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4 - A existência histórica de Jesus

Alguns historiadores e geógrafos antigos, em seus escritos diversos, dão notícias da


existência histórica de Jesus de Nazaré. Entre eles, pode-se citar, por exemplo, Estrabão de
Amaséa-Ponto (60 a.C - 21 d.C.); Plínio, o Velho (27-79 d.C.). Muito importante é Celso,
com sua obra intitulada Discurso Verdadeiro, escrita por volta de 170, na qual traz
pormenores sobre o nascimento e a vida de Jesus. Justino refuta as afirmações de Celso com
a obra intitulada Contra Celsum. Além desse, Flávio Josefo, nascido na Palestina por volta
dos anos trinta, é quem mais abundantemente oferece documentação, servindo-se dos
escritos de Nicolau de Damasco. Também Tácito, escritor samaritano, e Suetônio, de origem
romana, dão notícias de Jesus em suas obras. Os escritos judaicos são pouco utilizados,
porque falta segurança quanto às datas, especialmente Targumin, Mishna e Talmude. Isso
sem levar em conta os apócrifos cristãos e a literatura dos Santos Padres1. Mas, sem dúvida,
as únicas fontes sobre a vida e a doutrina de Jesus são, indubitavelmente, os quatro
evangelhos2.
As descobertas arqueológicas das localidades evangélicas, máxime Nazaré,
Cafarnaum e Jerusalém, são de grande valia para reconstituir a Palestina do tempo de Jesus.
Também alguns papiros, especialmente os do arquivo de Zenon, funcionário do ministro das
finanças de Ptolomeu II, de Apolônio, do século III a.C., achados no Egito, dão informações
precisas sobre a economia palestinense da época que antecede ao tempo neotestamentário.
O pai adotivo de Jesus chamava-se José, do hebraico yôsef, que, segundo alguns, na
forma original é y’osêf, significando “que ele reúna” 3 . Sua mãe chamava-se Maria, do
hebraico Miryam, com significado e etimologia incertos. Talvez proviesse do egípcio mrjt,
que significa “amada”4.
Jesus nasceu em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes5, conforme prova o censo
de Quirino. Não se sabe com precisão o ano exato do nascimento de Jesus. A maioria
concorda em que Jesus nasceu entre o ano 5 e 6 a.C., e não no ano zero da nossa era. Chega-
se a essa data por causa do recenseamento e da afirmação de que Jesus nasceu no tempo do
rei Herodes. A origem do mal-entendido se deve ao monge Dionísio, do século VI, o qual,
partindo de Lc 3,23, que afirma Jesus ter começado a sua vida pública aos trinta anos, no
“ano quinze do principado de Tibério César”, calculou mal a data do nascimento de Jesus.
Isso porque o décimo quinto ano do reinado de Tibério corresponde ao ano 782 do calendário
romano. Mas Herodes morreu no ano 750 do calendário romano, e não 752, como resulta da
conta do monge Dionísio. E ele fixou o ano 752 do calendário romano como o ano 1 da
nossa era6.
Ele falava o aramaico. Como os seus pais estabeleceram domicílio em Nazaré, na
Galiléia, alguns afirmam que ele falava “com sotaque de judeu da Galiléia” 7. Jesus era
solteiro. Sua profissão era a de carpinteiro, conforme Mc 6,3, sendo a mesma de seu pai
adotivo, conforme relata Mt 13,55, apesar de a palavra tekton deixar impreciso qual seria a
1
Cf. FABRIS, p. 33-50. Ver, também, E. HOORNAERT, op. cit., p. 29-44.
2
Cf. “Jesus Cristo” in MCKENZIE, p. 479.
3
Cf. “José”. In MCKENZIE, p. 508.
4
Cf. “Maria”. In MCKENZIE, p. 586.
