Sie sind auf Seite 1von 254

CURSO DE IMERSÃO

EM TERAPIA INTENSIVA
NEUROLÓGICA
5ª Edição / 2005

1
DIRETORIA EXECUTIVA DA AMIB
BIÊNIO – 2004/2005
Presidente: José Maria da Costa Orlando (SP)
Vice-Presidente: Waldemar Henrique Fernal (MG)
1º Secretário: Marcelo Moock (SP)
2º Secretário: Luiz Alexandre A. Borges (RS)

1º Tesoureiro: Rosa G. Alheira Rocha (SP)


2º Tesoureiro: Afonso José Celente So ares (RJ)

2
CONSULTORES DO CURSO E INSTRUTORES

Álvaro Réa Neto (PR)


• Professor do Departamento de Clínica Médica da UFPR
• Chefe da UTI - Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR
• Diretor do CEPETI – Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva

Flávio M. B. Maciel (SP)


• Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB e Consultor do FCCS
• Chefe da UTI do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Sa
boya
• Doutor em Medicina pela USP
• Assistente da Disciplina de Imunologia da Faculdade de Medicina da USP

Jorge Luiz Paranhos (MG) - Diretor do Curso


• Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Terapia Intensiva pela AMIB
• Membro do Comite de Terapia Intensiva do Depto de Trauma da SBN e Instrutor do
FCCS
• Chefe da UTI da Santa Casa da Misericórdia de São João del Rei – MG

Rogério R. da Silveira (RJ)


• Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia
• Mestre em Neurologia pela UFF
• Coordenador do Curso de Neurologia da Universidade do Grande Rio
• Consultor em Neurologia na UTI do Hospital Cardiotrauma Ipanema e São Lucas – RJ
– RJ

Rose Plotnik (RS)


• Especialista em Medicina Interna pela SBCM e Intensivista pela AMIB
• Responsável pela Rotina da UTI Neurocirúrgica do Hospital São José – Santa Casa POA
• Mestranda do Serviço de Pneumologia da Universidade Federal do RS

Nossos agradecimentos aos familiares, que souberam entender nossa ausência durante o árduo período
de reuniões semanais para confecção desse curso. Muito obrigado aos nossos colaboradores, pela valiosa
contribuição científica, e à direção da AMIB, pela confiança depositada e pelo convite formulado, que
muito nos honraram.

Comissão Científica

3
COLABORADORES

Arthur Lago Martinez Fº (RJ) Claudia Camargos Carneiro (MG)


• Especialista em Clínica Médica e Cardiologia; • Título de Especialista em Terapia Intensiva pela
Intensivista pela AMIB AMIB
• Rotina do CTI adulto do Hospital de Clínicas • Especialista em Medicina Interna e Plantonista da
Mário Leoni – Duque de Caxias – RJ UTI - Hosp. Público Regional de Betim - MG
• Médico da Emergência do Hospital Cardiotrauma • Coordenadora da Rotina de
Ipanema e do Hospital Copa D’or RJ – RJ Neurointensivismo da UTI PO do Hosp.
Madre Teresa - BH - MG
Almir Andrade (SP)
• Chefe do Serviço
Emergência de Neurotraumatologia
do Hospital das Clínicas de SPda •Frederico
Título Bruzzi (MG) em Terapia Intensiva pela
de Especialista
• Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Diretor AMIB e Clinica Médica e Medicina de Urgência
do Dpto. de Neurotraumatologia da SBN pela SBCM
• Intensivista/diarista da UTI Hospital Mater
Antônio Capone Neto (SP) Dei – BH
• Médico-Chefe do CTI-A Unidade Neuro-Intensiva • Coordenador da Rotina de
Hospital Israelita Albert Einstein Neurointensivismo da UTI PO do Hosp.
• Coordenador do Grupo de Neurotrauma do CTI- Madre Teresa - BH - MG
A Hospital Israelita Albert Einstein SP - SP
Hipolito Carraro Jr. (PR)
Antonio Carlos Pires Carvalho (RJ) • Coordenador do Serviço de Emergências
• Mestre e Doutor em Radilogia pela UFRJ Neurológicas do Hospital de Clínicas da UFPR
• Professor Adjunto de Radilogia da FM da UFRJ • Médico Intensivista e Neurologista do Hospital
VITA de Curitiba
Anselmo Dornas Moura (MG)
• Especialista em Clinica Médica e Intensivista pela Jair Leopoldo Raso (MG)
AMIB • Coordenador do Serviço de Neurocirurgia do
• Instrutor do ATLS
Coordenador e PHTLS
Clínico da UTI do Hospital Mater Hospital BIOCOR
• Especialista - BH – MGpela SBN e 1ª
em Neurocirurgia
Dei – BH -MG Secretário da SBN
Antônio Eiras Falcão (SP) Jairo C. Bitencourt Othero (RS)
• Doutorado em Neurologia pela UNICAMP • Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB
• Especialista em Neurologia pela ABN e • Coordenador da Comissão Nacional de Ética da
Intensivista pela AMIB AMIB
• Consultor em Neurologia e Terapia Intensiva • Professor de Emergência e Trauma do Curso de
Neurológica da UTI do HC da UNICAMP medicina da ULBRA/RS
• Intensivista da UTI de Trauma do Hospital de
Cássio Morano Peluso (ES) Pronto Socorro de Porto Alegre - RS
• Mestre em Neurocirurgia pela UNIFESP
• Diretor da Área de Saúde - Faculdade Novo José Fernando Guedes Corrêa (RJ)
Milênio - Vila Velha - ES • Especialista em Neurocirurgia pela SBN
• Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e • Professor da Faculdade de Medicina da
Terapia Intensiva – INETI Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO
• Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital
•CidEx-Presidente
Marcos Nascimento David (RJ)
da Associação de Medicina Intensiva Sousa Aguiar - RJ
Brasileira - AMIB Jorge Eduardo Paranhos (RJ)
• Consultor da Society Critical Care Medicine- • Título de Especialista em Cirurgia Geral pelo CBC
SCCM, para o Curso FCCS e AMB
• Intensivista com titulação pela Associação de • Médico da emergência do Hospital Municipal
Medicina Intensiva Brasileira-AMIB Miguel Couto – RJ
• Professor Adjunto de Pós-graduação de Medicina • Coordenador da UTI da Casa de Saúde São
Intensiva da UFRJ Sebastião – RJ

4
José Oliva Proença Filho (SP) Patrícia Sousa Dias (MG)
• Chefe da UTI Pediátrica do Hospital Nossa • Neurorradiologista do Serviço de Neurocirurgia da
Senhora de Lourdes Santa Casa de BH
• Título de Especialista em Medicina Intensiva pela • Neurorradiologista do Centro de Imagem - BH
AMIB
Paulo César Antoniazzi (SP)
Luiz Roberto Aguiar (PR) • Médico Assistente da Disciplina de Terapia
• Mestrado e Doutorado em Neurocirurgia pela Intensiva – Hospital das Clínicas da Faculdade de
UNIFESP Medicina de Ribeirão Preto – USP
• Doutor em Medicina pela Universidade Livre de • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB
Berlin
• Prof. Titular de Neurocirurgia da PUC PR Paulo Melo (DF)
• Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital • Professor Titular de Neurocirurgia da
Universitário Cajuru - Curitiba - PR Universidade de Brasília
• Coordenador da Comissão de Ensino da SBN
Luiz Vicente Forte (ES)
• Consultor em Neurocirurgia - Faculdade Novo Roberto Hirsch (SP)
Milênio - Vila Velha - ES • Membro titular do Stroke Council da AHA, da
• Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e
American Academy of Neurology e Academia
Terapia Intensiva – INETI
Brasileira de Neurologia
Maria Luiza Procópio Amado (RJ) • Chefe do Departamento de Doppler
• Membro Titular da SBNC Transcraniano do HCFMUSP e do Hospital
• Neurofisiologista da Rede D’Or – Rio de Janeiro Albert Einstein
• Neurofisiologista de referência de UTIs no RJ • Doutor em Neurologia pela FMUSP, médico do
setor de Neurologia de Emergência do
Marcos Freitas Knibel (RJ) HCFMUSP
• Presidente da Comissão de Qualidade em UTI da
AMIB Ruy Castro Monteiro da Silva Filho (RJ)
• Chefe da UTI dos Hospitais Cardiotrauma • Neurocirurgião da Rede D’Or de Hospitais
Ipanema e São Lucas – RJ • Membro Titular da Sociedade Brasileira de
• Intensivista pela AMIB e pós Graduação em Neurocirurgia
Neurologia pela PUC – RJ • Membro Titular da Sociedade Brasileira
de Coluna
Miguel Giudicissi Filho (SP)
• Coordenador da Equipe Cenna (Neurocirurgia) do Sérgio Diniz Guerra (MG)
Hospital B. Portuguesa – SP • Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela
• Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB AMIB e Soc. Brasileira de Pediatria
• Especialista em Neurocirurgia pela SBN • Coordenador do CTI Pediátrico do Hospital João
• Neurocirurgião da UTI do Hospital Municipal Dr. XXIII – FHEMIG BH – MG
Arthur Ribeiro de Saboya - SP • Preceptor da Residência em Terapia Intensiva
Pediátrica do Programa Santa Casa –
Nazah Cherif Mohamad Youssef (PR) FHEMIG
• Especialista em Medicina Intensiva e Neurologia
• Diretora Clínica da Unidade de Terapia Intensiva Thelma Ribeiro Noce (MG)
do Hospital das Nações – Curitiba - PR • Mestre em Neurologia pela USP – Ribeirão Preto
• Coordenadora do Dpto. Neurológico do CEPETI • Plantonista do CTI Pediátrico do Hospital João
- Centro de Estudos e Pesquisa em Terap. Int. XXIII – FHEMIG BH – MG

5
6
CITIN – CURSO DE IMERSÃO EM
TERAPIA INTENSIVA NEUROLÓGICA
Primeiro Dia: CITIN – Curso de Imersão em
08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica Terapia Intensiva Neurológica
08:00 - Filosofia do atendimento em Terapia Intensiva
08:15 - Fisiologia e metabolismo cerebral Segundo Dia:
08:40 - ABC e manuseio básico do paciente neurológico 08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica
09:05 - Exame do paciente em coma 08:00 - Hemorragia intraparenquimatosa (HIP)
09:35 - Monitoração geral do paciente neurológico grave 08:30 - Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI)
10:05 - Intervalo – Café 09:00 - Hemorragia subaracnóide (HSA)
10:20 - Propedêutica neurológica complementar 09:30 - Trauma craniencefálico (TCE)
10:50 - Monitoração neurológica intensiva 10:10 - Intervalo – Café
11:30 - Hipertensão intracraniana – conceitos e condutas 10:25 - Trauma raquimedular (TRM)
12:00 - Miscelânea I – EM Epiléptico, Delirium, Seda- 10:55 - Pós-operatório em Neurocirurgia
ção & Analgesia 11:25 – Infecção do SNC
11:45 - Morte encefálica
12:05 - Miscelânea II – Transporte do paciente, Ence-
12:30 às 13:30 - Almoço
falopatia, e Doença Neuromuscular (DNM)
13:30 às 17:00 - Parte Prática 12:30 às 13:30 - Almoço

Estação Prática 1330-1430 1430-1530 1530-1600 1600-1700 13:30 às 16:30 - Parte Prática
Síndromes
A C Café B
Neurológicas Estação Prática 1330-1420 1420-1510 1510-1600 1600-1630
Neuroradiologia B A Café C Doenças
A C B Café
MonitoraçãoI C B Café A Cerebrovasculares
TCEcasoclínico B A C Café
17:00 - Discussão do pré-teste MonitoraçãoII C B A Café
17:30 - Encerramento & Avisos
16:30 às 17:30 - PROVA
17:30 - Encerramento & Avisos

7
8
SUMÁRIO
Capítulo Título .....................................................................................................................................Página
1 Filosofia do atendimento - conceitos e suporte intensivo ............................................................... 1
2 Fisiologia e metabolismo cerebral .................................................................................................. 3
3 Abc e cuidados básicos do paciente neurológico ...........................................................................11
4 Abordagem do paciente em coma ................................................................................................25
5 Monitoração geral do paciente neurológico grave.........................................................................31

6 Propedêutica neurológica complementar ......................................................................................43


7 Monitoração neurológica multimodal ..........................................................................................47
8 Hipertensão intracraniana ............................................................................................................59
9 Estado de mal epiléptico (eme) .....................................................................................................69
10 Delirium .......................................................................................................................................75
11 Hemorragia intraparenquimatosa (hip) ........................................................................................83
12 Acidente vascular encefálico isquêmico (avei) ...............................................................................91
13 Hemorragia subaracnóide (hsa) ..................................................................................................101
14 Traumatismo crânio encefálico ...................................................................................................109
15 Traumatismo raquimedular ........................................................................................................127
16 Pós-operatório em neurocirurgia.................................................................................................145

17 Infecções do sistema nervoso central...........................................................................................153


18 Morte encefálica .........................................................................................................................161
Doenças neuro musculares..........................................................................................................167
Síndrome de guillain-barré (sgb) .................................................................................................167
Encefalopatia por disfunção tiroidiana .......................................................................................177
19 Transporte intra e extra-hospitalar .............................................................................................183
20 Encefalopatia hipóxica-isquêmica...............................................................................................187

Apêndice Título .....................................................................................................................................Página


1 Escalas na avaliação clínica inicial ..............................................................................................193
2 Semiologia neurológica ...............................................................................................................197

3 Monitoração da temperatura cerebral.........................................................................................213


4 Algoritmos para suporte cardíaco avançado de vida...................................................................217
Desfibrilação/cardioversão ..........................................................................................................228
5 Eletroencefalografia nas unidades de terapia intensiva................................................................231
Oximetria cerebral transcraniana por espectrofotometria ...........................................................239

9
Capítulo 1

Filosofia do atendimento - Conceitos e suporte intensivo


“A preocupação com o homem e com seu destino deve sempre constituir a motivação principal de todos os esforços
tecnológicos e científicos. Jamais esqueçam isto em meio a seus diagramas e equações. A mais bela e a mais pro-
funda emoção que podemos experimentar é o sentido do mistério em benefício do homem. É aí que se encontra a
semente de toda verdadeira ciência” (ALBERT EINSTEIN).
O estigma da doença neurológica, dita incapacitante, e a falta de centros preparados para o manejo destes pacien-
tes, acabam retardando o início do tratamento, que, em muitos hospitais, resume-se na simples observação clínica
em um “canto” da enfermaria geral. É lá que o paciente, privado de suas funções encefálicas, permanece à própria
sorte, perdendo a oportunidade de melhorar, ou mesmo reverter seu quadro. Posteriormente, também não é orien-
tado quanto à importância da reabilitação para poder retornar, em melhores condições, ao convívio familiar.
Esta situação pode e deve mudar. O tratamento inicial eficaz é fundamental para a diminuição da morbi-mortali-
dade das doenças do Sistema Nervoso influenciando diretamente no prognóstico.
A Terapia Intensiva Neurológica assim como a Medicina não podem ser subestimados como prática pessoal: “OS
MÉDICOS SÃO PESSOAS QUE DÃO MEDICAMENTOS QUE MAL CONHECEM, PARA CURAR DOEN-
ÇAS QUE CONHECEM MENOS AINDA, PARA SERES HUMANOS DOS QUAIS NÃO SABEM ABSOLU-
TAMENTE NADA“ (François Marie Voltaire 1694-1778).
A Terapia Intensiva Neurológica é uma conduta especializada na avaliação, diagnóstico precoce, monitoração ade-
quada e tratamento precoce das doenças do Sistema Nervoso, central ou periférico, independente de sua etiologia
(vascular, traumática, neoplásica, desmielinizante, congênita, metabólica, nutricional, degenerativa, inflamatória,

infecciosa, etc).
Deve-se priorizar o controle rigoroso do hemometabolismo cerebral. A manutenção das necessidades metabólicas
cerebrais é fundamental para o tratamento de qualquer situação que altere a perfusão encefálica, evitando a pro-
gressão do dano isquêmico.
Como no Discurse de la Methode, precisamos medir, mensurar e monitorar: “EM CIÊNCIA, O QUE VALE NÃO
SÃO SÓ OPINIÕES. HÁ QUE HAVER EMBASAMENTO E SUSTENTAÇÃO POR DADOS CONCRETOS.
TUDO QUE FOR MENSURÁVEL DEVE SER REALIZADO PARA O BEM DA CIÊNCIA. PARA QUE SE
FAÇA CIÊNCIA SÃO NECESSÁRIAS MEDIDAS CUJA VALIDAÇÃO SEJA INDUBITÁVEL. AFIRMATI-
VAS NÃO SUSTENTADAS VIRAM OPINIÃO“ (René Descartes 1596-1650).
A lesão isquêmica é o evento final mais comum para a destruição do tecido cerebral, quer por ação primária
ou secundária, de forma difusa ou focal e ocorrendo em conseqüência de alterações permanentes ou temporá-
rias no fluxo sanguíneo cerebral, potencialmente presentes em todas as doenças neurológicas. Apesar da sua
extrema complexidade funcional, o encéfalo apresenta um metabolismo energético relativamente simples. Sua
enorme avidez e dependência pelos nutrientes básicos, O 2 e glicose, revelam sua vulnerabilidade aos processos
isquêmicos. Quanto maior for a queda do fluxo sanguíneo e o tempo d e isquemia, para um deter minado estado
metabólico, maior será a lesão cerebral primária ou secundária. O metabolismo encefálico depende da rela-
ção adequada entre o consumo e a oferta de oxigênio e glicose. É através da rigorosa e intensiva monitoração
destes parâmetros, que vamos conseguir preservar a função encefálica, agindo precocemente nas alterações
do hemometabolismo cerebral. “EM CIÊNCIA O QUE VALE É O CONHECIMENTO ADQUIRIDO A
PARTIR DE ANÁLISES CRITERIOSAS QUE SE SUSTENTAM PELA RAZÃO INDISCUTIVEL DA
MEDIDA REALIZADA COM PRECISÃO. A ORIENTAÇÃO DA CIÊNCIA PELO BOM SENSO É PE-
RIGOSA, POR SER DÁDIVA DE DEUS, E TODOS A POSSUEM!!! FOI A PARTIR DO BOM SENSO

1
QUE SE CONCLUIU QUE A TERRA ERA PLANA E QUE O SOL EM TORNO DELA GIRAVA“ (René
Descartes 1596-1650).
Obviamente que além desses cuidados extremamente específicos, as medidas para evitar a lesão cerebral estendem-
se ao controle clínico rigoroso, sendo de importância fundamental o suporte ventilatório e hemodinâmico adequa-
do, a fisioterapia precoce, o controle hidroeletrolítico e nutricional e a prevenção de infecções. Assim, os pacientes,
através de medidas intervencionistas, têm a chance de uma melhor recuperação, pelo controle e prevenção precoce
das complicações clínicas e neurológicas.
O ponto central é a preocupação constante de oferecer as melhores condições de tratamento com o menor custo.
Isto envolve uma otimização e humanização do atendimento, com atenção especial aos seguintes pontos: recursos
humanos, técnicos, de informática e ambientais. “MEDICINA NÃO É SÓ ARTE, É CIÊNCIA E COMO TAL
DEVE SER APLICADA. DEVE SER SUSTENTADA POR CONHECIMENTOS E PERCEPÇÃO ADEQUA-
DA. PARA SABER AGIR E DIFERENCIAR-SE DO PRÁTICO QUE DEPENDE DO BOM SENSO!!! DEVE
SER SUSTENTADA POR EVIDÊNCIAS DE BENEFICÊNCIA“ (Euryclides Zerbini 1912-1993).
Na Terapia Intensiva Neurológica estimulamos uma visão global das necessidades do paciente, o atendimento in-
tervencionista, a adoção de medidas preventivas e o trabalho em equipe, onde cada um contribui com seu potencial
máximo para o tratamento. Tudo isto dentro de um ambiente de trabalho adequado e agradável. Regularmente são
realizados cursos de reciclagem, com ênfase na discussão dos aspectos psicológicos envolvidos com o manejo de
pacientes confusos e desorientados.
A Terapia Intensiva Neurológica dispõe de protocolos próprios e enfatiza a profilaxia de escaras, trombose venosa
e lesões laringo-traqueais. Empregar equipamentos que garantam uma monitoração completa de nosso paciente,
com ênfase especial no controle do hemometabolismo cerebral.
A soma dos recursos humanos, científicos e técnicos proporciona as condições ideais para realizarmos um diagnós-
tico precoce e, com ele realizado, poder iniciar o tratamento adequado. É preciso ter no inconsciente essa seqüên-
cia de examinar, diagnosticar, monitorar e tratar, conseguindo informações adequadas de forma rápida, segura e
dinâmica.
A Terapia Intensiva Neurológica seria a expansão sem especialização desta filosofia de trabalho multiprofissional,
que é a Medicina Intensiva, respaldada em conhecimento científico geral e especializado, munida de equipamentos de
monitorição, e cuja terapêutica converge para o bem estar do paciente. Assim, além de tratar da sua doença de base,
preocupamo-nos com uma série de medidas preventivas e, sobretudo, com a prevenção da Lesão Secundária.
O estetoscópio, a lanterna, o martelinho, nossas mãos, nossos ouvidos ainda são excelentes recursos e fundamentais
na avaliação de nossos pacientes. Entretanto, não vamos esquecer que a mensuração adequada e intensiva do maior
número possível de parâmetros, é o que torna nossa medicina ciência, e que, enquanto for somente arte e bom senso
será frágil frente às surpresas desagradáveis da evolução de um paciente neurocrítico.
“O GRANDE MISTÉRIO DA MEDICINA ESTÁ EM APLICÁ-LA COM ARTE E RIGOR TECNICO, JÁ
QUE, FUNDAMENTADOS NO ESPÍRITO DE HUMANIZAÇÃO, EMPREGAMOS CIÊNCIA DA MAIOR
QUALIDADE VISANDO O BEM ESTAR DO HOMEM” (Sir Willian Osler 1849-1919).

2
Capítulo 2

Fisiologia e metabolismo cerebral


INTRODUÇÃO
Muitos pacientes criticamente doentes se apresentam com doenças neurológicas graves ou desenvolvem complica-
ções neurológicas. Uma grande parte destas complicações resulta de hipoperfusão cerebral. Por isso, o conheci-
mento da fisiologia do fluxo sanguíneo e do consumo de oxigênio cerebral é importante para aqueles que trabalham
em unidades de terapia intensiva.
Qualquer lesão neurológica pode ter conseqüências devastadoras. Lesão neurológica definitiva do tecido cerebral
com seqüela permanente pode ocorrer no momento da injúria primária. Mas o risco de injúria neurológica adicio-
nal por alterações da dinâmica intracraniana também é alto e dependente de hipertensão intracraniana e de vários
outros fatores potencialmente deletérios. Um grande número de alterações clínicas pode afetar a dinâmica cerebral
e o cérebro secundariamente, ampliando a lesão primária. Muitas dessas alterações podem ser prevenidas ou trata-
das precocemente, aumentando a chance de recuperação neurológica desses pacientes. Nisso reside a importância
do conhecimento da fisiologia e da monitoração neurológica e as suas conseqüentes intervenções efetivas.
Alguns dos fatores envolvidos na lesão neurológica relacionada às alterações da dinâmica cerebral incluem hiper-
tensão intracraniana, regulação do fluxo sanguíneo cerebral, formação de edema cerebral e alterações no líquor.
Uma compreensão fisiopatológica plena dos princípios subjacentes à dinâmica cerebral é essencial para o manejo
adequado dos pacientes neurológicos graves.
As alterações fisiológicas que mantêm o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e acomodam as alterações no volume ce-
rebral são relativamente complexas, mas fáceis de se entender. Grandes avanços no atendimento dos pacientes com

graves doenças
compreensão dascerebrais têm se desenvolvido
regras fisiológicas básicas e donos últimosfisiopatológico
processo dez a quinze anos e baseiam-se fundamentalmente na
subjacente.
O cérebro é capaz de suportar apenas períodos muito curtos de isquemia, diferentemente dos rins, do fígado e dos
músculos, por exemplo. Então o FSC deve ser mantido para assegurar uma oferta constante de oxigênio e glicose,
além de retirar os produtos do metabolismo cerebral. A manutenção do FSC depende de um equilíbrio entre a
pressão dentro do crânio, a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial média do sangue (PAM). É importante
manter um FSC relativamente constante. Assim, quando a PAM diminui, alguns mecanismos fisiológicos são ati-
vados para manter o FSC e evitar isquemia neuronal. Da mesma forma, se a PAM se eleva, o FSC também deve
ser mantido senão o cérebro incharia pelo aumento do FSC e a PIC se elevaria. Este processo é denominado de
auto-regulação e será melhor explicado posteriormente.
PRESSÃO INTRACRANIANA
O crânio possui, nos adultos, um compartimento rígido preenchido com 3 componentes: tecido cerebral, sangue e
líquor. De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, todos os três componentes estão em um estado de equilíbrio
dinâmico. Se o volume de um dos componentes aumenta, o volume de um ou mais dos outros componentes deve
diminuir ou a pressão intracraniana irá aumentar. Dentro dos ventrículos, a pressão intracraniana normalmente
deve ser menor que 15 mmHg.
Os principais elementos dentro do crânio são o encéfalo (80%), o sangue (10-12%) e o líquor (8-10%). O volume
total é de cerca de 1600 ml. Como o crânio pode ser visto fisiologicamente como uma caixa rígida cheia de líquido,
se o volume de um de seus constituintes aumentar, a pressão dentro do crânio deverá aumentar, a não ser que algum
de seus elementos líquidos possa escapar. E este não pode ser o encéfalo, mas o sangue ou o líquor.
Se o encéfalo aumenta de volume (tumor, hematoma, edema, etc.), alguma quantidade de sangue ou líquor deverá

3
escapar de dentro do crânio para que a pressão não se eleve. Quando isto não puder mais ocorrer, a PIC irá se elevar
acima de seu valor normal (5-15 mmHg). Normalmente, a resposta inicial é uma redução no volume de líquor do
crânio. O líquor é desviado do crânio para dentro do saco espinhal. Desta forma, a PIC é inicialmente controlada.
Se o processo patológico inicial progride com mais aumento de volume, o sangue venoso dos seios e eventualmente
mais líquor podem ser forçados a sair do crânio. Quando este mecanismo de compensação é exaurido, qualquer
aumento maior de volume intracraniano irá causar um rápido aumento da PIC.
As relações entre as variações de volume e de pressão dentro do crânio são representadas na figura 1. Ela indica que
um aumento no volume com pouca mudança de pressão ocorre até certo ponto, quando pequenos aumentos de
volume acarretam grandes aumentos de pressão. Este ponto geralmente indica que os mecanismos de compensação
se tornaram exauridos e uma fase de aumento da PIC compensada foi sucedida por uma fase descompensada.

Fig. 1. Curva de Langfitt que expressa a relação entre pressão e volume intracraniano.

É interessante notar que esta curva clássica representa as alterações de pressão quando um único compartimento
dentro do crânio varia, neste caso, o líquor. Na prática, quando o aumento do volume cerebral ocorre por um tu-
mor ou hematoma, a curva é menos íngreme. Gradientes de pressão se desenvolvem dentro da substância cerebral
e, dependendo da complacência e da compressibilidade das estruturas adjacentes e do desenvolvimento de hérnias
cerebrais, a curva se torna geralmente menos abrupta. Aumentos de volume cerebral localizados podem levar a her-
niações cerebrais internas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão cerebral irreversível (figura 2).

Fig. 2. Principais herniações cerebrais.

4
A complacência intracraniana é de grande importância para a manutenção da dinâmica intracraniana. Compla-
cência intracraniana é a capacidade do crânio de tolerar aumentos no volume sem um aumento correspondente na
pressão intracraniana. Quando a complacência é adequada, um aumento no volume do tecido cerebral, de sangue
ou de líquor não produz inicialmente aumento na pressão intracraniana. Quando a complacência é diminuída, mes-
mo um pequeno aumento no volume de qualquer componente intracraniano é suficiente para causar uma grande
elevação na pressão intracraniana.
A extensão da elevação da PIC decorrente do aumento do volume intracraniano é determinada pela complacência
ou compressibilidade do conteúdo intracraniano. Quando a complacência é baixa, o conteúdo é pouco compres-
sível e a PIC irá se elevar bastante mesmo que com pequenos aumentos de volume. A complacência também afeta
a elastância ou a distensibilidade da parede dos ventrículos. Quando a elastância é reduzida, a distensibilidade da
parede dos ventrículos é reduzida e, portanto, mais rígida. Conseqüentemente, haverá uma maior variação de pres-
são para uma mudança de volume. Se um cateter estiver inserido dentro de um dos ventrículos laterais, esta com-
placência poderá ser avaliada pela injeção cuidadosa de 1 ml de solução salina isotônica e subseqüente verificação
da variação de pressão. Se a elevação de pressão for maior que 5 mmHg, então o paciente está numa fase avançada
à direita da curva pressão-volume intracraniano, de baixa complacência e sem mais capacidade de compensação.
O volume de sangue contido dentro dos seios venosos é reduzido a um mínimo como parte do processo de com-
pensação. Entretanto, se o fluxo livre de sangue venoso for impedido, mesmo que por algumas razões corriqueiras
(tosse, aumento da pressão intratorácica, veias jugulares obstruídas), este aumento no volume de sangue venoso
num cérebro criticamente inchado irá levar a um rápido aumento na PIC. Na prática é imperativo assegurar que
estes pacientes mantenham a cabeceira da cama elevada a 30º e a cabeça seja mantida numa posição neutra. Isto
melhora a drenagem venosa sem interferência significativa da pressão arterial. A drenagem venosa é passiva e ma-
ximizada se garantida que nenhuma interferência existe no fluxo livre através das jugulares.
PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL
A pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pres-
são venosa jugular (PVJ). Como esta última é difícil de ser medida e é influenciada pela PIC, a PVJ geralmente é
substituída pela PIC na avaliação da PPC. A PAM é a pressão arterial diastólica mais um terço da pressão de pulso
(diferença entre a pressão sistólica e diastólica). A PAM então está entre as pressões diastólica e sistólica, mais pró-
xima da diastólica. Ela é usada como uma estimativa da “cabeça de pressão” que perfunde o cérebro.
PPC = PAM – PIC
A PPC normal é de cerca de 80 mmHg, mas quando reduzida abaixo de 50-60 mmHg aparecem sinais evidentes de
isquemia e atividade elétrica reduzida. Existem alguns estudos em pacientes com trauma craniencefálico (TCE) que
mostram um aumento da mortalidade ou de seqüelas neurológicas quando a PPC cai abaixo de 60 mmHg. A moni-
toração da saturação do bulbo jugular (SjO 2) pode ser usada para avaliar a adequação do fluxo sanguíneo cerebral
(FSC). A SjO2 é a saturação venosa do sangue que deixa o cérebro na base do crânio e sua variação normal é entre
55-75%. Se o FSC está diminuído abaixo de um nível crítico, o sangue venoso que deixa o cérebro irá demonstrar
também uma diminuição na SjO2. Mais especificamente, quando a PPC é inadequada para o consumo de oxigênio
cerebral, a SjO2 cai demonstrando uma maior extração de oxigênio pelo cérebro.
FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL
O cérebro recebe aproximadamente 750 ml/min de sangue arterial ou cerca de 15% do total do débito cardíaco em
repouso, e tem cerca de 20% do consumo de oxigênio corporal. Sob condições normais, este suprimento sanguíneo
permanece relativamente constante.
O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é definido como o volume de sangue que circula através da circulação cerebral
num determinado tempo. Uma vez determinado o FSC, é possível calcular a oferta e o consumo de oxigênio ce-
rebral a partir do conteúdo de oxigênio arterial e venoso. O FSC normal é de 50-60 ml/100 g/min, variando desde
20 ml/100 g/min na substância branca até 70 ml/100 g/min em algumas áreas da substância cinzenta (figura 3).

5
Crianças entre 2 e 4 anos têm fluxos mais altos, ao redor de 100-110 ml/100 g/min, e que se “normalizam” ao longo
da adolescência. Se o FSC cair, ocorrerá primeiro uma diminuição da função neuronal e, posteriormente, lesão ir-
reversível. Se, entretanto, o FSC se elevar acima de limites fisiológicos, edema cerebral e áreas de hemorragia podem
aparecer. Desta forma, o FSC deve ser mantido dentro de valores normais apesar das flutuações da PPC.

Fig. 3. Fluxo sanguíneo cerebral normal e seus limites funcionais.

De acordo com a lei de Ohm, o fluxo é diretamente relacionado com a pressão de perfusão e inversamente rela-
cionado com a resistência cerebrovascular. Os principais vasos de resistência cerebral são as pequenas artérias e as
arteríolas, as quais são capazes de alterar em até 300% seu diâmetro normal. O FSC é mantido e regulado pelas
variáveis presentes na lei de Poiseuille, a qual relaciona o fluxo fisiológico com as variáveis do sistema cerebrovas-
cular:
Q = ∆ P π r4 / 8 λ η
Desta forma, o fluxo (FSC ou Q) é diretamente proporcional ao gradiente de pressão (∆P ou PPC) e à quarta po-
tência do raio dos vasos de resistência (r 4), e inversamente proporcional ao comprimento da árvore vascular ( λ) e à
viscosidade do sangue ( η). A viscosidade é primariamente afetada pelo hematócrito. Uma boa oferta de oxigênio
(equilíbrio entre conteúdo arterial de oxigênio e uma adequada reologia) parece ocorrer com um hematócrito entre
30 a 34%. Quando a resistência e o hematócrito estão estáveis, a PPC (PAM - PIC) é o estímulo primário para as
alterações de auto-regulação, mediada principalmente pelos vasos de resistência.
Em pacientes com uma lesão intracraniana, essencialmente três padrões de fluxo podem ser vistos: hiperêmico,
normal e oligoêmico. Hiperemia pode causar edema na área envolvida e predispor a sangramento. Também pode
causar isquemia de áreas adjacentes pelo fenômeno de roubo do fluxo. Oligoemia aumenta a vulnerabilidade da
área envolvida à isquemia.
O consumo de oxigênio pelo encéfalo é de aproximadamente 35% da oferta de oxigênio. Em pacientes com SaO 2
normal, isso acarreta uma SjO2 normal de cerca de 65%. Sob circunstâncias normais, 30 a 40% do oxigênio consu-
mido pelo cérebro é necessário para manutenção da sua integridade celular, enquanto o restante é utilizado para
realizar trabalho eletrofisiológico (figura 3). A energia necessária para a manutenção da integridade celular do neu-
rônio é diretamente relacionada à temperatura cerebral (figura 4). Em geral, um declínio de 10º C está associado
a uma queda na taxa de consumo de oxigênio cerebral em 50% (isto significa um Q10 de 2, ou seja, a mudança no

6
consumo de oxigênio associada com a alteração na temperatura cerebral). Na prática clínica, isso significa que a
depressão metabólica produzida pela hipotermia pode fornecer alguma proteção cerebral em pacientes adequa-
damente selecionados. Da mesma forma, uma elevação na temperatura pode aumentar o risco de lesão cerebral
permanente.

Modificações no nível de atividade elétrica do cérebro também alteram o consumo de oxigênio (figura 4).
Depressão profunda da atividade, como a produzida por doses elevadas de barbitúricos ou benzodiazepínicos,
suficiente para gerar eletroencefalogramas com atividade suprimida, podem diminuir até a metade o consumo de
oxigênio. Pelo contrário, agitação psicomotora e crises convulsivas aumentam bastante o consumo de oxigênio
cerebral. A diminuição da taxa metabólica pode fornecer proteção contra a injúria isquêmica, enquanto o aumento
da taxa metabólica pode precipitar isquemia se o paciente não for capaz de aumentar o fluxo sanguíneo cerebral
para satisfazer o aumento adicional de demanda metabólica.

Fig. 4. Efeitos da atividade cerebral e da temperatura sobre o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral.

AUTO-REGULAÇÃO
O FSC é mantido num nível relativamente constante, mesmo frente às flutuações normais na PAM, pelo mecanismo
de auto-regulação. Este é um mecanismo vascular fisiológico de vasoconstrição e vasodilatação, ainda dependendo
de uma melhor compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos intrínsecos. Uma queda da PPC é compensada
com vasodilatação, assim como uma elevação da PPC é compensada por vasoconstrição, dentro de limites fisioló-
gicos. Estes ajustes são regulados principalmente pela demanda metabólica, pela inervação simpática e parassimpá-
tica e pela concentração de algumas substâncias como adenosina, óxido nítrico, PaO2 e PaCO2.
Normalmente, a auto-regulação mantém o FSC normal entre uma PAM de 60 a 140 mmHg. O FSC normal de 50-
60 ml/100 g/min a uma PAM de 80-100 mmHg pode ser mantido às custas de vasodilatação (quando a PAM cai até
o limite de 60 mmHg) ou vasoconstrição arteriolar cerebral (quando a PAM se eleva até o limite de 150 mmHg), o
que protege o cérebro de isquemia ou hiperemia, apesar das flutuações fisiológicas da PPC (figura 5). Nos pacientes
com hipertensão arterial crônica, tanto os limites inferiores quanto superiores são mais elevados. Nesta situação,
o uso agressivo de anti-hipertensivos pode diminuir a PAM para valores “normais”, mas abaixo da capacidade de
auto-regulação destes pacientes, podendo comprometer significativamente o FSC.
Pacientes com TCE, isquemia cerebral ou agentes vasodilatadores (anestésicos voláteis, nitroprussiato de sódio) po-
dem ter diminuição ou perda da auto-regulação cerebral. Neste caso, o FSC torna-se dependente da PAM. Então,
se a PAM se eleva, o FSC também se eleva e pode causar um aumento no volume cerebral. Se a PAM cai, o FSC
também diminui, reduzindo a PIC, mas podendo acarretar isquemia e necrose (figura 5).

7
Fig. 5. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente.

Uma queda na PAM ou na PPC também pode ser deletéria em pacientes com TCE, mesmo com preservação da
auto-regulação. A isquemia decorrente da queda da PPC elicita uma vasodilatação como resposta auto-regulatória.
Se o encéfalo estiver sem complacência, isto acarreta uma elevação da PIC e maior queda da PPC, acentuando a
isquemia e a hipertensão intracraniana. Esta seqüência de eventos é chamada de cascata isquêmica ou vasodilata-
tória e contribui significativamente para injúria neurológica secundária por isquemia (figura 6). A forma de corrigir
estes eventos deletérios é elevar a PPC ou qualquer outro estímulo primário para a vasodilatação.

Fig. 6. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente.

ACOPLAMENTO METABÓLICO

Acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio da oferta e demanda de oxigênio e glicose cerebrais. Normalmente,
estas funções estão intimamente relacionadas e se alteram proporcionalmente. Durante a ativação cortical, o au-
mento no consumo de oxigênio e de glicose é compensado por um aumento concomitante no FSC regional (figura
4). O contrário ocorre durante sedação, anestesia e hipotermia.
Vários mediadores têm sido imputados na mediação entre consumo e demanda metabólica. Os principais vasodi-
latadores são o íon hidrogênio, o ácido lático, a concentração extracelular de potássio, a prostaciclina, a adenosina
como produto de degradação do ATP e o óxido nítrico. O tromboxane A 2 é um importante vasoconstritor.

8
DIÓXIDO DE CARBONO
O dióxido de carbono (CO 2) causa vasodilatação cerebral. O aumento da PaCO 2 causa vasodilatação arte-
riolar cerebral, aumento do FSC e pode elevar a PIC (figura 7). O contrário ocorre com a diminuição da
PaCO 2 e a conseqüente vasoconstrição arteriolar ce rebral. Desta maneira, hiperventilação pode levar a uma
redução na PIC, mas às custas de uma diminuição no FSC e de um potencial de isquemia cerebral. O FSC
é diretamente proporcional à PaCO 2 entre 20 e 80 mmHg. Dentro destes limites, uma variação de 1 mmHg
na PaCO 2 se acompanha de uma variação de 1 a 3 % no FSC. Uma boa regra prática diz que uma elevação
da PaCO 2 de 40 para 80 mmHg duplica o FSC e, uma queda da PaCO 2 de 40 para 20 mmHg, diminui para
a metade o FSC.
O efeito de vasodilatação ou vasoconstrição parece ser mediado pela concentração do H + na parede da
arteríola cerebral. Portanto, a vasoconstrição hipocápnica aguda dura apenas algumas horas. Quando a
hipocapnia é mantida por mais tempo, existe uma gradual correção do pH sérico e um retorno do FSC aos
valores normais. Se a PaCO 2 for “normalizada” agudamente após algumas horas, isso poderá levar a hipe-
remia cerebral e aumento da PIC.
OXIGÊNIO
Valores muito baixos da PaO 2 também podem ter profundos efeitos no FSC (figura 7). Quando a PaO 2
cai
abaixo de 50 mmHg, existe um rápido aumento no FSC e no volume de sangue intracraniano por vasodila-
tação. V alores muito altos de PaO 2, geralmente acima de 300 mmHg, podem acarretar vasoconstrição.
Hipóxia cerebral é um sério risco em pacientes hipoxêmicos, principalmente quando a PaO 2 é menor que 50
mmHg, devido à diminuição na oferta de oxigênio cerebral, mas também por causa da marcante vasodila-
tação. Vasodilatação cerebral põe o cérebro em risco adicional por duas razões. Primeiro, a vasodilatação
leva a hiperemia e predispõe ao edema cerebral nas áreas lesadas e também nas regiões normais. Segundo,
o aumento no FSC e no volume cerebral eleva a PIC e pode diminuir significativamente a PPC, causando
isquemia cerebral global e lesão neuronal secundária.

Fig. 7. Relação entre o FSC e a PaCO 2 e a PaO2.

Em muitos pacientes com doença neurológica grave, o prognóstico neurológico a longo prazo pode depender criti-
camente da adequação do FSC global ou regional. O progresso da monitoração neurológica e o desenvolvimento
recente de tratamentos eficientes somente estão se tornando realidade devido ao conhecimento fisiológico e fisiopa-
tológico bem caracterizado das últimas décadas.

9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Rossberg MI et al: Principles of cerebroprotection. In: Murray MJ et al. Critical care medicine: perioperative
management. 2. ed. Philadelphia: Lippincott: Williams & Wilkins, 2002. 225-235p.
2. Prough DS, Rogers AT. Physiology and pharmacology of cerebral blood flow and metabolism. In: Prough DS.
Crit Care Clinics 1989;5:713-28.
3. Castillo MA. Monitoring neurologic patients in intensive care. Curr Opin Crit Care 2001;7:49-60.
4. Stávale MA. Hemodinâmica encefálica na hipertensão intracraniana. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva
neurológica. São Paulo: Santos, 1996. 1-12p.
5. Ullman JS. Cerebrovascular pathophysiology and monitoring in the neurosurgical intensive care unit. In: An-
drews BT (ed.) Intensive care in neurosurgery. New York: Thieme, 2003. 29-46p.
6. Marshall WK, Arancibia CU, Williams CL. Monitoring intracranial pressure. In: Lake C, Hines RL, Blitt CD.
Clinical monitoring: practical applications for anesthesia and critical care . New York: W.B. Saunders Company,
2001. 103-117p.
7. Mizumoto N. Regulação do fluxo sanguíneo cerebral. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São
Paulo: Santos, 1996. 1-12p.
8. Power I, Kam P. Physiology of the nervous system. In: Power I, Kam P.Principles of physiology for the anaesthe-
tist. London: Arnold Publishers, 2001. 33-62p.
9. Robertson C. Management of Cerebral Perfusion Pressure after Traumatic Brain Injury. Anesthesiology 2001;
95(6):1513-1517.

10
Capítulo 3

ABC e cuidados básicos do paciente neurológico


OBJETIVOS
1. ABC (Recomendações do ATLS, ACLS e FCCS)
2. Controle de sangramentos
3. Profilaxia da TVP, da Úlcera de Pressão e da Úlcera de Stress
4. Hidratação e Nutrição
5. Distúrbios ácido-básicos e hidroeletrolíticos
6. Sondas e cateteres
7. Alterações Cardiovasculares do Paciente Neurocrítico

I. INTRODUÇÃO
O paciente portador de lesão neurológica grave requer um tratamento minucioso. O resultado positivo depende de
uma série de detalhes. A antecipação e o diagnóstico precoce constituem medidas fundamentais e devem nortear a
atitude dos médicos envolvidos no tratamento deste grupo de pacientes. A extrema dependência da atenção e dos
cuidados externos tornam o paciente vulnerável a várias complicações clínicas. A equipe envolvida no tratamento
deve se antecipar e instituir medidas de profilaxia e manter um monitoramento constante para o diagnóstico pre-
coce das complicações mais prováveis.
Podemos afirmar que os cuidados básicos com o paciente neurológico constituem parte fundamental do tratamen-
to. A prescrição médica de um paciente com quadro grave corrobora esta afirmação. Pelo menos um terço dos itens
estão voltados para orientações posturais e cuidados básicos. A equipe de atendimento deve estar preparada para
receber o paciente portador de lesão neurológica. As diretrizes devem ser de conhecimento de todos e implantadas
após discussão ampla.
Os cuidados básicos começam na sala de emergência com a adoção das diretrizes e recomendações do ATLS, ACLS
e FCCS. Merecem destaque especial os itens:
• Manutenção das vias aéreas

• Ventilação e oxigenação
• Acesso venoso e controle de sangramentos

Não podem no
observados ocorrer rupturas
transporte do no tratamento
paciente dentroe os
docuidados
hospital ebásicos
preparodevem continuar
do leito na UTInadevem
UTI. Os critérios
estar e cuidados
padronizados. A
imobilização, a ventilação mecânica prolongada, as alterações nutricionais, as infecções e a presença de diferentes
cateteres, comumente presentes no paciente grave, são os maiores responsáveis pelas diversas complicações clínicas.
Desta forma devemos agir de forma vigorosa na profilaxia de certas condições:
• Mobilização passiva precoce

• Trombose venosa profunda

11
• Úlceras de decúbito ou pressão

• Úlceras de “Stress”

• Sondas e cateteres

• Desidratação

• Desnutrição

• Distúrbios hidroeletróliticos e ácido-básicos

As diretrizes do atendimento inicial visam manter a perfusão e oxigenação adequados e evitar as lesões secundárias.
O conhecimento das técnicas e ações é fundamental. A seguir, descreveremos, sucintamente, as medidas de atendi-
mento inicial, já que elas são mais amplamente discutidas em protocolos básicos como ATLS, ACLS e FCCS.
II. ABC (MANUTENÇÃO DAS VIAS AÉREAS, VM E ACESSO VENOSO)
Manutenção das vias aéreas
As técnicas e dificuldades do processo de entubação não são o objetivo primário desse curso. Como já foi dito, o
CITIN segue, e recomenda, nesse aspecto, as normas do FCCS e detalhes das técnicas estão expostos no anexo.
Diferentes formas de acesso podem ser utilizadas, tais como:
• Tubo orotraqueal
• Tubo nasotraqueal
• Cricotiroidomia

• Traqueostomia

A escolha sobre a via a ser utilizada dependerá de vários fatores: urgência do procedimento, material disponível,
experiência profissional e o tempo disponível para o estabelecimento de uma via aérea segura.
Ventilação e oxigenação
Não temos como objetivo nesse curso abordar a ventilação mecânica (VM), apenas ressaltar alguns pontos impor-
tantes em relação à ventilação do paciente neurocrítico. Existem basicamente duas situações; a primeira, relaciona-
da aos pacientes em pós-operatório de neurocirurgia eletiva, que geralmente são ventilados por curtos períodos de
tempo, de maneira simples sendo rapidamente desmamados e extubados. Em segundo lugar está o manejo ventila-
tório do paciente mais grave, onde se deve dar atenção às seguintes recomendações:
1. Manter ventilação e oxigenação adequados, mantendo saturação arterial de oxigênio sempre acima de 92% -
94%.
2. Atentar para o fato que a VM interfere de modo direto na pressão intracraniana e conseqüentemente na PPC,
pois com a variação do pH extra-celular e da pressão parcial arterial de CO 2 (PaCO2) ocorre o controle do flu-
xo sanguíneo cerebral. A acidose decorrente da hipercapnia acarreta hiperfluxo cerebral, levando a hipertensão
intracraniana, já a alcalose respiratória acarreta a vasoconstrição cerebral devido à hipocapnia. Sendo assim, a
recomendação é de manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg, pois o hipofluxo cerebral acarretado pela hipocapnia
pode levar a piora da isquemia cerebral, inclusive perfusão de luxo, que ocorre quando o fluxo sanguíneo é direcio-
nado para as áreas isquêmicas devido a vasoconstrição da região saudável. A hiperventilação mantida, objetivando
hipocapnia, está contraindicada pelo risco de isquemia e porque, após cerca de 12 horas ocorre reequilíbrio do pH
perivascular, apesar da hipocapnia. Existe apenas um momento em que a hiperventilação se faz necessária, que
ocorre quando há sinais de hipertensão intracraniana e o provável tratamento cirúrgico e definitivo da causa básica
está planejado ou próximo a ser iniciado. Nessa situação, a hiperventilação com manutenção da PaCO2 em torno

12
de 30 mmHg ou até um pouco mais baixa pode ser utilizada emergencialmente, sendo desmamada gradativamente
assim que possível. O CITIN, nessas raras situações, preconiza a hiperventilação otimizada, com cateter de bulbo
da jugular instalado. Podemos levar a PaCO2 para 30 mmHg ou um pouco menos, desde que a saturação venosa
do bulbo da jugular (SjO 2) se mantenha em seus valores normais, entre 55% e 65%. O objetivo desse controle rigo-
roso é evitar que a hipocapnia, que inequivocamente diminui a PIC, leve a quedas indesejáveis do FSC. Portanto,
o CITIN não admitirá reduções da PIC às custas de diminuição exagerada do FSC, hipofluxo e piora da perfusão
cerebral de nossos pacientes.
3. Atentar para as lesões derivadas da VM, lesão pulmonar aguda e SARA. Evitar ventilar o paciente com altas
pressões de plateau, iniciando a ventilação por uma a duas horas com “baixos” volumes correntes (6 ml/kg peso),
de tal maneira a manter a pressão de plateau < 30 cmH2O. A seguir, se a complacência pulmonar permitir, volumes
correntes mais altos (8 a 10 ml/kg) serão permitidos se a pressão de plateau se mantiver < 30 cmH O. Uma PEEP
2
mínima de 5 cmH 2O deve ser ajustada no início da VM para prevenir colapso alveolar no fim da expiração. Alguns
“experts” titulam a melhor PEEP à beira-do-leito baseada na curva PV ou no método da melhor complacência.
Iniciar a VM com fração inspirada de oxigênio de 100% e ir diminuindo progressivamente até 40% para manter a
SaO2 acima de 92%-94%.
4. Evitar que o paciente “brigue” com o ventilador, o que pode causar elevações abruptas da pressão intracraniana,
fazendo uso da sedação, de acordo com protocolos pré-determinados de seu hospital; a intensidade da sedação
deve ser avaliada de acordo com escalas de sedação. Tanto sedação em “bolus” quanto infusão contínua podem
ser utilizadas, com interrupção ou diminuição da intensidade da sedação diária para avaliação neurológica e, se
necessário, re-titulação da dose (ver capítulo de sedação/analgesia). O bloqueio neuromuscular deve ser evitado,
mas quando necessário deve ser preferido seu uso intermitente.
5. Sempre que possível manter o trabalho da musculatura respiratória, utilizando os modos assistidos, como a
pressão de suporte (PSV), pois tanto a utilização de ventilação mecânica prolongada associada a bloqueio muscu-
lar, quanto o catabolismo celular elevado, levam a atrofia muscular precoce, dificultando o desmame ventilatório,
perpetuando o suporte ventilatório e aumentando o risco de infecções.
6. Em casos de falência neuromuscular, o suporte ventilatório é especial e será comentado em outro capítulo.
É importante lembrar que em situações de agitação psico-motora deve-se identificar e tratar a causa básica da agi-
tação, evitar sedar o paciente em demasia, pois isso dificulta o exame neurológico. Sempre aventar a possibilidade
de traqueostomia precoce. Quando do momento da retirada do suporte ventilatório, certificar que as condições
que levaram à utilização da VM estejam resolvidas, e que existe adequado nível de consciência para a extubação,
boa força muscular, ausência de distúrbios hidroeletrolíticos e estado nutricional satisfatório. Realizar o desmame
gradativamente, sempre atentando para sinais de fadiga do paciente.
Acesso venoso
O acesso venoso inicial deve ser obtido, de preferência, por duas veias periféricas de bom calibre, enquanto se ava-
liam as indicações e contra-indicações do acesso venoso profundo. Idealmente, puncionam-se duas veias calibrosas,
de preferência em membros superiores, para rápida reposição volêmica e hidroeletrolítica, administração de trom-
bolítico e demais medicações inerentes à patologia.

Veias Profundas
Os pacientes neuro-críticos caracteristicamente permanecem muitos dias internados, apresentam com freqüência
instabilidade hemodinâmica que leva ao uso vasopressores e drogas inotrópicas, hidratação vigorosa e monitoração
da pressão venosa central para manter normovolemia. Portanto, o acesso venoso profundo é a linha de infusão
preferencial. O CITIN recomenda apenas três opções: veia subclávia, veia jugular interna e veia femoral.
As principais contra-indicações de punção de veia central são: intenção de administrar trombolítico, distúrbios de
coagulação, durante a reanimação cárdio-respiratória, infecção ou queimadura no local de punção, e recusa do

13
paciente. A escolha do local de punção depende da experiência do operador, futuro uso da veia jugular para moni-
toração da saturação venosa de oxigênio do bulbo jugular (SjO2), predição de complicações em determinados sítios
de punção, e uso de colar cervical. As complicações são freqüentes: punção arterial inadvertida, sangramento no
local de punção, pneumotórax, perfuração de traquéia, punção acidental do ducto torácico, embolia gasosa, mau
posicionamento do cateter, formação de trombos, e infecção do cateter. O pneumotórax é mais freqüente na catete-
rização da veia subclávia (<5%) do que da veia jugular interna (<2%), sendo as técnicas supraclavicular e posterior
menos relacionadas a complicações, respectivamente.
III. CONTROLE DE SANGRAMENTO
O paciente portador de doença cérebro-vascular aguda apresenta freqüentemente distúrbios de coagulação, che-
gando a 10% nos casos de hemorragia intracraniana. Alguns aspectos podem ser ressaltados no que tange ao con-
trole e prevenção de sangramentos, levando em conta a gravidade do doente em questão:
1. Uso prévio de anticoagulantes:
Pacientes em uso de cumarínico e que apresentem doença cerebral isquêmica de pequena monta podem ser obser-
vados caso o INR esteja em torno de 3,5. Acima deste valor, considerar administração de vitamina K intravenosa
10 mg em infusão lenta e, se houver urgência, plasma fresco congelado na dose de 5-8 ml/Kg.
O uso de cumarínico em doentes com evento cerebral hemorrágico ou isquemia volumosa e INR > 1,5 demanda
reversão imediata da anticoagulação com plasma fresco congelado na dose já citada.
As heparinas não-fracionadas podem ter seu efeito revertido com Protamina, sendo que 1 mg desta reverte 100 UI
de Heparina; lembrando que após 1 hora sem infusão da droga em pacientes com metabolização renal preservada,
apenas uma pequena fração da droga estará ativa, fato que deve ser considerado. As heparinas fracionadas não são
facilmente antagonizadas com Protamina e possuem meia-vida bem mais elevada que seu antídoto. Caso necessário
pode-se administrar plasma fresco congelado. Levar em conta também o tipo de evento cerebral, conforme já foi
citado para os cumarínicos.
2. Recomendações para a utilização de plasma fresco congelado:
• Reversão urgente dos efeitos cumarínicos na dose já citada

•Correção de sangramentos microvasculares associados à tempo de protrombina ou tempo de tromboplastina


maior que 1,5 vezes o normal com administração de 10-15 ml/Kg.
3. Recomendações para terapia com concentrado de plaquetas:
• Transfusão profilática é inefetiva e raramente indicada em casos de destruição aumentada de plaquetas como
acontece na Púrpura Trombocitopênica Idopática.
• Concentrado de plaquetas deve ser obrigatoriamente administrado quando a contagem plaquetária for < 5.000/
mm3, independente da presença ou não de sangramento; com contagens entre 5.000 e 30.000/mm 3 e risco de san-
gramento presente, a transfusão plaquetária deve ser considerada; procedimentos que cursam com sangramentos
insignificantes podem ser realizados com contagem plaquetária de 50.000/mm3 ou maior.

• Antes de cirurgia neurológica, deve-se alcançar níveis acima de 100.000 plaquetas/mm 3. A dose usual é de um
concentrado para cada 10 Kg de peso do doente.
• Contagem plaquetária aparentemente normal não contra-indica transfusão, caso se suspeite de disfunção plaque-
tária ou haja sangramento microvascular.
IV. TROMBOSE VENOSA PROFUNDA
As recomendações da Sociedade de Cirurgia Vascular, apoiada em estudos multicêntricos, são a base para as orien-

14
tações do tratamento dos pacientes neurológicos. A indicação da profilaxia nos pacientes com lesões isquêmicas
está bem estabelecida, porém em portadores de hemorragias ou no pós-operatório recente de neurocirurgia, a indi-
cação deve ser estudada em cada caso.
As principais complicações da TVP são tromboembolismo pulmonar (TEP) e a síndrome pós-TVP, onde a recanali-
zação incompleta do trombo junto ao plano valvar do sistema venoso profundo causa estase venosa e insuficiência
valvar.
Nos Estados Unidos, a TVP acomete mais de dois milhões de americanos/ano, e 600.000 desenvolvem TEP, com
óbito em 8 a 10% dos casos na primeira hora do evento. A TVP recorre em 30 % dos pacientes até 8 anos do primei-
ro evento e os que evoluem com hipertensão pulmonar terão prognóstico mais reservado.

A profilaxia
70% a 80 % dadosTVP é a sendo
casos, melhorraras
formaas de prevenção do
complicações TEP. QuandoOadequada,
hemorrágicas. fato de suareduz o riscoser
incidência de TVP e TEP em
subestimada (a
maioria é assintomática), dúvidas quanto à eficácia e medo de sangramento são fatores que contribuem para sua
subutilização.
Profilaxia
A profilaxia da TVP pode ser realizada por medidas não-farmacológicas, farmacológicas ou ambas. Vários fatores
de risco, clínicos ou cirúrgicos, para TVP, foram identificados e temos proposto que se atribua a cada um deles um
peso diferenciado. Como mostrado na tabela I, cada fator de risco recebe uma pontuação, cuja somatória deve ser
aplicada à tabela III. O paciente é classificado de risco baixo quando a soma desta pontuação for menor ou igual
a 1, risco moderado, quando entre 2 e 4, e de risco alto quando acima de 4 pontos. A profilaxia será realizada de
forma individualizada conforme o risco encontrado. Quanto mais fatores de risco estiverem presentes, maior será a
estratificação do risco do paciente e, portanto mais intensa a profilaxia.
Tabela I: Trombose venosa profunda: fatores predisponentes

FATORES
01.Idade40 DERISCO
≥anos 01PONTOS 15.IAMFATORES
complicado DERISCO 02 PONTOS
02.
Idade
anos
60≥ 02 16.
AVCI 02
03.Tabagismo 01 17.AntecedenteTVP/TEP 02
04.Obesidade 01 18.Edema,varizes,úlceraMMII 01
05.Estrógenosouanticoncepcionais 01 19.Diabetemellitus 01
Neoplasia
06. 02 ICC
20. 02
07.Gravidezepuerpério 01 21.HistóriafamiliarTVP/TEP 02
08.Imobilização 02 22.Cirurgiadegrandeportenosúltimos6meses 01
09.DeficiênciaproteínasC,S,AT-III 01 23.Queimadurasextensas 02
10.Síndromenefrótica 01 24.Anticorpoantifosfolípide 02
11.
Policitemia 02 25.
Infecções 01
12.Doençaauto-imune 01 26.Cirurgiageral≤60min 01
13.Leucenias 02 27.Cirurgiageral>60min 02
14. IAM não complicado 01 28. Cirurgias do quadril, joelhos, prótese, fraturas 04
osso longo ou múltiplas, politrauma

TOTAL DE PONTOS = ............(aplique na tabela III)


Weinmann et al classificam os pacientes em três níveis de risco: 1. Baixo risco; 2. Risco moderado e 3. Risco alto,
conforme a incidência de TVP e TEP naqueles não submetidos a profilaxia da TVP (tabela II). Nessa tabela foi
adaptada a pontuação do paciente conforme o seu risco.

15
TABELA II: Risco de evento tromboembólico sem profilaxia

Risco Baixo Risco Moderado Risco alto


( ≤ 1 ponto) (2-4 pontos) (> 4 pontos)
TVP
distal
(%) 2 40–10 80–40
TVP
proximal
(%) 0,4 8–2 20
10

TEPsintomático(%) 0,2 8–1 10
–5
TEP
fatal
(%) 0,002 0,4
0,1
- 5–1
(modificado de Weinmann et al.)
Um indivíduo com menos de 40 anos submetido a ato operatório com duração de 60 min. e sem nenhum outro fa-
tor de risco é classificado como de risco baixo. Entretanto, se a idade for maior do que 40 anos e o tempo cirúrgico
acima de 60 min, o risco será moderado. Conforme a tabela III, a profilaxia para os diversos níveis de risco deve
ser diferenciada. No primeiro exemplo, o paciente deveria ser submetido a profilaxia não-farmacológica (meias
elásticas e deambulação precoce); no segundo, à profilaxia farmacológica (heparina de baixo peso molecular ou a
não fracionada), além das meias elásticas e deambulação.

TABELA III: Profilaxia conforme o número de pontos

Risco Baixo ( ≤ 1 ponto) Risco moderado (2-4 pontos) Risco alto (> 4 pontos)
Não Farmacológica: Nadroparina: 0,3 ml SC (1x/dia) Nadroparina: 0,6 ml SC (1x/dia)
realizar movimentação ativa Enoxaparina: 20 mg SC (1x/dia) Enoxaparina: 40 mg (1x/dia)
dos membros inferiores, deam- Heparina: 5.000 UI SC (2x/dia) Heparina: 5.000 UI SC (3x/dia)
bulação precoce, uso de meias
elásticas de média compressão
até a coxa ou compressão pneu-

mática intermitente. Devem-se


cológicas. associar as medidas não-farma- Devem-se associar as medidas não-
farmacológicas.
Nadroparina = Fraxiparina ®; Enoxaparina = Clexane ®; Heparina-Liquemine ®
As principais contra-indicações para a profilaxia farmacológica são sangramento ativo e os distúrbios hemorrági-
cos graves (congênito ou adquirido).
Profilaxia não-farmacológica
Meias elásticas: as de compressão gradual aumentam em 36% a velocidade de fluxo da veia femoral. É a primeira
medida a ser adotada além de deambulação precoce. Compressão pneumática intermitente dos membros inferio-
res: a insuflação seqüencial de cuffs do tornozelo à coxa aumenta em 240% a velocidade de fluxo na veia femoral e
também a atividade fibrinolítica endógena.
Filtro de veia cava inferior: indicado quando a profilaxia farmacológica não pode ser realizada (p. ex. sangramento
ativo), na vigência de alto risco de TEP. Complicações: migração do filtro, estase venosa crônica e TEP através de
vasos colaterais. Filtros especiais para uso temporário (duração de até 14 dias), com retirada após comprovação de
ausência de trombo, é outra opção profilática.
Profilaxia farmacológica
Heparina não fracionada (HNF) (Liquemine®): polissacáride extraído da mucosa intestinal de porco ou de pul-
mão bovino. Interage com a antitrombina III inativando os fatores da coagulação XIIa, Xla, Ixa, Xa e IIa (trom-
bina). Heparina de baixo peso molecular (HBPM) (Nadroparina-Fraxiparina®), (Enoxaparina-Clexane®): obtida
pela despolimeração da heparina, tem maior capacidade em inibir o fator Xa. Em relação à HNF, tem maiores
biodisponibilidade e meia-vida plamática além de determinar menor incidência de plaquetopenia. O Dextran 40

16
reduz a adesividade e a agregação plaquetárias quando utilizado nas doses de 500 ml EV durante 6 e 24 horas e
mantido por alguns dias.
Em resumo, a profilaxia deve ser realizada em todo paciente de risco. Procure estratificar este risco para que a pro-
filaxia seja a mais adequada possível. Não subestime o risco de seu paciente.
Recomendações especiais
Nas cirurgias neurológicas de grande porte recomenda-se a compressão pneumática intermitente ou as doses in-
dicadas para a profilaxia de risco moderado. Durante a internação, manter a profilaxia farmacológica enquanto
persistirem os fatores de risco. Iniciar a não-farmacológica quando o paciente deambular ou retornar às atividades
normais. Após a alta hospitalar, tomar as seguintes medidas: (1) manter a profilaxia farmacológica (3 a 4 semanas)

nos pacientes
vidades de alto risco e (2) não-farmacológica (3 a 4 semanas) nos de baixo risco até retornarem às suas ati-
normais.
Nos portadores de cateteres centrais, a prevenção da trombose da veia subclávia-auxiliar poderá ser feita com war-
farin (Marevan®) 1 mg/dia. Nas obstruções de cateteres venosos, utilizar o fibrinolítico uroquinase (Abbokinase
Open-Cath®), na dose de 5.000 UI, injetadas dentro do cateter. Aspirar após 30 min e repetir a dose caso não tenha
havido sucesso.
No trauma medular, a incidência de TVP é maior nas duas primeiras semanas e rara após o terceiro mês. Utilizar
HNF ou HBPM (pelo menos três meses) associada às medidas não-farmacológicas. A profilaxia deve ser realizada
também nos pacientes domiciliares. O risco deve alguma forma ser estratificado.
V. ÚLCERAS DE DECÚBITO OU PRESSÃO
Pessoas que não conseguem se movimentar e ficam acamadas ou sentadas por muito tempo, na mesma posição,
podem apresentar feridas conhecidas por escaras ou úlcera de pressão. Estas feridas podem ocorrer em qualquer
parte do corpo onde haja saliência óssea, mas são mais comuns nas nádegas, calcanhares e nas regiões laterais da

coxa. Se o paciente
de desnutrição, não tem pode
o problema controle dos esfíncteres
se agravar. urinário
Entretanto, e fecalmedidas
algumas e apresenta, associadamente,
preventivas podem serdiferentes
usadas paragraus
di-
minuir o problema:
1. A pele deverá ser limpa no momento em que se sujar; evitar água quente e usar um sabão suave para não causar
irritação ou ressecamento da pele; a pele seca deve ser tratada com cremes hidratantes de uso comum;
2. Evitar massagens nas regiões de proeminências ósseas; ao observar eritemas, manchas roxas ou bolhas, prestar
atenção, pois estes sinais indicam o início da escara e a massagem vai causar mais danos;
3. Se não há controle do esfíncter urinário, usar fraldas descartáveis ou absorventes e trocar as roupas úmidas assim
que possível; o uso de pomadas neutras (como hipoglós) também ajuda a formar uma barreira contra a umidade;
4. O uso de um posicionamento adequado, o uso de técnicas corretas para transferência da cama para cadeira e
mudanças de decúbito podem diminuir as feridas causadas por fricção; o paciente precisa ser alçado ao ser movi-
mentado e, nunca, ser arrastado contra o colchão;
5. Os pacientes precisam de adequado suporte nutricional;
6. A mudança de decúbito deve ser feita pelo menos a cada duas horas, se não houver contra-indicações relaciona-
das às condições gerais do paciente; um controle horário por escrito deve ser feito para evitar esquecimentos;
7. Travesseiros ou almofadas de espuma devem ser usados para manter as proeminências ósseas (como as dos joe-
lhos) longe de contato direto uma com a outra; os calcanhares devem ser mantidos levantados da cama usando um
travesseiro debaixo da panturrilha;
8. Quando o paciente ficar na posição lateral, deve-se evitar o apoio diretamente sobre o trocanter do fêmur;

17
9. A cabeceira da cama não deve ficar muito tempo na posição elevada para não aumentar a pressão nas nádegas,
o que leva ao desenvolvimento da úlcera de pressão;
10. Se a pessoa ficar sentada em cadeira de rodas ou poltrona usar sempre uma almofada de ar, água ou gel, mas
jamias aquelas almofadas que tem um orifício no meio (roda d´água ou pneu), pois elas favorecem o aumento da
pressão e o início da ferida;
11. Usar aparelhos como o trapézio, ou o forro da cama para movimentar o paciente (ao invés de puxar ou arrastar);
lembrar que o paciente normalmente não consegue ajudar durante a transferência ou nas mudanças de posição;
12. Usar um colchão especial para redução da pressão, como colchão de ar ou colchão d’água; o colchão caixa
de ovo aumenta o conforto, mas não reduz a pressão; para os pacientes que já apresentam a úlcera de pressão, o

adequado é o uso do colchão de ar ou água;


13. Evitar que o paciente fique sentado ininterruptamente em qualquer cadeira ou cadeira de rodas; os indivíduos
que são capazes devem ser ensinados a levantar o seu peso a cada quinze minutos, aqueles que não conseguem de-
vem ser levantados por outra pessoa ou levados de volta para a cama;
14. Diariamente deve-se examinar a pele da paciente na procura de escaras iniciais; se o paciente apresentar o início
de uma escara, não deixar a pessoa sentar ou deitar sobre a região afetada e procurar descobrir a causa do proble-
ma para que não se agrave;
15. Para tratamento da úlcera, normalmente é necessária uma avaliação multiprofissional do estágio da ferida;
porém, em todos os casos, lavar somente com soro fisiológico ou água, não usar sabão, sabonete, álcool, mertiolate,
mercúrio cromo, iodo ou povidine; não deixar o paciente deitado ou sentado sobre a ferida e verificar se a equipe
multiprofissional da UTI está adotando as medidas de prevenção citadas.
VI. ÚLCERAS GÁSTRICAS E DUODENAIS DE “STRESS”
Os pacientes que se encontram em unidade de terapia intensiva apresentam elevado risco de sangramento gastro-
intestinal, principalmente aqueles com patologias encefálicas. A profilaxia dessas lesões do trato digestivo alto pode
ser não farmacológica (dieta oral precoce) e farmacológica (bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons). As
indicações de profilaxia farmacológica são: VM por insuficiência respiratória, HIC, instabilidade hemodinâmica,
distúrbios da coagulação e história pregressa de hemorragia digestiva alta. Os bloqueadores H2 são melhores que
sucralfate e são os agentes preferidos. Os inibidores da bomba de prótons não foram comparados diretamente com
os bloqueadores H2 nos pacientes neurocríticos e, portanto, sua eficácia é desconhecida. Foi, no entanto, demons-
trada uma equivalência entre as duas drogas na capacidade de aumentar o pH gástrico. Seguem algumas recomen-
dações da utilização da profilaxia de úlceras de estresse:
1. Pacientes com queda abrupta do hematócrito ou hemoglobina são mais propensos à complicação;
2. Não existe necessidade da profilaxia em pacientes com alimentação via oral;
3. Pacientes com alimentação abaixo do piloro devem realizar profilaxia;
4. Bloqueadores H2 são a droga de escolha, sendo os bloqueadores da bomba de prótons reservados para episódios
de sangramento ou como no ítem 01;
5. A ranitidina pode elevar a concentração plasmática de: amoxacilina, diltiazen, midazolan, warfarin, teofilina, e
fenitoína;
6. O omeprazol pode elevar a concentração de: ampicilina, carbamazepina, claritromicina, diazepan, fenitína e
midazolan;
7. O clearence de creatinina deve ser medido, pois interfere na concentração da ranitidina, cimetidina e famotidina.
O omeprazol não tem a concentração alterada.

18
VII. HIDRATAÇÃO E NUTRIÇÃO
O paciente neurocrítico deve ser mantido sempre com a volemia ideal, isto é, devemos evitar a desidratação, pois
ela propicia hipoperfusão cerebral, aumento do risco de vasoespasmo em determinadas situações, além de outras
complicações sistêmicas. A hidratação deve ser feita preferencialmente com cristalóides e deve ser guiada tanto pela
clínica do paciente, como pela utilização de monitoração hemodinâmica, e acompanhamento de diurese horária,
que serão melhor elucidados abaixo. A reposição volêmica do paciente neurocrítico deve começar rapidamente, não
havendo necessidade de se aguardar a internação na UTI. Devem ser usadas alíquotas de 500 a 1000 ml de cristalói-
des ou 300 a 500 ml de colóides a cada 30 minutos, repetidas ou não, com base na resposta satisfatória ou evidência
clínica de hipervolemia. O lactato sérico elevado é o melhor indicador de hipoperfusão cerebral em pacientes nor-
motensos. Durante as primeiras seis horas de reposição volêmica, os objetivos a serem alcançados são:

• PVC entre 8 e 12 mmHg e entre 12 e 15 mmHg para pacientes sob VM

• PAM > 80 mmHg

• Débito urinário ≥ 0,5 ml/kg/h

• SvO2 (veia cava superior, no cateter de PVC ou mistura venosa, no CAP) ≥ 70%
Se esses objetivos não forem alcançados em 6 horas de reposição volêmica, então deve-se transfundir concentrado
de glóbulos para atingir um hematócrito ≥ 30% e/ou infundir dobutamina até o máximo de 20 µg/kg/min até se
alcançarem os objetivos acima descritos.
A nutrição deve ser a mais precoce possível. Como o paciente neurocrítico geralmente apresenta-se com o sensório
diminuído, dá-se preferência pela via enteral, que tende a diminuir o risco de translocação bact
eriana e a possibilidade
de infecção. Em relação ao tipo de dieta utilizada, a recomendação é que se evite o uso de carboidratos em demasia,
pois isto acarreta uma produção elevada de CO 2
, interferindo grandemente no fluxo cerebral e no pH intravascular.
No mais não há maiores recomendações, pois o paciente raramente apresenta-sedesnutrido, visto que, na maioria das

vezes, nossas
infecções patologias
ou por são agudas.
complicações Porém,
da doença deem situações
base, emque
devemos ocorre
avaliar agravamento
cada do quadro
caso e a decisão clínico,
deve ser motivado por
individualizada.
VIII. DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS E HIDROELETROLÍTICOS
Os distúrbios ácido-básicos são importantes no paciente neurocrítico, porque eles modulam uma das propriedades
próprias da vasculatura cerebral, a vasoreatividade ao PaCO 2. Portanto, é muito importante que o pH seja mantido
em seus valores normais e a PaCO 2 entre 35 e 40 mmHg. Maiores detalhes no capítulo 2, Fisiologia e Metabolismo
Cerebral.
Durante a condução e evolução do paciente neurocrítico, o aparecimento de distúrbios hidroeletroíticos é freqüente
e a sua interpretação e manuseio são de grande importância.
Sódio
O sódio é o íon mais importante e fundamental na manutenção do volume intravascular. Suas variações influen-
ciam grandemente o funcionamento do sistema nervoso central e o controle da água e volumes encefálicos.

Hiponatremia
A hiponatremia é o distúrbio mais comum, sendo a hipernatremia menos freqüente.
A hiponatremia dilucional é a forma mais comum deste distúrbio, geralmente causada por diminuição da excreção
de água ou iatrogenia (excessos de infusão de volume). Suas manifestações iniciais são inespecíficas, podendo pas-
sar despercebidas por serem discretas, como delirium, confusão, sonolência, e cefaléia. Com a progressão, ocorrem
náusea, vômitos, e, de acordo com a diminuição do nível sérico, pode-se evoluir para insuficiência respiratória,
convulsão, coma e até morte por herniação cerebral. Os sinais e sintomas aparecem com Na sérico abaixo de 125

19
mEq/L, e, quanto mais rápida a queda dos valores, maior será a sintomatologia, devido à instalação de edema cere-
bral. Quando a instalação da hiponatremia é crônica, ela é melhor tolerada, e apresenta sintomas somente quando
os valores encontram-se abaixo de 110-115 mEq/L.
Outras causas importantes de hiponatremia no paciente neurocrítico são a secreção inapropriada de hormônio an-
tidiurético (SIADH) e síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS). A explicação mais tradicional para a hiponatre-
mia após lesões encefálicas é a SIADH, entretanto ela não é tão freqüente. Como a restrição hídrica é o tratamento
de escolha para SIADH e esse tratamento pode provocar vasoespasmo e produzir isquemia, o que é absolutamente
indesejável aos nossos pacientes, devemos estar atentos para fazer com precisão o diagnóstico diferencial entre
SIADH e SCPS. A CSPS é comum no paciente neurocrítico e pouco diagnosticada; seu tratamento é diametral-
mente oposto e consiste na hidratação e reposição do Na perdido. Portanto, precisamos melhorar nossa acurácia
diagnóstica e tratar corretamente nossos pacientes com hiponatremia.
A SIADH foi descrita por Schwartz e colaboradores em 1957, quando foi entendido que o ADH é um peptídeo
liberado pelo hipotálamo em resposta às alterações da osmolaridade: se a osmolaridade sérica aumenta, aumenta a
secreção de ADH e aumenta a absorção de água pelo rim; ao contrário, se diminui a osmolaridade sérica, diminui a
secreção de ADH e diminui a absorção de água pelo rim. Assim, a liberação excessiva de ADH nessa síndrome pro-
duz hiponatremia dilucional. A lesão encefálica dos nossos pacientes neurocríticos causaria, portanto, um reajuste
(“downregulation”) dos osmorreceptores, levando à liberação de ADH com níveis mais baixos de osmolaridade.
Resumindo, a SIADH é um estado hipervolêmico e seu tratamento é a restrição de líquidos.
A SCPS foi descrita por Cort em 1950. Ela é uma explicação menos tradicional para a hiponatremia de nossos
pacientes com lesão encefálica, mas provavelmente é mais freqüente que a SIADH (principalmente nas hiponatre-
mias mais tardias, que ocorrem no final da primeira semana e durante a segunda semana após a agressão ao SNC).
O peptídeo natriurético cerebral (BNP) e/ou o peptídeo natriurético atrial (ANP) aumentam sua concentração e
levam primariamente a um aumento na excreção renal de sódio, causando hiponatremia e depleção do fluido ex-
tracelular. O BNP e o ANP são hormônios primariamente excretados pela parede ventricular e atrial, mas também
podem ser secretados pelo cérebro. Em condições normais, sua secreção é estimulada por aumento do volume e/ou
da pressão das câmaras cardíacas e eles tem propriedades natriuréticas, vasodilatadoras e de inibição da aldoste-
rona. Em condições normais, o BNP não atravessa a BHE e, talvez isso aconteça na HSA e em outras condições
em que haja lesão da BHE, situações comuns em nossos pacientes neurocríticos. Resumindo, a SCPS é um estado
hipovolêmico e hipontrêmico e seu tratamento é a administração de sódio e água.
De acordo com a avaliação clínica, e para fins de abordagem terapêutica, a hiponatremia é classificada em hipo,
hiper ou normovolêmica. O tratamento se dá de acordo com a instalação do distúrbio, se é agudo e grave, com
sintomatologia importante, deve-se repor imediatamente com solução salina 3%, se a instalação é crônica ou com
sintomatologia frustra, a reposição deve ser mais lenta e guiada pela melhora dos sintomas. O importante é que a
reposição não deve ultrapassar 8-10 mEq/L/dia, e o aumento no valor de sódio sérico não deve ultrapassar 10-12
mEq/L em 24 horas, pelo risco de mielinólise pontina. A reposição deve ser acompanhada ou de oferta volêmica
com solução salina ou com restrição hídrica, de acordo com a causa da hiponatremia. Cada perda de 1 mEq/L de
sódio equivale a uma queda de 1,7 mmHg na pressão arterial intravascular.
Hipernatremia

A
çãohipernatremia apresenta
e diabetes insipidus. grande
Além correlação comosopacientes
de hipovolêmicos, nível de desidratação.
encontram-se As causas mais
sonolentos, comuns
agitados, são desitrata-
confusos, e com
tremores. Em casos mais severos pode haver crises convulsivas, e o coma pode advir quando a osmolaridade sérica
passa de 350 mOsm/L. A hipernatremia não pode isoladamente acarretar danos neurológicos, dependendo para
isso da causa básica, porém em casos com hipernatremia severa, acima de 160 mEq/L, a mortalidade se eleva.
O tratamento da hipernatremia se dá com a administração de água livre ou solução glicosada a 5% ou solução
salina 0,45%, objetivando a diminuição gradativa do sódio. Nos casos comprovados de diabetes insipidus, a va-
sopressina deve ser utilizada. O dDAVP tem disponível uma solução de uso nasal, bastante prática, que deve ser

20
administrada na dose de 10 µg intra-nasal, com duração do efeito de 12 a 24 horas. Existem formulações de 100
µg/mL, com embalagens de 2,5 e 5,0 mL. Há também a vasopressina aquosa (Pitressina  20 U/mL), administrada
tanto na forma IV (na dose de 1,6 a 2,0 mU/kg/h) quanto na forma SC (5 a 10 U SC cada 4 ou 6 horas).
Potássio
Íon de grande importância, com 99% de seu total no espaço intracelular. Os níveis séricos são mantidos sob rígido
esquema de regulação, através da bomba de sódio e potássio, da secreção de insulina, do equilíbrio ácido básico, e
do próprio nível de potássio sérico. A participação renal é importantíssima, visto que grande parte de sua excreção
e absorção ocorre na porção distal do túbulo renal, tendo ainda participação da aldosterona e da hipercalcemia,
que regulam a sua excreção.

A hipocalemia
regularizar se define como
rapidamente, valoresuma
e mascarar abaixo de 3,5
grave mEq/L, porémAo investigação
hipopotassemia. grande volume
dosdeníveis
potássio intracelular
de potássio devepode
ser
sempre acompanhada pela verificação do pH intravascular. A hipopotassemia pode ser causada por ingesta dimi-
nuída, perda excessiva, hipomagnesemia, hiperinsulinemia, acidose, cetoacidose, e hipotermia. Os sintomas da hi-
pocalemia raramente ocorrem com valores maiores que 3,0 mEq/L. São fraqueza, cãimbras, paralisias, parestesias,
insuficiência respiratória, arritmias, distúrbios da repolarização, e alcalose metabólica. O tratamento pode ser via
oral, quando não houver sintomatologia ou se os valores séricos não forem muito baixos. A reposição endovenosa
pode ser feita de diversas maneiras, porém o importante é que a velocidade de infusão não ultrapasse 0,5 mEq/kg/
h. Existem várias maneiras de se estimar a quantidade de potássio sérico depletado, porém o mais importante é
se determinar os valores séricos periodicamente durante a reposição. Isto porque, devido à grande quantidade de
potássio intracelular, a hipopotassemia pode ser rapidamente revertida.
A hipercalemia é definida como valores séricos acima de 5,0 mEq/L. Pode ocorrer devido à administração exces-
siva, lise celular, insuficiência renal, hipovolemia, drogas, e acidose metabólica. Os sintomas mais freqüentes são
parestesias, cãimbras, hiperreflexias, hipoventilação, arritmias, distúrbio de repolarização, ondas T apiculadas, e
QRS alargado. Quando ocorrerem distúrbios de condução, estamos diante de emergência médica e devemos rapi-
damente recuperar a estabilidade da membrana celular através da administração intravenosa de 1 g de gluconato de
cálcio, em 10 minutos, e uso de solução polarizante (100g de glicose com 10 UI de insulina regular). Outras opções
terapêuticas são o uso de bicarbonato de sódio, diurético de alça intravenoso, e hemodiálise.
Cálcio
Íon de grande importância, o cálcio participa de inúmeros processos intra e extracelulares, principalmente contra-
ção muscular, transmissão de impulsos nervosos, e a coagulação, entre outros. Cerca de apenas 0,1% do total de
cálcio corpóreo tem relevância clínica, o chamado cálcio iônico plasmático; o restante do cálcio plasmático encon-
tra-se ligado à albumina, e a outras globulinas. As decisões clínicas devem basear-se nos valores do cálcio iônico,
porém, se não houver disponibilidade de sua medida, pode-se utilizar o cálcio plasmático correlacionado ao valor
da albumina para cálculo estimado. A cada 1g/dL de aumento ou diminuição da albumina, o valor do cálcio se alte-
ra em 0,8 mg/dL, proporcionalmente. É importante lembrar da importância do paratormônio (PTH) e da vitamina
D na manutenção e controle do cálcio corpóreo.
A hipocalcemia é definida com cácio iônico abaixo de 1,1 mmol/L ou total abaixo de 8,5 mg/dL. Apresenta-se em
situações de deficiência de vitamina D, diminuição da ação do PTH e aumento do seqüestro de cálcio. Geralmente
é assintomática e predispõe ao aparecimento de arritmias e hipotensão. Os sintomas iniciais são hiperexcitabilidade,
convulsão, hiperreflexia, fraqueza muscular, e letargia. O tratamento consta de reposição rápida, 100 a 200 mg de
gluconato de cálcio em 10 minutos, seguida de infusão contínua de 10 mg/kg a cada 6 horas, até que se alcance a
normalização dos valores.
A hipercalcemia define-se com cálcio iônico acima de 1,3 mmol/L ou total acima de 11 mg/dL, e está geralmente as-
sociada à desidratação, sendo causada por hiperparatiroidismo primário, distúrbios endocrinológicos e neoplasias.
Pode ter manifestações múltiplas, como letargia, hiporreflexia, confusão mental, fraqueza muscular, constipação,

21
hipertensão arterial e arritmias. O tratamento tem por objetivo interromper o mecanismo de reabsorção do cálcio
no túbulo contorcido proximal e na alça ascendente de Henle. Recomenda-se:
1. hidratação generosa com solução salina 0,9% visando balanço hídrico de 2000 ml;
2. Diurético de alça;
3. Pamidronato 60 – 90 mg EV;
4. Corticóides, 20 a 60 mg de predinisona, 2 vezes ao dia, principalmente em casos de neoplasia.
5. Fosfato.
Fósforo
Cerca de 80% do fósforo plasmático encontra-se na sua forma livre no plasma, fazendo com que a albumina te-
nha pouca influência na sua medição. A hipofosfatemia é definida por valores menores que 2,5 mg/dL e pode ser
causada por alcalose respiratória, hiperglicemia, diminuição da absorção intestinal, ou por aumento das perdas
(hiperparatiroidismo, alcalose metabólica e TCE). Os sintomas, na sua maioria, ocorrem devido à diminuição do
2-3 DPG, que diminui o ATP intracelular e a oferta de oxigênio aos tecidos, por desviar a curva de dissociação
da hemoglobina para a esquerda. Os sintomas são variados, com irritabilidade, confusão, náuseas, estupor, coma,
convulsão, parestesia, e hipoventilação (desmame difícil). O tratamento consta da reposição do eletrólito, por via
oral quando moderada e não sintomática e endovenosa quando sintomática. A reposição deve girar em torno de 2,5
mg de fósforo/Kg, em solução salina a 0,9%, devendo ser mantida até se atingir um nível sérico de 1,75 a 2,0 mg/dL.
Pacientes com hipofosfatemia geralmente apresentam deficiência de potássio e magnésio, devendo, portanto, se
verificar também estes eletrólitos.
A hiperfosfatemia ocorre quando o fósforo encontra-se acima de 4,5 mg/dL, e pode ser causada por lise tumoral,
rabdomiólise, aumento da absorção intestinal, piora da função renal, hipoparatiroidismo, e hipovolemia. Os sinto-
mas geralmente são os mesmos da hipocalcemia, que geralmente acompanha o distúrbio do fósforo. O tratamento
deve ser feito com restrição de fósforo na dieta e aumento de sua excreção, utilizando-se diurese salina.
Magnésio
O magnésio, assim como o cálcio, apresenta boa parte da sua concentração ligada à albumina, tendo, portanto, seu
nível sérico diretamente relacionado a ela. Considera-se como hipomagnesemia valores abaixo de 1,7 mg/dL ou 1,3
mEq/L. Grande parte dos sintomas estão condicionados a hipopotassemia e hipocalcemia associadas. A hipomag-
nesemia leva ao hiperaldosteronismo hiperreninêmico, acarretando hiperpotassemia e diminuição da liberação do
PTH, com conseqüente hipoparatiroidismo e hipocalcemia. Outra alteração comum são as arritmias, que ocorrem
devido à perda do potencial de estabilização de membrana, normalmente gerado pelo magnésio. Os sintomas são
letargia, estupor, coma, tremores, hiperreflexia, convulsões, sinais de Chevostek e Trousseau, taquiarritmias, e vaso-
espasmo. O tratamento pode ser por via oral, quando não existe sintomatologia. Quando houver hipomagnesemia
grave ou sintomatologia, o tratamento deve ser intravenoso, com reposição de 2 a 4 g de MgSO 4 em 20 minutos, e
depois manter a reposição diária de acordo com o nível sérico.
A hipermagnesemia é definida com níveis séricos acima de 2,7 mg/dL, e os sintomas raramente ocorrem com valo-

res abaixo
pronta açãodeperante
4,0 mg/dL. Os sintomas
as alterações são letargia, hiporreflexia,
cardio-respiratórias, hidrataçãobradicardia, e bradipnéia,
salina generosa, O tratamento
diuréticos envolve
de alça e gluconato
de cálcio a 10%.
IX. SONDAS E CATETERES
O paciente neurocrítico, devido à sua gravidade e complexidade, permanece na unidade de terapia intensiva por
tempo prolongado, necessitando de monitoramento completo: diurese, catéter venoso central, monitoração da
pressão intracraniana, saturação venosa de bulbo jugular (SjO2), sensor de temperatura intracerebral e da PIC,

22
pressão arterial invasiva, drenagem ventricular externa, ventilação mecânica e monitoração hemodinâmica com ca-
teter de Swan Ganz, entre outros. Como se pode observar, este grande número de cateteres e sondas são instalados
no paciente com o objetivo de monitorá-lo, porém, com a presença deles, o risco de infecção aumenta muito. Por-
tanto é fundamental a atenção com a sua manipulação e, assim que possível, a retirada precoce deve ser estimulada.
Obviamente, a infecção, assim como as tromboses e isquemias, também relacionadas ao uso de sondas e cateteres,
pioram o prognóstico do paciente neurocrítico.
X. A LTERAÇÕES CARDIOVASCULARES
Lesões cerebrais graves podem acarretar importantes alterações secundárias no sistema cardiovascular, inclusive
naqueles pacientes sem cardiopatia prévia. A explicação para estes eventos pode estar no aumento do tônus simpá-
tico ou nas disautomias decorrentes do dano cerebral. Resumimos as alterações em arritmias, isquemia miocárdica,
hipertensão arterial e edema pulmonar neurogênico.
Várias arritmias são descritas em associação com lesão cerebral aguda, como taquiarritmias, fibrilação e flutter
atrial, e extra-sístoles ventriculares e atriais. Comumente observamos distúrbios inespecíficos de repolarização
como desnivelamentos do segmento ST, inversão ou achatamento de onda T, QT longo, ondas U, entre outras alte-
rações. A presença de arritmias parece piorar o prognóstico dos pacientes neurológicos, provavelmente por levarem
a baixo fluxo cerebral, porém, aparentemente, quanto pior o quadro neurológico, pior a arritmia. Este fenômeno
se dá provavelmente pelo aumento do tônus simpático. A hemorragia subaracnóidea é a patologia dos pacientes
neurocríticos que apresenta maior correlação com as arritmias. Para tratamento, veja os apêndices do ACLS.
A isquemia miocárdica, manifestada através de alterações eletrocardiográficas, pode aparecer em até 70% dos casos
de hemorragia subaracnóidea, podendo ou não vir acompanhada de alterações enzimáticas. Estas alterações ten-
dem a se normalizar em duas semanas, pois a maioria dos pacientes com evento neurológico não apresenta lesão
em artérias coronárias. O tratamento fica bastante limitado devido à presença do evento neurológico, pois, nestas
situações, o uso de trombolíticos está contraindicado, sendo então realizadas apenas medidas de suporte. Outras
alterações podem estar presentes, como hemorragias no endocárdio e no miocárdio, porém elas são menos freqüen-
tes. O motivo do aparecimento destas alterações é a grande liberação de catecolaminas como resposta metabólica
ao trauma neurológico ocorrido.
O edema pulmonar neurogênico é outra alteração relativamente freqüente e de difícil diagnóstico, visto a sua gran-
de semelhança com outras patologias como edema pulmonar cardiogênico, tromboembolismo pulmonar, SARA, e
pneumonia aspirativa. A provável explicação para esta complicação é o aumento da permeabilidade capilar pulmonar
durante o trauma neurológico, quando há liberação de mediadores inflamatórios e ocorre hipertensão pulmonar tran-
sitória durante a descarga simpática. O edema pulmonar neurogênico costuma ser observado pouco após a lesão do
sistema nervoso central (em minutos), mas também pode ocorrer mais tardiamente. Freqüentemente, a monitoração
hemodinâmica se faz necessária para a realização de diagnóstico diferencial e tomada de decisão terapêutica.
Por último, citamos a hipertensão arterial, que decorre dos mesmos mecanismos relacionados anteriormente. Talvez
seja a menos grave de todas as complicações, pois salvo nas elevações extremas da pressão arterial, geralmente o que
ocorre é uma tentativa do organismo de manter boa perfusão cerebral. Isto acontece bem claramente nos casos de
sangramento cerebral, que cursam com hipertensão intracraniana, onde a manutenção da pressão arterial elevada
é uma medida terapêutica, o que é chamado de reflexo de Cushing. A hipertensão tende a desaparecer em cerca de

duas
mentesemanas, com aocorrer
que, quando pressãosangramento
arterial voltando a seus
cerebral patamares
ainda prévios.
não tratado, É de grande
aneurisma importância
não clipado, que tenhamos
por exemplo, em
devemos
evitar grandes elevações pressóricas, pois estas podem levar a novo sangramento. Nesses casos, mantêm-se a pressão
arterial média abaixo de 100 mmHg, com a pressão sistólica abaixo de 160 mmHg. Nos casos de hemorragia intra
parenquimatosa e AVE isquêmico, podemos ser mais maleáveis, mantendo a pressão arterial sempre abaixo de 220 x
120 mmHg. Nos casos de TCE, não há indicação de diminuir a pressão arterial, principalmente naqueles que cursam
com hipertensão intracraniana. O tratamento deve ser realizado com drogas de meia vida curta e de fácil manuseio,
como o nitroprussiato de sódio. O uso do beta bloqueador intravenoso, nesses casos, também está bem indicado.

