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Revista Trimestral de
Jurisprudência
COMISSÃO DE REGIMENTO
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
PRIMEIRA TURMA
Pág.
ACÓRDÃOS ............................................................................................ 419
ÍNDICE ALFABÉTICO .......................................................................... I
ÍNDICE NUMÉRICO .............................................................................. XXIII
ACÓRDÃOS
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO CAUTELAR 244 — DF
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, resolvendo a questão
de ordem suscitada, afastar o arresto de bens e determinar o sobrestamento da ação para
aguardar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2/DF.
Brasília, 21 de outubro de 2004 — Ellen Gracie, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Em 19 de outubro de 1994, o Ministério Público
Federal ajuizou esta ação cautelar de seqüestro, dizendo-a preparatória de “ação ordiná-
ria contra improbidade administrativa”, apontando como réu o ex-Deputado Federal
Cid Rojas Américo de Carvalho. Fê-lo a partir de informações colhidas pela Comissão
422 R.T.J. — 198
Parlamentar Mista de Inquérito que resultou das denúncias do Sr. José Carlos Alves dos
Santos sobre as atividades de parlamentares, membros do governo e representantes de
empresas na destinação de recursos do orçamento da União.
A inicial da citada ação, de folhas 2 a 16, remete a dados relativos à atuação do réu
como Presidente da Comissão de Orçamento. Comporia ele o que se denominou de
núcleo de poder dirigido pelo Deputado João Alves de Almeida. Referiu o Fiscal da Lei a
participação do réu na confecção do orçamento, manuseando verbas. A seguir, cogitou
do possível enriquecimento ilícito do réu, que teria admitido, para justificar movimento
bancário acima do que formalmente percebido, a existência de doações para custear
despesas da atividade política. Aludiu, então, à circunstância de haver o réu movimen-
tado 6,28% a mais, em contas bancárias, do que os rendimentos auferidos no período de
1989 a 1992. Após lançar o rol dos bens do réu, requereu o Ministério Público a
concessão de medida liminar de seqüestro de bens, sem a oitiva da parte ré, bem como as
diligências mencionadas à folha 16. Tal requerimento baseou-se nas conseqüências da
eventual configuração de improbidade administrativa, na obrigação de ressarcimento
ao Erário dos valores havidos ilicitamente.
A liminar veio a ser deferida mediante ato do seguinte teor (folhas 344 e 345):
O que justifica a concessão de qualquer liminar é a presença concomitante e
palpável da aparência do alegado direito e da necessidade da medida.
Sem antecipar qualquer juízo de valor, tenho por presentes, in casu, os
pressupostos acima referidos.
Com efeito, pela documentação que acompanha a exordial restou demons-
trador pela CPMI que o ex-deputado Cid Carvalho participou da Comissão
Mista de Orçamento de 1986 a 1992, sendo Presidente da referida Comissão
no período de 1989 a 1991 e em 1992 foi Relator Parcial do Ministério da
Agricultura.
No período de 1990 a 1993 o réu teve aprovadas 79 emendas num montante
de US$ 60,2 milhões, “o que dá uma média de US$ 15,1 milhões por ano”, nível de
aprovação 86% acima da média que é de US$ 8,1 milhões anuais.
Nesse mesmo período a média de liberação de suas emendas foi de US$ 13,5
milhões por ano, “o que situa 137% acima da média, que é de US$ 5,7 milhões
anuais”.
Devendo ser ressaltado que todas as liberações, com exceção das realizadas
em decorrência de sua posição como Relator Parcial do Ministério da Agricultura,
tiveram caráter programático.
Deve-se ainda registrar que as Emendas do Relator “foram amplamente
utilizadas como forma de ocultar os verdadeiros postulantes”, sendo possível ter
sido veículo para “dissimular a verdadeira participação e influência do parlamen-
tar” em outras emendas.
Restou ainda demonstrado (sic) a inclusão de subprojetos de interesse do réu
já no Projeto de Lei Orçamentária Anual, configurando acordo entre membros da
Comissão de Orçamento e o então Secretário de Planejamento.
R.T.J. — 198 423
II. Não merece censura a decisão judicial que, apoiada em farta documenta-
ção, conclui pela existência de indícios razoáveis de participação do réu, ex-
parlamentar, cassado pelo Congresso Nacional, na prática de atos de improbidade
administrativa, decretando, em conseqüência, o seqüestro de bens, a fim de acaute-
lar eventual condenação ao ressarcimento do erário público.
III. O decisum monocrático impugnado, aliás, contém juízo de delibação
sumária e provisória que, não esgotando a análise do mérito da irresignação,
responde suficientemente a todos os argumentos do recorrente, sem acarretar dano
irreparável, uma vez que o réu permanecerá com a posse dos bens seqüestrados.
Nesse sentido, o resultado útil do julgamento meritório da ação principal foi
preservado, ante os fortes indícios de ato de improbidade administrativa. Prece-
dente da Corte, em hipótese análoga: AG n. 95.01.11120-2-DF, Rel. Juiz Hilton
Queiroz, DJU/II de 14-2-2000.
IV. A urgência da medida cautelar não se concilia com a exigência da certeza
do perigo. Anote-se que a tutela cautelar tem por finalidade assegurar a viabilidade
da realização de uma pretensão deduzida no processo principal.
V. Firme é a jurisprudência nacional no sentido de que a Lei n. 8.429/92
alcança os bens do agente público, ainda que adquiridos antes da prática dos atos
de improbidade, pois, por imperativo constitucional (37, § 4º), deve ser garantido
o ressarcimento do patrimônio público (AG n. 95.01.10152-5-DF, Rel. Juiz
Tourinho Neto, DJU/II de 29-5-95).
VI. Agravo de instrumento improvido.
Deu-se a declinação da competência, ante o teor do artigo 84 do Código de
Processo Penal, considerada a redação decorrente da Lei n. 10.628/02.
À folha 647, despachei, implementando o sobrestamento deste processo, para
aguardar o desfecho da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2. O réu apresen-
tou a petição de folhas 657 a 663, ressaltando:
a) a passagem de uma década sem o desfecho quer desta ação cautelar, quer da ação
de improbidade;
b) a inaplicabilidade da Lei n. 8.429/92, levando em conta que o réu integrou a
Comissão de Orçamento no período de 1989 a 1991;
c) o acometimento de grave enfermidade — neoplasia maligna no pulmão —
devendo o réu submeter-se a dispendioso tratamento médico, cujo valor semanal supera
R$ 2.700,00;
d) a falta de recursos, por ser a pensão parlamentar igual a R$ 8.576,96 e a soma dos
aluguéis, R$ 2.500,00. Daí o requerimento no sentido de se afastar o seqüestro até aqui
prevalecente.
Procedeu-se à juntada de documentos. O processo seguiu à Procuradoria-Geral
da República, que, na peça de folhas 671 a 672, alude ao perigo inverso e preconiza
que o exame do afastamento da liminar se faça pelo Juízo competente — de primeira
instância —, dada a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 84 do Código de Processo
Penal.
426 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os dados são incontroversos. Está-se
diante de medida acauteladora que implicou a indisponibilidade dos bens do réu, que
data de 24 de outubro de 1994. Praticamente dez anos são passados e o Estado-juiz não
chegou ao julgamento da ação de improbidade ajuizada. O processo respectivo, autuado
como Petição n. 3.114-8, encontra-se sobrestado, também aguardando o desfecho da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797-2. Os parâmetros da razoabilidade estão
suplantados. Não é aceitável que perdure ato de constrição precário e efêmero, como o
do arresto verificado, por tanto tempo.
A par desse aspecto, da necessidade de o Estado aparelhar-se, visando a atender aos
reclamos de restabelecimento, em tempo hábil, da paz social momentaneamente abalada,
surge a problemática alusiva à saúde e à faixa etária do envolvido. O réu, octogenário,
acometido de grave doença, conforme retratado na peça de folhas 657 a 663 bem como
nos documentos que a acompanharam, depende de tratamento especializado cujo ônus,
ante até mesmo a falência da saúde pública, é incontestável. Em síntese, sob os dois
ângulos, não há como persistir o ato de contrição que objetivou, consoante a causa de
pedir do Ministério Público, ressarcimento do erário a partir de simples suposições, ou
seja, o manuseio do orçamento da União para alcançar-se vantagem indevida. Resolvo a
questão de ordem afastando o arresto que fora determinado liminarmente, sobrestado o
processo.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Marco Aurélio, vamos definir se estamos
decidindo pela competência do Supremo Tribunal com relação à questão?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Não houve o deferimento da liminar na
ação direta de inconstitucionalidade. Urge uma providência, urge uma prestação
jurisdicional e, a esta altura, é de tirar par ou ímpar para saber se deve decidir o Juízo ou
Supremo Tribunal Federal?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Penso que não temos competência constitucional,
no caso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os aspectos positivos pelo indeferimento
da liminar na ação direta de inconstitucionalidade, pela pendência do tema, pela
vigência do artigo 84, conduzem à prática de medidas urgentes. Reputo essa urgência.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, mas essas medidas urgentes têm de ser tomadas
pelo juiz competente.
R.T.J. — 198 427
VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Retifico, Presidente, evoluindo, como
cumpre fazer, tão logo convencido de assistir maior razão à tese inicialmente repudiada.
Adoto a proposta do Ministro Carlos Velloso, sem o deslocamento da redação do
acórdão.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sra. Presidente, a ação de improbidade tem como
uma das suas vertentes uma das possibilidades que ela viabiliza, o ressarcimento dos
prejuízos que foram causados. Liberar esses bens pelo simples argumento de que a ação
está parada há dez anos significa, na prática, talvez, inviabilizarmos esse provável
ressarcimento.
Lembro à Casa o seguinte: trata-se de um caso de extrema gravidade, fruto de uma
CPI que constatou fraudes gigantescas praticadas por parlamentares. Essa CPI deu
origem a esta ação de improbidade.
De maneira que acho temerária essa medida de sobrestar e ao mesmo tempo liberar
a constrição.
Peço vênia, mas não acompanho.
PEDIDO DE ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidente, gostaria de indagar ao eminente
Relator se não há uma alternativa em termos de garantia para eventual execução da
sentença, como, por exemplo, reduzir os limites do seqüestro. Na verdade, estamos
pondo em risco a efetividade da sentença.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ministro, observo, no caso, o princípio do
terceiro excluído. Ou o arresto tem base para ser mantido, passados os dez anos da
providência e a falta de julgamento da ação — e presumo que não se coligiram
elementos para chegar-se ao desfecho —, ou o arresto deve ser fulminado. Eu não teria
como tarifar — como que prejulgando a ação principal — a garantia.
R.T.J. — 198 431
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sra. Presidente, não tenho dúvida em acompanhar
o Relator.
Tenho, também, a impressão de que este processo fala um pouco dessas histórias
das ações de improbidade, como elas são propostas, como elas não são acompanhadas e
qual é o seu desfecho. Muitas delas mal propostas, mal encaminhadas, e, por isso, depois,
se eternizam. Isto fala bem das histórias das manipulações das ações de improbidade.
Acompanho o Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Qual a colocação do Ministro Cezar Peluso?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Uma colocação de que, se os bens forem
alienados e a ação vier a ser julgada procedente, ter-se-á a caracterização da fraude à
execução e aí haverá seqüela quanto a esses bens.
432 R.T.J. — 198
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Manifesto, também, a minha adesão
ao voto do Relator, acrescentando que, além de que os bens eventualmente transfe-
ridos indevidamente terão a sua persecução garantida posteriormente, seria extrema-
mente difícil para esta Corte, neste momento, determinar quais e quantos bens
seriam necessários para a finalidade humanitária que informa a proposta do eminente
Relator.
Por isso acompanho o seu voto.
R.T.J. — 198 433
EXTRATO DA ATA
AC 244-QO/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerente: Ministério Pú-
blico Federal. Requerido: Cid Rojas Américo de Carvalho (Advogados: José Eduardo
Rangel de Alckmin e outro).
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, resolvendo
a questão de ordem suscitada, afastou o arresto de bens e determinou o sobrestamento
desta ação para aguardar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2.797-2/DF. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim,
Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 21 de outubro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
434 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe ação direta,
com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade do item 1 do §
2º do artigo 31 da Constituição do Estado de São Paulo, que tem o seguinte teor:
“Artigo 31. O Tribunal de Contas do Estado, integrado por sete conselheiros,
tem sede na Capital do Estado, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o
território estadual, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96 da
Constituição Federal.
[...]
§ 2º Os Conselheiros do Tribunal serão escolhidos:
1. dois, pelo Governador do Estado com aprovação da Assembléia Legis-
lativa, alternadamente entre os substitutos de Conselheiros e membros da
Procuradoria da Fazenda do Estado junto ao Tribunal, indicados por este, em
lista tríplice, segundo critérios de antiguidade e merecimento.
[...]”.
2. O requerente sustenta, inicialmente, que o preceito aludido viola as disposições
do artigo 73, § 2º, inciso I, e artigo 75, caput, ambos da Constituição do Brasil. Aduz que
o poder constituinte do Estado-Membro se encontra sujeito aos condicionamentos
normativos impostos pela Constituição de 1988. Alega ainda que o texto da Constitui-
ção do Estado de São Paulo está em dissonância com o paradigma federal, na medida em
que foram subtraídas as vagas destinadas aos membros do Ministério Público, visto que
essas foram direcionadas aos Procuradores da Fazenda do Estado.
3. A pretensão cautelar foi deferida em 30 de novembro de 1990, consoante o
acórdão de fls. 45/49, assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Constituição do
Estado de São Paulo (item 1, § 2º, art. 31). Conselheiros do Tribunal de Contas do
Estado. Critério de escolha dissociado do paradigma federal, ao qual estaria
vinculado o Constituinte estadual (CF, arts. 73, § 2º, inciso I, e 75). Plausibilidade
jurídica. Periculum in mora. Liminar deferida.”
4. A Assembléia Legislativa alega que as disposições constitucionais atinentes à
organização do Tribunal de Contas da União serão aplicadas pelos Estados-Membros no
que couber. Ressalta que o intuito da regra do artigo 73 da Constituição de 1988 é
“reservar uma parcela de vagas para premiar aqueles que intimamente estão ligados ao
funcionamento da Corte, quer atuando institucionalmente, quer detendo conhecimen-
tos especializados à função”, e que, no caso do Estado de São Paulo, “a única instituição
que atua junto ao Tribunal de Contas é a Procuradoria da Fazenda Estadual”. Conclui
R.T.J. — 198 435
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Procurador-Geral da República pretende a
declaração de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do artigo 31 da Constituição do
Estado de São Paulo, que cuida do número de vagas de Conselheiros do Tribunal de
Contas estadual a serem escolhidos pelo Governador.
2. O ponto a ser enfrentado nesta ação direta é o relativo à possibilidade de atuação
dos Procuradores da Fazenda do Estado de São Paulo junto à Corte de Contas estadual,
em substituição aos membros do Ministério Público Especial.
3. Quando do julgamento da medida cautelar, o Ministro Célio Borja, Relator à
época, ressaltou que o preceito atacado:
“[...] parece violar a regra do artigo 75 da Lei Maior, a opção do constituinte
estadual pelos Procuradores da Fazenda que atuam perante o Tribunal de Contas
estadual, em detrimento dos órgãos do Ministério Público, aos quais foram reservadas
tais vagas pela Constituição Federal”.
4. Questão semelhante foi, recentemente, apreciada por esta Corte, em sessão do
dia 2 de dezembro de 2004, quando do julgamento da ADI n. 2.884, Relator o Ministro
Celso de Mello1. Naquele julgamento, no qual se discutia a possibilidade de atuação do
Ministério Público comum junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro,
entendeu o Relator que somente o Ministério Público especial tem legitimidade para
atuar junto aos Tribunais de Contas dos Estados e que a organização e a composição dos
1 Informativo n. 372.
436 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, segundo vi, a petição e os
pareceres não se referem a esses substitutos de conselheiros. Não seria uma denominação
paulista para auditores?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, é um exercício eventual.
.
R.T.J. — 198 437
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Posso esclarecer que essa função de substituto
de conselheiro não tem nada a ver com a de auditor. Inclusive, já fui indicado, em uma
ocasião, e declinei da honra.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mostra que era dispensável essa categoria.
EXTRATO DA ATA
ADI 397/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da
República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Advogados:
Marcelo de Carvalho e outro e Jorge L. Galli).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade dos itens 1 e 3 do § 2º do artigo 31 da Constituição do Estado
de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson
Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, julgar improcedente a ação, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 9 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,
Relator.
438 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esta ação foi ajuizada na Seção Judiciária de
Roraima e remetida a esta Corte ante decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
que, na ação cautelar em apenso, implicou, julgado o agravo de instrumento, a declara-
ção de incompetência absoluta da Justiça Federal, ressaltando-se o envolvimento de
conflito entre a União e o Estado de Roraima (folhas 49 a 52). Trata-se de ação ordinária
de anulação de escritura pública e registro de bem imóvel no cartório competente. Eis os
fatos narrados na inicial de folhas 2 a 9:
a) a Gerente Regional do Patrimônio da União no Amazonas reclamou providência
para se reaver a posse e o domínio da União sobre os bens móveis e imóveis que fazem
parte do Núcleo Residencial Executivo Roraimense, colocado à venda pelo Estado de
Roraima mediante concorrência pública capitaneada pela Caixa Econômica;
b) a concessão de medida acauteladora no processo em apenso — Ação Cível
Originária n. 639 — obstaculizou o ato;
c) o imóvel foi havido, pela União, do Governo do Estado do Amazonas, conforme
título formalizado em 30 de janeiro de 1899, tornando-se próprio nacional ante o
Decreto-Lei n. 5.812, de 4 de outubro de 1943;
d) antes, esteve sob administração do Território Federal de Roraima, sendo certo
que particulares obtiveram-lhe a posse;
e) no inventário de José Estevam Sampaio Guimarães, veio a ser homologada
partilha de bens, sendo que o Estado de Roraima reclamou a adjudicação;
f) em 5 de junho de 2001, o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista
acolheu o pedido do Estado, verificando-se, com isso, a adjudicação, com os atos
subseqüentes.
Sustenta-se a insubsistência da adjudicação e do registro formalizado, afirmando-
se que a União necessita do imóvel, o que não ocorre com o Estado de Roraima, tanto
assim que, em época de eleições, colocara-o à venda. Assevera-se inaplicável o § 2º do
artigo 14 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988. Ter-se-ia o
Decreto-Lei n. 9.760, de 15 de setembro de 1946, recepcionado pela Carta da República,
razão pela qual o domínio do Conjunto Executivo pertence à União. Pleiteia-se a
procedência do pedido, assentando-se a incompetência absoluta do Juízo da 1ª Vara
Cível da Comarca de Boa Vista e declarando-se nulos os atos praticados, a fim de que
seja restabelecido o domínio da União. À inicial juntaram-se os documentos de folhas
10 a 53.
O processo revelador da ação cautelar — Ação Cível Originária n. 639 — foi
apensado por determinação do Relator a quem sucedi, Ministro Maurício Corrêa (folha
56).
O Estado de Roraima, citado, apresentou a contestação de folhas 105 a 112,
apontando que, mediante a norma do artigo 15 da Lei Complementar n. 41, de 22 de
dezembro de 1981, foram transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a
administração dos bens móveis e imóveis pertencentes ao outrora Território de
Rondônia, efetivamente utilizados pela administração deste e os bens especificados nos
R.T.J. — 198 439
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Comunico à Corte que, no espelho deste
processo, no item III, há um equívoco: o parecer da Procuradoria não é pela procedência,
mas sim pela improcedência.
440 R.T.J. — 198
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A União foi intimada quanto à inclusão do
processo em pauta em setembro de 2004. A petição, pedindo o sobrestamento, deu
entrada no protocolo no dia de ontem, às 17h56, chegando ao Gabinete às 14h20 do dia
de hoje.
No caso, não há um argumento suficiente a interromper-se o julgamento já iniciado.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A competência para o julgamento, quer da
ação cível de anulação de escritura e de registro de bem no cartório de imóveis, quer da
cautelar em apenso, é do Supremo Tribunal Federal, conforme concluiu o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, mediante acórdão da lavra da juíza Maria Isabel Gallotti
Rodrigues no Agravo de Instrumento n. 2002.01.00.021615-6/RR (folhas 49 a 52).
Realmente, consta da Carta da República competir ao Supremo Tribunal Federal proces-
sar e julgar originariamente as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União
e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da adminis-
tração indireta. Descabe interpretar a norma de competência e estabelecer distinções em
face do conteúdo econômico do conflito, da repercussão política que possa haver. Esse
enfoque harmoniza-se com o texto constitucional, no que apanha ações que envolvam,
na relação processual, até mesmo entidades da administração indireta. O objetivo não é
outro senão afastar da primeira instância da Justiça Federal ou da Justiça do Estado os
conflitos, surgindo o Supremo Tribunal Federal como árbitro maior da boa convivência
federativa.
No mais, de acordo com o artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, foram transformados em Estados os Territórios Federais de Roraima e do
Amapá, dispondo o § 2º nele contido sobre a aplicação das normas e critérios observados
na criação do Estado de Rondônia. Ora, a Lei Complementar n. 41, de 22 de dezembro de
1981, preceitua, no artigo 15:
Art. 15. Ficam transferidos ao Estado de Rondônia o domínio, a posse e a
administração dos seguintes bens móveis e imóveis:
I - os que atualmente pertencem ao Território Federal de Rondônia;
II - os efetivamente utilizados pela Administração do Território Federal de
Rondônia;
III - rendas, direitos e obrigações decorrentes dos bens especificados nos
incisos I e II, bem como os relativos aos convênios, contratos e ajustes firmados
pela União, no interesse do Território Federal de Rondônia.
Então, há de se considerar o item 20 do parecer do ilustre Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, aprovado pelo Procurador-
Geral:
Ante tal constatação, conclui-se que o correto deslinde da questio ora anali-
sada perpassa a análise acerca da utilização dada ao “Conjunto Executivo” antes
do advento da Constituição de 1988, que determinou a transformação do Territó-
R.T.J. — 198 441
rio Federal de Roraima em Estado. Da leitura dos autos, infere-se que a única
informação a respeito da destinação dada ao referido bem àquela época está
apostada às fls. 165, onde resta consignado que, em declaração firmada a 07 de
junho de 2002, o Sr. Diretor de Serviços Gerais do Estado de Roraima afirmou que
as unidades habitacionais que formam o Conjunto dos Executivos, construídas
entre 1979 e 1985, eram utilizadas para fins de residência dos juízes da Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios e de servidores de primeiro escalão da Adminis-
tração do então Território Federal de Roraima. Assevera, ainda, que, após a instala-
ção do Estado de Roraima, as unidades passaram a ser ocupadas por servidores do
primeiro escalão do governo, como, por exemplo, secretários de Estado.
Diante do quadro retratado neste processo, julgo improcedente o pedido
formulado pela União e a condeno a satisfazer honorários advocatícios, que arbitro em
R$ 5.000,00, tendo em conta os dois processos, ou seja, esta Ação Cível Originária n.
640 e a Ação Cível Originária n. 639, que se revela como cautelar. Considero, na fixação,
o trabalho em ambos os processos e, portanto, observo o teor do § 4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil. Declaro, com este julgamento, prejudicada a apreciação final
desta última ação, ou seja, da cautelar.
EXTRATO DA ATA
ACO 640/RR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autora: União (Advogado:
Advogado-Geral da União). Réu: Estado de Roraima (Advogado: Cleusa Lucia de
Souza Lima).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação, nos termos do
voto do Relator. Falou pelo réu o Dr. Régis Gurgel do Amaral Jereissatti, Procurador do
Estado. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 9 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conceder a medida cautelar, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco
Aurélio. Votou o Presidente.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de ação cautelar, com requerimento de
liminar, por meio da qual a Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ requer
a suspensão dos efeitos da decisão de primeira instância, decisão que, em execução de
sentença, determinou a penhora de recursos financeiros dela, ora requerente, como
resultado de sua condenação em ação de cobrança.
2. Diz a peticionária que tal constrição judicial, a incidir sobre a receita auferida
em suas bilheterias, implicará o colapso do serviço de transporte público metroviário na
capital do Estado bandeirante, visto que a empresa compromete cerca de 80% (oitenta
por cento) de sua renda com a folha de pagamento dos respectivos servidores. No caso,
o valor da dívida ascende, hoje, no patamar de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de
reais).
3. Mais: por ser prestadora de serviço público, voltado este à satisfação de necessi-
dades materiais da população, a postulante entende que não se lhe aplica a norma do
inciso II do § 1º do art. 173 da Magna Carta. Noutras palavras, a Companhia do
Metropolitano de São Paulo não exerce atividade econômica em sentido estrito e, por
isso, defende a prerrogativa da impenhorabilidade de seus bens, tal como foi reconhecido
em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, no bojo do RE 220.906.
4. Essa linha de argumentação foi apresentada ao Juízo da execução, que não a
acolheu. Houve agravo de instrumento, desprovido pelo Tribunal de Justiça, do que
advieram recurso especial e recurso extraordinário. O primeiro não obteve sucesso no
R.T.J. — 198 443
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Começo por esclarecer que, no dia 31-
5-2005, dei provimento ao AI 494.132, para determinar a subida do recurso
extraordinário de que lançou mão a requerente, recurso em que se alega ofensa ao § 1º do
art. 173 da Magna Carta. Pelo que ficou aberta a jurisdição cautelar desta egrégia Corte,
ensejando o exame da tese fincada na seguinte pergunta: são impenhoráveis os bens da
Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ? Ou, mais precisamente, estão
livres de bloqueio as receitas que essa empresa estatal aufere em suas bilheterias?
Receitas diretamente obtidas nos guichês de venda de tickets aos usuários dos serviços
por ela prestados na área do transporte coletivo urbano e suburbano? Ainda que o
bloqueio recaia sobre quantias presentes e futuras em conta bancária? Mas sempre
receita do tipo ortodoxamente tarifário? Além do mais, de estrita vinculabilidade ao
custeio da empresa, marcadamente com folha de pessoal?
11. É claro que este exame, no momento, é de ser feito exclusivamente para os fins
da medida cautelar, sem foros de definitividade. E, para que os ilustrados decididores já
possam iniciar a formulação do seu mais lúcido pensar, anoto que a decisão alvejada
veio a lume em maio de 2002, determinando ao Presidente da Nossa Caixa S.A. a
444 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para, num primeiro passo,
firmar convencimento quanto à competência da Corte para julgar a ação cautelar.
O parecer da Procuradoria parte da premissa de que o Supremo só pode atuar uma
vez admitido o recurso. Penso que não é essa a óptica a prevalecer. Realmente, exige-se
o crivo do Juízo primeiro de admissibilidade para dar-se a devolução da matéria
suficiente a acarretar a competência da Corte.
Ora, negativo esse exame e interposto recurso que já não passa pelo Juízo primeiro
de admissibilidade, que resulta na devolução automática da matéria a esta Corte, de
quem é a competência para julgar a ação cautelar? É do Supremo. O Relator adianta que,
no caso, proveu o agravo e determinou a subida do recurso extraordinário.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Somente uma indagação: o feito veio para o Pleno,
por quê? Ele não é da Turma?
R.T.J. — 198 447
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tenho como aberta a jurisdição cautelar do
Supremo Tribunal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sem dúvida, provido o agravo, obviamente
não se aplica a súmula.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas seria julgado na Turma.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Na Turma?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De início, sim.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Depende da relevância.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acontece, também, que essa cautelar não passa de
um incidente do recurso extraordinário, não é verdade? Não é ação.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Perfeito.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não vamos obrigar o advogado a fazer nova defesa em
Turma. A sustentação foi brilhante.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Carlos Velloso, eu próprio, que vinha
imprimindo trânsito ao processo revelador da cautelar, já aderi, por sugestão inclusive
do Ministro Sepúlveda Pertence, à óptica de que ocorre simples incidente do recurso
extraordinário e, até por celeridade e economia processuais, não devemos ir adiante para
julgar o pedido final. Não estou levando mais as ações cautelares a julgamento final.
Determino a apensação, deferida ou indeferida a liminar. Indeferida, aguardo a
provocação de possível prejudicado. Deferida, submeto o ato ao referendo do
Colegiado.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): é pela importância do tema; já fizemos isso;
já fizemos isso com os Correios também.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fiz esses alertas para não parecer que a questão deve
ser sempre assim. É importante o alerta.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O tema processual já foi superado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Admitiria a competência do Supremo ainda que o
Relator não tivesse provido o agravo para processamento do recurso extraordinário.
Quanto ao tema de fundo, pede-se simplesmente a eficácia suspensiva do recurso
extraordinário? Seria inócua, porque o empréstimo desse efeito implicaria afastar, do
mundo jurídico, o pronunciamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mesmo
afastado, tal ato não restabeleceria quadro favorável a quem pleiteia o efeito suspensivo,
já que acarretou a manutenção da penhora realizada. O que se quer é o efeito suspensivo
ativo, com a providência maior, e não sei se a providência seria no sentido de se devolver
a verba pleiteada ou apenas congelá-la.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Eu desfaço o bloqueio e determino a
continuidade de um pagamento acertado no esquema entre partes de quatrocentos mil
reais por mês.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Cancelada a penhora desse valor.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Cancelada a penhora.
448 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, tenho em consideração alguns
pontos. Primeiro, estamos decidindo se devemos emprestar efeito suspensivo ou não a
um recurso extraordinário já admitido.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tutela antecipada.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Nesse sentido, é tutela antecipada.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “Efeito suspensivo ativo” são termos que
“hurlent de se trouver ensemble”.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Respondendo à pergunta do Ministro
Marco Aurélio, realmente tive o cuidado de ler a decisão do STJ, especialmente na parte
em que deixa claro o seguinte: “as instâncias ordinárias reconheceram a inexistência de
outros meios para a realização da constrição judicial” — fl. 153 —, a evidenciar que essa
razão social plúrima, no caso, é meramente retórica: não há outras fontes de renda para o
metrô que não as suas próprias bilheterias. Daí por que a constrição se fez exatamente
nessas fontes de renda; não havia outro meio de satisfazer ao crédito.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: De que decorre esse crédito?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É uma empreiteira; são créditos decorrentes
de contratos passados de construção.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Companhia do Metrô perdeu em primeira instância?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Estamos já na fase da execução.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Houve processo de conhecimento antes ou, consi-
derado título extrajudicial, já se partiu para a execução forçada?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Não me lembro, Excelência. Acho que se
trata de um processo de conhecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Fase de conhecimento ou de execução?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Acredito ser de conhecimento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma ação ordinária de cobrança.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Transitou em julgado a decisão a encerrar obrigação
de dar, partindo-se, então, para a execução forçada.
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É uma ação de conhecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Companhia do Metrô perdeu na primeira e na
segunda instância, e Vossa Excelência mencionou o Superior Tribunal de Justiça.
450 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, o caso, para mim — que ainda
não compreendi exatamente o que possa ser o tal “efeito suspensivo ativo”—, é de tutela
recursal antecipada.
R.T.J. — 198 451
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho o Ministro
Relator.
Reitero as considerações feitas no Plenário, lembrando que todas essas empresas
prestadoras de serviços — principalmente os de construção —, quando operam com
empresas dessa natureza, já embutem no preço todos os riscos decorrentes dessas
operações, inclusive as delongas; ou seja, não há que se falar em efetivo prejuízo,
porque, economicamente, todos eles calculam, na sua planilha de ofertas, todas as taxas
de risco da operação, tanto é que continuam operando com essas empresas, senão não o
fariam. Então, a regra de mercado já atende às preocupações em relação à seriedade dos
trabalhos. O fato é que estamos perante um serviço de natureza pública — efetivamente
de natureza pública —, e foi claramente demonstrado pela tribuna que essa receita
representa condição de operação da empresa.
EXTRATO DA ATA
AC 669/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Companhia do Metropo-
litano de São Paulo – METRÔ (Advogados: Sérgio Henrique Passos Avelleda e outro).
Requerido: Cetenco Engenharia S.A. (Advogados: Alfredo Jorge Achôa Mello e outro).
Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a medida cautelar, nos termos do voto
do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Nelson
Jobim. Falou pela requerente o Dr. Carlos Ari Sundfeld. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
452 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Octavio Gallotti,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, julgar procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 60 e 78
e seus §§ 1º e 2º, bem como das expressões “e do Tribunal de Contas dos Municípios”,
contidas, respectivamente, no inciso XXX do art. 92 e no art. 122, todos da Constituição
do Estado do Pará. Também, por unanimidade de votos, julgar improcedente a ação,
para declarar a constitucionalidade do inciso XXVII do art. 92, e, por maioria de votos,
improcedente e constitucional o art. 65, vencidos os Ministros Moreira Alves e Marco
Aurélio, que a julgavam procedente e inconstitucional o dispositivo impugnado. Votou
o Presidente. O Ministro Sydney Sanches esteve ausente, ocasionalmente, na votação
dos incisos XXVII e XXX do art. 92 e do art. 122. Procurador-Geral da República, Dr.
Moacir Antonio Machado da Silva, na ausência ocasional do Dr. Aristides Junqueira
Alvarenga.
Brasília, 2 de fevereiro de 1995 — Celso de Mello, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: O Ministério Público Federal, em parecer da lavra
do ilustre Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Moacir Antonio Machado da Silva,
aprovado pelo eminente titular do Parquet, assim resumiu e apreciou as múltiplas
questões constitucionais suscitadas na presente sede de fiscalização normativa abstrata
(fls. 39/58):
“Com fundamento no art. 103, VI, da Constituição Federal, o Procurador-
Geral da República propôs a presente ação direta de inconstitucionalidade dos
R.T.J. — 198 455
arts. 60, 65, 78 e seus parágrafos 1º e 2º, bem como dos incisos XXVII e XXX do art.
92, e do art. 122, todos da Constituição do Estado do Pará, promulgada em 5 de
outubro de 1989, que dispõem:
‘Art. 60. A Câmara poderá convocar o Prefeito ou seus auxiliares
para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente deter-
minado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação
adequada.’
‘Art. 65. Nos crimes de responsabilidade, o Prefeito será processado e
julgado pela Câmara Municipal.’
‘Art. 78. O Prefeito será substituído, no caso de ausência do Município
ou de impedimento, e sucedido no de vaga, pelo Vice-Prefeito.
§ 1º Em caso de ausência ou de impedimento do Prefeito e do Vice-
Prefeito, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados
ao exercício da Prefeitura os membros da Mesa Diretora da Câmara
Municipal, obedecida a respectiva ordem, e o Juiz de Direito da Comarca,
lavrando-se o ato de transmissão em livro próprio.
§ 2º Implica responsabilidade a não transmissão de cargo nos casos
de ausência ou impedimento.’
‘Art. 92. É de competência exclusiva da Assembléia Legislativa:
(...)
XXVII - apreciar, trimestralmente, os relatórios das atividades do
Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios;
(...)
XXX - julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Estado
e do Tribunal de Contas dos Municípios.’
‘Art. 122. O Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal de Contas dos
Municípios prestarão suas contas, anualmente, à Assembléia Legislativa,
no prazo de sessenta dias da abertura da sessão legislativa.’
Adotou o requerente, como fundamento do pedido, as razões constantes
do expediente do Prefeito do Município de Belém, que consideram os dispositi-
vos impugnados ofensivos à autonomia municipal, pois extravasam os limites da
normação geral sobre temas concernentes à organização dos Municípios.
Tratando analiticamente de cada um dos dispositivos, acrescenta que:
a) o art. 60 infringe o princípio da separação de poderes, ao subme-
ter o Prefeito à convocação da Câmara Municipal, discrepando dos
paradigmas federal e estadual, que autorizam apenas a convocação dos
auxiliares diretos, nunca do Chefe do Poder Executivo (arts. 50 e 93,
respectivamente);
b) o art. 65 incide no mesmo vício, violando a competência do
Tribunal de Justiça para julgar os crimes praticados por Prefeito Municipal
nos termos do art. 29, VIII, da Carta Federal;
456 R.T.J. — 198
III.
O art. 65 determina que o Prefeito seja julgado pela Câmara Municipal nos
crimes de responsabilidade.
A norma é incompatível com o art. 29, inciso VIII, da Constituição
Federal, que atribui competência ao Tribunal de Justiça para julgar os Prefeitos
Municipais, em matéria penal, uma vez que inexiste foro privilegiado em matéria
civil, no sistema constitucional brasileiro.
É verdade que o julgamento dos crimes de responsabilidade do Presidente
da República e dos Governadores de Estado compete ao Poder Legislativo. Já no
regime constitucional anterior, contudo, inexistindo regra constitucional expressa
sobre os Prefeitos, veio a lume o Decreto-lei n. 201, de 1967, que, em seu art. 1º,
atribuiu ao Poder Judiciário a competência para julgar os crimes de responsabili-
dade dos Chefes de Executivo municipais.
Em face da inovação introduzida pela nova Constituição, assinala Hely
Lopes Meirelles que ‘o Prefeito responde, agora, por crime comum e crime de
responsabilidade, perante o Tribunal de Justiça (Const. Rep. art. 29, VIII) e por
infrações político-administrativas, perante a Câmara de Vereadores, na forma
estabelecida pelo Dec.-lei 201, de 27-2-1967.’ (‘Direito Administrativo Brasilei-
ro’, 15ª ed., 1990, p. 665).
No julgamento do HC 67.721-5-SP, decidiu o Supremo Tribunal Federal no
mesmo sentido (DJ de 7-12-89):
‘Crime de Responsabilidade. Imputação penal deduzida contra ex-
Prefeito Municipal, por fatos alegadamente ocorridos durante o seu mandato.
Inadmissibilidade. Situação configuradora de constrangimento ilegal. Juris-
prudência firme do Supremo Tribunal Federal. Competência do Tribunal de
Justiça para processar e julgar Prefeitos Municipais (CF, art. 29, VIII). A
situação de ex-Prefeitos Municipais (Súmula 394 do STF). Habeas Corpus
deferido.’
O art. 65 da Constituição do Pará é, portanto, inconciliável com o art. 29,
VIII, da Constituição Federal.
IV.
O art. 78 e seu § 1º estabelecem regras concernentes à substituição do
Prefeito, em caso de ausência ou de impedimento, e de sucessão, em caso de vaga,
enquanto o § 2º do mesmo artigo define como crime de responsabilidade a não-
transmissão do cargo nos casos de ausência ou impedimento.
Aponta-se a inconstitucionalidade dos dispositivos, em primeiro lugar,
porque a expressão ‘ausência’, neles contida, reverte contra a sistemática consti-
tucional, que não contempla essa hipótese como causa de substituição, acrescen-
tando-se que a regra ainda está em clara contradição com o art. 80 da Constituição
Estadual, do qual decorreria a autorização para o Prefeito ausentar-se do Municí-
pio por tempo não superior a quinze dias, sem necessidade de transmissão do cargo
ao substituto.
R.T.J. — 198 459
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Sustenta-se, inicialmente, a inconstituciona-
lidade do art. 60 da Constituição do Pará, que assim dispõe:
“Art. 60. A Câmara poderá convocar o Prefeito ou seus auxiliares para
prestar, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, im-
portando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.”
(Grifei)
A douta Procuradoria-Geral da República, apreciando a validade jurídica do
dispositivo em questão, manifestou-se por sua inconstitucionalidade, nos seguintes
termos (fls. 44/45):
R.T.J. — 198 465
A terceira norma ora impugnada nesta sede processual acha-se inscrita no art.
78, e respectivos parágrafos, da Constituição do Pará:
“Art. 78. O Prefeito será substituído, no caso de ausência do Município ou de
impedimento, e sucedido, no de vaga, pelo Vice-Presidente.
§ 1º Em caso de ausência ou de impedimento do Prefeito e do Vice-Prefeito,
ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício
da Prefeitura os membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal, obedecida a
respectiva ordem, e o Juiz de Direito da Comarca, lavrando-se o ato de transmis-
são em livro próprio.
§ 2º Implica responsabilidade a não-transmissão de cargo nos casos de
ausência ou impedimento.” (Grifei)
O conteúdo normativo da regra em questão torna evidente que o Estado-Mem-
bro, agindo ultra vires, incidiu em domínio constitucionalmente reservado à esfera de
atuação exclusiva dos Municípios, pois disciplinou, de modo indevido, questão que se
submete ao âmbito do preponderante interesse das coletividades locais.
É necessário relembrar que o exercício, pelo Estado-Membro, do poder consti-
tuinte decorrente que lhe atribuiu a Constituição da República sofre os condiciona-
mentos normativos que derivam da Lei Fundamental (art. 25) e que conformam, por
isso mesmo, a prática legítima de suas atribuições institucionais.
Examinada a questão sob tal perspectiva, torna-se forçoso concluir que a auto-
nomia municipal — que representa um dos pilares em que se apóia a própria organiza-
ção institucional do Estado Federal brasileiro — qualifica-se como princípio de obser-
vância necessária pelos Estados-Membros e cuja violação, como sucede na espécie,
implica o reconhecimento de que a norma estadual resultante dessa grave transgressão
incide no vício inconvalidável da inconstitucionalidade.
A ocorrência de inconstitucionalidade orgânica, considerada a fonte normativa
de que provieram as normas inscritas no art. 78 e respectivos parágrafos da Constitui-
ção do Estado do Pará, basta, por si só, quanto a esse específico ponto, para tornar
acolhível a pretensão ora veiculada na presente ação direta.
Se não fosse por tal razão, procederia à análise dos preceitos em causa, examinan-
do-os sob a perspectiva material de sua alegada inconstitucionalidade.
Caberia, então, o exame — já procedido por esta Suprema Corte (ADI 819/RO,
Rel. Min. Celso de Mello — ADI 887/AM, Rel. Min. Sydney Sanches) — da noção
conceitual de impedimento para o exercício das atribuições inerentes à Chefia do Poder
Executivo e da conseqüente disciplina da ordem de vocação, para efeito de substitui-
ção (sempre temporária) do Prefeito Municipal.
É claro que o Juiz de Direito — que é autoridade estadual — não pode figurar,
por efeito de determinação inscrita na Constituição do Estado-Membro, na ordem de
substituição do Prefeito Municipal, seja em respeito ao postulado da autonomia do
Município (CF, art. 29), seja, ainda, em obediência à norma vedatória, que, inscrita no
art. 95, parágrafo único, I, da Carta Política, proíbe o magistrado, em atenção ao
princípio da separação de poderes, de exercer, ainda que em disponibilidade, outro
cargo ou função, salvo uma de magistério.
R.T.J. — 198 471
Tribunal de Contas que, sendo órgão auxiliar do Poder Legislativo, a este se acha
sujeito; não é lícito, pois, ao Tribunal subtrair-se à prestação de contas, quando
a lei lhe impõe esta obrigação. A condição jurídica do Tribunal de Contas, posto
que autônoma e relevante, foi definida pela própria Constituição.
(...)
A Constituição da República, atribuindo ao Tribunal de Contas o caráter de
órgão auxiliar do Poder Legislativo, não precisa inserir norma expressa, estabele-
cendo que ele deve prestar contas ao Congresso, porque esta verdade resulta da
sua própria condição jurídica.” (Grifei)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a ADI 375/AM,
Rel. Min. Octavio Gallotti, ressaltou, em unânime votação, que o Tribunal de Contas
do Estado-Membro não é imune ao controle externo que repousa, institucionalmente,
na esfera de competência do Poder Legislativo. Salientou-se, então, no voto condutor
proferido pelo eminente Ministro Octavio Gallotti (RTJ 138/415-416):
“Ao manifestar-me como Relator, acerca do requerimento de medida
cautelar, tive, nestes mesmos autos, ocasião de asseverar:
‘Creio ser hoje possível afirmar, sem receio de erro, que os Tribunais
de Contas são órgãos do Poder Legislativo, sem, todavia, se acharem
subordinados às Casas do Congresso, Assembléias Legislativas ou Câmaras
de Vereadores. Que não são subordinados, nem dependentes, comprovam-
no o dispositivo da Constituição Federal que lhes atribui competência para
realizar, por iniciativa própria, inspeções e auditorias nas unidades adminis-
trativas dos três Poderes (art. 71, IV), bem como as garantias de magistratura,
asseguradas aos seus Membros (art. 73, § 3º), além de extensão da autonomia
inerente aos Tribunais do Poder Judiciário (art. 73, combinado com o art. 96).
Acresce que a competência dos Tribunais de Contas não resulta de
delegação das Câmaras legislativas, mas, originariamente, da Constituição.
(...)
Em assentada anterior, já havia esta Corte, aliás, placitado dispositivo
da Constituição do Rio de Janeiro, que conferia, à Assembléia Legislativa,
competência para apreciar as contas do Tribunal de Contas (Rpr 1.021,
Relator o eminente Ministro Djaci Falcão, RTJ 110/476).
Pode-se, portanto, deduzir que os Tribunais de Contas Estaduais
guardam autonomia perante as Assembléias Legislativas, mas isto não
basta para torná-los indenes ao controle externo delas, segundo a Consti-
tuição Federal, como parecem supor os Tribunais promoventes desta ação
direta. Mesmo porque diferem, em conceito e conseqüências, o controle e a
subordinação.
(...)
Procuram apoio, em suma, os dignos promotores desta Ação Direta, em
primeiro lugar, na alegada indenidade dos Tribunais de Contas ao controle
externo, exercitável pelas Assembléias Legislativas (...).
R.T.J. — 198 477
VOTO
(Art. 60 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, mantenho reservas, na linha
do pensamento do eminente Ministro Paulo Brossard, quanto à afirmação peremptória
de que a definição dos crimes de responsabilidade de dignitários locais seja matéria
penal e, conseqüentemente, da competência privativa da União. Mas o eminente Relator
trouxe outro fundamento suficiente à inconstitucionalidade, ou seja, quando coubesse
essa definição ao poder local, dado que, no caso, se cuida de crime de responsabilidade
de prefeito, a sede normativa dessa definição seria a Lei Orgânica Municipal, hoje
descentralizada para a competência de cada município.
Portanto, essa razão dispensa o exame, por ora, do outro fundamento aventado.
Cinjo-me a ela e acompanho o eminente Relator, julgando procedente a ação direta.
480 R.T.J. — 198
VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Senhor Presidente, também tenho dúvidas a
respeito da possibilidade de o Estado legislar sobre este tipo de matéria para o municí-
pio. Em face da inexistência de uma norma específica neste sentido, e havendo uma
regra já assentada através do art. 65, acompanho o eminente Relator, reservando-me, se
surgir um caso semelhante, para estudar com mais profundidade o assunto.
Julgo improcedente.
VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também eu acompanho o
Ministro Relator. Não vejo nítida a inconstitucionalidade formal, no caso. Embora, a
meu ver, se cuide de mera explicitação do que decorre do sistema da Constituição
Federal, não creio daí decorra vedação para que a faça a Constituição do Estado. Mas a
inconstitucionalidade material, como demonstrou o ilustre Relator, é patente.
VOTO
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Presidente, fico vencido, seguindo a orientação
que esta Corte tem adotado, no sentido de que quando se trata de inconstitucionalidade
formal em decorrência de incompetência, não há que se examinar o mérito da norma; e,
a meu ver, a inconstitucionalidade formal, no caso é manifesta, pois se trata de matéria a
ser disciplinada na Lei Orgânica dos municípios, para a qual é competente o Município,
e não a Constituição do Estado.
VOTO (Retificação)
(Sobre o art. 65 da Constituição do Pará)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reajusto o meu voto, atento, a esta
altura, ao que ressaltado pelo Ministro Moreira Alves. Realmente, não podemos cogitar,
estou convencido disso, da competência do Estado para disciplinar a matéria, já que se
trata de assunto de interesse, em si, do próprio Município, jungido, portanto, à autonomia
municipal. Esta Corte, em inúmeros pronunciamentos, tem ordenado a matéria, dizendo
dos vícios que podem macular uma norma, procedendo, antes do exame de fundo, à análise
sob o ângulo formal. Ora, se assentamos de início que, no caso, não havia competência do
órgão legislador para dispor sobre o tema, pouco importa o modo pelo qual o tenha feito.
Subsiste, de qualquer maneira, o defeito formal, concernente à origem.
Por isso, deixo de acompanhar o nobre Relator, que sustentou a constitucionalidade
da norma, para aderir ao voto do Ministro Moreira Alves, convicto de que estou
homenageando a jurisprudência da Corte no tocante à necessidade de, antes de exami-
nar, repito, o tema de fundo, apreciar o vício concernente à forma.
É como voto na espécie.
R.T.J. — 198 481
VOTO
(Art. 92, incisos XXVII e XXX, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Senhor Presidente, gostaria, preliminarmente, de
prestar um esclarecimento a este Tribunal. Na última sessão do ano passado foram
julgadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 1.140/RO e 1.175/DF relativa-
mente a essa mesma matéria. Naquela ocasião votei de acordo com o eminente Relator
da ADIn n. 1.175, acentuando bem que o meu voto não era definitivo.
Mas hoje, examinando bem essa questão, confirmo o meu voto em caráter
definitivo para acompanhar o nobre Ministro Celso de Mello, julgando improcedente
a ação, porque também entendo que devem ser cortadas as expressões “e o Tribunal de
Contas dos Municípios”, contidas no inciso XXX do art. 92 e no art. 122 da Carta do
Estado do Pará.
VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, reafirmo o que tive oportu-
nidade de salientar numa das últimas sessões do ano judiciário de 1994. Não
consigo conceber a existência ou transmudação de um órgão auxiliar em um
superórgão não sujeito a qualquer prestação de contas. Os Tribunais de Contas
atuam como órgãos auxiliares do Legislativo e, a meu ver, devem-lhes contas. Não
é o fato de julgarem as contas do próprio Legislativo que obstaculiza essa aprecia-
ção. Há de ser observado, a meu ver, o próprio sistema da Carta, a realidade —
como salientou o Ministro Moreira Alves —, a ordem natural das coisas, e o
sistema de freios e contrapesos.
Acompanho o Ministro Relator, restringindo a declaração de inconstitucionalidade
à expressão mencionada por S. Exa.
VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, assim como o eminente
Ministro Marco Aurélio e o próprio Relator deste caso, Ministro Celso de Mello,
fiquei vencido no julgamento das Ações Diretas n. 1.140/RO e 1.175/DF, em 19
de dezembro de 1994. Já então nos negáramos a suspender liminarmente a
eficácia de dispositivos da Constituição de Rondônia e da Lei Orgânica do
Distrito Federal que submetiam ao Poder Legislativo local as contas do seu
Tribunal de Contas.
Portanto, no que se refere ao Tribunal de Contas Estadual, acompanho integral-
mente o eminente Relator na improcedência da ação. Mas, no segundo ponto, como bem
observou V. Exa., não há razão para subtrair o Tribunal de Contas dos Municípios, que
é um órgão estadual, à competência genérica do Tribunal de Contas do Estado, por
transposição do art. 75, II da Constituição.
482 R.T.J. — 198
VOTO
(Art. 92, incisos XXX e XXVII, e art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Néri da Silveira: Senhor Presidente, não participei do julgamento da
liminar nas Ações Diretas n. 1.140 e 1.175 e, por isso, não examinara essa matéria
anteriormente.
Como o eminente Ministro Relator, também entendo que a exigência estabelecida
na Constituição Estadual, quanto à prestação de contas pelo Tribunal de Contas à
Assembléia Legislativa, não ofende o sistema da Constituição, não obstante não se
preveja no Texto Federal idêntica obrigação, relativamente ao Tribunal de Contas da
União. É certo que o modelo federal é aplicável para os Estados no que respeita à
fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Mas a Constituição Federal, no particu-
lar, é omissa, porque também não proíbe que haja prestação de contas pelo Tribunal de
Contas da União ao Congresso Nacional.
Essa decisão que a Corte vem adotando implica, de certa forma, uma asseveração de
que o sistema da Constituição Federal conduz a uma sujeição dos Tribunais de Contas ao
Poder Legislativo, no que concerne à prestação de suas contas, embora isso não esteja
expresso na Constituição Federal com referência ao Tribunal de Contas da União.
Penso, todavia, que nada impede, na faixa de autonomia dos Estados, que se
preveja a prestação de contas, nos termos estabelecidos nos dispositivos em exame. É
exato que nenhum órgão dos Três Poderes pode ficar imune à prestação de contas. Os
tribunais, a partir do Supremo Tribunal Federal, têm suas contas examinadas pelo
Tribunal de Contas da União. Isso significa que todos aqueles órgãos do poder público
que recebem dotações orçamentárias hão de prestar contas da aplicação desses valores
que lhes são destinados; também, evidentemente, o Tribunal de Contas. Dir-se-á que, no
plano federal, o próprio Tribunal de Contas julga as suas contas, não havendo necessidade
de sujeitá-las ao Congresso Nacional. Pergunta-se, entretanto: não podem os Estados
estabelecer que os respectivos Tribunais de Contas submetam as suas contas à Assem-
bléia Legislativa? Esta é a matéria em exame, pois o dispositivo prevê tal obrigação para
o Tribunal de Contas do Estado. Vejo que, mesmo na omissão da Carta Federal, não é, no
ponto, inconstitucional o sistema previsto na Carta Estadual.
No que concerne ao Tribunal de Contas dos Municípios, não há dúvida de sua
situação ser diferente em relação ao Poder Legislativo. Cuida-se, aí, de um órgão
estadual que tem a incumbência de auxiliar as Câmaras Municipais na fiscalização das
contas dos Municípios. Não se trata, portanto, de contas estaduais. Ora, a Assembléia
Legislativa não tem o controle externo das contas municipais. Desse modo, sendo tal
órgão auxiliar das Câmaras Municipais, enquanto órgão estadual, as suas contas hão de
ser prestadas àquele Tribunal que controla a execução orçamentária de todos os órgãos
estaduais. A prestação das contas dos Tribunais de Contas dos Municípios há de se fazer,
portanto, ao Tribunal de Contas do Estado e não à Assembléia Legislativa do mesmo
Estado.
Com essas singelas considerações, acompanho o voto do ilustre Ministro Relator,
julgando improcedente a presente ação direta, quanto ao art. 92, XXVII, e XXX, e ao art.
122, da Constituição do Estado do Pará.
R.T.J. — 198 483
VOTO
(Sobre o art. 92, incisos XVII e XXX, e o art. 122 da Constituição do Estado do Pará)
O Sr. Ministro Moreira Alves: Senhor Presidente, não estava eu presente à sessão
em que foram concedidas as liminares ora referidas.
Na realidade, embora os tribunais de contas dos municípios não sejam órgãos
auxiliares da Assembléia estadual, mas sim das Câmaras de Vereadores, são eles órgãos
estaduais, e, conseqüentemente, as contas de seus administradores se enquadram no
inciso II do artigo 71 da Constituição.
Assim, também acompanho o eminente Relator, e julgo improcedente a presente
ação quanto aos artigos 92, XXVII e XXX, e 122 da Constituição do Estado do Pará.
EXTRATO DA ATA
ADI 687/PA — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: Procurador-Geral
da República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Pará.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 3-2-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 24-2-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 3-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 16-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 25-3-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 6-4-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 26-5-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 1º-6-94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 1º-7-94.
Decisão: Por votação unânime, o Tribunal julgou procedente a ação, para declarar
a inconstitucionalidade dos arts. 60 e 78 e seus §§ 1º e 2º, bem como das expressões “e
do Tribunal de Contas dos Municípios”, contidas, respectivamente, no inciso XXX do
art. 92 e no art. 122, todos da Constituição do Estado do Pará. Também, por unanimidade
de votos, julgou improcedente a ação, para declarar a constitucionalidade do inciso
XXVII do art. 92, e, por maioria de votos, improcedente a ação e constitucional o art. 65,
vencidos os Ministros Moreira Alves e Marco Aurélio, que a julgavam procedente e
inconstitucional o dispositivo impugnado. Votou o Presidente. O Ministro Sydney
Sanches esteve ausente, ocasionalmente, na votação dos incisos XXVII e XXX do art. 92
484 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,
referendar a decisão do Relator na ação cautelar.
Brasília, 3 de maio de 2005 — Marco Aurélio, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis o teor da decisão mediante a qual emprestei
efeito suspensivo ao recurso extraordinário:
PIS — Base de incidência — Faturamento — Recurso
Extraordinário n. 346.084/PR — Julgamento não completado
pelo Pleno — Recurso extraordinário — Eficácia suspensiva.
1. Esta ação cautelar visa a emprestar eficácia suspensiva — ou tríplice
efeito — ao recurso extraordinário interposto pelas autoras. Consigna-se que, em
mandado de segurança, foi concedida medida acauteladora, vindo a implementar-
se parcialmente a ordem. Interposta apelação, foi provida, juntamente com a
remessa obrigatória, sendo desprovida a apelação das ora autoras. Alude-se à
questão relativa à incidência do PIS, ou seja, a substituição do faturamento pela
receita das requerentes, afirmando-se que o tema vem sendo apreciado pelo Plenário
no julgamento do Recurso Extraordinário n. 346.084/PR.
R.T.J. — 198 485
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Proponho o referendo da Turma à mencio-
nada decisão.
EXTRATO DA ATA
AC 731-MC/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Requerentes: Reckitt
Benckiser (Brasil) Ltda. e outro (Advogados: Helenilson Cunha Pontes e outro e Paula
Negro Prudente de Aquino). Requerida: União (Advogada: PFN – Cinthia Yumi
Maruyama Ledesma).
Decisão: A Turma referendou a decisão do Relator na ação cautelar. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 3 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos termos do voto do Relator.
Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Britto.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra
decisão proferida pela Min. Ellen Gracie quando no exercício da Presidência da Corte,
do seguinte teor:
“1. Trata-se de ação cautelar, com pedido de medida liminar, que busca dar
efeito suspensivo ‘ao recurso de agravo e extraordinário, aquele interposto em face
do acórdão denegando a subida do RE, e este interposto em face do acórdão
proferido pelo E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso nos autos de Recurso de
Apelação 35348/2004’ (fl. 2).
Na origem, o requerido ajuizou contra o requerente ação de execução por
título extrajudicial (nota promissória). O requerente opôs embargos à execução,
sob o argumento de quitação do débito e excesso de juros — agiotagem.
O juiz da 20ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá julgou improcedentes os
pedidos formulados pelo requerente (fls. 350/354).
A apelação foi improvida (fls. 61/66), por não estar configurado o cercea-
mento de defesa e pelo fato de os ‘documentos unilaterais e pretendida requisição
de documentos que deviam ter sido providenciados pela parte, por serem do seu
interesse pessoal, não se prestam para tal’ (fl. 61).
O RE foi denegado (fls. 77/83), e aqui o requerente intenta efeito suspensivo
ao recurso de agravo (fls. 27/49).
