Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
o que a sociedade pode oferecer. Ela cria, por sua vez, uma
tradição que sobrevive aos anos excepcionais e que explica
a instabilidade pós-revolucionãria: “As paixões que a revolu
ção havia sugerido não desaparecem em absoluto com ela.
O sentimento da instabilidade se perpetua no meio da ordem
- a idéia da facilidade do sucesso sobrevive às estranhas vi-
cissitudes que o tinham feito nascer.”39
A “democracia” na França não exprime portanto, para
Tocqueville, o regime “normal” desse estado social: é o seu
estado revolucionário. Essa distinção essencial permeia todo
o segundo volume da Democracia e constitui o fio condutor
da comparação cujos elementos o viajante viera buscar. Ele
encontrou nos Estados Unidos uma democracia pura, vale
dizer, conforme ao seu ideal-tipo: tendo sido fundada como
tal, a partir de uma matriz religiosa que lhe exaltava os valo
res, e nunca tendo, portanto, de lutar contra um estado aris
tocrático anterior. O conceito de revolução, que ele constrói
inteiramente a partir da experiência francesa, lhe parece assim
estranho à história americana (salvo no que ela comporta de
guerra civil potencial entre a aristocracia sulista e a democra
cia ianque). Mais ainda, ele lhe parece contraditório em rela
ção ao funcionamento da democracia, na medida em que a
igualdade constitui um tecido social mais homogêneo e mais
resistente do que a sociedade aristocrática. Tocqueville redi
ge um capítulo40 para explicar por que o estado social demo
crático, pela uniformização social e cultural que ele cultiva e
pela rede de microinteresses conservadores ao qual ele liga
os cidadãos, oferece pouco terreno para a eclosão das revo
luções; é, ao contrário, a destruição da desigualdade aristo
crática que oferece o pretexto e o objetivo, como o mostra a
experiência européia.
Assim a idéia de democracia, tal como Tocqueville não
cessa de virá-la e revirá-la, se confunde efetivamente, no mais
das vezes, com a de igualdade: mas ela lhe acolhe também
os significados múltiplos e as ambigüidades. Não há pratica
mente senão um dos seus aspectos que não interessa a Toc
queville: o da realidade objetiva. De fato, basta-lhe a esse
respeito a convicção de que as condições sociais reais se igua
laram e continuam a se igualar progressivamente. Ele não
PREFÁCIO XU
* *
François Furet