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Vérités de lá Palice.
1. -Nós nos propomos a falar do silêncio que significa em si mesmo. Com ou sem palavras,
este silêncio rege os processos de significação. Em suma dar ao silêncio um estado explicativo.
P.63
3. -“método que prepara a alma para experiências pessoais” (Enciclopédia de Religião e Ética
de Hasting). P. 64
4. -Na Grécia, o silêncio tinha um lugar importante nas sociedades pitagóricas e nos círculos
5. -O antigo testamento também tem suas demarcações do que é silêncio e sua função. P.
64
idade Média, fizeram largo uso do silêncio como meio de encontrar suas divindades. P. 64
7. -Esta longa história da relação e da reflexão sobre o silêncio, nas suas determinações
religiosas ou místicas, contribui bastante para uma tradição em que não se reflete sobre o
8. -É preciso assim um certo esforço para laicizar a reflexão sobre o silêncio. Não é uma
tarefa fácil. P. 65
9. -Não é disto que estamos falando, mas da necessidade de se considerar o silêncio que
torna possível toda significação, todo dizer. O silêncio que não é distanciamento, mas presença.
P. 66
10. -Nosso interesse incide sobre os processos de produção dos sentidos estabelecidos pelo
silêncio e “a historia como ruptura chama para além do silêncio da filosofia” (A. Juranville, 1984).
P. 66
11. -É, pois desse silêncio, presente na constituição do sentido e do sujeito da linguagem, de
que nos ocupamos aqui. Duas ordens de questões se impõem desde o início:
b) Como se pode explicar o fato de que, para dizer “x”, é preciso não dizer “y”?
12. -A fim de desenvolver essas questões, vamos distinguir as diferentes noções de silêncio,
ou, dito de outro modo, as diferentes formas de silêncio. P. 67
I Silêncio e Implícito
1. -É preciso, já de início, diferenciar conceitos que estão próximos mas que têm naturezas
67-8
dizer. P. 68
5. -Essa mudança de terreno deriva do fato de termos considerado que o silêncio tem seus
6. -Em suma: O silêncio é implícito, sendo que o silencio não tem uma relação de
dependência com o dizer para significar: o sentido do silêncio não deriva do sentido das
palavras. P. 68
7. -Se faz necessário essas observações porque é preciso considerar a relação fundamental
das palavras com o silêncio sem, no entanto, reduzir este a um complemento da palavra. P. 68
fixadas:
a) Reafirmando, inicialmente, que o silêncio não recobre o mesmo campo (teórico, analítico)
do implícito;
69
9. -O silêncio não se reduz à ausência de palavras. As palavras são cheias, ou melhor, são
carregadas de silêncio. Não se pode excluí-lo das palavras assim como não se pode, por outro
lado, recuperar o sentido do silêncio só pela verbalização. A tradução do silêncio como uma
relação parafrástica. P. 69
10. -A “legibilidade” do silêncio nas palavras só é tornada possível quando consideramos que
a materialidade significante do silêncio e a da linguagem diferem e que isto conta nos distintos
1. -É importante insistir que o silêncio não se define como tal só por sua relação à parte
1. O silêncio fundador
toda significação. P. 70
significativa. P. 70
5. -O silêncio não é ausência de palavras, ele é o que há entre as palavras, entre as notas de
música, entre as linhas entre os astros, entre os seres. Ele é p tecido intersticial que põe em
relevo os signos que estes, dão valor à própria natura do silêncio que não dever concebido
como um “meio” (J. de Bourbon Busset, 1984). P. 70
6. -No entanto o silêncio não está somente “entre” as palavras. Ele as atravessa. Ele é
sintático, há gramaticalidade. P. 71
9. -Em face ao discurso o sujeito estabelece necessariamente um laço com o silêncio;
mesmo que esta relação não se estabeleça totalmente em um nível consciente. Para falar o
10. -Um dos aspectos da polissemia : mais se diz, mais o silêncio se instala, mais os sentidos
se tornam possíveis e mais se tem ainda a dizer. P.71
11. -Contudo em na concepção da autora, o silêncio é mais ainda: ele significa por si mesmo:
O silêncio não são as palavras silenciadas que se guardam no segredo, sem dizer. O silêncio
guarda um outro segredo que o movimento das palavras não tinge. (M. Le Bot, 1984) p. 72
12. -O silêncio do sentido torna presente não só a eminência do não-dito, mas o indizível da
presença: do sujeito e do sentido. Sendo assim não se pode não significar, para o sujeito de
linguagem, o sentido já está sempre lá – considerando sua relação com a significação – o sujeito
tem assim uma necessária relação ao silencio. Com efeito, a linguagem é passagem incessante
13. -Movimento permanente que caracteriza a significação e que produz o sentido em sua
pluralidade, determinado pelo contexto e pelos contextos esse deslocamento inscrito na
constituição dos sentidos tem uma relação particular com a subjetividade: o sujeito desdobra o
14. -O discurso se apresenta desse modo como projeto – o estado significante – pelo qual o
