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Interdisciplinar

Fundamentos da Educação

João Maria Pires


Vilma Vitor Cruz
Fundamentos da Educação
João Maria Pires
Vilma Vitor Cruz

Interdisciplinar

Fundamentos da Educação

3ª Edição

Natal – RN, 2012


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN


Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)


Secretária de Educação a Distância Secretária Adjunta de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Eugênia Maria Dantas

FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EDITORAÇÃO DE MATERIAIS IMAGENS UTILIZADAS


Marcos Aurélio Felipe Criação e edição de imagens Banco de Imagens Sedis (Secretaria de Educação a Distância) - UFRN
Adauto Harley
Fotografias - Adauto Harley
Anderson Gomes do Nascimento
GESTÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Carolina Costa de Oliveira MasterClips IMSI MasterClips Collection, 1895 Francisco Blvd, East,
Luciana Melo de Lacerda Dickson de Oliveira Tavares San Rafael, CA 94901,USA.
Rosilene Alves de Paiva Leonardo dos Santos Feitoza MasterFile – www.masterfile.com
Roberto Luiz Batista de Lima
MorgueFile – www.morguefile.com
Rommel Figueiredo
PROJETO GRÁFICO Pixel Perfect Digital – www.pixelperfectdigital.com
Ivana Lima
Diagramação FreeImages – www.freeimages.co.uk
Ana Paula Resende FreeFoto.com – www.freefoto.com
REVISÃO DE MATERIAIS Carolina Aires Mayer
Free Pictures Photos – www.free-pictures-photos.com
Revisão de Estrutura e Linguagem Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Elizabeth da Silva Ferreira BigFoto – www.bigfoto.com
Eugenio Tavares Borges
Janio Gustavo Barbosa Ivana Lima FreeStockPhotos.com – www.freestockphotos.com
Jeremias Alves de Araújo José Antonio Bezerra Junior OneOddDude.net – www.oneodddude.net
Kaline Sampaio de Araújo Rafael Marques Garcia
Stock.XCHG - www.sxc.hu
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade
Thalyta Mabel Nobre Barbosa Módulo matemático
Thaisa Maria Simplício Lemos
Revisão de Língua Portuguesa Pedro Gustavo Dias Diógenes
Camila Maria Gomes
Cristinara Ferreira dos Santos
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Janaina Tomaz Capistrano
Priscila Xavier de Macedo
Rhena Raize Peixoto de Lima
Sandra Cristinne Xavier da Câmara

Revisão das Normas da ABNT


Verônica Pinheiro da Silva

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Sumário

Apresentação Institucional 5

Aula 1 Vôo livre pelos caminhos da Educação 7

Aula 2 Missão e compromissos da Educação 23

Aula 3 Modelos teóricos e metodológicos para a Educação 41

Aula 4 Organizando a difusão dos saberes e das práticas educativas 57

Aula 5 Fundamentos dos saberes e das práticas tradicionais na Educação 71

Aula 6 A Educação e as exigências do mercado 83

Aula 7 Cultura tecnológica e Educação 99

Aula 8 Formação pedagógica e cultura tecnológica 115

Aula 9 A dimensão pedagógica e as inovações da cultura tecnológica 131

Aula 10 A racionalidade contemporânea e a prática pedagógica 147

Aula 11 A elitização e a universalização da Educação no Brasil 165

Aula 12 O analfabetismo entre jovens e adultos 179

Aula 13 Educação, tradição e modernidade 191

Aula 14 A institucionalização da modernização na Educação 207

Aula 15 Desenvolvimento e Educação: sonho e realidade 225


Apresentação Institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram
o desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como
modalidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais
seleto o acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN
está presente em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando
cursos de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando
o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o
conhecimento uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE
O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


SEDIS/UFRN

5
Vôo livre pelos
caminhos da Educação

Aula

1
Apresentação

N
esta primeira aula da disciplina Fundamentos da Educação, nada melhor do que irmos
à raiz das questões. Assim, pensamos em iniciar nossos estudos sobrevoando (como
o fazem os passarinhos quando miram um alvo) em torno de alguns conceitos e
terminologias que nos serão úteis no decorrer da disciplina. Esse sobrevôo tem por finalidade
tentar analisar as nuanças que circundam o termo educação e, assim, compreender a prática
educativa no contexto da escola e da sala de aula.

O que seria então a educação? Você pode dizer: essa é fácil de “matar”. Todos nós
(adultos) temos um conceito formado sobre educação. A questão que se coloca aqui é saber
se estamos certos em simplesmente definir educação a partir do senso comum, da experiência
vivida ao longo de nossa formação acadêmica ou se deveremos ir um pouco mais além e
perguntar: será que existe uma teoria educativa? Caso a resposta seja positiva, quais seriam
seus fundamentos? Em quais princípios ela se apóia? Como está organizada? Você, por acaso,
já se preocupou com essas questões? Pois bem, todas elas circundam a discussão sobre a
educação. Daí iniciarmos esta aula da disciplina refletindo acerca do que pensamos sobre a
Educação, para depois aprofundarmos a compreensão de como ela se organiza e como é posta
em prática. Nesse sentido, entendemos que para compreender o processo do qual decorre e
se completa a formação docente, será necessário compreender o sistema no qual a Educação
está inserida, pois, somente a partir disso o profissional poderá emergir no universo do seu
trabalho, conciliando teoria e prática.

Objetivos
Apresentar a educação como processo universal e
1 civilizatório.

Identificar a Educação na dinâmica das mudanças


2 nacionais e internacionais.

Perceber as transformações econômicas e sociais,


e 3 os movimentos de padronização cultural na
Educação.

Compreender os processos educativos dentro de


4 uma relação dialética à medida que contribui para
que a cultura também se transforme.

Aula 1 Fundamentos da Educação 9


O que é Educação?

E
ssa pergunta pode parecer despretensiosa e desinteressante para você ou para qualquer
outro que pense, de imediato, saber a resposta. Mas, adiantamos desde já que, ao
contrário do que possa sugerir a leitura rápida e o impulso imediato para expressar
a primeira resposta, tal questão exige e pressupõe uma reflexão consistente sobre os
fundamentos nos quais se apóia e se desenvolve a dimensão teórica e prática da Educação.

É perceptível que o referido questionamento direciona nossa atenção e a nossa reflexão


para a busca de informações que esclareçam a base conceitual e as justificativas nas quais
repousam as idéias que temos sobre Educação. Em outras palavras, fica claro que a questão é
simples na sua forma e provocativa no seu conteúdo. Com essa provocação, estamos querendo
dizer que, por encontrar-se carregada de interesses e interpretações, podemos misturar
informação política com política de formação.

Por isso, torna-se imprescindível identificar, compreender e discutir os fundamentos e


os interesses que a questão comporta, o que facilita captar e distinguir o que dela se projeta
como ação formativa e algo que se encontra além da dimensão simplesmente informativa.

Convidamos, pois, você para refletir conosco sobre essa e outras interpretações que
compõem o universo da Educação.

Assim, o que você acha de iniciarmos nossa investigação pensando e refletindo sobre
a importância do conteúdo que envolve a questão proposta: o que é a Educação? Ora,
vamos, não se assuste! Apenas estamos propondo que o caminho investigativo comece pelo
esclarecimento sobre a necessidade de discutirmos os fundamentos do que o senso comum

10 Aula 1 Fundamentos da Educação


convencionou chamar de educação. Compreendeu? Vou esclarecer mais um pouco. Veja bem,
a idéia é desenvolver o tema e responder à questão central a partir dos argumentos que
costumeiramente apresentamos como explicações e justificativas para algumas das nossas
necessidades práticas. Entre estas, encontra-se a educação.

Entendemos que ao identificar tais justificativas, poderemos compor um quadro teórico


de informações consistentes e, desse modo, chegar a uma dimensão conceitual explicativa
para o ato de educar, com maior fundamentação.

Viu como pode ser “mais fácil” nossa estratégia?

Essas aspas são um sinal de que mesmo adotando nossa sugestão como estratégia de
abordagem, ainda poderemos ter turbulências durante o vôo. Por outro lado, acreditamos que
não será algo complicado e perturbador a ponto de nos tirar do objetivo principal que é o desejo
de conhecer a Educação de modo mais consistente e significativo. Nesse sentido, devemos
ir além da idéia comum de educação, ainda que encontremos pelo caminho argumentos
reforçando a tese de que a formação contemporânea se basta ou se completa apenas com
os conhecimentos dos sofisticados meios de comunicação e dos seus infinitos recursos
tecnológicos.

De um modo ou outro, pensamos ser possível demonstrar que o grande e diversificado


número de informações, disponíveis em nossa sociedade, ainda não é suficiente para
dispensar a preocupação com os fundamentos, seja da Educação ou de qualquer outra área
de conhecimento. Sendo assim, perguntamos: pronto para um vôo pelos campos verdes, mas,
também áridos da Educação? Pois bem, vamos lá.

A primeira providência é lembrar que investigar uma pergunta do tipo o que é Educação,
já desgastada pelo seu uso indiscriminado e pouco reflexivo, poderá nos forçar a reconhecer
que se torna desnecessário e improdutivo insistir nisso para aprofundar a compreensão dos
seus fundamentos. Isso porque nosso termômetro ingênuo de sabedoria, o senso comum,
indicaria que já sabemos a resposta na sua completude, o que ela é na sua mais profunda
dimensão e o que representa em termos de importância social, política e cultural na escala
evolutiva e racional que a raça humana atingiu até chegar a nossa sociedade.

Por outro lado, assim como uma moeda tem dois lados, cara e coroa, distintos e
complementares entre si, acreditamos que uma análise rigorosa da questão, como a que
estamos propondo aqui, não se limitará à garantia de sabermos o que é a Educação a partir
da evolução histórica do conhecimento humano, baseando nossos argumentos simplesmente
na estreita visão ocidental que temos do homem no mundo, ou seja, esquecemos de ampliar
as informações além dos referenciais que delimitam a fronteira do nosso modo de ver as
coisas. Esse caminho de fato limitaria o conhecimento de outras experiências e, portanto, de
interpretações possivelmente diferentes das nossas.

Olhando por outro lado, o raciocínio que acabamos de apresentar contrasta, ou choca-
se de frente, com pelo menos uma outra perspectiva que radicaliza (no sentido de ir às
raízes) a questão que queremos investigar. Estou me referindo à problemática que a questão

Aula 1 Fundamentos da Educação 11


sugere quando aprofundamos a reflexão perguntando se será possível sabermos, de fato, a
essência do significado da Educação.

Que tal fazermos um exercício reflexivo e expressar, no papel, nosso primeiro conceito
de Educação? Pois bem, se já sabemos o que é a educação, então, nada mais oportuno do que
expormos esse saber, não é mesmo? Ele será resultado do que nossa experiência ingênua nos
sugere acrescido do breve conteúdo exposto até o momento.

Atividade 1
Procure agora definir o que é educação.

De outro modo, para expressar bem o que já sabemos sobre Educação, ou, para,
paradoxalmente, investigar sobre o que não sabemos, teremos que nos esforçar para identificar
o que caracteriza e justifica a ação educativa. Portanto, qualquer que seja o caminho investigativo
escolhido por nós, o primeiro passo será unir forças e interesses para compreender e apreender
os fundamentos do que se esconde no ato de educar. Com isso, a partir de agora faremos de
conta, melhor dizendo, assumiremos como pressuposto investigativo a idéia de que já sabemos
de fato o que significa educação e que apenas estamos interessados em compreender os
desdobramentos do ato de educar como garantia de boa formação do indivíduo e do pleno
exercício de sua cidadania. Combinado?

12 Aula 1 Fundamentos da Educação


Para auxiliar a nossa empreitada de superação da visão ingênua de educação oferecida
pelo senso comum, seguiremos as linhas interpretativas indicadas pelas teorias da
Educação. Assim, sugerimos recorrer a Libâneo (2004), pesquisador de larga experiência
no campo da Educação, que deverá dar apoio teórico e sustentabilidade ao nosso esforço
para fundamentar a idéia central que estamos desenvolvendo. As definições a seguir
assumem formas conceituais que se identificam com concepções teóricas específicas
e determinadas. Assumem também sentido de criação, geração ou elaboração de uma
representação do mundo e do homem. Desse modo, todas elas buscam identifi car e
apreender a importância da ação educativa no conjunto das diversas relações que
comportam as transformações entre o homem e o mundo.

Vejamos, por exemplo, algumas definições conceituais que possivelmente serviriam


como respostas para a questão enfocada (o que é educação?), de acordo com Libâneo
(2004, p.72-79).

1) Uma concepção geral, que serve de orientação para muitos educadores


a. O acontecer educativo corresponde à ação e ao resultado de um processo de formação
dos sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem
capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por
determinado contexto social.
b. Educação como processo de desenvolvimento: o ser humano se desenvolve e
se transforma continuamente, e a educação pode atuar como configuração da
personalidade a partir de determinadas condições internas do indivíduo.