Sustenta que solicitou ao juiz e ao Tribunal que se requisitassem à agência
bancária os dados do correntista-requerido, pedido esse não atendido, o que veio a
cercear-lhe o direito à defesa, ensejando o deferimento desta cautelar.
Alega presentes o periculum in mora, em face da penhora dos semoventes de
sua propriedade, que são ‘fonte de renda para o sustento próprio e familiar, uma vez
que é pecuarista’ (fl. 19), bem como o fumus boni iuris, em razão do cerceamento
de defesa.
2. Pretende o requerente, na verdade, atribuir efeito suspensivo ao agravo de
instrumento de decisão denegatória do RE por ele interposto. Todavia, esta Corte
firmou o entendimento de que a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal
somente estará firmada com a admissão do recurso extraordinário.
Segundo essa mesma jurisprudência, a interposição do agravo de instrumento,
por si só, não é capaz de instaurar a referida jurisdição. Nesse sentido, vejam-se,
R.T.J. — 198 487
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.
Conforme tenho decidido, “é hoje o objeto das Súmulas 634 e 635 a orientação de
que esta Corte ganha competência para apreciar pedido de tutela cautelar tendente a
atribuir efeito suspensivo a recurso extraordinário, apenas desde quando seja este
admitido, quer pelo Presidente do tribunal a quo, quer por provimento a agravo contra
decisão que o não haja admitido na origem. Antes dessa condição, ou sem ela, de
488 R.T.J. — 198
nenhum modo a causa se submete à jurisdição desta Casa, que não pode, pois, conhe-
cer-lhe de medida cautelar incidental ou preparatória” (AC n. 491, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJ de 22-11-2004).
No caso, o Supremo Tribunal Federal não tem ainda competência para apreciar o
pedido de suspensão dos efeitos do acórdão impugnado no tribunal a quo. E não o tem,
assim porque o recurso extraordinário não foi admitido pelo Presidente do Superior
Tribunal de Justiça, como porque o agravo de instrumento tirado dessa decisão de
inadmissibilidade não foi nem poderia ter sido provido à míngua dos autos, que sequer
subiram a esta Corte.
Dessa forma, nos termos das Súmulas 634 e 635, não compete a esta Casa, mas, sim,
ao Tribunal de origem conhecer do pedido cautelar (Pet n. 2.934-MC, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 4-6-2003).
2. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
AC 865-AgR/MT — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Paulo Luiz de
Moraes (Advogada: Suzana Cristina Figueiredo Moraes). Agravado: Stoessel Santos
(Advogado: Carlos Roberto Santos).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental na ação cautelar, nos
termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
Brasília, 25 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
INQUÉRITO 1.326 — RO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, afastar
a alegação de prescrição. Em seguida, também por votação unânime, receber a denúncia,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso.
Falou pelo denunciado o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira.
Brasília, 3 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de inquérito originário do Estado de
Rondônia, instaurado para a apuração de crime de corrupção ativa (art. 333 do Código
Penal).
Da denúncia, oferecida ao Juízo da Vara Criminal da comarca de Rolim de Moura/
RO e por este recebida em 19 de março de 1996, constavam como acusados Cícero
Sérgio Lopes, José Aurélio Barcellos e José Mohamede Janene. Este, entretanto, fora
eleito Deputado Federal para exercer a 50ª Legislatura (1995-1999), com posse em 1º de
fevereiro de 1995.
Em sede de correição, os autos foram remetidos a esta Corte, conforme despacho
exarado em 4-8-1997:
“Tendo em vista a certidão de fls. 124-verso, e considerando o disposto no
art. 102, inciso I, alínea b, da Constituição Federal, declino a competência e
determino a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, independente do
retorno da precatória de fl. 127, que nem deveria ter sido expedida.” (Fl. 128).
Autuado aqui como inquérito, determinou-se vista ao Procurador-Geral da Repú-
blica, que ofereceu nova denúncia em 19 de outubro de 2000 (fls. 134/137 e 158/160).
490 R.T.J. — 198
O então Relator, Min. Sydney Sanches, ante o disposto na primitiva redação dos
§§ 1º e 2º do art. 53 da Constituição Federal, solicitou licença à Câmara dos Deputados
para submeter a inicial à apreciação do Plenário.
Ordenou, ainda, a suspensão do curso do prazo prescricional em relação ao parla-
mentar federal e o desmembramento do feito, com a remessa de cópia dos autos à origem
(Vara Criminal da comarca de Rolim de Moura/RO), para prosseguimento da causa
contra os demais acusados.
Ante a publicação da Emenda Constitucional n. 35, que deu nova redação ao art.
53 da Constituição Federal, manifestou-se o Procurador-Geral da República, nestes
termos:
“Parece-nos que a Emenda Constitucional publicada em 21.12.2001 não
operou profundas modificações no sistema de inviolabilidades e imunidades dos
Senhores Parlamentares. Antes, por exemplo, a inicial acusatória era recebida tão-
só nos efeitos mecânicos por assim dizer, ficando a denúncia sobrestada nos seus
efeitos jurídicos, até que fosse dada autorização ao S.T.F., pelas casas legislativas,
para que o processo prosseguisse.
Agora, o recebimento da denúncia é feito plenamente pelo Supremo Tribu-
nal Federal, cabendo, portanto, à Casa Legislativa, caso assim entenda, sustar o
andamento da ação.
Inverte-se, como se vê, a ordem procedimental.
Desse modo, data máxima vênia, deverá esse Augusto Pretório encaminhar a
incoativa e recebê-la ou rejeitá-la comunicando o fato à Casa Legislativa respecti-
va, que poderá sustar a ação se proposta ou deixá-la prosseguir, como já dito” (fls.
158/160).
Em nova conclusão, decidiu o Min. Sydney Sanches:
“Em face do que consta à fl. 167, é nula a denúncia de fls. 2/6, enquanto
oferecida contra José Mohamede Janene, que, à época, já era Deputado Federal,
com foro nesta Corte, não podendo, pois, ser denunciado, em outra instância, pelo
Ministério Público de Rondônia.
Nulo, também, em conseqüência, seu recebimento por Juiz de 1º grau (fl.
89v).
Foi ela, porém, oferecida novamente, perante esta Corte, pela Procuradoria-
Geral da República (fls. 134/137 e 158/160).
Notifique-se, pois, o denunciado José Mohamede Janene (Deputado Fe-
deral), nos endereços constantes dos autos, com cópias de tais peças (fls. 134/137
e 158/160), para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias (art. 4º da Lei 8.038,
de 28-5-90).
Deixo esclarecido que a denúncia da PGR, contra Cícero Sérgio Lopes e José
Aurélio Barcellos, está prejudicada pela decisão de fl. 138v, que determinou o
desdobramento do processo contra esses réus, para que se prossiga quanto a eles,
no que foi instaurado em primeira instância, no estágio em que se encontrava
quando subiram os autos a esta Corte (v. fls. 2/128)” (fl. 169).
R.T.J. — 198 491
Em resposta prévia, o denunciado José Janene aduz que: “i) não havia processo de
cassação contra o Prefeito de Rolim Amaro; ii) o advogado preso jamais prestou qual-
quer serviço à empresa Eletrojan ou ao requerente; iii) não houve solicitação, por parte
do causídico ao Requerente, de qualquer quantia em dinheiro, aliás, o Dr. José Aurélio
Barcellos é pessoa completamente desconhecida do ora indiciado; iv) a prisão, conforme
referido, está documentada, presume-se, com efeito, que tenha ocorrido e, v) finalmente,
apesar do preso ter afirmado falsamente que recebera o dinheiro do Requerente, disse,
também, não lhe informou qual seria sua destinação específica” (fl. 227).
Requer, por fim, a rejeição da denúncia, com base na primeira parte do art. 41 e no
inc. I do art. 43, ambos do Código de Processo Penal (fl. 229).
O Ministério Público Federal é pelo recebimento da denúncia, haja vista “a
apreensão da importância oferecida como prova do crime de corrupção (fl. 16), restando,
dessa forma, infundadas as alegações da defesa” (fl. 235).
Submeto a denúncia à apreciação deste Plenário, na forma e para os fins do art. 6º
da Lei n. 8.038/90.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Com a diplomação do Deputado José
Mohamede Janene, em 13 de dezembro de 1994, firmou-se a competência originária
absoluta desta Corte, por prerrogativa de função, para cognição da denúncia.
O recebimento da denúncia por órgão absolutamente incompetente não inter-
rompe o curso da prescrição da pretensão punitiva (art. 117, inc. I, do Código Penal), de
modo que apenas o recebimento válido, por autoridade competente, tem força bastante
para o interromper, como, aliás, já esclareceu o Plenário na decisão do Inq n. 1.544-QO
(Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14-12-2001):
“Denúncia contra Deputado Federal recebida por Tribunal Regional
Federal — Incompetência absoluta desse órgão judiciário — Nulidade —
Inocorrência de interrupção da prescrição penal — Consumação do lapso
prescricional — Extinção da punibilidade.
O respeito ao princípio do Juiz Natural — que se impõe à observância dos
órgãos do Poder Judiciário — traduz indisponível garantia constitucional outor-
gada a qualquer acusado, em sede penal.
O Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos membros do
Congresso Nacional (RTJ 137/570 — RTJ 151/402), quaisquer que sejam as
infrações penais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de simples
ilícitos contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à competência
dos ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 — RTJ 166/785-786).
Precedentes.
Somente o Supremo Tribunal Federal, em sua condição de juiz natural
dos membros do Congresso Nacional, pode receber denúncia contra estes
formuladas.
492 R.T.J. — 198
(...)
§ 3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva,
que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de
seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
(...)
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato”.
Com tal alteração, o estatuto dos congressistas sofreu mudanças significativas,
dentre as quais relevo a abolição da exigência de licença prévia da Casa Legislativa para
a instauração de ação penal contra Deputados ou Senadores, por fatos não abrangidos
pela imunidade material.
Diante da publicação da Emenda Constitucional n. 35 (21 de dezembro de 2001),
o prazo prescricional retomou seu curso, como já decidiu o Plenário desta Corte, no
julgamento do Inq n. 1.566 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-2002):
“Imunidade parlamentar: abolição da licença prévia pela EC 35/01:
aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição.
1. A licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de processo
penal contra os membros do Congresso Nacional, como exigida pelo texto origi-
nário do art. 53, §1º, da Constituição configurava condição de procedibilidade,
instituto de natureza processual, a qual, enquanto não implementada, representava
empecilho ao exercício da jurisdição sobre o fato e acarretava, por conseguinte, a
suspensão do curso da prescrição, conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei
Fundamental.
2. Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição
pela EC 35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso do processo é de
aplicabilidade imediata, independentemente da indagação sobre a eficácia tempo-
ral das emendas à Constituição: em conseqüência, desde a publicação da EC 35/
01, tornou-se prejudicado o pedido de licença pendente de apreciação pela Câmara
competente ou sem efeito a sua denegação, se já deliberada, devendo prosseguir o
feito do ponto em que paralisado.
3. Da remoção do empecilho à instauração ou à seqüência do processo contra
o membro do Congresso Nacional, decorre retomar o seu curso desde a publicação
da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa”.
Em resumo, o curso da prescrição iniciou-se com a hipotética consumação do
delito no dia 30 de novembro de 1992, até ser suspenso no dia 24 de outubro de 2000,
por força da decisão do Min. Sydney Sanches.
Retomou seu fluxo no dia 21 de dezembro de 2001, com a publicação da Emenda
Constitucional n. 35 e, desde então, corre em favor do parlamentar denunciado.
Nos termos do inc. III do art. 109 do Código Penal, a prescrição penal in abstracto
consuma-se em 12 (doze) anos, os quais, tendo por marco inicial a data de 30 de
novembro de 1992 (dia em que se teria dado o crime), alcançariam seu termo final em 29
de novembro de 2004.
R.T.J. — 198 497
Mas, com acrescentar o período de 01 (um) ano, 01 (um) mês e 27 (vinte e sete) dias,
referente ao interregno em que o curso prescricional permaneceu suspenso, tenho que a
nova data para consumação da prescrição da pretensão punitiva será o dia 26 de janeiro
de 2006.
Não se operou, portanto, a prescrição penal in abstracto.
2. Analiso a denúncia.
O Deputado Federal José Mohamede Janene foi denunciado pela prática do crime
de corrupção ativa, em concurso de pessoas (art. 333, c/c o art. 29, ambos do Código
Penal).
O tipo objetivo tem por núcleo os verbos oferecer e prometer vantagem indevida.
“O primeiro verbo indica a apresentação desta; é ela posta à disposição do funcioná-
rio. Prometer é obrigar-se, exigindo por isso ação complementar ou futura. Há perfeito
paralelismo com as ações declinadas no art. 317: solicitar ou receber, e aceitar
promessa de vantagem. Conseqüentemente, quer oferecendo, quer prometendo o pro-
veito, comete o extraneus o delito”1.
Já o elemento subjetivo, leciona Nelson Hungria, é representado pelo “dolo
genérico (vontade livremente dirigida à oferta ou promessa da vantagem que se sabe
indevida) e específico (fim de determinar o funcionário público a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício)”2. Adotada a teoria finalista da ação, é correto afirmar que o crime
é doloso, e o tipo encerra elemento subjetivo consistente em agir para determinar o
funcionário a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. O objeto material da conduta é a
vantagem indevida, podendo o agente valer-se de interposta pessoa para corromper o
funcionário ou o agente político.
Nos termos da denúncia, “no mês de novembro de 1992 o então Prefeito Munici-
pal de Rolim de Moura, RO, José Joacil Guimarães estava sendo processado pela
Câmara dos Vereadores pela prática de infração político-administrativa por estar
mancomunado com a empresa Eletrojan – Iluminação e Eletricidade Ltda., no
superfaturamento da iluminação pública da Avenida 25 de agosto desta cidade”.
O denunciado, na condição de sócio e gerente da empresa Eletrojan, teria
enviado, por intermédio do seu advogado José Aurélio Barcellos, a quantia de Cr$
40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzeiros), a título de vantagem indevida, aos
vereadores, para influenciá-los a votarem contra a cassação do Prefeito Municipal.
Teria, ainda, prometido outra parcela, de igual valor, por entregar em 20 de dezembro
de 1992.
A descrição encontra reflexo nos autos de inquérito, como se vê ao auto de prisão
em flagrante (fl. 5), onde o então advogado da empresa Eletrojan, José Aurélio Barcellos,
preso na oportunidade, informou:
3 NORONHA, E. Magalhães, Curso de direito processual penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969.
p. 29.
R.T.J. — 198 499
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, apenas para ressaltar que, no caso, o
móvel de se concluir pela suspensão da prescrição é realmente a impossibilidade de se
dar seqüência, em si, à ação penal, impossibilidade decorrente da licença outrora
exigida para se ter a persecução contra o parlamentar.
Fiz os cálculos também, como fez o Relator, e encontrei que, durante um ano, um
mês e vinte e sete dias, a prescrição esteve suspensa. Considerei para tanto a data do
despacho do Relator, sucedido pelos Ministros Sydney Sanches e Cezar Peluso, solici-
tando a licença, e a data da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 35/2001.
Em síntese, se levarmos em conta que o ato teria sido praticado, não afirmo que o foi,
não estou a julgar ainda o fundo da ação penal, em 1º de dezembro de 1992, subtraído
aquele ano, mês e vinte e sete dias, não transcorreu ainda o período alusivo à prescrição,
tendo-se a passagem de onze anos, dez meses e cinco dias, pelos meus cálculos.
Surge a alegação de impedimento por parte do Supremo Tribunal Federal, no que
teria havido atraso no envio de cópia do inquérito à Câmara dos Deputados. Será que
esse atraso é de molde a afastar o fenômeno da suspensão da prescrição? A resposta, para
mim, é negativa.
Considerado que se articula a incursão no artigo 333 do Código Penal, combinado
com o artigo 29, concurso de pessoas, não tenho dúvida quanto à possibilidade de
incidência de um dos parágrafos, posteriormente, do artigo 110 do mesmo Código. Por
ora, entretanto, não posso chegar a essa conclusão, porque a pena não está concretizada.
Deixo de ponderar o que se mostra com prescrição virtual.
Acompanho o Relator.
.
500 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
Inq 1.326/RO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Autor: Ministério Público Federal.
Denunciado: José Mohamede Janene (Advogados: Eduardo A. L. Ferrão e outros e Paulo
Roberto Baeta Neves).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, afastou a alegação de prescrição. Em
seguida, também por votação unânime, o Tribunal recebeu a denúncia, nos termos do
voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso. Falou pelo
denunciado o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Velloso. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 3 de novembro 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar
provimento aos agravos regimentais, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificada-
mente, a Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente).
Presidiu o julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Brasília, 10 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
R.T.J. — 198 501
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de agravos regimentais interpostos por
Luis Alberto Botelho Salgado e Maria Laura Monteza de Souza Carneiro, contra
decisão do então Relator, Min. Sydney Sanches, que deferiu os requerimentos do
Procurador-Geral da República às fls. 273-283 e 299-300, quais sejam: i) desmembra-
mento do feito; ii) extração de cópia dos autos e formação de novo instrumento, a fim de
apurar eventual responsabilidade penal da Deputada Federal Laura Carneiro; iii) e, por
fim, o retorno dos autos à origem (5ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do
Estado do Rio de Janeiro), para prosseguimento da causa perante o juízo competente. A
decisão é do seguinte teor:
“Defiro os requerimentos da PGR (fls. 273/283, 299/300) e acolho o parecer
de fls. 349/350. Providencie-se”.
Aduz o agravante Luis Alberto: “Neste caso concreto, considerando ser o Supre-
mo Tribunal Federal o Juízo Natural dos membros do Congresso Nacional (art. 102, I,
b CF/88), é forçoso concluir que falece a competência da Justiça Federal de 1º grau
para prosseguir no controle jurisdicional das investigações, nos exatos termos do
entendimento firmado pelo próprio STF” (fl. 366).
A agravante, Deputada Laura Carneiro, alega: “Parece claro que cindida a investi-
gação, como deferido na decisão agravada, e tendo o Ministério Público ou a Força
Tarefa como sua mais importante testemunha o referido Luiz Etério Ventura (ex-marido
da agravante), a investigação que se fizer na cidade do Rio de Janeiro, por certo, terá
como alvo a agravante que, repita-se, tem prerrogativa constitucional de foro” (fl. 374).
Informa, ainda, a agravante que, “junto dos documentos que a dita Força Tarefa
apreendeu em casa de seu irmão Jorge Miguel, e que estão nos autos, há vários
documentos da agravante. É que Jorge Miguel, além de ser irmão da agravante, sempre
coordenou suas campanhas eleitorais, inclusive a do ano passado” (fl. 374).
Requerem, por fim, ambos os agravantes a reconsideração da decisão agravada ou
a apreciação do agravo pelo Colegiado.
O Ministério Público Federal aduz que, “preliminarmente, não se vislumbra no
caso dos autos hipótese de cabimento do recurso. Com efeito, o inquérito, com as
finalidades que lhe são próprias — apurar a materialidade e colher indícios da autoria
de eventual crime —, não exige, em seu transcurso, a observância do princípio do
contraditório” (fls. 392-399).
No mérito, alega que “in casu, verifica-se possível envolvimento de uma Deputada
Federal, num dos fatos narrados, com diversos outros indiciados que não ostentam foro
privilegiado”. Conclui adiante: “evidencia-se a inviabilidade de processamento e julga-
mento de todos os envolvidos nas fraudes perpetradas nas agências do INSS da cidade do
Rio de Janeiro por essa Excelsa Corte. A insuperável dificuldade advinda da apreciação
dos fatos ocorridos, envolvendo um sem número de funcionários da autarquia
previdenciária, autoriza exceção ao princípio do simultaneus processus” (fl. 395).
Requer, preliminarmente, não sejam conhecidos os agravos regimentais interpos-
tos e, no mérito, é pelo desprovimento dos recursos.
É o relatório.
502 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Afasto a preliminar argüida pela PGR,
pois o objeto dos agravos não versa sobre a incidência do princípio do contraditório no
inquérito, senão sobre a competência desta Corte para processar e julgar os denunciados.
2. Inconseqüentes, no entanto, os agravos.
A suspeita de envolvimento da Deputada Federal Laura Carneiro nos fatos
narrados na denúncia não tem, por si só, força bastante para deslocar a competência de
possível ação penal para esta Corte. É que tal parlamentar não foi denunciada e, pois,
não é parte passiva na causa, de modo que, em relação a esta, a competência era e é do
juízo da 5ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.
O que sucedeu é que, no decorrer das investigações realizadas no curso do inqué-
rito policial, teriam sido apurados indícios de participação daquela agente política, não
apenas nos supostos delitos imputados aos denunciados (quadrilha ou bando, peculato
e inserção de dados falsos em sistema de informações) mas também em eventual “i)
desvio de verbas federais da Cia. Docas do Rio de Janeiro/RJ; ii) recebimento de
valores ilicitamente havidos em razão das fraudes perpetradas nas agências do INSS;
iii) evasão de divisas para contas situadas nos Estados Unidos e paraísos fiscais, como
Luxemburgo e outros; iv) ligação com o narcotráfico do Rio de Janeiro” (fl. 398).
Não há dúvida quanto à competência da Corte para exercer o controle das investi-
gações necessárias à dilucidação da suspeita conseqüente, com base nos indícios de
ilícitos penais que poderiam ter sido cometidos pela Deputada Federal. Mas isso não
exclui a competência do juízo de origem para receber a denúncia e julgar a ação penal
contra aqueloutras pessoas, até porque não se sabe ainda se há fundamento para ação
penal contra a parlamentar e, também, porque parece que os indícios apontariam para
outros ilícitos que não são objeto da peça inicial.
3. Do exposto, nego provimento aos agravos.
EXTRATO DA ATA
Inq 1.819-AgR/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Laura Carneiro
(Advogado: José Gerardo Grossi) e Luiz Alberto Botelho Salgado (Advogados: Gui-
lherme Martins Frederico e outro). Agravado: Ministério Público Federal.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos agravos regimen-
tais, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie
e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento o
Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I, do RISTF).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 10 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 198 503
RECLAMAÇÃO 2.224 — SP
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a reclamação, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 26 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Reclamação — com pedido de liminar —
contra a tutela antecipada concedida pela Juíza Federal da 17ª Vara da Seção Judiciária
de São Paulo que suspendeu a aplicação do art. 1º da Medida Provisória 14/01, conver-
tida na Lei 10.438/02.
Eis o núcleo da alegação:
“Postos os fatos, a presente reclamação objetiva seja preservada a competência
do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l, CF) para processar e julgar, originaria-
mente, o pedido formulado na Ação Civil Pública n. 2002.61.00.005500-0 (17ª
Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo).”
Deferi a liminar (DJ de 20-2-03) nestes termos:
“É densa a plausibilidade da alegação de que, no caso, o conhecimento da
ação civil pública e o deferimento da antecipação de tutela pelo juízo federal de
primeiro grau usurpa a competência do Supremo Tribunal para o julgamento das
ações diretas de inconstitucionalidade de leis federais.
Ao contrário do que sucedia em outros casos, nos quais aventada alegação
similar (v.g., Rcls 597 e 600, Néri, e 602, Galvão, 3-9-97, Informativo/STF 82), na
espécie, à primeira vista, a argüição de inconstitucionalidade não é questão
prejudicial de pedido de provimento que não se poderia obter na ação direta.
504 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): A ADI 2.693, Rel. em. Ministro
Carlos Velloso, impugna a Lei 10.438/02, que resultou da conversão em lei da Medida
Provisória 14/01.
A ação civil pública em questão foi ajuizada antes da conversão e da propositura
da ação direta.
A existência de ação direta não basta — tampouco se alega — ao êxito da
reclamação: é suficiente a esse raciocínio a dissimilitude entre os requerentes da ação
concreta e o da ação abstrata.
II
Pretende-se a extinção — sem o julgamento do mérito — de ação civil pública
ajuizada pela PRO-TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e pelo
IPEG – Instituto Pedra Grande de Preservação Ambiental contra a União e a ANEEL –
Agência Nacional de Energia Elétrica.
Impugna-se a validade do encargo tarifário — ou “seguro anti-apagão” — cobrado
de forma proporcional ao consumo individual verificado e incorporado às contas de luz
de todos os consumidores, exceto aqueles classificados como de baixa-renda.
R.T.J. — 198 505
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, só para registro de uma observação,
este é um caso em que, mesmo se tivéssemos a declaração de inconstitucionalidade
como fundamento, teríamos a dificuldade de convivência dos dois modelos e a tensão
que Vossa Excelência já ressaltou em outra oportunidade, inclusive no julgamento da
ADC n. 1, porque, certamente, extraída a coisa julgada, especialmente ação proposta em
São Paulo — ressalto bem —, teríamos uma repercussão.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): Parece-me que não havia
limitação territorial aqui.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas já seria o bastante para mostrar a dificul-
dade de convivência entre esses dois modelos, nessa dimensão. Por isso, tenho resistido
à adoção da jurisprudência assente na Reclamação — não é a hipótese — n. 622.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): Reclamações 597, 600 e
602.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho a impressão de que isso pode provocar, de
fato, impasses significativos. Lembro-me, também, de que, em um caso — salvo engano —
da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, tivemos também essa impugnação cumulada:
ação civil pública, no âmbito do Rio de Janeiro — no caso dos bingos —, e, também,
ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Gostaria apenas de registrar, como nota de pé de página, para que, em outro
momento, pudéssemos voltar a discutir essa questão.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no passado, já sustentei que, em
situações nas quais, de início, entrelaçam-se matérias que, a um só tempo, sugerem o
controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade, não há campo para a
ação civil pública. Sustentei em voto e acabei convencido pelos colegas de que não é bem
assim. O que define realmente a adequação da ação civil pública é o pedido formulado; é
estar tal pedido direcionado à defesa de interesses individuais homogêneos ou interesses
difusos, pouco importando que, para se chegar ao acolhimento do pleito, tenha-se de
declarar incidentalmente — para efeito no caso concreto — a inconstitucionalidade de
certo ato normativo.
Afirmei que, diante dessa aparente confusão sob o ângulo da competência, não se
teria campo para a ação civil pública, mas fui vencido — praticamente de forma isolada —
no Plenário. Depois, refletindo e percebendo o alcance do denominado macroprocesso,
da atividade do Ministério Público no campo da ação civil pública, evoluí para admitir
que não há o prejuízo da ação civil pública quando se tem pleito bem delimitado
circunscrito à proteção visada pela Constituição. Se, para chegar-se ao acolhimento
desse pleito, é preciso averiguar se a lei de regência do tema é harmônica, ou não, com a
Carta Federal, isso é possível.
R.T.J. — 198 507
Creio que o pedido que se formalizou na 17ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo
não se confunde com aquele no qual não se tem o trato de direitos individuais, com o
pedido próprio ao processo objetivo revelado pela ação direta de inconstitucionalidade.
Por isso, peço vênia a Vossa Excelência para julgar improcedente o pleito da
reclamante, a União.
Não reconheço a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, porque
o pronunciamento, afastando a incidência da lei, é restrito e indispensável — entendeu-
se assim — à acolhida do pedido de medida acauteladora na ação civil pública.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator e Presidente): A minha discordância,
naquela época, a sustentar o cabimento, em princípio, da ação civil pública, é porque
havia um pedido condenatório.
Como existia uma série de ações propostas contra todas as instituições financeiras
com sede em São Paulo, tinha-se realmente um efeito multitudinário; não obstante,
haver um pedido condenatório — que não poderia ser feito em ação direta de
inconstitucionalidade —, me parece decisivo.
Aqui, além da declaração de inconstitucionalidade — por isso entendi que se
confundiam as duas ações —, o que se pede é só a proibição de cobrança: ora, a proibição
de cobrança é o efeito vinculante da declaração de inconstitucionalidade in abstrato.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, a ação civil pública tem de encerrar um
pedido, que geralmente está voltado, quando se parte para a proteção do consumidor, ao
afastamento de um ato de cobrança. A lei veio e, para não haver essa abrangência maior,
delimitou a eficácia da sentença a ser proferida na ação civil pública à área de jurisdição
do juízo.
Com essa delimitação, se foi formulado, realmente, na ação civil pública, um
pedido abrangente, caberá recurso da parte interessada nesse processo. Não posso, só a
partir da erronia do pedido sob o ângulo do alcance, assentar que estará havendo a
usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, como se houvesse postulado
no juízo algo que é próprio da ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, a declara-
ção de inconstitucionalidade linear, considerado o território nacional, simples declara-
ção de inconstitucionalidade, sem envolvimento de outros interesses do ato normativo.
Por isso, acabei evoluindo. Debateu-se muito essa matéria, penso que foi até na
composição anterior, e se disse que é possível, incidentalmente, declarar a inconstitucio-
nalidade para se acolher o pedido específico, concreto, formulado na ação direta de
inconstitucionalidade. E, aqui, penso que há um pedido concreto, ou seja, o afastamento
da cobrança abusiva no tocante ao consumo de energia elétrica.
EXTRATO DA ATA
Rcl 2.224/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: União (Advo-
gado: Advogado-Geral da União). Reclamada: Juíza Federal da 17ª Vara da Seção
Judiciária de São Paulo. Interessados: PRO-TESTE – Associação Brasileira de Defesa do
Consumidor e outro (Advogados: Flavia Lefèvre Guimarães e outro).
508 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
negar referendo ao indeferimento da liminar de Sua Excelência o Ministro Celso de
Mello, Relator, e deferir a medida acauteladora para suspender a eficácia do artigo 16
da Lei n. 13.430, de 28 de dezembro de 1999, que deu nova redação ao artigo 15 da Lei
n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, ambas do Estado de Minas Gerais, vencidos os
Ministros Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa.
Brasília, 2 de abril de 2003 — Celso de Mello, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Submeto, à elevada apreciação do Egrégio Plená-
rio desta Suprema Corte, nos termos do RISTF (art. 21, V), a decisão que, por mim
proferida em 19-12-2002 (último dia do ano judiciário), indeferiu pedido de medida
cautelar formulado nesta sede de controle normativo abstrato.
R.T.J. — 198 511
Eis o teor da decisão ora submetida ao referendo deste colendo Plenário (fls. 703/
727):
“A Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF e a Confedera-
ção Nacional do Comércio – CNC, ambas entidades sindicais de grau superior (CF,
art. 103, IX), ajuízam a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido
de medida cautelar, em que impugnam o art. 16 da Lei n. 13.430, de 28 de
dezembro de 1999, que, editada pelo Estado de Minas Gerais, deu, ao art. 15 da Lei
estadual n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, a seguinte redação (fl. 4):
‘Art. 16. A Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, fica acrescida do
seguinte art. 15:
Art. 15. A taxa de expediente de que trata esta lei será cobrada,
ainda, das sociedades seguradoras beneficiadas, nas seguintes hipóte-
ses:
I - pela emissão das guias de arrecadação do Seguro de
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias
Terrestres – DPVAT;
II - pelo fornecimento dos dados cadastrais dos proprietári-
os de veículos automotores para fins de cobrança do DPVAT;
§ 1º Na hipótese do inciso I, o valor da Taxa de Expediente
será retido na conta do Tesouro Estadual em estabelecimento da
rede bancária para o recolhimento do tributo.
§ 2º É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencio-
nados no inciso II às sociedades seguradoras beneficiadas, sem a
comprovação do pagamento da Taxa de Expediente a que se
refere o caput deste artigo.
§ 3º O valor da Taxa de Expediente previsto no caput deste
artigo será de R$ 10,00 (dez reais) por veículo, e seu custo não
poderá ser acrescido ao valor do DPVAT e não poderá ser repassado
ao contribuinte do IPVA.’
Alega-se, na presente ação direta, em síntese, que ‘a ‘taxa’ de expediente
criada pela legislação impugnada excede de muito o custo do serviço e caracteri-
za-se, assim, como imposto com efeitos de confisco’ (fl. 05 — grifei).
Como suporte de tal argumento, as autoras trazem aos autos pareceres
técnicos sobre os custos dos serviços prestados pelo Estado de Minas Gerais (fls.
111/114, 116/120, 122/143 e 145/154), concluindo, em abono de sua tese, que ‘a
taxa de expediente de R$ 10,00, cuja legislação é ora impugnada, é incompara-
velmente maior do que os custos dos serviços que a ela correspondem’ (fls. 09 e
35/36 — grifei):
‘Ora, os custos relevantes na espécie são ridículos e, mesmo ínfimos,
muito inferiores ao valor da taxa de expediente de R$ 10,00 (dez reais) por
cada veículo.
512 R.T.J. — 198
este processo de controle normativo abstrato, seja em face do que estabelece o art.
103, IX, da Constituição da República, seja, ainda, em face da exigência
jurisprudencial concernente à pertinência temática, tendo em vista, de um lado, as
finalidades institucionais das entidades autoras, e, de outro, o conteúdo material
das normas legais ora impugnadas.
Como se sabe, o requisito da pertinência temática — que se traduz na
afinidade entre os objetivos institucionais das entidades autoras e o conteúdo
material das regras por elas questionadas — foi erigido, pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, em fator de qualificação da própria legitimidade
ativa ad causam das entidades sindicais de grau superior:
‘A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal erigiu o vínculo de
pertinência temática à condição objetiva de requisito qualificador da pró-
pria legitimidade ativa ad causam do Autor, somente naquelas hipóteses de
ação direta ajuizada por confederações sindicais, por entidades de classe de
âmbito nacional, por Mesas das Assembléias Legislativas estaduais ou da
Câmara Legislativa do Distrito Federal e, finalmente, por Governadores dos
Estados-Membros e do Distrito Federal. Precedentes.’
(RTJ 158/441, Rel. Min. Celso de Mello)
Como já enfatizado, tenho para mim que as litisconsortes ativas preenchem
as exigências relativas ao vínculo da pertinência temática, qualificando-se, por
isso mesmo, para o ajuizamento da presente ação direta de inconstitucionalidade,
consideradas as razões a seguir expostas.
Sabemos, dentro de uma perspectiva estritamente histórica, que a subsunção
das atividades de seguro à noção conceitual de mercancia resultou, em nosso
sistema de direito positivo, do clássico Regulamento 737/1850, que, definindo a
compreensão e o significado do que devesse ser entendido por operação mercantil,
expressamente referiu-se aos contratos de seguro (art. 19, § 4º).
Vê-se, daí, que a atividade seguradora, por ajustar-se às exigências de
ordem tipológica resultantes do tratamento legal dispensado às operações comuns
à mercancia, qualifica-se entre os atos de comércio, achando-se regida, por isso
mesmo, pelas normas que se projetam no campo do direito mercantil.
Essa circunstância justifica, portanto — inclusive com apoio no que prescre-
ve o art. 73 do DL 73/66 —, a pertinente vinculação das entidades seguradoras à
Confederação Nacional do Comércio, uma das autoras da presente ação direta,
pois as sociedades seguradoras desenvolvem atividade efetivamente mercantil.
Impõe-se ter presente, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em
decisões plenárias, já reconheceu legitimidade à Confederação Nacional do Co-
mércio, para questionar, em sede de fiscalização normativa abstrata, ato estatal
relativo a entidades seguradoras (RTJ 164/59, Rel. Min. Sydney Sanches — RTJ
170/771, Rel. Min. Celso de Mello).
Sendo assim, e rejeitando a preliminar suscitada pelo Governador do Estado
de Minas Gerais, cumpre reconhecer a plena legitimidade ativa ad causam da
Confederação Nacional do Comércio, para o ajuizamento da presente ação direta
de inconstitucionalidade.
516 R.T.J. — 198
Ainda dentro desta linha de raciocínio, não é dado ao Poder Público mani-
pular abusivamente os serviços públicos ou as diligências que levam ao
exercício do poder de polícia, só para incrementar receitas.
(...)
O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao
custo, ainda que aproximado, da atuação estatal específica. É claro que,
neste campo, não precisa haver uma precisão matemática; deve, no entanto,
existir uma razoabilidade entre a quantia cobrada e o gasto que o Poder
Público teve para prestar aquele serviço público ou praticar aquele ato de
polícia. Esta razoabilidade é aferível, em última análise, pelo Poder Judi-
ciário, mediante provocação do contribuinte interessado.
Se não houver equivalência entre o custo da atuação estatal específica
e o quantum da taxa, o tributo será inconstitucional, por desvirtuamento de
sua base de cálculo. Com isto, aliás, ele assumirá feições confiscatórias,
afrontando, pois, o art. 150, IV, da CF.’ (Grifei)
A eminente Professora e ilustre magistrada federal, Regina Helena Costa
(‘Princípio da Capacidade Contributiva’, p. 55, item n. 8.1, 1993, Malheiros),
também demonstra possuir igual percepção da matéria ora em exame, como se vê
da seguinte passagem de seu magistério:
‘As taxas têm caráter remuneratório da atuação do Poder Público,
devendo, por isso, manter razoável equivalência com a despesa por ele
efetuada.
(...) Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público,
diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir, nas taxas, como
critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia
a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, pretende-se remunerar a
atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma
(...).’ (Grifei)
Vê-se, desse modo, que, se o valor da taxa não corresponder ao custo do
serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte — e se resultar, ainda, da
inobservância da relação de equivalência entre esses dois fatores, uma situação
de onerosidade excessiva, que afete o sujeito passivo da obrigação tributária —,
tornar-se-á lícito vislumbrar, em ocorrendo tal hipótese, possível transgressão ao
postulado constitucional da não-confiscatoriedade dos tributos em geral (CF, art.
150, IV).
Sob esse outro aspecto, parecem assumir relevo jurídico as alegações
deduzidas pelas autoras da presente ação direta (fls. 38/39 e 46/47):
‘A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP — com base na
Legislação em vigor evidencia que o prêmio de seguros DPVAT é repassado
ao SUS, Denatran, Sincor, Funenseg e à própria Susep ‘e a parcela de 47,5548
seria destinada ao pagamento de sinistros (avisados e provisão de IBNR),
despesas gerais e carregamentos (resultado e corretagem). Deste modo, no
R.T.J. — 198 521
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Referendo, integralmente, a decisão
proferida a fls. 703/727, mantendo-a por seus próprios fundamentos, não obstante a
extrema densidade jurídica de que se reveste a pretensão de inconstitucionalidade
deduzida pelas autoras, consoante expressamente deixei ressaltado no ato decisório
em causa.
Com efeito, impende relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutri-
nárias a que aludi no ato decisório ora em análise, o locus classicus de Orosimbo
Nonato proferido em decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em
acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particular-
mente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice John Marshall, quando
do julgamento, em 1819, do célebre caso “McCulloch v. Maryland”, que “o poder de
tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (RF 145/164 — RDA 34/
132), eis que — como relembra Bilac Pinto, em conhecida conferência sobre “Os
Limites do Poder Fiscal do Estado” (RF 82/547-562, 552) — essa extraordinária
prerrogativa estatal traduz, em essência, “um poder que somente pode ser exercido
dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio
e de indústria e com o direito de propriedade” (grifei).
Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário,
investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das enti-
dades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso
sistema jurídico, de um “estatuto constitucional do contribuinte”, consubstanciador
de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel.
Min. Celso de Mello, in Informativo/STF n. 125), culminam por asfixiar, arbitraria-
mente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o
exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às
palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. (“The power to tax is not the power to
destroy while this Court sits”), em “dictum” segundo o qual, em livre tradução, “o
poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto
existir esta Corte Suprema”, proferidas, ainda que como “dissenting opinion”, no
julgamento, em 1928, do caso “Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel.
Knox” (277 U.S. 218).
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo material
da norma legal ora questionada, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria
tributária, como sucede na espécie, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das
leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe,
todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra,
em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º,
LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se
como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais,
consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/
140-141 — RTJ 178/22-24, v.g.):
R.T.J. — 198 531
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, peço vênia ao eminente Ministro
Celso de Mello, neste caso, com seus próprios fundamentos jurídicos claramente
532 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Sr. Presidente, entendi plausíveis os argumentos
trazidos pelo eminente Relator, que procurou demonstrar, baseado nas informações do
Chefe do Executivo de Minas Gerais, que há uma separação dos serviços prestados pelo
Estado, nos quais incidiria essa taxa, e a liberdade que terão as empresas seguradoras de
efetivamente poderem fazer a cobrança diretamente.
Nesse juízo puramente de delibação, parece-me que seria o caso de manter o
indeferimento proclamado pelo eminente Relator, razão por que, com essas concisas
observações, referendo a decisão de S. Exa.
VOTO
O Sr. Ministro Sydney Sanches: Sr. Presidente, com a devida vênia, a plausibilidade
é tão forte que o requisito do periculum in mora fica atendido, como conseqüência.
Acompanho o voto do Ministro Gilmar Mendes.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Entendo que, no caso, o acesso ao
banco de dados que o Estado possui deve ser viabilizado por ele próprio.
A par desse aspecto, a lei federal disciplinadora do seguro obrigatório revela que o
Conselho Nacional de Seguros Privados expedirá normas disciplinadoras e tarifas que
atendam ao disposto na lei. No § 2º do artigo 11, constata-se preceito a revelar que, para
o efeito do parágrafo anterior — o parágrafo que cogita da implantação e da fiscalização
relativas ao seguro —, “o Conselho Nacional de Trânsito expedirá normas para o
vencimento do seguro coincidir com o do IPVA, arquivando-se cópia do bilhete ou
apólice no prontuário respectivo, bem como fazer constar no registro de ocorrências
nome, qualificação, endereço residencial e profissional completos do proprietário do
veículo, além do nome da seguradora, número e vencimento do bilhete ou apólice de
seguro.”
Tenho presente que o caráter obrigatório do seguro vincula-lhe a cobrança àquela
ligada ao IPVA, como ocorre no Brasil inteiro. Recebe-se o documento para se recolher
o IPVA, constando desse mesmo documento, emitido pelo Estado, o seguro obrigatório.
R.T.J. — 198 533
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Ministro Marco Aurélio, V. Exa. acha indissociável
o seguro obrigatório?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Penso que sim, pela lei. A rigor, o
veículo não pode circular sem o seguro obrigatório.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Veja como está certo o Presidente. Diz assim o texto:
“Art. 16. A Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, fica acrescida do
seguinte art. 15:
Art. 15. A taxa de expediente de que trata esta lei será cobrada, ainda,
das sociedades seguradoras beneficiadas, nas seguintes hipóteses:
I - pela emissão das guias de arrecadação do Seguro de Danos Pessoais
Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT;
II - pelo fornecimento dos dados cadastrais dos proprietários de veícu-
los automotores para fins de cobrança do DPVAT;
§ 1º Na hipótese do inciso I, o valor da taxa de Expediente será retido
na conta do Tesouro Estadual em estabelecimento da rede bancária para o
recolhimento do tributo.
§ 2º É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencionados no
inciso II às sociedades seguradoras beneficiadas, sem a comprovação do
pagamento da Taxa de Expediente a que se refere o caput deste artigo.”
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Ora, o único local em que existe a informação de qual
a frota que vai circular no Estado, onde está? No departamento correspondente de
registro de veículos. Então, não tem como fazer.
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A autoridade administrativa do próprio Estado,
sob a responsabilidade deles lá, não autorizaria em princípio?
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Não.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): O que cola a concretude à obrigatorie-
dade é essa vinculação.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Vejam o que diz o § 2º:
“É vedado o fornecimento dos dados cadastrais mencionados no inciso II às
sociedades seguradoras beneficiadas, sem a comprovação do pagamento da Taxa
de Expediente a que se refere o caput deste artigo.”
Então, ele não terá a informação.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: No ano de 2001, está dito aqui que eles teriam
facultado o acesso.
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: Quer dizer que V. Exa. negaria o referendo em face
da violação ao princípio do confisco?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente): Ficaríamos com a fundamentação
quanto à relevância, mas concluiríamos pela existência de risco em se manter com plena
eficácia o diploma. E prejudicada não é a seguradora, em si; prejudicados serão aqueles
534 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
ADI 2.551-MC-QO/MG — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerentes: Confe-
deração Nacional do Comércio e outra (Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e
outros). Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais (Advogado: PGE/MG –
Arthur Pereira de Mattos Paixão Filho) e Assembléia Legislativa do Estado de Minas
Gerais.
Decisão: Apresentado o processo em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Presidência do Ministro Marco Aurélio. Plenário, 18-12-2002.
Decisão: Apresentada a questão de ordem suscitada em Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 2.551-1/MG, o julgamento foi adiado. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Moreira Alves, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, e,
nesta assentada, a Ministra Ellen Gracie. Presidência do Ministro Marco Aurélio. Plená-
rio, 12-3-2003.
Decisão: Tomados os votos, relativamente às preliminares, o Tribunal, a uma só
voz, rejeitou-as. Votou o Presidente. E, quanto ao referendo, após os votos dos Ministros
Celso de Mello, Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa, referendando o indeferimento
R.T.J. — 198 535
da liminar, e dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Ilmar Galvão,
Sydney Sanches e Presidente, Ministro Marco Aurélio, negando o referendo para deferir
a medida acauteladora, a conclusão do julgamento foi adiada por não ter sido alcança-
do o quorum qualificado como previsto na lei, encaminhando-se os autos, sucessiva-
mente, aos Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Moreira Alves, ausentes
justificadamente.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Sydney
Sanches, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e
Gilmar Mendes. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 13 de março de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Peço licença para acompanhar o voto do eminente
Ministro Gilmar Mendes. Faço-o com base no voto do nobre Ministro Celso de Mello,
que demonstrou, à saciedade, o fumus boni juris. Defiro a liminar.
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Com a devida vênia, também acompanho o voto do
eminente Ministro Gilmar Mendes.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.551-MC-QO/MG — Relator: Ministro Celso de Mello. Requerentes: Confe-
deração Nacional do Comércio e outra (Advogados: Marcos Jorge Caldas Pereira e outros).
Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais (Advogados: PGE/MG – Arthur
Pereira de Mattos Paixão Filho) e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Decisão: Colhidos os votos dos Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e
Moreira Alves, o Tribunal, por maioria, negou referendo ao indeferimento da liminar de
Sua Excelência o Ministro Celso de Mello, Relator, e deferiu a medida acauteladora para
suspender a eficácia do artigo 16 da Lei n. 13.430, de 28 de dezembro de 1999, que deu
nova redação ao artigo 15 da Lei n. 12.425, de 27 de dezembro de 1996, ambas do
Estado de Minas Gerais, vencidos os Ministros Relator, Ellen Gracie e Maurício Corrêa.
Presidência do Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Moreira
Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar
Galvão, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Procurador-
Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 2 de abril de 2003 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
536 R.T.J. — 198
Em 26-10-1970
“(...)
(...) em cumprimento ao (...) mandado (...) do (...) Secretário de Estados dos
Negócios de Interior e Justiça, [foi reintegrado] o Estado do Paraná na posse do
imóvel a seguir discriminado, confiscado a Aníbal Khoury, pelo artigo 1º do
Decreto n. 65.551, de 20 de outubro de 1969 (...)
(...)” (Fl. 83).
Em 19 de dezembro de 2001, o beneficiário da doação, Sr. José Marcos
Formighieri, faz contrato de cessão de direitos, mediante prestação de serviços, ao Sr.
Antônio Reis.
Pelo contrato firmado,
“(...)
10 (...)
a) o cessionário fica obrigado a tomar todas as providências necessárias ao
recebimento da indenização respectiva, apresentando requerimento ao Poder Pú-
blico Estadual, mandando elaborar Laudos dos valores dos prejuízos sofridos pelo
cedente, enfim, promovendo todas as diligências necessários ao recebimento do
respectivo crédito, fazendo por sua conta todas as despesas que se fizerem necessá-
rias; (fl. 50)
(...)
c) quando for paga a indenização, do produto líquido recebido será feita a
distribuição da seguinte forma:
ca) [20%] para o cessionário; e,
cb) [80%] para o cedente. (fl. 51)
(...)”
“Adquirente: (Incorporado) — Estado do Paraná, por força e nos termos dos arts. 1º e 3º e o Ato
Complementar n. 42 de 27 de janeiro de 1969.
Transmitente: Anibal Khury e sua mulher Niva Sabóia Khyry, brasileiros, casados (...) residentes em
Curitiba, na conformidade do Decreto n. 65.551 de 21 de outubro de 1969 do confisco de bens.
Título: Confisco de Bens.
Forma do Título: Incorporação ao Estado do Paraná, na conformidade e nos termos dos artigos 1º
e 3º do Ato Complementar n. 42 de 27 de janeiro de 1969 e conforme Decreto n. 65.551, de 21 de
outubro de 1969, publicado no Diário Oficial da União em data de 27 de outubro de 1969.
Valor: O da transmissão originária ou sejam NCr$ 31,96 (trinta e um cruzeiros novos e noventa e
seis centavos) pela aquisição ao Estado do Paraná e NCr$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos cruzeiros
novos) pela aquisição de Airton Maltauro e sua mulher.
Condições: As da transcrição originária, e inclusive que são nulos todos os atos de alienação de lotes
e chácaras dos ‘Loteamento Curitiba’, nos termos do art. 8º e do Decreto-Lei n. 359, de 17 de dezembro
de 1968, com a redação dada pelo Decreto-Lei n. 760, de 13 de agosto de 1969.
(...)” (fl. 73 e verso).
R.T.J. — 198 539
II - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel
execução;
(...)”
R.T.J. — 198 543
(...)
10. (...) o Constituinte Federal outorgou anistia e conferiu benefícios às
pessoas que sofreram represálias e perseguições relativas ao exercício de atividade
profissional, sindical, mandato eletivo e cassação de direitos políticos, durante o
período de exceção. Dessa forma, ao permitir que o terceiro de boa fé seja indeni-
zado por prejuízos materiais, o constituinte estadual concedeu benefício não
previsto na Constituição Federal, contrariando, portanto, o disposto nos seus arts.
8º e 9º do ADCT.
11. Ademais, o § 2º, do art. 8º, do ADCT da Constituição Federal, prevê que
ficam assegurados os benefícios estabelecidos no artigo aos trabalhadores do setor
privado, dirigentes e representantes sindicais, que por motivos exclusivamente
políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das
atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de
exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes
oficiais sigilosos. Nenhuma reparação econômica em razão de prejuízos decorren-
tes de perda ou cessação de renda está prevista na Constituição Federal, para
aqueles atingidos por atos de exceção, no setor privado, como o fez a norma
constitucional estadual impugnada, extravasando os limites do texto constitucio-
nal federal. (Fls. 212)
(...)”
É pela procedência da ação.
É o relatório.
Encaminhem-se cópias aos Exmos. Srs. Ministros.
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Relator):
1. Do histórico da anistia no Brasil.
Anistia, do grego amnistia, significa esquecimento.
O primeiro registro de anistia que se tem na história data de 594 a.C., período de
Sólon, que a concede aos helenos.
Conforme ensina o Professor de Ciências Políticas da UFRN, Homero de Oliveira
Costa, Sólon reintegra
“(...)
(...) os direitos aos cidadãos perseguidos pelos regimes tirânicos que lhe
antecede e concede o perdão a todos os perseguidos, exceto aos condenados por
traição ou homicídio.
(...)”
Segundo Rui Barbosa, em Roma, a concepção de anistia aparece sob o nome
generalis abolitio, com o significado de perdão, esquecimento.
548 R.T.J. — 198
De fato, pela própria natureza do ato de anistia previsto nos arts. 8º e 9º do ADCT, sua
competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal.
Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da compensa-
ção financeira das vítimas de atos de exceção, é também claramente a aceitação excepcio-
nal de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado por atos políticos do passado.
A repercussão política e financeira reveste esse ato confessional de culpa do Estado
de excepcionalidade que, por isso, não admitiria interpretação extensiva e nem, ao menos,
ampliação por parte do poder constituinte derivado dos Estados-Membros.
Do contrário, com facilidade, ato de tamanha envergadura política e institucional
do nosso Estado Democrático de Direito se vulgarizaria e sua previsão poderia tornar-se
instrumento de populismo ou até mesmo de práticas da Administração local em violação
aos princípios da moralidade e da impessoalidade.
Por isso mesmo, em se tratando de indenização por atos de exceção, valem
somente as regras estritas dos arts. 8º e 9º do ADCT, sem possibilidade de ampliação do
benefício.
Aliás, foi o que decidiu o Supremo em recente caso julgado em 6-10-2005, de
Relatoria do Ministro Eros Grau (AOE 16), com acórdão ainda não publicado.
Finalmente, o Plenário do Tribunal já assentou esse entendimento ao julgar
exatamente a ampliação de anistia feita no Estado do Paraná.
Trata-se do RE 275.480, de Relatoria de Ellen Gracie:
“Anistia. Efeitos financeiros. Compatibilidade do art. 8º, §§ 1º e 5º, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e
do art. 39 do ADCT da Constituição do Estado do Paraná.
Limitação dos efeitos financeiros da anistia ao período posterior à promulga-
ção da Carta de 1988. Precedentes.
Se o Constituinte Federal estabeleceu, como princípio, a limitação, no tem-
po, dos efeitos financeiros da anistia, o Poder Constituinte derivado, não pode
ultrapassar este limite.
Interpretação conforme do 8º, § 1º e 5º, do ADCT da Carta Maior.
Na expressão ‘todas as vantagens’ encontram-se tão-só aquelas não excluí-
das pela correspondente norma da Constituição Federal.
Recurso conhecido e provido.”
Por todo o exposto e acompanhando o parecer da PGR, declaro inconstitucional a
Emenda Constitucional n. 14, de 10 de dezembro de 2001, do Estado do Paraná.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, formalmente, parece-me
bem inspirado o texto paranaense, por buscar uma compensação. Naquilo em que o
Estado cessionário se beneficiou como resultante do ato mesmo de cessão, o Estado
cedente quer se compensar, material e financeiramente.
R.T.J. — 198 551
Porém, o voto de Vossa Excelência deixa claro que essa matéria foi normada pela
Constituição Federal no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em ordem a —
parece-me — sedimentar uma interpretação clara de que houve uma reserva de mercado
legislativo. Ou seja, continuamos com a palavra “mercado”. É matéria que tem seus
pontos de partida e de chegada na Constituição Federal, mais precisamente nos artigos
8º e 9º.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, tem-se, a um só tempo, paga-
mento pelo Estado e benefício decorrente desse pagamento. Até a redação é confusa.
Acompanho Vossa Excelência.
EXTRATO DA ATA
ADI 2.639/PR — Relator: Ministro Nelson Jobim. Requerente: Governador do
Estado do Paraná (Advogada: PGE/PR – Márcia Carla Pereira Ribeiro). Requerida:
Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 14/2001, do Estado do Paraná, nos
termos do voto do Relator, Ministro Nelson Jobim, Presidente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Anto-
nio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 8 de fevereiro de 2006 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
RECLAMAÇÃO 2.772 — DF
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar procedente a reclamação e prejudicado o agravo regimental, nos termos do voto
do Relator. Falaram, pelo reclamante, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro e, pelo interessado,
Bento Herculano Duarte Neto, o Dr. Fernando Neves da Silva. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Brasília, 24 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de reclamação movida por Maria
Auxiliadora Barros Medeiros Rodrigues, juíza do trabalho, contra o Tribunal Regional
do Trabalho da 21ª Região, o Tribunal Superior do Trabalho e o Presidente da Repúbli-
ca, por terem, respectivamente, o primeiro, elaborado lista tríplice contrária à decisão
desta Corte no MS n. 24.414; o segundo, dado a ela regular encaminhamento; e, o
terceiro, não a ter devolvido em razão do vício que a inquina (fls. 02-15).
A controvérsia daquele writ preventivo, por mim relatado, envolvia a elaboração
de lista tríplice pelo TRT da 21ª Região, para promoção de juiz de carreira em vaga cujo
preenchimento devia dar-se por critério de merecimento. Da ementa, constou:
“Magistrado. Promoção por merecimento. Vaga única em Tribunal Regi-
onal Federal. Lista tríplice. Composição. Escolha entre três únicos juízes que
cumprem todos os requisitos constitucionais. Indicação de dois outros que não
pertencem à primeira quinta parte da lista de antiguidade. Recomposição
dessa quinta parte na votação do segundo e terceiro nomes. Inadmissibilidade.
R.T.J. — 198 553
Daí que, sob pena de aberta transgressão à eficácia de decisão tão clara e
inequívoca, emitida em processo subjetivo, onde se não julgam princípios, mas
situações jurídicas subjetivas (por isso diz-se que de seus julgamentos definitivos
advém caso julgado ou coisa julgada), não poderia ser desconsiderada a situação
factual existente à data da impetração e objeto específico do mesmo ato decisório,
de caráter mandamental.
Escusaria, aliás, tivessem sido tão explícitos ambos os acórdãos a respeito,
porque bastaria recordar a velhíssima lição de Chiovenda, hoje incorporada ao
patrimônio universal da dogmática e da positividade do Direito Processual do
mundo civilizado:
‘Tendo em conta que a atividade do Estado, para operar a atuação da
lei, exige tempo e despesa, urge impedir que aquele, que se viu na necessi-
dade de servir-se do processo para obter razão, tenha prejuízo do tempo e da
despesa exigidos: a necessidade de servir-se do processo para obter razão não
deve reverter em dano a quem tem razão (...) a sentença que recebe a demanda
deve atuar a lei como se isso acontecesse no momento mesmo da demanda
judicial’ (Instituições de Direito Processual Civil. Trad. de J. Guimarães
Menegale. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1942. vol. I, pp. 233-234 e 235, n. 34.
Grifos do original).
Em síntese, o que a Corte reconheceu e garantiu à ora reclamante foi direito
subjetivo, líquido e certo, que deveria ser reverenciado segundo a realidade
histórica existente no momento em que ajuizou o pedido, para que se observassem
as normas incidentes nesse mesmo momento, como aconteceria se não tivessem
sido violadas na organização da lista original. Se houvera tal lista atendido às
normas incidentes sobre os fatos da época, consoante elucidaram e demonstraram
os acórdãos da Corte, a lei teria, enquanto ordenamento jurídico, atuado desde sua
incidência, sem violação do direito subjetivo da ora reclamante, a qual não teria
precisado servir-se do processo de mandado de segurança para ver declarada a sua
razão.
A ora reclamante não foi recusada, nem indicada!
3. Do exposto, defiro a liminar, para sustar, até julgamento da reclamação, o
trâmite do ato de nomeação para o preenchimento da vaga, por merecimento, de
juiz do trabalho no TRT da 21ª Região, objeto desta causa.
Comunique-se incontinenti, por telex ou fac-símile e ofício, o teor da liminar
às autoridades reclamadas e requisitem-se-lhes as informações que entendam de
prestar. Decorrido o prazo, com ou sem elas, encaminhem-se os autos à Procurado-
ria-Geral da República.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 23 de setembro de 2004.
Ministro Cezar Peluso
Relator” (fls. 115-117).