sujeito se lança em “seu” sentido, um movimento contínuo, esse “projeto” se conclui quando o
16. -Se o silêncio fundador não existisse: "as línguas teriam soçobrado na plenitude dos
sentidos” (M.Le Bot. 1984). O mesmo autor diz que “se os sentidos e as palavras não estivessem
limitados pelo silêncio, o sentido das palavras já há muito teriam dito tudo o que pode dizer”. O
sentido é múltiplo porque o silêncio é constitutivo. A falha e o possível estão no mesmo lugar, e
Entretanto, uma vez recortado, o sentido permanece sempre a ser ainda dito. P. 73
18. -Se o silêncio não tivesse um sentido em si mesmo, uma vez categorizado, este sentido
seria definitivo. A língua tornar-se-ia pura convenção . P. 73-4
19. -A partir do deslocamento que produzimos dando ao silêncio uma especificidade teórico-
segmentável;
20. -Isso porque o silencio não é “categorizável”. Ele é condição da linguagem, mas é
absoluto, intemporal e ilimitado em sua extensão (M.Le Bot, idem). Pensando o dis-curso,
etimologicamente, como “o que retorna” podemos estabelecer o modo apropriado de
21. -Desde que propomos uma reflexão crítica sobre os processos de significação, não mais
nos limitamos à busca de unidades discretas, pois que se a matéria significante do silêncio é
diferente da da linguagem verbal, está diferença deve ser levada em conta pela análise. P.74
1. -Há uma distinção no interior da noção de silêncio que nos indica um procedimento
analítico significativo. P. 75
2. -Há a política do silêncio, que, por usa vez, tem duas formas de existência ligadas:
a) O silêncio constitutivo
b) O silêncio local. P. 75
4. -Com efeito, a política do silêncio se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos
necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada. P.
75
excluído. P. 75-6
do dizer. P. 76
8. -O mecanismo que põe em funcionamento o conjunto do que é preciso não dizer para
poder dizer, esse mecanismo é a “forclusão”, é nesse nível que ela funciona. P. 76
9. -Toda denominação apaga necessariamente outros sentido possíveis, o que mostra que o
10. -Como parte da política do silêncio temos, ao lado do silêncio constitutivo, o silêncio local,
11. -Como exemplo desse silêncio local: a censura. É uma estratégia política circunstanciada
em relação à política dos sentidos: é a produção do interdito, do proibido, uma produção do
13. -É preciso não confundir os dois modos de existência do silêncio - o fundador e o político
-. P. 77
14. -Detectar os efeitos da política do silêncio é bem mais fácil e nós veremos que podemos:
censura e,
a. Dominação e resistência
1. -Poder-se-ia falar do modo como a censura funciona ao lado da opressão, porem não há
mistério: proíbem-se certas palavras para se proibir certos sentidos. Contudo há um aspecto
interessante a observar em relação a esse mecanismo da censura: no discurso, sujeito e sentido
se constituem simultaneamente procedendo assim proíbem-se certas “posições” de sujeitos. P.
78
2. -A censura é um fato discursivo que se produz nos limites das diferentes FDs que estão
em relação. P. 78
5. -Em uma conjuntura dada, as FDs determinam “o que pode e dever ser dito” (Henry,
Haroche, Pêcheux, 1972). P. 79
6. -A relação com o dizível modifica-se quando a censura intervém. Não se trata do dizível
sócio historicamente definido pelas FD ‘s (dizer possível) nem se pode dizer o proibido,
8. -Este domínio dividido da constituição da unidade textual e da unidade dos sem tidos
corresponde um domínio de incompletude do sujeito. O sujeito e o sentido também são
9. -Os processos discursivos se realizam necessariamente pelo sujeito, mas não têm sua
origem no sujeito (ilusão do sujeito de estar na fonte do sentido: esquecimento nº 1 de Pêcheux,
1975), ao falar o sujeito se divide: as suas palavras também as palavras dos outros. P. 79-80
10. -Dessa contradição: inerente ao sujeito e de sentido, resulta uma relação particular e
dinâmica entre identidade e alteridade: um movimento que separa e simultaneamente liga,
11. -Se há Um apagamento necessário para a constituição do sujeito, e isso faz parte de sua
incompletude, há também um anseio, ou antes uma injunção à incompletude, vocação
totalizante do sujeito, que, na sua relação com o apagamento desempenha o papel de sentido,
14. -Sem a incompletude haveria asfixia do sujeito e do sentido, pois o sujeito não poderia
atravessar, e não seria atravessado, pelos diversos discursos que já que não poderia correr pelos
diversos atravessamentos das diferentes FDs, visto que o outro, e os outros, é o limite mas
também é o possível. P. 81
15. -A situação típica da censura traduz exatamente esta asfixia: ela é a interdição manifesta
17. -Façamos então uma relação entre a rarefação do sentido produzida pela relação com o
18. -Narciso fixa seu sentido: ele não se deixa atravessar (e não atravessa) “outros” discursos .
