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Gênesis 1.

1-31

Gordon J. Wehham – Word Biblical commentary1

No princípio (1.1-2.3)

Forma / Estrutura / Configuração

Gênesis 1 (precisamente 1.1-2.3) é o capítulo de abertura majestoso da Bíblia


hebraica e da Bíblia cristã. Ele apresenta os dois principais sujeitos da escritura, Deus, o
criador, e o homem, sua criatura, e estabelece o cenário para o conto longo de seu
relacionamento. Gênesis também é a abertura da Torah ou Pentateuco, os cinco primeiros
livros do cânon, que relaciona as origens do povo de Israel. Mesmo Torah sendo traduzida
por lei, tal tradução transmite uma concepção muito estreita do que Torah é. Torah é uma
combinação única de história e mandamento que faz uma declaração fundamental sobre o
que Deus espera, dizendo de maneira forte o que o povo de Deus é (Coats). As narrativas
do Gênesis ensinam sobre ética e teologia, tanto quanto fazem as leis e sermões teológicos
encontrados em outras partes do Pentateuco, e por esta razão, também pertencem à Torah.
Gênesis 1 introduz as histórias primitiva e patriarcal que constituem o livro de
Gênesis. A relação de Gênesis 1-11 a Gênesis 12-50, por um lado, e sua relação com a
antiga tradição do Oriente Próximo, por outro lado, já foram discutidas na introdução.
Gênesis 1.1-2.3 forma a primeira seção de Gênesis, a segunda começa em 2.4.
Gênesis 2.1-3 ecoa 1.1, introduzindo as mesmas frases, mas na ordem inversa: ele criou,
Deus, céus e terra reaparecem como céus e terra (2.1) Deus (2.2), criou (2.3). Tal padrão
quiástico traz a seção ao fim que é reforçado pela inclusão Deus criou ligando 1.1 e 2.3.
A correspondência do primeiro parágrafo, 1.1-2 com 2.1-3 é sublinhada pelo
número de palavras hebraicas em ambos sendo múltiplos de 7. 1.1 consiste de sete palavras,
1.2 de 14 (7 x 2) palavras, 2.1-3 de 35 (7 x 5) palavras. O número sete domina este capítulo
de abertura de uma maneira estranha, não só no número de palavras em uma seção
particular, mas no número de vezes que uma determinada palavra ou frase se repete. Por
1
WENHAM, G. J. Word Biblical Commentary: Genesis 1-15, vol. 1. Dallas: Word, Incorporated, 2002.
exemplo, Deus é mencionado 35 vezes, terra 21 vezes, o céu / firmamento 21 vezes,
enquanto as frases e foi assim e Deus viu que isso era bom ocorre sete vezes.
A maioria dos estudiosos modernos afirma que a seção de Gênesis termina com
2.4a, e não 2.3. A expressão esta é a história de (2.4) é aqui usada para concluir uma seção,
embora em outros lugares em Gênesis (5.1; 11.27) introduza um novo e importante
desenvolvimento na história. A estrutura quiástica apertada de 2.4 faz com que seja
improvável que haja divisão no meio do verso. Por essas razões, o parecer de Jacob,
Cassuto, Cross e Tengström de que 2.3 fecha a seção de abertura do livro e que 2.4 abre a
seção seguinte é a base da exposição que se segue.
O arranjo de 1.1-2.3 é problemático. Resumidamente, as oito obras da criação
incitadas por dez mandamentos divinos e executadas em seis dias diferentes. Cassuto,
Beauchamp, e Pasinya explicam bem a forma atual do texto.
Gênesis 1 é caracterizado por uma série de fórmulas recorrentes: I) o anúncio do
mandamento e Deus disse (10 vezes – v. 3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26, 28, 29); II) a ordem, por
exemplo, haja (8 vezes – v. 3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26); III) fórmula de cumprimento, por
exemplo, e foi assim (7 vezes – v. 3, 7, 9, 11, 15, 24, 30); IV) fórmula de execução ou
descrição do ato, por exemplo, e fez Deus (7 vezes – v. 4, 7, 12, 16, 21, 25, 27); V) fórmula
de aprovação Deus viu que isso era bom (7 vezes – v. 4, 10, 12, 18, 21, 25, 31); VI) palavra
divina subsequente, de nomeação ou bênção (7 vezes – v. 5 [duas vezes], 8, 10 [duas
vezes], 22, 28); VII) menção de dias (6 / 7 vezes – v. 5, 8, 13, 19, 23, 31 [2.2]). É
interessante notar que mesmo existindo dez anúncios de palavras divinas e oito comandos
citados, todas as fórmulas são agrupadas em sete. A fórmula de cumprimento é omitida no
verso 20, a descrição do ato no verso 9, e a fórmula de aprovação nos versos 6-8. Em cada
caso, a LXX acrescenta a fórmula apropriada, mas é característico entrar em simetria
dissimétrica (McEvenue), e tais adições obscurecem o padrão sétuplo desta seção.
A estrutura narrativa também destaca o terceiro e o sexto dia da criação. Ambos os
dias tem um duplo anúncio da palavra divina e Deus disse (v. 9, 11, 24, 26) e a fórmula de
aprovação duas vezes (v. 10, 12, 25, 31), de modo que eles se correspondem formalmente.
Também há uma correspondência nos conteúdos dos dias. O dia 3 trata da criação da terra e
plantas, enquanto o dia 6 lida com os animais que vivem na terra e o homem, e Deus lhes
permite comer as plantas. Correspondências similares ligam os dias 1 e 4: o dia 1 menciona
a criação da luz e o dia 4 menciona a criação de corpos produtores de luz. O dia 2 discute a
criação do céu e o dia 5 fala das aves do céu. Isso é representado em diagrama da seguinte
maneira:

Dia 1 Luz Dia 4 Luminares

Dia 2 Céu Dia 5 Pássaros


e peixes

Dia 3 Terra (plantas)Dia 6 Animais


e homem
(plantas para alimentos)

Dia 7
Shabat

A narrativa tem dois polos, céu e terra (1.1; 2.1), e seu foco se move do céu à terra,
terminando com uma vista de perto do homem (v. 26-30). Esta mudança de foco é refletida
novamente no arranjo dos atos criativos.

Dia 1 céu

Dia 2 céu

Dia 3 terra

Dia 4 céu

Dia 5 terra

Dia 6 terra
O dia 4 é o meio da semana, conforme Beauchamp mostrou. É construído de
maneira elaborada num padrão de termos palistróficos introduzidos pela preposição para.
(cf. v. 14-18).
Tais padrões de cruzamento são bastante comuns no A. T., e é muito apropriado que
haja um no meio dessa narrativa da criação. Sua presença sugere que o autor estava
interessado no trabalho do quarto dia da criação. O sol, a lua e as estrelas ditam as estações,
dias e anos, e o foco da narrativa sobre a função deles é apropriado em um relato da criação
que atribui o trabalho da criação e o descanso de Deus no shabat para os dias da semana.
No entanto, 2.1-3, o relato do sétimo dia, permanece à parte da estrutura padrão de
cada um dos outros seis dias. Os termos céu e terra, Deus, criou reaparecem na ordem
inversa à de 1.1, e esse eco invertido do verso de abertura completa a seção. A tríplice
menção do sétimo dia, cada vez em uma sentença de sete palavras hebraicas, chama a
atenção para o caráter especial do shabat. Assim, forma e conteúdo enfatizam a distinção
do sétimo dia.
Frequentemente se argumenta que 1.1-2.3 é baseado em uma breve fonte,
descrevendo a criação apenas em termos de ações divinas (Tatbericht). Tal relato foi
posteriormente expandido, incluindo comandos divinos (Wortbericht) como um prelúdio à
atividade divina.
Há uma teoria da fonte-crítica realizada em conjunto com a visão Tatbericht (W. H.
Schmidt) que sustenta que Gênesis 1 usou a história da criação babilônica, Enuma elish, ou
foi dependente das tradições da Mesopotâmia (Gunkel; Speiser afirmou que Gênesis 1 está
em dívida com Enuma elish). Speiser, seguindo Heidel, observou paralelos entre Enuma
dish e Gênesis 1, que sugerem dependência de Gênesis de Enuma tais como, por exemplo, a
criação da luz, firmamento, terra seca, luminares e o descanso divino no sétimo dia. Os
defensores de tal visão observam que o objetivo geral do Enuma elish e muitos de seus
detalhes eram diferentes dos de Gênesis 1. Enuma elish se preocupado com glorificar a
Marduk e justificar sua supremacia no panteão babilônico. Os atos criativos desse deus
constituem poucas ilustrações de seu poder: sua vitória sobre Tiamat é central para Enuma
elish, enquanto que em Gênesis a obra da criação de Deus é o tema central do capítulo 1.
Os estudiosos sentem que por Gênesis saber de alguma forma da história do dilúvio
mesopotâmico, os ligeiros pontos de contato com Enuma elish sugerem uma relação
semelhante nos relatos da criação.
Muitos dos supostos paralelos entre Enuma elish e Genesis são comuns em muitas
cosmologias do Oriente Próximo, como, por exemplo, a origem aquática do mundo e a
separação de terra, enquanto que a criação do homem e do resto dos deuses é mencionada
em outras fontes babilônicas antigas, como o épico de Atrahasis, (cerca de 1600 a. C.). O
atraso relativo de Enuma elish, segundo Lambert, é contra o ser fonte de Gênesis.
Discussão posterior da relação entre o pensamento babilônico e o de Genesis
concentrou-se no épico Atrahasis. Um caso mais forte pode ser feito para afirmar a relação
entre Gênesis e Atrahasis em que Atrahasis também apresenta a história primitiva como
uma sequência de criação-divina desprazer-dilúvio. Em outras palavras, o relato padrão
babilônico da criação enxerga a criação como um prelúdio para o dilúvio, assim como
Gênesis 1-11 faz. Mas é improvável que haja dependência literária direta de Genesis sobre
Atrahasis. A orientação geral e os vários detalhes da narrativa são muito diferentes para
fazer isto provável. As semelhanças podem ser explicadas pela origem de ambos os relatos
em países vizinhos mais ou menos no mesmo período cronológico.
Herrmann, Kilian, Notter e Ultvedt argumentam que paralelos mais próximos se
encontram na literatura egípcia. Notter observa em vários textos egípcios semelhanças
características de Gênesis 1 e 2, tais como a criação do caos como o primeiro passo, o
conceito de um firmamento, a criação do homem à imagem de Deus, o homem sendo feito
do barro e inspirado por Deus, e o simbolismo de setes. Notter não afirma que o material
egípcio serviu como fonte direta de Gênesis 1, mas que o autor estava familiarizado com as
ideias egípcias da criação. Ultvedt argumenta que Gênesis 1 deve estar dependente da
cosmogonia expressa no Ensino de Rei Merikare (século 21 a. C.), o qual ele sugere que
provavelmente foi conhecido do escritor hebraico em uma versão fenícia. Ultvedt afirma
que não há evidências para supor que Genesis foi dependente de fontes da Mesopotâmia,
muito menos de Enuma elish. Esses autores sublinham a fragilidade da relação entre a
tradição da Mesopotâmia e a tradição hebraica. É duvidoso que os paralelos mencionados
realmente demonstrem a dependência de fontes egípcias.
As ligações conhecidas dos patriarcas hebreus com a Mesopotâmia e a ampla
difusão de textos literários cuneiformes em todo o Levante, no período de Amarna (século
15 tardio) tornam improvável que os escritores de Gênesis tenham sido completamente
ignorantes da Babilônia e de mitologia cognata. É provável que eles estivessem conscientes
de uma série de relatos da criação correntes no Oriente Próximo de seu dia, e que Gênesis 1
é uma declaração do ponto de vista hebraico da criação em oposição às visões rivais. Não
se trata de uma desmitologização de mitos da criação orientais, seja babilônico ou egípcio,
mas sim um repúdio polêmico de tais mitos.
Hasel detecta cinco áreas em que Gênesis 1 ataca cosmologias rivais: I) em algumas
cosmogonias do Oriente Próximo, dragões são rivais que os deuses cananeus conquistam,
enquanto que em Gênesis 1.21, os grandes monstros do mar são apenas um tipo de animais
aquáticos criados por Deus; II) tais cosmogonias descrevem a luta dos deuses para separar
as águas superiores das águas inferiores, mas Gênesis 1.6-10 descreve os atos de separação
por simples fiat (decreto) divino; III) a adoração do sol, da lua e das estrelas era corrente
em todo o antigo Oriente. Gênesis evita usar palavras hebraicas normais para o sol e a lua,
para que não sejam tomados como divino, e diz que Deus criou o maior e o menor; IV) a
tradição babilônica enxerga a criação do homem como uma reflexão tardia, um dispositivo
para aliviar os deuses do trabalho e fornecer-lhes alimentos. Para Gênesis, a criação do
homem é o objetivo da criação e Deus provê comida ao homem. V) Genesis mostra Deus
criando através de sua palavra falada, não através de expressão mágica como é atestado no
Egito. Através de toda cosmologia de Genesis há uma polêmica anti-mítica consciente e
deliberada, afirma Heidel. O autor de Gênesis 1 mostra que ele estava ciente de outras
cosmologias e que ele não escreveu dependendo delas, mas sim as rejeitando.
Histórias extrabíblicas da criação do Oriente Próximo antigo são geralmente
poéticas, mas Gênesis 1 não é poesia hebraica típica. Alguns escritores se esforçam em
enfatizar que Gênesis 1 é teologia sacerdotal pura e não é poesia. Não há elemento de hinos
na linguagem, afirma von Rad. Gênesis 1 não é prosa hebraica normal; sua sintaxe é
completamente diferente da prosa narrativa. Cassuto, Loretz e Kselman apontaram para a
bicola ou tricola poética em Gênesis 1, admitindo que a maior parte do material é prosa. É
possível que esses fragmentos poéticos voltem a uma forma anterior do relato da criação,
mas, conforme observa Cassuto, é mais simples supor que a especial importância do
assunto levou a uma exaltação do estilo aproximando do nível da poesia (1.11).
Gênesis 1 é único no Antigo Testamento. Tal texto convida a comparar com os
salmos que louvam o trabalho de Deus na criação (cf. Sl 8; 136; 148) ou com passagens
como Provérbios 8.22-31 e Jó 38, por exemplo, que refletem sobre o mistério da
criatividade de Deus. É um grande hino, estabelecendo majestosamente a onipotência do
criador, mas supera outras passagens no âmbito e abrangência de visão. Em tal texto há
prosa elevada, e não pura poesia. É improvável que ele fora usado como uma canção de
louvor, como os salmos eram. Sua forma atual é uma composição literária cuidadosa
introduzindo as narrativas seguintes.
Westermann afirma que se trata de uma abertura festiva majestosa. É um texto que
introduz a grande série de eventos que começou com a criação, leva à chamada dos
patriarcas e o êxodo do Egito e culmina com a lei dada no Sinai e o estabelecimento do
culto no tabernáculo. Embora, à primeira vista, Gênesis 1 esteja longe das preocupações
cultuais, ele serve para reforçar a importância e o privilégio de adoração. O Deus a quem
Israel adora e cuja lei obedece é o criador todo-poderoso do céu e da terra.
Em sua configuração atual, Gênesis 1.1-2.3 serve como uma excelente introdução
ao livro do Gênesis como um todo. Ele declara que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é
mera divindade localizada ou tribal, mas o Senhor soberano de toda a terra. As histórias de
família aparentemente mesquinhas e insignificantes, que ocupam a maior parte do livro, são
de consequência cósmica, pois Deus escolheu tais homens para que, através deles, todas as
nações da terra sejam abençoadas.
As simetrias cuidadosas e a repetitividade deliberada do capítulo revelam mais do
que um introito cuidadosamente composto para o livro de Gênesis; elas falam de um Deus
que cria a ordem por sua própria palavra de comando. Gênesis 1 é mais do que um repúdio
dos mitos de criação orientais contemporâneos; é uma invocação triunfante do Deus que
criou todos os homens e um convite a toda a humanidade a adorar aquele que os fez à sua
imagem.

Comentário
(v. 1-3) Em o princípio Deus criou. A simplicidade gritante dessa tradução
tradicional disfarça um debate complexo e prolongado sobre a correta interpretação de tais
versos. Quatro entendimentos da sintaxe de tais versos foram defendidas:
I) O verso 1 é uma cláusula temporal subordinada à cláusula principal do verso 2:
Em o princípio, quando Deus criou [...], a terra era sem forma [....];
II) O verso 1 é uma cláusula temporal subordinada à cláusula do verso 3 (o verso 2 é
um comentário parentético). Em o princípio, quando Deus criou [...] (agora, a terra era
sem forma) Deus disse [...].
III) O verso 1 é uma cláusula principal, resumindo todos os eventos descritos nos
versos 2-31. É um título para o capítulo como um todo e poderia ser traduzida como: Em o
princípio, Deus foi o criador do céu e da terra. O ser criador do céu e da terra meio é
explicado mais detalhadamente nos versos 2-31.
IV) O verso 1 é uma cláusula principal descrevendo o primeiro ato da criação. Os
versos 2 e 3 descrevem as fases subsequentes na atividade criadora de Deus. Esta é a visão
tradicional adotada em nossa tradução.
Teologicamente, tais traduções diferentes são importantes, porque à parte de IV, as
outras traduções pressupõem a existência da matéria caótica preexistente antes da obra da
criação começar. Os argumentos a favor e contra essas traduções são:
I) proposta por Ibn Ezra, com pouco apoio. A NEB (The New English Bible) e NAB
(The New American Bible) parecem adotar esta tradução, colocando pontuação ao final do
verso 2. Provavelmente, tais traduções consideram a cláusula principal como Deus disse no
verso 3, ou seja, a opção II. É a interpretação menos provável em que o verso 2 é uma
cláusula circunstancial dando informação contextual adicional necessária à compreensão do
verso 1 ou 3, e, portanto, nem o verso 1 ou 3 deve conter a cláusula principal.
II) proposta por Rashi, embora existam indícios em textos rabínicos que tenha sido
conhecida anteriormente, afirma Schäfer. Defensores recentes incluem Bauer, Bayer,
Herrmann, Humbert, Lane, Loretz, Skinner e Speiser, bem como RSV (Revised Standard
Version), NEB (The New English Bible), NAB (The New American Bible) e TEV (Today’s
English Version).

Esta interpretação começa com a observação de que a primeira palavra tyvarb


(bere’shiyt) literalmente, em início, não tendo o artigo definido. Pode, portanto, ser
interpretado como um construto e toda a cláusula pode ser traduzida: Em o início da
criação de Deus do céu e da terra. Neste tipo de construção, o verbo é geralmente no

infinitivo (arb – bero’), enquanto que aqui é perfeito (arb – bara’ – ele criou). Este
não é sem paralelo (cf. Os 1.2).
Em apoio a esta interpretação do verso 1 estão os seguintes argumentos: a.

tyvar (re’shiyt), começo, raramente, ou nunca, tem o sentido absoluto: significa


antigamente, primeiramente, não antes de tudo; b. Gênesis 2.4b, geralmente considerado
como o início do segundo relato da criação, começa, literalmente, em o dia de o criar pelo
Senhor Deus do céu e da terra; c. Enuma elish e o épico Atrahasis começam com uma
cláusula temporal dependente similar. No entanto, a maioria dos escritores recentes rejeitam
essa interpretação, pelas seguintes razões:

Fundamental é a observação de que a ausência do artigo, em tyvarb não


implica que ele está no estado construto. Frases temporais frequentemente faltam o artigo
(cf. Is 46.10, 40.21, 41.4, 26; Gn 3.22; 6.3, 4; Mq 5.1; Hb 1.12). Não pode ser mostrado que

tyvar pode não ter um sentido absoluto. Pode ter sentido absoluto em Isaías 46.10, e a
expressão análoga varm (mero’sh) em Provérbios 8.23 certamente refere-se ao início de

toda a criação. O contexto de tyvarb no início do relato da história do mundo faz


sentido absolutamente apropriado aqui. O paralelo com Gênesis 2.4b desaparece, se, como
argumentado a seguir, a próxima seção de Gênesis comece com 2.4a, não 4b. Quanto aos
alegados paralelos com fontes da Mesopotâmia, a maioria dos que reconhecem tal
dependência apontam que melhores paralelos com material extra-bíblico podem ser
encontrados em Gênesis 1.2-3 do que em 1.1. O primeiro verso é trabalho do editor do
capítulo, seu endividamento à tradição anterior é evidente no verso 2.
Por tais razões, a maioria dos estudiosos modernos concordam que o verso 1 é uma
cláusula principal independente a ser traduzida como em o princípio Deus criou [...]. Mas,
dentro deste consenso, há controvérsia quanto à relação entre o verso 1 e os versos 2 e 3. A
maioria (Driver, Gunkel, Procksch, Zimmerli, von Rad, Eichrodt, Cassuto, Schmidt,
Westermann, Beauchamp, Steck) adota a visão de que Gênesis 1.1 é um título para o que se
segue. Gênesis 1.1 está em uma correspondência quiástica a Gênesis 2.4a (criar, céus e terra
// céus e terra, criar), e estas duas cláusulas enquadram o relato de intervenção. Este
argumento prova pouco, embora seja possível argumentar que as palavras finais de 2.3, que
Deus criou, façam uma inclusão notável com 1.1. Deste ponto de vista, os versos 2-30
expõem o que se entende pelo verbo criar no verso 1. A criação é uma questão de organizar
o caos pré-existente. A origem do caos é deixada indiscutida. Dado o contexto da mitologia
oriental, pode-se presumir que seja eterna.
Apoiando tal perspectiva se insiste que apenas isso faz justiça ao texto exato do
verso 1. A interpretação tradicional supõe que Deus criou primeiro o caos e o ordenou,
enquanto que em outro lugar, a escritura fala de Deus criando ordem e não caos (cf. Isaías
45.18). Mesmo aqui, o texto diz que Deus criou céu e terra, que naturalmente denota todo o
cosmos ordenado. A força de tais argumentos depende da interpretação dos termos do verso
1. Se a criação do mundo foi um evento único, os termos aqui utilizados podem ter valor
ligeiramente diferente de outros lugares. Gunkel argumenta que há uma contradição entre
os versos 1 e 2, caso o verso 1 seja apenas um título. Como pode Deus ter dito que criou a
terra (verso 1) se a terra pré-existiu sua atividade criativa (v 2), conforme a presente visão
implica? Uma explicação literária diacrônica é normalmente avançada, ou seja, que o verso
1 é uma adição posterior de uma fonte anterior: Gênesis 1.1 é próprio comentário
interpretativo de Pesher no material tradicional nos versos 2-3. Antes de Genesis chegar à
sua atual forma final, o relato apenas falou de Deus dirigindo um mundo caótico escuro (cf.
versos 2-3). Assim, o autor ou editor de Gênesis prefaciou tal versão mais antiga com o
verso 1, afirmando que em o princípio, Deus criou o céu e a terra. A contradição entre o
verso 1 e os versos 2 e 3 é assim explicada em termos de um revisor não integrando suas
observações adequadamente com o material anterior. Mas, um texto deve ser interpretado
sincronicamente, bem como, por exemplo, na sua forma final total. Isso tende a apoiar a
visão tradicional, pois é preferível supor que o editor não deixou contradições óbvias dentro
de sua obra.
IV) a visão tradicional ainda tem muitos adeptos. As versões e os pontos
massorético implicam que esta era a visão padrão do terceiro século a. C. (LXX) até o
décimo século d. C. (texto massorético). Defensores modernos incluem: Wellhausen,
König, Heidel, Kidner, Ridderbos, Young, Childs, Hasel, Gispen e Notter.
A antiguidade desta interpretação é o maior argumento a seu favor. As pessoas mais
próximas em tempo da composição de Gênesis 1 pode ser presumido serem os melhores
informados sobre seu significado. Mas Hasel argumenta que tal interpretação é mais
provável já que é evidente que os versos 2-3 não são empréstimo direto de ideias extra-
bíblicas. Fontes da Mesopotâmia formulam suas descrições negativamente: quando o céu
ainda não tinha sido nomeado, ao passo que o verso 2 é positivo, a terra era caos total. Os
versos 2 e 3 foram compostos pelo escritor responsável pelo verso 1, e não emprestado de
uma fonte pré-bíblica. Isso torna mais natural interpretar o texto sincronicamente, ou seja,
verso 1: primeiro ato criador; verso 2: consequência do verso 1; verso 3: primeira palavra
criadora. Notter afirma que a ideia de que a primeira matéria criada por um deus, o oceano
primordial, e depois o organizou, tem muitos paralelos egípcios. Se assim, o entendimento
tradicional de tais versos faz justiça ao texto de Gênesis que é ser investigado a seguir:

(v. 1) tyvar (re’shiyt) princípio é um substantivo abstrato etimologicamente

relacionado com var (ro’sh) cabeça, e !wvar (ri’shon) primeiro. Em frases temporais
é mais frequentemente usado relativamente, ou seja, especifica o início de um período
particular, por exemplo, do início do ano (Dt 11.12) ou no início do reinado de (Jr 26.1).
Mais raramente, como aqui, ela é usado absolutamente, com o período de tempo não
especificado. Só o contexto mostra precisamente o significado como, por exemplo, Isaías

46.10. Declarando o fim desde o princípio, e desde tempos antigos (~dqm) coisas que

ainda não feitas (cf. Pv 8.22-23). Os contextos aqui e em Gênesis 1 sugerem que tyvar
se refere ao início do próprio tempo, e não para um determinado período na eternidade (cf.
Is 40.21; 41.4).

