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CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
A economia
Autonomia universitária
Projeto institucional
Avaliação institucional
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a) Dimensão Inter-organizacional
2. Ideologia da Prática
3. Formação de Consenso na Ideologia da Prática
Palavras Finais
Anexo 1
Anexo 2
Bibliografia
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Dedico in memorian ao Professor Brasilmar Ferreira Nunes
4
A UNIVERSIDADE NA GOVERNANÇA DA CIÊNICIA E DA TECNOLOGIA
Introdução
5
capital e do desenvolvimento científico-tecnológico? O que torna premente
essa discussão, em que pesem inúmeros outros problemas, como os
relacionados ao aumento da pobreza, da degradação ambiental, das guerras,
da intolerância entre os povos, e de novos blocos geopolíticos, alianças e
conflitos?
6
Em outras palavras, atualmente, presenciamos um quadro
revolucionário, de profundas transformações em vários setores das
sociedades, impulsionado pelo desenvolvimento científico-tecnológico. São
mudanças radicais que, já na década de setenta, atingem a economia, a
política e os ambientes domésticos, com muitos impactos nas empresas, em
organizações não-governamentais, no Estado e em todo um conjunto de
situações do cotidiano dos indivíduos. De um momento mais verticalizado,
dirigido, concentrado, passa-se a cenário de maior globalização e de
democratização dos processos de produção, difusão e acesso aos
conhecimentos especializados.
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nos processos produtivos, nas fábricas e nas empresas agrícolas diminuem o
tempo de trabalho e favorecem a proliferação das atividades ligadas ao lazer,
ao turismo e a outras iniciativas no gênero – ainda que sejam, tais atividades,
bastante concentradas em determinados segmentos sociais –, e,
conjuntamente, ampliam as possibilidades de contratação de pessoal e de
atuação autônoma. Tudo isto tende a elevar a complexidade do ambiente
interno da universidade – a evidenciar novas tensões e resistências –, bem
como a ressaltar a importância de sua capacidade propositiva e de seu
compromisso social.
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Vale registrar, além do esforço de políticas para acelerar a oferta de
vagas no ensino superior, a ampliação das possibilidades de captação de
novos recursos – mediante a realização de acordos, convênios e parcerias – e
novas estratégias desenvolvidas pelas áreas de extensão das universidades,
com a ampliação de públicos beneficiários e a formulação de um conjunto de
ações, como cursos e programas sociais – a exemplo dos ligados à reforma
agrária e à alfabetização. Há muito ainda o que se fazer, sobretudo no que
tange à necessidade de melhor coordenação de diversos processos
organizacionais – relacionados à gestão, à inovação e à tomada de decisões
nas universidades1.
1
Essa expressão (universidades) também será utilizada, aqui, no singular. No plural,
pretende-se aludir à várias formas de manifestação do fenômeno universitário, que
assume contornos próprios, a depender de sua história, cultura, país ou região, e
estrutura organizacional; nessa alusão, não se estaria preocupado em evidenciar tais
especificidades, mas admitir sua multiplicidade de ocorrência, na realidade concreta,
conquanto, para uma análise mais específica, faça-se necessário olhar diferenciado.
Por sua vez, no singular, tenciona-se ressaltar o gênero, mais que a espécie concreta
– considerações que perpassam, indistintamente, os vários tipos de instituição
semelhantes. No correr do texto, tais terminologias não terão qualquer outro sentido
que, meramente, estilo.
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prementes, que evidenciam as disparidades em termos das diferenças entre
determinados países, e em suas populações.
2
O termo cesarismo refere-se a Julius César, que foi ditador de Roma a partir de 49
A.C., e desempenhou papel relevante na passagem da República para o Império.
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sobre o trabalho seminal de Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, o
Barão Von Humboldt, até, recentemente, as obras de Derek Bok, “Beyond the
Yvory Tower; social responsabilities of the modern university”, e de Clark Kerr,
“The Uses of the University”. Contudo, também é inegável o peso da estrutura
e da dinâmica histórica e cultural em tal condução, e na construção e
implementação da universidade contemporânea. Isto é, a criatividade e
determinação de grandes líderes é fundamental, necessária, mas não é
suficiente, para dar sustentação e legitimidade à universidade que emerge no
século XXI. Faz-se mister, igualmente, conhecer a história, a estrutura
organizacional e a cultura dos vários segmentos que a compõem, bem como
seu ambiente externo.
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sempre próxima do dia-a-dia da população, a exemplo da universidade.
Aprofundar esse entendimento e compreender sua complexidade é a principal
motivação do presente livro, ao abordar a governança da ciência e da
tecnologia no contexto contemporâneo.
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internamente, é a morosidade no processo de decisão, a comunicabilidade
obstruída, e a dificuldade em perceber e dar respostas em tempo às demandas
oriundas dos ambientes externos a essa instituição – todos esses aspectos são
sintomas de estruturas burocráticas arcaicas, pesadas e inadequadas para
atuar com consequência na sociedade do conhecimento. O conjunto de ações
levadas adiante nessa perspectiva de gestão da universidade, está se
designando, aqui, por direcionamento estratégico.
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Capítulo 1: A Economia e a Sociedade do Conhecimento; desafios
para a governança da universidade
A economia3
3
Muito tem sido escrito sobre as transformações atuais na economia, suas tendências,
crises e relações com as diferentes esferas de atuação da sociedade. Certamente, a
discussão que se fará, neste momento, é apenas um esquema geral, bastante
resumido, dentre os assuntos que mais impressionam este autor, quanto ao tema.
Para o aprofundamento, a bibliografia final, indica algumas importantes referências,
citadas na Introdução.
14
concentração e centralização do capital e de suas decisões, nas mãos de
reduzido número de pessoas ou de corporações, ao tempo em que se ampliam
as desigualdades e o acesso aos eventuais benefícios gerados pelas
empresas.
4
Essas observações não se chocam com o fato de que um número cada vez maior de
pessoas compram ou utilizam várias “comodidades modernas”, como os
smartphones. Em uma análise mais aprofundada desses processos, é necessário
cotejar a grande transferência de rendas provenientes dessas compras para
determinadas corporações e ao sistema financeiro – mediante aumento dos
endividamentos das pessoas –, as novas dependências criadas em relação às
mesmas, e a exploração de mão-de-obra barata, em países chamados periféricos. Em
suma, o que se está a apontar, no texto, é o sentido global para onde apontam as
mudanças recentes no capitalismo. Apenas para ilustrar, no início de 2017, a imprensa
mundial registrou que “os 8 bilionários [mais ricos] têm juntos mais dinheiro que a
metade mais pobre do mundo”. (http://www.bbc.com/portuguese/internacional-
38635398)
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Sem contar com as inúmeras redes de serviços que aumentam os recursos de
utilização dos novos equipamentos, a oferecerem maiores níveis de
velocidade, segurança, portabilidade e capacidade de armazenamento de
informações.
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descentração da produção, ao buscarem os locais com custos mais baixos de
“mão-de-obra”, e com facilidades na legislação capital-trabalho e no custo e
remuneração dos impostos, para o que contam com dirigentes e políticos
locais. Assim, produz-se onde é mais barato e vende-se onde é mais caro; o
que parece sempre óbvio. Contudo, as TIs tornam esse anseio uma
possibilidade real, ao facilitarem as estratégias de obtenção de informações e
controle “on line” das mesmas. Nesse ponto, as TIs representam não apenas
uma condição necessária para o momento presente do avanço do capitalismo,
mas um objetivo “em si” – não apenas um meio ou um recurso para a produção
de novos conhecimentos, ao permitirem a expansão dessas possibilidades nas
atividades científico-tecnológicas, e nas econômicas, mas um objeto da própria
produção do conhecimento.
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inovação e seu uso. Uma ilustração pode esclarecer esta análise. Os
usos das novas tecnologias de telecomunicações nas duas décadas
passadas passaram por três estágios distintos: a automação de
tarefas, as experiências de usos e a reconfiguração das
aplicações. (CASTELLS, 1999: 68-9)
5
Neste livro, a expressão neoliberalismo, além de sua conotação ideológica conhecida
– como algo que tende a subjugar as pessoas –, possui um conteúdo empírico
determinado e objetivo (no sentido de um realismo filosófico); significa, neste caso, a
realidade histórico-social em que o Estado tende a ser responsável por número
reduzido de atribuições, com o consequente crescimento da esfera produtiva, e a
regulação é mínima. Essa realidade tem aumentado sua prevalência no atual
capitalismo, sobretudo nos países considerados mais dinâmicos, e, segundo muitos de
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da tecnologia; esta mesma permanentemente condicionada pela acumulação
capitalista.