5
Para distinguir os três Herodes citados no Novo Testamento, convém lembrar: a) Herodes, o Grande, que
governou a Palestina de 37 a 4 a.C. É a ele que se refere o evangelista Mateus, quando narra o nascimento
de Jesus (Mt 2,1) e a morte dos inocentes (Mt 2,16); b) Herodes, o Antipas, que governou a Galiléia de 4
a.C. a 39 d.C., aparecendo na morte de Jesus (Lc 23,7) e de João Batista (Mc 6,14-29); c) Herodes, o
Agripa, que governou a Palestina de 41 a 44 d.C., que aparece em At 12,1.20 (cf. C. MESTERS, op. cit.,
p. 36).
6
J. DUQUESNE, Jesus. A verdadeira vida. São Paulo: Geração Editorial, 1995, p. 25 e 217, nota 7; C.
MESTERS, op. cit., p. 46.
7
C. MESTERS, op. cit., p. 17.
natureza exata da profissão exercida por ambos, por indicar uma atividade manual em geral8,
da qual originavam-se os recursos econômicos necessários para a sobrevivência de José,
Maria e Jesus.
Jesus de Nazaré tinha a cultura básica normal dos jovens de um lugarejo da Galiléia.
Segundo R. Fabris, a formação bíblico-religiosa, associada com o trabalho de carpinteiro,
contribuiu para lhe dar a capacidade de captar os traços cotidianos e concretos da vida9.
É certo que Ele era celibatário, pois se revela impensável qualquer hipótese contrária.
Parece mais provável ter-se inspirado na figura profética de Jeremias, que assumiu a
condição celibatária como sinal para seus contemporâneos (cf. Jr 16,1-13), e não na corrente
ascético-espiritual de Qumrãn. Segundo Mt 19,12, seu celibato é sinal do mundo novo
inaugurado com a chegada do Reino de Deus à história humana.

5 - A situação da pesquisa histórica sobre Jesus

A pesquisa sobre o Jesus histórico10 passou por três fases. A primeira, da crítica
liberal (Strauss e Renan), surgida num clima iluminista, por isso marcada pelo tom racional,
elimina o Cristo do dogma, considerado uma construção indevida da Igreja e se põe à busca
do autêntico Jesus da história, questionando a validade das fontes evangélicas. Por isso
produziu um Jesus humanista e naturalista. Spinoza (1632-1677) foi quem deu início a essa
mentalidade. Com A. Schweitzer, todos se referiram a S. Reimarus (1694-1768) e à publi-
cação póstuma (1778) de seu sétimo fragmento, intitulado O fim de Jesus e de seus discí-
pulos. Segundo este, Jesus foi apenas um agitador político, que faliu no momento da morte.
Foram os discípulos que reergueram o seu sonho messiânico, não mais em sentido político,
mas estritamente espiritual. Foram eles, portanto, os inventores do Cristo da fé. Essa tese,
hoje considerada "idiota e diletantesca" (tal é a apreciação de Jeremias in Problemas do
Jesus histórico), teve o grande mérito de abrir a pesquisa sobre o Jesus histórico e do valor
histórico das fontes cristãs. A conseqüência foi a desintegração tanto do Cristo da fé quanto
do Jesus histórico, que procurava recuperar. Por isso não subsistiu11.
A segunda fase iniciou com a reação da Formgeschichte, interditando o acesso ao
Jesus histórico, indo, portanto, em direção oposta à anterior. K. Barth e R. Bultmann
assumiram essa posição12. Contra a tendência racionalista radical da teologia liberal, Barth
acentuou, de modo também radical, a transcendência absoluta de Deus, o Totalmente Outro.
A sua teologia dialética refutou decisivamente a pergunta sobre o Jesus histórico e a sua
impostação liberal, fundando a fé cristã somente sobre o querigma de Jesus, como Cristo e
Senhor, crucificado e ressuscitado. Essa corrente toma a frase de 2 Cor 5,16 como motivo.