Prefixando tyvar princípio com a preposição b em, Gênesis faz suas duas

primeiras palavras começarem de maneira idêntica, pois arb (bara’) também implica que
ele criou. Isto é vaidade literária. O artesanato literário empregado em outras partes do

capítulo prova isto. Em outros lugares, nesses capítulos iniciais, arb é empregado sempre
em proximidade de $rb (barak) abençoar (1.21 / 22; 1.27 / 28; 2.3 / 3; 5.1-2 / 2),
sugerindo que criação e bênção estão ligados no propósito divino, propósito este a ser

realizado através de Abr[a]ão (12.1-3), cujo nome ( ~rba – ‘avram) consiste das
mesmas três letras.

arb ele criou. O verbo é usado tanto no qal e niphal. Uma ligação etimológica
com o piel arb (bere’) cortar, partir (cf. Js 17.15) é duvidosa. É particularmente fácil ler
noções portuguesas de criação no verbo hebraico, dada a importância teológica da ideia. É
vital examinar o uso cuidadosamente para determinar seu significado. Primeiro, deve-se

notar que o Deus de Israel é sempre assunto de arb. A criação nunca é predicado de
divindades pagãs. Segundo, o texto nunca diz que Deus cria a partir de. Terceiro, os
produtos mais frequentemente nomeados da criação são o homem, (cf. 1.27) e novidades
inesperadas (cf. Nm 16.30; Is 65.17); raramente mencionados são os monstros do mar (Gn
1.21), montanhas (Am 4.13) e animais (Sl 104.30).

arb não é um termo reservado exclusivamente para a criação a partir do nada. Por
exemplo, ele pode ser utilizado da criação de Israel (Is 43.15). Mas, como acontece com a
palavra criar em português, há ênfase na liberdade do artista e poder - quanto mais no
hebraico quando a palavra é usada exclusivamente para a atividade de Deus. W. H. Schmidt

afirma que, apesar de arb não denotar creatio ex nihilo, tal palavra preserva a mesma
ideia, ou seja, o ato de Deus sem esforço, totalmente livre e desvinculado criar, a sua
soberania. Nunca é mencionado que Deus criou do.
Deus criou o mundo do nada. O A. T. fala que Deus criou tudo por sua palavra e sua
existência é pressuposta antes o mundo (Sl 148.5; Pv 8.22-27), afirma Ridderbos. Embora
tal interpretação de Gênesis 1.1 seja possível, a fraseologia utilizada deixa o significado
preciso do autor incerto quanto a este ponto.

~yhla (elohiym) Deus. O primeiro sujeito de Gênesis e da Bíblia é Deus,


afirma Procksch. Tal palavra é o segundo substantivo mais frequente no A. T. É derivado de
palavra semita comum para deus. O hebraico geralmente prefere a forma plural do
substantivo, que, exceto quando isso significa deuses, isto é, divindades pagãs, é
interpretado com um verbo no singular. Embora o plural seja tomado várias vezes como um
plural de majestade ou poder, é duvidoso que isso seja relevante para a interpretação de

~yhla. É simplesmente a palavra comum para Deus, plural na forma, mas singular no
significado.

Estritamente falando, ~yhla é um apelativo, isto é, ele pode ser usado para
qualquer deidade. Não é um nome pessoal, como Yahweh, El Shaddai, Marduk, ou
Chemosh. Mas, como ocorre com a palavra portuguesa Deus, muitas vezes age quase como

um nome próprio. No presente capítulo ~yhla é uma palavra mais adequada para se
utilizar do que hwhy (Yehowah – o Senhor), pois implica que Deus é o criador
soberano de todo o universo, não apenas o Deus pessoal de Israel, conforme afirma H.
Ringgren.

É importante apreciar que o hebraico ~yhla não é apenas sinônimo do


português Deus. Graças ao secularismo, Deus se tornou para muitos pouco mais que um
conceito filosófico abstrato, mas a visão bíblica evita tais abstrações. Westermann ressalta
que Deus em Gênesis 1 é aquele que age e fala. Sua realidade é vista em seus atos, ele não é
uma entidade que pode ser concebida à parte de suas obras.

#rah taw ~ymvh (hashamayim we’et há’arets) o céu e a terra. É


característico de muitas línguas descrever a totalidade de algo em termos de seus extremos
como, por exemplo, bom e ruim, grande e pequeno. Aqui há um exemplo de tal uso para
definir o universo.

Por si só ~ymv significa céu ou céus, ou seja, a morada de Deus, enquanto


#ra denota a terra, mundo, que é a casa do homem. Mas, no A. T., bem como em
egípcio, acadiano e ugarítico, céu e terra também são usados para designar o universo (cf.
Gn 14.19, 22; 24.3, Is 66.1, Sl 89.12).
Gênesis 1.1 pode ser traduzido como no princípio, Deus criou todas as coisas.
Estudiosos insistem que a expressão céu e terra denota o cosmos completamente ordenado.
Embora seja geralmente esse o caso, a totalidade ao invés de organização é o principal
ponto aqui. Sendo assim, é bastante viável para a menção de um ato inicial de criação de
todo o universo (verso 1), a ser seguido por um relato da ordenação de diferentes partes do

universo (versos 2-31). Dito de outra forma, #ra pode ter um significado diferente nos
versos 1 e 2. Combinado com o céu designa todo o cosmos, enquanto no verso 2 tem seu

significado usual terra. Stadelmann afirma que o termo #ra significa basicamente toda a
área em que o homem pensa de si mesmo como vivente, como oposto às regiões do céu ou
inferno. N. E. Andreasen afirma que contextos diferentes mostram que é errado identificar o

sentido de #ra no verso 1 com seu sentido do verso 2 muito precisamente.

(v. 2) #rahw (weha’arets) E a terra. E + substantivo (= terra) indica que o


verso 2 é uma cláusula disjuntiva. Poderia ser circunstancial para o verso 1 ou 3, mas, por
razões já discutidas, o último é mais provável. O verso 2 descreve o estado da terra antes da
primeira ordem divina no verso 3. Construções semelhantes são encontradas em Gênesis
3.1; 4.1, por exemplo.

whbw wht (tohu wavohu) caos total, um exemplo de hendíade, literalmente,


sem forma e vazia. wht sem forma tem dois sentidos principais, nada (cf. Is 29.21), ou,
como aqui, o caos, desordem, mais frequentemente do deserto inexplorável onde um
homem pode perder seu caminho e morrer (cf. Dt 32.10; Jó 6.18). Esta desorganização
assustadora é a antítese da ordem que caracterizou a obra da criação, quando concluída.

Aqui e em Isaías 34.11 e Jeremias 4.23, wht é acoplado com whb vazio, onde,
conforme o contexto mostra, o horror da situação antes da palavra divina trazer ordem ao
caos é sublinhado.
O mesmo ponto é feito em outra imagem poderosa na próxima cláusula, trevas

cobriam o abismo. $vx (hoshek) trevas é outra palavra evocativa em hebraico. Se luz
simboliza Deus, a escuridão evoca tudo o que é anti-Deus: os ímpios (Pv 2.13), julgamento
(Êx 10.21), morte (Sl 88.13). Salvação é descrita como trazendo luz àqueles nas trevas (Is
9.1). Enquanto trevas é opaca ao homem, é transparente para Deus (Sl 139.12). Deus pode
se velar (de véu) na escuridão em momentos de grande revelação (Dt 4.11; 5.23; Sl 18.12).
Há ambiguidade em tal referência à escuridão que cobre o abismo. Prima facie é mais uma
descrição do sem forma primevo terrível, mas poderia sugerir a presença escondida de Deus
esperando para revelar a si mesmo.

~wht (tehom) profundezas, águas profundas ocorre 36 vezes no A. T. Seu


significado básico, águas profundas, é encontrado em muitas passagens. Águas profundas
pode ameaçar a vida em que um homem pode nela se afogar (Êx 15.8), mas também pode
garantir a continuidade da vida no clima seco do Oriente Próximo (Gn 49.25; Dt 8.7). Em

poucas passagens, incluindo a presente, ~wht é identificado com o oceano primevo


que é suposto cercar e subjazer na base da terra (cf. Gn 7.11), mas não há indício no texto
que a profundidade era uma potência, independente de Deus, o qual ele teve que lutar
contra para controlar. Ele é parte de sua criação que faz conforme sua ordem (cf. Sl 104.6;
Pv 8.27-28).

Gunkel sugere que o hebraico ~wht era para ser identificado com Tiamat, a
deusa babilônica, morta por Marduk, cuja carcaça foi usada para criar o céu e a terra. Ele
viu em Gênesis 1.2 uma alusão aos mitos da criação da Mesopotâmia. Otzen reafirmou tal
conexão, mas Heidel mostrou que um empréstimo direto é impossível. Westermann afirma

que o uso do A. T. de ~wht não permitem falar de uma desmistologização de uma ideia
mítica ou nome. Em cosmogonias antigas, referência a um dilúvio primevo é comum,

afirma Westermann. A palavra ~wht não é uma alusão à conquista do Tiamat, como no
mito babilônico.
E o vento de Deus pairava sobre as águas. Os estudiosos discordam entre si sobre a
interpretação de tal frase. von Rad, Speiser, Schmidt, Westermann e a NEB enxergam isso
como uma descrição do caos primevo e traduzem como um vento forte varreu a superfície
das águas. Cassuto, Kidner, Gispen, Gunkel, Skinner e Procksch preferem a tradução
tradicional de que o Espírito de Deus estava se movendo, enquanto Ridderbos e Steck
falam sobre o sopro de Deus como tradução preferível. A disputa é sobre as duas palavras

xwr ~yhla (elohiym ruah). xwr pode significar vento ou espírito. ~yhla
quase sempre significa Deus, mas em algumas passagens, é usado como alternativa a um
superlativo. Daí a tradução vento forte.
Os estudiosos concordam com a função sintática de tal cláusula. Ele coloca em
paralelo a terra era caos total e trevas cobriam o abismo. Profundo e águas são
praticamente sinônimos aqui. O verso 2 consiste em três cláusulas paralelas descrevendo a
situação anterior ao fiat divino no verso 3. Uma vez que as cláusulas 1 e 2 descrevem uma
situação de caos negro, um quadro semelhante deve ser transmitida pela terceira cláusula,
argumentam Westermann e Schmidt. Uma referência ao Espírito de Deus em tal contexto é

inapropriado. Desde que ~yhla pode ser usado para expressar o superlativo, a tradução
grande vento é preferível.

Mas reduzir ~yhla simplesmente um superlativo parece improvável aqui, que


em outros lugares sempre o usa para significar Deus. Em nenhum outro lugar na escritura a

frase ~yhla xwr ou hwhy xwr sempre significa grande vento: ele sempre se
refere ao Espírito ou o vento de Deus. Sendo assim, afirma R. Luyster, a frase tem que ser
tomada envolvendo alguma manifestação de Deus, seja como vento, espírito, ou fôlego.
Isto não está necessariamente em total contraste com as duas primeiras cláusulas
mencionando o caos e escuridão, porque escuridão é ambivalente, como mencionado
acima, às vezes, é sinônimo de tudo o que é anti-Deus, mas também pode ser o seu lugar de
se esconder. É impossível fazer uma escolha firme entre vento, fôlego e espírito, como

traduções de xwr neste caso, mas o verbo pairar, usado em conjunto com ele, talvez
encaixe vento melhor do que espírito ou sopro. tpxrm (merahepet) pairando tem sido
usado para justificar pontos de vista improváveis, tal como o do tomar o siríaco raḥep para
significar chocar ou incubar, por isso se sugere que há aqui uma imagem do Espírito
incubando o ovo mundo, noção esta encontrada em algumas cosmologias fenícias, mas isso
é improvável ao presente texto. Deuteronômio 32.11 é a outra única passagem no A. T.

onde @xr (rahap – no piel) é encontrada. Aqui, descreve a ação de uma águia pairando

sobre seus filhotes antes que eles voem. @xr também é encontrado em ugarítico para
descrever o voo das aves. Beauchamp afirma que @xr também descreve bem o
movimento do vento. É por isso que a tradução vento de Deus é uma tradução melhor para
a imagem concreta e viva do Espírito de Deus. A frase realmente expressa a poderosa
presença de Deus se movendo misteriosamente sobre a face das águas. Beauchamp
compara a descrição do mover divino a um vento tempestuoso guiado pelo espírito (Ez 1.4,
12, 20) e as referências à sabedoria assistindo a atividade criadora de Deus (Pv 8; Jó 38) a
esta passagem de Gênesis. Mesmo não podendo se provar o que é exatamente o que
Gênesis 1.2 quer dizer, tais interpretações podem ser evocadas pela imagem do vento de
Deus pairando e pronto para agir.

(v. 3-5) Registro da primeira das dez palavras da criação. Tais versos possuem sete
fórmulas padrão que incluem a descrição de cada etapa da criação: I) o anúncio Deus disse;
II) o comando haja; III) cumprimento assim foi; IV) execução luz; V) aprovação viu [...]
bom; VI) palavra subsequente Deus chamou; VII) número do dia. Na verdade, é a única
ocasião em que todos os sete elementos estão presentes em sequência simples, afirma
Beauchamp. Aqui, é necessário examinar os elementos básicos de fórmulas, bem como os
ingredientes particulares do primeiro dia.

(v. 3) Deus disse. Tal fórmula ocorre dez vezes neste capítulo (cf. versos 6, 9, 11,

14, 20, 24, 26, 28, 29). Embora é claro que em todo o A. T. Deus fala, rma (amar) dizer
é usado aqui no sentido mais pleno do que o habitual. É uma palavra divina de comando
que traz à existência o que ela expressa. Na escritura, a palavra de Deus é,
caracteristicamente, criadora e eficaz: é a palavra profética que declara o futuro e o ajuda a
vir a ser. Nesta narrativa da criação, tais qualidades da palavra divina são ainda mais
evidentes (S. Wagner; Westermann).
Haja luz. O segundo elemento formal é o própria fiat divino, geralmente um jussivo,
como aqui (cf. versos 6, 9, 14, por exemplo), mas um coortativo façamos (verso 26).

rwa (‘or), luz. A luz é a primeira das obras do criador. Stadelmann afirma que a
luz manifesta mais adequadamente a operação divina em um mundo que, sem ele, é
escuridão e caos. Embora não seja divina, a luz é frequentemente utilizada metaforicamente
para vida, salvação, mandamentos e presença de Deus (Sl 56.14, Is 9.1; Pv 6.23; Êx 10.23).

É a antítese, literal e metaforicamente, de $vx trevas (cf. Gn 1.2). Não há problema em


conceber a criação da luz antes dos corpos celestes (versos 14-19). A criação deles no
quarto dia corresponde à criação de luz no primeiro dia da semana.
E houve luz: a fórmula de cumprimento. Em suas outras seis ocorrências neste
capítulo (versos 7, 9, 11, 15, 24, 30), a fórmula é e assim foi. O eco exato do comando aqui
enfatiza o cumprimento total da palavra divina.

(v. 4) Deus viu que a luz era boa: a fórmula de aprovação. Esta afirmação ocorre
sete vezes no presente capítulo (cf. versos 10, 12, 18, 21, 25, 31). Deus, o grande artista é
retratado admirando sua obra. Tal relato da criação é um hino ao criador: a própria criação
testemunha a grandeza e a bondade de Deus. A luz, não a escuridão, é vista como boa.

bwj (tov) bom. Tal adjetivo hebraico muito comum tem vários significados, assim
como o termo em português. Primeiro, chama a atenção à qualidade e adequação de um
objeto por seu propósito. O termo hebraico usado pelos israelitas é mais relacionado com o
espírito e a opinião de Deus. Deus é por excelência aquele que é bom, e sua bondade é
refletida em suas obras (Sl 100.5).
Deus separou [...]. Normalmente, esse elemento de fórmula, execução da palavra
divina, precede a fórmula de apreciação, Deus viu (cf. 12, 16-18, 21, 25), mas certa

flexibilidade dentro dos refrãos é característica do estilo desse relato. Separou, ldbyw
(wayavdel). A separação é uma das ideias centrais do presente capítulo. Deus separa
escuridão e luz, águas superiores e inferiores, dia e noite (versos 6, 7, 14, 18). Em outros
lugares, a separação torna-se quase sinônimo de eleição divina (Lv 20.24; Nm 8.14; Dt
4.41; 10.8; I Rs 8.53). De Israel se espera o discriminar, assim como seu Senhor, na
distinção entre puro e impuro, sagrado e profano (Lv 10.10; 20.25). Ao separar luz e
escuridão, há uma dica da preferência divina pela luz. Possivelmente, as águas superiores,
trazendo a chuva, foram consideradas mais valiosas do que as águas do mar, afirma B.
Otzen.
(v. 5) Deus chamou. Quiasmo neste verso do verbo e objeto indireto chamar-
luz//trevas-chamar usado para expressar unidade dos dois atos de nomeação. Sete vezes
uma palavra divina subsequente de nomeação (versos 5 [duas vezes], 8, 10 [duas vezes]) ou
bênção (versos 22 e 28) segue um ato de criação. Deus nomeia os céus, a terra e os mares,
bem como o dia e a noite. Em outras cosmologias antigas tal como, por exemplo, Enuma
elish, a criação é acoplada com a nomeação. No A. T., nomear algo é afirmar a soberania
sobre ele (cf. Gn 2.20; II Rs 23.34; 24.17). Aqui escuridão, embora não seja dito que tenha
sido criada, ainda é nomeada por Deus. Dar nomes também define os papéis, e a nomeação
do dia e da noite aqui é um aspecto da separação entre as trevas e luz.
Houve tarde e manhã, o primeiro dia. Tal fórmula fecha o relato da atividade de
cada dia (versos 8, 13, 19, 23, 31; cf. 2.2). Provavelmente, a menção da tarde antes do
amanhecer reflete o conceito judaico de que o dia começa ao anoitecer, não de madrugada.
O primeiro dia começou na escuridão (verso 2) e terminou, após a criação da luz, com o
anoitecer, o início do segundo dia.
Westermann afirma que a divisão do tempo em dias é a principal preocupação do
narrador, e não se um dia consiste em um período de escuridão, seguido por um período de
luz ou vice versa. O padrão de seis dias de atos semelhantes seguido por uma mudança no
sétimo dia é bem atestado na literatura da Mesopotâmia e na literatura ugarítica.

~wy (yom) dia. Pouca dúvida há de que dia tem o sentido básico de um período
de 24 horas. A menção de tarde e manhã, a numeração dos dias, e o descanso divino no
sétimo dia mostram que uma semana de atividade divina está sendo aqui descrita. Em
outros lugares, no dia de e frases semelhantes podem significar quando (cf. Gn 2.4; 5.1). O
Salmo 90.4 diz que mil anos são como um dia aos olhos de Deus, mas é perigoso tentar
correlacionar teoria científica e revelação bíblica apelando a tais textos.

(v. 6-8) Todos os elementos de fórmulas padrão são encontrados nesta descrição das
obras divina no segundo dia, exceto pela fórmula de apreciação, possivelmente omitida
porque a separação das águas não foi completada até ao dia seguinte (verso 10).

(v. 6) Firmamento, [yqr (raqiya’). Sua função é definida na segunda cláusula,


um divisor entre as águas, ou seja, o firmamento separa a água do céu da dos mares e rios.
No verso 8 é chamado de céu. Dito de outra forma, o firmamento ocupa o espaço entre a
superfície da terra e as nuvens.

A palavra é derivada etimologicamente do [qr (raqa’), carimbar, espalhar (Ez


6.11; Is 42.5). Em Êxodo 39.3 significa espalhar pelo martelar (Piel). Jó 37.18 fala dos
céus sendo espalhados duramente como um espelho fundido. O substantivo é raro fora de
Gênesis 1. Ezequiel 1.22 e Daniel 12.3 descrevem o firmamento como brilhante. Tais
comentários podem sugerir que o firmamento era visto como uma cúpula de vidro sobre a
terra, mas já que as descrições mais vivas ocorrerem em textos poéticos, a linguagem pode
ser figurada. Certamente, Gênesis 1 não se preocupa com a definição da natureza do
firmamento, mas com a afirmação do poder de Deus sobre as águas. A separação do céu e
terra é um tema familiar nas cosmologias antigas, mas o controle das águas parece ser
peculiar a Enuma elish e Gênesis. Há também a implicação de que o próprio céu foi criado
por Deus. O céu não é um aspecto de Deus.

(v. 7) A repetição verbal destaca a correspondência entre a palavra de ordem e seu


cumprimento. Isto é enfatizado pela cláusula e assim foi, que em outras partes deste
capítulo precede a descrição detalhada do cumprimento da palavra divina (versos 11-12,
15-16, 24-25). Steck afirma que a fórmula permite que o narrador enfatize e traga ao seu
leitor a ligação interna entre a palavra e o evento.

(v. 9-13) A narrativa move da criação da luz pela qual as obras de Deus são vistas,
através do céu, o trono de Deus, à terra, a morada do homem. Com o estabelecimento da
terra e mar, os parâmetros básicos da existência humana no tempo e espaço estão
completos. Mas, ao contrário das obras dos dois primeiros dias, o trabalho do terceiro não
envolve nova criação, mas uma organização do material existente.

(v. 9-10) Duas obras ocorreram no terceiro dia: separação da terra e mar, bem como
a criação das plantas. Isso significa que a maioria das fórmulas padrão se repete como, por
exemplo, Assim foi, Deus viu [...] bom (versos 9, 11, 10, 12). A tentativa da LXX de
adicionar fórmulas que faltam no verso 10 não é original.
Um lugar está em contraste com um implícito em todo lugar, quando as águas
cobriram toda a terra. O A. T. não prevê toda água sendo reunida em um único oceano,
como a menção dos mares no verso 10 deixa claro. Enquanto vemos os continentes como
ilhas cercadas por oceanos, a fraseologia aqui sugere que eles enxergavam o mundo como a
terra seca, com mares nele, afirma Schmidt. Foi o poder de Deus que limitou as águas a
certas áreas (cf. Jr 5.22). Quando esses grandes atos de separação foram concluídos, a
glória de Deus foi mais uma vez evidente: isso foi bom. No dilúvio, os limites estabelecidos
na criação foram ultrapassados, a morte e o caos voltaram.

(v. 11-13) O aparecimento das plantas. A questão nestes versos é a relação entre

avd (deshe’) relva, bf[ (‘esev) plantas e #[ (‘ets) árvores. À primeira vista, tal
terminologia sugere três tipos diferentes de vegetação, conforme entende Gispen. Mas,

apesar de avd geralmente significar relva, aqui parece ser um termo mais amplo que
inclui plantas e árvores. A favor desta última interpretação, plantas e árvores são

qualificados como auto propagando, produtor de semente, dar frutos, enquanto avd não
tem tal qualificação. Plantas e árvores são mencionadas nos versos 29-30, mas não é relva.
Tal classificação bipartida parece ser o entendimento das primeiras versões, bem como a
visão da maioria dos estudiosos modernos.

(v. 12) De acordo com seus tipos. !ym (miyn), tipo, é uma palavra comum em
listas, especialmente em material sacerdotal (cf. versos 21, 24-25; 6.20; 7.14, Lv 11.14-29;
Dt 14.13-18). Atravessa este capítulo uma preocupação com definições e divisões. Deus
criou diferentes tipos de plantas e deu-lhes o poder de se reproduzir: produção de semente,
produção de frutos. Há uma naturalidade sobre o tempo e o espaço, que Deus ordenou por
seu próprio decreto. As diferentes espécies de vida vegetal e animal dão testemunho do
plano criador de Deus. A implicação é que o que Deus tem se distinguiu e criou distinto, o
homem não deve confundir (Lv 19.19; Dt 22.9-11). Ordem, não caos, é a marca da
atividade de Deus. Este capítulo é muito preocupado com as implicações de Deus criando o
mundo como com o como e porque da criação. Leitores modernos tendem a se preocupar
com questões científicas e históricas sobre as origens do mundo, enquanto o A. T. se
preocupa em descrever como o mundo veio a existir, ao mesmo tempo em que sugere uma
postura moral a ser adotada diante da ordem natural. As coisas são do jeito que são porque
Deus assim as fez, e os homens e as mulheres devem aceitar o decreto de Deus.

