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CPC em Foco - 2019
36. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
O novo CPC põe fim à discussão sobre se o juiz pode conhecer de matéria de ordem pública ao
julgar os embargos de declaração, extrapolando aquilo que tenha sido impugnado nos embargos
de declaração, ou atendendo a requerimento da parte no sentido de apreciar a matéria de ordem
pública. Resolve isto no art. 1.022, II, ao tratar da omissão.
De rigor, os embargos, neste caso, estariam sendo interpostos numa hipótese atípica de
cabimento. Isto porque o art. 1.022, parágrafo único, I, diz respeito à circunstância de as decisões
de repetitivos ou incidente de assunção de competência serem anteriores ao acórdão, e este se ter
omitido a respeito. Também não se menciona decisão de recurso extraordinário. Não se está,
também, diante de omissão sobre ponto a respeito do qual deveria haver manifestação de ofício.
Ainda assim, entretanto, parece-nos extremamente elogiável tal solução, no contexto das
tendências prestigiadas pelo CPC de 2015, que são visivelmente harmônicas com princípios
constitucionais basilares e fundamentais e como, por exemplo, o da isonomia, o da segurança
jurídica, que geram a desejável previsibilidade do direito.
Esta tendência, fortemente embasada em pilares do Estado do Direito, ligados aos princípios da
isonomia e da legalidade, manifesta-se no novo CPC de diversas maneiras, inclusive e
principalmente no que diz respeito à criação de precedentes vinculantes. O NCPC criou quatro
hipóteses de precedentes que, se desrespeitados, geram a possibilidade do manejo da reclamação.
São os acórdãos proferidos em IRDR, em Incidente de Assunção de Competência, em recursos
especiais e extraordinários repetitivos e em recurso extraordinário avulso, individual. Esta última
hipótese foi incluída no CPC pelo legislador pela Lei 13.256/2016 e não foram, a nosso ver, feitas as
necessárias adaptações, em todo CPC, inexoravelmente decorrentes da sua inclusão. Uma delas,
deveria ter sido feita justamente no art. 1.022, parágrafo único, I, que trata das hipóteses de
precedentes vinculantes no sentido forte da expressão.
Percebe-se que o NCPC atribui relevância à uniformidade do direito: deu importância visível a
elementos oriundos dos Tribunais. De fato, não só aos precedentes vinculantes, mas às súmulas
em geral (não só as vinculantes) às decisões do pleno ou de órgãos especiais. O art. 926 recomenda
que estes elementos oriundos do Judiciário sejam observados pelo próprio Judiciário.
Vê-se, pois, que a tendência a que antes nos referimos, que vinha sendo esboçada no STJ, está
inteiramente de acordo com as finalidades perseguidas pelo NCPC, que, a seu turno, são
harmonizas com princípios constitucionais fundamentais.
Decisões nesse sentido foram tomadas, por exemplo, STJ, EDcl no AgRg no Recurso Especial
1.416.980-PE (2013/0371080-1), rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 08.02.2017; STJ, EDcl no
Recurso Especial 1.402.145-SC (2013/0298042-0), rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
08.05.2017; EDcl no AgRg no Recurso Especial 1.319.418-MG (2012/0078914-7), rel. Min. Regina
Helena Costa, DJe 09.06.2017.
O NCPC contém norma analítica, que diz respeito à forma como a sentença deve ser
fundamentada, que se aplica também às demais decisões do juiz. Se a obscuridade e a contradição
são internas à decisão – devem existir em seus elementos e/ou entre eles (com exceção da hipótese
de haver contradição entre acórdãos e ementa) não se pode dizer o mesmo quanto à omissão. De
acordo com o NCPC, a omissão, pode ser verificada se se colocar lado a lado, a sentença e o
processo: ou seja, aquela deve ser contrastada com este. Isto porque a fundamentação da sentença,
de acordo com o NCPC, para que seja considerada juridicamente existente, tem de abranger todas
as alegações feitas pelas partes no curso do feito, a) que levaram à conclusão a que se chegou; b) ou
que teriam o condão de conduzir o magistrado à conclusão diferente daquela a que chegou no
decisum. Evidentemente, tendo havido manifestação judicial sobre estes pontos durante o
processo, não há necessidade de que, na sentença, torne o juiz a apreciá-los.