R. Bultmann defende o Cristo querigmático, com desatenção total ao Jesus histórico,
chegando a recusar que o divino possa revelar-se na história humana. Por isso, leva em conta
apenas o querigma da comunidade primitiva, mostrando o apelo existencial de sua morte e
ressurreição, e ensinando que só o Cristo da fé é importante, restringindo o Jesus histórico
8
Cf. FABRIS, p. 84.
9
Cf. Id., p. 86.
10
Segundo O.G. De Cardedal, hoje se faz necessário esclarecer a terminologia, com a finalidade de evitar
ambigüidades. Deve-se distinguir o Jesus terreno, que viveu e morreu e se constitui como o ponto de partida,
referência permanente e fundamento da fé como figura da nossa história, o Jesus confessado como o Cristo,
a partir da ressurreição, e o Jesus histórico, que nunca existiu e é uma construção dos investigadores. O Jesus
terreno é o que foi proclamado como Cristo após a ressurreição, e esse não é objeto de demonstração, como
também não pode ser fundamentado com categorias da ciência exata e muito menos pela hermenêutica (cf.
O.G. DE CARDEDAL, op. cit., p. XXIX). Hoje, há um interesse muito grande pelo Jesus judeu, como o
prova a recente e variada literatura sobre a história de Jesus antes da fé.
11
Cf. AMATO, p. 40. Também KASPER, p.31-33.
12
Ver, a propósito, o seguinte artigo: J. KONINGS, "O ‘Jesus histórico’: a nova fase e a divulgação do debate",
in Perspectiva Teológica, 67 (set/dez 1993) p. 357-370.
apenas ao fato de que Ele aconteceu. O precedente de sua vida, a pregação e ações, não
contam nada para a fé13.
A terceira fase vem representada por E. Käsemann, que, discordando de Bultmann,
por ter esvaziado o conteúdo da fórmula da encarnação e por ter substituído Paulo por Jesus,
diz que a fé cristã tem início no fato histórico da vida de Jesus e no querigma pós-pascal.
Assim, o querigma remete ao próprio Jesus histórico, pois este é continuação daquele, a
partir do evento salvífico Jesus Cristo, buscando descrever honesta e cientificamente essa
existência histórica, que nos mostrou a face de Deus14.
J. Konings situa o estado atual da questão na busca, não tanto de um Jesus
sobrenatural, nem exemplarmente humano, nem na manifestação de Deus na existência e
compromisso histórico de uma pessoa humana, mas num "Jesus filho de seu tempo, am-
biente e cultura, aquele que Martin Buber chamou de ‘meu irmão mais velho' e G. Vermès,
não sem um quê de chauvinismo, de ‘Jesus, o judeu'"15.
A. Amato considera encerrado círculo hermenêutico, pois se passou de uma
consciência ingênua dos evangelhos como biografias de Jesus à negação clara dessa
qualificação e, finalmente, a um retorno criticamente documentado de seu valor histórico
e biográfico16.
Interessante é a posição de Peter Stuhlmacher, professor da conhecida escola
teológica de Tubinga, sobre o Jesus histórico e a questão hermenêutica. Em concordância
com Otto Betz e Martin Hengel, ambos da mesma universidade, ele afirma, seguindo a
tese de Adolf Schlatter (1852-1938), o qual já ensinava, em 1898, que Jesus reivindicou
para si o título de Messias de Israel e Filho de Deus, mesmo durante a sua vida terrena,
assim como os evangelhos o referem e foi proclamado pelos apóstolos. A diferença entre
Jesus histórico e Cristo da fé surge, apenas, “quando e no caso no qual não se possa e não
se queira convencer que já o Jesus terreno se apresentou como Messias”. Só poucos
seguiram Schlatter, entre os quais Julius Schniewind, Joachim Jeremias e Leonhard
Goppelt17.