(v. 14-19) A criação do sol, lua e estrelas é descrito em maior extensão do que
qualquer coisa, salvo a criação do homem. A descrição também é muito repetitiva. A
plenitude da descrição sugere que a criação dos corpos celestes tem significado especial
para o autor e, possivelmente, uma variedade de fontes que fundamentam seu relato.
Schmidt argumenta que tais versos oferecem suporte mais claro à opinião de que um
Tatbericht mais velho (versos 16-18a) foi completado por um Wortbericht posterior (14-
15), uma perspectiva endossada por Westermann.
A razão mais óbvia para o detalhe na descrição do quarto dia é a importância dos
corpos astrais no pensamento do Oriente Próximo antigo. Nas culturas vizinhas, o sol e a
lua eram alguns dos deuses mais importantes do panteão, e as estrelas eram muitas vezes
creditadas com o controle do destino humano, afirma Hasel. Há um impulso polêmico por
trás do tratamento de Gênesis do tema, que é visto de várias maneiras:
I) o sol, a lua e as estrelas foram criados por Deus, eles são criaturas, não deuses. E
com a criatura vai transitoriedade. Ao contrário do deus-sol hitita, eles não são desde a

eternidade; II) o sol e a lua não recebem aqui seus nomes habituais em hebraico vmv
(shemesh) e xry (yareha), o que poderia sugerir uma identificação com o deus-sol
Shamash ou Yarih o deus da lua. Ao invés disso, eles estão simplesmente chamados de a
maior e menor luz; III) ao sol e à lua é atribuída a função de iluminar a terra e governar o
dia e a noite, como delegados de Deus. Esta é uma função bastante humilde para os padrões
antigos do Oriente Próximo, embora Marduk faça algo semelhante na nomeação de
estações para os grandes deuses (cf. EE 5.1-22). Finalmente, as estrelas, amplamente
adoradas e consideradas como controladoras do destino humano, são mencionadas quase
como um apêndice: elas também são apenas criaturas.
Há certa quantia de repetição no relato do quarto dia, mas a própria repetição se
torna uma estrutura concêntrica bem organizada (Cassuto; Beauchamp; Steck). Seus
elementos principais consistem de uma lista de funções:

A. para separar o dia da noite (14a)


B. para sinais, para horários fixos, para dias e anos (14b)
C. para dar luz sobre a terra (15)
D. para governar o dia (16a) } Deus fez as
D'. para governar a noite (16b) } duas luzes
C'. para dar luz sobre a terra (17)
B'. para governar o dia e a noite (18a)
A'. para separar a luz das trevas (18b)

O cumprimento dos mandamentos divinos nos versos 14-15 é registrado na ordem


inversa nos versos 17-18. A criação do sol e da lua é mencionada no centro do padrão
(verso 16). Inversões de estrutura deste tipo, palístrofes, é característica comum da prosa
hebraica (S. E. McEvenue). A função tríplice dos corpos celestes de dividir, para governar e
dar luz, são, cada uma, mencionadas duas vezes, de modo a enfatizar sua função real.

Nestes cinco versos l (le), para, ocorre onze vezes, definindo o papel do sol e da lua. Mas,
ao mesmo tempo, há pequenas variações entre comando e cumprimento (cf. A/A' B/B'), que
acrescenta interesse ao relato. Dada a sutileza de tal composição, é difícil sustentar que o
núcleo original desta narrativa era um Tatbericht nos versos 16-18 ao qual os versos 14-15
(Wortbericht) são um complemento posterior. Ao invés disso, trata-se de uma unidade
homogênea, trazendo preocupações características do autor e demonstrando através da
estrutura da narrativa o poder soberano da palavra divina na criação. No máximo, o
chamado Tatbericht é a ideia germinal da qual o narrador construiu o presente relato
(Beauchamp).

(v. 14) Com exceção de Gênesis 1 rwam (ma’or) luz, lâmpada é uma palavra
sempre usada no Pentateuco para designar a lâmpada do santuário no tabernáculo. Apenas
Ezequiel 32.8 e o Salmo 74.16 usam com referência a luzes celestiais. Dividir o dia e a
noite (cf. verso 18b), a luz das trevas. Conhecimento astronômico torna difícil conceber a
existência do dia e da noite, antes da criação do sol, mas Cassuto argumenta que os hebreus
não fazem conexão absoluta entre luz do dia e do sol. Ao anoitecer e amanhecer, o mundo é
iluminado, mesmo o sol estando abaixo do horizonte. Mas tal verso afirma a relação entre o
sol e a luz do dia durante todo o tempo desde a criação do sol no quarto dia. Deve-se supor
que os três primeiros dias foram vistos como diferentes: então luz e trevas alternaram a
mando de Deus.
Para sinais [...] anos. Dois problemas são trazidos por tal frase: a relação sintática
entre os termos e seu significado preciso. Sinais, tempos fixos e dias são palavras prefixadas

por l (le), para, enquanto anos não tem a preposição. Os estudiosos concordam que dias e

anos andam juntos, porque l governa tanto dias e anos. A relação entre sinais e tempos
fixos é mais difícil. Speiser a considera hendíade, marcar as estações fixas, isto é, sinais de
tempos fixos. Westermann e Steck argumentam que sinais abrange duas subcategorias: a.
tempos fixos e b. dia e anos. À medida que a vegetação foi subdividida em plantas e árvores
(versos 11-13), assim o sol e a lua determinam as épocas festivas e os períodos

cronológicos. Gispen sugere uma terceira possibilidade ao tomar twa (‘ot) sinal como
um sinal celeste especial, seja ele um arco-íris (Gn 9.12) ou algum presságio (Is 38.7).
Neste caso, se teria uma categorização tríplice: a. presságios celestes; b. épocas festivas; c.
dias e anos.
Não há evidência suficiente para decidir entre tais interpretações rivais, mas a
segunda possibilidade é mais simples do que as outras. O que é claro é a importância
atribuída ao papel dos corpos celestes em determinar as estações, especialmente fixando os
dias de celebração de culto. Esta é principal função deles.

(v. 15) Sejam para luzes. Uma tautologia similar aparece em Números 15.39: Ela [a
borla] será para uma borla. A tautologia serve para enfatizar a função dos luminares de dar
luz e para descontar qualquer noção de sua divindade. O evitar dos termos sol e lua destaca
o impulso anti-mítico da passagem.
(v. 16-19) O cumprimento exato do comando divino é aqui registrado nas frases
estereotipadas padrão. O padrão de quiasmo do comando e seu cumprimento já foi
observado. Este, o quarto dia, é o único dia em que não é adicionada alguma palavra divina
subsequente ao cumprimento. Nos dias 1-3 esta palavra divina nomeia os objetos criados
(versos 5, 8, 10), nos dias 5-6 as criaturas são abençoadas (versos 22, 28). A omissão pode
ser uma elegante variação estilística ou uma tentativa proposital de evitar nomear o sol e a
lua com suas conotações de divindade.

(v. 20-23) Assim como a criação de corpos celestes no quarto dia corresponde à
criação de luz no primeiro dia da criação, assim também o é com a criação de aves e peixes
no quinto dia, que corresponde à divisão das águas pelo firmamento no segundo dia. A
fórmula padrão reaparece, exceto pelo e assim foi. Embora a LXX inclua tal frase, é
improvável que seja original, porque sua inclusão perturba o padrão de sete vezes. Esta é a
primeira vez que a palavra divina adicional toma a forma de uma bênção (verso 22; cf. 28)
ao invés vez de nomeação (versos 5, 8, 10).

(v. 20) Enxameie com coisas de enxames. Como no verso 11 (cresçam relva com

ervas), aqui há um verbo (#rv – sharats) usado com seu substantivo cognato (#rv –
sherets). Normalmente, este eixo se refere ao movimento, especialmente o movimento cá-e-
lá caótico rápido de pequenos animais tais como insetos, ratos e peixes (cf. Lv 11), mas traz
consigo implicações de fertilidade abundante (cf. Êx 1.7). Cassuto afirma que aqui, no
comando de Deus, que está em comunhão consigo, refere-se também a grandes criaturas,
que diante do criador, são todas igualmente pequenas.

Criaturas viventes (hyx vpn – nepesh hayah) em aposição com coisas


enxameadas. Tal termo abrangente é usado aqui para criaturas aquáticas. No verso 24 para
animais terrestres. Em Gênesis 9.10 para aves e animais terrestres, e em 9.16 para o homem
e animais. Em outras palavras, para toda criação animada em que há o sopro da vida (1.30;

hyx vpn).
Voar sobre. O uso do polel @pw[ (‘ofef) vez do qal @w[ (‘uf) voar sugere
movimento abundante.
Sob o firmamento. Do chão, os pássaros parecem voar contra o fundo do céu. Esta é
uma das indicações na narrativa de que ela está escrita a partir da perspectiva de um
observador humano.

(v. 21) Deus criou os grandes monstros do mar. Esta é a primeira vez que a palavra

arb é utilizada desde o verso 1, e é significativo que !ynt (taniyn) monstros marinhos
é a palavra escolhida para menção especial. No A. T., !ynt pode significar cobra (Êx
7.9), crocodilo (Ez 29.3), ou outro animal poderoso (Jr 51.34). Isaías 27.1; 51.9; Salmo
74.13 e Jó 7.12 aparentemente usam a linguagem do mito cananeu para descrever a vitória
de Deus sobre seus inimigos, e este versículo menciona que os grandes monstros marinhos
foram criados por Deus para insistir na soberania de Deus sobre eles. Eles não são rivais
que têm de ser derrotados, mas sim uma das muitas criaturas de Deus (cf. Sl 148.7).

(v. 22) Deus os abençoou. Note aqui e em 1.28; 2.3; 5.2 uma declaração sobre as

bênçãos de Deus, $rb segue imediatamente a menção de sua criação, arb. A bênção
divina continua o trabalho benevolente de Deus na criação, e o escritor explora a
semelhança verbal entre os termos para chamar a atenção para a relação teológica deles. A
bênção de Deus é um dos grandes temas unificadores de Gênesis. Deus abençoa animais
(1.22), a humanidade (1.28), o shabat (2.3), Adão (5.2), Noé (9.1) e, frequentemente, os
patriarcas (12.3; 17.16, 20, por exemplo). A bênção de Deus é mais, obviamente, visível na
dádiva dos filhos, já que isto é muitas vezes ligado ao ser frutífero e multiplicar. Mas todos
os aspectos da vida podem expressar tal bênção, tais como culturas, família e nação (Dt
28.1-14). Onde o homem moderno fala de sucesso, o homem do A. T. fala da bênção.
Embora a bênção de Deus possa ser evidente na vida feliz e bem sucedida de um
homem (cf. 24.35), ela é sempre considerada como o resultado de uma promessa divina de
bênção. A palavra de bênção, pronunciada por Deus ou pelo homem, garante e é efetiva
quanto à esperança para o sucesso. Aqui, as palavras de ordem sede fecundos e multiplicai-
vos carregam a promessa divina de que podem ser realizadas. Uma vez proferida, a palavra
carrega seu próprio poder de dar vida e não pode ser revogada pelo homem (cf. 27.27-40).
Gênesis pode ser descrito como a história do cumprimento das promessas divinas de
bênção. A terra é cheia de animais e do homem e enchida uma segunda vez, após o dilúvio.
Os patriarcas, apesar da infertilidade inicial, tiveram muitos filhos e, apesar de muitos atos
insensatos, desfrutaram de grande prosperidade.

Nessas promessas, de ser frutífero e multiplicar, wbrw wrp (peru urvu) é


central (cf. 1.28; 9.1, 7; 17.6, 20; 28.3; 41.52; 48.4). Se a bênção de Deus é, em certo
sentido, a perpetuação da atividade criadora de Deus, ela também capacita o homem a
imitar a Deus procriando. O escritor hebreu está explorando a semelhança fonética dos

termos abençoar, $rb; sede fecundos, hrp; multiplicar, hbr; e criar arb; bem
como suas ligações ideológicas justapondo-as nesses versos.

(v. 24-31) Outra vez os atos criadores sobre este sexto dia correspondem àqueles de
três atrás. No terceiro dia (versos 9-13), a terra foi apareceu e a vegetação começou a
crescer. No sexto dia, os animais terrestres foram criados e a vegetação foi designada a eles
como alimento. Mas enquanto as palavras do terceiro dia são descritas de forma muito
sucinta, estas do sexto são definidas de forma mais completa do que qualquer outra. Tal
plenitude de descrição reflete a importância dos eventos deste dia, porque em tal dia a
criação atinge seu clímax na formação do homem à imagem de Deus. O comentário no final
também reforça tal ponto: Deus viu [...] que isso era realmente muito bom (verso 31).
Todos os elementos de fórmulas padrão estão incluídos; na verdade, quatro ditos divinos
são gravados (versos 24, 26, 28, 29), duas vezes mais do que em qualquer outro dia (cf. Êx
16.22-29, onde o Senhor fornece duas vezes mais maná do que em outros dias). Talvez haja
uma urgência divina para concluir tudo antes do shabat.

(v. 24) Que a terra produza. Conferir verso 12, onde, no terceiro dia, a terra produz

(hiphil acy) relva, evidenciando, assim, o paralelo entre as obras dos dois dias. Como
peixes, aves (1.21), e humanos (2.7), os animais terrestres são criaturas viventes (cf. 1.21),
aqui divididas em três categorias: gado / animais domésticos (hmhb – behema),

criaturas rastejantes (fmr – remes) e animais selvagens (#ra-wtyx –


hayto-‘erets). A terminologia hebraica é mais fluida do que tal tradução sugere. Embora

hmhb frequentemente denote grandes animais domesticados e hyx (hayah) animais


selvagens, cada termo pode representar todo o reino animal, em oposição à humanidade.
Aqui, o mundo animal está sendo classificado em três grupos principais, um dispositivo
favorito de escritores e legisladores hebreus: domésticos, selvagens e pequenos animais. O
último, criaturas rastejantes, se refere aos ratos, répteis, insetos e quaisquer outras criaturas
pequenas que se mantêm próximo ao solo.

(v. 25) Então, Deus fez os animais selvagens [...], o gado / animais domésticos [...],
e tudo o que se arrasta sobre a terra. Observe o quiasmo entre comando (verso 24) e o
cumprimento:

A. gado/animais domésticos e criaturas rastejantes


B. animais selvagens
B’. animais selvagens
A’. gado/animais domésticos [...] criaturas rastejantes

A ausência de uma bênção sobre os animais terrestres é notável. Considerando que


as aves e peixes (verso 22), e o homem (verso 28) são abençoados e ditos para serem
frutíferos, tal comando não é dado aos animais. Duas explicações são dadas: I) os animais
terrestres não são orientados a se multiplicar para não competirem com o homem e pôr em
perigo a sobrevivência deste (cf. Êx 23.29; Lv 26.22); ou, mais provavelmente II) porque o
bênção sobre o homem (verso 28) cobriu todas as obras do sexto dia, inclusive os animais
da terra, conforme sustenta Westermann.

(v. 26-30) Com a criação do homem, o relato da criação atinge seu clímax. Os atos
de criação são pertinentes à existência humana – a terra, a casa do homem (versos 9-13), o
sol e a lua que determinam seu ciclo de vida (versos 14-19) – foram descritos mais
detalhadamente do que outros aspectos menos vitais da ordem criada. Agora, com a criação
do homem, a narrativa desacelera ainda mais para enfatizar seu significado.

26a Anúncio na primeira pessoa da intenção de Deus


26b Propósito da criação do homem: governar a terra
27 Criação do homem
28 Bênção sobre o homem: produzir e governar a terra
29 Atribuição de alimentos para o homem
30 e para os animais

(v. 26) Façamos o homem à nossa imagem conforme a nossa semelhança. Tal
afirmação tem gerado discussão centrada em três questões:
I) Por que Deus fala no plural (nós / nossa)? Por que ele não diz deixe-me fazer o
homem à minha imagem? Tal reinterpretação foi sugerida por alguns dos primeiros
tradutores.

II) Qual a força das preposições em (b) e conforme (k) nesta passagem?

III) O que se entende por imagem e semelhança? Há diferença entre os termos aqui?
Tais questões são vistas a seguir.

O uso do plural

I) De Filo em diante, comentaristas judeus, em geral, consideram que o plural é


usado porque Deus está se dirigindo à sua corte celestial, isto é, aos anjos (cf. Is 6.8).
Comentaristas recentes, tais como Skinner, von Rad, Zimmerli, Kline, Mettinger, Gispen e
Day preferem tal explicação. Westermann acredita que tal concepção pode estar por trás de
tal expressão, mas ele respeita a explicação V (abaixo) como adequada.
II) Da epístola de Barnabé e Justino Mártir, que veem o plural como referência a
Cristo, os cristãos têm tradicionalmente visto tal verso como esboçando a Trindade.
Atualmente, é universalmente admitido que isso não é o que o plural significou para o autor
original.
III) Gunkel sugere que o plural reflete o relato politeísta tomado pela Pesher,
embora ele reconheça que isso não possa ser a visão de Pesher. Gênesis 1 é distintamente
antimitológico em seu impulso, rejeitando perspectivas de criação do Oriente Próximo
antigo. Estudiosos modernos concordaram que Gênesis 1.26 nunca pode ter sido tomado
pelo autor deste capítulo em um sentido politeísta.
IV) Estudiosos como Keil, Dillmann e Driver sugeriram que este é um exemplo de
um plural de majestade. Isso se refere à plenitude dos atributos e poderes concebidos como
unidos dentro do Supremo, afirma Driver. Joüon afirma que nós como plural de majestade
não é usado com verbos, o que leva à rejeição dessa interpretação.
V) Joüon prefere a visão de que este era um plural de auto deliberação. Cassuto
sugeriu que é de auto encorajamento (cf. 11.7; Sl 2.3). Nisso, ele é seguido por estudiosos
recentes, tais como Schmidt, Westermann, Steck, Gross, Dion.
VI) Clines, seguido por Hasel sugere que o plural é usado por causa da pluralidade
dentro do Supremo. Deus está se dirigindo a seu Espírito, que estava presente e ativo no
início da criação (1.2). Embora esta seja uma possibilidade (cf. Pv 8.22-31), ela perde

muito de sua plausibilidade se xwr (ruah) for traduzido como vento no verso 2.

A escolha parece estar entre as interpretações I) nós = Deus e anjos ou V) plural de


auto exortação. Ambos são compatíveis com o monoteísmo hebraico. A interpretação V) é
incerta, porque paralelos para esse uso são muito raros. Clines afirma que se aceitarmos tal
visão, não será por seus méritos, mas pela sua relativa falta de desvantagens. Gordon J.
Wehham afirma que não encontra dificuldades levantadas atraentes contra I). Argumenta-se
que o A. T. em nenhum outro lugar compara o homem aos anjos, nem sugere a cooperação
dos anjos na obra da criação. Mas quando anjos aparecem no A. T., eles são frequentemente
descritos como homens (cf. Gn 18.2). E, na verdade, o uso do verbo no singular criar em
1.27 sugere que Deus trabalhou sozinho na criação da humanidade. Criemos o homem deve
ser considerado como um anúncio divino à corte celestial, chamando a atenção da hoste
angelical para o golpe de mestre da criação, o homem. Como Jó 38.4 e 7 coloca: “[...]
quando eu lançava os fundamentos da terra [...] rejubilavam todos os filhos de Deus” (cf.
Lc 2.13-14).
Se o escritor de Gênesis viu no plural apenas uma alusão aos anjos, isso não exclui a
interpretação II) inteiramente como o sensus plenior da passagem. Certamente, o N. T. vê
Cristo como ativo na criação com o Pai, e isso proveu a fundação para a igreja primitiva
desenvolver uma interpretação trinitária. Mas tais ideias estavam certamente além do
horizonte do editor do Gênesis.

As preposições b e k (em, como)

As preposições b em, por e k como não são sinônimas exatas, embora seus
campos semânticos façam sobreposição. Mas, neste versículo, os tradutores antigos e

estudiosos modernos concordam que: b em é praticamente equivalente a k como, de

acordo com. Mas Wildberger, Clines, e Gross tentaram provar que aqui, b tem o

significado mais raro na qualidade de, como em Êxodo 6.3: “Eu apareci a Abraão b
(como) El-Shaddai”. Assim, Clines argumenta que o homem não foi criado como uma
imitação da imagem divina, mas para ser a imagem divina.

No entanto, a intercambialidade das preposições bek em Gênesis 5.1 e 3,


especialmente em conexão com as palavras imagem e semelhança faz com que este ponto

de vista seja insustentável. b aqui significa de acordo com, segundo o padrão de. Um uso
paralelo íntimo é encontrado em Êxodo 25.40 (cf. 25.9), onde a Moisés é dito para construir

o tabernáculo, segundo o padrão (tynbtb). Por estas razões, a interpretação tradicional

de b como em = como parece ser justificada aqui. De acordo com nossa semelhança
parece ser um glosa explicativa indicando o sentido preciso de em nossa imagem.

Imagem e semelhança

A raridade de ~lc (tselem) imagem na Bíblia e a incerteza de sua etimologia


fazem a interpretação de tal frase altamente problemática. Das suas 17 ocorrências, 10
referem-se a vários tipos de imagem física, por exemplo, modelos de tumores (I Sm 6.5),
imagens de homens (Ez 16.17), ou ídolos (Nm 33.52), e duas passagens nos Salmos
comparam a existência do homem a uma imagem ou sombra (Sl 39.7; 73.20). As outras
cinco ocorrências são em Gn 1.26, 27; 5.3; 9.6.
A etimologia pode, algumas vezes, ajudar a definir o significado de uma palavra,
especialmente quando é tão óbvio que o falante nativo está ciente de palavras que soam
similares com significados semelhantes. Infelizmente, este não é o caso aqui. Duas

sugestões foram feitas quanto à etimologia de ~lc: que vem de uma raiz que significa
cortar ou talhar, atestada em árabe, ou de uma raiz atestada em acadiano e árabe, tornar
escuro. O primeiro encaixa a ideia de imagem física muito bem, mas na medida em que não
há verbo no hebraico bíblico desta raiz que teria esclarecido o que significava para o falante
nativo, seu significado deve ter sido tão opaco para eles como é para nós.

Semelhança twmd (demut), pelo contrário, é transparente no seu significado.