O NCPC nos indica, de modo minucioso, como deve ser a fundamentação de uma decisão
judicial, endossando a concepção que, desde há muito, temos sustentado ser correta, no sentido de
que sentença inadequadamente fundamentada é sentença não fundamentada. Trata-se de duas
situações juridicamente equivalentes e só este entendimento é que realiza plenamente a garantia
constitucional de que as decisões judiciais sejam motivadas.
Diz a nova lei que não basta a indicação da lei que, segundo o magistrado, seria aplicável à
situação concreta; nem a formulação da norma aplicável, com o emprego de linguagem diferente
da usada por ela. É necessário que se expliquem o(s) porquê(s) da escolha da norma para a solução
do caso concreto (art. 489, § 1º, I). À mesma necessidade de que se explicite a ligação entre a
norma eleita e o caso concreto a ser decidido faz referência o art. 489, II. Diz, citado dispositivo do
NCPC, que este liame deve ser demonstrado quando o juiz aplicar, para decidir o caso, conceito
indeterminado. O uso da norma jurídica que contém conceito vago ou indeterminado (como, por
exemplo, marca notória, interesse do menor, hipossuficiente) gera a necessidade de explicação
mais densa, minuciosa e esclarecedora sobre os porquês de se aplicar aquela norma ao caso
concreto4. Sabe-se que conceitos indeterminados (ou vagos) são aqueles que ensejam discussão,
cujo referencial não é nítido no mundo dos fatos. Assim, e por isso, é necessário que se explique,
por exemplo, por que “José é um bom pai de família”. Legislar por meio do uso de conceitos vagos,
nublados, indeterminados é técnica cada vez mais frequente. Esses conceitos também aparecem
na formulação de princípios jurídicos e de cláusulas gerais.
As decisões devem ser particularmente bem fundamentadas quando aplicam cláusulas gerais.
As cláusulas gerais, ao lado dos princípios jurídicos e dos conceitos vagos ou indeterminados, que
integram cada vez com mais frequência os textos das leis, são elementos característicos do direito
contemporâneo. São expressões cujo significado também é vago, que se consubstanciam em
“poros”, que fazem com que o direito se comunique com a realidade. As cláusulas gerais são
sintomas de que o direito contemporâneo tende a ser aberto e flexível, pois além de serem vagas,
são carregadas de conteúdo axiológico. Bons exemplos são a função social da propriedade e do
contrato. Tudo o que antes se disse acerca dos conceitos vagos ou indeterminados pode-se dizer
ainda com mais veemência das cláusulas gerais. Com maior amplitude, procura o magistrado o
sentido de uma cláusula geral, com referência ao caso concreto, permitindo-se necessariamente o
recurso a elementos vindos da esfera social, econômica e moral, que são, justamente, de certo
modo, juridicizados pela cláusula geral, e tornados realidade concreta pela decisão judicial, que,
evidentemente, precisa ter fundamentação diferenciada. Princípios jurídicos, a seu turno, também
são formulados verbalmente, muito frequentemente, com conceitos vagos, e, por isso, em nosso
entender, o dispositivo do NCPC (art. 489, II) também diz respeito a decisões que se baseiam em
princípios.
Há, na verdade, razões tão ou mais relevantes para que esse dispositivo oriente o modo como
deve ser a fundamentação da decisão judicial que se apoia em princípios jurídicos, quanto as que
levam à necessidade de que a fundamentação seja mais densa quando se trata de aplicar ao caso
uma cláusula geral, para embasar a parte decisória da sentença. Por isso, e principalmente nesses
casos, o dever de motivar a decisão deve assumir, no estado de direito contemporâneo, dimensões
significativamente mais expressivas, do que tinha em outros períodos históricos. Do contrário, a
fundamentação passa a ser ato meramente burocrático, que não satisfaz as partes, nem a
sociedade, no que diz respeito ao direito que tem de obter do Poder Judiciário decisões realmente
fundamentadas.