P. 82
19. -A censura reúne Narciso e Eco, uma exasperação da identidade e o movimento centrado
na alteridade, ou seja, na censura há negação da alteridade, mas também a identidade é
aniquilada (pode ser melhor visto em D. Maingueneau, 1989). A relação de narciso se faz não
enquanto “espelho” mas como reflexo. Reflete a realidade na fluidez, ou seja, se projeta pela
20. -Se de um lado toda, toda FD é heterogênea em relação a ela mesma porque os limites
do dizer, as diferente regiões de sua constituição, refletem sua relação com a sua exterioridade,
por outro lado o sentido é errático, podendo migrar de sua região para outra. P. 82
21. -Faz parte das condições de produção do sentido a circulação possível pelas diferentes
formações discursivas. P. 82
22. -Ao atingir o sujeito, lhe é ficada uma imagem e ao mesmo tempo abriga-o a projetar-se
para além (na fluidez do silêncio). com efeito a censura é o lugar da negação e ao mesmo tempo
24. -No entanto pela natureza dispersa do sujeito, pelo movimento que constitui em sua
identidade, veremos que este “y” significará por outros processos (S. Lagazzi, 1988), fato que dá
lugar à “retórica da resistência”. P. 8 3
25. -Na inscrição do sujeito na formação discursiva há o trabalho do silêncio e é por isso que
as fronteiras (do sujeito e do sentido) são móveis isto é historicidade. P. 83
resultam:
b) Do fato de que o sujeito tem uma relação necessária com o silêncio, pais no espaço de
tensão constitutiva da subjetividade há uma solidão do sujeito em faze dos sentidos, em que o
outro é mentido à distância (no limite do dialogismo) e em que o corpo a corpo com o sentido
se faz no silêncio;
84
questão do silêncio. P. 84
possível. P. 84
4. -É uma forma de sair do silêncio definido peça censura e que significa sua falta de
liberdade de agir sobre o real, resultando na impossibilidade de criticar, de discordar, em suma
5. -A ditadura infla questões relativas de processos de identificação, uma vez que, sob um
estado totalitário, o sujeito é obrigado a se separar dos outros e isto produz um efeito de
retorno sobre sua própria identidade. P. 85
6. -Em face da afirmação da identidade, as relações autoritárias são estreitas. Em decorrência
o sujeito acaba tendo que retrabalhar seus processos de identificação, recompor as relações de
unidade a partir de sua vontade. Nesse caso que vem a ser analisada, essa recomposição se dá
pela “autoria”. P. 85
7. -A escrita vai permitir distanciar da vida, a suspensão dos acontecimentos, vai permitir
8. -Nesse caso, uma demanda de completude do sujeito através de apagamentos: ele apaga
o limite entre o “eu-pessoal” e o “eu-político”, entre “sujeito” e o “cidadão”, ou entre o real e a
9. -Em decorrência disso temos os efeitos desses mecanismos: eles deslocam os limites do
dizer, não pela sua discussão direta mas por elaborar os limites das diferentes formas de
10. -Por outro lado, pela conquista da sua dimensão pública, esta escrita autobiográfica
produz um apagamento dos limites entre tematização do outro e a de si mesmo. Mesmo
porque a escrita é forma específica de fazer silêncio, de fazer ressoar o silêncio dos “outros”
sentidos. P. 86
sujeito ao “dizível”. P. 87
13. -É, entretanto, porque o silêncio significa em si que se pode explicitar a política do
sentido. Com o efeito, é a hipótese do silêncio fundador que faz que “não-dizer” tenha um
sentido. P. 87
14. -A censura joga com o poder-dizer impondo um certo silêncio. entretanto, como o
silêncio significa em si, à “retórica da opressão” - que se exerce pelo silenciamento de certos
sentidos - responde a “retórica da resistência” fazendo esse silêncio significar de outros modos.