Contra essa decisão liminar, a União interpôs agravo regimental.
R.T.J. — 198 555
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Senhor Presidente, lembro-me bem deste
caso.
A questão é que à ora reclamante — então impetrante e um dos três únicos juízes
que cumpriam todas as condições constitucionais — foi assegurado o direito de ser
incluída na lista, no segundo, ou no terceiro lugar, a menos que fosse recusada formal e
especificamente. O acórdão ainda foi textual a respeito, advertindo que, para haver
recusa, tinha de ser formal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Sem o refazimento da clientela, segundo sustentei e
fiquei vencido.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Pois é, Vossa Excelência ficou vencido.
Enfim, foi essa a decisão óbvia do Tribunal.
Não quero entrar, aqui, em considerações sobre o Tribunal ter agido de boa ou de
má-fé, até porque se presume que tenha agido de boa-fé. Sucedeu, na verdade, que,
quando foi cumprir o acórdão, invocando o fato de, com o transcurso do tempo, ter
aumentado a primeira quinta parte, não incluiu a impetrante, sem recusa formal — isso é
o grave. O tribunal não a recusou, não houve nenhuma recusa, quando a impetrante
estava garantida pela decisão do mandado de segurança, mas incluiu outros da primeira
quinta parte por considerar que a lista aumentara.
Levando-se em conta, sob presunção de lealdade processual, ser verdadeiro que
um dos juízes — aquele situado em primeiro lugar na lista, porque a posição dele não
estava em discussão — completou agora sessenta e cinco anos, isso ocorreu após
descumprimento do acórdão. Quer dizer, nem é fato superveniente em relação ao
acórdão. É fato recente, que não interfere no julgamento da causa. Se a lista toda tem, ou
não, de ser refeita, não é o problema em causa; o problema é saber se à ora impetrante
deve ser garantido, ou não, o cumprimento do mandado de segurança que lhe assegurou
uma posição na lista, a menos que fosse recusada, e não o foi.
Com esse esclarecimento, lerei o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Consistente a reclamação.
Das informações prestadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região,
extraem-se as razões em que se apoiou para esquivar a inclusão do nome da reclamante
na lista tríplice para promoção por merecimento, elaborada em 23-7-2004, quase doze
meses após a concessão da segurança. Delas consta:
.
556 R.T.J. — 198
1 Sistemad di diritto processuale civile, vol. I. Padova: Cedam, 1936. pp. 40-42.
R.T.J. — 198 557
cimento de que a impetrante era titular de direito subjetivo, “líquido e certo”, violado na
composição da lista tríplice. Esse foi, exata e precisamente, o comando emergente do
acórdão do MS n. 24.414, como se lhe infere à simples leitura. Confira-se:
“Feriu-se de morte, em resumo, direito líquido e certo da impetrante, que
é o de, em companhia do juiz Joaquim Sílvio Caldas, ser votada para o segundo
lugar ou ser ainda indicada sozinha para o terceiro lugar da lista de mereci-
mento, a qual é nula quanto à escolha do segundo e terceiro nomes, devendo,
como tal, ser refeita com observância da orientação agora firmada”.
“Não há, deveras, nenhuma dúvida de que o critério de merecimento implica
sempre possibilidade de escolha, que, por sua vez, pressupõe, em tese, universo
necessário de, pelo menos, dois juízes que cumpram os requisitos constitucionais
conjuntos, pela razão óbvia de que, em regra, se se aplicara ao rol de um único
magistrado, conduziria, tirante hipótese de recusa, a promoção automática, idênti-
ca à resultante da incidência do critério de antiguidade. Nem a hipótese de haver
um único magistrado para o último lugar de lista tríplice elide o exercício do
poder de escolha, porque, se o indica quando tem a alternativa de recusa em
procedimento específico, o tribunal não deixa, segundo penso, de formular
juízo de opção, aplicando do mesmo modo o critério de merecimento”.
Está aí evidente que o acórdão proclamou terem as autoridades coatoras vulnerado
direito líquido e certo da então impetrante, ordenando cessasse o estado de violação.
Aliás, a tutela mandamental de segurança destina-se, como é óbvio, a prevenir ou a
reparar lesão a direito subjetivo, restabelecendo o status quo ante.
Não se está diante de processo de índole objetiva, em que o conflito submetido ao
conhecimento do juiz recai sobre confronto entre normas, tomadas abstratamente, ou seja,
desvinculadas de toda relação histórica. Antes, a decisão proferida no MS n. 24.414 —
como se dá em qualquer processo dito subjetivo — visou a tutelar direito subjetivo
concreto de pessoa determinada, a impetrante. De modo que a adequada composição dessa
lide só atua mediante restauração do direito violado, ou seja, com a recondução da parte ao
estado em que se encontraria, caso houvera sido respeitado tal direito. Ao propósito,
advertia Chiovenda que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem
tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”.2
Se se tivessem guardado as regras constitucionais à época da violação, o nome da
reclamante teria integrado a lista tríplice encaminhada para o Poder Executivo, sem
recusa manifestada em procedimento específico. Logo, o cumprimento da decisão que
lhe reconheceu o direito subjetivo não pode produzir resultado diverso.
Escusaria lembrar que “os resultados obtidos através do exercício da jurisdição
constituem, (...), a atuação prática da vontade jurídica preexistente.3 É coisa velha que
o juiz, ao conceder a tutela jurisdicional, nada mais faz que reconhecer e fazer valer ao
vencedor da causa o direito subjetivo de que, antes e independentemente do processo, já
era titular, segundo o direito objetivo. Seria, pois, ilógico que o resultado da atividade
jurisdicional, ao menos no momento declaratório da sentença, não remontasse ao estado
de coisas preexistente à propositura da ação. Doutro modo, incapaz de restaurar a situação
atingida pelo comportamento antijurídico, o processo não passaria de inútil simulacro.
Ora, ao elaborar a nova lista tríplice, tomando por base o número de juízes que hoje
compõem o quadro da magistratura e a atual composição da primeira quinta parte de
antiguidade, o TRT, a despeito de afirmar ter cumprido os termos do decidido no MS n.
24.414, violou-os às inteiras, desrespeitando a autoridade da decisão.
A situação não passou despercebida à Procuradoria-Geral da República:
“De acordo com a decisão prolatada no Mandado de Segurança n. 24.414, foi
assegurado à reclamante, ora agravada, o direito de ser votada para segundo lugar,
em companhia do juiz Silvio Caldas, ou o de, salvo recusa formal e fundamentada,
ser indicada sozinha para o terceiro lugar. O acórdão determinou, ainda, que a lista
primitiva fosse refeita sem recomposição do quinto de antigüidade.
No entanto, uma nova lista foi elaborada sem incluir ou recusar a agravada. A
nova lista foi baseada em um quinto da antigüidade diverso do existente à época
da elaboração da primeira lista. Com isso, no lugar da ora agravante, o juiz Bento
Herculano foi incluído na lista como integrante da quinta parte da lista de antigüi-
dade, o que não poderia ter ocorrido e em total afronta ao decidido no mandado de
segurança” (fl. 215).
Em nada releva a alegação de que a nova lista teria ajustado a decisão a “fato
superveniente”. Encerrada a atividade jurisdicional, a sucessão de fatos novos não pode
alterar a eficácia normante do decisum, sobre o qual recaiu a autoridade da res iudicata,
ou seja, do caso (ou coisa) que, nas suas particularidades jurídico-históricas, foi defini-
tivamente julgado. Por isso, diz-se que há aí coisa julgada, ou, mais expressivamente,
caso julgado.
A hipótese não é da chamada relação jurídica continuativa, em que modificações
no estado de fato ou de direito criam coisa ou caso imune à eficácia da sentença como
norma singular e concreta (art. 471, inc. I, do CPC), que, não obstante, ainda rege a
situação original, cujos contornos figuram os limites objetivos da res iudicata.4 A lide
decidida no MS n. 24.414 dizia respeito a uma situação histórico-jurídica estável e
definida: a ilegalidade na composição da lista tríplice para promoção, à luz da ordem
geral de antiguidade então vigente.
2. Do exposto, julgo procedente a reclamação e prejudicado o agravo regimen-
tal, a fim de anular a nova lista tríplice, determinando seja incontinenti refeita com
estrita observância do direito subjetivo da reclamante de nela ser incluída, sem possibi-
lidade de recusa, porque não foi esta manifestada opportuno tempore.
4 “A declaração judicial revestida da autoridade da coisa julgada tem por objeto a relação jurídica tal
como se apresenta no momento do julgamento. Pode ocorrer, entretanto, que, com a superveniência de
fatos novos ou de lei nova, aquela relação jurídica venha a se modificar ou mesmo a se extinguir e isso,
R.T.J. — 198 559
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o tempo é inexorável, realmente
o é, mas não a ponto de afastar do cenário jurídico título judicial emanado do Supremo.
Fiquei vencido, na companhia honrosa do Ministro Carlos Ayres Britto, quando
julgamos o mandado de segurança. Prevaleceu a óptica de que — como apenas havia,
integrando a quinta parte, três juízes — não se poderia confeccionar a lista a não ser com
os três nomes. Foi exatamente o que prevaleceu.
Em passo seguinte, o Tribunal de origem tornou prevalecente a corrente
minoritária notada no Supremo: inseriu um nome na lista e recompôs a quinta parte para
a escolha dos dois outros. A clientela ficou aumentada.
Devemos caminhar no sentido de determinar a observância do acórdão do Supre-
mo tal como se contém. O que esta Corte proclamou — repito, contra o meu ponto de
vista e contra o ponto de vista do Ministro Carlos Ayres Britto — é que haveria o direito
líquido e certo de ser a impetrante considerada. O Supremo, inclusive, preservou o início
da confecção da lista, mantendo aquele que foi escolhido. Sobejaram os outros dois
nomes, entre esses o da impetrante, da reclamante.
Presidente, de qualquer forma, se não for essa a solução, o Tribunal, a esta altura, se
prevalecer a óptica segundo a qual aquele que já tem 65 anos não pode integrar a lista,
terá de recompor o quinto.
Concluiria no sentido de julgar procedente o pedido para, afastado o que integrou,
à margem do que decidido pelo Tribunal, a lista, vir a figurar nesse lugar a própria
impetrante, a própria reclamante.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Esse é meu voto também.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O meu voto também diz isto: tem de constar
da lista até aquele que agora já não pode integrá-la, porque podia na época.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não posso abrir margem a uma retaliação pelo
Tribunal — embora não imagine que ele possa fazer isso — de vir agora a recusá-la para
driblar a nossa decisão.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Somente assim será cumprida a decisão do Supremo
Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Até porque, se deixarmos ao tribunal
oportunidade de reavaliar, vai fazer outra lista, uma terceira lista, e vamos chegar aos
netos da impetrante.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Não tenha dúvida. E vai discricionariamente. É
verdade.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Julgo procedente para que figure na lista, em
substituição ao juiz que foi erroneamente incluído, a reclamante, outrora impetrante.
é claro, não atinge a coisa julgada, que permanecerá intocável através do tempo, dentro de seus limites
objetivos” (ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. IV, p. 307).
560 R.T.J. — 198
PEDIDO DE ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Cezar Peluso, Vossa Excelên-
cia concorda com a conclusão do Ministro Marco Aurélio?
O Sr. Ministro Carlos Britto: Fica uma decisão meio inócua.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Ministro Marco Aurélio, o que Vossa
Excelência diria mais especificamente?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Afasto aquele que foi erroneamente incluído, em
descumprimento à decisão, e determino que, em substituição, figure na lista a própria
impetrante-reclamante.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Em segundo lugar.
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Estou de acordo. E, em terceiro lugar,
coloque quem quiser.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Quem fica em primeiro lugar?
O Sr. Ministro Carlos Britto: É discricionário o terceiro lugar.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Como?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senão, abriremos margem a que ocorra o
estapafúrdio: até a recusa, por dois terços, da impetrante, tendo em conta ela vir
litigando, considerada a postura do Tribunal.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Isso pode acontecer.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Presidente, apenas não concordo com que se mante-
nha na lista alguém que já não pode mais constar dela.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não é isso o que está se discutindo. É só
para manter no segundo lugar a reclamante; ou seja, ela não está mais submetida à recusa
dos dois terços.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Talvez possamos deixar para um outro tempo essa
idéia, porque, por exemplo, sustento que, em se tratando de carreira, não se exigem, para
o acesso ao novo cargo, os 65 anos. O problema se resolve posteriormente quanto à
aposentadoria: se se aposentará no cargo preenchido, já com 65 anos.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Essa é uma interpretação de Vossa Excelência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Isso é algo que não está em discussão nesta
reclamação.
EXTRATO DA ATA
Rcl 2.772/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Reclamante: Maria Auxiliadora
Barros Medeiros Rodrigues (Advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Reclamados:
Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, Tribunal Superior do Trabalho e
Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União). Interessados: Joaquim
Silvio Caldas e Maria Suzete Monte de Hollanda Diógenes.
R.T.J. — 198 561
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF,
art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, julgar procedente e declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de maio de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se do julgamento de duas ações diretas de
inconstitucionalidade, com objeto idêntico: a ADI n. 2.461/RJ (ajuizada pelo Partido
Social Liberal – PSL) e a ADI n. 3.208/RJ (ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhis-
ta – PDT).
Na ADI n. 2.461/RJ, o parecer da Procuradoria-Geral da República, de lavra do
então Procurador-Geral, Dr. Geraldo Brindeiro, assim relata a controvérsia (fls. 76-80):
“1. O Partido Social Liberal ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade,
com pedido de cautelar, com relação à redação dada ao § 2º do art. 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que tem o seguinte teor:
562 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Relativamente à preliminar suscitada
pela Advocacia-Geral da União (fls. 67-72) na ADI n. 2.461/RJ acerca do caráter
genérico da procuração outorgada (fl. 14), observo que, a partir da orientação firmada
por este Tribunal no julgamento da ADI n. 2.187/BA, Rel. Min. Octavio Gallotti (DJ
de 12-12-2003), determinou-se que “todas as procurações ou delegações outorgadas
pelos autores de ação direta (CF, art. 103), a seus advogados e procuradores,
contenham poderes especiais para a instauração do pertinente processo de controle
normativo abstrato perante esta Corte, com a indicação objetiva dos diplomas
legislativos ou dos atos normativos, e respectivos preceitos (quando for o caso), que
devam expor-se especificamente, à impugnação em sede de ação direta de
inconstitucionalidade.” (ADI n. 2.521/PE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30-4-
2002)
Afora as restrições que, de minha parte, poderiam ser feitas com relação à extensão
do rigor processual assumido pelo Tribunal, entendo que, para efeito da presente
apreciação conjunta, a solução ortodoxa da extinção da ADI n. 2.461/RJ sem
julgamento de mérito não afeta, sob hipótese alguma, a análise da questão constitucional
aqui colocada.
R.T.J. — 198 565
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, impressionou-me, e muito, a
sustentação de Marcello Cerqueira, eminente advogado.
Sei, também, que a interpretação da Constituição não é, apenas, interpretação da
Constituição escrita, do que Lassalle chamaria de Constituição formal; a interpretação
que fazemos é, também, interpretação da Constituição material.
Para mim é claro. Não se aplica à hipótese o disposto no art. 25 da Constituição,
que vincula o Estado-Membro aos seus princípios, porque o § 2º do art. 55 da Carta
Magna veicula uma regra e não um princípio. Não obstante se aplica, sim, a regra do § 1º
do art. 27 da Constituição, que define aplicarem-se aos deputados estaduais as regras do
sistema eleitoral, etc., e “perda de mandato”.
Ainda que a minha pré-compreensão, alimentada pela brilhante sustentação, me
levasse a privilegiar a transparência, há uma regra — que não é princípio — neste § 1º do
art. 27 da Constituição. Acompanho o Ministro Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhora Presidente, reitero os elogios justíssimos que
o eminente Ministro Eros Grau fez à sustentação oral do advogado, constitucionalista e
politicólogo Marcello Cerqueira, do Rio de Janeiro.
Digo que, de fato, a opção política feita pelo Constituinte de 88 quanto ao voto
secreto em caso de processo de perda de mandato de parlamentares não foi a melhor
opção. Não homenageia o princípio da publicidade, não homenageia o princípio da
transparência, esquece que o parlamentar não vota simplesmente por si, ele tem uma
satisfação a dar aos eleitores ou a seus representados, diferentemente do eleitor
individual, do cidadão, que só dá satisfação a si mesmo. Mas foi a opção política
expressamente grafada, consignada na Constituição de 88, com uma particularidade: ela
consta da redação originária do Texto Magno.
Se fosse uma redação introduzida por emenda, eu não teria dúvida em seguir o
ponto de vista de Sua Excelência, advogado constitucionalista, politicólogo, Marcello
Cerqueira. Mas tanto o art. 27, § 1º, consta da Constituição originária quanto a regra
específica de perda de mandato por votação secreta, estampada no art. 55, § 2º.
568 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, quero associar-me expressamente
às homenagens que os eminentes Ministros já prestaram ao ilustre advogado Marcello
Cerqueira, cuja inteligência e fineza intelectual consegue tornar concreto aquilo que
Humberto Eco, num ensaio muito famoso, chama de superinterpretação. Qualquer
texto é suscetível de muitas interpretações, mas, com certeza, não é suscetível de
qualquer interpretação, ainda quando provenha de uma inteligência privilegiada.
Com certeza, a do ilustre advogado não é suscetível de ser admitida, diante da
textualidade da regra, que não é despida de sentido e racionalidade; ela também é
baseada em princípios, quem sabe, tão ou mais importantes que o da transparência, da
claridade, como, por exemplo, o de preservar os deputados de injunções censuráveis
que se podem intuir.
Acompanho integralmente o voto do eminente Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, aprendi, desde cedo, em
colegiado, de que participo há vinte e sete anos, que quase sempre, quando se começa
elogiando sustentação feita da tribuna, caminha-se para votar em sentido contrário ao
entendimento externado. Por isso, não vou elogiar.
R.T.J. — 198 569
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhora Presidente, em homenagem ao voto do
eminente Ministro Marco Aurélio, devo fundamentar, ainda que ligeiramente, meu voto.
A Constituição, em seu art. 25, estabelece:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição;”.
O Professor Raul Machado Horta foi quem primeiro elaborou a doutrina dos
princípios que os Estados devem observar. Primeiro — lembrou bem o eminente
Ministro Relator —, no art. 34, inciso VII, da Constituição, estão os princípios
constitucionais sensíveis. Seguem-se os estabelecidos, que demandam pesquisa; e há,
também, os extensíveis, que existiam em um bom número na Constituição de 46 e na
Constituição de 1967. Praticamente desapareceram na Constituição de 1988.
Estamos aqui diante de um princípio, ou regra constitucional extensível, a que os
Estados devem obediência. O art. 27, § 1º, situado no capítulo terceiro, que diz respeito
aos Estados Federados, estabelece:
Art. 27 (...)
“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-
se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imuni-
dades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às
Forças Armadas.”
E, no que toca à perda de mandato, no art. 55, § 2º, a Constituição estabelece:
“Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela
Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria
absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político repre-
sentado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”
Estende-se aos Estados, portanto, este procedimento, não só a norma da perda do
mandato como também o procedimento. Trata-se, na verdade, de um princípio, ou regra
constitucional extensível, que os Estados devem observar.
Assim, com a vênia do Senhor Ministro Marco Aurélio, prestando, também,
homenagem ao Professor Marcello Cerqueira, que produziu excelente sustentação oral,
acompanho o voto do Ministro Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Já tive o ensejo de salientar, em decisões
proferidas nesta Suprema Corte, que alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime
de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio
puro que o caracterizaram, na concepção e na formulação teórica de um sistema
claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas.
Esse sistema, fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe.
Joseph Comblin, “A Ideologia da Segurança Nacional — O Poder Militar na
R.T.J. — 198 573
América Latina”, p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira),
ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em praxis governamental
institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante
adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da
Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a
democracia, espaço possível reservado ao mistério.
Por isso mesmo, Senhora Presidente, tenho como inquestionável que a exigência
de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz
conseqüência que resulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-
constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente.
O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e que não
tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos e das atividades
estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta
significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da
República reconhece e assegura aos cidadãos, tal como expressamente proclamou o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento plenário do MI 284/DF, Rel. para o acórdão
Min. Celso de Mello (RTJ 139/712-732).
O fato irrecusável, Senhora Presidente, em face do contexto ora em exame, é um só:
os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil,
não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo —
que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos — sempre
coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos
cidadãos.
A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art.
5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da
ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de
Bobbio (op. cit., p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.
A Assembléia Nacional Constituinte, por isso mesmo, Senhora Presidente, em
momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com
o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político
anterior, quando no desempenho de sua prática governamental. Ao dessacralizar o
segredo, de um lado, e ao banir a possibilidade do exercício de um poder não
consentido, de outro, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e
expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em
sua expressão concreta, em fator de legitimação material das decisões e atos
governamentais.
Assentadas tais premissas, cumpre registrar, Senhora Presidente, que as votações
procedidas no âmbito do Poder Legislativo submetem-se, ordinariamente, ao processo
de votação ostensiva, sendo de exegese estrita as normas que fazem prevalecer, em
hipóteses taxativas, os casos de deliberação sigilosa.
A lição ministrada por João Barbalho (“Constituição Federal Brasileira —
Comentários”, p. 88, 1902, RJ) bem justifica a ampla publicidade que deve
prevalecer, ordinariamente, na esfera do Poder Legislativo, quando das deliberações
574 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhora Presidente, uma palavra apenas. É que fui
Relator do mandado de segurança mencionado pelo eminente Ministro Marco
Aurélio, e pode parecer que estaria eu em contradição com o que ali foi decidido: voto
em aberto.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: No precedente, não, porque Vossa Excelência votou
a partir da lei.
576 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, li o memorial e ouvi, hoje,
a sustentação do Professor Marcello Cerqueira com o encantamento que todos
experimentamos. Mas me pareceu, com todas as vênias, que foi um magnífico exercício
de wishful thinking constitucional.
Partiu Sua Excelência de uma premissa pela qual tenho me batido muito,
sobretudo contra uma certa tendência deste Tribunal, que parte, a meu ver, da
Constituição de 1967 — que deu um prazo curto para que os Estados adaptassem suas
constituições à nova Constituição Federal —, do chamado “princípio da simetria”,
como um dogma da Constituição. E por isso, tenho enfatizado muito que, regra geral,
o que submete o Poder Constituinte estadual são princípios da Constituição. Regra
geral, no entanto, porque é manifesto que não há procurar princípios, excogitar
princípios, quando haja regra expressa de absorção compulsória de determinada norma
constitucional federal pelo ordenamento dos Estados-Membros.
Tivemos, aqui, um exercício aritmético difícil: os tribunais de contas estaduais —
objeto também do que, para não ofender hoje a distinção tão cara aos teóricos da
hermenêutica constitucional, eu não chamaria de princípios extensíveis, mas de regras
extensíveis — que mandam observar na sua composição o disposto quanto ao Tribunal
de Contas da União. E tivemos, aqui, um longo exercício de imaginação aritmética para
dividir sete por três.
Outra regra é a do art. 27, § 1º, que — como se o Constituinte estivesse imbuído de
Alexy, Dworkin e tantos autores de justa nomeada na distinção entre princípios e regras —
o constituinte manda aplicar aos deputados estaduais não os princípios, mas as regras
atinentes aos membros do Congresso Nacional.
“Art. 27 (...)
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-
lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.”
A mim, com todas as vênias, parece especioso distinguir aí regras substanciais de
regras processuais.
Trata-se de uma extensão das garantias e das restrições impostas pela Constituição
Federal a senadores e deputados aos deputados estaduais. E nas regras processuais estão,
mal ou bem, garantias, como a da inviolabilidade. A propósito, pronunciei longo voto,
que acabou prejudicado, em um caso sobre a oponibilidade à Justiça Federal das regras
de imunidade parlamentar, a partir da Constituição de 1988, precisamente porque aqui
não se deixou campo para excogitar princípios, mandaram-se aplicar regras (Inq 316).
Mal ou bem inspirado, o art. 55, § 2º, quando impõe o voto secreto, estabeleceu
uma regra processual eminente e, ao contrário do que possa parecer à primeira leitura, os
que compusemos a maioria no MS n. 21.564 — o primeiro dos mandados de segurança
na série do impeachment do ex-Presidente Collor — primeiro assentamos que, por se
tratar de uma norma de processo, a questão era de reserva à lei, segundo o art. 85 da
Constituição Federal; por isso é que desprezamos o Regimento Interno da Câmara dos
578 R.T.J. — 198
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também acompanho o eminente Relator
para julgar procedente e declarar a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 104 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhora Presidente, vou confirmar o meu voto,
acompanhando o eminente Relator, mas insisto em votar pela atribuição de efeito ex
nunc à nossa decisão.
R.T.J. — 198 579
EXTRATO DA ATA
ADI 3.208/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Requerente: Partido
Democrático Trabalhista – PDT (Advogados: Luiz Carlos da Silva Neto e outro).
Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade do § 2º do artigo 104 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de
Mello. Votou o Presidente. Falaram, pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, o Dr.
Luiz Carlos da Silva Neto e, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o
Dr. Marcello Cerqueira. Ausente, justificadamente, o Ministro Nelson Jobim,
Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen
Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-
Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 12 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
PETIÇÃO 3.297 — MG
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
580 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de inquérito policial instaurado pela 25ª
Delegacia Regional de Polícia de Poços de Caldas/MG e, posteriormente, remetido a
esta Corte, contra Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, para apurar suposta prática dos
crimes de falso testemunho (art. 342 do CP) e denunciação caluniosa (art. 339 do CP).
A diligência requerida pela PGR (fl. 138) foi deferida à fl. 140.
O parlamentar manifestou-se às fls. 152-154, oportunidade em que requereu o
arquivamento do feito.
Determinei, então, nova vista ao Procurador-Geral da República, que oficiou nos
seguintes termos:
“Trata-se de inquérito policial instaurado pela 25ª Delegacia Regional de
Polícia de Poços de Caldas-MG objetivando apurar a suposta prática dos crimes
de falso testemunho (art. 342 do CP) e denunciação caluniosa (art. 339 do CP),
atribuídos a várias pessoas, dentre elas, o Deputado Federal Geraldo Thadeu
Pedreira dos Santos (fls. 2-5).
Consta dos autos que a empresa de Antônio Carlos de Oliveira (noticiante a fls.
3/5), no ano de 1999, objetivando participar de concorrência pública para a execução
de obras na cidade de Poços de Caldas-MG, juntou ao procedimento licitatório
certidão negativa de débito do INSS e certidão de registro e quitação expedida pelo
Crea-MG, ambas supostamente falsas e adulteradas.
Um dos noticiados, Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos, então Prefeito
do Município de Poços de Caldas-MG, subscreveu a Portaria n. 3.755, de 6.12.99
(fl. 11), determinando a instauração de processo administrativo para apurar os
fatos antes narrados.
Foram enviadas cópias dos autos ao Ministério Público pela assessoria
jurídica do citado município (fls. 22/23), que ofereceu denúncia contra Antônio
Carlos de Oliveira, como incurso nas sanções do art. 299 do CP. Após a regular
tramitação do processo criminal e não obstante a comprovação da materialidade
do delito (falsidade dos documentos carreados ao processo licitatório), a ação
penal foi julgada improcedente (fls. 24/26) por insuficiência de provas (art. 386,
VI, CPP).
Em decorrência, o Sr. Antônio Carlos de Oliveira requereu a instauração de
inquérito policial contra as pessoas que trabalharam na prefeitura e no Conselho
Regional de Engenharia (fls. 3/5), e que tiveram relação com a referida ação penal,
imputando-lhes o cometimento dos delitos de falso testemunho (art. 342 do CP) e
denunciação caluniosa (art. 339 do CP).
R.T.J. — 198 581
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A eficácia preclusiva da decisão de
arquivamento de inquérito depende da razão jurídica que, fundamentando-a, não
admita desarquivamento nem pesquisa de novos elementos de informação, o que se dá
quando reconhecida atipicidade da conduta ou pronunciada extinção da
punibilidade.
É que, nesses casos, o ato de arquivamento do inquérito se reveste da autoridade de
coisa julgada material, donde a necessidade de ser objeto de decisão do órgão judicial
competente.
O Plenário desta Corte, no julgamento da Pet n. 3.197, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 31-3-2005, decidiu:
“Ementa: I - Arquivamento de notícia criminal requerido com base na
atipicidade do fato: exigência de decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia
de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento:
precedentes.
II - Crime contra a honra: ausência patente de criminalidade dos fatos
imputados aos requeridos”.
Colhe-se do voto condutor:
“(...) diversamente do que sucede no arquivamento requerido com a
anuência do Procurador-Geral da República, com fundamento na ausência de
elementos informativos para a denúncia — cujo atendimento é compulsório pelo
Tribunal —, aquele que se lastreia na atipicidade do fato (v.g., HC 59.764,
Muñoz, RTJ 103/590; HC 66.625, 1ª T., Gallotti, RT 670/357; HC 80.560, 20-2-
01, Pertence) ou na extinção da sua punibilidade — dados os seus efeitos de
coisa julgada material — há de ser objeto de decisão jurisdicional do órgão
judicial competente”.
2. A conduta imputada ao parlamentar não se amolda ao tipo descrito no art. 339
do Código Penal.
.
R.T.J. — 198 583
EXTRATO DA ATA
Pet 3.297/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente: Ministério Público
do Estado de Minas Gerais. Requeridos: Geraldo Thadeu Pedreira dos Santos
(Advogados: Luís Sérgio Monteiro Terra e outros), Luiz Roberto Judice, Mario Marques
de Oliveira, Domenico Carlo Falci, Edna Mara de Souza (Advogada: Silvani Alves da
Silva), Paulo Roberto Rodrigues Milton, Antonio Carlos Alvisi, Ercules Berlini
Tassinari, Everaldo de Oliveira Melo, Salma Maria Neder Camacho e Augusto Celso
Franco Drumont.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, determinou o arquivamento do feito,
tendo em vista a atipicidade do delito, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Eros Grau. Presidiu o julgamento o
Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
negar provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça assentou não
concorrer, na espécie, direito líquido e certo da Impetrante de operar o sistema de
televisão por cabo. Para tanto, assentou que restaram exauridos os efeitos de sentença
proferida em mandado de segurança impetrado contra ato do Diretor da Delegacia de
Telecomunicações de Minas Gerais. O provimento judicial teria ficado restrito à
determinação de encaminhamento, à autoridade competente, de peça em que a ora
Recorrente requerera fosse autorizada a operar a distribuição de sinais de televisão.
Justamente o cumprimento do que decidido desaguou no ato impugnado mediante o
mandado de segurança. Fez-se ver que o Poder Executivo, representado pelo Ministério
das Comunicações, define a conveniência e a oportunidade da ação administrativa de
concessão, não podendo o Judiciário atuar, de forma substitutiva, em tal campo. Eis
como ficou sintetizada a espécie:
“Administrativo — Mandado de Segurança — Concessão de Distribuição de
Sinais de TV a Cabo — Portarias n. 250/89 e 36/91 — Ministério das Comunicações.
1. Exaurida a precedente ordem judicial para o exame do processo
administrativo, seja por incapacidade técnica ou desvio nas considerações, com
resultado insatisfatório para o interessado, no circunlóquio da legalidade, não
pode o Judiciário, em substituindo a Administração Pública, inclusive abonada
nas vertentes da oportunidade e conveniência, autorizar a operação do sistema de
sinais de televisão.
2. Não demonstrado, suficientemente, o direito líquido e certo, a segurança
é denegada.” (Folha 121)
.
R.T.J. — 198 585
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Este recurso ordinário está em condições de
ser conhecido. A representação processual mostra-se regular (folhas 37 e 124), constando
à folha 162 a guia correspondente ao preparo. Por outro lado, o acórdão impugnado teve
notícia veiculada no Diário da Justiça de 1º de julho de 1996, segunda-feira (folha 141),
ocorrendo a manifestação do inconformismo em 15 de agosto de 1996, quinta-feira (folha
142), ou seja, no décimo-quinto dia dos computáveis na contagem do prazo recursal, isso
consideradas as férias coletivas de julho. Conheço do recurso.
Inicialmente, consigno que a decisão no mandado de segurança anterior ficou
restrita à determinação da autoridade então impetrada, o Diretor da Delegacia das
Telecomunicações de Minas Gerais, no sentido de receber, processar e encaminhar
requerimento de concessão de serviço de distribuição de sinais de televisão a cabo na
cidade de Ipatinga. Nada se decidiu quanto ao fundo do direito, ou seja, à procedência,
ou não, do pleito da ora Recorrente visando à distribuição de sinais de televisão. Tanto
é assim que consta da sentença:
“(...) concedo a segurança e determino ao Diretor da Delegacia de Tele-
comunicações em Minas Gerais, que receba e faça processar, encaminhado-o à
análise da autoridade competente, o requerimento de concessão e distribuição
de sinais de TV a cabo formulado pela Impetrante.” (Folha 69)
Resta o exame do ato mediante o qual o Ministro das Comunicações, Doutor
Sérgio Motta, indeferiu o pedido (folha 50), reportando-se, para fundamentar tal
decisão, ao parecer Conjur/MC 3405/95, que se encontra às folhas 55 e 60 dos autos,
cuja leitura leva à conclusão de que, em momento algum, assentou-se a ausência de
atendimento, pela ora Recorrente, dos requisitos previstos na Portaria n. 250/89.
Simplesmente teve-se a situação como reveladora de mera expectativa, consignando-se
que “a autorização, em si, fica na dependência do preenchimento de um requisito
fundamental, exterior àquele fato, qual seja, a sua outorga pelo poder concedente. A
portaria concebeu uma faculdade: permitiu, mas não se obrigou a autorizar o serviço”
(folha 57).
Ora, ninguém coloca em dúvida que a autorização, apresentando contornos que
lhe são próprios, está no âmbito dos atos discricionários, despontando o interesse
público. Neste sentido são as lições de, entre outros, Cretella Júnior, Hely Lopes Meirelles,
Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem a autorização “é o ato unilateral pelo qual
a administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo,
como regra, caráter precário. É o caso de autorização de porte de arma ou da autorização
para exploração de jazida mineral” (Curso de Direito Administrativo, 8. ed., Malheiros
Editores Ltda., p. 256). Resta perquirir, na espécie, os termos divulgados pela adminis-
R.T.J. — 198 587
EXTRATO DA ATA
RMS 22.665/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. (Advogados: Fernanda Guimaraes
Hernandez e outros). Recorrida: União Federal (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator, conhecendo do recurso e lhe dando
provimento para deferir o mandado de segurança, o julgamento foi adiado em virtude do
pedido de vista do Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 7 de outubro de 1997 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. Os fatos
Em 25-3-1993, a Recorrente protocolou, em uma das delegacias do Ministério das
Comunicações em São Paulo, requerimento para concessão de serviço de distribuição de
sinais de TV a cabo (fl. 66).
Fundamentou o pedido na Portaria n. 250/891, expedida pelo Ministro das
Comunicações.
Correspondência oriunda do Diretor da Delegacia das Telecomunicações situada
em Minas Gerais negou o pedido.
1 Portaria n. 250/89
“(...)
(...) Considerando:
A crescente demanda por serviços de recepção de sinais de TV, mediante antenas comunitárias e
sua distribuição por meios físicos a usuários (...)
(...)
(...) Resolve:
1. Regulamentar a Distribuição de Sinais de Televisão – ‘DISTV’ por meios físicos a usuários.
2. A distribuição de Sinais de Televisão regulada nesta Norma destina-se à recepção de sinais de TV,
através de antenas comunitárias diretamente de estações geradoras, repetidoras ou retransmissoras ou
repetidos via satélite, o tratamento destes sinais em um cabeçal de recepção e sua posterior distribuição por
meios físicos a usuários.
(...)
4.2. As entidades interessadas na distribuição de sinais de Televisão deverão apresentar ao
Departamento Nacional de Telecomunicações – DENTEL, os seguintes documentos:
a) requerimento solicitando a autorização;
b) uma via do seu Contrato Social ou Estatuto, devidamente registrado ou arquivado na repartição
competente, exceto quando se tratar de pessoas jurídicas de Direito Público interno.
R.T.J. — 198 589
c) projeto do sistema assinado por profissional habilitado, indicando o local das instalações, área
inicial de prestação do serviço e áreas futuras de expansão do mesmo, bem como equipamentos etc.
4.3. Atendidas as exigências acima o Dentel baixará ato autorizando a entidade solicitante a operar
o Sistema de Distribuição de sinais de Televisão. (...)
(...)”
2 “O Secretário Nacional de Comunicações, no uso de suas atribuições, resolve:
1. Suspender, a partir desta data, até que venha a ser regulamentado o serviço de televisão por cabo,
o recebimento dos pedidos de autorização para distribuição de sinais de televisão – DISTV, a que se
refere a Portaria MC n. 250, de 13 de dezembro de 1989, publicada no Diário Oficial do dia 15
subseqüente.
II - Os pedidos em tramitação nesta Secretaria terão prosseguimento normal, desde que devidamen-
te instruídos.
III - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.”
590 R.T.J. — 198
3. As informações
O Ministro de Estado das Comunicações prestou informações.
Alegou tratar-se de ato discricionário da Administração sujeito à suspensividade.
4. A decisão do STJ
O STJ denegou a ordem, em acórdão assim ementado:
“(...)
Administrativo — Mandado de Segurança — Concessão de Distribuição de
Sinais de Tv a Cabo — Portarias n. 250/89 e 36/91 — Ministério das Comunicações.
1. Exaurida a precedente ordem judicial para o exame do processo
administrativo, seja por incapacidade técnica ou desvio nas considerações, com
resultado insatisfatório para o interessado, no circunlóquio da legalidade, não
pode o judiciário, em substituindo a Administração Publica, inclusive abonada
nas vertentes da oportunidade e conveniência, autorizar a operação do sistema de
sinais de televisão.
2. Não demonstrado, suficientemente, o direito líquido e certo, a segurança
é denegada.
(...)” (fl. 121).
Oposto embargos de declaração, esses foram rejeitados (fl. 140).
5. O RMS
Alega a Recorrente:
“(...)
A autoridade coatora (...) dá como única motivação para o indeferimento
proibição que veio a surgir com a Portaria n. 36/91, Portaria esta, porém, que já
fora considerada inconstitucional pelo Judiciário.
(...) o pedido foi formulado e todos os requisitos atendidos ainda quando
vigorante o Regulamento de 1989, não podendo ser atingido por disposições
novas, com efeito retroativo para atingir eventos já constituídos anteriormente (...)
(...) a Lei n. 8977, que cuida da questão da televisão a cabo, é de janeiro de
1995, quando (...) os pedidos administrativos da ora impetrante são de 1994 e (...)
o Decreto n. 4718, que lhe dá regulamentação é de 28 de novembro de 1995, e se
tem que a impetração é de 11 de outubro do mesmo ano e sendo, portanto, tais
pedidos anteriores.
(...) o ato de concessão deixou de ser discricionário para ser vinculado por
ato do próprio Ministério, pois este vinculou a autorização do DISTV ao preen-
chimento de determinadas condições, estabelecendo que o atendimento destas
resultariam na autorização.
(...)
(...) não poderia (...) ser invocada essa mesma Portaria n. 36/91 (...) para
justificar o indeferimento (...)
R.T.J. — 198 591
protetor de estar no âmbito da prática de ato discricionário. O que define este último
como tal ou vinculado são os parâmetros de regência previamente assinalados e estes, no
caso concreto, conforme já salientado, mostraram-se precisos, havendo sido previsto o
resultado natural, ou seja, o deferimento do que requerido.
(...)
Por tais razões, conheço e provejo o recurso para conceder a segurança.
(...)”
7. Voto (Vista)
Pedi vista para melhor exame.
A pergunta que se faz no RMS é se a Administração (autoridade impetrada) estava
ou não obrigada a emitir autorização à impetrante para que pudesse distribuir sinais de
televisão por cabo — DISTV, em face do que disposto pela Portaria n. 250/89.
Entendo que a resposta deve ser negativa.
Prevalece no caso concreto a regra axiomática da supremacia do interesse público
sobre o privado.
Diferente do que afirmou o Relator, não se trata de conceder liberdade total ao
administrador.
É que o agente público, ou no caso dos autos o agente político (Ministro de Estado),
no exercício de suas atribuições e a bem do interesse público pode, desde que expostos os
motivos, deixar de executar ato de natureza precária, como é o caso da autorização.
Não cabe, ainda, a invocação de direito subjetivo.
A Portaria 250/89, utilizada como base do direito líquido e certo na impetração,
não gerou e nem poderia gerar direito subjetivo à impetrante. Não é próprio da natureza
desse ato.
Além disso, o administrado (Cabotec) não pode obrigar a Administração (Ministé-
rio das Comunicações) a conceder-lhe direito que tem como pressuposto de validade o
preenchimento de requisitos objetivos (capacidade técnica), como também requisitos
subjetivos (conveniência e oportunidade).
Nesse sentido foi o parecer do PGR.
Leio:
“(...)
Tem-se, assim, que a circunstância de haver a Portaria 250/89, do Ministro das
Comunicações, disposto que, ‘atendidas as exigências acima o Dentel, baixará ato
autorizando a entidade solicitante a operar o Sistema de Distribuição de Sinais de
Televisão’ (4.3), de modo algum obrigou a Administração Pública a automatica-
mente conceder autorização à interessada, uma vez satisfeitas as exigências feitas:
ainda que satisfeitos todos os requisitos técnicos, continuou a restar espaço para o
exercício, pela autoridade administrativa, do juízo de conveniência e oportunidade
acerca da prática do ato, porque isso é da própria natureza da autorização.
R.T.J. — 198 593
VOTO (Ratificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, tenho um longo voto
sobre o caso e admito que, realmente, a autorização, de início precária, fica sujeita à
discricionariedade. Citando autores como Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio
Bandeira de Mello, digo que esta existe para se chegar ao que se poderia apontar como
providência ótima.
Se a própria Administração se vinculou e determinou requisitos a serem atendidos,
uma vez observados, não pode acionar o instituto da discricionariedade. O que se tem é
arbitrariedade. No caso, a impetrante atendeu às regras estabelecidas.
Não vou cansar os integrantes da Turma relendo o voto. Por isso, mantenho-o,
provendo o recurso interposto e concedendo a segurança.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro Marco
Aurélio e denego a segurança.
Entendo não se fazer presente, no caso, uma daquelas situações nas quais,
preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos, o requerente ou cidadão tem um
direito perante a Administração. Ao contrário, temos uma situação de precariedade, de
discricionariedade. Por se tratar de serviço concedido, autorizado, a discricionariedade
faz-se presente.
Nego provimento ao recurso.
EXTRATO DA ATA
RMS 22.665/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Cabotec Ltda. (Advogados: Fernanda Guimaraes
Hernandez e outros). Recorrida: União Federal (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso, vencido o Relator,
Ministro Marco Aurélio. Redigirá o acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este
julgamento o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a
Ministra Ellen Gracie.
594 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF,
art. 37, I), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, deferir, em parte, a segurança.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Companhia Brasileira de Equipamentos –
CBE impetra mandado de segurança contra o decreto do Presidente da República, de 25
.
R.T.J. — 198 595
de novembro de 2003, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural Engenho Prado Grupo Prado1, composto pelos engenhos Prado, Papicu,
Tocos, Taquara e Dependência, localizados no Município de Tracunhaém/PE.
Afirma-se que as glebas Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência, “contínuas
e contíguas”, formam um só e único imóvel rural (fl. 3):
“Trata-se inelutavelmente de imóvel único, que como tal é tributado (docs.
13 a 19).”
Aduz ainda que a gleba Prado foi alvo de sucessivas invasões e que o imóvel rural
Engenho Prado Grupo Prado já fora objeto de decreto de desapropriação, anulado,
porém, pelo Supremo Tribunal Federal (MS 23.073, Marco Aurélio, DJ de 31-3-2000).
É este o núcleo do mandado de segurança (fl. 7):
“Como as glebas denominadas engenhos Prado e Dependência — que inte-
gram o imóvel rural Engenho Prado Grupo Prado — estavam invadidas e a
reintegração de posse quanto a elas se operou, respectivamente, em 1º-11-03 e 3-7-
03, nenhuma vistoria poderia ali ser realizada, para fins de reforma agrária, por-
quanto não decorrera aquele prazo mínimo de dois anos que deve mediar o ato de
reintegração de posse e a realização da vistoria, nos exatos termos do parágrafo 6º
do artigo 2º da Lei 8.619/93, com as alterações impostas pela Medida Provisória
2.183-56, de 24 de agosto de 2001.”
Alega ainda que, “por força das invasões, ficou a impetrante, proprietária do
imóvel rural Engenho do Prado Grupo Prado, impedido de utilizá-lo, tornando-o
produtivo” (fl. 11): invoca, por isso, o § 7º do art. 6º da Lei 8.629/93 e, como precedentes,
o MS 23.241, Carlos Velloso; o MS 23.738, Ellen Gracie; e o MS 23.759, Celso de Mello.
Acrescenta a impetração (fl. 13):
“Mas há óbice outro a impedir a desapropriação, no caso. É que, ao realizar
as vistorias, o Incra não cuidou de dar ciência à ora Impetrante das decisões que
adotara diante das impugnações opostas aos laudos de vistorias.
Essa comunicação é essencial, à luz do princípio constitucional da ampla
defesa: se não é feita, macula inegavelmente o procedimento de vistoria.”
E mais (fl. 17):
“Logo, como as vistorias foram feitas tomando cada parte do imóvel
isoladamente, há de ser provido, também por isso mas não apenas por esse
fundamento, o presente mandamus, em sede liminar para suspender a eficácia
do decreto presidencial ora atacado e no mérito para anular o decreto
declaratório.”
O em. Ministro Maurício Corrêa, no exercício da Presidência do Tribunal, negou
a liminar requerida, ante a “complexidade dos fatos narrados na inicial e o teor da
documentação juntada” (fl. 170).
1 “Historicamente, essas terras sempre foram destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar (...)” (fl. 3).
596 R.T.J. — 198
‘(...)
A impetrante teve conhecimento de que o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária dirigiu expediente à Secretaria do Tesouro
Nacional, solicitando a emissão de Títulos da Divida Agrária para indeni-
zação da terra nua das glebas rurais que são objeto do Decreto Presidencial
atacado no writ. Essa informação se confirma no documento apresentado
em anexo.
Sabia ainda a Impetrante que essa solicitação já foi deferida, estando a
emissão dos TDA’s pendente apenas de formalidades burocráticas.
Ora, emitidos os TDA’s o Incra poderá propor a qualquer momento a
ação de desapropriação (LC 76/93), da qual seria conseqüência direta a pronta
imissão da autarquia na posse do imóvel.
Mas não é só: a Impetrante teve ciência de que, a essa altura, o
Superintendente Nacional de Desenvolvimento Agrário já autorizou o
Incra/PE a propor a ação de desapropriação perante a Seção Judiciária
Federal de Pernambuco, tão logo sejam emitidos os TDA’s.
(...)
Tem-se no caso, portanto, a hipótese de perigo reverso: não concedida
a liminar, haverá dano irreparável à Impetrante; a sua concessão, porém,
nenhum dano acarretará ao processo de reforma agrária porquanto, uma vez
denegada a segurança, o Incra poderá retomar a implementação do decreto
desapropriatório impugnado, sem nenhuma situação irreversível a impossi-
bilitar-lhe a implementação.’
(...)
Tenho por plausível o temor da impetrante de que o ajuizamento da
desapropriação — propiciada pela liberação dos TDAs — e a conseqüente
imissão de posse gerem fato consumado irreversível na hipótese de deferimento
da ordem.
De outro lado, no estado do processo, já pronto para estudo final e julga-
mento, a sustação requerida não acarretará demora significativa no apossamento
dos imóveis para reforma agrária, caso se venha a denegar a segurança.
Esse o quadro, defiro a petição de fl. 506.
Comunique-se.”
Sobre os fatos novos, determinei vista ao Ministério Público, que manteve o
parecer anterior (fl. 540).
Em 20-8-2004, foram juntados documentos pela Advocacia-Geral da União (Pet
77.966, fl. 543).
Deferi vista dos autos à impetrante (Código de Processo Civil, art. 398), que os
devolveu em 14-9-2004. Aduziu a impetrante:
598 R.T.J. — 198
“(...)
Demonstram tais documentos que o processo administrativo de desapropriação
não estava concluído à época da expedição do decreto atacado, circunstância que por
si só inquina a nulidade do ato presidencial.”
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I
Inverto a ordem das questões suscitadas pela impetração, de modo a começar pela
nulidade do processo administrativo preparatório da expropriação, por cerceamento de
defesa, que, se procedente, prejudicaria as demais.
No tópico, a petição inicial queixa-se basicamente da falta de cientificação à
impetrante do indeferimento de sua impugnação às conclusões das vistorias nas diversas
glebas componentes do Engenho Prado Grupo Prado (fl. 12).
A invectiva, no entanto, está minuciosa e documentadamente contestada pelas
informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em capítulo que vale
transcrever — fls. 197, 213:
“Antes de mais nada vale dizer que a Impetrante, por meio de seus advogados,
compareceu espontaneamente ao processo administrativo e acompanhou todos os
atos dos mesmos, apresentando requerimentos junto ao Incra e a vários órgãos da
Administração tais como, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do
Meio Ambiente, Ibama, Ministério da Justiça, Casa Civil.
Compulsando os autos administrativos verifica-se que:
‘1. A notificação prévia para levantamento de dados e informações,
em relação a cada um dos cinco imóveis, foi feita por edital, publicado por
3 vezes em jornal de grande circulação, após o advogado da Impetrante ter
se recusado a receber notificação pessoal (evento este certificado, com fé
pública e com a assinatura de uma testemunha).
2. A vistoria dos imóveis se deu no interregno de 3 dias após as
publicações.
3. Em 1º-7-2003 a Impetrante compareceu espontaneamente ao
processo administrativo, através de advogados constituídos nos termos da
procuração juntada onde consta o endereço profissional dos mesmos.
4. Em 4-8-2003, através de ofícios encaminhados pelo correio para o
endereço profissional dos advogados sito à Av. Marquês de Olinda, n. 11,
bairro do Recife, Recife/PE, consoante comprova AR anexo (assinado por
Maurílio Araújo), a Impetrante foi notificada da reclassificação dos
imóveis, e recebeu cópia das DPs ex-offício e relatórios de levantamento de
dados.
R.T.J. — 198 599
II
Segue-se a invocação de inviabilidade das vistorias e, conseqüentemente, da
desapropriação, à luz do art. 2º, § 6º (cf. MPr 2.183/01), e do art. 6º, § 7º, da Lei
8.629/93, dado que, alega-se, o imóvel esteve invadido por “sem terras”, até havia
menos de dois anos antes e as invasões constituiriam motivo de força maior da sua
improdutividade.
No entanto, os conflitos rurais significativos, a que se apega a impetração,
conforme a documentação que a instrui, tiveram por objeto uma das glebas do grupo, o
Engenho Prado, que o decreto não incluiu na área declarada de interesse social, o que
elide a consistência da alegação.
De resto, as informações põem em dúvida a natureza dos conflitos possessórios do
Engenho Prado. É ler — fl. 206:
“Nesse ponto vale, inicialmente, ressaltar que não houve invasão em
qualquer das glebas vistoriadas pelo Incra.
A Comissão de Vistoria reportou a existência de posseiros trabalhando e
residindo no local, há mais de sete anos e com a concordância tácita dos antigos
arrendatários do imóvel, informando ainda que a proprietária reconhece expressa-
mente essa condição dos trabalhadores, na medida em que indeniza as
benfeitorias por eles erguidas no imóvel, consoante atesta termo de compro-
misso que firmou com tais trabalhadores, ora anexado.
A respeito, o Incra assim manifestou-se por ocasião do julgamento da
Impugnação Administrativa que a Impetrante ofertou a essa vistoria em particular:
‘(...)
2) Os imóveis podiam sim ser vistoriados. Primeiro, porque não houve
invasão e sim conflito entre proprietário e posseiros amplamente divulgado
pela mídia; segundo porque os impugnantes tentaram e não obtiveram êxito
junto ao Judiciário, para obstar os trabalhos de vistoria.
No mais, chega a ser jocosa a alegação de que a invasão de um imóvel
contaminaria os demais contíguos.
3) Consta destes autos, à fl. 84, termo de compromisso firmado em
25 de março de 2003, no qual a Usina Santa Tereza reconhece os
R.T.J. — 198 601
III
A impetração faz finca-pé na unicidade do imóvel Engenho Prado Grupo Prado,
composto de glebas “contínuas e contíguas”, que são tratadas como uma só propriedade
no cadastro do Incra e, como tal, objeto de tributação.
602 R.T.J. — 198
Pretende extrair daí que não poderiam as diferentes glebas que o compõem —
denominadas Engenhos Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência — terem sido,
cada uma, objeto de vistoria específica.
Demoram-se, de sua vez, as informações em contestar a alegada unicidade: pren-
dem-se, para tanto, à existência de matrícula distinta de cada gleba no registro imobili-
ário, na diversidade dos regimes de exploração, confiada a diferentes arrendatários (fl.
204).
Tem-se, no entanto, no ponto, um falso problema, como as informações mesmas já
haviam demonstrado.
Delas, extrato — fl. 202:
“A Impetrante postula — data venia — a partir de uma concepção acadêmica
do conceito que invoca, que só ganharia dimensão na medida da demonstração do
prejuízo que a opção adversa (do Incra) lhe estaria a trazer, dever de que não se
desincumbe objetivamente.
Inicialmente, é mister enfatizar, com Bagolini, citado por Miguel Reale in
Teoria Tridimensional do Direito, que:
‘O Direito não pode ser visto como puro fato, nem como pura forma,
nem como norma entendida em sentido formal nem como puro valor ideal,
nem como puro conteúdo intencional, mas sim como objetivação normativa
da Justiça.’
Assim sendo, passa a ser desnecessário sequer incursionar sobre as
variantes exegéticas do conceito aventado pela Impetrante, pois na esteira do
pas de nullité sans grief, apenas a objetivação do prejuízo advindo com a não
opção pela exegese que defende é que embasaria minimamente à Impetrante
invocá-la.
Ora, a postulação da Impetrante pode facilmente ser refutada em face da
irrelevância de cada vistoria ter sido feita em separado, já que no somatório das
vistorias, todos deram improdutivos, e, pois, uma vistoria global também daria
improdutiva.
Embora vistoriados os imóveis em separado, o fato de cada imóvel
separadamente ter resultado improdutivo impõe a conclusão de que o todo é
improdutivo, na medida em que a soma das partes compõe o todo, como
consectário da propriedade comutativa da matemática, segundo a qual a ordem
dos fatores não altera o produto.
Sabendo-se que a vistoria é de coleta de dados, e sabendo-se que o
tratamento técnico desses dados é que resulta na aferição da improdutividade,
tanto faz colhê-los em separado para cada imóvel e tratá-los em separado ou
colhê-los globalmente e globalmente dar-lhes tratamento.”
À clareza do irrepreensível raciocínio lógico, soma-se a demonstração
aritmética da assertiva, a que procedeu o Incra, mediante agregação — como se
efetivamente se tratasse de um só imóvel —, dos dados relativos às das cinco glebas
vistoriadas (fl. 371 ss).
R.T.J. — 198 603
IV
De tudo, indefiro a segurança, cassada a liminar: é o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sra. Presidente, tenho profundas dúvidas quanto à
terra invadida.
Se tal invasão for na porteira de uma propriedade, compromete radicalmente a adminis-
tração do imóvel.
Não me sinto habilitado — talvez por ser da área rural e conhecer um pouco o tema —
a fazer esse tipo de distinguishing. Não consigo conviver com a idéia de que se possa ter
alguém dentro da propriedade, perturbando o exercício, turbando a posse e ainda assim o
seu titular consiga manter a propriedade em funcionamento, especialmente se a invasão
estiver localizada, como sói acontecer, em áreas onde haja água, passagens, caminhos.
604 R.T.J. — 198
É de se indagar: como é que se convive com tal estado de coisa? Quem tem um mínimo
de experiência sabe! E vinte hectares em quatrocentos hectares é algo significativo.
De modo que, em relação a esta propriedade — Gleba Dependência —, eu concedo
a ordem.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, a propriedade é única, quanto
ao titular. Conforme consta da inicial, era e é denominada como “Engenho Prado —
Grupo Prado”. Realmente, surge o aspecto ligado à existência de matrículas diversas.
Não houve o remembramento da área para ter-se título único, para ter-se matrícula única.
O imóvel assim foi levado a registro no Incra, constando cadastro único, a abranger
as diversas glebas. Causa-me perplexidade a feitura da vistoria, gleba por gleba, sem se
considerar o próprio cadastro existente no Incra.
Há outro aspecto, no entanto, que também me sensibiliza relativamente às causas
de pedir constantes da peça inicial do mandado de segurança. Sabemos que a
desapropriação prevista no artigo 184 da Constituição Federal reveste-se de contornos
punitivos, em virtude da ausência de atendimento à função social, da própria sociedade.
Ora, se se demonstrou no processo que, no tocante ao que aponto como um todo —
o Engenho Prado – Grupo Prado, composto das diversas glebas, de titularidade única —,
deu-se a reintegração de posse após o início da vistoria, ante o esbulho revelado por essa
reintegração de posse colhida no Judiciário, o fenômeno não interfere na conclusão a
respeito da produtividade? A meu ver, sim. E, no que concerne ao ônus da prova, há
necessidade de o impetrante comprovar que, antes do esbulho, a propriedade era
produtiva? Presumo o que normalmente ocorre. Inexistente ato do Incra, visando à
desapropriação em data anterior, estando o imóvel cadastrado no Incra, presumo que,
antes, a propriedade era produtiva.
Não tenho como, diante desses parâmetros, assentar que se mostrou legítimo o
decreto de desapropriação. Repito: a um só tempo, não posso entender que se teria
cadastramento — considerado o todo, as diversas glebas — no Incra, e vir esse mesmo
Órgão a proceder à vistoria, área por área, já que o trato das glebas seria único, voltado à
produção.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Tanto não era que cada um, até cerca
de um ano antes, estava em mãos de um arrendatário diverso, com culturas diferentes e
exploração diversificada.
Não desci a esses detalhes, porque me pareceu irrelevante, ante a demonstração
aritmética de que, se considerados agregados os dados das cinco vistorias, ainda assim se
teria um imóvel improdutivo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, persiste para mim o óbice ao
endosso do decreto, que é o alusivo ao denominado “esbulho”.
Peço vênia ao Relator para conceder a ordem, acompanhando o Ministro Gilmar
Mendes.