Vê-se omissão de fundamentação também na situação em que o juiz usa motivos que poderiam
servir para justificar qualquer outra decisão. Decisões como “defiro a liminar porque presentes os
seus pressupostos” são, à luz do NCPC, absolutamente carentes de fundamentação.
O NCPC evidencia que a adequação da fundamentação da decisão judicial não se afere única e
exclusivamente pelo exame interno da decisão. Não basta, assim, que se tenha como material a
própria decisão para se verificar se a decisão é adequadamente fundamentada (= é
fundamentada). Prevê, o NCPC, a necessidade de que conste da fundamentação da decisão, o
enfrentamento dos argumentos capazes, em tese, de afastar a conclusão adotada pelo julgador. A
expressão não é a mais feliz: argumentos. Todavia, é larga e abrangente para acolher tese jurídica
diversa da adotada, qualificação e valoração jurídica de um fato etc. Vê-se, portanto, que, segundo
este dispositivo, o juiz deve proferir decisão afastando, repelindo, enfrentando elementos de fato
ou de direito que poderiam fundamentar conclusão diversa. Portanto, só se pode aferir se a
decisão é fundamentada adequadamente no contexto do processo em que foi proferida. A
coerência interna corporis é necessária, mas não basta.
No Brasil, ainda é muito mais comum o uso de precedentes apenas quando se trata de casos
absolutamente iguais, sob o aspecto fático. Entretanto, é possível e desejável que se reconheça
similitude entre casos não idênticos, mas essencialmente iguais, para que, com isso, se preserve a
coerência das decisões judicias, e, portanto, do direito. O peso do ônus do afastamento de súmula,
jurisprudência ou precedente invocado pela parte foi, felizmente, levado em consideração pelo
novo Código. Não podem ser ignorados, como se aquele caso estivesse sendo posto à apreciação do
Judiciário pela primeira vez. Deve, o magistrado, juiz, desembargador ou ministro do Tribunal
Superior, demonstrar que o caso a ser julgado apresenta peculiaridades em relação àquele sobre o
qual versa o precedente ou a jurisprudência, e àqueles que deram origem à súmula. Pode, em vez
disso, demonstrar que a tese contida na súmula ou dos fundamentos determinantes (ratio
decidendi) do precedente ou da jurisprudência estão superados.
Também a forma de solução da colisão entre possíveis soluções normativas deve ser
esclarecida, explicando-se os critérios empregados na ponderação efetuada.5
Note-se que todas estas regras que descrevem como deve ser a fundamentação das decisões
judicias – interlocutórias, sentenças ou acórdãos – devem ser observadas pelo magistrado, sob
pena de se considerar a fundamentação inexistente, configurando-se, assim, hipótese de omissão.
O NCPC considera omissa também a decisão que não faz referência à tese formada em
julgamento de processos repetitivos (incidente de resolução de demandas repetitivas ou recursos
especial e extraordinário julgados no regime do art. 1.036 do NCPC) ou em incidente de assunção
de competência “aplicável” ao caso.
A expressão “aplicável”, embora não seja ideal, traduz a ideia tão presente no NCPC, no sentido
de que à jurisprudência consolidada e a certos precedentes há de se dar força mais expressiva,
sendo justamente as decisões proferidas nestes contextos, antes mencionados, vinculantes – afinal
este é o único sentido e a verdadeira razão de ser da criação destes institutos. Com a expressão
“aplicável” quis o legislador de 2015 fazer referência à necessidade de que estes precedentes sejam
respeitados: i.e., que às causas ou às questões idênticas (ou suficientemente semelhantes) deva-se
dar a mesma solução que foi dada em precedentes proferidos naqueles contextos. Esta
manifestação, que a lei considera necessária sob pena de omissão, há de ser: a) referência à tese,
quando dela se faz uso para embasar a decisão; b) argumentação no sentido de que o caso
subjacente ao precedente não é idêntico ou suficientemente semelhante para que o precedente
sirva de base àquela decisão. Será também nesta hipótese omissa – por falta de fundamentação –
decisão proferida em infração ao art. 489, § 1º, examinado também nos comentários ao art. 1.022,
II.