Tem um típico final de substantivo abstrato e está obviamente relacionado com o verbo

hmd ser como, assemelhar. O substantivo pode ser usado para designar um modelo ou
plano (I Rs 16.10). A maioria de suas 25 ocorrências se encontra nas visões de Ezequiel (cf.
Ez 1.5), onde poderia ser traduzido como algo como, à semelhança de. Ambos os termos,

~lc e twmd, são encontrados juntos em uma inscrição aramaica antiga do nono do
século de Tell Fakhariyeh para descrever a estátua do rei Haddu-yisi, o emparelhamento
mais antigo destes termos ainda conhecidos em aramaico.
Mas em que imagem e semelhança consiste? Cinco principais soluções tem sido
propostas:
I) Imagem e semelhança são distintos. De acordo com a exegese cristã tradicional
(de Irineu, cerca de 180 d. C.), imagem e semelhança são dois aspectos distintos da
natureza do homem. Imagem refere-se às qualidades naturais no homem (razão,
personalidade, etc) que o fazem assemelhar-se a Deus, enquanto que semelhança se refere
às graças sobrenaturais como, por exemplo, ética, que fazem o remido como Deus. Embora
tais distinções possam ser úteis homileticamente, elas não expressam o significado original.
A intercambialidade de imagem e semelhança (cf. 5.3) mostra que tal distinção é estranha
para Gênesis, e que, provavelmente, semelhança é adicionado simplesmente para indicar a
nuance precisa de imagem neste contexto.
II) Imagem refere-se às faculdades mentais e espirituais que o homem compartilha
com o seu criador. Intrinsecamente, isto parece uma visão provável, mas é difícil de definir
as qualidades pretendidas. Entre as muitas sugestões estão aquelas de que a imagem de
Deus reside na razão do homem, personalidade, livre-arbítrio, autoconsciência, ou sua
inteligência. Devido à dispersão de referências à imagem de Deus no Antigo Testamento, é
impossível demonstrar qualquer destas sugestões. Em cada caso há a suspeita de que o
estudioso esteja lendo seus próprios valores no texto, como o que é mais importante sobre o
homem. Por tais razões, a maioria dos estudiosos modernos ou abandonaram a tentativa de
definir a imagem, assumindo que sua natureza era muito bem conhecida para exigir
definição, ou procuraram pistas mais específicas em Gênesis sobre como imagem foi
entendida.
III) Imagem consiste de uma semelhança física, ou seja, o homem se parece com
Deus. Em favor dessa interpretação está o fato de que imagem física é o significado mais

frequente de ~lc, e que em Gênesis 5.3 de Adão é dito que gerou Sete à sua imagem, que
mais naturalmente refere-se à aparência semelhante do pai e do filho. P. Humbert afirma
que isso é tudo o que Gênesis quis expressar. Gunkel e von Rad afirmam que era, pelo
menos, parte de seu significado. No entanto, a ênfase do A. T. no incorporealidade e
invisibilidade de Deus faz com que tal visão seja problemática (cf. Dt 4.15-16). A
dificuldade aumenta se, como é normalmente o caso, o material é atribuído à fonte de
Pesher tardia, porque isso seria muito grosseiro para um antropomorfismo para a literatura
exílica. E se, como se acredita largamente, a terminologia da imagem de Deus é baseada no
pensamento egípcio e, possivelmente, o da Mesopotâmia, deve-se notar que a imagem de
Deus descreve a função do rei e ser, não sua aparência nestas culturas. Além disso,
argumenta-se que o A. T. não distingue nitidamente os reinos espirituais e materiais dessa
maneira. A imagem de Deus deve caracterizar todo o ser do homem, e não apenas sua
mente ou alma de um lado ou do seu corpo do outro lado. O mundo antigo era bem
consciente, em parte através da prática de sacrifício, que fisiologicamente o homem tinha
muito em comum com os animais. Mas a imagem de Deus é algo que distingue o homem
do reino animal. O caso de identificar a imagem de Deus com a forma corporal do homem
ou a postura ereta é, portanto, não provada.
IV) A imagem torna o homem representante de Deus na terra. Que o homem é feito
à imagem de Deus e é, portanto, o representante de Deus na terra, trata-se de uma visão
oriental comum do rei. Ambos os textos egípcios e assírios descrevem o rei como imagem
de Deus. Além disso, o homem é aqui ordenado a governar e dominar o resto da criação,
obviamente uma tarefa real (cf. I Rs 5.4 [4.24]), e o Salmo 8 fala do homem como tendo
sido criado um pouco menor que os anjos, coroado com glória e feito para governar as
obras das mãos de Deus. As alusões às funções de realeza são claras no Salmo 8. Outra
consideração sugerindo que o homem é um representante divino na terra surge da ideia de
uma imagem. Imagens de deuses ou reis eram vistas como representantes da divindade ou
rei. O espírito divino foi muitas vezes considerado como habitando um ídolo, criando assim
uma unidade íntima entre o deus e sua imagem, afirma Clines. Considerando que escritores
egípcios muitas vezes falaram dos reis como sendo à imagem de Deus, eles nunca se
referiram a outras pessoas de tal maneira. Parece que o A. T. democratizou tal ideia antiga.
Ele afirma que não é apenas um rei, mas cada homem e mulher possuem a imagem de Deus
e são representantes dele na terra.
Westermann se opôs à ideia de que o homem é o representante divino na terra. É
significativo falar de um rei individual como um substituto divino, mas não de uma grande
classe ou humanidade em geral. Ele também não acredita que seja compatível com a
teologia de Pesher para dizer com W. H. Schmidt que Deus é proclamado, onde quer que o
homem esteja, o homem é testemunha de Deus. Pesher faz uma nítida distinção entre os
reinos divinos e humanos, que uma afirmação da natureza representativa do homem vai
borrar.
Tais objeções demonstram uma falha em compreender a natureza do simbolismo
bíblico. Muito frequentemente uma classe de objetos pode representar um indivíduo como,
por exemplo, animais sacrificados que representam Israel. E enquanto seria muito simples
igualar Deus e seu representante, o homem, o reconhecimento de sua posição de mediador
entre Deus e o resto da criação é muito consonante com o simbolismo bíblico. De maneira
semelhante, o sumo sacerdote representa Israel para Deus e Deus para Israel. O sistema
ritual do A. T. não está apenas preocupado com estabelecer o abismo entre Deus e o
homem, mas com formas de colmatar a lacuna.
V) Imagem é a capacidade de se relacionar com Deus. A imagem divina do homem
significa que Deus pode entrar em relações pessoais com ele, falar com ele, e fazer alianças
com ele. Tal visão, mais eloquentemente defendido por Karl Barth, também é favorecida
por Westermann. Ele sustenta que a frase à nossa imagem modifica o verbo façamos, não o
substantivo homem. Há um tipo especial de atividade criativa envolvida na criação do
homem que o coloca em uma relação única com seu criador e, portanto, apto a responder a
Deus. Mas a imagem de Deus não é parte da constituição do ser humano tanto quanto é uma
descrição do processo de criação, que faz o homem diferente.
Se atenção é limitada a passagens discutindo a criação do homem à imagem de
Deus, a visão de Westermann é sustentável, pois à nossa (sua) imagem é sempre
mencionado em conexão com fazer ou criar o homem. No entanto, passagens como Gênesis
5.3 e Êxodo 25.40 sugerem que na imagem, descreve o produto da criação em vez do
processo. O homem é de tal forma que ele se parece com a imagem divina. Mesmo
Westermann estando correto e à imagem caracterizou o processo da criação, ainda surgiria
a questão sobre a consequência do processo especial ainda surgiria. Quais as qualidades
distintivas do homem que resultam de sua criação à imagem de Deus? Certamente a
capacidade de se relacionar com Deus abrange muitos aspectos do seu ser listado acima em
II) e IV), mas a falta de clareza da ideia pode torná-lo menos útil do que algumas das
alternativas.
A pesquisa acima indica a dificuldade de determinar o que Gênesis entende por
imagem de Deus. Nenhuma das sugestões parece inteiramente satisfatória, embora possa
haver elementos de verdade em muitos deles.
O caso mais forte tem sido feito para a visão de que a imagem de Deus torna o
homem o vice regente de Deus na terra. Devido o homem ser o representante de Deus, sua
vida é sagrada: cada assalto ao homem é uma afronta ao criador e merece a pena máxima
(Gn 9.5-6). Mas isso apenas descreve a função ou as consequências da imagem divina; isto
não identifica o que a imagem é em si mesma.
Segundo, deve-se observar que o homem foi feito à imagem de Deus, assim como o
tabernáculo foi feito no padrão. Isto sugere que o homem é uma cópia de algo que tinha a
imagem divina, não necessariamente uma cópia do próprio Deus. Êxodo 25.9 e 40 indica
que o tabernáculo terrestre foi modelado no celestial, e Mettinger afirma que Gênesis, ao
falar dos homens sendo feitos à imagem de Deus, está comparando o homem a os anjos que
adoram no céu. A semelhança do homem com eles consiste na sua função semelhante de
que ambos louvam a Deus tanto na terra como no céu. Além disso, os anjos são retratados
como governando as nações em nome de Deus (Dt 32.8), assim como o homem é nomeado
para governar o reino animal.
Mas mesmo se os anjos levam a imagem divina, ainda ficamos isolados quanto ao
que é que Deus, os anjos e os homens têm em comum, que constitui a imagem divina. Um
estudo dos verbos que são usados tanto para Deus e o homem ajuda a identificar algumas
dessas características. Tanto Deus e homem veem, ouvem e falam. O homem morre, mas
Deus não. Deus cria, o homem não. Deus não pode ser visto, e assim por diante. E, claro,
Deus e o homem descansam no sétimo dia (2.1-3). Embora essas continuidades entre Deus
e o homem não esgotem a noção da imagem divina, eles sugerem áreas de semelhança que
talvez os escritores bíblicos estivessem se referindo ao momento em que eles usaram tal
termo.

~da homem em Gênesis 1-4 é geralmente precedido pelo artigo definido o

homem, exceto quando precedido por uma preposição inseparável como l para (2.20; 3.17
e 21). Em omitindo o artigo com a preposição ~da, l se comporta como ~yhla
Deus. No capítulo 5, ~da é usado sem o artigo como nome pessoal Adão, mas, a partir
de 4.1 e 4.25, é evidente que, mesmo com o artigo, Adão pode ser a melhor tradução, assim

como ~yhlah possa muito bem ser traduzido como Deus (por exemplo, 22.1). Tal
fluidez entre a forma definida e indefinida torna difícil saber quando o nome pessoal Adão
é mencionado pela primeira vez (LXX 2.16; Authorized (King James) Version 2.19;
Revised Version e Revised Standard Version 3.17; Today’s English Version 3.20; The New

English Bible 3.21). A indefinição de referência pode ser deliberada. ~da é gênero
humano, humanidade, em oposição a Deus ou os animais (vya é homem como oposto à
mulher). Adão, o primeiro homem criado e nomeado, é o representante da humanidade.
(v. 27) Considerando que o verso 26 usou o anartro ~da, no verso 27 o artigo
definido ~dah é usado e, claramente, a humanidade em geral, macho e fêmea, não um
indivíduo, é entendido. O cumprimento da ordem divina é registrada em três sentenças
breves, especificando os aspectos mais significativos da existência humana:

E Deus criou o homem à sua imagem,


à imagem de Deus ele o criou:
macho e fêmea ele criou eles.

As três cláusulas estão em justaposição. Os dois primeiros estão arranjados


quiasticamente e enfatizam a imagem divina no homem, enquanto o terceiro especifica que
a mulher também têm a imagem divina. A sugestão midrashica do homem criado primeiro
como bissexual e os sexos separados depois está longe de ser o pensamento da presente
passagem. A expressão homem e mulher é mais frequente em textos legais, e destaca as
distinções sexuais dentro humanidade e prenuncia a bênção da fertilidade a ser anunciada
no verso 28.

(v. 28) A bênção de Deus sobre a humanidade é como aquela pronunciada sobre os
animais no verso 22. Como os animais, o homem deve ser frutífero e multiplicar-se. Mas,
enquanto o verso 22 apenas dá um comando, o presente verso acrescenta e Deus lhes disse,
assim atraindo a atenção para a relação pessoal entre Deus e o homem. Além disso, ao
homem é dito para subjugar e dominar a terra e seus habitantes animais, cumprindo assim
seu papel como portador da imagem de Deus na terra (cf. verso 26). Mas o foco em Gênesis
é sobre o cumprimento da bênção da fecundidade. Tal comando, como outros na escritura,
traz consigo uma promessa implícita de que Deus permite ao homem cumpri-la. É repetida
a Noé, após o dilúvio (9.1), e os patriarcas também são lembrados de tal promessa divina
(17.2, 20; 28.3; 35.11). As genealogias de Gênesis 5, 9, 11, 25, 36 e 46 dão testemunho
silencioso de seu cumprimento, e em seu leito de morte, Jacó observa publicamente o
cumprimento da palavra divina (48.4; cf. 47.27).
Há aqui uma declaração clara do propósito divino do casamento. Positivamente, é
para a procriação de filhos. Negativamente, é uma rejeição dos antigos cultos orientais de
fertilidade. Deus deseja que seu povo seja frutífero. Sua promessa faz qualquer participação
em tais cultos ou o uso de quaisquer outros dispositivos para garantir a fertilidade não
apenas redundante, mas sinal de incredulidade (cf. Gn 16; 30.14-15).
O propósito de Deus ao criar o homem era que ele deveria governar sobre o mundo
animal (verso 26). Aqui, tal injunção é repetida e definida com mais precisão. Dominar os
peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos na terra. Devido o homem ser criado à
imagem de Deus, ele é rei sobre a natureza. Ele governa o mundo em nome de Deus. Isto
não é uma licença para a exploração desenfreada e subjugação da natureza. De reis
orientais antigos se esperava serem dedicados ao bem estar de seus súditos, especialmente
os mais pobres e fracos da sociedade (Sl 72.12-14). Ao defenderem os princípios divinos da
lei e da justiça, os governantes promovem a paz e a prosperidade para todos os seus súditos.
Da mesma maneira, a humanidade é aqui comissionada para governar a natureza como um
rei benevolente, agindo como representante de Deus sobre ela e, portanto, tratando-a da
mesma maneira que Deus, que os criou. Assim, os animais, embora sujeitos ao homem, são
vistos como seus companheiros em 2.18-20. Noé, retratado como único justo em 6.9, é
também o arqui-conservador que construiu uma arca para preservar todos os tipos de vida
de serem destruídos no dilúvio (6.20; 7:3).

(v. 29-30) A provisão de Deus de alimentos para o homem recém-criado está em


nítido contraste com visões da Mesopotâmia que sustentavam que o homem foi criado para
suprir os deuses com alimento (A. 1.339). Westermann cita outros textos para mostrar que
havia uma crença difundida na antiguidade de que o homem e os animais eram
vegetarianos. A expectativa dos profetas que um dia o leão comerá palha como o boi (Is
11.7; 65.25; cf. Os 2.20 [2.18]) é frequentemente pensada para refletir tal ideia; a nova era
será um retorno ao paraíso. O verso 29 permite ao homem comer vegetais e frutas, mas os
animais só podem comer vegetais (v. 30). Gênesis 9.3 explicitamente dá ao homem o
direito de comer carne: “Tudo o que se move e vive ser-vos-á para alimento; como vos dei
a erva verde, tudo vos dou agora”.
Gênesis 1 não proíbe o consumo de carne e pode ser que o consumo de carne está
previsto a partir do momento da queda. Do homem é esperado governar sobre os animais.
O Senhor proveu Adão com roupas de pele (3.21). Abel manteve e sacrificou ovelha (4.2-4)
e Noé distinguiu animais puros e impuros (7.2). Gispen pode estar correto em sugerir que
9.3 está ratificando a prática pós-queda do consumo de carne, em vez de inaugurando-o.

(v. 31) E Deus viu tudo o que ele tinha feito, que foi realmente muito bom. A
fórmula de apreciação (cf. 4, 10, 12, 18, 21, 25) é aqui modificada de três maneiras para
enfatizar a perfeição do trabalho final:
I) Ela é aplicada a toda a criação, tudo o que ele tinha feito, em vez de apenas a itens
individuais.

II) Ao invés da palavra usual para isso, yk (kiy), usado antes (por exemplo, verso
4), aqui hnhw (wehineh), que [...] realmente, é usado, sugerindo o entusiasmo de Deus
enquanto ele contemplava sua obra.
III) O conjunto final é considerado muito bom, não apenas bom. A harmonia e
perfeição dos céus e terra concluídos expressa mais adequadamente o caráter de seu criador
do que qualquer um dos componentes separados pode. O caráter especial do sexto dia, o dia
em que a criação foi concluída, talvez seja sugerido pela gramática da fórmula final [...] o
sexto dia, porque os dias 2-5 sempre usam a mesma fórmula, dia, Xº, mas aqui o artigo
definido é adicionado o ordinal dia, o sexto, fraseologia também é utilizada em ligação com
o shabat, por exemplo, 2.3: dia, o sétimo.

(2.1-3) Em forma e conteúdo, o sétimo dia difere muito dos seis anteriores. Mas isso
não é razão para fazer uma pausa no relato entre 1.31-2.1 como a divisão medieval do
capítulo sugere. Tais versos fazem uma conclusão bem arranjada para o relato da criação,
ecoando e equilibrando os versos de abertura. Gênesis 2.1, mencionando céu e terra, e 2.3,
que Deus criou, estão ligados quiasticamente com 1.1, e 2.2-3 com a sua tríplice menção de
Deus descansando no sétimo dia foca no caráter único do dia.
(v. 1) Os céus e a terra e todo o seu exército. As estrelas (Dt 4.19) e, mais
raramente, os anjos (I Rs 22.19) são o exército do céu. Provavelmente, apenas o primeiro é
referido aqui. Mas o exército da terra nunca ocorre em qualquer outro lugar, e aqui deve se
referir a tudo criado na terra. Tal verso serve como uma conclusão de resumo para o
capítulo 1.

(v. 2) Deus terminou seu trabalho [...] no sétimo dia. Dizer que Deus terminou o
trabalho no sétimo dia pode parecer implicar que ele estava trabalhando naquele dia. Por tal
razão, algumas versões e alguns estudiosos modernos mudaram sétimo para sexto. Isso

estraga a tríplice repetição de sétimo nos versos 2-3, e negligencia a nuance exata de hlk
(kalah), e ele tinha acabado. Em outras partes do Pentateuco como, por exemplo, Gênesis
17.22; 49.33; Êxodo 40.33, a frase indica que a ação em questão é passada, e um mais que
perfeito é usado em traduções inglesas. Não há implicação no hebraico de 2.2 de que Deus
estava trabalhando no sétimo dia antes de ele terminar.

hkalm (mela’kah), trabalho, ocorre três vezes nos versos 2-3. É a palavra
comum para o trabalho humano (cf. 39.11; Êx 20.9), e por isso é um pouco inesperado que
a atividade divina extraordinária envolvida em criar o céu e terra seja assim descrito. Pode
ser, como sugere Westermann, que esta palavra foi escolhida para sugerir que o homem
deve parar seu trabalho diário no sétimo dia. A fraseologia de Êxodo 40.33: e Moisés
acabou a obra, é particularmente estreita com tal verso e sugere que a edificação do
tabernáculo está sendo comparada à criação do mundo por Deus.

Ele descansou, tbv (shavat) tem três sentidos intimamente relacionados: cessar
de ser, desistir do trabalho, e observar o sábado. É claro que o segundo sentido é central
aqui, embora uma vez que Deus se absteve do trabalho no sétimo dia, posteriormente
chamado shabat, a ideia sabática também está próxima. No entanto, é surpreendente que o
shabat não seja mencionado pelo nome. Cassuto sugere que isso acontece porque os
babilônios denominaram o décimo quinto dia do mês, o dia da lua cheia, Shapattu; assim,
Gênesis, não querendo confundir as duas coisas, evita o termo. Uma possibilidade menos
provável é que a palavra tenha sido interpretada como Saturno, como no pós-hebraico
bíblico posterior e, portanto, foi evitado, assim como os termos sol e lua os são no verso 16.
De qualquer maneira, na Mesopotâmia os dias 7, 14, 19, 21 e 28 de cada mês eram
considerados por alguns como azarados Parece provável que o shabat israelita fora
introduzido como um golpe contra tal ciclo lunar regulamentado. O shabat era bastante
independente das fases da lua, e longe de ser azarado, foi abençoado e santificado pelo
criador. A interpretação de Cassuto é atraente à luz da possível polêmica contra as práticas
do Oriente Próximo em outras partes do capítulo 1, mas permanece improvável. Stolz
sugere que a observância do shabat se desenvolveu a partir de grandes festivais, que muitas
vezes duravam sete dias, e o costume de fazer o último dia de um festival em um shabat foi
posteriormente colocado em uma base semanal. Novamente, este esquema é conjectural.
Poderia muito bem ser argumentado que o costume de proibir o trabalho no sétimo dia de
um festival era uma extensão do princípio sabático ao invés de sua origem.
Êxodo 16.22-30 sugere que Israel aprendeu primeiro sobre o shabat no deserto,
apesar de Êxodo 20.8, como esta passagem, afirme que a ideia do shabat seja tão antiga
quanto a própria criação. Ao observar o sétimo dia como santo, o homem imita o exemplo
de seu criador.

(v. 3) Ainda que o sétimo dia não seja chamado de shabat, Deus o abençoou e
santificou. Estes são os termos marcantes para aplicar a um dia. O uso bíblico geralmente
restringe tal bênção a seres animados, tais como Deus, homens, animais e assim por diante,
e não é imediatamente óbvio em que sentido um dia pode ser abençoado (cf. 1.22 e 28). A
bênção divina sobre os homens e animais leva à fecundidade e sucesso, e é paradoxal que o
dia em que Deus se abstém da atividade criadora é pronunciado abençoado. Em parte, o
shabat é abençoado por ser santificado, mas também há a sugestão de que aquele que
observa o shabat desfrutará de bênção divina em sua vida.
Semelhantemente, é incomum para um dia ser santificado, isto é, feito ou declarado

santo. O piel de vdq (qadash) é geralmente factitivo, embora neste caso possa ser
declarativo. Lugares, pessoas e objetos religiosos podem ser santificados, mas à parte do
sábado, só em Neemias 8.9 e 11 é um dia de festival chamado santo. Deus é santo: a
santidade é a essência de seu caráter. Qualquer outra coisa que é descrita como santa no A.
T. deriva sua santidade do ser escolhido por Deus e dado a ele na forma prescrita correta. O
sétimo dia é a primeira coisa a ser santificada na escritura, para adquirir aquele estatuto
especial que propriamente pertence somente a Deus. Assim, Gênesis enfatiza a santidade do
shabat. Juntamente com a tripla referência a Deus descansando de todo o seu trabalho
naquele dia, tais versos dão a mais clara sugestão de como o homem criado à imagem de
Deus deve conduzir-se no sétimo dia.
Que Deus havia criado, tornando-a é uma expansão da frase usual o trabalho que
ele fez (2.2). A inserção de Deus criou na frase produz um hebraico um pouco desajeitado,
mas, mais significativamente, remete para 1.1, resultando em uma excelente inclusão

indicando que a primeira seção de Gênesis termina aqui. A combinação dos verbos arb
(bara’) criar e hf[ (‘asah) fazer abrange toda a atividade criadora de Deus nos seis dias,
lembrando o leitor de tudo o que foi realizado. Sua brevidade evoca a admiração silenciosa
que é apropriada antes da grandeza do trabalho realizado.