23
24
Capítulo 4

Abordagem do paciente em coma


O termo coma deriva da palavra grega “koma”, que significa sono profundo, e descreve uma situação clínica de
inconsciência com extrema irresponsividade, durante a qual o paciente é incapaz de reagir ao ambiente.
O estado de coma é o comprometimento mais grave da consciência. A consciência tem dois componentes princi-
pais: conteúdo e despertar. Eles têm substratos anatômicos diferentes, o conteúdo localizado difusamente no córtex
cerebral e o despertar dependente dos neurônios da substância reticular ativadora ascendente (SRAA), localizada
no tronco cerebral.
As lesões corticais localizadas acarretam perda de uma ou algumas funções cerebrais, mas não levam ao coma. O
comprometimento cortical bilateral ou difuso é necessário para a perda completa da consciência. O maior papel da
SRAA é despertar e manter o córtex alerta e capaz de interpretar e reagir aos estímulos ambientais. Desta forma,
um paciente pode perder a consciência por dois mecanismos diferentes: comprometimento difuso do córtex cere-
bral ou lesão da SRAA no tronco cerebral.
O estado de coma situa-se num extremo das alterações do nível de consciência. Dependendo do seu conteúdo e da
capacidade de despertar, o nível de consciência pode ser classificado desde o estado acordado e alerta até o estado
de coma, passando pelos estados de sonolência, obnubilação e torpor (tabela 1).

CLASSIFICAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA


Alerta Acordado e com resposta adequada às perguntas
Sonolência ou Letargia Sonolento, acorda ao chamado e responde às perguntas normalmente
Obnubilação Sonolência mais profunda, responde às perguntas com voz alta e/ou após estímulo
moderado (balançar)
Torpor ou Estupor Sonolência profunda, responde parcialmente somente a estímulo doloroso (abre olhos,
emite grunhidos)
Coma Não abre os olhos nem emite sons verbais sob estímulo verbal ou doloroso
Tabela 1. Classificação do nível de consciência

As causas que podem levar um paciente ao coma podem ser classificadas como metabólicas, supratentoriais e
infratentoriais. As causas metabólicas levam ao coma por causar uma disfunção ou injúria neuronal cortical
difusa (tabela 2). A maioria destas causas pode ser reversível ou não dependendo da intensidade da disfunção
ou da injúria neurológica acarretada. As causas supratentoriais e infratentoriais que causam coma são pra-
ticamente as mesmas. As lesões infratentoriais causam coma por acarretarem distúrbio direto no funciona-
mento dos neurônios da SRAA, seja por lesão direta ou por compressão e isquemia. As lesões supratentoriais
só levam ao estado de coma se produzirem um comprometimento difuso dos dois hemisférios cerebrais. Em
geral, este comprometimento pelas lesões supratentoriais decorre de 2 mecanismos: aumento da pressão intra-
craniana e/ou herniação cerebral.
O aumento da pressão intracraniana pode causar uma diminuição crítica da pressão de perfusão cerebral (ver capí-
tulo de hipertensão intracraniana) e isquemia difusa. As síndromes de herniação cerebral geralmente cursam com
aumento da pressão intracraniana e podem contribuir para o coma por causar distorção, isquemia e hemorragia
de extensos territórios encefálicos.

25
CAUSAS DE COMA
LESÕES ENCEFÁLICAS  Intoxicação exógena
DIFUSAS (“METABÓLICAS”) • sedativos, alcool, drogas de abuso, venenos
 Alterações metabólicas
• glicemia, sódio, PaCO 2
 Insuficiências orgânicas
• renal, hepática, tireóide
 Isquemia cerebral difusa, hipoxemia
 Trauma craniencefálico
 Meningite, menigoencefalite
 Crise epiléptica

 Hipotermia ou hipertermia
LESÕES SUPRATENTORIAIS  Infartos cerebrais
 Hemorragias cerebrais
 Contusão cerebral, hematomas
 Tumores ou abscessos cerebrais
 Hidrocefalia
LESÕES INFRATENTORIAIS  Infartos de tronco ou cerebelo
 Hemorragias de tronco ou cerebelo
 Contusão, hematomas
 Tumores ou abscessos
Tabela 2. Causas de coma

Os neurônios corticais são muito sensíveis a uma grande variedade de alterações metabólicas ou tóxicas, como,
por exemplo, hipoxemia, hipercapnia, hiponatremia, hipernatremia, hipoglicemia, hipotermia, hipotensão arterial,
drogas, etc., enquanto o tronco cerebral é mais resistente a estes mesmos estímulos. Portanto, causas metabólicas

tendem a comprometer muito mais precocemente o córtex cerebral que o tronco encefálico.
O EXAME DO PACIENTE EM COMA
O coma é uma condição clínica freqüentemente encontrada na prática clínica e somente algumas vezes sua causa
é evidente. Entretanto, muitas vezes a etiologia não é conhecida, mas um exame neurológico sistematizado pode
levar ao diagnóstico correto.
a) Exame geral: o exame inicial do paciente em coma obrigatoriamente começa com a avaliação das condições
respiratórias e hemodinâmicas gerais. Antes de prosseguir no exame neurológico, o paciente em coma deve estar
ventilando, oxigenando e perfundindo adequadamente. Da mesma forma, medidas para garantir uma via aérea pa-
tente, com boa ventilação e oxigenação e perfusão sistêmica adequada devem estar sendo tomadas concomitante ou
prioritariamente ao exame neurológico. O exame neurológico do paciente em coma deve ser realizado na seguinte
seqüência: nível de consciência (aplicação da escala de Glasgow), padrão da respiração, tamanho e reatividade da
pupila, movimento dos olhos e resposta motora.
b) Respiração: vários padrões anormais da respiração são conhecidos. A respiração periódica ou Cheyne-Stokes é
caracterizada por períodos
de respiração mais de aumento
lenta e superficial aténa
suafreqüência e na profundidade
parada completa (apnéia), a da respiração,
qual intercalados
dura de poucos comsegundos.
até trinta períodos
Disfunções cerebrais difusas metabólicas ou lesões cerebrais supratentoriais são as causas mais freqüentes. Na
hiperventilação neurogênica central a respiração é rápida, profunda e regular. Este padrão geralmente identifica
lesões mesencefálicas ou pontinas altas. A respiração apnêustica é caracterizada por uma fase inspiratória lenta
seguida de uma fase expiratória rápida e aparece nas lesões da ponte. E a respiração atáxica é completamente irre-
gular com períodos de respiração normal ou hiperventilação, intercalados por períodos de apnéia.
c) Pupilas: uma resposta pupilar normal à luz indica que o nervo óptico e as vias simpáticas e parassimpáticas que

26
governam a atividade pupilar estão intactas. Em geral, as condições metabólicas não alteram a função pupilar até
estágios muito avançados. Algumas exceções são pupilas puntiformes e reativas nas intoxicações opióides e pupilas
dilatadas e fixas nas intoxicações anticolinérgicas (p.ex. atropina). Uma lesão do III par (n. óculo-motor) acarreta
dilatação pupilar não reativa à luz. Este é um sinal importante nas lesões supratentoriais porque indica uma prová-
vel hérnia temporal com compressão do III par ipsilateral. As lesões mesencefálicas podem apresentar pupilas na
posição média e não reativas à luz. As lesões pontinas bilaterais acarretam pupilas puntiformes.
d) Movimento dos olhos: o movimento dos olhos pode ser observado com a rotação rápida da cabeça para um lado
e para o outro, e o movimento da cabeça para cima e para baixo. No paciente comatoso os olhos devem se mover
para o lado oposto ao do movimento da cabeça (reflexo óculo-cefálico). Quando a cabeça é mantida na posição
neutra, os olhos devem rapidamente retornar à posição de repouso.

Desvios conjugados dos olhos ocorrem por lesões do SNC. Nas lesões destrutivas hemisféricas os olhos são desvia-
dos para o lado da lesão (contrário à hemiplegia). Lesões hemisféricas irritativas desviam os olhos para o hemisfé-
rio cerebral sadio. As lesões destrutivas do tronco cerebral podem desviar os olhos para o lado contrário da lesão e
para o lado da hemiparesia. Desvio conjugado para baixo e persistente pode aparecer nas lesões mesencefálicas.
Durante o teste do reflexo óculo-cefálico, uma falha na abdução de um olho é indicativa de lesão no n. abducente
do mesmo lado e uma falha na adução sugere o envolvimento do fascículo longitudinal medial também do mesmo
lado.
Informações adicionais a respeito do movimento dos olhos podem ser obtidas com o teste calórico. Nos pacientes
inconscientes, o estímulo com água gelada é seguido pelo desvio tônico dos olhos para o lado irrigado, desde que a
função do tronco cerebral esteja íntegra (reflexo óculo-vestibular). O reflexo óculo-vestibular é pesquisado injetan-
do 5 a 10 ml de água gelada no canal auditivo externo (o qual deve estar desobstruído) com o paciente na posição
supina e a cabeça fletida a 30o.
e) Resposta motora: a resposta motora deve ser estimulada com dor no paciente em coma (beliscão na região cer-
vical, roçar das articulações interfalangeanas no osso esterno ou estímulo doloroso nos membros). Toda a resposta
motora pode estar inibida no coma profundo. Nos comas mais superficiais, qualquer resposta deve ser observada e
anotada. Se um lado do corpo não se move ou se move nitidamente menos, uma hemiparesia é diagnosticada. Uma
flexão dos membros superiores acompanhada de extensão dos membros inferiores é característica da atitude de
decorticação e é indicativa de lesões no nível mesencefálico. E uma resposta com extensão dos membros superiores
e inferiores é característica da atitude de descerebração e é um sinal de lesões pontinas.
TRATAMENTO DO PACIENTE EM COMA
Desde que a causa do coma pode rapidamente levar à lesão cerebral grave e irreversível (p.ex. hipoglicemia, hiper-
tensão intracraniana, herniação cerebral, meningite, etc.), as abordagens diagnósticas e terapêuticas iniciais devem
ser realizadas concomitantemente!
O primeiro passo na abordagem de um paciente em coma é assegurar as funções vitais com o ABC de qualquer
emergência médica, assegurando uma via aérea aberta, uma ventilação e oxigenação adequadas e uma boa cir-
culação do sangue com perfusão cerebral e sistêmica otimizadas. Em todo paciente em coma, uma possível lesão
cervical deve ser sempre presumida e uma proteção da coluna cervical deve ser instituída rotineiramente em todos
os pacientes e somente retirada após certeza do seu não comprometimento.
A abertura e proteção das vias aéreas nos pacientes em coma geralmente exigem uma intubação orotraqueal. Aspi-
ração brônquica é um problema comum nestes pacientes e é uma razão para a proteção das vias aéreas. Além disso,
estes pacientes devem ter um controle da PaCO2, já que hipercapnia causa vasodilatação cerebral e pode aumentar
perigosamente a PIC e a hipocapnia causa vasoconstrição, podendo acarretar isquemia cerebral global ou em áreas
susceptíveis.
Rapidamente deve-se iniciar também o controle do sistema circulatório e a manutenção de uma PAM mínima ao

27
redor de 80 mmHg (PPC maior que 60 mmHg após conhecimento da PIC). Um acesso venoso calibroso deve ser
instituído e uma amostra de sangue para exames de rotina deve ser prontamente colhida. Hipotensão arterial deve
ser prontamente tratada com fluídos e vasopressores. Hipertensão arterial deve ser cuidadosamente avaliada. Pa-
cientes com hipertensão intracraniana frequentemente têm hipertensão arterial reflexa para manutenção da pressão
de perfusão cerebral, e uma diminuição rápida desta hipertensão pode acarretar isquemia e piora da lesão cerebral.
Hipoglicemia deve ser uma preocupação constante no início da abordagem de qualquer paciente em coma. Se uma
glicemia capilar não puder ser imediatamente obtida (e hipoglicemia afastada), o paciente deve receber um bolus
de 25 a 50 g de glicose IV com 100 mg de tiamina (para profilaxia da encefalopatia de Wernicke), após a coleta de
sangue para o laboratório.
Os exames iniciais propostos para pacientes em coma sem uma causa definida são: hemograma, glicemia, uréia e
creatinina, eletrólitos e gasometria arterial. Posteriormente, e somente quando houver suspeita clínica, avaliação da
função hepática e da tireóide, coleta de culturas, exame do líqüor, coagulograma, exames toxicológicos, etc. devem
ser solicitados na dependência de cada caso.
A avaliação clínica, após a instituição do ABC e da estabilização das funções vitais do paciente, deve incluir a his-
tória clínica, o exame físico geral e o exame neurológico.
Na história clínica devem-se ressaltar dados sobre trauma, epilepsia anterior, medicações, drogas e álcool em uso e
diabetes mellitus, entre outros. Também é útil conhecer sintomas e sinais imediatamente antes do coma (paresia, ce-
faléia, febre, etc.) e o modo de instalação da perda de consciência. Uma instalação súbita sugere etiologia vascular
ou epilepsia, enquanto uma instalação aguda ou insidiosa sugere uma causa metabólica ou infecciosa.
O exame físico geral deve focar nas alterações vitais e na procura de sinais clínicos de doença sistêmica (doença
hepática ou endócrina, infecção, trauma, etc.). E o exame neurológico deve enfatizar os elementos já descritos: nível
de consciência através da escala de Glasgow, padrão respiratório, exame das pupilas, reflexos de tronco e a resposta
motora à dor. Embora estes 5 elementos sejam fundamentais para a análise inicial da causa do coma, vários outros
elementos do exame neurológico também são importantes, como a avaliação dos reflexos e a busca de sinais menin-
goradiculares (ver exame neurológico nos apêndices).
A avaliação clínica auxilia a caracterização de um padrão de etiologia do estado de coma. A apresentação das
lesões supratentoriais, infratentoriais e encefálicas difusas têm protótipos clínicos diferentes e estão descritos na
tabela 3.

PADRÕES ETIOLÓGICOS (tabela 3)


LESÃO SUPRATENTORIAL • Hemiplegia contralateral, desvio ocular para a lesão cerebral
• Respiração normal ou Cheyne-Stokes
• Pupilas normais ou hérnia uncal e deterioração rostro-caudal
• Outros reflexos de tronco normais
LESÃO INFRATENTORIAL • Hemiplegia ipsilateral ou tetraparesia
• Hiperpnéia ou respiração irregular
• Alterações pupilares e reflexos de tronco alterados
LESÃO ENCEFÁLICA DIFUSA • Sem sinais de localização
(METABÓLICA) • Reflexos de tronco íntegros

Tabela 3. Padrões etiológicos no exame do paciente em coma.

Após esta avaliação clínica inicial, segue-se uma avaliação clínica seqüencial. Tanto para complementar a avaliação
inicial, como pelo fato do paciente em coma ser bastante dinâmico, é fundamental revisar freqüentemente a ava-
liação inicial e prosseguir na avaliação posterior. Assim, esta avaliação seqüencial inclui repetir frequentemente a
avaliação inicial (revisar o ABC e o exame clínico e neurológico) e solicitar outros exames complementares.
A revisão do ABC e dos exames clínico e neurológico visa certificar-se de que a otimização da ventilação, oxige-
nação e perfusão estão em curso e que o paciente não apresenta piora neurológica (piora da consciência aferida

28
pelo Glasgow, alterações pupilares, aparecimento de novos sinais motores, etc.). Todo paciente em coma deve, após
estabilização do ABC, ser submetido a uma avaliação tomográfica para confirmar ou afastar as suspeitas clínicas.
Outros exames poderão ser úteis neste momento também, como coleta de líqüor para avaliar suspeita de meningite
e eletroencefalograma se houver suspeita de um estado de mal não-convulsivo. As alterações metabólicas, coagulo-
patias e disfunções orgânicas devem ser prontamente corrigidas ou tratadas.
HERNIAÇÕES
A presença de uma síndrome de herniação num paciente em coma torna esta situação de extrema emergência
clínica. Poucos minutos podem ser suficientes para deixar um paciente com uma herniação cerebral com seqüela
neurológica grave ou levá-lo ao óbito. Portanto, as síndromes de herniações devem ser prontamente suspeitadas e
reconhecidas clinicamente (tabela 4).

HERNIAÇÕES
Sinais inespecíficos de PIC » Cefaléia
aumentada » Náusea e vômitos
» Bradicardia, hipertensão arterial e bradipnéia
» Paralisia de pares cranianos, princ. do VI par
» Papiledema (tardiamente)
Hérnia de Uncus » Piora do nível de consciência
» Midríase ipsilateral à lesão
» Hemiplegia contralateral à lesão
Hérnia Central » Piora do nível de consciência
» Respiração de Cheyne-Stokes seguida de hiperpnéia
» Pupilas médias e não reativas
» Postura de decorticação seguida de descerebração
Hérnia de Amígdalas » Piora do nível de consciência
» Tetraplegia flácida
» Irregularidade respiratória ou apnéia
Tabela 4. Síndromes das herniações.

Tão logo uma síndrome de herniação cerebral seja reconhecida, 3 condutas simultâneas devem ser tomadas:
1. Providencie uma consulta neurocirúrgica imediatamente. Geralmente, uma herniação decorre de uma lesão in-
tracraniana com efeito de massa e uma neurocirurgia descompressiva é o tratamento definitivo;
2. Solicite e realize uma tomografia de crânio (TC) o mais rápido possível. É a TC que confirmará a lesão, que de-
verá ser tratada cirurgicamente. Se isto se confirmar, Imediatamente após a TC o paciente deverá ir para o centro
cirúrgico. Lembre-se que o paciente deve receber o ABC inicial antes de ser transferido para a TC.
3. Inicie um tratamento de emergência para controlar a hipertensão intracraniana: administre manitol 0,5 a 2,0
g/Kg em bolus e/ou instale uma hiperventilação otimizada para diminuir a PaCO2 para 25-30 mmHg. Os pacientes
com herniação desenvolvem lesão neurológica secundária rapidamente e devem ter a PIC diminuída, mesmo sem
que esta esteja sendo aferida acuradamente. Se tumor ou abscesso intracraniano for a provável etiologia da lesão

primária, está indicado administrar dexametasona na dose de 10 mg IV e manter 4 mg IV de 4/4 h.


REFERÊNCIAS:
• Henry GL et al. Altered States of Consciusness and Coma. In: Henry GL et al. Neurologic Emergencies, 2nd
ed. McGraw-Hill, 2003, p. 49-78
• Plum F and Posner JB. The Diagnosis of Stupor and Coma, 3rd ed. Philadelphia, FA Davis, 1982.

29
30
Capítulo 5

Monitoração geral do paciente neurológico grave


OBJETIVOS
1. Rever os princípios dos sensores biológicos e monitores
2. Neuro-Check (exame neurológico seqüencial)
3. Salientar as indicações, complicações e interferências da oximetria de pulso e da capnometria
4. Reconhecer as limitações dos medidores automatizados de pressão arterial
5. Rever as indicações de punção arterial, locais de punção e complicações
6. Rever os fatores determinantes do débito cardíaco e do transporte de oxigênio
7. Salientar as indicações e complicações de punções venosas profundas
8. Reconhecer as limitações da pressão venosa central como medida da pré-carga de ventrículo esquerdo e volume
intravascular sistêmico
9. Conhecer e saber interpretar as informações obtidas a partir do cateter de artéria pulmonar e suas complicações
I. INTRODUÇÀO
Alguns pacientes em Terapia Intensiva, mesmo apesar de estáveis no momento da internação, têm o potencial de
piorar rapidamente seu estado clínico. Nosso exemplo será uma senhora de 82 anos, admitida na Emergência por
causa de febre, queda da pressão arterial e hemiparesia esquerda. Nesse capítulo mostraremos a necessidade da
monitoração, pois as patologias em Terapia Intensiva são dinâmicas e a melhor tomada de decisão clínica só pode
ser escolhida baseada nessas variações da monitoração.
A Sra. Lolita tem 82 anos de idade, reside em uma clínica de idosos e foi transferida hoje ao Pronto Socorro por causa
de uma hemiparesia esquerda aguda, pressão arterial baixa e febre. Já esteve internada em outras ocasiões e é uma
diabética insulina-dependente, portadora de insuficiência cardíaca moderada. Ela é ativa na clínica, mas possui algum
grau de limitação, devido a uma antiga osteoartrose. Ao exame de entrada, a paciente estava orientada, Glasgow 15,
com temperatura = 39,3° C, pressão arterial = 95 x 64, freqüência cardíaca de 114 e respiratória de 18, eupneica. Os
exames laboratoriais foram hematócrito de 39%, contagem de leucócitos de 18.000/mm 3, com predominância de neu-
trófilos (15% de bastonetes), e urina com leucocitúria e numerosas bactérias. Foi passada uma sonda vesical, colhidas
uro e hemoculturas, prescritos antibióticos e 500 ml de soro fisiológico e a paciente foi internada na UTI.

Essa paciente, embora estável no momento da internação, tem grande pot encial de piorar seu es tado clínico. Se
a sua infecção do trato urinário progredir para uma respos ta inflamatória sistêmica (SIRS ), e um desequilíbrio
entre o transporte e o consumo de oxigênio ocorrer, ela pode apresentar lesão neuronal secundária piorando
seu quadro de isquemia
a monitoração dos sinaiscerebral e desenvolver
que possam insuficiência
mostrar essa evoluçãodedeve
múltiplos órgãos
ser parte muitoe sistemas (IMOS).
importante de seuPortanto,
plano de
cuidados.
II. PRINCÍPIOS GERAIS
Os sinais vitais ou biológicos são as variáveis que tentamos monitorar com os sensores biomédicos. Esses sensores
podem ser simples como os dedos do médico medindo o pulso do paciente, um termômetro medindo a temperatura
ou o estetoscópio para ouvir os pulmões e o coração. Porém, os sensores/monitores também podem ser bem mais

31
complexos, como o monitor multiparamétrico de beira de leito com circuito integrado, capaz de realizar complexos
cálculos a partir de dados “on line” obtidos em tempo real do paciente ou o “doppler” de beira-de-leito. Entretanto,
como regra geral, todo processo de monitoração, simples ou complexo, é regido pelos mesmos princípios e regras
práticas:
• Os sensores devem detectar o sinal com a devida acurácia. Variáveis fisiológicas, mecânicas, eletrônicas ou outras
que afetem ou interfiram na acurácia devem ser controladas pela equipe de manutenção do hospital antes da inter-
pretação dos dados para a correta tomada de decisão clínica. Monitores mais complexos geralmente incorporam
um sensor primário acoplado a um amplificador de sinal, que por sua vez faz conexão com um processador eletrô-
nico do sinal e uma tela. As variáveis interferindo em cada componente desses monitores mais complexos devem
ser compreendidas pelo usuário.

• Os sensores podem detectar e mostrar na tela as variáveis de maneira intermitente (por ex., temperatura a cada
4 horas, medidas de pressão arterial a cada 5 minutos, etc.) ou contínua. Idealmente, eles devem coletar os dados,
processá-los e mostrá-los como uma curva de tendência ao longo do tempo.
• Os monitores nunca são terapêuticos e, raramente sãodiagnósticos da razão que causou a mudança na tendência
dos dados medidos. A informação proveniente do monitor contribui para a compreensão geral do médico ou da
enfermeira, mas deve sempre ser interpretada em conjunto com todos os outros dados.
• A relação custo-benefício de cadasistema de monitoração deve sempre ser apreciada. Estratégias de monitoração
mais invasivas, como venosas centrais, artéria pulmonar ou artérias periféricas devem fornecer novos dados capazes
de orientar modificações terapêuticas importantes para, de uma certa maneira, compensar os riscos substanciais
que essas técnicas trazem ao paciente.
• A manutenção do sistema de monitoração é um trabalho de equipe multi-profissional, realizado pelas enfermei-
ras, fisioterapeutas, médicos beira-de-leito, e outros. Requer ainda a colaboração de pessoal da manutenção, com-
pras e suprimentos, para assegurar manutenção preventiva, consertos e atualização do equipamento.

O médico da Sra. Lolita, portanto, ao iniciar a monitoração de sua paciente, necessita de vários profissionais envol-
vidos na manutenção e calibração dos aparelhos. Alguns sensores biomédicos mais freqüentemente usados serão
discutidos nas sessões seguintes.
III. NEURO-CHECK
O neuro-check é uma avaliação neurológica rápida e não substitui o exame neurológico completo. Inclui o registro
seriado da escala de coma de Glasgow (ECGl), tamanho, simetria e fotorreação das pupilas, tipo de respiração e
deficits neurológicos focais. A ausência de anormalidades nesse rápido “screening” tranqüiliza o intensivista e su-
gere boa evolução. Qualquer variação nessa rápida avaliação neurológica deve ser interpretada como sinal de piora
do paciente neurocrítico e seguida de exame neurológico completo, medidas diagnósticas para esclarecer a causa
da piora e medidas terapêuticas.
A freqüência do neuro-check (de 15 em 15 minutos até de 4 em 4 horas) varia de acordo com a patologia e com a
evolução clínica do paciente. Como está descrito no capítulo de PO de Neurocirurgia, a freqüência do neuro-check
deve ser maior no PO imediato (15 em 15 minutos), podendo diminuir após a extubação (tabela 1).

Tabela 1. Freqüência do neuro-check

Glasgow Pupilas Respiração Déficitfocal


Paciente intubado Cada 15 min Cada 15 min
Paciente extubado Cada 30 min Cada 30 min Cada 30 min Cada 30 min
(primeiras 6 horas)
Paciente extubado Cada 1 hora Cada 1 hora Cada 1 hora Cada 1 hora
(após 6 horas)

32
Outra situação que requer freqüência maior do neuro-check é o TCE, pois se trata de patologia dinâmica, em que o
paciente apresenta piora progressiva após a liberação dos mediadores inflamatórios locais. A freqüência do neuro-
check também deve ser de 15 em 15 minutos do início do tratamento até a instalação da PIC ou até a realização do
procedimento cirúrgico. Com a melhora do paciente, a freqüência do neuro-check também pode diminuir.
O primeiro neuro-check deve ser escrito no prontuário do paciente, em seguida ele deve ser checado a intervalos
regulares, sempre registrado no prontuário.
IV. TEMPERATURA
A temperatura corporal central esofágica, timpânica ou retal deve ser medida de maneira contínua e, em caso de
ocorrer febre, o paciente deve receber antitérmicos (dipirona e/ou paracetamol) e medidas gerais de resfriamento

(compressas
de frias, secundária.
lesão neuronal dietas frias,Otemperatura do Box a 18deve
combate à hipertermia
°C), pois a hipertermia é causa importante e controlável
ser agressivo, para prevenir essa lesão secundária, e é
também importante a procura e tratamento da causa primária da hipertermia (infecção, abscessos, tumores, doen-
ças autoimunes, etc.).
A temperatura cerebral também deve ser medida no paciente grave de forma contínua. Em condições fisiológicas,
não há consenso se a temperatura cerebral é 1 ° a 2° C abaixo ou acima da temperatura corporal. Em condições
patológicas (por exemplo, em processos inflamatórios cerebrais com liberação local de mediadores inflamatórios ou
isquemia cerebral) ela aumenta 1° a 2° C. Nos pacientes com morte encefálica e com isquemia aguda, por diminui-
ção do metabolismo cerebral, e redução do fluxo sangüíneo cerebral, a temperatura cerebral cai. Temperaturas cere-
brais maiores que 38° C são indicativas de pior prognóstico e causadoras de graves lesões encefálicas secundárias.
Do ponto de vista térmico, devemos imaginar o corpo humano como dois cilindros superpostos, o mais externo
contendo o cilindro interno (Figura 1). O cilindro externo é formado pela pele e tecido celular subcutâneo (TCSC)
e, o cilindro interno é formado por ossos, músculos e vísceras. As temperaturas desses dois cilindros podem apre-
sentar grandes diferenças entre si, sem significado patológico, desde que a temperatura no cilindro interno (tempe-
ratura central) seja mantida entre 36 ° e 37° C. A te mperatura central abaixo de 35° C é definida como hipotermia e
protege o SNC e a temperatura central acima de 37,5 ° C é definida como hiperter mia e é extremamente prejudicial
ao SNC, levando a grave lesão neuronal secundária.
Como animais homeotérmicos, produzimos energia para aquecer o cilindro interno e mantê-lo no estreito intervalo
de T (36° a 37° C) em que nosso organismo funciona melhor, com ótima atividade protéica e enzimática.
Para que tenhamos a sensação subjetiva de frio, é preciso que uma diferença de temperatura (∆T) seja criada entre o
cilindro externo e o cilindro interno. O mecanismo é mediado pelo centro de controle de temperatura e compreende
uma aferência sensitiva e uma eferência motora. Os sensores de temperatura da pele percebem que a temperatura
ambiente está baixa e enviam essa informação para o tálamo; de lá parte uma ordem motora de vasoconstrição
periférica e a temperatura do cilindro externo cai, porque ocorre perda de calor para o ambiente. Quando essa
temperatura chega a 35° C, o ∆T é criado com o cilindro central e temos a sensação subjetiva de frio. Com isso, nos
protegemos do frio externo, e, se ele for muito intenso, começamos a apresentar calafrios e contrações musculares
involuntárias para produzir calor e aquecer o cilindro interno. Em condições extremas de temperatura, podemos ter
o cilindro externo a 0° C, sem problema algum, desde que o cilindro interno esteja a 36° - 37° C.

Essa fisiologia do ∆T foi entendida nos anos 80, através de estudos epidemiológicos realizados no Canadá e na
Suécia, em que pacientes idosos, morando sozinhos, faleciam no inverno. Imaginem a situação de um ambiente
domiciliar aquecido a 18 – 20° C e temperaturas exteriores abaixo de 0 ° C, comuns nesses países. Se o sistema de
aquecimento para de funcionar, por falta de óleo ou lenha na caldeira, a temperatura ambiente cai lentamente, essa
queda da temperatura é “sentida” pelos sensores de temperatura da pele, enviada ao centro de controle talâmico e,
de lá, parte uma ordem motora de vasoconstrição periférica. Como os pacientes idosos são portadores de ateros-
clerose, a vasoconstrição não se realiza e a temperatura dos cilindros externo e interno vai caindo lenta e progres-
sivamente. Como não é criado o ∆T, os idosos não apresentam a sensação subjetiva de frio, não percebem a lenta

33
queda de temperatura, não se protegem do frio ambiente e morrem de hipotermia.
Assim, de nada adianta medirmos a temperatura de maneira convencional (axilar), pois a temperatura da pele
pode cair a valores mais baixos, dependendo da climatização e refrigeração da UTI, sendo essa medida irrelevante.
Precisamos monitorar de forma contínua a temperatura central (esofagiana, retal ou timpânica) e, nos pacientes
neurológicos com lesões graves, a temperatura cerebral. A temperatura axilar isolada, portanto, não fornece subsí-
dio adequado e/ou suficiente para a tomada de decisões terapêuticas.

Cilindro Externo: Pele e TCSC


T ≅ T ambiente
Cilindro Interno:
Ossos, músculos e
vísceras

T de 36 a 37 ° C

Figura 1. Os cilindros “externo” e “interno”; a sensação subjetiva de frio depende de ∆T entre os dois cilindros.

V. OXIMETRIA DE PULSO

A. Princípios e Indicações
O oxímetro de pulso é um dispositivo simples e não invasivo, com algumas complicações, que estima a saturação
funcional da oxihemoglobina. Ele é bastante utilizado na monitoração de pacientes nas mais diferentes condições.
A transmissão de luz vermelha e infravermelha através dos leitos capilares cria diferentes sinais ao longo do ciclo
cardíaco pulsátil. Esses sinais medem a absorção pelos tecidos ou pelo sangue arterial e venoso da luz transmitida.
Cálculos feitos a partir do processamento dessas medidas fornecem uma estimativa das quantidades de hemoglobi-
na oxigenada e da porcentagem de saturação da hemoglobina pelo oxigênio (SaO2). Deve-se notar que esse número
é diferente da pressão parcial de oxigênio (PaO2) no sangue. As medidas da PaO2 e da SaO2 estão relacionadas atra-
vés da curva de dissociação da hemoglobina (Figura 2). A oximetria de pulso estima uma SaO2 que geralmente está
dentro de um intervalo de 2% de diferença do valor real determinado por um cooxímetro. Sensores da oximetria
podem ser aplicados aos dedos das mãos, dos pés, lobo da orelha, septo nasal, boca ou qualquer superfície cutânea
onde um sinal confiável possa ser obtido. O valor mostrado pelo oxímetro é comumente chamado de saturação
periférica de O2 (SpO2), para distingui-lo da medida determinada diretamente através da amostra de gasometria
(SaO2). Os estudos realizados mostram que para assegurar uma PaO2 de 60 mmHg, pacientes com pele clara devem
manter a SpO2 em torno de 92%, e pacientes com pele escura em torno de 94%.

34
Figura 2. A curva de dissociação da hemoglobina relaciona a pressão parcial de oxigênio (PaO2) à saturação
da oxihemoglobina. Saturações sub-máximas de hemoglobina ocorrem a uma PaO2 de 60 mmHg (60 torr).
Níveis de PaO2 acima desse ponto acrescentam muito pouco na saturação de oxihemoglobina.
Note-se, entretanto, que uma queda muito acentuada da saturação de oxihemoglobina ocorre
com uma pequena variação da PaO2 abaixo de 60 mmHg (60 torr).
B. Fontes de Erro
Erro nos dados ocorre pelas seguintes razões:
• Fatores fisiológicos ou anatômicos interferem na detecção do sinal: pele escura, unhas postiças, esmalte, lumi-
nosidade excessiva do ambiente, hipotermia local ou sistêmica causando vasoconstrição, hipotensão, má perfusão
periférica, hiperbilirubinemia e hiperlipidemia. A anemia não reduz a acurácia até um nível de hematócrito acima
de 15%.
VI. SENSORES DE PRESSÃO ARTERIAL NÃO INVASIVA
Sensores de pressão arterial não invasiva são freqüentemente usados para obter medidas intermitentes da pressão
arterial. Esses dispositivos usam uma de diversas técnicas disponíveis para medir a PA sistólica e diastólica, e daí
calculam a pressão arterial média (PAM). Os braços são o local preferencial de medida em adultos. Lugares alter-
nativos são as panturrilhas, as coxas, e os antebraços. O manguito não deve ser colocado numa extremidade que
esteja sendo usada para infusão intravenosa ou numa área susceptível a comprometimento circulatório. O tamanho
apropriado do manguito é condição fundamental para obtenção de medidas acuradas.
Os monitores de pressão arterial não invasiva têm acurácia menor em muitas das situações clínicas comumente
encontradas no paciente neurocrítico: choque, ventilação mecânica, arritmias, e pacientes que necessitem de oti-
mização da pressão de perfusão cerebral (PPC). Mal funcionamento do aparelho pode ainda desviar a atenção do
profissional para com o paciente. Medidas invasivas da pressão arterial devem ser preferidas quando o paciente
apresenta instabilidade hemodinâmica.
A. MEDIDA DA DIURESE
A medida da diurese é dado muito simples na sua obtenção e dado muito importante para avaliar a pressão de
perfusão renal. Sua monitoração é absolutamente fundamental no paciente neurocrítico, tanto no sentido de ava-
liar essa hipoperfusão renal (débito urinário abaixo de 0,5 ml/Kg/h por mais que 2 horas define oligúria), como
no sentido da poliúria (débito urinário acima de 2 ml/Kg/min por mais que 2 horas) ser um dos primeiros sinais
sugestivos de secreção inapropriada de ADH ou CSW (“cerebral salt wasting”). Essas duas síndromes apresentam

35
osmolalidades urinárias elevadas, portanto esse marcador não pode distingui-las uma da outra.
A Sra. Lolita continuou apresentando hipotensão, apesar de várias infusões de cristalóides. Ela está agora confusa, e
sua SpO2 diminuiu para 90%, apesar da suplementação adicional de oxigênio com máscara. Sua PA, medida não inva-
sivamente, mostrou repetidamente uma sistólica < 105 mmHg e uma PAM de ~ 60 mmHg. Houve piora do Glasgow
para 12 e progressão da hemiparesia para hemiplegia. Você está preocupado com a piora neurológica, a possibilidade
de choque distributivo devido à SIRS, por sepsis. Sua função miocárdica não está bem avaliada no momento e uma
preocupação adicional é a sua ICC prévia. Você discute e avalia com a UTI as maneiras de uma melhor monitoração
de algumas variáveis fisiológicas.

VII. CATETERIZAÇÃO ARTERIAL

A. Indicações e Colocação
As duas indicações primárias para a colocação de uma cânula arterial são a necessidade de se obter múltiplas amos-
tras de sangue arterial e a medida contínua, batimento a batimento, da PA. A freqüência de complicações com a
colocação de um cateter na artéria radial é menor que as complicações de quatro punções arteriais. Além disso, o
cateter arterial é o único método disponível para se obter monitoração contínua, batimento a batimento, da PA.
Os locais mais comuns de inserção dos cateteres arteriais são: artérias radial, femoral, axilar, e pediosa dorsal. A
escolha do melhor local é baseada na palpação dos pulsos, estado hemodinâmico geral, e fatores anatômicos ou
fisiológicos próprios de cada paciente. A artéria pediosa dorsal é a menos segura para a monitoração da PA (diâ-
metro pequeno, maior probabilidade de complicações isquêmicas e grande distância do coração).
B. Complicações
As complicações potenciais devidas à colocação do cateter arterial estão mostradas na Tabela 2. Elas podem ser
reduzidas pelo uso cuidadoso da correta técnica de inserção, escolha de cateteres apropriados ao tamanho da ar-
téria, cuidados no local da punção e um sistema de lavagem (“flush”) contínuo. A forma correta da curva arterial
mostrada no monitor é um dado de segurança. A extremidade dos membros cateterizados deve ser examinada
freqüentemente, na busca de evidências de isquemia. Ao encontro de qualquer sinal isquêmico distal ao cateter, o
mesmo deve ser imediatamente removido.
Tabela 2. Complicações dos cateteres arteriais

• Formação de hematoma
• Hemorragia
• Trombose arterial
• Embolização proximal e distal
• Pseudo-aneurisma arterial
• Infecção

C. Medidas
A medida da pressão arterial obtida de um cateter arterial, devidamente instalado, deve ser sempre comparada à
tradicional, obtida com o manguito, e também ao formato da curva de pressão, mostrado no monitor. Muitos fa-
tores, tanto técnicos quanto anatômicos, podem afetar a acurácia das medidas de pressão obtidas pelo sistema do

cateter arterial.naNesse
de problemas aspecto do
transmissão técnico,
sinal são de especial
da pressão importância
(hidráulico as curvas “achatadas”,
ou eletrônico), e que devemquase sempre
logo ser indicativas
corrigidas para
aumentar a confiabilidade da medida. As distorções são sempre maiores para as pressões sistólica e diastólica,
enquanto a média é menos afetada.
A pressão arterial da Sra. Lolita, medida por um cateter radial direito confirma a medida manual de 98/42 mmHg e
a pressão arterial média de 59 mmHg. Uma gasometria arterial mostra pH 7,3, PaCO2 33 mmHg, PaO2 68 mmHg e
HCO3 18 mEq/L. O formato de sua curva arterial é normal. Ela está mais confusa (Glasgow 11), levemente agitada,
hemiplégica a esquerda e com as extremidades inferiores frias. Sua preocupação, relativa à capacidade da Sra. Lolita

36
perfundir seus tecidos e fornecer o transporte de oxigênio necessário para suprir o aumento no consumo de oxigênio de
suas células, tecidos e órgãos, aumenta.

VIII. ECG
A monitoração eletrocardiográfica contínua é imprescindível e o intensivista deve dominar o diagnóstico e trata-
mento das arritmias cardíacas. O CITIN aceita e adota todas as medidas do ACLS (Advanced Cardiac Life Sup-
port) nessas situações (Apêndice 1).
IX. CAPNOGRAFIA
A monitoração contínua da capnografia é de fundamental importância no paciente neurocrítico, uma vez que a
antiga manobra da hiperventilação está proscrita pelo CITIN e pela evidência atual. A PCO 2 deve ser mantida em
seu valor normal, 35 mmHg, assim como o pH em 7,40.
Em situações excepcionais de aumento da PIC acima de 20 mmHg, refratárias ao tratamento convencional, a hi-
perventilação otimizada é a melhor estratégia. Nessa situação, podemos manter a PCO 2 entre 30 e 35 mmHg, com
controle simultâneo do bulbo da jugular (manter SjO 2 entre 55% e 75%), estando sempre muito atentos para evitar
a hipóxia oliguêmica, resultante da excessiva redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC).
Dessa maneira, as manobras anteriores em que fazíamos hiperventilação às cegas estão proscritas. Elas tinham
incrível eficiência para diminuir a PIC, mas em contrapartida eram acompanhadas de diminuição do FSC, por
vasoconstrição. Assim, o resultado final era a diminuição da PIC às custas de grande diminuição da oferta de O 2 às
células, sendo o resultado final muito prejudicial ao paciente.
X. SATURAÇÃO VENOSA
A saturação venosa central (sangue venoso do cateter de PVC = SvcO 2) e a saturação venosa mista (sangue venoso
distal do cateter de artéria pulmonar = SvO 2) devem ser mantidas ≥ 70%. Deve-se notar que nas situações de insta-
bilidade hemodinâmica, especialmente no choque séptico, a correlação entre as duas medidas não é boa, sendo a
SvcO2 quase sempre menor (5% ± 5,1%) que a SvO2. Apesar de haver uma queda em paralelo das duas medidas e as
tendências de subida e descida dos valores se correlacionarem, não se deve usar a SvcO2 para cálculo das variáveis
derivadas do oxigênio, transporte (DO2) e consumo (VO2) de O2, sob pena de incorrermos em erros grosseiros e
inaceitáveis de cálculo.
XI. DETERMINANTES DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
O objetivo primário do tratamento da Sra. Lolita, como em todos os pacientes, é assegurar que o oxigênio reque-
rido por suas células e tecidos, a assim chamada demanda ou consumo de oxigênio (VO2), seja fornecido. O VO2 é
variável de tecido para tecido e muda de acordo com o metabolismo das células, na medida em que o estado basal
ou ativado esteja presente, em resposta a diferentes estímulos locais ou sistêmicos. O transporte de oxigênio (DO 2)
deve se acomodar a essas diferenças para assegurar a homeostase celular. Para termos condições de medir o DO2 e
o VO2, a colocação de um cateter de artéria pulmonar é necessária. O CITIN reconhece as recentes preocupações
da literatura referentes ao uso do cateter, e estimula uma investigação continuada a respeito. Entretanto, à luz dos
conhecimentos atuais, o CITIN e muitos intensivistas experientes continuam a defender o uso imprescindível do
cateter em situações selecionadas.
O DO2 é determinado pela equação:
DO2= DC x CaO2 x 10
onde DC é o débito cardíaco e CaO2 é o conteúdo arterial de oxigênio em mL/dL. Os fatores determinantes do DC
são: pré-carga, pós-carga (impedância), freqüência cardíaca e contratilidade miocárdica. Valores normais de DO 2
vão de 900 a 1000 mL/min. O CaO2 é definido como:

37
CaO2 = (Hb x 1,37 x SaO2) + (0,003 x PaO2)
Valores normais para o CaO 2 são 22 mL/dL. Portanto, estimando a magnitude de apenas sete fatores (Hb, SaO 2,
PaO2, freqüência cardíaca, pré-carga, pós-carga e contratilidade), todas as variáveis que influenciam o DO 2 podem
ser avaliadas.
Para determinar se o DO2 é adequado para satisfazer as necessidades dos tecidos, uma medida independente do VO2
é necessária. O VO2 é calculado pela fórmula:
VO2 = DC x (CaO2 - CvO2) x 10
Onde CvO2 é o conteúdo de oxigênio da mistura venosa de sangue retornando dos tecidos ao coração. O CvO 2 é
(Hb x 1,37 x SvO2) + (0,003 x PvO 2), onde PvO2 e SvO2 são obtidos do sangue aspirado lentamente de um cateter
em repouso na artéria pulmonar. O valor normal de VO2 é 250 mL/min.
A diferença entre DO2 e VO2 deve, portanto, ser de aproximadamente 750 ml/min de oxigênio a mais que o consu-
mido, mostrando uma reserva considerável de oxigênio na circulação. Como o débito cardíaco está presente em am-
bas as equações, e será o mesmo quando as medidas arterial e venosa forem simultâneas, a mesma diferença entre
oferta e consumo de oxigênio pode ser expressa pela diferença artério-venosa de oxigênio (CaO2 - CvO2), também
conhecida como C(a-v)O2, que é normalmente 4 a 6 mL/dL.
Portanto, para compreender completamente o equilíbrio fisiológico entre DO2 e VO2 da Sra. Lolita, algumas medidas
diretas são feitas, e, a partir delas, outras variáveis são calculadas, usando fórmulas fisiológicas padrão.
Os parâmetros necessários para avaliar a relação entre transporte e consumo de oxigênio da Sra. Lolita e de todos
pacientes graves serão detalhados a seguir.
A. SaO2, PaO2, Hb
Essas medidas são diretamente obtidas através de uma amostra de gasometria arterial, retirada do cateter da artéria
radial.
B. Pré-carga
A pré-carga é uma medida ou estimativa do volume ventricular ao final da diástole. Esse volume é geralmente esti-
mado a partir da medida direta mais facilmente obtida da pressão, isto é, a pressão diastólica final dos ventrículos
esquerdo e/ou direito (PD2) e representam os volumes diastólicos finais dos ventrículos esquerdo e/ou direito (VD 2).
A pressão venosa central (PVC), obtida de um cateter posicionado em uma grande veia do tórax, estima a PD2 do
ventrículo direito e a pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) estima a PD 2 do ventrículo esquerdo. Essa
relação volume/pressão é admitida na ausência de doença valvular, hipertensão pulmonar, tamponamento cardíaco
e “shunt” intracardíaco.
A equivalência idealizada entre pressões e volumes nas câmaras esquerdas freqüentemente não é correta, e depen-
de da complacência ou distensibilidade do ventrículo. Durante isquemia miocárdica aguda ou crônica, sepsis e
outras doenças similares, os ventrículos podem diminuir muito a complacência, tornando-se rígidos e não relaxar
completamente durante a diástole. Essa disfunção diastólica reduz o volume da câmara no final da diástole e um
VD2 menor é representado por uma PVC ou POAP relativamente maior. Nessas circunstâncias, a pré-carga não é
adequadamente representada pela PVC ou POAP.
Muitos estudos mostram que a PVC e a POAP não podem ser precisamente preditas pelo exame físico. Da mesma
forma, o conhecimento da PVC também não permite uma predição da POAP, especialmente em pacientes com
ICC. Igualmente, mudanças na PVC não necessariamente predizem que a POAP vá se alterar na mesma intensida-
de, e muito menos na mesma direção.
Entretanto, de uma maneira geral, uma PVC baixa geralmente corresponde a um baixo volume intravascular, e

38
normalmente está associada a uma POAP baixa e a uma pré-carga baixa. Medidas de PVC normais ou altas, no
entanto, devem ser avaliadas muito criteriosamente, já que raramente são boas preditoras de POAP ou pré-carga.
Os valores normais para as pressões medidas a partir de um cateter da artéria pulmonar estão mostrados na Tabela
3.
B. DÉBITO CARDÍACO
A medida do débito cardíaco usando a técnica da termodiluição deve ser feita com muita atenção a vários detalhes
técnicos. Quantidades precisas do líquido termodiluidor (à temperatura ambiente ou gelado) devem ser injetadas
suave e uniformemente através da via proximal do cateter da artéria pulmonar durante 4 segundos, a intervalos de
90 segundos, para produzir pelo menos quatro medidas seqüenciais. Sistemas de injeção comerciais simplificam esse
processo, mas os médicos, a enfermagem e o pessoal de laboratório encarregado das medidas devem estar familiari-
zados com curvas de aparência anormal e outros detalhes do procedimento. A acurácia do método da termodilui-
ção na medida de um débito cardíaco conhecido através de um simulador de pulso cardíaco é de 10% a 15%.
Tabela 3. Valores normais obtidos de um cateter da artéria pulmonar

Valor IntervaloNormal
PAD (PVC) 2 a 8 mmHg
PVD Sistólica, 20 a 30 mmHg; Diastólica, ≤ PAD
PAP Sistólica, 20 a 30 mmHg; Diastólica, 5 a 15 mm Hg
POAP 2 a 12 mmHg; deve ser menor que a PAP diastólica
DC 4a6L/min(adultos)
SvO2 65% a 75%

PAD, pressão se átrio direito; PVD, pressão de ventrículo direito; PAP, pressão da artéria pulmonar; POAP, pressão
ocluida da artéria pulmonar; DC, débito cardíaco; SvO2, saturação de oxihemoglobina da mistura venosa.

C. PÓS-CARGA
A pós-carga é a força da parede ventricular esquerda necessária para vencer a resistência (impedância) à ejeção
do sangue durante a sístole. Corriqueiramente, a pós-carga é considerada como a resistência ao fluxo de saída e é
representada pela resistência vascular sistêmica (RVS). A RVS é calculada a partir da equação:
RVS = PAM – PVC x 80
DC
O intervalo normal da RVS é de 800 a 1200 dinas.seg/cm 5. A RVS, que é a representação do tonus vascular (vasodi-

latação/vasoconstrição), em determinadas situações pode se alterar primariamente produzindo choque distributivo


(nessa categoria estão o choque séptico, o choque anafilático, a insuficiência adrenal aguda e o choque neurogênico)
ou secundariamente, em resposta a baixo desempenho cardíaco, onde a vasoconstrição ajuda a manter uma pressão
de perfusão sistêmica adequada.
D. CONTRATILIDADE CARDÍACA

A contratilidade cardíaca é a medida da potência e da velocidade de encurtamento das fibras miocárdicas durante
a sístole. Como foi mostrado por Frank e Starling, a contratilidade é altamente dependente da pré-carga e da pós-
carga, e é difícil de ser medida como uma variável independente. Os métodos incluem a ecocardiografia, a medida
da fração de ejeção, e o cálculo do trabalho sistólico do ventrículo esquerdo (TSVE):
TSVE = VS x (PAM – POAP) x 0,0136
onde VS é o volume sistólico, isto é, o débito cardíaco dividido pela FC. O valor normal do TSVE é de 70 a 120
gramas/min ou 40 a 68 gramas/min/m2.

39
A presença de contratilidade baixa sugere três possíveis opções terapêuticas: aumentar a pré-carga, diminuir a pós-
carga ou considerar o uso de um agente inotrópico.
Um cateter de artéria pulmonar foi colocado na Sra. Lolita via subclávia E. A PVC era de 8 mmHg, a POAP era de 12
mmHg, o débito cardíaco de 7,0 L/min, e a RVS estava baixa. Seu TSVE era supra-normal, indicando boa contratili-
dade, apesar de sua história de ICC. Seu VO2 era discretamente baixo e seu DO 2 era supra-normal. Assim, sua neces-
sidade tissular aparente de O2 estava garantida pelo seu transporte. Essas alterações eram, portanto, compatíveis com
um estado hiperdinâmico, que freqüentemente acompanha a SIRS de causa infecciosa. A PA da Sra. Lolita respondeu
muito bem a uma infusão adicional intravenosa de fluidos.

XII. CATETERIZAÇÃO VENOSA CENTRAL

As indicações
posição da colocação
do cateter venoso é de cateter
sempre venoso central estão listadas na Tabela 4. A confirmação radiográfica da boa
recomendável
Tabela 4. Indicações para cateterização de veia central

Medida da pressão venosa central


Acesso a veias mais calibrosas
Dificuldade para manutenção de acesso venoso de longa permanência
Administração de drogas irritativas e/ou hiperalimentação
Hemodiálise
Colocação de marcapasso temporário
Colocação de cateter de artéria pulmonar

As indicações para a colocação de um cateter de artéria pulmonar estavam estabelecidas no caso da Sra. Lolita,
isto é, dados hemodinâmicos de medida direta e calculados eram necessários e não poderiam ser obtidos de uma
maneira menos invasiva.
A condição da Sra. Lolita se estabilizou após o tratamento adequado de sua infecção do trato urinário, e do correto
manuseio de suas condições hemodinâmicas decorrentes da SIRS. Por causa da monitoração adequada e precoce, ela
reverteu a hemiplegia esquerda, não precisou de entubação, não deteriorou seu estado clínico para IMOS, e não sofreu
ataque secundário de isquemia miocárdica.
PONTOS CHAVE: MONITORAÇÃO HEMODINÂMICA
1. Qualquer aparelho de monitoração requer que seus usuários estejam familiarizados com sua operação e compli-
cações potenciais. A monitoração requer a colaboração colegiada de vários profissionais em equipe.
2. A oximetria de pulso é um método não invasivo que estima a oxigenação arterial e deve ser aplicado a todo pa-
ciente com qualquer tipo de instabilidade em sua fisiologia.
3. Os monitores de pressão arterial não invasiva tem uma acurácia menor nas situações clínicas comumente encon-
tradas no paciente neurocrítico, como trauma, choque, ventilação mecânica e arritmias.
4. As duas indicações primárias de cateterização arterial são múltiplas amostras de sangue arterial e registro con-
tínuo da pressão arterial.
5. A função primária do sistema cardiorespiratório é assegurar que as demandas de oxigênio e nutrientes das células
sejam supridas pelo transporte de oxigênio e nutrientes.
6. A análise dos componentes do equilíbrio entre transporte e consumo de oxigênio, e os determinantes de cada um
deles são o foco principal da terapêutica.
7. O clínico que inicia o alto nível de monitoração e tratamento quando da colocação do cateter de artéria pulmo-

40
nar, deve compreender completamente as inter-relações dos processos hemodinâmicos medidos e as complicações
do cateter, ou deve buscar consultoria e assistência apropriadas.
LEITURA SUGERIDA
1. Amin DK, Shah PK, Swan HJC: Deciding when hemodynamic monitoring is appropriate. J Crit Illness 1993;
8:1053.
2. Curley FJ, Smyrnios NA: Routine monitoring of critically ill patients. In:Rippe JM, Irwin RS, Fink MP, et al
(Eds). Intensive Care Medicine. Third Edition. Boston, Little, Brown, 1996, p 275.
3. Knobel E: Condutas no paciente grave. 2a edição. São Paulo, Editora Atheneu, 1998.
4. Shoemaker WC, Parsa MH: Invasive and noninvasive physiologic monitoring. In: Shoemaker WC, Ayres S,
Grenvik A, et al (Eds). Textbook of Critical Care. Third Edition. Philadelphia, WB Saunders, 1995, p 252.
5. Terzzi RGG, Araújo S: Monitorização hemodinâmica e suporte cardio-circulatório no paciente crítico. 1a edi-
ção. São Paulo, Editora Atheneu, 1995.
6. Dellinger RP et al: Surviving sepsis campaign guidelines for management of severe sepsis and septic shock.
Critical Care Medicine 32 (3): 858-73, 2004.

41
42
Capítulo 6

Propedêutica neurológica complementar


Assim como em qualquer outra área de atuação ou especialidade médica, após o exame clínico inicial sistematizado
e, a seguir, o exame dirigido, temos nos exames complementares elementos muito importantes nas conclusões diag-
nósticas e orientações para as condutas terapêuticas devidas, sejam elas cirúrgicas ou clínicas.
Os recursos na propedêutica complementar do paciente neurocrítico sofreram uma profunda mudança para melhor
nos últimos anos, com o advento e evolução dos exames e das técnicas de neuro imagem.
Os exames laboratoriais também tiveram um importante incremento com as novas técnicas de dosagens de drogas,
mapeamentos com marcadores específicos, reações imunológicas, etc.
Um recurso de grande utilidade no paciente neurocrítico e cuja utilização diminuiu muito em freqüência, após
evolução da neuroimagem, foi o exame do líqüor, que deixou de ser rotina na avaliação dos quadros vasculares cere-
brais, embora ainda guarde grande importância nas doenças infecciosas e inflamatórias, nas doenças degenerativas
e nas encefalopatias.
A colheita do líqüor é feita por uma punção lombar ou sub occipital (Figura 1), pode ser realizada à beira do leito,
e, em alguns casos, já previamente trepanados, na sala operatória, o líqüor pode ser colhido diretamente dos ven-
trículos cerebrais.

Figura 1. Técnicas de coleta do líqüor

A punção lombar, além de exigir luvas esterilizadas e todo cuidado de assepsia e antissepsia, é um procedimento
doloroso e deverá ser acompanhado de anestesia local. É muito perigosa e arriscada em situações de hipertensão
intracraniana, sabida ou suspeitada, e deve ser realizada com todo rigor técnico, após análise do gradiente de pres-

são,
pelo pelo risco de morte
encarceramento do secundária
tronco altoana
herniação
região dodas amídalas cerebelares, comprimindo o tronco cerebral baixo ou
tentório.
Nos métodos de exames neurofisiológicos, a eletroencefalografia (EEG) é importante na análise e diagnóstico de
inúmeros casos de estado de mal epilético (EME) atípico, principalmente o EME não convulsivo. Além disso, o
EEG é extremamente útil na qualificação e quantificação dos estados de sedação e analgesia profundos, nota-
damente naqueles com uso de barbitúricos. Também é exame importante na determinação protocolar da Morte
Encefálica.

43
A ecoencefalografia perdeu muito espaço, a partir da evolução da qualidade das neuroimagens, e, apesar da van-
tagem de ser exame de beira de leito, apresenta altos índices de falsos negativos e falsos positivos. No entanto, a
ultra-sonografia método B, para análise em lactentes com o uso das janelas fontanelares, tem se colocado como
exame de ponta para estudo dos ventrículos cerebrais e coleções intracranianas.
Assim como a ecoencefalografia, exames como a mielografia cervical e lombar, a ventriculografia e o pneumoence-
falograma perderam suas indicações para métodos de imagem como a Tomografia e a Ressonância, que apresentam
melhor resolução diagnóstica e menor risco.
A radiografia simples de crânio e coluna vertebral (principalmente cervical) tem suas indicações mais freqüentes
nos casos de trauma.

A arteriografia
estudo cerebral,
das doenças antes tão
vasculares utilizada na
(aneurismas, localização
angiomas, de processosartério-venosas,
mal-formações expansivos, hojeetc.)
é utilizada apenas
e na análise da para o
vascu-
larização de tumores.
Os grandes auxiliares propedêuticos complementares, sem dúvida, são hoje os exames de Tomografia Computado-
rizada (TC) e a Ressonância Magnética (RM), seja pela possibilidade de inúmeras reconstruções, seja pela análise
direta das imagens obtidas.
É necessária muita atenção para o fato de que os aparelhos de TC revelam o dimídio direito e esquerdo de modo
diferente do padrão dos exames radiológicos simples. A TC é exame encontrado com relativa facilidade, mesmo
em hospitais públicos, devido a seu custo menor e à extrema utilidade do método. Uma unidade de emergência
sem este equipamento perde muito em sua finalidade e utilidade da equipe, pois o neurocirurgião ficará muito
limitado em decidir sua estratégia terapêutica. Na avaliação das patologias do SNC de urgência é quase sempre o
primeiro exame complementar a ser realizado. Na suspeita de um AVE agudo, uma TC normal praticamente afasta
a hemorragia e indica conduta específica. Tratando-se de um AVE isquêmico agudo, que ainda não apresente alte-
ração na imagem, que chegue ao PS com uma janela de tempo de 3 horas após o ictus, e que não apresente contra
-indicações, esse paciente deverá ser trombolizado com r-tPA. Essa alteração poderá ser vista, a posteriori, após a
trombólise, na RM ou em uma TC com 12 ou 24 h de intervalo, após o ictus. Para detectar a presença de sangue,
hematomas, hemorragia subaracnóide, a TC tem quase 100% de sensibilidade, sendo considerado o “método pa-
drão” por vários estudiosos.
O conhecimento da anatomia de ventrículos, sulcos, cisternas, cisuras e estruturas da linha média, é fundamental
para uma correta conclusão diagnóstica. Quando analisamos uma TC cerebral, precisamos adotar uma seqüência
que venha nos facilitar o rápido reconhecimento da gravidade de cada caso. Inicialmente, a identificação do pacien-
te e data do exame, seguida da análise da linha média, que quando desviada indica necessidade de conduta urgente,
com parecer do neurocirurgião. Esse desvio da linha média significa uma descompensação do equilíbrio da pressão
intracraniana ou perda do controle do gradiente de pressão intracraniana (hérnia ou deslizamento do parênquima
cerebral). O desvio da linha média pode resultar em lesões graves, tanto pelo desvio do tronco cerebral, com as
lesões isquêmicas conseqüentes, quanto por estiramento das artérias circunferenciais nutrientes.
A seguir, deve ser realizada a avaliação da patência, forma e tamanho de sulcos, cisternas, cisuras e ventrículos.
Essas estruturas estarão diminuídas ou apagadas, na dependência da necessidade de compensar a presença de
massas expansivas intracranianas ou edema e inchaços cerebrais, com conseqüente hipertensão intracraniana (vide
doutrina de Monro Kellie, no capítulo de HIC). Quanto mais evidente o apagamento dos sulcos, cisuras e cisternas
ou a diminuição dos ventrículos, maior será o comprometimento da complacência cerebral.
Por fim, a identificação de alterações de densidade intracranianas, com ou sem efeito de massa, e a definição da
necessidade de evacuação cirúrgica, que deve ser feita em conjunto pelo intensivista e pelo neurocirurgião.
Os aparelhos modernos, helicoidais ou os mais novos, multidetectores, podem fazer uma arteriografia cerebral,
carotídea ou de qualquer vaso, apenas com a injeção venosa, sem a agressiva e mais arriscada punção arterial. E a
qualidade das imagens em reconstrução é muito bem definida, sendo muito piores as angiografias feitas no passado

44
quando comparadas aos exames dos dias atuais.
Como dado importante de referência na RM, chamamos a atenção para a dificuldade de interpretação, devido a
constantes de leitura magnéticas num mesmo exame, conhecidas como T1 e T2. Assim, uma mesma imagem em T1
e T2 pode ser muito diferente. As estruturas pobres em átomos de hidrogênio (líqüor, ar, ossos) aparecem negras ou
escuras em T1, já que praticamente não emitem nenhum sinal magnético. A corrente sanguínea também não emite
nenhum sinal magnético, uma vez que os núcleos atômicos se deslocam rapidamente na circulação.
A RM é método mais caro e menos disponível. Poucos hospitais públicos têm este equipamento. Sua manutenção,
manuseio e interpretação exigem investimento alto e pessoal treinado. É técnica altamente sensível e específica, es-
pecialmente com uso das chamadas técnicas de supressão, nas quais o sinal específico da gordura ou da água pode
ser removido; e, na dúvida de uma lesão cística, a remoção do sinal da água fará a lesão ficar sem sinal, se se tratar
de um cisto. Já em um tumor de células com alto conteúdo adiposo - um lipoma por exemplo - o sinal da gordura
removido fará a diferença na interpretação da imagem.
A RM também tem a capacidade de realizar imagens angiográficas, até mesmo sem a introdução de meio de con-
traste venoso. Sua elevada capacidade de contraste entre tecidos faz dela o exame padrão na investigação da doença
neurológica. Para o radiologista, a investigação do cérebro e medula vertebral se faz com a RM. Exceto no trauma,
quando a TC é superior pela capacidade de mostrar lesão do osso. A RM consegue mostrar muito bem as lesões
nas doenças desmielinizantes, sendo fundamental para o diagnóstico em pacientes com TC normal.
O edema cerebral pode ser visto por ambos os métodos, mas alterações discretas são mais bem vistas na RM.
As tomografias por emissão de pósitrons (PET) e por emissão de fóton único (SPECT) tem seu uso ainda restrito,
sendo encontrados em poucos hospitais aqui no Hemisfério Sul. Tem como principal aplicação o registro de pro-
cessos metabólicos cerebrais, alem de medir e projetar as atividades cerebrais com estudo do fluxo.

45
46
Capítulo 7

Monitoração neurológica multimodal


INTRODUÇÃO
O avanço progressivo dos conhecimentos adquiridos na abordagem e no acompanhamento de pacientes neurológicos gra-
ves nos fez compreender que apenas parte do insulto ao sistema nervoso central ocorre no instante do ictus do
ou trauma,
chamado de LESÃO PRIMÁRIA. A evolução natural do evento primário complicado ou não por fatores previsíveis e
evitáveis (hipotensão arterial, hipóxia, distúrbios metabólicos e hipertermia entre outros), possibilita a ocorrência de alte-
rações morfológicas e estruturais no parênquima cerebral na evolução natural (horas ou dias
seguintes) do episódio inicial,
colaborando para o agravamento da lesão encefálica, caracterizando aquilo que chamamos de LESÕES SECUNDÁRIAS.
Independente de se tratar de lesões primárias ou secundárias, a via final comum nestes pacientes é o aumento da pressão
intracraniana (PIC) e suas seqüelas deletérias à perfusão cerebral e conseqüente isquemia. Desta maneira, é importante
compreender que o trauma é uma patologia dinâmica, que evolui progressivamente ao longo do tempo.
Após divulgações sucessivas das recomendações da Brain Trauma Foundation (BTF), no que tange às lesões traumáti-
cas, e de inúmeras publicações em referência ao doente neurológico criticamente grave, ficou evidente o importante papel
dos protocolos de abordagem inicial e monitoração do paciente neurológico grave, politraumatizado ou não. As afir-
mações com diferentes níveis de evidência demonstram redução da morbi-mortalidade de pacientes vitimas de insultos
ao SNC. Estes protocolos enfatizam a necessidade de pronta reanimação cardiorrespiratória, com vistas à manutenção
da homeostase, seguida da investigação diagnóstica e tratamento específico de lesões intracranianas e posterior cuidado
com devida monitoração geral e especializada do paciente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
O principal objetivo da monitoração neurológica, além de vigiar e avaliar nossas atitudes a cada momento será
prevenir, após o diagnóstico precoce, os eventos que possam desencadear as ditas lesões cerebrais secundárias ou
agravar as lesões do SNC já existentes. Nos diversos métodos utilizados, encontramos características limitadas em
cada procedimento ou sensor, o que nos obriga a monitorar simultaneamente diversas variáveis, obedecendo a cri-
térios baseados na evolução e refratariedade do quadro neurológico. A esse conjunto de variáveis protocoladas para
melhor monitorar o paciente neurológico grave, denominamos MONITORAÇÃO MULTIMODAL.
INDICAÇÃO DA MONITORAÇÃO DA PIC E DA PPC
Conforme observamos no Tabela 1, a proposta é realizar a adequada avaliação seqüencial e global das seguintes
variáveis:
Tabela 1. Possibilidades de monitoração multimodal

• Exame Clínico e Neurológico – Neuro-check


• Temperatura Central e Osmolaridade Plasmática
• Monitoração Cardíaca Contínua e ECG
• Hemodinâmica – PAM, PVC e PCP (Swan-Ganz)
• Oximetria + Capnometria e Gasometrias Seriadas
• Neuro Imagem Seqüencial
• PIC e PPC
• SjO2 e ECO2
• Temperatura Cerebral
• Doppler Transcraniano (FSC)
• EEG, Potenciais Evocados e BIS
• Tecidual –
Micro diálise e Neurotrend
• Oxigenação transcutânea

47
Abordadas no capítulo anterior de monitoração básica, as variáveis referentes à homeostase, hemodinâmica, venti-
lação, temperatura corporal e dados neurológicos, que avaliam possível degeneração rostro caudal são fundamen-
tais para todos os pacientes neurológicos em UTI. Com freqüência vamos observar que o evento isquêmico ocorre
pela ineficácia da pressão de perfusão tecidual (PPT), que é o resultado do gradiente de pressão entre a pressão
média da raiz da aorta (PAM) e da pressão central da veia cava (PVC).
PPT = PAM – PVC
No paciente neurológico, sabemos que a via final do insulto cerebral é sempre uma reação monótona do cérebro,
que incha quando vê sua homeostase alterada, além dos processos expansivos intracranianos, com conseqüente au-
mento da pressão intracraniana (PIC) e suas seqüelas deletérias à perfusão cerebral e conseqüente isquemia. A PIC
é na verdade uma resultante da resistência venosa cerebral, que é igual à PVC em condições normais e diretamente
proporcional nas situações em que há aumento isolado da pressão intracraniana. A pressão de perfusão tecidual
cerebral ou PPC seria então o gradiente entre a PAM e a resistência venosa cerebral em condições normais. Em
situações de hipertensão intracraniana, a PPC é o resultado do gradiente entre a PAM e a PIC.
PPC = PAM – PIC
Em publicação, considerada clássica, no American Journal of Surgery, no ano de 1935, os autores Browder e Meyer
afirmavam que “Analisados isoladamente ou em combinação, a pressão arterial, a freqüência cardíaca, o padrão respi-
ratório e o nível de consciência jamais poderiam indicar os níveis da pressão intracraniana, se alta ou baixa, se aumen-
tando ou diminuindo ou em platô”. Segundo relato científico do Dr. Antohny Marmarou “A morfologia, a fisiologia,
a pressão intracraniana e a condição clínica do paciente neurológico grave mudam constantemente. O que devemos
fazer?”. Essas afirmações clássicas fortalecem nossa indicação para monitoração da PIC e da PPC, à beira do leito.
Além de sua importância como fator preditivo, definimos que a PIC é uma variável da monitoração neurológica
intensiva especializada a ser observada no paciente neurológico grave sempre que ele tenha:
• Risco de elevação da PIC

• Suspeita de elevação da PIC

• Diagnóstico de HIC

Conforme orientação proposta no capítulo de hipertensão intracraniana, vamos considerar HIC quando houver:
• Uma medida de PIC > 20 mmHg por intervalo > que 10’

• Ou repetidas medidas > que 20 mmHg em qualquer intervalo de tempo

O maior estudo com dados prospectivos (1030 pacientes), concluiu que o limite de 20 mmHg teve a melhor corre-
lação com o prognóstico favorável. (Marmarou A, et al. J: Neurosurg 75: S159-166, 1991)
A PIC normal em adultos varia de 0 a 10 mmHg. Em crianças de 05 a 10 mmHg. Breves elevações fisiológicas ocor-
rem com a tosse, espirro, esforço ou na posição de Trendelenburg. Admite-se que PIC maior que 20 mmHg deva ser
tratada. A HIC é considerada moderada até 40 mmHg e é considerada severa a partir de 41 mmHg. Alguns autores
relataram que os resultados foram mais benéficos com a PIC mantida em níveis de 15 mmHg quando comparados
com os resultados obtidos com PIC entre 20 a 25 mmHg. Os limites adequados para manutenção da PIC devem ser
determinados pela análise de diferentes condições, como: causa e localização da lesão neurológica, idade, doenças
associadas, tempo de evolução, condição clínica, etc.
Recentes publicações sobre mortalidade em pacientes com TCE grave, com a TC cerebral mostrando presença de
processo expansivo, definiram como importantes fatores preditivos a idade e a avaliação inicial da escala de coma
de Glasgow (ECGl). Nos pacientes com TC sem evidência de processo expansivo, a PIC foi fator preditivo bastante
evidente (maior que 60%).

48
A indicação deve ser precisa. A monitoração da PIC requer um procedimento invasivo, que não é isento de riscos
e complicações. É utilizada, principalmente, em pacientes com TCE grave, edema cerebral pós-operatório, AVE
isquêmico ou hemorrágico e, ainda, em encefalites, hidrocefalias, síndrome de Reye e pós-parada cardio-respirató-
ria prolongada. Qualquer acometimento encefálico que possa resultar em hipertensão intracraniana com ou sem
alteração da consciência deve ter a PIC monitorada. A monitoração está formalmente indicada nos pacientes com
lesão cerebral focal ou difusa, em fase aguda, sem indicação de cirurgia imediata e que preencham um dos três
critérios abaixo:
• Escala de Coma de Glasgow (ECGl) ≤ 8, após manobras de ressuscitação

• Queda de 02 pontos no intervalo de 3 horas nos exames seriados da ECGl

• Necessidade de sedação e analgesia por outro problema clínico que impossibilite o acompanhamento do nível de
consciência
Na análise de pacientes traumatizados de crânio, com risco de elevação da PIC, vamos considerar os dados publi-
cados nas recomendações da BTF, onde pacientes com ECGl < 9 tem maior risco de elevar a PIC:
• Se TC cerebral Normal - HIC em 25 %

• Se TC Anormal - HIC em > 75 %

Assim, salvo contra indicações formais, a monitoração da PIC está indicada em TCE grave com TC anormal, pelo
alto índice de elevação da PIC. A monitoração da PIC estará indicada em pacientes com TCE grave com TC nor-
mal, com necessidade de sedação e analgesia relevante ou pela presença de pelo menos dois dos quatro seguintes
fatores:
1 - Idade > 40 anos
2 - PAS < 90 mmHg
3 - Postura Patológica
4 - Piora de 2 pontos na ECGl
Entretanto, nos casos de pacientes com TCE leve e moderado com ECGl > 9, a presença de HIC é menos freqüente.
O risco de HIC ocorre em menos de 3% quando a avaliação da ECGl mostra valores de 13 a 15, e em torno de 20%
quando a ECGl mostra valores entre 9 e 12. Sendo baixa a probabilidade de se evoluir para o coma com elevação
da PIC, sua monitoração não é indicada de rotina nos pacientes com TCE leve ou moderado. Existe a opção de
monitorar a PIC quando há lesão traumática evidente na TC cerebral, além de ser indicada também em pacientes
com necessidade de sedação e analgesia, pela perda de possibilidade de avaliação seqüencial do nível de consciência.
Outra situação de indicação precisa para monitorar a PIC seria quando houvesse suspeita de HIC em pacientes
com injúria cerebral aguda sem indicação imediata de cirurgia, sendo consideradas as seguintes situações:
• Hipertensão com bradicardia

• Avaliação da TC cerebral com apagamento de sulcos, cisternas e cisuras e/ou desvio da linha média

• Disjunção das suturas observada em Rx simples do crânio em crianças

• Alteração da consciência sem distúrbio metabólico e/ou hemodinâmico


• Alterações do fundo de olho

• Alterações da movimentação ocular extrínseca

• Sinais clínicos de hérnia cerebral (posturas patológicas, anisocorias)

49
MÉTODOS DE MONITORAÇÃO DA PIC
No início do século XX, Quincke, Queckenstedt, Ayala e Ayer, determinaram as bases fisiológicas relacionadas com
a PIC através de punções lombares. Os resultados confirmaram as proposições de Monro, Kellie e Burroughs. Em
1930, Browder e Meyers sugeriram que a monitoração da PIC deveria ser utilizada para tratamento do trauma de
crânio. Somente a partir dos trabalhos de Guillaume e Janny (1951) e Lundberg (1960) foi estabelecida a viabilidade
e utilidade da monitoração contínua da PIC para o diagnóstico e tratamento de várias desordens intracranianas. O
método para monitoração contínua da PIC foi aplicado por Lundberg a partir de 1960. Ele relatou os resultados
da monitoração direta da PIC através de ventriculostomia em 143 pacientes. Lundberg descreveu a fisiopatologia
e o significado clínico das três formas de onda (A, B e C) encontradas durante a monitoração da PIC. A monito-
ração contínua da PIC foi adotada de forma disseminada e diferentes métodos foram propostos (Tabela 2). Todos
requerem uma trepanação no crânio para passagem de um cateter ou fibra que transmita a PIC a um equipamento
ou sensor externo.
Tabela 2. Métodos de monitoração da PIC

• CATETER
• Intraventricular e Subaracnóideo
• Subdural e Epidural
• PARAFUSOS OU CÁPSULAS
• Richmond, Philadelphia, Leeds, Phillips
• Subdural
• SENSORES de FIBRA ÓTICA e ELETRÔNICOS
• Camino, Ventura, Codman e Spigelberg
• Ventricular, intraparenquimatoso, cisternal, subaracnóideo

As diferenças entre os métodos consistem basicamente nos seguintes pontos:


• Local de posicionamento da ponta distal do cateter ou fibra - ventrículo lateral, parênquima cerebral, espaço sub-
dural e subaracnóideo. Atualmente tem-se estudado a monitoração da PIC por cateter lombar, o que possibilitaria
a monitoração pelo intensivista até a análise do caso pelo neurocirurgião e posterior escolha do método ideal.
• Tipo de sensor – Mecânico hidrostático para sensor externo de membrana (domus), ou eletrônico (chip) ou fibra
ótica.
• Meio de transmissão (material contido no cateter ou fibra) - água, fibra óptica, fibra metálica.
• Leitor externo - equipamento específico ou monitor de pressão invasiva com sensor de membrana associado à
coluna de água.
As características, vantagens e desvantagens de cada método são comparadas nas tabelas 3 e 4 abaixo:

50
Tabela 3. Locais para a monitoração da PIC

Local Vantagens Desvantagens


• Possibilita monitoração, mesmo com • Invade o tecido cerebral
Intraparenquimatoso “ventrículos pequenos” • Impossibilidade da drenagem de LCR
• Uso da fibra óptica ou sensor eletrônico • Risco de sangramento
• Método mais acurado • Dificuldades para canular o ventrículo
Ventrículo lateral • Permite drenagem de LCR para controle (“ventrículo pequeno”)
da PIC e diagnóstico de infecção • Risco de Ventriculite
• Não invade o encéfalo ou ventrículo • Menor acurácia
Espaço subdural • Menor taxa de infecção • Possibilidade de obstrução

• Pós craniotomia
• Não invade o encéfalo ou ventrículo • Menor acurácia
Espaço subaracnóideo • Baixo índice de infecção • Risco de obstrução
• Possibilidade de cateter lombar
A escolha pela monitoração com cateter intraparenquimatoso, subdural, subaracnóideo ou intraventricular estará
na dependência das condições clínicas do paciente, tamanho do ventrículo lateral e etiologia da doença neurológi-
ca. Contudo, deve-se sempre ponderar, como primeira opção, a instalação do cateter ventricular, pois tem a vanta-
gem da drenagem de LCR, facilitando o controle da PIC e maior acurácia das medidas.
Tabela 4. Sistemas de monitoração da PIC

Modo de Transmissão Vantagens Desvantagens


• Coluna pode ser obstruída por
bolhas de ar ou debris
• Uso subaracnóideo ou intraventricular
• Presença de artefatos pela movi-
Coluna Líquida • Permite verificar a calibração após a
mentação do tubo
inserção • Precisa-se nivelar o transdutor
após mudar a posição da cabeça
• Mínimo desvio e artefato
• Quebra da fibra
• Alta resolução da forma da onda
• Incapacidade para verificar a
Fibra óptica • Não precisa reposicionar o transdutor
calibração após a inserção
após alterações na posição da cabeça
• Custo operacional
• Uso subaracnóideo, intraventricular e IP
• Boa acurácia • Necessidade de conexão com
• Passagem do cateter por contra abertura outro aparelho para registro gráfico
Fibra metálica ou eletrônica • Monitoração lombar, fossa posterior e e análise morfológica das ondas, em
fossa temporal tempo contínuo
• Manuseio por médico clínico • Custo operacional

Quando utilizamos métodos de monitoração cujo resultado é expresso em cm de água (cm H 2O), é necessário rea-
lizar a conversão para mmHg:

1 mmHg = 1,36 cm H2O


FALHAS NA MONITORAÇÃO DA PIC
As falhas na monitoração da PIC estão relacionadas ao método empregado e ao tempo de monitoração. A sensibi-
lidade do método perante de fibra óptica tem boa acurácia por cinco dias, em média. Após este tempo o que mais
se observa é uma perda na qualidade morfológica das ondas, com variações constantes, sendo difícil estabelecer o
valor correto da PIC, perda da calibração inicial e quebra da fibra óptica. Nas monitorações ventriculares, devido
à evolução patológica e compressão sobre os ventrículos laterais, há parada da drenagem liqüórica externa e dimi-

51
nuição significativa da sensibilidade do método. Outro fator é a obstrução do cateter, que interrompe a transmissão
da pressão, inviabilizando a monitoração.
Nos sistemas que usam sensores externos como o domus (sensor de membrana), as falhas podem estar associadas
aos fatores anteriormente citados, bem como à mudança de decúbito sem o reposicionamento do sensor, ou ainda,
à presença de ar dentro do sistema, o que gera erros de interpretação.
ANÁLISE QUALITATIVA DA PIC – ONDAS DE PRESSÃO
A análise da morfologia das ondas é tão importante quanto a monitoração do valor da PIC. Variações de forma
podem indicar falência nos mecanismos de compensação e antecipar informações de elevações na PIC. As formas
das ondas são avaliadas de duas formas distintas:

1. Análise do registro gravado de forma contínua em papel.


2. Análise de cada pulso arterial demonstrado na tela do aparelho.
Através da análise do registro gráfico e contínuo da PIC a uma velocidade de 50 mm/h, Lundberg descreveu as
características de três ondas:
• Onda A (ou onda de platô) = representada por um aumento progressivo da PIC até alcançar níveis de 50 a 100
mmHg que mantém um platô por 2 - 15 minutos, seguida de uma queda abrupta para níveis ligeiramente maiores
que a PIC inicial. Com o tempo ocorre aumento na freqüência, duração e amplitude das ondas. Indicam diminui-
ção da complacência e estão associadas a um prognóstico ruim. São distinguíveis quatro fases, a saber:
- Fase de tendência: ocorre redução na PPC para níveis de 70 mmHg, causando vasodilatação e aumento da
PIC.
- Fase de platô: caracterizada pelo aumento do fluxo sangüíneo cerebral ainda em conseqüência da vasodilatação
que mantém os elevados níveis da PIC.
- Fase de resposta isquêmica: a PIC elevada reduz a PPC. Ocorre queda do fluxo sangüíneo cerebral, que atinge
níveis de isquemia, com conseqüente resposta adrenérgica (Cushing) e aumento significativo da PAM.
- Fase de resolução: estabelecido o retorno dos níveis da PPC e conseqüente vasoconstrição, há diminuição do fluxo
sangüíneo cerebral com redução nos valores da PIC.
• Onda B = representada por aumentos abruptos da PIC até 50 mmHg, com freqüência de 1 a 2 por minuto. São
as ondas mais freqüentemente observadas e podem variar com a respiração. Também indicam diminuição da com-
placência. Experimentos mostram que estas ondas estão relacionadas diretamente ao fluxo sangüíneo cerebral e ao
diâmetro dos vasos. Não estão associadas à pressão arterial e com a concentração de dióxido de carbono. Por isso,
são consideradas de questionável significância clínica.
• Onda C = é reflexo da onda arterial deTraube-Hering, sendo também conhecida como onda de Mayer e pode ser
considerada normal. Contudo, pode também ser causada por aumento da transmissão do pulso arterial intracra-
niano, por diminuição da complacência, sendo observada, mesmo com o valor absoluto da PIC, dentro dos limites
da normalidade.
Na busca de melhores condições e resultados para a monitoração da PIC e à luz de novos conhecimentos técnicos,
surgiram aparelhos que permitem uma monitoração mais fidedigna, com curvas gráficas mais precisas. Isto possi-
bilitou o estudo do formato das ondas a uma velocidade de 25 mm/s. Foram descritas três ondas principais em um
ciclo de pulso, conhecidas como P1, P2 e P3. Assim como uma pedra atirada na superfície de um lago, a passagem
de pulsos de sangue através da circulação cria ondas secundárias que se difundem e reverberam. A onda P1 ou onda
de pulso representa a transmissão e dissipação da onda de pulso para o interior do crânio e tem maior amplitude em
relação às outras, em condições normais de complacência. As ondas P2 (tidal wave) e P3 (dicrotic wave) represen-

52
tam a propagação e reverberação da onda de pulso e estão relacionadas à elastância cerebral, têm amplitude menor
que a primeira, sendo vistas graficamente uma subseqüente à outra, como ilustra a figura 1. Podem ser observadas
ondas de menor amplitude após P3, que se admite representarem a transmissão da circulação sangüínea nas veias.
Outrossim, em condições de menor complacência cerebral, onde, na verdade, há um aumento na densidade cere-
bral, as ondas se propagam mais rapidamente, aproximando-se da amplitude da onda de pulso, o que graficamente
se traduz pela equivalência ou superioridade do tamanho da onda P2 em relação a P1. Isto é de grande valia na
interpretação da monitoração contínua da PIC, uma vez que o diagnóstico da falência dos mecanismos tampão do
controle da PIC está próximo, mesmo quando os valores absolutos estiverem dentro dos limites da normalidade.
Fato este que vem corroborar com observações na literatura que têm mostrado que a curva de Langfitt pode ter
deslocamento no sentido horizontal.
Figura 1. Morfologia de uma onda PIC normal e anormal.

COMPLICAÇÕES
Infecções e sangramentos são as complicações mais freqüentes. A taxa de incidência e a gravidade variam confor-
me o método de monitoração usado. O método intraventricular apresenta maior incidência de complicações que o
subdural, subaracnóideo ou o intraparenquimatoso.
As infecções podem ser superficiais (na pele ao redor do cateter ou parafuso de fixação) ou profundas (ventricu-
lite ou abscesso). A taxa de ventriculite associada à ventriculostomia para colocação do cateter varia de 1 a 10%
e parece aumentar com o tempo de permanência do cateter. Estudos (Narayan e cols) demonstraram que a taxa
de infecção é desprezível em pacientes monitorados com cateter intraventricular por até 03 dias, porém as taxas
aumentam após o quinto dia de inserção. Cuidados rigorosos de assepsia e antissepsia durante a realização da ven-
triculostomia e no manuseio diário do paciente e seus curativos, contra-abertura com a tunelização do cateter de 3
a 5 cm, o uso de antibiótico profilático no pré e per operatório, a troca do cateter e sítio de inserção a cada 5 dias,
com monitoração laboratorial diária do líqüor tendem a reduzir a incidência de ventriculite. Na atualidade, sendo
respeitadas todas as recomendações de prevenção da infecção, não se aceita índice de infecção maior que 1%.
O risco de sangramento importante varia de 1 a 2%. Eventualmente será necessário indicar cirurgia descompressiva
para evacuação de um hematoma subdural, intraparenquimatoso ou mais raramente extradural. Novamente, o
método intraventricular apresenta maior probabilidade de sangramento, principalmente em pacientes com coagu-
lopatias. As alterações do estado de coagulação constituem a única contra-indicação relativa do método. Cabe ao
cirurgião julgar a relação risco x benefício nesses casos. A ocorrência de fístula liqüórica é mais freqüente nos casos

53
de permanência prolongada do cateter no mesmo local e em pacientes que evoluem com níveis muito elevados de
PIC, pela formação de falsos trajetos pelo pulso hidrostático liqüórico.
SITUAÇÕES ESPECIAIS NA INTERPRETAÇÃO DA MONITORAÇÃO DA PIC
Algumas situações podem levar a erros de interpretação, bem como dificuldades na avaliação dos dados de moni-
toração da PIC e do hemometabolismo encefálico. As principais considerações e circunstâncias em que isso ocorre
podem ser colocadas da seguinte forma:
• Lesões da Fossa Média:

• Tendo em vista a proximidade do uncus do lobo temporal com o mesencéfalo, as herniações uncais devido ao au-
mento no gradiente de pressão, nesta localização, podem não traduzir um aumento efetivo na PIC. Assim, patolo-
gias agudas como contusões temporais, hematomas, congestão vascular e edemas nesta região, podem ter evolução
desfavorável, mesmo com a monitoração ventricular da PIC, revelando valores absolutos considerados normais.
• A monitoração compartimental, na fossa média, poderia ser expressiva naqueles casos de aumento ultra-rápido
do gradiente de pressão. A expressividade clínica destas circunstâncias, na sua grande maioria cirúrgicas, tornaria
a monitoração obsoleta em relação à conduta.
• Atenção especial deve ser dada nos casos de evolução insidiosa, como nos edemas, em que a observação constan-
te da morfologia das ondas pode revelar o momento da falência dos mecanismos compensatórios e da alteração
na complacência (P2 > P1), fato este que precede a herniação. Isto possibilita o diagnóstico e tratamento precoce,
melhorando o prognóstico.
• Lesões da Fossa Posterior:
• A fossa posterior comporta-se como um compartimento fechado dentro do crânio e aloja de forma compacta o
cerebelo, tronco encefálico, IV ventrículo e aqueduto cerebral, sendo limitada superiormente pela tenda do cerebe-
lo. Assim, torna-se quase que intuitivo que pequenas lesões neste compartimento podem levar a herniações fatais,
mesmo com valores da PIC dentro da normalidade, semelhante ao que ocorre na fossa média.
•Contudo, algumas lesões (hematomas, isquemia, trauma, tumores) podem primeiramente obstruir o trajeto do
LCR (aqueduto cerebral e/ou IV ventrículo) promovendo hidrocefalia supratentorial e elevação da PIC.
• O valor da monitoração da pressão na fossa posterior tem sido motivo de vários ensaios científicos e, embora
seu benefício ainda não esteja claro, a monitoração compartimental na fossa posterior pode se revelar importante
nas lesões cerebelares localizadas, mas deve ser realizada sempre em concomitância com a monitoração supraten-
torial.
• Hemorragia subaracnóidea:

• O aumento da PIC pode estar relacionado a:

 processo inflamatório levando a edema;


 hidrocefalia devido à diminuição na reabsorção de líqüor ou a obstrução do fluxo liqüórico por hematomas;

 edema devido a isquemia pelo vasoespasmo, patologia comumente observada nas hemorragias subaracnóideas,
pós ruptura de aneurismas saculares intracranianos, devido a reatividade vascular aos produtos de degradação da
hemoglobina.
• Durante monitoração no vasoespasmo, a pressão intracraniana normal não garante que a perfusão tecidual esteja
adequada para a necessidade metabólica causando isquemia mesmo, com pressão de perfusão dentro dos limites da
normalidade. É uma grande falha da monitoração da PIC a ocorrência de queda dos níveis pressóricos da mesma,
na fase inicial do vaso espasmo, simulando uma falsa melhora dos níveis pressóricos num paciente que terá sua

54
evolução agravada.
FIM DA MONITORAÇÃO
A decisão pela suspensão da monitorização envolve a análise dos seguintes fatores:
• Doença de base (história natural, evolução, fase crítica, etc.)
• Condição clínica geral do paciente

• Hemodinâmica cerebral

• Metabolismo cerebral

A PIC e a complacência cerebral devem permanecer normais e estáveis por pelo menos 24 horas. Devemos procurar
por sinais de retorno da auto-regulação e reatividade normal ao CO2. A sedação deve ser retirada de forma gradual,
ainda sob controle da monitorização da PIC.
Tabela 5. Quando retirar e/ou trocar o cateter da PIC

• Melhora do quadro clínico com superficialização da consciência -


abertura ocular espontânea e/ou obedecer a estímulo
• Resolução do quadro de HIC (normal por período maior que 24 h)
• Sinais evidentes de infecção
• A cada cinco dias se a retirada final não está definida

O retorno do controle da hemodinâmica cerebral pode ser determinado pelo sinal da inversão da tendência hemo-
metabólica do paciente, também chamado de ALARME OU ALERTA HEMOMETABÓLICO. Por exemplo, em
um paciente com hiperemia cerebral mantido em hiperventilação otimizada, o aumento da ECO2, sem alteração no
padrão ventilatório ou nos parâmetros monitorados, indica um retorno do controle hemodinâmico. A hiperventi-
lação passa a apresentar efeitos deletérios por aumento da vasoconstrição e tendência à hipóxia oliguêmica.
CONCLUSÃO
Respeitadas as indicações acima descritas, a monitoração da PIC é fundamental para o bom êxito na evolução
das patologias neurológicas, não importando o método utilizado. Os parâmetros obtidos com esta monitoração,
aliados à dedicação na observação constante do paciente e a interpretação correta destes dados, junto a outras va-
riáveis, resultam em diagnóstico precoce e por conseqüência, tratamento efetivo instituído em tempo hábil. Trata-se
assim de monitoração primordial e de fácil acesso, justificando plenamente o seu uso na maioria das unidades de
terapia intensiva que lidam com este perfil de paciente. A monitoração da PIC é procedimento fácil de realizar, com
baixo custo operacional e grande benefício terapêutico, mas sua análise individual pode trazer erros na estratégia
terapêutica sendo uma de suas limitações a dependência da análise de outras variáveis. A otimização da terapêutica
de paciente com HIC monitorada deve ser realizada com a análise conjunta de outras variáveis como a saturação
do bulbo da jugular (SjO2) ou uso do Doppler transcraniano que fornecem boas informações do hemometabolismo
cerebral.
SATURAÇÃO DO OXIGÊNIO NO SANGUE DO BULBO DA JUGULAR (SJO
2)

A oximetria jugular é uma das ferramentas da monitoração multimodal na condução dos pacientes com hiperten-
são intracraniana. Pela análise da extração cerebral de oxigênio (ECO 2), podemos avaliar a relação entre o fluxo
sanguíneo cerebral (FSC) e o consumo cerebral de oxigênio (CMRO2).
A saturação de oxigênio no sangue venoso que drena do hemisfério cerebral permite inferir a atividade metabólica
cerebral em relação ao seu suprimento ou à taxa de CMRO2. A determinação simultânea da diferença arterioveno-
sa desta saturação permite calcular a extração cerebral de oxigênio e inferir o provável fluxo sangüíneo cerebral.