R.T.J. — 198 605
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, tenho sustentado que o imóvel
invadido está sendo balburdiado por essa mesma invasão. Sendo assim, não se pode
exigir que esse imóvel seja produtivo e esteja satisfazendo o requisito constitucional.
Tenho sustentado, em diversas oportunidades, esse ponto de vista.
Verifico que, no caso, há invasão. São três glebas.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): São cinco glebas. Mas uma,
simplesmente, além de não ser caracterizado o chamado esbulho coletivo — que é o de
que trata o decreto-lei —, mas, sim, conflitos possessórios entre o arrendatário e posseiros
antigos, além disso, foi excluída da desapropriação.
Agora, quanto ao imóvel “Dependência”, houve invasão, mas segui a jurisprudência
que leva em conta a ínfima área atingida.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Com relação a esta gleba que não estaria invadida e,
sim, ocupada por posseiros, não haveria problema, mas ela está afastada da desapropriação.
Também sustentei a mesma tese que acabou de sustentar o eminente Ministro Gilmar
Mendes, num caso da Bahia, em que houve invasão na porteira, próximo à casa sede da
fazenda. Não obstante, naquele caso, ser muito pequena a área invadida, sustentei a tese no
sentido de que não seria possível a desapropriação com base na alegação de que a terra não
seria produtiva. Ora, se se invade a entrada da fazenda, o local onde a fazenda tem a sua
casa sede, isso balburdia a propriedade. Não se pode exigir, em sã consciência, desses
proprietários, fosse a terra produtiva. Restei vencido, é certo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O julgamento está pendente da apreciação de
embargos declaratórios. Pedi vista em mesa, liberei, mas não houve espaço para
continuarmos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: É o caso da Bahia, eminente Ministro?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Este caso da Bahia.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente. No qual estava realmente configurada
a invasão numa parte pequena e importante da fazenda. De modo que, no caso, parece
que não se esclarece isso. A dúvida vai resultar em favor, portanto, do expropriado.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Do expropriado ou do expropriante, tendo em vista as
limitações do mandado de segurança?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temos uma lei que diz que não se deve
desapropriar imóvel invadido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Finalmente, quero dizer que, se a terra fosse
produtiva — bem registrou o Sr. Ministro Marco Aurélio —, não seria necessária a
vistoria. No caso, é mesmo a presunção juris et de jure; a terra era produtiva até ocorrer
a invasão. Se não fosse produtiva, não haveria a vistoria, e o decreto seria baixado com
base no cadastro do órgão competente para a realização da reforma agrária.
Assim, Sra. Ministra Presidente, peço licença ao meu eminente Colega Ministro
Sepúlveda Pertence, Relator, para acompanhar a divergência e deferir a segurança.
606 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrante: CBE –
Companhia Brasileira de Equipamentos (Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e
outro). Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar. No mérito, após os
votos dos Ministros Sepúlveda Pertence (Relator), Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos
Britto e Cezar Peluso, indeferindo a segurança, e dos votos dos Ministros Gilmar
Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso, concedendo, em parte, a segurança, pediu
vista dos autos o Ministro Eros Grau. Falaram, pela impetrante, o Dr. Marcelo Galvão e,
pelo Ministério Público Federal, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, Subprocurador-Geral
da República. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim
(Presidente). Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
.
R.T.J. — 198 607
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Eros Grau: A impetrante pretende anular decreto do Presidente da
República que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, os engenhos
Tocos, Papicu, Dependência e Taquara.
2. Cuido, inicialmente, das alegações da impetrante, aparentemente confirmadas
pela autoridade coatora, de que não foi intimada das decisões proferidas no âmbito do
processo administrativo, tendo sido expedido o decreto presidencial antes de exaurido
aquele procedimento.
3. Não há como deixar de analisar a documentação posteriormente juntada aos
autos por ambas as partes, sob o argumento de ser descabido o aditamento da causa de
pedir em mandado de segurança ou de não se tratar de fato superveniente.
4. Lembro a observação de Hely Lopes Meirelles1: “se a impetração for feita com
desconhecimento dos fundamentos integrais do ato impugnado, [...] só apresentadas
com as informações ou posteriormente a elas, pode o impetrante adequar o pedido aos
fundamentos do ato, até então não revelados pela autoridade coatora, pois que esta não
há de tirar proveito de sua própria malícia, e, feita essa adequação, lícito é ao juiz julgar
a causa levando em consideração o que ficou esclarecido nos autos.”
5. A questão respeita a matéria fática de suma importância para a solução do litígio
e deve ser enfrentada pelo Tribunal, visto que poderia ensejar a nulidade do decreto
impugnado.
6. A autoridade coatora, em sua manifestação [fl. 215], afirma que o último
recurso apresentado pela impetrante foi julgado em 27-11-2003. Na documentação
juntada pelo Advogado-Geral da União, no entanto, não há qualquer comprovação
dessa informação. A última notícia sobre o andamento do processo administrativo é
uma correspondência endereçada à Impetrante, datada de 30 de outubro de 2003 [fl.
459], na qual o Incra afirma que o recurso interposto pela Companhia Brasileira de
Equipamentos, recebido sem efeito suspensivo, ainda estava pendente de julgamento
por aquele órgão. Não há, no entanto, qualquer comprovante de entrega da correspon-
dência à impetrante.
7. O mesmo documento é juntado novamente pela autoridade coatora à fl. 548.
Mas o comprovante de recebimento juntado em seguida [fls. 549/550] noticia a entrega
da comunicação em endereço diverso do indicado pela impetrante nas manifestações
anteriores.
8. A impetrante informa, às fls. 529/531, o recebimento do Ofício Incra/GAB n.
105/04, datado de 13 de maio de 2004, em que a Procuradoria do Incra esclarece que o
processo administrativo ainda se encontrava pendente de julgamento em 15 de março de
2004. Note-se que a impetrante tomou conhecimento deste documento somente quatro
meses após a impetração.
2 “Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da
execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito
suspensivo ao recurso.”
3 No caso, a Norma de Execução n. 10 do Incra, vigente à época do procedimento administrativo.
R.T.J. — 198 609
afirma: no local “havia lavoura branca, e (sic) os invasores existentes na referida gleba,
se negaram (sic) a se identificarem (sic)”.
28. Em vista do conflito existente entre certidões emanadas do mesmo órgão
judiciário, portanto de igual valor probatório, é impossível tomar-se uma delas como
expressão de verdade absoluta, em detrimento da outra. Do contrário, admitir-se-ia a
existência de invasão no Engenho Dependência, concluindo-se pelo deferimento da
ordem unicamente com relação a este imóvel.
29. A prudência, no entanto, recomenda que ambas as certidões sejam desconside-
radas, de modo que esta Corte se atenha a uma questão fática extremamente simples: a
liminar de reintegração de posse data de 13 de agosto de 1999 [fls. 153/156], tendo sido
“ressuscitada” e cumprida somente no ano de 2003 [fl. 105], às vésperas da vistoria do
Incra no referido imóvel, do que se infere, no mínimo, a existência de posse mansa,
pacífica e anterior à introdução do § 6º no art. 2º da Lei n. 8.629/93, que não retroage
[MS 23.818, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 22-2-2002, e MS n. 23.857,
Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 13-6-2003]9.
30. Ainda que assim não fosse, esta Corte já decidiu que a divergência entre as
alegações do impetrante e as informações da autoridade coatora implica dilação
probatória incompatível em mandado de segurança [MS n. 24.136, Relator o Ministro
Maurício Corrêa, DJ de 8-11-2002].
31. A verdade é que a impetrante busca “contaminar” os imóveis objeto de
desapropriação com focos isolados de manifestações de rurícolas no Engenho Prado,
estranho ao decreto impugnado. Sustenta, ainda, a existência de esbulho possessório,
como no caso do Engenho Dependência, perseguindo a efetivação de medidas liminares
inócuas, concedidas há muito, em processos abandonados por mais de seis anos.
32. De mais a mais, a ocupação noticiada em março de 1999, no boletim de
ocorrência juntado à fl. 161, abrange a área de 19 ha, parcela ínfima da área total do
imóvel, 459,71 ha, como bem observado pelo Relator, juntando precedentes desta
Corte10.
33. A ausência de dilação probatória em sede de mandado de segurança, bem como
a certidão do Oficial de Justiça ao dar cumprimento à reintegração de posse no Engenho
Dependência, “ressuscitada” pela impetrante, consubstanciam motivos suficientes para
afastar a existência do esbulho noticiado na inicial.
9 “Mandado de segurança. Desapropriação para fins de reforma agrária. Imóvel ocupado por
integrantes do MST antes da vigência da Medida Provisória 2.027/00. Vistoria realizada em data
anterior à ocupação. Não-ocorrência de litigância de má-fé. 1. Ocupação do imóvel por integrantes do
MST antes da edição da Medida Provisória 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, que introduziu o
§ 6º do artigo 2º da Lei 8.629/93, vedando a vistoria nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel.
Impossível a retroação da norma legal. 2. Vistoria realizada sete meses antes da referida ocupação,
inexistindo, no ponto, óbice que possa viciar o decreto presidencial. 3. Litigância de má-fé não
caracterizada, tendo-se em vista os fundamentos expostos na inicial, razoavelmente justificados sob o
ponto de vista jurídico, embora não socorram a pretensão do impetrante. Segurança denegada.”
1 0 MS n. 23.054, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 4-5-01, e MS n. 23.857, 23-4-03,
Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 13-6-03.
612 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Os fundamentos em que se apóia esta impetração
justificam a concessão, em parte, do mandado de segurança, especialmente se se tiver
presente a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em
exame, em decisões proferidas a propósito de declarações expropriatórias de imóveis
rurais objeto de esbulho possessório.
Em tais decisões, esta Corte Suprema — considerado, ainda, o julgamento
plenário da ADI 2.213-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, em que se reconheceu, em
juízo de delibação a plena legitimidade constitucional do art. 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/93,
na redação dada pela MP n. 2.183-56 de 24-8-2001 — tem advertido que o esbulho
possessório, enquanto subsistir (e até dois anos após a desocupação do imóvel rural
invadido por movimentos sociais organizados), impede que se pratiquem atos de
vistoria, de avaliação e de desapropriação da propriedade imobiliária rural, por interesse
social, para efeito de reforma agrária, pois a prática da violação possessória, além de
configurar ato impregnado de evidente ilicitude, revela-se apta a comprometer a
racional e adequada exploração do imóvel rural, justificando-se, por isso mesmo, a
invocação da vis major, em ordem a afastar a alegação de descumprimento da função
social (RTJ 182/545, Rel. Min. Ellen Gracie — MS 23.563/GO, Rel. p/ o acórdão Min.
Maurício Corrêa, v.g.):
“— Constitucional. Agrário. Reforma agrária: desapropriação. Imóvel
invadido: ‘sem-terra’.
.
R.T.J. — 198 613
ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Presidente, permita-me fazer um esclarecimento. Na
verdade, essa invasão é em um dos imóveis: o Engenho Dependência.
VISTA
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Após o voto do Ministro Eros Grau, que
acompanhava o voto do Relator indeferindo a segurança, e o voto do Ministro Celso de Mello,
que — na esteira dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso —
a deferia em parte, cabe-me votar. No entanto, em frente das ponderações substanciosas trazidas
nos votos que me precederam, não tenho condições de me manifestar no momento.
Peço vista dos autos.
EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Impetrante: CBE –
Companhia Brasileira de Equipamentos (Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e outro).
Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Eros Grau, justificadamente, nos
termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência
do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 10-3-2005.
Decisão: Após o voto do Ministro Eros Grau, que acompanhava o Relator,
indeferindo a segurança, e do voto do Ministro Celso de Mello, que, na esteira dos votos
dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Carlos Velloso, deferia, em parte, a
segurança, pediu vista dos autos a Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, o
Ministro Nelson Jobim (Presidente).
Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão os
Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-
Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 29 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
616 R.T.J. — 198
VOTO (Vista)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente,
1. Pedi vista dos autos do mandado de segurança impetrado pela Companhia
Brasileira de Equipamentos contra decreto presidencial que declarou de utilidade pública,
para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado Engenho Prado — Grupo Prado,
composto pelos Engenhos Prado, Papicu, Tocos, Taquara e Dependência, localizados no
Município de Tracunhaém, Estado de Pernambuco. Já se haviam manifestado, além do
Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, os Srs. Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.
São três os fundamentos pelos quais a impetrante entende que o decreto deva ser
anulado. O primeiro diz respeito à nulidade do processo administrativo preparatório da
desapropriação, por cerceamento de defesa. Outro repousa no fato de o imóvel ter sido
objeto de cinco diferentes vistorias. E o último refere-se à inviabilidade das vistorias, em
razão de o imóvel ter sido invadido pelo movimento dos chamados sem-terra.
2. Um primeiro esclarecimento é necessário. A impetrante se insurge contra a expro-
priação de cinco imóveis com matrículas de Registro de Imóveis diversas. Entretanto, o
decreto expropriatório refere-se a apenas quatro. O Engenho Prado não consta entre os
imóveis relacionados no decreto expropriatório de 25-11-03. E é exatamente em relação a
essa gleba que se reporta a maior parte dos documentos comprobatórios de invasões.
Verifica-se, portanto, que o poder público optou por excluir do decreto expropriatório a
área de maior conflito, que, portanto, não é objeto deste mandado de segurança.
3. Acompanho, quanto à primeira questão, a decisão, até agora unânime, referente
à inexistência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Os recursos
administrativos, sem efeito suspensivo, como dispõe o art. 61 da Lei 9.794/99, não
impedem a edição do decreto de declaração de utilidade pública. Refiro, nesse sentido,
o que decidimos no MS 24.163, Rel. Min. Marco Aurélio, in DJ de 19-9-03.
4. A unicidade do imóvel e o fato de haver sido objeto de vistorias individualizadas
constituem problema mais complexo. O Tribunal tratou a mesma área como um todo no
momento em que deferiu o MS 23.073, ocasião em que foi desconstituído o decreto de
declaração de utilidade pública porque as vistorias não haviam considerado o projeto de
reflorestamento. Não me comprometo com a utilização artificiosa do argumento matemá-
tico de que a soma das partes é igual ao todo e que, portanto, sendo cada uma das frações
improdutiva, o todo também o será. É do próprio Incra a afirmação em parecer citado à fl.
16: “Vistorias parceladas alteram os dados e cálculos básicos para a classificação do
imóvel rural.” Supero essa dificuldade, porém, pela constatação de que a exploração
efetiva das glebas se fazia mediante arrendamentos distintos, como se unidades autôno-
mas fossem. Assim, o Engenho Taquara era explorado por Itamir Rodrigues da Silva Filho;
o Dependência, por Germano Ribeiro; o Papicu e o Prado, por Luiz Octávio Fittipaldi
Freire.
5. No que diz respeito ao impedimento representado pelas invasões, acompanho o
posicionamento já manifestado pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. Há
evidência, nos autos, de invasão em terras do Engenho Dependência. Medida judicial de
reintegração foi deferida em 13-3-99 (doc. 25) e apenas veio a ser cumprida em 3-7-
2003. O fato de que a ordem judicial de reintegração não haja sido cumprida não tem o
condão de transformar o esbulho em posse mansa e pacífica.
R.T.J. — 198 617
6. Assim sendo, peço vênia ao eminente Relator e àqueles que o acompanham para
deferir em parte o presente mandado de segurança, para excluir dos efeitos do decreto
expropriatório o imóvel rural denominado Engenho Dependência.
VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, quero reajustar meu voto para
excluir da área de desapropriação o Engenho Dependência, nos termos do voto agora
proferido pela Ministra Ellen Gracie.
Defiro, em parte, a segurança, acompanhando o voto do Ministro Gilmar Mendes.
EXTRATO DA ATA
MS 24.764/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Relator para o acórdão:
Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: CBE – Companhia Brasileira de Equipamentos
(Advogados: D’Alembert Jorge Jaccoud e Alessandro Christian da Costa Silva e outros).
Impetrado: Presidente da República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: Renovado o pedido de vista da Ministra Ellen Gracie, justificadamente,
nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Plenário, 24-8-2005.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu, em parte, a segurança, nos termos do
voto do Ministro Gilmar Mendes, vencidos, parcialmente, os Ministros Sepúlveda
Pertence (Relator), Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que indeferiam
integralmente a segurança. Votou a Presidente. Impedido o Ministro Nelson Jobim.
Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Reajustou o voto proferido o Ministro
Carlos Britto. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie
(Vice-Presidente), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
maioria de votos, negar provimento ao recurso de agravo regimental, por entender
inaplicável a parte final do § 2º do artigo 113 do Código de Processo Civil, vencidos,
parcialmente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Sepúlveda
Pertence. Votou a Presidente.
Brasília, 1º de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental interposto
contra decisão singular que negou seguimento ao presente mandado de segurança,
negativa de seguimento, essa, fundamentada na incompetência do STF para processar e
julgar o mandamus.
2. O decisum impugnado está assim redigido:
.
R.T.J. — 198 619
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Consoante relatado, o agravante pede
seja reconhecida a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar
mandado de segurança impetrado contra ato proferido por Turma Recursal ou por um de
seus integrantes. Alternativamente, pretende sejam os autos encaminhados ao juízo tido
como competente para a análise da causa.
6. Em boa verdade, a questão, apesar de interessante, não é nova, já existindo pronun-
ciamento deste egrégio Plenário a propósito de situações semelhantes.
7. No tocante à incompetência desta Casa de Justiça para apreciar mandado de
segurança contra ato de Turma Recursal ou de seus integrantes, o tema já está
consolidado desde 4-12-2003, quando o Plenário, atento à taxatividade da competência
deste Supremo Tribunal em sede de mandado de segurança (alínea d do inciso I do art.
102), entendeu ser da própria Turma Recursal a competência para julgar aquelas ações
mandamentais impetradas contra seus atos (MS 24.691-QO, Relator para o acórdão o
Min. Sepúlveda Pertence). Essa orientação tem sido sucessivamente adotada pelos
Ministros que compõem esta Casa.
8. De outro lado, também já foi analisada a aplicabilidade, ou não, do § 2º do art.
113 do CPC1 a esta Corte (MS 22.313-ED-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches; MS 23.621-
AgR, Rel. Min. Moreira Alves; MS 24.615-ED, Rel. Min. Nelson Jobim; MS 24.674-QO,
Rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso; MS 25.137, Rel. Min. Celso de Mello; AO 175-
1 Art. 113, § 2º: “Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos,
remetendo-se os autos ao juízo competente” (sem grifos no original).
620 R.T.J. — 198
ED-AgR, Rel. Min. Octavio Gallotti; Inq 1.793-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie). Pelo que
restou prevalecente, por sua especialidade mesma, a norma regimental (recebida como
lei federal) do § 1º do art. 21, que apenas atribui ao Ministro Relator a possibilidade de
“arquivar” ou “negar seguimento” ao pedido naqueles casos em que “for evidente a sua
incompetência”. Não se lhe facultou, pois, a remessa do processo a quem entender de
direito. E a razão deste proceder se me afigura clara. É que o Supremo Tribunal Federal,
por se situar no topo da organização judiciária brasileira, emite seus pronunciamentos
de modo derradeiro e irrecorrível, enquadrando e reformando manifestações anteriores,
eventualmente contrárias. Disso decorre que, uma vez julgada uma causa, resta apenas
aos demais Tribunais judiciários dar cumprimento àquilo que foi estabelecido por esta
Casa da mais alta Justiça Brasileira.
9. Nesse diapasão, devo ressaltar que o pressuposto lógico da competência de
decidir por último é a preexistência de manifestação formal pelo órgão recorrido,
manifestação que, além de ensejar uma pluralização do debate e democratizar a
distribuição da Justiça, está a prestigiar a magistratura ordinária. Daí por que,
excepcionadas as hipóteses de sua originária competência (inciso I do art. 102 da CF), o
pronunciamento desta colenda Corte há de incidir sobre deliberação prévia, alhures
externada sobre o mesmo tema. Sob pena de o Supremo Tribunal Federal vir a empalmar
as próprias competências dos demais Tribunais, antecipando-se a eles no julgamento de
questões por eles, Tribunais, ainda não apreciadas.
10. Foi nessa perspectiva que se desenvolveu a idéia de que o prequestionamento
explícito da matéria constitucional se torna requisito de cognoscibilidade do recurso
extraordinário para esta Suprema Casa. Também assim é que se estabeleceu, em habeas
corpus, que o direito nele defendido somente é de ser apreciado se previamente suscitado
perante a autoridade coatora2.
11. Pois bem. Ainda segundo essa concepção das coisas foi que o Supremo Tribunal
Federal deliberou não caber a ele encaminhar autos de processos que, por equívoco, foram
instaurados diretamente nesta Corte. Isso porque estaria o STF a deliberar, de modo
definitivo, sobre a competência de determinado Tribunal, antes mesmo que esse Tribunal
pudesse posicionar-se a respeito, em típica atuação per saltum e, por isso mesmo, concen-
tradora de autoridade. Sem falar na grave conseqüência de transmudar esta Casa num
órgão de distribuição de processos, de maneira a estimular a arrevesada lógica de que, “em
caso de dúvida, ajuíze-se no Supremo, e este dará o devido destino à causa”.
12. Há mais o que dizer: ainda que extraordinariamente se cogitasse dessa remessa,
em face de controvérsia existente sobre a definição de determinada competência, a
excepcionalidade seria de todo inexistente na espécie! É que, segundo já acentuado, a
competência das próprias Turmas Recursais para julgar mandados de segurança contra
seus atos foi definida pelo Plenário deste Supremo Tribunal em 4-12-2003, ou seja, mais
de um ano antes da presente impetração.
13. Nesta marcha batida, devo consignar que a solução da causa seria diversa se,
em vez de originariamente deduzido perante o Supremo Tribunal Federal, este mandado
de segurança nos chegasse por ato de remessa de outro Tribunal, caso em que não
caberia falar em equívoco da parte, não podendo ela ser prejudicada por ato a que não
deu causa. Por isso mesmo, naquelas hipóteses de mandado de segurança indevidamente
encaminhado a esta Corte, mister se faz a devolução dos autos ao órgão de origem, nos
termos de diferenciação que já é feita por esta Casa (MS 24.793-AgR, Rel. Min. Celso de
Mello; MS 24.796, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; MS 25.190, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence).
14. Nessa contextura, não sendo caso nem de competência originária desta Casa
nem de devolução dos autos, meu voto nega provimento ao presente recurso de agravo
regimental.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, o Regimento Interno vem de
uma época em que cabia ao Supremo Tribunal Federal reger ações situadas na respectiva
competência originária e recursos também alusivos à competência recursal. Ora, se
mergulharmos um pouco mais fundo, subsiste essa norma que autoriza, à margem da
legislação processual comum — e o Código de Processo é posterior ao Regimento
Interno —, a negativa de seguimento pura e simples? A meu ver, não. Tanto quanto
possível, devemos homenagear a economia, a celeridade processuais e, também, a
desburocratização do processo.
É regra geral que o órgão que conclua pela própria incompetência deve apontar o
órgão competente e remeter-lhe o processo. É o que faço, acionando não o Regimento
Interno — pois entendo que não mais subsiste, no particular, o previsto no artigo 21, § 1º —,
mas o Código de Processo Civil.
Sabemos que há lei mitigando a envergadura do mandado de segurança ao estabe-
lecer um prazo decadencial para a impetração. E o brasileiro, normalmente, deixa para
formalizar o pedido no último dia desse prazo. Resulta que, se o Tribunal, inexistente a
competência, extingue o processo sem apreciação do mérito, ter-se-á a incidência do
prazo decadencial.
De qualquer forma, por entender que, em primeiro lugar, a autorização constitu-
cional, quanto à normatização, ao Supremo ficou restrita, sob a Carta anterior — a atual
não versa essa autorização —, à disciplina de processos da respectiva competência — e,
no caso do processo, ele não o é —, não cabe a extinção a partir do artigo 21, § 1º, do
Regimento Interno.
Peço vênia a Sua Excelência o Relator para prover parcialmente o agravo e determi-
nar a remessa dos processos para o órgão competente. Sua Excelência, inclusive, exclui a
possibilidade de o Colegiado pousar de Órgão consultivo, já que a jurisprudência é
pacífica. Não se veio ao Supremo por se ter dúvida quanto à competência para julgar o
mandado de segurança, mas em face da interpretação das normas de regência, principal-
mente a da Lei Complementar n. 35/79, que prevê que compete — aí revela a norma — ao
.
622 R.T.J. — 198
Tribunal — e turma recursal não é tribunal, o que sugere dúvida quanto à competência —
julgar os mandados de segurança impetrados contra atos dos respectivos órgãos.
Peço vênia para, nessa visão, até mesmo passível de ser enquadrada como flexível,
prover parcialmente o agravo e determinar a remessa dos processos às turmas recursais.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhora Presidente, estou de acordo com a
observação do Ministro Marco Aurélio, porque já decidimos isso no Agravo Regimental
no Mandado de Segurança n. 24.700, Relator Ministro Celso de Mello, em 24 de junho
do ano passado.
A Corte modificou a sua jurisprudência e entendeu de remeter o Mandado de
Segurança para o órgão que entendia competente para conhecer da causa.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, sobre a questão de remeter ou
não, de indicar o órgão jurisdicional competente, nesse ponto acompanho a diver-
gência.
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Peço vênia, Senhora Presidente, para acompanhar o
douto voto do eminente Ministro Carlos Britto, que corretamente deixou de ordenar o
encaminhamento deste processo mandamental ao órgão judiciário competente, por não
caber, ao Relator da causa, considerados os limites fixados no art. 21, § 1º, do RISTF, a
efetivação de tal medida.
Cabe registrar, por necessário, que esse entendimento encontra apoio em
orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões,
no tema, têm proclamado a inaplicabilidade, no âmbito desta Corte, do art. 113, §
2º, do CPC (Ao 175-AgR-ED/RN, Rel. Min. Octavio Gallotti — Inq 1.793-AgR/DF,
Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno — MS 22.313-AgR-ED/BA, Rel. Min. Sydney
Sanches, Pleno — MS 23.621-AgR/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno — MS
24.261/DF, Rel. Min. Celso de Mello — Pet 2.160/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU
19-3-2001):
“Medida cautelar — Incompetência do Supremo Tribunal Federal —
Pretendido encaminhamento do processo ao juízo competente —
Inaplicabilidade do art. 113, § 2º, do CPC — Incidência, na espécie, do art. 21, §
1º do RISTF — Recurso de agravo improvido.
— Revela-se inaplicável, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o art.
113, § 2º, do CPC, eis que o art. 21, § 1º do RISTF estabelece que o Relator da
causa, na hipótese de incompetência deste Tribunal, deve limitar-se a negar
seguimento ao pedido, sem ordenar, contudo, o encaminhamento dos autos ao
R.T.J. — 198 623
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhora Presidente, congratulo-me com os
juizados especiais pela maioria já composta no sentido de determinar o arquivamento
do mandado de segurança.
Coerente, já que o assunto voltou à Mesa, vou acompanhar o Ministro Marco
Aurélio, não em função do que Sua Excelência sustentou — que estaria revogado no
ponto o Regimento Interno, porque o Regimento Interno, hoje, é cópia da Lei n. 8.038:
apenas nele não leio que negar seguimento, isto é, não dar seguimento neste Tribunal ao
mandado de segurança, implica mandá-lo para o arquivo.
Agora me congratulo, repito, com a maioria que se formou em sentido contrário,
porque, com relação aos juizados especiais, eu temo muito que esses mandados de
segurança se transformem num mecanismo de chicana e de protelação absoluta,
substituindo embargos da decisão, na apelação, da Turma recursal.
Mas, posta a questão em termos da tese jurídica, acompanho o Ministro Marco
Aurélio, reportando-me a votos anteriores, sobretudo a longa discussão com o eminente
Ministro Moreira Alves, no sentido de remeter ao órgão competente o mandado de
segurança aqui ajuizado, mas que não seja de nossa competência, nos termos do art. 113,
§ 2º, do Código de Processo Civil (v.g. MS 21.345-AgR, Brossard).
624 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
MS 25.258-AgR/MG — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Francisco
Soares Silverio (Advogado: Joaquim José Santos). Agravado: Colegiado Recursal do
Juizado Especial de Pequenas Causas da Comarca de Sete Lagoas.
Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso de agravo
regimental, por entender inaplicável a parte final do § 2º do artigo 113 do Código de
Processo Civil, vencidos, parcialmente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa,
Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Votou a Presidente. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim, Presidente. Presidiu o julgamento a
Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 1º de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes.
Brasília, 17 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
proferida pela Min. Ellen Gracie, no exercício da Presidência da Corte, e do seguinte teor:
R.T.J. — 198 625
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Inconsistente o agravo.
A decisão impugnada acertou ao indeferir a inicial do mandado de segurança.
O pedido aí formulado, de que se reconheça inconstitucionalidade e, por conse-
qüência, se afaste, erga omnes, aplicação dos dispositivos da Lei dos Juizados
Especiais que prevêem a facultatividade da presença do advogado, encontra evidente
óbice no comando da Súmula 266, que reputa inadmissível a via eleita para discutir
lei em tese.
No fundo, o ora agravante usa do mandado de segurança como sucedâneo de
ação direta de inconstitucionalidade, o que é repelido por velha e aturada jurispru-
dência da Corte (MS n. 23.809-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6-4-2001; MS n.
24.173-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 23-8-2002; MS n. 21.615, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 13-3-1998; MS n. 24.838, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
24-6-2004).
2. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
EXTRATO DA ATA
MS 25.456-AgR/DF — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravante: Aparecido Nei
Oliveira Costa (Advogado: Aparecido Nei Oliveira Costa). Agravados: Presidente da
República (Advogado: Advogado-Geral da União) e Congresso Nacional.
626 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus. Conceder, porém, a ordem de ofício, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Márcia Lúcia Kamimura de Castro, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça,
que negou provimento ao AI n. 306.552 e ao agravo regimental respectivo.
R.T.J. — 198 627
Denunciada pela prática de peculato, delito previsto no art. 312, § 1º, do Código
Penal (fls. 14-18), entendeu o Juízo da Comarca de Araguari/MG que faltava à paciente
a condição específica de funcionária pública, razão pela qual procedeu à desclassi-
ficação do delito e condenou-a pela prática do crime do art. 171 do Código Penal, em
continuidade delitiva, à pena de reclusão de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de reclusão,
para início de cumprimento em regime semi-aberto, e ao pagamento de multa de 450
(quatrocentos e cinqüenta) dias-multa, no valor de 5 (cinco) salários mínimos cada dia
(fls. 19-43).
Inconformados com a decisão, Ministério Público e defesa apelaram; aquele, por
discordar da desclassificação operada pelo juízo (fls. 44-49), pleiteando, subsidiaria-
mente, caso mantida a desclassificação, a majoração da pena; e a defesa, requerendo, em
preliminar, o reconhecimento de diversas nulidades processuais — incompetência
absoluta do juízo, desobediência ao rito processual e à regra da indivisibilidade da ação
penal, ausência de exame de corpo do delito e inépcia da denúncia — e, no mérito,
atipicidade da conduta e insuficiência de prova, além de, subsidiariamente, sustentar a
aplicação da pena no mínimo legal e o direito de a condenada recorrer em liberdade (fls.
50-78).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, então, ao julgar as apelações,
negou provimento à apelação do Ministério Público, contra o voto do Relator, que
reconhecia que a conduta da paciente se subsumia ao tipo do peculato; foi dado
provimento parcial ao recurso da defesa, tendo o Tribunal reduzido a pena pecuniária a
200 (duzentos) dias-multa, calculado o dia-multa em 2 (dois) salários mínimos. Mas,
ressalte-se, o Relator, ao dar provimento ao recurso do Ministério Público e entender
configurado o peculato, também dava provimento à apelação da defesa, para reduzir a
reprimenda (fls. 79-123), que fixava em 6 (seis) anos de reclusão. E nisto ficou vencido.
A ora paciente interpôs, então, embargos infringentes (fls. 125-133), baseando-se
no voto vencido do Relator, que, embora considerasse importuna a desclassificação
operada pelo juízo, reconhecia que a pena não havia sido corretamente dosada:
“Por outro lado, não obstante o restabelecimento da capitulação do crime
contida na denúncia, mais gravemente apenado, cuja individualização se fará
adiante, verifico — em consonância com o parecer da ilustrada Procuradoria de
Justiça — serem procedentes os argumentos expendidos pela Defesa no sentido
de que houve excessivo rigor na aplicação da reprimenda, especialmente na
fixação da pena-base, inclusive no que tange a pena pecuniária, eis que, não
obstante a gravidade do crime que cometeu e o vulto do desfalque que provocou,
possui ela condições pessoais favoráveis, condições essas que, a meu sentir, não
foram devidamente consideradas na sentença, ainda que em relação ao crime ali
capitulado, de estelionato” (fl. 111).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, todavia, não conheceu dos
embargos infringentes (fls. 138-144), sob o argumento de que não havia divergência no
tocante à aplicação da pena privativa de liberdade, haja vista que, “em verdade, o voto
minoritário fixou pena pelo delito do art. 312 do Código Penal e não para o tipo do art.
171, no qual a ré se viu condenada, sendo acordos os votos dos Desembargadores
Revisor e Vogal, relativamente à pena, que mantiveram a desclassificação da sentença
.
628 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A questão deste pedido de habeas corpus
foi posta em termos de saber se o não-conhecimento de embargos infringentes
inadmissíveis suspenderia, ou não, o prazo para interposição de recurso especial.
Segundo a doutrina, a só apresentação dos embargos não impediria o trânsito em
julgado, por conta de sua inadmissibilidade, e, como tal, não seria causa de suspensão do
prazo do recurso especial:
“Quanto à recorribilidade da sentença, ou não existe, desde que foi proferida
(a lei não a fez recorrível), ou deixou, ou dela se recorreu e não houve cognição do
recurso (= julgou-se não ser de conhecer-se). Se da decisão que não tomou
conhecimento do recurso cabia recurso e não foi interposto no prazo, houve o
trânsito em julgado. Se o foi, há outro julgamento: ou dele se conhece, e a sentença
rescindenda tem de ser a que foi dada em confirmação, ou a que consta do último
julgamento”1.
“Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente decla-
ratório. (...) Destarte, se inexiste outro óbice (isto é, outro recurso ainda admissí-
2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed.. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, v. V. pp. 264-267. Grifos nossos.
3 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em sua unidade II. Rio de Janeiro: Forense, 1984. pp.
321-322. Grifos nossos.
630 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
HC 81.263/MG — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Márcia Lúcia Kamimura
de Castro. Impetrantes: Léo S. David e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Concedeu, porém, a
ordem, de ofício, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
R.T.J. — 198 633
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de recurso em habeas corpus, interposto em
favor de Ricardo Monteiro Valente, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que
lhe denegou o HC n. 12.485, assim ementado:
“Habeas corpus. Processo penal. Sentença. Intimação pessoal do membro
do Ministério Público.
1. A intimação dos membros do Ministério Público, como é de sua prerroga-
tiva funcional, é pessoal, sendo estranha ao seu aperfeiçoamento a simples entre-
ga do processo no protocolo administrativo da Procuradoria-Geral de Justiça
(artigos 41, inciso IV, da LONMP e 18, inciso II, alínea h, da LOMPU).
2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ordem denegada” (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 25-6-2001).
Tendo sido o ora recorrente e co-réus absolvidos da acusação de prática de gestão
fraudulenta (arts. 4º, caput, da Lei 7.492/86, c/c o 29 do Código Penal), o órgão ministerial
interpôs apelação criminal, julgada intempestiva pelo Juízo da 4ª Vara Criminal Federal
da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo (Autos n. 97.0102227-0), “determinando à
Secretaria que certifique nos autos o trânsito em julgado da decisão absolutória para o
Ministério Público Federal” (fl. 40).
O órgão ministerial opôs, então, recurso em sentido estrito, ao qual foi dado
provimento pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que ordenou o
“retorno dos autos à Vara de origem para seu regular processamento” (fl. 70).
Impetrou a defesa de Ricardo Monteiro Valente habeas corpus, perante o Superior
Tribunal de Justiça, e em que alegou a intempestividade do recurso ministerial de apelação
e requereu fosse mantido o trânsito em julgado da sentença absolutória (fl. 11).
Denegada a ordem, recorreu a defesa, reiterando os argumentos e pedidos apresen-
tados ao STJ (fls. 110 e ss.).
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo improvimento do recurso (fls.
126-128).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. É, deveras, intempestiva a apelação
interposta pelo Ministério Público Federal.
É que, sobrevindo a publicação da sentença absolutória em 2 de março de 1999,
foram os autos recebidos, na Procuradoria da República, no dia 3 de março de 1999,
conforme carimbo cuja cópia foi juntada pelo recorrente à fl. 36.
634 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RHC 81.787/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Ricardo Monteiro
Valente (Advogada: Suzana Lesiv dos Anjos). Recorrido: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, estendendo
a ordem aos co-réus, nos termos do voto do Relator. Unânime.
R.T.J. — 198 635
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,
impetrado em favor de Venacildo Santos do Nascimento, contra acórdão do Superior
Tribunal de Justiça que, ao decidir writ com o mesmo pedido e causa de pedir, denegou-
lhe a ordem, nos seguintes termos:
“Habeas corpus. Processual penal. Roubo. Condenação. Pena. Erro
material. Correção em sede de apelação exclusiva da defesa. Reformatio in
pejus. Inocorrência.
636 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Como flui nítido ao relatório, o pedido envolve a
questão de saber se o tribunal estadual, ao julgar apelação interposta exclusivamente
.
R.T.J. — 198 637
pela defesa, poderia, ou não, aumentar a pena estatuída na decisão de primeiro grau, sob
fundamento de tratar-se de erro material, corrigível de ofício.
No caso, somente a defesa apelou da decisão condenatória. Não obstante esta
contivesse erro material — de cunho aritmético —, dele nem o magistrado sentenciante
nem o representante do Ministério Público se aperceberam, pois a decisão transitou em
julgado para o Ministério Público, que não opôs embargos declaratórios e tampouco
apelou. Sobreveio, portanto, preclusão máxima para o órgão acusatório.
2. Se é certo que, no processo civil, erro material pode ser corrigido a qualquer
tempo, até ex officio, conforme preceitua o art. 463, inc. I, do Código de Processo
Civil, é diverso o sistema que informa o processo penal, em cujo âmbito não consta
preceito idêntico nem análogo e, como princípio cardeal, vige proibição de reformatio
in peius.
Dispõe, com efeito, o art. 617, parte final, do Código de Processo Penal que o
tribunal não poderá agravar a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
É a expressão da regra da chamada personalidade dos recursos, que, em última
análise, significa que o réu recorrente não pode ter a situação agravada, quando não
interposto recurso da parte contrária. “Costuma-se invocar, como fundamento do
princípio, o fato de o recurso devolver ao tribunal tão-somente o conhecimento da
matéria impugnada, o que se expressa no brocardo latino tantum devolutum,
quantum appellatum. No direito positivo, o princípio é buscado no art. 574 CPP,
caput, c/c art. 599”.1
3. Ao sistema processual penal repugna-lhe a reformatio in peius. É o que, por
exemplo, se vê à exceção da regra que faz cognoscível de ofício, a qualquer tempo, toda
causa de nulidade absoluta, salvo quando agrave a situação do réu: não pode o tribunal,
em recurso exclusivo da defesa, pronunciar nulidade absoluta que, não argüida pela
acusação, prejudique a defesa. É a postura que esta Corte sedimentou na Súmula 160, a
qual preceitua:
“É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não
argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
4. E essa repugnância do sistema assume contornos absolutos perante a norma
implícita de que, ainda quando contenha gritante erro judiciário, que é o mais, sentença
absolutória se reveste, uma vez transitada em julgado, de autoridade incontrastável e,
como tal, não admite revisão (art. 621 do Código de Processo Penal, a contrario). Trata-
se da cabal confirmação do entendimento de que, neste, como noutros temas, o processo
penal não é estruturado por princípios comuns ao processo civil, senão por regras
próprias2, em razão da prevalência dos interesses públicos que constituem a substância
e o objeto permanente do conflito jurídico típico que se presta a decidir e, sobretudo, por
força do valor supremo do ius libertatis, do qual o processo é concebido e disciplinado
como instrumento de tutela. Como tenho sustentado faz muito, o processo penal não
serve ao ius puniendi, que, no uso da força, o Estado poderia sempre exercer doutro
modo, mas ao resguardo dos direitos do réu a um julgamento legal e justo (due process
of law).
Tal é a razão última por que esta Corte já assentou, como consectário, que, na
cognição de habeas corpus ou recurso do réu, não pode tribunal suprir, com razões
novas ainda à luz da prova ou do direito aplicável, deficiências da fundamentação da
decisão impugnada, que é o menos (HC n. 83.173, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 16-3-2004; HC n. 83.828; 1ª Turma; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. 16-
12-2003, DJ de 20-2-2004; RHC n. 84.293/SP; 1ª Turma; Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 29-6-2004; HC n. 84.448/SP; 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto (vencido),
Rel. p/ ac. Min. Eros Grau, j. 14-9-2004; HC n. 85.238/SP, 1ª Turma, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, j. 6-9-2005).
5. Pouco se dá, em suma, conste dos autos causa de nulidade absoluta ou erro
material; nem este nem aquela podem, no âmbito do recurso da defesa, ser reconhecidos
ou remediados em termos de agravamento da situação do réu, cuja expectativa jurídica
da possibilidade única de obter decisão que o beneficie ou, pelo menos, nunca o
desfavoreça, não se pode inverter sem grave dano à certeza, à segurança e ao escopo
tuitivo da liberdade no processo penal:
“Assim, pelo recurso do réu e sem que haja recurso do Ministério Público,
não pode ser agravada a situação do recorrente. Não se admite a reformatio in
pejus, entendida como diferença para pior, entre a decisão recorrida e a decisão no
recurso, não podendo a piora ocorrer nem do ponto de vista quantitativo, nem sob
o ângulo qualitativo”3.
De modo que não poderia o tribunal, no caso, sob argumento de corrigir erro
material aritmético, ter agravado a reprimenda imposta ao paciente.
6. Do exposto, concedo a ordem, para restabelecer a condenação do paciente a 6
(seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, para cumprimento inicial em
regime fechado, e 14 (quatorze) dias-multa, consoante dispunha a sentença proferida
pelo juízo da 25a Vara Criminal da Comarca de São Paulo.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Relator, o descompasso concreto, qual
seria?
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Um ano.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Aplicou-se menos um ano do que
a pena mínima; e o tribunal, então, achou que era um erro material.
EXTRATO DA ATA
HC 83.545/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Venacildo Santos do
Nascimento. Impetrantes: PGE/SP – José Alexandre Cunha Campos (Defensor Público)
e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
.
640 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
dar parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, estendendo os efeitos
desta decisão ao condenado Carlos Adalberto Martins Ribeiro, nos termos do voto do
Relator. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Sepúlveda Pertence.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. O il. Subprocurador-Geral da República, Edson
Oliveira de Almeida, no parecer de fls. 158-159, sintetizou com precisão o caso e opinou
pelo provimento parcial do recurso, nos seguintes termos:
“A sentença do MM. Juízo da 24ª Vara Criminal do Rio de Janeiro
condenou o paciente e seu outro comparsa a 10 anos e 6 meses de reclusão, mais
multa, por infringência ao art. 157, §2º, I e II, do Código Penal. O Tribunal de
Alçada Criminal, dando parcial provimento ao apelo da defesa, reduziu a pena
privativa da liberdade para oito anos de reclusão.
O recurso ordinário, apontando vício na individualização da pena, postula
a anulação da sentença.
No caso, a pena-base foi fixada em seis anos, acrescida de dois (um terço)
pelas qualificadoras, resultando a pena final de oito anos de reclusão.
Reclama, sem razão, do tratamento uniforme dispensado aos dois réus na
questão da fixação da pena. É que, embora para ambos a fundamentação tenha
sido a mesma, disso não resulta nulidade se as circunstâncias avaliadas são
idênticas.
.
R.T.J. — 198 641
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Assiste razão à Procuradoria-Geral da
República.
Em atenção à norma constitucional que obriga a lei a regular a individualização da
pena (inc. XLVI do art. 5º da Constituição Federal), o Código Penal dispõe acerca do
sistema trifásico1, verbis:
“Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59
deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e
agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.
O caráter discricionário que envolve o sistema de fixação da pena, objeto do
mencionado artigo 59 do CP, é vinculado a determinações legais e constitucionais, que
obrigam à individualização da medida concreta, mediante suficiente fundamentação
(inc. IX do art. 93 da Constituição Federal).
A sentença considerou como circunstâncias judiciais, na primeira fase de fixação
da pena, assim os maus antecedentes, como a reincidência dos acusados:
“Atendendo às diretrizes do art. 59 do Código Penal, sendo os réus reinci-
dentes e com péssimos e vários antecedentes penais, demonstrando personali-
dade distorcida, sem qualquer inibição quanto a responder perante a Justiça e alta
periculosidade, às circunstâncias e conseqüências do delito e ao dolo com que
agiram, fixo a pena base em 07 (sete) anos de reclusão, que pela existência de duas
qualificadoras aumento da metade, perfazendo a pena total e definitiva de 10
(dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão a ser cumprida em regime fechado e multa
que, pelos mesmos critérios e verificando a situação econômica dos réus, fixo em
40 dias multa, a qual exacerbo pelas qualificadoras em metade, perfazendo a pena
de multa em 60 (sessenta) dias multa, sendo cada dia multa no valor mínimo
permitido em lei” (fl. 13 — Grifei).
A Terceira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro
reduziu a pena-base, que a sentença fixara em sete, para seis anos de reclusão.
Ao fazê-lo, porém, o acórdão, no mesmo sentido da sentença condenatória,
imputou a exacerbação, a um só tempo, aos maus antecedentes dos acusados e à
reincidência, como se vê à fl. 17:
“(...)
Os apelantes são reincidentes, sendo que, Luiz registra onze anotações em
sua FAC, com crimes de homicídios, roubos, furtos, quadrilha ou bando e
extorsão mediante seqüestro, enquanto que Carlos, registra nove anotações com
homicídio, contravenções, tráfico de entorpecentes, roubos, quadrilha ou bando,
furto e latrocínio. Acontece que nada justifica a fixação da pena base em sete anos
de reclusão, motivo pelo qual, dou parcial provimento ao recurso para fixá-la em
seis anos. Da mesma forma, o aumento das penas pelas qualificadoras, sem
fundamentação, em razão do entendimento desta Egrégia Câmara, deve ser
reduzido para um terço”.
Evidente que, mais uma vez, os cálculos não foram explicitados e só podem ser
inferidos aos termos genéricos dos elementos levados em consideração pelo magistrado
de 1º grau e pelo Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro, o que não se
me afigura bastante para que se possa dar por observado o sistema trifásico de fixação da
pena.
É o que tem proclamado esta Corte, como se vê à ementa do HC n. 70.899 (Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-1994):
“Sentença condenatória: fixação da pena pelo método trifásico: consideração
como agravantes, não só da reincidência, que o é, mas também dos antecedentes do
réu, que são critério para a determinação da pena-base: nulidade, no ponto, da
decisão”.
2. Acolho, portanto, o parecer da Procuradoria-Geral da República, para dar
parcial provimento ao recurso, a fim de, sem prejuízo da condenação e da prisão do ora
paciente, cassar os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e da Terceira Câmara do
Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, anular a sentença no
capítulo em que lhe individualizou a pena privativa de liberdade, devendo outra ser
prolatada nesse ponto, com estrita observância do critério trifásico de fixação da pena.
Estendo, outrossim, os efeitos desta decisão ao condenado Carlos Adalberto
Martins Ribeiro, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal.
É como voto.
.
R.T.J. — 198 643
EXTRATO DA ATA
RHC 84.295/RJ — Relator: Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Luiz Jorge Biglia
da Silva ou Luiz Cláudio de Souza Vieira ou Luiz Jorge Briglia da Silva (Advogada:
Karine Faria Braga Michel). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma deu parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,
estendendo os efeitos desta decisão ao condenado Carlos Adalberto Martins Ribeiro,
nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro Marco
Aurélio na ausência, ocasional, do Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, para afastar o crime de falsidade ideológica, extin-
guindo, quanto a ele, o processo penal instaurado contra o paciente. No que se refere ao
delito de interceptação telefônica, a Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido,
para, também quanto a esse crime, extinguir o processo penal em curso contra o paciente,
vencidos, no ponto, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Ellen Gracie, que o
denegavam.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Joaquim Barbosa, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Masloum, em face de acórdão em que a Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça denegou a ordem impetrada no HC 34.008.
É este o teor da ementa do acórdão impugnado (fl. 88):
“Habeas corpus. Denúncia. Constrangimento ilegal. Atipicidade das
condutas do paciente. Nulidades nas interceptações e gravações de
comunicações telefônicas que embasaram a acusação. Incompetência da
Justiça Federal de Alagoas para investigar magistrados da Seção Judiciária
de São Paulo. Improcedência.
O habeas corpus não se presta a demonstrar a atipicidade dos fatos se
reclama aprofundado exame de provas.
R.T.J. — 198 645
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, a impetração traz
três argumentos principais para sustentar a inépcia da denúncia. O primeiro refere-se à
atipicidade do crime de falsidade ideológica. O segundo é relativo à atipicidade do
crime de interceptação telefônica ilegal. O terceiro diz respeito à nulidade das
interceptações telefônicas que deram sustentação à denúncia.
Passo ao exame das questões apresentadas, a começar pela argüição de nulidade,
dado seu caráter de prejudicialidade em relação a todas as demais questões, uma vez que,
646 R.T.J. — 198
Daí que, como também entendem Luiz Flávio Gomes e Antonio Scarance
Fernandes, poderá o juiz, com base no princípio da proporcionalidade, renovar a
duração da interceptação tantas vezes quantas se fizerem necessárias.” (AVOLIO,
Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas ambientais
e gravações clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 189)
A questão há de ser examinada pelo ângulo da razoabilidade. Uma autorização
judicial com o restrito prazo de 30 dias (na hipótese de se admitir uma única renovação)
não teria efetividade alguma em nosso país. Em primeiro lugar, porque existe todo um
trâmite a ser superado a fim de que a decisão jurisdicional seja cumprida a contento. Além
disso, há de se considerar que as interceptações telefônicas foram autorizadas para investi-
gação de organização criminosa extremamente complexa, que envolve, entre outros,
magistrados e policiais federais. A investigação, denominada “Operação Anaconda”,
apurou o cometimento de diversos ilícitos penais, alguns deles de extrema complexidade.
Não seria razoável, portanto, a limitação das escutas telefônicas a apenas 30 dias,
pois, pelo que consta dos autos, todas as prorrogações foram devidamente fundamen-
tadas e feitas dentro do prazo, presentes, à época, todos os requisitos que as autorizavam.
Entendimento contrário levaria à total ineficácia da medida, que, atualmente, se apre-
senta como importante instrumento de investigação e apuração de ilícitos.
Aliás, por ocasião do julgamento do HC 83.515, de relatoria do eminente Presiden-
te desta Corte, Ministro Nelson Jobim, o Pleno abraçou a tese da viabilidade de
múltiplas renovações das autorizações de interceptação pelo prazo de 15 dias.
Resolvida essa primeira questão, enfrento a segunda tese do impetrante. Sustenta
ele que a prova produzida pelas escutas telefônicas é ilícita, na medida em que os
supostos fatos criminosos imputados ao paciente se tornaram conhecidos de forma
fortuita, estranha, portanto, ao objeto das investigações que autorizaram as intercep-
tações telefônicas.
Também não acato essa causa de pedir. Com efeito, as interceptações telefônicas
realizadas na “Operação Anaconda” tiveram, conforme exposto, o objetivo de apurar
suspeita de envolvimento de policiais federais e magistrados em práticas delituosas,
notadamente a venda de sentenças.
Foi por meio das conversas mantidas entre o ora paciente e um de seus co-réus,
César Herman Rodriguez (fls. 45-48), que se descobriu o possível envolvimento
daquele na organização criminosa.
Repita-se: o objeto das interceptações era justamente o suposto envolvimento de
magistrados em atos de corrupção. E quais são os fatos que o Ministério Público atribuiu
ao paciente? O primeiro foi a participação em interceptação telefônica ilícita em favor,
supostamente, de amigo do paciente. O segundo diz respeito à falsa declaração do local
onde se encontraria determinada quantia de moeda estrangeira, o que, em princípio,
seria de interesse para a comprovação de outros fatos relativos à “Operação Anaconda”.
Assim, não há nada que possa tornar ilícita a prova produzida. O objetivo daquelas
interceptações telefônicas não está dissociado dos crimes supostamente cometidos pelo
paciente, não se podendo falar em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso,
estranho, portanto, ao objeto das investigações.
648 R.T.J. — 198
VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, o Ministro Joaquim Barbosa está
convencido de que, de fato, se efetivou a interceptação telefônica.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, aliás o próprio Advogado não
negou isso da tribuna.
652 R.T.J. — 198
VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, quando há elementos postos com
clareza no sentido de que, como no caso presente, não ocorreu a interceptação, então, é
possível.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não posso dizer que ela não ocorreu.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Exatamente, já que não é possível, a menos que se
debruce sobre a prova, e isso não é possível em habeas corpus. O eminente Advogado
disse que a instrução está finda.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, já acabou, em vias de acabar.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Então, até por cautela é bom esperar o julgamento
do juiz natural.
R.T.J. — 198 653
VOTO
(Sobre a atipicidade do crime de falsidade ideológica)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, acompanho, desde logo, o Ministro
Relator com relação ao primeiro argumento e aguardo o julgamento quanto aos demais.
EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Depois do voto do Relator, que deferiu, em parte, o pedido de habeas
corpus, nos termos e para os fins indicados em seu voto, acompanhado, no ponto, pelos
demais Ministros da Turma, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista
formulado pelo Ministro Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. Adriano Salles
Vanni.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Mazloum, pelos seguintes fatos:
“O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal por suposta
prática de falsidade ideológica e de interceptação telefônica ilegal (doc. 01)
De acordo com a exordial, a falsidade ideológica teria ocorrido porque o
paciente declarou falsamente ao Tribunal Regional Federal, ao cumprir o disposto
no artigo 13 da Lei n. 8.429/92, possuir U$ 9300 no Brasil, quando, de acordo com
654 R.T.J. — 198
Casem: Certo.
César: Eu quero ver se o pessoal realmente vai, daí, não falou que ia ajudar?
eu quero deixar que ele tome o pé da situação tá, então amanhã de qualquer
maneira eu estou vendo se eu tenho uma reunião com ele.
Casem: tá.
César: em relação a isso, só uma coisa, muito... o... só se for o fixo, tá, é cem
por cento pra fazer de imediato, tá, agora o... o outro, não.
Casem: o outro... ah... aquela... aquele aparelho lá que fica clonando...
César (corta de imediato): não, mas daí, não, eu te explico, eu explico tudo
como funciona, até lá o... o... oficial.
Casem: Ah, tá.
César: Tá.
Casem: Bom, vamos fazer o seguinte, amanhã se você estiver por aqui vamos
combinar, a gente se encontra aí em algum lugar, aqui, no aeroporto...
César: Tá bom, tá bom, tá bom. Eu estou correndo atfás, estou tentando
salvar o que dá pra salvar ali do João também né?
Casem: ah, e lá como é que tá?
César: eu tive com ele, ele tá mal, né.
Casem: Ele tá mal?
César: Tá mal, sabe, eu tô... eu já fiz as ações, né, pra ver se consegue anular
o casamento lá e pra fazer o reconhecimento dela aqui.
Casem: e ela tá pegando no pé dele aqui?
César: não, ela tá dando uma folga, em relação por exemplo aquelas conver-
sa maluca dela, ela tá dando uma folga, tá, agora em relação às perdas de bônus
dela, aquelas coisas, isso não.
Casem: de o que?
César: em relação homem e mulher, dele ter levado a menina...
Casem: a menina lá?
César: é, levar pra dentro de casa...
Casem: ele tá junto com ela de novo, né?
César: não, está no mesmo teto, né.
Casem: Morando perto?
César: é, no mesmo teto.
Casem: ah, bom, vamos ver se amanhã a gente se encontra?
César: olha, esses dois dias são dois dias que... vão acontecer, assim, ou
vamo acontecer muita coisa ou nós vamo deixar tudo de mão e deixar quieto, tá,
então vai acontecer realmente bastante coisa, tá, é... eu falei direto co ... com o
pessoal mesmo, tá, e o pessoal ficou assim super interessado.
R.T.J. — 198 657
César: É oneroso, muito oneroso. Agora é o seguinte: ele falou que te deu o
nome do rapaz?
Casem: Eu tenho o nome.
César: Eu levantei o nome, o endereço, o carro, ele falou...
Casem: O endereço do que? Da... do... lá da ...
César: Tudo, tudo, tudo. Confirmei que o caso existe, ele falou isso, né?
Casem: ó, eu não tô entendendo, o cara...
César: ele veio com uma suspeita de que a mulher do rapaz lá teria um caso
com o ex-segurança da... da... da empresa que fez a segurança pra ele, tá? Aí, o que
aconteceu: ele tinha o número do telefone que ele tinha uma suspeita, tá? Aí eu
levantei o número do telefone, tá, de quem usava o telefone, o nome dele, e bateu
com o nome do segurança...
Casem: Ah, tá...
César: ...depois que ele já tinha sido demitido, no período que ele viajou
para o Líbano.
Casem: Ah...
César: ..(inaudível)... acontece todos os dias, então
Casem: Ô, a ligação tá ruim, rapaz, não tô quase entendendo nada. Mas
escuta, e aí você queria que...
César: Bom, agora, o que eu tô fazendo é assim, eu tô levantando essa
possibilidade pra ele, tá, que o problema dele não é nem questão da separação, tá,
é móstrar pras filhas.
Casem: é, ele falou isso aí.
César: (inaudível) tá ruim a ligação.
Casem: Alô?
César: Alô, agora melhorou, né?
Casem: É... cê tá falando de celular ou de fixo?
César: De celular.
Casem: De celular.
César: É. Então, o rapaz lá, é... ela realmente tem um contato com o ex-
segurança que ficou até maio, em maio o ex-segurança foi demitido e de maio em
diante ela continua mantendo contato com esse segurança via celular dela, tá?
Como o celular dela ela tem assim um milhão de ligação, tá, eu levantei exatamen-
te o telefone que o cara tava usando, tá? Então, levantei o telefone que o cara tava
usando, eu levantei o nome do cara, dei pro seu amigo ver e escutar que é o cara
mesmo, entendeu?
Casem: Ah, então fica fácil agora pra... pra ver o...
César: é, agora eu tô pedindo o reverso, eu tô pedindo a... eu tô pedindo
agora a conta de telefone dele, pra provar que ele também liga pra ela.
