Sie sind auf Seite 1von 2

Correspondências #20 ­ Eça de Queirós a Alberto de Oliveira

Paris, 6 Agosto 1894.

Ex.mo e caro amigo:
Não me queira mal, ou esqueça o mal que me tenha querido por eu só tão tarde ter agradecido o elegante livro.
«O coração põe e a Vida dispõe»: e a minha tão tiranicamente se tem comportado que não me deixa tempo para
cumprir uma obrigação logo que a ela se mistura muita devoção.
Foi com alvoroçada simpatia que abri as folhas das Palavras Loucas. Mas Loucas porquê? Através delas só entrevi
Razão,  e  madura,  ou  na  fácil  véspera  de  amadurecer.  E  nelas  próprias  só  vi  precisão,  limpidez  e  ritmo  que  são
qualidades de Razão e das melhores. É por esta linda arte de bem­dizer que eu o quero sobretudo louvar, ­­ ou antes
felicitar, porque a Prosa é um dom, e dos Deuses, como a Beleza. Enquanto às suas ideias ­­ não lhe parece que o
Nativismo e o Tradicionalismo, como fins supremos do esforço intelectual e artístico, são um tanto mesquinhos? A
humanidade não está toda metida entre a margem do rio Minho e o cabo de Santa Maria: ­­ e um ser pensante não
pode decentemente passar a existância a murmurar extaticamente que as margens do Mondego são belas! Por outro
lado o Tradicionalismo em Literatura já foi largamente experimentado, durante trinta largos anos, de 1830 a 1860
­­ e certamente não resultou dele aquela renovação moral que Portugal necessita, e que o meu amigo dele espera.
Tivemos xácaras e romanceiros, e lendas e solaus, e moiros, e beguinos, e besteiros, e sujeitos blindados de ferro
que gritavam com magnificência ­­ «Mentes pela gorja, D. Vilão!» ­­ e uma porção imensa de Novelística popular,
e paisagens Afonsinas com torres solarengas sobre os alcantis, e tudo o mais que o meu amigo reclama como factor
essencial  de  educação...  E  de  que  serviu  tudo  isso  para  o  aperfeiçoamento  dos  caracteres  e  das  inteligências,  ou
sequer para a sua renacionalização? De resto, o movimento Tradicionalista, cuja ausência o meu amigo lamenta,
ainda  não  cessou,  está  em  torno  de  si.  Tomás  Ribeiro,  Chagas  e  toda  a  sua  descendência  literária,  são
tradicionalistas. E esses «Príncipes Perfeitos» e Duques de Viseu, ePedros Cruz , e D. Sebastiões que frequentam o
palco de D. Maria não creio que tivesse chegado aí, de Paris, pelo sud­express. E o resultado?...
Não, caro amigo, não se curam misérias ressuscitando tradições. Se a França, depois de 1870, tivesse resumido o
seu esforço em renovar na Literatura as Chansons de Geste , ainda cá estavam os Prussianos. O dever dos homens
de  inteligência  num  país  abatido,  tem  de  ser  mais  largo  do  que  reconstruir  em  papel  o  Castelo  de  Lanhoso  ou
chamar as almas a que venham escutar os rouxinóis do Choupal de Coimbra.
Em todo o caso o grito do Tradicionalismo é um belo grito, sobretudo quando nos chega numa voz tão polida, e
culta, e penetrante, e elegante como a sua. E aqui volto ao meu primeiro louvor, o da forma excelente, tão fina e
luminosa,  que  reveste  todo  o  seu  livro.  Quando  se  possui  um  tão  belo  instrumento,  deve­se  tocar  uma  ária  mais
larga  e  mais  profunda  que  a  do  neo­medievalismo  e  do  neo­trovadorismo.  E,  a  propósito,  o  que  é  o  Neo­
Garrettismo?  Estou  com  muita  curiosidade  de  saber  a  que  nova  concepção  do  Universo,  a  que  novo  método
Científico, ou a que feitio original do espírito crítico, deu o seu grande nome o mestre genial do Frei Luís de Sousa.
Se  o  Neo­Garrettismo  é  um  sistema  que  nos  habilitará,  a  todos,  a  fazer  Frei  Luíses  de  Sousas  e  Autos  de  Gil
Vicente, então, por Júpiter! sejamos todos neo­garrettistas com fervente entusiasmo! Para me explicar todas estas
coisas e sobretudo para o ver e abraçar é que eu desejo vivamente que se realize a sua vinda a Paris, que há tempos
me foi anunciada por um amigo. É para este Outono?
E o António Nobre? Sei que ele está em Paris: mas esse moço encantador, desta vez, nem sequer me quis dar o gosto
de  saber  onde  instalara  os  seus  lares.  Da  sua  morada,  onde  quer  que  ela  seja,  à  minha,  não  haverá  (dada  a
extensão de Paris) mais de meia hora defiacre. Eu, porém, que sou um fiel ledor de Homero, sei quanto custa aos
Deuses  descerem  do  Olimpo.  Já  o  dizia  Hermeias  (vulgo  Mercúrio)  a  Kalipso,  que  como  sabe,  morava
burguesmente numa ilha do Arquipélago: ­­ «Cuidas que não é uma grande maçada descer dos sólios estrelados,
para vir a estes tristes sítios mortais, onde nunca se respira um bocado de bom incenso nem se bebe um bocado de
bom  néctar?».  ­­  Mas  nisto  se  engana  o  meu  amigo,  porque  se  eu  o  desejava  ver  era  justamente  para  lhe  repetir
quanto o estimo, e para bebermos juntos um pouco de Médoc, que é o desconsolado néctar destes tempos. Quando
lhe escrever ralhe com ele, docemente.
E, enfim, caro amigo, um bom abraço, depois desta tagarelice, e agora, e sempre, me creia, fielmente
Seu muito dedicado
Eça de Queirós
In Alberto de Oliveira, Eça de Queiroz ­­ Páginas de Memórias

Das könnte Ihnen auch gefallen