Explicação

Simples, majestoso, digno, natural, profundo e perfeitamente claro. Gênesis faz uma
excelente introdução não só para o próprio livro de Gênesis, mas para toda a escritura.
O verso 1 dá o tom e estabelece o tema de tudo o que se segue: no princípio, Deus
criou o céu e a terra. Deus é o autor de todo o mundo: céu e terra aqui significa tudo. Tudo
deve sua existência à vontade divina. Sua soberania se torna visível nas coisas que existem.
Sozinho, Deus cria no sentido pleno da palavra, moldando todas as coisas para cumprir seus
propósitos inescrutáveis.
O poder e a inescrutabilidade de Deus são novamente enfatizados pelo vento de
Deus pairando sobre as águas escuras do caos. As três cláusulas paralelas do verso 2
descrevem o estado da terra antes da criação da luz – já que o foco é o estreitamento de
todo o universo no verso 1 para a terra no verso 2 para o homem no verso 26 – e seria
possível considerar estas cláusulas como praticamente sinônimas. Mas é melhor vê-las
como formando uma progressão do todo negativo a terra era caos total através da
escuridão misteriosa e ambígua, para o alusivo vento de Deus que está rico do poder
criativo.
De repente, o tempo muda. Em apenas seis palavras a criação de luz é descrita. A
separação da luz das trevas e sua nomeação seguem em rápida sucessão.
Embora isto seja narrativa, é altamente estilizada: cada frase no dia um se torna uma
fórmula que é reutilizada nos dias subsequentes. Esta reutilização está longe de ser
mecânica. Embora os elementos de fórmulas no relato das atividades de cada dia sejam
substancialmente os mesmos, omissão e ampliação de partes individuais da fórmula
sustentam variedade e interesse. Enquanto a criação da luz e do firmamento, nos dias 1 e 2
são descritos de forma muito sucinta, os aspectos do ambiente descrito nos dias 3 a 5 que
afetam o homem mais estreitamente, tais como plantas, sol e lua, e os animais, tomam
proporcionalmente mais espaço narrativo, e a criação do homem e a definição de seu papel
é o relato mais completo de todos. A criação do homem à imagem de Deus é o ponto focal
de Gênesis 1, o clímax da obra dos seis dias.
Mas não é sua conclusão. A única conexão que o sétimo dia tem com os anteriores é
sequência. Seu caráter e fórmulas configuram-no à parte dos seis dias anteriores. Ele é pré-
eminentemente o dia que Deus cessou seu trabalho criador: de todos os dias, o sétimo é o
único abençoado e santificado. Sua forma literária diferente o diferencia da narrativa, assim
como o descanso divino e a santificação o coloca à parte de fato.
Visto com respeito a seus aspectos negativos, Gênesis 1.1-2.3 é uma polêmica
contra os conceitos mítico-religiosos do antigo Oriente. Se, com exegetas tradicionais,
entendemos 1.1 afirmando que Deus criou todo o universo, por implicação a partir do nada,
isto é uma rejeição da noção comum de que a matéria preexistiu as obras da criação de
Deus. A intenção polêmica de Gênesis é ainda mais clara no seu tratamento dos monstros
marinhos e corpos astrais: para este escritor eles não são deuses que competem com
Yahweh; eles são apenas suas criaturas que mostram o poder e habilidade de Yahweh. O
conceito de homem aqui é muito diferente do padrão da mitologia do Oriente Próximo: o
homem não foi criado como lacaio dos deuses para mantê-los supridos com comida; ele era
o dominador e representante de Deus na terra, dotados pelo seu criador com um suprimento
abundante de alimentos e esperado a descansar cada sétimo dia dos seus trabalhos.
Finalmente, o sétimo dia não é um dia de mau agouro como na Mesopotâmia, mas um dia
de bênção e santidade em que o trabalho normal é deixado de lado.
Contrariando as ideias habituais de seu tempo, Gênesis 1 também está
estabelecendo uma alternativa positiva. Ele oferece um retrato de Deus, o mundo, e o
homem que se tornaram tanto parte e parcela da tradição judaico-cristã que a análise é
muito difícil. Por tal razão é importante fazer tal análise. Quatro coisas que se destacam:
I) Deus é sem igual e sem concorrente. Ele não tem que estabelecer seu poder na
luta com outros membros de um panteão politeísta. O sol e a lua são obra de suas mãos, não
seus rivais. Sua palavra é suprema: um simples fiat é suficiente. Ele fala e é feito. Palavras
e feitos revelam sua onipotência. Embora o verbo hebraico criar não necessariamente
conote creatio ex nihilo, o sentido geral da narrativa implica que Deus tinha essa
habilidade: a ideia de uma modelagem demiurgo de matéria pré-existente está longe deste
relato. Enquanto Deus não tem igual, Gênesis 1.26, façamos o homem, e talvez 2.1, todo o
seu exército, pareçam pressupor a existência de outros seres angelicais, isso é bem diferente
do politeísmo. De acordo com sua orientação terrena / humano, a história nada diz sobre a
origem dos anjos.
II) Deus é mais do que criador, ele é legislador. Ele separa a luz da escuridão e a
terra do mar, e ele os nomeia. Ele designa as estrelas para sinais e para tempos fixos. À
criação animada é dito para ser frutífera e multiplicar-se. O homem deve subjugar a terra, e
o sétimo dia é santificado. Deus estabelece limites para a ordem natural e especifica os
papéis das espécies dentro dela. Com isso vai o corolário de que todas as criaturas
cumprirão seu papel divinamente designado somente se eles aderirem à diretiva de Deus.
III) O mundo reflete seu criador. Gênesis, concentrando-se em áreas diferentes e
representativas da vida, anuncia que cada um é criado por Deus e obedece a Deus. O
cumprimento imediato de cada comando e o refrão e assim foi enfatiza a sujeição da
criação. O refrão e Deus viu que isso era bom e a declaração de conclusão Deus viu tudo o
que ele tinha feito, que foi realmente muito bom trazem a perfeição da criação e a sua
conformidade com a vontade divina. As águas permanecerão separadas da terra, a luz das
trevas. O sol governará o dia e a lua e estrelas a noite. As plantas darão sementes e os
animais serão frutíferos e multiplicar-se-ão. Cumprindo o propósito divino, os céus
declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos (Sl 19.1).
IV) A verdadeira natureza do homem é revelada. Ele é o ápice da ordem criada: toda
a narrativa se move na direção da criação do homem. Tudo é feito para benefício do
homem, mais obviamente, as plantas lhe são dadas para ele comer (verso 29). Enquanto o
homem compartilha com as plantas e animais a capacidade de reproduzir-se, só ele é feito à
imagem de Deus e é instruído a dominar a terra. A imagem de Deus significa que, em
algum sentido, homens e mulheres se assemelham a Deus e aos anjos, embora onde tal
semelhança resida não seja definida no presente capítulo. A imagem divina permite ao
homem ser abordado diretamente pelo seu criador e o faz, em um sentido real,
representante de Deus na terra, que deve governar as outras criaturas como um rei
benevolente. Finalmente, como o criador descansou no sétimo dia de toda a sua obra,
Gênesis 2.1-3 implica que o homem também deve fazer uma pausa de seu trabalho. Se as
outras partes da criação foram designadas para benefício do homem, assim também foi o
shabat.
Gênesis 1 foi chamado de abertura festiva para Pesher, porque apresenta temas que
são característicos de e desenvolvido com muito mais detalhes em outro material sacerdotal
mais tarde no Pentateuco. Traçando um percurso de volta à criação, o sistema de
classificação entre plantas e animais, o shabat, e as origens da bênção divina, o escritor está
dando essas instituições à autoridade da antiguidade primitiva. Embora haja pouco no
capítulo que se relacione diretamente com a adoração, o interesse primordial do material
Pesher, as referências aos horários fixos (verso 14) e ao sétimo dia (2.1-3) podem ser
interpretados como indícios da preocupação do editor com o culto.
Embora a existência de um documento Pesher ou camada editorial permaneça
especulativa, não há dúvida quanto à atual função de Gênesis 1, que dirige o livro de
Gênesis e, na verdade, introduz o Pentateuco e todo o cânon. A metáfora musical de uma
abertura poderia, segundo Gordon J. Wehham, ser estendida para cobrir muito mais tais
extensas unidades de tradição. Por Gênesis 1 se destacar a partir deles, também os
apresenta. De Gênesis 2.4 em diante, a história sagrada em Gênesis é desdobrada em dez
ciclos, sendo cada um deles encabeçado pela frase esta é a história da família de. A
ausência de tal encabeçar em Gênesis 1.1 e o estilo distintivo do capítulo o desligam
daquilo que se segue. Mas, aqui, os grandes temas, ou pelo menos as pressuposições das
narrativas posteriores, são explicitadas. Se a palavra divina estabeleceu o mundo no início,
torna-se claro que a mesma palavra governa e dirige o desenrolar posterior da história
sagrada. Ao homem, criado à imagem divina, está previsto imitar a Deus em sua vida
diária: quão longe ele está de acordo com tal ideal é a história não só de Gênesis, mas de
toda escritura. Deus é aqui retratado como criador benevolente preocupado com o bem estar
do homem, criando o homem à sua imagem, abençoando-o e dando-lhe instruções. Tal
homem pode desfrutar de comunhão com Deus, obedecê-lo, e ser por ele abençoado são
pressupostos de todas as narrativas posteriores. Em todas estas maneiras, Gênesis 1 forma
um belíssimo prelúdio para o resto de Gênesis.
Qualquer tentativa de traçar o uso subsequente do presente capítulo na escritura
seria insatisfatória, porque seus temas e motivos são tão penetrantes e sua teologia tão
fundamental para a cosmovisão bíblica. Aqui há alguns dos principais temas da teologia
bíblica exibida em brevidade epigramática: há tais afirmações simples, mas de grande
alcance que se tornaram pressupostos do resto da história sagrada. Gênesis 1 forma a base
do primeiro artigo do credo cristão: eu creio em Deus Pai, criador do céu e da terra. Em
tempos mais recentes, Gênesis 1, deu base intelectual ao empreendimento científico. Seu
pressuposto de unidade e ordem fundamental, os fenômenos caprichosos aparentes e
múltiplos de experiência repousam sobre a afirmação de Gênesis 1 de um Deus todo-
poderoso que criou e controla o mundo de acordo com um plano coerente. Somente tal
suposição justifica o método experimental. Se este mundo foi controlado por uma multidão
de divindades caprichosas, ou sujeito a um mero acaso, nenhuma consistência poderia ser
esperada em resultados experimentais e nem leis científicas poderiam ser descobertas.
É lamentável que um dispositivo que tal narrativa usa para expressar a coerência e a
intencionalidade do trabalho do criador, ou seja, a distribuição dos vários atos criativos a
seis dias, seja pego e interpretados além do literal, com o resultado de que ciência e
escritura foram colocados um contra o outro em vez de serem vistos como complementares.
Bem entendido, Gênesis justifica a experiência científica da unidade e da ordem na
natureza. O esquema de seis dias é apenas um dos vários meios utilizados neste capítulo
para destacar o sistema e ordem que foram construídos na criação. Outros dispositivos
incluem o uso de repetição de fórmulas, a tendência de agrupar palavras e frases em dez e
sete, técnicas literárias como quiasmo e inclusio, o arranjo dos atos criadores em grupos de
correspondência, e assim por diante.
Se essas pistas não foram suficientes para indicar a esquematização da história da
criação de seis dias, o próprio conteúdo da narrativa aponta em tal direção. Em particular,
tarde e manhã aparece três dias antes do sol e da lua, que são explicitamente indicados para
ser para dias e anos (verso 14). Além disso, tal capítulo está fora do principal esboço
histórico de Gênesis, do qual cada seção começa assim: esta é a história (da família) de (cf.
2.4; 6.9). Como já foi dito, é uma abertura para o resto da história e, portanto, não se
enquadra com o resto do Gênesis para ser interpretada precisamente de acordo com os
mesmos critérios. Finalmente, na melhor das hipóteses, toda a linguagem sobre Deus é
analógica. Palavras usadas para descrevê-lo, bem como seus atos, devem, inevitavelmente,
ser palavras humanas, mas elas não têm exatamente o mesmo significado quando aplicadas
a ele como quando se referem aos homens. Ao falar de Deus como pai, não se atribui a
Deus todos os atributos da paternidade humana. Semelhantemente, ao falar de sua criação
do mundo em seis dias, não se identifica seu modo de criação com a criatividade humana,
nem se assume que sua semana de trabalho foi necessariamente feita em 144 horas. Ao falar
de seis dias de trabalho seguidos de descanso de um dia, Gênesis 1 chama a atenção para a
correspondência entre a obra de Deus e o descanso de Deus e do homem como um modelo
para o shabat, mas isso não implica necessariamente que os seis dias da criação são o
mesmo como os dias humanos.
O debate Bíblia-versus-ciência tem, mais infelizmente, desviados os leitores de
Gênesis 1. Em vez de ler o capítulo como uma triunfante afirmação do poder e da sabedoria
de Deus e a maravilha de sua criação, tem-se frequentemente se atolado na tentativa de
espremer a escritura no molde da última hipótese científica ou distorcer fatos científicos
para atender uma interpretação particular. Quando permitido falar por si, Gênesis 1 olha
para além de tais minúcias. Sua proclamação do Deus da graça e do poder que fortalece o
mundo e lhe dá propósito justifica a abordagem científica à natureza. Gênesis 1, afirmando
ainda mais o status exclusivo do homem, seu lugar no programa divino, e o cuidado de
Deus por ele, dá esperança à humanidade que filosofias ateístas nunca podem
legitimamente fornecer.

The New International commentary on the Old Testament2

2
HAMILTON, Victor P. The New International commentary on the Old Testament: Genesis 1-17. Grand
Rapids: W. B. Eerdmans, 1990.
A

Keneth A. Matthews – The new american commentary3

VI) Sexto dia da criação (1.24-31)

O último dia da semana da criação é o mais significativo dos seis. Mais espaço e
detalhes são dados aos seus eventos criadores do que os cinco anteriores. Assim como
acontece com o terceiro dia, há dois atos criativos no último dia do segundo agrupamento:
os animais da terra (v. 24-25) e a vida humana (v. 26-28). Os versos 29-30 dizem respeito à
dieta fornecida por Deus para a subsistência da vida criada. O verso conclusivo anuncia a
avaliação final de Deus de que a criação era muito boa (v. 31).

(v. 24-25) O solo seco e a vegetação foram criados no terceiro dia (v. 9), e este sexto
dia lhe corresponde pela criação dos animais e do homem para povoar a terra e se
alimentam de sua vegetação (v. 11, 30). Assim como acontece com a criação da vegetação,
as terras media o mandamento de Deus de produzir criaturas terrestres (deixe a terra
produzir criaturas vivas). Assim como as criaturas do mar no verso 20, estes são
identificados como seres viventes (nefesh hayah). Dos animais não é explicitamente dito
que são abençoados, mas podemos supor que eles também recebem a bênção de Deus, uma
vez que foram criados no mesmo dia que a humanidade (cf. 8.17). Assim como acontece
com os peixes e aves (v. 20-22), Deus estabeleceu parâmetros reprodutivos (segundo a sua
espécie) para tais criaturas. Os principais grupos são gado domesticado, rastejantes /
répteis, e animais selvagens (v. 24). O texto enfatiza que dentro do mundo animal havia
limitações para cada grupo (v. 25; cf. 1.21).

(v. 26) A coroa da obra de Deus é a vida humana. A narrativa marca a importância
deste ato criativo de várias maneiras:
I) o relato da criação mostra uma ordem crescente de importância com a vida
humana como a final, o auge do ato criador;
3
MATTHEWS, Kenneth A. The new american commentary: Genesis 1-11.26. Broadman press: Nashville,
Tennessee: 1996. v. 1.
II) dos atos criadores, este é o único precedido por uma deliberação divina (façamos
no v. 26);
III) tal expressão substitui as palavras impessoais faladas nos atos de criação
anteriores (por exemplo, haja, que a terra), ou seja, um coortativo de determinação é
empregado em vez de outro jussivo impessoal;
IV) só a vida humana é criada à imagem de Deus e tem a missão especial de
dominar sobre a ordem criada (v. 26-28);
V) o verbo bara’˒ ocorre três vezes no verso 27;
VI) ao presente evento é dada uma descrição mais longa do que as anteriores;
VII) no verso 27, o arranjo quiástico destaca a ênfase na imagem;
VIII) ao contrário dos animais, que se diz terem vindo da terra no v. 24 (embora o v.
25 deixe claro que Deus os criou), a humanidade é referida apenas como uma criação direta
de Deus. A ausência de bênção divina sobre os animais da terra, afirma von Rad, também
serve para distinguir a família humana. A bênção das criaturas do mar não era uma ameaça
ao papel honrado do homem, desde que as águas foram menores em importância do que a
terra.
Quando se considera o verso 26, há dois dilemas interpretativos que assolam
estudiosos antigos e modernos. Primeiro, o que ou quem é o referente do pronome no plural
façamos e nossa imagem e nossa semelhança? Segundo, qual é o significado dos termos
imagem e semelhança para a compreensão do lugar único da vida humana no plano divino
da criação? De que forma pode o autor afirmar que a humanidade corresponde a Deus? As
duas questões estão interligadas, já que para compreender imagem também se deve ter em
vista a questão da identidade de seu criador.
Quanto ao verbo fazer, já foi observado em 1.1 que os verbos fez (‘asah) e criou
(bara’) estão em paralelo, tanto estruturalmente e semanticamente em 2.4a, b. Aqui, o
paralelo entre o verso 26 (façamos) e o verso 27 (e criou Deus) indica que eles são
sinônimos virtuais. No entanto, uma diferença significativa aqui é que o verbo fazer é
gramaticalmente plural. Criado é destacado no verso 27 por sua repetição três vezes, e no
versículo 26 a forma plural do verbo distingue fazer. Esta é a primeira de quatro passagens
no A. T., onde o plural é encontrado no diálogo divino. Posteriormente, em Gênesis, o
plural como um de nós ocorre em 3.22, e o verbo plural desçamos é atestado em 11.7.
Finalmente, na visão do trono celestial de Isaías, o profeta ouve o pedido divino: e quem há
de ir por nós? (Is 6.8).
Entre os estudiosos, a referência plural é diversamente entendida:
I) um resquício do mito politeísta;
II) o endereçar de Deus à criação, céus e terra;
III) um plural indicando honra e majestade divina;
IV) auto deliberação;
V) endereçar divino à corte celestial dos anjos;
VI) diálogo divino dentro da divindade.
Os rabinos consideraram a eterna Torah (Pv 8.30) sendo fonte da consulta de Deus
da criação. Há grande diversidade de interpretação judaica, incluindo céus e terra, anjos e
auto deliberação. Speiser afirma que o plural é uma mera questão de coerência gramatical,
sem referência ao significado já que elohim é plural na forma e é encontrado, como tal, em
locais como, por exemplo, Gênesis 20.13.
É improvável, considerando a teologia elevada de 1.1-2.3, que qualquer elemento
politeísta seja tolerado pelo autor e, portanto, a primeira opção é descartada. A segunda
opção é peremptoriamente contraditada pelo verso 27, onde só Deus é identificado como o
criador. O plural como utilizado para mostrar reverência especial (plural honorífico) é falho
já que o ponto do verso é a correspondência única entre Deus e homem, não a majestade de
Deus. O quarto ponto de vista considera o façamos um plural de auto deliberação,
retratando Deus antropomorficamente como alguém em contemplação. Isto é corroborado
pela mudança do singular (sua própria imagem) no verso 27, o que indica que a figura de
deliberação está completa (além de 1.26-27, o intercâmbio entre plural e singular ocorre
em Gênesis 11.7-8; II Samuel 24.14; Isaías 6.8. Gênesis 3.22, no entanto, não têm esta
característica). Em antigos mitos divinos, deliberação prefacia a criação de humanos (no
babilônico Enuma Elish, Marduk discute a criação de seres humanos com Ea, mas o mais
claro paralelo vem de um texto assírio: ‘o que estamos a mudar, o que estamos a criar? / ó
Annunaki, vocês grandes deuses, / que somos nós para mudar, o que estamos a criar?’ –
citado em Westermann, que adota tal ponto de vista). Auto deliberação é atestada no A. T.
(cf. Sl 42.5, 11; 43.5), mas não há comprovação de que a forma plural é usada desta
maneira (Cassuto prefere um plural de exortação, como quando uma pessoa exorta a si
mesmo a fazer certa tarefa, ele usa o plural. Cassuto aponta para o paralelo próximo em II
Sm 14.14).
A quinta interpretação a respeito de uma corte celestial dos anjos é mais provável,
embora não suficientemente convincente (P. D. Miller argumenta que a correlação indicada
pelo plural não é apenas entre o ser humano e Deus, mas entre o mundo humano e o mundo
divino, ou seja, seres sobrenaturais. Ele vê os três passagens onde Deus usa o plural nos
capítulos 1-11 (1.26; 3.22; 11.7) como abordando a mesma questão de identificar a natureza
do ser humano e definindo sua relação com o divino como, por exemplo, onde eles podem
se sobrepor (1.26-28; 3.22) e onde a humanidade ultrapassa seus limites (6.1; 11.7).
Impressionante evidência do A. T. e paralelos da mitologia da Mesopotâmia e de Canaã
apontam para a ideia de uma corte celestial onde os planos são feitos e decisões são
proferidas (cf. Jó 1.6-12; 2.1-6; 15.8; 38.7; I Rs 22.19-28; Is 6.1-8; Jr 23.18). Por outro
lado, alguns argumentam que o comentário do Salmo 8 sobre a passagem indica que
‘elohiym se refere aos anjos (o Salmo 8.5-6 [6-7], passagem que claramente tem Gênesis

1.26-28 em vista, explica que o homem é criado um pouco menor que ~yhla. Como na

tradução dos tradutores da LXX (cf. Hb 2.6-8), ~yhla pode ser interpretado como
anjos (seres celestiais). Mas essa tradução é disputada e não pode ser decisiva para a
resolução de Gênesis 1.26. O Salmo 8.5 [6] não alude diretamente ao plural façamos ou
imagem em 1.26; antes, fala do verso 28, onde a humanidade é responsabilizada com a
dominar a terra. O foco do salmista é a vida humana que é especialmente honrada por causa
de seu papel proeminente como zelador sobre a ordem terrestre. O escritor aos Hebreus

aproveitou a tradução anjos da LXX (a;ggeloj) para ~yhla porque seu argumento
em curso é que Cristo é superior aos anjos). A dificuldade com tal visão é a inclusão de
anjos na frase à nossa imagem, em 1.26. Em que sentido o ser humano é criado à imagem
dos anjos? (F. Delitzsch contrapõe salientando que Deus não concede aos anjos parte na
criação mais do que ele faz a participação deles em enviar um mensageiro divino [Is 6.8]).
Apelar a 6.1-4 apenas levanta a questão, já que não é claro que os filhos de Deus são os
anjos. O principal problema com tal visão é que não houve menção de um tribunal angelical
no capítulo 1, e o texto é claro que o homem é feito à imagem de Deus (v. 27) (von Rad
explica que o aparecimento abrupto do plural é projetado para construir suspense na trama).
Mais importante, a narrativa mostra por sua posição teológica que Deus não tem parceiro
antecedente ou fonte para a criação. A introdução súbita de uma corte celestial diminui a
força da apresentação. Para responder a isso, alguns sugerem que, embora ele tenha
consultado a corte celestial, Deus sozinho criou o homem e só ele é a fonte da imagem. Mas
tal resolução é estranha, porque enfraquece a afirmação da visão do anjo, ou seja, que Deus
consultou a corte celestial quando, na verdade, a consulta não tinha qualquer significado
apreciável.
Finalmente, consideramos o argumento tradicional de que o plural refere-se à
pluralidade divina. A interpretação proposta pelos padres da Igreja e perpetuada pelos
reformadores era um diálogo intra-trinitário. Tal posição só pode ser vista como uma
possível leitura canônica, já que a primeira audiência do texto não poderia ter o entendido
em um sentido de referência trinitária. Embora a Trindade cristã não possa ser derivada
exclusivamente do uso do plural, uma pluralidade dentro da unidade de Deus pode ser
derivada a partir da passagem. Esta foi a linha essencial do argumento entre os
reformadores, que ampliaram tal pensamento, apelando para o N. T. para a corroboração
(cf. Calvino – Gênesis). A presente passagem descreve o resultado do ato criador de Deus,
tanto com pronomes plurais e singulares: o plural possessivo nossa imagem no v. 26 e o
pronome singular sua imagem no v. 27. Aqui, a unidade e a pluralidade de Deus estão em
vista. O plural indica uma conversa intradivina, uma pluralidade na divindade, entre Deus e
seu Espírito. Por sua referência ao Espírito de Deus preparando a terra para a palavra
criadora (1.2), a narrativa permite um coparticipante com Deus na criação. Além disso,
Provérbios 8.30 fala da personificação da sabedoria como coparticipante de Deus na
criação. Poetas e profetas posteriores atribuem a fonte de vida ao Espírito (cf. Jó 33.4, Sl
104.30; Ez 37).
Homem é a tradução da NIV de adam, que é usado genericamente aqui para a
humanidade, em vez do indivíduo Adão. O significado inclusivo é transparentemente o
entendimento correto do verbo plural que se segue, tenha ele domínio, bem como os
pronomes plurais dos versos 27-28 (também 5.2). Especificamente, o v. 27 indica que
adam é criado com distinções sexuais, masculino e feminino. Assim, pelo termo adam, toda
a vida humana é dita ser criada à imagem e semelhança de Deus. A palavra adam é
teologicamente conveniente, uma vez que pode se referir à humanidade, bem como à
pessoa individual (cf. 2.5, 7) ou funcionar como um nome próprio, Adão (pelo menos por
5.1; cf. 2.7). O N. T. reflete isso se referindo a adam como um indivíduo (cf. Lc 3.38; Rm
5.14) e também reconhecendo adam como humanidade (cf. Rm 5.12-21; I Co 15.22). Neste
último caso, Paulo se concentra no papel representativo do indivíduo Adão, pelo qual todos
estão sob a sanção de morte. Adão serve como sombra de Cristo, o último Adão, que é ao
mesmo tempo um indivíduo (como Adão), mas também um representante (como Adão)
para a nova humanidade que desfruta vida através da morte e ressurreição de Cristo.
Em Gênesis, os termos imagem (tselem) e semelhança (demut) ocorrem em apenas
três passagens (1.26-27; 5.1, 3; 9.6). Alguns afirmam que a teologia da imagem de Deus
(imago Dei) teve pouca significância entre os hebreus por causa desta escassez de
referências no A. T. Mas não é bem assim, porque 1.26-28 é a chave para a compreensão da
promissora bênção de Deus para os pais de Israel e sua realização na vida da nação. Não se
pode olhar para 1.26-28 sem vê-lo pelo prisma do pecado humano, tanto no início do
jardim, bem como com as consequências para a vida humana e a relação da humanidade
com a criação. Teologicamente, é essencial para a interpretação da fé cristã com sua
proclamação sobre a vida humana, a pecaminosidade universal da humanidade e a única
resolução do pecado através da encarnação, morte e ressurreição de Cristo.
Apesar de Gênesis dizer quem é criado à imagem de Deus, homem e mulher (1.27; I
Co 11.7; Tg 3.9), ele não descreve o conteúdo da imagem. A passagem se concentra na
consequência de tal ato criador, que é o domínio da humanidade sobre o mundo terrestre da
vida (1.28; Sl 8.6 [7]). Tal posição elevada mereceu a outorga divina de glória e honra (Sl
8.5 [6]), que reconhece a criatura humana, bem como a vê honrada acima de todas as
criaturas como humano. Gênesis 5.3 ecoa 1.26 e indica que a sucessão da imagem e a
bênção são realizadas através da filiação. No antigo Oriente Próximo, pessoas reais foram
consideradas filhos dos deuses ou representantes dos deuses (cf. II Sm 7.13-16; Sl 2.7). A
humanidade é apontada como representante real de Deus (isto é, a filiação) para governar a
terra em seu lugar. Quando o pecado marcou a família humana, como filhos desobedientes,
no entanto, eles não perdem a imagem (Gn 9.6; I Co 11.7; Tg 3.9), mas a glória da filiação
desapareceu. No N. T., são encontradas tais ideias de imagem, glória e filiação intimamente
relacionadas (cf. I Co 11.7; II Co 3.18; 4.4, 6; Hb 2.5-10). Pela graça do criador, a nova
humanidade é criada à imagem de Cristo (cf. I Co 15.49) e através de sua perfeita
obediência alcança vida e glória para os crentes como seus filhos adotivos (cf. Rm 8.17, 30;
9.23; I Co 4.4, 6; Cl 3.9-10).