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infinitésimos, e na formulação de algoritmos6, com elevada capacidade de
precisão para a geração de estimativas consequentes, com vistas, no caso, ao
aumento da segurança e à obtenção de maiores ganhos de lucros e
dividendos.
6
Na terminologia matemática, um algoritmo consiste em uma sequência determinada
de regras, raciocínios, operações e demais procedimentos lógicos, a serem aplicados
a um conjunto de dados, para resolverem grupos semelhantes de problemas. Um
algoritmo pressupõe uma série de etapas que, cumpridas, levam aos objetivos
almejados.
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esse último almejado objetivo tem ficado mais restrito, na esfera do mercado e
na lógica das finanças. Restringida em suas possibilidades emancipatórias,
cabe-lhe, contudo, a condição de dispor de relevante conjunto de consultores,
economistas, estatísticos, químicos, biólogos e cientistas políticos, de um modo
geral, que fornecem os conhecimentos e o apoio ao desenvolvimento material
e tecnológico e à legitimidade do Estado, bem como, ainda, possibilidades
importantes para a superação das principais mazelas sociais.
21
O “novo modo” de produção de conhecimentos
7
É exemplar a esse respeito a controvérsia entre Habermas (2010) e Sloterdijk (2000)
acerca da utilização de técnicas de aprimoramento genético de seres humanos.
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é atingido por tais transformações o contexto político – da elaboração de leis e
da formulação de estratégias por parte do poder executivo –, no controle e
acesso aos resultados provenientes dos laboratórios.
O que acontece na área das novas biotecnologias também se
observa em outros campos do conhecimento, os quais experimentam intenso
adensamento de articulações de modo interdisciplinar e transdisciplinar, no
nível da produção dos conhecimentos e no nível das relações sociais
estabelecidas, a envolver cientistas e não-cientistas, tecnólogos e dirigentes de
órgãos públicos, além de público bastante amplo, que abrange organizações
não-governamentais e movimentos sociais, interessados nos resultados
gerados pelas universidades, laboratórios e instituições de pesquisa.
A comunicação, segundo várias formas e níveis, é crucial nesses
desenvolvimentos, não apenas na grande mídia – mediante publicações
relevantes em jornais, redes de televisão abertas e a cabo, e rádios –, e na
Internet, mas, também, em diversificados contextos de relações interpessoais,
nos ambientes de salas de aula, nas famílias e em todo um conjunto de
situações, em que o indivíduo se depara com desafios crescentes, perante os
quais precisa opinar, estar informado e responder a questões concretas sobre
a sua vida e a sociedade.
Muitas pessoas sentem-se confrontadas diante de importantes
questões pessoais e crenças, quiçá religiosas, quando, por exemplo, a
expansão das pesquisas com base na utilização de células-tronco é anunciada
como uma possibilidade efetiva. Antigas crenças são perturbadas, ao
envolverem o controle da vida e sua criação, possibilidades de cura de
doenças mediante a utilização de técnicas com a utilização do raio laser, o
consumo de alimentos transgênicos, e assim por diante. Tudo isto passa por
amplo questionamento em sua legitimidade social, não circunscrito aos
ambientes médicos ou de especialistas em congressos científicos, como ficou
evidente, apenas para ilustrar, na decisão do Supremo Tribunal Federal do
Brasil, a respeito da autorização para pesquisas com células-tronco
embrionárias.
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A comunicação ganha em importância, hoje, não só em razão de
suas novas possibilidades, através da utilização das modernas tecnologias,
porém, igualmente, por atingir a política e o grande marketing, e, desse modo,
interferir diretamente no curso dos acontecimentos mais relevantes, na esfera
do Estado, e em virtude de condicionar os processos de comunicação entre os
indivíduos e os grupos sociais, com o aprofundamento da reflexividade e da
prática argumentativa no interior da sociedade (HABERMAS, 1980), mediante a
ampliação das possibilidades trazidas pela democratização crescente em todo
o plano internacional. As TICs e suas influências no estabelecimento de novos
padrões de sociabilidade e de mobilização política dos indivíduos, via redes
sociais, são a contraparte mais visível desse fenômeno; fato, este, que é
elucidativo, na demonstração do imbricamentos, cada vez mais presentes,
entre tecnologias e relacionamentos sociais; neste caso, está a se referir, aqui,
às tecnologias modernas, geradas no âmbito das transformações na esfera do
conhecimento (Capítulo 1).
A presença crescente de modernas tecnologias de comunicação
na produção dos novos conhecimentos é algo fundamental. Atualmente, como
se disse, é impensável a realização de pesquisas, seja no campo das
chamadas ciências duras (as ciências naturais, de modo geral), seja no das
ciências sociais, sem a condição da troca permanente de informações, no
curso das próprias investigações, entre atores muito distintos, localizados em
dado país ou no âmbito internacional.
A chamada globalização, que não se entende, aqui, apenas como
um efeito de integração de mercados, dentro de um enfoque puramente
econômico, consiste num aumento sem precedentes das possibilidades da
comunicação no campo científico-tecnológico, da circulação de ideias, da
cultura e das relações políticas, que, em última instância, estruturam e
condicionam os demais processos de articulação entre as sociedades, os
Estados Nacionais e as economias. Assim, falar de desenvolvimento científico-
tecnológico e não o contextualizar nesse espaço amplo de questionamentos,
processos e relações sociais globais implica reforçar visões parciais, unilaterais
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e que dificultam um diagnóstico mais acurado sobre a problemática da
universidade em determinada sociedade.
Em suma, na ciência e na tecnologia, as redes de comunicação
configuram extensos e amplos canais de trocas de informações, resultados de
trabalho, debates e atualização de publicações. Os grupos de pesquisa são
formados e encerrados na velocidade dos projetos, na dinâmica de intensas
articulações entre segmentos bastante distintos, incluindo cientistas e não
cientistas, consumidores, pastores, sacerdotes, políticos e industriais. À luz
dessas novas possibilidades, legadas pelas TICs, o atual modo de produção do
conhecimento aproxima fortemente a pesquisa básica da aplicada; neste
momento, o contexto de aplicação do mesmo passa a condicionar toda a
dinâmica de interações e desenvolvimentos teóricos e experimentais. Não se
trata mais de um modelo linear, da pesquisa científica para a aplicada e daí
para o desenvolvimento de produtos e processos, a sua comercialização e a
ampla difusão. Hoje, fala-se, sempre com mais frequência, em coprodução do
conhecimento, ao aliar pesquisa e extensão em processos complexos, que
envolvem vários atores, grupos e organizações sociais.
Os critérios de qualidade acadêmica tradicionais são alterados, ao
não se apoiarem apenas em avaliações entrepares ou em critérios
estabelecidos fundamentalmente pelas comunidades científicas, ao passarem
a incluir itens como custo, segurança, relevância social e outros indicadores,
provenientes de ambientes de fora dos laboratórios e centros de pesquisa.
Essas alterações não se dão em um mesmo ritmo, tampouco são sujeitas às
mesmas pressões, a depender de cada realidade histórico-social. Entretanto,
vários sinais vêm sendo dados nessa direção, bem como no estabelecimento
de novas demandas, provenientes ou não do mundo acadêmico. A esse
respeito, é importante situar as tendências hegemônicas, mas, também, as
contra tendências, em vasto campo de conflitos os mais diversos, na dinâmica
verificada na esfera científica e em seu entorno.
Juntamente com essas novas tendências, constata-se, cada vez
mais, uma diminuição da influência da hierarquia acadêmica nas decisões e na
condução da prática científico-tecnológica contemporânea, ao ampliar espaços
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para segmentos jovens e grupos emergentes, antes considerados periféricos
relativamente aos estratos dominantes do campo científico – na acepção de
Bourdieu (1983) –; diminuição, esta, provocada pela abertura de novos canais
de oportunidade, oriundos do meio empresarial, interessado em resultados
práticos e em patrocinar quem possa realizá-los, independentemente de sua
posição na estratificação acadêmica ou universitária. A heterogeneidade de
organizações e o surgimento de novos arranjos interorganizacionais é outra
forte característica do atual modo dominante de produção do conhecimento.
Resumindo, todos esses aspectos ressaltam a centralidade da
comunicação, tanto na relação entre ciência e sociedade, quanto entre os
próprios atores mais diretamente envolvidos com a atividade científico-
tecnológica e o público em geral, possibilitada pelas condições técnicas e
materiais, por intermédio de recursos informacionais e computacionais cada
vez mais eficazes e por toda uma ampliação da reflexividade no interior da
sociedade.
