QO/RJ.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se, de longa data, pela
taxatividade da lista: RE 71.177/SP, Ministro Rodrigues Alckmin, RTJ 70/121; RE
77.183/SP, Ministro Aliomar Baleeiro, RTJ 73/490; RE 100.858/PE, Ministro Carlos
Madeira, RTJ 117/214; RE 90.183/SP, Ministro Thompson Flores, RTJ 93/404; RE
105.477/PE, Ministro Francisco Rezek, RTJ 115/925. Neste, o Supremo Tribunal dei-
xou expresso que, apesar de limitativa e não exemplificativa a lista, cada um dos seus
tópicos comporta interpretação ampla. Mais: RE 91.737/MG, Ministro Décio Miranda,
RTJ 97/357; RE 75.952, Ministro Thompson Flores, RDA 118/115; RE 87.931/RS,
Ministro Xavier de Albuquerque, RTJ 89/281; RE 144.795/SP, Ministro Ilmar Galvão,
RTJ 150/872; RE 100.858/PE, Ministro Carlos Madeira, RTJ 117/214; RE 114.354/RJ,
Ministro Carlos Madeira, RTJ 125/876; RE 103.909/MG, Ministro Moreira Alves, RTJ
114/363; RE 81.621/SP, Ministro Leitão de Abreu, RTJ 78/928.
820 R.T.J. — 198

No RE 116.121/SP, o Ministro Celso de Mello deixou expresso no seu voto:


“Sabemos que a tributabilidade dos serviços de qualquer natureza, não
compreendidos na esfera de competência impositiva das demais pessoas estatais,
traduz prerrogativa que pertence aos Municípios, os quais, para esse efeito, ainda
que em caráter residual (Ricardo Lobo Torres, ‘Curso de Direito Financeiro e
Tributário’, p. 331, item n. 7.4, 2ª ed., 1995, Renovar), dispõem do poder de
instituir o ISS relativamente aos serviços definidos em lei complementar editada
pela União Federal (CF/69, art. 24, II; CF/88, art. 156, III).”
No parecer que o Ministro Octavio Gallotti, eminente jurista, ofereceu à nossa
consideração, escreveu S. Exa., sustentando a taxatividade da lista:
“(...)
Não há como apregoar, contra essa evidência, a autonomia das municipali-
dades, quando decorre, da própria Constituição que a outorga, a limitação expres-
sa em seu art. 156, III, ao conferir à lei complementar nacional a definição dos
serviços tributáveis.
Do contrário, reduzir-se-ia a uma inutilidade a Lista elaborada pela União. E
nada menos recomendável ao intérprete — é sabido e consabido — do que o
resultado onde se torna inócuo ou ociosa a disposição constitucional.
VII
Essa mesma lista é, de seu turno, amplamente reconhecida como taxativa
pela doutrina e pela reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal, embora com-
porte entendimento extensivo ou analógico, métodos de exegese certamente
inidôneos para contrariar a restrição explícita da lei, como aquela de que ora se
trata.
(...)”
Estabelecida a compreensão de que a lista de serviços é taxativa, vamos ao caso
sob exame.
A lista de serviços anexa à Lei Complementar 56, de 1987, definiu como serviços
tributáveis pelo ISS: item “44. Administração de fundos mútuos (exceto a realizada por
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central)”; item “46. Agenciamento,
corretagem ou intermediação de títulos quaisquer (exceto os serviços executados por
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central)”; item “48. Agenciamento,
corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação
(factoring) (excetuam-se os serviços prestados por instituições autorizadas a funcionar
pelo Banco Central)”.
É dizer, a lista de serviços anexa à Lei Complementar 56/87 excluiu da tributação,
nos itens 44, 46, 48, acima indicados, os serviços praticados por instituições autorizadas
a funcionar pelo Banco Central.
Não há falar em isenção, mas, simplesmente, em exclusão de serviços praticados
pelas instituições mencionadas. Trata-se, na verdade, de não-incidência, motivo por que
não há invocar o disposto no art. 151, III, CF.
R.T.J. — 198 821

Em caso semelhante, RE 236.604/PR, por mim relatado, decidiu o Supremo


Tribunal Federal:
“Ementa: Constitucional. Tributário. ISS. Sociedades prestadoras de ser-
viços profissionais. Advocacia. DL 406/68, art. 9º, §§ 1º e 3º. CF, art. 151, III,
art. 150, II, art. 145, § 1º.
I - O art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL. 406/68, que cuidam da base de cálculo do ISS,
foram recebidos pela CF/88: CF/88, art. 146, III, a. Inocorrência de ofensa ao art.
151, III, art. 34, ADCT/88, art. 150, II e 145, § 1º, CF/88.
II - RE não conhecido.” (RTJ 170/1.001)
Destaco do voto que proferi:
“(...)
Sustenta-se, no RE, que os §§ 1º e 3º, do art. 9º do DL 406/68, não foram
recebidos pela CF/88: a redução da base de cálculo prevista nos citados §§ 1º e 3º
do art. 9º do DL 406/68 configura uma isenção parcial, o que é vedado pelo art.
151, III, da CF/88, pelo que incide a regra do art. 34, § 5º, do ADCT. Ademais, o
regime de tributação fixa anual, que privilegia alguns contribuintes, contraria o
art. 150, II, da CF/88. Ademais, só a base de cálculo instituída no caput do art. 9º do
DL 406/68, a do preço do serviço, é que atende a recomendação do art. 145, § 1º, da
CF/88.
Examinemos a questão.
Indaga-se: os §§ 1º e 3º do DL 406/68 teriam sido recebidos pela CF/88?
Noutras palavras, os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68, segundo o recorrente,
configurariam uma isenção. Por isso, tendo em vista o disposto no art. 151, III, da
CF/88, que veda à União instituir isenções de tributos da competência dos Esta-
dos, do Distrito Federal ou dos Municípios, os citados dispositivos, §§ 1º e 3º do
art. 9º do DL 406/68 não foram recebidos pela CF/88.
Dispõem o art. 9º e os seus §§ 1º e 3º, do DL 406/68:
‘Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho
pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de
alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros
fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de
remuneração do próprio trabalho.
§ 3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89,
90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão
sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissio-
nal habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da
sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei
aplicável.’ (Redação dada pela Lei Complementar 56, de 15-12-87)
A Lista de Serviços (redação da Lei Complementar 56, de 1987) inclui, no
item 88, os serviços prestados por advogados.
822 R.T.J. — 198

Abrindo o debate, deixo expresso o meu entendimento no sentido de que as


disposições inscritas nos §§ 1º e 3º do DL 406/68 não configuram isenção. O art. 9º
e seus §§ dispõem a respeito da base de cálculo do ISS, certo que, na forma do
estabelecido na Constituição Federal, art. 146, III, a, cabe à lei complementar
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre
definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo
e contribuintes.
Ora, o DL 406/68 foi recebido como lei complementar, a lei complementar
do ICMS e do ISS. Isso é inquestionável. No RE 149.922/SP, Relator o Ministro
Ilmar Galvão, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que, ‘se a
base de cálculo em referência (examinava-se a base de cálculo do ICMS) já se
achava disciplinada pelo art. 2º, § 8º, do Decreto-Lei n. 406/68, recepcionado pela
nova carta com o caráter de lei complementar, até então exibido (art. 34, § 5º, do
ADCT), não havia lugar para a nova definição que lhe deu o Convênio ICM 66/88
(art. 11), verificando-se, no ponto indicado, ultrapassagem do linde cravado pela
norma transitória e conseqüente invasão do princípio constitucional da legalidade
tributária.’ (Plenário, 23-2-94, RTJ 152/966). Cabendo à lei complementar definir
a base de cálculo dos impostos discriminados na Constituição, (CF/88, art. 146, III,
a), certo que o DL 406/68 foi recebido como lei complementar, correto afirmar-se
que o art. 9º e seus §§, que cuidam da base de cálculo do ISS, foram, também,
recebidos pela Constituição vigente.
Não configurando os citados dispositivos legais, §§ 1º e 3º do DL 406/68,
isenção, não há falar em ofensa ao art. 151, III, da CF/88. Aqui, na verdade, incide
a regra do § 5º do art. 34 do ADCT, porque tem-se a aplicação da legislação anterior
à CF/88, porque essa legislação não é incompatível com o sistema tributário
nacional da CF/88. Ao contrário, os dispositivos legais citados, o art. 9º e seus
parágrafos, seguem a regra do art. 146, III, a, da CF/88.
(...).”
Não tem aplicação no caso, portanto, a Lei 2.277/94 do Município do Rio de
Janeiro, que fez incidir o ISS sobre serviço não definido na Lei Complementar 56, de
1987.
Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento.

EXTRATO DA ATA
RE 361.829/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrentes: Ação S.A.
Corretora de Valores e Câmbio e outro (Advogados: Eduardo Ferrão e outro). Recorrido:
Município do Rio de Janeiro (Advogada: Jaqueline Ripper Nogueira do Vale Cuntin
Perez).
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento ao recurso
extraordinário, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo recorrente, o Dr. Sacha
Calmon. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.
R.T.J. — 198 823

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 387.945 — AC

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Solange Lins Ribeiro de Matos — Recorrido: Marinho da Costa Gallo
Advogado: imunidade judiciária (CF, art. 133): não-compreensão
de atos relacionados a questões pessoais.
A imunidade do advogado — além de condicionada aos “limites da
lei”, o que, obviamente, não dispensa o respeito ao núcleo essencial da
garantia da libertas conviciandi — não alcança as relações do profissio-
nal com o seu próprio cliente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE, a, contra acórdão que tem a seguinte
ementa:
“Carta ofensiva relativa à cobrança de honorários advocatícios — Confi-
guração de dano moral — Imunidade advocatícia afastada — Quantun
indenizatório excedente ao caso concreto — Sentença confirmada pelos pró-
prios fundamentos.
1. O prejuízo de ordem moral é lesão de caráter subjetivo que dispensa
comprovação, uma vez que expressões injuriosas atingem a honra, a dignidade e o
decoro do homem de bem, presumindo-se o dano a partir das circunstâncias do
fato, independente de sua repercussão social ou do conhecimento de terceiros.
2. A imunidade advocatícia prevista no artigo 133 da CF e do artigo 1º do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil não é absoluta, aplicando-se exclusi-
vamente aos atos processuais e não às atitudes tomadas pelo profissional do
Direito para solucionar questões pessoais.
824 R.T.J. — 198