R.T.J. — 198 659
uma ação penal garantidora do legítimo direito de defesa, tendo em vista a ausência de
fatos elementares associados ao crime de interceptação telefônica.
Nesses termos, em face da manifesta inépcia da denúncia, o meu voto é no sentido
de também quanto à segunda imputação atribuída ao paciente (art. 10 da Lei n. 9.296/
96) conceder a ordem de habeas corpus.
VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, peço vênia ao
Ministro Gilmar Mendes para dele discordar e manter o meu voto, porque entendo que a
denúncia oferece, sim, todas as condições para o exercício do direito de defesa.
Leio, aqui, trecho da denúncia que, aliás, já foi lido por S. Exa.:
“Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a
seus ‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar a
interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96.”
Recapitulemos os fatos: o juiz pediu a esse César Herman, um dos acusados da
chamada “Operação Anaconda”, para que interceptasse telefonemas de pessoas das
relações de amigos seus. Isso foi confirmado aqui da tribuna pelo próprio advogado, que
disse: “Realmente, ele fez esse pedido ao policial”.
No meu voto, esclareci que, por não haver nos autos elementos sólidos, aptos a
demonstrar a não-realização da interceptação de que o paciente teria participado, não há
como conceder o habeas corpus, mesmo porque a elucidação de tal dúvida é matéria
probatória insuscetível de exame na via do habeas corpus.
Já agora, mais recentemente, chegou-me o memorial dos procuradores que atuaram
no caso. Esses procuradores informam que — claro, não nos cabe aqui examinar essas
provas produzidas, mas a informação me parece relevante — as investigações levaram
ao achado, na residência desse policial César Herman, de instrumentos de interceptação.
Esses fatos foram confirmados em juízo por sua própria mulher. Logo, os equipamentos
de escuta estavam na casa do próprio Herman, pessoa a quem o magistrado pediu para
fazer as investigações.
Portanto, acho bastante temerário trancar a ação penal diante de um quadro como
o descrito na denúncia e reforçado agora pelos novos dados colhidos na instrução
criminal.
Por essas razões, peço vênia ao Ministro Gilmar Mendes e mantenho o meu
voto.
DEBATE
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas isso não é matéria para nós
apurarmos. Isso é matéria a ser deslindada lá na ação penal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, não há a mínima tentativa de se
adequar ao artigo 10. Leio isso com tanto constrangimento.
664 R.T.J. — 198
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas, Ministro Gilmar Mendes, Vossa
Excelência não fica constrangido com o fato de um juiz federal utilizar-se do poder de
que dispõe para pedir grampeamento de desafetos de amigos seus?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Que essa questão vá ser resolvida na esfera discipli-
nar.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A mim me constrange muito.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A mim me constrange receber uma denúncia que sei
inepta.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não cabe a nós receber denúncia contra
juiz federal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cabe a nós definir isso, sim. E é matéria constitu-
cional.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas isso é memorial, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Trata-se de memorial apresentado pelo
Ministério Público Federal, subscrito pelas ilustres Procuradoras da República que
formularam a denúncia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Feito em 3 de novembro, depois da instrução.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): As ilustres representantes do Minis-
tério Público põem ênfase na intenção que teria sido manifestada pelo paciente,
quando da suposta prática criminosa que lhe foi atribuída. Ocorre, no entanto, que,
para efeito de configuração típica do delito, não basta o mero intento de realizar a
conduta punível. Impõe-se considerar, no ponto, o que prescreve o art. 31 do Código
Penal.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Elas não afirmam que teria ocorrido.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não, realmente não afirmam.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas isso não consta da denúncia.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Reforço de argumento.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não vejo como discutir essa matéria,
porque ela não constitui objeto da denúncia, não constando dessa peça acusatória.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não consta.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Torna-se destituída de relevo proces-
sual a alegação, que, não referida na denúncia, venha a ser mencionada em memorial
pela parte acusadora. “Quod non est in libello, non est in mundo”.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas estavam elas obrigadas a fazê-lo
perante o Supremo em memorial?
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Não, pois a menção ao fato e à conduta
deveria compor o texto da peça acusatória, integrando, formalmente, a denúncia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, eles tinham de ter feito na denúncia.
R.T.J. — 198 665
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, evidentemente, ao tempo em que
Vossa Excelência estava no Ministério Público, também eu, os Ministros Joaquim
Barbosa e Gilmar Mendes, o modelo atual de denúncia não estava em voga. Nós, ainda,
seguíamos a velha cartilha: quem, quando, onde, de que modo, e tratávamos de
descrever, no que me respeita, da forma mais singela possível e até parcimoniosa para
exatamente não abrir, desde logo, todas as provas de que dispunha para obter o
resultado, a condenação.
No entanto, Sr. Presidente, embora a denúncia agora oferecida seja de modelo
diverso daquelas que estávamos habituados a fazer — e temos encontrado, inclusive
perante o Plenário desta Casa, denúncias semelhantes, que são recorte e colagem de
diversos trechos de depoimentos ou de escutas telefônicas. E elas têm sido acatadas.
Creio, porém, que essa denúncia, pelo menos para mim, ficou sobremodo enriquecida
com a interpretação vívida que lhe deu o Ministro Gilmar Mendes. Através da palavra de
Sua Excelência, eu pude, claramente, distinguir que houve um primeiro diálogo e, nesse
diálogo, Mazloum indaga a Herman se há viabilidade na escuta ilegal. E houve em
segundo diálogo, em que Herman dá conta a Mazloum de que o serviço foi realizado, de
uma forma ou de outra, e mais: que Herman fez saber ao interessado, ou marido traído, as
dificuldades inerentes ao equipamento, objeto do grampo (celulares) e também que,
embora não fosse serviço da sua rotina, ele fora executado por consideração à amizade
do interessado com Mazloum. Fica realmente um pouco em dúvida, nesse diálogo tão
entrecortado de expressões coloquiais e talvez estáticas do telefone, não se sabe, se a
pesquisa teve seu objeto alterado de uma escuta telefônica para uma quebra de sigilo das
contas telefônicas.
Entendo que isso é suficiente para descrever, ainda que nesse formato inusitado, a
prática delituosa que teria ocorrido, em tese, e a dilação probatória haverá de elucidar.
Por isso, com a vênia do eminente Ministro Gilmar Mendes, e louvando seu talento
teatral, acompanho o eminente Relator.
EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, tenho de reconhecer e louvar a
inteligência da Ministra Ellen Gracie, que certamente conseguiu apreender muito mais
do que eu, porque, de fato, eu não tive condições de apreender.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Daquele diálogo, esses fatos, para mim, ficaram claros.
666 R.T.J. — 198
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, o delito de violação de dados
telefônicos seria o mesmo da interceptação?
A Sra. Ministra Ellen Gracie: É um formato novo de denúncia que não utilizamos,
mas fico imaginando se, no futuro, não será possível fazer a descrição de fatos para
formalização de denúncia mediante um filme, quando se tenha, por exemplo, a tomada
de um assalto a banco. Será? Não sei.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Talvez não se precise mais fazer nem prova de
Português na Procuradoria.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, o voto do Ministro Gilmar Mendes —
voto de um constitucionalista liberal — é impressionante. Todavia, não conseguiria
decidir sem examinar a prova. Reconheço que a denúncia não é um primor. Interessante
que, em alguns desses casos, a impressão que tivemos através do relato da mídia foi uma
e a que estamos tendo do exame dos autos é outra.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): São doze réus.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Por exemplo, a primeira imputação é ridícula.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): É patética.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Pior a repercussão, na mídia, contra o Judiciário.
Estamos verificando isso tudo, mas vou pedir licença ao meu eminente Colega
Ministro Gilmar Mendes, porque eu teria de examinar a prova para acabar com a minha
dúvida.
R.T.J. — 198 667
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não, Ministro Carlos Velloso, não se trata disso. Fiz
questão de explicitar que ficava apenas no plano formal da inépcia, porque começamos
a discutir essa questão quando, da tribuna, o Advogado sustentou que, agora, as provas
já estavam consolidadas, a instrução encerrada e que não ficara provada a existência da
interceptação. Mas a mim me basta exatamente a inexistência de qualquer descrição, e,
se lermos, de fato isso é constrangedor.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Gilmar Mendes, os diálogos
lidos por Vossa Excelência são mais que eloqüentes.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Desculpe, Ministro Joaquim.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mais que eloqüentes. Estou em contato
com os dados, com os fatos desse caso há meses.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Li a denúncia, com atenção, e fui fiel à leitura, aqui.
É isso que resulta da denúncia. Posteriormente, o Ministro Celso de Mello teve a
oportunidade de ler o memorial, que resulta ainda mais constrangedor, porque em 3 de
novembro, encerrada a instrução, vêm as mesmas autoras, Ana Lúcia Amaral, Janice
Agostinho e Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, e dizem exatamente o que Ministro
Celso de Mello acabou de ler, que é irrelevante a cogitação e que, eventualmente, um
crime teria sido trocado por outro.
Nós estamos vivenciando um quadro surrealista. Só quero discutir, aqui, a aptidão da
denúncia como temos feito no Plenário, que é a jurisprudência assentada, e que me parece
consentânea com os padrões do estado de direito, como tive oportunidade de reler em dois
magníficos votos de autoria do Ministro Celso de Mello. Tão-somente isso. Tanto é que, se
amanhã eles conseguirem produzir uma denúncia apta, o assunto poderá voltar. Não
estamos a falar em atipicidade, estamos a falar na inaptidão da denúncia. Agora, é preciso
ser rigoroso nessa matéria, porque sabemos que é um tipo de consórcio negativo que leva
a esse tipo de demissão. Produzem-se denúncias, de fato, irresponsáveis, às vezes
consorciado com a imprensa, com desígnios outros. Não é possível que um Tribunal deste
nível, Tribunal Constitucional, como o Supremo Tribunal Federal, valide esse tipo de
prática. Não é razoável. É preciso que o Tribunal tenha a noção do seu papel institucional,
compromisso inequívoco com os direitos fundamentais.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Concordo plenamente com Vossa
Excelência, inclusive no que tange aos aspectos teóricos bem lançados por Vossa
Excelência, no que diz respeito ao estado de direito, mas me é extremamente chocante,
Ministro Gilmar, que venhamos a trancar uma ação penal em que um juiz, um magistrado
federal, tem um comportamento dessa natureza, por razões meramente formais.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Comportamento que interessa na área penal é
comportamento previsto na lei penal.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Que se resume na ação penal, que será
desvendada em uma semana. É temerário. É absolutamente temerário.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Temerário é receber denúncia temerária. Vossa
Excelência está com enfoque errado, o uso do Direito Penal para outro tipo de
persecução. O problema há de se resolver na esfera disciplinar do Judiciário se não se
caracterizar crime.
668 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu, em parte, quanto ao primeiro
fundamento da impetração, o pedido de habeas corpus, nos termos e para os fins
indicados pelo Ministro Relator em seu voto. No que se refere ao segundo fundamento
(exame da aptidão formal da denúncia quanto ao delito tipificado no artigo 10 da Lei
9.296/96), e após os votos dos Ministros Relator e Ellen Gracie, que indeferiam o pleito,
e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que o deferia, o julgamento foi interrompido em
virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Casem Mazloum, denunciado pelo Ministério Público Federal como incurso no art. 299
do Código Penal (falsidade ideológica) e no art. 10 da Lei 9.296/1996 (interceptação
telefônica irregular). Sustenta a impetração a inépcia da denúncia, aos seguintes argu-
R.T.J. — 198 669
César: não, eu falei pra ele que não é uma coisa que a gente.... não é
uma coisa que a gente.... não é o que a gente... não é o nosso metier, mas que
nós tava fazendo isso pra ele já em consideração a isso...
Casem: Ah, tá
César: Porque é uma coisa trabalhosa, ele já tinha sido acharcado aí
por um monte de...de...de...
Casem: Exatamente!
César: ...de picareta. Então falei aqui não tem isso, tá, ajudamo,
ajudamo. Levantei o carro do cara, o endereço do cara, os dados do cara
todinho, tá, o telefone que o cara falava com ela, provei que ela falava com
o cara, levantei que o telefone é do cara, então isso aí já tá tudo levantado,
tá? Agora eu tô tentando ver se eu consigo pegar a conta do cara ligando
pra ela.
Casem: ah ...tá.
César: tá, aí o cara tem um convite mesmo próprio...
Casem: é... alô, alô, alô.
César: entendeu?
Casem: celular é uma bosta...alô, alô, alô (cai a ligação)
Em outra conversa, mantida no mesmo dia, César e Casem:
César: Alô.
Casem: Oi.
César: Hoje eu tô tentando agora no final pegar um cara que falou que
faz pra mim o... a prova auditiva tá? se ele falar pra mim que é cem por cento,
tá, aí eu dou o start.
Casem: ah... tá bom, não tem problema não.
César: aí depois pessoalmente eu explico pro senhor como é que
funciona.
Casem: ah, tá legal
César: tá? mas a atenção que puder dar... e agora eu tô aguardando a
resposta também daquela conversa que eu tive ontem, tá?
Casem: do... sobre aqueles documentos?
César: daqueles papéis, é, tõ aguardando também aquela resposta lá
que se eles vão poder usar ou não, tá? Qualquer coisa eu mantenho o senhor
informado.
Casem: tá legal, tá bom. Alô, alô.
César: oi, um abraço, qualquer coisa te ligo mais tarde.
Casem: tá bom então.
César: Um abraço, tchau.
672 R.T.J. — 198
Khaled: Não tem como levantar de quem era o nome, de quem era essa
conta...
César: Ah, tenho.
Khaled:...de quem era esse número?
César: Tenho, tenho. Eu... tenho que pedir oficialmente, ô Khaled.
Tenho lá pela minha senha, entendeu?
Khaled: Hã, hã.
César: E aí fica registrado.
Khaled: E ai cê num pode, né, lógico.
Ilegalmente, o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a seus
‘colaboradores’, em especial o co-acusado César Herman, para providenciar a
interceptação telefônica ilícita, em conduta que caracteriza o crime previsto no
artigo 10 da Lei n. 9.296/96. No caso do magistrado, incidem ainda as agravantes
do artigo 61, II, alíneas a, c e g, bem como do artigo 62, inciso II, ambos do Código
Penal.
(...).” (Fls. 45-50)
Sustenta-se, na impetração, a inexistência de enquadramento da conduta irrogada
ao paciente ao tipo penal previsto no artigo 10 da Lei 9.296/96, que seria atípica. É que
a denúncia descreve, apenas, atos de cogitação ao afirmar que o paciente “engendrou
junto ao Agente de Polícia Federal César Herman Rodriguez todas as providências
para realizar uma interceptação clandestina, como se verifica também da conversa
entre ambos no dia seguinte, 18-9-2002” (g.n.), concluindo, ao final, que “ilegalmente,
o juiz federal criminal Casem Mazloum intercedeu junto a seus ‘colaboradores’, em
especial o co-acusado César Herman, para providenciar a interceptação telefônica
ilícita’ (g.n.)” (fl. 18).
Examinemos a questão.
Dispõe o art. 10 da Lei 9.296, de 24-7-96 — lei regulamentadora do inciso XII,
parte final, do art. 5º da Constituição Federal:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas,
de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização
judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.”
Realmente, das conversas telefônicas havidas entre Casem e César e César e um
certo Khaled, que foram interceptadas e cujas degravações embasam a denúncia, não
ressai ter sido realizada a interceptação pretendida pelo acusado Casem Mazloum. O
crime de interceptação telefônica sem autorização judicial consuma-se, é certo, no
momento em que o sujeito começa a ouvir a conversação havida entre duas outras
pessoas, ou inicia a gravação dessa conversação.
No caso, repito, das degravações constantes da denúncia não ressai ter sido
realizada a interceptação telefônica, revelando tais degravações, na verdade, atos de
cogitação, atípicos frente ao disposto no art. 10 da Lei 9.296, de 1996. Mesmo que
674 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Trata-se de indagar, no caso ora em
análise, tal como pude enfatizar no precedente julgamento do HC 84.409/SP, se se
revela inidônea e imprestável, na espécie, a peça acusatória oferecida pelo Ministério
Público.
Entendo, na linha do voto que proferi no HC 84.409/SP, que as alegações feitas
pelo ilustre impetrante impõem algumas reflexões em torno da indeclinável obrigação
jurídica que condiciona o exercício, pelo Ministério Público, de seu gravíssimo poder
de denunciar.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça
acusatória apresentada pelo Ministério Público impõe que nela se identifique, desde
logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que deve ser especi-
ficado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão
estatal da acusação penal.
R.T.J. — 198 675
É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade
pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello). Este,
para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma
necessária base empírica, a fim de que a acusação não se transforme, como advertia o
saudoso Ministro Orozimbo Nonato, em pura criação mental do acusador (RF 150/
393).
Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público, no processo
penal de condenação, consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo
claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe
são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo
da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no
art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da
cláusula constitucional da plenitude de defesa.
Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório — que constitui
estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade
persecutória —, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação
de tensão dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo
Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.
A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato
criminoso, não se projeta, nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo
estatal. A persecutio criminis sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento
jurídico. A tutela da liberdade representa, desse modo, uma insuperável limitação
constitucional ao poder persecutório do Estado.
As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dis-
pensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo
acusado, do seu natural estado de liberdade.
Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal
do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece
entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade
do jus libertatis titularizado pelo réu, de outro.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada,
por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis da República,
traduzem limitações significativas ao poder do Estado (RTJ 161/264-266, Rel. Min.
Celso de Mello). Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido — e assim
deve ser visto — como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu (João Mendes
de Almeida Júnior, “O Processo Criminal Brasileiro”, vol. I/8, 1911).
A primeira garantia jurídica assegurada ao suposto autor de infrações penais
traduz-se na exigência — que é constitucional — de instauração de um procedimento
formal de persecução in judicio.
Insinua-se, neste ponto, bem por isso, a questão pertinente ao controle prévio da
denúncia penal, referente à análise dos seus requisitos formais e ao exame dos elemen-
tos em que se fundamenta a pretensão punitiva do Estado deduzida pelo Ministério
Público.
676 R.T.J. — 198
gravíssimo defeito da inépcia, como bem o reconheceu, em seu douto voto, o eminente
Ministro Gilmar Mendes.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para deferir
o pedido de habeas corpus, nos precisos termos constantes do douto voto que acaba de
proferir o eminente Ministro Gilmar Mendes, por reconhecer que a denúncia ora em
análise — tal como aquela que esta Colenda Turma invalidou no julgamento do HC
84.409/SP — “não preenche os requisitos para o desenrolar de uma ação penal
garantidora do legítimo direito de defesa” (grifei).
É o meu voto.
EXTRATO DA ATA
HC 84.388/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Casem Mazloum.
Impetrantes: Adriano Salles Vanni e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, para
afastar o crime de falsidade ideológica, extinguindo, quanto a este, o processo penal
instaurado contra o paciente. No que se refere ao delito de interceptação telefônica, a
Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido, para, também quanto a esse crime,
extinguir o processo penal em curso contra o paciente, vencidos, no ponto, os Ministros
Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que o denegavam.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 27 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado pelo Tribunal do
Júri de Ceilândia/DF, pela prática de homicídio qualificado, decisão referendada pelo
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas posteriormente anulada pelo Superior
Tribunal de Justiça, que fixou a competência da Justiça Militar.
Julgando-o, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército, da Auditoria da 11ª
Circunscrição Judiciária Militar, absolveu o paciente, por insuficiência de provas, da
imputação da prática do crime previsto no art. 205, § 2º, I e IV, do Código Penal Militar
(homicídio qualificado).
O Superior Tribunal Militar, contudo, deu provimento à apelação do Ministério
Público para condená-lo à pena de 12 (doze) anos de reclusão, fixando o regime fechado
para o cumprimento inicial da pena.
Daí a presente impetração, que alega nulidade do acórdão porque, cuidando-se de
situação assemelhada às decisões do Tribunal do Júri, o STM não poderia alterar a
decisão do Conselho de Justiça quanto ao mérito: no caso de anulação da sentença,
aduz, diante da soberania dos veredictos, novo julgamento deve ser proferido pelo
Conselho de Justiça, “sob pena de usurpação da soberania do Conselho Julgador”.
Afirma-se que cumpre ao Tribunal Superior verificar apenas se a decisão foi
manifestamente dissociada dos elementos apurados no processo, e que, no caso, a
reforma pelo STM da sentença absolutória é que foi contra a evidência dos autos.
Alega-se falta de fundamentação do julgado, que teria baseado a “condenação em
aspectos fático-probatórios inexistentes”.
Indeferida a liminar (fls. 181/182), sobreveio o parecer do Ministério Público Federal,
da lavra da Il. Subprocuradora-Geral Delza Rocha, que opinou pelo indeferimento da
ordem, verbis (fls. 185/189):
“(...)
Sem razão o impetrante. Quanto as provas produzidas nos autos da ação
penal pelo órgão ministerial, na formação da culpa, não cabe, em sede estreita de
habeas corpus, serem reexaminadas, por se tratar de via excepcional.
No que respeita à competência do Colendo Superior Tribunal Militar,
preceitua o artigo 6º, inciso II, alínea c que:
‘art. 6º Compete ao Superior Tribunal Militar: (...)
II - Julgar: (...)
c) as apelações e os recursos de decisões dos juízes de primeiro grau;’
R.T.J. — 198 681
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Com razão o parecer do Ministério
Público Federal.
Certo, no processo penal comum, a devolução das apelações contra as decisões
do Júri se restringe ao fundamento legal — dentre as quatro alíneas do art. 593, III, do
Código de Processo Penal — indicado na interposição ou, na falta de indicação
expressa, ao versado nas razões (v.g., RE 80.423, Primeira Turma, 15-8-75, Moreira,
RTJ 75/243; HHCC 54.717, 1º-3-77, Primeira Turma, Bilac, RTJ 81/48; 66.649, 6-12-88,
Primeira Turma, Moreira, RTJ 127/929; 68.109, 26-3-91, Primeira Turma, Celso, RTJ
136/606; 68.854, 17-12-91, Segunda Turma, Borja, RTJ 140/138; HC 85.858-ED,
Primeira Turma, 22-6-05, Pertence, DJ de 26-8-05; donde, a Súmula 713 do STF: “O
efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos de
sua interposição”).
Assim é, no entanto, não por se tratar de julgamento de crimes dolosos contra a
vida, mas sim pela nota de soberania dos veredictos do Júri Popular, que a estrutura da
Justiça Militar não comporta (v.g., RE 122.706, 21-11-90, Pertence, RTJ 137/418).
Nem sendo o caso de estender-se a soberania das decisões do Júri às do órgão de
primeiro grau da Justiça Militar — conforme ressaltei ao indeferir a liminar —, não há
falar em simples cassação do julgado, solução que, conforme decidiu a Turma no HC
71.893, 6-12-94, Ilmar, DJ de 3-3-95, é exclusiva dos “casos submetidos ao Júri, não se
aplicando quando o homicídio tem conotação de crime militar, sendo julgado, por isso,
perante a Justiça Castrense”.
De outro lado, não há falar em deficiência de fundamentação do acórdão do STM
que, para dar provimento ao recurso do Ministério Público, convencendo-se da autoria
e materialidade, invocou fatos e provas que permeiam a lide, especialmente a prova oral
e o exame pericial, tidos por suficientes.
Para chegar a conclusão diversa — bem como decidir se uma das versões de fato
acaso existentes seria a melhor —, indispensável o revolvimento deles, ao que não se
presta o procedimento sumário e documental do habeas corpus.
Indefiro a ordem: é o meu voto.
EXTRATO DA ATA
HC 84.690/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Wesley Rosa
Moreira. Impetrante: João Evangelista Luiz da Costa. Coator: Superior Tribunal Militar.
682 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir em parte, o pedido de habeas corpus.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Eros Grau, Relator.
R.T.J. — 198 683
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente foi condenado a 13 (treze) anos de reclusão,
em regime integralmente fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II e IV do
Código Penal.
2. O TJ/SC negou provimento ao recurso de apelação da defesa, sobrevindo HC no
STJ, que o denegou em acórdão assim ementado:
“Criminal. HC. Homicídio qualificado. Contradição entre as respostas
dos jurados a dois quesitos. Nulidade. Inocorrência. Questionamentos relativos
a crimes diferentes. Preclusão. Expedição de mandado prisional para cumpri-
mento da pena. Possibilidade. Efeito da condenação. Efeito suspensivo a recur-
so especial. Impossibilidade. Inadequação da via eleita. Apelo extremo não
admitido. Ordem denegada.
I. Hipótese em que se sustenta a ocorrência de contradição entre as respostas
dadas pelos jurados a dois quesitos formulados ao Conselho de Sentença, concer-
nentes à tese defensiva de legítima defesa putativa.
II. Não se verifica a apontada contradição de respostas aos quesitos, se
evidenciado que estes se referiam a crimes distintos e, por isso, pertenciam a séries
diferentes.
III. Considera-se preclusa a nulidade que não for suscitada no momento
oportuno.
IV. O início do cumprimento da pena constitui-se em mero efeito da conde-
nação, não se cogitando de qualquer violação ao princípio constitucional da
presunção de inocência ou da não-culpabilidade.
V. Tanto o recurso especial quanto o extraordinário não têm, de regra, efeito
suspensivo, razão pela qual sua eventual interposição não tem o condão de
impedir a imediata execução do julgado, com o início do cumprimento da pena.
Precedentes do STJ e do STF.
VI. O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo
a recurso especial ou a recurso extraordinário, pedido que, normalmente, é
veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepciona-
líssimos, condicionado ao recebimento do recurso na origem, o que não ocorreu
in casu.
VII. Ordem denegada.”
3. Esta impetração, com pedido de liminar, cinge-se a dois fundamentos: (i) contra-
dição nas respostas a quesitos e (ii) impossibilidade de execução da sentença quando
pendentes recursos sem efeito suspensivo.
4. Os impetrantes afirmam que o depoimento da única testemunha do homicídio,
Selma Oliveira de Freitas, levaria à admissão de legítima defesa putativa, que acabou
sendo negada pelos jurados. Sustentam que a contradição estaria em que os jurados
responderam negativamente, por 6 a 1, ao quesito cuja indagação visava a apurar se ela
prestara falso testemunho sobre fato relevante e pertinente ao processo a que responde o
684 R.T.J. — 198
paciente. Logo, não tendo ela prestado falso testemunho, ao afirmar que o paciente agira
em estado de legítima defesa putativa, a negativa ao quesito correspondente a essa tese
da defesa seria contraditória.
5. Quanto à alegação de impossibilidade da execução da pena na pendência de
recursos sem efeito suspensivo, os impetrantes argumentam que a própria sentença
condenatória dispôs a respeito, ao consignar que “transitada em julgado, lance-se o
nome no rol dos culpados, comunique-se à E. Corregedoria Geral da Justiça e ao MM.
Juiz Eleitoral, requisite-se vaga, expeça-se o PEC e o mandado de prisão (...)”. Assim, a
execução da sentença como decorrência do não-provimento da apelação interposta
exclusivamente pela defesa constitui reformatio in pejus.
6. Os impetrantes requerem “a concessão da ordem (...) a fim de anular o julga-
mento do Tribunal do Júri para determinar que a outro seja submetido o paciente; cassar
o mandado de prisão, expedindo-se salvo-conduto; e dar efeito suspensivo ao recurso
especial”.
7. Deferi a liminar para sobrestar a execução da sentença, até o julgamento definitivo
do habeas corpus.
8. A PGR opina no sentido do indeferimento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A contradição que os impetrantes apontam
decorreria das respostas ao quesito n. 10, da primeira série e ao quesito único da segunda
série. Transcrevo-os:
“Tese da legítima defesa putativa
10) - O réu, por erro plenamente justificado pela circunstância alegada de ter
a vítima procedido gesto com a mão rumo ao assento do caroneiro, acompanhado
de palavras ditas agressivas, supôs encontrar-se diante de uma agressão à sua
pessoa:
Sim três não quatro”
“2ª Série:
Quesito da indagação de falso testemunho prestado pela testemunha Sel-
ma Oliveira de Freitas:
Quesito único: A testemunha Selma Oliveira de Freitas, inquirida nos
autos, prestou falso testemunho sobre fato relevante e pertinente ao processo
presente, a que responde Lenoir Luiz Pompermayer?
Sim um não seis”
2. São quesitos de séries distintas, sendo que o primeiro teve o intuito de identificar,
ou não, causa putativa de exclusão da antijuridicidade. O quesito da segunda série,
relativo à única testemunha presencial, objetivou apurar a prática do crime de falso
testemunho em decorrência da discrepância de seus depoimentos, já verificada na sentença
de pronúncia:
R.T.J. — 198 685
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, estou desenvolvendo um estudo
que pretendo apresentar a V. Exas. quanto ao conteúdo de alcance do princípio da
presunção de não-culpabilidade.
Vou acompanhar o voto do Relator, mas sempre fazendo ressalva quanto à esta tese
de que não pode haver execução da sentença provisoriamente.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, também acompanho o voto do
Ministro Relator. Estou invocando o precedente no qual V. Exa. foi Relator. É um caso
idêntico ao do HC n. 85.429, em que o concedemos por unanimidade.
EXTRATO DA ATA
HC 85.144/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Lenoir Luiz Pompermayer.
Impetrantes: Hélio de Melo Mosimann e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do
voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 29 de novembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 198 687
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, confirmada a liminar, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Justiça Federal, no dia 15 de setembro de
2003, recebeu denúncia oferecida contra o paciente (Código Penal, arts. 288, caput;
171, § 3º; 297, § 1º; 313-A; 317, § 1º; e 325, § 1º, I, e § 2º) em co-autoria com outros dez
co-réus (fls. 253/255).
No mesmo ato determinou-se o desmembramento dos autos quanto a cinco deles,
silenciando-se, entretanto, quanto à prisão preventiva anteriormente decretada com
relação a nove dos onze denunciados, dentre eles o paciente, conforme decisão datada
de 1º de setembro de 2003, da qual se extrai (fls. 234/237):
“(...)
Os representantes do Ministério Público Federal, diante dos fatos breve-
mente narrados, requereram a prisão preventiva tendo por fundamento a garantia
da ordem pública, da ordem econômica e garantia da instrução criminal.
Pelo exposto, não há dúvidas no que concerne a existência de indícios de
autoria e prova da materialidade dos delitos descritos nos artigos 288, 297, 313-A
e 317, todos do Código Penal. As fraudes estão fartamente demonstradas nos autos
sendo que, numa estimativa preliminar efetuada pelos técnicos da Receita, atin-
gem o montante de 50 milhões de reais no período investigado. A participação de
cada agente no cometimento dos delitos está, da mesma forma, suficientemente
detalhada pelos relatórios policiais.
688 R.T.J. — 198
Este último, então, impetrou habeas corpus ao STJ, que deferiu a liminar para
colocá-lo em liberdade, até o julgamento final da impetração, quando concedeu a ordem
(fls. 174-179).
No julgamento do mérito do habeas corpus impetrado pelo paciente, o TRF/3ª
Região, no dia 10-2-04, por maioria, restabeleceu a sua prisão, nos termos do voto
condutor, do qual se extrai (fls. 165-168):
“O eminente Desembargador Federal Relator em judicioso voto, concedeu a
ordem, proclamando, no mérito, o entendimento de que não mais subsistem os
fundamentos autorizadores da custódia cautelar, do paciente, os quais estavam
presentes no momento em que foi decretada, máxime por encontrar-se encerrada a
instrução criminal.
(...)
Todavia, com a devida vênia do i. Relator tenho que, no caso, estão presentes
os pressupostos autorizadores da prisão cautelar do Paciente, a qual deverá ser
restabelecida.
Em primeiro lugar, do Agravo Regimental interposto pelo Parquet, verifico
que a decisão que indeferiu o benefício pleiteado encontra-se fundamentada à
saciedade, não se limitando à conveniência da instrução criminal, como entendeu o
d. Relator. Ao contrário, funda-se na comprovação da materialidade delitiva, dos
indícios de autoria, na gravidade da conduta delitiva descrita na denúncia, bem
como na proeminência da função exercida pelo Paciente dentro da organização
criminosa, o qual possui papel fundamental na coordenação das atividades ilícitas
da quadrilha.
Funda-se, também, na garantia da ordem econômica tendo em vista a
magnitude da lesão sofrida pelos cofres públicos, em quantia superior a R$ 30
milhões e para assegurar a aplicação da lei penal, evitando eventual evasão do réu
e buscando impedir que o mesmo aliene bens e suprima outras informações que
possam vir a ser obtidas pela polícia federal.
Presentes os pressupostos exigidos, e estando suficientemente fundamen-
tada a decisão que expressamente reconheceu a necessidade da prisão preventi-
va, para a garantia da ordem pública, da ordem econômica e para assegurar a
aplicação da lei penal, nenhuma relevância tem as condições pessoais do
Paciente.
Demais disso, não se justifica o tratamento diferenciado conferido ao co-réu
Marcos Antonio Ascari, no Habeas Corpus impetrado em seu favor, cujo pedido
de liminar foi indeferido pelo eminente Relator deste feito, o qual enfatizou,
naquela oportunidade, a complexidade da organização criminosa, a grande
magnitude da lesão causada (montante superior a R$ 30 milhões) e o ‘desvalor’ da
conduta, eis que o desfalque lesionou a toda a coletividade, aplicando o princípio
in dubio pro societate. E mais. Entendeu necessária a manutenção da custódia
cautelar a fim de evitar possibilidade de fuga, bem como, para impossibilitar a
alienação de bens e a supressão de informações que possam ser obtidas pela
polícia federal.
R.T.J. — 198 691
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Conforme ressaltei ao deferir a
liminar, ainda quando se tenham por razoáveis os motivos iniciais da decretação da
prisão preventiva do paciente e dos co-réus, em favor da apuração dos fatos, então, ainda
em fase inicial, o certo é que sua relevância e sua idoneidade esmaeceram, seja em face
da posterior concessão de liberdade provisória aos co-denunciados, seja em razão do
término da instrução.
Impressiona, com efeito — como ressai do longo relatório —, a fragilidade das
circunstâncias diferenciais aduzidas para explicar a manutenção do encarceramento do
paciente — que até dezembro de 2004 já estava preso havia mais de um ano — à vista da
libertação dos outros acusados.
Assim, de logo, a sua suposta maior participação na empreitada criminosa, por si
só, não seria razão bastante para a continuidade da prisão cautelar, a menos que dela
adviesse o risco concreto de prosseguimento na comissão de crimes.
Não é, entretanto, o que ocorre.
O paciente não era servidor da Receita Federal, no interior da qual e por ação dos
funcionários com acesso ao sistema informatizado se executariam as fraudes consisten-
tes no desfazimento de anotações relativas à situação fiscal de contribuintes interessa-
dos na obtenção de certidões negativas ou no cancelamento de débitos fiscais: por isso,
afastados os servidores encarregados das fraudes eletrônicas, não há como presumir
pudesse o paciente, extraneus, continuar na sua atividade de agenciamento dos interes-
sados e do ajuste com eles da corrupção ativa.
De igual modo, não impressiona o dado de maior vulto de suas disponibilidades
bancárias, que, se há indícios de sua origem criminosa, estaria a sugerir a decretação de
medidas cautelares reais, mas não da prisão preventiva.
O maior proveito extraído da imputada atividade criminosa é dado a considerar na
eventual aplicação da pena; fundar-se nele para a prisão preventiva é transformá-la em
indevida antecipação da sanção penal, que os princípios repelem, como iterativamente
decidido pelo Tribunal.
Por outro lado, a existência ou não de prova da materialidade dos crimes e de
indícios da autoria — à qual se apega o acórdão do TRF/3ª Região, denegatório do
habeas corpus — é requisito de admissibilidade da prisão preventiva, mas não motivos
suficientes dela, que, insista-se, não é sentença condenatória, mas medida cautelar que
só se legitima à vista da concretização do periculum a libertatis dos réus.
R.T.J. — 198 693
EXTRATO DA ATA
HC 85.238/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Rodrigo
Sampaio Lopes. Impetrantes: Carlos Kauffmann e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, confirmada a liminar, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 6 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os pacientes foram condenados, em primeiro
grau, por extorsão mediante seqüestro.
Mantida a condenação pelo TJ/RJ, interpôs-se recurso especial, alegando-se,
dentre outras questões, que a condenação se fundara em prova colhida no inquérito (CF/
88, art. 105, c).
O recurso foi inadmitido, no ponto, sob o fundamento de que “não serve à
demonstração de dissenso pretoriano a simples transcrição de ementas, porque
necessário o inteiro teor dos acórdãos confrontados, com indicação de sua similitude
fática e jurídica e expressa indicação dos pontos divergentes”, e, também, pelo seu
descabimento para o reexame de provas (fls. 95/96).
O STJ negou provimento ao agravo interposto dessa decisão reiterando-lhe os
fundamentos.
Donde o presente habeas corpus, no qual se repisa a alegação de que a condenação
se fundou em provas colhidas no inquérito policial.
Requer-se seja concedida a ordem, para anular a condenação dos pacientes “ou,
então, por economia processual”, para que se “decrete a absolvição dos mesmos”.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-Geral
Haroldo da Nóbrega, opinou pelo indeferimento da ordem (fls. 121/125).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I
Conheço do habeas corpus.
Já afirmou a Turma o cabimento de habeas corpus contra decisão do STJ, para
rever questões jurídicas decididas contra o réu no julgamento de REsp, ainda que
696 R.T.J. — 198
fundado em dissídio jurisprudencial — CF/88, art. 105, III, c (v.g., HC 83.468, 1ª T., 30-
3-04, Pertence, DJ de 23-4-04).
Também já se assentou a admissibilidade do habeas corpus “para aferir a
idoneidade jurídica ou não das provas onde se fundou a decisão condenatória”
(v.g., HC 84.517, 1ª T., 19-10-04, Pertence, DJ de 19-11-04), como sucede, no caso,
quanto à alegação de estar a condenação fundada nos elementos colhidos no inqué-
rito.
II
Mas, no mérito, a ordem é de ser indeferida.
Certo, temos entendido que a ementa do acórdão paradigma pode servir de
demonstração da divergência, quando nela se expresse inequivocamente a dissonância
acerca da questão federal objeto do recurso especial fundado no art. 105, III, c, da
Constituição (v.g., Inq 1.070, Pleno, 24-11-04, Pertence, DJ de 1º-7-05).
Ocorre que a impetração não foi instruída com a petição do recurso especial
interposto, o que seria imprescindível para saber se as ementas transcritas efetivamente
exprimiam a divergência.
De qualquer sorte, ainda que aqui fosse analisado o dissídio, este seria inevitavel-
mente resolvido em sentido contrário ao pretendido na impetração.
Demonstrou o Ministério Público Federal em seu parecer que a condenação dos
pacientes não se fundou exclusivamente no inquérito policial.
Ao contrário, o que ocorreu foi que se emprestou valor decisivo à prova colhida em
Juízo, conforme se lê do acórdão da apelação (fls. 71/72):
“(...)
Como bem realçado na decisão guerreada, ‘a participação dos quatro réus
no crime de extorsão mediante seqüestro está comprovada pela prova testemunhal
e corroborada por seus próprios interrogatórios, apesar da veemente negativa da
autoria, posto que todos afirmam que estiveram e saíram da casa da vítima em sua
companhia, divergindo as versões da acusação e da defesa apenas de sua saída
com a mesma’. Neste sentido a prova colhida, em sede judicial e sob o crivo do
contraditório, com destaque para versão oferecida por Maria Francisca (fls. 143),
esposa da vítima, é firme quando afirmou que os réus, identificando-se como
policiais, estiveram em sua casa, dizendo que gostariam de falar com seu marido,
a vítima, disse que houve uma busca na casa e, em seguida, o seu marido deixou
a casa na companhia dos réus, tendo um dos réus de lá saindo dirigindo o Tempra
da vítima. Já a vítima Carlos Henrique, ouvida em Juízo (fls. 140), disse que, de
fato, os réus estiveram em sua casa dizendo que estavam a procurar armas, drogas
e prostituição infantil, tendo ele franqueado a entrada deles em sua casa, de onde
saiu com destino a via Dutra na companhia dos réus, com os quais almoçou em um
restaurante e de lá, deixando o seu veículo na posse dos réus, retornou a casa, no
veículo de um dos réus, a pretexto de pegar um celular que havia sido esquecido
pelos policiais em sua casa, porém, ao retornar ao tal restaurante, logo percebeu
R.T.J. — 198 697
que o seu carro lá não mais estava e ao procurar se informar foi abordado por dois
outros policiais que, segundo a vítima, a jogaram no chão e a algemara, sendo
levado para a DPO de Arrozal, contudo esclarece que os policiais dele não
solicitaram qualquer quantia como preço do resgate, não obstante, em sede
policial, no mesmo dia dos fatos, não tivesse tido a mais mínima dúvida em
afirmar que os policiais réus dele exigiram R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para
liberá-lo, tudo mediante ameaça de morte, tanto que recebeu uma ligação, via
celular, ao seu ver do irmão Edson ou seu vizinho Sebastião, para quem disse
necessitar de tal quantia.
Sebastião, depondo em Juízo (fls. 150), disse que assistiu parte do
depoimento da vítima na DP de Barra Mansa, podendo afirmar, e isto é muito
importante, que a vítima, naquela oportunidade, em linhas gerais, afirmou que foi
pega em casa pelos acusados e que estes queriam dinheiro.
Vê-se, pois, sem esforço, que a prova é firme no sentido de apontar a
responsabilidade dos apelantes, como bem sentenciou o Dr. Juiz a quo, cabendo,
ainda, destacar que o Dr. Delegado de Polícia que presidiu a investigação policial
foi incisivo ao afirmar que a vítima se mostrou muito nervosa, com medo dos
acusados, temendo efetivamente por sua vida, eis que no curso da empreitada
houve ameaça de morte. Este depoimento do Delegado foi prestado em juízo, em
fls. 237/239, sob o crivo do contraditório.”
Apoiada a condenação em prova válida e tida por suficiente, não há nulidade a
reconhecer.
O fato de a vítima não ter confirmado em Juízo o seu depoimento durante o inquérito
não significa que o julgador, com base em outros elementos da instrução, sob o
contraditório e ampla defesa, não possa concluir pela condenação.
Indefiro a ordem: é o meu voto.
EXTRATO DA ATA
HC 85.410/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Eduardo Leonel
Brandão e Carlos Alberto Braga de Castro. Impetrantes: Manuel de Jesus Soares e outro.
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente,
justificadamente, o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
.
698 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus contra acórdão do
Superior Tribunal de Justiça que, à unanimidade, confirmou o recebimento de denúncia
que imputa aos pacientes e a outros co-réus a prática do crime previsto no art. 168-A do
Código Penal.
Colhe-se da denúncia que, após qualificar os denunciados e especificar os
respectivos períodos de gestão na empresa1, assim descreveu os fatos (fls. 13/16):
“(...)
1. Consta dos autos que os denunciados, na qualidade de representantes
legais da empresa Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos — (...), deixaram de
repassar aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, no prazo
devido, as contribuições previdenciárias descontadas de seus funcionários nos
períodos de 01/1992 a 15/1992; 01/1993; 08/1992 a 02/1994; 06/1999; 08/1999
a 09/2000.
2. Restaram demonstradas, em regular procedimento administrativo, autoria
e materialidade delitivas, pois os denunciados deixaram de recolher o montante
total de R$ 187.610,16, de acordo com as NFLDs n. 35.014.394-3 (fls. 06/36) e
35.014.398-6 (fls. 79/96), nos valores respectivos de R$ 96.619,11 e R$
90.911,05, já acrescidos os valores relativos à multa e aos juros moratórios, e
tendo em vista que o débito consubstanciado na NFLD 35.014.396-0 (fls. 56/67),
no valor de R$ 1.382,00, encontra-se liquidado (fls. 364).
3. Observe-se, ainda, conforme o ofício de fls. 364/374, que a empresa não
aderiu ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), nem parcelou seus débitos
perante o INSS.
4. Deste modo, incorreram os agentes na descrição do tipo penal previsto no
artigo 168-A do Código Penal.
5. Os denunciados eram capazes à época dos fatos, possuíam consciência de
sua ilicitude e deles se exigia conduta diversa.
6. Tais as circunstâncias, requer o Ministério Público Federal a instauração
da ação penal com o recebimento desta denúncia, citando-se os réus para todos os
termos do processo até final julgamento.
(...).”
Alega-se: (a) ausência de base empírica para a denúncia; (b) inadmissível
responsabilização objetiva, pois a denúncia, depois de reconhecer que os pacientes não
estavam na gestão da empresa durante todos os períodos, imputa indistintamente a todos
os acusados a prática dos fatos delituosos; (c) inépcia da denúncia, dado que “não
indica qual ato gesto ou conduta vincula cada acusado com o crime que aponta”
(Código de Processo Penal, art. 41).
Invoca precedentes do Tribunal, todos no sentido de que, na denúncia, há de ser
estabelecido o vínculo de cada acusado com o ilícito, malgrado sem a exigência de
descrição pormenorizada dos fatos (v.g., HH 736.324, 1ª T., 12-3-96, Ilmar, DJ de 26-
4-96; 80.549, 2ª T., 20-3-01, Jobim, DJ de 24-8-01; 83.948, 2ª T., 20-4-04, Velloso,
DJ de 7-5-04; 83.301, 1ª T., Peluso, DJ; Inq 169, Pl., 4-12-03, Velloso, DJ de 30-4-04).
O STJ deixou de analisar o primeiro dos fundamentos do pedido, dada a deficiência
da instrução.
E afastou as demais, sob o fundamento de que a denúncia, no caso, não inviabiliza
o exercício da ampla defesa, sobretudo porque especificou “os períodos de gestão de
cada paciente à frente da empresa”.
.
700 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I
O STJ não conheceu do habeas corpus quanto à alegação de ausência de base
empírica para a denúncia, pois a impetração àquela Corte não fora instruída com as
“cópias dos documentos que acompanham a peça acusatória”, tidas por indispen-
sáveis.
Não afasto, de logo, a possibilidade de o Supremo conhecer nessa parte do habeas
corpus, ainda que para “aferir da correção dos motivos do não-conhecimento” (v.g., HC
80.620, 1ª T., 6-3-01 Pertence, DJ de 27-4-91).
Para tanto, contudo, tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário, como no caso, é necessário que a impetração “contenha fundamentação
pertinente à decisão denegatória que impugna”, ou ao menos “desenvolva tese
contrária à sua motivação” (v.g., HC 79.804, 1ª T., 8-2-00, Pertence, DJ de 3-3-00), o
que não ocorreu.
Não conheço, no ponto, do habeas corpus.
.
R.T.J. — 198 701
II
Não há falar que, segundo a denúncia, os pacientes também estariam respondendo
“pelo não-recolhimento das contribuições” de “outras gestões”.
Nem a impetração contesta que os períodos de gestão dos pacientes, ao menos em
parte, coincidem com aqueles em que supostamente não foram repassadas ao INSS as
contribuições descontadas dos empregados.
Segundo a denúncia, com efeito, Carlos Machline e Paulo Machline2 estavam na
gestão da empresa nos períodos de junho de 1999 e de agosto de 1999 a setembro de
2000, enquanto Sérgio Machline3 teria participado da gestão entre março e setembro de
2000.
E é somente quanto a tais períodos que efetivamente cada um dos pacientes está
respondendo ao processo, conforme se extrai da indicação da época em que detiveram a
gestão da empresa.
Pelo que se pode inferir dos autos, ademais, não é outro o motivo pelo qual se
reconheceu a extinção da punibilidade quanto aos co-réus que estariam na gestão da
empresa “apenas nos anos de 1992, 1993 e 1994” — Aziz Naufal, Luiz Gonçalves e
João Muratório Filho —, pois relativamente a este período houve a posterior compro-
vação do pagamento do débito previdenciário antes do recebimento da denúncia (Lei
9.249/95, art. 34 — fls. 30/31.
III
Também não há pretender fosse exigível a descrição de qual “ato gesto ou conduta”
vincula cada paciente ao delito.
Conforme asseverei no HC 81.828, Primeira Turma, “a dificuldade da apuração
de certos fatos — cujo exemplo mais eloqüente são os chamados delitos societários —
não basta a elidir a garantia constitucional da personalidade da responsabilidade
penal”.
Na oportunidade, contudo, ressaltei que os temperamentos ao princípio ortodoxo
de individualização da conduta de cada denunciado devem ser analisados caso a caso.
Aqui, a condição de gestores da empresa no período da prática dos fatos delituosos
basta a fundar a imputação inicial a eles feitas de co-responsáveis pelas infrações.
Não se trata de fazer concessão à responsabilidade penal objetiva nos crimes
societários: cuida-se, apenas, de admitir que, conforme ressaltou o acórdão impugnado
ao acolher o parecer do MPF, a circunstância de terem sido os pacientes denunciados na
condição de dirigentes da empresa, aos quais cabe, a princípio, tomar as decisões a ela
pertinentes, “há de ser tida ao menos como indício veemente de autoria” (fl. 64).
2 Carlos Machline — “gestão de 9-1994 a 10-2002”; Paulo Machline — “gestão de 5-1995 a 10-
2002”.
3 Sérgio Machline — “gestão de 5-1995 a 5-1996 e 3-2000 a 1-2002”;
702 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, Vossa Excelência ressaltou —
e isso já tinha chamado a minha atenção — a circunstância que está no parecer da
Procuradoria-Geral da República. A ação penal foi extinta — e creio que, aí, deu-se a
declaração da extinção da punibilidade em relação a seis acusados — considerado o
disposto no artigo 34 da Lei n. 9.249/95. Ora, esse fato já seria conducente a concluir-se
que houve a individualização, na peça primeira da ação penal, da responsabilidade de
cada qual dos acusados. Veio o voto de Vossa Excelência, em que pese ao brilho da
sustentação feita da tribuna pelo Dr. Toron, a elucidar que, no caso, atribuiu-se de forma
concreta, com delimitação no tempo, a responsabilidade dos hoje pacientes deste
habeas corpus.
4 Cf. HHCC 84.663, Segunda Turma, 23-11-04, Barbosa, DJ de 18-2-05; 82.242, Segunda
Turma, 17-9-02, Gilmar, DJ de 11-10-02; 73.903, Rezek, DJ de 25-4-97; HC 74.791, Ilmar, DJ de
9-5-97; RHC 65.369, Moreira, DJ de 27-10-87; RHC 59.857, Firmino Paz, DJ de 10-12-82), entre
outros.
5 Colhe-se do voto do em. Relator, Ministro Marco Aurélio, HC 84.402: “(...) Quanto à alegação
de não haver a paciente exercido, de forma efetiva, a administração da empresa, há de aguardar-se
o desenrolar da instrução e certamente a defesa estará atenta à necessidade de infirmar o que
decorre do próprio contrato social. O que não é possível, nesta fase, como salientado pela
Procuradoria-Geral da República, é realizar-se esse exame, afastando-se até mesmo o princípio do
juiz natural e procedendo-se sem a indispensável instrução probatória. O contrato social que está no
apenso revela, na cláusula alusiva à administração da sociedade, que ambos os sócios
gerenciariam, contando com amplos e ilimitados poderes. (...)”
Assim também no HC 83.369, quando o em. Ministro Carlos Britto destacou ser “instrução
criminal a fase propícia para esclarecer em definitivo a real participação dos pacientes nos eventos
tidos por criminosos (...)”.
R.T.J. — 198 703
EXTRATO DA ATA
HC 85.549/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Carlos Alberto
Machline, Paulo Ricardo Machline e Sérgio Alexandre Machline. Impetrante: Alberto
Zacharias Toron. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Falou pelos
pacientes o Dr. Alberto Zacharias Toron.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 13 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
.
704 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de recurso ordinário, manejado
contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no qual se busca a nulidade do aresto
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisum, este último, que
reformou a sentença de primeira instância, de modo a colocar a paciente em situação
mais gravosa.
2. Colhe-se dos autos que a paciente foi denunciada pela suposta prática do crime
de peculato doloso (art. 312, caput, do CP). Isso porque, na qualidade de diretora da
Serprev (Serviço de Previdência Social dos Funcionários Públicos Civis do Município
de Serra Negra/SP), “efetuava o pagamento de notas de empenho fraudulentas (...)”, no
contexto de um esquema de “contratação de advogadas inexistentes”. Eis o que se
contém na mencionada denúncia:
“Em conluio e unidade de propósitos, a denunciada Roseli, contadora da
autarquia, que ingressou na mesma através de concurso público fraudado pelos
demais denunciados, efetuava o pagamento das notas de empenho fraudulentas, e
assinava as cártulas conjuntamente com Tânia (ora recorrente), e as entregava a
Alessandro.
O denunciado Alessandro, após receber as cártulas preenchidas e assinadas
pelas demais denunciadas, procedia ao depósito das mesmas na conta-corrente de
seu namorado, a testemunha Fábio Luis Adami, conforme por este narrado visando
a ‘lavagem do dinheiro’ desviado.
Sendo assim, caracterizou-se o delito de peculato praticado pelos denun-
ciados Alessandro, Tânia e Roseli, posto que, após simularem a contratação de
advogadas inexistentes, as duas acusadas emitiam as notas de empenho fraudu-
lentas; preenchiam as cártulas da autarquia; assinavam as mesmas e entregavam a
Alessandro, que depositava os valores na conta-corrente de Fábio, e sacava o
mesmo em proveito próprio ou alheio”.
3. Pois bem, em que pese a denúncia pelo crime de peculato doloso, a recorrente se
viu condenada pelo crime de peculato culposo, fixada sua apenação em 5 meses e 10
dias de detenção, substituída a pena privativa de liberdade por prestação pecuniária. Eis
as razões invocadas pelo juízo sentenciante para desclassificar a infração para a modali-
dade culposa:
“(...) Portanto, comprovado restou na conduta do réu Alessandro o dolo,
ou seja, a vontade livre e consciente de obter um proveito próprio, de natureza
patrimonial.
Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação às rés Tânia (ora recor-
rente) e Roseli, tendo ficado comprovada quanto às mesmas apenas a culpa, na
modalidade de negligência (...).
A ré Tânia (recorrente), como diretora do Serprev, autorizou a emissão dos
cheques, através dos empenhos respectivos, que foram elaborados por Roseli, a
seu pedido, e assinou as cártulas, em conjunto com esta última, para pagamento às
pessoas supostamente contratadas por Alessandro.
R.T.J. — 198 705
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Antes de tudo, anoto que a paciente é
co-ré de Roseli Palhares de Oliveira, cujo recurso já foi julgado por esta Turma na
semana passada. Pelo que, também neste caso, a tese central do recurso consiste em saber
se a sentença de primeira instância, ao condenar a recorrente por peculato culposo, e não
por peculato doloso (tal como capitulado na denúncia), teria incorrido em mutatio
libelli, com o fito de impor a observância do art. 384 do CPP. Todavia, bem vistas as
coisas, entendo que é de se acatar o parecer do Ministério Público Federal, vazado nos
seguintes termos (fls. 195/197):
706 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RHC 85.623/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Recorrente: Tânia Regina de
Souza Fróes Anghinoni (Advogado: Wladimir Valler). Recorrido: Ministério Público
Federal.
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus nos termos do voto do Relator.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente, delegado de polícia civil, foi indiciado em
Termo Circunstanciado de Ocorrência por suposto crime de prevaricação porque devol-
veu a um dos traficantes de cocaína que prendera em flagrante a quantia de R$ 220,00
(duzentos e vinte reais), a fim de que este custeasse o retorno de duas acompanhantes à
cidade de origem, já que elas não tinham nada a ver com o tráfico de entorpecentes.
708 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Leio os seguintes trechos do parecer do
Subprocurador-Geral da República Haroldo Ferraz da Nóbrega:
“A inicial sustenta que não há justa causa para o TCO. Dela destaco:
‘II - Ausência de justa causa quanto ao TCO
Resumidamente, atente-se para a realidade fática da situação que
ensejou o entendimento de haver o impetrante prevaricado: quando esteve
lotado no Denar/MS (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfi-
co), o impetrante efetuou a prisão em flagrante de José Gomes dos Santos e
Itamar Pereira do Nascimento, na posse de 66 quilogramas de cocaína, no
Posto da Polícia Rodoviária Federal, no município de Miranda/MS. Ditos
cidadãos tinham em sua companhia duas mulheres (Maria Helena de
Oliveira e Suely Vieira da Silva), moradoras de Rondonópolis/MT, que
nem sequer sabiam do transporte de substâncias entorpecentes, estando
conhecendo o Pantanal, a convite daqueles, motivo pelo qual foram inquiri-
das e liberadas. Como suas despesas vinham sendo pagas por Itamar
Pereira do Nascimento, com quem foram apreendidos R$ 220,00 (duzentos
e vinte reais), quantia esta insuficiente para ser utilizada para a prática de
tráfico de entorpecentes, na forma do art. 34, da Lei n. 6.368/76.
Ante a afirmação do prisioneiro de que tal importância seria utili-
zada para a compra de passagens para as mulheres retornarem a sua
cidade de origem, e considerando a inexistência de qualquer numerário
na posse das mesmas, nem para alimentação, e, ainda, diante do pedido
expresso do réu preso, o impetrante, atuando como autoridade policial e
observando as disposições vigentes, entregou o dinheiro a Itamar, que, no
mesmo instante, e, na frente do impetrante e dos demais policiais do
Denar/MS, o repassou às mulheres (Auto de Entrega de fl. 61)’
Na investigação disciplinar, o paciente foi inocentado pela autoridade
sindicante.
(...)
Os fatos, no caso, são certos e nada obsta a que sejam examinados através de
habeas corpus.
R.T.J. — 198 709
(...)
O paciente, no caso, praticou apenas um gesto de humanidade, com inteiro
apoio legal, visando a evitar que as Sras. Maria Helena de oliveira e Suely Vieira
da Silva — que nenhuma participação tiveram com o tráfico, ver fls. 30/1, são
apenas testemunhas e, nos termos do art. 202 do CPP ‘Toda pessoa poderá ser
testemunha’ — tivessem que fazer penosa mendicância para adquirir numerário
para retornar à cidade de origem.
(...)
O parecer é pela concessão da ordem, nos termos do pedido.”
2. É patente a falta de justa causa para a persecução penal quanto ao crime de
prevaricação.
Acolho a manifestação ministerial e defiro o habeas corpus para determinar o
trancamento do Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO n. 015.04.000880-5, em
trâmite no Juizado Especial da Comarca de Miranda/MS.