2) Uma resposta com base na concepção naturalista


a. A educação e o ensino devem adaptar-se à natureza biológica e psicológica da criança;
e as tendências de seu desenvolvimento já estariam prontas desde o nascimento.

3) Resposta baseada na concepção pragmática


a. A educação não é a preparação para a vida, é a própria vida. [...] A educação é uma
constante reconstrução ou reorganização da nossa experiência que opera uma
transformação direta da qualidade da experiência.
4) Uma definição de educação com base na concepção espiritualista
a. Cabe à educação atualizar disposições existentes potencialmente no aluno, cultivando
suas faculdades mentais para atingir o ideal de perfeição, cujo modelo é Cristo.
5) A proposta de educação associada a uma concepção cultural
a. A educação é uma atividade cultural dirigida à formação dos indivíduos, mediante
à transmissão de bens culturais que se transformam em forças espirituais internas
no educando.

Aula 1 Fundamentos da Educação 13


6) Por fim, uma idéia de educação baseada na concepção histórico-social
a. A educação é um acontecimento sempre em transformação. Seus objetivos e
conteúdos não são sempre idênticos e imutáveis, variam ao longo da história e são
determinados conforme o desdobramento concreto das relações sociais, das formas
econômicas da produção, das lutas sociais.

Atividade 2
Exercite sua habilidade de “pescador” para lançar a rede sobre as
1 definições anteriormente citadas. Em seguida, selecione entre as idéias
pescadas aquela que melhor enfatiza a principal preocupação de cada
uma das concepções dadas.

Faça um breve comentário ressaltando o que lhe chamou a atenção em


2 cada uma das concepções anteriormente citadas.

14 Aula 1 Fundamentos da Educação


É claro que as definições apresentadas compõem apenas um pequeno acervo teórico
das respostas para a nossa questão investigativa. Desse modo, talvez até seja possível dizer
que o universo dos conceitos e das teorias explicativas sobre a educação varia conforme o
entendimento e a experiência vivida em torno dos processos de formação e desenvolvimento
humano.

Como exercício crítico-reflexivo, sugerimos que leia mais uma vez sua definição de
educação, elaborada na primeira atividade, e compare-a com as definições vistas objetivando
encontrar semelhanças entre elas. Algo semelhante a uma idéia básica, implícita nas entrelinhas
de uma das concepções, que poderá servir como referencial discursivo para nós. Veja, por
exemplo, se concorda que é possível admitirmos como primeiro ponto de apoio para nossa
investigação o entendimento de que a educação, em seu sentido amplo, é um meio de
promoção do homem. Concorda?

Pois bem, este será nosso primeiro referencial. Na seqüência, buscaremos identificar o
desdobramento da promoção do homem através dos jogos de interesses em vários contextos
e situações das políticas públicas da educação brasileira.

Libâneo (2004) e Ghiraldelli Júnior (2001) nos oferecem indicações das concepções de
educação na perspectiva de promoção humana, a qual aparece no centro de um emaranhado
de interesses sociais, políticos econômicos e culturais. Os autores apresentam quatro projetos Pedagogia
distintos (descritos a seguir) para a educação brasileira, que se identificam com movimentos Tradicional

em torno da idéia de um “novo Brasil”. Pedagogia de cunho


religioso-católico, com
base nos princípios da
educação jesuítica.
a) Católicos – Defensores da Pedagogia Tradicional. Grupo de manifestantes
defensores dos interesses católicos e ferrenhos opositores das teses da
Pedagogia Nova.
Liberais

b) Liberais – Composto por intelectuais que manifestavam desejos por um país Basicamente constituído
de intelectuais que nos
construído sob as bases urbano-industriais democráticas. Esses manifestantes
anos 20 propuseram várias
defendiam uma Pedagogia Nova para a educação. reformas educacionais e,
em 1932, publicaram o
c) Governistas – Numa situação aparentemente neutra, de livre trânsito entre os Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova.
liberais e os católicos, o Governo Federal colocou em execução uma política
de educação diferente dos outros dois projetos, distantes dos princípios
democráticos que o país apresentava para o contexto.
Pedagogia Nova

d) Aliancistas – Representantes das classes populares (proletariado e camada Pautava-se em


métodos ativos de
média) que formaram uma frente antiimperialista e antifascista (grupo dos ensino-aprendizagem,
Integralistas), sob a sigla ANL – Aliança Nacional Libertadora. Defenderam incentivando os trabalhos
uma democratização da educação, em referência às teses reivindicatórias em grupo e as práticas
manuais, com ênfase
do Movimento Operário. substancial à liberdade
da criança e ao interesse
do educando.

Aula 1 Fundamentos da Educação 15


Segundo Ghiraldelli Júnior (2001), todos esses movimentos desejavam um país diferente
da República Oligárquica imposta pela Revolução de 30, a qual promoveu um rearranjo na
sociedade política possibilitando o assento de setores sociais marginalizados do poder durante
a Primeira República. Mas, na verdade, estamos querendo destacar que para compreender o
que é a educação, deveremos primeiro perceber que o sentido social de promoção humana
– nosso primeiro referencial, lembra? – surge entrelaçado, principalmente, com interesses
políticos e econômicos. O ambiente é constituído em torno de lutas ideológicas ferrenhas,
protagonizadas por facções de concepções conservadoras, reacionárias e por profissionais
liberais querendo assumir os rumos da modernização do país, também, pela educação.

Só para ilustrar o complicado contexto no qual se formam as políticas de educação


que irão predeterminar a promoção humana, o autor referenciado cita uma passagem da
participação do presidente Getúlio Vargas (ainda que apenas para reforçar seu marketing
político), na IV Conferência Nacional de Educação, em 1931. Os educadores brasileiros
estavam discutindo “As Grandes Diretrizes da Educação Popular”. Na oportunidade, Vargas
apareceu e teria dito que “‘O governo revolucionário’ não tinha uma proposta educacional, e
esperava-se dos intelectuais ali presentes a elaboração do ‘sentido pedagógico da Revolução’”.
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 2001, p.41).

É bom não esquecer que os fundamentos da Educação que estavam sendo propostos
John Dewey
no Brasil tinham suas raízes em teses e teorias da Educação e da Sociologia, mais elaboradas,
Filósofo da Educação,
fora do país. Estamos nos referindo principalmente às idéias de John Dewey (1859-1952), que
grande entusiasta da
Pedagogia Nova. influenciaram fortemente o pensamento de Anísio Teixeira, e ao sociólogo Émile Durkheim (1858-
1917), o qual influenciou diretamente o modo de pensar de Fernando Azevedo. Duas posturas
diferentes de ver e projetar a educação, ainda que sob uma mesma base: a Pedagogia Nova. Para
Anísio Teixeira Anísio Teixeira, a escola seria controlada pela comunidade e aberta a todas as camadas sociais.
Defendia uma escola
Enquanto Fernando de Azevedo, procurando conciliar a proposta pedagógica de Dewey com a
democrática, única, e o visão sociológica de Durkheim, assumiu uma visão elitista para a educação. Para ele, a escola
ensino profissionalizante. deveria ter um papel de formadora de elites e a educação serviria para rearranjar os indivíduos na
sociedade de acordo com suas aptidões. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2001).

Émile Durkheim Vemos, pois, a linha de ruptura entre o tradicional e o novo aprofundar-se através da
perspectiva modernizante da educação ao se apresentar como a dimensão pedagógica, crítica,
Dedicou grande parte de
seus estudos sociológicos ativa e atuante, que permitirá a promoção humana através da formação social e política dos
a transformar a sociologia jovens. Desse modo, acreditamos ter chegado ao nosso segundo ponto de apoio: a promoção
em ciência autônoma:
humana implícita na perspectiva de formação educacional poderá ocorrer em nome de
como disciplina rigorosa
e objetiva. interesses econômicos, políticos e ideológicos associados à racionalização instrumental,
através da qual a educação assume a dimensão de instrumento das mudanças sociais, urgentes
e necessárias para acomodar o “novo”, a racionalidade científica e tecnológica que se encontra
à frente das transformações contemporâneas.

Considerando que o nosso objetivo neste momento é buscar compreender os


fundamentos da Educação, e, como tal, já os concebemos entranhados no movimento
histórico da educação, nada mais justo do que esclarecer essa história. Esta, por sua

16 Aula 1 Fundamentos da Educação


vez, como ressaltamos anteriormente, é constituída a partir dos interesses envolvidos nas
relações sociais, políticas e econômicas. Nesse sentido, iremos dar seqüência a nossa
abordagem, mas, saltando a linha imaginária do tempo para, de modo mais evidente,
chegarmos à forma contemporânea de discutir os princípios educativos e as novas tendências
reservadas para a Educação.

Nossa caminhada segue no sentido de mostrar que as informações basilares encontradas


até o momento, das quais nos servimos como pontos de apoio interpretativos, identificam,
em um primeiro momento, a educação como meio de promoção do homem e, em um
segundo momento, demonstram que tal promoção humana ocorre em função dos interesses
intrínsecos aos conflitos ideológicos, em sintonia com a racionalização instrumental, que
surge como indicadora confiável para as mudanças que irão acomodar as transformações
contemporâneas.

Assumimos anteriormente como pressuposto investigativo a idéia de que sabemos o que é a


educação e que apenas estamos interessados em compreender a importância dos desdobramentos
do ato de educar como garantia da boa formação do indivíduo e o pleno exercício de sua cidadania
na contemporaneidade. Ora, tais desdobramentos, como já os vimos, aparecem inseridos em
propostas da sociedade organizada, dos técnicos e dos políticos que se encontram à frente das
decisões oficiais, na forma de políticas de educação. Estas, por sua vez, procuram acompanhar os
interesses sociais, políticos e econômicos, nacionais e internacionais, para propor uma adequação
pedagógica em sintonia com os valores que estão em formação.

Desse modo, admitir que sabemos o que é a educação, é no mínimo uma ousadia
imprecisa. Pois, tal questão pressupõe uma sintonia com o emaranhado jogo de interesses
de concepções ideológicas, políticas e econômicas, as quais se transformam em decisões e
se transportam para o social como normas, princípios e diretrizes que, inseridos no processo
educativo, passarão a indicar os caminhos pelos quais deverá ocorrer a formação político-social
dos indivíduos. Daí que, para pensar e admitir a educação como algo diferente, capacitada a
percorrer uma via formativa mais rigorosa e profunda, teremos que nos remeter aos gregos
antigos. Estes, de fato, nos legaram uma educação forte e consistente, idealizada para ser
desenvolvida sem interferências danosas dos interesses referidos. Os gregos compreenderam Paidéia
a educação como Paidéia, ou seja, como uma formação integral do homem em sua dimensão A palavra grega Paidéia
cultural mais sensível e intelectual possível. aproxima-se do termo
cultura com significado
Vemos, portanto, meu caro aluno, a distância que estamos dos gregos e da idéia de educação de formação individual,
que eles tiveram. É claro que não pretendemos entrar em clima de saudosismo com essa referência. com base nas “boas
artes”, aquelas que são
Apenas objetivamos mostrar a dinâmica que altera o movimento conceitual da resposta para nossa próprias do homem e que
questão principal. Nesse sentido, chegamos ao nosso terceiro ponto: não é possível responder ou o diferencia de todos os
saber “o que é educação”. Ou melhor, para tal questão existe uma infinidade de respostas, quantas outros animais. Nas “boas
artes”, estava incluída a
forem possíveis identificar através de um levantamento histórico dos modos ditos civilizatórios, sobre poesia, a eloqüência, a
a organização social, política e cultural dos povos. filosofia, a matemática, a
música etc. (ABBAGNANO,
Agora, como forma de melhor fixar o conteúdo sistematizado e desenvolvido até o 1982, p.209).
momento, faremos nossa terceira atividade.

Aula 1 Fundamentos da Educação 17


Atividade 3
Com base nas idéias anteriormente desenvolvidas, apresentamos como atividade
complementar a questão que segue.

Faça uma entrevista com algumas pessoas da sua comunidade (professores,


alunos, padre, pastor, juiz, prefeito, delegado etc.), procurando informar-se sobre:

a. o que é educação?

b. o que significa educar, hoje?

c. o que representa uma boa educação?

d. o que a sociedade espera obter com a educação dos jovens?

Depois desse nosso vôo livre pelos caminhos da Educação, não devemos concluir que a
caminhada investigativa não valeu a pena. Que não adiantou nada procurar os fundamentos da
Educação. Ou seja, que já sabemos tudo sobre educação e que investigar seus fundamentos,
de fato, nos levou e levará à frustração. Não podemos raciocinar dessa forma. O fato de não
termos chegado a uma resposta precisa para a questão posta não justifica uma interpretação
errônea e desqualificada para o conteúdo tratado.

Nossa conclusão indica a rica dimensão conceitual que envolve a pergunta: o que
é educação? O que, de certa forma, traduz a difícil tarefa que nós educadores temos em
compreender o movimento atual das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais,
para oferecer uma perspectiva educacional, sintonizada com as mudanças contemporâneas
e, principalmente, integrada a uma formação crítico-reflexiva que promova no homem uma
visão além do senso comum. Uma visão privilegiada dos acontecimentos do seu tempo e o
pleno exercício de sua cidadania.