3. O valor da indenização por danos morais deve inibir o ofensor, para que
não volte a causar danos semelhantes, trazendo sensação de conforto ao ofendido,
sem lhe proporcionar enriquecimento sem causa.
4. Recurso conhecido e improvido.”
Alega-se violação do art. 133 da Constituição.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O acórdão recorrido, ao excluir o ato
praticado da imunidade no exercício da profissão, não violou a disposição constitucio-
nal invocada: a imunidade do advogado — além de condicionada aos “limites da lei”, o
que, obviamente, não dispensa o respeito ao núcleo essencial da garantia da libertas
conviciandi — não alcança as relações do profissional com o seu próprio cliente.
Nego provimento ao recurso: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 387.945/AC — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Solange
Lins Ribeiro de Matos (Advogada: Maria do Socorro Maia Oliveira). Recorrido: Mari-
nho da Costa Gallo (Advogado: Florindo Silvestre Poersch).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso extraordinário. Unânime. Não
participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 394.677 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Agravante: Luiz Mário Marques Couto — Agravada: Fundação Universidade de
Brasília – FUB
1. Servidor público: cômputo de tempo de serviço exercido sob o
regime celetista, antes da conversão para o regime estatutário, para fins
de incorporação da gratificação de que trata o art. 62 da Lei 8.112/90
(quintos): controvérsia decidida pelo Tribunal a quo com fundamento no
art. 7º, II, da Lei 8.162/91, cuja constitucionalidade não é questionada
pelo recorrente: inviabilidade do RE para reexame da interpretação
R.T.J. — 198 825

dada à legislação infraconstitucional. Não-aplicação ao caso da decla-


ração de inconstitucionalidade dos incisos I e III do art. 7º da Lei 8.162/91
(v.g. RREE 221.946, Sydney Sanches, Pleno, DJ de 26-2-1999, e 225.759,
Moreira Alves, Pleno, DJ de 19-3-1999).
2. Irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV): a garantia da
irredutibilidade de vencimentos “é modalidade qualificada da proteção
ao direito adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a
licitude da aquisição do direito a determinada remuneração” (RREE
298.694 e 298.695, Pertence, Pleno, DJ de 23-4-2004 e 24-10-2003, res-
pectivamente): logo, afirmada, no caso, a ilegalidade da incorporação,
válido o ato administrativo que a excluiu da remuneração do recorrente
(Súmula 473).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agravo regimental contra decisão pela qual
neguei seguimento a recurso extraordinário interposto por servidor público que
pretende a incorporação de gratificação prevista no Estatuto dos Servidores Públicos
Federais utilizando-se de período em que era regido pela Consolidação das Leis do
Trabalho.
Insiste o agravante na violação dos dispositivos constitucionais apontados nas
razões do RE.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o agravante.
Reafirmo os fundamentos da decisão agravada, verbis:
“RE, a, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1a
Região, assim ementado (fl. 201):
‘Administrativo — Servidor público celetiário — Mudança para o
regime estatutário por determinação da Lei n. 8.112/90 — Gratificação
de direção, chefia ou assessoramento — Direito adquirido inexistente —
Lei n. 8.162/91 — Tempo de serviço prestado ao Governo do Distrito
Federal.
826 R.T.J. — 198

1. Vetado pelo Presidente da República o art. 243 da Lei n. 8.112/90,


dispositivo que permitia, para gozo de vantagens nela estabelecidas, o
cômputo do tempo de serviço anterior sob o regime celetiário, a Lei n. 8.162/
91, ao autorizá-lo, proibiu, expressamente, sua contagem para incorporação
de gratificação de direção, chefia ou assessoramento, concessão de adicional
anual (anuênio) e Licença-Prêmio-Assiduidade, sem ofensa a direito adquiri-
do porque os servidores a ele submetidos somente foram contemplados com
tais vantagens após ingresso no Regime Jurídico Único.
2. As Leis n. 8.112/90 (art. 103) e 8.911/94 (art. 10) vedam, expressa-
mente, a contagem do tempo de serviço prestado no âmbito do Governo do
Distrito Federal para incorporação da gratificação mencionada, permitindo-
a, apenas, para aposentadoria e disponibilidade, uma vez que não se trata de
tempo de serviço prestado no âmbito da União Federal sob a égide da Lei n.
8.112/90.
3. Recurso de Apelação denegado.
4. Sentença confirmada.’
Lê-se no voto (fl. 197):
‘Observa-se, também, pela análise das razões dos Apelantes, que eles
alegam direito adquirido às aludidas vantagens funcionais em face da Lei n.
8.162/91, que, portanto, não lhes seria aplicável. Todavia, como eram regidos
pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, conseqüentemente, embo-
ra possuíssem tempo de serviço federal antes da sua inclusão no regime da Lei
n. 8.112/90, não eram beneficiários de gratificação de direção, chefia ou
assessoramento, que era vantagem deferida somente a servidor estatutário,
regido pela Lei n. 1.711/52.
Diante disso, não há como os Apelantes pretenderem cômputo do
serviço prestado sob regime celetiário para obtenção de benefício estatutá-
rio, o que torna incabível a alegação de direito adquirido porque o direito
a tal vantagem passou a existir a partir de 11-12-90, data em que passaram
a ser regidos pela Lei n. 8.112/90. Por conseguinte, como esta entrou em
vigor na data de sua publicação (art. 252) e a incorporação de gratificação
depende do implemento de fator temporal, evidentemente, o tempo de
serviço público federal será contado para todos os efeitos apenas a partir
da sua vigência, mesmo porque, o inverso implicaria dar-lhe efeito retroa-
tivo, contrariando o princípio da irretroatividade das leis inserto na Cons-
tituição Federal.
(...) Desse modo, para que o tempo de serviço anterior do celetiários
incluídos no regime da Lei n. 8.112/90 pudesse ser computado para gozo dos
benefícios nela estabelecidos, surgiu a Lei n. 8.162/91, que lhes assegurou a
contagem, porém, limitada, com exclusão de efeitos em relação à incorpora-
ção da gratificação de direção, chefia ou assessoramento, como, aliás, pode-
ria fazê-lo, sem que seja lícito alegar retrotração ou ofensa a direito adquiri-
do, porque a norma estatutária dispusera unicamente para o futuro.’
R.T.J. — 198 827

Alega-se violação dos artigos 5º, XXXVI, e 37, XV, da Constituição Federal.
Certo, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos
incisos I e III do artigo 7º da Lei 8.162/91 (v.g. RREE 221.946, Sydney Sanches,
Pleno, DJ de 26-2-1999; e 225.759, Moreira Alves, Pleno, DJ de 19-3-1999).
No entanto, o Tribunal a quo fundamentou seu entendimento no art. 7º, II, da
Lei 8.162/91 — cuja constitucionalidade não foi questionada pelo recorrente —,
que impede a contagem de tempo exercido sob o regime celetista, antes da
conversão para o regime estatutário, para fins de incorporação da gratificação de
que trata o art. 62 da Lei 8.112/90 — norma que regula os incorporação dos
“quintos”.
Ademais, não há direito adquirido a ser invocado.
O requerente era celetista e, nos termos do acórdão recorrido, os celetistas
não tinham direito à incorporação da gratificação pleiteada, uma vez que não
tinham direito à própria gratificação.
Somente a partir da sua conversão em servidor estatutário e do exercício
efetivo da gratificação é que se passou a ser contado o tempo para a aquisição da
incorporação, ou seja, o direito que se pretende adquirido sequer existia.
Ultrapassar esses parâmetros seria interpretar a legislação infraconstitucional,
o que é inadmissível na via do recurso extraordinário.
Quanto à violação do artigo 37, XV, da Constituição Federal, a garantia da
irredutibilidade de vencimentos ‘é modalidade qualificada da proteção ao direito
adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do
direito a determinada remuneração’ (RREE 298.694 e 298.695, Sepúlveda Perten-
ce, Pleno, DJ de 23-4-2004 e 24-10-2003, respectivamente).
O Tribunal a quo concluiu que era ilegal a incorporação, portanto, válido o
ato administrativo que a excluiu da remuneração do recorrente (Súmula 473).”
Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 394.677-AgR/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Luiz
Mário Marques Couto (Advogados: Oscar Luís de Morais e outro). Agravada: Fundação
Universidade de Brasília – FUB (Advogados: Miguel Joaquim Bezerra e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
828 R.T.J. — 198

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 429.476 — BA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravantes: Inês Dias Malheiros e outro —Agravada: Caixa Econômica Federal –
CEF
Agravo regimental. Decisão singular que negou seguimento a recur-
so extraordinário ante a ausência de prequestionamento dos dispositivos
constitucionais tidos por violados. Alegada oposição de embargos de
declaratórios que teria suprido a ausência do requisito.
Os embargos de declaração apenas suprem a falta de prequestiona-
mento quando a decisão embargada tenha sido efetivamente omissa a
respeito de questão antes suscitada. Neste sentido, entre outros, o AI
502.659-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
Caso em que o agravante suscitou originariamente, nos embargos
de declaração, a alegada ofensa ao texto constitucional.
Patente a falta de prequestionamento.
Agravo regimental ao qual se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental contra decisão
singular assim redigida:
“Recurso extraordinário, com fundamento na letra a do dispositivo constitu-
cional pertinente, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Alegam os recorrentes que o não-acolhimento dos embargos declaratórios
apresentados perante a Corte de origem configurou negativa de prestação
jurisdicional. Nesse diapasão, aduzem que foram violados os arts. 5º, incisos
XXXV, LIV e LV, e 93, inciso IX, ambos da Carta de Outubro. Pleiteiam que seja
declarada deserta a apelação interposta pela Caixa Econômica Federal – CEF,
haja vista a inexistência de preparo. No ponto, requerem a declaração de
inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 1.984/2000. Finalmente, pugnam
pela condenação da mencionada empresa pública ao pagamento de honorários
advocatícios.
R.T.J. — 198 829

O recurso não merece acolhida.