No entanto, o primeiro núcleo de qualquer anúncio cristológico deve ser a história
de Jesus Cristo. Independentemente dos modelos e metodologias escolhidas e usadas18, o
anúncio cristão deve fundar-se, confrontar-se e referir-se continuamente à história de Jesus.
Ela é a fonte da experiência cristã de todo espaço e tempo. "História de Jesus" significa,
primeiro, o conjunto de fatos acontecidos em determinadas circunstâncias espácio-temporais
e, segundo, o lugar da intervenção de Deus. No cristianismo, a salvação aconteceu na história

13
Cf. AMATO, p. 40s.; KASPER, p. 34-38.
14
Cf. Id., p. 41.
15
Cf. J. KONINGS, op. cit., p. 358. O autor continua escrevendo que é nesta linha que a teologia da libertação
assumiu o conhecimento do Jesus histórico, baseando sua cristologia na práxis do "amor fiel até a morte". A
cristologia narrativa (González Faus e Schillebeeckx) insiste em que o acontecer de Deus em Jesus se torna
acessível na narração de sua vida, que, por isso, deve ser abordada com maior sensibilidade narrativa e
seriedade científica (ib). J. P. Meier denomina esse Jesus de “Jesus real”, distinguindo-o do “Jesus histórico”.
O “Jesus real” é o Jesus antes das interpretações (cf. J. P. MEIER, Um judeu marginal. Repensando o Jesus
histórico. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 31-41).
16
Cf. A. AMATO, “Jesucristo, centro de la historia de la salvación”. In Tertio Millennio Adveniente.
Comentario teológico-pastoral. Consejo de presidencia del gran Jubileo del año 2000. Salamanca:
Sigueme, 1995, p. 134.
17
P. STUHLMACHER, Gesù di Nazaret - Cristo della fede. Brescia: Paideia, 1992, p. 13-19.
18
Sobre os enfoques da cristologia, realçando a ascendente e a descendente, ver L. ARMENDÁRIZ, "Quién es
Cristo y como acceder hoy a él" in Selecciones de Teología, XXIII, (129/1994), p. 3-16.
concreta de Jesus de Nazaré, o Cristo. Nele a história torna-se história da salvação19. Assim
é que acontece o resgate metodológico contemporâneo da cristologia20.
Isso porque Jesus não é apenas o homem de Nazaré, mas o cristianismo O interpela
a partir da revelação salvífica de Deus na história. Jesus é o Cristo, o Salvador absoluto e
definitivo, manifestando-se na história com determinadas atitudes, doutrina e fatos histórico-
salvíficos. Isso é o que se pode chamar de significado histórico-teológico da pessoa de Jesus,
pois a sua história é uma história teológica, sem possibilidade de separação entre os dois
elementos. Uma cristologia radical do Jesus da história apresenta o problema de reconhecer
a sua divindade, tornando impossível chegar ao Cristo da fé.
O cristianismo se funda na história concreta de Jesus de Nazaré e no significado
salvífico de Cristo "para nós". W. Pannenberg afirma: "Jesus adquire significado ‘para nós’
somente enquanto esta significação está apoiada nele mesmo, na sua história e na pessoa que
a história manifestou. Somente enquanto esta poderá ser demonstrada, podemos ter certeza
de que a nossa fé não será uma mera projeção de problemas, desejos e pensamentos pessoais
sobre a pessoa de Jesus"21.
Bornkamm assevera que mesmo a pesquisa histórica contemporânea, mesmo a mais
exigente, aceita que a apresentação de Jesus, da parte do cristianismo primitivo, nos
evangelhos e nos Atos corresponde à história, pois a referência à vida concreta e terrena de
Jesus de Nazaré faz parte integrante da pregação missionária da Igreja primitiva22.
Assim, Bultmann escrevia, já em 1926: "A dúvida se Jesus realmente existiu é
infundada e não merece ser abordada. É de todo evidente que Ele é a origem daquele
movimento histórico, cujo primeiro estágio tangível está representado pela comunidade
cristã primitiva palestinense"23.