Agora que você já tem uma compreensão consistente do ato de educar e conhece como
sua comunidade pensa e assume as ações educativas, tem condições de assumir uma visão de
educação mais cuidadosa, criteriosa, com base no seu aguçado senso crítico. Que tal fazermos
neste momento o caminho inverso ao que realizamos anteriormente?

A proposta segue a seguinte linha de raciocínio:

18 Aula 1 Fundamentos da Educação


a) já temos uma idéia do que é ou pode vir a ser a educação;

b) estamos inseridos em um conjunto de relações sociais, nas quais se constroem e se


destroem continuamente valores e princípios educativos de acordo com os interesses
envolvidos;

c) acreditamos nos processos educativos que se organizam em torno das mudanças


exigidas pela sociedade contemporânea, mas, a partir de uma educação para o pensar,
fundamentada na perspectiva crítico-reflexiva;

d) portanto, temos condições de fazer comentários críticos (com critérios) e reflexivos


sobre educação.

Assim, complementaremos nossa atividade prática lendo, refletindo e discutindo sobre


o texto a seguir. Leia-o atentamente e, em seguida, sistematize por escrito a(s) idéia(s) de
educação que nele encontrar e depois comente com seus colegas de curso.

[...] vista em seu vôo mais livre, a educação aparece sempre que há relações entre pessoas
e intenções de ensinar-e-aprender. Intenções, por exemplo, de aos poucos “modelar a
criança”, para conduzi-la a ser o “modelo” social de adolescente, para torná-lo mais
adiante um jovem e, depois, um adulto. Todos os povos traduzem de alguma maneira
esta lenta transformação que a aquisição do saber deve operar. [...] Não é nada raro que
tanto na cabeça de um índio quanto na de um de nossos educadores ocidentais, a melhor
imagem de como a educação se idealiza seja a do oleiro que toma o barro e faz o pote. O
trabalho cuidadoso do artesão que age com o tempo e sabedoria sobre a argila viva que é
o educando. [...] Quando o educador pensa a educação, ele acredita que, entre homens, ela
é o que dá a forma e o polimento. Mas, ao fazer isso na prática, tanto pode ser a mão do
artista que guia e ajuda o barro a que se transforme, quanto a forma que iguala e deforma.
[...] A educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle da
aventura de ensinar-e-aprender. (BRANDÃO, 1991, p.24).

Leituras Complementares
ABRAMOVICH, Fanny. Quem educa quem? São Paulo: Summus, 1985.

A autora aborda problemas da realidade educacional a partir de uma abordagem eloqüente


e construtiva, numa atualidade temática de rica variedade.

GUDSDORF, Georges. Professores para quê? São Paulo: Martins Fontes, 1987.

O autor discorre sobre a relação professor-aluno na perspectiva de aprendizagem, em


um ensaio que extrapola as perspectivas de que as relações contemporâneas superaram a
discussão sobre o ensino.

Aula 1 Fundamentos da Educação 19


ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1986.

Rubem Alves, de modo simples e cativante neste livro, lança convite a todos os
educadores para reverem aspectos importantes da prática de educador, e da relação
ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo em que sinaliza para o cultivo de uma dimensão
crítico-sensitiva no ensinar e aprender.

Resumo
Este breve sobrevôo teve por finalidade apresentar e analisar as nuanças que
circundam o termo educação, para depois compreender a prática educativa no
contexto da escola e da sala de aula. A idéia central foi desenvolvida em torno
da problematização dos argumentos direcionados para responder à questão
O que é Educação. Nosso propósito foi demonstrar que costumeiramente
banalizamos ou simplifi camos nossa explicação pela atividade ingênua
do senso comum e, por isso, corremos o risco de não percebermos a
beleza e a profundidade da questão, que está além dos argumentos que
fundamentam e justificam um processo de formação e evolução civilizatória,
como é o caso específi co da educação. Durante o vôo, demonstramos a
importância de buscarmos os fundamentos históricos, políticos e culturais
para os desdobramentos do ato de educar, a serviço da boa formação do
indivíduo para o pleno exercício de sua cidadania. Ultrapassamos opiniões
do senso comum com as teorias oferecidas por Libâneo, como referência
para chegarmos a uma resposta à questão inicial. Entre os vários conceitos e
definições para a educação, a identificamos como constante reconstrução ou
reorganização da nossa experiência, visando a uma transformação direta da
qualidade da nossa experiência. É uma atividade cultural dirigida à formação
dos indivíduos, mediante a transmissão de bens culturais que se transformam
em forças internas no educando. Por fim, admitimos que o universo conceitual
do termo educação varia conforme o entendimento e a experiência em torno
dos processos de formação e desenvolvimento humano. Desse modo,
concluímos que uma resposta apressada oferecida pelo senso comum, na
qual admitimos saber o que é a educação, poderá constituir-se apenas como
uma ousadia imprecisa da nossa vã sabedoria.

20 Aula 1 Fundamentos da Educação


Autoavaliação
A partir da leitura e reflexão do texto que segue, retome sua definição de educação
(elaborada na primeira atividade) e veja o que você mudaria nela.

[...] a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência a
comunidade. [...] a educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu
destino exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma
vez que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida
humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela transformação
dos valores válidos para cada sociedade. (JAEGER, 1986, p.40).

Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1991.

GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 2001.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos para quê? São Paulo: Cortez, 2004.

Aula 1 Fundamentos da Educação 21


Anotações

22 Aula 1 Fundamentos da Educação


Missão e compromissos
da Educação

Aula

2
Apresentação

N
a aula anterior, tratamos de alguns aspectos introdutórios da disciplina Fundamentos
da Educação e, ao final de sua apresentação, dissemos que a formação docente se
completa quando o formando compreende o sistema no qual está inserido. Isso
justifica-se pela necessidade que tem qualquer profissional de conciliar teoria e prática ao
ingressar no universo de trabalho. Pois bem, nesta aula, tentaremos aprofundar as definições
e terminologias já apresentadas na aula anterior. Sendo assim, nos reportaremos à dinâmica de
organização e composição conceitual, em conformidade com os aspectos históricos, políticos,
econômicos, sociais e culturais que envolvem o processo educativo.

Certamente, não trataremos das bases conceituais com a profundidade que merecem,
visto que nossa disciplina, por ser apenas de caráter introdutório, não dispõe do espaço
necessário e suficiente para tal abordagem, a qual fica a cargo de disciplinas específicas.
No entanto, mesmo abordando apenas o necessário para entender a dinâmica do processo
educativo, focalizaremos aspectos interessantes e instigantes que perpassam todo o conteúdo
que envolve a base conceitual da Educação.

No âmbito da educação nacional, por exemplo, trataremos das questões teórico-


metodológicas, mas também das práticas ideológicas que acompanham suas aplicações
pautadas na idéia de universalização da educação e do ensino. Assim, conheceremos aspectos
relevantes das questões conceituais que fundamentam a educação, a partir de conceitos básicos
como o de promoção do homem, tratado na aula anterior.

Objetivos
Proporcionar o entendimento teórico da Educação
1 constituída em alicerces conceituais.

Compreender que a educação, enquanto processo e


2 produto, está além da simples visão mecânica do
aprendizado pautado apenas em métodos e técnicas.

Identificar a base conceitual da Educação, a partir


3 dos conteúdos gerados e organizados no processo
civilizatório, estruturado em torno da formação de
hábitos, atitudes e regras de boa convivência.

Aula 2 Fundamentos da Educação 25


Organizando e discutindo a
base teórico-conceitual
da Educação

Educar é mesmo promover o homem?


A educação abrange os processos educativos que se desenvolvem na convivência
humana, na vida familiar, no trabalho, nas instituições de ensino, de educação infantil, de
formação profissional, de pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil, no esporte, no lazer, nas manifestações culturais e no contato com os meios de
comunicação social. (BRASIL,1990, p.11).

A questão da promoção do homem é recorrente pelo fato da noção de elevação


humana impulsionar a organização e o desenvolvimento da Educação em todo o mundo. A
Legislação Educacional Brasileira é clara quando define e expressa os fins da educação. Ela é
apresentada como “[...] instrumento da sociedade, para a promoção do exercício da cidadania,
fundamentada nos ideais de igualdade, liberdade, solidariedade, democracia, justiça social e
felicidade humana, no trabalho como fonte de riqueza, dignidade e bem-estar universais.” Os
fins reservados à educação brasileira são os seguintes:

26 Aula 2 Fundamentos da Educação


I – O pleno desenvolvimento do ser humano e seu aperfeiçoamento;
II – a formação de cidadãos capazes de compreender criticamente a realidade social e a
consciência dos seus direitos e responsabilidades, desenvolvendo-lhes os valores éticos
e o aprendizado da participação;
III – o preparo do cidadão para a compreensão e o exercício do trabalho, mediante acesso
à cultura, ao conhecimento científico, tecnológico e artístico, e ao desporto;
IV – a produção e a difusão do saber e do conhecimento;
V – a valorização e a promoção da vida;
VI – a preparação do cidadão para a efetiva participação política;
VII – o fortalecimento da soberania do país, da unidade e soberania nacional e da
solidariedade internacional, pela construção de uma cidadania contrária à exploração,
opressão ou desrespeito ao homem, à natureza e ao patrimônio cultural da humanidade.
(BRASIL, 1990, p. 11).

Vemos, pois, que a Legislação Educacional Brasileira expressa um entendimento que não
é apenas nosso, mas, universal. Ela expressa o sentimento universal de valorização da vida e da
promoção humana. Essa perspectiva indica que nossa educação é melhor do que as outras?
A nossa Legislação Educacional reflete de fato os anseios do nosso povo? Calma! Calma! No
momento, só estamos demonstrando que a lei que rege nossa educação amplia os limites e
perspectivas de formação local e nacional para uma dimensão universal. Ou seja, estamos lhe
mostrando que a educação brasileira encontra-se pautada ou fundamentada numa visão universal
de homem, o que oferece uma perspectiva além da sua condição de indivíduo e cidadão.

Desse modo, as diretrizes que regem a educação brasileira incorporam uma perspectiva
ampliada de formação social e cultural, ao preocupar-se com o desenvolvimento das
capacidades físicas, mentais, intelectuais, morais, éticas e estéticas dos seres humanos, de
modo a lhes permitir viver dignamente, em todos os sentidos, sua existência. De outro modo,
a legislação brasileira de educação também define as perspectivas locais e institucionais ao
afirmar que “[...] a educação, direito fundamental dos cidadãos, é dever do estado e da família,
com a colaboração da sociedade” (BRASIL, 1990, p.12.).

No que diz respeito ao poder público, caberá:

I – assegurar a todos o direito à educação escolar, em igualdade de condições de acesso


e permanência pela oferta de ensino público e gratuito em todos os níveis, além de outras
prestações suplementares, quando e onde necessário. (BRASIL, 1990, p.12.)

Os princípios educativos, postos na legislação brasileira, reforçam o modelo e o caráter


da formação ao proporcionar uma cultura de padrões universais, para a qual devem ser
observados, independentemente de raça, cor, sexo, religião ou condição econômica e social,
como prevê a Constituição do Brasil. Nesse ponto, podemos nos interrogar como anda a
educação nacional e como esses princípios são postos em prática. O que é dito na legislação
reflete o que de fato é feito com a nossa educação? É possível e viável aplicar os fundamentos
da educação que estão na legislação? O que não dá certo na aplicação da legislação?

Aula 2 Fundamentos da Educação 27


Atividade 1
Antes de passar adiante, que tal testar seus conhecimentos em relação ao
entendimento de direitos e deveres constitucionais que fundamentam a educação
nacional? Para tanto, responda às questões seguintes.

Pesquise e liste documentos sobre a Legislação Educacional


1 Brasileira.

Teça comentários sobre a visão de educação contida nos documentos


2 pesquisados e listados, por você, no item anterior.

28 Aula 2 Fundamentos da Educação


Você deve ter percebido, pela leitura dos documentos sobre a nossa legislação e outras
leituras realizadas sobre a história da nossa educação, que não se consegue pôr em prática
as intenções expressas na legislação. Essa história revela que, até o momento, as decisões
envolvendo os princípios educacionais e suas respectivas aplicações estiveram concentradas
nos conflitos ideológicos, no jogo de interesses políticos, econômicos e financeiros, e deixaram
de lado, na maioria das vezes, as exigências e necessidades sociais e culturais, historicamente
constituídas, como parte do próprio processo civilizatório.

Surge, então, para todos nós a pergunta: o que podemos observar como direcionamento
futuro para a nossa prática educativa e de ensino, além do que a história nos oferece como
reflexão? Ao que nos parece, é visível a distância entre o que legislamos como compreensão,
explicação e justificativa e a realidade traduzida pelo conflito das relações e interesses, na qual
desejamos interferir. Por outro lado, essa dificuldade não é identificada apenas na Educação, mas,
é possível encontrar indicadores de tal distanciamento em todas as áreas de conhecimento. A
própria história do conhecimento revela-nos facetas das difíceis relações envolvendo o binômio
conhecimento e poder, o qual atrai interesses para a não aplicação do modo mais correto e justo
do conteúdo das legislações.

