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Jorge Castañeda

A utopia desarmada - intrigas, dilemas e promessas


da esquerda latino-americana, São Paulo, Companhia das
RESENHA * Letras. Luís Manuel Rebelo Fernandes (professor da UFRJ)

"Nenhum plano sobrevive ao contato com o inimigo."


Marechal Helmuth Carl Bernard von Molthe (1800-1891)

Em edição anterior (1), a New left continente. Estas atitudes foram


review publicou uma resenha reforçadas pela imagem excessivamente
basicamente favorável do livro de Jorge genérica e indiferenciada da América
Castañeda A utopia desarmada. Esta Latina apresentada pelo próprio
resenha foi escrita por James Dunkerley, Castañeda apesar de repetidas
a partir de um enfoque declarações em contrário. De fato,
predominantemente hispano-americano. quando examinadas mais de perto,
Pouco depois da publicação desta, o livro inúmeras informações veiculadas sobre o
de Castañeda foi lançado no Brasil com Brasil no livro são um tanto bizarras (3).
um subtítulo diferente da versão original Para além destas inconsistências, no
(2). O próprio Castañeda veio ao Rio de entanto, o livro de Castañeda aborda, de
Janeiro e São Paulo lançar a versão do forma corajosa e aberta, os problemas
seu livro em língua portuguesa. Apesar programáticos, estratégicos e táticos mais
do eficiente esquema de divulgação, no cruciais que se apresentam para a
entanto, o livro não chegou a provocar, esquerda latino-americana à luz da
nos meios acadêmicos e políticos derrota de seus próprios intentos
brasileiros, o mesmo frisson polêmico revolucionários e do colapso do
que suscitou nos Estados Unidos e nos socialismo no Leste.
países de língua espanhola da América A utopia desarmada procura levar suas
Latina. últimas conseqüências (políticas e
Este fato em si é merecedor de maior te6ricas) o processo de reorientação
atenção e reflexão. Em parte, pode ser político-ideológica atualmente
decorrência da própria fragilidade da empreendido por grande parte da
identidade latino-americana no Brasil, da esquerda do continente, destacando o
perspectiva eurocêntrica adotada por grau de ruptura que esta reorientação
grande parte da sua elite intelectual, bem implica para com concepções e práticas
como da aguda consciência nacional do passado - algo que muitos dos seus
sobre o “excepcionalismo brasileiro” no líderes não conseguiam

*Publicado originalmente como artigo na New left review, 215: 1996.


I. James Dunkerley, "Beyond utopia: the state of the left in Latin America", New left review, 206:

1994.

2. O subtítulo da versão em inglês era The Latin american left after lhe Cold War (A esquerda latino-
americana depois da Guerra Fria). A versão em português, editada em 1994 pela Companhia das letras,
vinha com o subtítulo mais "picante": - intrigas, dilemas e promessas da esquerda latino-americana.
Todas as indicações de número de página neste artigo referem-se à edição brasileira.

3. Como apresentar as eleições para o governo municipal no Rio de janeiro em 1982 como um "marco"
(p.304), quando se sabe que estas só vieram a ser restabelecidas em 1985; identificar Luiz Carlos Prestes
como "lendário fundador do PCB" (p.208), quando este só ingressou no partido doze anos depois da sua
fundação; ou atribuir ao Partido Verde (PV) 10% dos votos no Rio de janeiro (p. 197), quando este nunca
conseguiu mais de 1 %.

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dos seus líderes não conseguem ou não (ou conversão) de duas grandes "ondas"
querem fazer. Deste ponto de vista, trata- de movimentos guerrilheiros inspirados
se - um século depois - de um equiva- (e, em geral, apoiados) por Cuba - um
lente latino-americano do trabalho clássi- conjunto bastante heterogêneo de
co de Eduard Bernstein, Os pressupostos organizações marcadas por uma fixação
do socialismo e as tarefas da social- quase que obsessiva com a questão da
democracia. Castañeda certamente luta armada, a que se convencionou
levanta questões pertinentes e chamar de foquistas, fidelistas ou
fundamentais. Mas, será que nos castristas. Não por acaso, a narrativa
apresenta um marco apropriado e viável histórica do livro toma como ponto de
para confrontá-las? A minha avaliação é partida os montoneros argentinos, que
que não. Sustentar esta apreciação exige são apresentados como experiência
um exame mais detido da construção do arquetípica da esquerda latino-americana.
seu argumento no livro. A adoção desta perspectiva introduz um
As lentes de Castañeda viés particular à narrativa, com
O argumento central de A utopia implicações importantes para a sua
desarmada é o de que, face à dupla análise.
impossibilidade da revolução e do "Imigrantes ilegais"
socialismo, a esquerda latino-americana A primeira conseqüência da adoção
tem de mudar de curso. Este argumento é deste viés é a desqualificação algo ligeira
explorado em duas partes inter- e superficial das duas correntes que
relacionadas. Na primeira, um ambicioso precederam o advento das organizações
painel histórico do desenvolvimento e revolucionárias "político-militares" na
das derrotas da esquerda no continente ao esquerda continental: a dos partidos
longo deste século aponta para o comunistas e a dos movimentos e
esgotamento de perspectivas centradas na regimes "populistas". Os primeiros são
"revolução". Na segunda, Castañeda pro- apresentados como um produto "não
cura compor uma agenda alternativa para enraizado nas circunstâncias locais" -
a esquerda latino-americana centrada na "uma variedade importada" de "natureza
"reforma", já que o colapso do "bloco so- congenitamente estrangeira" (p.37). Isto
viético'.' teria revelado a inviabilidade do explicaria o seu "lento e silencioso
seu paradigma socialista anterior (4). esvaziamento" em meados dos anos 80.
A resenha histórica do livro cobre o Embora tanto Castañeda quanto
desenvolvimento tanto da esquerda Dunkerley procurem sustentar essa
"política" quanto "social", mas seu foco apreciação em considerações
principal de análise recai mesmo sobre as desenvolvidas por Alan Angell (6), o fato
"intrigas, dilemas e promessas (5)" das é que eles simplesmente generalizam e
quatro principais correntes da "esquerda reproduzem um dos preconceitos mais
política" continental: os partidos antigos lançados contra a esquerda pela
comunistas, os movimentos "populistas", elites mais conservadoras da América
as organizações político-militares Latina - preconceitos este que não se
inspiradas pela revolução cubana e a sustenta diante de uma análise objetiva e
"nova esquerda reformista". Castañeda conscienciosa da trajetória dos partidos
enfoca esta resenha por um ângulo muito comunistas mais importantes da região.
específico: o da ascensão, crise e derrota