Excurso: interpretando a imagem de Deus

História

Historicamente, a questão da imagem de Deus (imago Dei) se preocupa com dois


focos: a identidade da imago Dei e sua relação com o pecado humano. Teólogos muitas
vezes consideram a imagem dentro de questões mais amplas da antropologia e soteriologia.
Isso geralmente resulta em categorias filosóficas, onde imagem é definida em termos de ser
(metafísica), na tentativa de definir o humano e distingui-lo da vida animal. A tese principal
até aproximadamente o século vinte identificou imagem como propriedades espirituais ou
imateriais de uma pessoa. Desde o tempo de Irineu (cerca de 185 d. C.), uma visão comum
na igreja era a de diferenciar entre imagem (tselem) e semelhança (demut). Isso pode ter
sido influenciado pela adição errada na LXX, onde e (kai) foi escrito entre imagem e
semelhança. Assim, pensa-se que imagem refere-se à capacidade de raciocinar enquanto
semelhança se refere à correspondência de uma pessoa a Deus em atributos espirituais.
Como consequência do pecado humano, tal visão afirma que a semelhança foi perdida, mas
a imagem, que distingue uma pessoa da ordem animal, persiste inalterada. Agostinho
também tentou explicar imagem em termos ontológicos, apelando para uma imagem
trinitária, como a memória humana, conhecimento e vontade (The Trinity X.4.17-19). Isso
coincidiu com a interpretação comum do plural façamos como uma referência trinitária. Ele
enfatizou que o homem foi criado perfeito no jardim para fazer o bem, mas o pecado
resultou em sua incapacidade de obedecer à parte da graça capacitadora Deus.
Durante a idade média, a bifurcação da imagem e semelhança continuou (por
exemplo, Tomás de Aquino), mas havia pouca evidência textual para essa suposta distinção,
e a visão foi abandonada pelos reformadores, mas eles perpetuaram a opinião padrão de que
a imago Dei era espiritual, mas eles mostraram mais vontade de compreender a imagem em
termos de comunhão humana com Deus. A controvérsia pelagiana antiga (século IV d. C.)
foi, em parte, preocupada com a definição de imagem. Pelágio sustentou que os seres
humanos foram criados originalmente com uma livre arbítrio perfeito e que eles eram livres
para escolher a obediência ou desobediência. A desobediência de Adão no jardim não
removeu o livre arbítrio para a humanidade e, portanto, cada pessoa conserva aquela
liberdade de crer à parte da graça especial. Os reformadores, seguindo Agostinho,
insistiram que a imagem, embora perfeita no estado original da humanidade, foi
mortalmente ferida na queda, o que exigiu a graça que intervém do Espírito para a salvação.
O método de Calvino ditou seus resultados. Ele sustentou que somente a partir do
N. T. que poderia ser descoberto o significado original da imagem em Gênesis, porque em
Cristo aquela intocada imagem é restaurada no cristão (Cl 3.10; Ef 4.24). Para Calvino, a
imagem em Adão era a perfeição de toda a nossa natureza, que foi destruída em nós pela
queda (comentário – Gênesis). Por toda natureza, Calvino entendia principalmente
conhecimento, retidão e santidade, mas também admitiu que a imagem incluía o corpo
humano: no entanto, não havia parte do homem, nem mesmo o próprio corpo, em que
algumas faíscas não brilhavam (Calvino, Institutas 1.15.3 – inglês). Tal estado primitivo,
enquanto perdido, não é totalmente ausente na humanidade caída; restam contornos
obscuros dessa imagem. É o remanescente dessa dádiva original que continua a distinguir o
homem das outras criaturas. A teologia reformada tem tradicionalmente considerado que a
humanidade foi criada à imagem de Deus, que era perfeita em conhecimento e retidão,
sofrendo danos na queda, e reparada somente através da morte e ressurreição de Cristo,
pelo qual a imagem está sendo progressivamente transformada no crente (II Co 3.18) até
seu estado de perfeição na ressurreição (Rm 8.29; I Co 15.49; Cl 3.9-10) (Calvino –
Institutas 2.15.1-4. Lutero falou longamente da perfeição que Adão desfrutou no jardim
antes da queda; sua vida era totalmente divina e sem o temor da morte. Ele também possuía
perfeições em maneiras físicas que o distinguem das ordens inferiores: eu estou plenamente
convencido de que antes do pecado de Adão, seus olhos eram tão nítidos e claros que eles
superaram os do lince e da águia (Luther’s Works 1.64. Lectures on Genesis, ed. J. Pelikan
and D. Poellot, trans. G. Schick). Assim, o Filho encarnado realiza a perfeição da
humanidade que os homens pecaminosamente perverteram.
Nosso século testemunhou o surgimento de pontos de vista rivais que desafiaram o
predomínio da antiga visão de que imagem era principalmente espiritual e ontológico. Entre
eles está a opinião inversa de que imago Dei é a forma principalmente física (Von Rad
argumentando a favor de uma compreensão holística da imagem: a maravilha da aparência
física do homem não é de excetuar a esfera da imagem de Deus. Cassuto acredita que,
originalmente, imagem foi pensada para ser corpóreo, mas mais tarde foi entendida como
espiritual, feito de pensamento e consciência). Mais influente tem sido a visão de Karl
Barth, que interpretou a imagem humana não como qualquer coisa que ela é ou faz, mas
como a relação ou diálogo de confronto de homem para homem (K. Barth, Church
Dogmatics III/Part One, ed. G. W. Bromiley and T. F. Torrance (Edinburgh: T & T Clark,
1958 [Eng. trans.]), 183–86; cf. Westermann, Genesis 1–11, 155–58). No verso 27, macho
e fêmea os criou é tido como explicativo de imagem. Assim, imagem consiste na
correspondência entre a capacidade humana de entrar uma parceria eu-tu no plano humano
e a confrontação intradivina pessoal (façamos) no ser divino. Somente os seres humanos,
de todas as criaturas, é que podem entrar em parceria com Deus, porque um homem pode
estar em uma relação eu-tu. Como homem e mulher, a vida humana não é solitária, assim
como Deus não é. Esta leitura existencial da imagem habita no relacionamento, mas a
relação é consequência da imagem ao invés de seu conteúdo. Não só é a exegese de Barth
de 1.26-27 em terreno instável, mas a criação e a queda do Genesis são vistos apenas como
paradigmáticos da condição humana, não como acontecimento histórico (cf. 3.1-24).
Durante a segunda metade do século passado, a interpretação dominante, embora
não nova (por exemplo, Crisóstomo), tornou-se funcional, de que imagem é o papel
divinamente ordenado da humanidade para dominar sobre as ordens inferiores (1.26, 28).
Muitas vezes, relacionado a tal interpretação está a ideia de administração real: a
humanidade é imagem de Deus representando-o na terra como seu real vice regente. Isso
está ligado, ou vagamente ou de maneira próxima, com a realeza sacra da Mesopotâmia e
do Egito, onde o rei era visto como divino ou, se removido, representante divinamente
eleito de deus(es) perante o povo.

Uso de termos

Imagem e semelhança ocorrem em conjunto apenas em 1.26 e 5.3, mas a ordem das
palavras é diferente em 5.3 (Ez 23.14–15 tem a ordem de 1.26). Os dois termos são
encontrados essencialmente os mesmos em uso e são intercambiáveis. Imagem sozinho, por
exemplo, no verso 27 é adequado para o sentido do verso 26, e semelhança é suficiente por
si só em 5.1. Não há significado especial na ordem deles, desde que seja observado que eles
possuem ordem transposta em 5.3, que é uma passagem que ecoa o verso 26. Isso seria
questionar a legitimidade de atribuir a demut uma característica especial no conjunto;
alguns recomendam que esclarece ou aumenta o significado de tselem. Outros argumentam
de maneira oposta afirmando que modifica a palavra imagem, assegurando que a
humanidade não é divina, mas tem apenas semelhança (correspondência) com o divino. A
tradução da LXX distingue entre tselem (eikon) e demut (homoiosis) tanto em 1.26 e 5.3,
onde o conjunto de termos ocorre, mas usou o mesmo termo imagem (eikon) para ambas as
palavras hebraicas em 1.27 (tselem) e 5.1 (demut), indicando que as palavras têm a mesma
força. Um apoio adicional à compreensão dos termos como intercambiáveis vem de uma
estátua do século IX recuperada de Tell Fekheriyeh (antiga Sikan) na Síria, que tem um
texto bilíngue em assírio e aramaico. Como par, tselem e demut são usados com o mesmo
significado em referência à estátua.
Além disso, não há distinção especial a ser feita entre as diferentes preposições
hebraicas em [be] à sua imagem e de acordo com [ke] sua semelhança, já que as

preposições também são intercambiáveis em 5.3 (cf. 5.1, twmdb (bidemut). Se o


homem é imagem per si ou feito em a imagem, o ponto das preposições é que Deus e a
humanidade partilham mesmices de alguma maneira não especificada. Observe, portanto, a
ironia da declaração da serpente em 3.5). O possível significado das preposições tem sido
fonte de debate. A preposição em [be] expressa à maneira de (norma) ou como (essência).
Se o último caso, o homem é a imagem de Deus, e não meramente uma cópia da imagem.
Este uso do be é atestado no A. T., por exemplo, eu apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó
como Deus Todo-Poderoso (Êx 6.3; cf. Êx 18.4). No entanto, há um lugar no Pentateuco,
onde correspondência semelhante entre céu e terra como em 1.26 é descrita; o tabernáculo
mosaico foi feito segundo o padrão (be) de um celestial original (Êx 25.40; cf. Hb 8.1-6;
10.1) (Barr acrescenta que usualmente be, quando usado para a essência da questão, diz
respeito às propriedades do sujeito, não o objeto do verbo. Aqui, em 1.26, imagem se refere
às propriedades da humanidade (objeto)). Apesar de não ser conclusivo, recomenda-se
tomar a preposição em similarmente. Assim, tanto o homem como tabernáculo são ícones
terrenos de realidades celestiais.
Tanto imagem e semelhança são usados para representações físicas, onde há uma
correspondência entre uma estátua física ou desenho e a pessoa ou coisa que representa

(~lc (tselem) (imagem) é usado para os ídolos (por exemplo, Nm 33.52; II Rs 11.18 // II
Cr 23.17; Ez 7.20; 16.17) e pinturas (Ez 23.14). Também ocorre metaforicamente para o

caráter efêmero da humanidade (fantasma, fantasias; Sl 39.6 [7]; 73.20). twmd


(semelhança) geralmente é visto como usado para a ideia abstrata de representação, mas
também ocorre para ídolos (Is 40.18), estátuas (II Cr 4.3), desenhos (II Rs 16.10) e pinturas
(Ez 23:15). Em Ez 23.14-15 ambos os termos se referem indistintamente a retratos. Na

inscrição de Tell Fekheriyeh ambos os termos se referem à estátua física. twmd


também é usado simplesmente para indicar uma correlação na aparência ou natureza entre
duas coisas (por exemplo, Sl 58.4 [5]; Ez 1.10; 10.22; Dn 10.16). A maioria dos estudiosos
dissecaram o indivíduo em propriedades materiais e espirituais, identificando assim a
imago Dei como física ou espiritual. Tal dicotomia está em desacordo com a antropologia
hebraica, como 2.7 confirma, a pessoa é vista como um todo unificado. Toda a pessoa,
mesmo toda a vida humana coletiva, está em vista em 1.26. Uma vez que a lei mosaica
proibia qualquer representação física de Deus (Êx 20.1-2; Dt 4.16), é comumente
questionado se a forma física poderia ser pretendida. Deuteronômio 4.16 pode muito bem
repetir 1.27, onde especificamente proíbe fazer qualquer ídolo na forma de macho ou
fêmea, mas nem Deuteronômio 4.16, nem a proibição do Sinai (Êx 20.1-2) tem imagem ou
semelhança. Não se pode com base nisso excluir a dimensão física como constitutiva da

imagem. Das palavras usadas para ídolos e estátuas no A. T. (por exemplo, lsp (pesel),
hksm (masekah) e lms (semel)), o termo imagem (tselem) é menos frequentemente
associado com a adoração de ídolos, apesar de não ocorrer (por exemplo, Nm 33.52), e,
portanto, não era necessariamente preocupante para o leitor. Pode-se acrescentar que a
teofania, geralmente, envolve uma forma humana (por exemplo, Gn 18.1-2), e os profetas
visionam Deus em forma humana, sentado em seu trono celestial (por exemplo, Is 6.1; Ez
1.25–28; Dn 7.9–14; Am 7.7). Eles não dizem que Deus é um ser humano, porque Ezequiel
faz com que seja certo que ele viu uma figura como [demut] da de um homem (Ez 1.26)
(Clines acrescenta que Deuteronômio 4.12 e Isaías 40.18 mostram que Deus não tem forma.
Nisto se concorda, mas a questão não é que Deus e os seres humanos compartilham o
possuir uma forma, mas sim que Deus condescendeu expressando sua presença em uma
maneira visível, e ele fez isso ao criar o homem como corpóreo). A visão teofânica de
Ezequiel, com seu uso recorrente de semelhança (demut), lembra Gênesis 1.26 e ilustra
como semelhança está associada com a teofania no A. T. Imagem e semelhança sugere que
a presença de vida humana representava Deus, assim como o tabernáculo, não que o
homem era divino. A imagem envolver forma física não significa que Deus é corpóreo, pois
não há mandado na passagem de olhar para os seres humanos para reconstruir as
propriedades de Deus.

Domínio

Tradicionalmente, estudiosos afirmam que imagem é constituída de recursos não


corpóreos (cf. Jo 4.24), como características morais, intelectuais e de personalidade que são
compartilhadas com Deus. Mas Gênesis nada diz sobre o conteúdo ontológico da imagem
de Deus. Desenvolver uma antropologia enraizada nesta frase é especulativo (Westermann,
favorecendo Barth, afirma que à nossa imagem é descritivo do processo, não o produto da
criação; a passagem se preocupa com a ação de Deus de criar o homem, não a natureza dos
seres humanos (metafísica). Mas processo não é a imagem, pois 5.3 mostra que a imagem
indica o produto (assim Wenham). Recentemente J. F. A. Sawyer definiu imagem de Deus
contextualmente baseado nos eventos na narrativa do jardim (Gn 2-3), que ele toma como
relato paralelo ao 1.26-28 teológico, explicando em história como os seres humanos vieram
a assemelhar-se a Deus. Embora Sawyer viu corretamente a passagem do jardim como
sequência do interesse do capítulo 1 na criação da humanidade, contando o que aconteceu
com a família humana (cf. 2.4-25), a passagem é mais ampla e não se preocupa com uma
exposição de imagem, que nem ocorrer (nem semelhança) no relato do jardim (mas ainda
após o jardim, em 5.3 e 9.6)). Gênesis 1.26-28 se preocupa com a consequência dessa
criação especial, a regra da vida humana sobre a ordem terrestre, em vez de definir a
identidade da imagem (Eclesiástico 17.2-3: “Concedeu aos homens dias contados e tempo
medido, e deu-lhes poder sobre todas as coisas que existem na terra. Revestiu-os com a sua
própria força e os criou à sua imagem”. A cláusula no verso 26b pode ser traduzida como
propósito: para que eles possam governar. A maioria das versões a traduzem como
coordenativa (e, por exemplo, New International Version, New Revised Standard Version).

O volitivo (façamos) é seguido pela forma imperfeita (ou jussivo) wdryw (weyirdu),
caso em que ele pode ser traduzido como cláusula objetiva sequencial (para que), ou
simplesmente conjuntiva (e)). No antigo Oriente Próximo acreditava-se que os reis
representavam as deidades patronas de suas nações ou cidades-estados. Entre os
mesopotâmicos e cananeus, figuras reais eram considerados filhos adotados pelos deuses
para atuarem como vice-regentes e intermediários entre a deidade e a sociedade. A
sociedade egípcia reconheceu o faraó como divino que era Horus na vida e Osíris na morte.
Algumas estelas reais descrevem o rei como imagem de Deus (por exemplo, o discurso de
Amon Re ao faraó Amenófis II: “Tu és meu filho amado, vem de meus membros, minha
própria imagem, que coloquei sobre a terra. Eu te permiti governar sobre a terra em paz” –
citado em Westermann, seguindo W. H. Schmidt). Governantes eram responsáveis pelo
equilíbrio entre a natureza e a sociedade através do garantir o favor dos deuses; também, a
justiça e o bem-estar da sociedade eram dependentes da administração do governo do rei. A
figura real era usada para descrever o rei hebreu como o nomeado filho de Yahweh que
reinou em seu nome (cf. II Sm 7.13-16; Sl 2; 72; 89).
A linguagem de 1.26 reflete a ideia de uma figura real representando Deus como seu
governante designado (No texto egípcio A Instrução para o rei Merikare (vigésimo
segundo século a. C.), a criação de Re dos seres humanos é semelhante a 1.26-27 e 2.7: ele
fez o sopro da vida (para) as narinas deles. Eles que surgiram a partir de seu corpo são
suas imagens. Hoffmeier acrescenta que a forma articular da palavra imagem é
frequentemente escrita com uma estátua hieroglífica). Este parece ser também o
entendimento do Salmo 8, que foca no domínio humano, embora sem menção explícita da
imagem ou semelhança. Isto é corroborado pelo termo dominar (radah), em 1.26 e 28, que
é usada comumente para domínio real (cf. I Rs 4.24 [5.4]; Sl 8.5–6; 72.8; 110.2; Is 14.2).
Jurisdição humana sobre a vida animada nos céus, águas e terra corresponde ao domínio
(mashal) do sol e da lua sobre a esfera inanimada da criação. A presente passagem declara
que todas as pessoas, e não apenas reis, possuem o estatuto especial da realeza aos olhos de
Deus (Domínio, como correspondência entre Deus e o homem é algo ofensivo para
teologias feministas e ambientais, que defendem que 1.26-28 projeta um Deus que é um
tirano monárquico, mas 1.26-28, que mostra que todos os seres humanos são feitos à
imagem de Deus, na verdade liberta a humanidade da escravidão do sistema de classes
opressoras, como no antigo Oriente Próximo, cujas cosmogonias mantiveram o sistema
social. A tradição bíblica põe em movimento forças que acabam minando as estruturas
despóticas da miséria humana). É impressionante que Deus entregue a competência para
uma de suas criaturas, já que o grande princípio de 1.1-2.3 é a soberania da palavra criadora
de Deus. Foi essa característica da criação que tanto surpreendeu o salmista, porque, para
ele, o infinito coroou a infância humana com a glória de seu governo (8.5-8 [6-9]). O
supremo valor que Deus dá à vida humana também se reflete em 9.5-6. Considerando que
um animal pode ser mal brutalizado, é tirar a vida humana que merece a acusação de
assassino.

Filiação

Em outros lugares de Gênesis, é possível inferir mais sobre a imagem de Deus, que
distingue a vida humana. Gênesis 5.1-3 ecoa 1.26-28 e demonstra que semelhança (demut)
de Deus que estampou Adam foi perpetuada por sua prole. Adão gerou um filho em sua
própria semelhança e imagem (5.3), que mostra que a família adâmica continuou a imago
Dei, e também a bênção divina recebida pela primeira vez por Adão (5.3-31). Tal imagem é
amarrada de novo à bênção que a humanidade goza através de seu poder de procriação
como macho e fêmea (5.2), mas em 5.3 há o reconhecimento explícito da filiação. Apesar
de 5.3 falar de uma descendência biológica literal, a passagem também mostra que a
imagem divina e a concomitante bênção de procriação são herança de Sete também. O
motivo da filiação é retomado no evangelho de Lucas, onde ele apela a Gênesis 5 ao recitar
a genealogia de Jesus e com razão infere que Adão é filho de Deus (Lc 3.38). Lucas não
confunde o sentido de filiação entre Deus-Adão e Adão-Sete como o mesmo, porque, para o
evangelista, o fator importante é a continuidade da humanidade, que tem sua fonte em
Deus, que criou o primeiro homem, daí o filho de Deus em seu sentido metafórico. Isto é o
que há em Gênesis 5, uma linha de descendência física, isto é, Sete tem a semelhança de
Adão, que indica que a família humana perpetua a imago Dei.
É evidente a partir de Gênesis 5, que a imagem continua, apesar da rebelião
pecaminosa no jardim. Isso é apoiado por 9.6, onde no mundo pós-diluviano a santidade da
vida humana é protegida na base de que a humanidade é uma especial criação de Deus, com
a imagem divina. A vida humana, embora caída, não é menos humana e mantém a mesma
dignidade, garantindo proteção a todas as pessoas. Em 5.3, a primeira ênfase em 1.26-28
sobre o domínio humano está ausente. Isso leva a suspeitar que algo deu errado. Tal
suspeita é confirmada na aliança de Noé, onde o mundo pós-diluviano requer restrições
específicas sobre o sangue e a vida humana sem referência ao domínio (9.4-7). Enquanto a
hierarquia da criação do ser humano sobre os animais permaneça intacta, a advertência
contra tirar a vida de um ser humano, sendo o culpado um animal ou um homem (9.5),
mostra que o domínio do homem sobre a ordem animal é precário. Mas a comissão de
exercer domínio como bênção promissória de Deus é republicada (9.1 e 7), e não há sentido
de que a imagem mudou ou diminuiu. O salmista reconhece que a superioridade da vida
humana, notada por sua glória e honra, não está nas características ontológicas do homem,
mas em sua comissão como senhor sobre o mundo terrestre (Sl 8.5-8 [6-9]). Esta glória
(kabod), concedido exclusivamente sobre a vida humana, é distinguida no A. T. como o
atributo do Senhor Deus (Gehrard von Rad afirma que isso nos dá um misterioso ponto de
identidade entre Deus e o homem, porque na visão do A. T., kabod pertence soberanamente
ao Senhor). É a glória da criação, indicando a nomeação da humanidade como filiação
governante de Deus, que é diminuída através pecado. A glória futura da humanidade será
totalmente alcançada como herdeiros adotados através de Cristo seu filho, que irá trazer
muitos filhos à glória (Hb 2.10).

Novo Testamento

No N. T., as mesmas linhas são retomadas no que diz respeito à ideia de imagem.
Como em Gênesis, homens e mulheres, mesmo como pecadores caídos, ainda são
considerados imagem de Deus (I Co 11.7; Tg 3.9). A existência da imagem em seu estado
original é a base do argumento de Paulo em I Coríntios 11 e também do apelo de Tiago (Tg
3.9), embora ele provavelmente esteja aludindo a Gênesis 9.6. Além disso, Jesus Cristo é
identificado como a única imagem de Deus em II Coríntios 4.4 e Colossenses 1.15, mas
Paulo não alude aqui a 1.26-28, indicando que Adão e Cristo carregam a mesma imagem. II
Coríntios 4.4-6 contribui para a explicação de Paulo sobre a glória de Deus (3.7-4.6), como
revelado a Moisés no Sinai (Êx 33.12-34.8). Em II Coríntios 4 e Colossenses 1, Paulo
aborda a salvação que só Cristo como única imagem de Deus pode alcançar em favor do
homem. Imagem de Cristo no argumento de Paulo é diferente do que poderia ser dito de
Adão, porque Jesus é o não-criado, a imagem do Deus invisível (Cl 1.15), a imagem exata
do ser de Deus (Hb 1.3) (imagem (eivkw,n) não é apenas uma cópia da realidade, mas

sim participar da própria realidade – cf. Hb 10.1 – H. Kleinknecht, eivkw,n TDNT).