Na educação, especificamente a brasileira, parece que a questão envolvendo saber e poder


fica mais evidente. Talvez pelos elementos ideológicos implícitos no processo educativo, os quais
de uma forma ou outra influenciam os instrumentos formadores de opinião. Por outro lado, a
questão da educação não concentra sua força apenas em um dos pólos, o do conhecimento
ou o do poder, mas, na própria relação entre os dois pólos, identificada nos processos de
aprendizagem. Aparentemente, os processos educativos destacam-se como um lócus (local)
fértil e viável para inseminação e germinação, tanto de células de boa formação quanto de células
de má formação.

No caso, a questão saber e poder, na educação, em que essa relação demonstre o predomínio
do poder frente ao saber, o resultado poderá ser a origem de um vírus ideologicamente forte e de
caráter quase indestrutível, diluído por todo o corpo administrativo e executivo, infectando todos
os processos educativos por onde passa, a partir do acesso aos pacotes e práticas educativas
impostas como políticas e ações dirigidas à educação. Parte dos resultados dessa infecção
virulenta poderá ser vista em estudos e pesquisas que identificam e ressaltam o quanto a elite
nacional tem dificuldades em compreender o acesso à educação como um direito de todos.

Encontramos indicações de que no passado e ainda hoje a educação é praticada sob


inspiração e direção dos interesses estabelecidos pelas elites social e econômica. Nesse
sentido, é possível que o fato anteriormente citado, como resultado da relação saber e poder,
seja sistematicamente evidenciado nas práticas educativas do ensino no país. A exemplo disso,
é perceptível o direcionamento das políticas de ações e práticas educativas para a formação de
um movimento em torno do Ensino Fundamental.

Tais políticas e iniciativas em prol do nível básico de ensino poderão oferecer um


entendimento do grau de ingerência do poder no conhecimento a partir de uma leitura das
entrelinhas do conteúdo ideológico implícito nas políticas e ações dirigidas à educação.

Aula 2 Fundamentos da Educação 29


O resultado deverá nos oferecer uma dimensão interpretativa que vai além do espírito
solidário e do compromisso social com a boa formação do povo brasileiro para exercer
o pleno exercício da cidadania. A compreensão política e pedagógica deverá ir além de
medidas simples para forjar arranjos globais como alternativa e suporte para o segmento
marginalizado da sociedade que se concentra nos mais pobres da população.

A perspectiva que se forma em prol do Ensino Básico não é nova, remonta ao século
XIX. De lá para cá, foram criados e desenvolvidos muitos projetos e programas de suplência
educacional. Observamos que a partir dos anos trinta, a discussão sobre o acesso ao sistema
de ensino ganhou muito espaço entre os técnicos, que passaram a traduzir suas preocupações
em ações teóricas e práticas. Nos anos cinqüenta, foi implementada uma série de campanhas de
alfabetização, destinadas aos marginalizados do campo e das cidades. Para alguns estudiosos,
essa tendência à elitização do ensino decorre das nossas raízes, ou melhor, da herança recebida
dos colonizadores, mais especificamente, da influência das idéias de Educação elaboradas
Companhia de Jesus
pelos portugueses em sintonia com os ideais cristãos da Companhia de Jesus.
Congregação jesuítica
que chegou ao Brasil do Vemos, pois, ao longo do processo de institucionalização, as influências teóricas,
período Colonial com a metodológicas e ideológicas de diversas ordens, assim como pressões políticas nacionais e
finalidade de catequizar
internacionais no embate travado entre os defensores da universalização do ensino e os da
os índios e organizar os
processos de ensino- educação de classe. Essa discussão ainda se encontra presente na história recente do país.
aprendizagem. O plano de Se ampliarmos o leque de influências teórico-metodológicas, identificaremos concepções de
estudos foi denominado
educação orientadas por idéias de instrumentalização e de tecnização.
de Ratio Studiorum e
publicado em 1599, com
As descobertas técnicas e científicas são incorporadas aos processos produtivos a partir
a finalidade de unificar os
métodos e as atividades das exigências políticas, financeiras e econômicas da sociedade. Depois, como conseqüência
desenvolvidas na da lógica do desenvolvimento, são postas como necessidades para a educação, no sentido de
educação formal.
acompanhar as mudanças e os rumos propostos para a sociedade contemporânea.

Nesse sentido, podemos dizer que a educação brasileira se organiza, em termos conceituais,
em duas frentes de apoio: a primeira privilegia uma formação moral, com fundamentos de ética
e estética, ainda que sob a inspiração de princípios religiosos; a segunda privilegia aspectos
técnicos e instrumentais, por influência recebida do movimento do laissez-faire, significando
o saber fazer, o realizar tarefas, em função das novas organizações de redes e sistemas
operacionais que se interligam aos vários processos do trabalho na atualidade.

Em função das duas frentes de apoio apontadas, as mudanças na educação, no que


diz respeito à fundamentação, à conceituação e às novas definições sugeridas pela política
brasileira, são mais visíveis a partir da segunda metade do século XX. Tais mudanças são
decorrentes do contexto das transformações que ocorrem em todos os níveis de conhecimento
e desenvolvimento desse processo civilizatório, e que são implementadas principalmente pela
ciência e pela tecnologia, notadamente nas áreas da comunicação, da organização do trabalho
e da economia, com o nome de globalização.

Você deve lembrar que, na aula anterior, nós apresentamos e discutimos o movimento
das transformações políticas e econômicas, e suas várias tentativas de adequação às

30 Aula 2 Fundamentos da Educação


dimensões sociais e culturais através da educação. Agora, queremos chamar sua atenção para
o fato da concepção de promoção humana, incorporada à educação brasileira, ter sido projetada
em função das mudanças, internas e externas, que influenciaram os processos históricos de
organização dos indivíduos, no mundo moderno.

Neste momento, cabem algumas reflexões...

O que o contexto das transformações no chamado mundo moderno trouxe


de mudanças para a educação brasileira? Que tipo de promoção humana
desenvolveu-se na educação brasileira, a partir das transformações impulsionadas
pela ciência e tecnologia? Quais são, de fato, as principais bases conceituais que
apóiam o desenvolvimento humano, implementadas pela educação brasileira nas
configurações exigidas pelo mundo moderno?

Essas questões deverão servir como momento reflexivo, de modo a facilitar a ligação entre
os pontos principais do que até agora você leu e do que ainda vai ter. Portanto, fique ligado e
atento aos elementos importantes no movimento das transformações políticas e econômicas
que de alguma forma passam a influenciar mudanças nos processos educativos.

Ora, se de fato o foco principal da educação é com a promoção do homem, então,


deveremos, antes de tudo, identificá-lo e compreendê-lo como indivíduo pertencente a um
grupo social. Por outro lado, se queremos aprofundar os fundamentos da educação, uma
outra questão se põe: a do próprio sentido da expressão educar. Isso porque será a partir das
evidências que se mostrarem nas implicações do ato de educar que poderemos identificar, ou
não, os princípios que estimulam a promoção humana. Sendo assim, vemos como necessário
adentrar na complexidade das relações que os humanos estabelecem com o meio físico, social
e cultural, em tempo determinado.

Entendemos que ao aprofundar o ato de educar, na perspectiva das relações humanas,


estaremos identificando elementos que estão além de uma visão mecanicista, mercantilista
e utilitária que se pensa para a educação. Na realidade, aprofundar-se no desenvolvimento
humano na perspectiva que pretendemos, é caminhar para compreender uma questão pouco
conhecida e discutida por nós: a da herança recebida não só genética, mas também físico-
ambiental, simbólico-cultural, resultado de uma longa construção social.

Percebemos, pois, que em ducação as questões conceituais, aparentemente simples,


não estão “soltas”, isoladas de um contexto e de um conjunto maior de relações e implicações
políticas, econômicas, culturais e sociais. Assim, talvez não seja difícil perceber por que
nossa busca por identificação das bases conceituais que apóiam a concepção de promoção
humana, na educação, poderá se aproximar de uma investigação sobre o processo identitário
dos povos e nações.

Aula 2 Fundamentos da Educação 31


Encontramos em Saviani (1989) argumentos que reforçam o nosso ponto de vista,
anteriormente apresentado. Assim como nós, Saviani entende que a educação ganha força e
significado especial, ao “tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de
sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da
comunicação e colaboração entre os homens” (SAVIANI, 1989, p.41).

Desse modo, como conclusão parcial, deveremos ficar com a idéia de que a educação
brasileira, ao longo dos processos de organização, formação e consolidação, passou por
mudanças metodológicas e de operacionalização, mas conservou, ao nível do discurso, a
definição de bem público universal e de promoção do homem. É, exatamente, nesse nível que
reside o fundamento mais importante do processo educativo.

Atividade 2
Faremos agora uma breve parada para você exercitar seu potencial reflexivo e
investigativo, respondendo às questões a seguir.

O que você pensa sobre a perspectiva atual de promoção humana,


1 assumida pela Educação contemporânea?

Questione outras pessoas (família, amigos, professores) sobre a


2 questão anterior e teça comentários sobre as respostas obtidas.

32 Aula 2 Fundamentos da Educação


Avançando um pouco mais nas nossas discussões, podemos dizer que cada sociedade
credita à educação valores e crenças advindos das concepções religiosas, dos padrões
culturais, das concepções de mundo e das motivações políticas e econômicas. Desse
modo, em qualquer um desses casos, pelo menos no discurso de humanização e civilidade
que a sociedade percorre, as políticas públicas, embora reflitam tendências universais ou
globalizantes, são alicerçadas nos padrões sociais e, a partir deles, passam a refletir os estágios
de desenvolvimento da nação.

Ora, se tomarmos por pressupostos da fundamentação teórica e prática as informações


anteriores, então, deveremos perceber que nesse contexto cabe outro fator na composição
conceitual de educação: o grau de organização do povo para se adequar ao conjunto das
transformações que ocorrem no desenvolvimento das sociedades. Nesse caso, admitimos
que a formação dos indivíduos decorre tanto das suar histórias particulares, quanto do
conjunto social nos quais se organizam e se desenvolvem para construir e desconstruir suas
interpretações nos vários níveis das relações estabelecidas.

Tomaremos, pois, os pressupostos sugeridos como parâmetros em nossas investigações.


Por sua vez, é importante que fique claro que não podemos definir educação partindo de
relativismos. Assumiremos, portanto, que a organização dessa base conceitual é concebida
a partir de um conjunto de relações e implicações em que os fatores políticos, econômicos,
sociais e culturais cumprem importante papel.

Outrossim, no contexto de realização da organização da base conceitual torna-se importante


ter a clareza de que o ato de educar é patrimônio de cada povo e que cada um torna possível a
promoção humana ao seu modo, em conformidade com suas necessidades, mesmo que o país
esteja submetido a algum tratado, direcionamento ou intervenção internacional.

Dessa forma, transcorrida a fase investigativa sobre os fundamentos conceituais da


educação, especificamente a brasileira, focalizaremos nossa abordagem, desse momento em
diante, em torno de algumas implicações que ecoam com a tentativa de consolidar o estilo
elitista e classista, que atravessa a história da educação brasileira desde o tempo da colônia
até os dias atuais. Como evidência mais atual desse fato, destacaremos a discussão sobre a
inserção das chamadas minorias, ou marginalizados, do contexto da educação.

Na busca da compreensão acerca da visão elitista que se difundiu na educação brasileira,


veremos que, de modo geral, ela encontra-se impregnada nas políticas públicas de educação como
tendência colonizadora adotada pelos países desenvolvidos em relação aos países periféricos, no
sentido de orientá-los e, em alguns casos, guiá-los nas ações educacionais. Esse fato nos remete a
uma viagem de volta ao nosso passado colonial, no qual é possível identificar origens dessa visão,
no comportamento predominante das classes sociais que decidiam os rumos do país.

No contexto do Brasil colonial, a classe dominante entendia a educação como uma forma
de concentração de poder – idéia que não é de todo equivocada – e que, por isso mesmo,
fez com que a educação brasileira fosse, durante muito tempo, prioridade exclusiva dos que
detinham o poder. Nesse sentido, Romanelli chama nossa atenção para o fato de que

Aula 2 Fundamentos da Educação 33


[...] não é pois de se estranhar que na Colônia tenham vingado hábitos aristocráticos de
vida. No propósito de imitar o estilo da Metrópole, era natural que a camada dominante
procurasse copiar os hábitos da camada nobre portuguesa. E, assim, a sociedade
latifundiária e escravocrata acabou por ser também uma sociedade aristocrática. E para
isso contribuiu significativamente a obra educativa da Companhia de Jesus. (ROMANELLI,
1998, p. 33).