4. Esta linha de raciocínio começa no capitulo 8 do livro, que, sintomaticamente, se intitula La guerre est
finie.
5. Este, por sinal, é o subtítulo da edição brasileira do livro.

6. Alan Angell, "The left in Latin Arnerica", in Leslie Bethell, Cambridge history af Latin America, vol. 9.

CRÍTICA MARXISTA 179 .


É ponto passivo, hoje, o Se os pontos levantados acima são vá-
reconhecimento de que os comunistas lidos, resta a seguinte questão: por que a
latino-americanos tenderam a subscrever influência política da maioria dos
uma concepção limitada e unilateral do partidos comunistas latino-americanos
socialismo baseada no "modelo minguou? A resposta para esta indagação
soviético". Não foram, no entanto, os não é simples ou direta, e demanda séria
únicos a fazê-lo, quer entre as correntes pesquisa e debate. O ponto principal
de esquerda na região ou entre os levantado por Castañeda é o de que a
partidos comunistas do resto do mundo. natureza exógena desses partidos tolheu,
Também são conhecidos os traumas e de forma irremediável, a suas credenciais
prejuízos causados aos partidos reformistas. Sugiro uma explicação
comunistas da região pela diferente: a de que a perda de influência
implementação de mudanças bruscas e possa ser decorrência da
erráticas nas suas respectivas linhas descaracterização política e ideológica
políticas, de forma a adaptá-las às que acometeu esses partidos ao
cambiantes exigências da política assumirem o protagonismo do mesmo
externa soviética (7). Isto está longe de tipo de aggiornamento que Castañeda
significar que estes partidos constituíam nos propõe hoje(10). Não estou
uma força essencialmente exógena, argumentando, aqui, contra a renovação
descolada das circunstâncias locais.
das práticas e concepções da esquerda,
Alguns deste partidos - como os de
mas apenas enfatizando de que variados
Cuba, Chile, Brasil e Uruguai -
cursos de aggiornamel/lo são possíveis -
exerceram, durante décadas, um papel
bastante decisivo e influente na vida e que cabe pesar cuidadosamente os
Ix>lítica dos seus respectivos países, limites, os riscos e as potencialidades de
apesar de serem constantemente discri- cada um (empreendimento do qual
minados, perseguidos e reprimidos. Isto Castañeda se esquiva, por enfraquecer a
seria impensável no caso de argumentação em defesa do tipo
organizações políticas não enraizadas em especifico de renovação que ele propõe).
necessidades e demandas locais (8). O "populismo" nacionalista
Ademais, a acusação de "não- O tratamento dado aos movimentos e
latinoamericanismo" formulada por regimes "populistas" pelo livro é, em ge-
Castaiíeda - e reforçada por Dunkerley - ral, mais favorável. Estes são vistos como
toca uma nota teórica e política anti- integrantes de uma corrente
universalista, que me parece francamen- "profundamente enraizada na história e
te incompatível com qualquer projeto de na tradição do hemisfério (p. 54)”.
emancipação humana (9). .

7. Corno o abandono das políticas nacionais de "frente única contra o fascismo" depois da assinatura do
pacto Molotov-Ribentrop em 1939. Os problemas e constrangimentos que isto causou para os comunistas
brasileiros podem ser vistos no livro de Joel Silveira e Geneton Moraes Neto, Hitler/Stálin: O pacto
maldito, Rio de Janeiro, Record, 1989.
8. Apesar de dividido organicamente em duas alas desde os ,mos 60, o Partido Comunista (fundado em
1922) é a organização política mais antiga entre as que se encontram em atividade no Brasil. Os
comunistas foram responsáveis pela introdução ativa do movimento operário na vida política nacional,
rompendo com o arraigado apoliticismo das correntes. anarquistas que lhe antecederam. O Partido
Comunista foi responsável, igualmente, pela introdução de inúmeros ternas cruciais na agenda política
nacional, entre os quais os da reforma agrária e da autonomia sindical.
9. Vale registrar que o próprio Castañeda não é consistente no seu regionalismo/particularismo, já que a
agenda alternativa que propõe para a esquerda latino-americana busca inspiração no "modelo alemão" da
"economia social de mercado".