Com efeito, verifica-se que a jurisdição foi prestada de forma completa
e fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses dos ora recor-
rentes, o que não caracteriza cerceamento de defesa ou negativa de prestação
jurisdicional.
De mais a mais, as questões alusivas à Medida Provisória n. 1.984/2000 e à
condenação ao pagamento de honorários advocatícios carecem do indispensável
prequestionamento. É que, embora tenham sido suscitadas nos embargos de decla-
ração, não foram aventadas nas contra-razões à apelação da CEF, de modo a
provocar a necessária a manifestação do Tribunal a quo sobre referidas matérias.
Nesse sentido, destaco a seguinte passagem do voto condutor do RE 414.504-
EDcl, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:
‘(...) A questão referente à violação do dispositivo constitucional aponta-
do no recurso extraordinário não foi enfrentada pelo Tribunal a quo (Súmula
282). Portanto, não se considera suprida a exigência do prequestionamento,
quando a matéria constitucional não fora aventada no recurso cujo acórdão foi
objeto do extraordinário (...)’
Assim, em frente ao art. 557, caput, do CPC e ao art. 21, § 1º, do RI/STF, nego
seguimento ao recurso.”
2. Pois bem, afirma a parte agravante que as Medidas Provisórias n. 2.164-41 e
2.180-35 foram aplicadas, pela primeira vez, pelo acórdão do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região. Afirma mais: que a inconstitucionalidade deveria ter sido conhecida de
ofício pela Corte de origem. Por essas razões, defende que era desnecessária a menção
aos temas em sede de contra-razões à apelação. Nesse diapasão, sustenta que o requisito
do prequestionamento foi satisfeito.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o feito à apreciação da Turma.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tenho que o presente recurso não merece
acolhida. Isso porque a Caixa Econômica Federal, em sede de apelação, sustentou a
aplicação, ao caso dos autos, das Medidas Provisórias n. 2.164-41 e 2.180-35. Os ora
agravantes, em suas contra-razões (fls. 111-116), nada alegaram no que diz respeito à
incompatibilidade destes instrumentos normativos com a Carta de Outubro. Somente o
fizeram nos embargos de declaração. Embargos que foram rejeitados pela Corte de
origem, ante a ausência de obscuridade, contradição ou omissão.
7. Ora, nos termos da pacífica jurisprudência desta colenda Corte, os embargos
declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a decisão embargada
tenha sido efetivamente omissa a respeito de questão antes suscitada. Nesse sentido,
entre outros, o AI 502.659-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
8. Patente, dessa forma, a falta de prequestionamento dos temas constitucionais
veiculados no apelo extremo.
830 R.T.J. — 198

9. À derradeira, anoto que a jurisdição foi prestada de modo completo e


fundamentado, embora em sentido contrário aos interesses dos agravantes. Não há falar,
portanto, em negativa de prestação jurisdicional.
Por todo o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
RE 429.476-AgR/BA — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravantes: Inês Dias
Malheiros e outro (Advogados: Beatriz Veríssimo de Sena e outro). Agravada: Caixa
Econômica Federal – CEF (Advogados: Carlos Henrique B. Castello Chiossi e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 433.305 — PB

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Recorrido: Edmilson
Benigno de Almeida
1. O servidor público tem direito à emissão pelo INSS de certidão de
tempo de serviço prestado como celetista sob condições de insalubridade,
periculosidade e penosidade, com os acréscimos previstos na legislação
previdenciária.
2. A autarquia não tem legitimidade para opor resistência à emissão
da certidão com fundamento na alegada impossibilidade de sua utiliza-
ção para a aposentadoria estatutária; requerida esta, apenas a entidade à
qual incumba deferi-la é que poderia se opor à sua concessão.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.
R.T.J. — 198 831

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE, a, contra acórdão do Tribunal Regional
Federal da 5a Região, assim ementado (fl. 89):
“Administrativo. Servidor público. Certidão de tempo de serviço presta-
do como celetista em condições insalubres, perigosas e penosas. Possibilidade
de conversão. Direito adquirido. Desnecessidade de Lei Complementar. Prece-
dentes jurisprudenciais.
— O servidor público tem direito à certidão, expedida pelo INSS, do tempo
de serviço prestado como celetista sob condições de insalubridade, periculosidade
e penosidade, com os acréscimos previstos na legislação previdenciária.
— A exigência de Lei Complementar prevista no art. 40, § 4º da Constituição
Federal refere-se à definição de atividades exercidas em condições especiais e
prestadas sob o regime jurídico estatutário.
Apelação e Remessa oficial improvidas.”
Alega o RE violação dos arts. 5º, XXXVI; 40, § 1º (red. original); e 202, § 2º (red.
original), da Constituição Federal.
Sustenta que (fl. 111):
“(...) admitiram os ilustres julgadores a soma do tempo de serviço prestado
em condições especiais sob regime celetista — com a utilização do fator de
conversão — para fins de aposentadoria no serviço público em contrariedade ao
dispositivo constitucional retrotranscrito.
Com efeito, olvidaram-se os ilustres julgadores que o art. 40, § 1º da Carta
Magna — em sua redação original — proíbe a adoção de critérios diferenciados
para fins de aposentadoria no serviço público.
O mencionado dispositivo ressalva, apenas, os casos de atividade exercidas
em condições especiais, assim entendidas aquelas consideradas penosas, insalu-
bres ou perigosas. Entretanto, nessa hipótese, condicionando tal exceção à edição
de Lei complementar.
Trata-se de um permissivo constitucional de eficácia limitada, dependendo de
normatização ulterior. Em não tendo sido editada a referida norma, a expedição de
certidão de tempo de serviço com o acréscimo pleiteado pelos Recorridos representa
uma afronta ao dispositivo em tela. Com efeito, a contagem ponderada (acrescida) do
tempo de serviço prestado sob o Regime da CLT para fins de aposentadoria no
serviço público implicaria utilização de critério diferenciado, o que não pode ser
deferido até a edição da lei complementar referida na norma constitucional.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O mandado de segurança foi
impetrado para que fosse assegurado o “fornecimento da respectiva certidão, do
832 R.T.J. — 198

tempo de serviço prestado em condições especiais x comum, bem como a averbação


do referido tempo de serviço, e conseqüentemente em data futura, a concessão, de sua
aposentadoria estatutária de que trata a alínea a, do inciso III, do artigo 186, da Lei n.
8.112/90" (fl. 19).
O acórdão recorrido, atento ao fato de o INSS ser o órgão administrador apenas do
Regime Geral de Previdência Social, deferiu a ordem para que fosse expedida a certidão
apenas com relação ao “tempo de serviço prestado como celetista sob condições de
insalubridade, periculosidade e penosidade, com os acréscimos previstos na legisla-
ção previdenciária”.
Certo, a intenção do recorrido é utilizar a certidão a ser emitida pelo INSS para
futuro requerimento de aposentadoria sob o regime estatutário.
O INSS, entretanto, não tem legitimidade para opor resistência à emissão da
certidão com fundamento na alegada impossibilidade de sua utilização para a
aposentadoria estatutária; requerida esta, apenas a entidade à qual incumba deferi-la é
que poderia se opor à sua concessão.
Nego provimento ao recurso extraordinário: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 433.305/PB — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS (Advogada: Juliana de Morais Guerra). Recorrido:
Edmilson Benigno de Almeida (Advogado: Giovani Matias da Silva).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso extraordinário. Unânime. Não
participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro
Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias
Netto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 451.988 — RS

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Agravante: Centro Médico de Emergência de Porto Alegre Ltda. — Agravada:
União
Contribuição social (CF, art. 195, I): legitimidade da revogação
pela Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão
regulamentada pela Lei Complementar 70/91, dado que essa lei, for-
malmente complementar, é, com relação aos dispositivos concernentes
R.T.J. — 198 833

à contribuição social por ela instituída, materialmente ordinária; au-


sência de violação ao princípio da hierarquia das leis, cujo respeito
exige seja observado o âmbito material reservado às espécies normativas
previstas na Constituição Federal. Precedente: ADC 1, Moreira Alves,
RTJ 156/721.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor da decisão ora agravada:
“RE, a, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4a Região que
julgou legítima a revogação pela Lei 9.430/96 da isenção concedida às socieda-
des civis de profissão regulamentada pela Lei Complementar 70/91, uma vez
que esta, formalmente complementar, é, materialmente, lei ordinária no tocante à
criação e disciplina da contribuição social prevista no art. 195, I, da Constitui-
ção.
Alega o RE violação ao princípio da hierarquia das leis (art. 59 da Constitui-
ção Federal).
Não tem razão o recorrente.
No julgamento da ADC 1, RTJ 156/721, o em. Relator, Ministro Moreira
Alves, ressaltou em seu voto:
‘Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o
faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do
artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei
Complementar n. 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garan-
tir a manutenção ou a expansão da seguridade social.
Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordiná-
ria. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complemen-
tar — a Lei Complementar n. 70/91 — não lhe dá, evidentemente, a natureza
de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo
195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos
concernentes à contribuição social por ela instituída — que são o objeto
desta ação —, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de
matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A
834 R.T.J. — 198

jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional n. 1/69 —


e a Constituição atual não alterou esse sistema —, se firmou no sentido de
que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a
Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria,
disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei
complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modali-
dade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de
lei ordinária.’
Desse modo, não há falar em violação ao princípio da hierarquia das leis,
cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado às espécies
normativas previstas na Constituição Federal.
Ressalto que o caso é diverso do que se discute na Rcl 2.475-AgR — efeito
vinculante aos fundamentos de decisão proferida em ação de controle concentrado
para o cabimento de Reclamação no STF.
Nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, Código de
Processo Civil).”
Insiste o agravante na alegação de violação dos dispositivos constitucionais
apontados no recurso extraordinário.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o agravante.
Reitero os fundamentos da decisão agravada, fundada em manifestação plenária
deste Tribunal sobre a matéria (ADC 1, Moreira Alves, RTJ 156/721).
Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 451.988-AgR/RS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Centro
Médico de Emergência de Porto Alegre Ltda. (Advogados: Paulo Roberto Gomes Leitão
e outro). Agravada: União (Advogada: PFN – Dolizete Fátima Michelin).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 198 835

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 461.451 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Agravante: Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart-hotéis, Motéis, Flats,
Pensões, Hospedarias, Pousadas, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares,
Lanchonetes, Sorveterias, Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-foods e Assemelhados de
São Paulo e Região — Agravada: Lanchonete Lisboa Ltda.
Agravo regimental no recurso extraordinário. Contribuição
confederativa. Compulsoriedade. Inexistência.
1. A contribuição confederativa instituída pela assembléia-geral
somente é devida por aqueles filiados ao sindicato da categoria. É
inconstitucional a exigência da referida contribuição de quem a ele não é
filiado.
2. Contribuição assistencial estipulada em convenção coletiva. Su-
jeição do desconto em folha à autorização ou à não-oposição do trabalha-
dor. Precedente.
Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 28 de março de 2006 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Os recorrentes insurgem-se contra decisão que proferi,
negando seguimento ao extraordinário. Afirmei que, consoante jurisprudência deste
Tribunal, é inconstitucional a exigência da contribuição confederativa de quem não é
filiado ao sindicato da categoria.
2. Os agravantes sustentam a insubsistência dessa decisão sob o argumento de
que a Constituição conferiu às assembléias sindicais o direito de fixar a referida
contribuição; não distinguiu entre entidades integrantes da categoria do respectivo
sindicato. Argumentam que no sistema legal brasileiro os sindicatos são constitucio-
nais (CB, art. 8º, III), com poderes, que sempre tiveram de impor contribuições a toda
a categoria.
3. Ressaltam que a contribuição deliberada pela assembléia sindical, objeto do
processo, é corolário da garantia do sindicalismo no sistema de liberdade sindical.
Afirmam, ainda, que o artigo 8º, IV, da Constituição do Brasil dispõe a respeito da
competência das assembléias dos sindicatos para fixar e cobrar a contribuição destinada
ao custeio do sistema confederativo sindical.
836 R.T.J. — 198