Cristo também tomou a forma de um ser humano (Fp 2.7), a encarnação de Jesus resultou
numa correspondência formal com o primeiro Adão, em virtude de ser humano, mas o
ponto de tal analogia paulina é demonstrar como Cristo é diferente de Adão (Rm 5.12-21; I
Co 15.21-22; cf. Rm 8.3). O que espera os cristãos é que eles vão carregar a semelhança
[eikon] do homem do céu, ou seja, eles aproveitarão a vida futura e a ressurreição do Senhor
(I Co 15.49). Este é o destino que Deus determinou aos que creem (Rm 8.29). O apelo de
Paulo a Jesus como imagem de Deus em II Coríntios 4.4 e Colossenses 1.15 não é a
humanidade criada de Gn 1.26-27. É uma referência a Jesus, que é entendido
exclusivamente como um com Deus, aquele que é a humanidade glorificada (G. Bray
afirma que o uso de Paulo de eikon tou Theou [imagem de Deus] com referência a Cristo é
para enfatizar sua unidade com Deus, não sua unidade com os homens. Os cristãos estão
destinados à nova imagem de Cristo e à glória de sua filiação como herdeiros adotados). A
imagem de Cristo é o destino do cristão.
No N. T., a associação de glória e imagem é buscada. O destino de todos os crentes
em Cristo é a sua imagem. Paulo também conclui sua exaltação triunfante da graça em
Romanos 8, com aqueles que ele justificou, também glorificou (Rm 8.30). Paulo também
liga estreitamente imagem e glória (I Co 11.7; II Co 4.4, 6; II Co 3.18). Isto também é
encontrado no judaísmo rabínico (cf. Sabedoria 7.25-26). Tal associação é provavelmente
derivada do comentário do Salmo 8 sobre Gênesis 1. Quando o escritor aos Hebreus (2.5-
10) apresenta sua leitura cristológica do Salmo 8, ele conecta com os temas unidos de
imagem-glória e um motivo, isto é, a filiação (2.9-10). Paulo também reconhece isso ao
descrever o lugar privilegiado dos judeus que, em virtude de sua filiação, eram recipientes
da glória divina (Rm 9.4), uma referência à presença de Deus no Sinai (Êx 24.16-17). Mas
a glória dada na criação é para todos os homens e mulheres. Por causa da ressurreição de
Cristo, ele recebeu a coroa de glória e honra, e, em virtude de sua morte, ele trará muitos
filhos à glória. Pedro fala de Cristo como o filho valorizado que recebeu honra e glória da
parte de Deus Pai (II Pe 1.17), no monte da transfiguração, onde os discípulos
testemunharam a glória do reino porvir (Mt 17.1-8). Tal glória à qual a humanidade
redimida em Cristo está destinada é a do próprio Jesus, que é a glória de Deus (Jo 1.14, 18;
17.4) (H. D. McDonald afirma que o homem foi criado originalmente para a filiação, mas o
pecado é a condição em que tal filiação não é refletida. Conclui-se que é a glória da filiação
humana como governante designado que é a consequência da imagem, que diminuiu por
causa da queda). Em Gênesis, observa-se que a regra da humanidade não é totalmente
realizada devido à desobediência, o que significou a diminuição da glória, mas Cristo
cumpriu o que a humanidade pecadora não poderia alcançar sozinha (Hb 2.9). Os redimidos
compartilharão da glória de Cristo como herdeiros adotados (Rm 8.17; II Ts 2.14; I Pe 5.1,
4), para a qual a humanidade foi concebida antes do tempo (Rm 9.23; I Co 2.7). Através do
Espírito santificador, o cristão experimenta tal transformação presentemente de glória em
glória, enquanto reflete a glória do Senhor (II Co 3.18), mas a transformação aguarda sua
plena realidade na ressurreição do crente. Concomitante com a participação do crente na
glória divina é a vida nova do crente feita à imagem de seu criador (Cl 3.9-10) e como
Deus em justiça (Ef 4.24) (a alusão de Paulo a Gênesis 1.26-27 não é para afirmar o
reaparecimento do primeiro Adão em humanidade na salvação, mas apenas que, como Deus
fez o primeiro Adão à sua semelhança, ele fez a nova vida do crente em sua imagem
também, ou seja, Jesus Cristo).

(v. 27) Tal verso amplia a ideia de imago Dei introduzida no versículo 26. A
construção do presente verso é um poema integrado que consiste em três linhas, com as
linhas um e dois em arranjo quiástico (repetição invertida), e a última linha, uma
explicação:

A – Então Deus criou o homem em sua própria imagem


B – em à imagem de Deus ele os criou
C – homem e mulher ele os criou
Os elementos internos das linhas quiásticas identificam o foco do verso poético: a
imagem divina. O terceiro cólon especifica que adam (homem), criado à imagem de Deus,
refere-se à vida humana masculina e feminina. Pela ocorrência de eles, referindo-se
claramente a duas pessoas de sexos distintos, após o singular ele, o velho equívoco de um
homem andrógino original (bissexual) é infundada (cf. 2.22). Eles também é encontrado em
1.28, onde a procriação é o principal interesse, assumindo a diferenciação sexual de duas
pessoas, homem e mulher.
Os termos hebraicos para macho (zakar) e fêmea (neqeva), como oposto para
homem e mulher, particularmente expressam a sexualidade humana (e animal, por
exemplo, Gn 5.2; 7.3; 6.19, 9, 16). A ausência de qualquer referência à distinção sexual em
animais terrestres é, provavelmente, de modo a não prejudicar o papel privilegiado da vida
humana em que a procriação contribui para o domínio da humanidade sobre os animais
inferiores. Macho e fêmea, os membros humanos são portadores da imagem, ambos são
responsáveis por governar o mundo. Embora homem e mulher completem um ao outro (cf.
2.18), tornando o conjunto completo do homem (‘adam), pode-se dizer que um indivíduo só
tem a imagem (5.1-3; 9.5-6; Tg 3.9). Embora macho e fêmea tenham em comum a mesma
condição dada por Deus de portadores da imagem, há uma distinção inerente dentro da
família humana, em virtude de seus diferentes papéis sexuais, e isso implica que outras
distinções estão presentes. Gênesis 2-3 explica a diferenciação de papel sugerida por esta
primeira referência a macho e fêmea, enquanto mantém com o capítulo 1 a humanidade
igual de cada sexo. Não há contradição entre o retrato do capítulo 1 de um casal igual e os
capítulos 2-3, que distinguem os sexos em termos de liderança-seguidor. A ideia de
hierarquia como uma ordenança da criação não está ausente no capítulo 1, é uma
característica essencial da estruturação da progressão de seis dias e permite a explicação
encontrada nos capítulos 2-3. Ambos afirmam que homem e mulher são igualmente
humanos e compartilham do mesmo valor pessoal (cf. 2.18, 23).
A referência a homem e mulher é preparatória para a compreensão da natureza da
bênção de Deus no verso 28. Esta é apenas a segunda das três bênçãos no relato da criação
(1.22; 2.3). Como acontece com peixes e aves, a bênção divina envolve a procriação (cf.
1.22). Tal expressão de bênção difere, uma vez que Deus fala diretamente à vida humana (a
eles), que é outra indicação de que a humanidade tem posição superior. A bênção da
procriação pela vida animal e humana encherá a terra outrora vazia (1.2) e, como indica a
genealogia de Gênesis 5, nem mesmo o pecado vai impedir a bênção de Deus.
Ser humano significa ser uma pessoa sexual. A sexualidade humana e união sexual
entre marido e esposa são considerados muito bom (1.31) por Deus e devem ser honrados
como ordenança divina aos homens e mulheres (cf. 2.18-24). Não há lugar na ordem de
Deus para a sexualidade individual ou para qualquer confusão ou diminuição da identidade
sexual. A sexualidade humana em Gênesis é uma função abençoada nos propósitos
criadores de Deus, e é essencial para a realização do mandato de Deus para a humanidade
(cf. 9.1 e 7) e para os patriarcas em particular (cf. 12.1-3; 26.24; 28.3-4). Considerando que
na história do dilúvio, há referência à sexualidade dos animais (7.2-3), no relato da criação
não há nenhuma menção de sexualidade ou procriação deles. Isto implica que a sexualidade
humana é de tipo diferente da procriação de animais: a procriação humana não se destina
apenas como mecanismo para replicação ou expressão de paixão humana, mas é
fundamental para experimentar a bênção da aliança. A união do homem e da mulher como
marido e esposa é uma unidade inclusiva (cf. 2.18, 23-24). A vida humana, ao contrário das
classes mais baixas, não é instruída especificamente a reproduzir segundo a sua espécie. Tal
omissão eleva a experiência sexual e o objetivo da família humana como distintivo. O
silêncio do texto também infere que a humanidade é só de um tipo. Desde que a
humanidade é de um tipo, a unidade da raça humana é proeminentemente destacada e,
concomitantemente, rejeita qualquer noção de que certos povos são inerentemente
superiores ou inferiores.
O papel adequado dos sexos é fundamental aos desígnios de Deus para a vida e
prosperidade humana. Na tradição mosaica posterior, sua atividade está especificamente
regulada dentro de certos limites, que se ignorados profanarão a comunidade santa,
exigindo reparação (cf. Lv 18 e 20). Quando a sexualidade humana é distorcida por
negligência ou abuso, a família humana sofre como portadores da imagem de Deus. Esta
noção de bênção associada à reprodução é uma constante em Israel, onde crianças são
vistas como favor providencial do Senhor. O tema do encher e procriar é motivo
significativo nas histórias patriarcais, onde a bênção através da semente escolhida de
Abraão é vista como cumprimento deste primeiro comando na criação. A tensão na
narrativa patriarcal será a improbabilidade de gravidez por Sara (18.10-15; 21.1-7), mas a
intervenção de Deus assegura a realização da bênção. Mais tarde, Israel também viu seu
número aumentar, enquanto Deus facilitava a proliferação deles no Egito, para a grande
tristeza de Faraó, e mostra como Deus se importava com sua multidão no deserto (Êx 1.7;
Dt 1.11; 2.7). O povo hebreu saiu do ventre do Egito, e seu mandato para deslocar as
nações era favor da bênção de Deus para a prosperidade (cf. Dt 7.12-15). A continuidade no
Pentateuco é bênção prometida de Deus, que se estende desde os primeiros pais na criação
à semente escolhida da família de Abraão e destina-se a todos os grupos de pessoas. No
entanto, é só por causa da uma semente, Cristo, que tal bênção pode ser compartilhada
agora por todos os povos que são filhos de Abraão pela fé (Gl 3.6-9, 15-22).

(v. 28) O mandato de dominar o mundo inclui os principais grupos zoológicos:


peixes, aves e animais terrestres. As listas de animais são apenas classificações gerais e
variam em detalhes dentro do relato (1.26, 28, 30). Tal nomeação por Deus deu o privilégio
à família humana, mas também a responsabilidade como cuidadores (2.15). O amor hebreu
pela vida e a sacralidade de toda a vida assumiu uma ligação entre a justiça humana e o
bem estar da terra. Na economia agrária do antigo Israel, isto foi mais bem expresso no
cuidado de seus animais (Pv 12.10; 27.23; Dt 25.4). O pecado afeta a prosperidade da terra
e seus habitantes. Gênesis mostra como o pecado humano provoca a maldição de Deus
sobre a terra (3.17), e a maldade posterior da sociedade humana resulta na destruição de
toda a terra pelo dilúvio, especificamente esses três grupos zoológicos que foram colocados
sob os cuidados humanos (7.21-23). A vida humana tem tal responsabilidade diante de
Deus e é responsabilizada pelo mundo que Deus criou para a humanidade governar, pois a
terra ele deu ao homem (Sl 115.16).

(v. 29-30) Deus é retratado como provedor beneficente, que garante alimento ao
homem e animais, sem medo da concorrência ou ameaça de sobrevivência (cf. 9.2-5). A
vida humana desfrutará das plantas e árvores para a alimentação (v. 11-12), e o mundo
animal pode consumir toda erva verde. Na tradição babilônica, o homem é criado para
aliviar a carga manual dos deuses e fornecer alimentos para sua subsistência; homem e
mulher são meros escravos que sobrevivem ao capricho dos deuses. A criação bíblica
mostra que Deus honra a família humana dirigindo-se especificamente a eles (vocês), bem
como dando a eles responsabilidade sobre o mundo terrestre (v. 29). Além disso, cada e
todos (v. 29-30) enfatizam a disponibilidade e generosidade da provisão de Deus. Por isso,
a restrição dietética específica da árvore do conhecimento do bem e do mal, que é central
para o episódio do jardim (2.17), não está incluída nesta descrição. Padrões alimentares de
Deus para a humanidade inclui especificamente a carne no mundo pós-diluviano (9.3).
Prescrições alimentares tornaram-se cada vez mais importantes na comunidade mosaica (Lv
11; Dt 14), e os hábitos alimentares tornam-se um sinal de fidelidade a Deus, bem como de
judaicidade (cf. Dn 1.8; At 10.12-14; Cl 2.16).

(v. 31) A avaliação sumária de Deus da criação conclui os seis dias: foi muito
[me’od] bom. Tudo que Deus fez era digno de louvor. Sua maior aclamação é retida até a
criação concluída, porque só após os seis dias da criação a terra sem vida foi totalmente
alterada (1.2). A terra, agora, como resultado do Espírito de Deus e a palavra animada, é
bem ordenada, completa e cheia de formas de vida sob os cuidados da humanidade real. Se
Deus tivesse escolhido ser mudo, escuridão invasora, águas sem restrições e sons ocos das
terras vazias seriam o estado da terra, mas Deus transformou e encheu a terra por uma
sabedoria incomparável (Sl 104.24; Pv 8.22-31). Como o salmista contemplou as
maravilhas do mundo de Deus, ele prometeu obediência aos imperativos divinos para sua
própria vida (104.34). Da mesma forma, a palavra doadora de vida de Deus falada no Sinai
para Israel revelou suas diretrizes para a vida e ordem. O poeta capturou de novo tal
conexão da palavra, que dá a vida e a palavra de revelação que é uma luz para os olhos (Sl
19.8b [9b]). Para Israel, a nomeação específica da terra de Canaã (‘erets) foi boa criação de
Deus para eles. Isto é melhor encontrado nas bocas dos célebres espias Josué e Calebe, que
declararam que tal terra é extremamente [me’od me’od] boa (Nm 14.7).

Bruce K. Waltke4

Dia seis (1.24-31)

4
FREDERICKS, Cathi; WALTKE, Bruce K. Comentário do Antigo Testamento: Gênesis. São Paulo:
Cultura Cristã, 2010.
(v. 24) gado [...] animais selváticos. O contraste entre animais domesticados e
selvagens distingue gado de carnívoros. A frase hebraica para animais selváticos é a mesma
encontrada em Jó 5.22; Salmo 79.2; Ezequiel 29.5; 32.4; 34.28.

(v. 25) Deus [...] bom. É notável a ausência da bênção aos animais terrestres. Eles
não podem exercer domínio sobre a humanidade, a qual é abençoada para governá-los.
Peixes e aves recebem bênção, visto que habitam diferentes esferas e não constituem
ameaça às pessoas.

(v. 26) Façamos. O haja impessoal, ou seus equivalentes, dos sete atos criativos
anteriores é substituído pelo façamos pessoal. Só na criação da humanidade é anunciada de
antemão a intenção divina. A fórmula e assim se fez é substituída por uma bênção tríplice.
Assim, o narrador põe a humanidade mais perto de Deus do que o restante da criação.
Nós (cf. 3.22; 11.7). Há várias sugestões quanto ao nós5. A interpretação cristã de
uma pluralidade dentro da deidade conta com algum endosso textual e satisfaz a teologia
cristã da Trindade (Jo 1.3; Ef 3.9; Cl 1.16; Hb 1.2). Deus ser uma pluralidade é apoiado
pela menção do Espírito de Deus em Gênesis 1.2, e o fato de que a própria imagem é uma
pluralidade. Tal interpretação explicaria as nuanças no texto entre singular e plural. A
dificuldade com tal visão é que os outros quatro usos do pronome plural com referência a
Deus (3.22; 11.7; Is 6.8) não parecem referir-se à Trindade. A melhor explicação quanto a
tais usos do pronome é que Deus está se dirigindo aos anjos ou à corte celestial (cf. I Rs
22.19-22; Jó 1.6; 2.1; 38.7; Sl 29.1-3; 89.5, 6; Is 6.8; 40.1-6; Dn 10.12, 13; Lc 2.8-14). Nas
quatro ocorrências do pronome nós para Deus, este se refere a nós quando seres humanos
estão colidindo com a esfera celestial e ele está decidindo seu destino. Em Gênesis 3.22,
Deus vê que os seres humanos se apoderaram do conhecimento do bem e do mal e vieram a
ser semelhantes a seres divinos. Em Gênesis 11, a corte celestial desce para ver o que as
5
As sugestões são: I) um fragmento singular de mito – tal ideia é teologicamente questionável. A torah,
especialmente Gênesis 1, polemiza contra o pensamento mítico; II) um discurso à criação – isto é
textualmente questionável. O texto nega que a criação tenha vontade e Gênesis 1 distingue Deus e os
humanos do resto da criação.; III) um plural de majestade ou de intensificação – um plural de majestade ou de
intensificação ocorre no hebraico com substantivos (a palavra para Deus, ’elohim, é plural por tal razão), mas
não com pronomes. Os pronomes são sempre considerados plurais. Sendo assim, gramaticalmente, nós não
pode ser plural de majestade ou de intensificação; IV) um plural de autodeliberação (W. H. Schmidt, Die
Schöpfungsgeschichte der Priesterschrift. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlage, 1964) – segundo
Cassuto, tal significado não explica os outros usos de nós em 3.22 e Isaías 6.8 (Cassuto – From Adam).
atividades da terra estão construindo com o objetivo de obter espaço cósmico. Em Isaías
6.8, Deus se dirige à corte celestial, na qual o profeta, em sua visão, adentrou. Deus se
dirige à corte celestial. Os anjos exercem papel importante na escritura (cf. Gn 1.26; 3.22;
11.7; Jó 38.7; I Tm 3.16)6, e há muito comércio em Gênesis entre a esfera angelical e os
seres humanos7.
Imagem [tselem8]. A criação da humanidade à imagem de Deus é algo fundamental a
Gênesis e a toda escritura. A expressão imagem de Deus é usada unicamente com referência
aos seres humanos. Sendo assim, os faz separados das demais criaturas. Enquanto outras
criaturas são criadas segundo suas espécies (Gn 1.21, 24, 25), a humanidade é feita à
imagem de Deus. Sendo assim, estabelece-se o papel da humanidade na terra e facilita-se
sua comunicação com o divino. D. J. A. Clines traz os seguintes característicos do ser
criado à imagem de Deus:
I) o termo imagem se refere a uma estátua num degrau, pressupondo que o ser
humano é uma unidade psicossomática;
II) uma imagem funciona para expressar, não para descrever. Portanto, a
humanidade é uma representação fiel e adequada, ainda que não um fac-símile. Além disso,
há descontinuidades entre o divino e o humano como, por exemplo, o fato de Deus ser
assexual e a humanidade ser sexual. A Bíblia representa Deus antropomorficamente, isto é,
como um ser humano. Mais exatamente, um ser humano é teomórfico, criado semelhante a
Deus para que Deus possa comunicar-se com uma pessoa. Deus deu ouvidos às pessoas
para mostrar que ele ouve o clamor dos aflitos, e olhos para mostrar que ele vê a situação
do miserável (Sl 94.9);
III) uma imagem possui a vida do ser representado;
6
De acordo com Franz Delitzsch (Biblical Commentary on the Psalms, vol. 1. Londres: Hodder &
Stoughton), o Salmo 8 é um eco lírico de Gênesis 1.26-28. Na reflexão de Davi sobre tal texto de Gênesis, ele
fala de ‘adam como sendo um pouco inferior aos seres celestiais [‘elohim]”. Sabendo que o resto do salmo
depende de Gênesis 1.26-28, Davi não criou seu texto, mas derivou seu pensamento do texto de Gênesis. Há
estudiosos que, ainda assim, preferem ter ‘elohim com seu ignificado mais comum, Deus. Primeiro, contra tal
interpretação, a tradução grega, a mais antiga interpretação do salmo, entende isto como referência a anjos.
Segundo, o escritor de Hebreus presume tal significado (cf. Hb 2.7). Terceiro, o salmista dirige-se a Deus na
segunda pessoa. Se ele tivesse Deus em mente, ele iria dizer: tu o fizeste um pouco inferior a ti mesmo.
7
O principal argumento contra tal interpretação é que anjos não se envolvem na criação, mas o discurso de
Deus à corte celestial não significa que eles participem no ato de criação. Em Isaías 6.8, por exemplo, quando
Deus diz a quem enviarei? E quem há de ir por nós?, Deus é o ator primário, porém está agindo em concerto
com uma dimensão celestial.
8
Tal palavra ocorre dezessete vezes em dezesseis versículos no A. T.: cinco passagens pertencem à
humanidade, tendo a imagem de Deus; as outras sete se referem a uma imagem física, como uma estátua ou
representação. A forma aramaica da palavra ocorre dezessete vezes em Daniel 2 e 3.
IV) uma imagem representa a presença daquele que é representado;
V) inseparável da noção de servir como representante, a imagem funciona como
governante no lugar da divindade. Hart afirma que no antigo Oriente Próximo, acreditava-
se que o espírito de um deus vivia em qualquer estátua ou imagem do deus, com o resultado
de que a imagem podia funcionar como tipo de representante ou substituto do deus onde
fosse colocada. No antigo Oriente Próximo também se acreditava que um rei era
representante de um deus. O rei governava, e o deus era o governante último. O rei
governava no lugar do deus. Essas duas ideias separadas vieram a ser conectadas e um rei
pôde vir a ser descrito como uma imagem de um deus.
Diferente dos textos do antigo Oriente Próximo 9, onde só o rei é imagem de Deus, a
perspectiva hebraica indica que tal imagem diz respeito a toda humanidade. De acordo com
Gênesis, exercer domínio real sobre a terra como representante de Deus é o propósito
básico para o qual Deus criou o homem, afirma Hart. Segundo Hart, o homem é designado
rei sobre a criação, responsável diante de Deus, o rei último, e como tal esperava-se que
administrasse e desenvolvesse e cuidasse da criação, tarefa que inclui obra física real. Em
Gênesis, imagem se refere à pluralidade de macho e fêmea dentro da unidade da
humanidade. Tal conceito é diferente da perspectiva do antigo Oriente Próximo10.
Semelhança. Isto enfatiza que a humanidade é apenas um fac-símile de Deus, e
distinta dele. Enquanto no antigo Oriente Próximo a imagem da divindade é igualada à
própria divindade, na visão bíblica a palavra semelhança serve para distinguir claramente
Deus dos humanos. A palavra semelhança não diz respeito a sinônimo de imagem.
Semelhança serve para assegurar a distinção da humanidade de Deus.

9
Um correspondente de um rei assírio de 7 a. C., Esarhaddon, escreve: “Um homem (livre) é como a sombra
de um deus; o escravo é como a sombra de um homem (livre); o rei, porém, é como a (própria) imagem de
Deus.
10
Karl Barth (The Work of Creation, vol. 3.1 of Church Dogmatics, trad. e ed. G. W. Bromiley e T. F.
Torrance. Edimburgo: T & T. Clark, 1960) enxerga corretamente relações como parte da imagem, mas vai
longe ao fazer de tal vinculação a própria definição e suprime a que se refere à estrutura e qualidades da
humanidade. Os textos de Gênesis 5.1-3 e 9.6 mostram que a imagem de Deus pertence ao próprio indivíduo,
não à relação. Em Gênesis 9.6 está escrito: “Quem derramar o sangue do ‘adam [pessoa genérica], pelo
‘adam seu sangue será derramado; porque o ‘adam foi criado à imagem de Deus”. Aqui, ‘adam se refere a
cada ser humano, macho e fêmea, não uma dualidade de macho ou fêmea. A imagem de Deus diz respeito à
estrutura da pessoa, e sua capacidade de manter companheirismo com um macho ou fêmea, respectivamente,
é uma vinculação. A imagem se encontra na totalidade psicossomática de cada indivíduo, que não pode vir à
existência à parte da relação macho-fêmea, e que se propõe a viver em relação como homem e mulher.
(v. 27) Assim Deus criou [...]. Tal verso é o primeiro poema na escritura. A mudança
para poesia realça a criação divina da humanidade como a portadora da imagem de Deus. A
verdade indicada aqui envolve todo o Gênesis. A única repetição da palavra criar (bara’)
intensifica tal ato significativo. A humanidade é singularmente formada pela mão de Deus.