Vemos, pois, a partir do que nos diz a autora, que do período da colonização aos nossos
dias, o processo educacional brasileiro sofreu influências de diferentes ordens e segmentos
classistas, internos e externos. Entretanto, é possível perceber também que, concretamente,
em seu movimento evolutivo, a educação brasileira continuou sendo permeada pela luta que
separava as classes sociais, ficando assegurado às elites econômicas um ensino, se não de
qualidade, pelo menos coerente e eficiente com esse segmento.

De outro modo, para aprofundar ainda mais nossa abordagem, destacamos o movimento
que se projetou como caminho de combate a essa tendência elitista. Tal movimento surgiu a
partir de 1930, ressaltando a importância de discutir o tema da universalização do ensino. Ora,
por essa via discursiva, o interesse maior manifestado era o de evidenciar a contradição que
se apresentava entre os encaminhamentos locais e a tendência mundial de democratização do
ensino, sobretudo, aquelas inspiradas na reforma francesa, que se encontravam alicerçadas
na igualdade dos direitos.

Dessa maneira, ao identificarmos as bases conceituais da educação a encontramos


também ancorada em pilares construídos sobre as bases da política e da economia que a
tornam a cada dia um bem especial, embora continue sendo oferecida de maneira privilegiada
à classe social economicamente bem sucedida. Por isso, ela ainda hoje é valorizada como
instrumento elitista de formação cultural. Tal fato, que em parte traduz a linha e o perfil do
desenvolvimento da educação brasileira, carrega em si conseqüências imprevisíveis em função
do que é negado a outra classe social, pois se trata de um processo histórico de exclusão da
maioria da população.

Para compreender melhor a complexidade da definição de educação enraizada na formação


social e cultural brasileira, reportamo-nos novamente a Otaíza Romanelli, quando diz que:

[...] A instrução em si não representava grande coisa na construção da sociedade


nascente. As atividades de produção não exigiam preparo, quer do ponto de vista de sua
administração, quer do ponto de vista da mão-de-obra. O ensino, assim, foi conservado
à margem, sem utilidade prática visível para uma economia fundada na agricultura
rudimentar e no trabalho escravo. Podia, portanto, servir tão-somente à ilustração de
alguns espíritos ociosos que, sem serem diretamente destinados à administração da
unidade produtiva, embora sustentados por ela, podiam dar-se ao luxo de se cultivarem.
Evidentemente, a esse tipo de desocupados sociais, cujo destino não estava associado
a uma atividade manual - então reservada aos cativos e, portanto, estigmatizada – ou
mesmo profissional definida, só podia interessar uma educação cujo objetivo precípuo
fosse cultivar “as coisas do espírito”, isto é, uma educação literária, humanista, capaz
de dar brilho à inteligência. Esse tipo de indivíduo convinha bem à educação jesuítica,
“porque não perturbava a estrutura vigente, subordinava-se aos imperativos do meio
social, marchava paralelamente a ele. Sua marginalidade era a essência de que vivia e se
alimentava” (ROMANELLI, 1998, p. 34).

34 Aula 2 Fundamentos da Educação


Neste momento de nosso estudo, queremos chamar sua atenção para o fato de que
logo depois da expulsão dos jesuítas, a educação brasileira foi consolidada e difundida como
formação de classe, e como meio pelo qual as elites conseguiam distinção. Foi assim na
Colônia, no Império, e na República. Mas, recentemente, algumas teses a colocam como meio
de reprodução de classes. Destacamos entre essas teses, o estudo sobre a reprodução de
Bourdieu e Jean Claude Passeron. Da sua origem, dos valores impressos pela cultura jesuíta,
a educação brasileira conservou a herança de uma formação confessional, que até hoje é
praticada no país por ordens religiosas.

De outra forma, identificamos as bases conceituais da formação laica, desenvolvida


em escolas públicas sob a responsabilidade do poder público. Nesse sentido, é importante
destacar que a luta pela hegemonia e pelo direcionamento da política educacional deu-se
até meados dos anos oitenta, como combate teórico-metodológico entre os defensores da
educação confessional e laica. A primeira, praticada em estabelecimentos privados, voltada
para atender os interesses e necessidades das famílias mais abastadas da estrutura social. A
segunda, mais praticada pelos estabelecimentos públicos, gratuitos, destinados às camadas
menos favorecidas, social e economicamente.

Daí, Otaíza Romanelli, dizer que

[...] A constituição de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou


também a descentralização do ensino, ou melhor, a dualidade de sistemas, já que, pelo
seu artigo 35, item 3ª e 4ª, ela reservou à União, o direito de “criar instituições de ensino
superior e secundário nos Estados “e “prover a instrução secundária no Distrito Federal”,
o que, conseqüentemente, delegava aos Estados competência para prover e legislar sobre
educação primária. (ROMANELLI, 1998, p. 41).

Como vemos, das origens até os dias atuais, a questão do acesso ao sistema de
educação e ensino formal no Brasil é emblemática. Por volta dos anos noventa, essa questão
foi superficialmente resolvida com a privatização do ensino em todos os níveis. Veja que essa
perspectiva da privatização nos conduz à questão proposta no início desta aula, lembra? Foi
a discussão que articulamos sobre a questão da promoção humana. Pois bem, recolocada
essa questão, nos perguntamos: como fica então a promoção social dos indivíduos que, ao
nascer do lado dos menos favorecidos economicamente, foram, e continuam a ser, impedidos
de terem acesso à escola?

O reflexo da questão anterior aparece na atualidade entrelaçada a, pelo menos, dois


fatores. Um deles decorre do fato de o sistema público de ensino, hoje, receber um número
maior de pessoas em relação ao sistema privado de ensino, mas, continuar precário em
suas estruturas físicas e humanas. O outro pode ser identificado no fato de o ensino
privado ter sua maior clientela oriunda da classe média da sociedade. Essas duas vias
de formação indicam que o acesso à educação continua, ainda hoje, condicionado às
condições financeiras da população.

Portanto, à luz dos acontecimentos históricos, políticos e socioculturais, veremos


que a partir dos anos vinte, mais precisamente em 1932, ocorreu o primeiro grande

Aula 2 Fundamentos da Educação 35


movimento em defesa da reconstrução da educação pública no Brasil. Esse movimento
embrionariamente permitiu mais tarde a discussão da educação popular no Brasil.

Estamos falando do chamado Movimento dos Pioneiros, liderado pelo educador mineiro
Fernando de Azevedo, o qual formalizou um documento assinado por 26 educadores de
Movimento dos
Pioneiros diferentes regiões do país. O teor do documento indicava o surgimento de uma nova postura
frente à educação nacional, qual seja: a educação é um bem público e, sendo assim, constitui
Movimento constituído
em sua maioria por direito de todos. Nessa perspectiva, Janiel Cury afirma em texto escrito para a abertura da
intelectuais que, nos anos II Conferência Brasileira de Educação, realizada em Minas Gerais, em junho de 1982, evento
20, propuseram várias
comemorativo dos cinqüenta anos do Manifesto dos Pioneiros:
reformas educacionais e,
em 1932, publicaram o
[...] Creio não podermos rememorar 1930, 1931, 1932 [...] cabe-nos rememorar uma
Manifesto dos Pioneiros
postura que 26 corajosos educadores assumiram de se expor e dizer às claras que, no
da Educação Nova,
apontando novas bases final de contas, bem ou mal, a coisa pública, enquanto escola pública, era uma tarefa
de reformulações para as político-pedagógica que, sem práxis, não seria construída. (CURY, 1988, p. 6).
políticas educacionais.
Queremos destacar neste momento, que ficam evidenciadas as bases conceituais na
configuração das concepções de educação como bem público e como promoção humana.
A essas duas concepções são incorporadas as responsabilidades do Estado, evidenciando a
perspectiva de promoção humana, sobretudo, no que diz respeito ao acesso da população que
não tem como prover o seu ingresso ao sistema formal de ensino e educação.

Ao referir-se à práxis educativa, Cury (1988) destacou a responsabilidade dos


professores para alterar os padrões de ensino, principalmente, no que diz respeito à
autonomia e à tomada de decisão para mudar os rumos nacionais. Seguindo essa mesma
orientação, destacamos também o papel da sociedade civil, tomando para si a tarefa de
pressionar o poder público no cumprimento das responsabilidades de prover o ensino
nacional. Com isso, reforçamos a compreensão de educação como um ato político, em
que instituições, governos e população devem trabalhar em conjunto, em prol da causa
maior: o bem comum.

Nesse sentido, lembramos que nos profícuos anos 30 surgiu no Brasil um sentimento
de que algo deveria ser feito em prol da educação nacional, notadamente em relação à
alfabetização de adultos. Tal sentimento revela a face da população que historicamente
ficou fora do sistema formal de ensino, entregue a sua própria sorte numa época em que a
educação era meio de ascensão social e a escola cumpria esse papel.

Todo esse contexto foi o ambiente favorável para o desencadeamento da reviravolta


econômica e política que ocorreu nos anos trinta e quarenta. Destacamos como forças
políticas atuantes nesse período a mobilização das ligas camponesas e o avanço do projeto
de industrialização nos anos cinqüenta. Esses dois fatores foram importantes para fazer avançar
as discussões em torno da elitização (privatização) do ensino e o seu oposto, a democratização.

36 Aula 2 Fundamentos da Educação


As discussões se estenderam por todo o resto do século XX com as propostas
de reformas educacionais e a própria morosidade do Estado em operacionalizá-las. As
discussões visavam sobremaneira reforçar uma concepção que permitisse os segmentos
sociais marginalizados ingressarem no sistema formal de ensino. Assim, a sociedade civil
organizada assumiu as bandeiras de luta dos trabalhadores no campo e dos operários na
cidade em prol de uma educação, não só gratuita, mas também de qualidade. Surgiu, com
isso, um novo conceito de educação – a educação popular. Educação popular

Denominação utilizada
Antes de passarmos a discutir essa nova dimensão educativa, deveremos compreender para caracterizar os
o que se entende por “popular” no Brasil. Do ponto de vista erudito, esse termo é utilizado processos educativos que
quando se faz referência ao povo, quando se quer designar uma ação ou um movimento se preocupavam mais
enfaticamente, em termos
realizado pela massa. Portanto, não existe consenso para essa terminologia. de métodos e conteúdos,
com a classe trabalhadora
Entre as muitas definições, reportamo-nos ao conceito estudado por Brandão (1994) em e os menos favorecidos.
seu livro Lutar com a palavra, no qual ele analisa as questões da educação popular no Brasil.
Vejamos o que diz o autor sobre a concepção de educação popular:

[...] o povo são os povos: índios, negros, caipiras. Não são nomes próprios, a não ser
por acidente. A não ser quando um ou outro faz alguma coisa notável contra o senhor
branco [...] Mas a cultura dos livros é a do povo. Nominada, quando consegue ser
a de um aleijadinho (em geral os pobres têm apelidos) ou anônima, quando é a dos
mulatos que fizeram o que existe por debaixo da música erudita do Barroco Mineiro.
Ela é principalmente a “cultura brasileira” dos “tipos” de gentes que a cultura livresca
tipificou: bahiana, jangadeiros, cantadores de cordel, gaúchos, caipiras e tantos outros.
Uma vaga cultura de “tipos” que são geralmente folclorizados (gaúchos, bahiana) ou
gentes raciais (o branco, o negro o índio). Raros são povos (grupos tribais, nominados
através de suas tribos e nações com a indicação das diferenças culturais) e, menos ainda,
classes populares. (BRANDÃO, 1994, p. 68).

Como se pode ver, o conceito de educação popular absorveu a condição excludente


imposta pelas elites e sua posição de população marginalizada socialmente. A conseqüência
mais grave foi o não reconhecimento oficial até o final do século passado. À margem do
Estado e do formalismo que tomou conta do ensino elitista, praticado até então, essa
dimensão educativa popular já nasceu com o estigma de segunda categoria, em função da
classe a que se destinava.

A partir da segunda metade dos anos cinqüenta, a questão tomou fôlego e alguns
programas de educação popular foram desenvolvidos. Alguns deles se impuseram como
alternativa de ensino para os marginalizados do sistema. Esses programas serviram também
para provocar o debate sobre a estrutura formal no seio da estrutura social. Por fim, queremos
destacar que esses movimentos acabaram vinculando a Educação à ótica do movimento político
nacional – desenvolvimentista, sem perder, contudo, o vínculo com o ideário religioso dos
movimentos de base, desenvolvidos sob a responsabilidade da Igreja Católica.

Aula 2 Fundamentos da Educação 37


Leituras Complementares
SAVIANI, Dermeval. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.

Nesta obra, o autor reúne uma série de textos que mostram os fundamentos da Educação,
seguindo orientações que visam aprofundar questões inerentes à prática educativa na
perspectiva de sair do senso comum, para uma concepção filosófica.

CURY, Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1988.

O autor discute de modo simples e bem fundamentado conflitos ideológicos na cultura


brasileira que configuraram a emergência da sociedade urbano-industrial.