Concluindo: o valor teológico de Cristo se manifesta na história. Por isso, W. Kasper
diz: "A cristologia não é outra coisa do que a exegese da profissão ‘Jesus é o Cristo’. (...) A
profissão de fé eclesial não se apóia sobre si mesma. Ela, de fato, tem seu conteúdo e norma
preestabelecida na história e no destino de Jesus" 24 . Portanto, o anúncio dos primeiros
discípulos é uma referência teológico-salvífica à história de Cristo, como, por exemplo, At
2,22-24, tendo como conseqüência a historicidade da fé, que não se funda em um mito,
alucinação ou invenção dos Doze.

19
AMATO, p. 36.
20
W. Kasper afirma que a problemática histórica tem uma função imprescindível dentro da cristologia
contemporânea, pois deve evidenciar a mútua correspondência entre o Jesus terreno e o Cristo da fé (cf.
KASPER, p. 30, 41, 44 e 45).
21
In AMATO, p. 37, nota 78.
22
G. BORNKAMM, Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 16, 19, 21-24.
23
In AMATO, p. 37, nota 81.
24
Cf. KASPER, p. 44.
6 - A conseqüente reflexão dogmática

A reflexão sobre Jesus Cristo feita pela Igreja, desde o primeiro momento de seu
alvorecer, resultou em uma verdadeira elaboração doutrinal, que foi assumindo, com o
passar do tempo, características específicas, caracterizada pelos teólogos, séculos mais tarde,
com o termo “dogma”. Daí também surgiu a Teologia Dogmática, definida como a ciência
do dogma eclesiástico ou a reflexão sistemática sobre o dogma da Igreja, ou seja, a exposição
e o aprofundamento científico da Palavra de Deus, tal como é pregada e ensinada pela
Igreja25.
No atual sentido, a palavra "dogma"26 só se generalizou a partir do século XVIII,
embora já conhecida anteriormente com acepções diferentes 27 . Tomás considera que a
verdade una deve ser desmembrada em articuli fidei para melhor ser compreendida, abrindo
caminho, desse modo, para o desenvolvimento dogmático. Por isso, cada artigo de fé deve
ter três notas: caráter de verdade, importância salvífica e relação com a comunidade.
As propriedades do dogma são duas: 1) é uma verdade contida na revelação divina,
que constitui seu elemento material; 2) é uma verdade que a Igreja formulou e propôs
expressamente como objeto de fé, o que constitui seu elemento formal. Segundo K. Rahner,
as propriedades do dogma são: a origem divina, a verdade, a obrigação de crer, a
imutabilidade, a historicidade, a capacidade de evolução, a estrutura encarnacionista e a
unidade autêntica entre o divino e o humano.
Por essa razão, o dogma deve ser sempre adequado à Sagrada Escritura, por conter
a revelação de Deus em Cristo, acontecida uma vez para sempre sob determinado aspecto
parcial, e por ser de origem divina em seu conteúdo essencial. Por meio dele, a Igreja
transmite a revelação, pois a revelação divina adotou a veste corporal acomodada aos primei-
ros receptores, expressando a fé de todo o povo de Deus, que, por sua vez, já é uma resposta
à automanifestação divina. Esse é o motivo por que a declaração de fé, existente nos dogmas,
permanece aquém do multiforme querigma e, muito mais, abaixo da realidade proclamada
no querigma. Contudo, não se pode esquecer que a verdade proclamada pelo dogma vive no
todo da revelação, e só neste conjunto se pode entender seu verdadeiro sentido e
importância28.