10. Vale lembrar que, no imediato pós-guerra, as idéias do dirigente comunista norte-americano, Earl
Browder, sobre a dissolução dos partidos em amplas frentes democráticas tiveram muito trânsito entre os
comunistas sul-americanos, que as consideravam um desdobramento "natural" das políticas de "união
nacional contra o fascismo" adotadas durante a Segunda Guerra.

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Castañeda se esquiva dos problemas vel que determinadas correntes
analíticos e conceituais gerados pela "populistas" possam se transformarem
própria utilização da categoria leitos importantes de resistência contra a
"populismo" um tema muito polêmico agenda neoliberal (l3). Ademais, em
nos círculos políticos e intelectuais diversos países, essas correntes
latino-americanos, pois envolve um constituem uma expressão política
determinado posicionamento (crítico) legítima dos setores mais excluídos,
diante de importantes partidos, marginalizados e miseráveis da
movimentos e lideranças da região no população, que se encontram alijados das
presente e no passado. O mínimo que se organizações sociais e políticas
pode dizer é que se trata de um conceito enraizadas no "setor formal" das suas
carregado e impreciso, que engloba respectivas economias (14). Como o peso
fenômenos bastante heterogêneos, tanto destes setores nas sociedades latino-
por sua orientação política, quanto por americanas vem aumentando sob o
sua base social: desde o trio "original" impacto social negativo das políticas
Vargas-Péron-Cárdenas, até as ortodoxas de ajuste, a base social urbana
experiências mais recentes de Alan do "populismo" pode mesmo se ampliar.
Garcia no Peru e Leonel Brizola no A principal crítica formulada por
Brasil, passando por Victor Paz Castañeda às correntes "populistas" é a
Estenssoro na Bolívia e Omar Torrijos no de que elas abrigam fortes tendências
Panamá. autoritárias e são reformistas muito
Uma característica básica comum a to- tímidos e hesitantes (dado o seu temor de
dos estes movimentos e regimes era a sua um ativismo político repentino e
ênfase na afirmação nacional e o seu re- descontrolado por parte das "massas de
curso ao intervencionismo estatal como pobres"). O balanço, aqui, também não é
instrumento crucial para a promoção do tão simples e unívoco. Como líder da
desenvolvimento econômico e social. Revolução de 30, por exemplo, Getúlio
Nesta base, eles desempenharam um Vargas apesar do seu relapso no Estado
papel central na configuração e Novo, de 1937 a 1945, foi responsável
consolidação de estruturas fundamentais pela introdução de reformas democráticas
dos aparatos estatais dos seus respectivos fundamentais no Brasil, como o sistema
países, estruturas estas que são o alvo de representação proporcional, o voto
prioritário da atual ofensiva neoliberal no secreto, a extensão do sufrágio para as
continente (11). Por este mesmo motivo, mulheres, o estabelecimento de uma
poderá ser precipitada, também, a justiça eleitoral independente, além da
proclamação do "fim do populismo na introdução de direitos sociais básicos.
América Latina" feita por Castañeda no Mais fundamental do que este balanço,
livro (12). Dadas as implicações entretanto, é o fato de Castañeda não ter
antinacionais desta ofensiva, é bem possí- abordado a raiz do reformismo tênue e

11. No seu discurso de despedida do Senado brasileiro, em 14 de dezembro de 1994, o presidente-eleito


remando Henrique Cardoso justificou a adoção de amplas medidas de privatização e desregulação com
base no argumento de que os mecanismos, práticas e instituições remanescentes da "era Vargas.
constituem o principal obstáculo para a modernização do país.

12. Para fundamentar esta proclamação, Castañeda faz referência ao artigo de Alain Tourraine, "EI fin de
los populismos en Latino America., EI País, edição de 6 de agosto de 1989.

13. No Brasil, por exemplo, lideranças .populistas. como Brizola e Arraes tem tendido a assumir uma
oposição mais forte do que outras correntes da esquerda (incluindo o próprio PT) a temas da agenda
neoliberal que implicam em perda significativa de soberania nacional.

14. A base social do PDT de Leonel Brizola no Rio de Janeiro é uma expressão disto.

CRÍTICA MARXISTA 181 .