No entanto, o NCPC prevê no art. 1.013, § 3º, IV, a possibilidade de o Tribunal de 2º grau, em vez
de decretar a nulidade da sentença por ausência de fundamentação, decidir o mérito. O legislador
não foi feliz na redação do dispositivo. O Tribunal, neste caso, não decretará a nulidade da
sentença (como diz a lei), mas, reconhecendo-a, e pretendendo manter a decisão do mérito no
mesmo sentido, corrigirá o defeito de fundamentação, que faz com que seja considerada
juridicamente inexistente.
5. Erros materiais
O NCPC prevê expressamente que erros materiais podem ser corrigidos por embargos de
declaração. O entendimento predominante, ainda à luz do CPC de 1973, já era o de que o Judiciário
podia e devia corrigir, a qualquer tempo, erros materiais, também por ocasião da interposição dos
embargos de declaração, ainda que a correção destes enganos possa eventualmente gerar
alteração substancial da decisão. Isto não significa que os embargos de declaração possam ter
efeito modificativo, indiscriminadamente. Mas provavelmente os terão, quando, por meio deste
recurso, se corrigir erro material. Erro material é o erro: a) perceptível por qualquer homo
medius; b) e que não tenha, evidentemente, correspondido à intenção do juiz. Vê-se, pois, que o
erro material é necessariamente manifesto, no sentido de evidente, bem visível, facilmente
verificável, perceptível6. Erro, cuja demonstração é complexa, que é difícil de ser percebido, de ser
constatado, deixa de poder ser corrigido por mera petição ou por embargos de declaração. A
dificuldade de percepção e, portanto, de demonstração subtrai do erro a característica de ser erro
material, corrigível por mera petição simples ou por embargos de declaração.
6. Prazo
O prazo para embargos é de cinco dias, em todos os casos, embora o NCPC tenha uniformizado
todos os prazos recursais. Os embargos de declaração são uma exceção. O prazo será em dobro se
se tratar de litisconsortes com diferentes advogados, pertencentes a escritórios distintos, desde que
não se trate de processo eletrônico.
7. Contraditório
Se os embargos forem daqueles capazes de gerar alteração da decisão, deve o juiz proporcionar
ao embargado a possibilidade de responder ao recurso e isto diz o NCPC de forma expressa: art.
1.023, § 2º. Os embargos de declaração não têm a vocação de levar à alteração da decisão
impugnada. Corrigidas contradições, esclarecidas obscuridades e feitas as necessárias
complementações, tem-se a decisão como deveria ter sido originariamente proferida. O mesmo
ocorre quando se corrige o erro material ou se conhece de matéria de ordem pública: isto deveria
ter sido feito antes.
Aliás, erros materiais podem, e devem ser corrigidos pelo juiz de ofício ou a requerimento
(simples) da parte (art. 494).
8. Decisões irrecorríveis
Também são interponíveis de decisões de que não cabe outro recurso qualquer, como a que
firma a tese sobre a inconstitucionalidade no incidente de arguição de inconstitucionalidade (arts.
948 e ss.). Diga-se o mesmo no que tange às decisões dos árbitros (art. 30, Lei Arb.).
9. Decisão de relator
O NCPC resolve mais um problema pontual, que ocorre quando os embargos são interpostos de
decisão de relator, e este, equivocadamente, ao invés de decidi-los, os levar para o órgão colegiado.
Os embargos de declaração são recurso que deve ser julgado pelo mesmo órgão que proferiu a
decisão impugnada. O art. 1.024, § 1º, traz a regra de que a competência para o julgamento deste
recurso é do próprio relator.