Sendo uma declaração incondicional da verdade e declaração definitiva da fé, os
dogmas são imutáveis (é a dimensão da imutabilidade), sob o aspecto de seu conteúdo. O
que não significa estaticidade, pois eles exigem interpretação constantemente nova, por parte
da Igreja e, por isso, estão em movimento (é a dimensão da mutabilidade). Para distinguir o
mutável do imutável, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer o interesse da Igreja naquele
momento determinado, para lhe entender o sentido, e, em seguida, conhecer o erro contra o
qual se dirige o dogma. O interesse da Igreja pode ser mais bem compreendido numa
situação nova29. Todavia, como a comunidade de fé tem estruturas jurídicas, um dogma
25
R. LATOURELLE, op. cit., p. 129-140; M. SCHMAUS, op. cit., p. 190-196.
26
Bibliografia referencial: R. LATOURELLE, op. cit., p. 129-140; L. SERENTHÀ, "Teologia dogmatica" in
Dizionario Teologico Interdisciplinare, op. cit., v. 1, p. 262-278; K. RAHNER, "Dogma", in SM, 1:375-383;
id., "Historia de los dogmas" in SM, 1:392-404; M. SCHMAUS, Fé da Igreja, v. 1. Petrópolis: Vozes, 1976,
p. 190-196.
27
Michael Schmaus assim define o dogma: "Uma revelação que o Magistério eclesiástico, quer pelo ensino
ordinário e universal, quer por solene definição do Papa ou de um concílio propôs explicitamente como
autêntica verdade revelada que todos são obrigados a crer e que concorre para a salvação" (cf. M. SCHMAUS,
op. cit., p. 153s). Karl Rahner apresenta outra definição: "É um enunciado de fé divina e católica, ou seja,
uma afirmação que a Igreja proclama explicitamente (através do Magistério ordinário e universal, ou mediante
uma definição papal ou conciliar) como revelada por Deus (DS 3011) e cuja negação é sancionada com o
qualificativo de heresia ou anátema" (CIC 750-752).
28
M. SCHMAUS, op. cit., p. 156s.
29
Id., p. 157; C. POZO , "Evolución de los dogmas" in SM, 2:383-392.
repercute no campo do direito. Quem o rejeita, nega a sua ligação com a comunidade da
Igreja juridicamente constituída.
O surgimento do dogma30 acontece a partir da preocupação de proteger e conservar
a revelação de Deus e a resposta de fé a ela, em face de graves perigos. O dogma nasce, pois,
da passagem da fé irrefletida à fé consciente. É o estado final de um processo dialético ou
de uma evolução que caminhou entre a ortodoxia e a heresia. J. A. Möhler opina que a plena
penetração na revelação divina se desenvolve exatamente na base de autênticos movimentos
de erro ocorridos na história humana.
Os portadores do Magistério eclesiástico não impõem, ao dogmatizarem, mas
proclamam, como locutores do povo de Deus, uma verdade que enriquece a todos.
Proclamam a fé da comunidade em meio a ela. O próprio Deus age no dogma, visto ser ele
uma realização da fé, portanto, uma entrega a Cristo, e, por isso, possui verdadeiro
dinamismo salvífico.
Mas a doutrina ensinada pela Igreja não é horizontal, pois há uma relação diferente
dessa com a verdade recebida de Cristo, o que determina uma “hierarquia de verdades”.
É, como diz o Vaticano II: “Comparando as doutrinas, lembrem-se que existe uma ordem
ou ‘hierarquia’ de verdades na doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento
da fé cristã é diverso” (cf. Unitatis Redintegratio 11).
Eis por que os dogmas31 podem ser classificados segundo o critério da necessidade
ou não para a salvação, ou seja, de acordo com sua conexão com o fundamento da fé cristã.