4. Acrescentam que os sindicatos desenvolvem atividade comum de defesa dos


interesses da categoria como um todo, e não, apenas, dos associados. Por isso foi
estabelecida em assembléia a cobrança de contribuição sindical-assistencial e a
confederativa. Destacam a final, julgado da Segunda Turma deste Tribunal — RE n.
189.960, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 10-8-01 — no qual fixou-se ser
devida por todos os integrantes da categoria profissional a contribuição sindical previs-
ta no artigo 513 da CLT, contribuição que não se confunde com a versada na primeira
parte do inciso IV do artigo 8º da Constituição.
Requerem seja conhecido e provido o agravo regimental, a fim de que o extraordi-
nário tenha regular processamento.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A controvérsia a respeito da contribuição
federativa já foi dirimida por este Tribunal por ocasião do julgamento do RE n. 198.092,
Relator o Ministro Carlos Velloso, acórdão publicado no DJ de 11-10-96. A decisão está
assim ementada:
“Ementa: Constitucional. Sindicato. Contribuição instituída pela Assem-
bléia-Geral: caráter não tributário. Não-compulsoriedade. Empregados não
sindicalizados: impossibilidade do desconto. CF, art. 8º, IV.
I - A contribuição confederativa, instituída pela assembléia-geral — CF, art.
8º, IV —, distingue-se da contribuição sindical, instituída por lei, com caráter
tributário — CF, arts. 149 — assim compulsória. A primeira é compulsória apenas
para os filiados do sindicato.
II - RE não conhecido.”
2. Os agravantes dão relevo ao RE n. 189.960, Relator o Ministro Marco Aurélio.
Esse julgado, no entanto, não destoa da jurisprudência do Plenário, uma vez que
destaca a exigibilidade da contribuição prevista em convenção coletiva (CLT, artigo
513) — a contribuição sindical — de todos os integrantes da categoria profissional,
enquanto a contribuição confederativa (CB/88, artigo 8º, IV) é devida somente pelos
filiados.
3. Nestes autos, no entanto, não há controvérsia sobre a constitucionalidade ou
não da instituição das referidas contribuições. O que se tem é a exigência do desconto da
contribuição em folha de pagamento dos empregados, como estabelecido na convenção
coletiva. A concretização do direito sindical, mediante desconto da contribuição em
folha de pagamento, não dispensa a concordância ou não-oposição do trabalhador a esse
procedimento. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo: “contribuição assistencial
estipulada em convenção coletiva sujeição do desconto em folha à autorização ou à
não-oposição do trabalhador, que não ofende à Constituição” (RE n. 220.120, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 22-5-98).
Nego provimento ao agravo regimental.
R.T.J. — 198 837

EXTRATO DA ATA
RE 461.451-AgR/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Sindicato dos
Trabalhadores em Hotéis, Apart-hotéis, Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousa-
das, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias,
Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-foods e Assemelhados de São Paulo e Região
(Advogados: Rita de Cássia Barbosa Lopes e outro). Agravada: Lanchonete Lisboa
Ltda.
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os
Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de
Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 473.381 — AP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Estado do Amapá — Agravada: Helina Peres Barbosa Nunes
Constitucional. Administrativo. Acidente de trânsito. Agente e víti-
ma: servidores públicos. Responsabilidade objetiva do Estado: CF, art. 37,
§ 6º.
I - O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que
descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo “terceiro”
contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado
responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a
vítima, servidor público ou não. Precedente.
II - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.
838 R.T.J. — 198

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental interposto da decisão
(fl. 60) que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto da decisão
denegatória do processamento do recurso extraordinário. O acórdão recorrido, adotando
a Teoria do Risco Administrativo prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal,
manteve a sentença que julgou procedente o pedido de indenização formulado pela
agravada.
No recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, sustenta-se
ofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta.
A decisão agravada negou seguimento ao recurso com base na Súmula 279 do STF
e em precedentes da Corte.
Sustenta o agravante, em síntese, a insubsistência da decisão impugnada, porquan-
to “o art. 37, § 6º, da Carta Política foi vulnerado pela concessão de indenização à
agente público, servidor do Estado recorrente, como se fosse terceiro, quando a regra
aplicável ao caso seria a do art. 7º, XXVIII, da mesma Carta, em que necessário a
demonstração de dolo ou culpa do empregador. Ausente qualquer prova no sentido de
culpa do Estado recorrente, nos autos, é evidente o desacerto da decisão atacada e, por
conseguinte, configurada a ofensa ao artigo 37, § 6º, da CF, tido como fundamento
legal do decisório, porém, inaplicável ao caso” (fl. 64).
Nesse contexto, requer o agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso
assim não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O agravo regimental não merece prospe-
rar. Está no acórdão recorrido:
“(...)
Ademais, entendo que a regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal não
determina expressamente que o sujeito passivo do dano deva ser exclusivamente o
particular que não seja funcionário público, mas ao contrário, dispõe que o Estado
sempre responde pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a
vítima, salvo se esta concorrer para a ocorrência do dano, situação que não se
questiona nestes autos.
(...).” (Fl. 39)
O Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante, RE 176.564/SP, Relator o Minis-
tro Marco Aurélio, examinando o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, entendeu que
descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo “terceiro” contido no referido
dispositivo. Ademais, como bem esclareceu o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do
referido RE 176.564/SP, enfoque diverso, excluindo da responsabilidade do Estado os
danos causados aos próprios agentes públicos, acabaria por esvaziar o preceito do § 6º do
art. 37 da Constituição Federal, estabelecendo distinção nele não contemplada.
R.T.J. — 198 839

Assim, do exame da fundamentação do acórdão recorrido, acima transcrita, verifi-


ca-se que o tribunal a quo deu correta aplicação à norma contida no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, não se afastando do entendimento desta Corte Suprema.
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
AI 473.381-AgR/AP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Estado do
Amapá (Advogado: PGE/AP – Marcos J. Reátegui de Souza). Agravada: Helina Peres
Barbosa Nunes (Advogado: Rogério Monteles da Costa).
Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente, nes-
te julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen
Gracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha
Campos.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 510.503 — PE

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Estado de Pernambuco — Agravados: Renato Garcia de Medeiros e
outro
Policial militar. Exclusão dos quadros da corporação. Inobservância
das garantias do contraditório e da ampla defesa. Impossibilidade.
A exclusão de policial militar, mesmo que não estável, não prescin-
de da instauração de procedimento administrativo em que lhe sejam
assegurados o contraditório e a ampla defesa. Precedentes: REs 191.480,
241.889, 224.225 e 346.803.
Agravo desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
840 R.T.J. — 198

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: É do seguinte teor a decisão agravada (fl. 54):
“O presente agravo de instrumento não merece acolhida, haja vista não
divergir o acórdão recorrido da jurisprudência desta colenda Corte no sentido de
que a exclusão de policial militar dos quadros da corporação não prescinde da
observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Confiram-se, a
propósito, os REs 191.480, 241.889, 224.225 e 346.803.
Incide, ademais, no caso, o óbice das Súmulas 279, 282 e 356 do STF.
Assim, frente ao art. 557 do CPC e ao § 1º art. 21 do RI/STF, nego seguimento
ao recurso.”
2. Pois bem, o agravante interpõe agravo regimental reiterando as razões expendidas
no apelo extremo. Aduz não ser o caso de incidência da Súmula 279 desta colenda Corte.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o presente recurso à apreciação
da Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Tenho que o agravo não merece acolhida.
6. No presente caso, o aresto impugnado restou assim ementado, in verbis (fl. 12):
“Processual civil e constitucional — Apelação cível — Ação ordinária —
A não-observância do princípio constitucional do direito de defesa e do devido
processo legal impossibilita a exclusão sumária de servidores dos quadros da
Polícia Militar do Estado de Pernambuco — Por maioria de votos, negou-se
provimento ao duplo grau obrigatório de jurisdição. Não se coaduna com as
disposições constitucionais a não realização de um processo administrativo ou, no
mínimo, uma sindicância, onde se proporcione amplo direito de defesa, para que
servidores castrenses possam ser excluídos das fileiras policiais. Negado, por
maioria de votos, provimento ao duplo grau obrigatório de jurisdição para manter-
se a sentença recorrida.”
7. Muito bem. É de ser ver que o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Pernambuco não destoa da pacífica jurisprudência desta colenda Corte no
sentido de que a exclusão de policial militar — mesmo não estável — dos quadros da
corporação não prescinde da observância das garantias constitucionais do contraditório
e da ampla defesa. É o que se depreende dos seguintes julgados:
“Policial Militar sem estabilidade. Licenciamento ex officio das fileiras da
Polícia Militar. — Esta Corte já firmou o entendimento de que, ainda quando a
exclusão é de policial militar sem estabilidade, pode ela resultar, se não há a
imposição de pena criminal, de procedimento administrativo sem os rigores formais
do processo administrativo assegurado aos estáveis, desde que assegurado a ele o
contraditório e a ampla defesa. — No caso, como salienta o acórdão recorrido, não foi
observado o contraditório e a ampla defesa. Recurso extraordinário não conhecido.”
(RE 224.225, Relator o Min. Moreira Alves)
R.T.J. — 198 841

“Agravo regimental em recurso extraordinário. Policial militar. Licen-


ciamento ex-officio, sem que fosse instaurado o procedimento administrativo
disciplinar. Inobservância ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 1.
A Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou adminis-
trativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a eles inerentes. 2. Alegação de que o policial militar está vinculado a
regulamento próprio, que permite a aplicação da penalidade de licenciamento ex-
officio, e, por isso, inaplicáveis as Súmulas 20 e 21, desta Corte. Argumentação
insubsistente. O preceito constitucional inserto no art. 5º, LV, não fez qualquer
distinção entre civis e militares. Ao contrário, aos litigantes em geral assegurou o
contraditório e a ampla defesa, em processo judicial ou administrativo. Agravo
regimental não provido.”
(RE 206.775-AgR, Relator o Min. Maurício Corrêa)
8. Ainda no mesmo sentido, confiram-se os REs 191.480, 241.889 e 346.803.
9. No tocante à alegação de que fora instaurado procedimento administrativo
garantidor do devido processo legal, assim se pronunciou a egrégia Corte de origem
(fl. 13):
“Ao contestar a demanda o Estado do Pernambuco não nega o fato, limitan-
do-se nesse aspecto a afirmar que as decisões administrativas encontram-se restri-
tas aos limites do Poder disciplinar a PMPE, fundamento essencial de sua ordem
jurídica interna. Enfim, confessa que realmente não foi dado oportunidade aos
recorridos para exercerem o direito de defesa.” (Sic)
10. De se ver, portanto, que entendimento divergente do adotado pelo aresto
impugnado, no ponto, demandaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos,
providência impossível na instância extraordinária.
11. Com essas considerações, voto pelo desprovimento do presente agravo regi-
mental.