Resumo
A concepção de promoção do homem, na Educação, é recorrente da noção de
elevação humana. Na história da educação brasileira, encontramos indicadores
de uma prática educativa desenvolvida sob a inspiração e direção dos interesses
estabelecidos pelas elites social e econômica. Na investigação que fizemos
acerca das bases conceituais da educação brasileira, ficou clara a influência
que recebemos dos colonizadores, em específico dos valores portugueses
incorporados aos ideais cristãos difundidos pelos Jesuítas. Nesse contexto,
destacamos o embate entre os defensores da universalização do ensino e os da
educação de classe. A partir de 1932, ocorreu o primeiro grande movimento em
defesa da reconstrução da educação pública no Brasil.

38 Aula 2 Fundamentos da Educação


Autoavaliação
Agora que você conhece os fundamentos da Educação e, em específico, a
educação popular, sugerimos que faça uma reflexão sobre a presença (formas
de manifestação artísticas, culturais, educativas etc.) da educação popular em
sua cidade e região, e faça um breve comentário descrevendo o que mais lhe
chama a atenção nesse modelo de formação.

Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Lutar com a palavra. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação. Brasília:


MEC, 1990.

CURY, Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1988.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

SAVIANI, Dermeval. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.

Aula 2 Fundamentos da Educação 39


Anotações

40 Aula 2 Fundamentos da Educação


Modelos teóricos e
metodológicos para a Educação

Aula

3
Apresentação

N
esta aula, veremos como o desenvolvimento do país e as transformações pelas quais
passaram a política e a economia a partir dos anos cinqüenta provocaram modificações
na concepção e nos objetivos da Educação, que durante quatro séculos permaneceu
praticamente sem mudanças estruturais. Somente na segunda metade do século XX, observou-
se o aparecimento de movimentos políticos organizados em defesa da crescente demanda
por acesso ao ensino gratuito e de qualidade. Movimentos legítimos em razão dos níveis
de crescimento do país e as mudanças na base produtiva, notadamente a transformação da
produção agrícola, predominante até os anos sessenta, em produção industrial, a qual se
consolida como força produtiva a partir dos anos setenta no Brasil.

Objetivos
Compreender as políticas de desenvolvimento que
1 influenciaram e ainda hoje influenciam a educação
nacional, quebrando resistências e conservadorismo em
nome do progresso econômico e social.

Identificar as metas e as ações implícitas nas


2 transformações políticas e econômicas que interferiram
nos processos educativos, apontando alternativas e
caminhos pelos quais deve passar a educação para
responder às demandas sociais.

Aula 3 Fundamentos da Educação 43


Pressupostos teóricos e práticos
para as ações educativas

C
aro aluno, assim como muitos acreditam no poder das preces para vencer ou encontrar
clareza no que dizer ou fazer para alcançar determinado objetivo, nós acreditamos que
a indagação, quando bem articulada, pode ser um caminho viável para projetar não
apenas nossas dúvidas, mas, fundamentalmente, para criar um vínculo investigativo entre o
que acreditamos saber e o que de fato desejamos conhecer.

Sendo guiado por essa perspectiva, queremos lhe estimular a fazer uma ou várias ações
reflexivas sobre os saberes já organizados até o momento, a fim de encontrar, ou não, uma
relação entre o que se entende por educação e política. Nesse sentido, iniciaremos nossas
discussões com uma pequena atividade reflexiva.

44 Aula 3 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Reflita sobre os conceitos de educação e política, em seguida, escreva uma
explicação clara e convincente para a possível relação existente entre esses dois
conceitos. Utilize como parâmetro interpretativo a leitura desta aula.

Veremos, nesta aula, que não importa a opinião que se tenha sobre a vinculação da
política com a educação; as duas, enquanto instituições de instâncias deliberativas na sociedade
civil, são autônomas. Mas, na dinâmica dos processos organizacionais da economia, da
sociedade, da educação e até mesmo da cultura, elas se entrelaçam e, em alguns casos, são
Movimento dos
interdependentes. Como isso é possível? É o que veremos a partir de agora.
Pioneiros
Começaremos, portanto, por reforçar a tese já apresentada em aulas anteriores, nas quais Movimento constituído
defendemos que para compreender os fundamentos da Educação, especificamente a brasileira, em sua maioria por
intelectuais que, nos anos
torna-se necessário nos debruçar sobre os acontecimentos históricos, políticos, sociais e
20, propuseram várias
culturais que influenciaram e continuam a influenciar direta ou indiretamente o processo reformas educacionais e,
educativo e de ensino. Sendo assim, confrontaremos, nesta aula, nossos julgamentos sobre em 1932, publicaram o
Manifesto dos Pioneiros
a questão com a dinâmica das relações que são estabelecidas entre a educação e a política.
da Educação Nova,
apontando novas bases
Tomaremos como ponto de partida o contexto e o conteúdo do chamado Movimento
de reformulações para as
dos Pioneiros, ocorrido em 1932, para continuar a caminhada investigativa pelas trilhas políticas educacionais.
que fundamentam a educação. Lembramos também que já citamos tal movimento em aulas
anteriores. Em seguida, veremos como as idéias de gratuidade e universalização do ensino

Aula 3 Fundamentos da Educação 45


se ampliam e, a partir dos anos cinqüenta, tomaram corpo em
ações efetivas de campanhas de alfabetização e de mobilização
popular.

Na contextualização dos fatores que se misturam na


ampliação dos conceitos de gratuidade e universalização,
ressaltamos que a educação foi inserida no pacote dos projetos
de desenvolvimento como parte das discussões em torno das
questões da industrialização brasileira, na segunda metade dos
anos cinqüenta. Na mesma discussão, não podemos esquecer
de inserir as implicações resultantes do crescente processo
migratório ocorrido com o deslocamento do homem do campo
para as emergentes cidades, sobretudo no centro-sul do país, e
a concentração destes nos centros urbanos.

Observa-se que no âmbito da política, no campo ou na


cidade, há um crescente movimento em defesa da reconstrução
nacional. Contexto no qual ressurgirá a discussão em torno
da educação, sobretudo nas regiões mais pobres do país. A
discussão sobre os novos rumos para a educação é explicada
pela maioria dos historiadores como sendo resultado da evolução
econômica na perspectiva da internacionalização da economia
e das transformações técnicas e tecnológicas do processo
produtivo.

Nesse sentido, Cruz (1990), referindo-se aos anos


cinqüenta, destaca a determinação do presidente Juscelino
Kubistchek em tornar o Brasil uma grande nação, reconhecida
internacionalmente. A autora complementa seu pensamento
dizendo:

[...] Acreditava o Governo que somente o desenvolvimento


praticado em bases associadas ou dependentes
tiraria o país da condição de subdesenvolvimento e o
projetaria mundialmente como uma grande potência. É
interessante chamar a atenção para o fato de que, na
mesma proporção em que o governo avança na defesa
desse projeto, avança também o movimento de oposição,
em defesa do desenvolvimento econômico em bases
nacionalistas. (CRUZ, 1990, p.16).

Na discussão anterior, percebemos que a política norteia os


embates políticos na década de 1960, em defesa do nacionalismo
e dos valores morais, de tradição familiar e cristã. Vê-se, pois, que
a mobilização popular observada a partir de então vai tornar-se o
centro dos debates políticos e sociais, desafiando as instituições

46 Aula 3 Fundamentos da Educação


tradicionais a saírem do lugar comum para promover as mudanças requeridas por grupos ou
instituições ligadas aos movimentos populares.

Acerca desse momento político, alguns estudos, como os de Luis Antônio Cunha
(1985), Jamil Cury (1982), Willington Germano (1992), Moacir de Góis (1980), Carlos
Rodrigues Brandão (1982), dentre outros, dão conta da mobilização e da organização das
massas nos movimentos populares. A respeito da crescente participação popular, Otaíza
Romanelli diz que:

[...] é no século XX que o povo brasileiro aparece como categoria política fundamental.
Em particular, é depois da primeira Guerra Mundial – e em escala crescente a seguir
– que os setores médios e proletários urbanos e rurais começam a contar mais
abertamente como categoria política. Por isso, pode verificar-se que a “revolução
brasileira”, em curso neste século, é um processo que compreende a luta por uma
participação cada vez maior da população nacional no debate e nas decisões políticas
e econômicas. (ROMANELLI,1998, p. 55).

Lembra-se daquela dimensão conceitual que destacamos nas aulas anteriores, aquela
que projetava a educação como bem público e direito de todos? Pois bem, queremos que
você entenda que os movimentos populares, de dimensões político-sociais, fizeram fortalecer
as tendências que defendiam tal postura para a educação nacional. Por sua vez, aqui, faz-se
necessário analisar a questão do ponto de vista da intervenção do capitalismo internacional
na economia nacional, numa perspectiva de inovação.

Ora, o impacto do processo inovador na sociedade, na cultura e na educação acentuou-


se a partir do final dos anos cinqüenta, dado o fato do ideário liberal ter atrelado o progresso
e o desenvolvimento econômico à elevação da escolaridade da população e dos padrões de
educação da sociedade. Surgiu, então, o embrião do que vem a ser chamado mais adiante de
políticas de desenvolvimento humano.

A esse respeito, Cruz (1990, p.11), diz que:

[...] O setor educacional absorve muito rapidamente esse ideário inovador, pelo fato de
lhe atribuírem a responsabilidade pelo atraso técnico e científico, provado pelos altos
índices de mão-de-obra desqualificada, analfabeta, e pelo precário quadro de docentes
que compunha o sistema educacional do país, notadamente no nordeste brasileiro.

Como se pode ver, o clima político-econômico favorecia a discussão em torno da educação


nacional em bases mais democráticas. A justificativa pauta-se no fato do contexto exigir novas
bases de formação, o que reforça a idéia da educação constituir uma necessidade para o avanço
do capitalismo no país. Acerca da questão e corroborando o pensamento anterior de Romanelli
(1998), Cruz (1990, p.11) afirma:

[...] A luta política e o clima de democracia vivido na época permitiram o crescimento


desses movimentos e campanhas [...]. Portanto, a contraposição ao projeto de inovação e
modernização na economia, na sociedade e na educação nacional não se deu na sua totalidade,
pois havia entre as forças antagônicas, pontos comuns, sobretudo no entendimento da
elevação dos níveis de escolaridade e educação da população brasileira.

Aula 3 Fundamentos da Educação 47


O clima destacado pela autora demonstra que a dimensão popular da educação foi
fortalecida pelas campanhas e movimentos. A dimensão política e o caráter educativo estiveram
apoiados em grupos e partidos da esquerda, assim como a sua destinação para as massas.
Nesse sentido, podemos dizer que ações educativas, de caráter popular, passaram a ser vistas
como uma modalidade de educação diferenciada, praticada à margem das políticas do Estado,
portanto, como educação informal.

Por sua vez, o fato de não ser apoiada pelas políticas do Estado colocava a educação popular
na condição de marginalização. Portanto, uma primeira conclusão a que deveremos chegar é
a de que a educação popular já nasceu como um tipo de educação de segunda categoria. Por
outro lado, se você pensa que a polêmica acerca da educação popular se encerra aí, engana-se.
Pois, mesmo a terminologia “popular” que se encontra agregada ao termo educação e cultura,
segundo Marilena Chauí (1994, p.10), é “de difícil definição”, diz ela:

[...] Seria a cultura popular do povo ou a cultura para o povo? A dificuldade, porém, é maior
se nos lembrarmos de que os produtores dessa cultura, as chamadas classes “populares”,
não a designam com o objetivo “popular”, designação empregada por membros de outras
classes sociais para definir as manifestações culturais das classes ditas “subalternas”. Assim
trata-se de saber quem, na sociedade, designa uma parte da população como “povo” e de
que critérios lança mão para determinar o que é e o que não é “popular”.

Desse modo, fica evidente que a discussão em torno da educação dita popular comporta
uma possível distinção de classe. O contexto dessa discussão traz à tona a contradição reinante
na estrutura. Vejamos que elementos Marilena Chauí nos oferece sobre tal contradição, a fim
de melhor compreendermos o processo e o produto da educação no Brasil.

[...] No Brasil, fala-se, por exemplo, em música popular para designar todo o campo
musical que escapa da chamada música erudita, mas nem sempre compositores e
ouvintes pertencem às chamadas “camadas subalternas” e sim à classe média urbana
[...] Enfim, do ponto de vista oficial ou estatal, “popular” costuma designar o regional,
o tradicional e o folclore. [...] Numa perspectiva que considere primordialmente os
produtores e seu público, guiando-se pelas idéias de regional, tradicional e típico,
seriam populares a Marujada, a Congada, a Ciranda, o Bumba-meu-Boi. Todavia,
resta saber o principal: por que regional, tradicional e típico designaria o popular?
(CHAUÍ,1994, p. 10).