Assim são classificados:
1º- de fé divina são as verdades formalmente reveladas, que são as atestadas por
Deus e contidas na Sagrada Escritura ou na Tradição;
2º- de fé divina e católica são as verdades, cujo conteúdo é proposto pela Igreja
como divinamente revelado, seja por meio de uma declaração solene do Papa ou de um
concílio ou por meio do Magistério ordinário e universal. E o caso dos dogmas, em seu
sentido estrito, como, por exemplo, o da unicidade da pessoa de Jesus Cristo e dualidade
de suas naturezas (a humana e a divina), conforme vem proposto pelo Concílio de
Calcedônia, de 451;
3º- as verdades católicas ou de fé definida, que são propostas pelo Magistério por
meio de sua infalibilidade. É o caso dos dogmas marianos, explicitados por dedução,
através do método racional teológico, ou pelo conhecimento resultante do lumen fidei,
conforme a expressão de Santo Tomás 32 , das verdades reveladas explicitamente. O
ensinamento da Igreja, iluminado pelo Espírito Santo e manifestando progressivamente
de maneira infalível o conteúdo da revelação, pode atestar, com toda certeza, a origem
divina dos dogmas marianos. Isso porque Cristo dotou o Magistério da prerrogativa da
infalibilidade, que atinge o depósito da fé por resultar de Cristo (Jo 14,26), que ensinará
tudo aos pregadores do Evangelho (Mt 28,20);

30
Daqui em diante: M. SCHMAUS, op. cit., p. 160-170.
31
Os principais dogmas podem ser descobertos no índice do Denzinger-Schönmetzer (DS) e na obra La fe de
la Iglesia Católica de J. Collantes (Madrid: BAC, 1984). Eis uma divisão sumária: 1) a razão humana: pode
conhecer a existência de Deus; não é imediato, mas através das criaturas; 2) a revelação sobrenatural: é
possível e aconteceu; 3) as fontes da revelação: depósito é a Sagrada Escritura e a Tradição; cânon da Sagrada
Escritura; 4) criação: Deus é criador do mundo e do homem; estado de justiça e pecado original; 5) Jesus
Cristo: é verdadeiro Deus e verdadeiro homem; união hipostática; missão de Cristo; Ressuscitado; 6) Maria:
maternidade divina; santidade, imaculada conceição e assunção; 7) Deus: Trino e uno; as pessoas divinas; 8)
a Igreja de Cristo: instituída por Cristo; comunidade visível de salvação; comunidade hierárquica (bispos e
leigos); regime; primado; infalibilidade; 9) a graça: original, atual e santificante; 10) sacramentos: número 7
e quais são; 11) as realidades últimas: imortalidade da alma; juízo; céu, inferno, purgatório; ressurreição.
32
Summa Theologiae II-II, 1,4, ad 3.
4º- as verdades conexas com as doutrinas formalmente reveladas, que, embora
não estejam contidas formalmente na revelação, estão virtualmente presentes, dada sua
ligação estreita com as mesmas. Essas são: a) próximas à fé, quando são consideradas
unanimemente pela Igreja contidas na Revelação, mas não-definidas expressamente; b)
teologicamente certa, quando a doutrina é deduzida de uma verdade revelada, cuja
negação seria rejeitar um dogma.
O documento Mysterium Ecclesiae, nº 3, diz: “Segundo a doutrina católica, a
infalibilidade do Magistério da Igreja se estende não só ao depósito da fé, mas também a
tudo o que é necessário para que ele possa ser guardado e exposto como deve”. Por isso,
os cristãos devem obediência ao Magistério e a sua não aceitação, que implica a
desobediência em questões de fé e de moral, põe em risco a salvação pessoal (cf. Lumen
Gentium 25).
A aproximação dogmática do evento Cristo, de acordo com as indicações da
Optatam Totius 16, acontece por meio de três momentos: base na Sagrada Escritura, na
Tradição eclesial (tradição patrística, pronunciamentos conciliares, elaborações teológicas
privilegiadas) e a síntese das sistematizações atuais do dado da fé. Para realizar essa síntese,
a teologia dogmática parte de dois pressupostos: o primeiro, o horizonte de pré-
compreensão, é a fé na auto-revelação absoluta, única e definitiva de Deus no evento Jesus
Cristo; o segundo, a fé, que, sendo um conhecer, não pode elaborar completamente o seu
discurso sem o diálogo e o confronto interpretativo com a história, a filosofia e as outras
ciências humanas. Desse modo, a cristologia dogmática ou sistemática é chamada a ilustrar
o significado e o valor do evento Cristo, não só no seu dado escriturístico e da Tradição, mas
também na sua coerência intrínseca. Para evitar distorções nesse diálogo, a cristologia
sistemática assegura sua unidade a partir do evento Cristo tanto como objeto primário da
pesquisa teológica específica quanto como princípio lógico-formal da unidade de toda a
teologia33.