O mundo globalizado contextualiza o desenvolvimento científico-
tecnológico contemporâneo e lhe dá os contornos sociais e organizacionais em
que o conhecimento assume um papel proeminente. As inovações e os
produtos e processos tecnológicos passam a ser condição de desenvolvimento
econômico, vantagem comparativa e possibilidades de ganhos comerciais aos
seus primeiros detentores. Grandes investimentos são aportados em
companhias produtoras de sementes, implementos agrícolas, fármacos, em
indústrias de petróleo e na fabricação de computadores, por exemplo, em
atividades de pesquisa e desenvolvimento; recursos privados são canalizados
para as universidades e seus laboratórios, mediante acordos e parcerias com
várias empresas; e o Estado passa a assumir novos papéis na condução e
implementação da interação universidade-empresa, nas seguintes situações,
por exemplo: ao buscar garantir recursos suplementares, sobretudo no campo
da pesquisa básica; regular o processo científico-tecnológico, através da
supervisão das regras de segurança no desenvolvimento da pesquisa, nas
novas biotecnologias e em outras áreas semelhantes; ao interferir no processo
de patenteamento e propriedade intelectual; ao cuidar da proteção ao
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patrimônio nacional; e ao garantir o acesso do grande público aos resultados
gerados pela pesquisa nas universidades8.
O Estado tem assumido o caráter de indutor de novas relações,
como na interação universidade-empresa, na medida em que passa a
pressionar, de modo mais efetivo, a universidade a desenvolver programas de
pesquisa voltados à solução de problemas sociais e econômicos, e para
estimular a formação de grupos e equipes de pesquisa interdisciplinares e
interinstitucionais – o que tende a favorecer vínculos mais sólidos e maior
integração no âmbito interno das organizações e entre diferentes setores da
sociedade. Ademais, uma maior exigência por parte da mesma também
pressiona o Estado a cobrar melhores resultados das universidades e das
instituições de ensino superior, o qual desenvolve, crescentemente, ações no
sentido de maior acompanhamento e avaliação dos programas de ensino,
pesquisa e extensão conduzidos por essas instituições e universidades. Isso se
reflete diretamente na pressão pelo aumento do número de vagas ofertado
pelas universidades, responsáveis pela formação das futuras gerações e pela
melhoria da qualidade do pessoal que deverá fazer parte do mercado de
trabalho.
É o quadro do aumento considerável na demanda pelo ensino
superior, consequência da maior democratização das sociedades, e como
efeito da globalização, ao evidenciar a difusão ampliada de novas demandas
sociais e estender as possibilidades de acesso a informações a vários
segmentos; o que tende a elevar a percepção da importância de
conhecimentos especializados e da formação qualificada (TRIGUEIRO, 2010).
Além disto, a busca pelo ensino superior passa a ser considerada como parte
importante da estratégia de competição por oportunidades de emprego e de
oferta de serviços inéditos e de qualidade, seja em nível de cada país, seja no
internacional.
8
As relações entre estado, sociedade e universidade são designadas por “tripla
hélice”, no trabalho de Etzkowitz & Leydesdorff (1997), no contexto atual do
desenvolvimento científico-tecnológico; essa expressão quer indicar o modo
especialmente dinâmico como são estabelecidas tais relações, no entender dos
autores.
27
Não obstante, o quadro é de grande instabilidade, em razão de
seguidas ondas de desemprego nos centros urbanos, decorrentes da
intensificação produtiva, mediante a introdução de inovações poupadoras de
mão-de-obra; esse fato, por sua vez, tende a elevar os indicadores de violência
e da insegurança social. Também neste setor, da segurança, torna-se crucial a
atuação do Estado e a demanda por soluções que passam pelos ambientes
universitários, organizações não-governamentais e por vários movimentos
sociais.
A busca de maior legitimação para o Estado – na coordenação da
economia e na regulação de inúmeros processos daí decorrentes –, visibilidade
para as empresas – ao abrangerem, por exemplo, o chamado “compromisso
social” e a ideia do “desenvolvimento sustentável” –, e aceitabilidade social
para as universidades – na linha do accountability e da exigência por maior
qualidade para o ensino e a pesquisa –, adquirem um sentido bastante especial
nos dias correntes. A necessidade de integração, articulação e de novos
consensos entre atores com interesses, tradições e valores bastante distintos e
com linguagens próprias aponta para um lado muito problemático e ainda
obscuro quanto ao seu enfrentamento.
Experiências bem-sucedidas, como a do Silicon Valey, que
envolve a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, ao integrar a
pesquisa acadêmica, o desenvolvimento tecnológico e a obtenção de produtos
e processos para uso industrial, procuram ser copiadas, em outros países e
regiões. Porém, na maior parte das vezes, as tentativas de adaptação de tais
experiências a outros contextos sociais são malsucedidas, em razão de
peculiaridades históricas e culturais, para uma assimilação automática de
modelos e estratégias exógenas.
Como desenvolver e aprofundar as possibilidades do novo modo
de produção do conhecimento, que se verifica em áreas de ponta do
desenvolvimento científico-tecnológico e em sociedades mais avançadas, para
diferentes contextos e realidades regionais e nacionais? Como enfrentar os
desafios trazidos pela globalização quanto ao acesso, às oportunidades e aos
problemas gerados pela grande quantidade de informações e demandas
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socioeconômicas, estas mesmas ampliadas e produzidas localmente – em
cada sociedade –, e pelos avanços do conhecimento, sem descaracterizar as
potencialidades nacionais e suas peculiaridades culturais? Qual o novo papel
da universidade, notadamente em sociedades menos desenvolvidas e
consideradas periféricas, para estas poderem se beneficiar de oportunidades
importantes de consolidar o seu potencial científico-tecnológico, ao realizarem
novas pesquisas e garantirem o ensino de qualidade para as crescentes
demandas, que visam ao progresso da ciência e da tecnologia, e à melhoria de
vida das pessoas? Qual o sentido contemporâneo da autonomia universitária,
em face a essa realidade? De que modo a universidade deverá enfrentar os
desafios trazidos pelo contexto e pela dinâmica social contemporânea, em sua
estrutura, seus processos e sua gestão? Como a cultura interna, os valores,
atitudes e padrões de comportamento nessa instituição são afetados por todo o
conjunto mencionado de pressões e demandas sociais e econômicas? Qual o
novo tipo de relacionamento entre o Estado e a universidade, no contexto atual
do desenvolvimento histórico-social? De que maneira o setor privado tende a
interferir no ambiente interno da universidade, a condicionar os currículos, a
pesquisa e as atividades de extensão? Enfim, como deverão ser garantidas
áreas e interesses menos proeminentes, do ponto de vista da lógica de
mercado, no ambiente acadêmico contemporâneo, e qual a atuação do Estado
a esse respeito? Essas são questões relevantes que, de um modo ou de outro
serão abordadas adiante, ao se deter no exame do papel da universidade na
governança da ciência e da tecnologia.
29
Capítulo 2: O direcionamento estratégico da universidade
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meritórios, e o reconhecimento de pares. Tudo isso, certamente, é importante.
Contudo, faz-se mister que a instituição como um todo passe a atuar,
sinergicamente, em que pese e a propósito de sua própria diversidade interna.
31
e buscar-se-á propor visão menos idílica, mas, também, não negativa, ao se
insistir na ideia de contemporaneidade. Nesse sentido, as necessidades de
redefinição das estruturas de gestão das universidades visam ao aumento de
sua eficiência interna, ou à necessariamente incessante busca da qualidade de
seus resultados aos principais públicos que as mantêm. As informações,
sempre mais bem apuradas e precisas, representam os insumos
indispensáveis para estruturar e consolidar toda a sistemática da governança
interna da universidade e do papel que esta desempenha na condução da
ciência e da tecnologia.
32
por maior autonomia para a universidade, para a realização adequada de seus
múltiplos objetivos, como a ampliação de vagas e a realização e divulgação de
pesquisas.
33
Tampouco governança significa governabilidade – condições adequadas e
legítimas para o exercício do poder (em geral, expressão ligada ao Estado).
34
fortemente, em face às eventuais ameaças provenientes de seu ambiente
externo.
Autonomia Universitária
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autonomia da universidade. Em suma, a reivindicação predominante é a
seguinte: “garantam-nos as condições institucionais básicas que nós (dirigentes
e membros das universidades) saberemos conduzir o dia-a-dia acadêmico”. As
interferências, sejam estas do mercado ou do governo, são vistas, desse modo,
como verdadeiras ameaças à autonomia, “secular”, como se disse, da
universidade.