Sendo alterada a decisão por embargos de declaração interpostos por uma das partes, depois de
a outra já ter interposto o recurso dito principal, terá esta o direito de modificar ou complementar
suas razões, nos limites da alteração havida. Isto porque o resultado do julgamento dos embargos
de declaração acolhidos integra a decisão de que se recorreu, i.e., fazem parte dela. Mas, diz o
NCPC que não há necessidade de reiteração do recurso principal interposto por A quando, B
interpôs embargos de declaração cuja solução não alterou a decisão originária de que A recorreu:
ou porque estes embargos foram rejeitados ou porque a modificação havida foi em ponto que não
prejudicou a adequação do recurso já interposto.
11. Prequestionamento
À luz do sistema recursal do CPC de 1973, ocorria com frequência que a primeira ofensa à lei,
ensejadora de recurso especial, fosse justamente a não supressão da omissão por embargos de
declaração no Tribunal a quo. Em seguida, no próprio recurso especial, fazia-se o outro pedido:
apontava-se a ilegalidade da decisão de mérito proferida pelo 2º grau de jurisdição. Era comum
que o STJ determinasse a volta dos autos ao Tribunal a quo, para que este suprisse a lacuna e,
então, a parte interpunha outro recurso especial, agora reiterando o pedido de correção da
ilegalidade da decisão de mérito. O STF, tradicionalmente, tendeu a decidir em sentido diverso,
considerando suficiente a iniciativa da parte em interpor o recurso de embargos de declaração,
embora recentemente haja decisões em sentido contrário.
Na verdade, o dispositivo diz respeito principalmente à hipótese de omissão, embora
literalmente se refira, também, às outras hipóteses de cabimento dos embargos de declaração. Em
tese, podem-se configurar hipóteses em que seja possível ao Tribunal Superior ter por “corrigida”
a contradição ou a obscuridade, sem determinar a volta dos autos.
Parece-nos que se trata apenas de uma possibilidade. O órgão ad quem pode agir como se
estivesse dando provimento aos embargos, considerando que o embargante de declaração tem
direito àquilo que pediu. Nem sempre existe esta possibilidade, concretamente considerada,
principalmente porque frequentemente pode implicar a necessidade de reexame de provas.
Então, por exemplo, no acórdão de 2.º grau não há menção à questão de ser caso de
intervenção obrigatória do Ministério Público: as partes discutiram sobre este ponto, mas no
acórdão, o Tribunal decidiu o mérito, sem tocar na questão. Nos embargos, pleiteia-se que o
Tribunal se manifeste expressamente sobre não ter intimado o Ministério Público. Embargos
rejeitados, tem o Tribunal ad quem plenas condições de julgar o recurso especial aplicando o
dispositivo ora comentado7.
A nova regra vale, a nosso ver, também para matéria fática: o art. 1.024, § 4º, usa a expressão
elementos. Sabe-se que os recursos excepcionais também se prestam à correção da subsunção, ou
seja, da adequação da solução jurídica encontrada à situação fática retratada no processo. Os
Tribunais superiores não reveem provas: mas reveem fatos, na medida em que estejam descritos
no acórdão impugnado. O encaixe equivocado dos fatos no quadro normativo descrito na decisão
recorrida leva a uma solução equivocada, e isto pode ser corrigido pelos recursos excepcionais,
porque se trata de quaestio iuris. A correção da aplicação da lei não pode ser avaliada pelo
Tribunal Superior, se se desconhecem os fatos sobre os quais foi aplicada, que devem estar
adequadamente descritos no acórdão recorrido. Quando se trata de provocar uma decisão do
Poder Judiciário por meio de recurso especial e recurso extraordinário, a ilegalidade ou a
inconstitucionalidade consistente na solução normativa ter sido “escolhida” equivocadamente só
pode ser flagrada se se confrontarem os fatos, tais quais descritos na decisão sob foco, com a
solução normativa que se deu àqueles fatos naquela mesma decisão.