EXTRATO DA ATA
HC 85.910/MS — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente e Impetrante: Roberval
Maurício Cardoso Rodrigues ou Ruberval Maurício Cardoso Rodrigues ou Ruberval
Maurício Cardoso (Advogados: Angelo Sichinel da Silva e outro). Coator: Presidente da
1ª Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal de Campo Grande.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Não participaram deste julgamento os Ministros Marco Aurélio e
Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente, que é policial militar, e outros foram
denunciados e pronunciados pela prática do crime tipificado no artigo 121, § 2º, incisos
II, IV e V, c/c os artigos 29 e 14, II, todos do Código Penal (dois homicídios qualificados
e três tentativas de homicídios).
2. Consta da denúncia que “os acusados chegaram ao bar numa Marajó, de cor
branca, acompanhados por uma mulher desconhecida e, após beberem, saíram do referido
estabelecimento comercial. Passados alguns minutos, José Fernando e Antônio José
retornaram ao bar, acompanhados do terceiro denunciado, que não efetuou nenhum
disparo, e com armas em punho, executaram fria e covardemente Tiago Fernando Soares
e Luiz Daniel da Silva, que se encontravam desarmados e foram apanhados de surpresa,
já que não esperavam pela agressão, tendo em vista não ter havido motivo aparente para
a ação criminosa, conforme se vê dos documentos de fls. 14 e 15, corroborados pelos
depoimentos constantes dos autos, produzindo ainda lesões corporais em José Ricardo
de Santana Oliveira e Luciano Roseno Tabosa” (fl. 11 do apenso 2).
3. Impetrou habeas corpus no TJ de Pernambuco alegando nulidade da citação por
edital, ao argumento de que seu endereço constou da denúncia e mesmo assim o juiz, após
frustrada a citação na corporação militar a que servia, determinou que se expedisse edital,
sem procurá-lo no endereço fornecido, do que resultou violação dos princípios da ampla
defesa e do devido processo legal.
.
R.T.J. — 198 711
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Observo de início que o paciente se encontrava
preso na delegacia, em razão do flagrante, e empreendeu fuga. Ao procurá-lo para
citação na corporação militar a que pertencia, na forma do artigo 358 do CPP1, o oficial
de justiça certificou que ele se encontrava deserto.
2. O parecer do Subprocurador-Geral da República Francisco Xavier Pinheiro
Filho, além de elucidativo na exposição da matéria, é correto na conclusão pelo indefe-
rimento da ordem:
“[O]bservo que a citação por edital do paciente deu-se em razão deste ter
foragido do local onde estava detido, tendo sido certificado às folhas 235 — verso
do apenso II, que o acusado não havia sido encontrado, apesar das diligências
empreendidas, inclusive, pela Polícia Militar de Pernambuco, fato que ensejou a
declaração de deserção. Daí a necessidade de proceder-se à citação por edital.
(...)
Cumpre consignar que a citação por edital não ocasionou prejuízos ao
paciente pois apesar de não encontrado, constituiu advogado para defendê-lo nos
autos (fls. 236 e 237 — apenso I), tendo este requerido inúmeras vezes a revogação
da custódia provisória (fl. 451, 463), oferecido defesa prévia e indicado testemu-
nhas (fl. 474/475), fato que motivou o magistrado do primeiro grau a revogar o
despacho que havia suspendido o processo, fazendo-se, assim, cessar os efeitos do
art. 366 do CPP (fl. 304 do apenso II).
Da análise dos documentos acostados aos autos, observo que o advogado
constituído pelo paciente acompanhou devidamente a instrução, pois além de
arrolar testemunhas, substituiu-as por outras, reiterou pedido de oitiva, requereu
adiamento de audiência, no que foi atendido, não havendo que se falar em
cerceamento de defesa (apenso II). Ressalte-se que na ausência do aludido advoga-
do em uma das audiências de oitiva das testemunhas de defesa, foi nomeada
defensora dativa ao paciente (fl. 450 — apenso II).
Assim, a meu ver, a pretensão de nulidade processual em razão da citação
por edital é totalmente improcedente, ante a ausência de prejuízo.”
1 CPP
Art. 358. A citação militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço.
712 R.T.J. — 198
3. É necessário que fique bem vincado que o paciente foi preso em flagrante e fugiu
da delegacia de polícia. Além disso, também é foragido da polícia militar, perante a qual
reponde por crime de deserção. Ora, ante essas circunstâncias, frustrada a citação na
forma do artigo 358 do CPP, em face da evidência de que seria inócua a citação no
endereço fornecido, ao Juiz não caberia outra alternativa senão a de proceder à citação
por edital.
4. Ademais, ainda que se admita a nulidade apontada, teria ela resultado sanada —
na forma do § 2º do art. 366 do Código de Processo Penal2 — com a presença do paciente
no processo, ao constituir defesa técnica com atuação desde o início da instrução,
requerendo medidas cautelares, apresentando defesa prévia, requerendo substituição de
testemunhas, acompanhando as oitivas, etc.
Denego a ordem.
EXTRATO DA ATA
HC 85.950/PE — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: José Fernando Victor da
Silva. Impetrante: Inaldo Fernando Ramos de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justifica-
damente, o Ministro Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro
Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
2 CPP
Art. 362 (...)
§ 2º Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus
ulteriores atos.
R.T.J. — 198 713
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 4 de outubro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus — substitutivo de
recurso ordinário — contra acórdão do Colégio Recursal de Bragança Paulista/SP, que
denegou a impetração lá ajuizada com o objetivo de trancar inquérito policial instaura-
do para apuração de crime de desobediência supostamente cometido pelo paciente
(Código Penal, art. 330).
O inquérito foi aberto mediante requisição do Juízo de Direito de Atibaia/SP, à
vista de descumprimento de decisão deste, que concedera “tutela antecipada” para
apreensão e entrega de veículo adquirido pelo paciente.
A “tutela antecipada” — confirmada pelo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
(fl. 64) — foi concedida nos autos de ação de rescisão contratual com pedidos de
restituição do veículo e perdas e danos, por estes fundamentos (fls. 22 e 64/65):
“Diante das alegações verossímeis da requerente, no sentido de que foi
vítima de inadimplemento doloso, assemelhado a estelionato, e que encontra
ressonância na prova documental e tendo em vista que aparentemente o veículo
automotor foi alienado fraudulentamente, corre o risco de sumir ou perecer facil-
mente, concedo a tutela antecipada para restituir o veículo à requerente, expedin-
do-se mandado de busca e apreensão e entrega, ficando a requerente por ora como
depositário. Cumprido. Citem-se”.
Em conseqüência, foi expedido o mandado de intimação, determinando que o
paciente entregasse imediatamente o veículo, “sob pena de não fazendo, estar
incidindo em crime de desobediência a ordem judicial, instaurando-se a ação penal
competente, além de arcar com a multa diária já fixada” (fl. 59).
Alega-se falta de justa causa, sob o fundamento de que, havendo imposição de
multa diária (fl. 40), afasta-se o crime de desobediência.
.
714 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Já acentuava Hungria1 que, “se pela
desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penali-
dade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a
dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330”, como o faz o art.
219 do Código de Processo Penal2.
Essa parece ser a corrente majoritária, à qual também se alinham, dentre outros,
Cezar Bitencourt3, Damásio de Jesus4 e Guilherme Nucci5.
Assim também no RHC 64.142, Segunda Turma, 2-9-86, Célio Borja, RTJ 613/
413, no qual a Turma decidiu que “não se configura, sequer em tese, o delito de
desobediência quando a lei comina para o ato penalidade civil ou administrativa”,
sem “ressalva legal da cumulação (...) com a criminal”.
Tratava o caso de aplicação de multa com base no art. 433, parágrafo único, do
Código de Processo Civil, na redação anterior às Leis 8.455/92 e 10.358/016.
A rigor, é o mesmo entendimento firmado no RHC 59.610, Primeira Turma, 13-4-
82, Néri da Silveira, RTJ 104/599, que também se referia à hipótese em que “o próprio
diploma legal prevê, expressamente, a possibilidade de reprimenda, em ambas as
esferas”.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia para divergir.
Entendo que, no caso, não temos a configuração do tipo penal, porque houve
pronunciamento do Estado-juiz no sentido de se proceder, no processo, que penso cível,
à entrega de um bem móvel. Essa determinação foi formalizada, cominando-se, no caso
de descumprimento, a pena de multa diária.
A meu ver, nessa hipótese concreta, em que há em curso um processo específico, de
procedimento próprio, não se pode entender que a inobservância da ordem judicial
configura, em si, o tipo penal. Cumpre executar a ordem judicial, caminhar-se para a
imposição da multa prevista e, até mesmo, expedir mandado de busca e apreensão do bem.
Porém, ter-se como autor — agente do crime de desobediência — aquele que está envolvido
na pendência judicial cível por não ter observado a determinação de pronta entrega do
veículo, sob o meu ponto de vista, é um passo demasiadamente largo, com a devida vênia.
Por isso, concedo a ordem para trancar o inquérito, tendo em conta a atipicidade da
conduta.
EXTRATO DA ATA
HC 86.047/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Loris Andrade
Pessi. Impetrante: Osvaldo J. Pacheco. Coator: Colégio Recursal de Bragança Paulista.
Parágrafo único. Se o assistente técnico deixar de apresentar o laudo dentro do prazo assinado pelo
juiz ou até dez (10) dias antes da audiência, esta realizar-se-á independentemente dele. Se remisso for
o perito nomeado pelo juiz, este o substituirá, impondo-lhe multa, que não excederá dez (10) vezes o
salário-mínimo vigente na sede do juízo.”
2. Redação após as Leis 8.455/92 e 10.358/01:
“Art. 433. O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20
(vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento. (Redação dada pela Lei 8.455/92)
Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez)
dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo. (Redação dada pela Lei 10.358/01)”
716 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na conformi-
dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar
provimento ao recurso extraordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de recurso ordinário de habeas corpus
interposto contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que, ao apreciar o HC n. 40.404,
impetrado em favor de Eliene de Souza Ramos, o indeferiu, nos seguintes termos:
“Processual penal. Habeas corpus. Interrogatório do réu realizado na
data da publicação da Lei 10.792/2003. Ato processual realizado sem a presença
de defensor constituído ou nomeado. Nomeação para apresentação da defesa
prévia. Curso regular da ação penal até o julgamento da apelação de embargos
de declaração. Nulidade relativa. Preclusão. Liminar indeferida. Agravo regi-
mental prejudicado. Ordem denegada.
.
R.T.J. — 198 717
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. Como se viu, o pedido envolve a questão
de saber se o interrogatório, realizado sem a presença de defensor, no dia 2 de dezembro
de 2003, data em que entrou em vigor a Lei n. 10.792/2003, está eivado de nulidade
absoluta ou relativa.
Tenho que o caso é de nulidade absoluta.
“A Constituição assegura, ao preso (rectius, ao acusado), juntamente com o
direito ao silêncio, a assistência da família e do advogado (art. 5º, LVIII). Está
prevista, assim, a possibilidade de assistência de advogado, seja no momento da
prisão, seja — pela extensão já examinada — no do interrogatório.
Mas a Lei 10.792/2003 vai além, exigindo a presença do defensor no inter-
rogatório. Com efeito, estabelece o novo art. 185 do CPP: ‘O acusado que compa-
recer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado
e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado’ (grifo
nosso)”1.
A presença do defensor no interrogatório, com possibilidade de entrevistar-se livre-
mente com o assistido (art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal) e de fazer reperguntas
no interrogatório (art. 188 do Código de Processo Penal), garantindo plenamente o
exercício do direito de defesa na produção da prova, tudo isso foi irremediavelmente
sacrificado em razão de a paciente não ter podido contar com defensor no momento do
interrogatório.
EXTRATO DA ATA
RHC 87.172/GO — Relator: Ministro Cezar Peluso. Reclamante: Eliene de Souza
Ramos (Advogado: Ubiratan Brasiliense Cunha). Reclamado: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
deferir, em parte, o pedido de habeas corpus; vencido, parcialmente, o Ministro Marco
Aurélio, que o deferia em maior extensão.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Ricardo Lewandowski, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de habeas corpus impetrado em
favor de André Luiz Conegundes contra acórdão da Primeira Turma Recursal Mista dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado de Mato Grosso do Sul que não
conheceu da apelação criminal, interposta intempestivamente pelo paciente. Esta a
ementa do julgado:
“Ementa: Ação criminal — Posse de entorpecente — Recurso intempestivo —
Não conhecido.
Passada em julgado a sentença, o réu defendido por advogado particular não
tem prazo em dobro para recorrer, mesmo que passe a ser assistido pela Defensoria
Pública.” (Fl. 27)
O paciente, incurso no art. 16 da Lei n. 6.368/76, foi condenado pela 3ª Vara do
Juizado Especial de Campo Grande/MS à pena de 2 (dois) anos de detenção, atenuada
para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de detenção, em virtude de confissão espontânea.
Sustenta o impetrante, em síntese, a ausência de fundamentação da sentença que
fixou a pena-base no máximo legal. A referida exarcebação da pena não teria motivação
adequada, não se utilizando o magistrado de um critério justo para fixá-la e mantê-la
acima do mínimo legal, acrescida de quatro vezes.
Nesse sentido, argumenta o impetrante que, para uma correta aplicação do
disposto no art. 59, II, do Código Penal, com a conseqüente aplicação da atenuante
contida no art. 65, III, d, do mesmo diploma legal, a pena deveria ter sido reduzida
abaixo do mínimo legal.
Postula, ao final, a concessão da ordem para que seja reduzida a pena-base ao
mínimo legal do crime imputado, bem como se reconheça a atenuante da confissão
espontânea, para que se reduza a reprimenda abaixo do mínimo legal.
A inicial foi instruída com documentos (fls. 11-27).
Prestadas as informações de estilo pela autoridade apontada como coatora (fls. 41-
56), a douta Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial da ordem,
“para que seja reformada a sentença monocrática, tão-somente quanto à dosimetria da
reprimenda, a fim de que outra seja proferida com nova e motivada fixação da pena”
(fls. 69-73).
É o relatório.
722 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Insurge-se a impetração contra
acórdão da Primeira Turma Recursal Mista dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do
Estado de Mato Grosso do Sul que não conheceu da apelação criminal, porquanto
interposta intempestivamente.
Observo, de início, que, embora a apelação criminal interposta pelo paciente
tenha sido considerada intempestiva, o que levaria ao não-conhecimento do presente
habeas corpus, sob pena de supressão de instância, tenho que, no presente caso, a
jurisprudência da Casa abona parte dos argumentos expostos pelo impetrante, pelo
que conheço da ordem de ofício. Nesse sentido, HC 83.017/RJ, Rel. Min. Carlos
Britto, Primeira Turma.
Passo ao exame dos argumentos.
O paciente, flagrado por policiais militares com 5,3g de maconha, foi condenado
pela 3ª Vara do Juizado Especial de Campo Grande/MS, pela prática do delito previsto
no art. 16 da Lei n. 6.368/76, à pena de 2 (dois) anos de detenção, atenuada para 1 (um)
ano e 8 (oito) meses de detenção, em virtude de confissão espontânea.
Sustenta o impetrante, em síntese, que a sentença condenatória não fundamentou
a fixação da pena-base no máximo legal. Assim, pede o impetrante a concessão da ordem
para que seja reduzida a pena-base ao mínimo legal do crime imputado, bem como se
reconheça a atenuante da confissão espontânea, para que se fixe a pena abaixo daquele
limite.
Preceitua o art. 16 da Lei n. 6.368/76, no qual incurso o paciente:
“Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte)
a 50 (cinqüenta) dias-multa.”
Da sentença condenatória proferida pela MMa. Juíza de Direito da 3ª Vara do
Juizado Especial de Campo Grande/MS, que condenou o paciente pelo referido crime,
extrai-se o seguinte trecho:
“(...)
Tendo-se em vista o disposto no artigo 59, do Código Penal, preponde-
rando circunstâncias judiciais negativas em relação ao acusado, tais como
evidente culpabilidade evidenciada na sua detenção portando substância en-
torpecente em desacordo com norma legal ou regulamentar, conduta social e
personalidade voltadas ao delito, a falta de motivos para a prática do delito e
conseqüências que atingem o todo social, fixo a pena-base em dois anos de
detenção. Deixo de aplicar a pena de multa por se encontrar assistido pela
Defensoria Pública, o que faz presumir seu estado de miserabilidade nos termos
da Lei.
R.T.J. — 198 723
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o eminente Relator conclui pelo
vício parcial. Peço vênia a Sua Excelência para ir um pouco adiante.
Acredito que o decreto condenatório é um grande todo e que não cabe simples-
mente fulminá-lo no tocante à fixação da pena. Tenho presente que o maior efeito de se
724 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
HC 87.263/MS — Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Paciente: André Luiz
Conegundes. Impetrante: André Luiz Conegundes (Advogado: Defensoria Pública da
União). Coator: Primeira Turma Recursal Mista do Juizado Especial Cível e Criminal do
Estado de Mato Grosso do Sul.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus;
vencido, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que o deferia em maior extensão.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski. Subprocurador-
Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 9 de maio de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso e, por maioria, negar-lhe provimen-
to, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Votou o Presidente, Ministro Nelson
R.T.J. — 198 725
Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Cezar Peluso. Falou pelo recorrido o Dr. Aylton
Marcelo Barbosa da Silva, Procurador do Estado. Ausentes, justificadamente, os Minis-
tros Carlos Velloso, Carlos Britto e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Brasília, 17 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Cezar Peluso,
Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de origem acolheu pedido formulado em
apelação, sufragando tese no sentido de que o fato de os insumos utilizados na fabrica-
ção do produto estarem sujeitos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
não autoriza o crédito integral quando ocorrida a saída da mercadoria mediante a
redução da base de cálculo que, segundo o Colegiado, equivale a uma isenção parcial.
Entendeu, portanto, ser legal a “exigência do estorno proporcional à parcela correspon-
dente à redução da base de cálculo, por parte do contribuinte, do imposto a ser credita-
do” (folhas 584 a 587).
No extraordinário de folhas 605 a 617, interposto com alegada base nas alíneas a
e c do permissivo constitucional, articula-se com a transgressão do artigo 155, § 2º,
incisos I, II, alínea b, e III da Carta Política da República, porquanto desrespeitados os
princípios da não-cumulatividade, da seletividade do tributo e da vedação ao crédito
apenas nas hipóteses de saídas amparadas por isenção ou não-incidência, o que não
ocorre no caso concreto. A recorrente busca o esteio da alínea c do inciso III do artigo
102 do texto constitucional pelo fato de terem sido julgados válidos os artigos 32,
inciso II, do Convênio n. 66/88 e 41, inciso IV, da Lei n. 6.374/89, contestados frente ao
Diploma Fundamental. Discorre sobre a figura da redução da base de cálculo, diferenci-
ando-a da isenção e da não-incidência, na medida em que corresponde “a uma forma de
dimensionamento do valor do imposto”.
A Fazenda do Estado apresentou as contra-razões de folhas 619 a 625, evocando
precedentes jurisprudenciais desta Corte no mesmo sentido da decisão recorrida e
pleiteando, assim, o não-acolhimento do recurso.
O ato mediante o qual foi admitido o extraordinário está às folhas 638 a 641.
O especial simultaneamente interposto teve o trânsito obstado por meio do proce-
dimento citado, seguindo-se a protocolação de agravo, alfim desprovido no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça (folhas 647 a 650).
Em 20 de abril de 1994, despachei determinando o encaminhamento do processo
à Procuradoria-Geral da República, que exarou o parecer de folha 656, pelo não-
provimento do recurso, na forma de precedente da Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos. Os documentos de folhas 17 e 18 revelam regular a representação
726 R.T.J. — 198
A regra, não pode, portanto, ser burlada se, isenta a operação de saída, na qual
se abateria o imposto anterior, impediria o creditamento, porque se anularia o
montante da primeira operação por um processo oblíquo. E o pretenso benefício da
isenção acabaria redundando em ônus do consumidor final: porque não podendo
creditar-se do imposto recolhido na operação anterior, nem abatê-lo na operação
de saída, porque isenta, não restaria ao produtor senão incorporá-la ao custo do
produto. E não haveria como sustentar o princípio constitucional da não-
cumulatividade. (Primeira Turma, Diário da Justiça de 22 de fevereiro de 1985,
Ementário n. 1.367 — folhas 96 a 110)
Inegavelmente, no trecho transcrito têm-se as premissas que levaram esta Corte, em
inúmeros casos, a glosar preceitos de legislações estaduais que limitavam o abatimento
ao montante do valor devido na operação subseqüente.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 106.701-2/SP, voltou o Ministro
Oscar Corrêa, também perante a Primeira Turma, a enfatizar a matéria, aduzindo:
A questão que se examina neste recurso já foi objeto de decisão nesta Turma,
no RE 103.102-6, entre as mesmas partes, recebendo o acórdão esta Ementa (fl. 264):
“ICM — Legitimidade do crédito de ICM correspondente às entradas
de matéria-prima integradas nos produtos cujas saídas estão isentas do im-
posto, por força da LC 4/69 (art. 1º, inciso XIV). Não cumulativo o imposto,
vedado o estorno pretendido.”
Recurso extraordinário conhecido e provido.
Registrou, ainda, que:
Neste recurso alega-se a mesma contrariedade ao art. 23, II, da Consti-
tuição Federal e ao art. 3º do Decreto-Lei 406/68, além da divergência com os
mesmos paradigmas, inclusive a AC 249.073, do Tribunal de Alçada Civil de
São Paulo (cópia, fls. 220/229), aos quais se acrescentou, nas razões, o
aludido RE 103.102, em cópia, às fls. 264/278.
Nesses termos, acolhendo a fundamentação desse precedente específi-
co, no qual analisada a espécie, conheço do recurso e dou-lhe provimento
(folhas 111 a 117).
Por sua vez, o Ministro Célio Borja, julgando o Recurso Extraordinário n.
111.456-8/SP, no âmbito da Segunda Turma, deixou assinalado na ementa:
ICM. Direito ao crédito, decorrente da compra de matéria-prima destinada à
fabricação de máquinas e equipamentos cuja saída encontra-se isenta do pagamen-
to do imposto.
Inobservância do princípio constitucional da não-cumulatividade. Prece-
dentes do STF.
RE conhecido e provido (folhas 118 a 122).
Senhor Presidente, não cabe, na espécie, como que transportar para a Carta anterior
a inovação da atual, no que sujeitou à lei o afastamento da anulação do crédito relativo
às operações anteriores quando verificada isenção ou não-incidência. Tenho, assim,
730 R.T.J. — 198
como de melhor procedência as decisões referidas, deixando de acatar a tese que acabou
por prevalecer no Recurso Extraordinário n. 115.966-9/RS, no âmbito da Primeira
Turma, mediante a qual restou potencializada, a mais não poder, a questão que enqua-
drei como matemática, exigindo-se para a existência do crédito algo a ser satisfeito na
operação imediatamente posterior, olvidando-se, portanto, as subseqüentes. Aliás, co-
lho da inicial o exemplo mencionado pela impetrante a partir de conclusão sobre a
impossibilidade do crédito:
Contribuinte A
matérias-primas entradas por ............... 100
ICM pago na operação anterior ............ 10
vende o produto a B por ...................... 200
seu débito em razão da isenção ................ -
Contribuinte B
adquire o produto por ........................... 200
sem crédito de ICM ............................ ........ -
vende um produto onde usou
aquela mercadoria por .......................... 300
com débito de ICM de ............................ 30
A não se admitir o crédito, ter-se-á que, em tal hipótese, o fisco, ao invés de
arrecadar o que seria devido, ou seja, os trinta, acabaria por arrecadar quarenta — trinta
mais dez. Isso ocorreria em que pese ao caráter limitado, ao contrário da Constituição de
1988, da regra do inciso II do artigo 23 da Carta de 1969, com a redação decorrente da
Emenda Constitucional n. 23/83.
É certo que a Corte de origem dirimiu a controvérsia tendo em conta a Carta em
vigor. Todavia, a alteração constante do voto proferido no Recurso Extraordinário n.
161.257-6/SP, no que se previu que a isenção ou não-incidência acarreta a anulação do
crédito relativo às operações anteriores, não guarda adequação com a hipótese dos
autos. Conforme consta do acórdão proferido, não se tem o envolvimento, na espécie,
quer de isenção, quer de não-incidência quando apropriada seria a regra constitucional
mitigadora do princípio da não-cumulatividade. Discute-se a questão referente à base de
cálculo do tributo. Cumpre elucidar se a redução desta é capaz de conduzir, em que pese
ao silêncio da Carta da República, a redução do crédito do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços recolhido na operação antecedente.
Ora, o preceito das alíneas a e b do inciso II do § 2º do artigo 155 da Carta da
República encerram restrição ao princípio da não-cumulatividade. Assim sendo, a eles
somente cabe emprestar interpretação estrita, não inserindo, no campo de atuação
normativa constitucional, hipótese não contemplada.
O Direito é ciência e, como tal, os institutos, as expressões e os vocábulos têm
sentido próprio. A sinonímia não se faz presente. Uma coisa é isenção, outra a não-
incidência e um terceiro gênero surge quando se cogita da incidência com simples
R.T.J. — 198 731
ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, tenho uma
dúvida, porque o ICMS também é uma questão contábil, a cumulatividade se evita no
sentido de não se cobrar tributo sobre base já cobrada. No caso da nova Constituição,
decorrente da Emenda Passos Porto, há um mecanismo de cumulatividade quando há
isenção e não-incidência. Aqui, quero saber: o que visa o Estado de São Paulo? Ele visa,
com a redução da base de cálculo, dar um benefício fiscal nas operações com determina-
dos produtos.
Vamos, então, pegar os números que Vossa Excelência utilizou e, trabalhando
com alíquota única de 10%, veremos que a operação anterior gerou R$ 10,00 de
tributo. O vendedor é debitado em R$ 10,00 e o coadquirente do insumo é creditado
em R$ 10,00. Admitindo-se a industrialização desse insumo, ele vem a vender esse
produto por R$ 150,00, significando que ele agregou R$ 50,00 no valor da mercado-
ria. Sobre esses R$ 50,00, em uma operação normal, incidindo os 10%, ele deveria
pagar R$ 15,00, mas como ele teria um crédito de R$ 10,00, no final da sua contabili-
dade, ele deveria recolher R$ 5,00 — se não houvesse outros créditos; fiquemos
apenas nesse exemplo —; então, ele deveria ao Estado R$ 5,00, exatamente 10% sobre
os R$ 50,00 acrescidos.
Vejamos a hipótese: ele venderá por R$ 150,00. Por razões de política fiscal,
reduziu-se a base de cálculo sobre a qual incidem os 10% da venda para 75%. Vamos
supor que a redução seja de 50%: de R$ 150,00 de base de cálculo, passa-se a R$ 75,00.
Sobre os R$ 75,00, incidem os 10%. Logo, o tributo devido seria R$ 7,50.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Só uma observação. Na verdade, em última
análise, o Estado procura limitar o crédito primitivo ante a redução da base de incidência
no negócio seguinte.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Marco Aurélio, é um exercício
que estou fazendo. Vamos caminhar.
Então, reduzo R$ 150,00 para R$ 75,00 e sobre ele o Estado de São Paulo incide
10%, que dá 5%. Dá 7,5%, perfeito?
732 R.T.J. — 198
“Os Fatos
(...)
Com base no disposto no Convênio ICMS n. 78 as saídas desses produtos
realizadas nos últimos meses de novembro e dezembro foram devidamente tributa-
das mas com a aplicação de redução em sua base de cálculo como o demonstram as
notas fiscais de saída exemplificativamente juntadas em anexo (doc. 3).”
São, portanto, fatos sujeitos à Constituição atual. O mandado de segurança versa
exatamente sobre fatos sujeitos à incidência da Constituição atual.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Saída, Ministro. No entanto, estamos a
discutir algo que se obstaculiza: o crédito correspondente a operações posteriores, a
negócios jurídicos após 1988? Não, de negócios jurídicos anteriores.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, estamos a discutir exatamente saídas realizadas
em novembro e dezembro de 1990.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É fato, Presidente, aí cada qual fica com os
seus elementos. Quem sabe o Ministro Cezar Peluso conte com dados que não tenho, na
condição de Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, vou pedir vênia ao eminente
Relator — cujo voto é, todavia, brilhante, substancioso —, para conhecer do recurso,
mas negar-lhe provimento.
VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, também nego provimento, e
para tanto invoco precedente recente da lavra do Ministro Gilmar Mendes, referente ao
RE 154.179-AgR, publicado em 27 de agosto de 2004.
VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, verifico, no presente caso, que o
Estado de São Paulo concedeu um benefício na saída — poderíamos chamar, Ministro
Cezar Peluso, uma isenção parcial —, e ele exige uma contraprestação proporcional
relativamente ao crédito da entrada. Ou seja, o crédito obtido na entrada não pode
superar o tributo que seria devido na saída.
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministra, não é bem que não pode
superar, é que será reduzido na mesma proporção, se supera, é uma questão de valor.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Exatamente, seria superado, se se adotasse a solução
proposta pelo eminente Relator.
Então, a sistemática encontrada está perfeitamente de acordo com o espírito do
tributo, que é o da não-cumulatividade, e ela está respeitada.
Conheço, também, do recurso, mas lhe nego provimento.
734 R.T.J. — 198
APARTE
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Interessante que não serve o acórdão — e
não servem os acórdãos de “agravinhos” — para impulsionar o recurso de embargos de
divergência. Não é isso? Não obstante, são usados como precedentes para obstaculizar o
exame, pelo Colegiado, de certo recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, também não vejo a
inconstitucionalidade argüida. Acrescento algo que é, a meu ver, da teoria geral da
inconstitucionalidade e que o Tribunal tem aplicado rigorosamente: dado o benefício
sob determinada condição, não se pode declarar inconstitucional a condição e manter o
benefício (v.g., ADIn 1.502, 12-6-96, Galvão; ADIn 1.574, Sanches). Então, ter-se-ia de
declarar inconstitucional todo o conjunto normativo, tanto o bônus, quanto o ônus.
Não vejo a inconstitucionalidade na redução e no conseqüente estorno proporcio-
nal do crédito relativo à operação anterior.
Por isso, peço vênia ao eminente Relator e acompanho o voto do Ministro Cezar
Peluso.
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Conforme adiantei, também entendo
que isso foi uma fórmula contábil, tendo em vista os critérios de crédito e de débito
utilizados exatamente para dar um benefício fiscal que importaria, ao fim e ao cabo, na
redução da alíquota final do tributo incidente sobre o valor da saída.
EXTRATO DA ATA
RE 174.478/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Cezar Peluso. Recorrente: Monsanto do Brasil S.A. (Advogados: Hamilton
Dias de Souza e outros). Recorrridos: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP –
Eleonora Lucchesi Martins Ferreira).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e, por maioria, negou-
lhe provimento, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Votou o Presidente, Minis-
tro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Ministro Cezar Peluso. Falou pelo recorrido o Dr.
Aylton Marcelo Barbosa da Silva, Procurador do Estado. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Carlos Velloso, Carlos Britto e, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio
Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 17 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 198 735
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer e dar parcial provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná houve
por bem conceder parcialmente a segurança impetrada, em acórdão assim sintetizado:
“Funcionário público. Limitação de vencimentos. I - Cabe à lei, não ao
decreto, fixar o limite máximo de remuneração a que se refere o art. 37, inc. XI, da
Constituição Federal. II -”Para efeito de equiparação entre cargos que têm vanta-
gens pessoais diversas, só se leva em conta a parte fixa da remuneração” (voto do
Ministro Moreira Alves, na ADIn 14 DF). III - a parte fixa da remuneração de
Procurador do Estado (vencimento básico e gratificação de representação) não
pode exceder a parte fixa da remuneração de Secretário de Estado (vencimento
básico e gratificação de encargos especiais); vantagens pessoais, como a gratifica-
ção adicional por tempo de serviço, estão a salvo dessa limitação” (folha 121).
Os embargos declaratórios que se seguiram foram acolhidos para, concedendo-se
efeito modificativo ao julgado, esclarecer-se:
“Por isso, o acolhimento dos presentes embargos para, de acordo com o
contido na fundamentação, fazer incluir no cálculo já mencionado na decisão
embargada, as vantagens das gratificações de serviço extraordinário e de produti-
vidade, reconhecendo-lhes o caráter de ‘vantagens pessoais’, excluídas, portanto,
736 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos. É certo que nas razões de contrariedade do extraordinário de folhas 222 a
250 apontou-se a intempestividade destes. No particular, reitero o que tive oportunidade
de consignar ao enfrentar, na apreciação do agravo de instrumento em apenso, a matéria:
R.T.J. — 198 737
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Senhor Presidente, há uma manifestação da Tribuna
em relação à não-incorporação dos serviços extraordinários e de produtividade em
decorrência de coisa julgada por mandado de segurança anterior. Fato que é competen-
temente afastado pelo Relator.
Por outra parte, há a manifestação de divergência ou uma interpretação do Relator
sobre a extensão da ADI 14, que restringe a isonomia à equivalência, mas não para efeito
de teto puro e simples.
Em face dessas circunstâncias, como tenho simpatia muito grande em relação à
vigência do já moribundo, em estado de fenecimento, inciso XI do art. 37, uma vez que
a reforma constitucional vai resolver definitivamente esta confusão, peço vista.
EXTRATO DA ATA
RE 174.742/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado do
Paraná (Advogados: Julio Cesar Ribas Boeng, Carlos Frederico Mares de Souza Filho
e outros). Recorrido: José Manoel de Macedo Caron (Advogado: Francisco de Paula
Xavier Neto).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator conhecendo do recurso do Estado do
Paraná e lhe dando parcial provimento, nos termos do voto anunciado, o julgamento foi
adiado, em virtude do pedido de vista do Ministro Nelson Jobim. Falou pelo recorrido o
Dr. Francisco de Paula Xavier Neto.
742 R.T.J. — 198
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
José Manoel de Macedo Caron foi Procurador do Estado.
Aposentou-se em 1986.
A forma do cálculo de seus proventos foi esta:
“(...)
a) Vencimento — C. Comissão Proc. Ger. Estado (...)
b) Adicionais — 25% + 25%
c) Serviço Extraordinário — 33,33%
d) Grat. Produtividade (Lei 6559/74)
e) Verba de Representação...
(...)” (Fl. 03).
A gratificação de Representação de Gabinete foi excluída do cálculo.
Em 22 de setembro de 1989, adveio o Decreto n. 5.764 que reduziu a remuneração
do servidor.
2. O mandado de segurança
O servidor impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar.
Leio na inicial:
“(...)
6.1 – Entre as ofensas ao direito líquido e certo do impetrante, está a ofensa
à coisa julgada, como ficou demonstrado, eis que o ato de aposentadoria foi objeto
do crivo do Poder Judiciário, que expressamente decidiu, mantendo as vantagens
concedidas pelo ato administrativo que o inativou, e acrescendo mais a Gratifica-
ção de Representação de Gabinete.
6.2 – Em que pese, até mesmo o art. 17 das Disposições Transitórias da C.F.,
que os vencimentos, etc. etc., que estejam sendo percebidos em desacordo com a
Constituição, ‘serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se
admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a
qualquer título, é de se ver que, especificando e limitando ao ‘direito adquirido’,
não extendeu (sic) à coisa julgada.
(...)
R.T.J. — 198 743
(...) embora o citado art. 17 das Disposições Transitórias tivesse feito referên-
cia expressa ao direito adquirido, como não cabimento à alegação, todavia, não
elencou a coisa julgada, que expressamente mantém como Direitos e Garantias
Fundamentais no art. 5º, XXXVI, citado.
(...)” (Fls. 14/15).
A autoridade impetrada, nas informações, alegou perda de objeto do MS pelo
advento da Lei n. 9.105, de 23 de outubro de 1989, que impôs a mesma sujeição prevista
no decreto impugnado.
Em relação à coisa julgada, disse que o art. 17 do ADCT não admite invocar direito
adquirido.
3. A decisão no TJ/PR
A segurança foi concedida em parte.
Destaco no acórdão:
“(...)
(...) tudo quanto o impetrante deixou de perceber em razão do limitador
instituído por decreto, até 23 de outubro de 1989, data em que entrou em vigor a
Lei 9.105, foi-lhe descontado indevidamente. E nem se diga que a lei teria
convalidado o decreto, pois esse efeito retroativo encontra obstáculo na garantia
assegurada pelo inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal: ‘a lei não prejudi-
cará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.
3. O limitador predefinido na Constituição Federal e fixado pela Lei 9.105
corresponde aos vencimentos do cargo de Secretário de Estado; não à remunera-
ção que um Secretário de Estado, optando pelos vencimentos de seu cargo
efetivo, possa perceber – até porque esta remuneração, a seu turno, não escapa do
limitador.
Aos vencimentos assim limitados a Constituição Federal permite o acrésci-
mo de vantagens pessoais (art. 39, § 1º), que podem variar conforme a categoria
funcional de que se cuide. Relativamente ao impetrante, que se aposentou no
cargo de Procurador do Estado de 1ª classe, vantagens pessoais autorizadas são
aquelas previstas na Lei Complementar Estadual 51/90, que dispõe sobre venci-
mento básico e vantagens pecuniárias dos integrantes da carreira de Procurador do
Estado.
(...)
Alterações recentes na remuneração dos Procuradores do Estado suprimiram
parte das vantagens até então autorizadas, como v.g. as gratificações de serviço
extraordinário e produtividade. Em contrapartida, acarretaram vencimentos supe-
riores que absorvem com folga as vantagens suprimidas.
(...)
Daí se conclui que as gratificações de serviço extraordinário e produtivida-
de, computadas como vantagens no primeiro cálculo de proventos do impetrante,
estão agora absorvidas pelos vencimentos a que ele tem direito.
744 R.T.J. — 198
(...)
Os vencimentos de Procurador Geral de Estado são iguais aos de Secretário
de Estado. Já a gratificação de 20% é vantagem pessoal que o limitador de
vencimentos não atinge.
(...)
Aqui o discurso é diferente daquele efetuado a propósito das gratificações de
serviço extraordinário e produtividade: os adicionais não foram absorvidos por
vencimentos superiores, mas simplesmente limitados ao número de sete; logo, a
supressão de três qüinqüênios não se aplica ao impetrante, pois isso acarretaria
redução de proventos e ofensa a direito adquirido. Só a Constituição Federal
poderia ir tão longe(...)
(...)
A Constituição Federal, entretanto, não limitou o número de adicionais...
(...)
7. O impetrante faz jus à gratificação de representação de gabinete que
logrou assegurar em juízo por decisão que adquiriu força de coisa julgada (o
acórdão 815 deste Grupo e Câmaras). Essa gratificação (de 160%) corresponde,
hoje, à gratificação de encargos especiais que compõe, somada ao vencimento
básico, a parte fixa da remuneração de Secretário de Estado:
(...)
Isso significa que o impetrante não pode perceber, cumulativamente, as
gratificações de encargos especiais e representação de gabinete.
(...)
Em suma, essas gratificações (representação de gabinete, encargos especiais)
perderam a natureza de vantagem pessoal e passaram à condição de parcela da
chamada parte fixa da remuneração do cargo. É por isso que não são cumuláveis
entre si.
8. Em conclusão, o impetrante tem direito a proventos equivalentes ao
vencimento básico de Secretário de Estado, mais 160% de representação de
gabinete e, sobre o total assim apurado, 50% de adicionais. Pode, no entanto,
optar pela seguinte composição de proventos: vencimentos básico de Procura-
dor do Estado de 1ª classe, mais 170% de representação, até o limite da remune-
ração (vencimento básico e encargos especiais) de Secretário de Estado; além
disso, 20% do valor do símbolo do cargo em comissão e 50% de adicionais. (O
direito de opção decorre, como ficou dito, do disposto no art. 143, § 1º, da Lei
6.174.)
(...)” (fls. 123/128).
Dessa decisão o servidor opôs embargos, os quais foram recebidos.
Está no voto:
R.T.J. — 198 745
“(...)
(...) o impetrante foi aposentado com os vencimentos de Secretário de Estado,
questão incontroversa na ação, e não com os vencimentos de Procurador de
carreira, estes sim com a absorção das vantagens multicitadas em favor de venci-
mentos superiores.
(...)
Por isso o acolhimento dos presentes embargos para, de acordo com o
contido na fundamentação, fazer incluir no cálculo já mencionado na decisão
embargada, as vantagens das gratificações de serviço extraordinário e produ-
tividade, reconhecendo-lhes o caráter de ‘vantagens pessoais’, excluídas, por-
tanto, do limitador legal, ficando assim compostos os proventos do impetrante:
vencimentos básico de Secretário de Estado, mais 160% de representação de
gabinete, e sobre o total assim apurado, 50% de adicionais, gratificações por
serviço extraordinário e produtividade e verba de representação, as últimas calcu-
ladas na forma legal.
(...)” (Fls. 157/158).
O Estado opôs embargos dessa última decisão.
Os embargos foram rejeitados.
Leio no voto:
“(...)
2.1. Afastou-se a cláusula ‘a qualquer título’ mencionada no dispositivo
constitucional invocado, porque o impetrante foi aposentado exatamente com os
vencimentos de Secretário de Estado, por ter sido Procurador Geral do Estado por
tempo suficiente para tal aquisição. Assim, recebe ele o mesmo que é pago aos
atuais Secretários de Estado, com os acréscimos das chamadas vantagens pessoais.
(...)
O v. Acórdão embargado deixou claro, em sua fundamentação que o cálculo
dos proventos do impetrante, como ali contido, é impositivo pelo direito adquiri-
do, ‘como também e principalmente por tratar-se de coisa julgada’ (fl. 158).
A decisão atacada não invocou somente o direito adquirido, mas ateve-se
principalmente, como transcrito, na coisa julgada.
(...)” (Fls. 174/175).
4. O RE
O Estado interpôs RE, admitido pelo provimento de agravo em apenso (AI 152.857).
Fundamenta o recurso na alínea a do permissivo (CF, art. 102, III).
Sustenta ofensa aos arts. 37, XI e XIV; 39, § 1º, da CF e art. 17 do ADCT.
O PGR manifestou-se pelo parcial provimento.
5. O voto do Relator
Marco Aurélio dá provimento ao recurso.
746 R.T.J. — 198
Eis o voto:
“No particular, reitero o que tive oportunidade de consignar ao enfrentar, na
apreciação do agravo de instrumento em apenso, a matéria:
De início, registro que o fenômeno da suspensão decorrente dos embargos
declaratórios está limitado ao recurso cabível contra a decisão proferida, ou seja,
ao curso do prazo recursal atinente à submissão do acerto ou desacerto do
acórdão ao órgão revisor. Descabe elastecê-lo para dizer-se que, opostos
declaratórios por uma das partes, dá-se a suspensão do prazo para protocolação
de idêntico remédio pela parte contrária. Esta óptica, no entanto, não prejudica,
em si, a argumentação feita pelo Estado na cuidadosa peça de folhas 2 a 23. É
que, por ficção legal, dá-se a formação, com o julgamento dos declaratórios, de
peça única passível de ser atacada, como um todo, por qualquer das partes
envolvidas. Se é possível falar-se de preclusão, esta fica restrita, como salientado
na minuta do agravo, aos temas que não tenham sido objeto de debate e decisão
prévios. Exsurge extravagante conclusão mais abrangente, a ponto de, desco-
nhecendo-se a suspensividade resultante dos sucessivos declaratórios, assentar-
se a intempestividade do recurso extraordinário. Os provimentos judiciais decor-
rentes dos embargos consubstanciam a integração do acórdão primitivo, reve-
lando, na maioria das vezes, a entrega da prestação jurisdicional de forma
completa. Passa-se a ter, como frisado acima, aresto único. Impróprio é o
desmembramento conducente à intempestividade do extraordinário. A não ser
assim, ou seja, a partir do rechaçamento da tese da integração caminhar-se-á para
o abandono do princípio da unirrecorribilidade e, o que é pior, admitir-se-ão
impugnações sucessivas como se houvesse, no caso, provimentos autônomos.
Toda vez que os embargos declaratórios não alcançassem a totalidade das
controvérsias dirimidas ter-se-ia que, concomitantemente, interpor o extraordi-
nário. (Folha 347 do agravo em apenso)
Assim, não se pode cogitar, na espécie, de intempestividade, valendo notar
que o acórdão inicialmente proferido foi publicado no Diário da Justiça de 18 de
fevereiro de 1991, segunda-feira (folha 135), ocorrendo a protocolação dos primei-
ros declaratórios em 19 de fevereiro de 1991, terça-feira (folha 146). Excluído o dia
da publicação do acórdão e também o relativo à apresentação dos declaratórios, já
que este último não chegou a se completar, verifica-se que não foi gasto, do prazo
relativo ao extraordinário, um único dia. O acórdão decorrente dos primeiros
declaratórios foi veiculado no Diário da Justiça de 22 de abril de 1991, segunda-
feira (folha 159), vindo à balha novos declaratórios em 26 imediato, sexta-feira
(folha 164). Aqui foram consumidos três dias do prazo de trinta alusivo ao extraor-
dinário, considerada a prerrogativa da dobra de que goza a Fazenda. O provimento
judicial último, emanado da Corte de origem, foi publicado no Diário de 24 de
junho de 1991, segunda-feira (folha 177), verificando-se a interposição deste
extraordinário em 17 de julho de 1991, quarta-feira (folha 180) e, portanto, dentro
dos trinta dias assinados em lei. No mais, o recurso está subscrito por Procurador do
Estado, não se podendo falar em preparo. Resta o exame do pressuposto específico
de recorribilidade, ou seja, da violência à alínea a do inciso III do artigo 102 da
R.T.J. — 198 747
Constituição Federal, no que aponta a ofensa aos incisos XI e XIV do artigo 37, ao
§ 1º do artigo 39, ambos do corpo permanente da Carta de 1988 e ao artigo 17 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Recordo, mais uma vez, o que restou assinalado quando do julgamento do
agravo em apenso:
‘Feita esta ressalva, tenho que os assuntos articulados no extraordinário
de folhas 180 a 209 estão a merecer o crivo de Colegiado desta Corte, quer
levando-se em conta os incisos mencionados do artigo 37, quer o teor do artigo
17, o primeiro do corpo permanente da Carta e o segundo do Ato das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias. Depreende-se do acórdão prolatado por
força do julgamento dos declaratórios apresentados pelo Agravado que se
acabou por conjugar, no que tange aos proventos da aposentadoria, parcelas
pertinentes ao cargo de Procurador do Estado e ao cargo de Secretário de
Estado, caminhando-se, ao primeiro exame, para acumulação que destoa do
texto constitucional. Além disto, há de se perquirir se a gratificação de serviço
extraordinário e de produtividade afiguram-se como vantagens pessoais, ana-
lisando-se também, a inteligente tese sobre a exclusão das vantagens pessoais
apenas quando se cuide do atendimento à equivalência, não alcançando,
destarte, hipótese em que discute o respeito ao limite remuneratório.’ (Folha
348 do agravo em apenso)
Em primeiro lugar, assento estar o decisum, alvo de impugnação, no acórdão
alusivo aos primeiros declaratórios. Eis como lançado, com base no voto condutor
do julgamento:
‘(…) para o cálculo de seus proventos, devem ser considerados o
vencimento básico de Secretário de Estado, mais cento e sessenta por cento
de representação de gabinete e sobre o total assim apurado, cinqüenta por
cento de adicionais e ainda as gratificações por serviço extraordinário e de
produtividade, tidas estas últimas também como de caráter pessoal, e portan-
to, excluídas do chamado limitador de vencimentos’. (Folhas 157 e 158)
Quanto à observância do decreto que precedeu à Lei n. 9.105/89, o recurso
não está a merecer conhecimento. A razão é muito simples: no inciso XI do artigo
37, ao aludir-se ao limite máximo e à relação de valores entre a maior e a menor
remuneração dos servidores públicos, remete-se a lei e esta há de ser tomada no
sentido formal e material, mesmo porque não se pode conceber regulamentação de
preceito constitucional mediante penada única do Chefe do Poder Executivo. No
particular, bem andou a Corte de origem ao proceder a glosa, citando, inclusive,
oportuna lição de Hely Lopes Meirelles no sentido da preservação do campo
reservado à lei. Provimentos administrativos preater legem não podem invadir o
sítio reservado à lei, ou seja, adentrar na disciplina de matérias que só por lei
podem ser reguladas. Isso não quer dizer, no entanto, que, afastado o decreto, não
se tenha o respeito, por simetria, do limite máximo concernente ao Executivo que,
no caso da União, é o revelado pela remuneração em espécie e percebida a
qualquer título por Ministro de Estado e no tocante às unidades da Federação
pelos Secretários de Estado. Há de examinar-se o tema sob tal ângulo.
748 R.T.J. — 198
Esta Corte, defrontando-se com hipótese em que em jogo não o teto constitu-
cional, mas o instituto da equivalência, assentou, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 14, relatada pelo Ministro Célio Borja — e em época na
qual eu não integrava, ainda, o Colegiado — que as vantagens pessoais não são
passíveis de cômputo para o citado efeito, ou seja, para chegar-se à equivalência.
Não cabe, no âmbito de órgão fracionado, como é a Turma, rediscutir a questão. O
tema, alvo de constante reflexão por tantos quantos se debruçam sobre o Direito,
há de merecer, estou certo, reexame pelo Plenário tão logo surja oportunidade.
Neste processo, a discussão é outra: trata-se não da equivalência e, tampouco
da equiparação prevista no § 1º do artigo 39 da Constituição Federal, mas do teto
fixado no inciso XI do artigo 37 da referida Carta. A isonomia de vencimentos de
que cuida o § 1º do artigo 39 em comento, para cargos e atribuições iguais ou
assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, faz-se, pela própria natureza que lhe qualifica, sem levar-
se em conta as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de
trabalho. A razão de ser da regra é visível: em jogo isonomia, somente são
sopesadas parcelas que estejam situadas no campo da igualdade. Logo, vantagens
de caráter individual, pessoais, não podem ser consideradas. O objetivo do precei-
to é chegar-se à igualização dos vencimentos em face de atribuições iguais ou
cargos assemelhados. Transcreva-se o dispositivo:
‘§ 1º A lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia
de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mes-
mo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciá-
rio, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou
ao local de trabalho’.
Entrementes, conforme já consignado, a questão não concerne à equivalên-
cia, ou, em si, à isonomia. Está-se diante de controvérsia a ser dirimida, na esfera
constitucional, mediante julgamento deste extraordinário, sobre o real alcance da
norma do inciso XI do artigo 37 e, também, do inciso XIV nele inserido, combina-
do com o artigo 17 do trecho transitório da Carta.
Ao versar sobre a observância do teto revelado pelo que percebido por
membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo
Tribunal Federal, quadro que, transportado para o âmbito do Estado, leva à
consideração da remuneração dos membros da Assembléia Legislativa, dos Secre-
tários de Estado e dos Desembargadores, o dispositivo constitucional cogita de
valores satisfeitos a título de remuneração (retribuição total pelo serviço alusivo
ao cargo), prevendo, para efeito de cálculo, aqueles percebidos em espécie, com
cláusula de abrangência ímpar (a qualquer título). Evidentemente, o mesmo proce-
dimento há de adotar-se quanto àquele que está submetido ao teto. O cotejo há de
fazer-se de forma idêntica, levando-se em conta, quer considerada a situação
jurídica do servidor, quer a daquele que lhe serve de modelo maior, ‘os valores
percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título (…)’. No particular,
não há como adotar dois pesos e duas medidas, tendo em vista a totalidade da
remuneração do membro do Congresso Nacional, do Ministro de Estado e do
R.T.J. — 198 749
EXTRATO DA ATA
RE 174.742/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Estado do Paraná (Advogados: Julio Cesar Ribas
Boeng, Carlos Frederico Mares de Souza Filho e outros). Recorrido: José Manoel de
Macedo Caron (Advogado: Francisco de Paula Xavier Neto).
Decisão: A Turma, por maioria, conheceu e deu parcial provimento ao recurso,
cassando a segurança quanto às gratificações de serviço extraordinário e produtividade,
de representação de gabinete e verba de representação, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que conhecia e dava provimento em maior extensão ao recurso. Redigirá o
acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de
Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Compareceram o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo,
752 R.T.J. — 198
nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF,
e o Ministro Marco Aurélio, a fim de julgarem este processo, ao qual estão vinculados.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer, em parte, do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento para cassar o acórdão
na parte em que diverge da jurisprudência do Tribunal, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que não conhecia do recurso.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
houve por bem conceder parcialmente a segurança impetrada pelos ora Recorridos, em
acórdão assim sintetizado:
R.T.J. — 198 753
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os pressupostos gerais de recorribilidade
estão atendidos, cabendo proceder ao exame do específico, ou seja, dos retratados nas
alíneas a e c do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.
Em primeiro lugar, relembre-se o que deveria ser de sabença geral: julga-se o
recurso extraordinário a partir das premissas constantes do acórdão proferido e das
conclusões a que chegou a Corte de origem, considerados dispositivos constitucionais.
Cada processo é um processo e, quase sempre, apresenta contornos fáticos e jurídicos
próprios. Defeso é substituir as premissas do acórdão proferido para, à mercê de aresto
inexistente, chegar-se à conclusão sobre o enquadramento do extraordinário em um dos
permissivos de recorribilidade que lhe são próprios.
Pois bem, na hipótese vertente, a Corte de origem, em momento algum, adotou
entendimento contrário aos preceitos constitucionais evocados pelo Estado, chegando a
estarrecer o que articulado quanto ao § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. O
Colegiado assentou que não se discute, na espécie, a iniciativa de lei, mas a supremacia de
situação jurídica alcançada pelo Recorrido e, portanto, o afastamento de diploma legal
que acabou por reduzir o teto relativo à remuneração a oitenta por cento do que percebido
por secretário de Estado. Por isso mesmo, a Corte deixou consignada a inexistência de
ofensa ao princípio federativo, ressaltando que a Constituição do Estado não vinculou a
remuneração do deputado estadual à do federal, mas fixou, como teto, setenta e cinco por
cento do que percebido por este último. Mencionou-se que, ao decidir mandado de
segurança e concluir pelo concurso do direito líquido e certo, o Judiciário não vulnera o
princípio da independência e harmonia dos Poderes. Assinalou-se que a hipótese vertente
envolve “servidor público que percebia importância maior, e que por força do teto, passou
a receber menos, locupletando-se o erário estadual com os recursos glosados” (folha 90).
Determinou-se a observância, como teto, do que percebido por secretário de Estado sem a
redução imposta pela Lei Complementar n. 43/92, determinando-se, no entanto, o respeito
ao que contido na Emenda Constitucional n. 5. Fixou-se, como termo final da conclusão a
respeito do teto de cem por cento, a data da citada Emenda (folhas 91 e 92). No julgamento
de embargos declaratórios, veio a ser explicitado que a Carta do Estado, seguindo a
orientação da Federal, encerra a igualação do que percebido por secretário de Estado e
deputado estadual, razão pela qual não se teria, via decisão judicial, chegado à equivalên-
cia, fruto do próprio diploma maior local. Destarte, não se pode concluir, no que condena-
do o Estado a satisfazer diferenças de vencimentos, pela transgressão a qualquer dos
preceitos apontados como infringidos. Vê-se que a espécie dos autos é diversa da que
resultou nos julgamentos apontados no parecer da Procuradoria-Geral da República.
Por tais razões, não conheço deste extraordinário.
É como voto, na espécie dos autos.
EXTRATO DA ATA
RE 192.364/SC — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Estado de Santa
Catarina (Advogado: Francisco Guilherme Laske). Recorrido: Rui João Cirilo Ramos
Soares (Advogado: Zany Gonzaga).
R.T.J. — 198 755
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
Rui João Cirilo Ramos Soares exercia cargo no grupo de atividades de nível
superior, vinculado ao quadro de engenheiros civis do Estado de Santa Catarina.
Aposentou-se em 19 de junho de 1990, com vencimentos integrais.
Leio na inicial:
“O impetrante (...) veio a ser aposentado (...) com vencimentos integrais, no
parâmetro da remuneração atribuída à Presidente de Autarquia, fixados pelo artigo
4º (Anexo I) da Lei n. 7.881, de 28 de dezembro de 1989, agregado na forma do
artigo 160, da Lei n. 4.425, de 16 de fevereiro de 1970, sobre os quais há incidência
dos adicionais, na base de 66% (sessenta e seis por cento), além da vantagem
paralela de 90% (noventa por cento), à título de gratificação de responsabilidade
técnica, legalmente instituída.” (Fls. 02/03)
A remuneração estava desvinculada de qualquer redutor.
Em janeiro de 1992, adveio a Lei Complementar 43, que fixou o limite máximo de
remuneração dos servidores.
O teto de vencimentos foi fixado em 80% (oitenta por cento) de Secretário de
Estado.
2. A ação
O servidor impetrou segurança, com pedido de liminar.
Está no pedido:
“(...) com a confirmação da liminar, a concessão da segurança impetrada,
através da qual, ‘permissa venia’ tornar-se-á sem efeito em relação ao impetrante a
retroatividade da Lei Complementar n. 43/92, vez que, as sanções que atingem
contrariam o artigo 5º, item XXXVI, da Magna Carta e o artigo 23, VII, da
Constituição Estadual, partindo do pressuposto de que a Lei Nova não revoga,
nem modifica a anterior para os casos de aposentadoria já consumada.” (Fls. 18/
19)
A liminar foi concedida em parte.
Leio no despacho:
756 R.T.J. — 198
Com relação ao teto, deve ser aquele previsto no art. 23, III, da Carta
Estadual, ou seja, o vencimento a que tem direito o Secretário de Estado (rectius
igual ao subsídio do Deputado Estadual), mais a representação por aquele
percebida, excluído, evidentemente, o tempo de serviço, com efeito a partir da
impetração.
Importante ressaltar que após a impetração ocorreu um fato superveniente,
qual seja, a edição da Emenda Constitucional n. 5, de 14 de julho de 1993, que
alterou o disposto no art. 23, III, da CE, merecendo este ser levado em considera-
ção, forte no dispositivo inserto no art. 462, do CPC.
Assim, após a edição da precitada Emenda Constitucional, o teto a respei-
tar-se será aquele fixado na Lei Complementar n. 43, ou seja, a remuneração do
Secretário de Estado, afastado o redutor de 20%, consignado no precitado diploma
legal.
Quanto ao tempo de serviço, não se pode olvidar que o parâmetro da remune-
ração do Secretário de Estado deve ser o daquele cujo lapso temporal de exercício
público seja igual ao da impetrante, vale dizer, adicional por igual tempo.
O STJ já explicitou:
‘Funcionário — Adicional por tempo de serviço.
‘O Estado ao fixar o limite máximo de remuneração de seus servidores
no âmbito do Poder Executivo, não pode, simplesmente, reduzir os adicio-
nais já definitivamente adquiridos pelo funcionário e, para sempre, incorpo-
rados a seus vencimentos.