36
Ademais, muitos acadêmicos entendem que a busca por uma
autonomia diferente daquela que sempre vigeu, tenderia a individualizar os
problemas de cada universidade, enfraquecendo o conjunto das instituições e a
defesa de princípios e orientações gerais, bem como a solução de problemas
comuns, afetos à realidade universitária contemporânea. De qualquer modo, a
dificuldade em se definir claramente esses aspectos, que dizem respeito à
discussão sobre o todo e as partes, o conjunto e as especificidades locais,
decorre principalmente do receio das lideranças dos movimentos docentes e
dos acadêmicos, de modo geral, de que suas posições sejam identificadas
como arcaicas, pelas suas bases, “na insistência em caminharem de modo
uniforme”; fatos, estes, que colocam dificuldades à figura do “César
Acadêmico”, preconizado por Fuller (2016).
O receio difuso de repetir antigos erros leva a certa cautela por parte
das principais correntes acadêmicas e das sindicais – nas universidades –, a
depender do país e de sua região, ao abordarem o tema da autonomia. De um
lado, a autonomia é bem-vinda, ao facultar melhores condições jurídicas a
essas instituições, para agirem com consequência na captação de recursos
físicos, financeiros e humanos. Por outro lado, esse fato tenderia a levar a uma
crescente diferenciação no conjunto das universidades, o que é visto,
eventualmente, como algo positivo, mas que pode levar antigos quadros
hegemônicos a assumirem posições conspícuas no campo, e novas formas de
dominação interinstitucionais. Segundo boa parte dos membros das
universidades, ao ameaçar a unidade desse conjunto, vincular mais
intensamente a forças do mercado e a novas pressões sociais, e, desse modo,
tornar tais instituições mais vulneráveis a um quadro ainda incerto, a autonomia
é percebida como algo muito ameaçador, no presente contexto.
37
segundo injunções e contradições, as mais diversas; trazidas para o interior
das universidades são, em muitas situações, percebidas como “verdadeiras
ameaças”, “perigos” que precisam ser bem avaliados e questionados, “para
não se render aos inimigos da instituição”. Ato contínuo, divulgam-se vários
números e apelos nesse sentido, mediante convocações do movimento
estudantil, docente, dos técnico-administrativos.
38
para criar, quem sabe, alguma simpatia entre os seus interlocutores. As novas
possibilidades são diminuídas, e tende a permanecer a ideia de que “o melhor
é deixar tudo do jeito que está” – “nada de grandes mudanças”. Nesse misto de
ceticismo e denúncia, sobra pouca margem para se investir em novos projetos
ou para estimular o desenvolvimento de propostas ousadas. Assim, o
permanente pessimismo não propicia o aparecimento de ideias mais originais,
e a participação mais efetiva na discussão sobre o futuro da universidade e da
governança.
39
considerável de seu patrimônio –, como as impedirá de sobreviver em mundo
bastante exigente e competitivo, como se comentou anteriormente.
Projeto institucional
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pela universidade, capaz de dar sentido, coesão e fundamentação ao próprio
desenvolvimento da organização, e auxiliar na competição externa e
incrementando a integração interna. É, antes de tudo, a explicitação clara dos
grandes rumos a serem seguidos pela organização, das suas trajetórias e
grandes decisões, dos seus limites e possibilidades de ação.
9
Para alguns autores (OTANI et. al., 2011), a concepção de “direcionamento
estratégico” é mais adequada que a de planejamento estratégico, por entender que a
primeira forma de planejar a instituição é mais flexível que a última, ao permitir
permanentes ajustes, correções e um acompanhamento efetivo. No caso de
direcionamento estratégico, não há a necessidade de se definir a “missão” ou as
metas físicas, resultados quantitativos e preestabelecidos; tampouco há uma
preocupação muito grande com a formalização de todo o processo, a sua
documentação detalhada ou um diagnóstico descritivo e exaustivo da realidade. O que
se busca são grandes orientações e objetivos, grandes diretrizes e ações.
41
preocupação não deve ser o único referencial, tampouco deve ser reificado,
levando-se em conta também os interesses e a dinâmica interna da própria
organização no processo de planejamento e de formulação do projeto
institucional.
42
Com o planejamento global da universidade, que considera o todo e
as partes, bem como os diferentes aspectos e dimensões, será possível obter
conhecimento amplo da instituição, o que facilitaria bastante o processo
decisório e a superação de inúmeros obstáculos, no que concerne ao âmbito
acadêmico, à comunicação interna, ao processo de inovação e à superação de
resistências, na construção de uma autonomia efetiva e promissora para a
universidade. Trabalho que não pode ficar concentrado nas mãos de um
indivíduo – um “César”, segundo a terminologia de Fuller (2016) –, ou de um
grupo, isoladamente, em uma comissão ou em um setor da administração
superior, que requer mudanças profundas em vários aspectos da estrutura
universitária.
43
Avaliação Institucional10
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mediante olhar prospectivo e relacionado a algo desejado proximamente pela
organização, o que inclui as condições efetivas para atingir esses objetivos.
45
Redes de Informações Gerenciais
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Dentre os três elementos mencionados, as redes de informações
gerenciais podem ser o primeiro passo nas mudanças a serem introduzidas.
Primeiro, porque, em geral, tendem a representar potencial menor de conflitos
– restrita aos antigos “detentores” das informações gerenciais e responsáveis
pela “guarda” desses sistemas –; segundo, por apresentarem rápidos e visíveis
sinais de bons resultados em várias práticas e no cotidiano das universidades,
o que pode ser muito importante na negociação interna para enfrentar as
próximas mudanças; e ao servir de “efeito demonstração” e favorecer o
processo de legitimação da administração superior da instituição. Em suma,
investir na melhoria das redes de informações gerenciais é algo de grande
repercussão interna e externa, e uma condição indispensável para poder
avançar na direção de outras importantes transformações.
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Figura 1: Os sistemas constitutivos da Secretaria de Direcionamento Estratégico
48
A Figura 1 apresenta os três componentes mencionados – o
planejamento, a avaliação e os sistemas de informações gerenciais –, bem
como sua articulação, na gestão da universidade. Para dar um sentido de
coesão e responsabilidade na condução das transformações necessárias,
propõe-se que tais componentes sejam parte constitutiva do que se está
designando, na presente discussão, por Secretaria de Direcionamento
Estratégico (SDE), a ser criada e vinculada à administração superior da
instituição. O nome atribuído não é relevante, mas a atividade para a qual está
sendo pensada. O sentido da SDE seria o de desenvolver e coordenar ações
estratégicas para a universidade, em sua gestão. Mas, também, teria
responsabilidades com atividades cotidianas, indicadas na elipse referente ao
ambiente interno, na Figura 1.
Cabe, à SDE, fundamentalmente, a atribuição de coordenar e
articular todo o processo de avaliação e planejamento na instituição, em
estreita ligação com os sistemas de informações gerenciais. Diferentemente de
comissões de avaliação muito centralizadoras, a SDE deve ser, basicamente,
uma facilitadora e articuladora de todo esse processo de implementação da
gestão estratégica na instituição. Além disso, a SDE poderia também
desenvolver vários estudos sobre a avaliação e planejamento, bem como os
que incluem os trabalhos teórico-metodológicos e aqueles que abordassem
especificidades da instituição universitária, mediante a contribuição de
diferentes áreas do conhecimento e enfoques.
Resumindo, a SDE deveria acompanhar, apoiar, coordenar e
consolidar, no nível global da instituição, todas as ações e resultados dos
trabalhos de avaliação, planejamento e desenvolvimento das redes de
informações gerenciais; buscaria reforçar visão de conjunto, e impedir a
fragmentação dos projetos e das inúmeras iniciativas no sentido da governança
da ciência e da tecnologia.
Na Figura 1, estão representados os três núcleos de ações do
direcionamento estratégico da universidade: o Sistema de Informações
Gerenciais – contido nas redes de informações gerenciais –, o Sistema de
Avaliação Institucional e o Sistema de Planejamento. Estes diferentes sistemas
49
integram amplas redes de relações, perpassando diferentes níveis
hierárquicos, processos e instâncias da Instituição; ou seja, compreendem
determinados espaços de regulação e funcionamento de ações organizacionais
específicas, implicando inúmeras possibilidades de articulação e participação
de diferentes atores e instâncias da instituição nas atividades correspondentes.