EXTRATO DA ATA
AI 510.503-AgR/PE — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Estado de
Pernambuco (Advogado: PGE/PE – Sérgio Augusto Santana Silva). Agravados: Renato
Garcia de Medeiros e outro (Advogado: Rodolfo Domingos de Souza).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instru-
mento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
842 R.T.J. — 198

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 527.561 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Agravados: Antonio
dos Santos Rodrigues e outro
Acórdão proferido por Turma Recursal dos Juizados Especiais Fede-
rais, que negou seguimento a recurso desacompanhado das razões
recursais. Controvérsia dirimida exclusivamente à luz da legislação
infraconstitucional pertinente.
Caso em que ofensa à Carta da República, se existente, dar-se-ia de
forma reflexa ou indireta, não ensejando a abertura da via extraordinária.
Agravo desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento
ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão
que negou seguimento a agravo de instrumento, ao fundamento de que o acórdão
recorrido se restringiu a analisar matéria processual, bem como por não se configurar, no
caso, cerceamento de defesa.
2. Reitera o agravante as alegações de mérito, sustentando revestir-se a matéria de
caráter constitucional.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o presente recurso à apreciação
da Turma.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O inconformismo do agravante
não merece acolhida. É que a Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Rio
Grande do Sul negou seguimento ao recurso, em acórdão de cuja fundamentação se
colhe (fl. 54):
“(...)
A ausência da peça recursal nos autos torna prejudicada a análise dos pressupos-
tos de admissibilidade do recurso, tais como: cabimento; adequação; tempestividade;
regularidade procedimental dentre outros, impedimento que dele se conheça.
R.T.J. — 198 843

Ademais, o artigo 42, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, disciplina da


interposição da peça recursal, então vejamos:
‘Art. 42. O recurso será interposto no prazo de 10 (dez) dias, contandos
da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o
pedido do recorrente’. (Grifei)
Isto posto, nego seguimento ao recurso por falta de admissibilidade.”
6. Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados, em face da inexistência
de omissão no julgado.
7. Patente, assim, que o exame da controvérsia pelo Tribunal a quo se restringiu à
matéria eminentemente processual, que não enseja a abertura da via extraordinária.
8. Com efeito, para se cheg'ar a conclusão contrária à do aresto atacado far-se-ia
mister examinar previamente a questão à luz da legislação infraconstitucional.
9. Confiram-se, neste sentido, os AIs 533.385, Relator o Ministro Marco Aurélio;
534.223, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; e 534.367, Relator o Ministro Cezar
Peluso.
10. Registre-se, ainda, que a alegação de cerceamento de defesa não prospera, visto
que a jurisprudência desta colenda Corte se consolidou no sentido de que a referida
garantia se manifesta pelo conhecimento e julgamento da demanda, não se prestando
para apoiar irresignação quanto ao resultado que se lhe atribuiu.
11. Ante o exposto, meu voto é pelo desprovimento do agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
AI 527.561-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Instituto Nacio-
nal do Seguro Social – INSS (Advogados: Ana Lúcia de Fátima Bastos Estevão e outros).
Agravados: Antonio dos Santos Rodrigues e outro (Advogados: Marilinda da Concei-
ção Marques Fernandes e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instru-
mento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro
Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A
PrPn Ação penal. Trancamento. Atipicidade da conduta. Interceptação telefônica
não demonstrada. HC 84.388 RTJ 198/643
PrCv Ação principal: demora no julgamento e sobrestamento. (...) Arresto. AC
244-QO RTJ 198/421
Adm Acidente de trânsito. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-
AgR RTJ 198/837
PrPn Acórdão criminal. Nulidade inocorrente. “Mutatio libelli”: não-configu-
ração. CPP/41, art. 384: inaplicabilidade. RHC 85.623 RTJ 198/703
PrPn Acórdãos do STJ e do TJ: cassação. (...) Embargos infringentes. HC 81.263
RTJ 198/626
Ct ADCT da Constituição Federal/88, arts. 8º e 9º. (...) Competência legislativa.
ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 14, § 2º. (...) Bem público. ACO 640
RTJ 198/437
Pn Advogado. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945 RTJ 198/823
PrCv Afastamento. (...) Arresto. AC 244-QO RTJ 198/421
Ct Anistia. (...) Competência. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct Anistia constitucional. (...) Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ 198/536
PrPn Apelação criminal. Ministério Público: intimação pessoal. Entrada dos autos
em setor administrativo do MP: termo inicial. RHC 81.787 RTJ 198/632
IV Arq-Câm — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Arquivamento requerido pelo procurador-geral: atendimento facultativo.


(...) Inquérito policial. Pet 3.297 RTJ 198/579
PrCv Arresto. Afastamento. Ação principal: demora no julgamento e sobresta-
mento. Réu idoso e com doença grave. AC 244-QO RTJ 198/421
Ct Assembléia geral. (...) Contribuição confederativa. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
Ct Assembléia Legislativa. Tribunal de Contas estadual. Relatório trimestral e
anual: encaminhamento obrigatório. Constituição do Estado do Pará/89, art.
92, XXVII. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn Atipicidade da conduta. (...) Ação penal. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Atipicidade da conduta. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO.
HC 85.910 RTJ 198/707
PrPn Atipicidade do fato ou extinção da punibilidade. (...) Inquérito policial. Pet
3.297 RTJ 198/579
Adm Ato administrativo: validade. (...) Servidor público. RE 394.677-AgR RTJ
198/824
PrCv Ato de Turma Recursal de Juizado Especial. (...) Mandado de segurança.
MS 25.258-AgR RTJ 198/617
Pn Aumento de ofício: inadmissibilidade. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
Ct Autonomia municipal. (...) Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Adm Autorização. Televisão a cabo: distribuição de sinal. Natureza precária.
Juízo de conveniência e oportunidade. Direito subjetivo: inocorrência.
RMS 22.665 RTJ 198/584
TrGr Autorização ou não-oposição do trabalhador: necessidade. (...) Contribui-
ção assistencial. RE 461.451-AgR RTJ 198/835

B
Trbt Base de cálculo: redução. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Ct Bem público. União Federal. Utilização pelo Território de Roraima. Transfe-
rência para o Estado de Roraima. Lei Complementar n. 41/81, art. 15. ADCT
da Constituição Federal/88, art. 14, § 2º. ACO 640 RTJ 198/437

C
PrPn Cabimento. (...) Habeas corpus. HC 85.410 RTJ 198/694
PrPn Câmara Municipal. (...) Competência criminal. ADI 687 RTJ 198/452
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cel-Com V

PrSTF Celetista convertido em estatutário. (...) Recurso extraordinário. RE


394.677-AgR RTJ 198/824
Adm Celetista convertido em estatutário. (...) Servidor público. RE 394.677-AgR
RTJ 198/824
Adm Celetista sob condições de isalubridade, periculosidade e penosidade. (...)
Servidor público. RE 433.305 RTJ 198/830
Adm Certidão de tempo de serviço: emissão pelo INSS. (...) Servidor público. RE
433.305 RTJ 198/830
Ct CF/88, art. 8º, IV. (...) Contribuição confederativa. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
Ct CF/88, art. 21, XVII. (...) Competência. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct CF/88, arts. 27, § 1º, e 55, § 2º. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ
198/561
Adm CF/88, art. 37, XI. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm CF/88, art. 37, XI, redação anterior às EC n. 19/98 e n. 41/03. (...) Remunera-
ção. RE 174.742 RTJ 198/735
Adm CF/88, art. 37, § 6º. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-AgR
RTJ 198/837
PrSTF CF/88, art. 93, II, “b” e “d”. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
Pn CF/88, art. 133. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945 RTJ 198/823
Trbt CF/88, art. 155, § 2º, II, “b”. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Adm CF/88, art. 173, § 1º, II. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/
441
Trbt CF/88, art. 195, I. (...) Contribuição social. RE 451.988-AgR RTJ 198/832
PrPn Citação-edital. Militar. Fuga e deserção. Defesa técnica: constituição. Pre-
juízo inocorrente. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Coisa julgada material. (...) Inquérito policial. Pet 3.297 RTJ 198/579
PrPn Competência. Justiça Federal de Alagoas. Interceptação telefônica: autori-
zação. Juízo competente ao início da investigação. Prova: aproveitamento.
HC 84.388 RTJ 198/643
Ct Competência. União Federal. Anistia. CF/88, art. 21, XVII. ADI 2.639 RTJ
198/536
PrPn Competência criminal. Câmara Municipal. Crime de responsabilidade. Pro-
cesso e julgamento. Prefeito. Constituição do Estado do Pará/89, art. 65. ADI
687 RTJ 198/452
VI Com-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Competência criminal. Justiça Federal. Suspeita de envolvimento de depu-


tado federal. Denúncia: ausência. Prerrogativa de foro inexistente. Desloca-
mento para o STF: descabimento. Inq 1.819-AgR RTJ 198/500
PrCv Competência do STF: inocorrência. (...) Mandado de segurança. MS
25.258-AgR RTJ 198/617
PrSTF Competência do STF: usurpação. (...) Reclamação. Rcl 2.224 RTJ 198/503
Ct Competência legislativa. Município. Prefeito e vice-prefeito: substituição
ou sucessão. Autonomia municipal. Constituição do Estado do Pará/89, art.
78: inconstitucionalidade. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Competência legislativa. Poder constituinte originário. Anistia constitucio-
nal. ADCT da Constituição Federal/88, arts. 8º e 9º. Emenda Constitucional
estadual n. 14/01-PR: inconstitucionalidade. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct Competência legislativa. União Federal. Crime de responsabilidade: tipifi-
cação. Convocação de prefeito e auxiliar pela Câmara Municipal. Consti-
tuição do Estado do Pará/89, art. 60: inconstitucionalidade. ADI 687 RTJ
198/452
Ct Competência legislativa. União Federal. Crime de responsabilidade: tipifi-
cação. Substituição ou sucessão de prefeito: não-transmissão do cargo.
Constituição do Estado do Pará/89, art. 78, § 2º: inconstitucionalidade. ADI
687 RTJ 198/452
Ct Composição. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
PrPn Concessão de ofício. (...) Habeas corpus. HC 87.263 RTJ 198/720
Pn Confissão espontânea: irrelevância. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ 198/720
Ct Conselheiro: critério de escolha. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 397
RTJ 198/433
Ct Constituição do Estado de São Paulo/89, art. 31, § 2º, itens 1 e 3: inconstitu-
cionalidade. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 60: inconstitucionalidade. (...) Com-
petência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn Constituição do Estado do Pará/89, art. 65. (...) Competência criminal. ADI
687 RTJ 198/452
Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 78: inconstitucionalidade. (...) Com-
petência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 78, § 1º: inconstitucionalidade. (...)
Município. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 78, § 2º: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-Cri VII