55
Vários modelos já foram propostos para uma melhor compreensão dessa relação do hemometabolismo cerebral,
mas sofrem interferência de outras variáveis, não sendo de grande aplicabilidade clínica (DAVO
2
).
A vantagem de utilizar a ECO2 em vez de DAVO2 está na possibilidade de ocorrência de pacientes anêmicos, ou com
baixas taxas de hemoglobina (Hb), onde o cálculo da DAVO 2 pode sugerir, em virtude de seus valores reduzidos, o
falso diagnóstico de hiperfluxo relativo (hiperemia cerebral). Nessas situações, em verdade o FSC pode estar nor-
mal. Nas situações em que se mantém a auto-regulação cerebral, o FSC não aumenta para compensar a redução
das taxas de Hb. Por outro lado, a ECO2 nestes casos, aumenta, exatamente pela falta de incremento esperado do
FSC, verificando-se a dessaturação venosa jugular.
O fluxo sangüíneo cerebral é calculado em aproximadamente 700 ml/min, correspondendo a 15% do débito cardí-
aco. Pesando de 1200 a 1400 g no adulto, o cérebro consome 40 ml de O 2 por minuto, ou 15% a 20% do oxigênio
liberado pelos pulmões. Em condições normais, 30% a 35% do O 2 circulante na rede vascular arterial cerebral é
extraído, levando a uma saturação venosa de aproximadamente 65% no bulbo jugular. Para manter o suprimento
adequado de glicose e oxigênio, um fluxo sanguíneo constante, apesar de amplas variações na PPC, é conseguido
através da capacidade de auto-regulação estática e dinâmica cerebral.
Sendo o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) 50 ml/100 g/min, o conteúdo de O 2 no sangue arterial 14 ml/dl e o oxigênio
do sangue venoso do bulbo jugular 7,7 ml/dl, temos uma diferença arteriovenosa (carótido-jugular) de oxigênio
(DAVO2) de 6,3 ml/dl. Ou seja, o cérebro extrai 6,3 ml de O 2 por cada decilitro de sangue. Conhecendo-se o FSC e
a DAVO2, podemos calcular a taxa de consumo de O 2 pelo cérebro (CMRO2).
CMRO2 = FSC x DAVO2
A DAVO2 pode ser calculada pela fórmula:
DAVO2 = [(SaO2 –SjO2) x Hb x 1,36] / 100
DAVO2 = diferença arteriovenosa (jugular) de oxigênio;

SaO2 = saturação arterial de oxigênio;


SjO2 = saturação venosa jugular de oxigênio;
1,36 = taxa de carregamento de O 2 pela hemoglobina;
Hb = hemoglobina em g / 100 ml de sangue.
A saturação venosa jugular de oxigênio (SjO2) pode ser verificada de forma contínua, através de sistema de fibra
óptica, ou de modo intermitente, através da coleta de amostras de sangue venoso pelo cateter posicionado no lú-
mem da veia, estando sua extremidade na região do bulbo da jugular. A SjO2 permite, através do diagnóstico pre-
coce de eventos hipóxicos ou hipóxico/isquêmicos transitórios ou persistentes, uma correta abordagem terapêutica,
prevenindo a lesão secundária ou procurando minimizar ou reverter as conseqüências decorrentes do tempo que o
paciente experimentou níveis de PIC elevada. Permitindo também definir ou identificar nível adequado da pressão
de perfusão cerebral (PPC) e otimização ventilatória (PCO2) para cada caso.
A ECO2 é medida global que não permite detecção correta de alterações regionais do hemometabolismo cerebral,
no entanto nas situações clínicas em que acontecer modificação predominantemente global (não exclusivamente),
fornece informações fidedignas sobre o balanço/acoplamento entre consumo cerebral de O 2 e o Fluxo Sanguíneo
Cerebral. Segundo Cruz et al a ECO 2 tem como valor normal médio encontrado 31,6%. Para melhor compreender
essa relação, é interessante lembrar que, em condições normais, cerca de 60% da energia total consumida pelo cére-
bro é gasta em funções sinápticas e o restante é utilizado em funções metabólicas basais.
Na fisiologia normal, o metabolismo aeróbico cerebral consome glicose e O2 levando à produção de CO2, que
atravessa facilmente a barreira hemato-encefálica. Nessas condições, o CMRO2 equivale a 3,5 ml/100g/min. Con-

56
siderando-se que a SaO2 está dentro dos limites da normalidade (> 94%) e que o neurônio extrai cerca de 32% do
oxigênio ligado à hemoglobina arterial, restam 62% do lado venoso jugular.
ECO2 = SaO2 – SjO2 = 24 a 42%
Dentro de uma situação fluxo-metabolismo cerebral acoplados, diante de saturação de O 2 arterial e concentração
de hemoglobina normais e constantes, alterações na SjO 2 refletem mudanças do FSC. Contudo, em pacientes com
TCE, outros fatores como pH e concentração de hemoglobina podem quebrar esta inter-relação ou acoplamen-
to. Em condições de alcalose induzida pela hiperventilação, a curva de dissociação da oxi-hemoglobina pode ser
desviada para a esquerda, fazendo com que o tecido cerebral passe a ter menor capacidade para extrair O 2 arterial
completamente (ECO2 rebaixada), traduzindo uma oxigenação venocapilar global comprometida. Este fenômeno
denomina-se de efeito Bohr.
Todo o ambiente metabólico do paciente deve estar o mais equilibrado possível, conforme enfatizado pelas medidas
gerais já explanadas, para que outras variáveis como hipoxemia, hipercarbia, hipertermia, convulsões, anemia, etc,
não interfiram na análise dos resultados obtidos, gerando condutas terapêuticas inapropriadas. Alguns cuidados
devem ser seguidos para inserção do cateter no bulbo jugular. A drenagem venosa cerebral é realizada pelas veias
jugulares internas. A certificação do lado dominante pode ser feita por alguns métodos:
 compressão de cada veia jugular (maior aumento da pressão intracraniana);
 avaliação da tomografia computadorizada de encéfalo (pelo maior forame jugular passa a veia jugular de maior
calibre);
 ultrasom vascular (comparação do calibre das duas veias);
 se não há diferença entre as duas veias jugulares → veia ipsilateral à lesão cerebral mais importante;
A metodologia de inserção do cateter é pela punção da veia jugular interna via retrógrada e inserção do cateter,
comum ou de fibra óptica, até o teto do bulbo jugular (discreta resisistência a ± 15-17 cm). Exterioriza-se 0,5-1,0 cm
do cateter para melhor posicionamento que é confirmado pelo RX de crânio em perfil (o bulbo jugular é medial ao
mastóide e curva-se medialmente ao nível da base do mastóide; a extremidade do cateter situa-se acima da segunda
vértebra cervical). Deve-se ter o cuidado de manter o lúmen do cateter com solução salina a 0,9%, não administrar
drogas e utilizar o catéter apenas para monitoração e coleta de amostras de sangue. A oximetria jugular tem a van-
tagem de ser um procedimento de fácil realização à beira leito, fornecendo informações, intermitentes ou contínuas,
sobre o consumo cerebral de oxigênio de forma global. A monitoração da saturação do bulbo da jugular estará
indicada nas situações a seguir:
• Quando houver monitoração da PIC instalada e houver necessidade de hiperventilação otimizada;
• Necessidade da avaliação do acoplamento entre consumo cerebral de O2 e fluxo sanguíneo cerebral;
• Necessidade de otimizar terapêutica da HIC monitorada.
A principal indicação de monitoração do bulbo jugular é o paciente com hipertensão intracraniana, que não apre-
senta melhora apesar de realizadas todas as medidas de primeira linha para controle da HIC. A monitoração
concomitante da pressão intracraniana (PIC) e da SjO2 vai permitir que a hiperventilação otimizada (PCO2 até 30
mmHg) seja realizada como medida terapêutica com segurança. As contra-indicações à colocação do cateter
são TRM cervical, trauma local, coagulopatias e traqueostomia (maior risco de infecção). As complicações
são infrequentes, sendo a punção inadvertida da artéria carótida a mais comum delas, seguidas de lesão do bulbo
(transfixação) e trombose venosa. As principais situações clínicas que encontramos no paciente com HIC monito-
rado com oximetria jugular são as descritas a seguir:
• ECO2 normal

57
Ocorre nas situações de hipometabolismo cerebral ou estados de coma em que o consumo reduzido de oxigênio leva
a vasoconstrição e conseqüente redução do FSC.
Se a PIC é normal, nenhuma intervenção a ser realizada.
Se a PIC está aumentada, a manipulação da PaCO 2 ou o uso de manitol em bolus são úteis no controle da HIC,
com o cuidado de manter a ECO2 dentro dos limites da nomalidade. Afastar a possibilidade de sedação inadequada
e hipotensão que poderiam estar levando a um aumento da PIC.
• ECO2 reduzida

Há um aumento do fluxo sanguíneo cerebral para um consumo de oxigênio já reduzido, levando ao quadro de
hiperperfusão cerebral relativa.
Se a PIC é normal, afastar situações que levem a hiperemia secundariamente, como hipóxia hipóxica, hipóxia is-
quêmica (hipovolemia, hipotensão, lesão vascular), hiperfluxo por hipervolemia ou sepse (cascata inflamatória nos
vasos cerebrais).
Se a PIC está aumentada, a hiperventilação otimizada é bem indicada, desde que o paciente esteja bem sedado.
Lembrar que outros fatores podem estar contribuindo para a leitura errônea, como deslocamento do cateter, aspi-
ração rápida da amostra de sangue, hipercarbia e shunt AV.
Esse grupo de pacientes deve ser prontamente tratado; pois apresenta maior taxa de mortalidade quando compa-
rado ao grupo com ECO2 aumentada.
• ECO2 aumentada

Ocorre uma vasoconstrição excessiva, levando à redução do FSC para um consumo cerebral de oxigênio já reduzi-
do. Reflete o quadro de hipoperfusão cerebral relativa (hipóxia oliguêmica cerebral).
Se a PIC normal, é imperativo afastar outros fatores como hipoxemia, hipertermia, anemia, hipocarbia, hipoten-
são, hipovolemia, desidratação, convulsão e vasoespasmo.
Se a PIC está aumentada, está indicado o uso de soluções hiperosmolares, como o manitol em bolus ou solução
hipertônica de sódio, para devido controle da PIC e ECO2.
Esses pacientes evoluem com maior sobrevida (menor morbimortalidade), devido à melhor viabilidade cerebral
global.
CONCLUSÃO
A avaliação da oximetria do bulbo jugular é útil no diagnóstico diferencial entre diversas situações neurológicas
ajudando na orientação da conduta a ser tomada. A monitoração da ECO2, associada a PIC e PPC, permite oti-
mização do tratamento intensivo destes pacientes. Na atualidade, visando um melhor controle dos malefícios que
possam causar lesão secundária no paciente neurológico, vários parâmetros e metodologias têm sido firmadas
como importantes métodos de monitoração desses pacientes. Variáveis e metodologias como temperatura cerebral,
velocidade de fluxo em artérias cerebrais (Doppler Transcraniano), EEG, Potenciais Evocados, BIS, concentrações

teciduais de Ouso
nicos e ainda
2
, CO 2
, valor doque
de sensores pH, glicose e glutamato
determinam através
a oxigenação da Micro diálise
transcutânea ou de
estão com neurotrendsnas
implantação óticos ou eletrô-
diversas UTIs
de referência para o paciente neurocrítico, cada vez mais freqüentes. No apêndice dessa apostila, textos informati-
vos sobre tais metodologias podem ser consultados.

58
Capítulo 8

Hipertensão intracraniana
A hipertensão intracraniana (HIC) é uma emergência médica e deve ser reconhecida e tratada o mais rapidamente
possível. A elevação da pressão intracraniana (PIC) é uma complicação potencialmente devastadora da injúria
neurológica primária. Ela pode estar associada a várias etiologias diferentes e freqüentemente complica o trauma
craniencefálico, tumores do sistema nervoso central, hidrocefalia, encefalopatia hepática, hemorragia ou infarto
cerebral. O sucesso na abordagem da HIC requer o seu rápido reconhecimento, o uso correto da monitoração inva-

siva, o tratamento de redução da pressão intracraniana e a correção da causa subjacente.


O aumento da pressão intracraniana pode causar injúria no parênquima cerebral através de dois mecanismos prin-
cipais: diminuição da pressão de perfusão cerebral (PPC) e do fluxo sangüíneo cerebral (FSC), causando isquemia
e necrose tecidual; e herniação do tecido cerebral, acarretando injúria mecânica direta e isquemia ou hemorragia
por distorção vascular.
FISIOLOGIA
A pressão intracraniana (PIC) é normalmente menor que 10-15 mmHg em adultos e hipertensão intracraniana
com potencial efeito deletério está presente quando a pressão for ≥ 20 mmHg. Elevações ocasionais e transitórias
da PIC, acompanhadas de tosse, espirro ou manobras de Valsalva, são normalmente estabilizadas por mecanismos
homeostáticos.
Em adultos, o compartimento intracraniano é protegido pelo crânio, uma estrutura rígida com um volume interno
fixo de 1400 a 1700 ml. Sob condições normais, o conteúdo intracraniano inclui (em volume):
• Parênquima cerebral – 80-85%

• Líquido cerebroespinhal (líqüor) – 5 a 10%

• Sangue – 8 a 12 %

Entretanto, volumes patológicos, como lesões com “efeito de massa”, por exemplo, abscessos ou hematomas, po-
dem estar presentes dentro do compartimento intracraniano. Desde que o volume total do compartimento intra-
craniano não pode mudar, o aumento no volume de um dos componentes ou a presença de um componente pato-
lógico, necessita ser compensado pelo deslocamento de outra estrutura ou a PIC aumentará. Então, a PIC é uma
função do volume e da complacência de cada um dos componentes intracranianos. Esta relação foi reconhecida há
mais de 150 anos e é denominada de doutrina de Monro-Kellie.
O volume do parênquima cerebral é relativamente constante em adultos, embora ele possa ser alterado por
lesões com efeito de mass a ou por edema cerebral. O líqüor é produzido pelo plexo coróide numa taxa de 20
ml/h (cerca de 500 ml/dia). Ele é normalmente reabsorvido nas granulações aracnóides pelo sist ema venoso.
Alterações na regulação do conteúdo de líqüor podem ocorrer nas obstruções ventriculares ou nas conges-
tões venosas ( por exemplo, trombose de seio sagital). Um aumen to na produção de líqüor é um evento raro,
mas pode ocorre nos casos de papilomas do plexo coróide. O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) determina o
volume de sangue no espaço intracraniano. O FSC aumenta com a hipóxia e a hipercapnia. A autoregulação
do FSC pode estar perdida nas injúrias cerebrais e p ode resultar em grave inchaço cerebral, principalmente
em crianças.
A inter-relação entre mudanças no volume dos conteúdos intracranianos e as variações na PIC definem a compla-
cência do compartimento intracraniano. A complacência intracraniana pode ser modelada matematicamente como
uma relação entre alterações de volume pelas alterações de pressão (figura 1).

59
Figura 1. Curva de Langfitt: relação volume x pressão intracraniana

A relação de complacênc ia não é linear, e a complacência diminui à medida que o volume dos conteúdos intr a-
cranianos aumenta. Inicialmente, mecanismos compensatórios permitem que o volume cresça com pequenas
elevações de pressão. Estes mecanismos incluem o deslocamento do líqüor para o saco tecal e a diminuição
no volume de sangue por vasoconstrição e drenagem extracraniana. Entretanto, quando estes mecanismos
de compensação se esgotam, aumentos significativos na pressão ocorrem mesmo com pequenos aumentos no
volume, levando a uma PIC anormalmente elevada.
Além disso, a velocidade de mudança no volume do conteúdo intracraniano determina seu efeito na PIC. Mu-
danças que ocorrem lentamente produzem muito menos efeito na PIC que aquelas que ocorrem rapidamente.
Isso ocorre clinicamente em pacientes com grandes tumores no SNC e que têm PIC normal ou pouco elevada
e outros pacientes com pequenos hematomas e elevações sintomáticas na PIC.
FLUXO SANGÜÍNEO CEREBRAL
Com o aumento significativo da PIC, uma injúria cerebral adicional pode resultar da compressão do tronco
cerebral ou pela redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC). O FSC é uma função da diferença de pressão
através da circulação cerebral dividida pela resistência cerebrovascular, de acordo com a lei de Ohm: FSC =
(PAC – PVJ) / RVC
onde, PAC é pressão arterial carotídea, PVJ é pressão venosa jugular e RVC é resistência vascular cerebral.
A pressão de perfusão cerebral (PPC) pode ser usada como uma informação clínica da perfusão cerebral.
A PPC é definida como a pressão arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PIC): PPC = PAM
- PIC

Auto-regulação: o FSC normalmente é mantido num nível relativamente constante pela auto-regulação da
RVC dentro de uma faixa da PAM (60 a 150 mmHg). Elevaçõe s da PAM são acompanhadas de vasoc onstrição
e diminuições da pressão arterial são compensadas com vasodilatação. Então, a RVC mantém o FSC estável,
dentro dos seus limites de compensação, protegendo a perfusão cerebral das pequenas e moderadas variações
fisiológicas da PAM. Entretanto, a auto-regulação da R VC pode se tornar disfuncionante em certos est ados
patológicos, principalmente no trauma e na doe nça cerebrovascular. Nestas situações, o cérebro pode se tornar
muito sensível mesmo a pequenas variações da PAM e da PPC.

60
Uma outra consideração importante é que os limites da auto-regulação podem mudar consideravelmente em
pacientes com hipertensão arterial crônica, deslocando-se para a direita. Isto protege o cérebro de hiperper-
fusão nas situações com aumento sustentado da pressão arterial. Entretanto, torna o cérebro vulnerável à
hipoperfusão com quedas agudas da pressão arterial, mesmo dentro dos níveis “normais”.
Pressão de perfusão cerebral (PPC): condições associadas com PIC elevada podem estar associadas à redu-
ção da PPC. Isto pode resultar em isquemia cerebral focal ou global. Por outro lado, elevação excessiva da
PPC pode levar a encefalopatia hipertensiva e edema cerebral, devido à quebra da auto-regulação cerebral,
principalmente se a PPC se elevar acima de 120-140 mmHg. Níveis maiores de PPC podem ser tolerados nos
pacientes com hipertensão crônica. As reduções focais ou globais do FSC são responsáveis por muitas das
manifestações clínicas de PIC elevada.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da HIC podem ser divididas em gerais, focais e as síndromes de herniação.
Sintomas gerais de HIC incluem cefaléia, provavelmente mediada por fibras dolorosas do trigêmio na dura-
máter e nos vasos sangüíneos, vômitos e diminuição global do nível de consciência, por pressão na substância
reticular mesencefálica. Sinais de HIC incluem papiledema (por diminuição no transporte axonal do nervo
óptico e congestão venosa), paralisia de nervos cranianos (principalmente do VI par), e a tríade de Cushing
(hipertensão arterial, bradicardia e depressão respiratória). A presença dessa tríade exige uma intervenção
urgente, porque geralmente significa compressão grave do tronco cerebral.
Os sinais focais (ou de localização) da HIC podem ser causados pelos efeitos locais de lesões com efeito massa
ou pelas síndromes de herniação (tabela 1). As herniações ocorrem quando um gradiente de pressão se desen-
volve entre duas regiões intracranianas. As localizações anatômicas mais comumente afetadas pelas hérnias
encefálicas incluem as regiões subfalcina, transtentorial uncal, transtentorial central e tonsilar. O não controle
imediato de uma HIC pode acarretar herniações progressivas e deterioração rostro-caudal, com seqüela neu-
rológica grave ou morte do paciente (tabela 2).
Tabela 1. Principais síndromes de herniação cerebral

SÍNDROMES DE HERNIAÇÃO
Hipertensão intracraniana Cefaléia (se cons ciente)
Diminuição do nível de consciência
Tríade de Cushing (hipertensão arterial, bradicardia e irre-
gularidade respiratória)
Hérnia uncal Piora progressiva do nível de consciência
Midríase ipsilateral
Hemiplegia e Babinski contralateral
Hérnia transtentorial Piora maior do nível de consciência (coma profundo)
central Perda progressiva dos reflexos de tronco
Atitude de decorticação seguida de descerebração
Hérnia tonsilar Coma profundo
Tetraplegia flácida
Parada respiratória

61
Tabela 2. HIC descontrolada com deterioração rostro-caudal

Deterioração rostro-caudal
Cefaléia
Diminuição do nível de consciência
Hipertensão arterial e bradicardia
Dilatação pupilar ipsilateral
Hemiparesia contralateral
Postura de decorticação
Hiperventilação neurogênica
Postura de descerebração
Tetraparesia, dilatação pupilar bilateral
Irregularidade respiratória
Parada cardiorrespiratória
Desde que a acurácia diagnóstica das manifestações clínicas de HIC é limitada e não se correlacionam diretamente
com o nível de pressão, os achados descritos acima podem ser inconstantes e imprevisíveis. O uso de técnicas radio-
lógicas pode suportar o diagnóstico, mas o melhor método de diagnóstico da PIC elevada é a sua aferição direta.
MONITORAÇÃO DA PIC
O tratamento empírico de uma PIC presumidamente elevada é insatisfatório porque a PPC não pode ser monito-
rada confiavelmente sem a medida da PIC. Além disso, a maioria das terapias para diminuir a PIC é efetiva por
períodos limitados e variáveis de tempo, além de terem potenciais efeitos deletérios. Portanto, embora os passos ini-
ciais para controle da PIC elevada possam ser iniciados, numa emergência, sem a sua monitoração, um importante
objetivo no tratamento otimizado do paciente com presumida HIC é a instalação de um dispositivo de monitoração
da PIC.
O objetivo da monitoração da PIC é melhorar a capacidade do médico em manter uma PIC controlada e uma PPC
e oxigenação cerebral adequadas. A única maneira de determinar confiavelmente a PIC e a PPC (determinada pela
diferença entre a PAM e a PIC) é monitorá-las continuamente. Em geral, estes pacientes necessitam de um monitor
de PIC e de uma linha arterial. O controle da HIC, da PIC e a adequação da PPC ao longo do tempo podem me-
lhorar o prognóstico de pacientes com doença neurológica grave, principalmente no traumatismo craniencefálico
(TCE).
O PIC deve ser mantida abaixo de 20 mmHg e a PPC acima de 50 mmHg ou, idealmente, acima de 60 mmHg em
pacientes com HIC para evitar hipoperfusão e isquemia cerebral. O FSC não parece se elevar acima de níveis peri-
gosos até uma PPC de aproximadamente 120 mmHg.
Indicações: o diagnóstico de PIC elevada é geralmente baseado nos achados clínicos e suportado por estudos ra-
diográficos e pela história clínica do paciente. O TCE é uma das mais freqüentes e melhor estudadas indicações de
monitoração da PIC. A prática atual da monitoração da PIC é grandemente derivada da experiência clínica com
TCE. Outras indicações potenciais incluem doença cerebrovascular aguda, hidrocefalia, hemorragia subaracnoí-
dea, síndrome de Reye, encefalopatia hepática e trombose venosa.

A monitoração da PIC no TCE está indicada em pacientes com escala de Glasgow de 8 ou menos e uma tomografia
de crânio (TC) alterada. Pacientes comatosos, com uma TC normal têm uma menor incidência de HIC, a menos
que tenham dois ou mais dos seguintes critérios:
• Idade > 40 anos

• Resposta motora alterada unilateral ou bilateral

• Pressão arterial sistólica abaixo de 90 mmHg

62
• Piora de 2 ou mais pontos na escala de Glasgow

A monitoração da PIC não está regularmente indicada em pacientes acordados e capazes de seguir comando ver-
bal. Uma exceção pode ser o paciente com risco de HIC e que será submetido à anestesia geral ou sedação profunda
prolongada, tornando impossível a monitoração clínica durante algumas horas.
Tomografia computadorizada (TC):embora a TC possa sugerir uma PIC elevada baseada numa lesão com efeito
de massa, desvio da linha média ou apagamento dos sulcos, cisuras e cisternas basais. Pacientes sem esses achados
também podem ter HIC ou desenvolvê-la durante a internação em 10 a 15%. Outros estudos demonstram que até
um terço dos pacientes com TC normal inicial desenvolvem alterações nas TC subseqüentes nos primeiros dias após
um TCE fechado. Estes dados demonstram a importância da monitoração da PIC em pacientes de alto risco e o
papel da TC seqüencial em pacientes que desenvolvem PIC elevada durante a hospitalização.
Desde que a monitoração da PIC está associada a pequeno risco de complicações, incluindo infecção e hemorragia
intracraniana, é razoável tentar limitar seu uso aos pacientes com maior risco de HIC.
TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA
O tratamento da HIC pode ser dividido sistematicamente em 3 fases: abordagem geral, tratamento de 1ª linha e tra-
tamento de 2ª linha. A abordagem geral é composta de uma série de condutas que devem ser instituídas em todos os
pacientes com injúria neurológica e risco de HIC. Nos pacientes com HIC estabelecida, as condutas da abordagem
geral devem ser otimizadas ao máximo e servem de base ao acréscimo de qualquer outra forma de tratamento. As
formas de tratamento de 1ª linha devem ser rapidamente instituídas quando as condutas gerais não forem suficien-
tes para controlar a HIC. Estes tratamentos geralmente não necessitam de monitoração especial adicional, além da
monitoração da PIC. Quando estes tratamentos também não forem suficientes, estes pacientes podem ser conside-
rados refratários ao tratamento geral da HIC e algumas das formas de tratamento de 2ª linha devem ser instituídas.
Nestes casos, a escolha de qual ou quais tratamentos utilizar, deve ser individualizada e pode ser guiada por alguma
forma de monitoração adicional, como por exemplo, a monitoração da SjO 2.

ABORDAGEM GERAL
O melhor tratamento para a HIC é a resolução imediata da causa da elevação da PIC. Exemplos incluem: drena-
gem de um hematoma, ressecção de um tumor, derivação liqüórica nas hidrocefalias e tratamento das alterações
metabólicas subjacentes. Qualquer outra forma de tratamento da HIC é secundária quando existir uma causa cirur-
gicamente tratável. Por isso, a abordagem de uma paciente com suspeita de HIC ou com HIC confirmada sempre
tem uma TC no início.
Independente da causa, a HIC é uma emergência médica e seu tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível.
Além do tratamento específico da causa básica existem manobras que devem ser aplicadas a todos os pacientes e
outras que devem ser reservadas para algumas situações específicas.
Ressuscitação clínica: a avaliação e o suporte da ventilação, oxigenação, pressão arterial e perfusão tecidual são
fundamentais e aplicáveis a todos os pacientes indistintamente. Hipoventilação, hipoxemia e hipotensão arterial
devem ser imediatamente corrigidas (ABCs). Se uma PIC elevada for suspeitada, cuidado deve ser tomado para
minimizar maior elevação durante a intubação, com posicionamento correto do paciente e sedação adequada.
Hipotensão arterial e hipoxemia podem induzir a vasodilatação cerebral reativa, hipertensão intracraniana e hipo-
perfusão cerebral.
Abordagem de emergência: alguns pacientes com herniação cerebral podem se apresentar com manifestações clí-
nicas evidentes de HIC e herniação (Tabela1). Nestes casos, após ressuscitação clínica adequada (ABCs), medidas
imediatas podem ser instituídas até que um detalhamento maior possa estar disponível, através dos estudos radio-
lógicos e da monitoração da PIC. A abordagem de emergência, indicada para todos os pacientes com sinais clínicos
de herniação, inclui:

63
• Elevação da cabeceira do leito até 30º e posição neutra da cabeça
• Manitol intravenoso (1 a 2,0 g/Kg)
• Hiperventilação otimizada para manter PaCO2 em 25 a 30 mmHg

Concomitantemente, uma avaliação clínica mais detalhada deve ser implementada, incluindo história clínica, exa-
me neurológico detalhado e neuroradiologia. Pacientes com sinais clínicos de deterioração devem ser tratados e
rapidamente levados para um diagnóstico tomográfico e para um tratamento cirúrgico, se indicado.
Hiperventilação pode ter efeitos deletérios por isquemia cerebral e somente deve ser usada na fase inicial do trata-
mento da HIC, nos pacientes que estão rapidamente descompensando, apesar das outras medidas instituídas. Do
contrário, a PaCO2 inicial deve ser mantida entre 35 e 40 mmHg.
Monitoração da PIC e a decisão de tratar: se um diagnóstico de PIC elevada for suspeitado e uma causa imediata
não é identificada, então a PIC deve ser monitorada. A escolha do tipo de monitor de PIC empregado deve ser
baseada nas vantagens e desvantagens discutidas na aula de monitoração da PIC.
O objetivo da monitoração da PIC e do tratamento da HIC é a manutenção da PIC abaixo de 20 mmHg e da PPC
acima de 60 mmHg. Qualquer intervenção somente deve ser instituída após a PIC manter-se acima de 20 mmHg
por mais de 5 a 10 minutos, desde que elevações transitórias da PIC podem ocorrer com a tosse, movimento, perí-
odos de aspiração e assincronia com o ventilador. A identificação de ondas patológicas, com rápidas e repetitivas
elevações da PIC também indica necessidade de intervenção.
Administração de líquidos e controle metabólico: em geral, pacientes com PIC elevada não necessitam de restrição
de líquidos. Eles devem ser mantidos euvolêmicos e com a osmolaridade plasmática de normo a hiperosmolar. Ro-
tineiramente, eles devem receber solução salina normal e restrição de água livre. Hipovolemia acarreta diminuição
do FSC e lesão neurológica secundária e deve ser evitada a todo custo. O valor maior da ressuscitação com colóide
ou cristalóide é inconclusível neste momento. Uma atenção especial deve ser dirigida para evitar hiperglicemia nos

pacientes com doença neurológica grave. Uma glicemia abaixo de 150 mg/dl deve ser perseguida.
A osmolalidade sérica deveria ser mantida acima de 280 mOsm/l e o melhor é mantê-la entre 295 e 305 ou até 320
mOsm/l. Hiponatremia é comum nos pacientes com HIC, principalmente nos pacientes com hemorragia subarac-
noídea, e deve ser evitada ou prontamente tratada.
Sedação e analgesia: a manutenção de uma sedação e analgesia apropriadas podem diminuir a PIC por redução da
demanda metabólica, da assincronia com o ventilador, da congestão venosa e da resposta simpática de hipertensão
e taquicardia. Propofol é utilizado com bons efeitos e pode ser titulado rapidamente para permitir um nível de
sedação desejado e permitir reavaliação neurológica freqüente, devido a sua meia-vida curta. Outras drogas como
midazolam, geralmente associado a fentanil contínuo ou morfina intermitente também tem bons efeitos. A dexme-
detomedina pode ser uma droga promissora. Os bloqueadores neuro-musculares só devem ser usados por curtos
períodos, e se possível, evitados completamente.
Controle da pressão arterial (PA): em geral, a PA deve ser suficiente para manter uma PPC maior que 60 mmHg.
Adequada ressuscitação de volume e uso de drogas vasopressoras parecem seguras e não acarretam maior elevação
da PIC. O controle da PA é particularmente relevante nos pacientes sedados, onde hipotensão iatrogênica pode
ocorrer. Hipertensão arterial deve ser tratada somente se a PPC exceder 120 mmHg.
Muito cuidado deve ser tomado para evitar uma PPC abaixo de 60 mmHg ou, como já discutido, uma “normali-
zação” da pressão arterial em pacientes previamente hipertensos. Qualquer dessas duas situações pode se acompa-
nhar de diminuição crítica do FSC e injúria isquêmica adicional.
Posicionamento: pacientes com risco de PIC elevada ou com PIC certamente alta devem ser posicionados para
maximizar o retorno venoso cerebral, sem causar queda significativa na PPC. Em geral, nos pacientes hemodina-
micamente estáveis, uma elevação da cabeceira a 30º satisfaz estas duas exigências e tem-se demonstrado que a PIC

64
apresenta uma queda nesta posição. Além disso, a cabeça deve ser mantida numa posição neutra, evitando flexão
ou rotação excessiva do pescoço (para não bloquear o fluxo jugular) e minimizando qualquer manobra que acarrete
uma resposta de Valsalva (para não aumentar a pressão intratorácica).
Demanda metabólica: uma demanda metabólica cerebral aumentada resulta em aumento do FSC e pode elevar a
PIC por aumento no volume de sangue intracraniano. Além disso, uma demanda metabólica aumentada, sem um
FSC que a satisfaça, pode acarretar isquemia e injúria regional. Contrariamente, uma diminuição na demanda me-
tabólica pode reduzir a PIC pela redução no FSC e prevenir injúria. Se necessário, após sedação adequada, alguns
pacientes podem necessitar de bloqueio neuromuscular (BNM), mas só por curtos períodos. O uso de BNM pode
aumentar o risco de infecção, miopatia e escaras.
Febre aumenta o metabolismo cerebral e injúria cerebral adicional em modelos animais foi demonstrada. Portanto,
o tratamento da febre deve ser agressivo, incluindo antitérmicos e esfriamento físico, em pacientes com HIC.
Convulsões podem complicar um quadro de HIC ou contribuir para elevá-la ainda mais. Tratamento anticonvulsi-
vante deve ser rapidamente instituído se crises convulsivas são identificadas ou suspeitadas. Tratamento profilático
pode ser necessário em casos onde a incidência de crise é alta ou quando seu aparecimento pode levar à injúria
cerebral secundária significativa. Todos os pacientes com HIC devem receber tratamento profilático.
TRATAMENTO ESPECÍFICO
Como mencionado acima, o melhor tratamento da PIC elevada é o tratamento da causa imediata subjacente. Se
isso não for possível ou não foi suficiente, uma série de passos deve ser iniciada para reduzir a PIC e minimizar lesão
cerebral adicional. Em todos os casos, o médico deve ter em mente os itens de ressuscitação, redução do volume
intracraniano e reavaliação freqüente.
Tratamento de 1ª linha
Remoção de lesão com efeito massa ou de líquor: lesão com efeito massa associada a uma elevação da PIC deve ser
removida sempre
ção ventricular queser
deve possível e rapidamente. Da mesma forma, quando hidrocefalia for identificada, uma deriva-
empregada.
Drenagem liqüórica pode auxiliar no controle da PIC, sendo relativamente fácil e disponível quando presente uma
derivação ventricular externa. O líqüor deve ser removido lentamente, principalmente em pacientes com hidrocefa-
lia sintomática por hemorragia subaracnoídea, para evitar sangramento recorrente. Idealmente, o líqüor é removi-
do em alíquotas de 1-2 ml de cada vez, permitindo que a PIC diminua gradualmente.
Osmoterapia: as substâncias hiperosmóticas aumentam a osmolaridade sérica e têm duas ações complementares: 1)
uma expansão quase imediata do volume plasmático, elevando o FSC, diminuindo o hematócrito e a viscosidade
sangüínea, com conseqüente melhora da perfusão e oxigenação cerebral; e 2) um efeito osmótico após 15 a 30 mi-
nutos, com redução do volume cerebral por drenar a água livre do tecido cerebral para a circulação, desidratando
o parênquima cerebral normal e aumentando a complacência intracraniana. Esta ação das substâncias hiperosmó-
ticas requer uma barreira hematoliqüórica intacta para exercer sua ação.
A eliminação urinária dos diuréticos osmóticos pode acarretar desidratação e perda de eletrólitos. O agente mais
comumente utilizado é o manitol, numa solução a 20% e dado em bolus de 0,5 a 2,0 g/Kg no ataque. Doses sub-
seqüentes podem ser utilizadas na dose de 0,25 a 0,75 g/Kg em bolus, a cada 15 ou 30 minutos, para manter PIC
abaixo de 20 e evitando a elevação da osmolalidade acima de 320 mOsm/l. O uso do manitol em pacientes com
insuficiência renal é relativamente contra-indicado.
O efeito de queda na PIC é geralmente evidente após alguns minutos, tem seu pico em 30-45 minutos e dura 2 a 12
horas. Algumas descrições mostram o potencial de um efeito rebote, provavelmente porque, após o uso repetido do
manitol, ele entra no tecido cerebral através de uma barreira hematoencefálica lesada e reverte o gradiente osmóti-
co. A hipovolemia induzida pelo manitol também pode elevar a PIC.

65
Parâmetros úteis na monitoração da ação do manitol são o controle do sódio sérico, da osmolalidade sérica e da
função renal. Complicações freqüentes são hipernatremia, osmolalidade sérica anormalmente elevada (acima de
320mOsm/l), hipovolemia e necrose tubular aguda. Além disso, o manitol pode diminuir a pressão arterial e, nessas
ocasiões, se necessita otimizar a PPC com volume ou vasopressores. Furosemida pode exacerbar as ações do mani-
tol, mas também acarreta maior hipovolemia e hipocalemia.
A solução salina hipertônica (SSH), em soluções a 3%, 7,5% ou 23,4%, administrada rapidamente, nos volumes
de 100 a 250 ml, é usada também com efeitos similares ao manitol, mas em geral é mais potente. Sua ação como
expansor plasmático e rápida correção da hipoperfusão cerebral, torna sua indicação ideal na ressuscitação aguda
do paciente com politrauma e trauma craniencefálico associados. Muitos pacientes com HIC refratária à admi-
nistração de manitol podem responder à SSH. A elevação da natremia (freqüentemente acima de 160 mEq/l) não
é relacionada a qualquer problema clínico ou neurológico significativo. Se hiponatremia significativa não estava
presente antes da administração da SSH, mielinólise pontina central não é descrita como uma complicação.
Corticosteróides: os corticosteróides não são úteis no tratamento da PIC elevada por infarto, hemorragia e TCE.
Eles podem ter um efeito benéfico na HIC por tumor ou infecção cerebral. Nesses casos, o uso de dexametasona
(geralmente bolus de 10 mg EV, seguido por 4 a 10 mg cada 6 horas) está associado a uma diminuição na PIC.
TRATAMENTOS DE 2ª LINHA
Hiperventilação: o uso da ventilação mecânica para diminuir a PaCO 2 a 26-30 mmHg demonstra reduzir rapi-
damente a PIC através de vasoconstrição e diminuição no volume de sangue intracraniano. Se insuficiente para
controlar a HIC, e se não acarretou isquemia cerebral, valores menores de PaCO 2 (20-25 mmHg), com o uso de
hiperventilação otimizada (monitoração concomitante da SjO 2) podem ser tentados após 15 minutos. Uma mu-
dança de 1 mmHg na PaCO2 está associada a uma alteração de 3% no FSC. O efeito da hiperventilação na PIC
inicia-se quase imediatamente, mas é de curta duração (uma a doze horas). A alcalose respiratória induzida pela
hiperventilação é o que determina seu efeito e este se perde à medida que a alcalose é revertida pela eliminação renal
de bicarbonato. Após a hiperventilação terapêutica, a freqüência respiratória deve ser normalizada lentamente nas
próximas horas para evitar um aumento rebote da PIC.
A hiperventilação terapêutica deve ser considerada uma intervenção de emergência em pacientes com HIC e que
estão em evidente descompensação (síndromes de herniação). Outro possível uso da hiperventilação é em pacientes
com PIC elevada e não responsiva às manobras de ressuscitação, sedação, manitol, etc. Neste caso, como a hiper-
ventilação tem o potencial de diminuir a PIC, mas também causar isquemia cerebral deletéria, a hiperventilação
otimizada pode ser utilizada. Desta forma, uma monitoração concomitante da SjO 2 pode ser útil na decisão de
quando iniciar a hiperventilação e até quando mantê-la. A hiperventilação é uma boa indicação quando a SjO2
estiver normal ou alta e, após iniciada, cuidar para que ela não caia abaixo de 55%.
Barbitúricos: o uso de barbitúricos na HIC está relacionado à sua capacidade de reduzir o metabolismo cerebral
e o FSC nas áreas onde o acoplamento metabólico está preservado, diminuindo a PIC. Tionembutal é geralmente
usado, com uma dose de ataque de 3 a 10 mg/Kg, em bolus, seguido de 1 a 4 mg/Kg/h. O tratamento deve ser mo-
nitorado pela resposta na PIC, na PPC e atenção aos efeitos adversos, principalmente hipotensão arterial e predis-
posição à infecção. O EEG mostrando surto-supressão indica efeito máximo do barbitúrico. O barbitúrico deve ser
mantido por pelo menos até 24 horas após o controle da PIC e retirado lentamente nas próximas 24 horas.

O valor do uso dos barbitúricos é controverso. Embora os estudos claramente demonstrem um controle da HIC
em proporções significativas de pacientes com elevação da PIC anteriormente refratária, esta forma de tratamento
não parece diminuir a mortalidade nem melhorar o prognóstico neurológico dos pacientes no longo prazo. A hipo-
tensão pode ser controlada com uso de reposição volêmica e vasopressores. Outro problema gerado com o uso de
barbitúricos é a perda do exame neurológico como monitor de evolução, requerendo monitoração da PIC, da PPC
e eletroencefalográfica contínua ou freqüente.
Hipotermia: a hipotermia também diminui o metabolismo cerebral, o FSC e a PIC, além de poder exercer um efeito

66
cerebral protetor potencial. A hipotermia pode diminuir a PIC quando outras terapêuticas não forem efetivas e
alguns trabalhos demonstram melhora prognóstica no longo prazo. Os principais efeitos colaterais são arritmias
cardíacas, coagulopatia e predisposição à infecção.
Hipotermia pode ser conseguida com o esfriamento do corpo, incluindo cobertas frias, para diminuir a temperatura
central até 32 a 34ºC. A melhor forma de indução da hipotermia não está definida, nem qual a melhor temperatura
central a ser atingida ou por quanto tempo.
Craniectomia descompressiva:a craniectomia descompressiva remove parte dos limites rígidos do crânio, permitindo
que maior volume intracraniano exerça menor pressão. Há um aumento da complacência cerebral e diminuição da
PIC pelo desvio para a esquerda da curva de Langfitt. A craniectomia sozinha pode diminuir em até 15% o valor da
PIC e, quando associado à abertura dadura-máter, a PIC pode cair até 70% do seu valor inicial. Ela estáindicada em
pacientes com HIC refratária e quando o prognóstico ainda pode ser bom com o controle da PIC e a otimização da
PPC. Em casos selecionados, ela pode ser usada em pacientes com C
TE e doença cerebrovascular aguda.
Monitoração da SjO2: o tratamento da HIC deve começar sempre com as medidas gerais, seguidas pela administra-
ção de bolus de manitol. Se a PIC permanecer alta, está indicada a monitorização da SjO2 para auxiliar na escolha
da melhor terapêutica a partir de então (figura 2).
Figura 2. Utilidade da SjO2 na escolha do tratamento da HIC refratária

PIC > 20 mmHg refratária ao tratamento inicial


ECO2 = SaO2 – SjO2
SjO2 = 55 a 75%

ECO2 > 42% ECO2 entre 24 e 42% ECO2 < 24%


SjO2 < 55% SjO2 entre 55 e 75% SjO2 > 75%

Afastar: hipoxemia, hipo-


tensão arterial, anemia, Afastar: deslocamento
hipocarbia, hipertermia, do cateter, aspiração
convulsão, vasoespasmo rápida, hipercarbia,
Tratamento sugerido: shunt AV, destruição
Manitol cerebral grave
Tratamento sugerido: Solução salina hipertônica
Manitol Hiperventilação otimizada
Sedação otimizada Tratamento sugerido:
Solução salina hipertônica
Otimização hemodinâmica Hipotermia Hiperventilação otimizada
Sedação otimizada

A monitorização da SjO2, como já demonstrada no capítulo de monitoração neurológica, deve ser rotineiramente
utilizada para auxiliar nas medidas terapêuticas de 2 a linha. Como qualquer destas medidas pode ser usada em
qualquer circunstância de HIC refratária e todas têm um potencial para causar dano ou complicações, uma me-
dida auxiliar de perfusão/oxigenação cerebral como a SjO 2 pode ajudar a escolher qual alternativa usar e em que
extensão. A figura 2 mostra como usar a SjO 2 para guiar o uso das intervenções para o controle da HIC refratária
às terapêuticas de 1ª linha.
RESUMO FINAL: a melhor forma de controle da hipertensão intracraniana é a resolução da causa imediata da
PIC elevada. Independente da causa, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível e baseia-se nos princí-
pios de ressuscitação, controle rápido e intensivo da hipoxemia, hipoventilação e hipotensão arterial, redução do
conteúdo intracraniano e reavaliação constante. Se o paciente estiver com sinais de descompensação e herniação,
trate rápido com manitol e, se necessário, hiperventilação; estabeleça um diagnóstico radiológico e trate a causa
imediata intensivamente. Do contrário, posicione o paciente corretamente, evite hipertermia e convulsão e adminis-

67
tre analgésicos e sedação básica inicial. Decida as formas de monitoração e inicie a monitoração da PIC e da PPC
nos casos indicados. Procure manter a PIC abaixo de 20 e a PPC acima de 60 mmHg. Se a PIC subir e as manobras
básicas de posicionamento, analgesia e sedação e controle da hipertermia já estejam tomadas, otimize-as e tente
retirar uma pequena quantidade de líqüor se o paciente estiver com cateter de drenagem ventricular. Se isso não for
possível ou insuficiente, a administração de manitol pode ser o próximo passo. Ele pode ser repetido outras vezes, se
necessário. Quando a elevação da PIC se mantiver alta após todas estas manobras, ela é dita refratária à terapêutica
inicial e a monitoração da SjO2 pode auxiliar a decidir a próxima estratégia terapêutica e guiar algumas delas. A
melhor alternativa, a partir de então, deve ser individualizada para cada paciente.

Figura 3. Abordagem terapêutica geral da HIC

BIBLIOGRAFIA:
1. Cruz J: The first decade of continuous monitoring of jugular bulb oxyhemoglobinsaturation: management stra-
tegies and clinical outcome. Crit Care Med 1998;26(2):210-2.
2. Management and Prognosis of Severe Traumatic Brain Injury. A joint project of Brain Trauma Foundation and
American Association of Neurological Surgeons, 2000. www.braintrauma.org
3. Marion DW: Pathophysiology and Treatment of Intracranial Hypertension. In Andrews BT Intensive Care in
Neurosurgery, ed. Thieme, New York, 2003, 47-54.
4. Miller ME and Suarez JI: Cerebral Edema and Intracranial Dynamics: Monitoring and Management of Intra-
cranial Pressure. In Suarez SI Critical Care Neurology and Neurosurgery, ed. Humana Press, New Jersey, 2004,
47-100.
5. Prough DS and Rogers AT: Physiology and Pharmacology of Cerebral Blood Flow and Metabolism. Crit Care
Clinics 1989; 5:713-728.
6. Unterberg AW, et al: Multimodal monitoring in patients with head injury: evaluation of the effects of treatment
on cerebral oxygenation.J Trauma, 1998; 15:509-519.

68
Capítulo 9

Estado de Mal Epiléptico (EME)


A. OBJETIVO
Os principais objetivos desse capítulo são os seguintes:
• assinalar a importância do rápido diagnóstico do estado de mal epiléptico, visto que influencia na resposta
terapêutica e no prognóstico do paciente
• orientar uma estratégia terapêutica prática e efetiva no controle do EME
B. INTRODUÇÃO
O paciente com EME tem crises epilépticas contínuas ou repetidas em um curto intervalo de tempo. Em-
bora existam potentes medicações disponíveis e uma popularização dos protocolos de tratamento, o EME
permanece como uma grande ameaça à vida. Um grande número de formas de EME foi descrito. O EME
convulsivo generalizado é o mais comum. A diferenciação clínica dessas formas pode ser difícil e a terapia
adequada para uma pode se r imprópria para outra. Mais de 30% dos pacientes adultos morrem ou evoluem
com extensas seqüelas após seis meses. Os principais fatores relacionados com o prognóstico são a duração
do EME, o retardo para o diagnóstico do EME (principalmente no EME não convulsivo) e a etiologia (pior
na presença de les ão cerebral aguda). Desses a e tiologia é certamente o p rincipal responsável pelo prognós-
tico.
C. EPIDEMIOLOGIA
A incidência, nos EUA, é de 102.000 a 152.000 casos/ ano e aproximadamente 55.000 mortes anuais estão
associadas ao EME. Mais de 10% dos pacientes com o diagnóstico de epilepsia apresentaram pelo menos
um episódio de EME ao longo da vida. Mais freqüentemente, compromete crianças e adultos com mais de
60 anos. A incidência de estado de mal epiléptico não c onvulsiv o é similar em ambos os sexos e atinge prin-
cipalmente os idosos (pico máximo após os 80 anos).
D. DEFINIÇÃO
O estado de mal epiléptico classicamente definido como uma crise epiléptica suficientemente prolongada
ou repetitiva para produzir uma condição fixa ou duradoura. Os critérios diagnósticos de EME são os se-
guintes:
• crises contínuas com duração de pelo menos 30 minutos
• crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos com duração de pelo menos 30 minutos
A determinação de 30 minutos é baseada no tempo estimado de duração das crises necessário para lesar o
sistema nervoso central. As crises c onvulsivas tônico-clônicas em adultos não costumam durar mais do que
poucos minutos. Além disso , do ponto de vist a prático, é reconhecida a necessidade de iniciar o tratamento
do EME bem antes dos 30 minutos. Sendo assim, uma definição mais operacional do EME é atualmente
proposta:
• crise com mais de 5 minutos de duração
• duas ou mais crises sem completa recuperação da consciência nos intervalos

69
E. ETIOLOGIA
As principais causas do EME em pacientes adultos estão listadas abaixo:
- epilepsia, responsável por 50% dos casos de EME
- abstinência alcóolica
- acidente vascular encefálico (AVE)
- metabólica (hipoglicemia, infecção sistêmica)
- tumor SNC

- infecção SNC
- trauma crânio-encefálico
- anóxia
- distúrbios hidro-eletrolíticos como hiponatremia e hipocalcemia
- toxicidade de drogas (cocaína, medicamentos, álcool)
- causa desconhecida
Nos adultos, a causa mais comum de EME é a ausência de nível terapêutico de drogas anti-epilépticas em
pacientes com conhecida do ença epiléptica. O A VE é a etiologia mais freqüentemente ide ntificada nos EME
de pacientes idos os. Em pacientes não epilépticos, as causas mais comuns de EME não convulsivos são A VE,
as infecções e o uso de medicament os que reduzem o limiar anticonvulsivante . Entre estes me dicamentos, os
antibióticos são os mais importantes, principalmente ciprofloxacina, imipenem, polimixina B e cefepime.

F. CLASSIFICAÇÃO
Diferentes tipos de crises podem determinar um estado de mal epiléptico. As crises são definidas conforme
dados clínicos e eletroencefalográficos (EEG). Na tabela 1, está a classificação dos EME.
Tabela 1. Classificação do estado de mal epiléptico

Estado convulsivo generalizado primário


Estado tônico-clônico
Estado mioclônico
Estado convulsivo generalizado secundário
Estado tônico-clônico com início parcial
Estado tônico
Estado parcial simples
Estado parcial motor
Estado parcial sensorial
Estado parcial com sintomas autonômicos ou vegetativos

cognitivos
Estado parcial com sintomas afetivos
Estado parcial complexo
Estado de ausência
Pseudo-estados epilépticos
Os mais freqüentes tipos de estado de mal nos adultos são o estado de mal convulsivo tônico-clônico e o
mioclônico e o est ado de mal não convulsivo parcial complexo .

70
G. DIAGNÓSTICO
Os principais dados no diagnóstico do estado de mal epiléptico são os obtidos pela avaliação clínica e eletro-
encefalográfica (EEG). O diagnóstico parece bastante s imples quando o paciente apresenta-se com alte ração
da consciência e tem clinicamente óbvia convulsão com movimentos tônico-clônicos, tônicos ou clônicos
das extremidades (estado de mal convulsivo). Entretanto, com o tempo (mais de 30 minutos), as manifesta-
ções clínicas tornam- se sutis, mas o paciente pers iste torporoso (estado de mal não convulsivo). Nesta fase,
o paciente pode ter somente contrações de pequena amplitude da musculatura facial, das mãos ou dos pés
ou movimentos rápidos dos olhos. Em alguns pacientes nenhuma atividade motora repetitiva pode ser ob-
servada e o diagnóstico das convulsões somente poderá ser feito com o auxílio do EEG. O estado de mal não
convulsivo persiste em até 14% dos casos, cujo mal convulsivo f oi controlado clinicamente. O est ado de mal
não convulsivo pode estar presen te no mal co nvulsivo prolongado, no mal convulsivo não bem controlado,
e no EME convulsivo com o uso de bloqueadores neuromusculares. O EME não convulsivo pode ocorrer
em pacientes sem estado prévio convulsivo, como em pacientes da UTI (DPOC, hipoventilação, infecção,
hipoperfusão cerebral, sangue nos ventriculos ou no espaço subaracnóide). Pacientes que têm estado de mal
epiléptico eletroencefalográfico, com alteração de sensó rio ou de conduta e peq uena ou nenhuma atividade
motora são de alto risco para o desenvolvimento de lesão do SNC e requerem tratamento imediato.
O estado de mal mioclônico, que é usualmente observado em pacientes após anóxia prolongada ou outro
insulto metabólico severo, consiste de breves e súbitos movimentos de partes restritas do corpo que podem
ser desencadeados por estímulos externos, tais como a ventilação mecânica. Nem sempre a atividade mo-
tora convulsiva é causada por crises convulsivas. Pacientes na UTI exibem uma variedade de movimentos
involuntários não eplilépticos dos quais o diagnóstico diferencial com crise epiléptica pode ser difícil. Esse s
movimentos podem ser decorrentes de tremor, do espasmo tetânico, de movimentos contraturais da sepse
ou da síndrome neuroléptica maligna, de movimento involuntário induzido pelas medicações e de posturas
de descerebração ou de decorticaç ão. Algumas vezes , a observação clínica não é suficiente para def inir se os
movimentos são devidos às cr ises convulsivas , e o EEG pode ser essencial p ara o diagnóstico e mane jo.

Após o controle do estado de mal epiléptico é necessário iniciar uma investigação das possíveis etiologias.
A história clínica e o exame neurológico podem sugerir as prováveis causas. Os exames laboratoriais nesta
avaliação são os seguintes: glicemia, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio, hemograma, gaso-
metria, função hepática, níveis séricos de anticonvulsivantes e toxicologia. Os pacientes que se apresentam
com inexplicado quadro de alteração de sensório devem realizar uma TC. A punção lombar será realizada
para excluir meningite ou hemorragia.
H. ABORDAGEM INICIAL
Medidas de Suporte: o primeiro objetivo no atendimento desses pacientes é manter adequadas as funções
cardiorespiratórias. Apesar dos períodos de apnéia e cianose que ocorrem durante as fases tônicas ou clô-
nicas da convulsão, muitos pacientes em estado de mal ventilam adequadamente. Intubação e ventilação
mecânica podem ser precocemente indicadas naqueles que chegam à emergência com depressão importante
do sensório, perda da capacidade de proteger a via aérea e trocas gasosas inadequadas apesar da oferta de
O 2. Para facilitar a intubação, pode ser necessário o uso de bloqueadores neuromusculares. Nesse caso, os
bloqueadores de curta ação são a primeira opção (vencurônio 0,1 mg/ Kg), visto que permitem uma rápida
reavaliação clínica da presença das con vulsões. Muitos pacientes tem profunda acidose metabólca (pH
<7,0), a qual é corrigida com o controle das convulsões. Tratamento com bicarbonato de sódio deve ser
reservado para as situações mais extremas. A monitoração com oximetria e gasometria arterial é essencial.
Administrar tiamina (100 mg),seguida por glicose 50% (50 ml), exceto na presença de hiperglicemia docu-
mentada.
Hipertermia é um achado freqüente (28-79%) durante os estados de mal, podendo ser um sinal de infecção
ou decorrente do aumento de atividade motora ou devido a disfunção autonômica. Sustentada hipertemia

71
aumenta o risco de necrose neuronal. A temperatura corporal deve ser mantida normal através de medidas
de resfriamento e drogas antitérmicas.
No estado de mal epiléptico, a autorregulação cerebral é severamente comprometida. Sendo assim a per fu-
são cerebral depende da pressão arterial média. A hipertensão é comum na fase inicial do EME convulsivo
generalizado, enquanto que a hipotensão est á presente nas fases mais tardias. Alguns podem ter hipotensão
inicial como resultado de profunda descarga vagotônica ou secundária às medicações antiepilépticas. A
hipotensão deve ser prontamente revertida.
O consumo de oxigênio do miocárdio aumenta durant e as crises, o que pode induzir a isquemia miocárdica
e arritmias. A monitoração eletrocardiográfica é parte mandatória do manejo.

A monitoração
res com EEG
de relativa longa ação, deve estarpermanecem
aos que dis ponívelinconscientes
para os pacientes
após que
a fase recebem
inicial debloqueadores neuromuscula-
tratamento com drogas
antiepilépticas e para os que requerem terapia prolongada no EME refratário. EEG simples para monito-
rações contínuas já estão disponíveis e p rovavelmente farão parte do arsenal de serviços de emergência e de
centros de terapia intensiva.
Medidas Terapêuticas Específicas: o objetivo da terapia específica do estado de mal epiléptico é a pronta ces-
sação da atividade convulsiva. O retardo no início do tratamento determina piora do prognóstico e redução
na taxa de resposta as drogas antiepilépticas. A droga ideal deve ser de fácil administração, ter imediato e
prolongado efeito anticonvulsivante e ser livre de efeitos adversos sobre o sistema cardiorespiratório e o ní-
vel de consciência. No entanto, todas as drogas correntemente utilizadas estão longe des se ideal. Nem todos
os estados de mal epilépticos respondem da mesma maneira às drogas. A escolha das drogas e a seqüência
recomendada é baseada nas seguintes características:
- anticonvulsivante de ação rápida (benzodiazepínicos): interromper as crises
- anticonvulsivante de ação prolongada (fenitoína, fenobarbital): prevenir as recorrências
Os tratamentos com essas medicações foram igualmente efetivos no controle do EME convulsivo, em um
estudo prospectivo, duplo-cego e randomizado. O tratamento com benzodiazepínico s eguido da fenitoína é
a sugestão do Epilepsy Foundation of America’s Wor king Group on Status Epilepticus (EFAWG) como pri-
meira linha no manejo do estado de mal c onvulsiv o.
Benzodiazepínicos: são drogas potentes e de rápido início de ação no controle das crises (1 a 2 min), sendo
as preferidas na terapia inicial. O diazepam e o lorazepam são igualmente efetivos no controle das crises
convulsivas generalizadas. Apesar dessa equivalência, o lorazepam é considerado a primeira opção, prin-
cipalmente por ter efeito anticonvulsivante mais prolongado. Não devem ser administrados após cessação
das crises convulsivas. Os efeitos adversos incluem a depressão respiratória (3-10%), a hipotensão (< 2%) e
a redução do nível de consciência (20-60%).
Diazepam: 0,2 mg/ Kg IV – dose média adulto:10 mg - (5 mg/ min); repetir a cada 5 minutos até 3 doses, caso
seja ineficaz no controle das crises; duração do efeito anticonvulsivante: 15 a 30 min; pouca solubilidade
(não usar em infusão contínua).

Lorazepam: 0,1 mg/Kg IV - (2 mg/ min) – repetir a cada 5 min até o controle da crise; dose máxima de 9
mg; duração do efeito anticonvulsivante de 12 a 24 h. Drogas adicionais podem não ser necessárias se a
crise cessar e a causa do EMC for rapidamente corrigida. É a droga de escolha no controle do EMC. Não
precipita em solução aquosa. Pode ser utilizado em infusão contínua. A apresentação intravenosa não é
disponível no Brasil.
Fenitoína: é uma droga efetiva no controle das convulsões. Indicada na prevenção de recorrência das crises
após uso de benzodiazepínicos ou quando os benzodiaze pínicos falham no controle das crises. Quando a fe-

72
nitoína é administrada na velocidade máxima recomen dada de 50 mg/ min, a hipotensão ocorre em 28-50%
dos pacientes e as arritmias cardíacas (bradicardia, extrassístoles) em 2%. Esses efeitos adversos são mais
freqüentes em cardiopatas e pacientes com > 50 anos.
Fenitoína: dose de 15 a 20 mg/ Kg IV – (50 mg/ min) - repetir dose de 5-10 mg/ Kg para controle da crise .
Nos pacientes em uso de fenitoína e com nível sérico desconhecido, administrar 500 mg IV; monitoração
cardio-vascular e da PAM são essenciais; a fenitoína é incompatível com soluções contendo glicose; limpar
a linha venosa com solução salina antes da infusão da fenitoína.
Fenobarbital: é tão efetivo no controle das crises quanto a associação de diazepam e fenitoína. Os seus efei-
tos adversos são a depressão respiratória, a redução do nível de consciência e a hipotensão, principalmente
quando administrada depois dos benzodiazep ínicos ou em altas doses. Devido a esses riscos, o fenobarbital
não é recomendado como primeira escolha no controle do EMC. Pode ser a primeira opção nos pacientes
alérgicos a fenitoína e nos com distúrbios de condução cardíaca.
Fenobarbital: dose de até 20 mg/ Kg IV – (<100 mg/ min) – cuidado com a depressão respiratória e a hi-
potensão; normalmente é necessário intubar com doses acima de 750 mg. A apresentação IM não pode ser
usada EV.
O paciente em estado de mal epiléptico que não responde aos benzodiazepínicos, fenitoína e fenobarbital é
considerado refratário e requer tratamento mais agressivo. O midazolam, o propofol ou o barbitúrico são
os anestésicos intravenosos contínuos mais usados no tratamento do EMC refratário. Antes do início dessas
medicações, deve-se colocar o paciente em suporte ventilatório e em monitoração cardiovascular. Para me-
lhor acompanhamento, inserir cateter venoso central e arterial. A monitoração eletroencefalográfica contí-
nua é essencial tanto para identificar as convulsões como para adequar a dose desses anestésicos (ausência
de atividade convulsiva). Existem poucos estudos comparando esses diferente s fármacos no EME refratário.
O midazolam e o propofol emergem como as medicações mais úteis. Na presença de hipotensão, reduzir a
velocidade de infusão do s medicamentos, repor volume e iniciar com vasopressor. Esse efeit o adverso é mais
freqüente com o barbitúrico.
Midazolam: dose de ataque de 0,1– 0,3 mg/Kg IV (infusão lenta); infusão contínua de 0,1 a 2 mg/ Kg/ h.
Vantagem: rápido início de ação, solubilidade em água (ausência propilenoglicol – acidose metabólica).
Quando as crises persistem por 1 hora após início da infusão do midazolam, em doses altas, essa deve ser
suspensa e nova terapia introduzida.
Propofol: dose de ataque de 1-2 mg/ Kg IV; infusão contínua de 2-10 mg/ Kg/ h. A grande vantagem da
terapia com propofol é a sua rápida eliminação e apresentar menos taquifilaxia que o midazolam. Maior
risco de hipotensão e infecção quando comparado ao midazolam. A interrupção rápida pode propiciar
convulsões da retirada.
Tiopental: dose de ataque de 100 a 300 mg em 30 seg; doses adicionais de 50 mg a cada 3 min até o cont role
das crises; infusão contínua de 3 a 5 mg/Kg/h. A rápida entrada no SNC facilita o ajuste da droga.
A partir do momento que as convulsões estejam suprimidas por um período de 12 a 24 horas, pode-se dimi-
nuir a dose do anticonvulsivante em 25 a 50% e observar a recor rência das convulsões. Se as convulsões não
recorrem, então nova redução deve ser realizada. A recuperação funcional desses pacientes pode continuar
por meses após a resolução da atividade convulsiva.

73
Algoritmo da Abordagem inicial do Estado de Mal Epiléptico

SUGESTÕES DE LEITURA
1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora
2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora
3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu
4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003
5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter
6. Lowenstein DH, Alldredge BK. Status Epilepticus. N Engl J Med 1998; 338(14):970-976.
7. Jordan KG. Convulsive and nonconvulsive status epilepticus in the intensive care unit and emergency depart-
ment. In: Miller DH, Raps EC; Critical care neurology, Buterworth-Heinemann, Boston, 1999: 121-147.
8. Ferraz A.C. Estado de mal epiléptico. In: Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica (Hospital Israe-
lita Albert Einstein), 2000: 170 -176.
9. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997.
10. Browne TR, Mikati M. Status epilepticus. In: Ropper,AH (ed.) .Neurological and Neurosurgical Intensive Care.
Raven Press, Ltd. New York, 1993: 383-410.

74
Capítulo 10

Delirium
OBJETIVOS
1. O Intensivista deveria pensar no delirium (estado confusional agudo), ou disfunção aguda do sistema nervoso
central, como uma forma de disfunção de órgãos.
2. Reconhecer e manejar as diferentes manifestações de delirium, inclusive na sua forma hipoativa, que raramente
é diagnosticada corretamente.
3. Identificar os principais agentes de gatilho para o delirium, em especial a ansiedade e dor.
4. Usar sedativos e analgésicos apropriadamente para controlar o “distresse”.
Distresse, geralmente manifestado como agitação, é comum entre os pacientes na UTI, principalmente quando eles
estão intubados ou incapazes de se comunicar facilmente. Nesses pacientes, ansiedade, dor e delirium, presentes
separadamente ou em combinação, são importantes causas de distresse, gerando alterações fisiológicas as quais em
última análise prejudicarão o tratamento aumentando a morbidade e a mortalidade associada a cada patologia.
Discernir a etiologia do distresse pode ser difícil, particularmente nos pacientes não comunicativos, mas é crítico
para a escolha de uma estratégia de tratamento apropriada (veja Figura 1).
1. ETIOLOGIA DO DISTRESSE
Comumente, pacientes hospitalizados apresentam agitação e confusão mental. Entretanto, na UTI, qualquer dis-
túrbio de comportamento pode levar a situações potencialmente perigosas como extubação acidental, tentativas
freqüentes de sair do leito ou retirada de acesso venoso; impondo um trauma desnecessário ao paciente, além de
aumentar a demanda física e emocional da equipe de enfermagem, que precisará, por exemplo, posicionar freqüen-
temente o paciente na cama, intensificar a vigilância constante e tolerar agressões verbais ou físicas. Por outro lado,
essas alterações de humor e comportamento, mais do que um diagnóstico isolado, podem representar uma manifes-
tação de algum processo subjacente, o qual precisa ser rapidamente diagnosticado e tratado de forma efetiva.
Ansiedade e dor são exemplos de fatores diferentes que podem reduzir a tolerância do paciente ao ambiente da
UTI, levando a agitação mesmo na ausência do delirium. Ansiedade é uma condição caracterizada por incremento
da atividade motora, apreensão e sinais autonômicos. Combinada com a dor, um ambiente desconhecido e com o
senso de perda de controle sobre os acontecimentos recentes, pode gerar importante sofrimento e agitação, além
de alterações fisiológicas deletérias.
Dessa forma, o delirium, ou disfunção aguda do sistema nervoso central, deveria ser abordado como uma forma de
disfunção de órgãos, e seus principais agentes de gatilho, em especial a ansiedade e dor, deveriam ser prontamente
identificados e manejados adequadamente.

75
Figura 1 – Guia geral no manejo do distresse na UTI

O paciente está confortável e estão ausentes os sinais de distresse ?


Não Sim
1. Afastar e tratar causas reversíveis e 1. Manter o tratamento não farmacológico
identificar o componente mais importante
2. Uso de tratamento não farmacológico 2. Reavaliar diariamente a necessidade de
Otimizar o ambiente ? sedação, analgesia e tratamento do delirium
3. Uso de uma escala de dor (e.g. Escala numérica de dor) 3. Considerar despertar o paciente
Otimizar a analgesia ? diariamente
Hemodinamicamente estável 4. Considerar a infusão contínua de
Morfina: sedativos e opióides quando as doses de
2 - 5 mg EV a cada 5 min até controle da dor manutenção forem mais freqüentes que a
Repetir em intervalos regulares e conforme cada 2 horas
necessidade
Hemodinamicamente instável
Fentanil:
20 - 100 ug EV a cada 5 min até controle da dor
Repetir conforme necessidade
4. Uso de uma escala de sedação / ansiedade
(e.g. Escala de Ramsay)
Otimizar a sedação ?
Midazolan:
2 - 5 mg EV a cada 5 min
até controle da agitação
Propofol:
5 ug/kg/min EV ajustando a dose
a cada 5 min até controle da agitação
5. Uso de uma escala de delirium
(e.g. Escala CAM-UTI ou modificada)
Otimizar o tratamento do delirium ?
Haloperidol:
2 - 10 mg EV a cada 20 minutos,
manter com 1/4 da dose de ataque
a cada 6 horas
2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
• Delirium representa o principal distúrbio de comportamento que ocorre na UTI, e pode ser resumido como uma
desordem mental orgânica, potencialmente reversível, caracterizada por confusão mental e alteração do nível de
consciência. Pelo CID10 este conceito é equivalente e substitui o diagnóstico de estado confusional agudo.
• Os distúrbios do metabolismo cerebral, secundários a uma agressão metabólica, anóxica, tóxica ou infecciosa,

manifestam-se
angina do peito.clinicamente como delirium, de forma semelhante a isquemia miocárdica que se manifesta como
• Alterações eletroencefalográficas e dosníveis cerebrais de neurotransmissores, principalmente da via colinérgica,
sustentam a fisiopatologia orgânica do delirium.
• Medicamentos são uma causa comum de delirium.

76
3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DODELIRIUM
Uma rápida flutuação no grau de confusão mental é uma das características do delirium. Pacientes podem apre-
sentar alucinações e intensa agitação durante a noite, mas manifestar períodos de lucidez alternados com confusão
mental durante o dia. Esses pacientes, freqüentemente estão desorientados no tempo e no espaço, mas raramente
quanto a sua identidade, e apresentam importante déficit de atenção e de memória. Alguns pacientes alternam entre
um estado de hipoatividade e um estado de hiperatividade. Na verdade, qualquer grau de distúrbio do humor pode
ser observado, mas pacientes apáticos e quietos podem receber tratamento inapropriado para depressão, levando a
uma piora das manifestações clínicas. O simples fato do paciente estar confortavelmente sentado em uma poltrona,
não significa que seu raciocínio seja ordenado e que esse paciente não sofra de delirium na sua forma hipoativa. O
ciclo de sono e vigília está freqüentemente invertido, estando o paciente sonolento durante o dia e agitado durante
a noite, quando usualmente a equipe de enfermagem está reduzida. O padrão do pensamento é desorganizado, e
sofre influência de ilusões e alucinações, principalmente visual. Podem também estar presentes tremor, mioclonia e
asterix, além de alterações no tônus motor e nos reflexos, bem como sintomas disautonômicos.

4. DIAGNÓSTICO DE DELIRIUM
As diferentes causas de delirium podem ser sucintamente reunidas em quatro grupos:
• Causas intracranianas primárias

o Encefalite, meningite, sífilis, abscessos


o Trauma, hemorragia, hidrocefalia, tumores
o AVC, convulsão, estado de mal não convulsivo, vasculite ...
• Doenças sistêmicas que secundariamente afetam o SNC
o Distúrbios eletrolíticos e ácido básico, hipoglicemia, hiperglicemia, anemia
o Insuficiência hepática, renal, cardíaca ou pulmonar

o Encefalopatia hipertensiva, choque, sepses ...


• Agentes tóxicos exógenos
o Medicamentos, pesticidas, solventes
o Intoxicação por ferro, manganês, mercúrio, monóxido de carbono
• Abstinência de substâncias as quais o pacientes tornou-se dependente
o Álcool, barbitúricos, sedativos e hipnóticos, benzodiazepínicos
Entretanto, raramente encontraremos um simples fator causal para doelirium, o qual pode ser entendido como uma
síndrome multifatorial, resultante de uma interação entre a vulnerabilidade do paciente
e a agressão gerada pelo meio.
Muitos pacientes na UTI apresentam alta vulnerabilidade devido a sua condição clínica basal e podem desenvolver
delirium mesmo após um insulto relativamente benigno. Por exemplo, um senhor de68 anos com história de AVC is-
quêmico há 5 anos, interna por DPOC descompensado e está recebendo medicamento sub-cutâneo e inalações de 2/2
horas, seu hematócrito é de 27% e permanece agitado durante toda a noite, queixando-se da sonda vesical.
Esquemas mnemônicos como VITAMIN C, D & E (veja Tabela 1) podem auxiliar, mas a grande lista de possibi-
lidades diagnósticas apenas enfatiza a importância do exame clínico cauteloso na busca das causas do delirium. A
tabela 2 ilustra suas principais causas. Idosos são particularmente suscetíveis, bem como pessoas com desordens
prévias do SNC, como doença de Alzheimer, doença de Parkinson ou infecção pelo vírus HIV. Pacientes em pós-
operatório recente também estão em risco, principalmente após cirurgia cardíaca ou ortopédica. A tabela 3 ilustra
uma lista de medicamentos comuns em UTI, que podem estar associados ao delirium.
Na UTI, nós agressivamente monitoramos inúmeras disfunções orgânicas, seja pelo exame clínico, como medida
do débito urinário, seja por exames laboratoriais, como testes de função hepática ou ainda por equipamentos espe-

77
cíficos, como o monitor ECG. Entretanto tradicionalmente, pequena ou nenhuma atenção, além da escala de coma
de Glasgow, é gasta na busca de disfunção cerebral. Até 80% dos pacientes em uma UTI apresentam delirium em
algum momento, e muitos chegaram a receber alta da UTI sem qualquer suspeita diagnóstica. A tabela 5 ilustra
uma ferramenta útil (CAM-UTI) para triagem e diagnóstico diferencial de delirium com outras patologias como
demência, que pode ser aplicada na UTI por médicos ou pela enfermagem.
Tabela 1 – Causas de delirium *
1. Vascular
2. Infecção
3. Trauma
4. Anóxia
5. IM
6. etabólico
atrogênico
7. Neoplasia
8. Congênito
9. Drogas
10. Eletricidade (convulsão)
* esquema mnemônico VITAMIN C, D & E.
Tabela 2 – Principais causas de delirium*
1. Síndrome de Wernicke
2. Abstinência
3. Encefalopatia hipertensiva
4. Hipoglicemia
5. Hipóxia
6. Hemorragia intracraniana
7. Meningite ou encefalite
8. Intoxicação exógena
* devido a freqüência ou morbidade associada ao
atraso no tratamento.
Tabela 3 – Principais classes de medicamentos*
1. Antiarritmicos
2. Anticolinérgicos
3. Antiepilépticos
4. Antiparkinsonianos
5. Antipsicóticos
6. Barbitúricos
7. Benzodiazepínicos
8. Beta bloqueadores
9. Bloqueadores de canal de Ca ++
10. Quimioterápicos
11. Corticóide
12. Digital
13. Bloqueadores H1 e H2
14. Opióide
15. Quinolonas
16. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
17. Antidepressivos tricíclicos
* lista de medicamentos comuns em UTI que possam levar
ao delirium, em ordem alfabética.

78
Tabela 4 – Escala de Ramsay*
1. Paciente ansioso, inquieto e agitado
2. Paciente colaborativo, orientado e tranqüilo
3. Paciente acordado, respondendo a comandos apenas
4. Paciente sonolento, mas responde prontamente a pequenos estímulos
5. Paciente sonolento, responde embora lentamente ao estímulos
6. Paciente sonolento e não responsivo
* Critical Care Clinics 2001, 17(4): 821-42.

Tabela 5 – Escala de CAM-UTI*


1. Flutuação do estado mental de início agudo
• Existe evidência de uma mudança aguda do estado mental em relação ao estado basal do paciente?
• Esse comportamento anormal flutuou nas últimas 24 horas, ou seja ele pareceu aumentar e diminuir
em gravidade com o tempo?
2. Inatenção
• Tem o paciente dificuldade em focar sua atenção?
• Está reduzida a sua habilidade em manter ou mudar seu foco de atenção?
3. Pensamento desorganizado
• Está o pensamento do paciente desorganizado ou incoerente, como por exemplo com um fluxo não
lógico ou não claro de idéias, ou com uma conversa irrelevante ou ainda com troca imprevisível entre
assuntos diferentes.
• O paciente é capaz de seguir comandos durante toda a entrevista?
4. Alteração do nível de consciência (qualquer nível de consciência que não seja o “alerta”)
• Alerta – normal, completamente consciente do ambiente e responde adequadamente a ele
• Vigil – hiperalerta
• Letárgico – sonolento mas facilmente despertável, desconhece de algunselementos do ambiente, ou
não interage espontaneamente de forma apropriada com o entrevistador, mas torna-se alerta quando
estimulado minimamente.
• Estupor – sonolento e despertável com dificuldade, desconhece alguns ou todos os elementos do
ambiente, ou não interage espontaneamente de forma apropriada com o entrevistador, mas torna-se
incompletamente consciente e interage inapropriadamente com o entrevistador quando estimulado
fortemente.
• Coma – não despertável, inconsciente de todos os elementos do meio, desconhece a presença do
entrevistador mesmo sob estimulação máxima.
Delirium – Presença dos critérios 1 e 2, associados com qualquer um dos critérios 3 ou 4.
* Tradução pelo autor do srcinal para o brasileiro. Essa tradução não foi validada no Brasil.
Inouye SK, van Dyck CH, Alessi CA, Balkin S, Siegal AP, Horowitz RI.Clarifying confusion: the confusion
assessment method. Ann Intern Med 1990;113:941-948.

5. TRATAMENTO
Basicamente, os fatores de risco para o desenvolvimento do delirium precisam ser identificados e alguma estratégia
de prevenção deve ser iniciada. Um dos modelos de estratégia preventiva envolve:
1. Repetida reorientação do paciente por voluntários treinados e pela enfermagem.
2. Preocupação com a qualidade do sono, com medidas não farmacológicas para regularizar o ciclo sono-vigília.
3. Prover atividades que estimulem o cognitivo em diferentes momentos do dia, associado com mobilização precoce

79
através de fisioterapia motora, terapia ocupacional e saída do leito.
4. Preocupação com o conforto, como permitir uso de protetores de ouvido e para os olhos, ou o uso de óculos e
órteses auditivas conforme a necessidade do paciente.
5. Adaptação dos fatores ambientais sempre que possível. Por exemplo, a presença de janelas na UTI reduz signifi-
cativamente o grau de desorientação temporal, perda de memória e alucinações nos pacientes.
Privação do sono é um gatilho comum para o delirium e corrigir o ciclo sono-vigília pode ser essencial no tratamen-
to. Pacientes em UTI apresentam uma latência prolongada para o início do sono, o qual é menos eficiente e com
despertares freqüentes. Passar boa parte do dia dormindo devido ao ambiente monótono da UTI, pode prejudicar
a qualidade do sono. Outros fatores importantes são os medicamentos, a dor, ansiedade, a doença de base, bem

como um lugar muito claro ou com ruído excessivo, devido ao ventilador, monitores ou conversa.
Quando o diagnóstico de delirium é confirmado, embora seja importante manter as medidas preventivas já citadas,
nossa atenção deve ser dirigida na busca de uma causa orgânica subjacente, cujo tratamento precisa ser otimizado.
Nesse momento, principalmente na forma hiperativa do delirium, medicações psicoativas específicas podem ser
úteis. Basicamente usaremos analgésicos para controle da dor, neurolépticos para controle do delirium e benzodia-
zepínicos para controle da ansiedade e síndromes de abstinência.
5.1 Sedação
Cada classe de drogas com ação sedativa apresenta diferentes combinações de efeitos ansiolíticos, hipnóticos, am-
nésticos e analgésicos (veja Figura 2). Embora não exista um sedativo ideal, algumas substâncias apresentam carac-
terísticas que as tornam úteis na UTI e a seleção da droga mais apropriada deve levar em consideração a etiologia
do distresse do paciente, potencial interação farmacológica e fatores que influenciem na sua farmacocinética. Fer-
ramentas simples, como a escala de Ramsay, podem ajudar no ajuste de doses e evitar a sedação exagerada (veja
Tabela 4).

Figura 2 – Ação de diferentes classes de drogas com efeito sedativo


Droga Açãoansiolítica Hipnose Amnésia Analgesia
1.
Benzodiazepínicos +++ +++ +++ -
Haloperidol
2. ++ + + -
Ketamine
3. - - ++ +++
Analgésicos
4. opióides - + - +++
Propofol
5. + +++ + -
6. Dexmedetomidine + + - ++

Drogas como o propofol, com curto período de ação e que permitem o paciente despertar rapidamente quando
necessário, são preferidas nas sedações breves (< 24 horas) ou quando o paciente necessita ser acordado freqüente-
mente para avaliações neurológicas. Por outro lado, drogas com longo período de ação ou que apresentem metabó-
litos ativos que se acumulam com a administração prolongada, são úteis nas demais situações (veja Figura 1).
Benzodiazepínicos – Os benzodiazepínicos são ainda as drogas de escolha para tratamento do delirium tremens e
várias outras síndromes de abstinência. Além de reduzirem a ansiedade, produzem uma amnésia anterógrada tem-
porária, tornando-os úteis antes de procedimentos na UTI ou cirúrgicos. Nos pacientes sob ventilação mecânica,
podem aumentar o conforto e melhorar o padrão respiratório. Entretanto o uso crônico ou em doses inapropriadas
gera sedação excessiva e freqüentemente desnecessária, acumulo de resíduos ativos, alteração no padrão do sono
e confusão mental. Em pacientes sob ventilação mecânica pode incrementar o tempo de suporte ventilatório inva-
sivo, o risco de infecção e o tempo de internamento na UTI. Tradicionalmente, os ajustes das doses raramente são
realizados com base no peso, idade, doença primária ou através de escalas de sedação ou monitores de atividade
cerebral (EEG bispectral). Tolerância, definida como uma necessidade de aumentos na dose com a administração

80
continuada, é uma problema com todos os benzodiazepínicos. Midazolan, diazepan e lorazepan são as drogas mais
comumente usadas, devido as suas propriedades farmacocinéticas, mas todas as classes de benzodiazepínicos apre-
sentam a mesma eficácia quando administrados em doses equipotentes.
Propofol – O propofol é altamente lipofílico, permitindo uma sedação com início inferior a um minuto e um desper-
tar muito rápido após a sua retirada. Embora apresente metabolização hepática e seus metabólicos inativos sejam
excretados pelo rim, nenhuma falha na eliminação da droga ocorre na cirrose ou na insuficiência renal. O efeito
colateral mais freqüente é hipotensão, mas pode também ocorrer bradicardia, arritmias, efeitos neuroexitatórios
(convulsão, mioclonia, movimentos coreo-atetóticos e meningismo), infecção, acidose respiratória, dor no local da
injeção, pancreatite, hipertrigliceridemia, anafilaxia e colúria. Muitos artigos sugerem a associação entre propofol
e um incremento na mortalidade em crianças.

Dexmedetomidine – O dexmedetomidine é um agonista alfa-2 de ação central altamente seletivo e com experiência
clínica ainda limitada, restringindo seu uso para as primeiras 24 horas ou menos. Entretanto, seu baixo potencial para
deprimir o centro respiratório, torna essa droga útil nos momentos de desmame da ventilação mecânica e nos pós-
operatórios em geral. Entre os efeitos colaterais encontramos hipotensão, nausea, bradicardia e fibrilação atrial.
5.2 Analgesia
Questionários aplicados a pacientes após alta da UTI revelam que um controle inadequado da dor é um problema
comum, suportanto a necessidade de uma maior atenção quanto a analgesia. A intensidade da dor pode ser medi-
da através de ferramentas simple s de auto-avaliação pelo paciente, como a escala numérica de dor, ou ainda por
métodos indiretos como a pesquisa dos sinais vitais. Se uma combinação de taquipnéia, taquicardia e hipertensão
estão presente, analgesia insuficiente deve ser uma forte suspeita (veja Figura 1).
Opióides são considerados as drogas de escolha no manejo da dor intensa, embora em algumas situações drogas
anti-inflamatórias não esteróides possam ser úteis. A Figura 5 ilustra alguns dos principais medicamentos usados
para analgesia na UTI.

Figura 4 – Principais medicamentos usados para analgesia em UTI

Droga Dose Via Intervalo Comentários


1.Morfina 0,1–0,2mg/kg/dose EV,IM,SC 4h -
2.Meperidina 1–3mg/kg/dose EV,IM 4h AbsorçãoSCirregular
3. Fentanil 0,5–5ug/kg EV Rápido ínicio de ação
Menor depressão respiratória
Mínimo efeito hemodinâmico
4. Codeína 15
60
–mg VO h6–4

5.3 Manejo farmacológico do Delirium


Haloperidol é uma butirofenona comumente sub-utilizada na UTI para o tratamento de agitação. Doses iniciais
de 0.5 a 10.0 mg, por via endovenosa, intramuscular ou mesmo oral, repetidas a cada 30 minutos até o controle
da agitação pode ser um esquema útil, com a potencial vantagem de não ocorrer depressão respiratória ou efeito
sedativo exagerado (veja Figura 5). Infelizmente, existem poucos estudos de investigação farmacológica e intera-
ção medicamentosa para guiar o uso de haloperidol no ambiente de UTI, mas as doses necessárias para manter o
paciente calmo usualmente são muito menores que a necessária para o controle inicial. Os efeitos colaterais mais
freqüentes são hipotensão, efeitos extrapiramidais como distonias agudas, e efeitos anticolinérgicos como boca
seca, constipação e retenção urinária. Pacientes com intervalo QT prolongado deveriam ter o uso de haloperidol
monitorado e sua dose reduzida devido ao risco de torsades de pointes.

81
Figura 5 – Esquema de uso do Haloperidol *

Graudeagitação Doseinicialdehaloperidol
Leve mg 2 a 0,5
Moderado mg5 a 2
Grave mg10 a 5
1. Permitir um intervalo entre 20 – 30 minutos entre cada dose.
2. Iniciar com doses menores em idosos e pacientes com intervalo QT prolongado.
3. Após a terceira dose associar algum benzodiazepínico a cada nova dose ou alternado com o haloperidol.
4. Para pacientes que permanecerem agitados a dose dos bolus pode ser duplicada.

5. Após o delirium estar controlado, manter a mesma dose total nas próximas 24 horas. A dose diária pode ser
administrada por via endovenosa de forma contínua ou dividida em duas doses sendo a maior dose reservada
para a noite.
6. Se o paciente permanecer calmo, reduzir a dose em 50% a cada 24 horas.
7. Assim que possível passar a medicação para via oral usando o dobro da dose endovenosa.
* Nejman AM: Sedation and Paralysis. In: Civetta JM, Taylor RW, Kirby RR.Critical Care, 3rd edition. Phila-
delphia, Lippincott-Raven; 1997:821-836.
6. CONCLUSÃO
Os recursos relativamente pobres de meios que permitam avaliar o funcionamento cerebral, dentro do enorme
arsenal de métodos clínicos, laboratoriais ou mesmo equipamentos específicos usados para monitorar o paciente
na UTI, talvez justifique, ao menos em parte, porque os profissionais envolvidos no atendimento do paciente crí-
tico não vejam a agitação e a confusão mental como uma disfunção cerebral orgânica, freqüentemente de causa
multifatoral com vários motivos iatrogênicos entre elas. Termos como psicose de UTI, confusão mental da UTI
ou agitação psicomotora da UTI, deveriam ser substituidos pelo conceito genérico de delirium, levando em consi-
deração que todos os sinais de confusão mental e desorganização do pensamento presentes na disfunção cerebral
grave podem ser encontrados em um paciente tranqüilamente deitado no leito. Finalmente, a máxima de prevenir é
melhor do que remediar certamente se aplica nesse contexto.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1. Ely EW, Margolin R, Francis J,et.al.: Evaluation of delirium in critically ill patients: Validation of the Confusion
Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU). Crit Care Med 2001; 29(7):
2. Ely EW, Siegel MD, Inouye SK:Delirium in the Intensive Care Unit: An under-recognized syndrome of organ dys-
function. Semin Respir Crit Care Med 2001; 22(2):115-26.
3. Fraser G, Riker RR: Monitoring sedation, agitation, analgesia, and delirium in critically ill adult patients. Crit
Care Clin 2001; 17(4):
4. Rasmussen LS, Moller JT:Central nervous system dysfunction after anesthesia in the geriatric patient. Anest Clin
N Am 2000; 18(1):
5. Szokol JW, Vender JS:Anxiety, Delirium, and Pain in the intensive care unit. Crit Care Clin 2001; 17(4):
6. Winawer N: Postoperative delirium.Med Clin N Am 2001;85(5):

82
Capítulo 11

Hemorragia Intraparenquimatosa (HIP)


A. OBJETIVOS
A hemorragia intraparenquimatosa é uma patologia comum e devastadora. No entanto, ainda existe um limitado
número de estudos controlados e randomizados no tratamento da HIP. Os objetivos deste capítulo são:
• enfatizar a importância dessa doença do ponto de vista epidemiológico
• orientar uma abordagem inicial prática que permita um diagnóstico precoce e previna as lesões secundárias
• auxiliar nas decisões terapêuticas

B. EPIDEMIOLOGIA
A hemorragia intraparenquimatosa é responsável por apenas 10% dos acidentes vasculares encefálicos (AVE); no
entanto, determina maior morbi-mortalidade do que os AVEs relacionados a hemorragia subaracnóide ou a is-
quemia cerebral. A incidência da HIP é de 10 a 20 casos por 100.000 indivíduos por ano. A HIP é mais freqüente
nas populações negras (2x mais do que nos brancos), nos japoneses, nos homens e nos pacientes com idade acima
de 55 anos (dobra a cada década até os 80 anos). A alta incidência nos negros provavelmente está relacionada à
prevalência da hipertensão arterial sistêmica (HAS) nesta população e a baixa adesão ao tratamento. Dos 37.000
americanos que sofreram uma HIP em 1997, estima-se que 35% a 52% morreram em 1 mês (metade nos primeiros
dois dias). Somente 38% sobreviveram ao primeiro ano e apenas 20% apresentaram atividade física e intelectual
independente após seis meses.
A HAS é a causa mais freqüente de HIP, sendo responsável por 70% a 90% dos casos. Adequado controle da hiper-
tensão tem reduzido a incidência da HIP nos últimos anos. O uso excessivo de álcool é um fator de risco para HIP,
por provocar alterações na coagulação e por afetar a integridade do vaso cerebral. A angiopatia amilóide cerebral é
outra causa de HIP, principalmente nos idosos (> 70 anos). As principais causas de HIP estão citadas na tabela 1.
Tabela 1. Causas de HIP

Hipertensão arterial sistêmica


Aneurisma cerebral
Malformações vasculares
Tumor cerebral
Angiopatia amilóide
Distúrbios de coagulação
Abuso de drogas
Arterites
Infarto hemorrágico
C. FISIOPATOLOGIA DA HIP
A HAS sustentada produz uma vasculopatia na parede de pequenas artérias e arteríolas denominadas de artérias
perfurantes (aneurisma de Chacort-Bouchard). A rotura destes vasos pode ocorrer por um aumento súbito da pres-
são arterial, freqüentemente associada à atividade física ou estresse emocional. A HIP decorrente de HAS localiza-se
principalmente nos gânglios basais (35% a 45%), substância branca subcortical (25%), tálamo (20%), cerebelo (15%)
e tronco cerebral (predominantemente na ponte). Na angiopatia amilóide, há o depósito de proteína β-amilóide na
parede de pequenas e médias artérias do córtex cerebral e das leptomeninges, o que provavelmente determina fraqueza
da parede arterial e rotura desta. A amiloidose localiza-se preferencialmente nos lobos cerebrais.

83
A hemorragia distribui-se através dos planos de clivagem da substância branca com mínima destruição; logo, o he-
matoma envolve uma área de tecido nervoso intacto. A presença do hematoma desencadeia edema e dano ao tecido
nervoso do parênquima que circunda a lesão. O edema persiste por até cinco dias, podendo, em alguns casos, ser
observado até duas semanas após a hemorragia. A ocorrência de isquemia por compressão da região em torno do
hematoma não foi confirmada. O sangramento intraparenquimatoso pode expandir para dentro dos ventrículos e,
em raros casos, para o espaço subaracnóide.
Estudos com tomografia computadorizada cerebral mostraram que os hematomas expandem nas primeiras horas.
Mais de 50% dos pacientes apresentam aumento do mesmo nas primeiras 6 horas após o sangramento. Nenhum
aumento do hematoma foi detectado após as 24 horas. Hipertensão severa e ou um distúrbio local de coagulação
podem estar associados à expansão do hematoma.