50
Capítulo 3: O Papel da Universidade na Governança da Ciência
e da Tecnologia
11
A noção de ambiente científico-tecnológico é bem distinta daquela desenvolvida no
enfoque econômico, principalmente entre os chamados evolucionistas e a corrente
neoschumpeteriana. O ambiente tecnológico, na presente discussão, consiste no
campo de todas as possibilidades científicas e tecnológicas, que serão objeto de uma
seleção, mediante mecanismos os mais diversos, envolvendo conflitos, busca de
hegemonias e também muitas negociações, entre os mais diferentes atores e
organizações da sociedade (TRIGUEIRO, 2009); já, no enfoque econômico, ambiente
tecnológico significa, em geral, o contexto externo ao de uma firma, que inclui o
mercado, outras organizações e os instrumentos legais, locais ou internacionais, a
afetar a demanda e a produção de inovações e novos resultados científicos e
tecnológicos.
51
estratégicos gerais, eventualmente buscados pelas instâncias governamentais,
apoiados pelos novos conhecimentos. Em uma palavra, é zelar pela melhoria
da articulação interna das várias partes que compõe o conjunto dessas
organizações.
52
saúde e à educação, por exemplo, sejam superados. Há um débito muito
grande da ciência e da tecnologia, no sentido de atuarem mais diretamente na
busca de soluções para essas persistentes mazelas de nossas sociedades
(Kitcher, 2001; e BROWN, 2001). Contudo, fora os problemas que afligem os
que mais precisam de ajuda, no momento, há ainda as demandas de vários
outros, no setor produtivo, em organizações não-governamentais e no próprio
meio acadêmico, local e internacional. Muitas vezes, as soluções não estão ou
não dependem estritamente do “circuito científico e tecnológico”, mas estão a
depender da dinâmica política; e inúmeros conhecimentos importantes
poderiam ser transferidos, prontamente, para a sociedade.
53
O que se deve buscar, fundamentalmente, com a governança das
atividades científico-tecnológica, é maior “conectividade” entre os diferentes
interesses, setores e demandas da sociedade, com o aparato científico-
tecnológico. E isso passa, necessariamente, pela construção de agendas de
pesquisa e de formação de pessoas, que, além do meio acadêmico, possam,
também, aglutinar pessoas de outros segmentos da sociedade; deixada
inteiramente autônoma e autorregulada, a ciência e a tecnologia tenderão,
possivelmente, a reproduzir as desigualdades existentes nas sociedades – é o
que Fuller (2016) designa por “inércia institucional”.
Como já foi comentado, aqui, “pesquisa é algo muito sério para ficar
somente nas mãos dos pesquisadores”. Tentar aproximar ciência, tecnologia e
sociedade não é tarefa para poucos “iluminados”, nem é algo que se alcance
de uma hora para outra. Mas é preciso começar a avançar mais nessa direção,
darmos os primeiros passos. É um grande desafio, o qual só pode ser
54
enfrentado com mais conhecimentos, confiáveis, objetivos e precisos, acerca
do mundo físico e social.
55
meio acadêmico, em geral –, dirigentes de órgãos públicos – responsáveis pela
formulação das leis destinadas a regularem a ciência, a tecnologia e áreas
afins na economia –, empresários – nacionais e de outros países –,
movimentos sociais – ambientalistas, trabalhadores sem moradia, e defensores
da reforma agrária –, religiosos – na medida em que lidam com questões éticas
relacionadas aos resultados científicos e tecnológicos –, e determinados
consumidores. A variabilidade e o número de tipos de indivíduos e de grupos
sociais que deverão participar de determinada governança da ciência e da
tecnologia depende do assunto e das condições mencionadas anteriormente.
De mais a mais, pode-se defender uma proposta mais abrangente de
governança de ciência e tecnologia, e, ao mesmo tempo, propostas
específicas, de acordo com o tema relacionado, o alcance do público atingido e
do interesse do país e dos seus grupos mais mobilizados.
56
Um aspecto nem sempre consensual, mas que vem ganhando
destaque, em face às mudanças apontadas no Capítulo 1, na economia e no
novo modo de produção de conhecimentos, refere-se à natureza dos recursos
fomentados para o desenvolvimento científico-tecnológico. Trata-se da
necessidade de se criarem ou se alargarem os montantes destinados ao que
se chamam “demandas induzidas”, a despeito da tendência constatada de
redução dos recursos financeiros alocados pelos governos a esse
desenvolvimento – seu custeio e investimento. Grosso modo, as demandas
induzidas contrastam com o tipo de financiamento de pesquisas que venha a
beneficiar um ou mais indivíduos ou grupos, e que atuam, em geral, em
universidades. Nesse caso, tais instituições funcionam, basicamente, como
espécies de hospedarias para esses indivíduos e grupos, os quais prestam
contas – em termos dos conhecimentos produzidos –, fundamentalmente, para
as suas comunidades acadêmicas ou campos disciplinares; o que parece algo
relevante, mas, longe de ser suficiente, hoje. A propósito, isso é um aspecto
que, no entender deste livro, precisa ser redimensionado ou reestruturado,
diante das mudanças em curso e das necessidades que se projetam sobre a
universidade, a afetar as bases de sua legitimidade. Em outras palavras, não
há como se manter o mesmo modus operandi que dominou o ambiente
acadêmico no século passado. A máxima “deem-nos os recursos que o resto
fazemos”, se funcionou em determinada quadra de nossa história, torna-se,
cada vez mais, insustentável; há que se repensar o novo significado e o sentido
contemporâneo da expressão e da prática da autonomia nas universidades,
conforme se discutiu no capítulo anterior.
57
deixadas a mercê, muitas demandas da sociedade, que requerem soluções
provenientes da ciência e da tecnologia, ou da universidade, permanecerão
como estão. Nesse sentido, como apontam muitos autores, há uma “inércia
institucional”, na universidade, a ser quebrada, unicamente, se uma “força
externa” – um grande líder ou dirigente, ou um programa consistente de
governança – atuar para reverter o imobilismo e a reprodução de antigas
lógicas da organização e do funcionamento dessa instituição, e de sua relação
com o “mundo externo” à mesma.
58
tudo o mais tende a girar na busca obstinada por índices mais elevados de
publicação – a designada “produtividade”, que, no frigir das contas, é um
indicador do número de artigos que um cientista-docente ou um grupo destes
publicou em um certo período.
59
hegemônicos no campo científico. Um de seus principais desafios, hoje, é
trabalhar para inverter essa linha de atuação. Desse modo, deve passa a ser
não apenas mero ator no processo de governança da ciência e da tecnologia,
mas, também, objeto de ações previstas, voltadas a reposicioná-la no
desenvolvimento histórico-social. Visto por esse ângulo, o tema em foco deve
ser prioridade dos próprios membros da universidade, especialmente de seus
mais elevados dirigentes, e do Estado. Contra si estarão os principais
beneficiários da lógica dominante, e da tecnocracia do Estado, que têm urdido
inúmeras medidas, em duradouras parcerias, com tais beneficiários. Nesse
sentido, a construção do projeto institucional em uma universidade, ou sua
atualização, vem ampliar as possibilidades de que certos segmentos excluídos
ou preteridos possam ganhar força, nas eventuais negociações e pressões por
mudanças, na medida em que possibilite a abertura de novos canais de
participação e a sensibilização de quadros antigos, para os problemas
emergentes. Numa palavra, em muitos locais, a maior democratização de
inúmeros espaços é caminho promissor para a reestruturação de instituições
bem consolidadas, a exemplo da universidade.
60
qualquer circunstância, será um ator fundamental. Muitas das propostas podem
vir dos próprios centros ou unidades acadêmicas, como as áreas de
administração, psicologia, história, economia, contabilidade, ciências da
comunicação, ciências da computação, matemática, ciência sociais e
engenharia, ao fornecerem estratégias que considerem a história e a cultura
das diferentes instituições envolvidas com a ciência e a tecnologia, as diversas
estruturas organizacionais, e, se for o caso, criação de programas de
computação e de componentes eletrônicos.
61
haverá cobrança maior, em favor de outras éticas, como a da responsabilidade,
a qual, contrapõe meios a fins, necessidades com possibilidades (sociais e
políticas), e muito “senso de proporção”, para continuar com a terminologia
weberiana.
62
restringir a autonomia dos acadêmicos (de modo mais amplo), a universidade,
tanto na condução das pesquisas, quanto na formação dos futuros quadros
(acadêmicos ou não). Conciliar essas duas forças – uma que tende a ampliar o
engajamento da sociedade nas questões relacionadas atinentes à ciência e à
tecnologia (centrípeta), e outra, que procura manter as principais decisões e os
assuntos ligados a elas, nas mãos dos especialistas e dos acadêmicos
(centrífuga), é, possivelmente, o principal desafio da governança das mesmas
e do papel que cabe à universidade nesse cenário. Em termos teóricos, esse
dilema se situa, também, no debate, mais amplo, a respeito da legitimação das
atividades ou da prática científico-tecnológica13.