Ct Constituição do Estado do Pará/89, art. 92, XXVII. (...) Assembléia Legisla-


tiva. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Constituição do Estado do Pará/89, arts. 92, XXX, expressão, e 122, expres-
são: inconstitucionalidade. (...) Tribunal de Contas dos Municípios. ADI
687 RTJ 198/452
Ct Constituição do Estado do Rio de Janeiro/89, art. 104, § 2º, redação da EC n.
17/01: inconstitucionalidade. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ
198/561
PrPn Constrangimento ilegal. (...) Embargos infringentes. HC 81.263 RTJ 198/626
PrPn Constrangimento ilegal flagrante. (...) Habeas corpus. HC 87.263 RTJ 198/
720
TrGr Contribuição assistencial. Convenção coletiva. Desconto em folha. Autori-
zação ou não-oposição do trabalhador: necessidade. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
Ct Contribuição confederativa. Assembléia-geral. Entidade sindical: cobrança.
Filiação: necessidade. CF/88, art. 8º, IV. RE 461.451-AgR RTJ 198/835
Trbt Contribuição social. Isenção: revogação pela Lei n. 9.430/96. Sociedade
civil de profissão. Lei Complementar n. 70/91. CF/88, art. 195, I. RE
451.988-AgR RTJ 198/832
TrGr Convenção coletiva. (...) Contribuição assistencial. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
Trbt Convênio ICMS n. 66/88, art. 32, II. (...) Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Ct Convocação de prefeito e auxiliar pela Câmara Municipal. (...) Competência
legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn CP/40, arts. 59, 61, I, e 68. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295 RTJ
198/640
PrCv CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. (...) Mandado de segurança. MS
25.258-AgR RTJ 198/617
Adm CPC/73, art. 678. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/441
PrPn CPP/41, art. 175, redação da Lei n. 10.792/03. (...) Interrogatório. RHC
87.172 RTJ 198/716
PrPn CPP/41, art. 384: inaplicabilidade. (...) Acórdão criminal. RHC 85.623 RTJ
198/703
Ct Criação: impossibilidade. (...) Município. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Criação por Estado-Membro. (...) Tribunal de Contas dos Municípios. ADI
687 RTJ 198/452
VIII Cri-Den — ÍNDICE ALFABÉTICO

Pn Crime de desobediência. Ordem judicial: descumprimento. Sanção civil e


penal: cumulação. Princípio da independência das instâncias civil, adminis-
trativa e penal. HC 86.047 RTJ 198/712
PrPn Crime de responsabilidade. (...) Competência criminal. ADI 687 RTJ 198/
452
Ct Crime de responsabilidade: tipificação. (...) Competência legislativa. ADI
687 RTJ 198/452
PrPn Crime societário. (...) Denúncia. HC 85.549 RTJ 198/698
PrPn Crime societário. (...) Habeas corpus. HC 85.549 RTJ 198/698
PrPn Critério trifásico: inobservância. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295
RTJ 198/640
Trbt Custo do serviço: desproporcionalidade. (...) Taxa de expediente. ADI
2.551-MC-QO RTJ 198/508

D
PrSTF Decisão do STF: descumprimento. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
PrPn Decisão do STJ: dissídio jurisprudencial. (...) Habeas corpus. HC 85.410
RTJ 198/694
PrSTF Decisão em ação civil pública. (...) Reclamação. Rcl 2.224 RTJ 198/503
PrPn Decisão fundamentada e razoável. (...) Interceptação telefônica. HC 84.388
RTJ 198/643
PrSTF Declaração de inconstitucionalidade. (...) Reclamação. Rcl 2.224 RTJ 198/
503
Adm Declaração de interesse social. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Decreto expropriatório: edição. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/
594
Ct Decreto-Lei n. 509/69. (...) Empresa pública. RE 220.906 RTJ 198/768
PrPn Defesa técnica: ausência. (...) Interrogatório. RHC 87.172 RTJ 198/716
PrPn Defesa técnica: constituição. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Delegado de polícia. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. HC
85.910 RTJ 198/707
PrPn Denúncia. Inépcia. Descrição insuficiente do fato. Falsidade ideológica. HC
84.388 RTJ 198/643
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Crime societário. Individualização da con-
duta: ausência. Responsabilidade diferenciada de sócios e gerentes: impos-
sibilidade de verificação de plano. HC 85.549 RTJ 198/698
ÍNDICE ALFABÉTICO — Den-Eme IX

PrPn Denúncia: ausência. (...) Competência criminal. Inq 1.819-AgR RTJ 198/
500
PrPn Depoimento do réu: fundamento da condenação. (...) Interrogatório. RHC
87.172 RTJ 198/716
Ct Deputado estadual. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ 198/561
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Recurso sem efeito suspensivo. Decreto
expropriatório: edição. Declaração de interesse social. MS 24.764 RTJ 198/
594
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria parcelada: admissibilidade.
Glebas autônomas. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria: prazo. Invasão por “sem-terra”.
Improdutividade. Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 6º, redação da MP n. 2.183-56/01.
MS 24.764 RTJ 198/594
PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 85.549 RTJ 198/698
PrCv Descabimento. (...) Mandado de segurança. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
TrGr Desconto em folha. (...) Contribuição assistencial. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
PrPn Descrição insuficiente do fato. (...) Denúncia. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Deslocamento para o STF: descabimento. (...) Competência criminal. Inq
1.819-AgR RTJ 198/500
PrPn Desvio de finalidade: inocorrência. (...) Interceptação telefônica. HC
84.388 RTJ 198/643
PrPn Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado. (...) Sentença
criminal. HC 85.144 RTJ 198/682
Adm Direito subjetivo: inocorrência. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ 198/
584
Pn Dosimetria. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
E
PrSTF Efeito suspensivo a agravo de instrumento: impossibilidade. (...) Medida
cautelar. AC 865-AgR RTJ 198/485
PrSTF Efeito suspensivo a recurso extraordinário. (...) Medida cautelar. AC 731-
MC RTJ 198/484
PrPn Embargos infringentes. Erro no não-conhecimento. Constrangimento ile-
gal. Acórdãos do STJ e do TJ: cassação. HC 81.263 RTJ 198/626
Ct Emenda Constitucional estadual n. 14/01-PR: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ 198/536
X Eme-Gle — ÍNDICE ALFABÉTICO

Ct Emenda Constitucional n. 35/01. (...) Imunidade parlamentar. Inq 1.326


RTJ 198/488
Ct Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. (...) Empresa pública.
RE 220.906 RTJ 198/768
Ct Empresa pública. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.
Impenhorabilidade de bens, rendas e serviços. Precatório: necessidade. De-
creto-Lei n. 509/69. RE 220.906 RTJ 198/768
Ct Entidade sindical: cobrança. (...) Contribuição confederativa. RE 461.451-
AgR RTJ 198/835
PrPn Entrada dos autos em setor administrativo do MP: termo inicial. (...) Apela-
ção criminal. RHC 81.787 RTJ 198/632
Pn Erro de cálculo. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
PrPn Erro no não-conhecimento. (...) Embargos infringentes. HC 81.263 RTJ
198/626
PrPn Excesso de prazo: indício de discriminação em relação aos co-réus. (...)
Prisão preventiva. HC 85.238 RTJ 198/687
Adm Exclusão da corporação. (...) Policial militar. AI 510.503-AgR RTJ 198/
839
PrPn Extensão a co-réu. (...) Interrogatório. RHC 87.172 RTJ 198/716

F
PrPn Falsidade ideológica. (...) Denúncia. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Fato em tese estranho às investigações. (...) Interceptação telefônica. HC
84.388 RTJ 198/643
Ct Filiação: necessidade. (...) Contribuição confederativa. RE 461.451-AgR
RTJ 198/835
Pn Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilidade. (...) Pena-base. HC
87.263 RTJ 198/720
Pn Fixação no máximo legal. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ 198/720
PrPn Fuga e deserção. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Fundamentação inidônea. (...) Prisão preventiva. HC 85.238 RTJ 198/687
Pn Fundamentação insuficiente. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ 198/720

G
Adm Glebas autônomas. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Inc XI

H
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Decisão do STJ: dissídio jurisprudencial. HC
85.410 RTJ 198/694
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Idoneidade jurídica da prova: aferição. HC
85.410 RTJ 198/694
PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Constrangimento ilegal flagrante. HC
87.263 RTJ 198/720
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Crime societário. Verificação de efetivo
exercício de gestão. HC 85.549 RTJ 198/698
Pn “Habeas corpus”: concessão de ofício. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ
198/720

I
PrPn Idoneidade jurídica da prova: aferição. (...) Habeas corpus. HC 85.410 RTJ
198/694
Ct Impenhorabilidade de bens, rendas e serviços. (...) Empresa pública. RE
220.906 RTJ 198/768
Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Base de
cálculo: redução. Isenção parcial. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Operação
subseqüente: redução da base de cálculo. Operação anterior: estorno propor-
cional do crédito. Princípio da não-cumulatividade. CF/88, art. 155, § 2º, II,
“b”. Convênio ICMS n. 66/88, art. 32, II. Lei estadual n. 6.374/89-SP, art. 41,
IV. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Imposto sobre Serviços – ISS. Inexigibilidade. Instituição autorizada a
funcionar pelo Banco Central. Lista de serviços: taxatividade. Lei Comple-
mentar n. 56/87. Lei municipal n. 2.277/94, Rio de Janeiro-RJ: inaplicabili-
dade. RE 361.829 RTJ 198/811
Adm Improdutividade. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Pn Imunidade judiciária. Limite. Advogado. Ofensa irrogada em sede pessoal.
CF/88, art. 133. RE 387.945 RTJ 198/823
Ct Imunidade parlamentar. Licença prévia: extinção. Retomada do curso do
processo. Prescrição inocorrente. Emenda Constitucional n. 35/01. Inq 1.326
RTJ 198/488
Trbt Incidência. (...) Taxa de expediente. ADI 2.551-MC-QO RTJ 198/508
PrSTF Inclusão ou recusa formal da impetrante: necessidade. (...) Reclamação. Rcl
2.772 RTJ 198/551
XII Ind-Juí — ÍNDICE ALFABÉTICO