‘Recurso improvido’ (STJ — REsp n. 24.236-1-GO, Rel. Min. Garcia
Vieira, DJ n. 186, de 28-9-92, p. 16.401).
(...)
Por fim, quanto ao pleito de que a gratificação de responsabilidade técnica
não fosse incluída no teto da remuneração, cumpre ressaltar ser ele totalmente
descabido, posto que o entendimento contrário levaria a alijar o teto constitucio-
nal a uma figura inoperante.
A própria administração pública é que poderia, via diploma legal próprio,
excluir do teto outras vantagens expressamente nominadas, dentre as quais não se
fez incluir a presente.
Concede, pois, parcialmente o writ.” (Fls. 89-94)
Contra essa decisão o Estado opôs embargos.
Aduziu que o critério sustentado no acórdão quanto ao limite máximo de remune-
ração contraria o inciso XI do art. 37 da CF e que a aplicação do inciso II do art. 23 da
Constituição Estadual diverge da Súmula 339/STF.
Os embargos foram rejeitados.
Foram opostos novos embargos, que foram providos.
Destaco no voto:
758 R.T.J. — 198
estadual à do federal, mas fixou, como teto, setenta e cinco por cento do que
percebido por este último. Mencionou-se que, ao decidir mandado de segurança e
concluir pelo concurso do direito líquido e certo, o Judiciário não vulnera o
princípio da independência e harmonia dos Poderes. Assinalou-se que a hipótese
vertente envolve ‘servidor público que percebia importância maior, e que por
força do teto, passou a receber menos, locupletando-se o erário estadual com os
recursos glosados’ (folha 90). Determinou-se a observância, como teto, do que
percebido por secretário de Estado sem a redução imposta pela Lei Complementar
n. 43/92, determinando-se, no entanto, o respeito ao que contido na Emenda
Constitucional n. 5. Fixou-se, como termo final da conclusão a respeito do teto de
cem por cento, a data da citada Emenda (folhas 91 e 92). No julgamento de
embargos declaratórios, veio a ser explicitado que a Carta do Estado, seguindo a
orientação da Federal, encerra a igualação do que percebido por secretário de
Estado e deputado estadual, razão pela qual não se teria, via decisão judicial,
chegado à equivalência, fruto do próprio diploma maior local. Destarte, não se
pode concluir, no que condenado o Estado a satisfazer diferenças de vencimentos,
pela transgressão a qualquer dos preceitos apontados como infringidos. Vê-se que
a espécie dos autos é diversa da que resultou nos julgamentos apontados no
parecer da Procuradoria-Geral da República.”.
6. O voto vista
Pedi vista para melhor exame.
A questão está em saber se a lei estadual pode fixar teto inferior ao da remuneração
dos Secretários de Estado.
Preliminarmente, não conheço do RE pela alínea c.
O acórdão atacado não julgou válida lei ou ato de governo local em face da CF.
Em relação à impugnação ao art. 63, I, dele também não conheço, por falta de
prequestionamento (Súmulas 282 e 356).
Quanto aos demais dispositivos, a jurisprudência do Supremo já fixou o entendi-
mento sobre a matéria.
Destaco precedente:
“I - Servidor público estadual: teto constitucional: equivalência entre os
tetos (CF, art. 37, XI).
(...)
II - Teto: redução do limite remuneratório (LC estadual 43/92/SC): inexis-
tência de direito adquirido à manutenção do limite previsto na legislação revo-
gada, pois é axiomático não existir direito adquirido a regime jurídico.
III - Lícita a anterior fixação do teto local na remuneração dos Secretários de
Estado e dada a garantia constitucional da irredutibilidade dos vencimentos, têm
os impetrantes direito a que, da incidência imediata da LC 43/92, não poderá
resultar o decréscimo da quantia que licitamente percebessem, até o montante do
teto anterior.
760 R.T.J. — 198
VOTO (Explicação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): No julgamento dos declaratórios, ficou
explicitado que a Carta local prevê a percepção de subsídio idêntico por secretários
e deputados estaduais. A partir dessa premissa, não estou conhecendo do extraordi-
nário.
EXTRATO DA ATA
RE 192.364/SC — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Estado de Santa Catarina (Advogado: Francisco
Guilherme Laske). Recorrido: Rui João Cirilo Ramos Soares (Advogado: Zany
Gonzaga).
Decisão: A Turma, por maioria, conheceu, em parte, do recurso e, nessa parte, deu-
lhe provimento para cassar o acórdão na parte em que diverge da jurisprudência do
Tribunal, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do recurso. Redigirá o
acórdão o Ministro Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso de
Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Compareceram o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo,
nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF,
e o Ministro Marco Aurélio, a fim de julgarem este processo, ao qual estão vinculados.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 198 761
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de
votos, dar provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, nos termos da
divergência.
Brasília, 14 de março de 2006 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A decisão impugnada mediante o extraordinário
implicou o acolhimento parcial do pedido formulado na apelação, para que:
“O limite de remuneração no âmbito municipal seja aquele definido no art.
37, XI, CF, isto é, os valores recebidos em espécie pelo Prefeito, excluindo-se do
cálculo o adicional por tempo de serviço, a gratificação de nível superior e a
vantagem pela dedicação exclusiva.” (Folha 167)
O extraordinário foi interposto com alegado fundamento na alínea a do permissivo
constitucional, com articulação de violência aos artigos 37, inciso XI, do corpo perma-
nente da Carta Política da República e 17 das Disposições Transitórias. Argumenta-se
que o artigo 42 da Lei Municipal n. 10.430/88 não fere a Constituição ao estabelecer
como teto de vencimentos dos servidores públicos remuneração diferente da do Prefeito,
uma vez que a Carta remete à lei para a fixação dos limites máximos de remuneração.
Alude-se ao princípio da autonomia municipal, segundo o qual, dentro do círculo de
competências fixado pela Constituição, cabe aos municípios, “(...) organizar sem inter-
ferências seu governo e estabelecer sponte propria suas normas jurídicas de acordo com
suas rendas e despesas”. Em passo seguinte, defende-se abranger o limite “o padrão de
762 R.T.J. — 198
vencimentos e todas as demais vantagens recebidas pelo servidor, sem qualquer exce-
ção” (folhas 187 a 194).
A Recorrida apresentou as contra-razões de folhas 197 a 200, evocando, como
óbice à admissibilidade do recurso, a orientação do verbete n. 282, da Súmula desta
Corte. Quanto ao tema de fundo, ressalta que a norma contida no artigo 37, inciso XI, da
Carta tem caráter geral e mandamental imediato, devendo ser observada por todos os
Municípios.
O procedimento alusivo ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se às
folhas 208 e 209. Consignou-se o atendimento aos pressupostos específicos atinentes ao
extraordinário.
Recebi os autos em 12 agosto de 1997 e os liberei para julgamento no dia 26
imediato.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De início, esclareço que não redigi
acórdão indicando a possibilidade de serem excluídas do teto constitucional as vanta-
gens de natureza pessoal. Ao que tudo indica, o subscritor do parecer deixou de atentar
para a circunstância de haver sido designado para redigir os acórdãos relativos aos
Mandados de Segurança n. 21.840 e 21.992 outro integrante da Corte. Faço este registro
por um dever de fidelidade intelectual.
Os pressupostos gerais de recorribilidade estão atendidos. O recurso extraordinário
veio subscrito por procurador municipal, notando-se a oportuna manifestação de
inconformismo. O acórdão impugnado teve notícia veiculada no Diário de 26 de agosto
de 1996, segunda-feira (folha 181), ocorrendo a protocolação do extraordinário no dia
25 de setembro imediato, quarta-feira (folha 187) e, portanto, dentro do prazo em dobro
a que tem jus o Município.
Relativamente à subsistência, ou não, da Lei n. 10.430/88, do Município de São
Paulo, no que, antes da Carta em vigor, estipulou o teto a ser observado relativamente
aos vencimentos dos servidores do Município, estabelecendo-o em sete vezes o valor da
referência DA-15, o extraordinário não está a merecer conhecimento, isso considerado o
fato de a Corte de origem haver declarado a incompatibilidade do citado diploma com o
inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal. A lei neste prevista há de conter a fixação
do “limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos
servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos
poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por
membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal
Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios e, nos
Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito”. A Lei
municipal não dispôs sobre o limite mínimo remuneratório, tampouco a relação de
valores entre a maior e a menor remuneração. Simplesmente cogitou de teto aquém do
limite máximo fixado no inciso XI em comento. É certo que a lei cogitada pode vir a
R.T.J. — 198 763
estabelecer teto inferior à remuneração do prefeito, mas é indispensável que dela conste
a citada relação de valores, tendo em vista a maior e a menor remuneração. Nem se diga
que o tema não foi abordado no acórdão proferido. Este remete, como se verifica às
folhas 169 e 170, ao que decidido no Mandado de Segurança n. 15.782-0/2/São Paulo.
Conforme é dado constatar pela leitura de tal peça, declarou-se a ausência de recepção
da Lei Municipal n. 10.430/88 pela Carta em vigor, justamente em razão do silêncio
sobre os valores situados entre a maior e menor remuneração, apontando, inclusive, que
sequer foi prevista esta última. Portanto, a decisão proferida pela Corte de origem
exsurge harmônica com o inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, isso no que se
teve como não-recepcionada a Lei Municipal n. 10.430/88 do Município de São Paulo.
Limitado o recurso a essa matéria, dele não conheço.
É o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 215.612/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Município de São Paulo (Advogada: Lígia Maria
Torggler Silva). Recorrida: Maria do Carmo Prandini Dermenjian (Advogados: Angelo
Roberto Chiurco, Pedro Gordilho, Alberto Pavie Ribeiro e outro).
Decisão: Após o voto do Ministro Relator não conhecendo do recurso extraordiná-
rio, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Ministro Nelson Jobim.
Falou pela recorrida o Dr. Pedro Gordilho.
Presidência do Ministro Néri da Silveira. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.
Brasília, 7 de outubro de 1997 — Carlos Alberto Cantanhede, Secretário.
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. O caso
Maria do Carmo Prandini Dermenjian, servidora do Município de São Paulo,
ocupa o cargo de procuradora.
A servidora sofreu descontos em seu pagamento, com fundamento no art. 42 da Lei
municipal 10.430/88.
Em decorrência, impetrou mandado de segurança.
Fundamentou o pedido no inciso XI do art. 37 da CF (teto salarial).
Leio, na inicial, sobre os vencimentos:
“(...) Além do padrão de vencimento/salário e dos honorários advocatícios, a
impetrante recebe uma série de outras vantagens, todas estas pessoais, quais sejam:
adicional de qüinqüênios, regime de dedicação profissional exclusiva, gratifica-
ção de nível superior, adicional de função e gratificação de gabinete.” (Fl. 03)
764 R.T.J. — 198
VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, apenas para depois não
ter o trabalho de buscar a causa da retificação, esclareço que altero o voto, tendo em
conta a nova nomenclatura adotada pela Corte, isso para concluir pelo conhecimento e
desprovimento do recurso.
EXTRATO DA ATA
RE 215.612/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Nelson Jobim. Recorrente: Município de São Paulo (Advogada: Lígia Maria
Torggler Silva). Recorrida: Maria do Carmo Prandini Dermenjian (Advogados: Angelo
Roberto Chiurco, Pedro Gordilho, Alberto Pavie Ribeiro e outro).
Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e, prosseguindo, por
maioria, deu provimento ao recurso, vencido o Ministro Marco Aurélio, nos termos da
divergência. Retificou parcialmente o voto o Relator. Redigirá o acórdão o Ministro
Nelson Jobim. Presidiu este julgamento o Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificada-
mente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.
Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Compareceram o Ministro Nelson
Jobim, Presidente do Tribunal, assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de
acordo com o art. 148, parágrafo único, RISTF, e o Ministro Marco Aurélio, a fim de
julgarem este processo, ao qual estão vinculados. Subprocurador-Geral da República,
Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 14 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 16 de novembro de 2000 — Carlos Velloso, Presidente — Maurício
Corrêa, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa: A 8ª Junta de Conciliação e Julgamento do
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região julgou procedente a reclamação traba-
lhista proposta pelo ora recorrido, Ismar José da Costa, contra a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT.
2. Elaborada a conta de liquidação, citou-se a requerida para que efetuasse o
pagamento do quantum a que fora condenada, sob pena de penhora.
3. A ECT, afirmando ser empresa pública federal criada pelo Decreto-Lei n.
509, de 20 de março de 1969, com privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública
“em relação à imunidade tributária, direta ou indireta e impenhorabilidade de
seus bens, rendas e serviços”, pediu ao juízo da execução que determinasse o
recolhimento do mandado de citação e que outro fosse expedido em conformidade
com o disposto nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil. O pleito foi
indeferido sob o argumento de que à requerida não se aplicava o preceito do artigo
100 da Constituição Federal.
4. A decisão que rejeitou os embargos opostos à execução deu ensejo ao agravo de
petição a que a Primeira Turma da Corte Regional negou provimento por entender que,
nos termos do artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, as empresas públicas sujeitam-
se ao regime próprio das empresas privadas.
5. Inconformada, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos protocolizou
recurso de revista sustentando verificar-se divergência entre as Turmas do Tribunal
770 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): A recorrente é empresa pública criada pelo
Decreto-Lei n. 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído integralmente pela
União Federal (art. 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública.
2. Preceitua o artigo 12 do Decreto-Lei n. 509/69, verbis:
“A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipa-
mentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Públi-
ca, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade
de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas
processuais.”
3. No caso sub examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública,
que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X).
4. Assinalo que a Primeira Turma desta Corte já se manifestou sobre a matéria por
ocasião do julgamento do RE n. 100.433/RJ, de que foi Relator o eminente Ministro
Sydney Sanches, em acórdão assim ementado, verbis:
“Ementa: Execução fiscal. Impenhorabilidade de bens de empresa públi-
ca (ECT) que explora serviço monopolizado (§ 3º do art. 170 da Constituição
Federal — EC-01/69), reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII, da
Constituição Federal — EC-01/69).
Recurso extraordinário não conhecido.” (RTJ 113/786)
R.T.J. — 198 771
5. Observo que o referido precedente foi julgado à luz da Carta pretérita (EC-01/
69, artigos 8º, XII, e 170, § 3º). Contudo, a disciplina da matéria não foi alterada com a
promulgação da Constituição de 1988, permanecendo íntegra a competência da União
Federal para manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (CF, artigo 21, X), bem
como a regra para exploração de atividade econômica por empresa pública (CF, artigo
173, caput e § 1º).
6. Dispõe o artigo 173, caput, da Carta Federal, que, “ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado
só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Em seu § 1º reza que “a
empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem
atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”. Daí não há como se inferir que seja
dispensável a expedição de precatórios nas execuções contra empresas públicas que
exerçam atividade tipicamente estatal.
7. Note-se que as empresas prestadoras de serviço público operam em setor próprio
do Estado, no qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado. Assim, o fato de
as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem
atividade econômica estarem sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas não
significa que a elas sejam equiparadas sem qualquer restrição. Veja-se, por exemplo,
que, em face da norma constitucional, as empresas públicas somente podem admitir
servidores mediante concurso público, vedada a acumulação de cargos. No entanto, tais
limitações não se aplicam às empresas privadas.
8. Há ainda que se indagar quanto ao alcance da expressão “que explorem
atividade econômica (...)”, contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.
Preleciona José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª
edição, Revista, 1996, pp. 732 e seguintes, que o tema da atuação do Estado no
domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os
de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade
econômica se desenvolve no regime da livre iniciativa sob a orientação de adminis-
tradores privados, o serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se ao regime
jurídico do direito público.
9. Conclui o eminente jurista que “a exploração dos serviços públicos por empre-
sa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles, sendo
certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos pode
assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio das
empresas privadas”, já que somente por lei e não pela via contratual os serviços são
outorgados às estatais (CF, artigo 37, XIX). Assim, não se aplicam às empresas públi-
cas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que
explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição
Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173, § 2º).
772 R.T.J. — 198
10. A interferência do Estado na ordem econômica está consagrada nos artigos 173
e 174 da Constituição Federal: o próprio Estado, em casos excepcionais, atua empre-
sarialmente no setor, mediante pessoas jurídicas instituídas por lei para tal fim; o
Estado, como agente normativo e regulador, fiscaliza, incentiva e planeja a ativida-
de econômica.
11. Desse modo, os princípios gerais que informam a distribuição de atividades
entre o Estado e a iniciativa privada resultam dos princípios da participação estatal na
economia e da subsidiariedade, em seus aspectos suplementar e complementar à
iniciativa privada.
12. Em obediência a esses princípios, a atividade econômica estatal exsurge nos
serviços públicos, nos serviços públicos econômicos e nos de interesse geral, donde a
possibilidade de o Estado (CF, artigo 173) monopolizar os serviços públicos específi-
cos, os de interesse geral e ainda os econômicos, por motivo de segurança nacional ou
relevante interesse coletivo. Vê-se, pois, que a legitimidade da participação do Estado
na economia se fundamenta em três conceitos fundamentais: segurança nacional, servi-
ço público econômico e interesse público.
13. A Constituição Federal, em seu artigo 173, cuida da exploração direta de
atividade econômica pelo Estado. A respeito da matéria escreveu o constitucionalista
Celso Ribeiro Bastos que “por tais atividades deve entender-se toda função voltada à
produção de bens e serviços, que possam ser vendidos no mercado, ressalvada aquela
porção das referidas atividades que a própria Constituição já reservou como próprias
do Estado, por tê-las definido como serviço público nos termos dos incisos XI e XII do
artigo 21 do Texto Constitucional. Ou então quando forem reservadas a título de
monopólio da União (CF, art. 177). Tal circunstância é que justifica a inserção da
cláusula ‘ressalvados os casos previstos nesta Constituição'” (Comentários à Consti-
tuição do Brasil, 7º v, p. 75).
14. Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas,
pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da
Constituição Federal (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição (...)”), por se
tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu orçamento, elaborado de
acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n. 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela
Lei n. 9.473/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é previamente aprovado pelo
Ministério do Planejamento e Orçamento — Secretaria de Coordenação e Controle
das Empresas Estatais, sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacio-
nal, conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à contracapa destes autos.
Logo, são impenhoráveis seus bens por pertencerem à entidade estatal mantenedora.
Ante o exposto, tenho como recepcionado o Decreto-Lei n. 509/69, que estendeu
à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda
Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo
a execução fazer-se mediante precatório, sob pena de vulneração ao disposto no artigo
100 da Constituição de 1988. Por conseguinte, conheço do recurso extraordinário e
dou-lhe provimento.
R.T.J. — 198 773
VOTO
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Senhor Presidente, neste caso, como o recurso é da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, dele não conheço e declaro a
inconstitucionalidade da expressão “impenhorabilidade de seus bens, rendas e servi-
ços”, contida no art. 12 do Decreto-Lei n. 509, de 1969.
VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Senhor Presidente, peço vista para melhor exame da
matéria.
EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa Brasi-
leira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros). Recor-
rido: Ismar José da Costa (Advogados: Hudson Cunha e outros).
Decisão: Retirado de pauta por indicação do Ministro Relator. 2ª Turma, 16-6-
98.
Decisão: Depois do voto do Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia e
dava provimento ao recurso extraordinário, e do voto do Ministro Ilmar Galvão, que
dele não conhecia e declarava a inconstitucionalidade da expressão “impenhorabilida-
de de seus bens, rendas e serviços”, constante do art. 12 do Decreto-Lei n. 509, de 20-3-
1969, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado pelo Ministro
Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, Presidente, e,
neste julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o Ministro Carlos
Velloso, Vice-Presidente.
Presidência do Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente. Presentes à sessão os
Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-
Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 10 de dezembro de 1998 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Nelson Jobim:
1. Os fatos
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT foi condenada em
reclamatória trabalhista.
Sustentou, na execução, que lhe era aplicável o “(...) processo (...) especial do art.
100 da Constituição Federal (...)” (fl. 13).
O Tribunal Regional decidiu:
.
774 R.T.J. — 198
E conclui Maurício:
“(...) não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e
a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a
restrição contida no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao
regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não exten-
sivos às do setor privado (CF, artigo 173, § 2º)4.
(...)
“(...) a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas
privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira
parte do art. 173 da Constituição Federal (‘Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição (...)’), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal,
pois seu orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n.
4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei n. 9.473/97 (Lei de Diretrizes
Orçamentárias), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orça-
mento — Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua
receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário
Oficial da União acostado à contracapa destes autos. Logo, são impenhoráveis
seus bens por pertencerem à entidade estatal mantenedora.”
Galvão pediu vista.
4. O voto de Galvão
Galvão diverge do Relator (sessão de 10-12-1998).
Não conhece do recurso e declara a inconstitucionalidade da norma impugnada
(DL 509/69, art. 12).
Sustenta que o art. 100 e parágrafos da CF de 1988 “(...) em princípio, não veda a
extensão do critério dos precatórios, por lei, à execução de débitos judiciais de
responsabilidade de outros entes da Administração que não os de direito público”.
Diz Galvão:
“(...) o óbice a essa providência, de natureza intransponível, reside (...), no art.
1735, § 1º, II (redação da EC n. 19/98), que impõe a sujeição da ‘empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade
4 CF/88
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensíveis às do setor privado.
5 CF/88 com a redação da EC n. 19/98.
776 R.T.J. — 198
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de
suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
6 CF/67
Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com o estímulo e apoio do Estado,
organizar e explorar as atividades econômicas.
(...)
§ 2º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas, as autarquias e
sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive
quanto ao direito do trabalho e das obrigações.
7 EC 1/69
Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado,
organizar e explorar as atividades econômicas.
(...)
§ 2º Na exploração. Pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de
economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito
do trabalho e ao das obrigações.
R.T.J. — 198 777
(c) sobre o ECT ser uma empresa pública prestadora de serviço público que não
exerce atividade econômica (Velloso):
Pedi vista.
6. RE 225.011 (Marco Aurélio)
Após, Marco Aurélio trouxe a julgamento o RE 225.011.
A matéria é a mesma.
Sustenta Marco Aurélio:
“(...) considerada a regência constitucional pretérita, vê-se nítida distinção,
conforme a matéria envolvida. Tratando-se de empresa pública que explorasse
atividade econômica, ocorria a submissão quanto às normas de Direito do Trabalho
e de Obrigações ao regime, em si, das empresas privadas stricto sensu, fato justifica-
do pelo tratamento igualitário próprio ao mercado. À luz do Direito Tributário, fazia-
se distinção de acordo com a atividade desenvolvida: não sendo monopolizada,
tinha-se a submissão linear ao regime aplicável às empresas privadas, ao contrário,
envolvida atividade monopolizada, decorria do § 3º do art. 170 regência própria.
(...)
(...) a Carta de 1988 não manteve sequer a distinção relativa aos tributos.
Diz, mais:
(...) A razão maior de contemplar a Carta a adoção [do sistema de precatórios]
está no envolvimento de bens públicos. Daí o art. 100 em comento aludir a ‘(...)
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de
sentença judiciária (...)’, não se podendo dizer que débitos de sociedades de
economia mista e de empresas públicas, federais, estaduais ou municipais, sejam
débitos das respectivas Fazendas.”
Como Galvão, Marco Aurélio declara “(...), a inconstitucionalidade (...) da
expressão ‘impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços’ (...)”.
7. Voto
Analiso a questão.
7.1. CF de 1967/69
Inicio com a Constituição de 1967.
Ela determinava que “na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as
empresas públicas, as autarquias e sociedades de economia mista [reger-se-iam] pelas
normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das
obrigações” (CF 1967, art. 163, § 2º).
Ressalto, desde logo, a limitação de 1967 e a explicito com a pergunta:
¿Quando as empresas estatais se regeriam pelas normas aplicáveis ao setor
privado?
Resposta de 1967:
Quando elas explorassem atividade econômica.
.
778 R.T.J. — 198
8 A EC n. 1 é de 17 de outubro de 1969.
R.T.J. — 198 779
7.4. A CF 1988
A situação do art. 12 (DL 509/69) agravar-se-ia perante o regime de 1988.
A CF de 1988, na redação original do art. 1739, introduziu modificações ao
regime.
Continuou a se referir a empresa pública e a sociedade de economia mista.
Como novidade, introduziu, na equiparação com o setor privado, o que chamou de
“outras entidades que explorem atividade econômica”.
O texto de 1988 foi forte e redundante na equiparação:
(a) sujeitou ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, “inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias”; e
(b) vedou a atribuição de benefício fiscal “não extensível ao setor privado”.
Desta forma, o que teria remanescido como constitucional do art. 12 do DL 509/69,
no confronto como a CF de 1967, não teria sido recepcionado pela CF de 1988.
Refiro-me ao tratamento tributário diferenciado.
7.5. A expressão “exploração da atividade econômica”
Mas a análise não se esgota no que acima foi dito.
A conclusão — inconstitucionalidade parcial do art. 12 perante os textos de 1967
e 1969 e não a recepção do remanescente perante 1988 — precisa ser testada em outro
ponto.
Refiro-me à extensão da expressão “exploração de atividade econômica”.
Lembro o tratamento de 1967/69 para a atividade econômica.
Foi definida como campo preferencial da atividade privada.
Leio:
Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com estímulo e
apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
O princípio da subsidiaridade foi instituído como regra.
Leio:
Art. 163. (...)
§ 1º Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizará e
explorará diretamente atividade econômica.
Volto a 1967/69.
Como adiantei acima, esta era premissa constitucional:
— se houvesse exploração de atividade econômica, então o regime seria o
do setor privado, salvo em relação a tributos, se a atividade fosse monopolizada.
Tudo estava no § 2º do art. 163 de 1967 e no § 2º do art. 170 de 1969.
Enuncio a mesma premissa, de outra forma:
— as entidades estatais11 “reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas
privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das obrigações”, quando
explorarem atividade econômica.
Havia um condicionante explícito para que essas entidades fossem equiparadas ao
setor privado:
— a exploração de atividade econômica.
Isso significava dizer que, não ocorrendo a condição, não se daria a conseqüência.
Dessa premissa se segue uma segunda premissa, contida na primeira:
— as estatais que não explorassem atividade econômica não estavam sujei-
tas, obrigatoriamente, à equiparação com o setor privado.
O sistema não proibia que uma estatal com tal objeto — não-exploração de
atividade econômica — pudesse estar sujeita ao regime do setor privado.
A proibição era restrita à estatais que explorassem atividade econômica.
Estas sujeitavam-se, necessariamente, ao regime privado.
Logo, o texto de 1967/69 autorizava a existência de empresas públicas, autarquias
e sociedades de economia mista não equiparadas ao setor privado.
Bastava que elas não explorassem atividade econômica.
A exploração de atividade econômica funcionava como limitador da incidência
da norma.
Usando de linguagem kelseniana, tinha-se uma limitação no âmbito pessoal de
validez da norma.
As entidades sujeitas à regra eram as que explorassem atividade econômica e tão-
somente elas.
Chego ao núcleo do problema.
Pergunto:
¿O que o texto de 1967/69 queria significar com a expressão “exploração da
atividade econômica”?
¿Qual a abrangência dessa expressão?
2 5 Seminário sobre o Regime jurídico das empresas estatais, realizado em 9-3-1987, pela
Associação dos dirigentes em Empresas Públicas, in RDP 83, pp. 151/152.
2 6 Ob. cit. p. 74.
788 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, neste caso, adoto o voto que
proferi no Recurso Extraordinário n. 225.011:
Tanto a Constituição anterior (artigo 8º, inciso XII) quanto a atual (artigo 21,
inciso X) revelam competir à União manter o serviço postal e o correio aéreo
nacional. Até o advento do Decreto-Lei n. 509/69, esse serviço era desenvolvido
pelo Departamento de Correios e Telégrafos, Órgão ligado ao então Ministério de
Aviação e Obras Públicas, posteriormente transformado em Ministério das Comuni-
cações. Com o advento do Decreto-Lei mencionado, surgiu a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, sob a modalidade empresa pública com capital e patrimônio
formados a partir de iniciativa única, ou seja, da União. O acervo até então utilizado
passou a constituir bens da aludida empresa, dispondo o § 4º do Decreto-Lei n. 509/
69 que outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como entidades
integrantes da administração federal indireta poderiam vir a participar dos futuros
aumentos do capital da nova pessoa jurídica de direito privado. Sob o ângulo do
ESCLARECIMENTO
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Sr. Presidente, uma observação: diante de uma
decisão dessa natureza, os credores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ficam
completamente a descoberto, porque não poderão efetuar penhora de bens e nem
processar o sistema de precatórios. Não há orçamento obrigando o administrador dos
Correios a cumprir o artigo 100, que diz o seguinte:
“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou
de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este
fim.”
Sou Relator de matéria idêntica.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: V. Exa. fez uma observação que eu preciso contestar,
que é o problema do orçamento. O que se passa — levantei isso para ver como se dava e
concluí que as coisas são feitas através de um parecer dado pelo então Professor Geraldo
Ataliba — é que o serviço de orçamento da União não admite precatório. O Ministério
do Planejamento e os Órgãos de Planejamento da União não admitem que se expeçam
precatórios para a ECT, por causa da confusão interpretativa. A ECT tem feito um
precatório informal: recebe um ofício do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
que é o caso mais nítido, e faz o lançamento.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por força de lei. Há uma lei que dispõe assim; porque,
se não houver lei, fica a critério da administração.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: Estou dizendo que essa é a forma pragmática
resolvida pelo Tribunal.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A própria União não aceita o sistema de precatório.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: A solução do problema, que é grave e não tem forma
legal — penso que a sugestão do Ministro Moreira Alves resolve —, é a interpretação
conforme a Constituição, no sentido de que se aplicam os precatórios em relação à ECT.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por direito natural.
O Sr. Ministro Moreira Alves: O que é certo, Ministro, é que não é possível admitir-
se, por exemplo, que se penhorem todos os prédios da ECT e depois os vendam.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por que não? Trata-se de uma pessoa jurídica de
direito privado. E se houver uma penhora nessa extensão, é porque ela se tornou
devedora de uma quantia maior.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Data venia, Ministro, um é serviço público; o outro,
não.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Se se penhorarem todos os bens da Petrobras, o Brasil
fica sem petróleo?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, nas concessionárias e permissionárias de
serviços públicos, não pode haver também penhora?
792 R.T.J. — 198
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Não é. Porque, se fosse serviço público, não se
precisava dizer que é monopólio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro, não está entre as atividades que encerram
o monopólio.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: São os credores que ficarão a salvo, quer dizer, não
tem jeito. O credor não pode processar o precatório, a não ser por direito natural.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas qual é o direito natural?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: É o sistema informal do precatório.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Por consenso da diretoria, em determinado momento,
processa-se esse precatório. Por consenso da diretoria, sem lei alguma que obrigue.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A União não aceita o sistema de precatório.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Por interpretação do Supremo Tribunal Federal, não
por direito natural.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: Não tem orçamento, não tem verba; receita e despesa,
nada disso.
O Sr. Ministro Nelson Jobim: São lançadas as receitas: Empresa Brasileira de
Correio e Telégrafos. Fontes (receitas): três milhões e tanto. Subsídios do tesouro.
Receita operacional. Receita não-operacional: tantos valores. Receita para aumento de
patrimônio líquido.
Há todo o levantamento, aqui. Está dentro do dispêndio geral, mas estão previstas
as receitas, porque a União tem que repassar dinheiro para a empresa na hipótese de
haver diferença.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ela está compelida a manter e a responder pelas
péssimas administrações.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Lei Orçamentária Anual compreenderá o
orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente,
detém a maioria do capital social com direito a voto: é o art. 165, § 5º, II, da
Constituição.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, gostaria de rever a discussão que
tivemos na ADIn 83, referente à distinção entre empresas públicas e autarquias
prestadoras de serviço ou de atividade econômica, por estar em causa o problema da
legislação trabalhista. Peço vista.
EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros).
Recorrido: Ismar José da Costa (Advogados: Hudson Cunha e outros).
794 R.T.J. — 198
VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Discute-se a submissão da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos – ECT à execução direta por título judicial oriunda de reclama-
ção trabalhista, mediante penhora de bens do seu patrimônio.
Vencida na Justiça do Trabalho, pretende a ECT só estar sujeita à execução
mediante precatório, não apenas por força da impenhorabilidade de seus bens —
genericamente prevista no DL 509/69, que a criou — mas também pela do art. 100 da
Constituição, dado cuidar-se de empresa pública delegatária da União no exercício do
monopólio do serviço postal, que a essa última confiou o art. 21, X.
Endossam-lhe a tese, nos três recursos em mesa, os ems. Ministros Maurício Corrêa
(Relator do RE 220.906), Nelson Jobim e Celso de Mello; repelem-na os ems. Ministros
Marco Aurélio (Relator do RE 225.011) e Ilmar Galvão (Relator do RE 230.072).
O brilho dos votos proferidos, num e noutro sentido, levaram-me ao pedido de
vista.
A discussão até aqui tem posto ênfase particular na distinção das empresas estatais,
públicas ou mistas, conforme exerçam atividade econômica em caráter subsidiário da
livre iniciativa ou prestem serviço público por delegação do Estado: na razão do maior
ou menor alcance emprestado ao distinguo, orientaram-se os votos já enunciados no
sentido de validar ou não, na execução por título judicial, a regra da impenhorabilidade
de todos os bens da Empresa recorrente.
De minha parte, tenho compromisso com a diferenciação conceitual aventada e
com várias das conseqüências jurídicas a extrair dela, posto que não todas.
Explicitei-o na ADIn 83, no julgamento da qual o Tribunal declarou inconsti-
tucionais normas transitórias da Constituição de Minas Gerais que concediam vanta-
gens salariais aos empregados das “sociedades de economia mista, empresas públicas e
demais entidades de direito privado sob o controle direto ou indireto do Estado”.
Relator, ponderei — ADIn 83, 24-4-91, RTJ 136/965, 972:
R.T.J. — 198 795
“(...) não vejo empecilho a que, por lei, o Estado-empregador conceda aos
seus empregados benefícios salariais aos quais não o obrigasse a legislação federal:
a norma local, nessa hipótese — a exemplo do que ocorre, nas relações trabalhistas
privadas, com os regulamentos de empresa —, se integrariam aos contratos de
trabalho com o Estado-Membro.
O caso, no entanto, é evidentemente mais complexo, na medida em que o
reajuste progressivo e a reposição salarial questionados só beneficiam empregados
de pessoas jurídicas de direito privado, não obstante integradas à administração
indireta estadual.
Certo, tem mostrado a melhor doutrina pátria que não se pode levar a
conseqüências extremas a personalidade de direito privado das empresas esta-
tais, não só das que prestam serviços públicos, mas até das que se criam para o
exercício de atividades econômicas stricto sensu: todas elas, notou Celso
Antônio (Natureza essencial das sociedades mistas e empresas públicas, Revista
de Direito Público 71/111), ‘são, essencialmente, instrumentos personaliza-
dos da ação do poder público (...) se não o fossem, o Estado não teria porque
criá-las ou, então, assumir-lhes a prevalência acionária votante (...). Conse-
qüentemente’ — prossegue — ‘aí está o critério retor para a interpretação dos
princípios jurídicos que lhe são obrigatoriamente aplicáveis, pena de conver-
ter-se o acidental — suas personalidades de direito privado — em essencial e o
essencial — seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado — em acidental’;
donde — demonstra, em seqüência, o publicista ilustre —, malgrado a persona-
lidade de direito privado de tais entidades, ‘a vigorosa concorrência de princí-
pios e normas publicísticas inevitavelmente afluentes para a proteção da ativi-
dade desempenhada, controle da ação de seus agentes e defesa dos adminis-
trados’.
(...)
Certo, o maior ou menor influxo de normas de Direito Público — e, pois,
sendo o caso, de normas estaduais ou municipais —, tanto no regime estrutural,
quanto nos regimes funcionais interno ou externo, das empresas do Estado (para
usar da terminologia de Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constitui-
ção de 1988, RT, 1990, p. 148), tem a ver com a distinção, de que também se tem
ocupado os nossos publicistas, entre empresas estatais prestadoras de serviço
público, de um lado, e, de outro, as destinadas à intervenção estatal na economia
pela exploração direta de atividade econômica (v.g., Celso Antônio, Prestação
de Serviço Público e Administração Indireta, RT, 1979, passim, e Natureza
Essencial, cit.; Eros Roberto Grau: A Ordem Econômica, cit., p. 149 e 277;
Elementos de Direito Econômico, RT, 1981, p. 103; Carlos Mário Velloso,
Empresas estatais: responsabilidade e controle, Revista de Direito Público,
1988, n. 85/84).
Essa dicotomia das empresas públicas ou mistas, segundo o respectivo
objeto — que ingressara no texto constitucional com o art. 170, § 2º, da Carta de
69 —, continua presente na Constituição de 88 (...):
.
796 R.T.J. — 198
delegado a empresa mista federal — recusou-se a pertinência ao caso do art. 173 e seu §
1º, da Constituição, fundamento do RE, conforme sintetizado na ementa:
“7. A norma do art. 173, § 1º, da Constituição aplica-se às entidades públicas
que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplica-
ção às sociedades de economia mista ou empresas públicas que, embora exercendo
atividade econômica, gozam de exclusividade.
O dispositivo constitucional não alcança, com maior razão, sociedade de
economia mista federal que explora serviço público, reservado à União.”
Estou, no entanto, em que daí não se extrai tudo quanto daí quiseram inferir os
votos referidos, especialmente, no problema de quo: a execução por título judicial
contra as empresas estatais — conforme ou não o sistema constitucional dos
precatórios —, ainda daquelas que, na dicotomia constitucional, não exercem ativida-
de econômica, mas prestam serviços públicos por delegação do Estado.
Quanto às últimas — este o ponto —, não obstante se reconheça que a sua
atividade-fim — a prestação de serviço público — redunde no maior influxo de normas
de Direito Público, é preciso não perder de vista que constituem, por opção do Estado,
pessoas jurídicas de direito privado.
“Ao Poder Público” — acentua Athos Carneiro, em primoroso parecer sobre tema
similar1 — “é dado o direito de optar sob que ‘estrutura’ jurídica quer desincumbir-se
da atividade, para a qual esteja sendo criada determinada entidade com personalida-
de jurídica própria”.
“Entretanto” — pondera — “uma vez feita a opção por uma pessoa jurídica de
direito privado, v.g., uma sociedade de economia mista, haverá o Poder Público de
submeter-se aos princípios normativos a que estão estas sociedades sujeitas, não
podendo ao seu alvedrio querer transmudar os princípios legais que a elas incidem,
tão-somente para acobertar o inadimplemento reiterado e continuado de suas obriga-
ções”.
Parte daí o renomado jurista para sustentar a penhorabilidade da renda de postos de
pedágio de sociedade de economia mista — a Dersa, de São Paulo — delegatária do
Estado para a construção, a administração e a exploração de rodovias e negar, em
conseqüência, à empresa estatal, o privilégio da execução mediante precatório.
Não o faz, porém, na linha da equiparação radical às empresas privadas das
empresas estatais que não concorrem no mercado com as primeiras, mas sim prestam
serviços públicos: ao contrário, a tese do parecer — com respaldo doutrinário e
jurisprudencial de tomo — tende a conciliar com equilíbrio o já aludido “influxo de
normas de Direito Público” — como impõem a essencialidade e a continuidade do
serviço público confiado a tais empresas —, com a opção legal de dotá-las de personali-
dade de direito privado.
Essa opção — acentua Athos Carneiro (ob. loc. cits.) — induz, como regra geral, à
penhorabilidade dos seus bens.
“Exatamente em decorrência da preeminência do direito comum — ressalvadas,
se for o caso, as cautelas necessárias a garantir a continuidade na prestação do serviço
público a elas cometido — é que os bens integrantes do patrimônio das empresas
públicas (em que a totalidade do capital é formado por recursos de pessoas de direito
público) e, com mais razão, do das sociedades de economia mista (em cujo capital se
conjugam recursos públicos e, minoritariamente, recursos particulares), são bens
penhoráveis e executáveis”.
Evoca, a respeito, trecho de Hely Lopes Meirelles2 e Diógenes Gasparini3.
Mas o parecer volta a Hely para subtrair, à regra geral da penhorabilidade, os bens
afetados ao serviço público. E extrata, da obra clássica do saudoso jurista (p. 337):
“A sociedade de economia mista não está sujeita à falência, mas os seus bens
são penhoráveis e executáveis, e a entidade pública que a instituiu responde,
subsidiariamente, pelas suas obrigações. (Lei 6.404/76, art. 242).
Esta é a regra geral prevista pela lei das sociedades anônimas, mas convém
advertir que as sociedades de economia mista prestadoras de serviço público não
podem sofrer a penhora dos bens vinculados ao serviço em virtude do princípio da
‘continuidade do serviço público’. Suas rendas, porém têm sido penhoradas para
pagamento de seus débitos, respondendo a entidade criadora subsidiariamente,
pelas suas obrigações”.
A ressalva está presente também — mostram citações adiante, no mesmo trabalho,
em Celso Antônio Bandeira de Mello4 e em Gasparini.5
Lê-se, com efeito, em Celso Antônio — na monografia em que se dedica especifi-
camente à análise do regime próprio das empresas prestadoras de serviço público6 —,
que, em suas relações com terceiros, tanto como as sociedades de economia mista, “as
empresas públicas submetem-se ao regime comum das pessoas de direito privado, não
contando com prerrogativas de autoridade ou benefícios especiais. Posto que seus
bens não gozam de inalienabilidade, imprescritibilidade ou impenhorabilidade, tais
entidades podem sofrer ação executiva, servindo seus haveres de garantia aos credo-
res. Se insolventes, pode ser-lhes requerida a falência”.
“Dando-se o caso de serem prestadoras de serviço público” — ressalva, porém, o
renomado publicista — “terão, como qualquer outra concessionária, proteção especi-
al para o serviço e para os bens a ele aplicados. Se falida a empresa, reverterão para o
Poder Público. Como já ficou dito, o Estado, nesta hipótese, garantirá os créditos de
2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22. ed. Malheiros, 1997. p. 331.
3 GASPARINI, Diógense. Direito Administrativo. 4. ed. Saraiva, 1995. p. 147.
4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 120.
5 GASPARINI, Diógenes. ob. cit., pp. 266 e 274.
6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de Serviço Público e Administração Indireta. 2.
ed. RT, 144.
R.T.J. — 198 799
origem contratual dos concorrentes à massa, até o limite do valor dos bens revertidos e
responderá integralmente apenas pelos danos que a empresa falida haja causado a
terceiros no próprio exercício do serviço público”.
Do art. 66, II, do Código Civil, que inclui entre os bens públicos de uso especial
“os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou
municipal” e de que “dentre as entidades de administração indireta grande parte
presta serviços públicos”, parte de sua vez a Prof. Maria Sylvia di Pietro para afirmar
que7 “a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos
bens de uso especial, pertencentes à União, Estados e Municípios, tornando-os
inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a
adoção de idêntico regime para os bens de entidades da administração indireta
afetados à realização de serviços públicos.”
“É precisamente essa afetação — acentua — que fundamenta a indisponibilidade
desses bens, com todos os demais corolários”.
A conclusão tem sido aceita pacificamente com relação às autarquias e fundações
públicas — observa a autora ilustre —, mas “é também aplicável às entidades de direito
privado, com relação aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos”.
“É sabido” — prossegue — “que a Administração Pública está sujeita a uma série
de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse
possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades
de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses
bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por
usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado
público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a
impossibilidade de sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico
publicístico”.
Tudo para concluir que “são bens públicos de uso especial os bens das
autarquias, das fundações públicas e os das entidades de direito privado prestadoras
de serviços públicos desde que afetados diretamente a essa finalidade”.
Só esses, contudo; diferentemente, os bens das empresas estatais não vinculados
diretamente ao serviço público prestado — entre eles, suas rendas (como tem entendido
a melhor jurisprudência, segundo demonstra Athos Carneiro, ob. loc. cits, p. 176)8 —
segundo a communis opinio doctorum —, são bens privados, sujeitos ao regime comum,
que inclui sua penhorabilidade.
Do que se segue — como já visto em Celso Antônio (Prestação (...), cit. 144) —
estar correto Athos Carneiro (ob. loc. cit., p. 173) ao notar que o regime dos bens de
empresas estatais prestadoras de serviço público, no final das contas, é o mesmo das
concessionárias privadas dos mesmos serviços estatais, às quais, frisa, jamais se preten-
deu estender o sistema de precatórios.
7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2. ed. Atlas, pp. 295-6.
8 CARNEIRO, Athos Gusmão. Ob. loc. cits, pp. 176 ss.
800 R.T.J. — 198
Certo, tanto o parecer quanto alguns dos doutrinadores citados soem conceder
que — afora o que cubra, por a eles inerente, segundo os princípios, os bens afetados
à prestação do serviço público —, a lei possa estender às empresas estatais outras
prerrogativas do Poder Público.
Estou, porém, em que a ressalva há de ser aceita cum grano salis, subordinado,
como parece manifesto, o seu alcance, a que não configure privilégio inconstitucional.
O problema, assim, é saber se constitui privilégio inconciliável com a Lei Funda-
mental a outorga por lei ordinária a determinada empresa pública da impenhorabilidade
universal do seu patrimônio e não apenas dos bens afetados ao serviço público de que
seja delegatária ou concessionária, de tal modo a não deixar alternativa ao sistema do
precatório para a execução judicial de seus débitos.
É o que fez o questionado art. 12 do DL 509/69, em favor da recorrente, a Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos:
“Art. 12. A ECT gozará de direitos de importação de materiais e equipamen-
tos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda, quer em
relação à imunidade tributária direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens,
rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazo e custas processuais”.
Não se cogita mais — é bom voltar ao começo deste voto — de extrair do art. 173,
§ 1º, da Constituição uma regra de equiparação compulsória entre as empresas privadas
e as empresas estatais prestadoras de serviço público, às quais, também concordo, não se
aplica aquele dispositivo da Lei Fundamental, só pertinente à exploração por empresas
públicas ou mistas de atividades econômicas, vale dizer, abertas à livre iniciativa dos
particulares.
A questão reclama certas considerações acerca do sistema de precatórios.
Cuida-se de criação genuinamente brasileira9 — para alguns, originário das Orde-
nações10 mas, certamente, previsto no direito pátrio desde o Decreto 3.084, de 1898 —,
sempre concebido como solução a dar eficácia às condenações do Estado, não obstante
a inalienabilidade e conseqüente impenhorabilidade dos bens públicos.
“Por força das disposições que consideram inalienáveis, e não sujeitos à penhora,
os bens da União, dos Estados e dos Municípios” — lê-se em Amilcar de Castro,11
aludindo ao art. 730 do Código de Processo Civil — “a execução por quantia certa contra
qualquer dessas pessoas jurídicas não pode deixar de seguir estas normas especiais: feita
a conta de liqüidação, deve o representante do executado ser intimado para embargar a
execução no prazo de dez dias, dispensada a penhora. E, se não houver embargos, ou
forem estes julgados improcedentes, o juiz executor (...) requisita o pagamento ao presi-
dente do Tribunal (...), pois aos mesmos compete expedir as ordens de pagamento, pelas
importâncias que houverem sido recolhidas aos cofres dos depósitos públicos”.
1 2 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. 2. ed. Saraiva, 1986. p. 350.
1 3 GANDRA, Ives; BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, 4. vol, t. III/
114.
1 4 GUIMARÃES, Machado. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, 1942. IV/143, n.,
146.
1 5 DINAMARCO, Cândido. Execução Provisória do Mandado de Segurança em Fundamentos do
Processo Civil Moderno. 2. ed. RT, p. 461, 464.
802 R.T.J. — 198
Ocorre, entretanto, que o referido sistema não apenas não tem aplicação
prevista, na Constituição ou nas leis, para as pessoas jurídicas de direito privado,
como seria de mister, mas também se trata de instituto incompatível com o regime
de tais entes, cuja atividade não se acha sujeita a um rígido programa anual de
trabalho, previamente traçado num quadro demonstrativo da receita, identificada
pelas respectivas fontes, e da despesa, discriminada por meio de dotações estipula-
das para cada função a ser cumprida, como é exigido dos entes públicos, conforme
prevê a vetusta Lei n. 4.320/64 (arts. 2º e seguintes), ainda em vigor nesse ponto.
Por isso mesmo, relativamente às empresas públicas ou sociedades de econo-
mia mista, não cabem expressões como: ‘dotação orçamentária’, ‘anulação de
despesa’, ‘despesa efetuada sem dotação suficiente’, ‘saldos de verba’, ‘créditos
orçamentários’, ‘créditos especiais’, ‘créditos suplementares’, etc., todas próprias
dos entes públicos, cuja atividade se desenvolve nos moldes do orçamento
adredemente aprovado para o referido exercício, sistema manifestamente impró-
prio para empresas e sociedades, que desse modo são organizadas justamente para
terem maior flexibilidade na execução de suas atividades.
Assim, por não terem seus programas de trabalho sujeitos a princípios orça-
mentários, tais entidades são refratárias ao regime de precatório que se acha
estabelecido, em todos os seus termos, no art. 100 da CF, regime cuja essência se
acha na obrigatoriedade de consignação, ao Poder Judiciário, em orçamento, das
dotações destinadas aos pagamentos devidos em razão de sentença judiciária, as
quais serão consignadas, ‘recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição
competente’, a fim de que possa o Presidente do Tribunal ‘determinar o pagamento
segundo as possibilidades do depósito’. Tudo isso, de molde a assegurar a obser-
vância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios.
Se não há orçamento, não há falar em dotação orçamentária nem em abertura
de créditos adicionais, nem em consignações a serem feitas ao Poder Judiciário e,
conseqüentemente em controle do direito de preferência.
Por isso mesmo é que o art. 165, § 5º, da CF prevê que a lei orçamentária anual
compreenderá, no que concerne às empresas em que a União detenha a maioria (ou,
obviamente, a totalidade) do capital social, tão-somente o orçamento de investi-
mento (inc. II), e não o orçamento fiscal (inc. I), de resto inexistente, porque próprio
dos demais órgão da administração direta e entes da administração indireta
(autarquias e fundações).”
Confirmou-o, aliás, o Ministro Jobim ao informar que — como os órgãos do
planejamento orçamentário corretamente não admitem a inclusão no orçamento fiscal
de eventuais precatórios contra as empresas estatais — o que se pratica na ECT é o que
S. Exa. denominou “um precatório informal”.
Essa imitação do sistema de precatórios, por entidade que não dispõe de
orçamento legal em que se inclua a verba necessária à satisfação delas — é preciso
convir —, além de carecer de fundamento jurídico, nenhuma garantia de execução
minimamente eficaz oferece aos credores.
De tudo, concluo, Sr. Presidente:
804 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sydney Sanches: Sr. Presidente, fui Relator, na Primeira Turma, a
17-12-1984, de acórdão unânime no RE n. 100.433/RJ, reproduzido na RTJ 113/786,
quando se decidiu:
“Recorrente: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro — Recorrida: Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.
Execução fiscal. Impenhorabilidade de bens de empresa pública (ECT) que
explora serviço monopolizado (§ 3º do art. 170 da Constituição Federal),
reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII, da Constituição Federal).
Recurso extraordinário não conhecido.”
Tal decisão, é certo, foi proferida sob a égide da CF de 1967, com a redação da
Emenda Constitucional n. 1/69.
Não vejo, porém, na Constituição atual, de 1988, alteração substancial a esse
propósito.
Peço vênia, pois, para acompanhar o voto do Ministro Maurício Corrêa.
VOTO
O Sr. Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, realmente, os argumentos são fortes de
um lado e do outro. Na prática, porém, parece-me quase impossível fazer essa distinção
entre bens afetados e não-afetados, inclusive com relação a rendas, porque delas também
depende a atuação dos serviços que são afetados a essas empresas públicas que exercem
atividade monopolizada pelo Estado. Sucede, aqui, que é um serviço que só pode ser feito
pela União. Se, porventura, houver impossibilidade de executá-lo, ninguém poderá fazê-
lo. Esse é o problema, realmente, delicado. Daí a razão da minha perplexidade, pois não há
dúvida de que o sistema de precatório foi o adotado para a Fazenda.
Se o Supremo Tribunal Federal tomar uma decisão dessa natureza, terá que fazer
entrar no orçamento fiscal o orçamento dessas entidades, pois a Constituição também
não o proíbe, para efeito, justamente, de precatório.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A solução prática está, data venia, na respon-
sabilidade subsidiária da União.
R.T.J. — 198 805
O Sr. Ministro Moreira Alves: O grande problema que se põe, com a responsabili-
dade subsidiária, é cair-se no precatório.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, cai no precatório, porque, então a dívida
será da União. Mas, enquanto a cobrirem as rendas de uma empresa que se anuncia
altamente lucrativa, submeter créditos trabalhistas a precatórios, quando a devedora,
solvente, tem todos os outros privilégios de uma empresa privada...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Não estou analisando, aqui, apenas sob o ângulo de
créditos trabalhistas, mas, sim, em relação a todos os créditos. Quero saber como é que se
faz a diferença entre rendas afetadas e não-afetadas. Como é possível fazer isso? É muito
fácil, em obra teórica, dizer: “As rendas não são afetadas”. Agora, pergunto: não há
rendas afetadas? As rendas não são absolutamente essenciais para a continuidade?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso é a União que tem de prover...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Não é a União que vai prover, pois esta não pode
fornecer bens para uma empresa que tem essa destinação. Ela vai fornecer esses bens a
título de quê? Ela vai sustentar a empresa?
Estou tratando do problema das empresas que exercem atividades monopolizadas.
Às outras empresas de energia elétrica, em que não há monopólio, conseqüentemente
não se aplica o que estou aplicando neste caso. O que realmente me impressiona é isto:
todos falam no princípio da continuidade do serviço público. Ninguém discute isso.
Quando chega a hora de dizer quais são os bens não-afetados, o único que se diz são as
rendas, pois, quanto ao restante, prédios, móveis, sem eles não funcionam os serviços. E
aí é preciso distinguir-se as rendas afetadas das não-afetadas.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Moreira Alves, não lhe parece que, no
caso, não se trata de monopólio? A atuação não está no rol constitucional das atividades
em que há o monopólio. O que consta da Constituição é que a União é compelida a
manter o serviço, coisa diversa.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se do art. 21, X:
“Art. 21. (...)
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;”
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Esse não é o dispositivo que versa sobre mono-
pólio.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se de monopólio. Não se pode interpretar de
outra forma. Se ela tem que manter o serviço postal, ninguém pode mantê-lo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O serviço postal, não. Ele é prestado, no Brasil,
inclusive por certas empresas.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso é crime.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há uma eterna discussão se isso constitui, ou
não, correspondência, sobretudo em matéria de avisos bancários etc. Agora, a regra é que
é crime. A grande discussão é a correspondência bancária, que, neste caso, a jurisprudên-
cia construiu que não era correspondência.
806 R.T.J. — 198
O Sr. Ministro Moreira Alves: Sim, mas, por dizer-se que não é correspondência, é
que não se enquadra como crime.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: O eminente Ministro Marco Aurélio lembrou bem:
monopólio não é. O que a Constituição estabelece como monopólio é a exploração do
petróleo.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso é atividade econômica. Trata-se, no caso, de
serviço público ínsito ao Estado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O artigo 177 aduz:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes
das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por
meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer
origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializa-
ção e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Trata-se de atividade econômica. Tem-se que dizer
do que se trata.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O que quero dizer é que são coisas distintas: a
obrigação de a União manter o serviço e o monopólio.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Aquilo é justamente a caracterização do que é
monopólio em se tratando de atividade econômica, ao passo que, no art. 21, X, a
Constituição estabelece: “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. E é crime
utilizar-se de terceiros para efeito de correspondência.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Excelência, tem-se o serviço de entrega no próprio
Supremo.
O Sr. Ministro Moreira Alves: Mas foi uma construção no sentido de que não se
trata correspondência no sentido dado pela Constituição.
O Sr. Ministro Ilmar Galvão: No Lago Sul, temos uma agência dos correios,
particular, explorada pelo sistema de franchising. Está espalhado por todo o Brasil.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É concessão, obviamente. Não se trata do
antigo sistema de telecomunicações, que só admitia a exploração direta pela União, ou
a delegação a empresas sob o seu controle...
O Sr. Ministro Moreira Alves: Pergunto: então, isso seria o quê? Concessão de
serviços públicos?
R.T.J. — 198 807
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Srs. Ministros, o meu entendimento,
que vem de longe, mencionado, aliás, pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, é no
sentido de distinguir empresa pública que presta serviço público de empresa pública
que exerce atividade econômica, atividade empresarial, concorrendo com empresas
privadas. A primeira, sempre sustentei, tem natureza jurídica de autarquia. O Supremo
Tribunal Federal, quando a lei e a Constituição não distinguiam fundação privada de
fundação pública, fez a distinção, decidindo que a fundação pública equiparava-se à
autarquia. Hoje, a Constituição, adotando aquele entendimento, distingue fundação de
direito público de fundação de direito privado.
O art. 37, § 6º, da CF, quando cuida da responsabilidade objetiva do Poder Público,
é expresso no estabelecer:
“§ 6º as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o respon-
sável nos casos de dolo ou culpa”.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Ministro, se V. Exa. traz esse artigo à
discussão, então, teremos de concluir que uma simples concessionária de serviço públi-
co, condenada, só vai pagar por precatório. Nesse dispositivo estão incluídas as conces-
sionárias, ninguém discute.
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Presidente): Sr. Ministro, estou apenas apresentan-
do um indicativo no sentido de que é possível distinguir empresa prestadora de serviço
público de empresa que exerce atividade empresarial. Veja que a Constituição, no
ponto, empresta tratamento especial às pessoas jurídicas de direito privado que prestam
serviço público.
O RE 220.907/RO, de que sou Relator, está na pauta da Segunda Turma desde 7-5-
98, aguardando o julgamento de recursos extraordinários idênticos remetidos à aprecia-
ção do Plenário, como este RE de que ora cuidamos.
Naquele RE 220.907/RO, proferi o seguinte voto:
“É preciso distinguir as empresas. públicas que exploram atividade econô-
mica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive
quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (CF, art. 173, § 1º), daquelas empre-
sas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de
autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do art. 173 da Constitui-
808 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RE 220.906/DF — Relator: Ministro Maurício Corrêa. Recorrente: Empresa Brasi-
leira de Correios e Telégrafos – ECT (Advogados: Luiz Gomes Palha e outros). Recorrido:
Ismar José da Costa (Advogados: Moacir Akira Yamakawa e outro).