e inconseqüente do "populismo": a países. Basta lembrar os papéis
relutância deste em confrontar e desempenhados pela FSLN na Nicarágua
transformar as estruturas de propriedade e pela FMLN em EI Salvador (15).
altamente concentradas prevalecentes na Os eventos de Chiapas, é claro, volta-
América Latina. O problema é que a ram a colocar a questão da luta armada na
agenda alternativa proposta em A utopia agenda política latino-americana.
desarmada reproduz esta mesma Devemos nos precaver da tentação de
relutância básica. Voltaremos a isto mais generalizar lições políticas e estratégicas
adiante. do levante zapatista para toda a esquerda
As limitações teóricas e políticas do continente, sobretudo por se tratar de
do foquismo um movimento de base indígena. As
Ao passar para o seu principal foco condições de Chiapas têm pouco a ver
de interesse na história da esquerda com a de outros países onde as
latino-americana - a evolução das populações indígenas foram,
variadas organizações "político- basicamente, exterminadas (como o Bra-
militares" inspiradas pela Revolução sil e os países do Cone Sul). A Utopia de-
Cubana desde os anos 60 - Castañeda sarmada foi escrito antes da rebelião no
destaca que estas organizações foram México, mas a edição brasileira foi
constituídas a partir de uma falsa preparada depois. Castañeda escreveu um
contraposição teórica entre "luta armada"
prefácio especial para esta, em que
e "via pacífica". Esta oposição genérica e
argumenta que os comentadores que viam
indiferenciada desconsiderava o estudo
uma refutação do seu livro nos eventos de
mais sério das condições concretas de
Chiapas não haviam entendido o seu ar-
luta em cada país e, de fato, em todo o
gumento básico. Ele não havia descartado
continente (p. 71). Uma vez mais, me pa-
rece que o balanço histórico, aqui, é um a possibilidade da luta armada de es-
tanto mais complexo e contraditório. A querda na região, e sim a idéia da revo-
apreciação de Castañeda é certamente lução. O zapatismo não passaria, na sua
apropriada para a "safra" original de opinião, de um movimento armado refor-
organizações (foquistas) de guerrilha mista. Esta linha de argumentação parece
urbana e rural, que se espalharam pelo um tanto estranha, sobretudo se levarmos
hemisfério entre meados dos anos 60 e em conta o próprio título do livro e a sua
70. Mesmo com todas as suas idios- condenação de todas as experiências
sincrasias, os montoneros argentinos são anteriores de luta armada de esquerda na
bastante representativos das concepções América Latina. Mas vamos analisá-la
e práticas desta "safra". Praticamente nos seus próprios termos.
todos estes grupos foram dizimados ou A distinção conceitual estabelecida
se desintegraram, conseguindo pouco por Castañeda entre a luta armada (uma
mais do que a não-desejada legitimação questão tática relacionada às formas de
do terror contra-revolucionário dos luta adequadas para condições históricas
regimes militares. Mas inúmeras determinadas) e a revolução (um progra-
organizações revolucionárias sobretudo ma estratégico de transformações estru-
na América Central souberam superar turais sociais, econômicas e políticas) me
estas limitações e vincular a sua luta parece válida. Ela nos ajuda a superar a
armada a formas amplas de luta política confusão estabelecida entre as duas
e social legal, desempenhando um papel questões na teoria e na prática do
crucial na democratização de seus foquismo. Mas no coração desta inade-
respectivos

15. Em ambos, por sinal, a condução da luta armada foi combinada com a organização de frentes
políticas muito amplas, como a Frente Patriótica, na Nicarágua, e a Frente Democrática Revolucionária,
em El Salvador.

182 . RESENHA
quada contraposição entre "luta armada" mesmas estruturas.
e "via pacífica" no pensamento foquista Ao insistir que reforma e revolução
estava uma outra contraposição, são "opções incompatíveis" (p. 362), Cas-
igualmente problemática: a que opunha, tañeda reproduz a mesma limitação con-
de forma genérica, a "reforma" à ceitual básica do foquismo. Como a revo-
"revolução". Castañeda não só deixa de lução é considerada, por ele, uma opção
examinar criticamente esta segunda (e inviável, não restaria à esquerda latino-
fundamental) polarização, como a americana outra alternativa a não ser
constitui no pilar central de toda a sua abandonar qualquer pretensão a "trans-
linha de argumentação. formações" ou "rupturas" revolucionárias,
A questão da relação entre reforma e e abraçar com toda a força o credo
revolução não é, evidentemente, uma reformista. Isto implica que a esquerda
problemática nova: há muito ela ocupa deve se resignar ao fato de que o futuro
lugar central nas agudas polêmicas da não será mais do que uma versão
esquerda em todo o mundo sobre estra- intensificada do presente (p.207).
tégia e tática. Não tenho a intenção de Tomando como referência as
retomar mais aprofundadamente essa dis- experiências políticas recentes da es-
cussão aqui. Quero apenas destacar um querda na região, a segunda parte do livro
fato básico: todas as experiências revo- trata de elaborar as bases de uma agenda
lucionárias vitoriosas da era moderna reformista alternativa.
incluindo a própria revolução cubana tem A agenda alternativa de Castañeda
em comum processos de ruptura política Castañeda apresenta propostas
comandados pela exigência de reformas, políticas muito concretas e pertinentes
que os antigos regimes não queriam ou para a composição de um curso de
não podiam atender. A exigência de desenvolvimento alternativo à ortodoxia
reformas relacionadas à conquista ou neoliberal dominante. Muitas das suas
afirmação da sua soberania nacional foi sugestões podem ajudar a esquerda
o. impulso fundamental de todas as latino-americana a sair de uma posição
revoluções sociais que varreram as regi- excessivamente defensiva para tomar a
ões mais atrasadas do mundo capitalista iniciativa política em várias frentes. Sua
ao longo do século XX. Isto sugere que recuperação da "questão nacional" como
contrapor genericamente "revolução" e elemento central da agenda de esquerda
"reforma" como opostos mutuamente entrelaçada com as questões "social" e
exclusivos é uma perspectiva simplista e "democrática" é um ponto importante,
limitada. O verdadeiro desafio teórico e muitas vezes incompreendido por in-
político para a esquerda é o de tentar unir telectuais marxistas ou progressistas na
e mobilizar o leque mais amplo possível intelectuais marxistas ou progressistas na
de forças sociais em tomo de bandeiras Europa e nos Estados Unidos (16).
reformistas capazes de colocar em xeque Parecem igualmente válidas a sua defesa
as estruturas prevalecentes de conscienciosa da integração horizontal
desigualdade e opressão. Mas isto exige latino-americana (o que implica a
uma visão estratégica alternativa que rendição voluntária de soberania para
comece por questionar e confrontar essas organismos federais) e a necessidade de