Adm Indenização. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-AgR RTJ


198/837
PrPn Individualização da conduta: ausência. (...) Denúncia. HC 85.549 RTJ 198/
698
PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 85.549 RTJ 198/698
Trbt Inexigibilidade. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE 361.829 RTJ 198/
811
PrPn Inquérito policial. Arquivamento requerido pelo procurador-geral: atendi-
mento facultativo. Atipicidade do fato ou extinção da punibilidade. Coisa
julgada material. Pet 3.297 RTJ 198/579
Trbt Instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central. (...) Imposto sobre
Serviços – ISS. RE 361.829 RTJ 198/811
PrPn Interceptação telefônica. Policial federal e magistrado: envolvimento em
crime. Fato em tese estranho às investigações. Desvio de finalidade:
inocorrência. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Interceptação telefônica. Prorrogação sucessiva: possibilidade. Decisão
fundamentada e razoável. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Interceptação telefônica: autorização. (...) Competência. HC 84.388 RTJ
198/643
PrPn Interceptação telefônica não demonstrada. (...) Ação penal. HC 84.388 RTJ
198/643
PrPn Interrogatório. Nulidade absoluta. Defesa técnica: ausência. Depoimento
do réu: fundamento da condenação. Extensão a co-réu. CPP/41, art. 175,
redação da Lei n. 10.792/03. RHC 87.172 RTJ 198/716
PrSTF Intervenção de terceiro. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
Adm Invasão por “sem-terra”. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Trbt Isenção parcial. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –
ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Isenção: revogação pela Lei n. 9.430/96. (...) Contribuição social. RE
451.988-AgR RTJ 198/832

J
PrPn Juízo competente ao início da investigação. (...) Competência. HC 84.388
RTJ 198/643
Adm Juízo de conveniência e oportunidade. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ
198/584
ÍNDICE ALFABÉTICO — Júr-Lis XIII

PrPn Júri. Quesitos em séries distintas. Respostas dos jurados: contradição


inocorrente. HC 85.144 RTJ 198/682
PrPn Justiça Federal. (...) Competência criminal. Inq 1.819-AgR RTJ 198/500
PrPn Justiça Federal de Alagoas. (...) Competência. HC 84.388 RTJ 198/643

L
Ct Lei complementar. Lei materialmente ordinária. Revogação por lei ordiná-
ria. Princípio da hierarquia das leis: ofensa inocorrente. RE 451.988-AgR
RTJ 198/832
Adm Lei Complementar estadual n. 43/92-SC. (...) Remuneração. RE 192.364
RTJ 198/752
Ct Lei Complementar n. 41/81, art. 15. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/
437
Trbt Lei Complementar n. 56/87. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE 361.829
RTJ 198/811
Trbt Lei Complementar n. 70/91. (...) Contribuição social. RE 451.988-AgR RTJ
198/832
PrCv Lei em tese. (...) Mandado de segurança. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
Trbt Lei estadual n. 6.374/89-SP, art. 41, IV. (...) Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Ct Lei materialmente ordinária. (...) Lei complementar. RE 451.988-AgR RTJ
198/832
Trbt Lei municipal n. 2.277/94, Rio de Janeiro-RJ: inaplicabilidade. (...) Imposto
sobre Serviços – ISS. RE 361.829 RTJ 198/811
Adm Lei municipal n. 10.430/88, São Paulo-SP, art. 42. (...) Remuneração. RE
215.612 RTJ 198/761
PrSTF Lei n. 8.038/90, art. 15. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
PrSTF Lei n. 8.162/91, art. 7º, I e III. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR
RTJ 198/824
Adm Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 6º, redação da MP n. 2.183-56/01. (...) Desapropri-
ação. MS 24.764 RTJ 198/594
Ct Licença prévia: extinção. (...) Imunidade parlamentar. Inq 1.326 RTJ 198/488
Pn Limite. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945 RTJ 198/823
Trbt Lista de serviços: taxatividade. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE
361.829 RTJ 198/811
PrSTF Lista tríplice: recomposição. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
XIV Mag-Mut — ÍNDICE ALFABÉTICO

M
PrSTF Magistrado: promoção por merecimento a TRT. (...) Reclamação. Rcl 2.772
RTJ 198/551
PrCv Mandado de segurança. Ato de Turma Recursal de Juizado Especial.
Competência do STF: inocorrência. Remessa dos autos ao juízo competente:
impossibilidade. CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. Regimento Inter-
no do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. MS 25.258-AgR RTJ
198/617
PrCv Mandado de segurança. Descabimento. Lei em tese. Substituição de ação
direta de inconstitucionalidade. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
Ct Mandato parlamentar. Perda: voto aberto. Deputado estadual. CF/88, arts.
27, § 1º, e 55, § 2º. Constituição do Estado do Rio de Janeiro/89, art. 104,
§ 2º, redação da EC n. 17/01: inconstitucionalidade. ADI 3.208 RTJ 198/561
PrSTF Matéria constitucional suscitada em embargos de declaração. (...) Recurso
extraordinário. RE 429.476-AgR RTJ 198/828
PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR
RTJ 198/824 – AI 527.561-AgR RTJ 198/842
PrSTF Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: RE n. 346.084. (...)
Medida cautelar. AC 731-MC RTJ 198/484
PrSTF Medida cautelar. Efeito suspensivo a agravo de instrumento: impossibili-
dade. Recurso extraordinário inadmitido. Súmulas 634 e 635. AC 865-AgR
RTJ 198/485
PrSTF Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. Matéria pen-
dente de julgamento no Plenário do STF: RE n. 346.084. AC 731-MC RTJ
198/484
Ct Membro da Procuradoria da Fazenda do Estado: impossibilidade. (...) Tribu-
nal de Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
Adm Metrô/SP. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/441
PrPn Militar. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Ministério Público: intimação pessoal. (...) Apelação criminal. RHC 81.787
RTJ 198/632
Ct Município. (...) Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Município. Prefeito. Substituição ou sucessão por juiz de direito: impossibi-
lidade. Constituição do Estado do Pará/89, art. 78, § 1º: inconstituciona-
lidade. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Município. Tribunal de Contas. Criação: impossibilidade. ADI 687 RTJ
198/452
PrPn “Mutatio libelli”: não-configuração. (...) Acórdão criminal. RHC 85.623
RTJ 198/703
ÍNDICE ALFABÉTICO — Nat-Pod XV

N
Adm Natureza. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-AgR RTJ 198/
837
Adm Natureza precária. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ 198/584
PrPn Nulidade. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295 RTJ 198/640
PrPn Nulidade absoluta. (...) Interrogatório. RHC 87.172 RTJ 198/716
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Acórdão criminal. RHC 85.623 RTJ 198/703
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Sentença condenatória. HC 85.410 RTJ 198/694

O
Pn Ofensa irrogada em sede pessoal. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945
RTJ 198/823
Trbt Operação anterior: estorno proporcional do crédito. (...) Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Operação subseqüente: redução da base de cálculo. (...) Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Pn Ordem judicial: descumprimento. (...) Crime de desobediência. HC 86.047
RTJ 198/712

P
Pn Pena. Dosimetria. Erro de cálculo. Recurso exclusivo da defesa. Aumento de
ofício: inadmissibilidade. Princípio da vedação da “reformatio in pejus”.
HC 83.545 RTJ 198/635
Pn Pena-base. Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilidade. Confissão
espontânea: irrelevância. HC 87.263 RTJ 198/720
Pn Pena-base. Fixação no máximo legal. Fundamentação insuficiente. “Habeas
corpus”: concessão de ofício. HC 87.263 RTJ 198/720
PrPn Pena-base: cálculo. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295 RTJ 198/640
Adm Penhora: suspensão. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/441
PrPn Pequena quantia em dinheiro: devolução a traficante. (...) Termo Circuns-
tanciado de Ocorrência – TCO. HC 85.910 RTJ 198/707
Ct Perda: voto aberto. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ 198/561
Ct Poder constituinte originário. (...) Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ
198/536
XVI Pol-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Policial federal e magistrado: envolvimento em crime. (...) Interceptação


telefônica. HC 84.388 RTJ 198/643
Adm Policial militar. Exclusão da corporação. Processo administrativo: necessi-
dade. Princípio do contraditório e da ampla defesa. AI 510.503-AgR RTJ
198/839
Ct Precatório: necessidade. (...) Empresa pública. RE 220.906 RTJ 198/768
PrPn Prefeito. (...) Competência criminal. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Prefeito. (...) Município. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Prefeito e vice-prefeito: substituição ou sucessão. (...) Competência
legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn Prejuízo inocorrente. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
Trbt Prêmio do seguro DPVAT. (...) Taxa de expediente. ADI 2.551-MC-QO RTJ
198/508
PrSTF Prequestionamento: ausência. (...) Recurso extraordinário. RE 429.476-
AgR RTJ 198/828
PrPn Prerrogativa de foro inexistente. (...) Competência criminal. Inq 1.819-AgR
RTJ 198/500
Ct Prescrição inocorrente. (...) Imunidade parlamentar. Inq 1.326 RTJ 198/
488
Ct Prestação de contas à Assembléia Legislativa: impossibilidade. (...) Tribu-
nal de Contas dos Municípios. ADI 687 RTJ 198/452
Adm Prestação de serviço público. (...) Sociedade de economia mista. AC 669
RTJ 198/441
PrPn Prevaricação: não-configuração. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência –
TCO. HC 85.910 RTJ 198/707
Adm Princípio da continuidade do serviço público. (...) Sociedade de economia
mista. AC 669 RTJ 198/441
Ct Princípio da hierarquia das leis: ofensa inocorrente. (...) Lei complementar.
RE 451.988-AgR RTJ 198/832
Pn Princípio da independência das instâncias civil, administrativa e penal. (...)
Crime de desobediência. HC 86.047 RTJ 198/712
Adm Princípio da irredutibilidade de vencimentos: ofensa inocorrente. (...) Servi-
dor público. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
Trbt Princípio da não-confiscatoriedade e da proporcionalidade: ofensa. (...)
Taxa de expediente. ADI 2.551-MC-QO RTJ 198/508
Trbt Princípio da não-cumulatividade. (...) Imposto sobre Circulação de Merca-
dorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pri-Rec XVII

Pn Princípio da vedação da “reformatio in pejus”. (...) Pena. HC 83.545 RTJ


198/635
Adm Princípio do contraditório e da ampla defesa. (...) Policial militar. AI
510.503-AgR RTJ 198/839
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação inidônea. Suprimento por instância
superior: impossibilidade. HC 85.238 RTJ 198/687
PrPn Prisão preventiva. Relaxamento. Fundamentação inidônea. Excesso de
prazo: indício de discriminação em relação aos co-réus. HC 85.238 RTJ
198/687
Adm Processo administrativo: necessidade. (...) Policial militar. AI 510.503-AgR
RTJ 198/839
PrPn Processo e julgamento. (...) Competência criminal. ADI 687 RTJ 198/452
Adm Procurador de Estado. (...) Remuneração. RE 174.742 RTJ 198/735
PrPn Prorrogação sucessiva: possibilidade. (...) Interceptação telefônica. HC
84.388 RTJ 198/643
PrPn Prova: aproveitamento. (...) Competência. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Prova válida e suficiente. (...) Sentença condenatória. HC 85.410 RTJ 198/
694
Adm Proventos equivalentes aos de secretário de Estado. (...) Remuneração. RE
174.742 RTJ 198/735