D. DIAGNÓSTICO DA HIP
1. História clínica : início súbito de déficit neurológico focal, acompanhado de cefaléia, náuseas, vômitos, pressão
sangüínea elevada e redução do nível de consciência são dados que sugerem HIP. A deterioração do nível de cons-
ciência nas primeiras horas deve-se a expansão do hematoma e após as 24 horas é secundária ao edema. Uma boa
história médica geral deve ser obtida para elucidar possíveis causas como HAS, trauma, uso de anticoagulantes ou
trombolíticos, abuso de drogas, uso excessivo de álcool ou doenças hematológicas.
2. Investigação radiológica: os dados clínicos não nos permitem um diagnóstico diferencial definitivo do acidente
vascular encefálico isquêmico. A tomografia computadorizada (TC) cerebral é o método diagnóstico de escolha
na avaliação inicial do paciente com suspeita de HIP. Com esta consegue-se um claro diagnóstico diferencial entre
hemorragia e isquemia, localiza e avalia o tamanho do hematoma e pode revelar complicações como a presença
de sangue intraventricular, herniações ou hidrocefalia. O volume do hematoma pela TC pode ser estimado com a
seguinte fórmula:
AxBxC

2
A = maior diâmetro da hemorragia na TC.
B = o diâmetro perpendicular a A.
C = é o número de fatias da TC ocupados pelo hematoma multiplicado pela espessura da fatia.
A arteriografia cerebral deve ser considerada para todos os pacientes sem uma clara causa para a hemorragia. Prin-
cipalmente os pacientes jovens, normotensos e que sejam candidatos à cirurgia. O momento para realizar a arterio-
grafia depende do estado clínico do paciente e do julgamento do neurocirurgião quanto à urgência da cirurgia.
A angioressonância pode substituir a arteriografia em casos selecionados. Ela deve ser considerada quando houver
suspeita de malformação arteriovenosa.
E. FATORES PROGNÓSTICOS NA HIP
- Escore da Escala de Coma de Glasgow: pacientes com Glasgow < 9 tem pior prognóstico.
- Volume do hematoma: os hematomas supratentoriais de moderado ou grande volume (> 10 mL) e os hematomas
cerebelares com volume superior a 3 mL tem pior prognóstico.
- Momento cirúrgico: provavelmente o melhor prognóstico é para os casos em que o intervalo entre o sangramento
e a cirurgia é inferior a 8 horas.
- Idade: pacientes idosos (> 75 anos) tem pior prognóstico.
- Local do hematoma: hemorragias em gânglios da base ou tálamo (profundos) são de pior prognóstico do que he-

84
morragias lobares do hemisfério não dominante. A presença de sangue ventricular é associada a alta mortalidade.
F. TRATAMENTO DA HIP
1. Abordagem inicial na emergência: a abordagem inicial tem como objetivo manter a vida e evitar lesões cerebrais
secundárias. Cuidados básicos com as vias aéreas, a ventilação, a circulação e a detecção de déficit neurológico focal
são prioridade neste momento.
1a. Vias aéreas e ventilação: pacientes com rápida redução do nível de consciência ou sinais de compressão de
tronco cerebral são candidatos a intubação, independente de um valor específico de escore da Escala de Coma de
Glasgow. Essa é indicada sempre que existir insuficiência respiratória (PaO2 < 60 mmHg ou PaCO2 > 50 mmHg) ou
risco evidente de aspiração. Sedação é utilizada durante a intubação orotraqueal para evitar o reflexo do vômito, a

elevação da pressão arterial e da pressão intracraniana.


1b. Circulação: a hipotensão deve ser prontamente revertida com volume (solução cristalóide) e, quando necessário,
vasopressor. A hipertensão exige adequada avaliação antes de indicarmos uma terapêutica.
1c. Avaliação neurológica:logo que estabilizado o paciente, deve-se realizar um exame neurológico objetivo e a TC.
Nas situações de rápida deterioração clínica ou em que a TC evidencia uma hérnia transtentorial ou hidrocefalia,
é mandatória uma avaliação neurocirúrgica de emergência. Neste momento, a hiperventilação (PaCO 2 de 30 a 35
mmHg), o manitol (1g/Kg em bolo) e a colocação de um cateter ventricular para drenagem de líqüor podem pre-
servar estruturas cerebrais, até que a descompressão cirúrgica seja realizada.
2. Abordagem na Unidade de Terapia Intensiva: todo paciente com HIP deve ser monitorado em uma unidade de
terapia intensiva por pelo menos 24 horas após início do sangramento. O estado neurológico deve ser monitorado
com o escore da Escala de Coma de Glasgow de hora em hora.
2a. Abordagem da pressão arterial: a pressão arterial será avaliada por medida automática não invasiva. A moni-
toração invasiva e contínua é indicada quando se administra medicação anti-hipertensiva por via intravenosa. O

ótimo
idade, nível de pressão
hipertensão arterial para
intracraniana, o paciente
provável causadeve ser baseadoeem
da hemorragia fatoresde
intervalo individuais como
tempo desde hipertensão
o início crônica,
do sangramen-
to. Hipertensão arterial é comum na fase aguda e está associada a pior prognóstico. Não há evidências suficientes,
no entanto, que a redução da pressão arterial melhore a evolução. A justificativa teórica para reduzir a pressão
arterial na fase aguda é de que essa poderia contribuir para a expansão do hematoma. Uma redução moderada da
pressão arterial (de até 20% da PA sistólica com PA sistólica ≥180 mmHg) não altera o fluxo sangüíneo cerebral e
não acarreta prejuízo da PPC, diminuindo o risco de isquemia iatrogênica.
A orientação do American Heart Association para manejo da pressão sangüínea em pacientes com HIP é a de
manter uma pressão arterial média (PAM) abaixo de 130 mmHg e uma PPC acima de 60 mmHg (tabela 2).
Tabela 2. Controle da Pressão Arterial na HIP na fase aguda

Níveis pressóricos Tratamento


PA sistólica > 230 mmHg ou Nitroprussiato de sódio – 0,5 a 10 ug/ Kg/ min
PA diastólica > 140 mmHg
PA sistólica de 230 a 180 mmHg Esmolol – 500 ug/ Kg de ataque e manutenção de 50 a 200 ug/ Kg/ min, IV
ou Enalapril - 1,25 mg IV em 5 min e pode aumentar para 5 mg IV 6/6h (nas
PA diastólica de 140 a 105 mmHg contra-indicações de β- bloqueador)
Hipotensão (inferior a valores Volume (sol. cristalóide isotônica) – Euvolemia
prévios conhecidos) Vasopressores (dopamina, βnoradrenalina)

85
2b. Abordagem Clínica da hipertensão intracaniana (HIC): a HIC é o principal fator contribuinte para o aumento da
mortalidade. A HIC é definida como pressão intracraniana (PIC) ≥ 20 mmHg por mais de 10 minutos. O objetivo
do tratamento é manter uma PIC < 20 mmmHg e PPC > 60 mmHg. As principais indicações de monitoração da
PIC são:
- Glasgow < 9 ou rápida redução de 2 pontos na ECGl
- TC sugestiva de hipertensão intracraniana
- Hematomas extensos
- Inundação ventricular

O controle da HIC é realizado por uma ou mais das medidas abaixo citadas:
- Elevação da cabeceira (30º) e cabeça em posição neutra
- Drenagem de líqüor
- Manitol: 0,5 - 2 g/ Kg, IV em bolus de ataque, e 0,25 – 0,75 mg/Kg/dose em bolus, conforme a necessidade. Deve-se
evitar hipovolemia e manter a osmolaridade entre 310 a 320 mOsm
- Sedação e Analgesia: midazolam, propofol, fentanil e morfina podem ser usados. Bloqueadores neuromusculares
em combinação com adequada sedação podem reduzir HIC por prevenir elevação da pressão intratorácica e da
pressão venosa durante episódios de tosse, aspiração das vias aéreas e esforços
- Hiperventilação otimizada (PaCO2 entre 30 e 35 mmHg): recomendada apenas na eminência de herniação cerebral
- Nos casos de HIC refratária, as seguintes medidas devem ser adotadas:
o TC cerebral

o Avaliação neurocirúrgica de urgência


- Corticóide: nenhum estudo clínico mostrou benefício
2c. Convulsões: a maioria das convulsões ocorre nas primeiras 24 horas. Podem determinar lesão neurológica ou
instabilidade dos pacientes criticamente doentes. Anticonvulsivante profilático é indicado por um período de até
um mês após a hemorragia nos hematomas com comprometimento cortical ou na presença de HIC. A droga de
escolha é a fenitoína (dose de ataque: 15 – 20 mg/ Kg e manutenção de 5 a 7,5 mg/ Kg/ dia).
2d. Controle da coagulação: todos os pacientes com HIP precisam ser avaliados do ponto de vista de coagulação. O
distúrbio de coagulação é facilmente suspeitado na vigência do uso de anticoagulante oral (ACFA), de trombolítico
(IAM, Embolia Pulmonar, AVE isquêmico) ou de heparina. Porém a HIP pode ser o primeiro sinal de coagulopatia
secundária (doença hematológica, hepatopatia crônica). Estas alterações devem ser prontamente corrigidas. O ob-
jetivo é um INR < 1,7 sendo eventualmente necessária a correção com plasma fresco (15 ml/ Kg/ dia) e/ ou vitamina
K (10 mg IM até 3x/ dia). Nos pacientes com plaquetopenia, deve-se tentar atingir pelo menos 100.000 plaquetas/
mm . Nos casos de HIP em vigência de terapia com heparina o ideal é reverter o tempo de tromboplastina para
próximo do limite superior do normal com sulfato de protamina (1 mg para cada 100 U de heparina).
2e. Tratamento cirúrgico: os objetivos da remoção cirúrgica do hematoma são o de reduzir o efeito de massa e pre-
venir a prolongada interação entre o hematoma e o tecido normal, que pode levar a efeitos deletérios. As principais
indicações para cirurgia da HIP estão na tabela 3. A craniotomia para HIP está associada a insignificante aumento
de morbi-mortalidade, quando comparada ao tratamento clínico em uma metanálise de três estudos randomizados.
Drenagem por punção estereotáxica é associada à redução da mortalidade, porém outros estudos randomizados
são necessários. Algumas pequenas séries reportaram resultados favoráveis da combinação da infusão de trombo-
líticos no coágulo com a aspiração do mesmo posteriormente. O tratamento cirúrgico ideal é o que produza a má-

86
xima remoção do coágulo, o mais rápido possível, com o menor trauma do tecido cerebral normal e com redução
do ressangramento pós-operatório.
Tabela 3. Tratamento Cirúrgico da HIP

a. Pacientes com hemorragia cerebelar > 3 ml de diâmetro que estejam ne urologicamente deteriorando (Glasgow <
14) ou que tenham compressão do tronco cerebral e hidrocefalia por obstrução ventricular devem ser submetidos a
cirurgia de remoção da hemorragia imediatamente.
b. Hematomas supratentoriais moderados (de 10 ml a 30 ml), com piora neurológica (Glasgow < 15) podem se
beneficiar do procedimento cirúrgico.
c. Hematomas com marcado efeito de massa, edema, desvio de linha média, hipertensão intracraniana e herniações
(Glasgow > 4) – a cirurgia reduz a mortalidade, mas eleva a morbidade.
G. HEMORRAGIA INTRAPARENQUIMATOSA EM ADULTOS JOVENS
As causas mais freqüentes de hemorragia intraparenquimatosa em pacientes com idade entre 15 e 45 anos são rup-
tura de malformação arteriovenosa (29,1%), hipertensão arterial (15,3%), ruptura de aneurisma (9,7%) e abuso de
drogas (6,9%). A mortalidade destes pacientes jovens durante a internação hospitalar gira ao redor de 12,5%. As
hemorragias lobares em jovens normotensos são altamente sugestivas de malformação arteriovenosa (MAV).
1. Malformação arteriovenosa (MAV)
1a. Epidemiologia
A MAV tem expressão clínica freqüentemente antes dos 40 anos e afeta ambos os sexos em iguais proporções. Os
dados de prevalência sugerem que 0,1% (300.000 pessoas) da população dos EUA pode ter uma MAV, mas menos
de 12% destas serão sintomáticas durante a vida. A mortalidade da hemorragia por MAV é de 10% a 15% e a mor-
bidade é de menos de 50%.
1b. Fisiopatologia
A malformação arteriovenosa é um aglomerado anormal de vasos sangüíneos, nos quais o fluxo arterial drena di-
retamente dentro das veias, sem a normal interposição da rede capilar. A lesão é congênita e tende a aumentar de
tamanho com a evolução dos anos. Nos recém nascidos geralmente é uma lesão de baixo fluxo e na idade adulta
já se encontra com médio ou alto fluxo. Pacientes com malformações arteriovenosas podem ter outras anomalias
vasculares associadas. Aproximadamente 10% a 58% dos pacientes apresentam aneurismas associados.
1c. Características Clínicas
A hemorragia intracraniana é a apresentação clínica mais comum da MAV. A freqüência anual estimada de hemor-
ragia é de 2 a 4%. Alguns trabalhos sugerem um aumento para 18% do risco de hemorragia no primeiro ano após o
sangramento. Porém, esta incidência diminui nos anos seguintes para valores semelhantes aos de antes do primeiro
episódio de hemorragia. A maioria das hemorragias são intraparenquimatosas. As hemorragias puramente ventri-
culares ou subaracnóides são de melhor prognóstico. A pequena (< 3 cm) MAV tem maior pressão no leito arterial.
Logo, sangram mais do que as de tamanho médio (3 –6 cm) e grande (> 6 cm).
Convulsões, cefaléia ou déficit neurológico focal podem ser os sintomas iniciais da MAV na ausência de uma he-
morragia. Somente poucos pacientes (4% a 8%) têm documentado déficit neurológico progressivo. Este provavel-
mente é, ou decorrente do chamado fenômeno de “roubo”, no qual o tecido cerebral adjacente à lesão encontra-se
isquêmico, ou devido ao efeito de massa da malformação (hipertensão venosa).
1d. Diagnóstico
O exame de escolha para o diagnóstico de malformações arteriovenosas é a ressonância magnética ou a angiores-
sonância. Nem todas as MAVs podem ser detectadas pela arteriografia (MAV oculta).

87
1e. Tratamento
As opções de tratamento para as MAVs são cirurgia, embolização ou radiocirurgia. Existem poucos estudos com-
parando estas terapias ou o uso associado delas. O tratamento de escolha ainda é a cirurgia. O mais popular sistema
desenvolvido para estimar o risco cirúrgico é a escala de cinco pontos de Spetzler-Martin. A escala incorpora três
variáveis: tamanho da lesão, tipo de drenagem venosa e localização. A embolização como tratamento isolado da
MAV pode ser inadequada devido ao risco de recanalizar tardiamente. Está indicada principalmente nos casos de
difícil acesso cirúrgico e em grandes MAV antes da cirurgia. Nos pacientes que apresentaram hemorragia e que
estejam em boas condições neurológicas com baixo escore pela escala de Spetzler-Martin, está indicada a cirurgia.
Nos assintomáticos e sem história de sangramento, o tratamento é controverso.
As complicações após o procedimento cirúrgico ou da embolização podem ocorrer pelo súbito aumento de pressão
de perfusão da região com perda da autoregulação (isquemia crônica), ou pela oclusão das veias de drenagem com
o surgimento de múltiplas hemorragias e edema cerebral. Este risco pode ser reduzido com o uso de propranolol
(20 mg 6/6h VO) por três dias antes da cirurgia e de β-bloqueadores intravenosos no período pós-operatório, para
manter uma pressão arterial média de 70 a 80 mmHg.
Algoritmo de Abordagem da Hemorragia Intraparenquimatosa

88
Pontos Principais
Hemorragia intracerebral
Hipertensão arterial sistêmica
Malformação arteriovenosa
Terapia anti-hipertensiva
Hipertensão intracraniana
Embolização

SUGESTÕES DE LEITURA
1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al (Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora
2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS (Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora
3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu
4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M. David at al, Editora Revinter, 2003.
5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter
6. Qureshi A I, Tuhrim S, Broderick J P. et al. Spontaneous Intracerebral Hemorrhage. N Engl J Med 2001; 344
(19):1450-60.
7. Broderick J P, Adans H P, Barsan W. et al. Guidelines for the Management of Spontaneous Intracerebral He-
morrhage. Stroke 1999; 30: 905-15.
8. Arteriovenous Malformation Study Group. Arteriovenous Malformations of the Brain in Adults. N Engl J Med
1999;340 (23): 1812-18.
9. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997.

89
90
Capítulo 12

Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi)


A. INTRODUÇÃO
Acidente vascular encefálico (AVE) é clinicamente definido como uma síndrome de início abrupto de sintomas ou sinais
de perda focal da função encefálica em que nenhuma outra causa é aparente, além da provável srcem vascular. Esta
síndrome é muito heterogênea; logo, numerosos fatores influenciam no prognóstico, no tratamento e nas estratégias
preventivas.O AVE é a terceira causa mais freqüente de morte depois das doe
nças coronarianas e das neoplasias. Nos
Estados Unidos da América (EUA) mais de 700 mil casos/ano são diagnosticados e, destes, mais de 160 mil (23%) mor-
rem. O número de mortes por AVE vem diminuindo nas últimas décadas. Este declínio é atribuído a um decréscimo na
incidência dos AVE em decorrência de um melhor controle da hipertensão e a uma redução dos casos fatais devido a
um tratamento rápido e especializado. Dos que sobrevivem ao AVE, até 30% tornam-se dependentes e improdutivos. A
grande incidência do AVE e as extensas seqüelas produzidas determinam um alto custo desses pacientes para a socieda-
de. Os homens têm maior incidência de AVE. Na avaliação de dados de internações por AVE agudo nos EUA em 1993,
observou-se que 75% das pessoas encontravam-se com idade acima dos 65 anos e 20% entre os 45 e 64anos.
O AVE é classificado em dois tipos: AVE isquêmico (83%) e hemorrágico (17%). O AVE hemorrágico pode se apre-
sentar como uma hemorragia intraparenquimatosa (10%) ou uma hemorragia subaracnóide (7%). Neste capítulo,
discutiremos o AVE isquêmico. O progresso no entendimentodos mecanismos básicos da isquemia cerebral, o avanço
da radiologia no estudo do AVE agudo e as novas intervenções farmacológicas vem exigindo um maior esforço no
desenvolvimento de protocolos que visam otimizar a evolução neurológica e funcional desses pacientes. O AVEi deve
ser considerado uma emergência médica que requer os mesmos cuidados de um evento coronariano agudo.
B. FISIOPATOGENIA
O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) representa 15 a 20% do débito cardíaco total, o que significa um fluxo de 50 a
55 ml/100 g de cérebro por minuto. Este permanece constante em função de um mecanismo de autoregulação, que
tende a desaparecer quando a pressão arterial média estiver abaixo de 60 mmHg ou acima de 150 mmHg. O fluxo
abaixo de 20 a 25 ml/100 g/min já determina prejuízo funcional. A reversibilidade destas alterações permanece
diretamente relacionada ao tempo de duração desta queda do fluxo sangüíneo. A cascata isquêmica inicia-se com
segundos a minutos após a queda de perfusão e rapidamente cria uma área central de infarto irreversível e uma área
circundante com potencial de reversibilidade (“penumbra isquêmica”). O fluxo em níveis inferiores a 10 ml/ 100
g/min causa alterações no transporte da membrana celular e morte celular.
C. PATOGÊNESE
Os principais mecanis mos do AVE isquêmico são as lesões trombóticas, as embólicas e as lacunares. O AVE trombótico
(31% dos casos) compromete artérias de médio e grande calibre e a obstrução decorre, na grande maioria dos casos, da
presença de lesões ateromatosas.O AVE embólico (32% dos casos)tem srcem vascular ou cardíaca e é bem mais freqüente
do que se imaginava no passado. O avanço nos métodos de investigação (ultra-sonografia cardíaca e vascular) permitiu que
se identificasse um grande número de AVE como sendo de srcem embólica. Dos AVEi até 20% são devidos a êmbolos de
srcem cardíaca. O AVE lacunar (20% dos casos) ocorre devido ao comprometimento de pequenas artérias ou arteríolas
cerebrovasculares, determinando lesões de pequeno tamanho (3-20 mm). As regiões mais afetadas neste tipo são o tronco
cerebral, núcleos da base, tálamo e cápsula interna. Alipo-hialinose da parede dessas arteríolas, freqüentemente relacionada
à hipertensão arterial crônica, é provavelmente o mecanismo que determina a obstrução destes vasos.
Outros mecanismos de menor freqüência na patogênese dos AVE isquêmicos são as vasculopatias inflamatórias e não
inflamatórias e as coagulopatias. A vasculopatia inflamatória pode estar relac
ionada às seguintes doenças: Takayasu, do-
ença infecciosa (TBC, sífilis, zoster oftálmico, SIDA), mucormicose e arterites (poliarterite nodosa e Granulomatose de

91
Wegener), além das vasculites das diferentes doenças autoimunes (LES, AR, Síndrome do anticorpo antifosfolípide). Na
vasculopatia não inflamatória as principais etiologias são a displasia fibromuscular e a dissecção de artéria pós-trauma.
Policitemia, trombocitose, deficiência de proteina C ou S, deficiência de anti-trombina III, anticorpos anti-cardiolipina,
púrpura trombocitopênica trombótica também se constituem em causas possíveis de AVE. Apesar da evolução na inves-
tigação dos AVE isquêmicos, 30% dos casos ainda permanecem sem etiologia definida (criptogênico).
D. DIAGNÓSTICO DO AVE ISQUÊMICO
Quando um paciente com provável AVE chega a uma emergência, o primeiro passo é avaliar os sinais vitais e cor-
rigir perturbações da oxigenação e circulação. O diagnóstico do AVE isquêmico baseia-se em dados da avaliação
clínica, neurológica e do exame radiológico.

D1.instalação,
de Avaliaçãoaos
clínica:a história
sintomas clínica
e sinais deve ser obtida
associados, com
à doença o paciente
médica ou familiares,
pregressa especialmente
e à presença quanto
de fatores de risco eàcausas
forma
para o AVEi. Estas informações são de fundamental importância no esclarecimento diagnóstico, bem como na
tentativa de estabelecer o tipo clínico do distúrbio circulatório. Os tipos clínicos básicos são o AVE isquêmico com-
pleto (deficiência neurológica de início abrupto ou progressivo, que atinge seu máximo e se estabiliza), a deficiência
neurológica isquêmica reversível (deficiência neurológica que se resolve em até uma semana) e o ataque isquêmico
transitório (AIT) (sinais e sintomas que desaparecem em até 24 horas). A possibilidade de classificar os casos dentro
de um desses quadros será de extrema utilidade na escolha dos exames complementares e medidas terapêuticas a
serem adotadas. O exame físico de rotina deve ser acrescido de uma avaliação cuidadosa do sistema vascular.
Na avaliação laboratorial inicial, deve-se solicitar um hemograma com contagem de plaquetas, tempo de pro-
trombina, KTTP, glicose, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio e provas de função hepática. Quando
houver suspeita de distúrbios nas trocas gasosas e de alterações do equilíbrio ácido-básico é necessário realizar uma
gasometria arterial. O ECG permitirá detectar a presença de alterações no ritmo cardíaco (especialmente fibrilação
atrial). Invariavelmente, a radiografia dos campos pulmonares deve ser realizada.
D2. Avaliação neurológica:o exame neurológico deve ser rápido, mas preciso (5 a 10 min). Esses dados são essen-
ciais para distinguir entre um episódio isquêmico ou hemorrágico, para estabelecer o território vascular afetado e
para definir a gravidade do AVE. Achados como estado de coma, meningismo, vômitos, cefaléia severa e pressão
sistólica acima de 220 mmHg são sugestivos de AVE hemorrágico. No entanto, nenhum achado é realmente especí-
fico no diagnóstico diferencial de AVE hemorrágico e isquêmico. A identificação dos déficits motores e sensoriais
pode providenciar indícios para o local do AVE (tabela1).
Tabela 1. Padrões de anormalidades neurológicas em pacientes com AVEi

SíndromesClínicas SinaiseSintomas TopografiadaLesão


Amaurosefugaz Perdavisualmonocular Retina
Hemisfério esquerdo Afasia, paresia e/ou hipoestesia direita, hemianopsia di- Hemisfério cerebral esquerdo
reita, paresia do olhar conjugado para a direita, disartria, (mais freqüen- temente em
dificuldade para ler, escrever e calcular território carotídeo)
Hemisfério direito Negligência do espaço visual esquerdo, hemianopsia es- Hemisfério cerebral direito
querda, hemiparesia esquerda, hemi-hipostesia esquerda, (mais frequen-temente em
disartria, desorientação espacial território carotídeo)
Déficit motor puro Fraqueza da face ou mmbros de um lado, sem anormali- Lesão pequena subcortical em
dades de funções superiores, sensibilidade ou visão hemisfério cerebral ou tronco
cerebral
Déficit sensitivo puro Hipoestesia da face ou membros de um lado, sem an rma- Lesão pequena subcortical em
lidades de funções superiores, motricidade ou visão hemisfério cerebral ou tronco
cerebral
Fossa posterior Vertigem, náusea e vômitos; déficit motor ou sensitivo Tronco cerebral, cerebelo
nos 4 membros, ataxia, disartria, olhar conjugado, nistag- ou porções posteriores dos
mo, amnésia, perda visual em ambos campos visuais hemisférios
* Ferraz A.C.,(manual de terapia intensiva neurológica)

92
O uso de escalas na avaliação neurológica do paciente que se apresenta com AVE isquêmico é útil principalmente para
acompanhar o curso da doença e determinar o prognóstico. A escala de AVEi do National Institute of Health (NIH)
(tabela 2) é freqüentemente recomendada devido ao fato de ser de fácil e rápida aplicação. O escore inicial correla-
ciona-se com o tamanho do infarto, com a mortalidade na fase aguda, com a incapacidade funcional a longo prazo e
pode guiar a decisão clínica para a trombólise.Além disso, essa escala pode ser aplicadapara a avaliação de resposta
terapêutica em estudos clínicos. Nos pacientes inconscientes a Escala de Comade Glasgow é apropriada (tabela 3).
Tabela 2 - Escala de AVEi do National Institute of Health

1. Estado mental Alerta 0


1a. Nível de consciência Sonolento 1
Torporoso 2
Coma 3
1b. Orientação Ambas respostas corretas 0
(mês, idade) Uma resposta correta 1
Incorretas 2
1c. Comandos Odedece ambos 1
(abrir/fechar olhos, apertar e soltar a Obedece um 2
mão) Incorretamente 3
2. Olhar Normal 0
(olhos abertos, paciente acompanha o Paralisia parcial do olhar 1
dedo do examinador) Desvio conjugado 2
3. Visual Sem perda visual 0
(analisar perimetria) Hemianopsia parcial 1
Hemianopsia completa 2
Hemianopsia bilateral 3
4. paralisia facial Normal 0
(mostrar os dentes, enrugar a testa, fechar Mínima 1
olhos) Parcial 2
Completa 3
5. Motricidade em membro superior Sem desio 0
5a. Esquerdo (membro elevado a 90˚ e Com desvio 1
mantido por 10 segundos) Não resiste à gravidade 2
Nenhum movimento contra gravidade 3
Sem movimento 4
Amputado, derrame articular X
5b. Direito Sem desio 0
(membro elevado a 90˚ e mantido por 10 Com desvio 1
segundos) Não resiste à gravidade 2
Nenhum movimento contra gravidade 3
Sem movimento 4
Amputado, derrame articular X
6. Motricidade em membro inferior Sem desvio 0
6 a . Esquerdo Com desvio 1
(membro elevado a 30˚ e mantido por 5 Não resiste à gravidade 2
segundos) Nenhum movimento contra gravidade
Sem movimento 34
Amputado, derrame articular X
6b. Direito Sem desvio 0
(membro elevado a 30˚ e mantido por 5 Com desvio 1
segundos) Não resiste à gravidade 2
Nenhum movimento contra gravidade 3
Sem movimento 4
Amputado, derrame articular X

93
7. Ataxia de membros Ausente 0
Testes do índex-nariz e calcanhar-joelho) Presente em um membro 1
Presente em dois membros 2
8. Sensibilidade Normal 0
(Em face, membro superior e inferior dos Perda parcial 1
dois lados) Perda severa 2
9. Linguagem Sem afasia 0
(Nomear itens- caneta, relógio – descrever Afasia leve a moderada 1
figuras e ler sentenças) Afasia grave 2
Afasia total 3
10. Disartria Articulação normal 0
(Avaliar clareza da fala fazendo o pa- Disartria leve a moderada 1
ciente repetir palavras listadas: episcopal, Quase inteligível ou pior 2
presbiteriano, microfone) Entubado ou outra barreira física X
11. Negligência Sem negligência 0
(Usar informação da testagem prévia Negligência parcial 1
para identificar ou extinção) Negligência completa 2

Tabela 3 – Escala de Coma de Glasgow

Abertura Ocular
Espontânea 4
Comando verbal 3
Estímulo doloroso 2
Nenhuma 1
Melhor Resposta Motora
Obedece comandos 6
Localiza estímulo doloroso 5
Retira membro a dor 4
Flexão anormal (decorticação) 3
Extensão anormal (deserebração) 2
Nenhuma 1

Resposta Verbal
Orientado 5
Confuso 4
Palavras inapropriadas 3
Sons 2
Nenhuma 1
D3. Avaliação radiológica
Tomografia Computadorizada Cerebral (TCC)sem contraste é, na fase inicial, o mais importante e útil meio diag-
nóstico. Esta pode excluir um AVE hemorrágico e outras patologias que podem simular um AVE isquêmico (tu-
mores, abscessos). A sua alta sensibilidade permite detectar 100% das hemorragias intracerebrais e 95% das he-
morragias subaracnóides. As lesões isquêmicas agudas são caracterizadas como áreas com mudança de densidade
com margens borradas que aparecem 6 horas após o início dos sintomas. Infartos completos são geralmente vistos
depois de 24 horas. Na tomografia os sinais indiretos de isquemia podem ser detectados numa fase muito precoce
da evolução e, com esses sinais, é possível prever a gravidade do AVE e o tamanho da área comprometida. Extensa
lesão hipodensa (> 33% do território da artéria cerebral média) indica um alto risco de complicações hemorrágicas
após terapia trombolítica. A TCC freqüentemente confirma a suspeita de infarto isquêmico, exceto em alguns casos

94
em que esta é realizada muito precocemente (horas) ou o AVE seja muito pequeno (principalmente na região do
tronco cerebral). A TCC deve ser realizada com urgência (<60 minutos), principalmente quando existe suspeita
de hemorragia cerebral (diminuição de sensório), a terapia trombolítica é planejada ou os sintomas neurológicos
progridem.
Ressonância magnética (RM) não é um teste diagnóstico prático na emergência, pois depende da cooperação do
paciente e tem um tempo de execução mais prolongado. Em comparação com a TCC, a RM é mais sensível espe-
cialmente entre 8 e 24 horas após o íctus, principalmente para infartos de tronco cerebral e cerebelo. Porém, sua
sensibilidade para hemorragias é inferior. As novas técnicas de RM introduziram a possibilidade de acessar a viabi-
lidade do tecido cerebral. No futuro, provavelmente, a rígida janela de tempo para início da terapêutica (reperfusão)
seja menos relevante do que a presença de tecido isquêmico reversível na avaliação radiológica.

- Outros exames radiológicos:


Ultrassonografia com doppler é uma técnica muito útil para uma rápida avaliação das artérias intracranianas e
extracranianas na fase aguda do AVE. Em artéria carótida com estenose superior a 40%, a ultrassonografia tem
uma sensibilidade de 92% a 100% e especificidade de 93% a 100%, semelhante à da arteriografia. Na avaliação de
estenose maior que 50% das artérias vertebrais, o doppler tem baixa sensibilidade e especificidade.
Doppler transcraniano permite um exame das arté rias intracranianas de modo não invasivo. Este exame pode detec-
tar estenoses ou oclusões de artérias intracranianas, alterações na circulação colateral, vasoespasmo e nos permite
confirmar a morte cerebral.
Angiografia por ressonância magnética (ARM) é um exame útil e um método não invasivo que possibilita avaliar
grandes artérias e veias. Quando associada à ultrassonografia com doppler, a ARM tem é considerada como um
exame efetivo na avaliação das estenoses arteriais.
Ecocardiografia transtorácicaem pacientes com doença cardíaca conhecida é um exame normalmente suficiente para
detectar anormalidades cardíacas responsáveis por uma embolia cerebral (trombo ventricular, infarto do miocárdio,
endocardite, valvulopatia). Nos pacientes com fibrilação atrial sem valvulopatia, o achado na ecocardiografia trans-
torácica de átrio esquerdo aumentado e disfunção do ventrículo esquerdo é um preditorpara tromboembolismo cere-
bral. A ecocardiografia transesofágica é recomendada em pacientes sem história de doença cardíaca (principalmente
em jovens). Nesse grupo de pacientes, deve ser investigada a presença de forâmen oval patente ou defeito no septo
atrial. A ecocardiografia transesofágica tem maior resolução na avaliação do átrio esquerdo e do arco aórtico.
Arteriografia cerebralé o exame preferencial para demonstrar doenças vasculares intra e extracranianas e auxilia na iden-
tificação da causa do AVC. A arteriografia requer um período relativamente longo para ser obtida. Este exame deve ser
evitado em pacientes com déficit neurológico severo ou instáveis, devido ao risco de ele poder agravar o quadro.
A ultrasonografia cervical, o doppler transcraniano e a arteriografia cerebral podem detectar doença arterial grave,
incluindo aterosclerose e dissecção. Porém, a utilidade do resultado desses exames no manejo agudo dos pacientes
com AVE isquêmico é incerta.
E. Abordagem inicial do AVE isquêmico
A internação hospitalar deve ser indicada nos casos de AVE transitório ou permanente, com menos de 72 horas do
início dos sintomas. Os critérios para admissão na UTI são a alteração do nível do sensório, sinais de hipertensão
intracraniana, íctus em evolução, episódios embólicos múltiplos, êmbolos sépticos, emergência hipertensiva, uso de
trombolítico e condições clínicas com indicação de tratamento intensivo. O manejo do paciente com AVEi consiste
do tratamento de suporte, do tratamento específico e do tratamento das complicações.
E1. Tratamento de suporte
Cuidados com vias aéreas e ventilação: A manutenção de uma adequada oxigenação é um dado importante no aten-
dimento na emergência. A hipóxia induz ao metabolismo anaeróbio e depressão dos estoques de energia celular

95
e, assim, pode aumentar a área de lesão cerebral e piorar o prognóstico. As causas mais comuns de hipóxia são a
obstrução parcial das vias aéreas, hipoventilação, pneumonia de aspiração e atelectasias. As primeiras medidas no
paciente com depressão do nível de consciência (Glasgow < 9) são a proteção da via aérea (intubação orotraqueal)
e a correção dos distúrbios ventilatórios (oxigenioterapia/ ventilação mecânica). Não existe nenhum dado estabele-
cendo benefícios da suplementação de oxigênio na ausência de hipoxemia.
Monitoração cardíaca: O paciente deve ter monitoração cardíaca contínua pelo menos durante as primeiras 24
horas após o início dos sintomas. A literatura descreve uma prevalência de 5% a 10% de alterações no eletrocardio-
grama e de 2% a 3% de infarto agudo do miocárdio nos AVE.
Controle temperatura corporal: A hipertemia mostrou-se deletéria ao tecido cerebral isquêmico em estudos experi-
mentais. Viu-se que cada grau centígrado de elevação da temperatura cerebral aumentava em muito a área final do
infarto. A febre deve ser tratada com antitérmicos. Não há dados clínicos definidos sobre a utilidade da hipotermia
no tratamento do AVEi.
Controle metabólico: Alguns estudos correlacionam hiperglicemia a evolução pobre após um AVE. Em estudo ex-
perimental, a hiperglicemia é responsável por um maior dano celular na região isquêmica (“penumbra”). Os eleva-
dos níveis de glicemia devem ser prontamente corrigidos. A administração de soluções com glicose deve ser evitada
na fase aguda do infarto. A hipoglicemia também determina maior extensão da área de infarto. A recomendação
é manter normoglicemia.
Controle hídrico: A reposição de volume tem como objetivo corrigir a desidratação. Esta pode determinar hemo-
concentração e, assim, piora do fluxo sangüíneo cerebral. A solução fisiológica a 0,9% é a mais utilizada. A hemodi-
luição não é uma terapia atualmente recomendada. Estudos clínicos não demonstraram redução da morbi-morta-
lidade com uso da hemodiluição isovolêmica. Alguns trabalhos testaram a hemodiluição hipervolêmica, sugerindo
piora do prognóstico devido ao aumento do edema cerebral. O objetivo é a euvolemia.
Abordagem da pressão arterial na fase aguda do AVEi : Hipertensão arterial é um achado freqüente após o AVE. A
pressão elevada pode resultar do estresse, da dor, da resposta fisiológica à hipóxia cerebral, do aumento da pressão in-
tracraniana, da retenção urinária ou devido a hipertensão prévia. A pressão arterial pode ser reduzida com o controle
desses fatores. O manejo da pressão arterial no AVE isquêmico agudo é bastante controverso. É recomendado não
tratar a hipertensão leve oumoderada durante as primeiras horas do AVE. As regiões isquêmicas docérebro têm per-
da parcial ou completa do mecanismo de autoregulação e o fluxo sangüíneo depende da pressão arterial para manter
a perfusão cerebral. Logo, a redução da pressão arterial para níveis de nor
motensão em pacientes em fase aguda pode
exacerbar a lesão cerebral e piorar o prognóstico, principalmente nos pacientes previamente hipertensos. A tabela 4
descreve o manejo da pressão arterial nos casos de AVE isquêmico agudo que não são candidatos à trombólise.
Tabela 4. Manejo da Pressão Arterial no AVCi agudo (não candidato à trombólise)

PAD > 140 mmHg Nitroprussiato de sódio (0,5-1 µg/Kg/min), IV


(em duas medidas com intervalo de 5 min)
PAS > 220 mmHg ou Esmolol - ataque 500 µg/Kg seguido de 50-200 µg/Kg/
PAD de 121-140 mmHg min, IV
(em duas medidas com intervalo de 20 min) ou
Enalapril - 1,25 mg lento; até 5 mg 6/6 h, IV
Nenhum tratamento anti-hipertensivo é indicado
PAS de 185-220 mmHg ou exceto na presença de insuficiência cardíaca esquerda,
PAD de 105-120 mmHg dissecção de aorta, isquêmia miocárdica, transforma-
ção hemorrágica ou uso de trombolítico
PAS < 185 mmHg ou Nenhum tratamento anti-hipertnsivo é indicado.
PAD < 105 mmHg
Pressão arterial em níveis inferiores aos esperados para Infusão de fluídos (SF 0,9%) e considerar vasopresso-
o paciente (principalmente se história prévia de HAS) res (dopamina, noradrenalina)

96
E2. Tratamento específico
Terapia trombolítica:o racional da terapia trombolítica é baseado no fato de que muitos dos AVEi são decorrentes
da oclusão arterial trombótica ou trombo-embólica. As arteriografias demonstraram a presença de coágulos oclusi-
vos em mais de 80% dos pacientes. A estratégia terapêutica visa restaurar a perfusão cerebral dentro de um período
de tempo em que se tenha o potencial para limitar as conseqüências bioquímicas e metabólicas da isquemia, que
induzem a lesão cerebral irreversível. O National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS), no
estudo de rtPA para AVE isquêmico, demonstrou melhor evolução dos pacientes com administração da droga em
até 3 h após inicio dos sintomas. Em 24 h, o escore médio do NIH era significativamente melhor no grupo do rtPA
(8 rtPA x 12 placebo; p < 0,02). Em 3 meses, o tratamento resultou em um aumento de 11% a 13% dos pacientes
com excelente evolução neurológica. A mortalidade era semelhante após 3 meses (17% rtPA x 21% placebo; p =
0,30). O risco de hemorragia intracerebral era maior no grupo da trombólise (6,4% rtPA x 0,6% no placebo; p <
0,001). Os achados do NINDS mostraram que o uso do rtPA endovenoso melhora a evolução após o AVEi, quando
administrado até 3 horas após o início do íctus. As orientações para o tratamento com trombolíticos no AVEi são
baseadas no protocolo utilizado nesse estudo. As recomendações do AHA para o uso de trombolíticos no AVEi
são as seguintes:
• administrar rtPA endovenoso (dose de 0,9 mg/Kg, para um máximo de 90 mg, e dessa, 10% em bolus e o restante
em 60 minutos) em pacientes com início do ictus < 180 minutos. O tratamento não é indicado quando não existe
uma clara definição do tempo de evolução
• administrção endovenosa da estreptoquinase não é indicada no manejo do AVEi
• terapia trombolítica só é indicada quando o diagnóstico é estabelecido por um médico experiente no diagnóstico
de AVEi e a TCC é avaliada por um médico experiente nesse exame de imagem
A terapia trombolítica não deve ser administrada se não existir a possibilidade de alguns cuidados essenciais:
• internação na UTI – observação contínua, freqüente avaliação neurológica e monitoração cardiovascular
• controle rigoroso da pressão arterial sangüínea – durante a infusão e até 24 h após. A hipertensão predispõe ao
sangramento e a hipotensão piora a isquemia cerebral. Deve-se manter a PA < 180/ 105 mmHg
• evitar punção arterial, punção venosa central e a colocação de SNG durante 24h; evitar colocação de sonda vesi-
cal durante a infusão e até 30 min após
• condições para o atendimento de complicações hemorrágicas. Na suspeita de sangramento, algumas medidas
devem ser tomadas:
- suspender infusão da droga trombolítica
- piora neurológica – suspeitar de sangramento cerebral – solicitar TC com urgência
- solicitar provas de coagulação (TP,KTTP, plaquetas, fibrinogênio), Ht, Hb
- consultoria cirúrgica

- solicitar concentrado de hemácias, crioprecipitado, plasma fresco e plaquetas


Os pacientes que devem ser excluídos do protocolo da terapia trombolítica:
• TCC com alterações compatíveis com infarto extenso (apagamento de sulcos, efeito de massa, edema) ou possível
hemorragia
• hemorragia intracraniana prévia

• trauma cerebral severo nos últimos 3 meses

97
• PAS>185 mmHg ou PAD>110 mmHg, e agressivo tratamento é requerido para reduzir a PA
• história de hemorragia do sistema gastrointestinal ou urinário nos últimos 21 dias
• uso de anticoagulante oral ou INR > 1,7; uso de heparina nas últimas 48 h e/ou um prolongado KTTP

• plaquetas < 100 000/mm3

• convulsões no início do AVE

• sintomas sugestivos de hemorragia subaracnóide

• cirurgia maior no últimos 14 dias

• outro AVE nos últimos 3 meses


• glicose < 50mg% ou > 400 mg%

•rápida melhora dos sinais neurológicos (AIT); pacientes com pequenos déficits isolados (escore NIH < 4) geral-
mente não são candidatos a trombólise devido ao risco superar um provável benefício
• a trombólise nos pacientes com grave AVE (NIH > 22) deve ser cautelosa
Terapia dos pacientes não-candidatos à trombólise:
Anticoagulação (heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular, heparinóides): sistemática revisão
de dados revela que não existe nenhuma evidência de benefício destas drogas no AVEi, em termos de redução da
morbi-mortalidade. Um potencial benefício desta terapia é a redução da recorrência do AVEi, no entanto, este é
completamente eliminado devido ao aumento de complicações hemorrágicas. A heparina em baixas doses (5000
U SC de 12/12 h) é efetiva e segura na prevenção de complicações tromboembólicas de pacientes imobilizados na
fase aguda do AVEi.

Antiagregante plaquetário: na avaliação conjunta dos resultados dos estudos do International Stroke Trial (IST)
e do Chinese Acute Stroke Trial(CAST), a aspirina tem um benefício de evitar 10 mortes ou recorrência do AVEi
para cada 1000 pacientes tratados. Apesar do modesto benefício, o uso precoce da aspirina (<48 h) deve ser consi-
derado em todos os pacientes a menos que exista uma clara contra-indicação (trombólise, anticoagulação plena).
A asprina em baixas doses (50 – 325 mg/d) é efetiva e determina menores efeitos adversos (hemorragia TGI, dor
abdominal, náuseas, vômitos). Outros agentes antiplaquetários que provaram ser efetivos na prevenção da recor-
rência do AVEi são: clopidogrel (75 mg 1x/d), aspirina combinada com dipiridamol de liberação lenta (25 mg + 200
mg 2x/d) e ticlopidina (250 mg 2x/d). A aspirina é a primeira escolha para os pacientes que não vinham em uso de
nenhuma medicação antiplaquetária.
E3. Tratamento da complicações neurológicas
As complicações neurológicas agudas mais importantes do AVEi são as seguintes:
- edema cerebral e hipertensão intracraniana
- convulsões
- transformação hemorrágica com ou sem formação de hematoma
Edema cerebral: o edema cerebral e a hipertensão intracraniana tem inicio nas primeiras 24-48 h após o infarto
isquêmico. O pico do edema ocorre entre o 3º e o 5º dia, e pode levar à herniação e morte. Somente 10% a 20%
dos pacientes desenvolvem edema cerebral grave com deterioração neurológica. Herniação é mais freqüente em
pacientes jovens com grandes áreas de infarto do que em idosos, porque o cérebro dos jovens tem pequena atrofia.
A gravidade do edema correlaciona-se à extensão da área de infarto. A monitoração da pressão intracraniana serve

98
de guia para escolha das terapias e predizer a evolução. O tratamento do edema cerebral isquêmico inclui medidas
básicas, medidas de primeira linha (osmoterapia, drenagem liquórica) e medidas de segunda linha (solução hipertô-
nica, barbitúrico, hipotermia, craniectomia descompressiva). O corticóide não é recomendado no manejo do edema
cerebral do AVEi.
A osmoterapia é recomendada para pacientes com deterioração secundária ao aumento da pressão intracraniana.
O manitol aumenta a osmolaridade do sangue criando um gradiente osmótico através da barreira hemato-encefá-
lica. Uma barreira intacta é essencial para este mecanismo. Sendo assim, o manitol pode entrar no parênquima ce-
rebral isquêmico e determinar um fenômeno de rebote, caso a osmoterapia seja abruptamente suspensa. Aumentos
da osmolaridade por curtos períodos de tempo são mais efetivos em reduzir a PIC do que aumentos contínuos da
osmolaridade. As complicações do manitol são os distúrbios eletrolíticos e a hipovolemia. A osmolaridade plasmá-
tica não deve exceder 330 mOsm/Kg.
A hiperventilação tem efeito transitório no controle da pressão intracraniana e, algumas vezes, com efeitos dele-
térios em conseqüência da vasoconstrição, provocando danos isquêmicos secundários. A hiperventilação (PaCO2
30-35 mmHg) é recomendada apenas para pacientes que estejam com sinais de deterioração aguda (herniação).
A descompressão cirúrgica e a evacuação de grandes infartos hemisféricos podem reduzir a mortalidade. A craniec-
tomia subociptal e a ventriculostomia são efetivas no alívio da hidrocefalia e da compressão de tronco cerebral cau-
sadas por grandes infartos cerebelares. Além de reduzir a mortalidade, os sobreviventes tem um bom prognóstico.
Convulsões: a administração de anticonvulsivante profilático não é recomendada. O uso desses na prevenção de
convulsões recorrentes é fortemente indicado.
Transformação hemorrágica: existem poucas informações sobre a freqüência das transformações hemorrágicas no
AVEi. Alguns estudos sugerem que todos os infartos têm algum sangramento pequeno. Um estudo prospectivo esti-
ma que aproximadamente 5% dos infartos desenvolvem espontaneamente transformações hemorrágicas ou francos
hematomas. O manejo dessa complicação depende principalmente da extensão do sangramento e dos sintomas.

F. PROGNÓSTICO
O prognóstico dos pacientes acometidos por AVE isquêmico está diretamente relacionado ao território atingido,
à extensão da área infartada, aos problemas clínicos associados, à idade e às condições do atendimento. Os novos
trabalhos sugerem de maneira bastante enfática que o rápido atendimento na fase aguda, por uma equipe especia-
lizada e a internação em unidades especificas trazem um real ganho na morbi-mortalidade destes pacientes.
SUGESTÕES DE LEITURA
1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper et al (Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora
2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS (Tradução da Intensiva em Neurologia – E.Knobel
at al Editora Atheneu
3. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003
4. Terapia 1a Edição) DiLivros Editora
5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora Revinter
6. Adans, H.P.Jr.; Brott, T.G.; Crowell, R.M., et al. AHA Medical/Scientific Statement – Guidelines the mana-
gement of patient with acute ischemic stroke: A statement for healthcare professionals from a special writing
group of the Stroke Council, American Heart Association. Stroke, 1994, 25(5): 1901-1914
7. Adans, H.P.Jr.; Brott, T.G.; Crowell, R.M., et al. AHA Medical/Scientific Statement – Guidelines for throm-
bolytic therapy for acute stroke: A supplement to the guidelines for the management of patients with acute
ischemic stroke. A statement for healthcare professionals from a special writing group of the Stroke Council,
American Heart Association. Circulation, 1996, 94: 1167-1174.
8. Hill, M.D.; Haschinski, V. Stroke treatment: time is braim. Lancet, 1998, 352 (suppl 3):10s-14s.
9. The International Stroke Trial (IST): a randomised trial of aspirin, subcutaneous heparin, both, or neither
among 19435 patients with acute ischemic stroke. Lancet, 1997, 349: 1569-1581.

99
10. The National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS):Guidelines for medical care and treat-
ment of blood pressure in patients with acute stroke. 1998.
11. Vuadens, P.; Bogousslavsky, J. Diagnosis as a guide to stroke therapy. Lancet, 1998, 352 (suppl 3):5s-9s.
12. Kasner S.E.; Raps E.C. Currente management of acute ischemic stroke. In:Miller D.H.; Raps E.C. Critical Care
Neurology. Butterworth-Heinemann,Boston, 1999.p 149-176.
13. Alberts G.W.; Chair; Amarenco P. Antitrombotic and thrombolytic therapy for ischemic stroke – Sixth ACCP
Consensus Conference on Antithrombotic Therapy. CHEST, 2001, 119:300s-320s.1
14. The National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS):r-TPA Strke Study Group. Tissue plas-
minogen activator for acute ischemic stroke. N Engl Med, 1995, 33:1581-1587.
15. Ferraz A.C. Acidente vascular cerebral isquêmico. In:Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica
(Hospital Israelita Albert Einstein), 2000, p: 132-146.

100
Capítulo 13

Hemorragia Subaracnóide (HSA)


A. OBJETIVO
Os principais objetivos deste capítulo são:
• discutir a epidemiologia da HSA decorrente da ruptura do aneurisma cerebral (HSAa) com ênfase na incidência,
na prevalência, nos fatores de risco e no prognóstico
• apresentar dados clínicos e radiológicos que auxiliem no rápido diagnóstico HSAa e de suas complicações
• orientar uma abordagem terapêutica prática e efetiva

B. EPIDEMIOLOGIA
A hemorragia subaracnóide (HSA) é uma patologia freqüente e devastadora. As principais causas de HSA são:
• trauma (mais freqüente) (HSAt)

• não traumática:

o aneurisma cerebral (75 - 80%) (HSAa)


o malformações arteriovenosas (4 - 5% )
o tumor
o dissecção de artérias cerebrais
o distúrbio de coagulação
o vasculites do SNC
• etiologia desconhecida (14 - 22%)

Neste capítulo será discutida a HSA causada por ruptura de aneurisma (HSAa). A incidência anual de HSAa nos
Norte Americanos é de 10 a 28 casos por 100.000 pessoas. Ocorrem em torno de 28.000 HSAa/ano nos EUA. Di-
ferente dos outros tipos de AVE, a HSA não diminuiu sua incidência nos últimos anos. A incidência aumenta com
a idade (pico com 55 a 60 anos) e é mais freqüente nas mulheres. A morbi-mortalidade da HSAa permanece muito
elevada. Aproximadamente 10% a 15% dos pacientes morrem antes de qualquer atendimento médico. A mortali-
dade total varia de 40% a 50% após 30 dias da hemorragia. Dos pacientes que sobrevivem, até 50% permanece com
seqüelas graves.
C. FATORES DE RISCO

Os principais fatores de risco para ruptura de aneurismas cerebrais são os seguintes:


• tabagismo

• HAS

• anticoncepcional oral

• consumo de álcool

101
• abuso de drogas (cocaína, estimulantes)
• gravidez e parto
• esforço físico (?) – provável mito, porque mais de 50% dos pacientes apresentam HSAa em repouso
D. ANEURISMA NÃO ROTO
Nos aneurismas não rotos estão incluídos os aneurismas que são diagnosticados acidentalmente (assintomáticos) e
os aneurimas que produzem outros sintomas que não da hemorragia (compressão do terceiro nervo com dilatação
pupilar). O risco anual de HSA por um aneurisma não roto é estimado em torno de 1% a 2%. O tamanho do aneu-
risma é um fator de risco para futura ruptura. Os aneurismas com menos de 3 mm de diâmetro têm baixo risco de
sangramento, enquanto que os com mais de 10 mm têm alto risco de romper. A maioria dos aneurismas rotos tem
de 5 a 7 mm de diâmetro. Em pacientes com aceitável risco cirúrgico, a clipagem de aneurismas não rotos, com mais
de 5 a 7 mm de diâmetro, é recomendada.
E. DIAGNÓSTICO DE HSA
1. História clínica: a apresentação típica da HSA por ruptura de aneurisma inclui: cefaléia severa, de início
súbito, associada ou não a um breve período de perda de consciência, náuseas e/ou vômitos, déficit neuro-
lógico focal ou rigidez de nuca. A cefaléia sentinela é decorrente da expansão do aneurisma ou de pequeno
sangramento na parede deste. Geralmente ocorre alguns dias antes da hemorragia, e é presente em mais de
30% dos casos de HSAa. O diagnóstico da cefaléia sentinela antes da ruptura catastrófica de um aneurisma
pode salvar a vida do paciente. Existem inúmeras escalas para classificar os pacientes com HSAa. A escala
de Hunt – Hess (tabela 1), realizada no momento da internação orienta a tomada de decisões terapêutica s e
indica o prognóstic o.
Tabela 1. Escala de Hunt – Hess (H-H)

Classificação Descrição
I assintomático ou cefaléia e rigidez nuca fraca
II cefaléia/rigidez de nuca moderada a severa, ou paralisia dos pares cranianos
III sonolência, confusão, déficit focal discreto
IV estupor, hemiparesia moderada a severa
V coma profundo, postura de descerebração

2. Tomografia computadorizada cerebral (TCC) (sem contraste): é o exame principal para o diagnóstico da HSA
. Quando realizada nas primeiras 24 horas, o sangue do espaço subaracnóide (alta densidade – branco) será de-
tectado em mais de 92% dos casos. A sensibilidade da TCC diminui depois dos primeiros dias. Este exame pode
evidenciar as seguintes alterações:
- dilatação ventricular: hidrocefalia aguda ocorre em 21% das HSA.
- hematoma: HIP ou hematoma subdural (com efeito de massa)
- espessura do sangue nas cisternas: importante fator prognóstico visto que correlaciona-se com o risco de vasoes-
pasmo (tabela 2)
- localização do aneurima: pode predizer a localização do aneurisma em 70% do pacientes. Nos casos de aneuris-
mas múltiplos, a TCC pode sugerir qual o aneurisma que sangrou (epicentro do sangramento)

102
Tabela 2. Escala de Fisher

Grupo Fisher Sangue na TCC


1 Nenhumsanguesubaracnóidedetectado
2 Sangramento difuso ou sangue no espaço subaracnóide com < 1 mm de espessura
3 Coágulo ou sangue no espaço subaracnóide com > 1 mm de espessura
4 Coágulo intraventricular ou intraparenquimatoso com ou sem HSA difusa
3. Punção lombar: É o teste diagnóstico mais sensível para HSA, mas pode precipitar ressangramento. O exame do
líqüor é indicado apenas nos pacientes com forte suspeita clínica em que a TCC foi incapaz de detectar a HSA.
4. Ressonância Nuclear Magnética (RNM): o uso da RNM no diagnóstico da HSA é controverso. Permanece o

conceito de relativa
sensibilidade da RNM insensibilidade
é máxima comdeste
10 a exame
20 diaspara
apósdetectar sangue subaracnóide
o sangramento, na excelente
sendo assim será fase agudanoda HSA. A
diagnóstico
tardio da HSA.
5. Arteriografia cerebral: é o exame de escolha para o diagnóstico do aneurisma cerebral. Deve ser realizado nos ca-
sos confirmados de HSA. Aproximadamente 80% a 85% dos aneurismas são identificados na arteriografia inicial.
A realização de uma nova arteriografia após uma semana detecta um aneurisma previamente não reconhecido em
apenas 1% a 2% dos casos.
6. Angioressonância magnética (ARM) e Angiotomografia: estes exames vem sendo utilizados para o diagnóstico do
aneurisma cerebral. No entanto, não existe um conhecimento exato sobre a sua sensibilidade e especificidade no
diagnóstico do aneurisma cerebral que permita uma decisão neurocirúrgica. A ARM ou a Angiotomografia só são
recomendadas quando a arteriografia cerebral não pode ser realizada.
F. TRATAMENTO
A abordagem clínica dos pacientes com HSA será de acordo com as condições neurológicas no momento da inter-

nação. Os principais
e o vasoespasmo objetivos são otimizar a oferta de oxigênio para o tecido cerebral e prevenir o ressangramento
cerebrais.
1. Oferta de oxigênio cerebral: esta depende primariamente do fluxo sangüíneo cerebral (FSC) e do conteúdo arte-
rial de oxigênio.
1a. Fluxo sangüíneo cerebral: a manutenção de um ótimo FSC depende diretamente de uma adequada pressão de
perfusão cerebral (PPC). A PPC é a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC).
O ideal é manter a PPC > 60 mmHg.
- PAM: a hidratação deste pacientes é fundamental. A maioria destes pacientes são hipovolêmicos nas primeiras 24
horas após a HSA. A reposição inicial é com solução cristalóide isotônica (SF a 0,9%). O objetivo é a euvolemia.
Nos pacientes com H-H ≥ III ou Fisher ≥ 3 deve-se produzir uma hipervolemia leve, para reduzir o risco de vasoes-
pasmo. O cateter venoso central facilita na reposição de volumes e a pressão venosa central (PVC) é um parâmetro
útil. Nos pacientes com instabilidade hemodinâmica, cardiopatia grave ou H-H >III pode ser necessária a coloca-
ção de um cateter em artéria pulmonar. A PAM desejada nestes pacientes que não tem o aneurisma clipado é de
100 mmHg (PA sistólica de 120-150 mmHg). A linha arterial deve ser instalada nos pacientes com H-H >3 ou com
instabilidade hemodinâmica. A hipertensão arterial severa e a hipotensão devem ser evitadas.
- PIC : a monitoração da pressão intracraniana pode oferecer importantes informações no diagnóstico diferen-
cial da deterioração neurológica no período peri-operatório e orienta a terapia da HIC. O método de escolha
é o cateter intraventricular. As principais indicações para monitoração da PIC são as seguintes: hidrocefalia,
sangue intraventricular, H-H IV e V, hematomas intra-parenquimatosos, com efeito de massa e no pós opera-
tório de clipagem do aneurisma no período de vasoespasmo. A redução abrupta da PIC aumenta o risco de
ressangramento.

103
1b. Conteúdo arterial de oxigênio (CaO 2): os principais componentes são a saturação arterial de O2 (SaO2) e a he-
moglobina (Hg).
SaO2 ≥ 92% - 94%
Hg ≥ 10 g%
2. Ressangramento: a incidência de ressangramento é de 15% a 20% nos primeiros 14 dias pós HSA (4% no 1º dia e
1,5% nos próximos 13 dias). Aproximadamente 50% dos casos ressangram em 6 meses. Dos que ressangram, mais
de 50% evoluem ao óbito. A mais freqüente causa de morte nos pacientes com H-H I e II é o ressangramento. Os
pacientes com H-H > III tem maior risco de ressangramento. O ressangramento deve ser suspeitado nos pacientes
que apresentam uma piora neurológica súbita e não têm o aneurisma clipado. O diagnóstico é confirmado com a

TC cerebral. As principais medidas para prevenir o ressangramento são:


2a. Repouso no leito e controle da hipertensão arterial: Estas são pouco efetivas na prevenção do ressangramento.
No entanto, ambas devem ser adicionadas às demais medidas do protocolo de prevenção do ressangramento.
2b. Terapia antifibrinolítica: reduz o risco de ressangramento. Esta terapia é associada a alto risco de isquemia ce-
rebral, sendo assim não resulta em nenhum benefício na evolução do pacientes com sangramento por ruptura de
aneurisma. Não é indicada.
2c. Cirurgia precoce do aneurisma cerebral : previne o ressangramento. É principalmente recomendada para os pa-
cientes com H-H ≤ III e aneurismas não complicados.
2d. Procedimento endovascular: a colocação do coil por via endovascular tem se mostrado uma ferramenta efetiva
na prevenção do ressangramento. A decisão entre cirurgia e o procedimento endovascular deve se basear na dispo-
nibilidade de operadores hábeis, nas condições do paciente e na configuração do aneurisma. Não esquecendo que
a eficácia a longo prazo do procedimento endovascular ainda não foi demonstrada.
3. Vasoespasmo cerebral:é o estreitamento arterial difuso ou localizado secundário a HSA.
3a. Epidemiologia: o vasoespasmo constitui a maior complicação da HSA. Ocorre em 70% de todos os pacientes
com HSA e determina isquemia cerebral sintomática ou infarto em 36% destes. O vasoespasmo cerebral é a maior
causa de morbi-mortalidade dos pacientes que sobrevivem ao sangramento inicial. O vasoespasmo correlaciona-se
a um aumento de 1,5 a 3 vezes da mortalidade nas duas primeiras semanas após a HSA.
3b. Patogênese: o vasoespasmo cerebral é claramente relacionado à presença de sangue no espaço subaracnóide.
Estudos indicam a oxi-hemoglobina como o fator precipitante da contração da parede arterial. Fisiopatologica-
mente ocorre prolongada contração da musculatura lisa, que decorre ou de um efeito direto na fibra muscular ou
por mecanismos indiretos como a liberação de substâncias vasoativas da parede arterial ou a produção de radicais
livres. A produção de radicais livres inativa o óxido nitrico e ativa a peroxidase lipidica. A contração prolongada da
musculatura lisa arterial pode levar a alterações morfológicas, como hiperplasia da íntima ou fibrose subendotelial
da parede do vaso. Vários outros mecanismos podem estar associados.
3c. Apresentação Clínica: o vasoespasmo tem início no 3º dia e suas manifestações clinicas podem ser detectadas até
3 semanas após o sangramento. O pico de incidência do vasoespasmo é entre o 4º e o 12º dia depois do sangramen-

to. Neste
cluem período
piora é que surgem
da cefaléia, os déficits
meningismo, neurológicos
letargia, isquêmicos.
desorientação, Os sintomas
redução desenvolvem-se
do nível de consciência e gradualmente e in-
déficit neurológico
focal. Os principais fatores de risco para o vasoespasmo são o grau clínico do paciente (escala de H-H), extensão
do sangue na TCC (escala de Fisher) e hipovolemia. O grau na escala de H-H nos sugere qual é o risco do paciente
desenvolver vasoespasmo (tabela 3). A quantidade de sangue na TCC do momento da internação (Escala de Fisher)
correlaciona-se com a severidade do vasoespasmo.

104
Tabela 3. Correlação entre H-H e vasoespasmo clínico

H-H Vasoespasmo clínico


I 22%
II 33%
III 52%
IV 53%
V 74%
3d. Diagnóstico do Vasoespasmo: nos pacientes com 3 a 12 dias após o sangramento, que iniciam com desorienta-
ção, alteração do nível de consciência, meningismo e déficit neurológico focal, devemos sempre suspeitar de vasoes-
pasmo. O diagnóstico diferencial com hidrocefalia e ressangramento é mandatório. A TCC pode excluir estes dois

eventos.
A arteriografia é o ”padrão ouro” no diagnóstico do vasoespasmo. A arteriografia é um exame seguro depois que
o aneurisma foi clipado. A realização deste exame nos pacientes com alta suspeita de vasoespasmo (novo déficit
neurológico) após cirurgia do aneurisma vem sendo encorajada.
O Doppler Transcraniano (DTC) é o exame não invasivo recomendado para o diagnóstico e monitoração do va-
soespasmo. O DTC pode detectar aumento da velocidade do fluxo em segmentos proximais nas artérias carótida
interna, cerebral média, cerebral anterior, cerebral posterior, vertebral e na basilar, o qual provavelmente é causado
por redução da luz do vaso. A velocidade de fluxo de 120 cm/s é associada a um vasoespasmo arteriográfico leve a
moderado e a velocidade de fluxo acima de 200 cm/s indica um vasoespasmo severo. No entanto, alguns pacientes
podem permanecer assintomáticos mesmo com velocidades acima de 200 cm/s. Este aumento de velocidade pode
ser decorrente da terapia hipertensiva/ hipervolemica. Algumas limitações desta técnica incluem a incapacidade de
detectar o vasoespasmo na porção distal das artérias e ausência de uma janela transcraniana adequada em até 10%
dos pacientes. Pode-se ter aumento da especificidade do DTC realizando o índice de Lindegaard (relação entre a
velocidade da artéria cerebral média e a velocidade da carótida interna cervical), com o exame de modo seqüencial
e com um examinador experiente.
3e. Prevenção e Tratamento do Vasoespasmo:
Hipervolemia/ Hemodiluição/ Hipertensão (terapia 3H): Esta terapia combinada representa o centro do tratamento
da isquemia cerebral frente a uma perfusão cerebral reduzida decorrente do estreitamento vascular (vasoespasmo).
A expansão de volume determina aumento do débito cardíaco e este, aumenta o fluxo sangüíneo cerebral nas regi-
ões isquêmicas A capacidade de transporte de oxgênio é constante para hematócritos entre 30% e 40%. A hemodi-
luição reduz a viscosidade do sangue o que favorece o fluxo da microcirculação. Apesar da terapia hipervolemica,
34% dos pacientes desenvolvem vasoespasmo sintomático e necessitam de terapia hiperdinâmica (vasopressores,
inotrópicos). As principais complicações desta terapia são as seguintes: edema pulmonar (17%), infarto miocár-
dico (2%), hiponatremia, perda da capacidade de concentração da medula renal, complicações do cateter (sepse,
trombose subclávia, hemotórax, pneumotórax), ruptura do aneurisma não clipado, infarto hemorrágico e edema
cerebral. O aumento de fluxo para as áreas com a barreira hemato-encefálica lesada pode provocar piora do edema
cerebral e aumento da pressão intracraniana. A conclusão do Stroke Council da American Heart Association sobre
este tratamento é que: apesar da ausência de grandes trabalhos randomizados, os dados de pequenas séries sugerem
que esta terapia dos “3 H” pode reduzir a morbi-mortalidade dos pacientes com HSA e o vasoespasmo clínico.
Prevenir o vasoespasmo clínico: evitar o balanço hídrico negativo (cristalóides), induzir uma moderada hemodilui-
ção e manter a PAM de 10 a 20 mmHg acima do valor basal.
• Euvolemia ou Hipervolemia leve, Hemodiluição (Ht 30% - 40%)
• PAM 10 – 20 mmHg acima dos valores prévios (PA sistólica≤ 150 mmHg para aneurismas não clipados)
Tratamento do vasoespasmo clínico: A indução de mais marcada hipertensão (vasopressores, inotrópicos) é reser-

105
vada para os pacientes que apresentam sinais e sintomas de isquemia cerebral. As drogas utilizadas para atingir os
objetivos hemodinâmicos são a dopamina, noradrenalina e a dobutamina. Estas medidas são mantidas durante o
período de risco do vasoespasmo ou até reversão dos sinais clínicos e do DTC de vasoespasmo.
• Hipervolemia moderada a severa:

o Pressão venosa central: > 10 mmHg


o Pressão de oclusão da artéria pulmonar > 15 mmHg
o Índice cardíaco > 3,5 l/ m
• Hemodiluição

• Hipertensão: PAM > 130 mmHg (aneurismas clipados)


Nimodipina: os benefícios dos antagonistas do cálcio na HSA são devidos ao efeito neuroprotetor e ao efeito va-
sodilatador da microcirculação. A incidência de vasoespasmo sintomático e o calibre dos vasos na arteriografia
não são alterados com a nimodipina. A nimodipina por via oral mostrou-se benéfica em reduzir a morbidade
do vasoespasmo em todos os diferentes graus clínicos da HSA. Os efeitos adversos da droga são mínimos. O in-
desejável efeito hipotensor mostra-se mais significativo quando a droga é administrada por via endovenosa (não
recomendada). Orientação: nimodipina 60 mg de 4/4 horas por via oral por 21 dias após HSA desde o momento
do diagnóstico (após hidratação).
Angioplastia e/ou infusão de papaverina intra-arterial: existem poucos estudos randomizados e adequadamente con-
trolados. A angioplastia pode restaurar o calibre de um vaso, com efeito durável e deste modo prevenir um infarto
cerebral. As drogas intra-arteriais têm um efeito mais difuso, menos duradouro e podem ter efeitos colaterais como
convulsões.
4. Outras complicações associadas a HSA
4a. Hidrocefalia: o aumento dos ventrículos é um achado freqüente nos pacientes com HSA; porém, o significado
clínico deste achado tomográfico é incerto.
A hidrocefalia aguda (até 72 h após HSA) atinge 20% dos pacientes que sobrevivem à HSA. A etiologia é usu-
almente obstrutiva devido à presença de sangue intraventricular. Os principais fatores de risco para hidrocefalia
aguda são os seguintes: idade avançada, presença de sangue intraventricular, sangue difuso no espaço subaracnóide,
aneurismas de circulação posterior e H–H >III. A ventriculostomia é recomendada para os pacientes com hidro-
cefalia aguda e redução do nível de consciência. Deve-se evitar a drenagem de líqüor rápida devido ao risco de
ressangramento (aneurisma não clipado). A ventriculostomia pode ser complicada por infecção em até 5% a 10%
dos casos.
A hidrocefalia crônica (> 1 mês) ocorre em 23% a 60% dos pacientes após a HSA. Muitos deles são assintomáticos.
A derivação do líquido cerebroespinhal é recomendada somente nos pacientes sintomáticos.
4b. Hiponatremia: sua incidência na HSA é de 10% a 34%. Usualmente desenvolve-se vários dias após a HSA e coin-
cide com o período de vasoespasmo. A hiponatremia é mais comum nos pacientes com H-H > III e hidrocefalia. É
um fator independente de pior prognóstico.
As prováveis causas são: SIHAD (secreção inapropriada de hormônio antidiurético), síndrome cerebral perdedora
de sal e hipovolemia. A síndrome cerebral perdedora de sal é a causa mais freqüente. Ocorre natriurese que deter-
mina hipovolemia e hiponatremia. O tratamento da hiponatremia consiste da reposição volêmica com solução cris-
talóide isotônica e em algumas situações de natriurese severa é necessário o uso de solução hipertônica 3% (evitar
correção rápida do sódio sérico). Está contra-indicado o uso de restrição hídrica para correção da hiponatremia.
4c. Convulsões: a sua incidência na HSA é de mais de 25%. As convulsões aumentam o risco de ressangrmento.

106
Sendo assim, os anticonvulsivantes profiláticos são indicados no período após hemorragia imediata. A profilaxia é
realizada com o hidantal.
O uso prolongado dos anticonvulsivantes não é recomendado nos pacientes que não apresentaram convulsão. Deve
ser considerado somente naqueles com os seguintes fatores de risco: hematomas, infarto cerebral, convulsão prévia
ou aneurisma de artéria cerebral média.

107
PONTOS PRINCIPAIS
Aneurisma cerebral; Escala de Hunt-Hess; Ressangramento; Vasoespasmo cerebral; Nimodipina; Terapia hiperten-
siva do vasoespasmo; Complicações da hemorragia subaracnóide;
SUGESTÕES DE LEITURA
1. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição) DiLivros Editora
2. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição) DiLivros Editora
3. Terapia Intensiva em Neurologia – E.Knobel at al Editora Atheneu
4. Medicina Intensiva Adulto – Cid M David at al Editora Revinter 2003
5. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia – Charles André - Editora RevinterTreggiari-Venzi,M;

Suter,PM; Romand,JÁ.
rhage: A Problem Review of Medical
of Neurointensive Prevention of 2001;
Care. Neurosurgery Vasoespasm after Aneurysmal Subarachnoid hemor-
48: 249-62
6. Qureshi,AI; Suarez,JI; Bhardwaj,A e cols. Early Predictors of Outcome in patients receiving Hypervolemic and
Hypertensive Therapy for Symptomatic Vasospasm after Subarachnoid Hemorrhage. Crit Care Med 2000;
28:824-829.
7. Mayberg,MR; Bajter,HH, dacey,R e cols. Guidelines fo the Management of Aneurysmal Subarachnoid hemor-
rage: a Statement for Healthcare Professionals from a Special Writing Group of the Stroke Council, American
Heart Association. Circulation 1994; 90:2592-2605.
8. Greenberg M S (ed). Handbook of Neurosurgery. Greenberg Graphics. Florida, EUA, 1997.
9. Kistler, JP; Gress,DR; Crowell,RM e cols. Management of Subarachnoid Hemorrhage. In: Ropper,AH (ed.)
.Neurological and Neurosurgical Intensive Care. Raven Press, Ltd. New York, 1993. P 279-289.

108
Capítulo 14

Traumatismo crânio encefálico


INTRODUÇÃO
Traumatismo craniencefálico (TCE) é a maior causa de invalidez e morte na maioria dos países ocidentais e con-
some anualmente US$100 bilhões de dólares somente nos Estados Unidos. Nas duas últimas décadas a aborda-
gem do traumatizado de crânio evoluiu dramaticamente, como resultado de uma maior compreensão dos eventos
fisiológicos que levam a uma lesão secundária, como também nos avanços dos meios diagnósticos e no tratamento
de pacientes em estado crítico. Contudo é possível que muitos pacientes com TCE não estejam com o tratamento
otimizado, de acordo com os atuais princípios do neurointensivismo. Além de Guidelines das séries internacionais,
recomendações recentemente publicadas pela SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia), em conjunto com a
AMB, foram muito importantes e de grande valia para se configurar protocolos de orientação na abordagem do
paciente com TCE. Essas recomendações englobam desde o atendimento inicial, passando por exames comple-
mentares, diagnóstico precoce, monitoração adequada, e tratamento especializado. A partir de uma visão geral
do tratamento atual de pacientes com TCE, poderemos traçar rotinas que sejam adequadas a cada um de nossos
serviços.
Os estudos multicêntricos nas diversas áreas e especialidades têm nos fornecido, nas últimas décadas, importantes
análises que podem ser bem adaptadas a hospitais de diferentes níveis técnicos. Servem como parâmetro que deve
ser alcançado, permitindo e provocando uma eficiente e progressiva melhora de qualidade no atendimento inicial
e seqüencial, além de poder uniformizar condutas nos centros mais desenvolvidos e preparados para atendimento
do paciente grave.
Os resultados negativos, em contraposição aos esperados, nos pacientes com TCE, a partir da uniformização de
condutas do Data Bank of Trauma na década de 80, levaram alguns pesquisadores a rever a mortalidade e as
condutas nos diferentes centros de trauma. Dentre as várias publicações, uma foi relevante pela agitação no meio
científico e revolução de idéias que causou, dando srcem ao movimento que produziu os atuais Guidelines que
norteiam as condutas do TCE na atualidade.
Foram Sosim e cols. que levantaram e publicaram dados epidemiológicos alarmantes, com dados de estatística de
mortalidade anual bem acima dos esperados, observando que 1/3 da mortalidade observada ocorria pela evolução
da lesão secundária, que poderia ser prevenida. Ao concluir sua publicação, chamavam a atenção para um conceito
que iria despertar nos pesquisadores um enorme interesse: “É fundamental reduzir a mortalidade e melhorar nos-
sos resultados”.
Abreviações:
BHE = barreira hemato-encefálica
BNM = bloqueador neuromuscular (paralisantes)

ECGl = escala de coma de Glasgow


FSC = fluxo sanguíneo cerebral
PAM = pressão arterial média
PEEP = pressão expiratória final positiva
PIC = pressão intracraniana

109
PPC = pressão de perfusão cerebral
PPE = pressão de perfusão encefálica
TCE = traumatismo craniencefálico
TGI = trato gastro intestinal
EPIDEMOLOGIA
O TCE é a maior causa de morte e invalidez em crianças e adultos nas idades mais produtivas. Estima-se que
ocorram cerca de 1,6 milhões traumatismos cranianos a cada ano nos Estados Unidos, sendo maior que 250.000
o número destes pacientes que foram internados em serviços hospitalares. As análises estatísticas contabilizam a
cada ano aproximadamente 60.000 mortes por TCE, sendo 1/3 pela lesão primária e 2/3 pela lesão secundária, e
que 70.000 a 90.000 pacientes ficam com invalidez neurológica permanente. O custo financeiro do TCE em termos
de perda da produtividade, do tratamento médico e da reabilitação deve chegar a US$ 100 bilhões anualmente,
somente nos Estados Unidos. Acidentes de trânsito são a maior causa de traumatismo craniano e acontecem mais
freqüentemente com adolescentes e adultos jovens. Quedas são responsáveis pelo segundo maior número de trau-
mas e são mais comuns em pessoas idosas. O álcool também é um importante fator que contribui em mais de 40%
dos casos mais graves de trauma. Nos países industrializados, a expansão demográfica, assim como o desenvolvi-
mento tecnológico nas diferentes áreas, contribui bastante para o aumento da incidência de acidentes, levando a
índices crescentes e alarmantes de politraumatizados, e, em mais da metade desses pacientes, encontramos o TCE
associado.
Quanto à etiologia, o TCE pode ser provocado por acidentes de trânsito, quedas (sendo aqui incluídas as famosas
quedas de laje, tão constantes em nosso meio e ignoradas nas estatísticas internacionais), agressões por instrumento
contundente ou projétil de arma de fogo, grandes catástrofes e atividades esportivas, sendo variável com a idade,
as estatísticas nacionais ou internacionais, com predomínio dos acidentes de trânsito no pós-adolescente e adulto
jovem e da queda nos pacientes com mais de 60 anos. Até os 14 anos, as duas causas têm freqüência bastante seme-
lhante. Milhares de crianças falecem por ano nas principais estatísticas publicadas e na idade dos 15 aos 24 anos os
acidentes de trânsito são responsáveis por mais mortes que todas as outras causas de morte juntas.
O TCE tornou-se uma epidemia em muitos países e é certamente a principal causa de óbito entre as pessoas com
menos de 40 anos. Nos Estados Unidos, cerca de 500.000 TCEs ocorrem por ano e cerca de 80.000 pessoas morrem
desta causa. Dos que sobrevivem, 37.000 têm seqüelas moderadas e 17.000 apresentam seqüelas severas, capazes
de tornar o paciente dependente em suas atividades de vida diária. Estima-se em 500.000 o número de mortes por
ano ocasionadas por TCE, sendo aproximadamente 10% aqui no Brasil. Trauma com TCE é a terceira causa de
morte em todas as faixas etárias e a segunda causa de morte por disordens do SNC. É a principal causa de morte
em pessoas entre um e quarenta e quatro anos, com três seqüelados definitivamente para cada morte, acometendo
principalmente homens jovens (77%), e, portanto, causando violento impacto social. É a causa direta de óbito em
mais que 50% das vítimas de trauma. As estatísticas sobre TCE, apesar de alarmantes, são poucas e divergentes,
e entre os vários fatores epidemiológicos discrepantes, um é notável, a própria conceituação do TCE, ou seja, au-
sência de acordo para determinar se um paciente foi vítima de TCE ou não, pelo fato de não existir um critério
absoluto para definir um TCE.

Jennett & Teasdale, no estudo epidemiológico escocês, adotaram uma definição prática e simples, onde os casos de
TCE seriam confirmados quando houver:
1) História definida de golpe sobre a cabeça,
2) Laceração do couro cabeludo ou fronte,
3) Alteração da consciência, independente da duração.
Com o passar do tempo, esta definição foi sendo corrigida, por não ser tão abrangente quanto se mostrava, deixan-

110
do de considerar situações como o sacolejar de crianças, os traumas sem perda de consciência e outras mais. Atual-
mente parece bastante satisfatória a recomendação de Gennarelli de considerar o TCE como sendo “QUALQUER
AGRESSÃO FÍSICA QUE ACARRETE LESÃO ANATÔMICA OU COMPROMETIMENTO FUNCIONAL
DO COURO CABELUDO, CRÂNIO, MENINGES, LIQÜOR OU ENCÉFALO, EM QUALQUER COMBI-
NAÇÃO”.
Torna-se evidente a necessidade de programas educativos visando melhoria das condições de segurança no trânsi-
to, funcionando como verdadeira profilaxia desta epidemia. Com freqüência tão elevada, é natural que o assunto
TCE tenha se tornado um grande laboratório de pesquisa, com importantes avanços e conquistas nos últimos anos,
sendo freqüente que artigos srcinalmente publicados com conceitos e orientações dirigidos ao TCE, acabem por
ser empregados em outras nosologias neurológicas (p.ex: Escala de Coma de Glasgow, extração cerebral de O 2).
Apesar de sua evidente importância médica, só recentemente ocorreram progressos significativos na compreensão
das lesões encefálicas traumáticas. Um dos fatores determinantes para tal deve-se ao fato de que o exame anato-
mopatológico do encéfalo de vítimas de trauma geralmente se restringe às lesões macroscópicas e tem seu valor
limitado ao aspecto médico legal.
A partir das duas últimas décadas, com a maior freqüência dos estudos microscópicos post-mortem associados aos
estudos experimentais em animais, compreendemos melhor a natureza dinâmica do trauma. Esses estudos possibi-
litaram uma melhor caracterização das lesões, da compreensão da energia cinética, da evolução e dos mecanismos
das mesmas, trazendo algumas informações úteis na elaboração de condutas no manuseio clínico e cirúrgico desses
pacientes. O resgate com manuseio adequado, a melhoria do atendimento de emergência, e os protocolos de atendi-
mento seqüencial clínico e cirúrgico vêm de certa forma minimizar o número de óbitos e influenciar positivamente o
tratamento e a evolução, colaborando para a redução das seqüelas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
“O tratamento intensivo não aumenta o número de sobreviventes gravemente incapacitados, sem um aumento propor-
cional no número de pessoas que têm uma boa recuperação” (CITIN).
FISIOLOGIA E PATOLOGIA
Traumatismo crânio encefálico – Lesão primária
A fisiologia e a patologia da lesão primária do traumatismo cerebral podem ser divididas em lesões focal e difusa.
As lesões focais estão associadas a batidas na cabeça que produzem tipicamente fraturas, contusões, comoção,
concussão, laceração e hematomas cerebrais. A gravidade (invalidez e a mortalidade) do impacto causando trau-
matismo focal está relacionada à sua localização, tamanho e progressão. O traumatismo difuso (lesão axonal difu-
sa) é causado por forças inerciais que são normalmente produzidas por acidentes de trânsito (energia cinética de
cisalhamento, torção e tosquia). Na prática clínica, traumatismo axonal difuso e lesões cerebrais focais coexistem
freqüentemente. Os tipos mais comuns de TCE com lesão primária serão discutidos a seguir.
Fraturas cranianas: As fraturas cranianas podem ser vistas na abóbada ou na base do crânio, podem ser lineares
ou estelares, e podem ser depressivas ou não depressivas. A presença de fratura craniana implica que uma grande
quantidade de força foi transmitida à cabeça do paciente. Uma fratura linear na abóbada aumenta a possibilidade
da presença de hematoma intracraniano. Fraturas basilares podem se manifestar como hemotímpano, equimoses
retro-auriculares (sinal de Battle), equimoses periorbitais, e possíveis paralisias de nervos cranianos.

Hematomas Extradurais: Hematomas extradurais são relativamente raros, estando presente em <1% de todos pa-
cientes com traumatismo craniano e em <10% daqueles em estado comatoso. Hematomas extradurais são loca-
lizados do lado de fora da dura, mas dentro do crânio, e são tipicamente biconvexos ou na forma lenticular. Na
maioria das vezes estão localizados na região temporoparietal e freqüentemente resultam da laceração da artéria
meningéa média, causada pela fratura ou ainda pelo sangramento ósseo no foco de fratura. Em muitos casos, mas
não sempre, há perda de consciência seguida de um período de lucidez, seguida de uma deterioração neurológica.
Geralmente, com uma rápida evolução, os pacientes têm um resultado relativamente favorável, se devidamente
operados em tempo hábil.

111
Hematomas Subdurais: Hematomas subdurais são mais comuns que hematomas extradurais, ocorrendo aproxima-
damente em 30% dos casos de traumatismos cranianos graves. Eles resultam mais freqüentemente do rompimento
de uma veia de ligação entre o córtex cerebral e um canal de drenagem venosa. Com hematomas subdurais a força
do impacto é freqüentemente transmitida ao próprio cérebro. Em aproximadamente 80% dos hematomas subdu-
rais, é o traumatismo cerebral básico que determina o curso e o resultado. O hematoma subdural aparecerá numa
Tomografia Computadorizada (TC) como uma bolha de sangue crescente entre o cérebro e a dura, com formato
côncavo convexo. Com muita freqüência ocorre uma contusão no parênquima adjacente, que, se for grande, pode
ser a principal causa do desvio da linha média.
Hematomas intraparenquimatosos: Hemorragia intracraniana ocorre geralmente em associação com traumatismo
craniano moderado e grave e normalmente produz lesões na massa. A maioria das lesões ocorre nos lóbulos frontal
e temporal. Durante rotações repentinas da cabeça, estas regiões batem na superfície da base do crânio, causando
as chamadas “contusões planas” ou “pupping”. O sangue dentro do parênquima cerebral será visto, em uma tomo-
grafia como uma área hiperdensa. Muitos hematomas intraparenquimatosos (HIP) podem ser de formação retar-
dada, aparecendo em uma tomografia ≥ 24 h depois do trauma inicial. Também são muito freqüentes em situações
onde só vão aparecer na tomografia de controle pós-operatório após a retirada de alguma massa intracraniana. Ao
promover a descompressão cerebral, permitimos o alargamento da área de um HIP. Por esta razão, a tomografia
deve ser repetida rapidamente quando houver deterioração clínica ou hipertensão intracraniana progressiva e in-
controlável, ou ainda na rotina de controle pós-operatório.
Lesão Axonal Difusa (LAD): A LAD é causada por forças opostas afetando os axônios que atravessam grandes
áreas do tronco cerebral, levando a uma disfunção do Sistema Reticular Ativador Ascendente (SRAA). Acredita-se
que os axônios não são rompidos no momento do trauma, mas nos danos seqüenciais, com mudanças na área do
foco, levando a um inchaço e a uma desconexão várias horas após o trauma. Como conseqüência desta ação com
a proximidade axonal (a jusante), desconectada por fibras degeneradas, ocorre a deferentação dos lugares alvos
(centros ou núcleos). A evidência sugere que a LAD resulta do dano ao axolema, conseqüência do influxo de cál-
cio anormal, desencadeando um dano local intra-axonal, cito estrutural e mitocondrial. Em adição, um aumento

na Caspase-3 imediata
inconsciência intra-axonal sugere quePacientes
e prolongada. a apoptose tem um
afetados papel
têm umanaalta
morte do axônioe se
mortalidade, anexo. A LADtêm
sobrevivem, pode causar
uma alta
deficiência que freqüentemente leva a um estado vegetativo. LAD pode ser identificada por imagens na RNM (Co-
eficiente de Difusão Aparente com baixos valores - hiperintensidade de sinal focal)
TRAUMATISMO CRÂNIO ENCEFÁLICO – LESÃO SECUNDÁRIA
O traumatismo cerebral primário é o resultado de um dano mecânico direto que ocorre no momento do trauma. O
traumatismo cerebral secundário ocorre depois do trauma inicial e é definido como os danos devidos às respostas
fisiológicas ou patológicas ao trauma inicial. Um grande número de mediadores químicos são postuladas a ter um
papel na propagação de lesões secundárias do SNC. A liberação destas substâncias inicia uma contínua deterio-
ração e uma falência da membrana da célula, além de transferências iônicas, que mais tarde danificam o cérebro
traumatizado. Estas substâncias incluem radicais livres e aminoácidos excitatórios como o glutamato.
Foi reconhecida a importância daHIPOTENSÃO e da HIPÓXIA como as maiores causas de lesão cerebral secun-
dária. Estudos publicados em 1978 e em 1982 porMiller et al e, em 1993, por Randall Chesnut et al, estabeleceram
que, ocorrendo a hipotensão e a hipóxia no período inicial pós-traumático, essas ocorrências são determinantes de
pior prognóstico. Estas observações foram confirmadas pelo estudo doBanco de Dados do Coma Traumático (Data
Bank of Trauma), que demonstrou claramente que hipotensão pré-hospitalar foi um prenúncio de maus resultados.
Durante as primeiras 24 horas após o traumatismo craniano, o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é reduzido a menos
da metade dos indivíduos normais e pode levar ao limiar de isquemia. Além disso, o FSC próximo às regiões lesadas
pós-trauma e próximo aos hematomas subdurais, é mais reduzido do queo FSC global. A redução doFSC, conseqü-
ência do trauma, mais a vulnerabilidade do cérebro traumatizado pela isquemia, leva a complicações potencialmente
letais, principalmente quando o paciente ainda experimenta um episódio de hipotensão. A autópsia em pacientes que
morreram de traumatismo craniano relatou que mais de 80% tiveram lesões de isquemia pós-traumática.

112
O PAPEL DA PRESSÃO INTRACRANIANA E DA PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL
A caixa craniana é um espaço fixo e fechado, que contem tecido cerebral, líquido cefalorraquidiano (LCR) ou
líqüor, líquido intersticial extracelular, e sangue (venoso e arterial). Estes tecidos são amplamente incompressíveis.
Após o traumatismo craniano, o volume dentro do compartimento intracraniano aumenta devido ao sangue e ao
edema do tecido (Edema de Marmarou). Inicialmente, um pequeno aumento do volume intracraniano pode ser
acomodado pelo movimento do sangue e do LCR para fora da caixa craniana (Doutrina de Monro Kellie). Con-
tudo, com uma maior expansão de seu conteúdo e esgotados os recursos de compensação com retirada de fluídos
(líqüor e sangue), a pressão intracraniana (PIC) aumenta agudamente (Curva de Langfitt). A hipertensão intracra-
niana, sozinha, não causa danos, a menos que ela aumente a ponto da pressão de perfusão cerebral cair abaixo do
valor crítico ou limiar de fluxo. A isquemia cerebral leva a um dano neural e a edema cerebral, que aumenta ainda
mais a PIC, levando a um dano neurológico irreversível. O aumento da PIC pode também resultar em quedas ou
gradientes de pressão, que levam ao deslocamento e herniação do cérebro desde as áreas de alta pressão até as áreas
de baixa pressão.
A média do FSC em humanos é de aproximadamente 50ml/100g de tecido cerebral por minuto. O dano neuronal
irreversível ocorre se o FSC cai abaixo de 18ml/100g de tecido cerebral por minuto por um período de tempo
prolongado. O FSC é diretamente proporcional à pressão de perfusão cerebral (PPC), definida como a diferença
entre a pressão arterial média e a PIC (PPC = PAM-PIC), e inversamente proporcional à viscosidade sanguínea
e à resistência vascular cerebral. P or ser o FSC difícil de medir clinicamente , a PPC é usada como um guia para
acessar a perfusão cerebral adequada. A PIC normal em condições fisiológicas está entre 0 mmHg e 10 mmHg.
Uma PIC alta é definida como uma pressão > 20 mmHg persistindo por tempo ≥ 5 min. Os valores humanos
normais para PPC estão entre 60 mmHg e 100 mmHg. Contudo, como resultado de uma auto-regulação, o FSC
permanece relativamente constante quando a PPC está entre 40 mmHg e 140 mmHg (Figura 1). Este fenôme-
no se deve a mudanças definidas da resistência vascular do cérebro, provavelmente provocadas por efeito local
de íons de hidrogênio nos vasos cerebrais. Sendo assim, o baixo fluxo, que leva a uma hipóxia ou hipercapnia
tecidual, resulta em uma acidose que, por sua vez, causa a vasodilatação cerebral e aumento reflexo do FSC.

Hipertensão crônica
quemia, tenham boa muda a curva
evolução, comdauma
auto-regulação para a direita,
PPC que normalmente é bemfazendo com
tolerada porque pacientes
indivíduos suscetíveis
saudáveis a is-
(Figura
1). Mecanismos auto-reguladores cérebro- vascular es são danificados após o traumatismo craniano, com a FSC
dependendo amplamente da PPC.

Figura 1. Auto-regulação cerebral

Enquanto estudos recentes estão centrados na importância da PIC per se, no paciente com traumatismo craniano,
algumas diretrizes correntes enfatizam a importância da PPC. As diretrizes propostas pela Brain Trauma Foun-
dation recomenda que a PPC deva ser mantida a um mínimo de 60 mmHg (publicação de 2005) no paciente com
TCE, embora o número exato e a metodologia usada para se chegar a este valor ainda cause controvérsias. Um
valor mais alto pode ser necessário em pacientes com hipertensão crônica, mas carrega risco maior de edema agudo
pulmonar.

113
AVALIAÇÃO CLÍNICA DO PACIENTE COM TRAUMATISMO CRANIANO
EXAME PRIMÁRIO DO TRAUMA
A primeira prioridade em qualquer paciente é estabilizar a coluna cervical, estabelecer uma via aérea adequada
(A=Airway), assegurar uma ventilação adequada (B=Breathing), e conseguir acesso venoso para iniciar a reposi-
ção volêmica (C=Circulation). Estes passos são cruciais para o paciente com traumatismo craniano, a fim de evitar
hipóxia e hipotensão, causas mais importantes das lesões cerebrais secundárias. O exame primário deve ser conclu-
ído com a determinação do nível de consciência e um exame das pupilas (D=Disability).
EXAME SECUNDÁRIO DO TRAUMA
Um exame secundário é completado uma vez que o paciente esteja relativamente estável e inclui um completo exa-
me neurológico. A gravidade do trauma é classificada clinicamente pela Escala de Coma de Glasgow (ECGl) [Fig.2].
Um resultado na ECGl de 13 a 15 é classificado como um trauma brando, um resultado de 9 a 12 como um trauma
moderado, e um resultado de ≤ 8 como grave. Deve haver muita precaução na avaliação de pacientes suspeitos de
intoxicação alcoólica e por outras drogas. Freqüentemente, um estado confusional ou obnubilado em tais pacien-
tes é atribuído ao abuso de substâncias tóxicas, quando de fato a intoxicação pode mascarar uma grande lesão da
massa intracraniana.