13
No presente trabalho, os termos produção, prática e atividade científico-
tecnológica serão tomados como sinônimos.
63
Molecular, a Bioquímica e a Microbiologia, a Genética, a Química de Proteínas
–, e outra, tecnológica – voltada para a busca de produtos e processos de
origem biológica, para aplicação industrial e comercial. De um lado, a pesquisa
científi7ca das novas biotecnologias não pode mais prescindir de equipamentos
sofisticados, como microscópios eletrônicos, computadores e
ultracentrifugadoras; por outro lado, os resultados dessas pesquisas
interessam ao desenvolvimento tecnológico e à indústria, na geração de
vacinas, hormônios e proteínas.
14
A partir de Max Weber, na Sociologia, mais especificamente, na Sociologia do
Direito, o tema da legitimação passa a ocupar parte importante no debate dos
cientistas sociais. Atualmente, a Sociologia Política e a Ciência Política têm insistido
na discussão a respeito da legitimação, ao abordarem o que alguns autores chamam
“Crise de Legitimação do Estado Contemporâneo”.
15
Esquematicamente, a concepção de sociedade de Habermas, na sua Teoria da
Ação Comunicativa, apresenta dois grandes níveis: o sistêmico e o do “mundo vivido”.
O nível sistêmico é aquele verificado pelo observador externo (semelhantemente à
noção de sistema em Parsons e Luhmann). Nele, estão os subsistemas econômico,
regido pelo dinheiro, e político, regido pelas regras de poder. Ambos os subsistemas
são orientados por uma racionalidade técnico-instrumental, que associa meios a fins
visando à eficácia. Por sua vez, o mundo vivido é o lugar aonde ocorrem as interações
espontâneas entre os indivíduos _ é nele que os sujeitos compartilham regras sociais,
vivências e emoções. Ao contrário do nível sistêmico – exterior ao indivíduo – o mundo
vivido resulta da perspectiva subjetiva dos atores. Ou seja, ele compreende a “visão
de dentro” da sociedade, percebida pelos atores a partir do seu cotidiano e das
experiências partilhadas. Para Habermas, é o pano de fundo implícito no processo
comunicativo, de certezas pré-reflexivas, evidências não questionadas, vínculos nunca
postos em dúvida; mas é também nesse nível que ocorre a “razão comunicativa
reflexiva ou discursiva”.
64
medida em que ela se fundamentaria exclusivamente em critérios de eficiência
e eficácia. Outros autores excluem a referência à legitimação no processo de
produção de tecnologia, em razão de a abordarem como algo isento de todo o
condicionamento social (a concepção da neutralidade na produção da
tecnologia).
65
dela dependem. Antes de se avançar nessa discussão, tenciona-se apresentar
a noção de Contexto Institucional de Produção Científico-Tecnológica,
importante, não apenas para aprofundar o entendimento acerca da legitimação
da ciência e na tecnologia, hoje, mas para situar o cenário em que se
desenvolve suas governanças. Nessa noção, os pesquisadores estão em
posição de destaque, os quais representam, nesta discussão, a universidade e
o ambiente acadêmico, de modo geral.
66
Dimensão das atitudes e
comportamentos dos
Dimensão pesquisadores
Inter-organizacional (do ambiente acadêmico e da
universidade)
Nível - Expectativas, crenças, valores e
Estrutural padrões de comportamento entre
- Principais organizações ligadas a os pares
determinada prática científico- - Atitudes com relação aos pares
tecnológica - Atitudes quanto à natureza do
fenômeno estudado
- Principais tipos de
- Atitudes para com a sua
articulação entre as organização de pesquisa
organizações - Atitudes quanto aos paradigmas
- Grupos e organizações anteriores
dominantes - Atitudes e comportamentos
quanto aos sistemas de premiação
- Recursos humanos e e punição
financeiros, insumos, - Realização/frustração com a
equipamentos e natureza do seu trabalho
infraestrutura física - Atitudes e comportamentos em
relação a demandas da sociedade
- Atitudes e comportamentos em
relação aos diferentes públicos
Nível engajados na governança da
- Alocação deProcessual
recursos financeiros ciência e da tecnologia
- Formulação de políticas industriais - Atitudes e comportamentos
- Formulação de políticas para C, T&I quanto a uma “ética” científica
- Definição de acordos, convênios e dominante (busca desinteressada
parcerias entre as organizações
- Realização de programas de pesquisas
por conhecimentos,
- Realização e definição de programas de universalismo, ceticismo, abertura
formação de recursos humanos à crítica da comunidade científica)
- Compra e venda de empresas na área - Atitudes e comportamentos com
- Decisões sobre o patenteamento e a relação à autonomia do seu
propriedade intelectual trabalho
- Aplicação dos resultados científicos e - Atitudes e comportamentos
tecnológicos a determinadas necessidades
quanto ao patenteamento dos
práticas da população e da economia
resultados da pesquisa
67
a) Dimensão Inter-organizacional
68
humanos e à infraestrutura utilizados nas atividades científico-tecnológicas. Por
sua vez, os processos decorrem de ações organizacionais concretas, como a
formulação de políticas públicas, a definição de propostas para acordos entre
as organizações, os resultados de pesquisa, a aplicação prática dos resultados
científicos e tecnológicos na solução de necessidades sociais, os intercâmbios
técnico-científicos, os convênios entre universidades e indústrias para o
desenvolvimento de produtos e processos, e os programas de formação e
treinamento de pessoas, que abrangem os setores público e privado.
69
A separação entre atitudes e comportamentos é importante, uma vez
que atitudes ou concepções de cientistas acerca de sua área de trabalho, sua
investigação e seu relacionamento com diferentes públicos, nem sempre são
transformadas em ações concretas. Além disso, a noção de ideologia da
prática consiste não propriamente de comportamentos, mas de atitudes que
determinados atores têm a respeito de uma atividade científico-tecnológica
particular ou de alguns de seus resultados. Assim, é aspecto muito importante
do contexto institucional de produção científico-tecnológica: é para lá que
convergem decisões tomadas no âmbito interno de uma organização de
pesquisa, e de uma universidade, e em outras instâncias da dimensão Inter-
organizacional, seja por meio de seu nível estrutural, seja mediante seus
processos.
2. Ideologia da Prática
70
processo de socialização do pesquisador e dos demais agentes indicados
anteriormente.
71
3. Formação de Consenso na Ideologia da Prática
72
Contexto Institucional de
Produção Científico-
tecnológica (CI)
Ideologia da prática
A formação de consenso
Figura 3: A formação de consenso e seus efeitos no CI
73
A base sócio material compreende a esfera do trabalho e da
produção propriamente dita. Num sentido mais amplo, ela é a estrutura que
abriga as forças produtivas e as relações entre as classes e grupos sociais – as
relações de produção –, condicionando, em última instância, todos os
componentes da estrutura da prática tecnológica. É de lá que partem os
interesses dominantes da sociedade, influenciando decisivamente outras
instâncias sociais. Do ponto de vista do indivíduo, a base sócio material
corresponde ao nível mais estruturado e objetivado da realidade social. Numa
terminologia habermasiana, ela refere-se ao nível sistêmico da sociedade, que
pressupõe o domínio de uma racionalidade técnico-instrumental.
74
um lado, as ligações que convergem para a IP – a percepção dos indivíduos
envolvidos com a produção científico-tecnológica, a respeito de aspectos e
níveis distintos da realidade, relacionados com essa produção; e 2) de outro
lado, a influência exercida pela IP no CI. A delimitação dos componentes
apresentados na Figura 3 não deve ser vista de modo muito rígido, pois
poderia levar a algumas distorções da realidade concreta. Por exemplo, a IP
está representada na figura como algo separado do CI; o que não é bem
assim, pois ela se insere naquele contexto, ao fazer parte dos valores e
padrões culturais subjacentes às relações sociais ali existentes.
75
amplo questionamento, que não se restringe aos agentes mais diretamente
envolvidos com determinada atividade científico-tecnológica, mas que atinge,
também, vários outros segmentos da sociedade, no processo global de
legitimação.