16. A justificativa teórica apresentada para este ponto, no entanto, não me parece muito consistente. Além
de subestimar o papel central desempenhado pelo poder de Estado nos processo de formação de estados
nacionais unificados na Europa e nos Estados Unidos, a noção de que o conjunto da América Latina é
afligida por um processo comum de formação nacional incompleta" (p.229) tende a generalizar para o
conjunto da região uma realidade especifica aos países que foram berço de importantes civilizações pré-
colombianas (na América Central e na região andina), onde persistem fortes comunidades e identidades

CRÍTICA MARXISTA 183 .


explorar com inteligência as contradições América Latina deveria gerar um
sociais, políticas e econômicas da paradigma endógeno inspirado nos
sociedade norte-americana. modelos europeu (especificamente,
Estas propostas, no entanto, não estão renano) e japonês, que preservam um pa-
inseri das em um confronto estratégico pel regulatório importante para o Estado
com as estruturas altamente concentradas em relação aos mercados e às empresas.
de propriedade privada no continente. Castañeda deixa fora do seu balanço,
Esta me parece ser a verdadeira "linha no entanto, o grande sucesso econômico
divisória", hoje, entre agendas políticas deste final de século: a China. O fato é
"reformistas" e "revolucionárias" na que a experiência chinesa não se encaixa
região. A não ser por algumas ligeiras no seu argumento. Experimentando com
referências à reforma agrária, A utopia variadas formas de propriedade (embora
desarmada não apresenta qualquer mantendo a predominância de formas
proposta política mais consistente para sociais e coletivas), a China tem
confrontar esta questão crucial. Mesmo sustentado índices impressionantes de
quando defende a persistente relevância desenvolvimento econômico ao longo
da intervenção estatal para a indus- dos últimos quinze anos (17). Isto indica
trialização, Castañeda argumenta que esta que existem, sim, experiências vitoriosas
intervenção deve se limitar aos setores da e viáveis de desenvolvimento não-
economia em que os capitalistas privados capitalista no mundo, que tem de ser
ainda não sejam fortes o suficiente para levadas a sério e estudadas com cuidado.
se responsabilizar por tudo (p. 385). A China, assim, passa na "prova do
O livro justifica esta agenda mapa" que A utopia desarmada toma
reformista com um argumento com fortes emprestado de um líder guerrilheiro
ecos de Fukuyama: não existiria qualquer salvadorenho:"se um modelo é
curso alternativo de desenvolvimento no materializado em algum país do mundo,
mundo de hoje para além das fronteiras ele é válido e útil, se não está, não o é
de uma economia de mercado onde o (18)".
setor privado desempenhe papel central Mesmo em relação às experiências
(p.382), e de uma concepção liberal- alemã e japonesa, Castañeda
processual de democracia (p.272). No desconsidera um dos aspectos cruciais do
âmbito destes contornos, no entanto, seu sucesso (e que vale também para as
variados cursos de desenvolvimento experiências da Coréia do Sul e de
seriam possíveis, com arranjos Taiwan): dado o temor da "ameaça
institucionais distintos entre estados, comunista", as forças de ocupação oci-
mercados e empresas. Castañeda passa dentais del1agraram reformas
em revista os diferentes modelos de fundamentais nas estruturas de
desenvolvimento capitalista em "oferta", propriedade desses países no pós-guerra
e conclui que, ao invés de aceitar o (sobretudo na propriedade fundiária),
modelo anglo-saxão de livre mercado, a reformas estas que não constavam da
agenda política das classes dominantes

indígenas. As identidades nacionais de países como o Brasil ou os do cone sul da América do Sul 5<'\0 tão
ou mais .completas. e consolidadas do que dos Estados Unidos ou de qualquer país europeu. Emprego o
termo “completo” com certa relutância, pois ele pode implicar uma concepção reificada (estática e finita)
de identidade nacional.

17. A New left review publicou, no seu número 208, artigos muito interessantes de Paul Bowles, Xiao-
yuan Dong, Roberto Mangabeira Unger e Zhiyuan Cui sobre o "milagre chinês".
18. Castañeda comete uma omissão análoga em relação a Cuba quando afirma que nenhum pais latino-
americano alguma vez conseguiu combinar crescimento econômico e distribuição eqüitativa de renda (p.
326).

