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CPC em Foco - 2019
4. DEVERES DAS PARTES, DE SEUS PROCURADORES E DOS TERCEIROS
1. Visão geral
A boa-fé (art. 5º) e a cooperação (art. 6º) são diretrizes fundamentais do NCPC. Imantam todo o
Código, norteando, na prática, a postura de todos aqueles que atuam no processo. Decorre daí o
dever de lealdade processual, tanto das partes entre si quanto do Estado-juiz.
Na verdade, tal dever espera-se não apenas das partes entre si ou delas com relação ao órgão
judicial. O NCPC (art. 77) deixa bem claro que os deveres de probidade e lealdade processuais
(desdobramentos da fórmula geral da boa-fé) se estendem a “todos aqueles que de qualquer forma
participem do processo”. Portanto, juiz, Ministério Público, conciliadores, mediadores, terceiros,
auxiliares da justiça, peritos etc.
Seja como for, o art. 77 enumera deveres de postura prescritos àqueles que atuam dentro do
processo. Faz isso de maneira exemplificativa, deixando clara, já no início do dispositivo, a
existência de outros deveres ao longo do Código. Em linhas gerais, são os seguintes ali fixados: a)
apresentar os fatos de maneira fidedigna; b) não formular manifestação destituída de fundamento;
c) não provocar a prática de atos processuais inúteis para atrapalhar a marcha processual; d)
cumprir com exatidão as decisões, não criando embaraços para atrapalhar sua efetivação; e)
declinar e manter atualizado o endereço para intimações; f) não praticar atentado (alteração
consciente do estado de fato ou de direito litigioso).
No rol desse dispositivo, a inobservância de duas dessas condutas (e não das demais) é
considerada ato atentatório à dignidade da justiça: o descumprimento das decisões judiciais e o
atentado. Aliás, vale registrar que a conduta para ser tida como atentatória (e daí sancionável
como tal) exige expressa previsão legal.2 Além disso, outra peculiaridade é que, ao praticá-la, o
sujeito atenta contra a própria jurisdição (numa versão próxima do que no direito anglo-saxão se
designa como contempt of court), sendo por isso sancionado com multa e tendo o próprio Estado (o
efetivo ofendido), em regra,3 como beneficiário dessa verba.
1.1. Duas condutas a merecer alguma atenção: declinar e manter atualizado o endereço
para intimações e a proibição do atentado
Deve-se ter atenção, especialmente agora, na fase inicial de operação com o novo Código, para
com a exigência de que as partes e seus procuradores declinem nos autos, na primeira
oportunidade que lhes couber falar, o endereço no qual receberão intimações. Mais, porém, do
que simplesmente apresentar o endereço, essa informação deverá ser mantida atualizada. Isso
significa, em outras palavras, que a parte tem o ônus de comunicar ao juízo qualquer modificação
temporária ou definitiva relacionada com o local no qual poderá ser encontrada para receber
intimações (art. 77, inc. V).
O descuido, aí, pode custar caro. Privilegiando a celeridade e contando com o zelo e probidade
das partes, serão presumidas válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, caso
lá sejam recebidas por terceiro (art. 274, parágrafo único). Essa mesma presunção é repetida na
execução forçada (art. 841, § 4º).
A sanção comum é a multa. Outras podem ser aplicadas dependendo da conformação do caso
concreto (de natureza criminal, civil ou processual). A multa, porém, sempre terá lugar. Seu
montante, como regra, será equivalente a até 20% do valor atualizado da causa. Algo, diga-se de
passagem, idêntico ao regime anterior.
A novidade fica por conta das causas com valor irrisório ou inestimável. Para essas o critério de
fixação será o salário mínimo: o montante da penalidade poderá ser de até dez vezes o valor de
referência em vigor.
Caso não paga no prazo fixado pelo órgão judicial, a multa será exigível após o “trânsito em
julgado” da decisão que a fixou. Aqui um avanço: o CPC/1973 estipulava como marco para
exigibilidade da multa o trânsito em julgado da decisão final da causa (art. 14, parágrafo único).
Agora, como visto, continua sendo exigível após o trânsito em julgado, mas “da decisão que a
fixou” (art. 77, § 3º). Embora o texto não conte com a precisão desejável (ao mencionar o trânsito
em julgado, evoca a ideia de sentença e, portanto, solução final da causa), emerge da regra a
orientação de que a exigibilidade ocorrerá a partir da irrecorribilidade (ou imutabilidade) do
pronunciamento judicial (inclusive interlocutório) que a fixou.