P. 87
15. -É o silêncio que torna possível o movimento da subjetividade em sua relação (sua
distância) com o discurso estabelecido. São outros sentidos que ganham existência nesse
silêncio. Ou seja, ao silêncio imposto pela censura ele reponde com o silêncio dos “outros”
16. -Esse silêncio é a marca da presença do silêncio fundador em sua fala e que faz com que
os “outros” sentidos apareçam. P. 88
17. -O dizível pode ser concebido de várias maneiras, mas aqui o dizível é referido sobretudo
18. -Passemos então a consideração das FDs. Como sabemos elas não tem fronteiras
categóricas. O fechamento de uma formação discursiva, diz Courtine (1982), “est
fondamentalement instable, ele ne consiste pas em une limite tracée une fois pour toute séarant
um interieur et um exterieur de son savoir, mais s’inscrit entre diverses formations discursives
comme une frntiére que se déplace en fonction de la lutte idéologique” » “é fundamentalmente
instável, não consiste em um limite traçado de uma vez por todas separando interior e exterior
de seu conhecimento, mas se encaixa entre várias formações discursivas como uma fronteira que
19. -O silêncio fundador atua no seu não-fechamento, criando espaço para seus
deslocamentos. P. 88
20. -Em suma, é o silêncio fundador que produz um estado significativo para que o sujeito se
inscreva no processo de significação, mesmo na censura, fazendo significar, por outros jogos de
Conclusão
2. A relação do sujeito às FDs tem o silêncio como componente essencial. Este permite a
constituição da história do sujeito não apenas como reprodução, mas como transformação dos
sentidos . P. 89
3. O sujeito não adere às FDs automaticamente e elas, por sua vez, não se apresentam como
espaços maciços de sentido. P. 89
por exemplo de “colonização” para “x” ou para “y”, é “o” sentido de colonização. P. 89-90
5. O que despossui o sujeito é o que ao mesmo tempo torna seu dizer possível; é
8. É preciso observar que a noção de interdiscurso poderia absorver a de silêncio, pois este
pode ser visto como coincidindo com o já-dito . P. 91
9. Nesse caso cria-se uma ilusão sobre o silêncio seria o que não precisa ser dito, seria o
“exílio” do sujeito, seu desterro pois já estaria habitado pelo já-dito, o efeito do Um: o literal (que
paralelamente essa produção de efeito da literalidade tira do sujeito a possibilidade dele mover-
se, fazendo pensar a literalidade como negação do sujeito). O “seu” sentido só pode ser aquele,
12. Há uma dispersão do sujeito ao dizível, pela qual ele pode tomar diferentes “posições”, já
por outro lado a identidade do sujeito resulta de processos de identificação. Já o silêncio
trabalha diferentes escritas nos processos de identificação do sujeito produzindo seu sentimento
13. A identidade, por outro lado, não se reduz à “identificação”, ela mobiliza processos mais
complexos, e um deles é o processo da diferença, justamente pela forma como o silêncio faz
parte da relação do sujeito com o sentido: a diferença da identidade se torna possível pelo
silêncio. p. 92
14. O que mantém o sujeito em sua identidade não são os elementos diversos de seus
conteúdos, nem sua configuração específica (ele tem muitas), mas seu estar(ser)-em-silêncio. P.
92
15. Ai trabalham processos de identificação do sujeito que não estão fechados na sua
“inscrição em uma formação discursiva determinada” mas justamente nos deslocamentos -
b) Em relação ao passado (o já-dito que retorna sob forma do interdiscurso, e que se re-
formula. P. 93
20. Retomamos pois à importância do silêncio fundador, pois é ele que torna toda
significação possível. P. 93
22. É desse modo que o interdiscurso, na ilusão do conteúdo, é trabalhado pelo silêncio.
Quando o interdiscurso “apaga” o silêncio fundador, enquanto tal, fazendo com que o não-dito
se sobreponha (coincida) ao já-dito, ele produz a impressão de que o sentido não pode ser, na
23. No entanto, os sentidos não se imobilizam nessa ilusão: eles não perdem seu caráter
errático: deslocamentos, equívocos e mudanças se produzem, e não param de produzir sues
efeitos. P. 94
24. De onde se pode concluir que há um trabalho silencioso na relação do homem com a
realidade que lhe propicia a sua dimensão histórica, já que mesmo o silêncio é sentido. O que
nos leva a concluir que não se pode estar fora do sentido assim como não se pode estar fora da
história. P. 94