184 . RESENHA
Endógenas (19). A ocupação militar persistência de estruturas de propriedade
desses países cumpriu, assim, papel privada extremamente concentradas
análogo ao de uma "revolução". Na tende a agravar a destituição de amplas
Coréia do Sul, por sua vez, o setor parcelas da população, para além do
bancário, nacionalizado inicialmente alcance das políticas compensatórias
durante a ocupação japonesa, voltou a ser mais bem intencionadas. Ao mesmo
nacionalizado em 1961 e desempenhou tempo, a intensificação da mobilidade do
papel central no "milagre econômico" do capital via a integração global de
país nos anos 60 e 70 (20). Mesmo no mercados financeiros e monetários
Chile - a experiência neoliberal de maior aumenta a capacidade de resistência dos
sucesso econômico na América Latina - a investidores privados a qualquer tentativa
opção adotada foi a de preservar (e não a
de elevação da sua carga fiscal, com fins
de reverter) transformações fundamentais
nas estruturas de propriedade redistributivos. Os investidores privados
implementadas pelo governo socialista sempre têm aberta para si a opção de
anterior de Salvador Allende, como a re- simplesmente se retirar do país em ques-
forma agrária e a nacionalização da tão, e se deslocar para outro(s) que
indústria estratégica do cobre (21). oferece(m) condições mais atraentes de
As inadequações políticas e estruturais retorno. Como resultado, os mercados
do reformismo de Castañeda nacionais que operam numa lógica que
A questão crítica que emerge, então, é privilegia o setor privado acabam por
se um agenda alternativa de esquerda que sofrer severas restrições que impedem a
não confronta as estruturas de sua capacidade de sustentar, a longo
propriedade predominantes na América prazo, esforços industrializadores que
Latina pode ser viável e/ou efetiva do sejam, simultaneamente, promotores de
ponto de vista social, político e maior integração social.
econômico. Castañeda argumenta que Não estou argumentando, aqui, a favor
sim, se ela incluir uma política agressiva de uma agenda de socialização global e
de legislação social, uma profunda indiferenciada para a esquerda. Os limites
reforma fiscal e uma estratégia nacional desta alternativa já foram evidenciados
de crescimento industrial orientada para a pelo colapso do antigo "campo socialista"
exportação (p.p.373-74). Dada a escala no Leste e são ainda mais agudos nas
de desigualdade social, exclusão e condições de relativo atraso
miséria existente na região, no entanto, prevalecentes na América Latina. Estou
uma abordagem desta natureza pode se convencido, no entanto, de que qualquer
revelar incapaz de reverter a tendência ao alternativa de esquerda na região, se
quiser ser eficiente e viável, tem de
agravamento da polarização social, hoje
incluir tanto a extensão de políticas
amplamente dominante na região (22). A
sociais progressistas, quanto a

19. Sobre isto, ver Bruce Cunnings, "The abortive abertura: South Korea in the light of the Latin american
experience", New letl review, 173: 1989 e Alice Amsden, "Third World industrialization: 'global fordisrn'
or a new model?", New left review, 182: 1990.
20. G. van Liemt, Bridging the cap: four newly industrialising countries and the division of labour,
Genebra, OIT.
21. Ver Manuel Riesco, "Honour and eternal glory to the Jacobins!", New left review, 212: 1995.
22. Confirmando os resultados de estudos anteriores, o Relatório sobre o desenvolvimento mundial de
1994 do Banco Mundial classifica as nações latino-americanas no topo da lista dos países com maior
desigualdade de renda no mundo. O Brasil tem a maior concentração de riquezas entre os 71 países
computados pelo estudo: os 10% mais ricos da população se apropriavam de mais de 51 % de toda a renda
familiar (contra 46% em 1983). Nos anos 80, a concentração de propriedade fundiária no Brasil, medida
pelo índice Gini, alcançava 0,923, contra 0,7 para a Índia e o Paquistão; 0,4 para os Estados Unidos e a

CRÍTICA MARXISTA 185 .


multiplicação de diversas formas de pro- Chile, contra um leque entre os 31,2%
priedade social nos marcos de economias dos Estados Unidos e os 64,5% da Suécia
mistas que preservem uma participação para os países capitalistas centrais (24).
importante para o setor privado. Ademais, no Brasil (cujos gastos estatais
Castañeda enfatiza que a esquerda tem de no levantamento acima equivaliam a
ancorar as suas políticas redistributivas 31,2% do seu PNB), mais da metade do
em capacidades fiscais e produtivas reais. orçamento nacional (55,1 % para ser
Ele critica, nesta base, o "keynesianismo exato) são destinados a pagamentos das
irresponsável" das experiências dívidas interna e externa.2S Qualquer
"populistas" e reformistas no hemisfério. tentativa mais séria de combinar a
Isto me parece um ponto pertinente e reversão da desigualdade social com a
válido. Mas cabe destacar que a adoção austeridade fiscal (de forma a escapar da
de medidas inflacionárias desta natureza ameaça da hiperinflação) terá de se
foi, em parte, um meio de promover confrontar com esta sangria de recursos
maior integração e justiça social sem públicos, redirecionando-os para
confrontar de maneira mais séria os investimentos efetivos em serviços públi-
poderosos interesses empresariais e cos, iniciativas estratégicas de desenvol-
latifundiários dominantes (23). O vimento e políticas redistributivas
problema é que a agenda alternativa ampliadoras do mercado interno. Mas isto
apresentada em A utopia desarmada esbarra em interesses financeiros muito
também se abstém de confrontar esses poderosos acostumados a uma promíscua
interesses e as estruturas socio- e íntima relação com os poderes públicos.
econômicas que os sustentam. Neste A esquerda, portanto, não pode deixar de
contexto, a reiterada insistência do livro considerar a perspectiva da
na "austeridade fiscal" e nas "capacidades nacionalização parcial ou integral destes
produtivas" pode acarretar o efeito interesses como parte integrante de uma
perverso de minimizar e/ou adiar estratégia global de desenvolvimento
indefinidamente reformas sociais alternativo.
urgentemente necessárias. A política de uma alternativa de
É ponto pacífico que a América Latina esquerda efetiva
precisa implementar urgentes reformas Dadas as limitações estruturais
administrativas e fiscais para tomar a indicadas acima, a viabilidade política da
ação estatal mais racional e eficiente. "agenda alternativa" proposta por
Mas, em meio a iniqüidade sociais tão Castañeda se sustenta em pouco mais do
agudas, o fato é que os Estados latino- que em inglês se chama de wishful
americanos são "gastadores" thinking ("pensar com meros desejos"): a
relativamente avaros em comparação com esperança de que, com o fim da Guerra
seus colegas mais industrializados. No Fria, o establishment norte-americano
final dos anos 80, os gastos estatais dos ficará mais tolerante em relação a
principais países da região oscilava entre mudanças progressistas na América
27% do PNB na Venezuela e 36,4% no Latina (dado o seu temor de um “efeito