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros
Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, conheceu e deu provimento ao
Recurso Extraordinário. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, o Ministro
Néri da Silveira e, neste julgamento, o Ministro Nelson Jobim.
R.T.J. — 198 811
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do
Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.
Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: A Décima Oitava Câmara Cível do eg. Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, às fls. 534-536, em mandado de segurança, decidiu
pela legitimidade da cobrança de ISS, pelo Município do Rio de Janeiro, de instituições
financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, com fundamento em
sua competência tributária (CF, arts. 30, III, e 156, III), dado que a isenção prevista em lei
complementar editada pela União (LC 56/87) configura restrição ao poder de tributar do
812 R.T.J. — 198
Município, restrição essa que não mais prevalece na vigência da atual Constituição, nos
termos do art. 151, III, motivo por que é aplicável a legislação municipal que deixou de
contemplar tal privilégio fiscal (Lei carioca 691/84, com a redação dada pela Lei carioca
2.277/94).
Rejeitaram-se os embargos de declaração opostos (fls. 547-548).
Daí os recursos especial (fls. 554-574) e extraordinário (fls. 581-603) interpostos
por Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio e outros, este fundado no art. 102, III, a,
b e c, da Constituição Federal, com alegação de ofensa aos arts. 146, III, a; 150, § 6º; 153,
V; 155, § 2º, XI, g; e 156, IV, da mesma Carta.
No RE, dizem os recorrentes que a Lei carioca 2.277/94 deu nova redação ao
disposto nos itens 44, 46 e 48 da Lei Complementar federal 56/87, “norma de hierar-
quia superior” (fl. 582), tendo o acórdão recorrido, explicitamente, declarado a
“inconstitucionalidade parcial” (fl. 584) dos referidos itens.
Sustentam, mais, em síntese:
a) a ocorrência de ofensa ao art. 156, IV, da Constituição Federal, na medida em
que, ao considerar válida a referida lei municipal, o acórdão recorrido referendou a tese
de que o fato gerador de tributo pode ser instituído por lei ordinária;
b) a competência exclusiva da União para tributar operações financeiras, nos
termos do art. 153, V, da Constituição Federal;
c) a existência de ofensa ao art. 146, III, a, da Constituição Federal, mormente
porque a competência tributária conferida pela Constituição aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios somente é válida quando observadas as normas gerais fixadas
em lei complementar, estando em plena vigência o Decreto-Lei 406/68, com as altera-
ções do Decreto-Lei 834/69 e da Lei Complementar 56/87;
d) a inconstitucionalidade da Lei carioca 2.277/94, por afrontar os arts. 146, III, a;
150, § 6º; 153, V; 155, § 2º, XII, g; e 156, IV, da Constituição Federal, ao instituir a
cobrança de ISS sobre serviços de administração de fundos, agenciamento, corretagem ou
intermediação de títulos, bem como sobre agenciamento, corretagem ou intermediação de
franquias e de faturação, quando executados por instituições financeiras, ante a
inexistência de previsão da incidência de ISS nessas hipóteses em lei complementar, certo
que os itens 44, 46 e 48 da Lei Complementar 56/87 ressalvaram, expressamente, essas
hipóteses da incidência do ISS;
e) o próprio Prefeito do Município do Rio de Janeiro, ao vetar a Lei carioca 2.277/
94, reconheceu tratar-se de uma exação inconstitucional, tendo em vista o que dispõe o
art. 148, III, a, da Constituição Federal;
f) a competência exclusiva da União para tributar operações financeiras, nos
termos do art. 153, V, da Constituição Federal, certo que os serviços listados nos itens
44, 46 e 48, quando prestados por instituições financeiras, são operações relativas a
títulos e valores mobiliários;
g) a ocorrência de equívoco do acórdão recorrido, na medida em que não existiria,
na espécie, isenção, mas ausência de previsão legal, pois o Decreto-Lei 406/68 e a Lei
Complementar 56/87 “não fazem referência aos serviços especificados na inicial, como
R.T.J. — 198 813
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): No voto que proferi quando do julgamen-
to dos embargos de declaração interpostos por Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio
e outro, escrevi:
“(...)
A espécie é a seguinte: a Lei Complementar 56, de 15-12-87, na lista das
atividades sujeitas ao imposto sobre serviços, itens 44 (administração de fundos
mútuos), 46 (agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer) e
48 (agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia —
franchise — e de faturação — factoring), excepcionou: item 44: a administração
de fundos mútuos realizada por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco
Central; item 46: os serviços executados por instituições financeiras autorizadas a
funcionar pelo Banco Central; item 48: os serviços prestados por instituições
financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
A Lei Complementar 116, de 31-7-2003, que revogou a Lei Complementar
56, de 1987, e a Lei Complementar 100, de 1999, não contém as ressalvas
814 R.T.J. — 198
indicadas na Lei Complementar 56/87. A questão, entretanto, foi posta sob a Lei
Complementar 56, de 1987.
Acontece que a Lei 2.277, de 1994, do Município do Rio de Janeiro,
vigente a partir de 1º-1-95, registra o advogado Luiz Octavio Gallotti, no exce-
lente parecer que está nos autos, ‘ao reproduzir o conteúdo dos mesmos itens,
numerados em romano (XLIV, XLVI e XLVIII), suprimiu a exceção ditada pela
lei complementar nacional em relação aos serviços prestados por instituições
autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Vale dizer: tributou as atividades
explicitamente excluídas pela lei complementar’ (fl. 748), ou seja, pela Lei
Complementar 56/87.
O Município sustentou que a Lei Complementar 56, de 1987, não teria sido
recebida pela CF/88, por conter ela isenção heterônoma, proibida pela menciona-
da Carta, artigos 150, § 6º, e 151, III.
O acórdão embargado enfocou a questão apenas sob o ponto de vista da
isenção heterônoma. Foi omisso no que toca à questão da lista de serviços da lei
complementar. Noutras palavras, deixou o acórdão de abordar e resolver a questão
constitucional, que vem da CF/67, art. 24, II e § 4º, com a redação dada pela EC 1/
69, inscrita, hoje, no art. 156, III e § 3º, I, II e III.
Realmente, a CF/67, art. 24, II, dispunha:
‘Art. 24. Compete aos municípios instituir imposto sôbre:
I - (...)
II - serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência
tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar.” (Gri-
fei)
Acrescentava o § 4º do mesmo artigo 24:
‘§ 4º Lei complementar poderá fixar as alíquotas máximas do imposto
de que trata o item II.’
Na Constituição vigente, a matéria está assim disposta:
‘Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre (EC 3/93,
EC 29/2000 e EC 37/2002):
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar;” (grifei).
Acrescenta o § 3º do citado art. 156:
‘§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo,
cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefí-
cios fiscais serão concedidos.’
R.T.J. — 198 815
Essa matéria foi posta no RE. Todavia, o acórdão embargado não a discutiu.
Incorreu, portanto, em omissão, certo que a matéria foi prequestionada no acórdão
do Tribunal local, tendo havido, inclusive, embargos de declaração (fls. 534-536,
541-544 e 547-548).
Deve ser salientado, aliás, que a discussão a respeito da questão relativa à
isenção heterônoma, no caso, não dispensaria considerações a respeito da exclusi-
vidade ou não da lista de serviços no definir hipóteses de incidência do ISS.
(...).” (Fls. 798-801)
A questão, portanto, resume-se no perquirir se a ressalva que a Lei Complementar
56, de 15-12-87, inseriu na lista das atividades sujeitas ao imposto sobre serviços,
excetuando da tributação do ISS os serviços executados por instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central (itens 44, 46 e 48), teria sido recebida pela Constituição
de 1988, art. 150, § 6º, e 151, III. É que, para o Município do Rio de Janeiro, a ressalva
mencionada, da Lei Complementar 56, de 1987, conteria isenção heterônoma.
Essa é a questão.
Registrei, em trabalho de doutrina que escrevi, “Lei Complementar Tributária”,
em Fórum Administrativo — Direito Público, 9/1343), que a Constituição de 1967, no
art. 18, § 1º, estatuía que “lei complementar estabelecerá normas gerais de direito
tributário, disporá sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações constitucionais ao
poder de tributar”.
Duas correntes doutrinárias surgiram. A primeira, a corrente dicotômica, capitane-
ada por Geraldo Ataliba, sustentava que a lei complementar do § 1º do art. 18 da CF/67
tinha por finalidade editar normas gerais de direito tributário sobre a) conflitos de
competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e b) regular as
limitações constitucionais à tributação (“Normas Gerais de Direito Financeiro e Tributá-
rio”, RDP 10/15). A segunda, a corrente tricotômica, sustentava, a seu turno, que a citada
lei complementar do § 1º do art. 18 da CF/67 tinha por finalidade a) emitir normas gerais
de direito tributário; b) dispor sobre conflitos de competência nessa matéria entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; c) regular as limitações constitu-
cionais ao poder de tributar.
A questão foi bem exposta por Paulo de Barros Carvalho, dos principais líderes da
corrente dicotômica:
“A linha tradicional de nossos tributaristas, calcada na leitura pura e
simples do arranjo textual do preceptivo, erigiu seu entendimento procurando
respeitar todas as cláusulas ao pé da letra, sem vislumbrar o cabimento de
quaisquer outras ponderações alheias à estrutura lingüística do comando. Dessa
maneira, encetou processo hermenêutico, de cunho estritamente literal, para
chegar à inferência de que a lei complementar, citada no art. 18, § 1º, manifestava
três distintas funções: a) emitir normas gerais de direito tributário; b) dispor
sobre conflitos de competências, nessa matéria, entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios; e c) regular as limitações constitucionais ao
poder de tributar.
816 R.T.J. — 198
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, defini-
dos em lei complementar;
(...).”
O § 3º do citado art. 156 contém disposições a respeito.
A lei complementar, portanto, que definirá os serviços sobre os quais incidirá o ISS
tem por finalidade, sobretudo, afastar os conflitos de competência, em matéria tributária,
entre as entidades políticas que compõem o Estado Federal brasileiro. Nesse sentido a
lição de Sacha Calmon. (Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 8ª ed., 2005, p.
435).
Cabe-lhe, ademais, na forma do disposto no art. 146, III, a, estabelecer o fato
gerador, a base de cálculo e o contribuinte do ISS. E mais: na forma do disposto no art.
156, § 3º, I, II e III, fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, excluir da sua incidência
exportações de serviços para o exterior e regular a forma e as condições como isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A lei complementar, em resumo, no que toca ao ISS, definirá os serviços sobre os
quais incidirá o ISS, tendo por finalidade, sobretudo: a) afastar os conflitos de competên-
cia, em matéria tributária, entre as entidades políticas (CF, art. 156, III; art. 146, I); b)
cabe-lhe, ainda, estabelecer o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do ISS (CF,
art. 146, III, a); c) fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, excluir da sua incidência
exportação de serviços para o exterior e regular a forma e as condições como isenções,
incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (CF, art. 156, § 3º, I, II e III).
A Lei Complementar 116, de 2003, é a que disciplina, hoje, o ISS. Antes desta, era
o Decreto-Lei 406, de 31-12-68, recebido pela CF/88, que disciplinava o citado tributo,
cuja lista anexa de serviços foi atualizada pela Lei Complementar 56, de 15-12-87, e
pela Lei Complementar 100, de 22-12-99.
No caso, cuidamos da lista da Lei Complementar 56, de 1987.
O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município competirá instituí-lo (CF, art.
156, III). Todavia, está ele jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complemen-
tar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF,
art. 156, III).
Isso não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS
serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis
pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá incidir o menciona-
do imposto.
Bons juristas sustentam que a lista anexa à lei complementar definidora dos
serviços tributáveis não é taxativa. Sacha Calmon, por todos, leciona que a Constituição
vigente não autorizaria interpretação no sentido de que a lista é taxativa. “É que na CF
de 67, o seu art. 24, inciso II, dizia competir aos municípios instituir imposto sobre
‘serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da
União ou dos Estados, definidos em lei complementar.’ A redação falava genericamen-
te em serviços, sem nomeá-los. E, mais, dava prevalência a serviços tributados, antes,
R.T.J. — 198 819
pela União e os estados, que podiam recortar a área dos serviços à disposição dos entes
municipais. É o que não ocorre com a redação da Constituição de 88, que apropria em
prol dos municípios todos os serviços (de qualquer natureza) não compreendidos no
art. 155, II. Isto é, todo e qualquer serviço que não seja de comunicação e de transporte
interestadual e intermunicipal sujeita-se ao ISS, por expressa determinação constituci-
onal, inclusive o de transporte municipal (transporte no âmbito territorial do municí-
pio)” (Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 8ª ed., 2005, p. 434).
Divirjo do ilustre tributarista.
A Constituição, no art. 156, III, estabelece que compete aos Municípios instituir
imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar”.
O texto precisa ser analisado com cautela.
Os serviços que poderão ser tributados pelo ISS são, em princípio, todos os
serviços, menos os que estão compreendidos no art. 155, II. Mas o citado preceito
constitucional, inciso III do art. 156, acrescenta a cláusula “definidos em lei complemen-
tar”. É dizer, todos os serviços definidos em lei complementar, menos os compreendidos
no art. 155, II, poderão ser objeto do ISS.
Dir-se-á que estamos fazendo interpretação gramatical. Não. A interpretação é
sistemática e teleológica. É que a lei complementar, definindo os serviços sobre os quais
incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar os conflitos de competên-
cia, em matéria tributária, entre as pessoas políticas (CF, art. 146, I). E isso ocorre em
obséquio ao pacto federativo, princípio fundamental do Estado e da República (CF, art.
1º), erigido, pelo constituinte originário, em cláusula pétrea ou limitação material ao
constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I). A norma constitucional tem por finalidade,
portanto, afastando conflitos entre pessoas políticas que compõem o Estado Federal,
garantir, no campo da repartição da competência tributária, estabilidade ao pacto
federativo.
Não obstante as magníficas lições de Geraldo Ataliba, Cleber Giardino, Ayres
Barreto, Roque Carrazza, Sacha Calmon, dentre outros eminentes juristas, não adoto a
doutrina que defende que a lista de serviços é exemplificativa. Confesso que já me inclinei
pela adoção dessa doutrina. Veja-se, por exemplo, o meu voto na AC 130-QO/RJ.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se, de longa data, pela
taxatividade da lista: RE 71.177/SP, Ministro Rodrigues Alckmin, RTJ 70/121; RE
77.183/SP, Ministro Aliomar Baleeiro, RTJ 73/490; RE 100.858/PE, Ministro Carlos
Madeira, RTJ 117/214; RE 90.183/SP, Ministro Thompson Flores, RTJ 93/404; RE
105.477/PE, Ministro Francisco Rezek, RTJ 115/925. Neste, o Supremo Tribunal dei-
xou expresso que, apesar de limitativa e não exemplificativa a lista, cada um dos seus
tópicos comporta interpretação ampla. Mais: RE 91.737/MG, Ministro Décio Miranda,
RTJ 97/357; RE 75.952, Ministro Thompson Flores, RDA 118/115; RE 87.931/RS,
Ministro Xavier de Albuquerque, RTJ 89/281; RE 144.795/SP, Ministro Ilmar Galvão,
RTJ 150/872; RE 100.858/PE, Ministro Carlos Madeira, RTJ 117/214; RE 114.354/RJ,
Ministro Carlos Madeira, RTJ 125/876; RE 103.909/MG, Ministro Moreira Alves, RTJ
114/363; RE 81.621/SP, Ministro Leitão de Abreu, RTJ 78/928.
820 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RE 361.829/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrentes: Ação S.A.
Corretora de Valores e Câmbio e outro (Advogados: Eduardo Ferrão e outro). Recorrido:
Município do Rio de Janeiro (Advogada: Jaqueline Ripper Nogueira do Vale Cuntin
Perez).
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento ao recurso
extraordinário, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo recorrente, o Dr. Sacha
Calmon. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Joaquim Barbosa.
R.T.J. — 198 823
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE, a, contra acórdão que tem a seguinte
ementa:
“Carta ofensiva relativa à cobrança de honorários advocatícios — Confi-
guração de dano moral — Imunidade advocatícia afastada — Quantun
indenizatório excedente ao caso concreto — Sentença confirmada pelos pró-
prios fundamentos.
1. O prejuízo de ordem moral é lesão de caráter subjetivo que dispensa
comprovação, uma vez que expressões injuriosas atingem a honra, a dignidade e o
decoro do homem de bem, presumindo-se o dano a partir das circunstâncias do
fato, independente de sua repercussão social ou do conhecimento de terceiros.
2. A imunidade advocatícia prevista no artigo 133 da CF e do artigo 1º do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil não é absoluta, aplicando-se exclusi-
vamente aos atos processuais e não às atitudes tomadas pelo profissional do
Direito para solucionar questões pessoais.
824 R.T.J. — 198
3. O valor da indenização por danos morais deve inibir o ofensor, para que
não volte a causar danos semelhantes, trazendo sensação de conforto ao ofendido,
sem lhe proporcionar enriquecimento sem causa.
4. Recurso conhecido e improvido.”
Alega-se violação do art. 133 da Constituição.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O acórdão recorrido, ao excluir o ato
praticado da imunidade no exercício da profissão, não violou a disposição constitucio-
nal invocada: a imunidade do advogado — além de condicionada aos “limites da lei”, o
que, obviamente, não dispensa o respeito ao núcleo essencial da garantia da libertas
conviciandi — não alcança as relações do profissional com o seu próprio cliente.
Nego provimento ao recurso: é o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 387.945/AC — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Solange
Lins Ribeiro de Matos (Advogada: Maria do Socorro Maia Oliveira). Recorrido: Mari-
nho da Costa Gallo (Advogado: Florindo Silvestre Poersch).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso extraordinário. Unânime. Não
participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Carlos
Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agravo regimental contra decisão pela qual
neguei seguimento a recurso extraordinário interposto por servidor público que
pretende a incorporação de gratificação prevista no Estatuto dos Servidores Públicos
Federais utilizando-se de período em que era regido pela Consolidação das Leis do
Trabalho.
Insiste o agravante na violação dos dispositivos constitucionais apontados nas
razões do RE.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o agravante.
Reafirmo os fundamentos da decisão agravada, verbis:
“RE, a, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1a
Região, assim ementado (fl. 201):
‘Administrativo — Servidor público celetiário — Mudança para o
regime estatutário por determinação da Lei n. 8.112/90 — Gratificação
de direção, chefia ou assessoramento — Direito adquirido inexistente —
Lei n. 8.162/91 — Tempo de serviço prestado ao Governo do Distrito
Federal.
826 R.T.J. — 198
Alega-se violação dos artigos 5º, XXXVI, e 37, XV, da Constituição Federal.
Certo, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos
incisos I e III do artigo 7º da Lei 8.162/91 (v.g. RREE 221.946, Sydney Sanches,
Pleno, DJ de 26-2-1999; e 225.759, Moreira Alves, Pleno, DJ de 19-3-1999).
No entanto, o Tribunal a quo fundamentou seu entendimento no art. 7º, II, da
Lei 8.162/91 — cuja constitucionalidade não foi questionada pelo recorrente —,
que impede a contagem de tempo exercido sob o regime celetista, antes da
conversão para o regime estatutário, para fins de incorporação da gratificação de
que trata o art. 62 da Lei 8.112/90 — norma que regula os incorporação dos
“quintos”.
Ademais, não há direito adquirido a ser invocado.
O requerente era celetista e, nos termos do acórdão recorrido, os celetistas
não tinham direito à incorporação da gratificação pleiteada, uma vez que não
tinham direito à própria gratificação.
Somente a partir da sua conversão em servidor estatutário e do exercício
efetivo da gratificação é que se passou a ser contado o tempo para a aquisição da
incorporação, ou seja, o direito que se pretende adquirido sequer existia.
Ultrapassar esses parâmetros seria interpretar a legislação infraconstitucional,
o que é inadmissível na via do recurso extraordinário.
Quanto à violação do artigo 37, XV, da Constituição Federal, a garantia da
irredutibilidade de vencimentos ‘é modalidade qualificada da proteção ao direito
adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do
direito a determinada remuneração’ (RREE 298.694 e 298.695, Sepúlveda Perten-
ce, Pleno, DJ de 23-4-2004 e 24-10-2003, respectivamente).
O Tribunal a quo concluiu que era ilegal a incorporação, portanto, válido o
ato administrativo que a excluiu da remuneração do recorrente (Súmula 473).”
Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 394.677-AgR/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Luiz
Mário Marques Couto (Advogados: Oscar Luís de Morais e outro). Agravada: Fundação
Universidade de Brasília – FUB (Advogados: Miguel Joaquim Bezerra e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
828 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental contra decisão
singular assim redigida:
“Recurso extraordinário, com fundamento na letra a do dispositivo constitu-
cional pertinente, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Alegam os recorrentes que o não-acolhimento dos embargos declaratórios
apresentados perante a Corte de origem configurou negativa de prestação
jurisdicional. Nesse diapasão, aduzem que foram violados os arts. 5º, incisos
XXXV, LIV e LV, e 93, inciso IX, ambos da Carta de Outubro. Pleiteiam que seja
declarada deserta a apelação interposta pela Caixa Econômica Federal – CEF,
haja vista a inexistência de preparo. No ponto, requerem a declaração de
inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 1.984/2000. Finalmente, pugnam
pela condenação da mencionada empresa pública ao pagamento de honorários
advocatícios.
R.T.J. — 198 829
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tenho que o presente recurso não merece
acolhida. Isso porque a Caixa Econômica Federal, em sede de apelação, sustentou a
aplicação, ao caso dos autos, das Medidas Provisórias n. 2.164-41 e 2.180-35. Os ora
agravantes, em suas contra-razões (fls. 111-116), nada alegaram no que diz respeito à
incompatibilidade destes instrumentos normativos com a Carta de Outubro. Somente o
fizeram nos embargos de declaração. Embargos que foram rejeitados pela Corte de
origem, ante a ausência de obscuridade, contradição ou omissão.
7. Ora, nos termos da pacífica jurisprudência desta colenda Corte, os embargos
declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a decisão embargada
tenha sido efetivamente omissa a respeito de questão antes suscitada. Nesse sentido,
entre outros, o AI 502.659-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
8. Patente, dessa forma, a falta de prequestionamento dos temas constitucionais
veiculados no apelo extremo.
830 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RE 429.476-AgR/BA — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravantes: Inês Dias
Malheiros e outro (Advogados: Beatriz Veríssimo de Sena e outro). Agravada: Caixa
Econômica Federal – CEF (Advogados: Carlos Henrique B. Castello Chiossi e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.
R.T.J. — 198 831
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE, a, contra acórdão do Tribunal Regional
Federal da 5a Região, assim ementado (fl. 89):
“Administrativo. Servidor público. Certidão de tempo de serviço presta-
do como celetista em condições insalubres, perigosas e penosas. Possibilidade
de conversão. Direito adquirido. Desnecessidade de Lei Complementar. Prece-
dentes jurisprudenciais.
— O servidor público tem direito à certidão, expedida pelo INSS, do tempo
de serviço prestado como celetista sob condições de insalubridade, periculosidade
e penosidade, com os acréscimos previstos na legislação previdenciária.
— A exigência de Lei Complementar prevista no art. 40, § 4º da Constituição
Federal refere-se à definição de atividades exercidas em condições especiais e
prestadas sob o regime jurídico estatutário.
Apelação e Remessa oficial improvidas.”
Alega o RE violação dos arts. 5º, XXXVI; 40, § 1º (red. original); e 202, § 2º (red.
original), da Constituição Federal.
Sustenta que (fl. 111):
“(...) admitiram os ilustres julgadores a soma do tempo de serviço prestado
em condições especiais sob regime celetista — com a utilização do fator de
conversão — para fins de aposentadoria no serviço público em contrariedade ao
dispositivo constitucional retrotranscrito.
Com efeito, olvidaram-se os ilustres julgadores que o art. 40, § 1º da Carta
Magna — em sua redação original — proíbe a adoção de critérios diferenciados
para fins de aposentadoria no serviço público.
O mencionado dispositivo ressalva, apenas, os casos de atividade exercidas
em condições especiais, assim entendidas aquelas consideradas penosas, insalu-
bres ou perigosas. Entretanto, nessa hipótese, condicionando tal exceção à edição
de Lei complementar.
Trata-se de um permissivo constitucional de eficácia limitada, dependendo de
normatização ulterior. Em não tendo sido editada a referida norma, a expedição de
certidão de tempo de serviço com o acréscimo pleiteado pelos Recorridos representa
uma afronta ao dispositivo em tela. Com efeito, a contagem ponderada (acrescida) do
tempo de serviço prestado sob o Regime da CLT para fins de aposentadoria no
serviço público implicaria utilização de critério diferenciado, o que não pode ser
deferido até a edição da lei complementar referida na norma constitucional.”
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): O mandado de segurança foi
impetrado para que fosse assegurado o “fornecimento da respectiva certidão, do
832 R.T.J. — 198
EXTRATO DA ATA
RE 433.305/PB — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS (Advogada: Juliana de Morais Guerra). Recorrido:
Edmilson Benigno de Almeida (Advogado: Giovani Matias da Silva).
Decisão: A Turma negou provimento ao recurso extraordinário. Unânime. Não
participou deste julgamento o Ministro Carlos Britto.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro
Carlos Britto. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias
Netto.
Brasília, 14 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Sepúlveda Pertence, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É este o teor da decisão ora agravada:
“RE, a, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4a Região que
julgou legítima a revogação pela Lei 9.430/96 da isenção concedida às socieda-
des civis de profissão regulamentada pela Lei Complementar 70/91, uma vez
que esta, formalmente complementar, é, materialmente, lei ordinária no tocante à
criação e disciplina da contribuição social prevista no art. 195, I, da Constitui-
ção.
Alega o RE violação ao princípio da hierarquia das leis (art. 59 da Constitui-
ção Federal).
Não tem razão o recorrente.
No julgamento da ADC 1, RTJ 156/721, o em. Relator, Ministro Moreira
Alves, ressaltou em seu voto:
‘Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o
faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do
artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei
Complementar n. 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garan-
tir a manutenção ou a expansão da seguridade social.
Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordiná-
ria. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complemen-
tar — a Lei Complementar n. 70/91 — não lhe dá, evidentemente, a natureza
de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4º do artigo
195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos
concernentes à contribuição social por ela instituída — que são o objeto
desta ação —, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de
matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A
834 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Não tem razão o agravante.
Reitero os fundamentos da decisão agravada, fundada em manifestação plenária
deste Tribunal sobre a matéria (ADC 1, Moreira Alves, RTJ 156/721).
Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.
EXTRATO DA ATA
RE 451.988-AgR/RS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Agravante: Centro
Médico de Emergência de Porto Alegre Ltda. (Advogados: Paulo Roberto Gomes Leitão
e outro). Agravada: União (Advogada: PFN – Dolizete Fátima Michelin).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da Repú-
blica, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 21 de fevereiro de 2006 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 198 835
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 28 de março de 2006 — Eros Grau, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Os recorrentes insurgem-se contra decisão que proferi,
negando seguimento ao extraordinário. Afirmei que, consoante jurisprudência deste
Tribunal, é inconstitucional a exigência da contribuição confederativa de quem não é
filiado ao sindicato da categoria.
2. Os agravantes sustentam a insubsistência dessa decisão sob o argumento de
que a Constituição conferiu às assembléias sindicais o direito de fixar a referida
contribuição; não distinguiu entre entidades integrantes da categoria do respectivo
sindicato. Argumentam que no sistema legal brasileiro os sindicatos são constitucio-
nais (CB, art. 8º, III), com poderes, que sempre tiveram de impor contribuições a toda
a categoria.
3. Ressaltam que a contribuição deliberada pela assembléia sindical, objeto do
processo, é corolário da garantia do sindicalismo no sistema de liberdade sindical.
Afirmam, ainda, que o artigo 8º, IV, da Constituição do Brasil dispõe a respeito da
competência das assembléias dos sindicatos para fixar e cobrar a contribuição destinada
ao custeio do sistema confederativo sindical.
836 R.T.J. — 198
VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): A controvérsia a respeito da contribuição
federativa já foi dirimida por este Tribunal por ocasião do julgamento do RE n. 198.092,
Relator o Ministro Carlos Velloso, acórdão publicado no DJ de 11-10-96. A decisão está
assim ementada:
“Ementa: Constitucional. Sindicato. Contribuição instituída pela Assem-
bléia-Geral: caráter não tributário. Não-compulsoriedade. Empregados não
sindicalizados: impossibilidade do desconto. CF, art. 8º, IV.
I - A contribuição confederativa, instituída pela assembléia-geral — CF, art.
8º, IV —, distingue-se da contribuição sindical, instituída por lei, com caráter
tributário — CF, arts. 149 — assim compulsória. A primeira é compulsória apenas
para os filiados do sindicato.
II - RE não conhecido.”
2. Os agravantes dão relevo ao RE n. 189.960, Relator o Ministro Marco Aurélio.
Esse julgado, no entanto, não destoa da jurisprudência do Plenário, uma vez que
destaca a exigibilidade da contribuição prevista em convenção coletiva (CLT, artigo
513) — a contribuição sindical — de todos os integrantes da categoria profissional,
enquanto a contribuição confederativa (CB/88, artigo 8º, IV) é devida somente pelos
filiados.
3. Nestes autos, no entanto, não há controvérsia sobre a constitucionalidade ou
não da instituição das referidas contribuições. O que se tem é a exigência do desconto da
contribuição em folha de pagamento dos empregados, como estabelecido na convenção
coletiva. A concretização do direito sindical, mediante desconto da contribuição em
folha de pagamento, não dispensa a concordância ou não-oposição do trabalhador a esse
procedimento. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo: “contribuição assistencial
estipulada em convenção coletiva sujeição do desconto em folha à autorização ou à
não-oposição do trabalhador, que não ofende à Constituição” (RE n. 220.120, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 22-5-98).
Nego provimento ao agravo regimental.
R.T.J. — 198 837
EXTRATO DA ATA
RE 461.451-AgR/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Sindicato dos
Trabalhadores em Hotéis, Apart-hotéis, Motéis, Flats, Pensões, Hospedarias, Pousa-
das, Restaurantes, Churrascarias, Cantinas, Pizzarias, Bares, Lanchonetes, Sorveterias,
Confeitarias, Docerias, Buffets, Fast-foods e Assemelhados de São Paulo e Região
(Advogados: Rita de Cássia Barbosa Lopes e outro). Agravada: Lanchonete Lisboa
Ltda.
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os
Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento a Ministra Ellen
Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de
Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves.
Brasília, 28 de março de 2006 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.
838 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental interposto da decisão
(fl. 60) que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto da decisão
denegatória do processamento do recurso extraordinário. O acórdão recorrido, adotando
a Teoria do Risco Administrativo prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal,
manteve a sentença que julgou procedente o pedido de indenização formulado pela
agravada.
No recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, sustenta-se
ofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta.
A decisão agravada negou seguimento ao recurso com base na Súmula 279 do STF
e em precedentes da Corte.
Sustenta o agravante, em síntese, a insubsistência da decisão impugnada, porquan-
to “o art. 37, § 6º, da Carta Política foi vulnerado pela concessão de indenização à
agente público, servidor do Estado recorrente, como se fosse terceiro, quando a regra
aplicável ao caso seria a do art. 7º, XXVIII, da mesma Carta, em que necessário a
demonstração de dolo ou culpa do empregador. Ausente qualquer prova no sentido de
culpa do Estado recorrente, nos autos, é evidente o desacerto da decisão atacada e, por
conseguinte, configurada a ofensa ao artigo 37, § 6º, da CF, tido como fundamento
legal do decisório, porém, inaplicável ao caso” (fl. 64).
Nesse contexto, requer o agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso
assim não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): O agravo regimental não merece prospe-
rar. Está no acórdão recorrido:
“(...)
Ademais, entendo que a regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal não
determina expressamente que o sujeito passivo do dano deva ser exclusivamente o
particular que não seja funcionário público, mas ao contrário, dispõe que o Estado
sempre responde pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a
vítima, salvo se esta concorrer para a ocorrência do dano, situação que não se
questiona nestes autos.
(...).” (Fl. 39)
O Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante, RE 176.564/SP, Relator o Minis-
tro Marco Aurélio, examinando o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, entendeu que
descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo “terceiro” contido no referido
dispositivo. Ademais, como bem esclareceu o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do
referido RE 176.564/SP, enfoque diverso, excluindo da responsabilidade do Estado os
danos causados aos próprios agentes públicos, acabaria por esvaziar o preceito do § 6º do
art. 37 da Constituição Federal, estabelecendo distinção nele não contemplada.
R.T.J. — 198 839
EXTRATO DA ATA
AI 473.381-AgR/AP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Estado do
Amapá (Advogado: PGE/AP – Marcos J. Reátegui de Souza). Agravada: Helina Peres
Barbosa Nunes (Advogado: Rogério Monteles da Costa).
Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente, nes-
te julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos
Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra Ellen
Gracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha
Campos.
Brasília, 20 de setembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
840 R.T.J. — 198
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: É do seguinte teor a decisão agravada (fl. 54):
“O presente agravo de instrumento não merece acolhida, haja vista não
divergir o acórdão recorrido da jurisprudência desta colenda Corte no sentido de
que a exclusão de policial militar dos quadros da corporação não prescinde da
observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Confiram-se, a
propósito, os REs 191.480, 241.889, 224.225 e 346.803.
Incide, ademais, no caso, o óbice das Súmulas 279, 282 e 356 do STF.
Assim, frente ao art. 557 do CPC e ao § 1º art. 21 do RI/STF, nego seguimento
ao recurso.”
2. Pois bem, o agravante interpõe agravo regimental reiterando as razões expendidas
no apelo extremo. Aduz não ser o caso de incidência da Súmula 279 desta colenda Corte.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o presente recurso à apreciação
da Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Tenho que o agravo não merece acolhida.
6. No presente caso, o aresto impugnado restou assim ementado, in verbis (fl. 12):
“Processual civil e constitucional — Apelação cível — Ação ordinária —
A não-observância do princípio constitucional do direito de defesa e do devido
processo legal impossibilita a exclusão sumária de servidores dos quadros da
Polícia Militar do Estado de Pernambuco — Por maioria de votos, negou-se
provimento ao duplo grau obrigatório de jurisdição. Não se coaduna com as
disposições constitucionais a não realização de um processo administrativo ou, no
mínimo, uma sindicância, onde se proporcione amplo direito de defesa, para que
servidores castrenses possam ser excluídos das fileiras policiais. Negado, por
maioria de votos, provimento ao duplo grau obrigatório de jurisdição para manter-
se a sentença recorrida.”
7. Muito bem. É de ser ver que o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Pernambuco não destoa da pacífica jurisprudência desta colenda Corte no
sentido de que a exclusão de policial militar — mesmo não estável — dos quadros da
corporação não prescinde da observância das garantias constitucionais do contraditório
e da ampla defesa. É o que se depreende dos seguintes julgados:
“Policial Militar sem estabilidade. Licenciamento ex officio das fileiras da
Polícia Militar. — Esta Corte já firmou o entendimento de que, ainda quando a
exclusão é de policial militar sem estabilidade, pode ela resultar, se não há a
imposição de pena criminal, de procedimento administrativo sem os rigores formais
do processo administrativo assegurado aos estáveis, desde que assegurado a ele o
contraditório e a ampla defesa. — No caso, como salienta o acórdão recorrido, não foi
observado o contraditório e a ampla defesa. Recurso extraordinário não conhecido.”
(RE 224.225, Relator o Min. Moreira Alves)
R.T.J. — 198 841
EXTRATO DA ATA
AI 510.503-AgR/PE — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Estado de
Pernambuco (Advogado: PGE/PE – Sérgio Augusto Santana Silva). Agravados: Renato
Garcia de Medeiros e outro (Advogado: Rodolfo Domingos de Souza).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instru-
mento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Cezar
Peluso. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Xavier Pinheiro Filho.
Brasília, 18 de outubro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
842 R.T.J. — 198
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento
ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão
que negou seguimento a agravo de instrumento, ao fundamento de que o acórdão
recorrido se restringiu a analisar matéria processual, bem como por não se configurar, no
caso, cerceamento de defesa.
2. Reitera o agravante as alegações de mérito, sustentando revestir-se a matéria de
caráter constitucional.
3. Havendo mantido a decisão agravada, submeto o presente recurso à apreciação
da Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O inconformismo do agravante
não merece acolhida. É que a Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Rio
Grande do Sul negou seguimento ao recurso, em acórdão de cuja fundamentação se
colhe (fl. 54):
“(...)
A ausência da peça recursal nos autos torna prejudicada a análise dos pressupos-
tos de admissibilidade do recurso, tais como: cabimento; adequação; tempestividade;
regularidade procedimental dentre outros, impedimento que dele se conheça.
R.T.J. — 198 843
EXTRATO DA ATA
AI 527.561-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Instituto Nacio-
nal do Seguro Social – INSS (Advogados: Ana Lúcia de Fátima Bastos Estevão e outros).
Agravados: Antonio dos Santos Rodrigues e outro (Advogados: Marilinda da Concei-
ção Marques Fernandes e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instru-
mento, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro
Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A
PrPn Ação penal. Trancamento. Atipicidade da conduta. Interceptação telefônica
não demonstrada. HC 84.388 RTJ 198/643
PrCv Ação principal: demora no julgamento e sobrestamento. (...) Arresto. AC
244-QO RTJ 198/421
Adm Acidente de trânsito. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-
AgR RTJ 198/837
PrPn Acórdão criminal. Nulidade inocorrente. “Mutatio libelli”: não-configu-
ração. CPP/41, art. 384: inaplicabilidade. RHC 85.623 RTJ 198/703
PrPn Acórdãos do STJ e do TJ: cassação. (...) Embargos infringentes. HC 81.263
RTJ 198/626
Ct ADCT da Constituição Federal/88, arts. 8º e 9º. (...) Competência legislativa.
ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 14, § 2º. (...) Bem público. ACO 640
RTJ 198/437
Pn Advogado. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945 RTJ 198/823
PrCv Afastamento. (...) Arresto. AC 244-QO RTJ 198/421
Ct Anistia. (...) Competência. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct Anistia constitucional. (...) Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ 198/536
PrPn Apelação criminal. Ministério Público: intimação pessoal. Entrada dos autos
em setor administrativo do MP: termo inicial. RHC 81.787 RTJ 198/632
IV Arq-Câm — ÍNDICE ALFABÉTICO
B
Trbt Base de cálculo: redução. (...) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Ct Bem público. União Federal. Utilização pelo Território de Roraima. Transfe-
rência para o Estado de Roraima. Lei Complementar n. 41/81, art. 15. ADCT
da Constituição Federal/88, art. 14, § 2º. ACO 640 RTJ 198/437
C
PrPn Cabimento. (...) Habeas corpus. HC 85.410 RTJ 198/694
PrPn Câmara Municipal. (...) Competência criminal. ADI 687 RTJ 198/452
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cel-Com V
D
PrSTF Decisão do STF: descumprimento. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
PrPn Decisão do STJ: dissídio jurisprudencial. (...) Habeas corpus. HC 85.410
RTJ 198/694
PrSTF Decisão em ação civil pública. (...) Reclamação. Rcl 2.224 RTJ 198/503
PrPn Decisão fundamentada e razoável. (...) Interceptação telefônica. HC 84.388
RTJ 198/643
PrSTF Declaração de inconstitucionalidade. (...) Reclamação. Rcl 2.224 RTJ 198/
503
Adm Declaração de interesse social. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Decreto expropriatório: edição. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/
594
Ct Decreto-Lei n. 509/69. (...) Empresa pública. RE 220.906 RTJ 198/768
PrPn Defesa técnica: ausência. (...) Interrogatório. RHC 87.172 RTJ 198/716
PrPn Defesa técnica: constituição. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Delegado de polícia. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. HC
85.910 RTJ 198/707
PrPn Denúncia. Inépcia. Descrição insuficiente do fato. Falsidade ideológica. HC
84.388 RTJ 198/643
PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Crime societário. Individualização da con-
duta: ausência. Responsabilidade diferenciada de sócios e gerentes: impos-
sibilidade de verificação de plano. HC 85.549 RTJ 198/698
ÍNDICE ALFABÉTICO — Den-Eme IX
PrPn Denúncia: ausência. (...) Competência criminal. Inq 1.819-AgR RTJ 198/
500
PrPn Depoimento do réu: fundamento da condenação. (...) Interrogatório. RHC
87.172 RTJ 198/716
Ct Deputado estadual. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ 198/561
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Recurso sem efeito suspensivo. Decreto
expropriatório: edição. Declaração de interesse social. MS 24.764 RTJ 198/
594
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria parcelada: admissibilidade.
Glebas autônomas. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Vistoria: prazo. Invasão por “sem-terra”.
Improdutividade. Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 6º, redação da MP n. 2.183-56/01.
MS 24.764 RTJ 198/594
PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 85.549 RTJ 198/698
PrCv Descabimento. (...) Mandado de segurança. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
TrGr Desconto em folha. (...) Contribuição assistencial. RE 461.451-AgR RTJ
198/835
PrPn Descrição insuficiente do fato. (...) Denúncia. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Deslocamento para o STF: descabimento. (...) Competência criminal. Inq
1.819-AgR RTJ 198/500
PrPn Desvio de finalidade: inocorrência. (...) Interceptação telefônica. HC
84.388 RTJ 198/643
PrPn Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado. (...) Sentença
criminal. HC 85.144 RTJ 198/682
Adm Direito subjetivo: inocorrência. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ 198/
584
Pn Dosimetria. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
E
PrSTF Efeito suspensivo a agravo de instrumento: impossibilidade. (...) Medida
cautelar. AC 865-AgR RTJ 198/485
PrSTF Efeito suspensivo a recurso extraordinário. (...) Medida cautelar. AC 731-
MC RTJ 198/484
PrPn Embargos infringentes. Erro no não-conhecimento. Constrangimento ile-
gal. Acórdãos do STJ e do TJ: cassação. HC 81.263 RTJ 198/626
Ct Emenda Constitucional estadual n. 14/01-PR: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ 198/536
X Eme-Gle — ÍNDICE ALFABÉTICO
F
PrPn Falsidade ideológica. (...) Denúncia. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Fato em tese estranho às investigações. (...) Interceptação telefônica. HC
84.388 RTJ 198/643
Ct Filiação: necessidade. (...) Contribuição confederativa. RE 461.451-AgR
RTJ 198/835
Pn Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilidade. (...) Pena-base. HC
87.263 RTJ 198/720
Pn Fixação no máximo legal. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ 198/720
PrPn Fuga e deserção. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Fundamentação inidônea. (...) Prisão preventiva. HC 85.238 RTJ 198/687
Pn Fundamentação insuficiente. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ 198/720
G
Adm Glebas autônomas. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
ÍNDICE ALFABÉTICO — Hab-Inc XI
H
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Decisão do STJ: dissídio jurisprudencial. HC
85.410 RTJ 198/694
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Idoneidade jurídica da prova: aferição. HC
85.410 RTJ 198/694
PrPn Habeas corpus. Concessão de ofício. Constrangimento ilegal flagrante. HC
87.263 RTJ 198/720
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Crime societário. Verificação de efetivo
exercício de gestão. HC 85.549 RTJ 198/698
Pn “Habeas corpus”: concessão de ofício. (...) Pena-base. HC 87.263 RTJ
198/720
I
PrPn Idoneidade jurídica da prova: aferição. (...) Habeas corpus. HC 85.410 RTJ
198/694
Ct Impenhorabilidade de bens, rendas e serviços. (...) Empresa pública. RE
220.906 RTJ 198/768
Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Base de
cálculo: redução. Isenção parcial. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Operação
subseqüente: redução da base de cálculo. Operação anterior: estorno propor-
cional do crédito. Princípio da não-cumulatividade. CF/88, art. 155, § 2º, II,
“b”. Convênio ICMS n. 66/88, art. 32, II. Lei estadual n. 6.374/89-SP, art. 41,
IV. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Imposto sobre Serviços – ISS. Inexigibilidade. Instituição autorizada a
funcionar pelo Banco Central. Lista de serviços: taxatividade. Lei Comple-
mentar n. 56/87. Lei municipal n. 2.277/94, Rio de Janeiro-RJ: inaplicabili-
dade. RE 361.829 RTJ 198/811
Adm Improdutividade. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Pn Imunidade judiciária. Limite. Advogado. Ofensa irrogada em sede pessoal.
CF/88, art. 133. RE 387.945 RTJ 198/823
Ct Imunidade parlamentar. Licença prévia: extinção. Retomada do curso do
processo. Prescrição inocorrente. Emenda Constitucional n. 35/01. Inq 1.326
RTJ 198/488
Trbt Incidência. (...) Taxa de expediente. ADI 2.551-MC-QO RTJ 198/508
PrSTF Inclusão ou recusa formal da impetrante: necessidade. (...) Reclamação. Rcl
2.772 RTJ 198/551
XII Ind-Juí — ÍNDICE ALFABÉTICO
J
PrPn Juízo competente ao início da investigação. (...) Competência. HC 84.388
RTJ 198/643
Adm Juízo de conveniência e oportunidade. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ
198/584
ÍNDICE ALFABÉTICO — Júr-Lis XIII
L
Ct Lei complementar. Lei materialmente ordinária. Revogação por lei ordiná-
ria. Princípio da hierarquia das leis: ofensa inocorrente. RE 451.988-AgR
RTJ 198/832
Adm Lei Complementar estadual n. 43/92-SC. (...) Remuneração. RE 192.364
RTJ 198/752
Ct Lei Complementar n. 41/81, art. 15. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/
437
Trbt Lei Complementar n. 56/87. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE 361.829
RTJ 198/811
Trbt Lei Complementar n. 70/91. (...) Contribuição social. RE 451.988-AgR RTJ
198/832
PrCv Lei em tese. (...) Mandado de segurança. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
Trbt Lei estadual n. 6.374/89-SP, art. 41, IV. (...) Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Ct Lei materialmente ordinária. (...) Lei complementar. RE 451.988-AgR RTJ
198/832
Trbt Lei municipal n. 2.277/94, Rio de Janeiro-RJ: inaplicabilidade. (...) Imposto
sobre Serviços – ISS. RE 361.829 RTJ 198/811
Adm Lei municipal n. 10.430/88, São Paulo-SP, art. 42. (...) Remuneração. RE
215.612 RTJ 198/761
PrSTF Lei n. 8.038/90, art. 15. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
PrSTF Lei n. 8.162/91, art. 7º, I e III. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR
RTJ 198/824
Adm Lei n. 8.629/93, art. 2º, § 6º, redação da MP n. 2.183-56/01. (...) Desapropri-
ação. MS 24.764 RTJ 198/594
Ct Licença prévia: extinção. (...) Imunidade parlamentar. Inq 1.326 RTJ 198/488
Pn Limite. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945 RTJ 198/823
Trbt Lista de serviços: taxatividade. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE
361.829 RTJ 198/811
PrSTF Lista tríplice: recomposição. (...) Reclamação. Rcl 2.772 RTJ 198/551
XIV Mag-Mut — ÍNDICE ALFABÉTICO
M
PrSTF Magistrado: promoção por merecimento a TRT. (...) Reclamação. Rcl 2.772
RTJ 198/551
PrCv Mandado de segurança. Ato de Turma Recursal de Juizado Especial.
Competência do STF: inocorrência. Remessa dos autos ao juízo competente:
impossibilidade. CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. Regimento Inter-
no do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. MS 25.258-AgR RTJ
198/617
PrCv Mandado de segurança. Descabimento. Lei em tese. Substituição de ação
direta de inconstitucionalidade. MS 25.456-AgR RTJ 198/624
Ct Mandato parlamentar. Perda: voto aberto. Deputado estadual. CF/88, arts.
27, § 1º, e 55, § 2º. Constituição do Estado do Rio de Janeiro/89, art. 104,
§ 2º, redação da EC n. 17/01: inconstitucionalidade. ADI 3.208 RTJ 198/561
PrSTF Matéria constitucional suscitada em embargos de declaração. (...) Recurso
extraordinário. RE 429.476-AgR RTJ 198/828
PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR
RTJ 198/824 – AI 527.561-AgR RTJ 198/842
PrSTF Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: RE n. 346.084. (...)
Medida cautelar. AC 731-MC RTJ 198/484
PrSTF Medida cautelar. Efeito suspensivo a agravo de instrumento: impossibili-
dade. Recurso extraordinário inadmitido. Súmulas 634 e 635. AC 865-AgR
RTJ 198/485
PrSTF Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. Matéria pen-
dente de julgamento no Plenário do STF: RE n. 346.084. AC 731-MC RTJ
198/484
Ct Membro da Procuradoria da Fazenda do Estado: impossibilidade. (...) Tribu-
nal de Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
Adm Metrô/SP. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/441
PrPn Militar. (...) Citação-edital. HC 85.950 RTJ 198/709
PrPn Ministério Público: intimação pessoal. (...) Apelação criminal. RHC 81.787
RTJ 198/632
Ct Município. (...) Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Município. Prefeito. Substituição ou sucessão por juiz de direito: impossibi-
lidade. Constituição do Estado do Pará/89, art. 78, § 1º: inconstituciona-
lidade. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Município. Tribunal de Contas. Criação: impossibilidade. ADI 687 RTJ
198/452
PrPn “Mutatio libelli”: não-configuração. (...) Acórdão criminal. RHC 85.623
RTJ 198/703
ÍNDICE ALFABÉTICO — Nat-Pod XV
N
Adm Natureza. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-AgR RTJ 198/
837
Adm Natureza precária. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ 198/584
PrPn Nulidade. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295 RTJ 198/640
PrPn Nulidade absoluta. (...) Interrogatório. RHC 87.172 RTJ 198/716
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Acórdão criminal. RHC 85.623 RTJ 198/703
PrPn Nulidade inocorrente. (...) Sentença condenatória. HC 85.410 RTJ 198/694
O
Pn Ofensa irrogada em sede pessoal. (...) Imunidade judiciária. RE 387.945
RTJ 198/823
Trbt Operação anterior: estorno proporcional do crédito. (...) Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Trbt Operação subseqüente: redução da base de cálculo. (...) Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. RE 174.478 RTJ 198/724
Pn Ordem judicial: descumprimento. (...) Crime de desobediência. HC 86.047
RTJ 198/712
P
Pn Pena. Dosimetria. Erro de cálculo. Recurso exclusivo da defesa. Aumento de
ofício: inadmissibilidade. Princípio da vedação da “reformatio in pejus”.
HC 83.545 RTJ 198/635
Pn Pena-base. Fixação abaixo do mínimo legal: impossibilidade. Confissão
espontânea: irrelevância. HC 87.263 RTJ 198/720
Pn Pena-base. Fixação no máximo legal. Fundamentação insuficiente. “Habeas
corpus”: concessão de ofício. HC 87.263 RTJ 198/720
PrPn Pena-base: cálculo. (...) Sentença condenatória. RHC 84.295 RTJ 198/640
Adm Penhora: suspensão. (...) Sociedade de economia mista. AC 669 RTJ 198/441
PrPn Pequena quantia em dinheiro: devolução a traficante. (...) Termo Circuns-
tanciado de Ocorrência – TCO. HC 85.910 RTJ 198/707
Ct Perda: voto aberto. (...) Mandato parlamentar. ADI 3.208 RTJ 198/561
Ct Poder constituinte originário. (...) Competência legislativa. ADI 2.639 RTJ
198/536
XVI Pol-Pri — ÍNDICE ALFABÉTICO
Q
PrPn Quesitos em séries distintas. (...) Júri. HC 85.144 RTJ 198/682
PrSTF Questão processual: exame. (...) Recurso extraordinário. AI 527.561-AgR
RTJ 198/842
PrSTF Quintos: incorporação. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR RTJ
198/824
Adm Quintos: supressão. (...) Servidor público. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
R
PrSTF Reclamação. Decisão do STF: descumprimento. Magistrado: promoção por
merecimento a TRT. Lista tríplice: recomposição. Inclusão ou recusa formal
da impetrante: necessidade. CF/88, art. 93, II, “b” e “d”. Rcl 2.772 RTJ 198/
551
PrSTF Reclamação. Decisão em ação civil pública. Declaração de inconstituciona-
lidade. Competência do STF: usurpação. Rcl 2.224 RTJ 198/503
XVIII Rec-Rem — ÍNDICE ALFABÉTICO
PrSTF Reclamação. Intervenção de terceiro. Lei n. 8.038/90, art. 15. Rcl 2.772 RTJ
198/551
Pn Recurso exclusivo da defesa. (...) Pena. HC 83.545 RTJ 198/635
PrPn Recurso exclusivo da defesa. (...) Sentença criminal. HC 85.144 RTJ 198/
682
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Questão processual:
exame. AI 527.561-AgR RTJ 198/842
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Servidor público.
Celetista convertido em estatutário. Tempo de serviço: contagem. Quintos:
incorporação. Lei n. 8.162/91, art. 7º, I e III. RE 394.677-AgR RTJ 198/
824
PrSTF Recurso extraordinário. Prequestionamento: ausência. Matéria constitucio-
nal suscitada em embargos de declaração. RE 429.476-AgR RTJ 198/828
PrSTF Recurso extraordinário inadmitido. (...) Medida cautelar. AC 865-AgR RTJ
198/485
Adm Recurso sem efeito suspensivo. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/
594
Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594 – MS 24.764
RTJ 198/594
PrCv Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...)
Mandado de segurança. MS 25.258-AgR RTJ 198/617
Ct Relatório trimestral e anual: encaminhamento obrigatório. (...) Assembléia
Legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
PrPn Relaxamento. (...) Prisão preventiva. HC 85.238 RTJ 198/687
PrCv Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. (...) Mandado de
segurança. MS 25.258-AgR RTJ 198/617
Adm Remuneração. Procurador de Estado. Proventos equivalentes aos de secretá-
rio de Estado. Teto constitucional. Vantagem pessoal: exclusão. Verba rela-
tiva à natureza do cargo: inclusão. CF/88, art. 37, XI, redação anterior às EC
n. 19/98 e n. 41/03. RE 174.742 RTJ 198/735
Adm Remuneração. Servidor público. Teto estadual. Secretário de Estado:
parâmetro. Lei Complementar estadual n. 43/92-SC. RE 192.364 RTJ 198/
752
Adm Remuneração. Servidor público. Teto estadual inferior ao federal: possibili-
dade. CF/88, art. 37, XI. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Remuneração. Servidor público municipal. Teto constitucional. Vantagem
pessoal: exclusão. Lei municipal n. 10.430/88, São Paulo-SP, art. 42. RE
215.612 RTJ 198/761
ÍNDICE ALFABÉTICO — Res-Soc XIX
S
Pn Sanção civil e penal: cumulação. (...) Crime de desobediência. HC 86.047
RTJ 198/712
Adm Secretário de Estado: parâmetro. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
PrPn Sentença condenatória. Nulidade. Pena-base: cálculo. Critério trifásico:
inobservância. CP/40, arts. 59, 61, I, e 68. RHC 84.295 RTJ 198/640
PrPn Sentença condenatória. Nulidade inocorrente. Prova válida e suficiente.
HC 85.410 RTJ 198/694
PrPn Sentença criminal. Direito de apelar em liberdade até o trânsito em julgado.
Recurso exclusivo da defesa. HC 85.144 RTJ 198/682
Adm Servidor público. Celetista convertido em estatutário. Quintos: supressão.
Ato administrativo: validade. Princípio da irredutibilidade de vencimentos:
ofensa inocorrente. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
Adm Servidor público. Celetista sob condições de isalubridade, periculosidade e
penosidade. Certidão de tempo de serviço: emissão pelo INSS. RE 433.305
RTJ 198/830
PrSTF Servidor público. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-AgR RTJ 198/824
Adm Servidor público. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Servidor público municipal. (...) Remuneração. RE 215.612 RTJ 198/761
Trbt Sociedade civil de profissão. (...) Contribuição social. RE 451.988-AgR
RTJ 198/832
Adm Sociedade de economia mista. Prestação de serviço público. Metrô/SP.
Penhora: suspensão. Princípio da continuidade do serviço público. CPC/73,
art. 678. CF/88, art. 173, § 1º, II. AC 669 RTJ 198/441
XX Sub-Tri — ÍNDICE ALFABÉTICO
T
Trbt Taxa de expediente. Incidência. Prêmio do seguro DPVAT. Custo do serviço:
desproporcionalidade. Princípio da não-confiscatoriedade e da proporciona-
lidade: ofensa. ADI 2.551-MC-QO RTJ 198/508
Adm Televisão a cabo: distribuição de sinal. (...) Autorização. RMS 22.665 RTJ
198/584
PrSTF Tempo de serviço: contagem. (...) Recurso extraordinário. RE 394.677-
AgR RTJ 198/824
PrPn Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. Trancamento. Prevari-
cação: não-configuração. Atipicidade da conduta. Delegado de polícia.
Pequena quantia em dinheiro: devolução a traficante. HC 85.910 RTJ
198/707
Adm Teto constitucional. (...) Remuneração. RE 174.742 RTJ 198/735 – RE
215.612 RTJ 198/761
Adm Teto estadual. (...) Remuneração. RE 192.364 RTJ 198/752
Adm Teto estadual inferior ao federal: possibilidade. (...) Remuneração. RE
192.364 RTJ 198/752
PrPn Trancamento. (...) Ação penal. HC 84.388 RTJ 198/643
PrPn Trancamento. (...) Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO. HC
85.910 RTJ 198/707
Ct Transferência para o Estado de Roraima. (...) Bem público. ACO 640 RTJ
198/437
Ct Tribunal de Contas. (...) Município. ADI 687 RTJ 198/452
ÍNDICE ALFABÉTICO — Tri-Vít XXI
U
Ct União Federal. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/437
Ct União Federal. (...) Competência. ADI 2.639 RTJ 198/536
Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 687 RTJ 198/452
Ct Utilização pelo Território de Roraima. (...) Bem público. ACO 640 RTJ 198/437
V
Ct Vaga reservada ao Legislativo e ao Executivo: proporção. (...) Tribunal de
Contas estadual. ADI 397 RTJ 198/433
Adm Vantagem pessoal: exclusão. (...) Remuneração. RE 174.742 RTJ 198/735 –
RE 215.612 RTJ 198/761
Adm Verba relativa à natureza do cargo: inclusão. (...) Remuneração. RE 174.742
RTJ 198/735
PrPn Verificação de efetivo exercício de gestão. (...) Habeas corpus. HC 85.549
RTJ 198/698
Adm Vistoria parcelada: admissibilidade. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ
198/594
Adm Vistoria: prazo. (...) Desapropriação. MS 24.764 RTJ 198/594
Adm Vítima servidor público. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 473.381-
AgR RTJ 198/837
ÍNDICE NUMÉRICO
ACÓRDÃOS