É o que consta das Súmulas 279 do STF, e 7 do STJ, cujo teor é idêntico: Nos recursos especial e
extraordinário não se reexaminam provas. Por isso é que se pode, por meio dos embargos de
declaração, pleitear que se complete a descrição do quadro fático que ficou comprovado nos autos,
para fins de reavaliação da correção da decisão, no que diz respeito à qualificação dos fatos e à
conclusão jurídica a que se chegou8.
12. Efeitos
A nova lei diz com clareza que os embargos de declaração não têm efeito suspensivo. A
suspensividade típica (a da apelação) tem o condão de impedir a produção de efeitos, de obstar a
eficácia da decisão recorrida. O efeito suspensivo tradicional (da apelação) não suspende efeitos
que até então (até a interposição do recurso) se estavam produzindo. Prolonga isto sim, a
ineficácia que já havia, e que era reflexo da mera situação de sujeição ao recurso. Assim, pode
dizer-se que a possibilidade ou a expectativa de poder vir a ser interposto recurso com efeito
suspensivo, por si só, priva a decisão de eficácia. Se a eficácia vai ser suspensa, sentido não teria
que no prazo recursal se realizasse essa eficácia ou parte dela.
Discutia-se, à luz do CPC revogado, se os embargos de declaração tinham este efeito suspensivo,
mas uma outra espécie, que ocorria quando da interposição do recurso.
O CPC/15 acabou com a imensa discussão que se travou em todos os planos, doutrina e
jurisprudência, à luz do CPC de 1973, sobre terem ou não efeito suspensivo. Mesmo em relação aos
recursos que têm efeito suspensivo, a situação está flexibilizada. O art. 1.012, § 4º, do NCPC,
permite que o Judiciário retire o efeito suspensivo das apelações que o têm e atribua efeito
suspensivo às apelações que não o têm.
O fato é que à luz do novo CPC as partes, na verdade, podem manipular o sistema de efeitos dos
recursos, de forma a que todas as decisões possam produzir efeitos imediatamente após proferidas
ou, ao contrário, deixar de produzir efeitos quando, normalmente, a decisão os produziria.
O efeito suspensivo (e aqui seria mesmo suspensivo) pode ser pleiteado, se presentes os
pressupostos do art. 1.026, § 1º: a) probabilidade de êxito no recurso; ou b) se relevante à
fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. Trataremos deste ponto
novamente, mais à frente.
No entanto, estes efeitos não atingem o prazo para a outra parte embargar de declaração.
Proferida a sentença, por exemplo, começa a correr o prazo comum, para autor e réu,
embargarem de declaração. Usado este prazo por uma das partes, que embargou, para ambas se
interrompe o prazo da apelação. Mas, é claro, julgados os embargos, outros podem ser interpostos,
agora da nova decisão.
13. A multa
NOTAS DE RODAPÉ
1
Sobre os percentuais de oposição de embargos de declaração relativos a cada hipótese de cabimento, cf.
CARBONAR, Dante Olavo Frazon. Embargos de declaração no STJ: estatísticas pré-vigência do CPC/2015.
Revista de Processo, São Paulo, v. 263, p. 169-191, jan. 2017.
“Decerto a apelação interposta pelo recorrente não devolveu explicitamente esse tema ao Tribunal. Nada
obstante, cuida-se de matéria de ordem pública, suscitada nos Embargos de Declaração e passível de
conhecimento de ofício pelo órgão julgador, o que afasta falar em preclusão”. (STJ, REsp 1.693.918/RS, 2ª T.,
j. 10.10.2017, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16.10.2017). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.555.337/SP, 2ª T.,
j. 10.10.2017, rel. Min. Og Fernandes, DJe 17.10.2017.
Sobre o tema, conferir nesse sentido: SCHIMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais:
a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. Coleção Liebman. ARRUDA
ALVIM WAMBIER, Teresa; e TALAMINI, Eduardo (Coords.). n. 5.5.1, p. 301.