Austrália; e 0,3 para a Bélgica, a Holanda e a Noruega (Rodolfo Hoffman, "Evolução da desigualdade da
distribuição da posse da terra no Brasil no Período 1966-1980", Boletim da Abra, 6). O Índice Gini varia
de 0 (distribuição perfeitamente igualitária entre todos os membros de uma população) a 1 (concentração
de todos os atributos em um único membro da população). Este quadro foi mantido ao longo da última
década.

23. Agradeço a Robin Blackburn por ter me chamado a atenção para este ponto.

24. Cepal, Transformación productiva con equidad, Santiago, 1990 e José Maria Maravall, "Las razones
del reformismo: democracia y politica social", Leviatán, 35: 1989.

25. Paulo Lopes (ed.), A gestão do Estado brasileiro hoje: tendências e propostas, CUT-RJ, Rio de
Janeiro, 1995: p. 33.

186 . RESENHA
bumerangue" múltiplo na era da limitadas fronteiras processuais em que
globalização e a comunidade empresarial tem ficado confinado desde os anos 80
da região ficará mais sensível à (26). As propostas de reforma política
necessidade de reformas sociais (dado o formuladas em A utopia desarmada, no
seu temor de que a iniqüidade social e a entanto, se mantém estritamente nos li-
miséria predominantes detonem uma mites das atuais formas liberais-democrá-
espécie de "efeito Sendero Luminoso" na ticas. Isto não significa que as
região). Esta esperança não apenas proposições apresentadas, como a defesa
subestima os vínculos entre a política dos do pluralismo político e da representação
Estados Unidos para a América Latina e proporcional, da expansão do sufrágio, do
os interesses de empresas norte- fortalecimento dos órgãos legislativos, do
americanas na região, como se baseia em estabelecimento de uma justiça eleitoral
uma lógica que se auto-derrota: se a independente para coibir fraudes, do
esquerda adotar a perspectiva sugerida respeito de direitos humanos e cívicos
por Castañeda, os interesses dos grandes etc. sejam improcedentes ou inválidas. A
empresários e latifundiários locais não esquerda latino-americana aprendeu, a
terão qualquer ameaça política duríssimas penas via aprisionamento,
fundamental pela frente para despertar tortura, exílio e dor pela perda de
e/ou aguçar a sua sensibilidade familiares e entes queridos a valorizar a
reformista. Assim, a nova perspectiva que importância crucial de se preservar
o livro sugere para a esquerda latino- práticas e instituições democráticas. Estas
americana condena esta a um papel de vêm sofrendo novas restrições nos
"sócio minoritário" em coalizões últimos anos, dado a sua ameaça
dominadas por forças sociais que já se potencial para a continuidade das
revelaram incapazes de gerar e/ou sus- políticas ortodoxas de ajuste (27). Mas
tentar um curso de desenvolvimento al- isto não significa que a esquerda deva
ternativo ao que é hoje dominante. esmorecer sua apreciação crítica do viés
Em contraposição a esta linha de de classe específico materializado neste
raciocínio, sustento que uma alternativa tipo de institucionalidade democrática, ou
de esquerda. só poderá ser efetiva se deixar de formular proposições concretas
conseguir gerar um deslocamento para superá-lo, ampliando o controle
significativo no bloco de forças que democrático sobre todas as dimensões da
comandam os estados na região (i.e., se produção". Acredito, mesmo, que a
conseguir gerar, em termos gramscianos, contribuição particular e decisiva da
um novo "bloco histórico"). Para tal, me esquerda para a democracia na América
parece crucial a adoção de um estratégia Latina origina-se da sua consciência
política orientada para estender o atual aguda de que as próprias formas liberais-
impulso democratizante para além das democráticas são permanentemente

26. Um argumento nesta mesma direção pode ser encontrado em Atilio Borón, Estado, capitalismo e
democracia na América Latina. São Paulo. Paz e Terra, 1994.