Figura 2. Escala de Coma de Glasgow

TRATAMENTO INICIAL
Lesões cerebrais primárias acontecidas no exato momento do trauma não podem ser revertidas. A fim de minimizar
os danos cerebrais secundários, o tratamento inicial de qualquer paciente com TCE é prevenir a hipóxia, manter
uma pressão arterial média (PAM) adequada, uma PIC adequada e, portanto uma pressão de perfusão cerebral
(PPC) adequada. Como já foi dito, a PPC = PAM-PIC. Também faz parte do tratamento inicial reconhecer e tratar
cirúrgica e corretamente as lesões intracranianas. Além disso, outras lesões concomitantes devem ser reconhecidas
precocemente e estabilizadas.
FASE PRÉ-HOSPITALAR
A fase pré-hospitalar é talvez o intervalo mais importante para determinar o resultado final depois de um TCE. Os
objetivos iniciais são manter uma via aérea patente, iniciar a reanimação com volume, imobilizar a coluna cervical,
torácica e lombar,
mais próximo comavaliar o nível
serviços de consciência, seguido de um rápido transporte ao centro de referência de trauma
de neurotraumatologia.
Aproximadamente 50% dos pacientes com TCE encontram-se hipóxicos no local do acidente; esta descoberta está
associada a um aumento da mortalidade. Um estudo retrospectivo de controle dos casos sugeriu que a entubação
pré-hospitalar foi associada a uma significativa redução da mortalidade de pacientes com TCE. É recomendada
uma imediata entubação orotraqueal em paciente com uma avaliação de ECGl ≤ 8. A entubação pode ser realizada
sem sedação e paralisia química (bloqueadores neuromusculares). Agentes que levam à paralisia devem ser usados
somente pelo pessoal da emergência, habilitados a fazer uma entubação endotraqueal, os quais foram devidamente

114
treinados e aprovados e são capazes de realizar uma via aérea cirúrgica. Sedação e bloqueio neuro muscular podem
ser úteis na otimização do transporte de pacientes com traumatismo craniano; contudo, ambos os tratamentos in-
terferem com o exame neurológico e influenciam a avaliação e o tratamento inicial do paciente com neurotrauma.
Pacientes com níveis de pressão arterial sistólica menor que 110 mmHg, requerem ressuscitação volêmica. A solu-
ção de Ringer Lactato é geralmente contra indicado por ser solução hipotônica, e uma ressuscitação de pequenos
volumes (250 ml), com solução salina hipertônica parece muito útil nesta situação. Pacientes com trauma pene-
trante tem conduta especial; Bickell e colaboradores relatam que o volume de ressuscitação iniciado somente após
a chegada no hospital está associado a um aumento da sobrevivência comparada a ressuscitação imediata pré-hos-
pitalar. Este método de ressuscitação volêmica não é aplicável a pacientes hipotensos com TCE, que geralmente
são vítimas de um trauma grave agudo. É provável que o atraso na ressuscitação de volume em pacientes com TCE
aumente a extensão das lesões cerebrais secundárias.
TRATAMENTO HOSPITALAR IMEDIATO
Pacientes que não foram entubados no local do acidente por qualquer motivo e têm uma avaliação da ECGl ≤ 8
ou estão incapacitados de proteger suas vias aéreas devem ser entubados imediatamente. Devem ser tomadas pre-
cauções na entubação de pacientes com uma coluna cervical não avaliada, porque a incidência de lesões concomi-
tantes na coluna em pacientes com lesões cranianas varia de 6 a 8%. Uma rápida seqüência de indução anestésica
é recomendada para evitar um aumento na PIC que pode ocorrer com a estimulação das vias aéreas associado à
laringoscopia e entubação. Agentes hipnóticos que reduzem o tônus vascular devem ser evitados. Etomidato, 0,2
a 0,4 mg/kg, um agente de ação rápida com uma curta duração e o mínimo de efeitos hemodinâmicos, é o agente
preferido. Rocuronium é um relaxante muscular não despolarizante de curta ação, que é desprovido de efeitos
hemodinâmicos significantes e não aumenta a PIC. Rocuronium é a droga escolhida para uma indução de rápida
seqüência em muitos serviços para atendimento a traumas.
Uma vez entubado o paciente deve ser colocado no oxigênio a 100%, e a fração de inspiração de oxigênio só deve
ser diminuída após o paciente ser transferido para a UTI. Hiperventilação agressiva (PaCO 2 de 25 mmHg), hoje
abandonada, foi tradicionalmente considerada a pedra angular no tratamento de traumatismo craniano porque
ela causa uma rápida redução na PIC. Contudo, apesar da hiperventilação reduzir a PIC, ela também causa uma
vaso-constrição cerebral, com uma subseqüente redução na FSC, o que é deletério no paciente agudo. Skippen e
colaboradores, usando gases e contraste marcados em estudo de TC e FSC, demonstraram um aumento de 2,5 vezes
no número de regiões com isquemia cerebral em crianças com TCE que foram hiperventiladas. Em 1991, Muizelaar
e colegas publicaram os resultados de um estudo clínico no qual eles demonstraram que a hiperventilação, depois
do TCE estava associada a um resultado de significativa piora neurológica, quando comparada a pacientes que
foram mantidos normocápnicos. Assim, a hiperventilação a longo prazo não é mais recomendada. O alvo inicial
de PaCO2 é 35 a 40 mmHg.
Depois de estabelecida uma via aérea, a ventilação mecânica é de suma importância, assim como a restauração da
pressão arterial e do volume normal de circulação. De acordo com a Brain Trauma Foundation, diretrizes para o
tratamento de grave traumatismo craniano, devem ser estabelecidas. Deve ser objetivada uma PAM ≥ 80 mmHg;
que foi escolhida baseada na obtenção de PPC > 60 mmHg. Estas diretrizes usaram 20 mmHg como o limiar para
hipertensão intracraniana. Diretrizes anteriores recomendavam desidratação, de moderada a intensa no tratamento
de TCE, acreditando que isso diminuiria o edema cerebral. Estudos experimentais demonstraram que o índice de
água cerebral e o edema cerebral não eram alterados pelo status de hidratação. Além disso, falhou em reconhecer a
importância da PPC na prevenção da isquemia cerebral secundária. Ressuscitação volêmica com uma reposição do
volume intravascular normal é essencial em todos os pacientes com lesões cerebrais agudas.
Atualmente, a solução salina normal é recomendada para a reposição volêmica em pacientes com traumatismo cra-
niano. Soluções hipotônicas (ringer lactato e solutos glicosados) não devem ser administradas, uma vez que estas
aumentarão o edema cerebral. A solução salina hipertônica tem um número de efeitos benéficos em pacientes com
traumatismo craniano, incluindo a expansão do volume intravascular, a extração de água do espaço intracelular,

115
a diminuição da PIC, e aumento da contração cardíaca. Apesar da concentração de sódio no sangue chegar a um
nível de 170 mEq/L, a solução salina hipertônica é bem tolerada em pacientes com traumatismo craniano. Wade e
colegas apresentaram uma análise com “coorte” de informações de um único paciente, sob uma perspectiva casual
de testes duplamente cegos para avaliar o efeito sobrevivência após iniciado o tratamento com solução salina hi-
pertônica em pacientes com TCE. Usando uma análise de regressão logística, estes autores concluíram que solução
salina hipertônica aumentou significativamente a taxa de sobrevivência (odds ratio, 2,12; p=0,048). As indicações,
como também o tempo de otimização, concentração e volume de solução salina hipertônica devem, ainda, ser de-
terminados sob uma perspectiva de estudos clínicos. Contudo, a solução salina hipertônica parece ser promissora
na reanimação inicial de pacientes com traumatismo craniano. O uso profilático de manitol não é recomendado
devido a seu efeito de exaustão diurética. Manitol deve ser usado inicialmente em pacientes que demonstrem sinais
de hérnia transtentorial.
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA:
Historicamente, a imagem de um paciente com TCE dependia de radiografias do crânio. Com a difusão e a dis-
ponibilidade de avançados aparelhos de tomografia, ficou mais fácil fazer o diagnóstico quando avaliamos um
traumatismo craniano agudo. A tomografia é recomendada para pacientes considerados com alto risco de trauma
intracraniano. Isto inclui todos os pacientes com uma ECGl < 15 e pacientes com déficits neurológicos focais ou
sinais clínicos de fraturas craniana, basilar ou com afundamentos. Enquanto geralmente se recomenda a tomogra-
fia para pacientes com uma pontuação de 15 pontos na ECGl e uma história de perda de consciência ou amnésia,
observa-se que nem todos os investigadores acreditam ser esta uma abordagem de custo efetivo. A tomografia sem
contraste torna capaz a visualização da maioria dos tipos de traumas. Anormalidades notadas em uma tomografia
associada à hipertensão intracraniana inclui hematomas subdurais, hemorragia subaracnóidea, hematomas intra-
cerebrais, infartos cerebrais, traumatismo craniano difuso, e edema cerebral generalizado, freqüentemente com
mudança de posição das estruturas da linha média, apagamento de sulcos corticais, cisternas e cisuras e compressão
com diminuição do volume ventricular. Contudo, deve ser enfatizado que uma TC inicial normal não exclui hiper-
tensão intracraniana significante.

AVALIAÇÃO NEUROCIRÚRGICA:
Uma vez estabilizada a condição do paciente, é requisitada a consulta neurocirúrgica. Os fatores críticos que deci-
dem a necessidade de uma drenagem cirúrgica direta de um hematoma intracraniano são o status neurológico do
paciente e o resultado da tomografia. Geralmente, todos os hematomas extra-axiais agudos ≥ 1 cm de espessura
tem indicação para a evacuação; um hematoma subdural ou extradural > 5 mm de espessura com um desvio equi-
valente da linha média em paciente comatoso (ECGl ≤ 8) deve ser evacuado urgentemente. Drenagem cirúrgica é
recomendada para pacientes com hemorragia intraparenquimatosa (HIP) > 15 ml, na região supra-tentorial e > 3
ml, na região infra-tentorial, ambas com efeito de massa. A reparação cirúrgica é também necessária em pacientes
com fraturas de crânio compostas, abertas e com afundamento.
Pacientes com traumatismo craniano sem perda da consciência, sem amnésia, sem fraturas palpáveis e um nível de
ECGl igual a 15 podem ser mandados para casa, sob cuidados e orientações específicos, sem a tomografia cerebral.
Devem ser dadas instruções escritas de como avaliar o paciente em casa. O paciente deve ser acompanhado pelo seu
médico particular, com instruções de retornar à emergência se houver quaisquer sinais indicando aumento da PIC,
tais como mudança no status da consciência, seja no conteúdo ou na vigília. Pacientes com perda da consciência,
amnésia ou uma pontuação de ECGl de 13 a 14 devem, imediatamente fazer uma tomografia computadorizada. Se
o resultado for negativo, o paciente pode ser dispensado com as instruções mencionadas acima. Se houver um défi-
cit neurológico focal, uma pontuação de ECGl < 13, ou uma lesão intracraniana na tomografia cerebral, o paciente
deve ser admitido na UTI ou na unidade de observação neurológica para cuidados contínuos.
TRATAMENTO CONTÍNUO NA UTI
Uma vez que o paciente esteja estabilizado e transferido para a UTI, deve ser estabelecido um monitoramento
fisiológico, que facilitará e direcionará a seqüência do tratamento deste paciente. Apesar de não haver nenhum

116
estudo demonstrando que o monitoramento da PIC melhore o resultado, o mesmo tornou-se uma parte essencial
do tratamento de pacientes com traumas de crânio grave, praticamente em todos os centros de referência de trauma
dos Estados Unidos. A melhora dos resultados dos tratamentos de pacientes com TCE grave, nos Estados Unidos,
é atribuída a protocolos de tratamento intensivo que incluem monitoramento da PIC. Além disso, vários estudos
demonstram que, sob as condições de um agressivo tratamento da PIC, a probabilidade de um bom resultado é
inversamente proporcional aos níveis máximos da PIC obtidos e a percentagem de tempo decorrido com níveis >
20 mmHg. Atualmente, os métodos disponíveis para o monitoramento da PIC incluem cateteres extradurais, sub-
durais, intraparenquimatosos e intraventiculares. Quando possíveis, cateteres intraventiculares são os preferidos,
uma vez que permitem uma medição contínua da PIC, a drenagem de LCR para controlar o aumento da PIC e
a dosagem do nível de lactato liquórico. O monitoramento contínuo da saturação do oxigênio venoso na jugular
está indicado em todos os casos em que se necessite uma otimização da terapêutica instituída para a hipertensão
intracraniana.
Os pacientes devem ser submetidos a uma reposição volêmica agressiva para manter a pressão arterial média >
80 mmHg. É sugerida a reposição de volume com a solução salina normal. A pressão venosa central não deve ser
usada como um guia para a reposição volêmica, uma vez que não há correlação entre a pressão venosa central e o
volume intravascular em pacientes com TCE grave e naqueles com repercussão cardíaca de doenças crônicas que
alteram pressão do átrio direito. É recomendado um cateter de artéria pulmonar para monitoração hemodinâmica
em pacientes que respondam pobremente à expansão do volume, demonstrando instabilidade hemodinâmica, ou
tenham uma doença cardiovascular. O papel dos agentes vasopressores no TCE é controverso. Enquanto alguns
dados sugerem que um declínio na PAM deve ser evitado no paciente com traumatismo craniano, mesmo quando
os níveis basais da PAM estiverem mais altos que o normal, sabemos que a hipertensão induzida pode tanto au-
mentar ou diminuir a PIC, dependendo da propriedade de auto-regulação da vasculatura cerebral. Além disso, por
causa de seus potenciais efeitos vaso-constritores nos vasos intracerebrais, agentes vasopressores devem, por isso,
ser usados com extremo cuidado e somente com monitoramento invasivo hemodinâmico. Dopamina é o vasopres-
sor preferido, uma vez que informações experimentais demonstraram que este agente aumenta o FSC dentro e ao
redor do cérebro lesado, sem aumentar a PIC ou o edema cerebral. Fenilefrina, contudo, pode aumentar a PIC e
diminuir a função cardíaca. Uma abordagem potencialmente promissora para aumentar o FSC em pacientes com
traumatismo craniano é o uso de vasodilatadores cerebrais, tais como a L-arginina.
Soluções coloidais não reduzem a PIC ou a quantidade de água no cérebro, (por captação de líquido com aumento
da pressão intravascular ou pelo efeito diurético), isto porque os capilares cerebrais têm junções intercelulares mui-
to apertadas e alguns vasos da micro-circulação são impermeáveis à maioria dos íons. A osmolaridade plasmática,
mais do que a pressão oncótica do plasma é o maior determinante do movimento da água entre os compartimentos
vascular e extra-vascular daquelas áreas, onde a barreira hematoencefálica está intacta. Em pacientes com capilares
lesados, a albumina aumenta o volume do líquido intersticial. A administração de albumina pode, desta forma,
“vazar” para dentro do interstício em áreas onde a barreira hematoencefálica estiver comprometida e aumentar a
PIC. Além do mais, a albumina é associada a um aumento da mortalidade em pacientes criticamente doentes, e por
isto esta solução não deve ser recomendada.
Os aparelhos de ventilação são ajustados para manter a PaCO2 entre 35 mmHg e 40 mmHg e a PaO2 > 70 mmHg.
Embora seja sugerido que uma PaO2 alta possa melhorar a oxigenação do tecido cerebral, isto vai contra nosso
entendimento da fisiologia humana, uma vez que a descarga de oxigênio no tecido é primariamente dependente da
concentração de hemoglobina, a posição da curva de dissociação da hemoglobina (pressão parcial na qual a hemo-
globina se encontra 50% saturada), e a saturação da hemoglobina. A fração de oxigênio dissolvida dá uma insig-
nificante contribuição ao transporte de oxigênio. Uma fração alta de oxigênio inspirado pode, contudo, promover
a formação de espécies reativas de oxigênio e aumentar a peroxidação lipídica. Embora seja sugerido que a pressão
expiratória final positiva (PEEP) e modos de ventilação que aumentem a pressão intratorácica sejam evitados em
pacientes com PIC elevada, sabemos que alguns estudos não apóiam esta determinação. Contudo, de acordo com
as diretrizes atuais, o mais baixo nível da pressão expiratória final positiva que mantém a oxigenação adequada e
previne o colapso alveolar na fase expiratório final (5 cm H2O) deve sempre ser usado. É recomendada a monitora-

117
ção contínua da oximetria do pulso, com a SpO 2 mantida sempre > 92% - 94%. Embora a aspiração endotraqueal
cause um aumento transitório na PIC, ela não produz isquemia cerebral e é necessária para prevenir acúmulo de
secreções e, conseqüentemente, atelectasias.
Mesmo que pacientes com traumatismo craniano possam estar em coma, eles necessitam de analgesia e sedação,
uma vez que ainda respondem a estímulos de dor e nocivos, freqüentemente com um aumento na PIC e na PAM.
Narcóticos (morfina e fentanil), devem ser considerados terapia de primeira linha desde que eles forneçam, ambos,
analgesia e depressão dos reflexos das vias aéreas, que são objetivos necessários ao paciente entubado.
Fentanil tem a vantagem de ter mínimos efeitos hemodinâmicos. Propofol é o agente hipnótico escolhido para
pacientes com graves danos neurológicos, uma vez que é facilmente interrompido e, com efeito, rapidamente rever-
sível quando é descontinuado. Estas propriedades permitem uma sedação previsível levada em conta uma avaliação
neurológica periódica do paciente. O propofol tem propriedades adicionais que podem ser benéficas para pacientes
com traumatismo craniano, incluindo uma diminuição da taxa metabólica cerebral, inibição da potencialização de
γ-aminobuturato-A (GABAergico), e inibição dos receptores do glutamato e da methyl-D-aspartato e dos canais de
cálcio de voltagem dependente. Propofol é também um potente antioxidante e inibidor da peroxidação lipídica.
Agentes paralisantes são tradicionalmente usados em pacientes que estejam recebendo ventilação mecânica. Não
há, contudo, informações que sustentem esta prática. De fato, agentes paralisantes em pacientes com TCE, de-
monstram um aumento no risco de pneumonia. Em acréscimo, agentes paralisantes estão associados a significantes
complicações neuromusculares. O uso de doses adequadas de propofol juntamente com fentanil pode tornar desne-
cessário o uso de BNM. A paralisia rotineira de pacientes com TCE não pode ser mais recomendada. Contudo, ela
pode ser feita por 30 minutos para que um paciente com sedação e analgesia suficientes seja cuidadosamente levado
para um controle dos reflexos das vias aéreas em resposta à necessidade da ventilação mecânica. Uma paralisia
precoce pode ser muito útil para prevenir assincronia da ventilação, com engasgos e tosse que produzem alterações
na PIC. Contudo, uma vez que o paciente esteja estabilizado e sejam alcançadas sedação e analgesia adequadas, o
bloqueio neuromuscular deve ser interrompido.

Outros princípios gerais de tratamento em pacientes com traumatismo craniano incluem diminuição da temperatu-
ra corpórea de doentes com febre e prevenção da obstrução do fluxo venoso da jugular (mantendo alinhamento da
cabeça do paciente, e evitando a compressão extrínseca da veia jugular por hematomas, massas). Enquanto alguns
estudos sugerem que a PPC é otimizada quando os pacientes são mantidos numa posição horizontal, outros de-
monstram que uma elevação de 30° da cabeça diminui a PIC, sem diminuir a PPC ou o FSC. Além disso, a elevação
da cabeça da cama (para 30 °) demonstrou uma redução no risco de pneumonia associada à ventilação mecânica.
Lesões erosivas do TGI são comuns depois de graves traumatismos cranianos; por isso uma fundamentada rotina
de profilaxia das úlceras gastro-intestinais se faz necessária com utilização de bloqueadores sistêmicos da acidez
gástrica (ranitidina) ou inibidores da bomba de prótons (omeprazol).
A profilaxia de crises convulsivas está recomendada em pacientes com ECGl < 9, pois apresentam elevado risco de
ocorrência, e deve ser utilizada até estabilização do quadro neurológico, não havendo evidência de sua continuidade
a longo prazo quando não houve episódio de convulsão na evolução. Atualmente, a profilaxia é recomendada du-
rante sete dias após o acidente, em pacientes com TCE grave e conforme cada caso (quadro abaixo). O agente mais
comumente recomendado é a FENITOINA, com uma dose de 20 mg/kg em bolus (velocidade de infusão máxima
de 1 ml/ minuto) realizando a hidantalização imediata e, com manutenção de uma dose usual de 5 mg/kg/d dividida
em 3 doses, monitorando os níveis plasmáticos da droga, para uma meta de 10 a 20 mg/L.
Corticosteróides, em pacientes com TCE, são completamente inúteis e carregam o risco de potenciais efeitos cola-
terais (hiperglicemia, aumento no risco de infecções), e seu uso deve ser evitado.
Informações clínicas iniciais e experimentais sugerem que hipotermia moderada (33° C), por 24 horas, depois de
grave traumatismo craniano pode melhorar o resultado. Entretanto, um estudo recentemente completado, placebo
controlado, demonstrou que a hipotermia iniciada 8 horas após o trauma foi ineficaz na melhora do resultado em
pacientes com grave traumatismo craniano. A ineficácia da hipotermia induzida pode estar relacionada ao uso de

118
bloqueadores neuromusculares (para prevenir calafrios) no grupo hipotérmico. Contudo, o aquecimento ativo de
pacientes que estão hipotérmicos no momento da admissão no hospital pode ser prejudicial, e por isso não é reco-
mendado.
Tabela 1. Profilaxia da crise convulsiva no TCE grave

HIDANTALIZAÇÃO
• ECGl 13 a 15: Crise convulsiva após o insulto
Pacientes em uso atual de anticonvulsivante
• ECGl 9 a 12 : História pregressa de convulsões
Crise convulsiva após o insulto
Pacientes em uso atual de anticonvulsivante
• ECGl < 9 : Todos os pacientes
• Dose de ataque: 20mg/Kg IV numa velocidade < 50 mg/min
• Manutenção: 5 mg/Kg dividido em 3 doses (100 mg de 8/8 h em
bolus para um adulto de 60 kg)

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA ESTABELECIDA


Se a PIC permanece > 20 mmHg, apesar da sedação e da elevação da cabeceira (30°) estarem adequadas, medidas
adicionais são necessárias para diminuir a PIC. Quando um cateter ventricular está sendo usado para monitora-
mento da PIC, drenagem de LCR deve ser utilizada nas elevações da PIC. Se a drenagem de LCR não é eficaz, um
agente hiperosmótico, tal como o manitol, deve ser usado em seguida. A dose inicial é de 1 g/kg e a manutenção é
de 0.25 a 0.5 g/kg, administrada a cada 15 ou 30 minutos para aumentar a osmolaridade do plasma para 310 ou 320
mOsm/kg. Manitol age agudamente expandindo o volume intravascular e diminuindo a viscosidade do sangue, com
isso aumentando a perfusão cerebral e a troca capilar, com contração da vasculatura e redução da circulação pré-
capilar. O movimento osmótico do fluído para fora do compartimento celular é seguido pela diurese que é atrasada
de 15 para 30 minutos, enquanto equilíbrios são estabelecidos entre o plasma e as células. A diurese osmótica que se
segue ao uso do manitol dura de 90 minutos a 6 horas. A administração prolongada de manitol pode levar a desi-
dratação intravascular, hipotensão, e insuficiência renal aguda pré-renal. O benefício do manitol, em pacientes com
traumatismo craniano tem ainda que ser determinado, e, notavelmente, apenas um estudo controlado com placebo
foi realizado. Neste estudo, que comparou a administração pré-hospitalar de manitol contra placebo, o manitol foi
associado a um aumento relativo do risco de morte. Manitol, em comum com outros agentes ativos de osmolarida-
de, é conhecido como a causa da “abertura” da BHE, significando que ambos, manitol e outras moléculas pequenas
podem passar para dentro do cérebro. Este efeito torna-se prejudicial depois que muitas doses foram administradas
porque o manitol pode se acumular no cérebro, causando uma reversão osmótica e aumentando a osmolaridade do
cérebro. Assim, teoricamente, após várias doses, o manitol pode exacerbar aumentos da PIC. O acúmulo de manitol
no cérebro pode ser mais acentuado quando o mesmo estiver em circulação por longos períodos, como ocorre com
a administração de infusão contínua com horários determinados previamente. Desta forma, é imperioso que o ma-
nitol seja administrado em pequenas doses, em bolus, com repetições quando necessárias de acordo com o aumento
da PIC e, nunca, em infusão contínua. A solução salina hipertônica diminui a PIC e aumenta a PPC em pacientes
com hipertensão intracraniana persistente e deve ser considerado um tratamento alternativo ao uso de manitol.
Uma alta dose de barbitúrico induzindo o coma controlado pode ser usada como último recurso em pacientes com
uma PIC persistentemente elevada; contudo, esta terapia não provou mudanças no resultado neurológico. De fato,
nos estudos de traumatismo craniano da Universidade de Toronto, aqueles pacientes com uma PIC elevada e sem
hematoma intracraniano tratados com pentobarbital tiveram uma taxa de mortalidade de 77%, comparada a uma
taxa de mortalidade de 41% para aqueles pacientes tratados inicialmente com manitol. Finalmente, há um ressur-
gimento de interesse em craniectomia descompressiva para elevações de PIC intratáveis, sendo a craniectomia uma
opção a ser considerada em casos específicos.

119
TERAPIAS COM DROGAS EXPERIMENTAIS
Há muitas tentativas com diferentes tipos de drogas para reduzir os danos cerebrais depois de um grave trauma-
tismo craniano. Inibidores de radicais livres, aminoesteroides, antagonistas de cálcio, antagonistas de glutamato,
bloqueadores de canal de cálcio, e agonistas de adenosina foram avaliados em pacientes com TCE. Até esta data,
nenhum destes agentes demonstrou benefício.
OUTROS RESULTADOS DO TRATAMENTO NA UTI
Distúrbio eletrolítico: Hiponatremia diminui o limiar de convulsões e pode exacerbar o edema cerebral. Hiponatre-
mia é relativamente comum após TCE. A etiologia da hiponatremia é complexa, seja pela perda de sódio da síndro-
me cerebral perdedora de sal ou pela síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Entretanto,

a causa mais
soluções freqüente
levemente de hiponatremia
hipotônicas na UTI continua
e/ou hiponatrêmicas). sendo anaiatrogênica
Eletrólitos (uso continuado,
urina e osmolaridade porna
são úteis vários dias, da
avaliação de
hiponatremia. A distinção entre estas duas síndromes é crítica, uma vez que a primeira é tratada com reposição de
volume, enquanto a segunda é tratada pela restrição de líquidos. Os níveis de magnésio devem ser acompanhados
de perto em pacientes com TCE. Hipomagnesemia diminui o limiar de convulsão e atrapalha a recuperação no feri-
mento cerebral do animal experimental. Administração de magnésio após a lesão melhorou o resultado neurológico
em um modelo experimental de trauma craniano.
Suporte Nutricional: O TCE resulta em um generalizado estado hipermetabólico e catabólico. Uma nutrição enteral
precoce mantém a integridade da mucosa gastro intestinal, tem efeitos benéficos na imunocompetência, e atenua
a resposta metabólica ao estresse. As meta-análises que compararam uma nutrição enteral precoce (em 36 horas)
com uma tardia demonstraram uma redução de 55% no risco de infecções em pacientes com traumatismo craniano
que receberam uma rápida nutrição enteral. Nutrição parenteral deve ser evitada, uma vez que está associada a
profundas mudanças do TGI, metabólicas e imunológicas e a um aumento da mortalidade. Embora um esvazia-
mento gástrico seja freqüentemente diminuído após TCE, esta via de alimentação é geralmente bem tolerada por
pacientes com traumatismo craniano. Nós recomendamos a colocação de uma sonda oro ou nasogástrica, de me-
dida padrão de 14 a 16, seguida por um imediato início de uma fórmula nutricional adequada com uma taxa de 20
mL/h, aumentada em intervalos de 6 h até que o objetivo nutricional seja atingido. O volume gástrico residual deve
ser checado a cada 6 horas; um pequeno tubo alimentar intestinal deve ser colocado em pacientes com um volume
residual > 150 mL.
Profilaxia de Profunda Trombose Venosa:Trombose venosa profunda e embolia pulmonar são complicações fre-
qüentes em pacientes com traumatismo craniano. A incidência de trombose venosa profunda em pacientes com
grandes ferimentos cranianos, que não estejam recebendo tromboprofilaxia é relatada como sendo alta, em torno
de 54%. Pequena dose de heparina subcutânea e/ou heparina de baixo peso molecular são contra indicados em pa-
cientes com TCE. Instrumentos de compressão seqüencial devem ser usados (se possível) em todos pacientes com
TCE. Entretanto, o regime profilático otimizado e as indicações para a colocação de filtro profilático de veia Cava,
nestes pacientes ainda permanece obscura.
TCE EM SITUAÇÕES ESPECIAIS
Uma nova classificação do TCE baseada principalmente em informações reveladas através do TC de crânio realiza-
da precocemente no atendimento inicial intra-hospitalar, após avaliação preconizada pelo ATLS, foi inicialmente
descrita por Lawrence F. Marshall em 1981. A lesão difusa tipo I categoriza-se por não apresentar lesões patoló-
gicas reveladas na TC. As cisternas basais supra-selar, peri-mesencefálica, quadrigeminal, cisternas do segmento
inicial da artéria cerebral média a cada lado e as cisternas verticais silvianas, como também os ventrículos cerebrais
se apresentam com dimensões e morfologia normais e não existindo desvio das estruturas da linha mediana. Esta
situação neurotraumatológica é muito angustiante para o neurocirurgião que atende a adultos ou crianças em coma
por TCE, pois o que fazer de tratamento específico ainda é muito controverso. Esta situação se apresenta em 10%
dos pacientes em coma com mortalidade de 10%.Várias situações envolvidas no paciente com múltiplos traumatis-
mos podem ser responsáveis por esta situação.

120
COMOÇÃO CEREBRAL CLÁSSICA
Esta entidade é caracterizada, de uma maneira geral, por reversibilidade total do estado de coma pós-traumático,
podendo até mesmo o paciente ir a óbito em casos raros. O nível de consciência nestes pacientes determinado pela
ECGl varia de 3 a 9 pontos, por até seis horas após o TCE. A síncope vaso-vagal pode ser distinguida deste quadro
clínico, porque apesar de o paciente se apresentar em coma por uma hiperatividade vagal, resultando em bradi-
cardia e hipotensão arterial sistêmica, ao recuperar o nível de consciência não apresenta amnésia retrógrada ou
pós-traumática. Enquanto que na comoção cerebral clássica, o coma ocorre exatamente no momento do impacto e
sempre devido ao TCE, mais do que a outros traumatismos em outras regiões do corpo. Além disso, apresenta am-
nésia retrógrada ou pós-traumática. A biomecâmica da comoção cerebral foi verificada como sendo determinada
por aceleração angular, enquanto que a aceleração linear, mesmo de grande intensidade, não a produziria. Nestes
pacientes deve ser realizada TC de crânio, que comumente não revela lesões patológicas intracranianas (lesão di-
fusa tipo I de Marshall). A evolução clínica após os cuidados básicos de UTI irá conduzir a este diagnóstico pela
completa recuperação do nível de consciência, nos levando a crer que este quadro clínico deve-se a uma disfunção
neuro-axonal difusa reversível e não a uma lesão axonal difusa efetiva, de forma que a monitoração da PIC nestes
casos deve ser postergada. No entanto, Cecil e cols., em 1990, encontraram nos pacientes com TCE leve, com nível
de consciência normal, através da ressonância magnética (RM) as seguintes alterações neuroquímicas: diminuição
do coeficiente de difusão aparente, se traduzindo por imagem de hipersinal no esplênio do corpo caloso e, através
de SPECT (espectroscopia de prótons), demonstraram diminuição da relação aspartato/creatina no esplênio do
corpo caloso. O declínio da relação aspartato/creatina pode ser um marcador de lesão difusa, especialmente nos
pacientes com TCE leve que apresentam lesões neurológicas ou déficits cognitivos inexplicáveis. A diminuição do
aspartato é resultante do cisalhamento neuronal e axonal, que podem ser responsáveis por estes déficits. A RM por
espectrosocopia é útil para o diagnóstico deste tipo de trauma.
LESÃO AXONAL DIFUSA (LAD)
A LAD consiste na ruptura dos axônios, em graus variados, causada pelo movimento de aceleração e desaceleração
entre as diversas camadas corticais e estruturas sub-corticais. A principal biomecânica na determinação da LAD é
a aceleração angular de longa duração. Esta lesão é caracterizada clinicamente por apresentar 3 gradações neuro-
lógicas e diferentes prognósticos, além de levar ao estado de coma.
a) a LAD do tipo leve se caracteriza por estado de coma pós-traumático no intervalo de tempo que pode variar
de 6 a 24 horas; déficit neurológico, neuro-psicológico e distúrbio de memória podem estar presentes, assim como
evoluir para óbito em 15% dos casos.
b) a LAD do tipo moderado se apresenta com estado de coma prolongado (mais do que 24 horas), sem sinais pro-
eminentes do tronco cerebral (posturas de descerebração ou decorticação); a recuperação clínica é freqüentemente
incompleta nos pacientes sobreviventes, chegando a atingir uma mortalidade de 24%.
c) a LAD do tipo grave é uma extrema forma de lesão difusa cerebral, na qual o coma prolongado (mais que 24
horas) é associado a sinais de acometimento do tronco cerebral; há lesão considerável e permanente dos axônios,
que estão presentes nos hemisférios cerebrais, no tronco cerebral e no cerebelo. A mortalidade nestes pacientes é
de 51 %.
Não se pode observar radiologicamente esta ruptura axonal; entretanto, a ruptura dos axônios é acompanhada de
ruptura de vasos sangüíneos adjacentes, que são submetidos às mesmas forças, causando hemorragia. A identifica-
ção destas hemorragias é que faz o diagnóstico indireto de LAD. Tomograficamente, a LAD pode manifestar-se
freqüentemente como lesões hemorrágicas pequenas situadas nas regiões cortical, frontal e parietal anterior uni ou
bilateralmente, caracterizando lesões por cisalhamento (“glinding contusions”), subcortical frontal, para ventricu-
lar, corpo caloso (geralmente joelho ou esplênio), núcleos da base e tálamo e porção dorso-lateral do mesencéfalo
(uni ou bilateral). Na ausência destas imagens o diagnóstico diferencial com lesões anóxico-isquêmicas pode ser
difícil, o que ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes. Devido à localização e às dimensões das lesões, a TC muitas
vezes é incapaz de demonstrá-las. Nestes pacientes, a RM tem grande sensibilidade para determinar presença de le-

121
sões anatômicas bem definidas. Estudo em andamento no Serviço de Emergência Neurocirúrgica do HC-FMUSP,
em pacientes com LAD grave, revelou na TC lesão dorsolateral do mesencéfalo, enquanto que na RM por difusão
foi evidenciado hipersinal na região do esplênio do corpo caloso, tendo os pacientes evoluído clinicamente com
estado vegetativo persistente.
EMBOLIA GORDUROSA ENCEFÁLICA (EG)
A incidência da embolia gordurosa (EG) varia de 1 a 3,5%, seguindo-se a fratura dos ossos longos, que ocorre em
32% dos TCEs graves, como as fratura do fêmur; também pode ocorrer depois de fraturas da clavícula, tíbia e
mesmo em fraturas cranianas isoladas. A EG pode ocorrer em 28% dos pacientes politraumatizados, com fraturas
esqueléticas ou mesmo sem evidência de fraturas. Há referências na literatura que as fraturas pélvicas determinam
com maior freqüência a embolia gordurosa. As cirurgias ortopédicas devem ser realizadas o mais precocemente
possível para a prevenção da embolia gordurosa. O diagnóstico da embolia gordurosa baseia-se fundamentalmente
na sintomatologia clínica. A síndrome da EG é usualmente leve ou subclínica, e em 10% a 20% dos casos pode ser
grave. As manifestações cerebrais incluem cefaléia, irritabilidade, confusão mental, desorientação, delírio, e crise
convulsiva. Déficit motor é raramente encontrado, porém o paciente pode evoluir para coma ou morte. O estado
neurológico alterado está presente em 84% dos casos e, geralmente, as alterações são reversíveis. Este quadro pode
ser recuperado com a resolução das manifestações neurológicas, pulmonares e dérmicas, com nenhuma seqüela.
As mudanças tipicamente neurológicas ocorrem entre 24 a 72 horas após o traumatismo. O exame neuropatológico
evidencia infartos hemorrágicos petequiais difusos associados a micro-embolismo gorduroso. O exame do fundo de
olho pode se apresentar com hemorragia nas retinas, determinando a retinopatia de Purtcher. Na maioria das vezes
existe insuficiência respiratória, incluindo hipoxemia, taquipnéia e dispnéia com infiltrado pulmonar difuso, comu-
mente bilateral. Esse infiltrado pode constituir o quadro inicial levando a uma insuficiência respiratória aguda. Em
75% dos pacientes, a lesão irá produzir hipóxia cerebral determinando quase sempre uma evolução fatal. Mudanças
na permeabilidade endotelial podem determinar ainda edema pulmonar não cardiogênico, normalmente entre 12 a
72 horas após as lesões traumáticas. As lesões dérmicas encontradas nas regiões supra e infra-claviculares, axilares,
abdominais e nas conjuntivas oculares sob a forma de petéquias, ocorrem em 20 a 40% dos pacientes. São eviden-

ciadas geralmente
gordurosa incluemapós 24 a 72 horas
demonstrações do traumatismo.
de hipoxemia, Os achadosanemia
trombocitopenia, de laboratório que podem
ou hipocalemia sugerir
e não a embolia
são específicos.
Vários investigadores demonstraram a presença de glóbulos gordurosos no sangue, na urina, no escarro e a ativida-
de da lipase sérica pode estar presente e aumentada no paciente politraumatizado. Os achados radiológicos, mesmo
com TC, são normais. Existem referências na literatura a lesões multiformes semelhantes àquelas da LAD, como
lesões hemorrágicas ou isquêmicas. Ainda é referido que a TC pode revelar imagens de tumefação cerebral hemisfé-
rica ou difusa. O diagnóstico radiológico mais sugestivo de embolia gordurosa é através da Ressonância Magnética
que mostra pequenas áreas, que não ultrapassam 1cm, de hipossinal em T1 e hipersinal em T2 e DP, localizados.
Essas alterações ocorrem especialmente na substância branca subcortical, mas também no tronco encefálico. As
lesões costumam desaparecer em cerca de 20 dias após o inicio do quadro e tornam o exame de controle normal,
sugerindo que a lesão possa ser predominantemente inflamatória e não necrótico-isquêmica.
HEMORRAGIA SUBARACNÓIDE TRAUMATICA (HSAT) - FISHER I
Macpherson and Graham, em 1973, através de estudo angiográfico cerebral em trauma craniano grave observaram
o vaso espasmo traumático em 57,5% dos pacientes, nos quais estava presente um tempo de circulação prolongada
em 42,4%. O vaso espasmo vértebro-basilar resultante do TCE tem recebido menos atenção pelos pesquisadores. O
exame neurológico nestes pacientes pode sugerir um processo expansivo supratentorial com herniação uncal. Con-
tudo, em muitos casos, sinais neurológicos presentes na admissão indicam disfunção primária do tronco cerebral.
Marshall e col., em 1978, documentaram cuidadosamente pacientes com vaso espasmo vértebro-basilar, que eram
responsáveis por déficit neurológico. A piora clínica destes pacientes ocorreu em poucas horas depois do trauma
ou, às vezes, sete dias após o TCE, sendo o vaso espasmo diagnosticado por estudo angiográfico vértebro-basilar.
O vaso espasmo na circulação anterior é reconhecido como significante fator na seqüela em paciente com TCE.
Manifestações neurológicas de vaso espasmo arterial no paciente com TCE são raras, e o diagnóstico clínico torna-
se quase impossível. Atualmente, seguimos o método de Fisher para gradação da HSA através da TC. A ausência

122
de sangue na TC constitui a gradação I de Fisher, cujo risco de vasoespasmo é pequeno.
Em 2001, tese apresentada na Universidade Federal de São Paulo, demonstrou aumento da velocidade na artéria
cerebral média, detectada através do Doppler transcraniano (DTC) em pacientes com TCE grave, com uma inci-
dência de 87%. O diagnóstico de vasoespasmo na artéria cerebral média, através do DTC apareceu numa freqüência
de 47% dos casos e o de hiperemia em 37%, também no território da artéria cerebral média. Concluíram os autores
que o DTC se mostra um exame de grande sensibilidade para avaliação dos pacientes com TCE grave, permitindo
predizer, em algumas situações, padrões hemodinâmicos e distúrbios da pressão de perfusão cerebral de grande im-
portância terapêutica. Os TCE graves, nesta casuística, categorizaram cinco grupos de pacientes, o primeiro grupo
com velocidade de FSC normal, segundo grupo de vaso espasmo, o terceiro hiperemia o quarto hiperemia e vaso
espasmo contra lateral e o quinto grupo os padrões de alterações no DTC que podem ocorrem em situações de HIC
que evoluem para a morte encefálica. Nesta casuística o autor encontrou hemorragia meníngea traumática no TCE
grave, Fisher I em 16,7% dos pacientes.
O paciente com TCE grave e TC normal com hemorragia meníngea Fisher I pode de imediato se apresentar com
quadro compatível com LAD. Entretanto, na verdade, o diagnóstico se trata de vaso espasmo cerebral traumático,
uma entidade que quando devidamente tratada tem melhor evolução clínica.
ISQUEMIA E HIPÓXIA
A isquemia e a hipóxia constituem o mecanismo predominante de lesão secundária no TCE. A lesão hipóxica é
uma das causas de coma na ausência de lesão expansiva intracraniana no TCE, e constitui o segundo achado mais
freqüente depois da LAD em pacientes que permanecem em estado vegetativo persistente ou com incapacidade
grave após TCE.
O encéfalo representa 2% do peso corporal e consome 20% do débito cardíaco e 20% do oxigênio corporal, com
um fluxo sanguíneo cerebral (FSC) normal em média de 50 ml/100 g de tecido/min para manter as necessidades
metabólicas do encéfalo. A hipotensão arterial sistêmica moderada se estabelece quando a PAS se encontra entre
90 a 60 mmHg e grave entre 60 a 0 mmHg . Um simples episódio de hipotensão ocorrendo entre o TCE grave e a
reanimação é associado com o aumento da mortalidade em 50% dos casos. A hipotensão arterial sistêmica ocorre
em 34,6% dos pacientes com TCE grave. Os sinais e sintomas neurológicos ocorrem quando o FSC atinge níveis
entre 23 e 30 ml/100 g/min e em segundos são reveladas alterações no EEG. Quando o FSC atinge níveis entre 18
a 20 ml/100 g/min o EEG apresenta-se isoelétrico e começam a aparecer distúrbios iônicos; quando abaixo de 10
ml/100 g/min, ocorre privação do encéfalo à glicose e ao oxigênio. Se o FSC é < 10-15 ml/100 g/min ocorre a morte
celular no SNC. Em pacientes com a gasometria mostrando PaCO 2 de 25 mmHg, o FSC se reduz em 40%, sendo
de aproximadamente 30 ml/100 g/min. Com 20 mmHg o FSC está entre 20 a 25 ml/100 g/min, valor no qual a hi-
pocapnia começa a provocar um achatamento no EEG. Em pacientes com isquemia global completa de 15 minutos
de duração, seguida por reperfusão, existe uma rápida perturbação do metabolismo cerebral. Quando a reperfusão
é tardia, o paciente poderá evoluir para morte celular ou com lesão de reperfusão.
A lesão cerebral hipóxica é comum em pacientes que morrem com TCE fechado e ocorre em aproximadamente 28%
dos pacientes em coma. Nos pacientes com TCE grave e com respiração espontânea, há hipóxia em 50% dos casos.
A hipóxia é definida quando a Pa0 2 é ≤ 60 mmHg ou ocorrendo apnéia ou cianose no local do acidente. Sinais de
hipóxia cerebral surgem quando a Pa02 cai abaixo de 50 mmHg, ocorrendo perda rápida do nível de consciência que

atinge ao máximo quando a Pa02 diminui a níveis menores que 30 mmHg.


Estes pacientes com hipóxia e/ou isquemia cerebral, quando atendidos adequada e precocemente, não apresentam
achados à TC de crânio apesar de estarem em coma, confundindo com o diagnóstico de LAD. Quando há retardo
no atendimento, geralmente encontramos lesão de reperfusão isquêmica ou hipóxica. Sendo assim, a melhor pre-
venção a estas lesões é um atendimento pré-hospitalar e hospitalar o mais adequado e rápido possível.
MONITORAÇÃO INTERMITENTE DA PIC COM DRENAGEM CONTINUA DE LCR EM SISTEMA
FECHADO

123
Existem pacientes com menos de 40 anos de idade, sem evidência de posturas patológicas anormais e exame pu-
pilar normal, sem história significativa de hipóxia ou choque que apresentam a TC normal (tipo I de Marshall)
e se apresentam em estado neurológico moderado e grave na ECGl. Quando medida a pressão intraventricular,
foi verificado que apresentavam baixo risco de desenvolver hipertensão intracraniana (HIC) e que a monitoração
poderia ser postergada nestes casos. Narayan e cols., em 1982, publicaram sobre monitorar ou não a PIC diante de
lesões reveladas através da TC. Isto definido, em pacientes em coma com TC normal, que apresentam 13% com a
PIC elevada. Enquanto que, nesta categoria de pacientes com idade superior a 40 anos, com posturas patológicas
(decorticação/descerebração) e pressão arterial sistólica menor que 90 mmHg, apresentam 60% de risco para evo-
luir com HIC. Esta situação ocorre em 16 % dos pacientes com TCE grave e TC normal.
À exceção da concussão cerebral, nas demais patologias acima citadas preconiza-se a monitoração intermitente da
PIC, com drenagem contínua do LCR.

PACIENTE COM TCE ECGl < 9 pontos COM


TOMOGRAFIA DE CRÂNIO NORMAL
LESÃO DIFUSA TIPO I MARSHALL

124
CONCLUSÃO
O tratamento de pacientes com traumatismo craniano grave é complexo e requer uma abordagem coordenada,
abrangente e multidisciplinar. O cerne do tratamento de pacientes com lesões na cabeça é a prevenção de lesões
neuronais secundárias, evitando a hipotensão e a hipoxemia. Considerando os enormes custos para a sociedade,
nós precisamos investir grandes recursos na prevenção desta pandemia.

BIBLIOGRAFIA

1. Albanese J, Leone M, Martin C: Severe Head Injury in Patients with Multiple Trauma. Yearbook of Intensive
Care and Emergency Medicine 2001. 353-375. Springer-Verlag Berlin Heideberg. 2001.
2. American College of Surgeons: Advanced Trauma Life Support Instructors Manual. Chicago, illinois 1997.
3. Barbas CSV, Amato MBP. Suporte ventilatório do doente neurológico: Bases da eTrapia Intensiva Neurológica.
Stávale MA. 533-562. Santos Livraria e Editora. 1996.
4. Chesnut RM, Marshall LF, Klauber MR, et al.:The role of secundary brain injury in determining outcome from
severe head injury: J. trauma 34: 216-222, 1993
5. Cooper DJ, Murray L. Trauma. Yearbook of Intensive Care and Emergency Medicine 2001. 342-349. Springer-

125
Verlag Berlin Heideberg. 2001.
6. Magement and Prognosis of Severe Traumatic Brain InjuryJournal of Neurotrauma 17: June/July 2000
7. Matamoros MR, Dias MA; Suporte Clínico Intensivo do Paciente com Hipertensão Intracraniana: Bases da
Terapia Intensiva Neurológica. Stávale MA. 397-423. Santos Livraria e Editora. 1996.
8. Muizelaar JP, Marmarou A, Ward JD, et al.: Adverse effects of prolonged hyperventilation in patients with
severe head injury: a randomized clinical trial. J. Neurosurg. 75: 731-739, 1991.
9. Aguiar LR. Doppler Transcraniano em Traumatismos Cranio-encefálicos Graves. Tese apresentada à Univer-
sidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – Título em Doutor. 2001.
10. Andrade AF; Bacheschi LA; Miura FK; Neves VD. Ressonância Magnética no Traumatismo Craniencefálico.
In: Ressonância Magnética do Sistema Nervoso Central. Magalhães ACA. pp. 151-164. Ed. Atheneu. 1999.
11. Cecil KM; Hills EC; Sandell ME; Smith DH; McIntosh TK; Mannon LJ; et al. Proton magnetic respnance
spectroscopy for detection of axonal injury in the splenium of the corpus callosum of brain-injured patients. J
Neurosurgery 88:795-801, 1998.
12. Chesnut RM; Marshall LF; Marshall SB. Medical Management of Intracranial Pressure. In: Head Injury. Co-
oper PR. pp.225 - 246 .1993.
13. Gennarelli TA. Cerebral Concussion and Diffuse Brain Injuries. In: Head Injury. Cooper PR. pp. 137-158.
1993.
14. Marshal LF; et al. A new classification of head injury patients based on computerized tomography. In: Trauma-
tic Coma Data Bank. Suppl. of Neurosurgery. pp S14 – S20. 1991.
15. Muizelaar JP. Cerebral Blood Flow, Cerebral Blood Volume, and Cerebral Metabolism afer Severe Head Injury.
In: Textbook of Head injury. Becker DP; Gudeman SK. Pp. 221 – 240. 1989.
16. Narayan RK. Intracranial pressure: to monitor or not to monitor? A review of our experience with severe head
injury. J Neurosurgery 56,1982.
17. Pasqualin A. Cerebral Metabolism. In: Neurologycal Surgery. Youmans JR. Vol 1. pp. 455-482. 1996.
18. Pittella JEH; Gusmão SNS. Lesão Axonal Difusa. In: Patologia do Trauma Cranioencefálico. Pittella JEH;
Gusmão SNS. Pp. 79- 116. Editora Revinter. 1995.
19. Pittella JEH; Gusmão SNS. Lesão Cerebral Hipóxica. In: Patologia do Trauma Cranioencefálico. Pittella JEH;
Gusmão SNS. Pp. 65- 71. Editora Revinter. 1995.
20. Roden D; Fitzpatrick G; O’Donoghue H; Phelan D. Purtcher’s retinopathy and fat embolism. British J. Ophtal-
mol 73:677-679, 1989.
21. Stávale MA. Bases Teóricas das Alterações Hemodinâmicas e Metabólicas Encefálicas Pós-Traumáticas. In:
Bases da Terapia Neurológica. Stávale MA. Pp. 97-132. Editora Santos. 1996.
22. Weir B; Macdonald RL. Pathophysiology and Clinical Evaluation of Subarachnoid Hemorrhage. In: Neurolo-
gycal Surgery. Youmans JR. Vol 2. pp. 1224- 1242. 1996.

126
Capítulo 15

Traumatismo raquimedular
OBJETIVOS:
1. Revisar a fisiopatologia da lesão medular
2. Enfatizar a importância da classificação neurologica e funcional do TRM segundo protocolo da ASIA e da Me-
dida de Independencia Funcional

3. Sistematização do atendimento geral do paciente com TRM


4. Enfoque dos principais cuidados do paciente com TRM na UTI
1. INTRODUÇÃO
A lesão medular provocada por traumatismo raquimedular, determinando déficit de funções motoras e sensitivas é
uma das mais catastróficas condições médicas. Por seu caráter incapacitante abala profundamente a auto-estima e a
produtividade da pessoa acometida. O impacto socioeconômico se reflete não só no indivíduo, mas em sua família
e na comunidade como um todo.
Estima-se uma incidência de 30 a 40 casos de lesões medulares traumáticas, com para ou tetraplegia, por 100.000
habitantes por ano, o que significa 6.000 novos casos por ano no Brasil. Levando-se em consideração a população
do estado do Paraná, corresponde a um caso novo por dia, e em relação à cidade de Curitiba, 1 pessoa a cada se-
mana. Acomete predominantemente indivíduos do sexo masculino (80%), numa faixa etária jovem, sendo a idade
média dos pacientes, na maioria das séries publicadas, em torno de 25 anos.
A coluna cervical é o segmento mais vulnerável, correspondendo a 50% dos casos. Os outros 50% referem-se a traumas
torácicos (29%), lombares (15%) e sacrais (4%). As causas mais freqüentes são acidentes com veículos (aprox. 60%), que-
das, incluindo mergulho em água rasa (20%), violência urbana (15%), esportes (4%), e relacionados ao trabalho (1%).
Somente 5% das lesões medulares ocorrem em crianças. No grupo de idade menor que nove anos, 67% das lesões
medulares cervicais ocorrem no segmento superior (occiput-C2). O índice de fatalidade é mais alto no grupo de
crianças que em adultos (o oposto à situação do trauma craniano), sendo a causa de morte mais freqüentemente
relacionada a outras lesões associadas, que a lesões medulares.
A identificação precoce, no local do acidente, da presença de uma lesão medular traumática é um dos pontos fun-
damentais para otimizar a recuperação destes pacientes. A identificação de pacientes de risco é o primeiro passo na
avaliação pré-hospitalar de lesados medulares. São considerados como grupos de risco:
1. todas as vítimas de acidente grave;
2. pacientes traumatizados com perda da consciência;
3. pacientes com traumas menores com queixas referentes à coluna (dor no pescoço ou lombar ou contratura) ou
medula espinhal (amortecimento ou parestesia, fraqueza, paralisia);
4. sinais sugestivos de lesão medular que incluem:
 respiração abdominal
 priapismo
Vinte por cento de todos os pacientes com uma lesão medular grave apresentam uma segunda lesão de coluna
em outro nível, nem sempre acompanhada de lesão medular. Estes pacientes têm, freqüentemente, outras lesões

127
simultâneas diretamente associadas a lesões medulares, como dissecções arteriais traumáticas (artéria carótida e/ou
vertebral) ou não correlacionadas, como trauma torácico e/ou abdominal.
Embora a natureza do problema, suas causas e conseqüências sejam conhecidas desde a antiguidade, e muitos pro-
gressos tenham sido efetivados no seu tratamento, a característica das soluções propostas ao trauma raquimedular
não mudou desde os tempos hipocráticos: ainda não nos é possível recuperar o neurônio que foi definitivamente lesado
no momento do trauma. O foco da abordagem terapêutica se dá na prevenção de lesões secundárias e reabilitação.
Cushing, em 1927, publicou uma série de casos de trauma raquimedular cervical observados em soldados durante a
Primeira Guerra Mundial, reportando 80% de mortalidade nas primeiras quatro semanas, devido, principalmente,
a causas infecciosas do trato respiratório ou de escaras de decúbito. Estes números mudaram consideravelmente.
Numa série publicada pelo autor de 230 pacientes tratados por fraturas cervicais subaxiais (C3 a C8), num período
de cinco anos (1996 a 2000), 94% de sobrevida foi observada.
O grande contingente de sobreviventes com seqüelas neurológicas graves serve de argumento para a implantação de
centros especializados de reabilitação, área de grande carência em algumas regiões do país.
Os principais avanços observados nos últimos anos se devem à melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos
envolvidos na gênese da lesão medular. Dois tipos de lesão estão envolvidos na determinação da lesão neurológica
final da medula espinhal: a lesão primária e a lesão secundária. Alesão primária, passiva, se dá pela transmissão de
energia cinética à medula espinhal no momento do trauma, provocando perda da condução neurofisiológica, sendo
responsável pela paralisia aguda. A lesão primária é composta por alterações morfológicas, metabólicas e eletrolíticas.
As alterações morfológicas incluem: petéquias, hemorragias, edema axonal, ruptura da bainha de mielina, lesão endo-
telial isquêmica e necrose hemorrágica. As alterações metabólicas relacionadas à lesão primária se caracterizam prin-
cipalmente por alterações na utilização da glicose, havendo um aumento do seu consumo na primeira hora, devido à
glicólise anaeróbica determinada pela reduçãodo teor de oxigênio tecidual, e redução subseqüente da atividade da en-
zima ATPase com interferência na produção energética pelacélula. As alterações eletrolíticas decálcio, sódio e potássio,
são conseqüência da falha energética, e envolvem fluxo anormal de eletrólitos para dentro das células com liberação de
metabólitos e lisozimas. Alesão secundária, ativamente mediada por processos celulares emoleculares, e por diferentes
mediadores inflamatórios, se produz nas horas ou dias subseqüentes ao trauma, e envolve a ativação de uma cascata
inflamatória, onde a isquemia pós-traumática é responsável por alterações do metabolismo do cálcio, formação de
edema, formação de radicais livres, liberação de amino-ácidos excitatórios e opióides endógenos. Este mecanismo leva
à oxidação, lipólise e morte celular, e representa a principal janela terapêutica no trauma raquimedular.
2. TERMINOLOGIA
2.1 Normas para classificação neurológica e funcional de lesão medular
Como havia uma grande confusão na classificação das lesões medulares, impossibilitando a interpretação correta
de resultados e principalmente a comparação científica de diferentes séries, propondo diferentes tratamentos, a
ASIA reuniu vários especialistas numa comissão interdisciplinar (incluindo representantes da neurocirurgia, or-
topedia, medicina física, fisioterapia e epidemiologia) com a intenção de unificar normas para avaliação de lesão
medular, de modo a permitir uma comunicação precisa entre vários serviços. O comitê publicou em 1992 as Normas
para Classificação Neurológica e Funcional de Lesão Medular, a 3ª revisão de seu próprio sistema de classificação.

Conforme estas normas, por meio de um exame sistematizado de dermátomos e miótomos específicos, como des-
critos a seguir, pode-se determinar o segmento medular afetado pela lesão. Este exame permite a definição de vários
indicadores de dano neurológico, por exemplo: Nível Neurológico, Nível Sensitivo e Nível Motor(nos lados direito e
esquerdo), Índice Sensitivo (dor e tato fino), Índice Motor e Zona de Preservação Parcial.
O protocolo elaborado pela American Spine Injury Association (ASIA) introduz também a Escala de Deficiência
da ASIA (que substitui a classificação de Frankel modificada) e recomenda a Medida de Independência Funcional
(MIF), um novo enfoque para avaliar o impacto da lesão medular nas atividades da vida diária e funções do indi-
víduo, e para avaliar sua capacidade e evolução na reabilitação.

128
2.2 Exame de Sensibilidade
Envolve o teste de pontos específicos de sensibilidade (pontos-chave) em 28 dermátomos pré-definidos, nos lados
direito e esquerdo do corpo. Em cada um destes pontos-chave são examinados a sensibilidade dolorosa (utilizando-
se uma picada de alfinete) e tato fino (toque leve com algodão). A percepção da dor e do tato fino em cada um dos
pontos-chave obedece a uma escala de zero a dois:

0 Ausente
1 alterado (percepção parcial ou alterada, incluindo hiperestesia)
2 Normal
NE não examinado
Quando se examina a percepção de dor, a incapacidade de distinguir entre a sensação romba (cabeça do alfinete) e
a ponta, deve ser interpretada como zero (ausente).
A Tabela 1 mostra a localização para pesquisa dos pontos-chave para sensibilidade.
A avaliação da sensibilidade postural e apercepção de pressão ou dor profunda são consideradas opcionais na ava-
liação da lesão medular. Se forem examinadas, recomenda-se classificá-las usando a mesma escala de sensibilidade
(ausente, alterada, normal). É sugerido que se examine só uma das articulações por extremidade, recomendando-se
o dedo indicador e o primeiro pododáctilo, à direita e à esquerda.
Tabela 1. Pontos-chave do exame para sensibilidade

C2 protuberância occipital
C3 fossa supraclavicular
C4 borda superior da articulação acrômio-clavicular
C5 borda lateral da fossa antecubital
C6 dedo polegar
C7 dedo médio
C8 dedo mínimo
T1 borda medial (ulnar) da fossa antecubital
T2 ápice da axila
T3 terceiro espaço intercostal (IC)*
T4 quarto espaço IC (mamilos)*
T5 quinto espaço IC (entre T4 e T6)*
T6 sexto espaço IC (ao nível do processo xifóide)*
T7 sétimo espaço IC (metade do trajeto entre T6 e T8)*
T8 oitavo espaço IC (metade do trajeto entre T6 e T 10)*
T9 nono espaço IC (metade do trajeto entre T8 e T10)*
T10 décimo espaço IC (umbigo)*
T11 décimo primeiro espaço IC (metade do espaço entre T10 e T12)*
T12 ponto médio do ligamento inguinal*
L1 metade da distância entre T12 e L2
L2 terço médio anterior da coxa
L3 côndilo femoral interno
L4 maléolo interno
L5 dorso do pé no nível da terceira articulação metatarsofalangeana
S1 bordo externo do calcâneo
S2 linha média da fossa poplítea
S3 tuberosidade isquiática
S4- área perianal (avalia-se como um só nível)
S5
(*) indicam que o ponto está na linha média clavicular

129
Além destes pontos de sensibilidade, quando se faz o toque retal, deve-se procurar avaliar a sensibilidade anal
profunda, que será utilizada, juntamente com a sensibilidade perianal (S4-S5) para definição de lesão completa ou
incompleta.
2.3 Exame motor
Deve ser realizado o exame de dez músculos específicos (músculos-chave) nos dois lados do corpo. Utiliza-se uma
escala de seis pontos:

0 sem contração (paralisia total)


1 contração muscular visível ou palpável sem movimentação
2 movimento ativo com eliminação da gravidade
3 movimento ativo contra gravidade
4- resistência leve
4 movimento ativo contra resistência 4 resistência moderada
4+ resistências maiores
5 força normal
NE não examinado
A Tabela 2 define os músculos-chave a serem examinados:
Tabela 2: Músculos a serem examinados

C5 flexores do cotovelo (bíceps braquial)


C6 extensores do punho (extensor radial longo e curto do carpo)
C7 extensores do cotovelo (tríceps)
C8 flexores dos dedos (flexores profundos do dedo médio)
T1 abdutores do dedo mínimo
L2 flexores do quadril (ileopsoas)
L3 extensores do joelho (quadríceps)
L4 dorsiflexores do tor nozelo (tibial anterior)
L5 extensor longo dos dedos do pé (extensor longo do hálux)
S1 flexores plantares do tornozelo (tríceps sural)

Além do exame destes músculos, o esfíncter anal externo deve ser examinado sob a forma de contrações ao redor do
dedo do examinador e classificado como presente ou ausente (por exemplo, anote sim ou não na folha de resumo do
paciente). Esta última informação é usada exclusivamente para determinar se a lesão é completa ou incompleta.
Como opcional, para avaliar a motricidade na lesão medular, recomenda-se que outros músculos sejam examina-
dos, porém seus resultados não são usados para determinar o índice motor, o nível motor ou se a lesão é completa.
Sugere-se que os seguintes músculos sejam examinados: a. diafragma; b. deltóide; c. bíceps crural. Sua força é cata-
logada como ausente, fraca ou normal.
2.4 Índice Sensitivo e Nível Sensitivo

A somatória
esquerda dosfino
e tato pontos de sensibilidade
à direita e à esquerda,(0,
com1 ou 2), anotados
escores máximosnuma
de 56tabela,
cada. Agera quatro índices:
somatória Dorde
dos índices à direita eà
dor e tato
fino de ambos os lados do corpo srcina dois índices sensitivos sumários: índice da dor e do tato fino, cujo score
máximo é 112. O índice sensitivo é um meio de documentar numericamente alterações da função sensitiva, permi-
tindo uma comparação nos dias subseqüentes e análise da evolução do paciente.
Nível sensitivo é definido, de cada lado do corpo, como o último dermátomo onde as sensibilidades testadas (tanto
dor quanto tato fino) são normais (escore = 2). Zona de preservação parcial (ZPP) é definida como a região, de cada
lado do corpo, onde existe função sensitiva (não está ausente), mas não é normal (escore = 1).

130
2.5 Índice Motor e Nível Motor
O exame motor gera duas graduações motoras: índice motor à direita e à esquerda. Estes índices são obtidos so-
mando-se de cada lado do corpo os escores dos diferentes músculos (de 0 a 5). Somando-se os índices direito e es-
querdo obtém-se um índice motor único, global. O índice motor fornece um meio para documentar numericamente
a função motora.
A determinação do nível motor é diferente da utilizada para definição do nível sensitivo. Isto se deve ao fato de a
maioria dos músculos serem inervados por um nervo periférico formado por raízes nervosas de mais de um segmen-
to nervoso (usualmente dois segmentos). Portanto, o fato de se escolher um músculo ou grupo muscular, no caso o
músculo-chave, para representar um segmento medular único é uma simplificação, que encontra subsídio na idéia
que, em qualquer músculo, a presença de inervação por um segmento e a ausência de inervação por outro segmento
resultarão em um músculo debilitado.
Assim sendo, se um músculo tiver pelo menos força grau 3, considera-se que tem inervação intacta pelos segmentos
mais proximais que o inervam. Para determinar o nível motor, o músculo-chave seguinte mais próximo deve ser de
grau 4 ou 5, já que este músculo terá intactos os dois segmentos que o inervam. Por exemplo, se não se encontrar
atividade nos músculos-chave de C7 e o músculo de C6 tiver grau 3, então o nível motor do lado do corpo que foi
examinado será C6, devendo o músculo de C5, para tanto, ser pelo menos de grau 4.
A critério do examinador será determinado se o músculo que tem grau 4 está totalmente inervado. Isto é necessário
porque vários fatores poderiam, em alguns dos pacientes, inibir um esforço máximo durante o exame clínico em
determinadas etapas após a lesão. Exemplos disto incluem dor, posição do paciente, hipertonicidade e desuso. Um
grau 4 não deve ser considerado normal se o examinador considerar que nenhum destes fatores inibidores está pre-
sente e o paciente está realizando seu máximo esforço e ainda assim atinge unicamente grau 4 neste músculo.
Em resumo, o nível motor (o segmento motor normal mais baixo, que pode ser diferente segundo o lado do corpo)
se define como o músculo-chave mais baixo que tem pelo menos grau 3, desde que os músculos representados no
segmento acima deste nível se classifiquem como normais (4 ou 5).
2.6 Tipo de lesão
2.6.1 Lesão completa
Não existe preservação de nenhuma função motora e/ou sensitiva abaixo do nível da lesão, incluindo incapacidade
de contração anal voluntária e anestesia na região anal e perianal. A ASIA enfatiza a importância do exame de
contração anal e sensibilidade perineal no diagnóstico de lesão completa, por serem as fibras sacras as mais internas
em relação à somatotopia dos tractos, e porisso as mais protegidas da lesão. Cerca de 3% dos pacientes com lesão
completa no exame inicial vão recuperar alguma função dentro de 24 horas. A persistência de lesão completa acima
de 24 horas indica que a probabilidade de recuperação de função distal é praticamente nula.
2.6.2 Lesão incompleta
Qualquer função motora ou sensitiva residual abaixo do nível da lesão. Deve ser incluída no conceito de preserva-
ção distal:

 preservação
flexão voluntáriadeisolada
sensibilidade (incluindo
de dedo(s) do pé). sentido de posição) ou movimento nos membros inferiores (incluindo
 "preservação sacral": sensibilidade perianal preservada (sensibilidade na região da união cutâneo-mucosa peria-
nal, assim como a sensibilidade anal profunda) e contração voluntária do esfincter anal externo ao exame digital.
 o que deve ser levado em consideração, para caracterização de lesão incompleta, é a contração anal voluntária
e não atividade reflexa. Uma lesão não deve ser considerada incompleta se existir preservação, isoladamente, de
reflexos sacrais (p.ex: bulbocavernoso). Priapismo é um sinal freqüente associado a lesões completas.

131
2.6.3 Tipos de lesão incompleta
 Síndrome de Brown-Séquard(perda motora e proprioceptiva ipsilateral e perda da sensibilidade contralateral da
dor e temperatura)
 Síndrome central da medula (ocorre quase exclusivamente na região cervical, com preservação da sensibilidade
sacra e maior debilidade dos membros superiores que inferiores)
 Síndrome anterior da medula (produz uma perda da função motora e da sensibilidade à dor e temperatura, pre-
servando a propriocepção)
2.7 Choque medular

Este termo tem sido utilizado para caracterizar duas situações diferentes, que ocorrem simultaneamente no trauma
raquimedular:
1. Hipotensão (choque) que se observa em pacientes portadores de lesão medular (PAsist usualmente em torno de 80
mmHg), e que é causada por múltiplos fatores:
a. perda do tônus muscular devida à paralisia da musculatura esquelética abaixo do nível da lesão resultando em
pletora venosa e, portanto, em relativa hipovolemia;
b. interrupção do simpático:
1. perda do tônus vascular (vasoconstritor) abaixo do nível da lesão;
2. neurotransmissores parassimpaticomiméticos sem oponência simpática causando bradicardia;
c. Perda sangüínea, por lesões associadas, com hipovolemia verdadeira.
2. Perda transitória de todos os reflexos espinhais abaixo do nível da lesão acompanhado de paralisia flácida durando

período variável
instalação de tempo (de
de espasticidade aproximadamente
abaixo 2 semanas a vários meses), a resolução do qual se manifesta pela
do nível da lesão.
2.8 Escala de Deficiência da ASIA (Modificada de Frankel)

A completa não há função motora ou sensitiva preservada, incluindo incapa-


cidade de contração anal e anestesia nos segmentos S4-S5
B incompleta Há função sensitiva, porém não motora, preservada abaixo do
nível neurológico, estendendo-se até os segmentos sacros S4-S5
C incompleta Há função motora preservada abaixo do nível neurológico e a
maioria dos músculos-chave abaixo do nível neurológico está
abaixo do grau 3
D incompleta Há função motora preservada abaixo do nível neurológico e a
maioria dos músculos-chave abaixo do nível neurológico está com
grau 3 ou mais
E normal As funções sensitivas e motoras são normais

3. TRATAMENTO INICIAL
A admissão de pacientes com trauma raquimedular na Unidade de Terapia Intensiva ocorre por duas razões: ins-
tabilidade hemodinâmica ou ventilatória em decorrência da lesão medular ou traumas associados graves. Deve-se
levar em consideração que as opções terapêuticas na lesão medular traumática se baseiam na potencialidade de
reversão de alterações fisiopatológicas que ocorrem após o trauma e determinam agravamento ou irreversibilidade
da lesão. Estas alterações incluem: isquemia, hipóxia e peroxidação lipídica, e vão ditar os cuidados iniciais mais
importantes.

132
3.1. Imobilização da coluna
Deve ser realizada no momento da retirada do paciente do local do trauma e mantida durante o transporte para
prevenir movimentos ativos ou passivos da coluna. Todo paciente admitido na UTI com lesão medular traumática,
especialmente se estiver inconsciente, deve ser mantido com a coluna imobilizada, podendo-se usar para isto macas
rígidas de transporte com sistemas de contenção, sacos de areia e apoios, e um colar rígido (tipo Filadélfia) até o
momento da fixação e estabilização da fratura.
3.1.1 Tração cervical
O uso da tração cervical tem por objetivo reduzir fraturas com deslocamento, restabelecendo o alinhamento da
coluna, imobilizando-a de modo a prevenir lesões subseqüentes. Existem três dispositivos mais freqüentemente uti-

lizados
do parapinos
crânio), este fim: pinos do tipo Crutchfield
de Gardner-Wells (teme ponta
(mais práticos romba e necessitam
freqüentemente de incisão
usados) e fixação comdeanel
pelecraniano
e pré-perfuração
(usados
principalmente com halo-veste).
Para colocação dos pinos de Gardner-Wells deve-se posicionar o paciente em uma maca para facilitar o acesso
à região craniana, raspar o couro cabeludo da região temporal, fazer antissepsia da pele com PVPI e infiltração
local com lidocaína com epinefrina (Xylocaína com epinefrina ®) 1:200.000. O ponto de inserção se situa na crista
temporal, imediatamente acima da implantação do músculo temporal, 3 a 4 cm acima do pavilhão auditivo. Para
tracionar em posição neutra utiliza-se a linha do meato acústico. Se for necessário fazer flexão (bloqueio de facetas)
desloca-se 2 cm posterior e se for necessário extensão, 2 cm anterior. A pele pode ou não ser incisada no local, de
qualquer forma é útil marcar o ponto onde será realizada a inserção, para que se coloque simetricamente o dis-
positivo de tração. Deve-se apertar ambos os pinos simultaneamente, até o limite, sentindo a resistência óssea. É
necessário após 2 e 24 horas reapertá-los, para evitar escape. Se a intenção é manter a estabilidade, não havendo
necessidade de correção de luxação, a tração deve ser feita, em adultos, inicialmente com 2,5 kg para níveis supe-
riores (até C4) e 5 kg para níveis inferiores, não devendo ultrapassar 10% do peso corporal. Para reduzir facetas
bloqueadas utiliza-se a regra:
peso (em kg) = 1,5 X número do nível acometido.
Pode-se aumentar o peso (2 kg cada vez) a cada 15 minutos, com controle radiográfico (RX em perfil), até um
máximo de 25% do peso corporal. Relaxamento da musculatura para-vertebral pode ser conseguido com diazepan
(Valium®) 5 – 10 mg EV, tomando-se o cuidado para não sedar demais e provocar insuficiência respiratória. Uma
vez conseguida a redução é mantido um peso de 2,5 a 5 kg.
Todo paciente mantido sob tração deve ter um controle radiográfico diário, ou repetido após cada movimentação
ou transporte do paciente.
Os principais cuidados a serem tomados são:
a. observar deterioração neurológica após a redução, por extrusão de hérnia discal com compressão medular (se
houver piora neurológica após a tração, recomenda-se fazer RNM);
b. não realizar tração em fraturas acometendo o segmento occipito-C1, e fratura do enforcado (Hangman ou es-
pondilolistese traumática do áxis);
c. não realizar tração com pinos em crianças < 3 anos;
d. evitar penetração no crânio: por inserção muito baixa (na escama temporal), em osso osteoporótico ou por
excesso de pressão.
3.2. Manutenção da pressão arterial
A pressão arterial deve ser cuidadosamente monitorada e deve-se procurar induzir uma leve hipertensão, para

133
garantir adequado fluxo sangüíneo medular nas primeiras horas após o trauma. Reposição hidroeletrolítica repre-
senta um ponto fundamental na terapia inicial e consiste da infusão de uma combinação apropriada de colóides e
cristalóides, dependendo das lesões associadas e do controle do débito urinário. Deve-se tomar cuidado, no entan-
to, em evitar excesso de hidratação, que pode levar a sobrecarga de câmaras direitas, com edema pulmonar.
Pelo fato de haver umasimpatectomia traumática, e predomínio de tônus do sistema nervoso autônomo parassim-
pático, é recomendado como adjuvante no tratamento da hipotensão refratária, o uso de dopamina (Revivan) (2-5
µg/kg/min), desde que não haja outras contra-indicações, principalmente devidas a lesões de outros órgãos. Deve-se
evitar a fenilefrina (Neo-Sinefrine), pois não tem ação inotrópica positiva e, devido a possível efeito de aumento
do tônus vagal, pode induzir bradicardia ainda mais intensa. Atropina (0,5 mg) pode ser utilizada para auxiliar no
tratamento da bradicardia.

O uso de calças pneumáticas antichoque (MAST) pode ser de utilidade, pois além de estabilizar a coluna lombar,
compensa a perda de tônus vascular nos membros inferiores, prevenindo retenção venosa.
3.3 Manutenção da oxigenação
No trauma raquimedular pode-se observar paralisia de musculatura intercostal (lesões cervicais) e mesmo diafrag-
ma (lesão acima de C4), determinando situações de ventilação inadequada.
Hipóxia nas regiões lesadas da medula espinhal irá contribuir para piorar a cascata fisiopatológica que se sabe
ocorrer após o trauma, e a manutenção de adequada oxigenação é de extrema importância. Para tanto, uma cuida-
dosa monitoração, se possível com registro, deve ser realizada. Gasometrias arteriais devem ser obtidas a intervalos
regulares. Sinais clínicos de agitação, inquietação e desorientação – sinais de oxigenação insuficiente – devem ser
observados atentamente.
Para se manter adequada oxigenação (FIO 2 e ventilação adequadas) pode-se lançar mão de:
a. O2 sob cateter nasal;

b. Intubação traqueal. Se intubação é indicada, na presença de lesões da medula cervical, esta deve ser realizada
sem movimentar a coluna (sem produzir extensão). A intubação às cegas naso-traqueal ou guiada por fibroscopia
flexível é indicada, sendo algumas vezes necessária a realização de traqueostomia.
3.4 Tratamento farmacológico

3.4.1 Metilprednisolona
Efeitos benéficos (em termos de recuperação funcional motora e sensitiva) foram observados 6 semanas, 6 meses e
um ano após a administração de metilprednisolona (Solu-Medrol) (NASCIS II)1, conforme o esquema apresenta-
do a seguir, se administrado nas primeiras 8 horas após o trauma2.
1. Dose Inicial: 30 mg/kg EV em 15 minutos.
2. Segue-se uma pausa na administração de 45 minutos.
3. Dose de Manutenção3: 5,4 mg/kg/hora em infusão contínua por 23 horas.
1
Apesar de ser um estudo multicêntrico, randomizado, duplo cego, em que se comparou três grupos (Metil-
prednisolona (n = 162), naloxone (n=154) e placebo (n=171), algumas falhas no desenho do NASCIS II podem ser
observadas e são motivos de críticas:
a. não havia limite anatômico pré-estabelecido;
b. não requeria um comprometimento motor mínimo para inclusão;
c. pacientes foram randomizados para tratamento dentro de 12 horas e não se sabe como se chegou à conclusão de

134
que 8 horas era o “ time cut off”
d. o tratamento médico (monitorização, cuidados com a pressão arterial, cuidados respiratórios, profilaxia de TVP,
suporte nutricional e início da reabilitação) não foi levado em consideração entre os diferentes centros;
e. o tratamento cirúrgico não foi especificado em termos de protocolo de mesmos tratamentos para mesmos tipos
de lesão;
f. não determina se a modesta melhora clínica observada realmente afeta a medida de independência funcional;
g. não deixa claro que métodos estatísticos foram usados e por que razão, na comparação entre os grupos;
h. verificam-se potenciais erros interpretativos estatísticos, pois não deixa claro que métodos estatísticos foram usa-
dos e por que razão, na comparação entre os grupos, existe simplificação de subgrupos, incompleta apresentação
de odds ratio e análise post hoc, não gerando, portanto evidência classe 1, conforme foi a proposta.
2
O prognóstico possivelmente piora se iniciado após 8 horas do trauma;
3
Duração da infusão de manutenção: se iniciado antes de 3 horas de evolução do trauma deve ser mantida por 8
horas. Se iniciado entre 3 e 8 horas após o trauma, pode haver um benefício maior se mantiver a infusão, na mesma
dosagem, por 47 horas, com um risco levemente maior de infecção e pneumonia (NASCIS III).
3.4.2 Gangliosídeo GM-1
Há crescente evidência de que substâncias como o monossialogangliosídeo (GM-1) (SYGEN ) possa afetar a so-
brevivência neuronal por ações semelhantes à de fatores neurotróficos. Seu mecanismo de ação se apóia no fato, ob-
servado in vitro e in vivo, de potencialização da ação de fatores neurotróficos e ação antiapoptótica direta, por ação
sobre receptores tirosina cinase (TRK), impedindo a fragmentação do DNA. Num estudo publicado por Geisler
nos Estados Unidos, com cerca de 800 pacientes, foi comparado o uso de GM-1 em relação ao grupo placebo. Os
resultados mostraram-se favoráveis, com melhora de índices motores e sensitivos, para o GM-1.
1. Dose inicial1: 300 mg como dose de ataque (IM ou EV).
2. Dose de manutenção: 100 mg/dia por 30 dias (IM ou EV).
1
Recomenda-se que não seja administrada simultaneamente com a metilprednisolona, pois seu efeito parece não
demonstrar sinergismo de ação e sim competitividade.
3.4.3 Outras drogas
Tirilazade (droga com ação semelhante a metilprednisolona, sem a maioria dos seus efeitos colaterais), naloxone,
bloqueadores de canais de cálcio, antioxidantes e bloqueadores de radicais livres, fatores neurotróficos, estão entre
as drogas que estão sendo investigadas para o tratamento farmacológico da lesão medular traumática, sem, no
entanto existirem evidências de sua eficácia.
3.5 Cuidados gerais no lesado medular
3.5.1 Sonda nasogástrica
É útil especialmente para sucção, para prevenir vômitos e aspiração e descomprimir o abdome, que se estiver dis-
tendido pode interferir com a respiração. A instalação de um íleo paralítico é comum na fase aguda do trauma e
pode durar vários dias. A nutrição de pacientes com lesão medular, não havendo outra contra-indicação, deve ser
iniciada precocemente.
3.5.2 Cateterismo vesical
Na fase aguda do trauma, exacerbado pelo grau de hipotensão, existe uma redução significativa do volume produzi-

135
do de urina, até anúria completa, que pode durar de 3 a 12 horas. A bexiga tem, na fase aguda, um comportamento
arrefléxico, correspondendo à fase de choque medular. Isto ocorre mesmo nas lesões cervicais, que tardiamente
produzirão bexiga espástica. A inserção de um cateter urinário de permanência (sonda de Folley) é útil nesta fase
especialmente para controle rigoroso do débito urinário, que servirá para orientar a reposição e evitar distensão
vesical por retenção urinária.
A permanência de uma sonda de demora, no entanto, por manter o esfíncter vesical aberto, predispõe, a longo pra-
zo, a uma atrofia com maior probabilidade de incontinência urinária. Como há necessidade de se manter a bexiga
num regime de baixa pressão, evitando-se refluxo vesico-ureteral e hidronefrose, limitar-se a probabilidade de in-
fecção e prevenir a incontinência, a técnica de cateterismo vesical intermitente deve ser instituída tão logo o quadro
geral esteja estabilizado (em geral nas primeiras 24 horas), substituindo então a sonda de demora.

3.5.3 Regulação térmica


A paralisia vasomotora produz um estado de pecilotermia (perda do controle da temperatura). Deve-se tomar cui-
dado para evitar situações de hipotermia no clima frio, mantendo o paciente aquecido com cobertores ou acolcho-
ado térmicos, e situações de hipertermia, que pode ser particularmente nociva em situações lesão medular aguda.
Aspergir água com um borrifador sobre a pele dos membros e tronco ou o uso de compressas frias são medidas
úteis e práticas de fazer troca térmica em dias quentes, evitando o uso de drogas antitérmicas.
3.5.4 Cuidados com a pele
A prevenção de escaras de decúbito deve ser iniciada logo no primeiro momento de atenção do lesado medular,
atentando-se para evitar permanecer longo tempo em superfícies duras (tábuas de transporte, mesa de RX ou
TAC), manter o leito sempre seco com lençóis esticados, manter a pele hidratada. Sendo possível a mobilização,
mesmo que em bloco, esta deve ser realizada, no mínimo, a cada duas horas. Nos pacientes com grandes instabili-
dades, proteções com colchões especiais de ar ou água, ou apoios com gel ou bolsas de água nos pontos de maior
pressão devem ser instituídos (tornozelo, calcanhar, região sacrococcígea, cotovelos e omoplata). O reconhecimen-
to de áreas hiperêmicas ou de alterações tróficas cutâneas deve dar início a implantação de medidas terapêuticas
mais agressivas, incluindo massagens com cremes ou óleos hidratantes, evitando qualquer contacto com superfícies
que determinem resistência sobre a área observada.
3.6 Avaliação radiológica

O tratamento adequado de fraturas de coluna é dependente de uma precisa investigação radiológica. Existe um
grande número de técnicas disponíveis, incluindo: radiografias simples de coluna, estudos dinâmicos em flexão/ex-
tensão, tomografia computadorizada (TC), mielografia e mielotomografia e ressonância nuclear magnética (RNM).
Cada uma das técnicas tem suas vantagens e a utilização combinada de várias técnicas e que vai permitir a visua-
lização e avaliação das estruturas ósseas, ligamentares, do comprometimento da estabilidade, da medula espinhal
e dos tecidos moles.
Existe uma concordância em se afirmar que as estruturas ósseas são mais visíveis através de estudos com RX sim-
ples e TC, e que a RNM permite a melhor visualização da medula espinhal e dos tecidos moles.
3.6.1 RX simples de coluna

O manual de instruções do ATLS recomenda que uma radiografia em perfil de coluna cervical seja realizada em
todo paciente com trauma múltiplo. Incidências adicionais em antero-posterior (AP) e transoral podem ser neces-
sárias, especialmente nos pacientes que se queixam de dor ou contratura muscular cervical, que tem alterações à
palpação dos tecidos para-vertebrais, que sofreram trauma acima da linha das clavículas, ou que tenham sofrido
mecanismos específicos, como ejeção para fora do veículo.
RX de coluna torácica e lombar deve ser realizado para todos os pacientes traumatizados que: a)foram jogados
para fora de veículo em movimento ou sofreram queda de altura > 3 m; b) queixam-se de dor torácica ou lombar;

136
c) estão inconscientes; d) estão impossibilitados de referir dores torácica ou lombar ou apresentam alterações do
exame do estado mental que impedem uma correta avaliação da região dorsal; e) apresentam-se com mecanismo de
trauma desconhecido, ou com outras lesões que possam sugerir lesão espinomedular.
A correta interpretação do RX da coluna cervical depende de adequada visualização da transição cervico-torácica.
Para o RX ser declarado como satisfatório há necessidade de se visualizar pelo menos o platô superior de T1. Não
sendo possível esta visualização deve-se repetir a radiografia lateral com tração caudal dos braços. Se ainda assim
não se visualiza a transição cervico-torácica, obtém-se radiografias na posição do nadador (incidência de Fletcher).
Se ainda não se visualiza, e o paciente está neurologicamente intacto, mantém-se o paciente em colar e se procura
obter uma tomografia planar (simples) (politomogramas) em caráter não emergencial ou, se existe déficit neuroló-
gico, uma TC de coluna deve ser realizada para os níveis não visualizados corretamente. Neste caso a reconstrução
sagital ou tri-dimensional pode ser útil para avaliação do alinhamento.
Na avaliação da radiografia de coluna cervical é necessário seguir uma seqüência de passos:
a. Avaliação do alinhamento: procura-se observar quatro linhas que são superimpostas ao RX e definem seu contor-
no. A primeira linha (linha marginal anterior), mais suave, menos curva que as demais, de convexidade anterior, é
formada por uma linha unindo os bordos anteriores do corpo vertebral. Duas linhas similares tangenciam o bordo
posterior do corpo e a base dos processos espinhosos (linhas marginal posterior e espinolaminar). Estas duas linhas
delimitam o canal medular. A última linha (linha espinhosa posterior) é desenhada obedecendo a união das pontas
dos processos espinhosos.
b. Avaliação do odontóide: Avalia-se a distância entre o arco posterior de C1 e o processo odontóide. Em crianças
esta distância pode ser de até 5mm, e no adulto não deve ultrapassar 2 mm.
c. Edema ou hematoma de partes moles: o espaço entre a borda anterior das vértebras cervicais superiores e a coluna
de ar da faringe deve ter no máximo dois terços da espessura do corpo da segunda vértebra cervical. Abaixo do
nível C3-C4 o tecido mole pré-vertebral não deve exceder o diâmetro antero-posterior do corpo vertebral. Algumas
vezes a observação destas alterações, mesmo na ausência de fratura óbvia ou deslocamento, serve como indicador
para uma investigação mais criteriosa com TC ou RNM.
d. Espaços intervertebrais e corpos vertebrais: as distâncias intervertebrais cervicais podem estar alteradas em do-
enças degenerativas discais, quando, geralmente, se fazem acompanhar de osteófitos. A avaliação da regularidade
do contorno dos corpos vertebrais pode evidenciar fraturas com deslocamentos de fragmentos. Um aspecto carac-
terístico é o deslocamento de um pequeno fragmento anterior do platô inferior da vértebra, que se acompanha de
uma fratura sagital do corpo e deslocamento de fragmentos para o interior do canal, na fratura conhecida como
tear drop.

e. Distâncias interespinhosas: o espaçamento ou abertura anormal de um par de processos espinhosos denuncia uma
ruptura ligamentar posterior. Avaliando-se o RX em AP deve-se procurar analisar a distância interespinhosa. Se
esta é 1,5 vezes maior que a de ambos os níveis adjacentes indica também ruptura ligamentar posterior. No RX em
AP pode-se observar o alinhamento dos processos espinhosos na linha média, que está alterado, com lateralização
de um deles, quando ocorre bloqueio unilateral de facetas.
f. Estudo dinâmico: É possível se observar situações de traumatismos com lesão ligamentar pura, envolvendo ruptu-
ra do complexo ligamentar posterior, sem fratura óssea. Incidências em flexo-extensão podem ajudar a detectar es-
tas lesões, tendo por finalidade, portanto, descobrir instabilidade oculta. Se o paciente tem limitada a flexão devido
a espasmo da musculatura para-vertebral deve-se recomendar o uso de um colar rígido (Filadélfia) e repetição das
radiografias em flexo-extensão dentro de uma ou duas semanas. Recomenda-se que este estudo seja realizado por
médico radiologista ou sob supervisão de um neurocirurgião. O paciente deve estar consciente e cooperativo (evitar
fazer estudo dinâmico em paciente vítima de TCE, ou sob ação de drogas ou álcool). Não se deve observar nenhu-
ma luxação > 3.5 mm nas radiografias prévias, pois neste caso a instabilidade já está definida. Paciente deve estar
neurologicamente intacto. Se existe déficit neurológico, deve-se recomendar outro tipo de estudo por imagem, por

137
exemplo, RNM. O paciente deve ser colocado sentado em uma cadeira, e instruído a fletir o pescoço lentamente, e
a parar se começar a sentir dor. RX seriados são feitos a intervalos de 5-10º de incremento na flexão ou extensão, e
se normal, o paciente deve ser encorajado a ir em frente. Isto é repetido até que o diagnóstico de instabilidade seja
feito, ou o paciente não consegue fletir adiante por dor ou limitação da mobilidade. O estudo em flexão-extensão
pode demonstrar leve subluxação anterior distribuída em todos os espaços cervicais, mas sempre com deslocamen-
to ≤ 3 mm, e com preservação da linha marginal anterior.
3.6.2 Tomografia Computadorizada de coluna
A tomografia computadorizada tem se mostrado extremamente útil na avaliação radiológica de trauma raquime-
dular. O nível a ser estudado pode ser determinado pelas anormalidades achadas no RX simples ou pelo nível do
déficit neurológico, identificado clinicamente, se as radiografias são normais ou inconclusivas. Isto acontece com
mais freqüência nas fraturas toraco-lombares do que nas cervicais. A tomografia permite uma delineação perfeita
dos corpos vertebrais e a determinação da integridade do canal vertebral. Devem ser realizados cortes finos (1.5 a
3mm), nos níveis de suspeita, e técnicas de reconstrução sagital ou tri-dimensional podem ser úteis na avaliação do
alinhamento dos corpos vertebrais. A TC não é um exame de screening no trauma raquimedular. A determinação
inadequada do nível a ser examinado, quer seja por radiografias inapropriadas ou incorreta avaliação clínica, pode
fazer com que lesões não sejam percebidas. Apesar de grande precisão na demonstração de bloqueio de facetas,
retropulsão de fragmentos no canal, algumas vezes subluxações podem não ser percebidas.
3.6.3 Ressonância Nuclear Magnética
Até a introdução da RNM, nenhuma modalidade radiológica era capaz de visualizar diretamente a medula espi-
nhal traumatizada. Com a RNM pode-se evidenciar precisamente lesões ligamentares e comprometimento do canal
medular por fragmentos ósseos, disco herniado, hematoma epidural ou subluxação. No entanto é na visualização
direta da medula, permitindo o diagnóstico de transecção medular, contusão, edema, hematomielia ou isquemia
que a RNM se mostra superior a todos os outros métodos. O estudo com RNM deve ser realizado especialmente
nas situações de lesão incompleta com alinhamento normal ou sem lesão óssea aparente, para excluir compressão
da medula por tecidos moles, como herniação discal ou hematoma. Também é indicada nas situações que se obser-
va deterioração, com piora do déficit ou déficit ascendente, ou quando o nível da fratura difere do nível do déficit
observado.
Como desvantagens, a realização do exame no paciente agudamente traumatizado nem sempre é possível, não só
pela indisponibilidade do equipamento nos ambientes de pronto-socorro, mas também pela dificuldade, senão im-
possibilidade, de suporte ventilatório ou cardiovascular. O acesso para manobras ressucitativas no paciente pode
ser extremamente difícil e é um exame que demora mais tempo que a TC para ser realizado. A realização do exame
com colar cervical nem sempre é possível ou pode gerar imagens de pior qualidade. Pacientes em tração, com equi-
pamento metálico, também representam uma impossibilidade para realização do exame.
3.7 O momento da cirurgia
As indicações para tratamento cirúrgico de fraturas de coluna objetivam descomprimir e proteger a medula, res-
taurar a estabilidade e promover a recuperação neurológica.
A estabilidade pode ser obtida sem intervenções cirúrgicas em grande número de casos, com o uso de órteses exter-
nas (coletes, halo, tração, etc.).
Alguns tipos de fraturas são intrinsecamente instáveis, e necessitam de cirurgia com fixação interna. Nesta circuns-
tância existe um grande número de opiniões diferentes sobre o que deve ser feito (acesso anterior, posterior, tipo de
instrumentação) e quando deve ser feito (cirurgia imediata, precoce ou tardia).
A única indicação universalmente aceita para cirurgia imediata é a detecção de deterioração neurológica progres-
siva num paciente que apresenta comprometimento do canal medular com estenose por fragmento ósseo, disco
ou hematoma, ou uma luxação irredutível. Também a existência de compressão medular num paciente com lesão

138
neurológica incompleta é admitida, em alguns centros, como critério de indicação para descompressão imediata.
Existem vários trabalhos publicados demonstrando aumento da morbidade e deterioração neurológica após ci-
rurgia precoce para lesão medular traumática (Heiden et al., 1975; Marshall et al., 1987). Em contrapartida, mais
recentemente, vários autores preconizam uma intervenção cirúrgica precoce, especialmente quando se trata de
acesso anterior à coluna cervical, para permitir mobilização precoce do paciente e reduzir complicações associadas.
De fato, o lesado medular está suscetível a várias complicações sistêmicas ou neurológicas apesar do tratamento
empregado, incluindo pneumonia, úlcera de decúbito, tromboflebite e embolia pulmonar. Parece óbvio que a ma-
nutenção do paciente imobilizado no leito não vá trazer benefícios no sentido de evitar este tipo de complicação.
Wilberger, em 1991, demonstrou uma redução significativa (à metade) destas complicações com cirurgia precoce,
sem aumentar a morbidade neurológica. Pode-se também argumentar que a descompressão da medula espinhal
na fase aguda, reduzindo o grau de isquemia, pode reduzir o efeito da cascata fisiopatológica secundária que ocor-
re após o trauma. Num estudo recente, de reanálise do NASCIS II, não se observou diferença estatisticamente
significativa de benefício entre a cirurgia precoce ou tardia em relação ao grau de recuperação. Observou-se uma
tendência a melhor recuperação nos pacientes operados nas primeiras 25 horas ou após 100 horas, em relação ao
grupo intermediário.
Atualmente aceita-se que, se a cirurgia é necessária para o tratamento de uma fratura de coluna, partindo do prin-
cípio que o paciente está clinicamente estável, não exista significativo aumento de risco associado à intervenção
precoce, e a redução do tempo de imobilização pode ser consideravelmente favorável à recuperação do paciente.
3.8 Medida de Independência Funcional (MIF)

Para descrever plenamente o impacto de uma lesão medular sobre o indivíduo e monitorar e avaliar o progresso
associado com o tratamento, é necessária uma medida padronizada das atividades da vida diária. A Medida de
Independência Funcional (MIF) é um meio para avaliar o grau de função, de amplo uso nos Estados Unidos e que
está ganhando aceitação em nível internacional.
A MIF enfoca seis áreas de funcionamento: autocuidado, controle de esfíncteres, mobilidade, locomoção, comu-
nicação e convivência social. Em cada área avaliam-se duas ou mais atividades/elementos para um total de 18 ele-
mentos. Por exemplo, a área de autocuidado está composta por 6 atividades: comer, asseio, banhar-se, vestir a parte
superior do corpo, vestir a parte inferior do corpo e higiene pessoal (ver folha de resumo).
Cada um dos 18 elementos é avaliado em termos de independência da função, usando-se uma escala de 7 pontos:
Independente (não requer assistência de outra pessoa)

7 Completa independência: a atividade é feita de forma segura, sem modificação, sem órtese ou apoio assistencial
e em tempo relativamente razoável.
6 Independência modificada: a atividade requer um apoio assistencial e/ou não um tempo maior para sua execução
e/ou se realiza de forma segura.
Dependente (requer supervisão de uma pessoa ou assistência física)
5 Supervisão: não requer assistência física, porém necessita de estímulo e disposição.
4 Assistência com mínimo de contacto: o indivíduo não requer mais que contato físico e emprega nesta atividade
75% ou mais do esforço necessário.
3 Assistência moderada: o indivíduo requer mais que contato físico e emprega nesta atividade de 50 a 75% do es-
forço necessário.
2 Assistência máxima: o indivíduo emprega nesta atividade de 25 a 50% do esforço necessário.
1 Assistência total: o indivíduo emprega nesta atividade de 0 a 25% do esforço necessário.