16
Mesmo em relação às dimensões mais estruturadas da realidade social os
indivíduos não se posicionam como meros observadores externos; de um modo ou
de outro eles se envolvem com aspectos que estão mais distantes de seu cotidiano,
trazendo-os, então, para o seu contexto de relações diárias, e influenciando, num certo
sentido, a realidade global: é o somatório de todas as “microinterferências”, que
produz a configuração geral. Ao se fazer essa distinção – visão-externa e visão-interna
da sociedade, quer-se sugerir a importância do envolvimento pessoal dos atores, em
seu dia-a-dia, em torno de determinadas questões relevantes para a produção
científico-tecnológica da qual participam diretamente. Fato, este, que pode ter uma
influência decisiva no processo de formação de consenso da ideologia da prática.
76
da possibilidade de utilização de células embrionários em pesquisas sobre
células-tronco, dos alimentos geneticamente modificados (os “transgênicos”),
do aproveitamento do lixo das cidades, das condições adequadas de moradia e
de mobilidade pública, da redefinição da ideia de público e privado; do
indivíduo, mais que do partido; do mundo e não apenas da nação; da busca de
sentido para a vida e para a história; da crítica aos sistemas de representação
políticos tradicionais, e da expansão das chamadas redes sociais.
77
excluído daqueles benefícios, especialmente no chamado “ terceiro mundo: a
fome continua sendo um problema sem solução; ouve falar da vacina contra a
malária, mas não sabe quanto vai custar ou se vai chegar às suas mãos; sabe
de novas fontes de energia, mas continua assistindo a desastres ambientais;
percebe que o raio laser da cirurgia serve também para a guerra e para a
morte... “E a geração de novos seres cibernéticos? Tudo isso virá para o bem
ou para escravizá-lo? É lícito o patenteamento de novos seres vivos?” São
questões que deverão fazer parte da governança da ciência e da tecnologia,
para a qual a universidade joga papel imprescindível.
78
Se, por um lado, a base sócio material representa o nível mais
estruturado da realidade e o quadro das relações interpessoais cotidianas, o
seu nível menos estruturado e objetivado, por outro lado, o contexto
institucional de produção científico-tecnológica apresenta aspectos de cada um
desses níveis extremos de manifestação da realidade. Na dimensão Inter-
organizacional desse contexto, a base sócio material procura reproduzir a sua
arquitetura no nível estrutural), a qual possibilita o desenvolvimento de
determinados processos e ações organizacionais, ajustando interesses e
atendendo a diferentes necessidades na produção científico-tecnológica.
79
produtos; definição de novos programas de formação e treinamento de
recursos humanos; estabelecimento de certos grupos hegemônicos e
centralização na alocação de recursos financeiros – que ocorrem na dimensão
Inter-organizacional do contexto institucional – são algumas situações a
demandar respostas e posicionamentos daqueles atores.
80
e convenções epistemológicas, concepções sobre o objeto de estudo e sobre o
papel de sua atividade profissional para a sociedade) e os arranjos
organizacionais – sistemas de administração e gerenciamento da pesquisa
científica e tecnológica. Nesse mesmo estudo, o autor citado verifica que o
conceito de “programa genético” (componente básico da ideologia da prática da
Biologia Molecular) “interage com um desenvolvimento da estrutura da
pesquisa gerenciada, que, por sua vez, é inscrita num sistema dinâmico de
poder econômico e político, que tem recentemente forçado uma mudança na
Biologia Molecular, da reprogramação da biologia para a reprogramação da
natureza” (YOXEN, 1981: 106). Esse fato precisa ser considerado
adequadamente, no momento da elaboração do Projeto Institucional, bem
como na linha de governança a ser seguida.
81
urgências deste, ou mesmo nas decisões relativas à divulgação ou à retenção
dos resultados de pesquisa.
82
uma proposta consequente de governança da ciência e da tecnologia. Tudo
isso não pode olvidar da responsabilidade dos agentes do Estado, os quais
deverão acompanhar, supervisionar e traçar as linhas gerais do papel da
universidade na governança da ciência e da tecnologia.
83
A presente proposta compõe-se de diferentes etapas, não lineares –
condicionadas politicamente, ao longo de todo um processo de iniciativas e de
decisões – e possuem um caráter dinâmico da governança da ciência e da
tecnologia. Outro aspecto preliminar importante é que não necessariamente,
cada iniciativa deva envolver toda a universidade, em suas mais diferentes
áreas e interesses. Finalmente, a linha que orienta o conjunto dessas ações é a
da abordagem baseada na solução de problemas – o Problem-Based Learning
(PBL)17; abordagem, esta, que deverá se repercutir, aqui, não apenas no
ensino, mas, também, nas atividades de pesquisa e na extensão universitária.
17
No trabalho de Thomas (2009), A base da abordagem do PBL é “transformadora”.
Ao citar a obra de Steinemann (2003), o autor comenta que a PBL enfatiza o
aprendizado, fazendo. Essa abordagem também fornece um contexto de
aprendizagem. Nesse sentido, os alunos recebem um problema do mundo real como
profissionais. Thomas (2009) menciona que Steinemann (2003) identifica cinco
características principais do PBL: 1) torna o conhecimento mais acessível e aplicável,
em razão de que é usado para resolver problemas reais.; 2) desenvolve habilidades
para resolver problemas do mundo real, ou seja, “mal estruturados” – “problemas
abertos do tipo frequentemente enfrentado na prática: ‘isto é especialmente
verdadeiro’, com problemas de sustentabilidade, que exigem flexibilidade, integração e
multidisciplinaridade, (...) em vez de soluções singulares " (p. 256); 3) facilita a
aprendizagem ativa, para encontrar e avaliar informações de várias fontes (desde
documentos até entrevistas com membros da comunidade), o que ajuda os alunos a
aprenderem a aprender; 4) facilita a motivação, ao centrar-se no mundo real e em
problemas atuais; ou seja, conceitos são tornados mais significativos mediante sua
utilização na resolução de problemas práticos, ou na melhoria dos atuais problemas
para os estudantes ou para a sociedade; e 5) desenvolve competências profissionais,
em especial na solução de problemas cooperativos e interdisciplinares, juntamente
com aprender a trabalhar de forma independente.
84
(EIPO’s – Encontros de Identificação de Problemas e Oportunidades). Como
sugestão, propõe-se que um mesmo EIPO ocorra em mais de um dia, a fim de
que haja maior circulação de informações entre representantes e
representados, e, também, maior possibilidade de formação de consenso – em
razão de ações dos organizadores nesse sentido –, para o que valem os
comentários desenvolvidos em item anterior do livro, quando se discutiu o
processo de formação de consenso da Ideologia da Prática, no tópico acerca
da legitimação na produção científico-tecnológica.
85
de um ou mais EIPO, propor um edital de participação no
programa, que apresentará, para toda a comunidade, um conjunto
de questões relevantes, que vão desde aspectos mais pontuais,
até temas de grande escopo, como aqueles em torno da
problemática da fome (veja Anexo 1), do saneamento básico, da
habitação e assim por diante, atinentes ao País ou à realidade
local do município ou da região (oportunidade em que poderá
estar relacionado ao projeto “Universidade Integrada” – Anexo 2).
Essas questões tanto poderiam concorrer com determinada
pesquisa, quanto com uma ou mais disciplina (de graduação, de
pós-graduação ou de extensão), devidamente integradas e
previamente acordadas para esse propósito.
86
integradas, no esforço conjunto de reflexão e abordagem da
questão geradora. Por exemplo, se o tema for o da biotecnologia,
poderemos ter reunidos a biologia, a química, a sociologia, a
filosofia, a história, a economia e assim por diante. Nesse mesmo
momento de organização dos encontros e de proposição de
questões, a própria comunidade acadêmica poderia propor
teóricas ou mais voltadas à realidade prática, desde que
envolvessem diferentes campos do conhecimento, uma vez é
este aspecto que confere peculiaridade ao presente programa.
87
e conhecimentos, tradicionalmente apresentados de modo
estanque e independentes uns dos outros. Por exemplo, se um
conjunto de disciplinas compõem um módulo que se poderia
chamar de “pesquisa social”, a envolver disciplinas da estatística,
da economia, da sociologia e da geografia, esse mesmo módulo,
ao invés de constituir-se em agregado de matérias desarticuladas
entre si, poderia abordar a problemática da ocupação urbana, do
perfil político do eleitor e outros temas, a fim de possibilitarem
gerar visão de conjunto das várias contribuições teóricas e
práticas, em torno de uma problemática que confere sentido ao
conjunto. Tudo isto pode ser fator importante de motivação a mais
para o estudante.