Sendo a cristologia sistemática a inteligência crítica e orgânica do mistério de Cristo,
ela inclui dois momentos essenciais: o da escuta (auditus fidei) e o da reflexão (intellectus
fidei):
a - O auditus fidei é o momento de recolher o dado bíblico e a Tradição eclesial.
Mais do que na sua circunscrita validade exegética ou histórico-crítica, o dado bíblico é
tomado pela teologia sistemática no seu leito interpretativo mais amplo de toda a tradição da
Igreja. Esta não é uma leitura fundamentalista da Bíblia, porque existem dois níveis
diferentes de interpretação do dado bíblico: o histórico-crítico-exegético, que oferece o
sentido técnico do texto, e o teológico-sistemático, que oferece o significado do mesmo texto
no âmbito do mistério global de Cristo. A distinção entre os dois níveis é dada pela presença
da tradição eclesial como elemento interpretativo essencial. Por isso, a cristologia
sistemática assume o dado histórico-crítico, não como absoluto, mas inserindo-o na compre-
ensão da fé da Igreja. A consciência de fé católica está, de fato, intimamente convencida de
que o Espírito não agiu somente inspirando a Sagrada Escritura, mas também guiando a
comunidade dos crentes para o conhecimento sempre mais profundo da verdade revelada.
A tradição cristológica é riquíssima nesse ponto e tem seus lugares privilegiados na vida
litúrgica, na experiência espiritual, na catequese e na pregação, nas decisões conciliares, na
reflexão dos teólogos e das escolas teológicas, no sensus fidei do povo cristão, enfim, no
Magistério.
b - O intellectus fidei é o momento da reflexão e da organização de todos os
elementos essenciais concernentes ao mistério de Cristo. A cristologia sistemática ausculta
a Escritura, a Tradição e o Magistério para elaborar uma resposta adequada às interrogações

33
Daqui em diante, cf. AMATO, p. 43-45.
contemporâneas e a iluminação e formação da hodierna consciência da fé cristã, em relação
com a comunidade.
A teologia dogmática assumiu, no período pós-conciliar, a tarefa de uma ciência
"plenária", de reflexão "sapiencial" da fé. A teologia dogmática vem classificada como uma
ciência ao lado da liturgia, da história da Igreja, da moral, da filosofia. Para restituir-lhe o
caráter sintético, orgânico e geral que sempre possuiu, prefere-se chamá-la "teologia
sistemática"34. Assim emerge o dado de ciência integral da fé, indispensável ao especialista.
Alguns preferem "teologia sistemática", porque põe em relevo a apresentação orgânica da
globalidade do mistério de Cristo hoje.

34
A teologia sistemática contemporânea possui algumas características, que podem ser apresentadas da
seguinte forma: bíblica, eclesial e pneumática, porque a cristologia deve ser uma síntese orgânica dessas três
realidades; existencial, pela exigência de um encontro pessoal com Cristo; prática, a partir da mudança
provocada pela práxis resultante da mensagem de Cristo; ecumênica; pluralista, enquanto recolhe os dados
teológicos resultantes do diálogo com os diversos horizontes filosóficos, teológicos e existenciais; trinitária,
enquanto explicita a vida de Cristo no mistério trinitário; pneumatológica, por ressaltar o papel fundamental
do Espírito Santo no evento Cristo (cf. AMATO, p. 45).

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