139
7 independência total (imediata, com segurança) sem
6 independência modificada (aparelhada) assistência
dependência modificada
5 supervisão
4 assistência mínima (capacidade = 75% ou +) com
3 assistência moderada (capacidade = 50% ou +) assistência
dependência completa
2 assistência máxima (capacidade = 25% ou +)
1 assistência total (capacidade = 0% ou +)
Assim, a pontuação total da MIF (a soma de todas as atividades) estima o custo da incapacidade em termos de
segurança, da dependência de outras pessoas e dos dispositivos tecnológicos necessários. O perfil da pontuação por
área e por elementos marca os aspectos específicos da vida diária que foram mais afetados pela lesão medular.
Ao fazer uso da MIF em indivíduos que tiveram lesão medular, deve-se considerar que esta graduação foi desenvol-
vida para os incapacitados de uma maneira geral. Avalia aquelas áreas de atividades que são afetadas pela deficiên-
cia entre os diversos grupos de incapacitados. Ainda que tenham sido explorados pontos básicos de confiabilidade
e validade da MIF pelos que a desenvolveram, sua validade como intrumento para medir com precisão o grau de
funcionabilidade em toda a população com lesão medular tem ainda que ser demonstrada empiricamente. Por
exemplo, ainda não está claro se os elementos de autocuidado avaliam com sensibilidade as alterações na função
observadas pelos tetraplégicos no transcorrer de sua reabilitação. Além disso, a avaliação de confiabilidade para as
áreas de comunicação e de convivência social mostrou ser inferior às outras áreas de avaliação. Apesar destas difi-
culdades, recomenda-se o uso da MIF, já que é relativamente fácil de ser usada, porque reflete aspectos funcionais
importantes na lesão medular e porque os parâmetros para o seu uso foram cuidadosamente desenvolvidos.
MEDIDA DE INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL
Nome: __________________________________ Idade: ______

Nº Registro __________Data Admissão: __/__/__ Data Alta: __/__/__


Cuidados Pessoais Admissão Alta Data
a. alimentação
b. cuidados com aparência
c. banhos
d. vestir parte superior do corpo
e. vestir parte inferior do corpo
f. asseio
Controle de Esfíncteres
g. controle vesical
h. controle esfíncter anal
Mobilidade/Transferência
i. cama, cadeira, cadeira de rodas
j. banheiro
k. banheira, chuveiro
Locomoção
l. caminhar, cadeira de rodas
m. escada
Comunicação
n. compreensão
o. expressão
Cognição Social
p. interação social
q. solução de problemas
r. memória
TOTAL

140
7 independência total (imediata, com segurança) sem
6 independência modificada (aparelhada) assistência
dependência modificada
5 supervisão
4 assistência mínima (capacidade = 75% ou +) com
3 assistência moderada (capacidade = 50% ou +) assistência
dependência completa
2 assistência máxima (capacidade = 25% ou +)
1 assistência total (capacidade = 0% ou +)

CLASSIFICAÇÃO NEUROLÓGICA DA LESÃO MEDULAR


PROTOCOLO ASIA1

1
Pode ser copiado livremente, mas não pode ser alterado sem o consentimento da American
Spinal Injury Association.

141
Fig. 1: RX simples de coluna cervical Fig. 2: RX dinâmico de coluna cervical em
com fratura luxação C5-C6 com bloqueio flexão, com sub-luxação C4-C5.
bilateral de facetas.

Fig. 3: Tomografia de coluna corte axial Fig. 4: Tomografia de coluna recosntrução


evidencia bloqueio de faceta unilateral à sagital, com fratura-luxação C5-C6,
esquerda. estenose do canal e ruptura dos ligamentos
posteriores.

142
Fig. 5: Tomografia de coluna reconstrução
3-D: fratura com perda de relação articular
no segmento L2-L4.

Fig. 6: Ressonância Magnética da


coluna cervical (T2). Pós-operatório de
corpectomia C5, observa-se alteração de
sinal nos corpos vertebrais correspondendo
a implante de material (parafusos e placa).
Alteração de sinal na medula evidenciando
contusão hemorrágica e edema peri-lesional.

143
144
Capítulo 16

Pós-Operatório em Neurocirurgia
OBJETIVOS:
1. Abordagem da monitoração e da terapêutica no PO imediato de neurocirurgia
2. Revisar as principais complicações no PO de neurocirurgia
3. Sugerir algoritmo de atendimento do doente em PO de neurocirurgia
A cirurgia de sistema nervoso central, mais precisamente de patologias intracranianas, é complexa e com um po-
tencial de complicação elevado. A compreensão das alterações anatômicas da região operada, as falhas mecânicas
de equipamentos utilizados para cirurgia; a posição do paciente durante o procedimento e o tempo de duração do
mesmo; o conceito de complacência cerebral; o uso de corticóide, anticonvulsivantes e antibióticos; a abordagem
adequada da pressão arterial, da PaCO2, da temperatura corporal e do equilíbrio hidroeletrolítico é extremamente
importante para que seja feita monitoração do paciente e profilaxia das possíveis complicações. Portanto a perma-
nência do paciente na unidade de terapia intensiva no pós-operatório (PO) imediato é imprescindível.
Neste capítulo, abordaremos a monitoração dos suportes hemodinâmico, pulmonar e neurológico do paciente nas
primeiras 24 horas de internamento na unidade de terapia intensiva, o uso de corticóide, anticonvulsivante profilá-
tico e antibiótico profilático e aspectos relacionados a profilaxia de tromboembolismo de pulmão e hemorragia di-
gestiva alta em pós-operatório de ressecção de tumores intracranianos, cirurgias vasculares (clipagem de aneurisma
e endarterectomia), cirurgias de epilepsia e drenagem de hematomas de causa traumática e não traumática.
1. SUPORTE HEMODINÂMICO

A monitoração da pressão arterial é fundamental uma vez que a hipotensão é a maior causa de injúria neuronal
secundária e a hipertensão pode levar à hemorragia e conseqüente hipertensão intracraniana. O recomendado é
pressão arterial invasiva (geralmente em artéria radial) nas primeiras 24 horas de PO mantendo os níveis pressóri-
cos dentro da faixa da normalidade (PAM entre 70 e 130).
A hipertensão arterial é extremamente deletéria levando a sangramento de leito operatório principalmente em ca-
sos de ressecção parcial de astrocitomas e em cirurgias de base de crânio.
Em casos de PO de drenagem de hematomas de srcem hipertensiva, o controle rigoroso da pressão arterial consti-
tui o principal foco terapêutico e a recomendação está descrita no capítulo de acidente vascular hemorrágico.
A hipertensão induzida é permitida em casos de hemorragia subaracnóidea com vasoespasmo em que o aneurisma
já tenha sido tratado de forma definitiva (clipagem ou embolização) e é obtida às custas de infusão de volume e
drogas vasoativas.
A hipotensão deve ser evitada e prontamente revertida principalmente em casos de trauma. A recomendação é
manter a PPC maior que 60.
A monitoração cardíaca contínua identifica arritmias que ocorrem eventualmente e que não estavam no eletrocar-
diograma da admissão.
O débito urinário geralmente é volumoso em caso de uso de manitol e a reposição volêmica com cristalóides deve
ser intensificada para não ocorrer depleção do espaço extracelular.
2. SUPORTE PULMONAR
Os pacientes que foram submetidos a cirurgias intracranianas geralmente chegam à UTI ainda em coma anestésico.

145
Estão intubados e permanecem em ventilação mecânica invasiva até a recuperação plena da consciência que depende so-
mente da metabolização dos anestésicos utilizados no centro cirúrgico. Devem permanecer monitorizados com oximetria
de pulso e capnografia contínuas. A gasometria arterial e o Raio X de tórax são exames solicitados para ajustes da venti-
lação pré e após extubação e diagnóstico de quaisquer complicações pulmonares relacionadas à ventilação mecânica.
A recomendação é manter a SpO2 maior que 92-94% e PaCO2 em 35-40 mmHg.
3. SUPORTE NEUROLÓGICO
A monitoração neurológica através do Neuro-Check deve ser realizada de 15 em 15 minutos até a extubação do
doente identificando complicações neurológicas de maneira precoce e efetiva. Depois o Neuro-Check pode passar
para de 30 em 30 minutos e depois a cada hora. Déficits neurológicos focais devem ser procurados conforme a loca-

lização da cirurgia
permanecer em 30 visando diagnosticar
graus para e tratarvenoso
facilitar retorno prontamente algum
cerebral. tipo de complicação.
A temperatura A cabeceiraoudoretal)
corporal (esofágica leito deve
deve
ser medida de maneira contínua e em caso de ocorrer febre, o paciente deve receber antitérmicos e compressas frias,
pois também é causadora de injúria neuronal secundária.
Neuro-Check:

Glasgow Pupilas Respiração Déficitfocal


Paciente intubado Cada 15 min Cada 15 min
Paciente extubado Cada30min Cada30min Cada30min Cada30min
(primeiras 6 horas)
Paciente extubado Cada1hora Cada1hora Cada1hora Cada1hora
(após 6 horas)
4. SUPORTE METABÓLICO
A monitoração metabólica é principalmente de glicemia e sódio.

A hipoglicemia pode levar a lesão neuronal irreversível e deve ser evitada ao máximo. Recomenda-se mensuração
da glicemia capilar até de 4/4 horas para evitar uma catástrofe neurológica. A hiperglicemia também é deletéria
para as células neuronais e os níveis séricos de glicose devem ser mantidos rigorosamente entre 80 e 110 mg/dL.
A hiponatremia aguda (ver capítulo ABC) e a hipernatremia tem manifestações neurológicas inespecíficas, mas
podem deixar seqüelas graves e aumentar a taxa de mortalidade se não forem corrigidas a tempo e de maneira
adequada. O diabetes insipidus pode ocorrer concomitantemente à HIC pós-operatória e principalmente em casos
de cirurgias de hipófise. Na maioria dos casos é uma disfunção transitória (15-50%) relacionada à injúria direta do
eixo hipotálamo-hipofisário. Leva a deficiência de hormônio antidiurético e, consequentemente, a hipernatremia e
diminuição da densidade urinária. O tratamento é com DDAVP intranasal ou sublingual.
5. USO DE CORTICÓIDE
O corticóide tem sido usado rotineiramente no PO de ressecção de tumores cerebrais (principalmente astrocitomas)
porque, comprovadamente, reduz a incidência de edema cerebral, diminui o efeito-massa secundário ao edema e
reduz a herniação cerebral. Com todos estes efeitos, reduz a taxa de mortalidade no PO. Em casos de meningiomas,
há maior incidência de edema quando há hemorragia no seu interior, sendo que este edema tem tempo de duração
maior e maior resistência ao corticóide.
A recomendação é dexametasona 4 mg-10 mg intravenosa 6/6 horas.
Em casos de abscesso cerebral com edema severo e sinais de herniação, deve-se usar metilprednisolona 1 g IV.
6. USO DE ANTICONVULSIVANTE PROFILÁTICO
O risco de crises convulsivas aumenta quando há manipulação de regiões corticais e consequente, edema cerebral.

146
Em caso de ressecção de tumores, a incidência é maior em lesões supratentoriais, principalmente nas regiões frontal,
temporal e parietal. O anticonvulsivante usado é a fenitoína, cuja dose de ataque deve ser feita no pré ou per-ope-
ratório e a dose de manutenção mantida até 7 dias de pós-operatório.
Os aneurismas cerebrais atuam como foco irritativo e os doentes portadores desta patologia devem receber anti-
convulsivante profilático.
No trauma, a recomendação é para casos de coma Glasgow abaixo de 9, contusão cortical, hematoma subdural,
hematoma extradural, afundamento de crânio, lesão penetrante por arma branca ou arma de fogo, ou nos casos em
que haja crise convulsiva nas primeiras 24 horas de trauma. Os pacientes que já fazem uso prévio de anticonvulsi-
vante, também têm indicação de profilaxia com fenitoína.

7. USO DE ANTIBIÓTICO PROFILÁTICO


A infecção de ferida operatória é uma complicação incomum nas neurocirurgias limpas. A incidência atual da in-
fecção é menor de 5%.
Obesidade, diabetes mellitus, desnutrição, neoplasia, e imunodepressão são fatores sistêmicos que aumentam o
risco de infecção da ferida operatória. O uso de corticóides e idade avançada não parecem estar correlacionados a
maior incidência de infecção. O principal fator determinante do maior risco de infecção no PO são os cuidados de
assepsia e antissepsia (a critério da equipe neurocirúrigica). A hospitalização prolongada no pré-operatório, a tri-
cotomia 1 dia antes da cirurgia, cirurgia na presença de outra infecção, duração do ato operatório em si são fatores
de risco que praticamente duplicam a taxa de infecção.
O uso de antibiótico profilático tem sido alvo de discussão nas duas últimas décadas. Estudos controlados bem
conduzidos, finalmente demonstraram a eficácia da administração de antibióticos apropriados. Os agentes anties-
tafilococos são os mais estudados e recomendados. Em craniotomias (cirurgias limpas) é recomendado o uso de
cefazolina por 24 horas. Como alternativa é indicada vancomicina. Em cirurgias de shunt ventricular (manipulação
líquor) ainda há controvérsias e a recomendação é oxacilina por 24 horas ou vancomicina associada a gentamicina
(intratecal). O CITIN recomenda a consultoria da CCIH local.
8. PROFILAXIA DE TROMBOSE VENOSA PROFUNDA E TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
A trombose venosa profunda de membros inferiores (TVP) é documentada em 29 a 43% dos pacientes neurocirúr-
gicos e a incidência de tromboembolismo pulmonar (TEP) chega a 15%.
Os fatores de risco são a imobilização por tempo prolongado (período pré, per e pós operatório), plegia de membro
inferior, idade maior que 60 anos, neoplasia, lesão diretade veias de MMII, TEP anterior, AVE, uso de anticoncepcio-
nais orais, uso de cateteres venosos profundos, insuficiência cardíaca congestiva, hipercoagulabilidade e gravidez.
Devido a incidência de TVP/TEP, a profilaxia destas patologias se faz imprescindível. Vários estudos confirmam
a utilidade de compressor pneumático em MMII desde o período per-operatório até o paciente ter condições de
deambular. A deambulação precoce é estimulada para evitar a formação de trombos venosos. Além do suporte
mecânico, o uso de heparina em baixa dose ou heparina de baixo peso molecular também devem fazer parte da
prescrição médica.

Em
cavapacientes com
inferior. A TVP comprovada,
complicação o tratamento
da anticoagulação emconsiste emoperados,
pacientes anticoagulação plena ounas
especialmente senão uso dedefiltros
cirurgias tumor decere-
veia
bral, chega a 29%. Baseado neste dado, caso haja TVP/TEP nos 14 primeiros dias de PO, o tratamento de escolha
consiste em filtro de veia cava inferior. Se a complicação ocorrer após 14 dias, o tratamento é anticoagulação plena,
que deve permanecer por 6 semanas a 3 meses.
9. PROFILAXIA DE HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
Úlceras de stress são erosões da mucosa gastrintestinal vistas em pacientes que tem hipertensão intracraniana se-

147
cundária a tumores cerebrais, trauma craniencefálico ou cirurgias intracranianas. A taxa de incidência varia entre
1 a 79%. Síndrome da secreção inapropriada de ADH, coma pré-operatório, complicações pós-operatórias, idade
acima de 60 anos e infecções de sistema nervoso central estão associadas a aumento de hemorragia gastrintestinal.
Pacientes neurocirúrgicos tem aumento da secreção de ácido gástrico com padrão diferente do visto em pacientes
sem doença neurológica. Além disto, isquemia de mucosa e hipóxia secundária a hipotensão facilitam a lesão de
mucosa em caso de hiperssecreção gástrica. As lesões são localizadas em estômago ou duodeno.
Os corticóides, extensamente utilizados na população neurocirúrgica, contribuem na formação de ulcerações gas-
trintestinais. O risco de desenvolver úlceras é 2 vezes maior e a perfuração intestinal pode ocorrer em usuários de
corticoesteróides. Nestes pacientes então, está indicada a profilaxia das úlceras de stress com medicação.
Assim que possivel, iniciar dieta via oral, pois nesses pacientes, nao há necessidade de profilaxia farmacológica.
Em pacientes que não podem utilizar a via digestiva, os inibidores da bomba de prótons são as opções a serem
usadas.
COMPLICAÇÕES
As complicações no PO de neurocirurgia são divididas em complicações neurológicas e não neurológicas. As com-
plicações neurológicas são as convulsões, edema cerebral, hemorragia de leito operatório, infecções intradurais e ex-
tradurais e pneumoencéfalo. As complicações não neurológicas são o tromboembolismo de pulmão, a hemorragia
digestiva alta, as complicações cardíacas e a pneumonia. Abordaremos de forma sucinta as principais complicações
citadas acima.
COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS
I. Convulsões
A incidência de convulsões precoces (primeiros 7 dias após cirurgia) varia de 4 a 19% dos casos. Quando são consi-
deradas as convulsões tardias, a incidência aumenta para até 70%. Raramente ocorre crise convulsiva única como

complicação. Na maioria das vezes são crises múltiplas, podendo até haver status epilepticus. Podem ser do tipo
focal ou generalizada.
Há situações que são consideradas de risco para a ocorrência de crise e que merecem o uso de anticonvulsivante
profilatico. São elas:
1. Cirurgia que envolve o compartimento supratentorial: região frontal, para-selar, temporal e parietal. As convul-
sões após cirurgia de fossa posterior são raras e resultam de retração de estruturas supratentoriais.
2. Patologias específicas: abscessos cerebrais, tumores cerebrais, malformação arteriovenosa cerebral, aneurisma
cerebral, colocação de derivação ventrículo-peritoneal, existência de convulsões no pré-operatório, hematomas
cerebrais, alterações hidroeletrolíticas, hipóxia, hipoglicemia.
As conseqüências das crises convulsivas são diretas ao tecido cerebral e/ou sistêmicas. O efeito direto no cérebro
inclui lesão neuronal com aumento da pressão intracraniana, secundária ao aumento do fluxo sanguíneo cerebral.
Os efeitos sistêmicos incluem hipóxia, acidose metabólica e hipertermia. Isto leva a lesão neuronal secundária, por
sobre um tecido edemaciado, criando um ciclo vicioso que aumenta a injúria final e a ocorrência de novas crises

convulsivas.
II. Edema Cerebral e Hipertensão Intracraniana
O desenvolvimento de edema no PO imediato está associado à manipulação de estruturas profundas e à retirada
de tumores cerebrais. Em resposta ao trauma direto da intervenção cirúrgica e retração tecidual, ocorre isquemia
tecidual relativa, diminuição do retorno venoso e diminuição da complacência cerebral. Há desenvolvimento de
edema cerebral e aumento da pressão intracraniana. O uso do eletrocautério aumenta a lesão local e, também está
diretamente envolvido com o trauma do tecido cerebral.

148
O edema aparece 4 a 6 horas após a cirurgia e tem pico em 48 a 72 horas. As manifestações clínicas são conforme
a área cerebral lesada. Alterações do estado mental, déficits motores ou sensitivos e paralisias de nervos cranianos
são comuns. Pode até mesmo ocorrer herniação transtentorial, piorando muito o prognóstico do doente.
A tomografia cerebral confirma o diagnóstico e exclui outras complicações como hidrocefalia e hemorragia. Os
achados tomográficos são: apagamento de sulcos, diminuição do tamanho do ventrículo lateral ipsilateral, desvio
de linha média, hipodensidade e apagamento da interface entre substância branca e cinzenta. Após o diagnóstico
com a tomografia, deve ser iniciado o tratamento. O objetivo principal é a manutenção da pressão de perfusão
cerebral.
A cabeceira da cama deve permanecer elevada em 30 graus e favorecer o retorno venoso cerebral. A pressão de
perfusão cerebral é mantida maior que 60 às custas de infusão de volume e uso de drogas vasoativas. A adminis-
tração de corticóide – dexametasona é recomendada para pacientes que foram submetidos à ressecção de tumores
cerebrais. A administração de manitol na dose de 0,50 a 2 g/Kg de ataque e 0,25 a 0,75 g/Kg de repetição deve ser
iniciada rapidamente, e monitorada com a osmolaridade sérica (manter Osm menor que 320). A conduta mais
agressiva após todo tratamento clínico instituído é a descompressão cirúrgica, cuja indicação é precisa em hiperten-
são intracraniana após isquemia de território de cerebral média, mas continua interrogada em outras situações.
III. Hemorragia
A ocorrência de hemorragia no PO imediato de neurocirurgia e o desenvolvimento de hematoma extradural, sub-
dural ou intraparenquimatoso sempre foi a complicação mais temida, pois é uma situação significativa e potencial-
mente evitável. A incidência acurada dos hematomas foi possível de ser evidenciada após o uso da tomografia na
prática clínica. Atualmente, a incidência de hematomas extradurais após intervenção neurocirúrgica varia entre 0,9
a 7,1%, enquanto a incidência de hematomas intracerebrais é de 3,9%. As cirurgias de derivação ventrículo-perito-
neal têm uma percentagem muito pequena de sangramento no trajeto operatório.
As diversas causas associadas a esta terrível complicação estão relacionadas à técnica cirúrgica e morbidades clíni-
cas coadjuvantes. A hemostasia perioperatória inadequada, sutura tecidual inadequada, retração tecidual impor-
tante, descompressão ventricular abrupta, lesão direta do vaso cerebral, hipertensão arterial e plaquetopenia são
as razões descritas. As cirurgias para ressecção de tumor cerebral e as craniotomias para drenagem de hematomas
estão associadas a maior incidência de hemorragias.
O prognóstico é pior em hemorragias maiores de 3 cm3, localizadas em região suprasselar e se associadas com outro
sangramento extracerebral ou intraventricular. Estes doentes morrem ou senão ficam com seqüelas neurológicas
graves em 37% dos casos.
As manifestações clínicas incluem cefaléia, novo déficit neurológico, crise convulsiva, diminuição do nível de cons-
ciência, sinais de herniação transtentorial, com hipertensão, bradicardia e insuficiência respiratória. Em pacientes
com sangramento em fossa posterior, as manifestações estão relacionadas ao grau de compressão de tronco cere-
bral e são predominantemente relacionadas a descompensação cardiovascular e respiratória.
O diagnóstico é feito através da tomografia cerebral e o tratamento é cirurgia de emergência para drenagem do
hematoma e alívio da hipertensão intracraniana.
IV. Infecção Extradural e Intradural
A infecção de ferida operatória raramente aparece nas primeiras 48 horas de PO. Dor local, hiperemia, edema,
calor local, secreção purulenta e deiscência de sutura são os sinais locais. Febre, leucocitose, linfadenomegalia
são sinais sistêmicos. A velocidade de hemossedimentação aumentada sugere osteomielite associada. A cultura da
secreção coletada conduz o tratamento. A maioria dos casos é devida a Staphylococcus aureus e S. epidermidis. A
osteomielite do crânio pode ocorrer em até 14% casos. Pode ocorrer também, formação de abscesso extradural (2%
casos), abscesso subdural, meningite e abscesso intracerebral.

149
Com o diagnóstico confirmado, faz-se necessária uma revisão cirúrgica com debridamento de tecido desvitalizado
incluindo a pele, os músculos, o osso e o tecido cerebral. O tratamento antibiótico usual é de 10 a 14 dias e pode
estender-se por até 6 semanas, se houver comprometimento intradural.
As infecções intradurais como a meningite, empiema subdural, ventriculite, cerebrite e abscesso cerebral constituem
um grupo de complicações vistas separadas ou em combinação, de tratamento não difícil, mas com altas taxas de
mortalidade. A incidência é alta e chega a 52% dos casos. Os dois mecanismos de inoculação do germe são a exten-
são da superfície infectada e a contaminação direta do tecido cerebral durante a cirurgia.
O empiema subdural é mais comumente associado a sinusite complicada, embora haja vários relatos em PO de cra-
niotomia. Os microorganismos isolados são o S. aureus, estreptococos e bacilos gram-negativos. Clinicamente há
febre, déficits neurológicos focais, convulsões, meningismo e infecção de pele evidente. A tomografia cerebral com
contraste é confirmatória. O tratamento é drenagem cirúrgica, associada a antibioticoterapia.
A meningite/ventriculite de PO tem incidência de 2% e consiste em 46% das infecções de pós-operatório. Os germes
mais comuns são os bacilos gram-negativos, S. aureus e S. epidermidis. As manifestações clínicas são cefaléia, febre,
sinais meningorradiculares, confusão mental, irritabilidade, convulsões e déficits focais. Há leucocitose e pode haver
hemocultura positiva. A análise do líquor é essencial. Normalmente, pacientes em PO tem aumento de leucócitos e
proteínas, o que confunde a interpretação do líqüor. Nestes casos, a glicorraquia e a cultura com isolamento da bac-
téria pode ser o único indício de infecção. O esquema antibiótico escolhido inicialmente é cefalosporina de terceira
geração associada a vancomicina. Se houver suspeita de germe anaeróbio associado, o metronidazol é necessário
também. Após a identificação do germe, o antibiótico é adequado conforme antibiograma. Em casos do paciente
estar com DVE/DVP, a troca/retirada do sistema de drenagem é indicada.
O abscesso cerebral é infecção com taxas de mortalidade ainda elevadas, a despeito do diagnóstico e tratamento
amplamente discutidos e conhecidos. Chega a 14% dos casos. Sua incidência é de 0,1% das infecções de PO de
neurocirurgia. É causado por múltiplos organismos em até 50% casos incluindo S. aureus, estreptococo, entero-
bactérias e germes anaeróbios. Cefaléia, febre, sinais neurológicos focais, convulsões, evidência de lesão com efeito-
massa de evolução rapidamente progressiva, meningismo e leucócitos aumentados no líqüor são achados comuns.
O diagnóstico é com tomografia cerebral com contraste e o tratamento cirúrgico ainda é controverso podendo ser
feito ou não, sempre associado a antibioticoterapia para agentes múltiplos ( a etiologia é sempre polimicrobiana).
V. Pneumoencéfalo
O pneumoencéfalo consiste em presença de ar no espaço subdural ou extradural e é uma das causas de rebaixa-
mento do nível de consciência após cirurgia, tanto nas cirurgias de fossa posterior como nos procedimentos supra-
tentoriais. Ar no espaço extradural ocorre após cirurgias que envolvem a base de crânio anterior, onde é feita uma
craniotomia bifrontal extensa. O ar subdural acumula no espaço subaracnóide, longe do sítio cirúrgico e aparece
quando a dura é aberta na operação. O ar acumulado faz efeito massa e há repercussão clínica importante. A ma-
nifestação clínica mais comum é cefaléia, e rebaixamento do nível de consciência, com confusão mental ou letargia.
Pode evoluir até coma profundo sem sinais neurológicos focais. Hiponatremia é comum e crises convulsivas podem
piorar a situação. A tomografia cerebral identifica o ar e o local onde está acumulado. O ar fica evidente na TC até
7dias após a cirurgia. Não há tratamento específico.
COMPLICAÇÕES NÃO NEUROLÓGICAS
I. Complicações Cardíacas
As complicações cardíacas em quaisquer pacientes submetidos a cirurgia depende de uma boa avaliação do doente
no pré-operatório. Sua incidência em doentes sem doença cardíaca prévia é muito baixa – menor que 0,2% e a de-
tecção de fatores de risco é de extrema importância. Há estudos que identificam fatores de risco para complicações
do coração em pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas. Evidência de infarto agudo do miocárdio (IAM) nos
últimos 6 meses, diagnóstico de angina instável, presença de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), radiografia
de tórax com sinais de congestão pulmonar, doença valvular (principalmente estenose aórtica), idade acima de 70

150
anos, cirurgia de emergência, arritmias, e condições gerais não favoráveis são os principais dados a serem coletados
e identificados em doentes neurocirúrgicos no pré-operatório.
Em pacientes com IAM, nos últimos 3 a 6 meses, a taxa de reinfarto é de 30%, enquanto nos infartados há mais de
6 meses, a taxa é de 5%. O reinfarto ocorre nas primeiras 72 horas após a cirurgia, mas pode aparecer até o sexto
dia de PO. Mais da metade destes IAM são silenciosos e está indicado o ECG e a dosagem de enzimas seriadas até
o sexto PO em pacientes com alto risco. Os pacientes com ICC devem ter sua medicação otimizada no pré-operató-
rio uma vez que 60% descompensam nas primeiras horas de PO. Em pacientes com doença valvular cardíaca, não
se pode esquecer a profilaxia para endocardite bacteriana e o cuidado com o uso de anticoagulantes nos pacientes
que tem prótese biológica (devem ser suspensos 3 dias antes da cirurgia). A hipertensão arterial deve ser controlada
rigorosamente no pré-operatório e continuada a medicação no PO. As arritmias cardíacas aparecem em até 28%
casos e, na maioria das vezes, são supraventriculares.
O CITIN recomenda e segue nesses casos todas as recomendações do ACLS (ver apêndice)
II. Complicações Pulmonares
As complicações pulmonares no PO de neurocirurgia são as mais freqüentes das complicações não neurológicas.
Aparecem em uma taxa de 17 a 25 % dos casos e são principalmente a insuficiência respiratória aguda e a pneu-
monia.
Com sérias repercussões, a falência respiratória é a mais letal das complicações no PO de neurocirurgia. É definida
como a incapacidade de manter a troca gasosa pulmonar e, conseqüentemente, leva a hipoxemia e hipoventilação.
As causas neurológicas são alterações do nível de consciência, que impedem a habilidade de manter uma via aérea.
Hipertensão intracraniana e status epilepticus são as situações mais dramáticas. As causas pulmonares são atelecta-
sias, pneumonia, tromboembolismo de pulmão, broncoespasmo, edema pulmonar neurogênico, doença pulmonar
obstrutiva crônica e síndrome da angústia respiratória do adulto.No PO imediato, a hipoventilação pode ocorrer
devido a acúmulo de anestésicos na gordura corporal, levando a nova sedação do doente. Isto ocorre com halotano,
barbitúricos e opióides.
A incidência de pneumonia após craniotomia pode chegar a 21%. Há fatores que contribuem para aumentar o risco
da infecção: diminuição do nível de consciência, uso de corticóide, idade > 70 anos, insuficiência cardíaca, cirurgia
de tumores (especificamente gliomas e meningiomas) e doenças prévias como tabagismo, diabetes mellitus, doença
hepática e pulmonar. Os microorganismos responsáveis são os bacilos gram-negativos em 50% dos casos e, em
menor percentagem, os gram-positivos. A taxa de mortalidade é alta e varia de 33 a 70%.
PONTOS PRINCIPAIS:
1.A monitoração clínica do doente no PO imediato de neurocirurgia é fundamental e engloba os suportes hemo-
dinâmico, pulmonar e neurológico.
2.O uso de corticóide em casos de ressecção de tumores cerebrais reduz a taxa de mortalidade no PO imediato.
3.O uso de anticonvulsivante profilático está indicado para cirurgias de lesões supratentoriais, cirurgias de clipagem
de anurisma e em casos específicos de trauma craniencefálico.

4.O uso de antibiótico profilático é rotina e a escolha é para antibióticos anti-estafilocóccicos.


5.A profilaxia de eventos tromboembólicos e da hemorragia digestiva alta é imprescindível.
6.O neuro-check e a TC cerebral são fundamentais para identificar precocemente as principais complicações neu-
rológicas no PO imediato de neurocirurgia.
7.As principais complicações neurológicas do PO imediato de neurocirurgia são crises convulsivas, edema cerebral,
hemorragia do leito operatório, infecções do SNC e pneumoencéfalo.

151
8.As principais complicações não neurológicas do PO imediato de neurocirurgia são trombose venosa profunda de
MMII, hemorragia digestiva alta, arritmias cardíacas e pneumonia.
LEITURA RECOMENDADA:
1. Kvam DA, Loftus CM, Copeland B, et al: Seizures during the immediate postoperative period. Neurosurgery
1983;12:14-17
2. Haines SJ: Efficacy of antibiotic prophylaxis in clean neurosurgical operations. Neurosurgery 1989;24:401-405.
3. Reasoner DK, Todd MM, Scamann FL, et al: The incidence of pneumocephalus after supratentorial cranio-
tomy. Anesthesiology 80:1008, 1994.
4. Bynke O, Hillman J, Lassvik C: Does preoperative external pneumatic leg muscle compression prevent post-
operative venous thrombosis in neurosurgery? Acta Neurochir (Wien) 1987,88:46.
5. Goldman L: Cardiac risks and complications of noncardiac surgery. Ann Int Med 1983,98:504-513.
6. Craven DE, Kunches LM, Kilinsky V, et al: Risk factors for pneumonia and fatality in patients receiving conti-
nuous mechanical ventilation. Am Rev Respir Dis 1986,133:792.
7. Martin C: The French Study Group on Antimicrobial Prophylaxis in Surgery: General Concepts and Clinical
Guidelines. Infect Control Hosp Epidemiol 1994,15:463-471.

152
Capítulo 17

Infecções do sistema nervoso central


- Meningites bacterianas, linfomonocitárias e meningoencefalites
- Ventriculites, abscessos cerebrais e parasitoses do SNC
- Infecções em próteses ou órteses neurológicas
- Encefalopatia séptica
MENINGITES E MENINGOENCEFALITES BACTERIANAS
A meningite bacteriana aguda é uma doença grave com mortalidade em torno de 25% quando adquirida na comu-
nidade e 35% quando nosocomial. O prognóstico é pior quanto mais demorado for o tratamento, conseqüentemen-
te a evolução vai depender de um diagnóstico precoce e início imediato de tratamento efetivo. Caracteriza-se por
inflamação piogênica das leptomeninges. Os principais agentes etiológicos em pacientes adultos imunocompetentes
são: Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Listeria monocytogenes, Haemophilus influenzae e Escherichia
coli. Mesmo com os avanços laboratoriais na detecção dos patógenos, 22% de todos os casos de meningite aguda de
etiologia presumidamente bacteriana apresentam cultura negativa.
O quadro clínico inclui início febril, cefaléia intensa com fotofobia, vômitos, rigidez de nuca e dor nas costas. Coma
ocorre em 5 a 10%. Crises convulsivas ocorrem em 20% dos pacientes, e o comprometimento dos nervos crania-
nos em 5%. A sintomatologia clássica poderá estar ausente em idosos, que apresentam rigidez de nuca em apenas
pequena porcentagem dos casos, em bebês e em pacientes imunocomprometidos, nos quais sinais meníngeos são
pouco comuns, sendo o quadro clínico mais freqüente o de febre baixa, cefaléia e alteração do sensório. Os pacien-
tes com meningite normalmente apresentam um bom estado do sensório, sem sinais ou sintomas de encefalopatia.
Encefalite, em contraste, apresenta confusão mental, letargia ou coma sem a rigidez nucal característica do envol-
vimento meníngeo. Meningoencefalite é o termo utilizado para se descrever pacientes com infecção do sistema
nervoso central que apresentem tanto encefalite quanto meningite.
Deve-se pesquisar a presença dos sinais de Kernig e Brudzinsky. Lesões petequiais cutâneas e conjuntivais podem
sugerir etiologia meningocócica, não sendo, porém, exclusivas. A confirmação diagnóstica é dada pela análise
laboratorial do líqüor, com aumento da celularidade total (predomínio de neutrófilos) e da dosagem de proteínas,
além de hipoglicorraquia, sendo também comum o aumento da dosagem de ácido lático. Caso ocorra inicialmente
predomínio linfocitário ou exame normal, nova análise liquórica deverá ser realizada após o período de 24 a 48 h,
principalmente se a evolução não for compatível com quadro viral.
A coleta de LCR deverá ser realizada imediatamente, devendo ser precedida pela realização de estudo de imagem
(TC ou RM), nos casos em que haja déficit focal ou evidência clínica de aumento da pressão intracraniana. É
fundamental a identificação do agente etiológico, que orienta a escolha da terapia antibiótica (ver sugestões na
tabela 1).

A meningite bacteriana aguda é uma emergência infecciosa e, como tal, não deverá ter seu tratamento postergado
ou adiado. A introdução da antibioticoterapia inicial deverá ser de acordo com a faixa etária, com o quadro clínico
e com a epidemiologia (ver tabelas 2 e 3). Ajustes posteriores na escolha antibiótica dependerão do resultado da
análise do LCR, assim como da resposta à terapêutica inicialmente instituída. O tempo de utilização dos antibióti-
cos pode ser consultado na tabela 3.

153
TABELA 1. ACHADOS TÍPICOS DO LCR NOS PACIENTES COM MENINGITE
ParâmetroLCR Meningite Meningite Meningite fúngica Meningite
bacteriana viral Tuberculosa
Pressão inicial (mm H 2O) >180 Geralmentenormal Variável >180
1.000 -10.000 < 300 20 - 500 50 - 500
Leucócitos (cels/mm3) Média: 1195 Média: 100 Variável, dependo do fungo Média: 200
Neutrófilos(%) >80 <20 Geralmente<50 20
Proteína (mg/dL) 100 - 500 Freqüentemente Elevadas 150200
-
normal
Glicose(mg/dL) <40 >40 Geralmente<40 <40
Coloração pelo gram 6090
- Negativo Negativo 37-87
(% positividade) (AFB smear)
Cultura(%positividade) 7085
- 50 2550
- 5283
-
Adaptado de Zunt & Marra, 1999.
TABELA 2. Recomendação de antibióticos empíricos nas meningites bacterianas, baseado na idade
Idade Principal patógeno Antibiótico de Antibiótico Comentários
escolha alternativo
< 3 m eses Streptococcus do grupo B, Ampicilina e Chloranfenicol e Os níveis no LCR não
Listeria monocytogenes, E. Ceftriaxone (ou Gentamicina são confiáveis em crianças
coli, S. pneumoniae Cefotaxime) com baixo peso ao nascer
3 meses a 18 Neisseria meningitidis, S. Ceftriaxone (ou Meropenem ou Associar Vancomicina nas
anos pneumoniae, Haemophilus Cefotaxime) Cloranfenicol regiões com incidência su-
influenzae perior a 2% de resistência
ao S. pneumoniae
18 a 50 anos S. pneumoniae, Neisseria Ceftriaxone (ou Meropenem ou Associar Vanco nas
meningitidis, Haemophilus Cefotaxime) Cloranfenicol regiões com incidência >
influenzae 2% de resistência ao S.
pneumoniae
> 50 anos Streptococcus pneumoniae, Ampicilina plus Ampicilina e Fluo- Associar Vanco nas
Listeria monocytogenes, Ceftriaxone (ou roquinolonas (Cipro, regiões com incidência >
bacilo gram-negativo Cefotaxime) Levo, ou Trovaflo- 2% de resistência ao S.
xacin pneumoniae
Adaptado de Spach & Jackson, 1999.
TABELA 3 – TERAPIA ESPECÍFICA PARA PACIENTES COM MENINGITE BACTERIANA

Organismo Drogasdeescolha Drogasalternativas Duração


(dias)
Streptococcus dogrupo B Penicilina G (ou Ampicilina) Vancomicina 14-21 dias
Haemophilus influenzae Ceftriaxone(ouCefotaxime) Cloranfenicol 7-10dias
Listeria monocytogenes Ampicilina e G entamicina Trimetoprim-sulfametoxazol 14-21 dias
Neisseria meningitidis Penicilina G (ou Ampicilina) Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Cloranfe- 7-10 dias
nicol
S. pneumoniae ( MIC < 0.1) Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Penicilina; meropenem 10-14 dias
S. pneumoniae (MIC > 0.1) Vancomicina e Ceftriaxone Substituir rifampicina por vancomicina; 10-14 dias
(ou Cefotaxime) utilizar monoterapia de vancomicina se
houver alergia a cefalosporina
Adaptado de Spach & Jackson, 1999.

154
TABELA 4 – RECOMENDAÇÃO DE DOSES INTRAVENOSAS DOS
ANTIBIÓTICOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DAS MENINGITES BACTERIANAS

Antibiótico Dosenainfância Dosenoadulto


Ampicilina 75mg/kgq6h 2.0gq4h
Cefotaxime 50-75mg/kgq6h 2.0gq6h
Ceftriaxone 50-75mg/kgq12h 2.0gq12h
Ceftazidime 75mg/kgq8h 2.0gq8h
Cloranfenicol 25mg/kgq6h 1.0gq6h
Gentamicina 2.5mg/kgq8h 2.0mg/kg“bolus”,seguidode1.7mg/kgq8h
Levofloxacina Nãoindicado 0.5gq24h
Meropenem 40mg/kgq8h 1.0gq8h
PenicilinaG
Rifampina 50,000U/kg
10mg/kg q4h(max600mg)
q24h 4.0milhões
600 mgq24hUq4h
Trimetoprim/sulfametoxazole *10.0 mg/kg q12h *
10.0 mg/kg q12h
Vancomicina 15mg/kgq6h 1.0gq12h
Dose máxima de 2 g por dia de Vancomicina em crianças.
*Basear-se no componente trimetoprim.
Adaptado de Spach & Jackson, 1999.
O uso dos corticosteróides permanece controverso. Sua indicação baseia-se na possibilidade de agir reduzindo a
inflamação meníngea, diminuindo assim a incidência e a severidade da lesão encefálica. Ao se revisar os estudos que
utilizaram dexametasona em meningites por H. influenzae em crianças, a dexametasona reduziu significativamente
a perda auditiva severa, mesmo quando administrada antes ou após o início do antibiótico. Nos estudos que envol-
veram pacientes com meningite pneumocócica, a dexametasona reduziu significativamente a perda auditiva apenas
quando administrada antes ou ao mesmo tempo da primeira dose do antibiótico. A maior parte dos especialistas
utilizam a dexametazona IV na dose de 0,15 mg/kg de 6/6 horas por 4 dias ou 0,4 mg/kg cada 12 horas por 2 dias
em crianças com mais de 2 meses de idade e com meningite bacteriana. Se o corticosteróide for indicado, ele deverá
ser administrado antes ou juntamente com a primeira dose do antibiótico.
Novo exame liqüórico deverá ser realizado após 48 a 72 h se a resposta terapêutica não for satisfatória. Os melhores
indicadores de boa resposta antibiótica são a elevação da glicose e a diminuição do ácido lático no líqüor.
O isolamento respiratório é necessário durante as primeiras 24 h de terapia eficaz nos casos de meningite meningo-
cócica ou de etiologia não identificada. No caso de meningite meningocócica, o tratamento profilático será institu-
ído nos contactantes próximos e nos profissionais de saúde que porventura tenham entrado em contato com a via
respiratória do paciente (p. ex., intubação de vias aéreas superiores). Os esquemas profiláticos preconizados são:
 Rifampicina 600 mg VO 12/12 h por 48 h;
 Ciprofloxacina 500 a 750 mg VO em dose única;
 Ceftriaxone 500 mg IM em dose única.
No caso da meningite por H influenzae tipo b, a indicação de profilaxia é controversa. A maioria dos autores reco-
menda a Rifampicina 600 mg VO 12/12 h por 48 h.
MENINGITE LINFOCITÁRIA
Também conhecida como meningite asséptica, não sendo sinônimo de meningite viral. São várias as possíveis etio-
logias, sendo as principais os Enterovírus (80 a 85 % dos casos), predominando os dos gêneros Coxsackie e Echo,
os Herpesvirus e o HIV. Outras etiologias incluem o uso de medicamentos (AINEs, metronidazol, imunoglobulina
intravenosa) e a leptospirose. Em pacientes imunocomprometidos, merecem citação principalmente o Criptococcus
sp. e o Mycobacterium sp.

155
O início do quadro clínico consiste, normalmente, de pródromo gripal com febre, dores musculares e cefaléia. A
rigidez de nuca anuncia a fase meníngea. A encefalite viral, assim como a meningite, geralmente tem curso benig-
no e autolimitado, mas pode apresentar depressão da consciência, crises convulsivas, paresias ou plegias focais. O
padrão do líqüor pode ser visto na tabela 1.Não há tratamento específico e em geral a evolução é satisfatória no
período de 7 a 10 dias.
A meningite (ou meningoencefalite) por herpes simples (HSV) I e II representa 0,5 a 3% dos casos de meningite
linfocitária. O HSV tipo 1 causa encefalite necrotizante localizada. Já o HSV tipo 2, transmitido pelo contato se-
xual, desencadeia uma encefalite difusa. O quadro clínico costuma ser grave, com freqüente comprometimento do
nível de consciência e presença de crises convulsivas. O prognóstico é reservado, caso não haja rápida instituição
da terapia específica. Agressão ao lobo temporal uni ou bilateral (assimétrica), com efeito de massa, poderá ser
evidenciada à TC sob a forma de hipodensidade ou à RM como hipointensidade em T1 e hiperintensidade em T2.
Transformação hemorrágica ocorre em alguns casos. O exame do LCR mostra pleocitose monocitária ou linfocitá-
ria e hemácias, achado incomum em outros tipos de encefalite. Observa-se também moderada hiperproteinorraquia
e a glicorraquia é normal. A reação da polimerase em cadeia (PCR) possibilita a identificação do agente etiológico
na maioria das situações (tabela 5). Um EEG com descargas paroxísticas em um ou ambos os lobos temporais é
altamente sugestivo desta etiologia. O tratamento consiste em terapia anticonvulsivante e administração intrave-
nosa de aciclovir na dose de 30 mg/Kg/dia, fracionada em três tomadas diárias, em infusão de 45 minutos, durante
14 a 21 dias.
TABELA 5 – SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE DO PCR
PARA AGENTES VIRAIS NAS INFECÇÕES DO SNC

Patógeno Sensibilidade(%) Especificidade (% )


VírusHerpessimplestipo1 >95 100
Citomegalovirus 80-100 75-100
VírusVaricelazoster N/A 100
VírusEpstein-Barr 97 100
Vírus
JC 74-92 92-96
Enterovírus 97 100
Adaptado de Zunt & Marra, 1999.
VENTRICULITE
A ventriculite bacteriana caracteriza-se por pleocitose, baixa dosagem de glicose e presença de bactérias no líqüor
ventricular e costuma estar associada à meningite bacteriana por Gram-negativos ou à presença de corpo estranho
intraventricular (merecendo destaque os sistemas de derivação liquórica). O quadro clínico é inespecífico e freqüen-
temente marcado por febre, toxemia, alteração de sensório e vômitos. Podem ainda estar presentes alterações dos
sinais vitais, por comprometimento do IV ventrículo, e distúrbios hidroeletrolíticos por comprometimento do III
ventrículo e hipotálamo. A presença de ventriculite deverá ser aventada em neonatos com meningite refratária a
antibioticoterapia adequada. A gravidade da doença e a facilidade de realização de ultrassonografia (US) justificam
o emprego rotineiro deste exame nos casos de meningite neonatal. A presença de ventriculite será suspeita frente
à observância de hiperecogenicidade correspondente à inflamação e espessamento do epêndima. A TC, apesar de
propiciar imagens com maior nitidez, é geralmente reservada, devido a seu maior custo operacional, a casos em
que não haja janela acústica (fontanela aberta ou falha óssea de intervenção cirúrgica) disponível ou para os casos
em que persistam dúvidas após a realização da US. A confirmação diagnóstica depende de análise laboratorial de
amostra do líqüor ventricular.
A antibioticoterapia será similar à empregada para as meningites bacterianas devendo, sempre que possível, basear-
se no resultado da cultura do LCR ventricular. Adicionalmente, dever-se-á associar à antibioticoterapia sistêmica,
a infusão intraventricular de antibiótico. Além disso, nos pacientes em uso de sistemas de derivação liqüórica, a
retirada do sistema é parte integrante da conduta terapêutica.

156
ABSCESSOS
Não é comum decorrer de uma meningite, srcinando-se na maior parte dos casos a partir de processos infecciosos
em outra localização. Cerca de 40% são conseqüentes à disseminação, geralmente por contigüidade, de sinusite
frontoetimoidal (lobo frontal), ouvido médio e células mastóides (lobo temporal). Nestes casos, geralmente são
únicos. Aproximadamente um terço dos casos de abscesso cerebral decorre da disseminação hematogênica de al-
gum foco infeccioso distante. A presença de abscessos múltiplos sugere esta via de disseminação. Nestes casos,
deveremos investigar endocardite bacteriana aguda, abscesso pulmonar, diverticulite, imunodepressão e, de forma
mais rara, infecções de pele, amígdalas, abscessos dentários e osteomielite de ossos não cranianos. Cardiopatias
congênitas e MAV pulmonar também deverão ser aventadas. Em 20 % dos casos a fonte não é detectada.
Os agentes etiológicos mais freqüentes são estreptococos (os anaeróbios comumente são metastáticos dos pulmões e
seios paranasais). Os estafilococos em geral respondem pelos casos srcinados a partir de traumatismo ou intervenção
cirúrgica. Os pneumococos, meningococos e H. influenzae são responsáveis por pequeno percentual do total de casos.
O quadro clínico tem geralmente evolução subaguda. Além de febre (fase supurativa), sinais de hipertensão intra-
craniana e sinais focais (proeminentes ou não). A investigação é feita através de exame de imagem. À TC observa-se
imagem hipodensa com captação anelar do meio de contraste. A RM apresenta maior sensibilidade para a detecção
do processo em suas fases iniciais (cerebrite).
O tratamento preconizado consiste na associação de metronidazol, droga antiestafilocócica (oxacilina/vancomi-
cina) e cefalosporina de terceira geração por períodos de 6 a 8 semanas. O emprego de corticosteróides somente
estará justificado frente a lesões que causem efeito de massa proeminente com risco de herniação. Em alguns casos,
a abordagem cirúrgica poderá ser necessária.
PARASITOSES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Diversos parasitas podem acometer o sistema nervoso central, com destaque para a cisticercose (principal) e a
toxoplasmose.
CISTICERCOSE
A neurocistecercose é uma infecção do SNC causada pela larva do Taenia solium, com duas apresentações clássi-
cas: a de cistos isolados (Cysticercus celullosae) responsáveis por 70% dos casos, localizando-se em qualquer parte
do encéfalo; e a de cistos racemosos (Cysticercus racemosus) ocorrendo no espaço subaracnóide, com prognóstico
pior, predominando nas cisternas de base, ventrículos laterais e o sulco lateral. Na grande maioria dos casos é fruto
da ingestão de alimentos e água contaminada por ovos de Taenia Solium que, ao eclodirem, liberam os embriões
que caem na corrente sanguínea e se disseminam pelo organismo. O tropismo pelo SNC se deve a presença de gran-
de quantidade de glicose neste tecido.
Os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento são os mais afetados, devido às péssimas condições sócio/eco-
nômicas/culturais, tendo no Brasil uma área endêmica (principalmente as cidades de São Paulo, Paraná e Santa
Catarina).
Não há uma manifestação clínica que seja patognomônica desta enfermidade, podendo se apresentar de diversas
formas na dependência do número de cistos, da localização (meníngea, parenquimatosa, ventricular e subaracnói-
dea), da resposta imune do hospedeiro, se os cistos estão ou não viáveis e possivelmente do sexo do paciente (acre-
dita-se que mulheres jovens tenham formas mais graves).
As crises convulsivas focais ou generalizadas são as manifestações clínicas mais comuns, seguidas da hipertensão
intracraniana. Também pode ser verificada hidrocefalia aguda, síndrome piramidal, alteração das funções cogniti-
vas, meningite subaguda, déficits neurológicos. A forma parenquimatosa miliar, também chamada de encefalítica
aguda acomete principalmente mulheres jovens, tem um prognóstico ruim e se caracteriza por crises epilépticas,
demências e déficits focais.

157
Quando a medula espinhal é acometida poderemos encontrar mielopatia, radiculopatia e bexiga neurogênica.
Em geral a forma subaracnóidea está associada a um quadro de vasculite.
Alguns pacientes não apresentam qualquer manifestação clínica. Nestes casos, o diagnóstico é feito a partir dos
achados dos exames de imagem realizados por algum outro motivo.
O estudo do líqüor é de grande importância (embora possa ser normal em 20% dos casos). Em geral é evidenciada
uma pleocitose com predomínio de LMN, eosinofilia, e reações imunes específicas para identificar o antígeno do
cisticerco (técnica Elisa tem uma elevada especificidade e sensibilidade) devem ser realizadas. Pode também ser ve-
rificada hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e hipergamaglobulemia com bandas oligoclonais de IgG.
Com o advento da TC de crânio e da RNM, a segurança na confirmação diagnóstica aumentou muito, lembrando
que pode haver resultados falso–negativos, como no caso de cisticercos jovens ou em casos de localização ventricu-
lar. A RNM fornece as mesmas informações que a TC, exceto por não mostrar pequenas calcificações.
O tratamento deve ser individualizado. As chamadas formas benignas (assintomáticas ou apenas com crises epilép-
ticas) devem ser tratadas apenas com anticonvulsivantes. Em casos de intensa reação inflamatória e edema ao redor
dos cistos, usar corticóides e, eventualmente, manitol. Outras opções são os anti–histamínicos como a dextrocloro-
feniramina e os AINEs, como o cetoprofeno ou os coxibes.
Caso haja captação de contraste usar: albendazol 15mg/Kg/24 horas VO durante 7 a 14 dias ou praziquantel 50
mg/Kg/24 horas durante 15 dias. Vale ser ressaltado que estas drogas devem ser iniciadas após 2/3 dias do uso de
dexametasona 0,75 mg/Kg/24 horas (em adultos). Caso não haja captação de contraste (o que pode significar cica-
trização ou então a ausência da degeneração de cistos) acompanhar ou tratar com anti-histamínico de ação central
6 a 18 mg/24 horas (para adultos). Observação: O grupo de Carpio e colaboradores recentemente demonstrou que
as drogas anti-helmínticas podem estar associadas a uma maior incidência de seqüelas a longo prazo, porém a
grande maioria de artigos preconiza seu uso.

O tratamento
cistos cirúrgico
solitários. (extirpação
A derivação cirúrgica) está indicado
ventriculoperitoneal é indicadanos
noscasos
casosdedecisticercos intraventriculares e de grandes
hidrocefalia.
O prognóstico está intimamente relacionado à forma clínica. Tem-se na forma parenquimatosa um melhor prog-
nóstico, já as formas intraventriculares, encefalite aguda e subaracnóide apresentam um prognóstico sombrio.
O tratamento cirúrgico ainda apresenta uma elevada morbimortalidade (mortalidade geral de 16%, aumentando
para 50% nos casos de aracnoidite).
A prevenção desta enfermidade está diretamente relacionada à melhoria das condições sócio-econômico-culturais.
Algumas medidas simples, como a higiene corporal, são capazes de prevenir a neurocisticercose.
NEUROTOXOPLASMOSE
É causada pelo Toxoplasma gondii a partir da ingestão de alimentos contaminados. Na grande maioria dos casos
teremos uma infecção latente até que haja recrudescimento da infecção frente à queda da imunidade celular. Este
protozoário tem predileção pelo tecido do globo ocular e pelo SNC (principalmente núcleos da base, córtex, subs-
tância branca e área periventricular).
Cerca de 28 a 40% dos pacientes com SIDA apresentam esta doença como evento tardio, ocorrendo principalmente na-
queles com CD4 menor que 100. Esta é a principal lesão intracraniana, com efeito de massa, em pacientes com SIDA.
A apresentação clínica combina sinais de HIC em 30 a 70% dos casos (sendo o papiledema achado incomum) e
alteração do sensório em 50 a 90%. Ataxia, convulsões e neuropatias cranianas são observadas em menos de 25%
dos casos. Hemiparesia e outras manifestações focais podem estar ausentes em até 60% ou mais dos casos. Mani-
festações neuropsiquiátricas são freqüentes.

158
O diagnóstico é fortemente sugerido frente à presença de lesões múltiplas (80 a 90%) e profundas captantes de con-
traste (80 a 85%) e sorologia IGg reagente (85%). O exame do líqüor é inespecífico (discreta pleocitose, acentuada
hiperproteinorraquia e positividade para pesquisa de anticorpos).
Tratamento empírico em teste terapêutico deverá ser instituído durante 10 a 14 dias, com posterior reavaliação
clínica e por imagem. Caso não haja resposta terapêutica estará indicada a biópsia estereotáxica. Proceder-se-á à
biópsia precoce em casos de lesão única com sorologia não-reagente. O tratamento baseia-se no uso de sulfadiazina
(100mg/Kg/dia de 6/6 h) e pirimetamina (25 – 75 mg/dia) por 4 a 6 semanas. Este tratamento tem como principais
efeitos colaterais a mielotoxicidade e o rash cutâneo, sendo preconizado o uso concomitante de ácido folínico (10-
15 mg/dia). O principal diagnóstico diferencial é o linfoma. O uso concomitante do corticóide pode mascarar um
linfoma, tornando o teste terapêutico ineficaz (deve ser reservado para os pacientes com sinais de edema cerebral
importante ou de herniação).
A profilaxia é indicada para pacientes com sorologia positiva para T. gondii e contagem de CD4 menor que 100.
Utiliza-se o cotrimoxazol ou a associação sulfametoxazol, trimetoprim, dapsona e pirimetamina.
INFECÇÕES EM PRÓTESES E ÓRTESES NEUROLÓGICAS
A incidência de infecção relacionada a sistemas de derivação liqüórica varia de 2 a 33% para os sistemas de drena-
gem interna (dos quais os mais utilizados são a DVP e a DVA) e de 0 a 8% para os de drenagem externa (ventricu-
lostomia). As crianças abaixo de um ano de idade apresentam esta complicação com maior freqüência que as acima
desta faixa etária (respectivamente 13 e 8%).
A infecção do SNC associada à instalação dos sistemas valvulados de drenagem liqüórica surge a partir de
uma de três possíveis vias. Em primeiro lugar, respondendo por 70 % ou mais dos casos, temos a infecção
precoce, por definição iniciada dentro dos primeiros dois meses subseqüentes à instalação do sistema de
drenagem e decorrente da contaminação per-operatória do sistema, geralment e a partir da microbiota cutâ-
nea do próprio pacient e e tendo, pois, como agentes etiológicos principais o S. epidermidis e o S. aureus . As
duas outras possíveis vias patogênicas são a contaminação do sistema de drenagem liqüórica, a partir da
disseminação hematogênica de um foco infeccioso distante (respondendo por pequena porcentagem dos ca-
sos) e a da extremidade distal do sistema por bacilos Gram-negativos entéricos, enterococos ou anaeróbios,
decorrente, normalmente, da perfuração de vísceras ocas abdominais. Por decorrerem de contaminação do
sistema de drenagem ocorrida em momento posterior ao da instalação do mesmo, estas duas possíveis vais
patogênicas resultam em infecções ditas ta rdias, isto é , iniciadas após os dois meses iniciais que se sigam ao
procedimento cirúrgico.
Os achado clínicos mais importante são: (1) sinais sistêmicos de infecção, (2) sinais locais de infecção e (3) evidência
de funcionamento inadequado da derivação. A febre parece ser o sinal mais importante, estando presente em até
100% dos pacientes. Dor local ocorre em 40%.
No diagnóstico, as hemoculturas são especialmente importantes nas infecções das derivações ventrículo-atriais,
com sensibilidade de aproximadamente 90%. Nas infecções das derivações ventriculo-perioniais a sensibilidade
das hemoculturas cai para 20%. O padrão ouro no diagnóstico das infecções das derivações é a cultura do LCR
realizada a partir do LCR colhido diretamente do cateter de derivação.

A conduta terapêutica deve ser individualizada, lev ando-se em conta o estado do paciente, da família e a expe-
riência do cirurgião. Sempre que possível, a melhor conduta será o uso de antibiótico venoso juntamente com
a retirada imediata da derivação. A reposição da derivação deve ser a mais tardia possível. A reposição precoce
associa-se a uma inaceitável taxa de re-infeção. A seleção do antibiótico deverá ser feita com base no gram e
cultura, sempre com preferência do antibiótico que atinja níveis adequados no LCR. Como o estafilococo coa-
gulase negativo é o organismo mais prevalente nas infecções das derivações, a vancomicina deve ser a droga de
escolha inicial. Sua administração é por via parenteral, embora existam evidência s anedóticas que sugiram sua
utilização intraventricular.

159
BIBLIOGRAFIA:
 Adams e Victor: Principles of Neurology. McGrawHill. 2000 (7th edition);
 Rowland, Lewis P.: Textbook of Neurology. Willians and Wilkins. 1997 (9th edition);
 Youmans: Neurological Surgery. Saunders. 1996 (4 th edition).
 Osborn, Anne G.: Diagnóstico Neurorradiológico. Revinter.1999
 Melo-Souza, S. E.: Tratamento das Doenças Neurológicas.Guanabara-Koogan. 2000.
 Pfister HW, Feiden W, Einhäupl KM. Spectrum of complications during bacterial meningitis in adults. Results
of a prospective clinical study. Arch Neurol 1993; 50: 575-581
 Zunt JR, Marra CM. Cerebrospinal Fluid Testing for the Diagnosis of Central Nervous System Infection. Neu-
rologic Clinics 01-nov-1999;17(4): 675-89.
 Spach DA, Jackson LA, Bacterial Meningitis. Neurologic Clinics 01-nov-1999;17(4):711-736.
 Cruz J. Neurointensivismo.: editora Atheneu 2002;7(12)115-154.
 Marangone DV.: Doenças Infecciosas: conduta diagnóstica e terapêutica . 2 a ed. Guanabara-Koogan,1998;256-
294.

160
Capítulo 18

Morte Encefálica
OBJETIVOS
1. Revisar o conceito de morte encefálica.
2. Revisar os critérios diagnósticos para morte encefálica.
3. Revisar os aspectos éticos e legais da morte encefálica.
INTRODUÇÃO
A morte encefálica (ME) é uma situação que ocorre em pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva e o
médico intensivista é o primeiro a levantar a suspeita diagnóstica e conduzir os passos de forma sistemática para
que seja confirmado o diagnóstico. É importante o conhecimento dos aspectos legais da ME e o estabelecimento
de um protocolo de diagnóstico em cada serviço, em consenso com os especialistas envolvidos no atendimento do
paciente e da família no caso de haver doação de órgãos.
CONCEITO
A morte encefálica é definida como a parada total e irreversível das funções encefálicas de causa conhecida e consta-
tada de modo indiscutível. É fundamental que este diagnóstico possa ser reproduzido de forma idêntica em vários
pacientes por diferentes médicos e que tenha 100% de especificidade (ausência de falso diagnóstico de morte ence-
fálica).
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico de ME é estabelecido com base em critérios clínicos, porém sua confirmação exige realização de
exames complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias, princi-
palmente com fins legais nos casos de doação de órgãos.
Existem pré-requisitos obrigatórios e que devem ser definidos antes do exame clínico e dos exames complementa-
res:
1. Lesão Encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar o quadro: o diagnóstico inequívoco da lesão
sempre deve ser firmado. Este diagnóstico pode ser estabelecido por avaliação clínica, exames de neuroimagem e
outros métodos diagnósticos respeitadas suas limitações e margens de erro. A incerteza da presença e da causa da
lesão encefálica que leva a um quadro clínico compatível com ME impossibilita sua determinação.
2. Ausência de distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico ou endócrino grave como por exemplo hipernatremia ou alca-
lose metabólica. Enquanto persistirem estas situações. O diagnóstico de ME é impossível.
3. Ausência de intoxicação exógena: pode justificar no todo ou em parte o quadro neurológico impossibilita o diag-

nóstico de ME. O paciente não pode estar em uso de bloqueadores neuromusculares, barbitúricos e outras drogas
sedativas.
4. Ausência de hipotermia: a temperatura central deve ser mantida maior que 36,4o C para haver confirmação diag-
nóstica de ME.
Sendo identificadas e corrigidas as condições acima, o próximo passo é o exame clínico diagnóstico que deverá ser
feito por 2 médicos diferentes (um neurologista ou neurocirurgião e um intensivista), que não são integrantes das
equipes de remoção e transplante de órgãos. Os parâmetros clínicos para constatação da ME são coma profundo

161
irresponsível com ausência de reflexos de tronco cerebral e constatação da apnéia.
1. Coma profundo irresponsível: estado de inconsciência permanente, sem qualquer resposta motora à dor. O estímu-
lo doloroso deve ser aplicado na face interna dos 4 membros, mamilos e região supraorbitária bilateral. A presença
de atitude de decorticação ou descerebração exclui o diagnóstico de ME. Podem ser observados, espontaneamente
ou durante a estimulação, reflexos tendinosos profundos, cutâneo-abdominais, cutâneo-plantar em flexão ou exten-
são, cremastérico superficial ou profundo, ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos flexores de retirada de membros
inferiores e superiores, reflexo tônico cervical, sudorese, rubor, taquicardia. A presença destes sinais clínicos, signi-
ficam apenas a persistência de atividade a nível medular e não impede o diagnóstico de ME.
2. Ausência de reflexos de tronco cerebral:

2.1. avaliação
direto pupilar:deasforte
com lâmpada pupilas devem estar
intensidade. fixas, sempupilar
O tamanho resposta fotomotora
deve ouoconsensual
estar entre ao estímulo
tamanho médio (4 a 6 luminoso
mm) e o
dilatado (6 a 8 mm). A forma da pupila pode ser arredondada, ovalada ou irregular.
2.2. reflexo córneo-palpebral: resalizado com estímulo direto da córnea, próximo à esclera, por um instrumento de-
licado e fino, sem que se desencadeie o reflexo do piscamento. Ausência de alteração da expressão facial ao estímulo
doloroso no leito ungueal, região infraorbitária e côndilos da articulação temporomandibular.
2.3. teste óculo-cefálico: realizado através da movimentação rápida e vigorosa no sentido horizontal e vertical, com
observação da ausência de movimentos oculares. Este teste está contra-indicado nos pacientes com suspeita ou
existência de lesão cervical. A flexão brusca do pescoço pode produzir reflexos espinhais e alterações hemodinâmi-
cas que não são consideradas resposta ao teste.
2.4. teste óculo-vestibular: certifica-se que não há obstrução do canal auditivo por cerúmen ou qualquer outra con-
dição que dificulte ou impeça a correta realização do exame. A cabeceira do leito deve estar a 30o. O teste é realizado
com a infusão de 50 ml de água gelada no conduto auditivo externo. Deve-se observar por um minuto a ausência
de movimentos oculares, os quais normalmente se caracterizam por um desvio tônico dos olhos na direção do es-
tímulo calórico. Este reflexo pode estar diminuído ou abolido por drogas como aminoglicosídeos, antidepressivos
tricíclicos, anticolinérgicos, drogas anticonvulsivantes e quimioterápicos.
2.5. reflexo traqueal: ausência de resposta (náusea ou vômito) ao estímulo direto da faringe posterior com o abai-
xador de língua e ausência de resposta (tosse, bradicardia, ou movimentos torácicos) à aspiração da cânula orotra-
queal.
3.Constatação da apnéia: a presença da apnéia é definida pela ausência de movimentos respiratórios espontâneos
e após a estimulação máxima do centro respiratório por uma PaCO2 igual ou maior que 55 mmHg. Ela é definida
pelo teste da apnéia. Para sua realização a temperatura do paciente deve ser igual ou maior que 36,5o C, a pres-
são arterial sistólica deve ser maior que 90 mmHg (com ou sem uso de drogas vasoativas), correção do diabetes
insípidus, com uso de vasopressina e infusão de solução salina, PaO2 e PaCO2 normais. Observando as condições
citadas, colhe-se uma gasometria arterial, instala-se oxímetro de pulso e retira-se o paciente da ventilação mecâni-
ca, mantendo-se um cateter de O2 no interior da cânula com fluxo contínuo de 6 litros/minuto. O paciente deverá
permanecer assim por 10 minutos consecutivos, com observação rigorosa a beira do leito quanto a presença de
movimentos respiratórios. Decorridos os 10 minutos, colhe-se outra gasometria arterial e conecta-se novamente o
paciente ao ventilador. O teste será positivo se a PaCO2, ao final do exame, for igual ou superior a 55 mmHg. O teste
é dito negativo se houver movimento respiratório durante sua realização e é inconclusivo se não houver movimento
respiratório durante a realização do exame, mas também não forem atingidos os níveis esperados de PaCO 2. Se
o paciente apresentar instabilidade hemodinâmica ou dessaturação, com hipoxemia e arritmia secundária o teste
deve ser interrompido, deve-se colher uma nova gasometria arterial e reinstituir a ventilação mecânica. Se o nível
de PaCO2 for maior ou igual a 55 mmHg, o teste é dito positivo, mesmo com sua interrupção. Caso contrário, o
teste é inconclusivo.
Se este primeiro exame clínico for compatível com o diagnóstico de ME, ele deverá ser repetido no tempo mínimo

162
de 6 horas (não é necessário repetir o teste de apnéia). Em caso de pacientes pediátricos, o intervalo de tempo é
diferente conforme descrito abaixo:
• pacientes com idade entre 7 dias e 2 meses incompletos – 48 horas,

• pacientes entre dois meses e 1 ano incompleto – 24 horas,

• pacientes entre 1 ano e 2 anos incompletos – 12 horas.

O diagnóstico de ME é firmado essencialmente nos achados do exame clínico e do teste de apnéia. Exames com-
plementares não são obrigatórios para o diagnóstico contudo podem ser necessários em algumas situações que não
permitem a realização de parte ou todo o exame clínico neurológico: trauma facial grave, anormalidades oftalmo-
lógicas que impossibilitam testar os reflexos fotomotor e motilidade ocular externa, presença de níveis tóxicos de se-
dativos, aminoglicosídeos, antidepressivos tricíclicos, anticolinérgicos, agentes quimioterápicos e bloqueadores neu-
romusculares, paciente portador de apnéia do sono ou doneça pulmonar obstrutiva crônica com retenção de CO2.
Existem outras situações clínicas nas quais a realização de testes complementares está indicada porque a condição
clínica do pacientes não permite a adequada realização dos exames clínicos diagnósticos. Na suspeita de doença
neuromuscular (neuropatia, miopatia, bloqueio neuromuscular por droga ou autoimune, polirradiculoneurite in-
flamatória aguda/crônica) devem-se realizar exames laboratoriais apropriados ( por exemplo eletroneuromiografia,
teste de estimulação repetitiva, biópsia muscular com exame histoquímico, exame do líquido cefalorraquidiano),
pois estas condições podem interferir na interpretação da avaliação dos reflexos do tronco cerebral e do teste de
apnéia. Sua presença exclui o diagnóstico de ME independente da causa básica do coma.
Em caso de doação de órgãos, a realização de um exame complementar que demonstre, inequivocamente, a ausência
de circulação sanguínea intracraniana ou atividade elétrica cerebral ou atividade metabólica cerebral, é obrigatória.
Conforme a faixa etária, também há variação do exame complementar indicado e o intervalo de tempo em que deve
ser realizado:
• pacientes com idade entre 7 dias e 2 meses incompletos: dois eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas.
• pacientes entre 2 meses e 1 ano incompleto: dois eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas.
•pacientes entre 1 ano e 2 anos incompletos: o tipo de exame é facultativo. No caso do eletroencefalograma são
necessários 2 registros com intervalo de 12 horas.
• pacientes com 2 anos ou mais: 1 exame complementar dos abaixo relacionados:
- avaliação da circulação sanguínea cerebral: arteriografia cerebral, cintilografia radioisotópica, doppler transcra-
niano, tomografia computadorizada com xenônio, monitorização de pressão intracraniana, SPECT.
- avaliação da atividade elétrica cerebral: eletroencefalograma.
- Avaliação da atividade metabólica cerebral: extração cerebral de oxigênio, PET.
A arteriografia cerebral demonstra a ausência de fluxo de contraste acima do sifão carotídeo ou até o polígono de
Willis por 30 segundos ou mais após injeção de contraste no arco aórtico e/ou cateterização seletiva das artérias
carótidas e vertebrais. O constraste iodado é injetado sob alta pressão após cateterização seletiva. A circulação da
carótida externa é visualizada e eventualmente observa-se o enchimento tardio do seio sagital superior.
A monitorização de pressão intracraniana através de cateter intraventricular ou fibra óptica no parênquima cerebral,
mostra que a mesma praticamente é igual ou superior a PAM caracterizando pressão de perfusão cerebral (PAM
menos PIC) de zero.
A cintilografia radioisotópica é realizada com a injeção rápida de albumina marcada por radioisótopo (tecnécio)
seguida da captação de imagens através de gama câmara. A atividade cerebral é ausente em casos de ME. O enchi-
mento dos seios sagital e transverso pode ocorrer pelas conexões entre circulação extracraniana e o sistema venoso

163
cerebral. Tem a desvantagem de não avaliar o sistema vertebrobasilar.
O Doppler Transcranianopode ser realizado a beira de leito, com Doppler pulsátil de 2 MHz onde realiza-se a in-
sonação de 2 artérias intracranianas – cerebral média através da janela temporal e vertebral ou basilar através da
janela suboccipital ou senão cerebral média e oftálmica através da janela transorbitária. Os sinais descritos em caso
de ME são o padrão de ausência de fluxo diastólico ou reverberação ( há fluxo somente durante a sístole ou senão
fluxo retrógrado durante a diástole) e padrão de picos sistólicos breves. Ë um exame complementar que tem 91,3%
de sensibilidade e 100% de especificidade e se não houver captação de sinal durante o exame , ele não confirma nem
afasta o diagnóstico pois em até 20% dos doentes não é possível insonação dos vasos pela janela temporal.
O eletroencefalograma é realizado com 10 ou mais pares de eletrodos , duração mínima de 30 minutos e interpre-
tado por neurofisiologista experiente. Mostra silêncio eletrocerebral (ausência de atividade elétrica cerebral) que
corrobora o diagnóstico de ME. Durante o registro, a temperatura corporal deverá ser igual ou superior a 29 o C e
a pressão arterial sistólica deve ser igual ou superior a 80 mmHg.
A extração cerebral de oxigênioé deter minada através da monitorização de oximetria de bulbo jugular. Consiste na
diferença entre a saturação arterial de oxigênio e saturação venosa do bulbo jugular – valor normal entre 24 e 42%.
A extração cerebral abaixo de 10% sugere morte cerebral.
A tomografia por emissão de pósitrons (PET) fornece informações sobre reações químicas cerebrais de forma dinâ-
mica. Está com uso limitado pelo custo dos radiofármacos usados e equipamento.
Baseado em todas as informações citadas, o Conselho Federal de Medicina, através da resolução número 1480 de
08 de agosto de 1997, estabeleceu um documento oficial denominado Termo de Declaração de Morte Encefálica.
Este documento define oficialmente o diagnóstico de ME de maneira uniforme.
Este termo, devidamente preenchido e assinado, e os exames complementares utilizados para o diagnóstico da
morte encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente.

Constatada
nicar tal fatoe aos
documentada a ME,
responsáveis legaisdeverá o Diretor
do paciente, Clínico da
se houver, e àinstituição
Central dehospitalar,
Notificação,ouCaptação
quem for edelegado, comu-
Distribuição de
Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava internado (Lei 9.434/97, Art 13).
As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conse-
lhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens.
O atestado de óbito deve ser assinado pelo médico da UTI que tiver completado os testes diagnósticos, com a data da
Declaração da Morte Encefálica. Os pacientes com morte de causa violenta deverão ter seu óbito notificado ao IML.
Após diagnóstico confirmado da ME e da notificação à Central de Transplantes, se faz necessário a abordagem da
família em relação à doação de órgãos. A família pode questionar o diagnóstico e exigir a avaliação de um médico
de sua confiança que também deve ter acesso ao exame clínico e exames complementares realizados.
Se, em qualquer documento do paciente, por qualquer motivo, houver a inscrição de “não doador”, de nada adian-
tará autorização da família. É proibido por lei o uso de órgãos para fins de transplante.
Se a família autorizar a doação, a Central de Transplantes se encarrega de transferir o paciente para um serviço
adequado, onde serão retirados os órgãos e procedidos os transplantes.
A manutenção dos doadores de órgãos requer monitorização rigorosa com os objetivos de:
1. Manter a pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg.
2. Manter a temperatura central acima de 36,4o C.
3. Manter fluxo urinário maior que 1 ml/Kg/hora.

164
4. Ajustar distúrbios ácido-básicos, hidroeletrolíticos, anemia e glicemia.
5. Em caso de gestantes, as medidas de suporte vital deverão ser mantidas até a retirada do feto, desde que tenha
idade superior a 26 semanas e seja viável.
Se a família não autorizar doação, pode-se suspender os meios artificiais de manutenção da vida? Nossa legislação
só reconhece a morte quando há parada cardíaca. Por isso, só há autorização expressa para desligar o respirador
em casos de ME com o objetivo de doação de órgãos.
PONTOS-CHAVE
1. Morte Encefálica caracteriza-se pela perda total e irreversível das funções encefálicas constatada de forma ine-
quívoca.
2. O diagnóstico envolve 3 passos: identificação da causa do coma, exame clínico e exames complementares.
3. O preenchimento do Termo de Declaração de Morte Encefálica, adaptado para cada serviço, se faz necesário.
4. A notificação da morte encefálica a central de transplantes é obrigatória.
5. Em caso de doação de órgãos, a manutenção do suporte avançado de vida é fundamental.

TERMO DE DECLARAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA


(Res CFM No 1.480 de 08 de agosto de 1997)
Nome:_______________________________________________________________________
Pai:__________________________________; Mãe: __________ _ _ _ _ _ ______________
Idade: ___________ anos ___________ meses ________ dias
Data de nascimento: ________________; Sexo: M _____F _____ Raça: _______________
Registro Hospitalar: ____________
A. Causa do Coma
A.1 – Causa do coma: ______________________________
A.2 – Causas do coma que devem ser excluídas durante o exame:
a) Hipotermia: ( ) Sim ( ) Não
b) Uso de drogas depressoras do sistema nervoso central: ( ) Sim ( ) Não
Se a resposta for sim a qualquer um dos itens, interrompe-se o protocolo.
B - Exame Neurológico – Atenção: Verificar o intervalo mínimo exigível entre as avaliações clínicas, constantes da
tabela a seguir:

Idade Intervalo
7 dias a 2 meses incompletos 48 horas
2 meses a 1 ano incompleto 24 horas
1 ano a 2 anos incompletos 12 horas
Acimade2anos 6horas
(Ao efetuar o exame, assinalar uma das opções SIM/NÃO, obrigatoriamente, para todos os itens a seguir)

165
Elementos do Exame Neurológico:

Resultados PrimeiroExame SegundoExame


Comaaperceptivo ()Sim ()Não ()Sim ()Não
Pupilasfixasearreativas ( )Sim ( )Não ( )Sim ( )Não
Ausência de refl. Córneo-palpebral ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Ausênciaderefl.Oculocefálicos ( )Sim ( )Não ( )Sim ( )Não
Ausência de respostas às provas calóricas ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Ausênciaderefl.detosse ( )Sim( )Não ( )Sim( )Não
Apnéia Sim
)( Não
)( Sim
)( Não
)(
C – Assinaturas dos Exames Clínicos – os exames devem ser realizados por profissionais diferentes, que não poderão
ser integrantes de equipe de remoção ou transplante.
1 – Primeiro Exame 2. Segundo Exame
Data: __/__/__ Hora:__:__ Data:__/__/__ Hora:__:__
Nome do Médico: _________________ Nome do Médico: _______________
CRM:_________ Fone:_____________ CRM:__________Fone:___________
End:____________________________ End:___________________________
Assinatura:_______________________ Assinatura:______________________
D - Exame Complementar: indicar o exame realizado e anexar laudo com identificação do médico responsável.
1. Angiografia Cerebral 2. Cintilografia Radioi- 3. Doppler Transcra- 4. Monitoração de 5. Tomografia com
sotópica niano pressão intracraniana Xenônio
6. Tomografia por 7.EEG 8.Tomografiapor 9. Extração cerebral de 10. Outros (citar)

Emissão Fóton Único emissão de pósitrons oxigênio

166
Doenças neuro musculares Síndrome de guillain-barré (SGB)
INTRODUÇÃO
A SGB é a causa mais comum de paralisia flácida de instalação aguda em pacientes sadios. Devido ao grande
potencial de evolução para insuficiência respiratória e grave disautonomia, todo paciente com SGB deve ser
encarado como candidato a internação em UTI.
Sua incidência varia de 0,6 a 1,9 caso por 100.000 habitantes/ano, ocorrendo em todas as idades, com picos de
incidência no adulto jovem e entre a 5 a e 7a décadas. Observa-se discreto predomínio nos homens em relação
às mulheres e em brancos em relação aos negros.
ACHADOS CLÍNICOS
Trata-se de um grupo de neuropatias imunomediadas, que possuem em comum um início agudo e progressão
rápida para fraqueza e défi cit sensorial. Todas as formas desta síndrome são monofás icas, com rápida pro gres-
são de fraqueza que pode se iniciar pelas pernas, braços, ou em ambos simultaneamente. Parestesias e/ou lom-
balgias podem preceder ou acompanhar a fraqueza. A progressão da fraqueza ocorre por dias a semanas. A
maioria chega ao seu pior momento em até quatro semanas. Os músculos respiratórios podem ser acometidos
e 30% dos pacientes necessitam de ventilação mecânica. Aproximadamente 50% apresentam fraqueza facial e
10% fraqueza nos músculos extra-oculares. No exame físico destaca-se a fraqueza proximal e distal, além da
diminuição ou ausência dos reflexos profundos. As alterações sensitivas distais são discretas, não sendo obser-
vada alteração sensitiva significativa.
O líquido cefalorraquiano normalmente apresenta elevação protéica, com celularidade normal, melhor obser-

vada após
afastar a primeira
infecção semana,
pelo HIV, com pico
sarcoidose entre 4de
e doença e 6Lyme.
semanas. Caso ocorra aumento da celularidade, devemos

A avaliação eletro diagnóstica por eletroneuromiografia (ENMG) é importante para determinar se o processo
patológico é primariamente axonal ou desmielinizante, auxiliando não apenas no diagnóstico, mas também
no prognóstico, uma vez que a apresentação axonal está associada a um prognóstico pior. A ENMG pode ser
normal nos primeiros dias, embora seja mais sensível que o exame de LCR e apresente alterações mais preco-
cemente.
Na avaliação laboratorial, as únicas anormalidades observadas são uma discreta elevação do VHS e, ocasio-
nalmente, hiponatremia e elevação das enzimas hepáticas.
ETIOLOGIA
Não há fator familiar ou ocupacional reconhecido. Em geral, 60 a 70% dos pacientes relatam antecedente de
doença infecciosa ou vacinação 1 a 3 semanas antes do início do quadro clínico. Vários vírus estão relaciona-
dos a SGB, incluindo o citomegalovírus e o Epstein-Barr. A enterite pelo Campylobacter jejuni é a condição

mais comum,
recente presenterenal.
e transplante em até 30% dos pacientes com SGB. Outros antecedentes incluem vacinação, cirurgia

167
Tabela 1: Diagnóstico diferencial

 Miastenia Gravis  Mielopatia aguda


 Porfiria aguda intermitente  Difteria
 Poliomielite  Polimiosite
 Paralisia periódica  Botulismo
 Intoxicação por solventes  Plumbismo
hexacarbonados  Neuropatia alcoólica
 Neuropatia por nitrofurantoína  SIDA
 Polineuropatia do doente crítico  Paralisia histérica
 Doença de Lyme  Envenenamento por mariscos
 Paralisia associada ao carrapato
Tabela 2: Critérios diagnósticos (adaptado de Asbury e Cornblath)

1. Características imprescindíveis ao diagnóstico


a. Fraqueza muscular progressiva em dois membros ou mais.
b. Arreflexia ou hiporreflexia
2. Características fortemente sugestivas
a. Alterações clínicas
 Fraqueza muscular progressiva com pico máximo até quatro semanas
 Sinais ou sintomas sensitivos
 Envolvimento de nervos cranianos
 A recuperação normalmente inicia-se duas a quatro semanas após a piora máxima
 Disfunção autonômica

 Ausência de febre no início do quadro


b. Líquido cefalorraquiano (LCR)
 Proteína elevada com mínima quantidade de pleocitose ou mesmo sua ausência (dissociação pro-
teinocitológica) observada após a primeira semana. Os linfócitos devem estar abaixo de 10 céls/mm3.
c. Eletroneuromiografia
 Pelo menos três dos seguintes critérios
1. Redução da velocidade de condução nervosa em dois ou mais nervos motores
2. Bloqueio de condução ou dispersão temporal anormal em um ou mais nervos motores
3. Latências distais prolongadas em dois ou mais nervos
4. Ausência ou prolongamento da latência mínima das ondas F
3. Achados que reduzem a possibilidade diagnóstica
a. Assimetria marcante
b. Início com disfunção esfincteriana
c. LCR com celularidade maior que 50 mononucleares/mm3 e/ou presença de polimorfonucleares
d. Nível sensitivo bem demarcado
4. Achados que excluem o diagnóstico
a. Ocorrência de síndrome sensitiva pura
b. Diagnóstico de outra etiologia que justifique o quadro clínico atual
CONDUTA CLÍNICA
Quatro questões são fundamentais no acompanhamento destes pacientes:
1) Quando internar na UTI?

168
 Ao se observar rápida piora evolutiva, com o paciente não conseguindo deambular sem apoio nas primeiras
duas semanas.
 Quando se observam sinais clínicos de fadiga respiratória (taquipnéia, respiração paradoxal, uso de musculatura
respiratória acessória).
 Diante de incapacidade de contar até 20 após uma única inspiração.
 Quando ocorrer paralisia facial bilateral.
 Acúmulo de secreções, tosse ineficaz, aspiração brônquica ou dificuldade na deglutição.
 Presença de disautonomia evidente.
 Queda nítida na capacidade vital (nos pacientes monitorados na enfermaria) ou quando a capacidade vital
deteriora para níveis próximos de 20 ml/kg.
2) Quando intubar o paciente?
 Diante de capacidade vital < 10 ml/Kg; força inspiratória < -20 cm H2O e força expiratória < 30 cm H2O (regra
10-20-30).
 Necessidade de grandes doses de narcóticos para o controle da dor.
 Dificuldade marcante de eliminar secreções das vias aéreas.
 Como a hipercapnia e a hipóxia ocorrem apenas tardiamente na falência respiratória na SGB, a análise gasomé-
trica não deve ser decisiva na indicação da intubação.
3) Quando indicar terapia específica?
 Indicada apenas nas duas primeiras semanas.
 Apenas naqueles pacientes que não conseguem deambular sem apoio por 10 metros.
4) Como prescrever a terapia específica
 Plasmaferese (albumina a 5% como líquido de reposição) no volume de 200 a 250 ml/kg, divididos em cinco a
sete sessões em dias alternados. Esta terapia está contra-indicada nos pacientes com grave disautonomia ou IAM nos
últimos 6 meses. Os efeitos colaterais mais comuns são as reações febris (18%) e a hipovolemia (11,9%). As reações
alérgicas foram menos freqüentes após a substituição do plasma pela solução de albumina a 5% como líquido de
reposição.
 Imunoglobulina humana na dose de 0,4 g/kg/dia por cinco dias consecutivos. É no mínimo tão eficaz quanto a
plasmaferese. Deve ser preferida nos pacientes idosos e nas crianças, uma vez que não reduz o volume de sangue
e não necessita de acesso venoso profundo. Suas contra-indicações são insuficiência cardíaca grave e insuficiência
renal, uma vez que expande o compartimento intravascular devido ao seu elevado poder osmótico. Nos casos de
reconhecida deficiência de imunoglobulina A também se contra-indica, uma vez que favorece o risco de reação
alérgica grave. Os efeitos colaterais mais comuns são cefaléia, febre e mialgias, que normalmente melhoram com a
redução na velocidade de infusão e/ou com a administração de paracetamol. Deve-se observar um bom estado de
hidratação, devido ao potencial de tromboembolismo, associado ao aumento da viscosidade plasmática ocasiona-
do pela imunoglobulina.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:
 Os corticosteróides não têm indicação nesta síndrome.
 A traqueostomia deve ser postergada para pelo menos 2 semanas. Espera-se o efeito da terapia específica, o que

169
poderá levar à retirada da ventilação mecânica.
 A fisioterapia motora e respiratória é fundamental para diminuir as complicações na fase aguda.
PROGNÓSTICO
A maioria dos pacientes apresenta boa recuperação em poucos meses, mas alguns só alcançam uma melhora está-
vel em 1,5 a 2 anos. Os fatores associados a um prognóstico pior são: (1) idade > 60 anos; (2) evolução rápida; (3)
ENMG com amplitude motora distal < 20% do normal.
A mortalidade geral está em torno de 5%, podendo chegar a 15-30% nos pacientes que necessitem de ventilação
mecânica. As causas de óbito mais comuns são a disautonomia, sepsis, SARA e embolia pulmonar.