(v. 28) Abençoou. Três vezes Deus abençoa a humanidade. Tal bênção capacita a
humanidade a efetuar seu duplo destino, isto é, procriar a despeito da morte e governar a
despeito dos inimigos.
E lhes disse. A bênção é dada à imagem de Deus na forma de discurso direto.
Sejam frutíferos e cresçam em número; encham a terra e a dominem. À humanidade
é dada um duplo mandato cultural, ou seja, encher a terra e governar a criação como reis
benevolentes (Gn 9.2; Sl 8.5-8; Hb 2.5-9). Os homens podem governar o reino animal (Gn
1.28) e vegetal (1.29), mas não podem governar os poderes celestiais, especialmente
satanás (cf. Ef 6.10-12).

(v. 30) Eu dei. As criaturas são totalmente dependentes da graça de Deus.

(v. 31) Muito bom. Esta é uma avaliação divina da criação total, antes da queda.
O sexto dia. O artigo definido é usado só com o sexto e sétimo dia, a fim de
ressaltar o clímax da narrativa sobre estes dois importantes dias.

The NIV application commentary11

Derek Kidner – Vida Nova12

1.24-31 – O sexto dia

11
WALTON, John. The NIV application commentary: Genesis. Grand Rapids: Zondervan, 2009.
12
KIDNER, Derek. Gênesis: introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008.
(v. 24) Produza a terra (cf. v. 11). Seres viventes, assim como no verso 20, é a
mesma expressão traduzida por alma vivente em 2.7. A palavra para répteis não indica
classificação científica que inclua só répteis, mas descreve o movimento suave ou o rastejar
de várias espécies de criatura, isto é, coisa que rasteja. O verbo hebraico aparece no verso
21 (move-se, rastejam), referindo-se ao deslizar dos peixes (cf. Sl 104.25). As três espécies
de animais no verso 24 são, em termos amplos, o que chamaríamos de animais domésticos,
animais de pequeno porte e animais de caça.

(v. 26) Façamos o homem. Em Gênesis 1-2, o homem é visto ao nível da natureza e
acima dela, em continuidade em relação a ela, bem como em descontinuidade. O homem
partilha o sexto dia com outras criaturas, ele é feito do pó assim como elas (2.7, 19),
alimenta-se como elas (1.29 e 30) e se reproduz debaixo de bênção semelhante à delas
(1.22, 28), mas a ênfase está na diferença entre o homem e tais criaturas. Façamos está em
contraste com produza a terra (v. 24). A nota de auto-comunhão e o plural majestático
proclamam-no um momentoso passo. Assim feito, toda a criação está completa. Comparado
com os animais, o homem é colocado em posição à parte por seu ofício (1.26, 28; 2.19; cf.
Sl 8.4-8; Tg 3.7), e mais ainda por sua natureza (2.20), mas o apogeu de sua glória consiste
na sua relação com Deus.
A expressão à nossa imagem, conforme à nossa semelhança é diz respeito à verdade
central acerca do homem. Imagem e semelhança são palavras que se reforçam. Não há a
conjunção e entre as frases, e a escritura não usa tais palavras como expressões diferentes.
Há teólogos que afirmam que imagem diz respeito à indelével constituição do homem como
ser racional e como ser moralmente responsável, enquanto que, para eles, semelhança é a
harmonia com a vontade de Deus, perdida na queda. A distinção existe, mas não coincide
com tais termos. Após a queda, ainda é dito que o homem é segundo a imagem de Deus (Gn
9.6) e à semelhança de Deus (Tg 3.9). Nem por isso se requer menos dele que se refaça
conforme a imagem daquele que o criou (cf. Cl 3.10; Ef 4.24; Gn 5.1, 3).
Ao se definir imagem de Deus, não basta reagir contra um literalismo, isolando do
corpo a mente e o espírito do homem. O pensamento da escritura é que o homem é uma
unidade. O homem diz respeito à sua ação, pensamento e sentimento em unidade com todo
seu ser. Tal ser vivente é expressão ou transcrição do criador eterno e incorpóreo em termos
de uma existência temporal, corpórea e própria de uma criatura. É como uma transcrição de
um poema em uma escultura ou de uma sinfonia em um soneto. Em tal sentido, a
semelhança sobreviveu à queda, desde que seja estrutural. Enquanto humanos, as pessoas
são, por definição, à imagem de Deus, mas a semelhança espiritual; em uma palavra, amor;
só pode estar presente onde Deus e homem estão em comunhão. A queda destruiu tal
comunhão. A redenção em Cristo Jesus a restaura e a aperfeiçoa (cf. I Jo 3.2; 4.12).
Isso implica que, no que diz respeito a Deus, tal doutrina exclui a ideia do criador
como sendo totalmente outro. No que diz respeito ao homem, requer que os homens levem
a sério todos os seres humanos (cf. Gn 9.6; Tg 3.9). A estampa de Deus nos seus constitui
declaração de propriedade (cf. Mt 22.20, 21).
Façamos [...] nossa [...] nossa. Delitzch e Gehrard von Rad interpretam o plural
como incluindo anjos, que o A. T. chama, às vezes, de filhos de Deus ou, genericamente,
deus(es) (cf. Jó 1.6; Sl 8.5 com Hb 2.7; Sl 82.1, 6 com Jo 10.34, 35). Isso pode pretender
apoio de Gn 3.22 (como um de nós), mas qualquer inferência de que outros tomaram parte
na criação do homem é alheia ao capítulo de Gênesis, bem como um desafio a Is 40.14
(com quem tomou ele conselho?). É um plural de plenitude encontrado na palavra
empregada para designar Deus (‘elohim), usada com um verbo no singular. Tal plenitude,
no A. T., seria revelada como tri-unidade, nos posteriores nós e nossa de João 14.23 (com
14.17).
O domínio sobre todas as criaturas não é conteúdo, mas consequência da imagem
divina, afirma Delitzsch. O texto de Tiago 3.7, 8 indica que ele é exercido, com uma
exceção fatal. Hebreus 2.6-10 e I Coríntios 15.27, 28 (citando Sl 8.6) falam da sua plena
reivindicação feita por Jesus. I Coríntios 6.3 promete a exaltação do homem redimido a
uma posição superior à dos anjos (cf. Ap 4.4). A exploração da parte humana do que está à
sua mercê apenas prova a inaptidão de tais seres decaídos para governar. Isso indica que os
homens estão desgovernados (cf. Gn 9.2).

(v. 27) As palavras homem e mulher possuem implicações amplas, conforme fez
Jesus ao juntá-las com 2.24 a fim de fazer dos dois pronunciamentos colunas gêmeas do
matrimônio (Mc 10.6 e 7). A humanidade como bissexual indica que cada parte é
complemento da outra. Isso antecipa a doutrina do N. T. da igualdade espiritual dos sexos
(todos vós sois um, Gl 3.28; sois juntamente herdeiros, I Pe 3.7; cf. Mc 12.25). Isto é
reafirmado em Gênesis 2.18-25, juntamente com a sua desigualdade temporal (cf. I Pe 3.5-
7; I Co 11.7-12; I Tm 2.12, 13), bem como em Gênesis 5.1 e 2.

(v. 28) E Deus os abençoou. Abençoar é conferir uma dádiva e uma função (cf. Gn
1.22; 2.3; cf. bênçãos de despedida de Isaque, Jacó e Moisés), e isso com ardoroso
interesse. Deus volta seu rosto de modo favorável ao beneficiário (cf. Nm 6.24-26), dando-
se a si mesmo (At 3.26).

(v. 29 e 30) Não é preciso forçar o sentido de toda planta verde para alimento às
criaturas como significando que antes todas eram herbívoras. Também não é necessário
entender que todas as plantas eram igualmente comestíveis para todas as criaturas. É uma
generalização de que, direta ou indiretamente, toda vida depende da vegetação. O interesse
do verso é indicar que todos recebem sustento das mãos de Deus (cf. Gn 9.3).

(v. 31) Viu Deus [...]. Karl Barth afirma que “faz parte da história da criação o fato
de que Deus completou sua obra e a defrontou como uma totalidade completa” 13. Pela graça
de Deus, algo além dele mesmo tem assegurado a existência, bem como certa medida de
autodeterminação. Cada pormenor de sua obra foi declarado bom (4, 10, 12, 18, 21, 25), e o
conjunto todo é muito bom. O A. T. e o N. T. endossam isso em seu chamamento a uma
agradecida aceitação das coisas materiais (cf. Sl 104.24; I Tm 4.3-5) como provindas de
Deus e destinadas a Deus.

The expositor’s Bible commentary14

13
KIDNER, Derek. Gênesis: introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. p. 50.
14
SAILHAMER, John H. In: GAEBELEIN, Frank E. The expositor’s Bible commentary: Genesis, Exodus,
Leviticus, Numbers. Grand Rapids: Zondervan, 1990. v. 2.
John Calvin15

(v. 26) Façamos o homem. Embora o tempo aqui utilizado seja o futuro, deve-se
reconhecer que tal linguagem é de alguém deliberando. Até aqui, Deus tem sido introduzido
apenas como comandando. Agora, quando ele se aproxima do mais excelente de seus
trabalhos, ele entra em conversa / consulta. Deus comanda, pela sua palavra, aquilo que ele
desejava que fosse feito. Ele escolheu dar tal atributo ao homem, isto é, que, de certa forma,
ele entra em conversa sobre sua criação. Esta é a mais alta honra com a qual Deus dignifica
o homem. A atenção dada por Moisés, por este modo de falar, excita a mente do leitor. A
criação do mundo foi distribuída ao longo de seis dias, por causa do homem, para que
nossas mentes possam meditar nas obras de Deus. Ao tomar conselho sobre a criação do
homem, Deus atesta que está prestes a realizar algo grande e maravilhoso. O homem visto
em sua natureza corrompida pode ser visto com desprezo, mas, apesar das circunstâncias, o
homem é, entre outras criaturas, um espécime proeminente da sabedoria justiça e bondade
divina, de maneira que ele é merecidamente chamado pelos antigos de mikri kosmov, um
mundo em miniatura. Já que o Senhor não precisa de conselheiro, não há dúvida de que ele
se consultou consigo mesmo. Os judeus se fazem ridículos ao pretender que Deus se
comunicou com a terra ou com os anjos. A terra seria uma excelente conselheira! E atribuir
a menor parte de um trabalho tão belo a anjos é um sacrilégio. Onde se acha que o homem
foi criado à imagem da terra ou dos anjos? Moisés exclui todas as criaturas ao declarar que
Adão foi criado à imagem de Deus. Outros afirmam que Deus fala de si mesmo no plural,
de acordo com o costume dos príncipes, como se tal estilo bárbaro de falar, que cresceu em
uso em séculos passados, prevaleceu no mundo. Os cristãos corretamente afirmam que há
aqui uma pluralidade de pessoas na divindade. Deus não convoca conselheiro estrangeiro,
ele encontra dentro de si algo distinto; sua eterna sabedoria e poder reside dentro dele.
Em nossa imagem. Os intérpretes não concordam sobre o significado dessas
palavras. A maioria concebe a palavra imagem distinguida de semelhança. Eles afirmam
que imagem existe na substância, a semelhança nos acidentes de qualquer coisa. Eles
afirmam que na imagem estão contidos os dons que Deus confere à natureza humana,
enquanto semelhança significa, para eles, dádivas gratuitas. Agostinho especula a finalidade

15
CALVIN, John. The crossway classic commentaries: Genesis. Wheaton: Crossway books, 2001.
de criar uma trindade no homem, pois estabelece três faculdades da alma enumeradas por
Aristóteles, o intelecto, a memória e a vontade, que depois de uma Trindade deriva muitos
(livros décimo e décimo quarto na Trindade; décimo primeiro livro da Cidade de Deus).
Reconheço que há algo no homem que se refere ao Pai, ao Filho, e ao Espírito, e não tenho
dificuldade de admitir a distinção sobre as faculdades da alma, embora a divisão em duas
partes, que é mais usada na escritura, é mais bem adaptada à sã doutrina da piedade, mas
uma definição da imagem de Deus deve descansar em uma base mais firme do que sobre
tais sutilezas. Antes de definir a imagem de Deus, nego que ela difira de semelhança,
porque quando Moisés depois repete as mesmas coisas, ele passa sobre a semelhança, e se
contenta com menção da imagem, isto é, ele usa duas vezes a palavra imagem e não faz
menção da semelhança. Era costume dos hebreus repetir a mesma coisa com palavras
diferentes. A frase em si mostra que o segundo termo foi introduzido por causa de
explicação: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança, isto é, ele
pode ser como Deus ou pode representar a imagem de Deus. Em Gênesis 5.1, sem fazer
qualquer menção da imagem, Moisés coloca semelhança em seu lugar. Há pessoas que,
sutilmente, apesar de não imaginarem Deus como corpóreo, ainda sustentam que a imagem
de Deus está no corpo do homem, mas tal opinião não é está de acordo com a escritura. A
exposição de Crisóstomo não é correta, que se refere ao domínio que foi dado ao homem
para que ele pudesse, em certo sentido, atuar como vice-regente de Deus no governo do
mundo. Isto é verdadeiro em parte, embora muito pequena, em se tratando da imagem de
Deus. Uma vez que a imagem de Deus foi destruída em nós pela queda, podemos julgar de
sua restauração que ele originalmente foi. Paulo diz que somos transformados à imagem de
Deus pelo evangelho. Segundo ele, a regeneração espiritual é a restauração da mesma
imagem (cf. Cl 3.10; Ef 4.23). Que ele fez esta imagem para consistir em santidade
verdadeira e justa, é pela figura sinédoque; pois esta é a parte principal, não é o todo da
imagem de Deus. Por tal palavra, a perfeição da natureza humana foi designada, quando
Adão foi dotado de justiça reta, tinha afeições em harmonia com a razão, teve todos os seus
sentidos bem regulados, e realmente se destacou em tudo de bom. Assim, a sede principal
da imagem divina estava em sua mente e coração, onde era eminente, embora não houvesse
parte dele em que cintilações não brilhassem. Na mente, inteligência perfeita floresceu e
reinou, retidão era como sua companheira, e todos os sentidos foram preparados e
moldados para a devida obediência à razão, e no corpo havia correspondência adequada
com esta ordem interna. Agora, apesar de alguns traços obscuros dessa imagem serem
encontrados no homem, eles estão tão viciados e mutilados, que pode ser dito que eles
foram destruídos. Além da deformidade, que aparece de maneira feia em todos os lugares,
esse mal também é adicionado, que nenhuma parte está livre da infecção do pecado.
Em nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Eu não insisto nas partículas b
(beth) e k (caf). Cristo é imagem do Pai. O homem, embora em diferentes aspectos, também
é chamado imagem de Deus. Os pais da igreja estão enganados ao pensaram que poderiam
derrotar os asiáticos com a arma de que somente Cristo é imagem de Deus, porque à mulher
não é negada a honra da imagem de Deus, Moisés honra homem e mulher com tal título. A
solução é que Paulo fala só da relação doméstica. Por isso que ele restringe a imagem de
Deus a governo, no qual o homem tem superioridade sobre a mulher. Aqui, a questão é
sobre a glória de Deus, que brilha na natureza humana, onde a mente, a vontade, e todos os
sentidos, representam a ordem divina.
E que eles tenham domínio. Aqui, é comemorada parte da dignidade com que Deus
decretou honrar o homem, ou seja, que o homem deve ter autoridade sobre todas as
criaturas vivas. Ele designou o homem senhor do mundo. Os animais estão submissos a ele.
O uso do plural sugere que tal autoridade não foi dada só a Adão, mas também a toda a sua
posteridade. Pode ser inferido que esse era o fim para o qual todas as coisas foram criadas,
ou seja, que nenhuma das conveniências e necessidades da vida sejam desejadas pelos
homens. “Na ordem da criação, a solicitude paternal de Deus para com o homem é
conspícua [notável], porque ele proveu o mundo com todas as coisas necessárias, e até com
imensa profusão de riqueza, antes de ele formar o homem. Portanto, o homem era rico antes
de nascer. Se Deus teve tanto cuidado para conosco antes que existíssemos, ele não nos
deixará destituídos de alimento e de outras necessidades da vida, agora que estamos
colocados no mundo. No entanto, que ele frequentemente mantém sua mão como se
fechada deve ser imputado aos nossos pecados”.

(v. 27) E criou Deus o homem. A reiterada menção à imagem de Deus não é uma vã
repetição. Trata-se de um exemplo notável da bondade divina, que nunca pode ser
suficientemente proclamada e, ao mesmo tempo, nos adverte de que excelência que caímos.
Que ele possa excitar em nós o desejo de recuperação. Quando ele acrescenta que Deus
criou macho e fêmea, ele recomenda o vínculo conjugal pelo qual a sociedade humana é
valorizada. Tal forma de falar de que Deus criou o homem, macho e fêmea os criou é da
mesma força que se Deus tivesse dito que o homem estava incompleto. Nessas
circunstâncias, a mulher foi adicionada a ele como companhia de maneira que eles podem
ser um. Trata-se de fidelidade conjugal, que os judeus violavam com sua poligamia. Com a
finalidade de corrigir tal falha, é dito sobre esse par, composto por homem e mulher, que
Deus, no princípio, uniu. Um homem, a fim de que cada um possa aprender a se contentar
com sua própria esposa.

(v. 28) E Deus os abençoou. Esta bênção de Deus pode ser considerada como a
fonte de onde a raça humana fluiu. Isto é uma referência ao todo, bem como em cada caso
particular, porque somos frutíferos ou estéreis quanto a filhos devido a Deus dar seu poder
para alguns e reter a outros. Aqui, Moisés declara que Adão com sua esposa foram
formados para a produção da descendência, a fim de que os homens possam encher a terra.
Deus poderia cobrir a terra com uma multidão de homens, mas era sua vontade que
deveríamos proceder de uma fonte, a fim de que nosso desejo de mútua concórdia possa ser
o maior, e que cada um possa o mais livremente abraçar o outro como sua própria carne.
Além disso, como os homens foram criados para ocupar a terra, assim conclui-se que Deus
traçou, como com um limite, esse espaço de terra, que seria suficiente para a recepção dos
homens, e proveria uma morada adequada para eles. Qualquer desigualdade contrária a tal
arranjo é corrupção da natureza, que procede do pecado. Nesse meio tempo, a bênção de
Deus prevalece. Toda a terra encontra-se aberta a ter habitantes. Uma imensa multidão de
homens pode encontrar, em alguma parte do mundo, sua casa. O casamento deve ser tido
em vista. Deus quer a raça humana seja multiplicada pela geração, e não como animais
irracionais, por relação sexual promíscua. Ele juntou o homem à sua esposa a fim de que
eles pudessem produzir uma semente legítima. Deus não dá rédeas às paixões humanas,
mas, começando no casamento santo e casto, ele passa a falar da produção da descendência.
Também é digno de nota que aqui Moisés brevemente alude a um assunto que ele
posteriormente ele explica mais completamente, e que a série regular da história é invertida,
de maneira a tornar a sucessão de acontecimentos aparentes. Assim, fornicação e adultério
são corrupção da instituição divina. Mesmo Deus produzindo descendência até desta
piscina barrenta, esta tenderá à destruição. Permanece o método puro e legítimo de
crescimento aquele que Deus ordenou desde o início, que permanece firme, que é a lei da
natureza, e que o senso comum declara inviolável.
Subjugá-la. É confirmado o que fora dito antes sobre domínio. O homem foi criado
com tal condição, que ele deve submeter a terra a si. Agora ele é colocado na posse de seu
direito, quando ele ouve que foi dado a ele pelo Senhor. Moisés expressa isso de maneira
mais plena no verso seguinte, quando ele apresenta Deus concedendo ao homem as ervas e
os frutos. Por isso, é importante que façamos aquilo que sabemos que Deus nos permitiu
fazer. É importante tocarmos só naquilo que Deus nos permitiu tocar. Não podemos
desfrutar qualquer coisa com boa consciência, exceto as recebidas da mão de Deus. Paulo
ensina que, ao comer e beber, pecamos, a não ser que a fé esteja presente (Rm 14.23).
Somos instruídos a buscar somente de Deus o que for necessário a nós, e até mesmo no uso
de seus dons, devemos nos exercitar no meditar sobre sua bondade e cuidado paternal. As
palavras de Deus são para este efeito: Eis que te tenho preparado alimento, antes que foste
formado; reconheça-me, portanto, como o teu Pai, que tão diligentemente te proveu quando
ainda não foste criado. Além disso, minha solicitude por ti mais ainda continua, era teu
dever cuidar das coisas providas a ti, mas tomei até mesmo esta carga sobre mim. Portanto,
embora tu sejas, em certo sentido, constituído pai da família terrena, não é para seres
demasiadamente ansioso sobre o sustento dos animais.
Alguns inferem destas passagens que os homens estavam satisfeitos com ervas e
frutas até o dilúvio, e que era ilegal eles comerem carne. Isto parece ser o mais provável,
pois Deus limita, de alguma forma, o alimento da humanidade dentro de certos limites.
Após o dilúvio, Deus concede a eles expressamente o uso da carne. Mas tais motivos não
são suficientemente fortes, já que o primeiro homem sacrificou dos seus rebanhos. Esta é a
lei de sacrificar corretamente: não oferecer a Deus qualquer coisa, senão aquela que ele
concedeu para nosso uso. Os homens se vestiam com peles, portanto, era lícito a eles matar
animais. Por tais razões, acredito que melhor é nada afirmarmos sobre tal assunto. É
suficiente para nós que as ervas e os frutos das árvores foram dados a eles como alimento
comum, eles eram suficientes para a satisfação deles. Mesmo após a queda, já tinha
começado a produção de frutos degenerados e nocivos, mas, ao dilúvio, a mudança tornou-
se ainda maior. Quão beneficente tem sido Senhor para com os seus, ao conceder-lhes
coisas boas. Que a ingratidão deles não possa ter a menor desculpa.

(v. 31) E Deus viu tudo. Deus aprovou tudo o que fez. Tal julgamento de Deus deve
ser como regra e exemplo para nós, para que ninguém se atreve a pensar ou falar de outra
maneira das obras de Deus. Não é correto a nós discutir se deve ou não ser aprovado aquilo
que Deus já aprovou. Em vez disso, os homens devem aceitar sem controvérsia. A repetição
também denota quão devassa é a temeridade do homem, caso contrário, teria sido suficiente
ser dito, de uma vez por todas, que Deus aprovou suas próprias obras, mas Deus seis vezes
inculca a mesma coisa, para conter, como com tantos freios, nossa inquieta audácia. Moisés
expressa mais do que antes, pois acrescenta muito (meod). Em cada um dos dias, simples
aprovação foi dada. Agora, após ter sido a obra do mundo completa em todas as suas partes,
e ter recebido o último toque final, Deus pronuncia perfeitamente bom, a fim de que os
homens saibam que há na simetria das obras de Deus a perfeição mais elevada, à qual nada
pode ser acrescentado.

Allen Ross16

Walter Brueggemann – A Bible commentary for teching and preaching17

James Montgomery Boice18

16
ROSS, Allen. Creation and blessing: a guide to the study and exposition of Genesis. Grand Rapids: Baker
books, 1998.
17
BRUEGGMANN, Walter. Genesis: interpretation, a Bible commentary for preaching and teaching.
Louisville: John Knox press, 1982.
18
BOICE, James Montgomery. Genesis: an expositional commentary. Grand Rapids: Baker books, 1998. v. 1.
A

H. C. Leupold19

R. Kent Hughes20

James McKeown21

Claus Westermann22

Robert S. Candlish23

19
LEUPOLD, H. C. Exposition of Genesis. Grand Rapids: Baker book house, 1942.
20
HUGHES, R. Kent. Preaching the word: Genesis. Wheaton: Crossway books, 2004.
21
MCKEOWN, James. Genesis. Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 2008.
22
WESTERMANN, Claus. A continental commentary: Genesis 1-11. Minneapolis: Fortress, 1994.
23
CANDLISH, Robert S. The book of Genesis. Edinburgh: Adam and Charles Black, 1868.
A

JPS Torah commentary24

The Genesis record25

U. Cassuto26

D. Stuart Briscoe – the preacher’s commentary27

The anchor Yale Bible28

24
SARNA, Nahum M. The JPS Torah commentary: Genesis. Philadelphia: The Jewish publication society,
1989.
25
MORRIS, Henry M. The Genesis record: a scientific and devotional commentary on the book of
beginnings. Grand Rapids: Baker books house, 1976.
26
CASSUTO, U. A commentary on the book of Genesis: Genesis 1-6. Jerusalem: The Magnes press, 1998.
27
BRISCOE, D. Stuart. The preacher’s commentary: Genesis. Nashville: Thomas Nelson publishers, 1987.
28
SPEISER, E. A. The anchor Yale Bible: Genesis. London: Yale University press, 2008.
A

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