Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Cultural”, Geertz (2008) é bem provocativo afirmando que a antropologia da religião está em
estado de estagnação, que vive da reduplicação solene, do academicismo. Segundo ele, os
estudos antropológicos sobre religião, realizados após a segunda-guerra não trazem grande
inovações, a não ser enriquecimento empírico. Estes estudos continuam utilizando o capital
conceitual de estudos anteriores, utilizando-se de uma tradição intelectual estreitamente
definida, que inclui Durkheim, Weber, Freud ou Malinowski.
Para Geertz (2008), pequenas variações de temas teóricos clássicos não alteram este estado.
Para tal seria necessário que os estudiosos se ativessem a problemas obscuros que
possibilitem descobertas. Isto não significa abandonar as tradições teóricas existentes até
então, mas tomá-las como ponto de partida para, assim, ampliar nossa percepção a partir
delas.
Geertz afirma que sua análise da religião se restringirá a dimensão cultural desta. Ele afirma
entender a existência múltipla do termo cultura, mas que o utiliza no sentido de “um padrão
de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de
concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens
comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à
vida”.
Geertz aponta a dependência do homem aos símbolos e sistemas simbólicos. Eles parecem
ser decisivos para que o próprio ser humano seja viável enquanto criatura, havendo quase
nenhuma transigência a sugestão que a capacidade de criar, apreender e utilizar símbolos
pode falhar. Se isto acontecesse, nos diz o autor, seria o caos – um túmulo de acontecimentos
ao qual faltam interpretações e interpretabilidade. Três são os pontos no qual o caos ameaça
o homem: 1. nos limites de sua capacidade analítica – a maioria dos homens não conseguem
deixar sem esclarecimento problemas de analise não esclarecido, uma inquietação profunda
ocorre quando há o fracasso do aparato explanatório; 2. nos limites de seu poder de suportar
– a religião oferece a capacidade de compreender o mundo e definir as emoções, permitindo
suportá-las, não saber como interpretar as emoções causa um sofrimento ainda mais
profundo; 3. nos limites de sua introspecção moral – quando algo dificulta a possibilidade de
fazer julgamentos morais ditos corretos, de utilizar o sistema simbólico que nos oferece o
aparato ético e moral. Em resumo, a difícil compreensão de certos acontecimentos leva a
dúvida, que se torna bastante inconfortável, quanto à existência de uma ordem de mundo
verdadeira. Contudo a religião elabora, em contraponto a toda esta dúvida, uma
ordem genuína do mundo que dará conta das eventuais ambiguidades. Nesse
sentido, a religião pode ser entendida como uma forma de conhecimento do
mundo.
O problema do significado (o fato de existirem a perplexidade, a dor e o paradoxo moral) é
uma dos principais impulsionadores da crença religiosa. O axioma básico da perspectiva
religiosa é que “aquele que tiver de saber precisa primeiro acreditar” (GEERTZ, 2008, p.81).
Uma perspectiva religiosa é um modo de ver, um entre outros modos. Esta perspectiva difere
da do senso-comum, da ciência e da estética. Ela repousa em uma aura “verdadeiramente
real”, a qual suas atividades simbólicas se devotam a produzir.
Os rituais mais elaborados e mais públicos são os que costumam definir a consciência
espiritual de um povo. O ritual é o mecanismo que faz com que todo esse sistema
simbólico religioso, adquira autoridade sobre os indivíduos, pois é nesse
momento que se efetiva a fusão entre a visão do mundo e o ethos e a
intransponibilidade entre o modelo “de” e o modelo “para”. Eles reúnem tanto uma
gama de disposições e motivações como concepções metafísicas. Geertz propõe o termo,
utilizado por Singer, “realizações culturais” para nomear essas cerimônias.
Ninguém vive a todo tempo no mundo formado pelos símbolos religiosos, mas no mundo
cotidiano dos objetos do senso-comum. Geertz aponta que as pessoas podem viver sem
percepção artística, científica ou religiosa, mas não sem um entendimento do senso-comum.
Assim, o impacto mais importante dos rituais está fora dos limites da duração do seu
acontecimento, está na influência que exerce na concepção individual de mundo usada
cotidianamente. Para o autor o movimento entre a religião e o senso-comum é bastante
recorrente empiricamente e precisa ser melhor observado pelos pesquisadores.
Para Geertz, o estudo antropológico da religião deve ser realizado em dois estágios: 1. Análise
do sistema de significados incorporado nos símbolos que formam a religião propriamente
dita; 2. análise do relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e
psicológicos. O autor crítica que os estudos dos antropólogos contemporâneos negligenciam
este segundo estágio e dão mais ênfase ao primeiro.
Geertz propõe neste texto uma série de questões sobre o fazer da antropologia da religião
contemporânea. Estes pontos podem nos levar a um interessante debate sobre nossas
experiências teóricas e empíricas. Tomando os questionamentos suscitados por ele podemos
refletir até onde estamos presos aos clássicos, e não existe uma produção que amplie a
percepção teórica a partir deles, como o próprio Geertz propõe? Estamos mesmo fugindo das
questões mais obscuras, e mais interessantes, que suscitam os estudos sobre a religião, as
relegando a outras disciplinas? Os antropólogos contemporâneos têm de fato deixado de
analisar os significados dos símbolos que formam a religião?