Seqüelas graves são observadas em 10% dos pacientes, mas a maioria (até 80%) recobra totalmente a normalidade.
MIASTENIA GRAVIS
INTRODUÇÃO
A miastenia gravis (MG) é uma doença neuromuscular crônica, comum, de srcem auto-imune, que leva a um grau
variado de fraqueza músculo-esquelética. Pode ocorrer em qualquer idade, com incidência de 5 a 10/100.000 habi-
tantes, mais freqüente nas mulheres com menos de 40 anos (2:1) e homens com mais de 60 anos.
QUADRO CLÍNICO
Fraqueza muscular flutuante que ocorre aos esforços, regride durante o repouso e é quase totalmente corrigida
pelas drogas anticolinesterásicas. Predomina nas musculaturas ocular extrínseca, da deglutição, da mastigação, na
musculatura proximal dos membros e na musculatura respiratória. Disfonia, disfagia e disartria geralmente antece-
dem de 4 a 7 dias o acometimento da musculatura respiratória.
Os pacientes podem apresentar diferentes formas clínicas em diferentes momentos na evolução. Classicamente uti-
lizamos a escala de Osserman para a melhor caracterização clínica do paciente (tabela 3)
Tabela 3 – Escala de Osserman

1 – Acometimento ocular exclusivo


2 – Miastenia gravis generalizada
a) acometimento leve
b) acometimento moderado
3 – Inicio fulminante com manifestação bulbar severa
4 – Miastenia gravis severa tardia (após 2 anos de evolução)

Nas unidades de terapia intensiva (UTIs) teremos contato com a crise miastênica, crise colinérgica e com o pós-
operatório de timectomia.
CRISE MIASTÊNICA é a complicação mais grave, ocorrendo em até 15 % dos pacientes. Caracteriza-se por fra-
queza de progressão rápida e insuficiência respiratória. Os fatores desencadeantes da crise miastênica são infecção
respiratória, procedimentos cirúrgicos, parto, uso recente de certos medicamentos (tabela 2) e introdução ou reti-
rada de corticosteróide,

170
Tabela 2 – medicamentos com potencial de agravar a miastenia gravis

Antibióticos Agentespsicotrópicos
• Clindamicina • Clorpromazine
• Kanamicina • Fenelzine
• Neomicina • Lítio
• Estreptomicina • Diazepam
• Tobramicina Hormônios
• Tetraciclina • ACTH
• Gentamicina • Corticosteróides
• Polimixina B • Hormônios tireoidianos
• Trimetoprim-sulfametoxazol • Contraceptivos orais
Agentes cardiovasculares Outros
• Quinidina • Penicilamina
• Propranolol • Cloroquina
• Procainamida • Curares
• Lidocaína • Fenitoína
• Verapamil • Trimetadiona
• Nifedipina • Carbamazepina
• Diltiazem
A CRISE COLINÉRGICA tem seu diagnóstico suspeitado quando a fraqueza muscular estiver associada a au-
mento de secreções, diarréia, sudorese, bradicardia, fasciculações e melhora com a descontinuação da medicação
anticolinesterásica. O exame das pupilas é de grande auxílio na suspeita diagnóstica, uma vez que estão com diâ-
metro muito diminuído na crise colinérgica.
DIAGNÓSTICO

O diagnósticodiagnóstica,
confirmação de MG é clínico, confirmado
com boa acurácia.por exames complementares. Os exames descritos a seguir são úteis na
TESTE DO EDROFÔNIO
A capacidade vital, força inspiratória, força expiratória, assim como a diplopia e ptose devem ser observadas antes
e após a aplicação do edrofônio.
Dilui-se o edrofônio (tensilon ampolas de 1 ml /10 mg) numa concentração de 10mg/10ml. Administra-se 2 ml da
solução IV. Se não houver reação alguma após 1 minuto, administra-se o restante. Considera-se o teste positivo caso
haja melhora objetiva dos parâmetros analisados previamente.
Caso ocorra cólica abdominal, broncoespasmo, vômito ou bradicardia, administra-se 0,5 mg de atropina IV.
Uma alternativa mais disponível que drof
o e ônio é a prostigmina (neostigmina
 ampolas 1 mg/ml). Utiliza-se a dose de 2 mg
IM. Seu efeito máximo leva 30 minutos paratornar
se evidente, permanecendo por 1 hora.
ELETRONEUROMIOGRAFIA
O paciente deve estar 12 horas sem medicação. O teste de estimulação repetitiva com baixa freqüência (de 3 a 5 Hz)
é o mais utilizado. Nos pacientes com MG ocorre diminuição progressiva acima de 10% no potencial de ação mus-
cular. Este decréscimo ocorre em 75% dos pacientes e não é exclusivo. Um estudo eletroneuromiográfico completo
deve ser sempre feito para excluir outros diagnósticos.
PESQUISA DE ANTICORPOS ANTI-RECEPTORES DA ACETILCOLINA
Presentes em 86% dos pacientes com MG generalizada, a detecção de anticorpos anti-receptores da acetilcolina é

171
útil na investigação diagnóstica, quando positiva.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

 Intoxicação por organofosforado  Miopatia mitocondrial


 Síndrome de Lambert-Eaton  Doença do neurônio motor
 Síndrome de Guillain-Barré  Difteria
 Botulismo  Doença de Graves
 Paralisia do carrapato  AVE de tronco
 Polimiosite  Esclerose múltipla
 Miopatia do doente crítico

TRATAMENTO
Inicialmente devemos procurar identificar fatores desencadeantes, presentes em 70% dos pacientes. Uma vez identi-
ficados, retirar ou tratar tal desencadeante (p.ex. tratamento de infecção, afastamento da droga precipitante,...).
Atenção especial deve ser dispensada para a ventilação (tabela 1). A instalação de ventilação artificial deve ser pre-
ferencialmente eletiva, poupando o paciente do risco desnecessário da intubação emergencial. Como critérios para
a instalação de ventilação artificial consideramos a presença de capacidade vital < 10 ml/Kg; força inspiratória <
-20 cm H2O e força expiratória < 30 cm H 2O. Como mais de 50% dos pacientes estarão extubados nos próximos 13
dias, devemos postergar a traqueostomia sempre que possível. Outro cuidado especial que devemos tomar é com
respeito à broncoaspiração; dieta oral deve ser suspensa sempre que houver tosse ou qualquer dificuldade na deglu-
tição. A fisioterapia respiratória deve ser intensificada.
Tabela 1. Função respiratória nos pacientes com Crise Miastênica

Teste Normal Critériodeintubação Critériodedesmame Critériodeextubação


Capacidadevital >60ml/kg ≥10ml/kg ≥10ml/kg ~25ml/kg

Pressão inspiratória
negativa >70 cm H2O <20cmH 2
O ≥20cmH 2
O ~40cmH 2
O
Pressão expiratória >100 cm H2O <30cmH 2O ≥40cmH 2O ~50cmH 2 O
positiva
TERAPIA FARMACOLÓGICA
Como regra geral, recomenda-se a suspensão das drogas anticolinesterásicas nos pacientes em ventilação mecânica.
Deve-se reintroduzi-las no dia anterior ao previsto para a extubação.
PLASMAFERESE
A maioria dos serviços utiliza a plasmaferese como conduta terapêutica de primeira escolha na crise miastênica e
no pré-operatório de timectomia. Parece que a plasmaferese tem efeito favorável quando comparada com a imuno-
globulina humana, com respeito à extubação precoce e a capacidade funcional após um mês.
O esquema mais utilizado é a troca de 2 a 3 L de plasma por sessão, 2 a 3 vezes por semana por duas semanas ou
até a melhora dos sintomas. A melhora geralmente ocorre após a terceira sessão, durando poucas semanas.
IMUNOGLOBULINA
É uma boa alternativa, com menor taxa de complicações quando comparada à plasmaferese. Utiliza-se imunoglo-
bulina humana hiperimune (frascos de 6 g/250 ml). Dose de 0,4 g/Kg/dia IV por 5 dias. A velocidade de infusão não
deve ultrapassar 200 ml/h.
CORTICOSTERÓIDES
O corticosteróide mais utilizado é a prednisona na dose de 1 mg/Kg/dia, pela manhã. Seu efeito benéfico pode levar

172
semanas para aparecer e em até 30% dos pacientes ocorrerá piora transitória dos sintomas. Na crise miastênica,
utilizamos apenas quando não houver melhora após 5 dias da plasmaferese. Nos pacientes que já estiverem em uso
de corticosteróide devemos manter a medicação.
PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO DE TIMECTOMIA
Nos pacientes selecionados para timectomia é desejável uma prova de função respiratória com administração de
neostigmina 2 mg IM. Nos pacientes com resultado normal, o pós-operatório costuma ser sem complicações, com
extubação precoce. Nos pacientes com resultados limítrofes ou ruins, recomenda-se plasmaferese nos 5 dias que
antecedem a cirurgia.
Os anticolinesterásicos devem ser suspensos na manhã da cirurgia. Nos pacientes em uso de corticóide, proteção
0
contra o stress cirúrgico deve ser feita com 125 mg de hidrocortisona IV a cada 8 horas e mantida até o 3 dia do
pós-operatório.
A analgesia adequada é fundamental no pós-operatório de esternotomia, diminuindo a incidência de complicações
respiratórias. Devemos também ter atenção dobrada com respeito às medicações que tenham potencial de piorar
a miastenia.
PROGNÓSTICO
Até 20% dos pacientes evoluem com melhora, mesmo sem tratamento específico. Esta melhora espontânea é mais
comum na fase inicial da doença. Com tratamento específico a maioria dos pacientes tem uma vida normal ou
quase normal.
POLINEUROPATIA DO DOENTE CRÍTICO
ACHADOS CLÍNICOS
Trata-se de uma polineuropatia que ocorre em pacientes com sepse e falência orgânica múltipla. É uma polineuro-
patia sensitivo-motora, que se caracteriza por fraqueza motora de predomínio distal, com atrofia, déficit sensitivo,
diminuição ou ausência de reflexos profundos, sem acometimento dos nervos cranianos. É uma complicação auto-
limitada do doente crítico. Clinicamente, esta condição se manifesta por atrofia muscular e dificuldade na retirada
da prótese respiratória. A maioria dos pacientes é idoso, séptico e está em prótese respiratória por tempo prolonga-
do. Acredita-se que mais de 70% dos pacientes sépticos em uma unidade de terapia intensiva irão desenvolver algum
elemento da polineuropatia do doente crítico.
ETIOLOGIA
Fatores nutricionais, metabólicos, tóxicos, ou vasculares foram sugeridos como prováveis etiologias, mas não se
conseguiu até o momento a comprovação de nenhum deles. Nem o mecanismo nem a causa são completamente
conhecidos.
DIAGNÓSTICO
 É um diagnóstico de exclusão.

Quadro
sepse clínico
e falência sugestivo
orgânica – dificuldade na retirada prótese respiratória e/ou atrofia muscular em pacientes com
múltipla.
 Não há acometimento dos músculos faciais ou elevação das enzimas musculares.
 Eletroneuromiografia (ENMG) – padrão de lesão axonal aguda nos nervos periféricos. As anormalidades típicas
são encontradas precocemente e incluem a presença de potencias de fibrilação e ondas agudas positivas; redução do
potencial de ação muscular composto. Não se encontra lentificação da velocidade de condução nervosa, prolonga-
mento da latência distal, bloqueio muscular e aumento da latência da onda F.

173
 LCR – sem anormalidades. Alguns autores relatam discreta elevação protéica.
 Biópsia de nervo – degeneração axonal sem evidência de infiltrado inflamatório.
 Biópsia de músculo – atrofia consistente com denervação.
Tabela 1. Causas de fraqueza muscular em pacientes criticamente enfermos

Causasneuropáticas Distúrbiodajunçãoneuromuscular
 Polineuropatia do doente crítico
 Porfiria  Bloqueio neuromuscular persistente
 Síndrome de Guillain Barré  Exacerbação da Miastenia Gravis
 Mielopatia hipóxica

Causas
miopáticas Outros
 Miopatia do doente crítico  Pólio
 Atrofia muscular induzida pela ventilação mecânica  Botulismo
 Miopatia catabólica devido a proteólise muscular  Intoxicação pelo chumbo
 Miosite devido a necrose paraventricular  “Overdose” de fosfato orgânico
 Miosite devido a abscesso piogênico

Adaptado de Anzueto A. Muscle Dysfunction in the Intensive Care Unit. Clinics in Chest Medicine.
CONDUTA CLÍNICA
Não há tratamento específico. O foco deve ser direcionado para a doença de base. A neuropatia melhora à medida
que a doença de base é corrigida. Raramente ocorrem seqüelas.
MIOPATIA DO PACIENTE CRÍTICO
ACHADOS CLÍNICOS
Suspeita-se deste diagnóstico nos pacientes em uso de bloqueador neuromuscular e que permanecem astênicos após
sua suspensão. Ocorre principalmente em pacientes asmáticos, sob ventilação mecânica. Não ocorre alteração da
sensibilidade. Em 80% observa-se elevação das enzimas musculares.
ETIOLOGIA
Assim como na polineuropatia do doente crítico, a etiologia permanece desconhecida.
DIAGNÓSTICO
 Fraqueza muscular universal em pacientes que tenham utilizado corticosteróide e/ou bloqueador neuro-mus-
cular.
 Não há anormalidades sensitivas.
 Enzimas musculares encontram-se elevadas.

 ENMG – velocidade de condução normal com amplitudes motoras baixas (padrão miopático).
 Biópsia muscular – perda difusa de filamentos espessos (miosina), caracterizando a miopatia de filamentos es-
pessos; ou mionecrose, caracterizando a miopatia necrotizante.
 Veja tabela 2 para o diagnóstico diferencial entre miopatia e polineuropatia do doente crítico.

174
Tabela 2. Miopatiaversus Neuropatia do Doente Crítico

MIOPATIA NEUROPATIA
 Massa muscular preservada  Atrofia muscular
 Reflexos tendinosos preservados  Hiporreflexia profunda
 Flacidez  Flacidez, fasciculação
 Enzimas musculares elevadas  Enzimas musculares normais
 Maior associação com drogas (corticosteróides, imunossupressores)
 Pequena influência de drogas
 Acometimento muscular universal  Músculos cervicais e faciais preservados

Andre C, Freitas G. Terapia Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia. Edit Revinter, Rio de Janeiro, RJ, 2002,

pag.296
CONDUTA CLÍNICA
Direcionada para a doença de base. Prognóstico muito variável, mas normalmente pior que o prognóstico da poli-
neuropatia do doente crítico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Smith G, Bromberg MB: Treatment of Inflammatory Demyelinating Neuropathies.J Clin Neuromusc Dis
1999;1:21-31.
•Ferraz A.C. Doença Neuromusculares e Avaliação de Pacientes Com Fraqueza Rapidamente Progressiva . In:
Capone A . Manual de Terapia Intensiva Neurológica (Hospital Israelita Albert Einstein), 2000; 132-146.
• Andre C, Freitas G.Terapia . Edit Revinter, Rio de Janeiro, RJ, 2002.
Intensiva em Neurologia e Neurocirurgia
• Qureshilog AI, Choudhry MA, Akbar MS et al. Plasma exchange versus intravenous immunoblobulin treatment
in myastenic crisis.Neurology 1999;52:629-32.
• Anzueto A. Muscle Dysfunction in the Intensive Care Unit. Clinics in Chest Medicine. 1999;20 n2:436-453.
• Dalton HJ. Critical Illness Polyneuropathy and Myopathy.
Critical Care Medicine.

• Asbury AK, Cornblath DR. Assessment of current diagnostic criteria for Guillain-Barre syndrome: Ann Neurol.
1990;27:S21-24

175
176
Encefalopatia por disfunção tiroidiana
Encefalopatias
Disfunção Tiroidiana
Encefalopatia Hepática
Disfunção do Metabolismo Glicídico
Insuficiência Supra Renal
Deficits Nutricionais
Encefalopatia Séptica
A. Tempestade tiroídea
Descompensação aguda e grave do hipertiroidismo, acompanhada de certas manifestações neu-
rológicas. Ocorre maior agitação motora e psíquica, com certo grau de alteração no estado men-
tal, manifestando-se como confusão, delírio e agitação severa, podendo progredir para obnubi-
lação e coma. Há relatos de psicose franca, estado de mal epiléptico e acidente vascular cerebral.
O bócio habitualmente está presente, alguns pacientes possuem exoftalmia e história clínica de doença tiroídea pré-
via. Os sintomas não neurológicos são febre, sudorese profusa, taquiarritmias atriais, acompanhadas muitas vezes
por insuficiência cardíaca de alto débito, angina por espasmo coronariano, vômitos, diarréia e icterícia.

O
aodiagnóstico é clínico.
hipotiroidismo Os níveis de T4 e T3 estão elevados e o TSH está suprimido, porém em valores semelhantes
não complicado.
Tratamento:
1. Corrigir o Hipertiroidismo:
- Propiltiouracil 600-1000 mg oral ou retal seguido de 200-250 mg 4/4 h.
- Iodeto de potássio 5 gotas 6/6 h oral ou Lugol 10 gotas 3-4 vezes/d para bloquear a liberação do suprimento hor-
monal contido na glândula. Administrá-los apenas após o uso do Propiltiuoracil.
- Carbonato de Lítio 300 mg 6/6 h oral em casos de alergia ao iodo.
- Outros: Propranolol, corticóide, plasmaférese.
2. Compensação homeostática:
- Beta-bloqueadores: Propranolol 20-60 mg 6/6 h, oral ou intravenoso. O Esmolol 500 mcg/Kg, seguido de 50-200
mcg/Kg/min IV em bomba infusora também é utilizado.
- Guanetidina 1-2 mg/Kg/dia ou Reserpina 2,5-5,0 mg 6/6 h são utilizados nos casos de contra-indicação ao beta-
bloqueador.
- Paracetamol é o anti-térmico de escolha, sendo a aspirina contra-indicada.
- Hidrocortisona 100 mg 8/8 h ou Dexametasona 2 mg 6/6h, ambos intravenosos administrados em reposta à insu-
ficiência supra-renal relativa e associados à melhora da sobrevida.

177
- Sedação mínima, visando melhor monitoração do estado mental.
3. Tratar o(s) evento(s) desencadeantes como, por exemplo, rastrear focos infecciosos.
B. Coma Mixedematoso:
É a expressão mais grave do hipotiroidismo, com acentuada deterioração da função encefálica e descom-
pensação cardiovascular. As alterações no sistema nervoso central incluem uma queda na utilização de
oxigênio e glicose, uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, aumento da resistência cerebrovascular.
A diminuição da reabsorção tubular renal de sódio pode levar à hiponatremia grave e contribuir para a depressão
ainada maior do estado mental. Habitualmente é observado em mulheres idosas, com história de doença tiroídea
prévia e com sinais clínicos de hipotiroidismo como hipotermia, pele seca e bradicardia.

Tratamento:
- Hidrocortisona 200-400 mg/dia IV para prevenir uma possível insuficiência supra-renal, até conhecermos o nível
de cortisol plasmático que deve ser colhido previamente.
- T4 200-300 mcg IV seguido de 50-100 mcg/dia.
- T3 25 mcg 8/8 h pelo CNE, seguido de 12,5 mcg 8/8 h até o paciente poder ingerir o T 4.
OBS: Há dificuldades em se conseguir a terapêutica venosa no Brasil e o tratamento com T3 via tubo digestivo é
controverso.

ENCEFALOPATIA HEPÁTICA
Deterioração progressiva da consciência em pacientes portadores de doença hepática grave aguda ou crônica cujas
manifestações maiores são o coma e o edema cerebral, podendo culminar em dano cerebral permanente ou herniação
do tronco cerebral. O desencadeador mais conhecido da doença é a amônia, que não é convertida em uréia no fígado
após ser produzida pelo metabolismo do nitrogênio no intestino; o mecanismo das alterações cerebrais é desconhecido.
Existem quatro graus de Encefalopatia Hepática:
GRAU I - Euforia ou depressão; asterixis presente ou ausente.
GRAU II - Letargia, distúrbios de comportamento, confusão; asterixis presente.
GRAU III - Sonolência a torpor, confusão acentuada; asterixis presente.
GRAU IV – Coma; asterixis ausente.
Ocorrem rigidez variável e flutuante do tronco e membros, mímicas faciais, reflexos de sucção e preensão, aumento
ou assimetria de reflexos tendinosos, sinal de Babinski e crises convulsivas generalizadas ou focais (incomuns). O
EEG geralmente é anormal, a partir do estágio II: paroxismos de ondas delta sincrônicas bilaterais, caracteristica-
mente trifásicas e proeminentes nas regiões frontais e que substituem toda a atividade normal quando o coma se
aprofunda.
As principais causas de falência hepática são:
- Álcool
- Drogas: Paracetamol, Isoniazida, Halotano, Fenitoína, e Cocaína.
- Toxinas: Fósforo, Tetracloreto de Carbono.
- Outros: Hipertermia, isquemia, doença de Wilson, Síndrome de Reye.
A evolução se estende por dias a semanas e, muitas vezes, o desfecho é fatal.

178
Condutas:
1. Tratar a causa da doença aguda ou a descompensação da doença crônica:
· Hidratação venosa e reposição eletrolítica, já que desidratação pode desencadear a crise
- Antibioticoterapia dirigida por culturas e/ou paracentese abdominal.
- N-acetilcisteína 150 mg/Kg/dia intravenosa, na intoxicação por paracetamol dentre os três dias da ingestão da
droga.
- Bloqueadores H2, endoscopia digestiva, balão esôfago-gástrico nos casos de hemorragia digestiva.
- Transplante hepático na insuficiência fulminante do órgão, caso não haja contra-indicação.
2. Diminuir a produção de amônia:
- Diminuir a ingesta de proteínas em Grau I e II e suspender nos Graus III e IV.
- Administrar lactulose via oral ou nasoenteral no volume de 30 ml a cada 2 h até ocorrer diarréia e, em seguida,
diminuir a dose visando de 2 a 4 evacuações pastosas por dia. Monitorar a perda hídrica e eletrolítica, repondo os
eletrólitos conforme o necessário.
- Antibióticos pouco absorvíveis pelo cólon: Sulfato de Neomicina 1,5-6,0 g divididos em 4 doses diárias. Alguns
autores criticam esta conduta associada à lactulose, pois advogam antagonismo de ação e outros acreditam que na
falência hepática aguda, essa conduta possa contribuir para a insuficiência renal.
3. Monitorar e tratar a Pressão Intracraniana (PIC):
- Em casos de falência hepática aguda cursando com Grau IV de encefalopatia e sinais clínicos como hipertensão,
bradicardia, aumento do tônus muscular, dilatação pupilar e descerebração.

- Elevar a cabeceira a 30 graus.


- Manitol 0,25-0,50 g/Kg, caso a PIC maior que 20 mmHg, tomando cuidado para a osmolaridade sérica não ul-
trapassar 320 mOsm/l.
- Uso de vasopressor, caso a Pressão de Perfusão Cerebral esteja baixa mesmo com PIC < 20 mmHg.
- Coma barbitúrico, caso todas as medidas tomadas não diminuam a PIC.
OBS: Ocorre hemorragia fatal em 1 a 5% dos pacientes monitorados, sendo a posição epidural do cateter a mais
segura.
4. Cuidados gerais:
- Sedação: mínima e com agentes de curta duração já que o metabolismo da maioria das drogas estará diminuído.
- Monitoração da glicemia

- Cateterismo nasogástrico no caso de vômitos intensos em estágios III e IV de encefalopatia.


- Reverter os distúrbios da coagulação
- Intubação oro-traqueal para proteção de vias aéreas nos graus avançados de encefalopatia.
- Vasopressores em caso de hipotensão.
ALTERAÇÕES DO METABOLISMO GLICÍDICO

179
Hipoglicemia:
A glicose é fonte fundamental de energia do cérebro que, por sua vez, utiliza 50% deste combustível. A queda em
seus níveis provoca uma série de sintomas e reações relacionadas à duração e gravidade da hipoglicemia. No evento
grave e prolongado os sintomas podem durar dias a semanas e, raramente, são irreversíveis.
Os efeitos neurológicos mais comuns incluem: confusão, desorientação, convulsões. Ataxia, hemiparesia, coma,
decorticação, descerebração, coreoatetose e Síndrome de Cativeiro ocorrem com menor frequência.
O diagnóstico é feito através da Tríade de Whipple:
1. Manifestações cerebrais (Sintomas Neuroglicopênicos): confusão, desorientação, convulsões, comportamento
anormal e coma.
2. Nível de glicemia simultânea menor que 40 mg/dl.
3. Recuperação dos sintomas após administração de glicose.
Tratamento:
- Glicose 25 g IV
- Glucagom 1 mg IV ou IM
- Suspender medicamentos que possam causar hipoglicemia
- Não reverter a hipotermia no evento agudo, pois ela representa resposta protetora.
Cetoacidose Diabética:
O estado mental pode variar de alerta total a profunda letargia. Edema cerebral raramente pode desenvolver-se
com a correção da acidose. O diagnóstico e o tratamento são voltados para a doença de base (diabetes) como cor-
reção hidro-eletrolítica e da glicemia.
Síndrome Hiperglicêmica Hiperosmolar:
Síndrome diabética caracterizada por torpor sem cetose. Alguns pacientes apresentam sinais neurológicos focais
como hemiparesia e hemianopsia, muitas vezes associados às convulsões, principalmente as focais.
As manifestações freqüentemente revertem completamente após correção do distúrbio metabólico. O tratamento
visa correção da glicemia e dos distúrbios hidroeletrolíticos.
ENCEFALOPATIA POR INSUFICIÊNCIA SUPRA-RENAL
A Insuficiência Supra-Renal (ISR) tem uma incidência de 1 a 20% nos pacientes em Centro de Terapia Intensiva
(CTI) e pode cursar com sintomas neurológicos. Além disso, provoca hiponatremia e hipoglicemia, que podem exa-
cerbar ou provocar esses mesmos sintomas. O quadro neurológico pode ocorrer sem instabilidade hemodinâmica
e é caracterizado por:

- Confusão
- Fadiga
- Letargia
- Agitação
- Psicose
- Coma

180
O diagnóstico é suspeitado em pacientes com idade acima de 55 anos e internação prolongada (> 14 dias) no CTI,
apresentando hipotensão refratária à administração de volume e inotrópicos, ou ainda características clínicas de
doença primária, ou retirada súbita do tratamento com glicocorticóides. Evidências de tumor central, e trauma
craniano são também possíveis causas.
O diagnóstico laboratorial envolve a dosagem de cortisol plasmático basal, testes de estimulação com cortrosina
e dosagem do ACTH (Hormônio Adrenocorticotrópico); mdemoras na realização dos exames, porém, não deve
retardar o início do tratamento. O tratamento é a base de glicocorticóide, sendo a reposição hidro-eletrolítica e de
glicose necessárias:
- Hidrocortisona 100 mg intravenosa em bolus, seguido de manutenção diária de 100 a 200 mg/dia.

- Após mineralocorticóides.
efeitos estabilização do quadro, diminuir a dose da Hidrocortisona e associar Fluodrocortisona para manter os

ENCEFALOPATIAS POR DEFICIÊNCIA NUTRICIONAL


1. Encefalopatia de Wernicke:
Doença de instalação rápida, causada por deficiência nutricional de tiamina, tendo nos alcoólatras o grupo de
maior incidência e caracterizada por:
A. Alterações oculares: Fraqueza ou paralisia da abdução ocular bilateral, diplopia horizontal, estrabismo e nis-
tagmo.
B. Ataxia de marcha.
C. Distúrbios mentais:
- Estado global de apatia e confusão.

- Desorientação no tempo e no espaço, sendo a fala mínima.


- Torpor
- Defeitos de memória de retenção e de aprendizagem (Psicose de Korsakoff).
- Sintomas de abstinência alcoólica
Tratamento:
- Administração imediata de tiamina: 50 mg intravenoso e 50 mg intramuscular, sendo esta última dose aplicada
diariamente até que o paciente possa se alimentar.
OBS: É perigoso administrar em pacientes alcoólatras glicose parenteral antes da tiamina, pois esta pode exaurir as
reservas de vitamina B, precipitando a doença de Wernicke.
Evolução:

- As paralisias oculares começam a melhorar em horas-dias.


- O nistagmo pode persistir por meses.
- A ataxia recupera-se lentamente e, na metade das vezes, de maneira incompleta.
- A apatia, sonolência e confusão regridem gradualmente.
- Na Psicose de Korsakoff, a recuperação total ou quase total ocorre apenas em 50% dos casos.

181
2. Pelagra
Causada pela deficiência de Niacina, apresenta-se como demência, dermatite e diarréia. Precocemente manifes-
tam-se insônia, fadiga, ansiedade, nervosismo e depressão. Posteriormente aparecem a lentidão e ineficiência dos
processos mentais. O tratamento é dietético.
3. Deficiência de Cianocobalamina
Manifesta-se principalmente como doença medular, mas os sinais mentais são freqüentes: irritabi-
lidade, apatia, sonolência, psicose depressiva ou confusional e até mesmo deterioração intelectual.
O tratamento é a reposição de vitamina B12 1000 mcg IM/dia durante a internação, e deve continuar após a alta
mensalmente.

ENCEFALOPATIA SÉPTICA
O termo denota as alterações do estado mental como sonolência, tremores, mioclonias e asterixis, que acompa-
nham uma infecção sistêmica na ausência de outra falência orgânica. Evidências clínicas e eletroencefalográficas
de disfunção cerebral difusa foram encontradas em mais de 70% dos pacientes com hemoculturas positivas. O me-
canismo pode ser a produção de produtos bacterianos e citocinas, afetando diretamente a função cerebral, aumen-
tando a atividade procoagulante, causando aumento da permeabilidade capilar com edema tecidual e alterando a
barreira hemato-encefálica.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E LEITURA RECOMENDADA
Shoemaker: Textbook of Critical Care; 4th edition
Harrison’s: Principles of Internal Medicine; 13th edition
Clínicas da América do Norte: Emergências Endócrinas; 1995

182
Capítulo 19

Transporte intra e extra-hospitalar


INTRODUÇÃO
Muitas vezes o tratamento definitivo dos pacientes vítimas de lesões sobre o SNC, independente de sua etiologia,
exige uma transferência para outro centro capaz de proporcionar melhores cuidados ou cuidados mais sofisticados.
Mesmo aqueles pacientes que primariamente já são levados para um grande centro neurológico, podem necessitar
de transferências dentro deste próprio hospital, para realização de exames de imagem, ou para serem submetidos a
procedimentos cirúrgicos. Transporte do paciente criticamente enfermo é sempre mais uma intervenção de risco, e
deve ser visto pela equipe como possível fonte de criar, piorar ou ampliar o espectro das lesões secundárias de um
paciente.
O deslocamento de paciente, seja ele inter-hospitalar ou intra-hospitalar, deve seguir os mesmos princípios, isto é,
estabilização ventilatória, hemodinâmica e neurológica, para somente então proceder ao início do transporte. Isto é
de fundamental importância, pois em ambientes menos monitorados, e onde o barulho e o espaço não privilegiam
o exame físico, como dentro de ambulâncias ou helicópteros, faz-se muito mais difícil o reconhecimento de situa-
ções que ameaçam a vida dos nossos pacientes.
Uma outra modalidade de transporte, que é mais tardia, para reabilitação, repatriamento ou seguimento de cuida-
dos, por seu caráter eletivo, não será abordada em detalhe, apesar de obedecer também todos os passos do trans-
porte dos pacientes.
PRINCÍPIOS DO TRANSPORTE DO PACIENTE NEUROCRÍTICO
As recomendações publicadas na literatura, na sua maioria, são adaptações de técnicas e princípios fisiológicos
derivados do ambiente da terapia intensiva, anestesiologia e neurocirurgia. Pouquíssimos são os trabalhos srcinais
feitos em pacientes críticos especificamente durante o transporte, não importando a sua modalidade. Trata-se, por-
tanto, de campo fértil para a pesquisa clínica.
O primeiro desafio é definir a necessidade do transporte para o paciente, pesando-se o risco e o benefício
do deslocamento. Um transporte que não resultará em mudança na estratégia terapêutica ou na avalia-
ção prognóstica não deverá ser feito, devendo ser consideradas alternativas à beira do leito. O segundo
desafio é o de proporcionar, durante o transporte, segurança semelhante àquela do leito de internação
hospitalar.
PREVENÇÃO DE LESÕES SECUNDÁRIAS DURANTE O TRANSPORTE
A prevenção das lesões secundárias do SNC é o objetivo do transporte do paciente neurocrítico. As causas mais
comuns de lesão secundária estão apresentadas na tabela1.

Intracranianas Extracranianas
Hipertensão intracraniana por: Hipóxia
• Lesões de massa expansivas Hipercarbia e hipocarbia
• Edema cerebral Hipertermia
• Hidrocefalia Desordens inflamatórias sistêmicas
Vasoespasmo cerebral
A monitoração necessária para detectar as condições acima e os recursos para sua abordagem ideal devem estar
disponíveis para a equipe de transporte.

183
ELEMENTOS DO TRANSPORTE
1. Estabilização pré-transporte
A limitação de espaço, o ruído ambiente, a movimentação e a ausência de pessoal para auxílio fazem de ambulân-
cias, aeronaves ou elevadores locais inadequados para procedimentos médicos avançados. Portanto, a equipe deve
fazer todos os procedimentos necessários ao controle das possíveis intercorrências do paciente neurocrítico antes
de se iniciar o transporte. Obviamente, prioridades podem tornar a monitoração e a estabilização completa impos-
sível, como, por exemplo, sinais de herniação iminentes. Neste caso, a estabilização continua durante o transporte.
A monitoração básica para o paciente neurocrítico inclui a observação dos parâmetros relacionados aos fatores que
podem causar lesões secundárias no SNC:

Monitoração Recomendações
Exame clínico (pupilas), medida direta da PIC Manter PIC < 20 mmHg e PPC > 60 mmHg
Pressãoarterial PAsistólica≥120mmHgouPAmédia≥80mmHg
Oximetriadepulso SpO2>92%-94%naUTIe>95%notransporte
Capnometria CO2expirado±35mmHg
Cuidados gerais com o paciente Temperatura central ≤ 36oC
2. Coordenação e comunicação pré-transporte
Ficar aguardando num corredor com um paciente crítico enquanto se termina uma tomografia eletiva, terminar
o suprimento de oxigênio durante o vôo ou exame, chegar a um hospital que não possui vaga em CTI, são alguns
exemplos de catástrofes potencialmente evitáveis por uma comunicação e coordenação pré–transporte mais eficaz.
Todos os elementos do transporte devem estar bem informados sobre recursos disponíveis nas diversas unidades,
material necessário e tempo de translado. A comunicação formal entre a unidade que envia o paciente e a unidade
receptora deve ser feita e registrada. O conhecimento da estrutura disponível para a equipe de transporte e da uni-
dade receptora são essenciais para o planejamento de um bom transporte.
A indicação do transporte deve constar nas anotações médicas do paciente. Os médicos envolvidos no cuidado do
paciente e da família devem, sempre que possível, ser notificados.
3. Equipe de transporte
Pelo menos duas pessoas são necessárias para um transporte de paciente crítico, e, dependendo da estrutura, mais
uma pessoa pode ser necessária. A qualificação da equipe deve ser diretamente ligada à complexidade do paciente.

Características Pessoalrecomendado
Paciente crônico ou sem suporte artificial de vida Enfermeiro, fisioterapeuta, enfermagem de nível médio
Paciente agudo ou com suporte artificial de vida Médico habituado com técnicas de SAV, enfermeiro, e
fisioterapeuta (opcional)
É desejável que o pessoal que acompanhe o paciente durante o transporte tenha familiaridade com o caso clínico
do mesmo, principalmente no transporte intra-hospitalar.
4. Equipamento de transporte e monitoração
Um conceito essencial, já abordado anteriormente, é que o transporte não pode ser um período de hiato na mo-
nitoração e no suporte de vida oferecido ao paciente, sendo obrigatória a continuação dos cuidados dispensados.
Pelo contrário, justifica-se até a adição de monitoração suplementar, para este período de possível instabilidade ser
ainda melhor vigiado.
Está além do escopo deste capítulo definir quais os equipamentos essenciais para o transporte do paciente neuro-
crítico, estando este ligado ao tipo de transporte e à emergência de cada caso. A monitoração obedece ao delineado

184
no item 1 deste capítulo.
Um ponto importante será o suprimento de oxigênio para o paciente. Deve-se, no mínimo, garantir um suprimento
com a duração esperada para o transporte mais 25% nas reservas de oxigênio. No caso de transporte extra-hospi-
talar, esta reserva deve ser de 100% do esperado.
5. Documentação
Vários fatores são importantes na documentação do transporte: indicação médica, intervenções específicas, mo-
nitoração utilizada, tempo e alterações clínicas durante o transporte. Uma das grandes limitações à pesquisa em
transporte do paciente neurocrítico é a pequena quantidade de informações existentes deste processo. O registro
sistemático dos itens acima pode criar interessante banco de dados, para avaliação da qualidade e da informação

científica.
MODALIDADES DE TRANSPORTE
Como se fará o transporte do paciente? Os problemas que ocorrem durante o transporte são diretamente relacio-
nados à gravidade do paciente e ao tempo gasto. Isto faz com que o meio de transporte tenha fundamental im-
portância. Ainda devem ser levados em consideração o diagnóstico do paciente, a estabilidade clínica do mesmo,
a distância da unidade receptora, os meios de transporte disponíveis, as condições do tempo e geográficas, dentre
outros.
Várias são as modalidades de transporte: ambulâncias de superfície, aeronaves de asas rotatórias ou aeronaves com
asas fixas. Ambulâncias de superfície são as mais utilizadas, estão amplamente disponíveis, são relativamente bara-
tas em relação às outras modalidades de transporte e proporcionam um serviço porta a porta. Suas desvantagens
estão principalmente relacionadas ao tempo gasto fora de ambiente hospitalar para se transpor grandes distancias,
ou a locais com trânsito muito intenso.
Helicópteros conseguem desenvolver uma velocidade maior e não têm restrições quanto a trânsito intenso. Como

desvantagens, necessitam
porta. A presença de ruídosdee locais especiais
vibração intensapara
podepouso e decolagem,
interferir nem sempre
com a monitoração dooferecendo um serviço
paciente, além porta a
de dependerem
de condições climáticas favoráveis.
Aeronaves de asas fixas conseguem desenvolver uma grande velocidade, transpondo grandes distâncias em curto
espaço de tempo. Suas desvantagens são: necessitam de aeroportos para efetuar pouso e decolagem, habitualmente
localizados longe dos hospitais, exigindo assim transportes adicionais que podem aumentar em muito não só o
tempo como o risco. O custo é muito superior ao das ambulâncias de superfície.
TRANSPORTE RESPONSÁVEL
Um ítem fundamental, na fase de preparação para o transporte, seja ele inter ou intra-hospitalar é o contato prévio
com o médico que irá receber o paciente. O mesmo deve estar ciente do caso e concordar com o processo de transfe-
rência. Deve também, mesmo antes do paciente chegar, preparar todo o pessoal, material e até equipamentos que o
paciente poderá necessitar. Isto certamente abreviará o tempo da terapêutica definitiva. O médico que irá transferir
o paciente deve anotar, de forma legível, um relatório com toda a história e evolução do paciente, bem como das
condutas efetuadas e suas repercussões sobre o paciente.
Após a estabilização, monitoração e do contato com a unidade receptora, ele iniciará o transporte do paciente.
Este deve ser realizado por pessoal qualificado para identificar imediatamente qualquer deterioração do estado
clínico do paciente, bem como efetuar manobras para reverte-las. Os objetivos durante a fase de transferência são:
1. Identificar e tratar potenciais causas de lesão secundárias, através dos dispositivos de monitorização; 2. Manter
a estabilidade do paciente durante o transporte e 3. Evitar complicações iatrogênicas.
Complicações iatrogênicas freqüentes são: perda ou obstrução de via aérea artificial, desconexão de dispositivos
vasculares ou acessos venosos e, finalmente, perda da imobilização. Equipes bem preparadas e motivadas são a

185
melhor profilaxia para todos estes problemas.
PROBLEMAS:
O paciente agitado
O paciente agitado agudo apresenta um perigo potencial para ele mesmo e para a equipe e um dilema para o médi-
co. Freqüentemente este paciente tem de ser removido para outro local, principalmente para estudos radiológicos.
A sedação criteriosa, normalmente com intubação endotraqueal, é o modo mais seguro para o transporte do pa-
ciente.
O paciente com hipertensão intracraniana

Pacientes com sinais clínicos ou com hipertensão intracraniana à monitoração direta apresentam um dilema, pois
podem piorar com o transporte, ao mesmo tempo em que necessitam de estudos tomográficos para verificar a pos-
sibilidade de lesões de tratamento cirúrgico intracraniano. Este transporte tem prioridade absoluta e deve ser feito
de maneira impecável do ponto de vista de coordenação. Manobras que podem ser utilizadas neste contexto são:
cabeceira elevada, uso de manitol, thionembutal, etomidato, soluções hipertônicas de sódio, bloqueadores neuro-
musculares e até hiperventilação transitória.
RESUMO:
A necessidade de recursos complementares, assim como de avaliação radiológica, frequentemente indica a remoção
de pacientes neurocríticos do seu leito de internação. O objetivo deste capítulo é descrever as diversas recomenda-
ções para o transporte seguro do paciente neurocrítico, tanto na modalidade inter-hospitalar quanto intra-hospi-
talar.
REFERENCIAS
1- American College of Surgeons: Advanced Trauma Life Support Instructors Manual. Chicago, Illinois 1997.
2- Brain Trauma Foundation. Guidelines for prehospital management of traumatic brain injury. 2000. http://www.
braintrauma.org/guidelines/downloads/btf_guidelines_prehospital.pdf
3- Chesnut RM, Marshall LF, Klauber MR, Blunt BA, Baldwin N, Eisenberg HM, Jane JA,Marmarou A, Fou-
lkes MA. The role of secondary brain injury in determining outcome from severe head injury. J Trauma. 1993
Feb;34(2):216-22.
4- Chi JH, Nemani V, Manley GT. Pre-hospital treatment of traumatic brain injury. Semin Neurosurg. 2003;
14(2):71-8.
5- Davis DP, Dunford JV, Ochs M, Park K, Hoyt DB. The use of quantitative end-tidal capnometry to avoid
inadvertent severe hyperventilation in patients with head injury after paramedic rapid sequence intubation. J
Trauma. 2004 Apr;56(4):808-14.
6- Davis DP, Dunford JV, Poste JC, Ochs M, Holbrook T, Fortlage D, Size MJ,Kennedy F, Hoyt DB. The impact
of hypoxia and hyperventilation on outcome after paramedic rapid sequence intubation of severely head-inju-
red patients. J Trauma. 2004 Jul;57(1):1-8;
7- Ferdinande P. On behalf of the working group on Neurosurgical Intensive Care of the European Society of
Intensive Care Medicine. Recommendations for intra-hospital transport of the severily head injured patient. Int
Care Med 1999; 25:1441-43
8- Gupta AK. Monitoring the injured brain in the intensive care unit. J Postgrad Med. 2002 Jul-Sep;48(3):218-
25.
9- Jastremski MS, et al. Guidelines for the transfer of critically ill patients. Crit Care Med 21:931-7
10- Marion DW. Controlled normothermia in neurologic intensive care. Crit Care Med. 2004 Feb;32(2 Suppl):S43-
5.
11- Wade CE, Grady JJ, Kramer GC, Younes RN, Gehlsen K, Holcroft JW. Individual patient cohort analysis of
the efficacy of hypertonic saline/dextran in patients with traumatic brain injury and hypotension. J Trauma.
1997 May;42(5 Suppl):S61-5.

186
Capítulo 20

Encefalopatia hipóxica-isquêmica
INTRODUÇÃO
Entende-se como encefalopatia hipóxica-isquêmica a interrupção do suprimento de nutrientes vitais para o cérebro,
em especial oxigênio e glicose, causando hipóxia grave e isquemia generalizada.
O cérebro não possui reservas de oxigênio e glicose suficientes para suportar longos períodos de privação destes nu-
trientes, portanto, em vigência de uma parada cárdio-respiratória, onde o fluxo sangüíneo cerebral é interrompido
por mais de 5 minutos, ocorre uma série de eventos que levarão à morte celular. Após 20 segundos sem oxigênio
há perda de consciência, e em menos de 5 minutos chegam ao fim as reservas de glicose e ATP. Após este período,
observa-se uma cascata deletéria, culminando em morte celular. Esta cascata pode perdurar por até três dias após
a reversão da parada cárdio-respiratória. Há indícios de que a encefalopatia hipóxica-isquêmica inicialmente cause
danos em setores do hipocampo, no núcleo reticular do tálamo e em áreas especificas do neocórtex.
Após um episódio de parada cardíaca, o prognóstico normalmente não é bom. Segundo Berek (Eur Neurol 1997):
– 44% sobrevivem inicialmente
– 30% estarão vivos em 24 horas
– 13% em um mês
– 6% estarão vivos após seis meses
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA E PROGNÓSTICO
Perguntas como “qual é a extensão dos danos?”, “qual é o prognóstico?”, invariavelmente aparecem após a estabi-
lização respiratória e circulatória. Muitos testes foram e são propostos na avaliação do paciente após um período
de parada circulatória, mas o exame físico permanece o fator mais importante na avaliação funcional do sistema
nervoso central e na determinação prognóstica.
A escala de coma de Glasgow (ECGl) se mostra útil na avaliação do paciente com lesão isquêmica e correlaciona-se
ao prognóstico, quando mensurada várias vezes após a lesão, como descrito a seguir:
• Exame neurológico no 2º dia pós-parada:

o Pontuação na ECGl < 5 = 2% de chance de recobrar a consciência;


o Pontuação na ECGl > 9 = 97% de chance de recobrar a consciência;
o Caso pontuação esteja entre 5 e 9 – reavaliar no 6º dia.
• Exame neurológico no 6º dia pós-parada:

o Pontuação na ECGl < 8 = 5% de chance de recobrar a consciência.


o Pontuação na ECGl ≥ 9 = 67% de chance de recobrar a consciência.
Os estudos por neuroimagem pouco contribuem na avaliação dos pacientes anóxicos, a não ser naqueles em que
suspeitamos de AVE, hemorragia ou trauma. Portanto, não devem ser uma prioridade no atendimento inicial. A
presença de áreas hiperintensas em gânglios da base em T1 e T2 nos exames de ressonância magnética está associa-
da a um pior prognóstico.

187
O eletroencefalograma (EEG) pode ter algum valor prognóstico quando realizado entre seis e 72 horas após o
episódio hipóxico. Em um estudo com 34 pacientes, apenas dois dos 22 pacientes com achados malignos no EEG
retornaram à consciência. Os achados malignos foram definidos como pouca variabilidade elétrica e pela presença
de coma com padrão alfa no EEG.
O estudo bioquímico pode ser útil na avaliação prognóstica. A análise do líqüor pode evidenciar elevação da
concentração de creatina kinase (CK-BB), desidrogenase láctica (LDH) e enolase neuro específica (NSE). Estes
aumentos correlacionam-se a uma menor probabilidade de recuperação neurológica. Concentrações séricas signi-
ficativamente altas de proteína S-100B e NSE estão relacionadas a pacientes que permanecem inconscientes após
a lesão cerebral, em comparação aos pacientes que recobraram a consciência e, portanto, são marcadores de mau
prognóstico. Embora o estudo bioquímico possa se relacionar ao prognóstico, essas análises não podem suplantar
a avaliação clínica.
O uso do potencial evocado somatosensorial (SSEP) vem ganhando espaço na avaliação prognóstica dos pacientes
com encefalopatia hipóxico-isquêmica. É um marcador mais específico do que o EEG. A ausência bilateral de res-
posta evocada uma semana após o insulto é um forte indicador contra o retorno à consciência. É o método mais
útil para predizer um péssimo prognóstico.
Jennett e colaboradores propuseram classificar o prognóstico dos pacientes que sofreram uma lesão anóxica em
cinco categorias:
1. Morte ou coma persistente.
2. Estado vegetativo persistente, no qual os pacientes estão acordados, mas não interagem com o ambiente.
3. Grave incapacidade, na qual os pacientes estão conscientes, mas inválidos e são dependentes de outros para as
atividades de vida diária (AVD).
4. Moderada incapacidade, na qual os pacientes estão inválidos, mas são capazes de realizar atividades de vida

diária sem assistência.


5. Boa recuperação, na qual os pacientes são capazes de ter uma vida normal possivelmente com poucos déficits
neurológicos ou psicológicos.
Em 1998 uma meta-análise de 33 estudos encontrou quatro sinais clínicos preditores de pobre resposta clínica em
um quadro de encefalopatia, com 100% de especificidade (Lancet 1998; 352(9143): 1808-1812). Eram eles:
 Ausência de reação pupilar à luz após 72 horas;
 Ausência de resposta motora à dor após 72 horas;
 Ausência bilateral de resposta cortical precoce ao SSPE do nervo mediano dentro de uma semana;
 Padrão de supressão e onda ou isoelétrico no EEG na primeira semana.
A prevalência média de morte ou sobrevida em estado vegetativo é de 78% (variando de 56% a 90%). Muitas das
mortes ocorrem dentro da primeira semana, não em decorrência do dano cerebral, mas de complicações cardíacas

e pulmonares.
TRATAMENTO
Para um bom atendimento, é necessário saber em que circunstâncias o paciente, que normalmente se encontra co-
matoso, perdeu a consciência e identificar o evento primário que o levou ao coma. Dentre estas, podem ser citadas
o mal asmático, o mal epilético, a intoxicação por monóxido de carbono e a parada cárdio-respiratória, sendo esta
última a causa mais importante e grave de encefalopatia hipóxica-isquêmica.
É possível que haja benefício com o uso de inibidores de apoptose neuronal, bloqueadores de receptores de ami-

188
noácidos excitatórios e antioxidantes, todavia mais estudos necessitam ser realizados para a confirmação destas
hipóteses.
Há evidências que a clássica reperfusão com hiperóxia piora o prognóstico, quando comparada à reperfusão com
hipóxia. A hipocapnia mostrou-se capaz de produzir isquemia cerebral em pacientes com encefalopatia anóxica.
Pacientes comatosos, pós-parada cárdio-respiratória, devem receber parâmetros normais na ventilação mecânica.
O uso de hiperventilação está contra-indicado.
Há um crescente número de publicações demonstrando que a indução de uma leve hipotermia sistêmica melhora
a recuperação neurológica decorrente de uma parada cárdio-respiratória. A hipotermia induz à recuperação neu-
rológica, não pela demanda diminuída de oxigênio, mas por uma diminuição da excitotoxicidade, das reações de
radicais livres, do edema, da destruição celular por enzimas e de outras cascatas deletérias. A hipertermia pós-lesão
isquêmica piora a recuperação cerebral e deve ser combatida agressivamente.
O termo “leve hipotermia” denota uma temperatura corporal entre 32ºC e 36ºC. Temperaturas entre 28ºC e 32ºC
são classificadas como hipotermia moderada, enquanto temperaturas menores do que 28ºC e menores do que 15ºC
são definidas como profunda e muito profunda, respectivamente.
A hipotermia deve ser iniciada logo após a recuperação da circulação espontânea, pois uma demora de até 15 mi-
nutos reduz os seus benefícios. Seu uso é endossado pela International Liaison Committee on Resuscitation.
Várias técnicas e artifícios para induzir e manter uma leve hipotermia foram e estão sendo desenvolvidas. O sistema
de resfriamento de superfície com cobertor de água circulante é o método mais largamente usado. Apesar de simples
e factível em muitos pacientes, normalmente decorrem algumas horas antes da temperatura corporal atingir o nível
de hipotermia leve, e pacientes obesos são inicialmente refratários ou não responsivos ao método. Resfriamento se-
letivo da cabeça não provoca os efeitos adversos do resfriamento de superfície, contudo não diminui a temperatura
cerebral na população adulta, mas é eficaz em neonatos, provavelmente pela menor área corporal. Resfriamento
interno do corpo, por acesso intravenoso ou intra-arterial é um método alternativo que pode levar a hipotermia
mais rapidamente do que o de superfície. Infusão de solução salina gelada (4ºC, 40 ml/Kg infundido em um período
de 30 minutos) em voluntários saudáveis monitorados com cateter venoso central, diminuiu a temperatura corporal
em 2,5º C. Embora seja um método simples, a infusão de grandes volumes de solução salina gelada nem sempre é
bem tolerado por pacientes críticos.
O resfriamento extracorpóreo é um método complicado, no qual é necessário o emprego de um circuito extracor-
póreo, e não pode ser indicado rotineiramente.
O tempo de permanência em hipotermia ainda não está estabelecido. Yanagawa e colaboradores obtiveram bons
resultados com 48 horas de hipotermia, contudo observaram, como efeito adverso, uma maior ocorrência de pneu-
monia em seus pacientes. Marion e colaboradores, em estudo randomizado, e Holzer e colaboradores obtiveram
resultados significativos com 24 horas de hipotermia. Bernard e colaboradores, por duas vezes, demonstraram
eficiência com apenas 12 horas de hipotermia, sem efeitos colaterais.
Efeitos colaterais da hipotermia incluem: coagulopatia, arritmia cardíaca, dano da função cardíaca e aumento da
suscetibilidade às infecções. A prevalência e a gravidade destes efeitos colaterais são proporcionais à intensidade e
duração da hipotermia.
Com respeito à hipotermia, analisando os estudos publicados, recomendamos:
• Quem?
– Pacientes que permanecem inconscientes após a ressuscitação da parada cardíaca
• Qual temperatura? Por quanto tempo?
– Hipotermia de 32 a 340 C por 12-24 horas

189
• Como?
– Administração de um bloqueador neuromuscular
– Infusão rápida de 30ml/Kg de solução gelada de SF 0,9%
– Esfriamento de superfície com bolsas de gelo
Estudos mais recentes não recomendam com a mesma ênfase a adoção de hipotermia, mesmo moderada. A frase, já
clássica, que mostra bem o pensamento atual sobre o método é a de Narayan: hipotermia, uma grande idéia teórica,
que, devido às complicações infecciosas, não se mostrou prática.
Devido à ausência de estudos com foco nos corticosteróides, neste tipo de paciente, consideramos seu uso com re-
comendação indeterminada. Não há indicação para o uso de soluções hipertônicas. Até o momento não há terapia
farmacológica específica disponível para uso clínico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Jacinto SJ, Gieron-Korthals M,Ferreira JA. Predicting outcome in hypoxic-ischemic brain injury.Pediatric Clin
North America. 2001; 48(3): 647-60.
2. Holzer M. Mild therapeutic hypothermia to improve the neurologic outcome after cardiac arrest. Ann emergen-
ce medical. 2002; 40 (6) 661.
3. Safar P, Behringer W; Böttiger BW; Sterz F. Cerebral resuscitation potentials for cardiac arrest. Critical Care
Medicine. 2002; 30 (4 suppl) S140-4.
4. Clemens JA. Cerebral ischemia: gene activation, neuronal injury and the protective role of antioxidants. Free
Radic Biol Med. 2000;28(10):1526-31.
5. Chalela JA, Wolf RL; Maldjian JA; Kasner SE. MRI identification of early white matter injury in anoxic-ische-
mic encephalopathy. Neurology.2001; 56(4)481-5.
6. Irwin SR, Rippe MJ,Manual de terapia intensiva, 3º edição. Rio de Janeiro. Ed Medsi. 2003, p. 765-767.

7. Inamasu J, Ichikizaki K Mild hypothermia in neurologic emergency: an update. Ann Emergence medical. 2002;
40(2): 220-30.
8. Brain Resuscitation Clinical Trial II Study Group. A randomized clinical study of a calcium-entry blocker (li-
doflazine) in the treatment of comatose survivors of cardiac arrest. N. Engl J Med. 1991. 324(18):1225-1231.
9. Schleien CL, Osmond MH, Hickey R et al. Postresuscitation manegement. Ann Emerg Med. 2001; 37 (4 sup-
pl):S182-195.
10. Nagao K. Hayashi N; Kanmatsuse K; Arima K; Ohtsuki J; Kikushima K; Watanabe I. Cardiopulmonary cere-
bral resuscitation using emergency cardiopulmonary bypass, coronary reperfusion therapy and mild hypother-
mia in patients with cardiac arrest outside the hospital. J Am Coll Cardiol. 2000;36(3):776-783.
11. Stertz F, Zeiner A, Kurkcuial I, et al. Mild resuscitative hypotermia and outcome after cardiopulmonary resus-
citation. J Neurosurg Anesth. 1996;8: 88-96.
12. Schwab S, Geordiadis D, Berrouschot J, et al.Feasibility and safety of moderate hypothermia after massive he-
mispheric infartion.Strok. 2001;32: 2033-2035.
13. Mellegard P. Changes in human intracerebral temperature in response to different methods of brain colling.
Neurosurgery. 1992;31: 671-677.
14. Gunn AJ, Gluckman PD, Gun TR. Selective head cooling in newborn infants after perinatal asphyxia: A safety
stud. Pediatrics.1998;102: 885-892.
15. Battin MR, Dezoet JA, Gun TR, et al. Neurodevelopmental outcome of infants treated with head cooling and
mild hypotermia after perinatal asphyxia.Pediatrics. 2001;107: 480-484.
16. Ao H, Tanimoto H, Yoshitake A, et al. Long-term mild hypotermia with extracorporeal lung and heart assist
improves survival from prolonged cardiac arrest in dogs. Resuscitation. 2001; 48:163-174.
17. Henker RA, Brown SD, Marions DW. Comparison of brain temperature with bladder and rectal temperatures
in adults with severe head injury. Neurosurgery, 1998; 42:1071-1075.
18. Rossi S, Zanier ER, Mauri I, et al. Brain temperature, body core temperature, and intracranial pressure in acute

190
cerebral damage. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2001; 71:448-454.
19. Ao H, Moon JK, Tanimoto H, et al. Jugular vein temperature reflects brain temperature during hypothermia.
Resuscitation. 2000; 45:111-118.
20. Yanagawa Y, Ishihara S , Norio H , et al: Preliminary clinical outcome study of mild resuscitative hypothermia
after out-of-hospital cardiopulmonary arrest . Resuscitation 1998; 39 : 61–66.
21. Marion DW, Penrod LE, Kelsey SF, et al. Treatment of traumatic brain injury with moderate hypothermia. N
Engl J Med. 1997; 336:540-546.
22. Holzer M, Behringer W, Schorkhuber W, et al. Mild hypothermia and outcome after CPR. Hypothermia for
Cardiac Arrest (HACA) Study Group. Acta Anaesthesiol Scand Suppl. 1997; 111:55-58.
23. Bernard SA, Jones BM, Horne MK. Clinical trial of induced hypothermia in comatose survivors of out-of-hos-
pital cardiac arrest. Ann Emerg Med. 1997; 30:146-153.
24. Bernard SA , Gray TW , Buist MD , et al: Treatment of comatose survivors of out-of-hospital cardiac arrest
with induced hypothermia . N Engl J Méd. 2002; 346/8:557–563.
25. Nogami K. Cerebral circulation and prognosis of the patients with hypoxic encephalopathy. Keio J Med. 2000;
49 Suppl 1: A109-111.
26. Zandbergen EG, de Haan RJ, Hijdra A. Systematic review of prediction of poor outcome in anoxic-ischaemic
coma with biochemical markers of brain damage. Intensive Care Med. 2001; 27(1): 1661-1667.
27. Zingler VC, Krumm B, Bertsch T, Fassbender K, Pohlmann-Eden B. Early prediction of neurological outcome
after cardiopulmonary resuscitation: a multimodal approach combining neurobiochemical and electrophysio-
logical investigations may provide high prognostic certainty in patients after cardiac arrest. Eur Neurol. 2003;
49(2): 79-84.
28. Hachimi-ldrissi S, Van der Auwera M, Schiettecatte J, Ebinger G, Michotte Y, Huyghens L. S-100 protein as
early predictor of regaining consciousness after out of hospital cardiac arrest. Resuscitation. 2002; 53(3): 251-
257.
29. Robinson LR, Micklesen PJ, Tirschwell DL, Lew HL. Predictive value of somatosensory evoked potentials for
awakening from coma. Crit Care Med; 2003; 31(3): 960-967.
30. Nakabayashi M, Kurokawa A, Yamamoto Y. Immediate prediction of recovery of consciousness after cardiac
arrest. Intensive Care Med. 2001; 27(7): 1210-1214.
31. Zandbergen EG, Haan RJ, Stoutenbeek CP, Koelman JH, Hijdra A. Systematic review of early prediction of
poor outcome in anoxic-ischaemic coma. Lancet. 1998; 352(9143): 1808-1812.
32. Jennett B, Bond M. Assessment of outcome after severe brain damage. Lancet. 1975; 1:480.
33. Zandbergen EG. Prediction of poor outcome in anoxic-ischemic coma. J Clin Neurophysiol. 2000; 17(5): 498-
501.

191
192
Apêndice 1

Escalas na avaliação clínica inicial


Os índices prognósticos e as escalas de avaliação são importantes instrumentos utilizados em pacientes graves,
permitindo uma análise comparativa de condutas e protocolos, sendo estudados não só os resultados em si, como
também a qualidade evolutiva de um serviço. Assim, além de unificarem a linguagem da caracterização clínica dos
pacientes, permitem comparar diferentes unidades entre si. O que observamos foi o surgimento de vários índices,
desenvolvidos em populações diversas e se direcionando para um ou outro aspecto. Sendo assim, vamos encontrar

índices Específicos
monitoração e Gerais,
os mais queAsevariedade
diversos. utilizam de
de índices
dados clínicos, laboratoriais,
hoje encontrados nos exames
mostra complementares e dados
claramente que todos de
apre-
sentam vantagens e limitações importantes, não se conseguindo uma padronização nos diferentes serviços. Na
atualidade, os índices gerais mais freqüentemente utilizados são o APACHE II (Acute Physiologic and Chronic
Health Evaluation), o SAPS (Simplified Acute Physiologic Score), o MPM II (Mortality Prediction Model), o TISS
(Therapeutic Intervention Scoring System) e o SOFA (Sepsis related Organ Failure Assesment).
Alguns Índices específicos são a escala de risco de Killip para infarto agudo do miocárdio (IAM), escalas de risco
cirúrgico para cardiopatas (Goldman Index), Pancreatite Aguda = Ranson, Queimados = Burn Index, Trauma
= RTS ou Escore de Trauma Revisado, Neurotrauma = GCS ou Escala de Coma de Glasgow, e hemorragia sub-
aracnóide = Hunt Hess, etc. As escalas e índices neurológicos serão vistos em cada tópico correspondente, com
sua análise crítica devida e necessária. Vamos especialmente comentar a Escala de Coma de Glasgow (GCS) que é,
sem dúvida, sinônimo de avaliação neurológica no dia a dia e, a seguir, colocar a escala de avaliação de gravidade
do paciente politraumatizado (RTS). A procura por uma linguagem mais homogênea, que facilite o entendimento
entre diversas equipes, examinando os mesmos pacientes em coma, surgiu a partir de diferentes publicações, que
valorizam termos e definições muitas vezes confusos quanto ao estado real da consciência (vigília e conteúdo).
Termos como SONOLÊNCIA, VIGIL, TORPOR, COMA SUPERFICIAL, CONFUSÃO MENTAL, LETAR-
GIA, COMA PROFUNDO, OBNUBILAÇÃO não representavam uma correta definição do estado de alerta ou
conteúdo dos pacientes examinados, o que gerava confusão nos exames seqüenciais pela necessidade de avaliação
periódica do Nível de Consciência. A proposta de Plum e Posner, em 1972, de sistematizar o exame do paciente em
coma, com valorização e avaliação bem definida dos dados do quadro abaixo, foi fator determinante do inicio da
uniformização em relatos clínicos de pacientes em coma.
1. NÍVEL DE CONSCIÊNCIA
2. PUPILAS E FUNDO DE OLHO
3. RITMO RESPIRATÓRIO
4. MOVIMENTAÇÃO OCULAR EXTRÍNSECA
5. PADRÃO DE RESPOSTA MOTORA

Dois
liaçãoanos após, Jennett
e pontuação e Teasdale
numérica publicam
da ABER TURAna literatura
OCULAR, a Escala de Coma
RESPOSTA de Glasgow
VERBAL (ECGl), baseados
e PADRÃO na ava-
DE RESPOSTA
MOTORA. A CGS ou ECGl foi introduzida na prática médica em 1974 por Graham Teasdale e Brian Jennett e,
mesmo sendo criada inicialmente para avaliar pacientes com TCE e, assim, calcular prognósticos e estabelecer con-
dutas e cuidados nos diferentes níveis, acabou por ganhar grande popularidade, pela facilidade de aplicação e por
ser bastante prática e objetiva. É utilizada em diversas entidades nosológicas, apesar de guardar algumas falhas em
situações específicas e até mesmo no trauma. É bastante utilizada, como parâmetro, na maioria dos Indices Prog-
nósticos Gerais da atualidade e é muito importante na análise evolutiva e seqüencial dos pacientes neurocríticos.

193
ESCALA DE COMA DE GLASGOW (ECGl)
Abertura Ocular Resposta Verbal
4. ESPONTÂNEA 5. ORIENTADO
3. ESTÍMULO SONORO 4. CONFUSO
2. ESTÍMULO ÁLGICO 3. PALAVRAS
1. NENHUMA 2. SONS
1. NENHUMA
Resposta Motora
6. OBEDECE COMANDO
5. LOCALIZA ESTÍMULO
4. MOVIMENTO DE RETIRADA TOTAL ECGl (3 a 15)
3. POSTURA FLEXÃO
2. POSTURA EXTENSÃO
1. NENHUMA

ESCORE DE TRAUMA REVISADO (RTS)


Freqüência Respiratória Pressão Arterial Sistólica Escala de Correlação ECGl
10 - 29 /min = 4 ≥89 mmHg = 4 13-15 = 4
>29 /min = 3 76 - 89 mmHg = 3 09-12 = 3
6 - 9 /min = 2 50 - 75 mmHg = 2 06-08 = 2
1 - 5 /min = 1 01 - 49 mmHg = 1 04-05 = 1
NENHUMA = 0 SEM PULSO = 0 03 =0
Champion H.R., Sacco W.J., Carnazzo A.J., et al: Trauma score. Crit. Care Med 9(9): 672-76, 1981
TOTAL ESCORE DE TRAUMA (0 a 12)
As tentativas de adaptações e mudanças são muito criticadas, mas é comum a utilização somente do quadro da
motricidade como análise evolutiva. Originou a Escala Prognóstica de Alta de Glasgow e apresenta uma série de
adaptações para avaliar pacientes com idade menor que 5 anos.

Escala de Coma de Glasgow Modificada para Pacientes de 1 a 4 anos de idade


(Traumer, D., A. & James, H., E. 1985)
Resposta Forma Escore
Aberturaocular Espontânea 4
Ordemverbal 3
Estímulodoloroso 2
Sem
resposta 1
Melhorrespostaverbal Balbucio 5
Choroirritado 4
Choro por estímulo doloroso 3
Gemidodor
a 2
Sem
resposta 1
Melhor resposta motora Movimento espôntaneo normal 6
Localizaestímulo 5
Reage
dor
à 4
Decorticação 3
Descerebração 2
Sem
resposta 1
TOTAL 15 – 3

194
Glasgow Outcome Scale (GOS) (Escala Prognóstica de Alta de Glasgow)

1- Morte
2- Estado Vegetativo
3- Incapacidade Grave = necessita de assistência para AVD e/ou deficit mental grave
4- Incapacidade moderada = Independente para AVD, mas com deficit cognitivo, mo-
tor ou de linguagem significativo e suficiente para impedir o retorno ao trabalho
5- Boa Recuperação = Capaz de retornar as atividades normais e manter relaciona-
mento social e familiar.

Escala Coma de Glasgow para pacientes de um a doze meses de idade


(Shapiro K. )
UM MÊS CINCO SEIS
E MESES
1. ausênciaderesposta 1. ausênciaderesposta
2. gritoaoserestimulada 2. gritoaoserestimulada(gemido)
3. gritoespontâneo 3. localizaadireçãodossons
4. p isca os olhos quando estimulada 4. r econhece pessoas da família
5. e mite ruído com a garganta 5. b albucio para pessoas, brinquedos
DOISMESES SETEEOITOMESES
1. ausênciaderesposta 1. ausênciaderesposta
2. gritoaoserestimulada 2. gritoaoserestimulada(gemido)
3. fecha os olhos com estímulo luminoso 3. reconhece a família e vozes familiares
4. sorriquandoacariciada 4. balbucio
5. b albucio-apenassonsvogais 5. “ ba”,“ma”,“dada”
TRÊS MESES NOVE E
DEZ MESES
1. ausênciaderesposta 1. ausênciaderesposta
2. gritoaoserestimulada 2. gritoaoserestimulada
3. fixa o olhar ao ser estimulada, olhando tambémo 3. reconhece através de sorriso ou risada
ambiente 4. balbucio
4.s orrisoaestimulaçãosonora 5.“ mama”,“dada”
5. riso disfarçado - sons semelhantes ao de pombo
QUATROMESES ONZEEDOZEMESES
1. ausênciaderesposta 1. ausênciaderesposta
2. gritoaoserestimulada 2. gritoaoserestimulada(gemido)
3. v ira a cabeça ao estímulo sonoro 3. r econhece através de sorriso
4. sorri espontaneamente ou quando estimulada, risa- 4. balbucio
da quando socialmente estimulada 5. palavras (especificamente “mama”, “dada”)
5. modulação da voz e vocalização correta de vogais
CARVALHO, W., B. e cols. - Manual de terapia intensiva pediátrica. Atheneu, 1993
As críticas mais importantes com a CGS seriam nos casos de pacientes com distúrbios da linguagem recentes ou
antigos (afasias e disfasias), disartrias e / ou disfonias. Pacientes sedados, entubados, com trauma raqui-medular ou
com lesões motoras prévias também apresentam dificuldade na aplicação da escala. A ECGl apresenta dificuldade
na análise do padrão flexor, mas apresenta boa acurácia para avaliação de pacientes mais graves, com 70 a 80% de
correlação de avaliação por diferentes examinadores, sendo de 100% quando avaliados pacientes com ECGl < 8.
Apresenta ainda erros na avaliação de pacientes com morte encefálica quando existe o reflexo espinhal, o que signi-
ficaria 4 pontos pela resposta flexora, ou seja 6 pontos na ECGl em um paciente com morte encefálica. Dificuldades
na diferenciação de retirada inespecífica e padrão flexor e, ainda, a abertura ocular por estimulo supra orbitário
poderia ser confundida com abertura espontânea, assim como os pacientes de olhar fixo e vigil.
A avaliação de pacientes próximos do normal também causa alguma dificuldade, pela ocorrência de mesma pon-

195
tuação com situações clínicas diversas, o que acabou por srcinar a criação da Escala de Coma de Jouvet, que por
avaliar a função cortical (perceptividade) e analisar estruturas situadas no tronco encefálico (reatividade), pode
melhor definir os estados vegetativos. Além disso, também permite a análise de estados agudos, pois possibilita uma
análise de correlação anatômica entre o tronco e o diencéfalo. No entanto, é de difícil aplicabilidade, pois apresenta
falso Blinking pelo deslocamento de ar; em D3 não especifica o tipo de retirada motora, tendo a mesma pontuação
para inespecífica, flexora e extensora. É uma escala com larga utilização em serviços de neurocirurgia e neurologia,
pela sua boa aplicabilidade em pacientes com ECGl > 9, mas pouco conhecida nos demais setores clínicos .
Parâmetro Resposta Observada Pontos
PERCEPTIVIDADE

Lúcido, obedece ordens complexas e escritas P1


Desorientado Temporo Espacial, não atende ordem escrita P2
Obedece apenas ordens verbais P3
Apresenta apenas blinking P4
Não apresenta blinking P5

REATIVIDADE INESPECÍFICA
Aos estímulos verbais Ù Acorda e orienta R1
Aos estímulos verbais Ù Só acorda R2
Aos estímulos verbais Ù Resposta Negativa R3

REATIVIDADE ESPECÍFICA (DOR)


Acorda, retira, mímica, vocaliza D1
Acorda e retira sem mímica e vocalização D2
ocalização D3
Só tem retirada motora D4
Resposta Negativa D5
REATIVIDADE AUTONÔMICA
Taquicardia, Taquipnéa, Midríase V1
Resposta Negativa V2
Pontuação total = 4 a 14

196
Apêndice 2

Semiologia neurológica
Dr. Álvaro Réa Neto
I - ABORDAGEM DO PACIENTE COM DOENÇA NEUROLÓGICA
1) INTRODUÇÃO: Os sintomas e sinais relacionados a alterações da função neurológica estão entre os mais freqüentes
e complexos da clínica médica. Eles podem estar relacionados a alterações da função cortical (linguagem, memória,
julgamento, etc) ou das estruturas subcorticais (tratos axonais, medula espinhal, cerebelo, nervos, músculos, etc.).
Além disso, são freqüentemente numerosos e diversos (polimórficos). Portanto, é necessária uma avaliação cuida-
dosa dos tipos e características dos sintomas, seus padrões temporais e associações, junto com um exame neuroló-
gico inteligente (no sentido de conhecer o que cada elemento do exame representa) na busca da avaliação dos sinais,
permitindo que uma definição seja escolhida entre várias alternativas, com objetivos diagnósticos e terapêuticos.
DOENTE è AVALIAÇÃO DOS + AVALIAÇÃO DOS è DEFINIÇÃO
NEUROLÓGICO SINTOMAS SINAIS DIAGNÓSTICA
2) O MÉTODO NEUROLÓGICO DE AVALIAÇÃO CLÍNICA: O método neurológico de avaliação clínica tem, tradicionalmen-
te, enfatizado a necessidade de primeiro localizar a lesão e, posteriormente, determinar a etiologia.
1o = ONDE ESTÁ A LESÃO ? è 2o = QUAL A ETIOLOGIA DALESÃO ?
Durante a exploração dos sintomas (anamnese) e sinais (exame neurológico), deve-se ter em mente conceitos ana-
tômicos e funcionais que permitam a localização da lesão. Esta tarefa inicial estreita as possibilidades etiológicas,
colocando o problema num tamanho finito e mais fácil de ser manipulado.
3) A HISTÓRIA NEUROLÓGICA: Uma atenção cuidadosa à descrição dos sintomas feita pelo paciente e seus familiares
e/ou acompanhantes permite uma localização inicial da lesão e a determinação de suas possíveis causas, mesmo an-
tes do exame físico. Dois princípios devem ser seguidos: 1o) cada queixa deve ser muito bem investigada no esforço
de delinear onde a lesão se encontra e o que se espera encontrar no exame físico; 2 o) procurar associações positivas
e negativas para uma boa definição anatômica e etiológica. Alguns fatores que auxiliam na definição da natureza
da lesão (qual a etiologia da lesão?) são:
a) curso temporal da doença: particularmente importante é precisar a velocidade de aparecimento e a progressão
dos diversos sintomas. Um início súbito (segundos a minutos) geralmente indica lesão vascular, trauma ou doença
convulsiva. Início agudo (horas) sugere inflamação ou alteração metabólica, e início crônico e/ou insidioso (dias a
semanas) sugere neoplasia ou um processo degenerativo.
b) descrição subjetiva das queixas: é importante determinar o grau de entendimento que o paciente tem de suas
queixas a fim de precisar o significado dos sintomas. As descrições dos sintomas feitas pelos pacientes são altamente
subjetivas e dependentes do seu grau de cultura. O médico deve estar treinado para interpretar os dados dentro da
experiência do paciente.
c) acrescentar e confirmar dados com acompanhantes: é útil obter dados adicionais com familiares, amigos ou obser-
vadores. O paciente pode distorcer a descrição dos sintomas por alterações da personalidade, da memória, uso de
drogas (álcool), doenças cerebrais estruturais, etc.
d) história familiar: muitas doenças neurológicas, especialmente na infância e no começo da vida adulta, têm etio-
logia familiar ou hereditária. É preciso saber distinguir história familiar negativa de história familiar incompleta
(desconhecimento de parentes, etc.).

197
e) outras doenças médicas subjacentes: muitas doenças neurológicas ocorrem em decorrência de doenças sistêmicas
(alterações metabólicas, metástases cerebrais de neoplasias sistêmicas). Além disso, muitas doenças sistêmicas au-
mentam as chances de doenças neurológicas (cardiopatia, hipertensão arterial e diabetes relacionadas com doença
cerebrovascular, trauma e epilepsia, LES e vasculite do SNC, etc).
f) exposição à drogas ou toxinas: muitos efeitos colaterais de drogas ou seus efeitos nas intoxicações podem se ma-
nifestar como sintomas neurológicos (álcool, digoxina, sedativos, anticonvulsivantes, etc).
4) O EXAME NEUROLÓGICO: O exame neurológico sistemático deve englobar uma avaliação de todas as principais
funções cerebrais até os nervos periféricos e músculos. Após a história clínica e neurológica, o médico deve ter em
mente algumas hipóteses diagnósticas que deverão ou não ser corroboradas com o exame neurológico. Algumas
partes do exame neurológico deverão ser examinadas mais detalhadamente porque se tem em mente alguma hipó-
tese diagnóstica a elas relacionadas. O exame neurológico‚ sistematizado começa pela avaliação da função mental,
continua com o exame dos pares cranianos e da função motora e sensibilidade dos MsSs, tronco e MsIs, e termina
com a análise da postura e da marcha.
5) FORMULAÇÃO DO PROBLEMA E DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO: Os dados clínicos obtidos a partir da história e do exa-
me neurológico devem ser interpretados nos termos da neuroanatomia e neurofisiologia e reunidos em síndromes
conhecidas. A partir da síndrome (piramidal, cerebelar, etc) o médico deve ser capaz de determinar a localização
anatômica que melhor explica os achados clínicos. Posteriormente, a integração dos dados de localização, modo de
instalação e curso da doença, outros dados clínicos e resultados de laboratório permitem que diagnósticos sejam
definidos e terapêuticas apropriadas sejam propostas.
DADOS è INTERPRETAÇÃO è SÍNDROMES è LOCALIZAÇÃO è DIAGNÓSTICO
Hx e EF DOS DADOS ANATÔMICA ETIOLÓGICO
II - FUNÇÃO MENTAL

A caracterização
etiologia da função
do processo. mental
Com este auxiliao presente
objetivo, o médicoexame
na localização
da funçãodas lesõesfoineurológicas
mental e fornece
desenhado para pistas
avaliar para a
as funções
das três principais divisões filogenéticas do cérebro humano (sistema central e da linha média, sistema límbico e
neocórtex).
1) SISTEMA CENTRAL E DE LINHA MÉDIA: Este sistema engloba o tronco cerebral, o diencéfalo e o hipocampo. A subs-
tância reticular ativadora ascendente (SRAA) localizada no tronco é responsável pelo estado ou nível de consciência:
alerta é o estado de consciência em que o paciente abre os olhos espontaneamente e responde adequadamente às
ordens simples (abrir a boca, levantar o braço). Na sonolência o paciente permanece num estado de sono mas que
pode ser despertado sob estímulo e responde às ordens simples. No estupor o paciente permanece num estado de
sono mas acorda incompletamente sob estímulo e não responde adequadamente às ordens simples. No coma o
paciente é incapaz de ser acordado e de responder ordens. Mutismo acinético ou estado vegetativo crônico é um
estado de imobilidade e de ausência de comunicação, embora o paciente fique com os olhos abertos quando acor-
dado. Delirium é uma alteração na qualidade da consciência, acompanhada de confusão, excitação e alucinações.
Processos destrutivos do hipocampo afetam a consolidação de novos dados na memória e a orientação no tempo . A
memória pode ser testada no teste de lembrança de objetos (3 a 4) previamente identificados após 10 minutos.
2) SISTEMA LÍMBICO: O sistema límbico está relacionado com a vida emocional do indivíduo e com comportamentos
específicos da espécie, incluindo atividade sexual, respostas defensivas e de ataque e expressões de sentimento como
alegria e medo. O médico deve, além de observar estes elementos no doente, obter dados dos acompanhantes quan-
to ao afeto, sexualidade, sociabilidade, agressividade e instinto de auto-preservação do paciente.
3) NEOCÓRTEX: A maioria das atividades cognitivas integradas do cérebro humano são funções do neocórtex. Al-
gumas propriedades do neocórtex estão localizadas em ambos os hemisférios cerebrais, enquanto outras estão
concentradas no hemisfério dominante ou no não-dominante.

198
Propriedades gerais: as propriedades gerais do neocórtex podem ser avaliadas através da prova dos setes seriados
onde se solicita ao paciente que subtraia sete de cem e continue seriadamente. Um paciente normal pode fazer um
ou dois erros, mas pacientes com lesões difusas cometerão vários erros. As capacidades de julgamento e raciocínio
podem ser avaliadas com a interpretação de provérbios e metáforas a qual requer generalizações a partir de exem-
plos concretos e com o teste das similaridades que requer o reconhecimento de características comuns a objetos
específicos (o que existe de comum entre uma laranja e uma maçã? ou entre um sofá e um armário?). A avaliação
do raciocínio em geral requer um fundo de conhecimentos gerais e de vocabulário que se observa desde a anamnese.
Uma outra propriedade do neocórtex é a modulação do comportamento emocional. Uma outra função cerebral im-
portante, e que está distribuída numa grande área do neocórtex, é a memória. Para efeitos práticos o examinador
deve se preocupar com 3 formas de memória: a) a memória imediata que consiste na retenção por segundos de
sentenças faladas, escritas ou objetos visualizados. Um bom teste é o dos números seriados em que se solicita ao
paciente repetir uma série cada vez maior de números, começando com 3 e aumentando progressivamente. Defeitos
na memória imediata podem decorrer de lesões corticais difusas ou lesões occipitotemporais dominantes; b) a me-
mória recente diz respeito ao processo de consolidação da memória. Pode-se testar dando ao paciente o endereço
de uma pessoa e solicitar que o repita após 5-10 minutos. Distúrbios da memória recente podem surgir nas lesões
corticais difusas, hipocampais e temporais dominantes; c) memória remota refere-se à lembrança de fatos passados.
É testada solicitando a descrição de eventos antigos (casamentos, mudanças, empregos). Só costuma se alterar nas
lesões corticais difusas e severas.
Propriedades do neocórtex dominante: a linguagem é uma das mais importantes funções do hemisfério dominante.
Ela está concentrada nos lobos temporal, junção temporo-parieto-occipital e porção lateral do lobo frontal. As
dificuldades de linguagem são denominadas disfasias e afasias (as afasias são mais graves que as disfasias). Afasia
de compreensão (receptiva ou de Wernicke) é a dificuldade predominante na compreensão da linguagem falada e
está relacionada a lesões do lobo temporal dominante. Afasia de expressão (motora ou de Broca) é a dificuldade
predominante na expressão oral da linguagem e está relacionada a lesões laterais do lobo frontal dominante. Afa-
sia global acomete a compreensão e a expressão da linguagem e representa lesões corticais mais difusas compro-
metendo os lobos temporal e frontal dominantes. Afasia nominal é uma dificuldade em nominar objetos comuns,
apesar de haver reconhecimento. Geralmente representa lesão temporo-parietal dominante. Dislexia é a dificuldade
de reconhecer a linguagem escrita ou pintada. Ocorre nas lesões occipito-temporais dominantes. Outra importante
função do neocórtex dominante é o controle de atos motores habilidosos. O controle destes atos é dado pela área
motora do lobo frontal dominante em contínua comunicação com a mesma área do lobo não-dominante através
do corpo caloso. A dificuldade no controle de tais atos é denominada de apraxia. Exemplos podem ser observados
quando o paciente toma água num copo, quando se veste, ao pentear o cabelo, etc. Outras importantes funções
do neocórtex dominante são a capacidade para cálculo, orientação direita-esquerda e construções geométricas, como
círculos, triângulos e estrelas. Estas funções estão alteradas nas lesões parieto-temporais dominantes.
Propriedades do neocórtex não-dominante: o hemisfério cerebral não-dominante é particularmente importante no
reconhecimento visual e na orientação no espaço. Lesões parietais não-dominantes acarretam importante perda da
atenção e desconhecimento do lado contralateral do corpo. O paciente tem dificuldade para reconhecer objetos e
faces familiares, dificuldade para caminhar ou se mexer em espaços reduzidos e para desenhar.
III - NERVOS CRANIANOS
I - NERVO OLFATÓRIO
O nervo olfatório, primeiro par craniano, carrega impulsos aferentes especiais (olfação) srcinados na membrana
olfatória das fossas nasais até o telencéfalo (hipocampos temporais). No teste da olfação, utiliza-se substâncias
aromáticas conhecidas, como café, álcool, tabaco, canela, etc. O paciente deve identificar o aroma de cada substân-
cia, testando uma narina de cada vez e com os olhos fechados. As alterações que podem ser encontradas no exame
são: anosmia, ausência completa da olfação, ocasionada por renite (alérgica ou viral), traumas com lesões do I par
e tumores na via olfatória; hiposmia, diminuição da olfação, ocasionadas pelas mesmas causas da anosmia; hipe-
rosmia, aumento da olfação, devido a enxaqueca, epilepsia, encefalite ou histeria; parosmia, perversão do olfato,

199
ocasionada principalmente pelas psicopatias (esquizofrenia) e pela epilepsia.
II - NERVO ÓPTICO
O nervo óptico, segundo par craniano, é formado pelos prolongamentos centrais dos axônios dos cones e bastone-
tes retinianos. Estes axônios, após convergirem na papila óptica, formam o nervo óptico, que entra no crânio pelo
forame óptico até o quiasma óptico. No quiasma há a decussação parcial das fibras do nervo óptico, sendo que as
fibras da retina nasal (campo visual temporal) cruzam para o lado oposto e as fibras da retina temporal (campo
visual nasal) não cruzam. A partir do quiasma existem dois feixes de fibras, chamados de tractos ópticos, que vão
até os corpos geniculados laterais correspondentes. Os axônios dos neurônios aí localizados formam as radiações
ópticas (ou tractos genículo-calcarinos) até os sulcos calcarinos nos lobos occipitais, área cortical da visão.

No exame do nervo óptico devemos testar a acuidade visual, o campo visual e fazer a fundoscopia.
a) acuidade visual: o exame neurológico não visa determinar com exatidão a acuidade visual. Um exame menos
preciso pode trazer informações suficientes. Solicita-se ao doente que identifique objetos ou palavras na sala de
exame, sempre examinando um olho de cada vez. Se o déficit for maior, verifica-se se o paciente consegue contar
dedos em diferentes distâncias. Denomina-se ambliopia a diminuição da acuidade visual e amaurose a abolição
completa da visão.
b) campo visual: denomina-se campo visual o espaço que pode ser visualizado por um olho fixo em posição média.
Cada olho possui um campo visual nasal e um campo visual temporal, percebidos, respectivamente, pelas retinas
temporal e nasal. A avaliação precisa dos campos visuais (campimetria) só pode ser feita pelo oftalmologista, mas
a sua determinação pelo método da confrontação traz informações importantes ao clínico. O paciente deve estar
sentado, olhando um ponto fixo na face do examinador postado a sua frente. Deslocando um objeto (uma caneta,
por exemplo) nos sentidos horizontal e vertical, o examinador confronta o campo visual do olho D do paciente com
o campo visual do seu olho E e, posteriormente, o contrário. Os déficits nos campos visuais podem ser representa-
das por pontos cegos (escotomas), quadrantes cegos (quadrantanopsias), metades cegas (hemianopsias) e cegueiras
completas (amauroses). As principais lesões que acarretam alterações nos campos visuais são: amaurose (ipsilateral
à lesão), cegueira completa de um campo visual, devido a lesões difusas da retina ou neurites do nervo óptico; he-
mianopsia heterônima bitemporal, perda da visão de ambos os campos visuais temporais, devido a lesões no centro
do quiasma óptico, como tumores hipofisários; hemianopsia homônima (contralateral à lesão), perdas dos campos
visuais nasal de um lado e temporal do outro lado, devido a lesões completas do tracto óptico ou das radiações óp-
ticas ocasionadas por tumores cerebrais ou doenças cerebrovasculares; quadrantanopsia homônima (contralateral
à lesão), perdas parciais dos campos visuais nasal de um lado e temporal do outro lado, devido a lesões parciais das
radiações ópticas ocasionadas por tumores cerebrais ou doenças cerebrovasculares.
c) fundoscopia: o exame do fundo de olho, com auxílio de um oftalmoscópio é parte essencial do exame neuro-
lógico. Verifica-se fundamentalmente a papila óptica, os vasos retinianos e a retina. A papila óptica tem uma
forma circular, de cor rosa claro, bordos bem delimitados e com vasos nítidos. As alterações mais freqüentes
encontradas na papila são o edema e a atrofia. O edema da papila (papiledema) caracteriza-se por perda progres-
siva da nitidez dos bordos papilares, elevação do disco papilar, uma coloração rosada mais forte (hiperemia) e
veias ingurgitadas com desaparecimento do pulso venoso. O papiledema ocorre principalmente por hipertensão
intracraniana, devido a tumores cerebrais, hidrocefalia, abscessos e hemorragias cerebrais. A atrofia da papila

caracteriza-se por uma papila


tracraniana sustentada ou pordeprimida, pálida eAlterações
neurites ópticas. com bordos bem nítidos.dos
significativas Ocorre
vasosapós uma hipertensão
retinianos ocorrem nain-ate-
rosclerose e na hipertensão arterial e permitem avaliar o estado dos vasos sistêmicos com a fundoscopia. Estas
alterações serão estudadas no módulo de cardiologia. O exame da retina propriamente dita interessa ao clínico
por propiciar o pistas diagnósticas de algumas doenças sistêmicas como endocardite infecciosa, diabetes mellitus
e toxoplasmose, entre outras.
III - NERVO OCULOMOTOR

200
IV - NERVO TROCLEAR
VI - NERVO ABDUCENTE
Os nervos oculomotor, troclear e abducente, terceiro, quarto e sexto pares cranianos, respectivamente, são nervos
exclusivamente motores, responsáveis pela inervação dos músculos extrínsecos dos olhos e pela movimentação do
globo ocular. Devido a esta relação anátomo-funcional eles são estudados juntamente.
O nervo oculomotor ‚ responsável pela inervação dos músculos reto superior (dirige o olhar para cima e para fora),
reto inferior (olhar para baixo e para fora), reto medial (olhar para dentro), oblíquo inferior (olhar para cima e para
dentro), elevador da pálpebra superior (elevação da pálpebra), músculo constritor da íris e corpo ciliar e pela iner-
vação parassimpática da pupila (miose). O nervo troclear inerva apenas o músculo oblíquo superior, responsável

pelo
A olhar para
inervação baixo eda
simpática para dentro.
pupila O nervo‚abducente
(midríase) inerva
independente o músculo
destes reto lateral,
pares cranianos. A responsável
investigaçãopelo olhar lateral.
semiológica des-
tes nervos é sistematizada do seguinte modo:
a) motilidade extrínseca: o exame se processa com o paciente sentado e acompanhando com o olhar um objeto ao longo
do campo visual, inicialmente com os 2 olhos simultaneamente e, posteriormente, com cada olho em separado. O senti-
do da limitação do movimento do globo ocular indica o(s) músculo(s) afetado(s) e o nervo acometido. Lesão do III par
caracteriza-se por ptose palpebral, desvio lateral do globo ocular (abdução ocular) e midríase pupilar. Pode surgir por
neurite diabética e compressão por hérnia de uncus (temporal) ou por aneurismas da artéria carótida interna. Lesão do
IV par caracteriza-se pela incapacidade de deslocar o globo ocular acometido para baixo e para dentro. Seu acometimen-
to isolado é infreqüente e pode ocorrer por neurite. Lesão do VI par caracteriza-se por um desvio medial do globo ocular
e incapacidade de efetuar a mirada lateral. Seu acometimento pode ocorrer nas fraturas de base do crânio, meningites,
tumores cranianos e neurites. É a lesão isolada mais freqüente dos pares cranianos e não tem valor de localização. A
paralisia de qualquer destes músculo pode levar o paciente a queixar-se de visão dupla (diplopia).
b) motilidade intrínseca: quando examinamos a pupila devemos descrever o grau de dilatação e sua resposta à luz. Pupilas
com o mesmo grau dedilatação são chamadas de isocóricas e com graus diferentes de dilatação são anisocóricas
. A dilata-
ção pupilar é denominada de midríase e a constrição, miose. A motilidade da pupila é testada com uma lanterna incidindo
um raio luminoso na retina. A resposta normal à luz
na retina se fazcom a constrição ipsilateral (reflex o fotomotor direto) e
contralateral da pupila (reflexo fotomotor consensual). A via aferente II
‚ opar (partedas fibras retinianas cruzam no quias-
ma e viajam por ambos os tractos ópticos) e a eferente‚ a inervação parassimpática do III par. Portanto, lesões do II par
(neurite, traumas, tumores) acarretam perda de ambos os reflexos e lesões do III par (neurite, hérnia de uncus, aneurisma de
carótida interna) acarretam perda somente do reflexo ipsilateral à lesão. Outro reflexo pupilar é o da acomodação. Quando
estamos olhando um objeto ao longe e passamos a olhar outro objeto 10 a 15 cm a nossa frente,converhá gência dos globos
oculares e miose de ambas as pupilas para acomodar o cristalino. Algumas outras alterações pupilares são clássicas e me-
recem referência: a pupila de Argyll-Robertson caracteriza-se por perda dos reflexos fotomotores e manutenção do reflexo
de acomodação, tendo sido considerado patognomôni co de sífilis terciária no passado; asíndrome de Horner caracterizada
por miose, ptose palpebral, enoftalmia e anidrose da hemiface acometida, devido à lesão do simpático cervical ipsilateral
por tumor de ápice pulmonar (Pancoast) ou aneurisma de carótida cervical, entre outras .
V - NERVO TRIGÊMEO
O nervo trigêmeo, quinto par craniano, é dotado de uma raiz sensitiva, responsável pela sensibilidade geral da me-
tade anterior da cabeça, e por uma raiz motora, responsável pela inervação dos músculos da mastigação.
a) raiz sensitiva: é dividida nos ramos oftálmico, maxilar e mandibular, responsáveis pela sensibilidade geral do
segmento anterior da face. A sensibilidade táctil, dolorosa e térmica podem ser testadas. De rotina, somente a
sensibilidade táctil é testada, usando-se uma mecha de algodão e tocando pontos simétricos da face, de maneira
descendente e anotando eventuais déficits de sensibilidade, estando o paciente com os olhos fechados. Como a
sensibilidade da córnea é feita pelo ramo oftálmico do trigêmeo, isto permite testar o reflexo córneo-palpabral, que
consiste em tocar a córnea do paciente com uma pequena mecha de algodão, havendo como resposta o piscamento

201
bilateral. A via eferente deste reflexo ‚ o VII par. Hemorragias e tumores do tronco cerebral acarretam perda deste
reflexo, assim como lesões do V par (traumas) e/ou do VII par (paralisia periférica, traumas).
b) raiz motora: representada pelo nervo mastigatório, que inerva os músculos responsáv eis pela mastigação (temporal,
masseter e pterigoídeos). A avaliação desta raiz se faz solicitando ao paciente que abra a boca, cerre os dentes e latera-
lize a mandíbula. A lesão unilateral desta raiz (traumas) ac arreta: desvio da mandíbula para o lado da lesão quando o
paciente abre a boca, diminuição da força na mastigação e noônus t da musculatura do lado da lesão quando o pacien-
te cerra os dentes contra a resistência do examinador, e dificuldade para lateralizar a mandíbula para o lado oposto à
lesão. O reflexo mentoniano envolve somente o nervo trigêmeo como vias aferente e eferente e consiste na percussão
da região mentoniana do paciente, estando ele com a boca entreaberta, e obtendo, como resposta, o fechamento da
boca. Qualquer lesão do V par leva à abolição do reflexo e lesões corticais difusas acarretam sua exacerbação.