Q
PrPn Quesitos em séries distintas. (...) Júri. HC 85.144 RTJ 198/682
PrSTF Questão processual: exame. (...) Recurso extraordinário. AI 527.561-AgR
RTJ 198/842
PrSTF Quintos: incorporação. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR RTJ
198/824
Adm Quintos: supressão. (...) Servidor público. RE 394.677-AgR RTJ 198/824

R
PrSTF Reclamação. Decisão do STF: descumprimento. Magistrado: promoção por
merecimento a TRT. Lista tríplice: recomposição. Inclusão ou recusa formal
da impetrante: necessidade. CF/88, art. 93, II, “b” e “d”. Rcl 2.772 RTJ 198/
551
PrSTF Reclamação. Decisão em ação civil pública. Declaração de inconstituciona-
lidade. Competência do STF: usurpação. Rcl 2.224 RTJ 198/503
XVIII Rec-Rem — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrSTF Reclamação. Intervenção de terceiro. Lei n. 8.038/90, art. 15. Rcl 2.772 RTJ
198/551
Pn Recurso exclusivo da defesa. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
PrPn Recurso exclusivo da defesa. (...) Sentença criminal. HC 85.144 RTJ 198/
682
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Questão processual:
exame. AI 527.561-AgR RTJ 198/842
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Servidor público.
Celetista convertido em estatutário. Tempo de serviço: contagem. Quintos:
incorporação. Lei n. 8.162/91, art. 7º, I e III. RE 394.677-AgR RTJ 198/
824
PrSTF Recurso extraordinário. Prequestionamento: ausência. Matéria constitucio-
nal suscitada em embargos de declaração. RE 429.476-AgR RTJ 198/828
PrSTF Recurso extraordinário inadmitido. (...) Medida cautelar. AC 865-AgR RTJ
198/485
Adm Recurso sem efeito suspensivo. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/
594
Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594 – MS 24.764
RTJ 198/594
PrCv Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...)
Mandado de segurança. MS 25.258-AgR RTJ 198/617
Ct Relatório trimestral e anual: encaminhamento obrigatório. (...) Assembléia
Legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn Relaxamento. (...) Prisão preventiva. HC 85.238 RTJ 198/687
PrCv Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. (...) Mandado de
segurança. MS 25.258-AgR RTJ 198/617
Adm Remuneração. Procurador de Estado. Proventos equivalentes aos de secretá-
rio de Estado. Teto constitucional. Vantagem pessoal: exclusão. Verba rela-
tiva à natureza do cargo: inclusão. CF/88, art. 37, XI, redação anterior às EC
n. 19/98 e n. 41/03. RE 174.742 RTJ 198/735
Adm Remuneração. Servidor público. Teto estadual. Secretário de Estado:
parâmetro. Lei Complementar estadual n. 43/92-SC. RE 192.364 RTJ 198/
752
Adm Remuneração. Servidor público. Teto estadual inferior ao federal: possibili-
dade. CF/88, art. 37, XI. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Remuneração. Servidor público municipal. Teto constitucional. Vantagem
pessoal: exclusão. Lei municipal n. 10.430/88, São Paulo-SP, art. 42. RE
215.612 RTJ 198/761
ÍNDICE ALFABÉTICO — Res-Soc XIX

Adm Responsabilidade civil do Estado. Natureza. Indenização. Acidente de


trânsito. Vítima servidor público. CF/88, art. 37, § 6º. AI 473.381-AgR RTJ
198/837
PrPn Responsabilidade diferenciada de sócios e gerentes: impossibilidade de
verificação de plano. (...) Denúncia. HC 85.549 RTJ 198/698
PrPn Respostas dos jurados: contradição inocorrente. (...) Júri. HC 85.144 RTJ
198/682
Ct Retomada do curso do processo. (...) Imunidade parlamentar. Inq 1.326
RTJ 198/488
PrCv Réu idoso e com doença grave. (...) Arresto. AC 244-QO RTJ 198/421
Ct Revogação por lei ordinária. (...) Lei complementar. RE 451.988-AgR RTJ
198/832

S
Pn Sanção civil e penal: cumulação. (...) Crime de desobediência. HC 86.047
RTJ 198/712
Adm Secretário de Estado: parâmetro. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
PrPn Sentença condenatória. Nulidade. Pena-base: cálculo. Critério trifásico:
inobservância. CP/40, arts. 59, 61, I, e 68. RHC 84.295 RTJ 198/640
PrPn Sentença condenatória. Nulidade inocorrente. Prova válida e suficiente.
HC 85.410 RTJ 198/694
PrPn Sentença criminal. Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado.
Recurso exclusivo da defesa. HC 85.144 RTJ 198/682
Adm Servidor público. Celetista convertido em estatutário. Quintos: supressão.
Ato administrativo: validade. Princípio da irredutibilidade de vencimentos:
ofensa inocorrente. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
Adm Servidor público. Celetista sob condições de isalubridade, periculosidade e
penosidade. Certidão de tempo de serviço: emissão pelo INSS. RE 433.305
RTJ 198/830
PrSTF Servidor público. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
Adm Servidor público. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Servidor público municipal. (...) Remuneração. RE 215.612 RTJ 198/761
Trbt Sociedade civil de profissão. (...) Contribuição social. RE 451.988-AgR
RTJ 198/832
Adm Sociedade de economia mista. Prestação de serviço público. Metrô/SP.
Penhora: suspensão. Princípio da continuidade do serviço público. CPC/73,
art. 678. CF/88, art. 173, § 1º, II. AC 669 RTJ 198/441
XX Sub-Tri — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrCv Substituição de ação direta de inconstitucionalidade. (...) Mandado de


segurança. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
Ct Substituição ou sucessão de prefeito: não-transmissão do cargo. (...) Compe-
tência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Substituição ou sucessão por juiz de direito: impossibilidade. (...) Municí-
pio. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Súmula 653. (...) Tribunal de Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
PrSTF Súmulas 634 e 635. (...) Medida cautelar. AC 865-AgR RTJ 198/485
PrPn Suprimento por instância superior: impossibilidade. (...) Prisão preventiva.
HC 85.238 RTJ 198/687
PrPn Suspeita de envolvimento de deputado federal. (...) Competência criminal.
Inq 1.819-AgR RTJ 198/500

T
Trbt Taxa de expediente. Incidência. Prêmio do seguro DPVAT. Custo do serviço:
desproporcionalidade. Princípio da não-confiscatoriedade e da proporciona-
lidade: ofensa. ADI 2.551-MC-QO RTJ 198/508
Adm Televisão a cabo: distribuição de sinal. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ
198/584
PrSTF Tempo de serviço: contagem. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-
AgR RTJ 198/824
PrPn Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. Trancamento. Prevari-
cação: não-configuração. Atipicidade da conduta. Delegado de polícia.
Pequena quantia em dinheiro: devolução a traficante. HC 85.910 RTJ
198/707
Adm Teto constitucional. (...) Remuneração. RE 174.742 RTJ 198/735 – RE
215.612 RTJ 198/761
Adm Teto estadual. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Teto estadual inferior ao federal: possibilidade. (...) Remuneração. RE
192.364 RTJ 198/752
PrPn Trancamento. (...) Ação penal. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Trancamento. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. HC
85.910 RTJ 198/707
Ct Transferência para o Estado de Roraima. (...) Bem público. ACO 640 RTJ
198/437
Ct Tribunal de Contas. (...) Município. ADI 687 RTJ 198/452
ÍNDICE ALFABÉTICO — Tri-Vít XXI

Ct Tribunal de Contas dos Municípios. Criação por Estado-Membro. Prestação


de contas à Assembléia Legislativa: impossibilidade. Constituição do Estado
do Pará/89, arts. 92, XXX, expressão, e 122, expressão: inconstitucionalidade.
ADI 687 RTJ 198/452
Ct Tribunal de Contas estadual. (...) Assembléia Legislativa. ADI 687 RTJ 198/
452
Ct Tribunal de Contas estadual. Composição. Conselheiro: critério de esco-
lha. Vaga reservada ao Legislativo e ao Executivo: proporção. Membro da
Procuradoria da Fazenda do Estado: impossibilidade. Súmula 653. Consti-
tuição do Estado de São Paulo/89, art. 31, § 2º, itens 1 e 3: inconstituciona-
lidade. ADI 397 RTJ 198/433

U
Ct União Federal. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/437
Ct União Federal. (...) Competência. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Utilização pelo Território de Roraima. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/437

V
Ct Vaga reservada ao Legislativo e ao Executivo: proporção. (...) Tribunal de
Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
Adm Vantagem pessoal: exclusão. (...) Remuneração. RE 174.742 RTJ 198/735 –
RE 215.612 RTJ 198/761
Adm Verba relativa à natureza do cargo: inclusão. (...) Remuneração. RE 174.742
RTJ 198/735
PrPn Verificação de efetivo exercício de gestão. (...) Habeas corpus. HC 85.549
RTJ 198/698
Adm Vistoria parcelada: admissibilidade. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ
198/594
Adm Vistoria: prazo. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Vítima servidor público. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-
AgR RTJ 198/837
ÍNDICE NUMÉRICO
ACÓRDÃOS

244 (AC-QO) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 198/421


397 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 198/433
640 (ACO) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 198/437
669 (AC) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/441
687 (ADI) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 198/452
731 (AC-MC) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 198/484
865 (AC-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/485
1.326 (Inq) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/488
1.819 (Inq-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/500
2.224 (Rcl) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/503
2.551 (ADI-MC-QO) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 198/508
2.639 (ADI) Rel.: Min. Nelson Jobim ........................ 198/536
2.772 (Rcl) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/551
3.208 (ADI) Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 198/561
3.297 (Pet) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/579
22.665 (RMS) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim ............ 198/584
24.764 (MS) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes ......... 198/594
25.258 (MS-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/617
25.456 (MS-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/624
81.263 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/626
81.787 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/632
83.545 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/635
84.295 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/640
84.388 (HC) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ................... 198/643
84.690 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/679
85.144 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 198/682
XXVI ÍNDICE NUMÉRICO

85.238 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/687


85.410 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/694
85.549 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/698
85.623 (RHC) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/703
85.910 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 198/707
85.950 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 198/709
86.047 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/712
87.172 (RHC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 198/716
87.263 (HC) Rel.: Min. Ricardo Lewandowski .......... 198/720
174.478 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Cezar Peluso ............. 198/724
174.742 (RE) Rel.: Min. Nelson Jobim ........................ 198/735
192.364 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim ............ 198/752
215.612 (RE) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim ............ 198/761
220.906 (RE) Rel.: Min. Maurício Corrêa .................... 198/768
361.829 (RE) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 198/811
387.945 (RE) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/823
394.677 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/824
429.476 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/828
433.305 (RE) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/830
451.988 (RE-AgR) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 198/832
461.451 (RE-AgR) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 198/835
473.381 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 198/837
510.503 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/839
527.561 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 198/842

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