Ao nosso ver, o que estamos caracterizando como educação popular pode ser
compreendido como designação – ainda que preconceituosa e desqualificante – das
manifestações e expressões legítimas do povo, da massa, do cidadão comum, visto que a
autora finaliza colocando os elementos fundamentais para a compreensão do termo e dos
movimentos oriundos da população. Nesse sentido, Marilena Chauí (1994, p.10) afirma:

[...] A discussão do problema poderá ser facilitada se fizermos breve retrospecto da


emergência da expressão Cultura popular. Antes, porém, é conveniente recordarmos o
surgimento da concepção moderna de cultura e seus laços com duas outras, Civilização
e História.

48 Aula 3 Fundamentos da Educação


Diante das evidências da contradição, Cruz (1990) nos diz
que a saída do Governo foi lançar mão de recursos ideológicos
de convencimento à nação, o que, numa certa medida, contribui
para a mistificação da vinculação entre interesses econômicos e
direcionamento político das massas, para expansão do mercado
e modernização administrativa do setor público e privado e para
a sociedade em geral.

A despeito da polêmica em torno da expressão cultura


popular, vê-se que alguns programas de educação foram
desenvolvidos e se impuseram como alternativa de ensino
e educação para as massas populares. Nesse contexto, o
movimento de cultura e educação popular, impulsionado a partir
dos anos cinqüenta, permitiu que o segmento marginalizado da
sociedade adentrasse no sistema de ensino, ao mesmo tempo
em que a discussão em torno da estrutura formal de ensino
permitiu que a sociedade se engajasse na luta pela mudança da
concepção da educação nacional, até então dominada apenas
pela concepção elitista.

Aos poucos, os movimentos de cultura e educação


passaram a ser referência no quadro da discussão do
nacionalismo-desenvolvimentista, discussão que permeou as
décadas de cinqüenta e sessenta. A esse respeito, encontramos
influências e conseqüências dessa discussão para a educação
popular no estudo de Vanilda Paiva (1980). Sobretudo, no
pensamento do teórico do método de alfabetização de adultos,
Paulo Freire.

Paiva fez referência ao pensamento de Roland Corbusier,


mostrando que esse autor, desde os anos quarenta, defendia
teses acerca das questões, principalmente, aquelas de cunho
autoritário, nas perspectivas políticas, institucionais e morais.
Para a autora, tais teses foram determinantes na formação de
um pensamento sobre o nacionalismo. Ainda segundo a autora,
Corbusier deixou clara sua preocupação predominantemente
política com o “destino da Nação” que se mostrava no caminho
autoritário (PAIVA,1980, p. 45).

Agora, é possível compreender como ocorreram as


inspirações para o fortalecimento dos movimentos populares
e das campanhas de alfabetização a partir dos anos cinqüenta.
Ora, a explicação é encontrada no desenvolvimento dos próprios
movimentos e das campanhas. Elas foram desenvolvidas sem

Aula 3 Fundamentos da Educação 49


perder a vinculação com o ideário religioso da ação católica e da educação de base, ambas já
em desenvolvimento sob a responsabilidade da igreja.

Para esclarecer ainda mais a questão, Paiva fez referência aos escritos de Corbusier,
datados de 1952, nos quais o autor expressou suas preocupações com questões ligadas
à pedagogia. Disse Corbusier: “Se a sociedade nos educa, a pedagogia se identifica, sem
a política, com a missão da comunidade de formar os ‘homens de acordo com os ideais e
valores da cultura de que é portadora’” (CORBUSIER, 1952 apud PAIVA, 1980, p. 45). A autora
complementa o entendimento do que foi exposto, dizendo que:

[...] Ora, por um lado a fragmentação do mundo moderno destruiria a eficácia da pedagogia
e, por outro, a democracia liberal permitiria substituir a pedagogia pela propaganda: o
resultado era a massificação característica do mundo contemporâneo, o mundo da técnica
e dos meios de comunicação de massa. Em tal mundo, em que assistíamos à “rebeldia das
massas”, a organização pedagógica se via prejudicada pela “crise de confiança nas crenças
e valores sobre os quais nos assentamos”. (PAIVA, 1980, p. 47).

Nesse contexto, a arquidiocese de Natal apareceu como pioneira nos movimentos de


ação católica (AC), atuando em vários setores da sociedade civil no Rio Grande do Norte.
Destacamos entre esses movimentos aqueles ligados à Juventude Operária Católica (JOC) e
à Juventude Estudantil Católica (JEC) (em nível de segundo grau) e à Juventude Universitária
Católica (JUC) (em nível universitário).

Esses movimentos formaram uma geração de jovens capazes de engajar-se nos


movimentos de mobilização de base, de cultura e de educação popular, nos anos sessenta,
notadamente o Movimento de Educação de Base (MEB) desenvolvido pela Arquidiocese de
Natal e o Método de Alfabetização de Adultos, desenvolvido pelo educador Paulo Freire. Esse
projeto foi originariamente desenvolvido em Recife – PE e mais tarde em outros estados do
Nordeste, inclusive na cidade de Angicos, no RN.

No início dos anos sessenta, a onda nacionalista que advinha dos movimentos populares
contra as investidas do capital internacional na economia nacional, fez eclodir vários movimentos
de mobilização popular, dentre os quais se destacam os círculos de cultura popular da UNE
(União Nacional de Estudantes). Esse movimento influenciou outras iniciativas de educação,
como a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, sob a responsabilidade do
governo de Djalma Maranhão, na prefeitura do Natal, e o Movimento Nacional pela erradicação
do analfabetismo.

Por fim, é interessante ressaltar que a importância das experiências populares não
se encontra apenas na sua abrangência (nas massas populares), mas no fato delas terem
desenvolvido metodologias de educação e ensino diferenciadas do tradicionalismo academicista
que se pauta no que Paulo Freire chamou de “educação bancária”. A expressão assumiu o
sentido de depósito de informações, pois não havia contextualização dialógica do conteúdo,
o que permitiria a aproximação da compreensão da realidade, principalmente, da classe dos
menos favorecidos. No período pós 64, o conceito de educação no Brasil passou por diversas
transformações até assumir a conotação desenvolvimentista.

50 Aula 3 Fundamentos da Educação


Nessa perspectiva, o nacionalismo passou a ser funcional, no sentido de fazer avançar
as forças produtivas para consolidar o emergente mercado econômico nacional. E o ideário
socioeducacional brasileiro passou a incorporar, de fato e de direito, os direcionamentos
firmados nos convênios de cooperação internacional para o desenvolvimento do país.

Para fechar a abordagem desta aula, queremos concluir com os mesmos indicadores com
que iniciamos. Ou seja, oferecendo-lhe um espaço para indagações e reflexões a fim de que melhor
compreenda os intricados caminhos que compõem o universo dinâmico da educação.

Atividade 2

Aproveite seu entusiasmo pela discussão da educação e da política


1 e comente sua compreensão sobre a importância da política na
educação popular.

Pelo visto, você já reconhece tanto a influência política na educação,


2 interferindo diretamente nas dimensões valorativas que deverão ser
desenvolvidas pelas ações educativas, quanto o próprio papel político
da educação na formação cultural e social dos indivíduos para o
pleno exercício de sua cidadania. Portanto, nada mais justo que você
expressar o modelo de “teórico da educação” que imagina como ideal
para a formação das nossas crianças e jovens. Disserte, então, sobre
o tema a seguir.

A importância política da Educação na formação política do cidadão

Aula 3 Fundamentos da Educação 51


52 Aula 3 Fundamentos da Educação
Leituras Complementares
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.

Nesta obra, o autor parte do pressuposto de que “ninguém escapa da educação”,


para tratar de modo simples e direto questões fundamentais e pertinentes aos processos
históricos da educação.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Saber e ensinar: três estudos de educação popular. Campinas:
Papirus, 1994.

Este livro reúne três estudos de Brandão sobre a educação popular na América Latina
e, em especial, no Brasil. O autor aborda questões ainda hoje pertinentes para quem deseja
conhecer mais sobre a história da educação.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

Paulo Freire expressa suas idéias na forma de proposição lógica, dialógica e metodológica
para falar sobre o papel do educador e da perspectiva da educação para a classe menos
favorecida. Nesta obra, o autor demonstra que o pensar e o ensinar deverão ser trabalhados
a partir das vivências e relações oferecidas pela realidade. Nesse sentido, ensinar se identifica
com tomada de consciência, por quem ensina e por quem aprende.

Resumo
No âmbito da política, seja no campo ou na cidade, houve um crescente
movimento em defesa da reconstrução nacional. Os impactos dessas discussões
foram sentidos na sociedade, na cultura e na educação a partir do final dos
anos cinqüenta, dado o fato do ideário liberal ter atrelado o progresso e o
desenvolvimento econômico à elevação da escolaridade da população e dos
padrões de educação da sociedade. A dimensão popular da educação foi
fortalecida pelas campanhas e pelos movimentos populares. Aos poucos, o
movimento de cultura e educação popular passou a ser referência no quadro da
discussão do nacionalismo-desenvolvimentista. Na relação política e educação,
há vários fatores que se misturam na ampliação dos conceitos de gratuidade
e universalização. Entre tais fatores, encontra-se o fato de que, na segunda
metade dos anos cinqüenta, a educação foi inserida no pacote dos projetos
de desenvolvimento como parte das discussões em torno das questões da
industrialização brasileira. Outro fator advém das implicações com o processo
migratório do homem do campo para as emergentes cidades, sobretudo, no
centro-sul do país.

Aula 3 Fundamentos da Educação 53


Autoavaliação
Releia e reflita sobre o que você escreveu no início desta aula acerca da relação
entre educação e política e veja se, após ter lido e discutido todo o material, sua
opinião mudou. Caso tenha mudado, reescreva nas linhas a seguir seu novo
entendimento sobre política e educação. Se você permaneceu com a mesma
opinião, discuta-a com seus colegas, veja o que eles também escreveram sobre
o assunto e escreva uma das definições que você achou interessante.

Referências
BRANDÃO, Carlos R. Lutar com a palavra. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São


Paulo: Brasiliense, 1994.

CUNHA, Luis Antonio. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

CURY, Carlos R. Jamil. Comemorado o manifesto dos pioneiros da educação nova /32. Revista
Educação e Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 12, 1982.

CRUZ, Vilma Vitor. Pioneirismo educacional no RN: realidade ou mito? (1960/1984). Natal:
UFRN, 1990. (Dissertação de Mestrado em Educação. Programa de Pós-graduação em
Educação – UFRN).

GERMANO, Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de-pé-no-chão também se aprende


a ler. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1982.

GOIS, Moacir de. De pé no chão também se aprende a ler: uma escola democrática
(1961/1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

PAIVA, Vanilda Pereira. Paulo Freire e o nacionalismo: desenvolvimentista. São Paulo:


Civilização Brasileira, 1980.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 21.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

54 Aula 3 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 3 Fundamentos da Educação 55


Anotações

56 Aula 3 Fundamentos da Educação


Organizando a difusão dos
saberes e das práticas educativas

Aula

4
Apresentação

A
partir da segunda metade dos anos sessenta, observa-se que o conceito de educação
e cultura no Brasil segue o direcionamento dos organismos internacionais –
financiadores – do nosso desenvolvimento. Após a instauração do governo militar
(1964), o discurso sobre o desenvolvimento e a necessidade de impulsionar o progresso do
país, na perspectiva de transformá-lo em uma grande nação, muda o eixo do nacionalismo,
que passa a ser funcional no sentido de fazer avançar as forças produtivas para consolidar
o emergente mercado econômico nacional. Assim, o ideário socioeducacional brasileiro
passou a incorporar, de fato e de direito, os direcionamentos firmados nos convênios de
cooperação internacional para o desenvolvimento do país.

Objetivos
Apresentar a relação entre educação e desenvolvimento
1 como partes de um amplo processo conjuntural.

Mostrar que é possível o país se desenvolver


2 economicamente sem investir na universalização da
educação e do ensino.

Compreender que as conseqüências do processo


3 conjuntural se refletem nas estruturas econômica, ético-
política, social e cultural.

Aula 4 Fundamentos da Educação 59


Em busca dos sentidos e
desenvolvimentos da Educação
Que educação se projeta com o desenvolvimento brasileiro?

As transformações pelas quais passaram a política e a economia a partir dos anos


cinqüenta provocaram modificações na concepção e na destinação da educação, que durante
quatro séculos permaneceu praticamente sem mudanças estruturais. Somente na segunda
metade do século XX é que se observou o aparecimento de movimentos políticos organizados
em defesa da crescente demanda por acesso ao ensino gratuito e de qualidade.

Como decorrência das transformações, destacaremos a manifestação política e cultural de


movimentos legítimos da sociedade, os quais se projetaram em razão dos níveis de crescimento
do país, e, em função das mudanças na base produtiva, notadamente a transformação da produção
agrícola, predominante até os anos sessenta, em produção industrial que se consolida como
força produtiva predominante a partir dos anos setenta no Brasil.

Começaremos nosso diálogo oferecendo elementos contextuais que facilitarão nossa


caminhada investigativa. Nesse sentido, lembramos que o Brasil do início dos anos sessenta
vivia momentos fortes de tensão política devido ao enfrentamento entre as forças nacionalistas
e desenvolvimentistas. O mundo vivia as conseqüências do pós Segunda Guerra Mundial.