Ver, sobre este tema, com mais profundidade, de nossa autoria, Embargos de declaração, itens 4 e 7.
“A jurisprudência tem admitido os embargos declaratórios para a correção de erro material, decorrente de
equívoco evidente, assim entendido o erro datilográfico, aritmético, perceptível primus ictus oculi” (STJ,
EDcl no AgRg no REsp 1.433.697/RS, 6ª T., j. 12.05.2015, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe
21.05.2015).
“A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo
recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a
existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau
facultada pelo dispositivo de lei”. (STJ, AgInt no AREsp 1.098.633/MG, 4ª T., j. 12.09.2017, rel. Min. Luis
Felipe Salomão, DJe 15.09.2017).
“Delineada a moldura fática pelas instâncias ordinárias, o STJ pode conferir qualificação jurídica diversa
aos fatos delimitados, não incidindo os óbices constantes das Súmulas n5 e 7/STJ. Precedentes”. (STJ, EDcl
no REsp 1.620.702/SP, 3ª T., j. 25.04.2017, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 22.05.2017).
“De acordo com a jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, ‘a oposição de embargos
de declaração intempestivos não interrompem nem suspendem o prazo para a interposição do recurso
especial’.(STJ, AgInt no AREsp 1.006.708/CE, 2ª T., j. 08.08.2017, rel. Min. Og Fernandes, DJe 15.08.2017).
10
“Para fins do art. 543-C do CPC: A multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo
Civil tem caráter eminentemente administrativo – punindo conduta que ofende a dignidade do tribunal e
a função pública do processo –, sendo possível sua cumulação com a sanção prevista nos artigos 17, VII e
18, § 2º, do Código de Processo Civil, de natureza reparatória”. (STJ, REsp 1.250.739/PA, Corte Especial, j.
04.12.2013, rel. p/ acórdão Min. Luis Felipe Salomão, DJe 17.03.2014). Mais recentemente: STJ, EDcl no
AgRg no REsp 1.374.448/RJ, 1ª T., j. 20.09.2016, rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 27.10.2016.
11
Oportuna é a observação de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery acerca da interpretação do § 4º do art. 1.026: “Se,
por duas vezes, os embargos opostos contra a mesma decisão tiverem sido considerados protelatórios, não
cabem novos embargos. O texto normativo refere-se à mesma decisão, a julgar pelo uso do termo
“anteriores”, ou seja, aqueles embargos anteriormente opostos para uma mesma situação. Isto significa
que as duas decisões proferidas nos dois EmbDcl têm de ser a mesma, sem nenhum outro acréscimo ou
modificação. Quando, ao revés, a decisão proferida nos EmbDcl contiver modificação ou outra
consideração – inclusive apenas de fundamento –, tratar-se-á de outra decisão, autônoma e distinta da
embargada, que não terá sido alcançada pela proibição do CPC 1026 § 4º. Essa nova decisão poderá ser
impugnada por novos EmbDcl. Permanecendo o vício, ou a nova decisão adquirindo novos vícios passíveis
de correção, sempre caberão os EmbDcl. Tantos quantos forem necessários. Todavia, não obstante o
intuito evidente do dispositivo comentado, no sentido de aceleração do trâmite do processo, sempre existe
o risco de que a decisão que considera os EmbDcl protelatórios não haja espancado o vício apontado pelo
embargante, e continue omissa, obscura, contraditória ou com erro material. Permanecendo o vício, ou a
nova decisão adquirindo novos vícios passíveis de correção, sempre caberão os EmbDcl. Tantos quantos
forem necessários. Daí por que este parágrafo, para não ser inconstitucional, deve receber interpretação
conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung von Gesetzen), o que implica em sua aplicação,
apenas se e quando tratar-se de verdadeiro abuso do direito de recorrer”. (Código de Processo Civil
comentado. 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016, art. 1.026, p. 2296).
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