O NCPC é ainda expresso ao tratar da possibilidade de cumulação dessa multa com outras. A
penalidade pelo ato atentatório poderá ser fixada independentemente da incidência daquela
cabível no cumprimento de sentença (art. 523, § 1º) ou de medida coercitiva pecuniária destinada
a forçar a satisfação de obrigações específicas (art. 536, § 1º). Embora louvável a intenção de
tornar mais clara essa situação, o dispositivo é redundante, pois o beneficiário dessas multas é a
parte (e não o Estado).
Por fim, inovação importante aparece timidamente redigida no último parágrafo do dispositivo
(§ 8º do art. 77). Torna expressa a impossibilidade de se compelir o representante judicial da parte
a cumprir a decisão. Embora num primeiro olhar possa parecer óbvia tal inviabilidade, não são
incomuns situações nas quais o representante legal de pessoa jurídica (diretores; dirigentes de
empresas públicas ou, mesmo, membro do Poder Executivo) é pessoalmente sancionado com
multa, mas objetivando obrigar a pessoa jurídica que representam a cumprir determinação
judicial. Portanto, referido dispositivo deixa claro ser a parte, e não seu representante, o eventual
destinatário de multa e outras medidas coercitivas. Evidentemente que tal distinção não afasta as
responsabilidades civil e criminal do representante. Não se trata de imunidade. O representante
responde pela ilicitude de condutas praticadas no exercício do mandato, ainda mais se destinadas
a atentar contra a Jurisdição. A regra apenas deixa claro caber à própria parte (e não ao seu
representante) o cumprimento de decisão judicial, motivo pelo qual é ela também a destinatária
natural das medidas coercitivas para fazê-lo.
Houve sensível majoração com relação à multa. No CPC/1973, essa sanção não poderia ser
superior a 1% do valor atualizado da causa. Agora, o ponto de partida já deverá ser algo superior a
esse percentual de 1%, podendo alcançar até 10% do valor corrigido da causa (art. 81). Além disso,
nas demandas cujo valor seja considerado irrisório ou inestimável, segue-se fórmula idêntica à do
ato atentatório: a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo em vigor
(art. 81, § 2º).
Há novidade também na indenização. A litigância de má-fé gera danos para a parte contrária e
obriga seu causador a indenizá-los mesmo que se sagre vencedor da demanda. Tais prejuízos
podem ser indenizados e devem ser apurados nos próprios autos, sem necessidade de ajuizamento
de ação autônoma para tanto. Até aí, sem novidades.
Não há mais o limitador de 20% do regime anterior. Caso os danos possam ser quantificados de
plano, a indenização será fixada de imediato pelo órgão judicial, qualquer que seja seu valor. Caso
contrário, a quantificação ocorrerá mediante liquidação nos próprios autos (art. 81, § 3º).
Isso conduz à conclusão, a nosso ver, de que qualquer indenização, independentemente de seu
valor, exige a efetiva ocorrência de prejuízo. A sanção pela litigância de má-fé é a multa (entre 1%
e 10% do valor da causa). A reparação dos danos, por sua vez, aparece como um plus cumulável a
essa sanção. Seu objetivo, porém, é claramente distinto: tem caráter eminentemente reparatório.
Como não existe reparação sem prejuízos, no cenário da litigância de má-fé os danos precisam ser
demonstrados, sendo inviável a mera presunção de ocorrência.
NOTAS DE RODAPÉ
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Como ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 334, § 8º – não comparecimento injustificado na audiência
de conciliação. Aí a sanção será de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, a ser
revertida em favor da União ou do Estado.
Apesar disso, o NCPC apresenta exceção a essa regra no processo de execução (art. 774). As condutas ali
são expressamente fixadas como atentatórias, mas a multa é revertida em proveito do exequente.
Cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Breves comentários ao Código de Processo Civil. Coord. Teresa
Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 278; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às
alterações do novo CPC. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 139.
“O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que a indenização por litigância
de má-fé fixada pelo juiz, conforme previsão do art. 18, § 2º, do CPC/1973, deve observar o limite legal de
20% (vinte por cento) sobre o valor da causa” (STJ, AgRg no REsp 947.009/RS, 4ª T., rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, DJe 25.02.2013).