88
consequente da ciência e da tecnologia18. Muitas outras
iniciativas, certamente, podem ser buscadas e tentadas, a
depender de muitos fatores. Contudo, há inegável peso nessas
decisões de determinadas lideranças e dos estratos superiores de
uma universidade. De qualquer modo, pretende-se insistir que tal
proposta governança (ou outra, consequente) não poderia ser
tratada como panaceia, na medida em que seja voltada,
efetivamente, para ações concretas, devidamente legitimadas,
interna e externamente. Em outras palavras, faz-se mister o
desdobramento de práticas concretas, para que não se fique,
meramente, em discursos, que, com a mesma rapidez em que
podem ganhar adeptos, também podem gerar perdas importantes
de credibilidade, e inviabilizar o processo de governança
mencionado.
18
O Anexo 2 apresenta outra proposta de intervenção a partir dos EIPO’s, a
“Universidade Integrada”.
89
4. Após determinado período de tempo, que pode ser de um ou dois
anos, seriam realizados novos fóruns com os indivíduos e grupos que
participaram dos primeiros EIPO’s, e que deveriam reunir, agora, os
especialistas, estudantes e técnicos envolvidos com alguma disciplina ou
atividade de pesquisa ou de extensão, desenvolvida nesse intervalo. Nesse
momento, seriam apresentados resultados preliminares e reavaliados os
problemas e as necessidades, em termos de suas prioridades. É possível, por
exemplo, que, antes, certa necessidade não tenha sido vista como prioridade,
mas que, em face a mudanças na economia, na política, a exiguidade de
recursos, e a novos interesses, venha a merecer destaque em nova rodada de
discussões. Feitos os ajustes, os especialistas avaliariam o momento em que
poderiam iniciar uma ou outra transferência de conhecimentos, em articulação
com outros setores da sociedade – como empresas privadas, ministérios ou
secretarias estaduais –, bem como discutiriam as metodologias a serem
utilizadas para a suas transferências, junto aos diretamente interessados no
acesso a tais conhecimentos.
90
mecanismos de arbitragem, os quais poderiam ser delegados a atores não
relacionados com os processos mencionados anteriormente – um dirigente de
órgão público, um membro de uma organização internacional, ou mesmo um
cientista pertencente a outra universidade ou instituição, capazes de agir com a
maior isenção e senso de compromisso com os melhores resultados a serem
alcançados.
91
PALAVRAS FINAIS
92
“Valores e Atividades Científicas” – são exemplos importantes para uma crítica
ao padrão dominante da ciência e da tecnologia, no mundo, e à tradição
epistemológica dominante. Nesses trabalhos, os autores defendem, ainda, o
que entendem devam ser os novos compromissos que tais conhecimentos
devem ter diante das desigualdades e das populações mais necessitadas.
20
As citações completas estão em Varoufakis (2016) e Harvey (2011), na Bibliografia.
93
Diante desse cenário, a universidade pode não ter sido um ator
crítico proeminente, preocupada, principalmente, em manter elevados índices
de produtividade e de publicação (em geral, sobre muitas banalidades, e
assuntos marginais), em ampliar rapidamente a oferta de vagas e de cursos de
graduação e de pós-graduação, e de obter posição de destaque em listas de
classificação divulgadas por governos ou por organismos nacionais ou
internacionais que realização avaliações e que conferem reconhecimento
mediante sistemas de “acreditação”. Não há dúvida que são preocupações
legítimas, mas estima-se que urge reunir esforços para se contrapor a tudo
aquilo que, ao final, poderia vir a comprometer a qualidade de suas pesquisas
e de seus cursos, em razão de alguma presumível compulsão pela
produtividade, e em desfavor do pendor crítico e contestador que sempre
pontuaram sua existência. Certamente, a busca por se inserir, crescentemente,
na “big science” e se pautar por critérios mais universais de avaliação, bem
como na busca por elevar os índices de publicação não implica,
necessariamente, algum comprometimento com a qualidade.
94
redução do necessário número de testes de validação, podem vir a
comprometer as bases institucionais da ciência contemporânea.
Não resta dúvida que a busca por novos aliados, junto ao grande
público e aos ambientes mais dinâmicos da economia, que se obtém, entre
outras iniciativas, mediante adequada governança, é caminho promissor para
que a universidade possa lidar com eventuais ameaças. Para alguns autores, a
reaproximação do ensino à pesquisa – crescentemente distanciados em
práticas cotidianas nas universidades, e reforçadas pelos sistemas de
21
O comunismo (norma que obriga moralmente o cientista a divulgar os resultados de
seus trabalhos), o desinteresse (o principal motivo do trabalho acadêmico deve ser a
busca do conhecimento e não qualquer notoriedade pessoal), o ceticismo organizado
(os fatos somente poderão ser aceitos depois de serem devidamente comprovados) e
o universalismo (a ciência não deve ter fronteiras sociais, nem ideológicas).
95
avaliação predominantes, notadamente os que se fazem sob a égide do exame
dos pares de cientistas – é, igualmente, uma necessidade premente do
momento atual, vivido, de modo geral, pela universidade.
96
isso não pode ser tarefa para um ou poucos, apenas. As inteligências são
muitas; e não se precisa de receitas ou de modelos previamente concebidos.
Finalmente, o momento requer muita imaginação criadora e
ousadia. Ultrapassar os limites, acreditar no trabalho sério e competente,
proporcionar ambientes ricos em comunicação e entendimento, negociar e lidar
adequadamente com as diferenças, buscar os ingredientes de um futuro
promissor para as universidades e para o futuro das populações, rever crenças,
abrir-se para novas atitudes e manter-se fiel aos princípios mais elevados da
instituição, são condições para o difícil e incerto percurso. Trabalho árduo de
construção, que requer muita coragem e determinação; mas que jamais poderá
dispensar o conhecimento, a reflexão sistemática e a boa argumentação.
97
ANEXO 1
Michelangelo Trigueiro
INTRODUÇÃO
98
e traçar um diagnóstico atual da fome em diferentes sociedades, mas,
sobretudo, gerar um conjunto de alternativas racionais e viáveis, ao se
considerar o que foi produzido sobre o assunto, que inclui acervo científico-
tecnológico relativo aos alimentos, bem como aspectos sócios-econômicos,
políticos, culturais e organizacionais.
1. ESTRATÉGIA GERAL:
99
2. ESTRATÉGIAS ESPECÍFICAS:
3. MÓDULOS DE IMPLEMENTAÇÃO:
100
Módulo 2 - A oferta de alimentos: Neste segundo módulo, o
objetivo central é o levantamento e a análise de informações concernentes à
oferta de alimentos e de tecnologias disponíveis sobre as distintas regiões do
País. Trabalho que passa por investigações junto às empresas locais
produtores de tecnologias agropecuárias, e a demais Institutos afins de
pesquisa. Nesse momento, também poderão ser incluídos estudos sobre o
conhecimento gerado por instituições de outros países. Igualmente, deve ser
levantado o potencial de grãos, frutas e de produtos pecuários, gerados no
chamado “complexo agroindustrial” brasileiro. Os dados serão
fundamentalmente secundários, com base nas informações disponíveis no nas
entidades, governamentais ou não, que produzem informações sobre o setor.
101
dificuldades, no nível de determinadas organizações de pesquisa e de certos
órgãos formuladores e executores de políticas públicas, que dificultam ou
impedem o fluxo mais efetivo de informações e soluções técnicas até os
contextos em que a fome se apresenta?; d) quais os impasses, no nível das
ações e da estrutura política do país, e no âmbito de suas regiões, que limitam
a solução da fome?; e) quais as principais características da organização
econômica e produtiva que impedem a superação da fome no país?; e f) quais
as características culturais da sociedade que limitam a busca de alternativas
adequadas para a erradicação da fome?
102
ANEXO 2
Michelangelo Trigueiro
1. Objetivos:
2. Estratégias de implementação:
103
Inicialmente, em comum acordo com os parceiros, define-se um
local como experiência-piloto, que pode ser um lote urbano, ou área inserida
em escola pública, no qual se instalaria a sede do projeto em determinada
comunidade. Nesse local, ouvidas as necessidades da comunidade local e as
prioridades consensuais para a região, o coordenador do projeto faria uma
proposta temática, a ser enfatizada na vigência do projeto, que deveria conter
as principais reivindicações e demandas dessa comunidade, os problemas e as
necessidades de soluções e um rápido diagnóstico socioeconômico da região,
que inclui a população, principais atividades econômicas e outros indicadores
julgados relevantes para uma primeira caracterização da realidade local.
104
reuniões específicas, visando a otimizar os recursos envolvidos e a maximizar
os objetivos esperados pelos professores, alunos e membros da comunidade
escolhida.
105
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