27. O "auto-golpe" de Fujimori é emblemático disto. Mas mesmo a experiência mais "civilizada" de
remando Henrique Cardoso no Brasil tem gerado desenvolvimentos preocupantes, corno o sistemático
atropelo do poder legislativo pelo Executivo, a introdução do princípio da reeleição para um poder
Executivo altamente concentrado e a pesada pressão para substituir o sistema ele representação
proporcional atualmente existente por alguma forma de sistema misto (como foi feito m Itália).
Infelizmente, alguns setores da esquerda brasileira assim como ocorreu na Itália estão mais interessados em
explorar as vantagens eleitorais imediatas que tal mudança poderá acarretar, do que preocupados com os
prejuízos mais permanentes que isto acarreta para a consolidação e o desenvolvimento da democracia.

CRÍTICA MARXISTA 187 .


ameaçadas pela miséria e destituição monetária vem rendendo mais do que a
social prevalecentes na região. Assim, insatisfação popular com outros aspectos
para confrontar a estas, temos de superar e conseqüências dos programas de
aquelas. ajuste. Isto tem resultado, inclusive, na
O sucesso político do neoliberalismo desqualificação a priori de outros cursos
Quero fazer um último comentário so- possíveis de estabilização monetária. As
bre o impacto político da hiperinflação e eleições presidenciais de 1994, no
da estabilidade monetária no hemisfério. Brasil, dão evidência gráfica disto: todos
O advento dos governos Salinas no Méxi- os estudos de opinião pública convergem
co, em 1988, Menem na Argentina, em para apontar a implementação da
1989; e Collor de Mello no Brasil e reforma monetária (o "Plano Real")
Fujimori no Peru, ambos em 1990, como fator decisivo para inversão da
marcaram o deslocamento do grosso da vantagem que o candidato Lula
América Latina para a adoção de mantinha em relação ao candidato
políticas neoliberais de ajuste ortodoxo, Fernando Henrique Cardoso na corrida
inspiradas no chamado "Consenso de para a presidência, ao provocar o
Washington". Apesar das conseqüências deslocamento da preocupação central da
sociais negativas que este deslocamento população brasileira do tema da
acarretou, candidatos identificados com "injustiça social" para o da "inflação"
sua continuidade obtiveram acachapantes (28). É interessante notar que esta
triunfos eleitorais nesses mesmos países legitimação política, por via indireta, das
cinco ou seis anos depois. No caso do políticas ortodoxas de livre mercado,
Peru e da Argentina, inclusive os mesmo ocorreu tanto nos países em que a sua
indivíduos foram eleitos para os cargos adoção se seguiu a uma ruptura política
de presidente. Não podemos menosprezar aberta com administrações anteriores
(Argentina e Peru), quanto nos países em
a importância política destes resultados.
que se tratou de uma mudança de
Nesta última safra de eleições, as
política implementada por forças já no
campanhas dos candidatos vitoriosos fo-
poder (México e Brasil).
ram conduzidos com um apelo claro à
Vistas de uma perspectiva mais
continuidade dos programas de ampla, os resultados eleitorais de 1994-
estabilização. Curiosamente, pesquisas de 95 marcam a consolidação de um novo
opinião pública apontavam para uma projeto hegemônico entre as elites
significativa insatisfação com aspectos latino-americanas, orientado para o
essenciais destes programas, como a lançamento de um novo ciclo de
restrição de direitos previdenciários e desenvolvimento econômico na região
sociais, a privatização de serviços sociais via o desmonte de instituições, estruturas
básicos, etc. Por que, então, a população e práticas de intervencionismo estatal
conferiu a esses governantes um mandato erguidas na fase anterior de indus-
eletivo para continuar esses programas? trialização via substituição de
Acredito que a solução para este enig- importações. Dada a escala e a
ma reside na legitimidade conferida a es- profundidade da atual ofensiva
ses programas e a essas administrações neoliberal no hemisfério, a esquerda
por terem revertido ou evitado quadros de enfrenta o desafio de formular uma
hiperinl1ação. Até o momento, o capital alternativa em termos igualmente gerais
político gerado pela relativa estabilização e estratégicos. Os contornos mais
precisos desta alternativa dependem das

28. Ver, por exemplo, Olavo Brasil Jr., "As eleições gerais de 1994: resultados e implicações político-
institucionais", Dados, 38 (I): 1995.

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188 RESENHA
condições existentes em cada país. Mas do marco alternativo proposto em A
sem esta perspectiva estratégica, a utopia desarmada (e aceito, hoje, por
esquerda carecerá dos sentidos de grande parte da esquerda continental).
propósito e direção necessários para se Enquanto tal, esse marco simplesmente
constituir na coluna vertebral de uma reproduz a limitação crucial que
ampla frente de resistência, que agrupe os determinou, no passado, o fracasso das
variados interesses econômicos, sociais e experiências "populistas" e reformistas na
políticos negativamente afetados pelas região. Partindo da perspectiva de uma
políticas atuais de ajuste, de forma a geração de revolucionários que fez da
acumular forças suficientes para passagem das "armas da crítica" para a
redirecionar o desenvolvimento da "crítica das armas" a sua razão de ser,
região. Uma alternativa efetiva de acredito que Castañeda acaba por
esquerda tem de confrontar seriamente as desarmar a crítica necessária para a
estruturas de propriedade extremamente construção de uma alternativa efetiva de
concentradas predominantes na América esquerda.
Latina. Não fazê-la é a limitação básica

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CRÍTICA MARXISTA 189

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