VII - NERVO FACIAL


O nervo facial, sétimo par craniano, possui uma raiz motora, responsável pela inervação dos músculos faciais, e uma raiz
sensitiva, responsável pela sensibilidade de parte do meato acústico externo, do palato mole e região posterior das fossas
nasais e da gustação dos 2/3 anteriores da língua. De rotina, somente a parte motora do nervo facial é examinada.
O exame da musculatura da face é realizada com o paciente sentado, de frente para o examinador. Primeiro obser-
va-se eventuais assimetrias faciais a partir do desaparecimento ou acentuações dos sulcos faciais anatômicos. A se-
guir solicita-se ao paciente que realize movimentos de franzir a testa, fechar os olhos, abrir a boca, sorrir e assobiar
para surpreender e caracterizar alguma alteração. A lesão do VII par pode ser central (supranuclear) ou periférica
(infranuclear). A paralisia facial central acomete somente a metade inferior da face, havendo desvio da rima labial
para o lado sadio e dificuldade para assobiar e para elevar a rima labial do lado lesado. Ocorre por lesão do córtex
motor ou do trato córtico-bulbar, sempre no lado oposto à paralisia, devido à doença cerebrovascular (isquêmica
ou hemorrágica), tumores cerebrais ou trauma. A paralisia facial periférica acomete toda a hemiface, havendo di-
minuição das rugas na testa, dificuldade para fechar o olho, desvio do globo ocular ao tentar fechar os olhos (sinal
de Bell), desvio da rima labial para o lado sadio, dificuldade para elevar a rima labial do lado lesado e dificuldade
para assobiar. O reflexo córneo-palpebral também desaparece na paralisia periférica. Ocorre por lesões do núcleo
do VII par no tronco cerebral (doença cerebrovascular, tumores) ou por lesão no tronco do nervo facial (traumas,
neurite, “a frígore”). A diferença no tipo de apresentação nas lesões faciais se deve ao fato da representação cortical
da musculatura da parte superior da face ser bilateral e da metade inferior ser só contralateral.
VIII - NERVO VESTÍBULO-COCLEAR
O nervo vestíbulo-coclear, oitavo par craniano, é constituído por dois nervos funcionalmente distintos, o nervo
vestibular relacionado com o equilíbrio, e o nervo coclear relacionado com a audição.
a) nervo vestibular: é formado pelos prolongamentos centrais dos neurônios bipolares receptores das informações
vestibulares dos canais semicirculares e do utrículo no ouvido interno. Ao nível do tronco cerebral (núcleos vestibu-
lares) há integração destas informações do cerebelo, córtex cerebral e medula espinhal. É responsável pela postura
e pela manutenção do equilíbrio do corpo. As alterações vestibulares se caracterizam por: a) nistagmo, definido
como movimentos oculares rítmicos, com uma fase rápida para uma determinada direção e uma fase lenta para a
posição inicial. Pode ser expontâneo, identificado pela observação atenta do examinador, ou provocado, devendo
o examinador solicitar ao paciente que faça a mirada lateral forçada para ambos os lados para provocar o apare-
cimento do nistagmo. Quanto ao sentido do movimento o nistagmo pode ser horizontal, vertical ou rotatório. b)
desvios posturais: tendência de queda para o lado acometido, estando paciente de pé, parado com os pés juntos. O
desequilíbrio ocorre mesmo com os olhos abertos mas se intensifica quando o paciente fecha os olhos. c) vertigem,
sensação de tontura rotatória, freqüentemente acompanhada de náusea e vômitos. As alterações vestibulares po-
dem ocorrer por alterações periféricas (labirinto no ouvido interno --> inflamações, processo degenerativo) ou por
problemas centrais (núcleos ou vias vestibulares no tronco cerebral --> doença cerebrovascular, tumor).
b) nervo coclear: é formado pelos prolongamentos centrais dos neurônios bipolares receptores da audição no ou-

202
vido interno. Após conexão com os núcleos cocleares no tronco cerebral, os impulsos são conduzidos até o córtex
auditivo nos lobos temporais. A avaliação precisa da audição é realizada pelo otorrinolaringologista. De rotina,
observa-se se o paciente percebe convenientemente a voz do examinador, examinando um lado de cada vez (o outro
lado ocluído), com sons de força diferentes (até o cochicho).
IX - NERVO GLOSSOFARÍNGEO
X - NERVO VAGO
Os nervos glossofaríngeo, nono par craniano, e vago, décimo par craniano, possuem importantes relações anatômi-
cas e funcionais entre si e serão estudados conjuntamente. O IX par é responsável pela sensibilidade geral do terço
posterior da língua, faringe, úvula, amígdalas, tuba auditiva e pavilhão auricular, sensibilidade gustativa do terço

posteriore da
esôfago línguatorácicas
vísceras e músculos da faringe.pela
e abdominais, O Xinervação
par é responsável pela sensibilidade
parassimpática das víscerasda faringe,e laringe,
torácicas traquéia,
abdominais e dos
músculos da faringe e laringe. Ambos os nervos nascem no bulbo. No exame de rotina interessa principalmente
a análise da função motora dos nervos. O paciente deve estar sentado, inicialmente com a boca aberta sem emitir
sons. Observa-se desvios do palato e da úvula. Depois, solicita-se que o paciente diga “aahhh”, ainda com a boca
aberta e verificamos desvios no palato e na úvula. Nas lesões unilaterais do IX e/ou X par há queda do palato no
lado lesado na inspeção estática e desvio da úvula para o lado contralateral na inspeção dinâmica. Outra impor-
tante avaliação da função destes nervos é o reflexo do vômito, pesquisado tocando-se a faringe com uma espátula e
tendo náusea como resposta. Os dois pares funcionam como vias aferente e eferente deste reflexo e qualquer lesão
destes nervos (doença cerebrovascular ou tumores da região bulbar, esclerose lateral amiotrófica) acarretam dimi-
nuição ou abolição do reflexo. Sintomas que costumam aparecer nas lesões destes pares são a disfagia (dificuldade
para deglutir) e a disfonia (dificuldade para pronunciar sons).
XI - NERVO ACESSÓRIO
O nervo acessório, décimo primeiro par craniano, puramente motor, é formado pela fusão das raízes bulbar e espi-
nhal, responsável pela inervação dos músculos laríngeos, do esternoclidomastoídeo e da parte superior do trapézio.
O exame do XI par se faz com o paciente sentado. Primeiramente observamos se existe atrofia dos músculos ester-
noclidomastoídeo e trapézio. Posteriormente, pedimos que o paciente faça a rotação do pescoço contra a resistên-
cia do examinador (testa-se o esternoclidomastoídeo contralateral ao lado da rotação) e eleve os ombros também
contra a resistência do examinador (trapézio). Traumas e tumores são as principais causas de lesão do XI par.
XII - NERVO HIPOGLOSSO
O nervo hipoglosso, décimo segundo par craniano, é responsável pela inervação da língua. O exame do XII par
começa solicitando que o paciente mantenha a boca aberta e observamos a língua na cavidade oral. Observamos se
há desvios, atrofias ou fasciculações. A seguir pedimos que o paciente projete a língua para fora da boca e desvios e
atrofias. As lesões unilaterais do XII par se caracterizam por desvio contralateral da língua quando projetada para
fora da boca e por atrofia e fasciculação da metade ipsilateral à lesão, após algumas semanas da lesão. Traumas,
doença cerebrovascular e tumores bulbares são as causas mais freqüentes de lesão do hipoglosso.
IV - FUNÇÃO MOTORA
1) INTEGRAÇÃO CENTRAL DA FUNÇÃO MOTORA
A função motora é dada pela integração dos músculos da junção mio-neural dos nervos periféricos, das raízes ante-
riores da medula e do sistema nervoso central (sistemas piramidal e extrapiramidal, neurônios medulares e cerebe-
lo). Uma disfunção motora pode ocorrer por alteração em qualquer destes níveis. O sistema piramidal ‚ constituído
por neurônios (principalmente localizados nas áreas motoras frontais) cujas fibras estão contidas nas pirâmides
medulares e alcançam o neurônio motor inferior com função predominantemente facilitadora. O sistema extrapi-
ramidal é constituído por fibras descendentes extrapiramidais de neurônios localizados no córtex frontal, gânglios
da base, tronco cerebral e cerebelo, que também vão até os neurônios motores inferiores e possuem função predo-

203
minantemente inibitória. A alça gama é um conceito funcional importante na manutenção do tônus muscular. Ela
é constituída pelo arco reflexo e por neurônios gama. O arco reflexo é formado por receptores neuronais fusiformes
dentro das fibras musculares, pelo nervo sensitivo, pelo neurônio motor alfa do corno anterior da medula, pelo
nervo motor, pela junção mio-neural e pelo músculo. Ele é fundamental pelo reflexo monossináptico, importante
elemento no estudo da função motora a ser descrito posteriormente.
Devemos distinguir dois tipos de atos motores: movimento de ato, função muscular exercida em resposta a um
reflexo. Aqui, somente o arco reflexo está envolvido; e ato voluntário, função motora integrada no sistema nervoso
central, que pode ser elaborada quando estamos aprendendo ou refinando movimentos conscientemente (como
aprender a escrever, dirigir, dançar, etc), ou automática, quando já aprendemos e estamos repetindo o movimento
inconscientemente. Aqui, o sistema piramidal está preferencialmente envolvido nos atos conscientes e o sistema
extrapiramidal nos atos inconscientes.
2) TÔNUS MUSCULAR
Tônus é o estado de semicontratura do músculo que oferece um certo grau de resistência ao movimento passivo das
articulações. Seu exame se faz com o paciente sentado, palpando as massas musculares e movimentando passiva-
mente as grandes articulações. Hipotonia muscular ou diminuição do tônus muscular ocorre nas lesões do neurônio
motor inferior, do nervo motor, da placa mio-neural, dos músculos e na fase aguda da lesão piramidal. O aumento
do tônus muscular ou hipertonia muscular ocorre por lesões piramidais ou extrapiramidais. A hipertonia piramidal
é chamada de espasticidade por possuir maior resistência a movimentação passiva no início do movimento (como
abrir um canivete). A hipertonia extrapiramidal é denominada de rigidez por possuir resistência constante durante
todo o movimento. A rigidez na doença de Parkinson se associa com o tremor, dando à rigidez a característica de
uma roda denteada durante o movimento passivo da articulação.
A determinação do tônus muscular é dependente da experiência pessoal, sendo difícil de avaliar quantitativamente.
3) FORÇA MUSCULAR

No teste da força de músculos individuais é essencial ter o conhecimento das suas srcens, inserções, funções e ener-
vações. O método preferido para o exame da força muscular coloca o paciente na posição preferida para contrair o
músculo examinado contra a resistência do examinador (manobra de oposição aos movimentos).
A força muscular normal depende de diversos fatores além da presença ou não de doença acometendo o músculo. Idade,
sexo e preparo físico são fatores que devem ser considerados no momento da avaliação. Somente após examinar diferen-
tes pacientes com e sem alteração da força muscular
, o iniciante estará competente para avaliá-la com eficiência.
O exame da força muscular deve testar os músculos individualmente e de forma sistematizada. O caráter da siste-
matização é o exame de músculos homólogos e de maneira descendente (proximal --> distal e membros superiores
--> inferiores). Os principais músculos a serem testados são:
MÚSCULOS NERVOS RAÍZES AÇÃOPRINCIPAL
Ms.flexores do pescoço Ns cervicais C1-C6 flexãodo pescoço
Ms. extensores do pescoço Ns cervicais C1-T1 extensão do pescoço
Deltóide Naxilar C5,6 abduçãodobraço
Bíceps Nmusculocutâneo C5,6 flexãodoantebraço
Tríceps
Ms extensoresdamão Nradial
Nradial C6,7,8
C6,7,8 extensão
extensão domão
da antebraço
Ms flexores da mão N mediano e N ulnar C7,8,T1 flexão da mão
Msintercostais Nsintercostais T1-T11 respiraçãotorácica
Diafragma Nfrênico C3,4,5,6 respiraçãoabdominal
Iliopsoas plexolombar L2,3,4 flexãodacoxa
Quadríceps Nfemoral L2,3,4 extensãodaperna
Msflexoresdacoxa Nciático L4,5S1,2 flexãodacoxa
Tibialanterior N fibular profundo L4,5 S1 flexãodorsal do pé
Mspanturrilha Ntibial L5S1,2 flexãoplantardopé

204
Ao avaliar a força muscular aplique a seguinte escala:
Grau 0 = ausência de contração muscular visível
Grau 1 = presença apenas de contração muscular visível
Grau 2 = movimenta o membro sem oposição da gravidade
Grau 3 = movimenta o membro contra a ação da gravidade
Grau 4 = movimenta contra moderada resistência do examinador
Grau 5 = movimenta contra grande resistência do examinador
4) REFLEXOS
Os reflexos podem ser divididos em reflexos profundos (ou tendinosos) e superficiais.

a) reflexos profundos: são constituídos por arcos reflexos simples que se fecham no nível medular, onde sofrem influ-
ência dos tratos piramidais e extrapiramidais. Para testar a resposta motora reflexa, o músculo (ou grupo muscular)
deve ser brevemente distendido por uma percussão no seu tendão. Receptores de distensão localizados no músculo
(fusos musculares) enviam impulsos via fibras aferentes periféricas e raízes dorsais até os neurônios motores infe-
riores (corno anterior da medula). Estes neurônios são excitados e enviam impulsos eferentes via raízes ventrais e
nervo motor até o mesmo músculo, acarretando uma breve contração. Lesões musculares, do nervo sensitivo e/ou
motor, das raízes e do motoneurônio medular acarretam diminuição/abolição do reflexo. Lesões corticais ou dos
tratos acima do nível medular do reflexo levam a liberação e hiperatividade do reflexo. Clônus é uma contração
repetitiva e rápida do músculo e é pesquisado por uma distensão súbita e mantida do músculo (ou grupo muscular),
mais freqüentemente através da dorsiflexão das mãos e/ou pés e pela tração inferior da patela. Clônus geralmente
acompanha a hiperreflexia das lesões piramidais.
Um adequado relaxamento do paciente é necessário para testar os reflexos. Os principais reflexos tendinosos a
serem examinados são:
Ao avaliar os reflexos tendinosos utilize a seguinte escala na avaliação da resposta motora:
Grau 0 = ausência total de resposta motora reflexa
Grau I = normal com resposta discreta
Grau II = normal
Grau III = normal com resposta um pouco aumentada
Grau IV = resposta exacerbada acompanhada de clônus transitório
Grau V = resposta exacerbada acompanhada de clônus persistente
REFLEXO PESQUISA RESPOSTA NERVOS RAÍZES
Mentoniano percussão do dedo na região men- fechamento da boca raiz mandibular V par craniano
toniana c/ boca semiaberta
Bicipital percussão do dedo no tendão do flexão do antebraço músculo cutâneo C5,6
bicipital c/ MS semifletido
Tricipital percussão do tendão tricipital c/ extensão do ante- radial C7,8
MS fletido a 90o braço
Estiloradial percussão da parte distal e lateral flexãodoantebraço radial C5,6

Patelar do rádio do tendão patelar c/ MI


percussão extensãodaperna femoral L3,4
fletido a 90o no joelho
Aquileu percussão do tendão de Achiles c/ flexãoplantardopé tibial S1,2
a mão dorsifletindo o pé
b) reflexos superficiais: são consideravelmente mais complexos que os reflexos tendinosos. São produzidos com
estímulos sensitivos cutâneos e facilitados pelo córtex motor. Lesões piramidais modificam ou causam abolição
destes reflexos.

205
REFLEXO PESQUISA RESPOSTA NERVOS RAÍZES
Cutâneo-abdominal rápido roçar do abdômen com um bastão contração do abdô- raízes T8-12
em direção ao umbigo nos 4 quadrantes men dorsais
Cremastérico roçar a parte interna alta da coxa elevação do testícu- raízes lom- L1,2
lo ipsilateral bares
Anal roçaraáreaperianal contraçãoanal raízes S3,4
sacrais
Plantar firme roçar com a ponta de um bastão a flexão do hálux e raízes L5-S1
face lateral da planta do pé (calcanhar --> adução dos outros sacrais
5o dedo) dedos do pé
Os reflexos abdominais estão freqüentemente abolidos no lado da hemiplegia por lesão piramidal. Pacientes com
lesão de cauda eqüina têm abolição dos reflexos Cremastérico e anal. Ansiedade causa exacerbação destes 03 re-
flexos.
As lesões piramidais causam alteração do reflexo plantar. Num primeiro momento, na síndrome piramidal defici-
tária há ausência de qualquer resposta. Posteriormente, após alguns dias, na síndrome piramidal de liberação, a
resposta modifica-se para extensão do hálux e abertura dos demais pododáctilos. Esta resposta modificada deno-
mina-se sinal de Babinski.
5) COORDENAÇÃO
A coordenação de atos motores habilidosos pode estar alterada por defeitos em qualquer nível do sistema motor. A
incoordenação dos movimentos é principalmente relevante nas doenças cerebelares e hemiplegia por lesão do trato
piramidal. Alguns testes simples ajudam a identificar uma incoordenação e suas causas.
a) Exame da metria dos movimentos: utiliza-se a prova índex-nariz, índex-índex-nariz e calcanhar-joelho. Na pro-
va índex-nariz o paciente é solicitado a colocar a ponta do dedo indicador na ponta do nariz e estender o braço
alternadamente. Na prova índex-índex-nariz o paciente é solicitado a colocar a ponta do dedo indicador na ponta
do nariz e na ponta do dedo indicador do examinador, alternadamente. Na prova calcanhar-joelho o paciente é
solicitado a colocar o calcanhar do pé sobre o joelho do outro membro e repousar, alternadamente. Todas as três
provas são realizadas no lado direito e esquerdo e verifica-se a coordenação e a metria do movimento. A dificulda-
de/incapacidade para acertar o alvo é denominada de dismetria.
b) Exame da alternância ou ritmicidade dos movimentos : o paciente é instruído a realizar movimentos rápidos e
ritmados. Isto pode ser verificado solicitando ao paciente que bata nos joelhos alternadamente com a palma e com
o dorso das mãos, alternadamente. A dificuldade para realizar movimentos rápidos e alternados é denominada de
disdiadococinesia. Nas doenças cerebelares os movimentos são lentos e imprecisos. Nas lesões piramidais os movi-
mentos são lentos, fracos e espásticos.
6) MOVIMENTOS INVOLUNTÁRIOS
O surgimento de movimentos motores involuntários é uma característica das lesões extrapiramidais. Tremores são
movimentos involuntários rítmicos. O tremor parkinsoniano tem um ritmo regular de 4 a 6 ciclos por segundo,
aparece mais intensamente no relaxamento e diminui de intensidade no movimento e no sono e predomina nos
lábios e nas extremidades. O tremor cerebelar
rápidosé ecaracteristicamente
erráticos, sem um de
ação,facilmente
com maiordiscernível,
amplitude próximo
que afetadotanto
alvo
a ser tocado. Coréia são movimentos padrão
os membros quanto o tronco. Atetose são movimentos mais lentos que a coréia, erráticos, em torção, envolvendo
grupos musculares dos membros e tronco.
7) POSTURA E MARCHA
Embora tanto a postura quanto a marcha sejam atividades motoras predominantemente automáticas, elas são
atividades altamente complexas, dependentes, principalmente, de uma adequada força muscular, coordenação, pro-

206
priocepção, função vestibular e visão.
a) a postura é testada solicitando ao paciente que fique em pé parado, com os pés juntos e os braços soltos ao longo
do corpo. Observamos sua postura com os olhos abertos e fechados. O paciente normalmente consegue ficar estável
sem maiores problemas. Nas lesões proprioceptivas, há tendência de queda quando o paciente fecha os olhos. Nas
lesões cerebelares a postura é difícil de ser mantida com os olhos abertos e fechados e há uma tendência para o
paciente separar os pés e alargar a base de apoio. Nas lesões vestibulares unilaterais o paciente tem uma tendência
de queda para o lado ipsilateral à lesão vestibular, com os olhos abertos e fechados.
b) a marcha é testada solicitando ao paciente que caminhe livremente. Uma leve anormalidade da marcha pode ser
exagerada solicitando ao paciente que caminhe em linha reta tocando com o calcanhar a ponta do hálux (pé-ante-
pé), sobre os calcanhares ou na ponta dos pés. A marcha hemiplégica é devido à lesão piramidal e caracteriza-se
por uma postura com adução do braço, flexão do antebraço, pronação do punho e extensão do joelho e do pé do
lado acometido. Durante a marcha o paciente circunda toda a perna acometida, arrastando a ponta do hálux. A
marcha atáxica, devida à lesão cerebelar caracteriza-se por desequilíbrio e um caminhar com base larga. A marcha
parkinsoniana é devido à Doença de Parkinson e caracteriza-se por um caminhar lento, em pequenos passos e uma
postura rígida e trêmula. A marcha tabética é devido à lesão proprioceptiva e caracteriza-se por um andar com base
larga e com toque firme dos calcanhares no solo. A marcha histérica é coordenadamente bizarra.
V - FUNÇÃO SENSITIVA
Idealmente o paciente deve ser inteligente, alerta, cooperativo e não sugestionável para ser submetido ao exame da
função sensitiva. Embora raramente todos estes atributos estejam presentes em um paciente individual num dado
momento, cada exame sensitivo deve ser ajustado com as condições particulares dos pacientes para se obter infor-
mações acuradas e confiáveis.
SENSIBILIDADE SUPERFICIAL: testam-se as sensibilidades táctil e dolorosa. A sensibilidade táctil é testada
com uma mecha de algodão tocando levemente a pele. A sensibilidade dolorosa é testada com a ponta de uma
agulha. O paciente deve responder “sim” ou “não” se sente ou não o estímulo. O teste deve ser realizado em inter-
valos irregulares e o paciente deve estar com os olhos fechados. Deve-se começar o exame pela face (se ainda não
examinada junto com os pares cranianos) e seguir pelo pescoço, tronco e membros (proximal --> distal). Qualquer
diminuição ou perda de sensibilidade deve ser bem delimitada. Lesões de nervos periféricos, raízes dorsais, tratos
sensitivos anteriores da medula, tálamo ou córtex cerebral podem causar diminuição ou ausência de sensibilidade.
Hiperestesia é o nome dado ao aumento da sensibilidade. Hipoestesia é a diminuição da sensibilidade. Anestesia é
a ausência completa de sensibilidade. E parestesia é o nome da alteração da sensibilidade sem estímulo evidente.
SENSIBILIDADE PROFUNDA: a propriocepção é testada segurando lateralmente o polegar ou o hálux do pa-
ciente e posicionando-o em diferentes posições. O paciente, com os olhos fechados deve dizer em que posição se
encontra seu polegar ou seu hálux (“para cima”, “para baixo”, “não sei”). Uma pessoa normal pode facilmente
detectar pequenos movimentos. A diminuição ou ausência da propriocepção (hipoestesia ou anestesia profunda) é
devida a lesões dos cordões posteriores da coluna (tratos grácil e cuneiforme), por deficiência de vitamina B12 ou
tabes dorsalis, por exemplo.
VI - MENINGES

Processos inflamatórios envolvendo as meninges podem ser pesquisados devida a particularidade anatômica de
uma pequena cobertura meningea nas raízes nervosas. Qualquer tentativa de extensão das raízes causa dor e espas-
mo muscular.
a) rigidez de nuca: o sinal clássico de irritação meníngea é o aparecimento da rigidez de nuca. Com o paciente dei-
tado e relaxado, o examinador coloca a palma da mão sob a região occipital e tenta flexionar a coluna cervical. A
rigidez de nuca é detectada pela dificuldade para flexionar o pescoço. Às vezes, a contração dos músculos extensores
do pescoço é tão intensa que a região cervico-dorsal fica arqueada (opistótono).

207
b) sinal de Brudzinski: durante a pesquisa da rigidez de nuca, mantendo a outra mão sobre o esterno do paciente,
nas irritações meníngeas pode aparecer uma flexão das pernas.
c) sinal de Kernig: ainda com o paciente deitado e relaxado, ao tentarmos estender uma das pernas previamente
flexionada, há flexão da outra perna.
d) sinal de Lasègue: com o paciente deitado e relaxado, elevamos um dos MsIs de cada vez, estendido, até cerca de
60o. Após 30o ou 40o o paciente refere dor na região posterior da coxa.
VII - PRINCIPAIS SÍNDROMES NEUROLÓGICAS
1) SÍNDROMES MOTORAS PERIFÉRICAS

Lesão do neurônio motor inferior: (corpo do neurônio na medula espinhal, raiz motora ou anterior, plexo, tronco
nervoso)
- fraqueza muscular (paresia até plegia)
- hipotonia muscular
- hipotrofia muscular progressiva
- hiporreflexia profunda
- sensibilidade preservada (exceto na lesão do tronco nervoso)
2) SÍNDROMES PIRAMIDAIS
Lesão do neurônio motor superior:
Síndrome Piramidal Deficitária: ocorre imediatamente após a lesão do corpo do neurônio motor superior ou do
trato piramidal
- fraqueza muscular (paresia até plegia)
- hipotonia muscular
- hiporreflexia profunda
Síndrome Piramidal de Liberação: ocorre, em geral, dias após a lesão do corpo do neurônio motor superior ou do
trato piramidal
- fraqueza muscular (paresia até plegia)
- hipertonia espástica
- hiperreflexia sem ou com clônus
- sinal de Babinski
3) HEMIPLEGIAS
Hemiplegia completa ou incompleta: hemiplegia com (lesão no ou acima do tronco cerebral) ou sem lesão abaixo
do tronco cerebral) lesão facial concomitante
Hemiplegia reta ou alterna: hemiplegia com facial central no mesmo lado da hemiplegia (lesão acima do tronco)
ou com facial periférico contralateral à hemiplegia (lesão no tronco cerebral)
Hemiplegia proporcionada ou desproporcionada: hemiplegia com fraqueza motora proporcional no MS e MI
(lesão capsular) ou desproporcional no MS e MI (lesão cortical)

208
4) DO ENÇAS CEREBROVASCULARES
5) SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS
Coréia:
- hipotonia
- hipercinesia
- movimentos corêicos
Parkinson:

- hipertonia rígida
- hipocinesia
- tremores
6) SÍNDROMES CEREBELARES
- hipotonia ipsilateral
- ataxia, desequilíbrio postural
- dismetria
- disdiadococinesia
- vertigem, nistagmo, náusea, vômitos
7) SÍNDROMES SENSITIVAS
8) CEFALÉIAS
- cefaléias vasculares (enxaqueca clássica, enxaqueca comum, enxaqueca em salvas, outras)
- cefaléia tensional
- cefaléia por tração
- cefaléias extracranianas
9) SÍNDROMES MENÍNGEAS
- síndrome infecciosa (febre, hiporexia, mialgia, cefaléia, mal estar geral, leucocitose, bastonetose, VHS alto, etc,)
- síndrome de hipertensão intracraniana (cefaléia por tração, náusea e vômitos, papiledema)
- síndrome de irritação meníngea (rigidez de nuca, Brudzinski, Kernig, Lasegue)

10) SÍNDROMES DE HIPERTENSÃO INTRACRANIANAS


- cefaléia por tração
- náusea e vômitos (às vezes vômito sem náusea)
- papiledema (tardio)
11) SÍNDROMES CONVULSIVAS

209
12) COMA
Lesão supratentorial:
- fraqueza motora localizada (déficit motor, sinal de localização) (geralmente hemiplegia reta)
- reflexos de tronco preservados (fotomotor, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vômito e/ou tosse)
- coma
Lesão infratentorial (tronco):
- fraqueza motora localizada (hemiplegia ou tetraplegia) (quando hemiplegia, ela é alterna)

- alteração de um ou mais dos reflexos de tronco


- coma
Lesão cortical difusa (metabólica):
- ausência de fraqueza motora localizada
- reflexos de tronco preservados
- coma
EXAME NEUROLÓGICO DO PACIENTE EM AMBULATÓRIO - ADULTO
I - Paciente sentado:
A - Exame da Função Mental:
nível de consciência --> orientação no espaço e no tempo --> comportamento específico da espécie e estado emocio-
nal --> linguagem --> memória --> reconhecimento de elementos visuais --> capacidade de raciocínio e julgamento
--> controle de atos motores voluntários
B - Exame dos Pares Cranianos:
I par - N. Olfatório = no exame de rotina não é necessário testar especificamente. Apenas pergunta-se se tem olfato
normal.
II par - N. Óptico =
a) acuidade visual - identificar objetos na sala contar dedos em diferentes distâncias
b) campo visual (campimetria) - confrontação digital
c) fundoscopia - obrigatória
III, IV e VI pares - Ns. Oculomotor, Troclear e Abducente =

a) motilidade dos globos oculares (6 posições)


b) inspecionar pupilas e abertura das pálpebras superiores
c) reflexos fotomotores (direto e consensual)
V par - N. trigêmeo =
a) testar a mastigação e o tônus do masseter

210
b) sensibilidade táctil e dolorosa a face
c) reflexo córneo-palpebral
VII par - N. Facial =
a) mímica facial
b) reflexo córneo-palpebral
VIII par - N. Vestíbulo-coclear =
a) escuta da voz do examinador

b) observar nistagmo e desvios posturais (qdo em pé)


IX e X pares - Ns. Glossofaríngeo e Vago =
a) observar palato e úvula (estática e dinâmica)
b) observar fonação
c) reflexo do vômito
XI par - N. Acessório =
a) observar trofismo músculos esternoclidomastoídeo e trapézio
b) testar força contra resistência destes músculos
XII par - N. Hipoglosso =
a) observar língua dentro da boca
b) observar mobilidade da língua
C - Exame da função motora:
1. Trofismo muscular - inspecionar grupos musculares
2. Tônus muscular -
a) palpação dos grupos musculares
b) movimentação passiva dos membros
3. Força muscular -
a) manobra de Mingazzini para MsSs
b) testar força contra resistência (proximal --> distal, superiores --> inferiores)

4. Reflexos - pesquisar reflexos profundos


5. Coordenação motora -
a) pesquisar dismetria (índex-nariz) nos MsSs
b) pesquisar disdiadococinesia (movimentos alternados)
II - Paciente em pé: (continuação da função motora)

211
6. Equilíbrio - desvios posturais
7. Marcha -
a) deixar o paciente deambular “normalmente”
b) manobras pé-ante-pé, na ponta dos pés, nos calcanhares
III - Paciente deitado: (continuação da função motora)
8. Força muscular - manobra de Mingazzini para MsIs
9. Reflexos -

a) pesquisar reflexos superficiais


b) pesquisar clônus
10. Coordenação motora - pesquisar dismetria (calcanhar-joelho) nos MsIs
D - Exame da função sensitiva:
a) testar sensibilidade superficial - táctil e dolorosa b) testar sensibilidade profunda
E - Pesquisa dos sinais meningo-radiculares:
a) pesquisar rigidez de nuca
b) pesquisar sinais de Brudzinski, Kernig e Lasegue

212
Apêndice 3

Monitoração da temperatura cerebral


A necessidade de melhor conhecer a fisiopatologia e as constantes alterações evolutivas, além da instabilidade
clínica do paciente neurológico/neurocirúrgico (NL/NC), nos leva a cada vez mais procurar melhor monitorar pa-
râmetros clínicos e os dados físicos e numéricos de nossos pacientes.
A partir das publicações de Guy Clifton (USA), Alberto Biestro (Uruguai) e Nariyuki Hayashi (Japão), entre 1994
e 1998, sobre hipotermia cerebral e monitoração da temperatura cerebral, tornou-se evidente que mais um parâ-
metro a ser estudado e monitorado poderia ajudar no melhor entendimento das nuances dos pacientes NL/NC e,
principalmente, nos casos de TCE.
A Temperatura Cerebral (TeCe) é basicamente determinada pelos seguintes fatores:
• Produção local de calor (Metabolismo cerebral e cascata inflamatória)
• Temperatura do sangue arterial (menor que a do parênquima e maior que a do líqüor)
• Temperatura Corporal (maior 1º C a 2º C em relação ao parênquima)
• Fluxo Sanguíneo Cerebral (importante fator termorregulador e de dissipação do calor )
• Produção e circulação liqüórica (dissipação do calor)

A utilização de cateteres ou sensores não centrais no tímpano (Tti) e no esôfago (Tef) foram utilizados durante
muito tempo como referência da TeCe, mas não se mostraram verdadeiros nos casos de hipertensão intracraniana
pelo desvio fisiológico do fluxo sanguíneo para o território da artéria carótida externa, que altera sobremaneira a
relação antes considerada fidedigna entre TeCe e Tti e Tef.
A utilização de cateteres com sensores intraparenquimatosos, intraventriculares e subaracnoideos nos permitiu
melhor estudar as variações da TeCe, mas ainda não se tornou evidente uma relação clara com a temperatura cor-
poral, seja ela a axilar ou a retal, isso porque não sabemos qual é a TeCe e sua variação fisiológica num paciente
hígido. Na literatura atual, admitimos como TeCe ideal para um metabolismo normal algo entre 35 e 36º C e, para
hipotermia terapêutica, entre 33 e 35º C. A manutenção da TeCe em torno de 35º C, sem utilização de hipotermia,
é considerada como “gold standard” para melhor prognóstico nos casos de TCE com ECG < 9 ou de HIC grave
por diferentes nosologias.
As publicações de N. Hayashi em 1994 sobre pacientes com TCE grave, que apesar de mantidos com parâmetros
ideais como DO2 > 800 ml/min, PaO2 > 80 mmHg, PIC < 20 mmHg, PAM > 80 mmHg, com PPC > 60 mmHg, SjO2
em torno de 65% e temperatura corporal < 37,5º C, tiveram má evolução neurológica, mudaram nossa maneira de
pensar. Observou-se, nesses pacientes, entre vários outros parâmetros analisados, que todos apresentavam TeCe ele-
vada e hipóxia cerebral (PtiO2 < 15 mmHg). Essa foi a grande indicação de que um melhor estudo e conhecimento
das variações da TeCe poderia melhorar o prognóstico da lesão secundária.
Nos diferentes estudos e pesquisas realizados e publicados na literatura, alguns fatores já são bem definidos e acei-
tos como responsáveis por alterações da TeCe:
• Temperatura Corporal (TeCo) – inúmeros trabalhos eestudos demonstraram que a elevação da temperatura cor-
poral eleva imediatamente a TeCe com importante piora prognostica quando a hipertermia é > 38º C;
• Pressão de perfusão cerebral baixa (PPC < 60 mmHg) – causando hipóxia isquêmica;
• Fluxo sanguíneo cerebral baixo - é fator importante na dissipação de calor produzido;

213
• Bloqueio de metabolismo cerebral mitocondrial – a ação paradoxal (vazamento de elétrons na atividade mito-
condrial), provocada por algumas drogas como o NMDA, diminuindo os níveis de 2-3 DPG, como demonstrado
nos efeitos deletérios em alguns pacientes com sedação e analgesia, sendo mais comum na utilização de derivados
opióides (fentanil e derivados) e barbitúricos. Também já foram encontrados os mesmos efeitos, com menor freqü-
ência, com o uso de benzodiazepínicos sendo raríssimos (não publicados) com o uso de propofol, indometacina,
quetamina, hipomidato e dexmedetomidina;
• Hipóxia sistêmica primária (PaO2) ou secundária (CaO2 ou DO2), com conseqüente hipóxia cerebral – hipóxia
hipóxica;
• Hipermetabolismo agudo – crises convulsivas, agitação psicomotora e cascata inflamatória (processo infeccioso,
trauma, lesões vasculares cerebrais hemorrágicas e isquêmicas).
As publicações de N. Hayashi em 1998, 1999 e 2000 foram importantes na determinação dos graves efeitos deleté-
rios da hipertermia cerebral:
• Importante diminuição de 2-3 DPG circulante, abaixo de 10 μmol/gr Hg, ocasionando hipóxia tecidual cerebral,
elevação da SjO2 e baixa extração cerebral de O2;
•Disfunção da auto-regulação das catecolaminas com liberações inadequadas e ocorrência de tempestade dopa-
minérgica ou neuro-vegetativa;
• Hiperglicemia com baixa glicose tecidual;

• Queda do transporte de O 2 abaixo de 800 ml/min;


• Alterações mitocondriais no NMDA e NMAH;

• Piora acentuada da neurotoxicidade, com aceleração da cascata do piruvato e do glutamato;


• Desequilíbrio na produção das isoformas da sintase do óxido nítrico (NOS), com aumento da produção do Tipo
I ou forma neuronal (nNOS) e do Tipo II ou forma imunológica (iNOS), que fazendo parte dos processos infla-
matórios do SNC, facilitam a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), com peroxidação da membrana
e morte neuronal; e diminuição da isoforma Tipo III ou Forma Endotelial (eNOS), antes conhecido como EDRF
– Endothelium Derived Relaxing Factor. O NO produzido no endotélio reduz a agregação plaquetária, inibe a ade-
são leucocitária diminui a expressão de moléculas de adesão e promove vasodilatação, elevando o FSC. Portanto,
a inibição de eNOS é um efeito indesejável na evolução da lesão neuronal;
• Acúmulo de EROs pela inativação das enzimas glutatião peroxidase (GSH) e glutatião redutase (GSSG);
• Aumento do consumo exagerado das reservas de tiamina, que tem grande importância no processo de proteção
da morte neuronal, pois é com sua presença que se dá a redução do NADP no ciclo das pentoses, criando o co-fator
reduzido NADPH, que é, por sua vez, utilizado pelas enzimas GSSG redutase na detoxificação das EROs.
Recentemente (2001), publicações de Nino Stocchetti (Milão), Daniel Hanley (Baltimore), P. Kochanek (Pittsbur-
gh), Claudia Robertson (Houston), e Donald Marion (Pittsburgh), nos mostraram outras importantes alterações
na elevação de TeCe acima de 37º C, ou nas variações agudas e/ou súbitas maiores que 1,5º C, como:
• Predomínio das alterações precoces das cadeias do piruvato e glutamato;
• Elevação dos níveis de NFkB (IL-1 e TNF) com aumento das iNOS circulante e tecidual;
• Lesão do DNA neuronal, com apoptose e com lesão mitocondrial;
• Queda da PtiO2, da glicose tecidual e do pH tecidual e liqüórico;

• Importantes alterações da curva do lactato, evidenciando isquemia e hipóxia tecidual.

214
As publicações de David Waner (Carolina do Norte), quanto à função da proteína glicina, como fator ativador do
NMDA e principal responsável pela cadeia inflamatória ecrebral, irá nos trazer, com certeza, novos esclarecimentos.
A manutenção da temperatura do Box a 18º C, uso rotineiro de antitérmicos, alimentação fria por SNG e SNE,
além da escolha adequada para cada caso da droga a ser utilizada na sedação e analgesia, são fatores importantes
na manutenção da temperatura corporal baixa. Entretanto, não podemos nos esquecer dos fatores do cotidiano
que elevam a TEMPERATURA CEREBRAL, sem elevar a TEMPERATURA CORPORAL, como hipóxia hi-
póxica e hipóxia isquêmica (hipotensão e hipovolemia). Também não devemos esquecer das situações de hiper-
metabolismo. Assim, por essa e outras razões, tais fatores devem ser monitorados com atenção e intensivamente,
para que possamos atuar na prevenção da lesão secundária, pois as variações da temperatura cerebral vão permitir
maior precocidade na percepção de alterações evolutivas relevantes.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E LEITURA RECOMENDADA


1. N. Hayashi at all – Brain Resuscitation & Brain Death – Edit by University Research Center, Nihon University,
Tokio;
2. Neurological and Neurointensive Care – Allan Ropper at al ( Tradução da 4a Edição)
3. Intensive Care in Neurosurgery – Brian T. Andrews da AANS ( Tradução da 1a Edição)
4. Mellergard P. - Monitoring of rectal, epidural, and intraventricular temperature in neurosurgical patients. Acta
Neurochir Suppl (Wien); 60:485-7, 1994.
5. Childers MK; Rupright J; Smith DW. - Post-traumatic hyperthermia in acute brain injury rehabilitation. Brain
Inj; 8(4):335-43, 1994 May-Jun.
6. Ko K; Ghajar J; Hariri RJ. - A method for monitoring intracranial temperature via tunneled ventricular catheter:
technical note. Neurosurgery; 34(5):927-9; discussion 929-30, 1994 May.
7. Meythaler JM; Stinson AM 3rd. - Fever of central srcin in traumatic brain injury controlled with propranolol.
Arch Phys Med Rehabil; 75(7):816-8, 1994 Jul.
8. Chaney RH; Olmstead CE. - Hypothalamic dysthermia in persons with brain damage. Brain Inj; 8(5):475-81, 1994 Jul.
9. Matthews DS; Bullock RE; Matthews JN; Aynsley-Green A; Eyre JA. - Temperature response to severe head
injury and the effect on body energy expenditure and cerebral oxygen consumption. Arch Dis Child; 72(6):507-
15, 1995 Jun.
10. Behr R; Ehrlinspiel D; Christophis P. - Temperature regulation as possible prognostic indicator in patients with
acute intracranial lesions. Acta Neurochir (Wien); 138(2):192-9, 1996.
11. Verlooy J; Heytens L; Veeckmans G; Selosse P. - Intracerebral temperature monitoring in severely head injured
patients. Acta Neurochir (Wien); 134(1-2):76-8, 1995.
12. Whalen MJ; Carlos TM; Clark RS; Marion DW; DeKosky ST; Heineman S; Schiding JK; Memarzadeh F;
Kochanek PM. - The effect of brain temperature on acute inflammation after traumatic brain injury in rats. J
Neurotrauma; 14(8):561-72, 1997 Aug.
13. Rumana CS; Gopinath SP; Uzura M; Valadka AB; Robertson CS. - Brain temperature exceeds systemic tempe-
rature in head-injured patients [see comments]. Crit Care Med; 26(3):562-7, 1998 Mar. Comment in:/Crit Care
Med/1998 Mar;26(3):431-2.
14. Dearden NM. - Mechanisms and prevention of secondary brain damage during intensive care. Clin Neuropa-
thol; 17(4):221-8, 1998 Jul-Aug.
15. Kushi H; Moriya T; Saito T; Kinoshita K; Shibuya T; Hayashi N. - Importance of metabolic monitoring systems
as an early prognostic indicator in severe head injured patients. Acta Neurochir Suppl (Wien); 75:67-8, 1999.
16. Clifton G L; Miller E R; Choi S C; Levin H S; McCauley S; Smith K R; Muizelaar J P; Wagner F C; Marion
D W; Luerssen T G; Chesnut R M; Schwartz M. - Lack of effect of induction of hypothermia after acute brain
injury.. N Engl J Med; 344(8):556-63, 2001 Feb 22. Comment In:N Engl J Med. 2001 Feb 22;344(8):602-3.
17. Robertson CL; Clark RS; Dixon CE; Alexander HL; Graham SH; Wisniewski SR; Marion DW; Safar PJ;
Kochanek PM. - No long-term benefit from hypothermia after severe traumatic brain injury with seconda-
ry insult in rats [see comments]. Crit Care Med; 28(9):3218-23, 2000 Sep. Comment in:/Crit Care Med/2000
Sep;28(9):3358-9.

215
216
Apêndice 4

Algoritmos para suporte cardíaco avançado de vida

217
218
219
220
221
222
223
224
225
226
227
Desfibrilação/cardioversão

228
229
230
Apêndice 5

Eletroencefalografia nas Unidades de Terapia Intensiva


Por mais estudiosos e ousados que sejam os intensivistas, poucos considerariam tratar paradas cardio-respiratórias
(PCR) de repetição com Hidantal, recuperar um paciente comatoso e hemiplégico com Midazolan, despertar um
coma com Diazepan ou normalizar um paciente em franco quadro psiquiátrico com Hidantal. Mas estas aborda-
gens terapêuticas pouco convencionais podem ter um excelente resultado, se o diagnóstico correto for feito com o
auxílio da eletroencefalografia (EEG), o estado de mal epiléptico não convulsivo.

1 - Paciente de 50 anos, miocardiopata e pneumopata, após compensação das patologias de base, teve alta
para o quarto, vigil e em ar ambiente. Apresentou PCR , retornando ao CTI. Est e episódio se repetiu por 3
vezes , e, exaustivamente investigado , não se evidenciou a causa para a repetição das PCRs. Realizamos EEG
em paciente sonolento , facilmente despertável, lúcido, em ar ambiente, que apresentava descargas epilépticas
cíclicas. No momento das descargas , apresentava desvio ocular e apnéia. Quando estas descargas se prolon-
gavam, o paciente não se recuperava da apnéia e evoluí a para parada respiratória e cardíaca. Após ini ciar
droga anticonvulsivante, os períodos de sonolência desapareceram, as PCRs não se repetiram e o paciente
teve alta hospitalar.

2 - Paciente em pós-operatório de endarterectomia carotídea, apresentava-se comatoso e com hemiplegia ipsilateral


à cirurgia. TC e RNM de crânio sem alterações, EEG com atividade epileptiforme contínua, bifrontal. Após iniciada
hidantalização e o uso em bolus de Midazolan, houve despertar do paciente e recuperação da hemiplegia. Neste caso,
o EEG permitiu o diagnóstico de estado de mal não convulsivo e monitorou a introdução de drogas antiepilépticas até
atingir o controle gráfico da crise e a superficialização da consciência do paciente.

3 - Paciente apresentou queda súbita do nível de consciência, evoluindo para o coma, com resposta aos estímulos álgi-
cos. Exames de imagem sem alteração; EEG: status epilepticus não convulsivo. Recuperou completamente a consciên-
cia com a introdução de Midazolan.

4 - Paciente internado com quadro de intensa agitação psicomotora, confusão, alucinações auditivas, sem queda do ní-
vel de consciência. A clínica sugeria patologia psiquiátrica, mas com passado de cirurgia de ressecção de meningeoma
parietal, foi solicitado exame de imagem e EEG. A RNM foi normal. O EEG mostrou descarga periódica persistente
na região temporal posterior esquerda, de difícil controle. Após monitoração prolongada e controle das descargas com
anticonvulsivantes, o paciente se recuperou.

Em nosso meio, os exames neurofisiológicos ainda são subutilizados, embora possam ser valiosos auxilia-
res diagnósticos para o neurologista, o emergencista e para o intensivista, podendo a valiar pacientes com
alteração de nível de consciência, comatosos e sedados, quando o exame clínico das funções neurológicas
fica muito restrito. Se lembrarmos que o neurônio é uma célula de extrema sensibilidade às mudanças, não
só locais, mas também sistêmicas, é simples concluir que as alterações metabólicas encontradas em doe nças
hepáticas, renais, pulmonares, tiroidianas, etc. podem modificar a função neuronal e, em conseqüência, o
EEG. Igualmente, o EEG também será de grande auxílio diagnóstico em doenças do SNC, para o acompa-
nhamento da função neuronal em epilepsias, acidentes vasculares encefálicos, traumatismos craniencefáli-
cos, encefalites etc.
Inicialmente lembrado na Terapia Intensiva apenas como exame complementar necessário para a confir-
mação de morte encefálica, o EEG é hoje utilizado, em vários centros, como monitor contínuo da função
encefálica. É um exame que permite não só o diagnóstico de crises epilépticas não convulsivas como pode
auxiliar no diagnóstico diferencial do coma sem causa deter minada, agilizando o tratamento e minimizando
as seqüelas.

231
O EXAME
A técnica
O EEG realizado à beira do leito consiste na colocação de eletrodos no escalpe, com distribuição em posições
predeterminadas, conhecida como Sistema 10-20 (porque se baseiam em 10 e 20% das medidas longitudinais
e transversais do crânio), fixados com pasta condutora. O número de eletrodos pode variar em função do
equipamento e do paciente (em prematuros, por exemplo, o número de eletrodos é reduzido), mas em exames
de rotina, em geral, varia em torno de 20 eletrodos ativos, um terra e 2 referenciais. O exame é absolutamente
inócuo, não invasivo, sem nenhum risco ou prejuízo para o paciente. Sua duração excepcionalmente é inferior
a 30 minutos, podendo durar várias horas ou até dias. Pode e deve ser utilizado para controle do uso de dro-
gas usadas na interrupção de crises convulsivas que, muitas vezes, controladas clinicamente, persistem como
estado de mal gráfico, impedindo a recuperação do paciente e podendo provocar lesão neuronal com perdas
cognitivas severas.
A avaliação eletrencefalográfica pode ser realizada em exame único, com duração de 30 minutos (confirmação de
diagnóstico clínico de morte encefálica, por exemplo, em pacientes acima de 2 anos de idade), exame prolongado
para acompanhar a introdução de drogas e provas terapêuticas, exames seriados para acompanhamento de pacien-
tes com traumatismos crâniencefálicos (TCEs) ou em monitoração contínua, local ou remota (telemetria – exame
enviado continuamente pela Internet e visualizado pelo neurofisiologista à distância).
A indicação
O método ideal, realidade em poucos Hospitais, não só no Brasil como até em países com melhor estrutura hos-
pitalar, é a monitoração contínua. Ela nos permite o acompanhamento de melhora ou piora das condições do
paciente, principalmente naqueles com distúrbio de consciência ou coma sem relação muito clara com a patologia
existente, com crises convulsivas ou, ainda, aqueles com internação motivada por doença neurológica do SNC.
Porém, muitas vezes, uma única avaliação pode ser de grande utilidade.

Vejamos alguns exemplos:


1 - Paciente feminina apresentou queda súbita da consciência sendo levada por familiares ao serviço de emergência,
onde evoluiu rapidamente para parada cardio-respiratória. Imediatamente ressuscitada foi encaminhada ao CTI,
onde chegou com abolição de reflexos de tronco cerebral e apnéia, inicialmente atribuídas à sedação usada para
intubação orotraqueal. Como o quadro persistisse após 24 horas, foi solicitado EEG para confirmação de morte
encefálica. O padrão encontrado foi típico de encefalopatia metabólica, provavelmente hepática. Administramos
Flumazenil e a paciente abriu os olhos, fez movimentos oromandibulares, sendo então iniciada terapêutica especí-
fica. Após quinze dias, estava no quarto, já sentada, e iniciando interação.
2 – Paciente com abertura ocular espontânea, sem contato com o meio após nefrostomia, levantando-se a hipótese
diagnóstica de hipóxia per-operatória. EEG com padrão típico de distúrbio metabólico. Reavaliação laboratorial
mostrou hipotireoidismo, que, corrigido, permitiu a recuperação da paciente.
3 - Paciente feminina, 60 anos, apresentou AVE isquêmico hemisférico, com imagem catastrófica, importante ede-
ma cerebral e desvio de linha média. A finalidade do EEG era a confirmação de uma avaliação prognóstica clínica
reservada. Encontramos um traçado rico em atividades que estavam universalmente presentes, reativo aos estímu-
los sonoros e álgicos, embora sem resposta clínica. Nossa avaliação contrariou as expectativas e consideramos que,
se novas injúrias não acontecessem, o prognóstico era bom, com recuperação da paciente. A despeito do ceticismo,
face à discrepância entre a imagem e a função avaliada pelo EEG, a equipe investiu no tratamento e a paciente teve
alta em 20 dias, desperta, andando, e sem seqüelas importantes.
Estes são apenas alguns exemplos de como o EEG, um exame não invasivo, realizado no leito, sem agressão ao pa-
ciente, pode auxiliar o intensivista. A indicação do EEG se aplica a qualquer caso de distúrbio de consciência sem
causa bem definida e, em todos os casos em que seja necessária a avaliação pontual, seriada ou contínua, da função

232
cortical, seja na evolução do tratamento, seja no controle de drogas sedativas e anti-epilépticas ou, quando o exame
neurológico pode não fornecer muitas informações.
OS ACHADOS
Se há alteração de consciência, há alteração do EEG, que é sensível às mudanças do nível de vigilância. Estas alte-
rações podem sugerir algumas patologias, como encefalopatia metabólica, estado de mal epiléptico não convulsivo,
ou sedação residual prolongada, entre outras.
AVEs e TCEs
Nestes pacientes, em geral comatosos, o EEG pode ser valiosa ferramenta de acompanhamento. Avaliando a evo-
lução, prevendo vasoespasmo, excluindo ou confirmando crises convulsivas, fazendo diagnóstico diferencial entre
disautonomia e crise. Nos TCEs, muitas vezes podemos avaliar aumento da pressão intracraniana em pacientes não
monitorados por PIC.
ALTERAÇÕES DE CONSCIÊNCIA
Com grande freqüência, encontramos pacientes com queda do nível de consciência sem justificativa pelas condições
clínicas ou patologia de base. Estes pacientes podem estar apresentando encefalopatias – renal, hepática, mixede-
matosa, hipóxica - com exames laboratoriais pouco expressivos, mas suficientes para determinar sofrimento cere-
bral, principalmente em cérebros idosos, que geralmente apresentam doença cérebro-vascular concomitante. Nestes
casos, podemos encontrar traçados com aumento dos componentes lentos, presença de ondas agudas trifásicas,
com freqüência de predomínio anterior.
Pacientes submetidos a longa sedação por Midazolan ou Tiopental (mais do que 3 dias) podem permanecer sem
despertar ou sem contato com o meio por várias semanas (há relatos de até 52 dias e, pessoalmente, já registrei 40
dias), especialmente se há insuficiência renal ou hepática associadas. O EEG auxilia na medida em pode ser encon-
trada reatividade gráfica, mesmo na ausência de reatividade clínica, e resposta gráfica aos antagonistas, mesmo na

ausência de respostaeclínica.
mais diagnosticada tratadaPacientes
– o estadocom alteração
de mal de consciência
epiléptico podem
não convulsivo se encontrar
(EMENC) numaou
, subclínico condição cada
com crises vez
sutis.
Esta é a indicação mais importante para o EEG, pois é o único exame capaz de confirmar o diagnóstico e, pela
importância, merece descrição em separado.
ESTADO DE MAL EPILEPTICO NÃO CONVULSIVO
Este estado é caracterizado por um padrão eletrencefalográfico de atividade epiléptica contínua ou repetitiva a
intervalos breves (atividade irritativa constituída por pontas e polipontas contínuas ou com organização periódica
ou cíclica, difusas ou focais, PLEDs, BIPLEDs), constituindo estado de mal epiléptico eletrencefalográfico quando
persistente por tempo superior a 30 minutos. A suspeita diagnóstica pode ser levantada clinicamente, mas o diag-
nóstico só é possível com o auxílio do EEG; a sintomatologia é inespecífica, mas as manifestações clínicas podem
ser muito variadas como: sintomas ou quadros psiquiátricos (estados confusionais persistentes, agitação, alucina-
ção, desorientação, apatia); alterações de comportamento, distúrbios da consciência (rebaixamento de sensório, do
torpor ao coma, ou flutuação do nível de consciência); sintomas motores (redução da atividade motora, mudanças
de tônus muscular, associados ou não a crises sutis, mioclonias mínimas, piscamentos episódicos, automatismos,
paralisias ou paresias sem lesões estruturais), afasia flutuante na ausência de lesões que a justifiquem. Crises sutis
são de difícil observação, geralmente mioclônicas, restritas a poucos grupos musculares e com amplitude discreta.
Este quadro é cada vez mais freqüentemente diagnosticado nas UTIs e a precocidade no início do tratamento
específico é um dos fatores determinantes para a recuperação da qualidade cognitiva do paciente. Constitui uma
urgência médica, pois cada dia de atraso no diagnóstico representa severas perdas neurológicas.
O diagnóstico e o tratamento do EMENC, porem, só podem ser feitos com o auxílio do EEG. Como as crises clí-
nicas são inexpressivas, não existem parâmetros de observação para controle do tratamento. Estes estados são co-

233
muns principalmente em pacientes com hipoventilação (DPOC, pneumonia etc), com hipoperfusão cerebral, com
presença de sangue em ventrículos cerebrais ou no espaço subaracnoideo (AVEH, TCEs), infecção ou distúrbios
metabólicos. Alguns trabalhos estimam que 8% do total de pacientes de UTI (Towne) e 30 % dos pacientes com
patologia cerebral primária (Jordan), estejam em estado de mal epiléptico não convulsivo. Sua correção rápida é
de fundamental importância para que haja recuperação do ponto de vista cognitivo. Quanto mais precocemente se
consegue o diagnóstico e o tratamento é estabelecido, maiores são as chances de minimizar as perdas neuronais e,
por conseqüência, as seqüelas neurológicas.
O tratamento deve ser, sempre que possível, otimizado e acompanhado por neurologista experiente, principalmente
nas crises de difícil controle, Nestes casos há indicação para monitoração contínua pelo EEG, se possível com tele-
metria, que permite o acesso do neurofisiologista ao exame, em tempo real, agilizando novas condutas terapêuticas.
Com freqüência, é necessária a introdução de anestésicos, dificultando ainda mais o acompanhamento clínico.
TRATAMENTO DO ESTADO DE MAL EPILÉPTICO NÃO CONVULSIVO
TRATAMENTO INICIAL:
O pano de fundo do tratamento específico devem ser as medidas gerais de proteção:
Medidas Gerais:
Oxigenação
Estabilidade hemodinâmica
Temperatura corporal normal
Tiamina (100 mg IV)
Glicose 50% IV

Antibióticos (no caso de infecção presente)


Correção do fator desencadeante, se identificado.
TRATAMENTO ESPECÍFICO:
– 1ª linha: Diazepan 10 mg ou 0,2 mg/kg IV, até a dose de 30-40 mg (Lorazepan e Clonazepan, embora diazepínicos
de ação mais prolongada e, por isto, mais eficazes, não estão, ainda, disponíveis em nosso meio). Só deve ser admi-
nistrado após o preparo para suporte ventilatório e pressórico, em função da depressão respiratória, hipotensão,
sedação e, eventualmente, até o coma que podem induzir.
– 2ª linha: Difenilhidantoina (Hidantalização)- dose de ataque - 15 a 20 mg/ kg IV e, se necessário, completar até 30
mg/kg/ 24 h. A velocidade de infusão deve ser no máximo de 0,75 mg/kg/min ou 50 mg/min, em adultos. A infusão
da difenilhidantoína deve ser lenta (20 a 60 minutos), na dependência das condições clínicas do paciente. Deve-se
observar a possibilidade de arritmia cardíaca, portanto, em cardiopatas, a velocidade de infusão deve ser ainda
mais lenta. A dose de manutenção em adultos é de 300 a 400 mg/dia, fracionada em 3-4 tomadas. Efeitos colaterais:
arritmias cardíacas, hipotensão postural, rash cutâneo, náuseas e vômitos.
Valproato – A apresentação venosa, com eficácia de controle de até 83% das crises, segundo alguns trabalhos,
não existe em nosso meio. Dose de ataque: 20-35 mg/kg; dose de manutenção: 20-40 mg/kg/dia. Nunca deve ser
ultrapassada a dose de 3 g/dia em função de efeitos colaterais graves (encefalopatia aguda reversível, pancreatite
hemorrágica, trombocitopenia, hepatotoxicidade, e necrose hepática fulminante)
Persistindo o padrão gráfico de estado de mal epiléptico, devemos iniciar uma fase mais agressiva do tratamento
com intubação e uso de drogas depressoras do sistema nervoso central que, ao reduzirem o metabolismo cerebral,
facilitam o aporte dos anticonvulsivantes às áreas críticas.

234
-Drogas de 3ª linha:
Barbitúricos:
Fenobarbital: dose de ataque: 5-20 mg/kg; Manutenção 25-70 mg/kg
Tiopental sódico: dose de ataque:100-250 mg ; Manutenção 3-5 mg/kg/h
As desvantagens do uso destas drogas estão no uso prolongado de respiradores e na hipotensão arterial grave.
Midazolan: Dose de ataque: 0,15 a 0,3 mg/kg; Manutenção 0,05 -0,4 mg/kg/h
Propofol: Dose de ataque: 1-3 mg/kg; Manutenção 5-10 mg/kg/h

Pode-se, ainda usar outras drogas tais como: Ketamina, Lidocaína, Paraldeído, Etomidato, Isoflurano, e outros.
Mas, sua utilização é maior para interrupção de crises, e são pouco usadas na manutenção, pois a maioria exige
a presença de anestesiologista. Embora haja algumas discussões sobre a droga ideal para ser usada no início da
sedação, em nossa experiência o midazolan deve ser o escolhido. Além de sedar, como diazepínico, também é anti-
convulsivante e apresenta menos efeitos colaterais. Neste caso, o efeito de sedação residual é benéfico, porque pode
proteger o paciente contra o reinício das crises. O propofol, embora com a grande vantagem do rápido despertar,
em nossa opinião apresenta alguns inconvenientes: em alguns casos pode ser pró-convulsivante e a rápida metabo-
lização pode levar à reentrância de crises. Esta sedação deve se estender por, no mínimo, 48 horas, quando deve ser
iniciada a retirada gradativa. Mesmo que a opção tenha sido pelo propofol, a retirada deve ser lenta (25% da dose a
cada 6 ou 12 horas) para evitar novas crises. Se a opção para sedação tiver sido o tiopental, em função de refratarie-
dade, deve-se substituí-lo, tão logo quanto possível, pelo midazolan. Mais de 24 horas com tiopental significa infec-
ção respiratória quase certa e infecção é o maior fator de risco para dificuldade de controle e reentrância de crises.
Toda esta abordagem terapêutica deve ser acompanhada pelo EEG para avaliar a real eficácia do tratamento já
que, como dito anteriormente, não existem parâmetros clínicos consistentes que permitam a certeza do controle das
crises. Muitas vezes a resposta ao tratamento é demorada, podendo levar horas ou até dias para o controle.
A incidência do EMENC é similar em ambos os sexos e crescente na curva de faixas etárias, sendo máxima após
os 80 anos. Em pacientes não epilépticos, as causas mais comuns de desencadeamento de EMENC são os Aciden-
tes Vasculares Encefálicos, as infecções e o uso de medicamentos que reduzam o limiar convulsivante. Entre estes
medicamentos, os antibióticos (principalmente ciprofloxacina, imipenem, polimixina B, cefepime) são os mais im-
portantes. Outras drogas que podem atuar no aparecimento de crises epilepticas não convulsivas incluem: neurolép-
ticos, estimulantes, antidepressivos, lítio, abstinência diazepínica, opiáceos, drogas anti-cancer, imunosupressores,
antiarrítmicos, contrastes endovenosos, flumazenil, álcool, anfetaminas e outros. Com este extenso universo de me-
dicamentos pró-convulsivantes, habitualmente usados em Terapia Intensiva, somados às múltiplas comorbidades e
infecções apresentadas pelos pacientes, é fácil compreeender porque a incidência de EMENC é tão alta.
MONITORAÇÃO ELETROENCEFALOGRÁFICA CONTÍNUA
Em pacientes comatosos, sedados ou com distúrbios persistentes ou paroxísticos da consciência, a avaliação clínica,
o diagnóstico de piora da condição cerebral em função de fenômenos fisiopatológicos concomitantes e a percepção
de crises epilépticas não convulsivas é difícil. Portanto, a utilização do EEG contínuo contribui nas Unidades de

Terapia
ou dias, Intensiva como
nos fornece poderosa ininterrupta
a avaliação ferramenta diagnóstica.
da atividadeOcerebral
EEG contínuo, que
de forma pode
não ser realizado
invasiva, por várias
a avaliação horas
da eficácia
do tratamento, acompanhando o ajuste de medicação, a avaliação de controle e reentrância de crises, a avaliação
de toxicidade e o efeito pró-convulsivante de drogas, ou das mudanças significativas que sinalizem intercorrências.
Nos hospitais em que é utilizada a monitoração eletroencefalográfica contínua observamos significativos ganhos
para o paciente: menor tempo de internação em CTI, maior chance de recuperação cognitiva, menos seqüelas neu-
rológicas. Para a equipe assistente, o EEG contínuo sinaliza os bons resultados do tratamento e ajuda a corrigir,
rapidamente, condutas ineficazes.

235
A monitoração eletroencefalográfica contínua, quando associada à TELEMETRIA (envio de dados à distância
para observação a partir de um ponto remoto), ganha em eficácia. Sua finalidade é ter um neurofisiologista acces-
sível, em tempo real, para examinar o traçado e dirimir as dúvidas, mesmo que ele se encontre em outro continente.
A telemetria permite conferências sobre exames difíceis e discussão de diversos especialistas em locais diferentes.
O prognóstico dos pacientes melhora de forma substancial, visto que é continuamente avaliado. O maior benefício
para o paciente é a velocidade de tomada de decisões da equipe assistente, sem perda de um tempo precioso para a
preservação da qualidade cognitiva. Houve significativa redução do tempo de internação e significativa redução nas
perdas cognitivas nos pacientes que monitoramos continuamente pelo EEG com telemetria.
Tecnicamente, consiste na transmissão contínua dos dados do EEG através de Internet de banda larga ou LP para
uma Central de Armazenamento de Dados. O acesso do neurofisiologista ao exame se dá através da Central de Da-
dos, onde o EEG está armazenado. Por este sistema, os arquivos do Hospital de srcem dos dados ficam protegidos
de estranhos, pois não há acesso aos seus computadores.
AVALIAÇÃO PROGNÓSTICA DOS COMAS
O paciente comatoso oferece poucos elementos para a avaliação prognóstica. Caso esteja sedado, as dúvidas au-
mentam. Sedação residual? Evolução para estado vegetativo? Complicação metabólica contribuindo para manu-
tenção do baixo nível de consciência? Crises epilépticas não convulsivas?
O EEG nem sempre pode responder com objetividade a estas perguntas, mas pode contribuir na maioria dos casos.
Os exemplos dados anteriormente ilustram esta afirmação.
MORTE ENCEFÁLICA
O Conselho Federal de Medicina já estabeleceu critérios técnicos para a realização do EEG como exame confirma-
tório do diagnóstico de morte encefálica. Realizado o exame conforme suas recomendações, não deve ser encon-
trada qualquer atividade que possa ser identificada como de srcem cortical por pelo menos 30 minutos contínuos.
Exames sob sedação ou com interrupção recente da sedação não são aceitos. Se a duração da sedação foi breve (até
2 dias) deve-se respeitar um intervalo de 3 meia-vidas da droga e usar um antagonista, quando esse for disponível.
Silêncio elétrico cerebral ou inatividade cerebral NÃO significa morte encefálica. Silêncio elétrico cerebral somente
confirma diagnóstico de morte encefálica quando concomitantemente:
1. haja abolição de todos os reflexos de tronco cerebral;
2. o paciente não tenha sido submetido a hipotermia induzida (ambientes frigoríficos, imersão em águas geladas,
cirurgia cardíaca com CEC e hipotermia, resfriamentos com mantas, gelo etc);
3. não esteja sob sedação e
4. não tenha usado sedação prolongada mesmo que já suspensa. A sedação prolongada (mais de 3 dias), quando
interrompida, pode persistir como residual por várias semanas até que o paciente desperte e os antagonistas podem
não ter qualquer ação nestes casos.
Silêncio elétrico cerebral, se respeitadas as regras acima, significa morte neocortical, visto que o EEG avalia o córtex
cerebral. Podemos, portanto, encontrar silêncio elétrico em pacientes com tronco cerebral íntegro, evoluindo para

estado vegetativo que, nos conceitos atuais, não preenchem os critérios para o diagnóstico de morte encefálica.

236
Neste capítulo, dedicado à monitoração, não podemos deixar de citar o BIS (Bispectral Index), que é utilizado em
grande escala nas UTI`s Neurológicas, auxiliando grandemente no manuseio da sedação do paciente neurológico,
pois possui sistema de fácil manipulação e rápida interpretação. O sistema consta basicamente na interpretação
das alterações ocorridas no eletroencefalograma, decorrentes da sedação e analgesia. Estas alterações são repre-
sentadas por um número, que varia de zero (indicando ausência de atividade cerebral) a cem (paciente desperto).
Os dados são provenientes de três sensores acoplados às regiões frontal e temporal do paciente, que ficam ligados a
um monitor, que, por sua vez, recebe e interpreta as informações, transformando-as em números, tornando possível
aumentar ou diminuir a sedação conforme o valor indicado.
Valores do BIS relacionados à sedação:
- de 70 a 100 → acordado, desperto, sedação leve;
- de 60 a 70 → estado hipnótico leve;

- de 40 a 60 → estado hipnótico moderado;

- abaixo de 40 → estado hipnótico profundo.


BIBLIOGRAFIA
1. Gan TJ, et al. Bispectral index monitoring allows faster emergence and improved recovery from propofol, afen-
tanil, and nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology 1987;87 (4): 808-15
2. Song D. et al. Titration of volatile anesthetics using Bispectral index facilitates recovery after ambulatory anes-
thesia. Anesthesiologia 1997;87 (4): 842-48.
3. Johansen JW, et al. Hypnotic titration using Bispectral index: anesthetic emergence and recovery. Anesthesiolo-
gy 1997;87 (3A): A422.
4. Bell S, et al. Factors facilitating PACU by pass in ambulatory surgery.Anesthesiology 1997;87 93A): A34.
5. L J Kaplan and H Bailey. Bispectral index monitoring of ICU pacients on continuous infusion of sedatives and

paralytics reduce sedative drug utilization and cost. Critical Care, 2000. 4(supp 1):S110.

Dr.Marcos Freitas Knibel - Chefe dos CTI´s dos Hospitais Cardio Trauma Ipanema e São Lucas
Presidente da Comissão de Qualidade da AMIB
Dr. Arthur Lago Martinez Filho - Rotina do CTI do Hospital de Clínicas Mário Lioni
Médico Adjunto da equipe de emergência do Hospital Cardio Trauma Ipanema

237
238
Oximetria cerebral transcraniana por espectrofotometria
Observações prévias demonstravam preocupação crescente com o controle das lesões isquêmicas do encéfalo. O
achado de áreas de infarto cerebral em 91% das necrópsias de vítimas de traumatismo crânio-encefálico (TCE)
grave mostrava o aspecto desfavorável da lesão secundária na evolução desses pacientes(1). ROBERTSON & SIMP-

SON (2) relataram aumento na morbi-mortalidade, de 25% para 56%, em pacientes com TCE grave e lesões isquê-
micas associadas. A lesão isquêmica é o evento final mais comum na destruição do tecido cerebral, quer por ação
primária ou secundária, quer de forma difusa ou focal, ocorrendo em conseqüência de alterações permanentes ou
temporárias do fluxo sangüíneo cerebral (FSC). Apesar da sua extrema complexidade funcional, o encéfalo tem
metabolismo energético relativamente simples. Sua enorme avidez e dependência pelos nutrientes básicos, oxigênio
e glicose, explica sua vulnerabilidade aos processos isquêmicos. Quanto maior for o tempo de isquemia e a queda
do fluxo sangüíneo, para determinado estado metabólico, maior será a lesão cerebral.
O controle precoce das condições desfavoráveis garante a preservação das células neuronais e diminui o dano defi-
nitivo. Isto é conseguido adequando-se o fluxo sangüíneo às necessidades metabólicas do encéfalo. O conhecimento
do metabolismo e da hemodinâmica cerebrais (hemometabolismo cerebral) trouxe maior compreensão da fisiopa-
togenia relacionada às condições de sofrimento cerebral, seja este localizado ou difuso. Assim, para o estudo do
hemometabolismo cerebral, a opção inicial foi a coleta de sangue do bulbo da veia jugular de forma intermitente e
sua análise para determinação das variações da diferença arterio-venosa de oxigênio (DAVO2). Porém o estudo da
DAVO2 não era o melhor método em virtude do efeito Bohr e das situações de anemia aguda. CRUZ & MINER(3)
propuseram, então, a utilização da diferença das saturações da oxi-hemoglobina arterial e venosa (do bulbo da
veia jugular) como método capaz de avaliar o acoplamento do FSC ao consumo cerebral de oxigênio (CCO 2), sem
a necessidade de quantificar quaisquer desses elementos, já que os valores da Hb e seu coeficiente são iguais no
sangue arterial e venoso. Deram o nome a esta variável de extração cerebral de oxigênio (ECO ), representada na
2
seguinte fórmula:
ECO2 = SaO2 - SjO2
Onde: ECO2 = extração cerebral de oxigênio SaO2 = saturação da oxiemoglobina arterial e SjO2 = saturação da
oxiemoglobina jugular.
Além de facilitar os cálculos matemáticos, não sofrer interferência da anemia aguda e nem do efeito Bohr, esta
variável apresenta simplicidade de interpretação. Os valores considerados normais da ECO 2 variam de 24% a 42%.
Assim quando os valores da ECO2 estiverem entre 24 e 42%, média de 31,6% (4), existe acoplamento entre o CCO 2 e
o FSC. Deve-se ter em mente o fato de que esta situação não está relacionada à análise dos valores absolutos dos
parâmetros estudados, mas ao acoplamento das necessidades relativas. Quando os valores da ECO2 forem menores
que 24% fica caracterizada a hiperemia cerebral (perfusão de luxo), estado hemometabólico no qual o FSC está
além das necessidades cerebrais de oxigênio. Quando os valores da ECO2 forem maiores que 42% fica caracteri-
zada a hipóxia oligêmica cerebral, estado hemometabólico no qual o FSC está aquém das necessidades cerebrais
de oxigênio. Apesar desses conceitos serem desenvolvidos para a fase aguda do TCE difuso, tiveram por objetivo
prevenir o dano isquêmico secundário provocado pelo controle inadequado da pressão intracraniana (PIC) e do
metabolismo cerebral.
O estudo da ECO2 pressupõe a análise do sangue venoso obtido no bulbo da veia jugular interna antes de sua saída
do crânio. Nesta localização apenas 2 a 3% (máximo de 7%) do sangue tem srcem extracerebral, principalmente
das meninges e órbita(5), refletindo diretamente o metabolismo encefálico de forma global. Assim, enquanto algu-
mas áreas apresentassem isquemia, outras poderiam apresentar hiperemia, tendendo o resultado final para o lado
de maior predomínio, podendo passar despercebidos eventos metabólicos regionais ou focais.

239
A cateterização do bulbo da veia jugular, para análise intermitente, só recentemente ganhou renovada atenção por
causa do maior entendimento da fisiologia cerebral e dos avanços técnicos. O sangue venoso do bulbo da jugular
é obtido mediante um catéter1, inserido por punção transcutânea, sendo a análise gasimétrica realizada de forma
intermitente, tantas vezes quantas forem necessárias até a estabilização do quadro. A localização precisa da ponta
do catéter é comprovada por estudo radiográfico na incidência de perfil da região cervical. A ponta deve estar acima
do platô superior da segunda vértebra cervical. Apesar de segura, a punção não é isenta de riscos: infecção do SNC,
trombose e/ou aumento da resistência à drenagem venosa (com conseqüente aumento da PIC), punção inadvertida
da artéria carótida. Apresenta também algumas limitações: tempo de permanência do catéter, hipertensão intracra-
niana e/ou traumatismo cervical, que impedem a mobilização do paciente (6,7,8,9).
Conforme demonstrado por SHEINBERG et al.(10), a duração da hipóxia oligêmica pode variar entre 15 minutos
e 11 horas, média de 35 minutos, o que dificulta o uso da técnica intermitente, pois nem sempre a coleta de sangue
coincide com os eventos hipóxicos. Ulteriormente foram desenvolvidos novos catéteres2 que são instalados da mes-
ma forma e permitem a monitoração contínua da oximetria no bulbo da veia jugular, mediante a leitura com fibra
óptica. Esses catéteres apresentam, além da fibra óptica, lúmen que permite a coleta de amostras de sangue para
calibração do aparelho de leitura.
O advento da monitoração contínua conferiu mais precisão e facilidade ao método. No entanto, 50% das quedas da
SjO2 são causadas pelo incorreto posicionamento do catéter e/ou por calibração incorreta do aparelho(10). As dificul-

dades e limitações da análise da oximetria da veia jugular, de forma contínua ou intermitente, motivaram a busca de
novo método, não invasivo, de monitoração da saturação regionalde oxigênio (SrO2) que permite o tratamento de pa-
cientes com doenças neurogênicas difusas. A possibilidade de aferição da SrO2 pela oximetria cerebral transcutânea,
de forma contínua e não invasiva, tornou possível a monitoração dos padrões hemometabólicos em tempo real.
O método é baseado no uso do oxímetro com espectrofotometria através de luz próxima ao infravermelho. FRE-
DERICK WILLIAM HERSCHEL, em 1880, descreveu a existência da luz infravermelha. Suas observações não
foram confirmadas até os trabalhos pioneiros de AMPÈRE, que firmemente estabeleceu a existência da luz infra-
vermelha (11). A propagação da luz infravermelha através de tecidos biológicos não era totalmente compreendida.
Porém, através da lei de BEER-LAMBERT foi possível interpretar a atenuação de propagação de um comprimento
de onda específico da luz infravermelha, pressupondo que a dispersão da luz era mínima. O princípio era baseado na
transparência relativa dos tecidos biológicos para luz com freqüência próxima à do infravermelho (700 a 1000 nm) e
na existência de substâncias cromáticas dentro desses tecidos, as quais estão presentes em concentrações variáveis e
que também têm a propriedade de absorção de luz de acordo com sua oxigenação. Assim, se emitíssemos um com-
primento de onda conhecido, próximo ao infravermelho, através de um tecido, e captássemos contra-lateralmente
o sinal dos fótons não absorvidos, poderíamos determinar a concentração de oxiemoglobina. Surgia a espectrofo-
tometria por transmissão, método que seria largamente empregado nos oxímetros de pulso. Apesar das dificuldades
com a calibração do aparelho e a interpretação dos resultados, a aplicação do método de espectrofotometria por
transmissão, para medição da oxigenação tecidual periférica, estava disponível desde a década de 30 (12,13,14,15). Esses
autores utilizaram dois comprimentos de onda diferentes, um para medir a concentração da substância cromática e
o outro para compensar a perda de luz não específica pelo tecido. No tecido cerebral existem pelo menos três dessas
substâncias: a oxi-hemoglobina, a deoxi-hemoglobina e, com menor efeito, algumas enzimas, tais como a citocromo
oxidase a3 e os terminais da cadeia respiratória mitocondrial. O conteúdo de hemoglobina no interior do tecido
encefálico é de aproximadamente 600 a 1000 mg/100mg de tecido, sendo várias vezes maior que a concentração do
citocromo a3. Desta forma a hemoglobina é a principal substância cromófora do encéfalo.
JÖBSIS(16) introduziu o método para aferir, de forma não invasiva, a oxigenação cerebral. O primeiro equipamento
(espectrofotometria próxima ao infravermelho convencional) continha quatro diodos de laser que pulsavam se-
qüencialmente com comprimento de onda de 775, 805, 845 e 904 nm e pico de 10w por pulso. As luzes dos diodos
de laser eram transmitidas através de fibras ópticas. Alguns centímetros à frente, um diodo de fotografia coletava a

1 IntracathR – Becton-Dickinson Vascular Access (16 GA – 12IN), Sandy, Utah, USA.


2 Catéter 4F 40 cm Baxter Edwards, Baxter Healtcare, Santa Ana, CA, USA.
Opticath 4F 40 cm (Oximetrics 3 System), Abbott Laboratories,
North Chicago, IL, USA.

240
luz transmitida. Os dados de absorção eram convertidos em concentração da substância em estudo e exibidos, em
tempo real, na tela de um monitor. Apesar do método ser de operacionalidade complexa, foi pioneiro na monitora-
ção da oximetria cerebral não invasiva. Porém, a falta de modelo experimental para aferição dos resultados obtidos
prejudicava sua interpretação. Os valores iniciais partiam de um nível básico arbitrário e a mensuração mostrava-se
difícil. WAN et al.(17) demonstraram que a luz próxima do infravermelho (600 a 1100 nm) é capaz de penetrar o
couro cabeludo e o crânio humano atingindo alguns centímetros de profundidade. Experiências com fetos e recém-
nascidos(18,19,20,21) demonstraram que nem o crânio ou o couro cabeludo alteravam significativamente a absorção da
luz próxima ao infravermelho. Até então acreditava-se que a distância percorrida pelo fóton era igual à distância
entre o transmissor e o receptor. Por isso eles ficavam colocados contralateralmente. COPE et al.(22) e EDWARDS
et al.(23) já estimavam que os fótons poderiam viajar uma distância intracraniana muito maior, respectivamente,
4,3 e 5,0 vezes a distância entre o transmissor e o receptor. Essas observações foram mais tarde confirmadas por
WYATT, COPE, DELPY(24), que mediante estudos da transmissão espectroscópica, em seis fetos que morreram
de complicações pré-termo, demonstraram que os fótons podem viajar 4,39 mais ou menos 0,28 vezes a distância
entre o transmissor e o receptor. Este fator foi determinado por estudos do tempo de deslocamento dos fótons, per-
correndo o crânio e hemisférios cerebrais. Estes estudos demonstraram o alto potencial para dispersão dos fótons,
quando atravessam tecidos de média densidade, como o cerebral. EGGERT & BLAZEK (25) sugeriram e DELPY et

al.(26) comprovaram que uma significante penetração no couro cabeludo, crânio e encéfalo era possível, com pouca
atenuação da luz próxima ao infravermelho. Na verdade no espectro de 600 a 900 nm, a redução na absorção na
substância branca encefálica é associada a um concomitante aumento na reflexão da luz. Surgia a espectrofotome-
tria por reflexão.
Esse novo modelo apresentava como vantagem o fato de monitorar uma área restrita do encéfalo, ao contrário do
modelo de transmissão, no qual todo o caminho entre o transmissor e o receptor era analisado, o que tornava os
dados menos precisos e mais generalizados. De acordo com esse conceito, os fótons refletidos descrevem uma pa-
rábola através dos tecidos entre o transmissor e o receptor. CHANCE et al.(27) conseguiram aproveitar o potencial
máximo da espectrofotometria por reflexão, posicionando lado a lado o detector de luz e o transmissor. Assim, se
a distância entre a fonte de luz e o receptor for aumentada ou diminuída, a profundidade de penetração dos fótons
dentro do encéfalo será, respectivamente, maior ou menor.
Diante das evidências de aplicabilidade do método, foi idealizado um aparelho do tipo INVOS (“In Vivo Optical
Spectroscopy”) (INVOS 2910 – SomaneticsR) pioneiro na monitorização por espectrofotometria. McCORMICK
et al.(28) injetaram o traçador indocianina verde em cinco adultos submetidos à endarterectomia da carótida e do-
cumentaram o trânsito intracraniano do traçador, em “bolus”, com ótimo sinal, comprovando a capacidade da
espectrofotoscopia em detectar alterações intracranianas, utilizando o aparelho INVOS 2910. Mais recentemente
surgiu o aparelho INVOS 3100 (substituindo o INVOS 2910), que usa vários comprimentos de onda para diferen-
ciar a oxi-hemoglobina da hemoglobina reduzida. Assim, quanto maior a quantidade de oxi-hemoglobina no teci-
do cerebral, maior será o valor registrado pelo aparelho. O valor obtido traduz uma mistura da oxi-hemoglobina
encontrada nos quatro centímetros cúbicos de tecido cerebral analisado. Desta forma, em dado momento, 75% da
oxi-hemoglobina estão no sangue venoso, 20% no arterial e 5%, nos capilares. Conforme os resultados obtidos por
GIBBS et al.(35), em indivíduos normais, a saturação arterial variou de 91,2 a 95,8% (média 93,9%) e a venosa, no
bulbo da veia, de 55,3 a 70,7% (média 61,8%).
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
O aparelho INVOS 3100 substituiu o INVOS 2910 por ser de mais fácil manejo e maior confiabilidade, sendo o pri-
meiro espectrofotômetro a mensurar a oximetria cerebral focal de forma contínua e não invasiva, tendo sido apro-
vado pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos da América em 1992 (foto 1). Nesse aparelho
os dados são coletados por um sensor especial chamado somatosensor. No início, a distância entre os receptores e
o transmissor era de 10 mm (para o de superfície) e 25 mm (para o de profundidade). Com o objetivo de conseguir
maior penetração intracraniana essas distâncias foram aumentadas para 30 e 40 mm, respectivamente (foto 2).
Vários autores (11,29,30,31,32,33,34) descreveram o funcionamento do INVOS 3100 e os princípios físicos aplicados para

241
a construção do aparelho. A luz infravermelha é gerada por uma fonte incandescente e dirigida através de filtros,
que a dividem em cinco comprimentos de onda: 672, 726, 750, 803 e 840 nm. O coeficiente de absorção do sangue
depende do seu grau de oxidação. Em termos médicos, o grau de oxidação corresponde à porcentagem de saturação
de oxigênio. As alterações no coeficiente de absorção são usadas para calcular a oximetria cerebral. Assim, quanto
menor o coeficiente de absorção, em dado comprimento de onda, maior será a saturação de oxigênio no sangue.
O ponto isosbéstico é o comprimento de onda no qual ocorre o cruzamento das curvas de hemoglobina reduzida
e a oxidada. Conforme foi demonstrado por KLOSE et al.(33) o ponto isosbéstico ocorre no comprimento de onda
de 803 nm e seria utilizado como referência. Um microcomputador controla o tempo de liberação dessa luz para
cabos de transmissão de fibra óptica até o somatosensor. O somatosensor é constituído por um LED (Light Emit-
ting Diodes) e dois sensores de recepção, dispostos em uma superfície auto-adesiva e ligeiramente côncava, que se
adapta, preferencialmente, à região frontal do crânio, conforme especificação do fabricante, que prioriza o lado
do hemisfério dominante. A luz emitida em uma das extremidades pelo LED é captada pelos fotodetectores na
extremidade oposta, é transformada em impulsos elétricos, enviada a um pré-amplificador e, então, para a tela do
monitor. O primeiro sensor de recepção (sensor de superfície, localizado a 30 mm do LED) capta apenas a luz que
atravessa a pele, o tecido subcutâneo e o osso. O segundo (sensor de profundidade, localizado a 40 mm do LED)
capta a luz que atravessa todas as estruturas anatômicas até cerca de quatro centímetros na profundidade do tecido
cerebral. Conforme foi demonstrado anteriormente, os fótons podem penetrar 4,39 + ou - 0,28 vezes a distância
entre o transmissor e o receptor (Figura 1). O programa do computador do aparelho é capaz de fazer a subtração
dos dados captados pelos sensores de profundidade e de superfície, restando apenas os valores da oximetria do
tecido cerebral. Os parâmetros de normalidade da oximetria cerebral, predominantemente venosa, situam-se entre
55% e 75%.
Devido à mistura de sangue arterial e venoso, os valores da oximetria mostrados pelo aparelho podem ser cerca de
7 a 8% maiores do que aqueles obtidos pela análise direta do sangue coletado do bulbo da veia jugular, sem que isto
represente uma falsa diminuição da ECO 2. Os valores, em porcentagem, da saturação de oxigênio são mostrados
em tempo real. As informações podem ser armazenadas por até 24 horas e apresentadas em forma de curva de
tendência ou em gráfico, cujas variáveis são a saturação e o tempo em minutos. Os resultados obtidos pela monito-
ração transcutânea foram confirmados em diversos trabalhos pela medição invasiva direta e pela correlação com a
saturação estimada, calculada conforme a seguinte fórmula:
Saturação estimada = x(SaO2) + (1-x)(SvO2)
Onde x é a porcentagem do volume total de sangue cerebral arterial regional, SaO2 é saturação arterial sistêmica de
oxigênio e SvO2 é a saturação venosa de oxigênio do sangue misto.
Destacamos os estudos de McCORMICK et al. (30,31,36) que utilizaram a saturação estimada para comparar aos
resultados da oximetria cerebral transcutânea. A intensidade de transmissão e a intensidade de incidência em cada
comprimento de onda foram processados mediante um algoritmo, baseado na lei de Beer-Lambert:
I(w) = I(w)o e –aCs(1)
onde I(w) = intensidade da luz transmitida em um comprimento de onda w, I (w)o = intensidade da luz incidente no
comprimento w, a = coeficiente de extinção molar da oxiemoglobina ou hemoglobina, C = distância que o fóton
atravessa no tecido cerebral.

Como no encéfalo existem pelo menos três substâncias cromóforas com coeficientes de extinção molar e concentra-
ções diferentes, a lei de Beer-Lambert foi modificada:
-ln I(w) / I(w)o = Σn j=1 a(w,j)C(j)s (2)
Como o coeficiente de extinção molar de uma substância cromófora “in vivo” pode ser apenas estimado pelo
valores obtidos “in vitro” e como a distância que o fóton atravessa no tecido é desconhecida, o conteúdo tissular
de uma única substância cromófora de interesse não pode ser determinado quantitativamente. Assim, melhor que
trabalhar com valores qualitativos isolados, optou-se pela determinação da relação entre os conteúdos totais de

242
oxi-hemoglobina e de hemoglobina. Isto é conseguido utilizando-se vários comprimentos de onda e gravando-se
apenas os valores das substâncias em estudo. A equação anterior foi modificada, buscando-se a relação oxi-hemo-
globina/hemoglobina. Se a absorção em um segundo comprimento de onda (w’), fosse subtraída da absorção no
comprimento de onda w, obter-se-ia a seguinte expressão derivada:
-ln I(w) / I(w)o + ln I(w’) / I(w’)o = Σn j=1 (a(w,j) - a(w’,j)) C(j)s (3)
Tudo que está à esquerda do sinal = é diretamente medido e pode ser substituído pela variável M. A diferença dos
coeficientes de extinção molar foi substituída pela variável d na fórmula seguinte:
M(w) = -ln I(w) / I(w)o + ln I(w’) / I(w’)o
d(w,j) = a(w,j) - a(w’,j)
A expressão (3) pode ser reduzida a uma notação muito mais simples:
M(w) = Σn j=1 d(w,j) C(j)s (4)
Esta expressão é resolvida fazendo-se as medidas no comprimento de onda (N) para resolver C(j)s (oxi-hemoglobi-
na) e C(j´)s (deoxi-hemoglobina), independentemente. Estes valores não representam o conteúdo cromóforo atual,
mas são proporcionais a ele. A variável s, embora seja função da concentração da hemoglobina, é considerada inva-
riável com o comprimento de onda estreito, na faixa de 700 a 850 nm, podendo, portanto, ser eliminada do cálculo
da relação deoxi-hemoglobina/oxi-hemoglobina
C(2) s / C(1) s = C(2) / C(1) = Hr (5)
A variável Hr representa a relação deoxi-hemoglobina/oxi-hemoglobina convertida para porcentagem de saturação
da hemoglobina, como se observa na fórmula seguinte:
100/(1 + Hr) = 100*[HbO2] / ([Hb] + [HbO2]) = % saturação de hemoglobina regional (SrO2) (6)

Concordamos com CRUZ(37) quando afirma que a aferição da oximetria cerebral transcutânea permite apenas mo-
nitoração encefálica focal, devendo-se evitar o termo regional, rotineiramente utilizado na literatura. Três aspectos
predominam nas críticas, ao método, encontradas na literatura (37,38,39,40,41,42,43,44): 1) falta de resolução espacial, so-
frendo interferência do sangue extracraniano; 2) análise apenas focal do hemometabolismo cerebral (SrO2); 3) falta
de um padrão ouro para validar os resultados obtidos.
Nossas observações durante a monitoração do hemometabolismo cerebral em outras situações (vasoespasmo,
HSA, AVCI, AVCH, TCE), demonstra que o acompanhamento concomitante da SjO 2 e da SrO2 fornecem infor-
mações complementares importantes. Obviamente que existem limitações, mas estamos no início de nova era, na
qual a monitoração confiável e minimamente invasiva do hemometabolismo cerebral está mais perto do que se
possa imaginar. Acreditamos que a utilização rotineira destes métodos em UTI bem preparada, constituir-se-á em
prática comum e determinará a expansão da monitoração dos parâmetros encefálicos. Na verdade, esta área de
atuação não acompanhou, de maneira adequada, o avanço técnico e científico observado em outros setores das
neurociências nas últimas décadas. O crescimento, desenvolvimento e divulgação das técnicas de monitoração do
hemometabolismo cerebral garantirão melhor controle evolutivo do paciente com risco de dano encefálico, global
ou regional, minimizando as lesões neurológicas dele decorrentes.
Finalizando, devemos mencionar que somente a indicação correta, bem como o uso adequado das técnicas de mo-
nitoração do hemometabolismo do encéfalo, poderão garantir a sua integridade, como, aliás, ocorre com qualquer
outro método atualmente disponível para o acompanhamento de doentes com lesões neurológicas ou na prevenção
destas.

243

Das könnte Ihnen auch gefallen