60 Aula 4 Fundamentos da Educação


A economia mundial do pós-guerra encontrava-se subordinada ao desenvolvimento
técnico e tecnológico. Nesse contexto, modernizava-se o processo produtivo e a organização
do trabalho, ao mesmo tempo em que se alteravam as relações de produção em função da
mediação operacionalizada pelas máquinas, incorporada aos setores produtivos e sociais. A
justificativa gerada e apresentada à população do mundo inteiro foi em torno da necessidade
de aceleração dos processos de (re)organização dos países para atender as exigências da
nova ordem mundial.

A nova ordem mundial transformava a economia de base agrária em coisa do passado.


Todas as forças sociais representativas passaram a desejar e defender a industrialização, ainda
que entre os partidários houvesse divisões quanto ao controle e à gerência do processo, sob
a influência predominante do capital nacional ou estrangeiro.

O fato é que o processo de industrialização interessava à burguesia nacional, aos


empresários estrangeiros, às camadas sociais médias e aos operários. A industrialização
significava o desenvolvimento do país e o surgimento de oportunidades em diversos setores da
economia com forte possibilidade de realização individual e profissional, fosse em dimensões
materiais com o consumo de produtos e bens utilitários, fosse em perspectivas sociais, com
melhores condições existenciais.

Pelo que se anuncia como “a galinha dos ovos de ouro”, a industrialização, que estava
apenas se iniciando, ainda seria objeto de amplos conflitos e acirradas disputas políticas e
econômicas, pela divisão dos lucros. A esse respeito, Ghiraldelli diz que:

No raiar dos anos 60, o Brasil deixou, efetivamente, de ser um país “predominantemente
agrícola”. A população urbana começou a ultrapassar a população rural em número. O
país passou a contar com um parque industrial diferenciado e muito produtivo. A bandeira
da industrialização deixou de unir as forças sociais; o que entrou em jogo foi a disputa pelo
controle da divisão de lucros proporcionados pelo processo de desenvolvimento industrial.
[...] a burguesia buscou consolidar seu poder, as forças de esquerda, radicalizando a
ideologia nacionalista-desenvolvimentista, agitavam a sociedade com novas bandeiras:
as célebres Reformas de Base (reformas tributárias, agrárias, financeiras, educacionais
etc.), que deveriam democratizar os lucros do processo de desenvolvimento até então
conseguido. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2001, p.119).

Um dos pontos fortes desse contexto brasileiro, na perspectiva da Educação, foi a


aprovação da LDBEN – 4.024 / 61. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961
pelo Senado, e, em seguida, sancionada pelo Presidente da República, João Goulart. Essa Lei
passou aproximadamente treze anos tramitando entre a Câmara e o Senado. Foi objeto de
grandes conflitos entre defensores da Educação Tradicional e os favoráveis à implantação dos
princípios da Escola Nova. Outra discussão gerada por essa lei ocorreu entre os partidários da
educação pública e os partidários da privatização do ensino.

A frustração com a aprovação da Lei 4.024/61 pelas forças mais progressistas pautou-se
principalmente na perspectiva de que ela teria sido articulada para responder a necessidades
de um contexto brasileiro de dimensões políticas e sociais ainda pouco urbanizadas. Uma

Aula 4 Fundamentos da Educação 61


vez aprovada, não atenderia aos novos anseios de país industrializado. Outra decepção para
os progressistas foi o fato de que no texto dessa lei assegurava-se a igualdade de tratamento
para os estabelecimentos públicos e privados.

A decepção gerada com a aprovação da 4.024/61 favoreceu, entre outras coisas, um


amplo movimento alinhando forças nacionais entre os que se intitulavam progressistas e
de esquerda com os partidários de uma escola pública de qualidade e de fácil acesso para a
ampla maioria da população. Nesse sentido, começaram a surgir por todo o país movimentos
e campanhas populares, discutindo e fazendo experiências no contexto da educação.

No Brasil, na década de 60, tivemos uma intensa movimentação em torno do tema


“cultura popular”. Surgiram Centros Populares de Cultura (CPCs), Movimentos de Cultura
Popular (MCPs) e o Movimento de Educação de Base (MEB). Todos preocupados com
questões nacionalistas que envolviam discussões sobre a alfabetização e a cultura das classes
trabalhadoras e dos menos favorecidos, representantes diretos da cultura não-dominante.

Na base teórica e prática desses movimentos, estava implícita a busca por uma
dimensão libertadora de educação. Algo que representasse ao mesmo tempo o potencial
humano de ler e aprender a conhecer o mundo a partir das lutas e das experiências diárias
que davam o sentido maior da própria existência humana; uma teoria educativa gerada com
a prática organizativa do povo, em sintonia direta com o movimento de transformação do
homem no mundo.

O sonho de uma Pedagogia Libertadora torna-se realidade na hábil e inteligente leitura


que Paulo Freire faz da relação entre educação e mundo. Percebendo as transformações
políticas, econômicas, culturais e sociais no mundo, Paulo Freire procurou construir, via
educação, um método que servisse de ponte entre a realização das necessidades básicas
do indivíduo e as exigências de compreensão da nova ordem mundial. Nessa perspectiva,
nasceu o Método de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire, o qual tornou-se uma sólida
base para a Pedagogia Libertadora.

A construção das bases da Pedagogia Libertadora foi organizada e desenvolvida em


torno da idéia de homem como sujeito histórico. A idéia ganharia força à medida que, pela
educação, o homem começasse a se perceber no mundo como ser capaz de transformar
a realidade na qual se encontrava. Nesse sentido, a educação seria o caminho pelo qual o
indivíduo tomaria consciência de sua situação mundana e forjaria uma nova mentalidade.
Uma mentalidade que tornasse possível a libertação política, econômica, social e cultural.

Uma das bases para a efetivação da Pedagogia Libertadora é o diálogo. Através do


diálogo, com o mundo, com o outro e consigo mesmo, o indivíduo poderia organizar melhor
sua leitura das transformações na sociedade. O ponto de partida para o diálogo deveria
ser a realidade dos indivíduos em comunidade; sua situação de pressão e opressão para a
realização de suas necessidades e dos seus desejos. Problematizar o contexto em busca de
uma visão crítica da situação vivida torna-se o passo fundamental para organizar o processo
de conscientização.

62 Aula 4 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Amplie suas informações sobre o conteúdo desta aula, pesquisando
1 outras fontes bibliográficas sobre os vários sentidos e significados que
podem conter os termos educação e liberdade.

Apartir das informações da pesquisa realizada na questão anterior


2 e o conteúdo desta aula, escreva um breve comentário sobre o que
representa e significa, para você, uma Educação Libertadora.

Vemos, pois, que os movimentos de educação e cultura popular, no Brasil, procuraram


ocupar espaços de inserção no processo de desenvolvimento ao colocar em discussão a
situação educacional do país. As discussões possibilitaram o reconhecimento da gravidade
do problema pelas autoridades, favorecendo a oficialização e o desenvolvimento das
campanhas de alfabetização de adultos em todo o país. O referido contexto favoreceu o
fortalecimento das ações populares da Igreja Católica, sobretudo na zona rural do Norte e do

Aula 4 Fundamentos da Educação 63


Nordeste brasileiro. O Movimento de Educação de Base (MEB) projetou-se como expressão
maior da participação da Arquidiocese de Natal nesses movimentos.

Outro destaque foi a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, a qual nasceu de
um projeto do prefeito da cidade do Natal, Djalma Maranhão, seguindo princípios do movimento
nacional pela erradicação do analfabetismo. Os Movimentos de Educação de Base e a campanha
pé no chão também se aprende a ler foram indicadores de uma tendência do poder público em
reconhecer a importância e legitimar os movimentos populares de educação.

Vemos, pois, que no quadro contextual exposto, a educação passou a ser vista como
instrumento de libertação do homem em seu amplo sentido, bem como um meio propulsor de
assumir o desenvolvimento e a construção de um novo país. No entanto, como sabemos, essa
perspectiva foi interrompida pelo Golpe Militar que ocorreu em 31 de março de 1964 e perdurou
por 21 anos no Brasil.

O Golpe Militar, como era de se esperar, projetou uma educação nos mesmos princípios em
que se fundamentava a formação militarista. No período pós-64, a educação foi reordenada sob
inspiração militarista, economicista e desenvolvimentista. Desse modo, o seu conceito passou por
transformações e assumiu um direcionamento voltado para a defesa da internacionalização da
economia. É bom lembrar que esse redirecionamento pressupõe mudanças de visões de mundo,
valores e atitudes individuais e coletivos.

No contexto de redirecionamento político, econômico, social e cultural, no qual se insere


a educação, é possível perceber o predomínio de uma tendência funcionalista regendo a visão
nacionalista, ao valorizar o sentido do fazer-se valer, apenas para as ameaças de impedimento
ao avanço do projeto de desenvolvimento das forças produtivas como destaque para consolidar o
emergente mercado econômico nacional submetido às orientações externas.
MEC - USAID
Nesse sentido, o ideário socioeducacional brasileiro passou a incorporar, de fato e de direito,
MEC – Ministério da
Educação e Cultura e os direcionamentos firmados nos convênios de cooperação internacional para o desenvolvimento
USAID (United States do país. Destacamos nesse período, como mudanças na educação brasileira, além dos doze acordos
Agency for International
MEC–USAID, articulados entre o Brasil e os Estados Unidos, através da AID – Agência Internacional
Development).
de Desenvolvimento. Tais acordos foram, na verdade, articulações políticas entre tecnocratas
brasileiros sob o comando de técnicos americanos para atrelar a escola ao mercado de trabalho.

Outro destaque no campo da educação foram reformas impostas pelas leis 5.540/68
Lei 5.540/68 e
5.692/71 e 5.692/71. A primeira era dirigida ao ensino superior e a outra dirigia-se ao ensino de 1° e
2° graus, e vieram incorporadas ao projeto de desenvolvimento nacional como prioritário
Lei 5.540/68 – criou a
departamentalização e a e emergencial. Em seguida, foi criada a Lei 7.044/82 que modificou a Lei 5.692, no que diz
matrícula por disciplina respeito ao ensino profissionalizante para o 2°grau. Enfim, o registro que se faz no meio
e instituiu o curso em
acadêmico sobre a educação brasileira, no período ditatorial, é que ela foi um desastre total.
sistema de créditos.
Adotou o vestibular
Passado o tenebroso período da ditadura, a educação brasileira passou a incorporar
unificado e classificatório.
A Lei 5.92/71 implementou novas idéias e valores teóricos e práticos, a fim de encontrar sentidos mais consistentes
a profissionalização para o para as ações educativas no novo modelo de sociedade que estava sendo configurado pelas
ensino secundário.

64 Aula 4 Fundamentos da Educação


articulações políticas e econômicas mundiais. Os teóricos da
Educação, ainda imbuídos de uma perspectiva de Escola Nova,
passaram a buscar alternativas pedagógicas fora dos modelos
tradicionais, mas também sem se fecharem nos princípios
liberais.

Pretendiam conceber modelos de educação pautados em uma


lógica racional de desenvolvimento individual e coletivo. Como o
sentido da nova ordem mundial começava a ser atribuído pela ciência
e a técnica estava em sintonia com a tecnologia, a educação teria
que caminhar próximo a mudanças oferecidas por tais modelos. O
resultado foi uma enxurrada de teorias e pedagogias oferecendo
interpretações e realizações no campo da educação nas mais
variadas tendências filosóficas, pedagógicas e psicológicas.

Escolhemos algumas tendências pedagógicas para


que você tenha uma pequena visão panorâmica das
influências teóricas e práticas que chegaram até a Educação
contemporânea. Nesse sentido, tomaremos como referencial
as reflexões feitas por Ghiraldelli Júnior (2001), em sua obra
História da Educação. Ao que parece, a base para o surgimento
de várias das tendências pedagógicas no Brasil, pós-período
ditatorial, continuou sendo os princípios da Escola Nova, ainda
que aprofundados e redirecionados em outras perspectivas.

Dentre eles, destacamos as influências dos estudos


de Jean Piaget, traduzidos e difundidos na perspectiva
de uma educação construtivista. O método construtivista
de Piaget resguarda-se em interpretações das fases do
desenvolvimento cronológico da criança, segundo as quais o
professor deverá estar atento ao modo como encaminhar suas
atividades educativas. As pesquisas piagetianas contribuíram
para aproximar as discussões pedagógicas dos processos
científicos. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2001, p.196).

O Tecnicismo foi outra tendência pedagógica que procurou


ocupar espaço nas propostas de novos rumos para a educação.
Seus princípios estavam vinculados à racionalidade, associados
à eficiência e à produtividade. Tal tendência destacou-se também
pela perspectiva de operacionalização didática, sob o nome de
tecnologia educacional.

Outro teórico a influenciar a nova perspectiva de educação que


se buscava para o contexto das mudanças brasileiras dos anos de
1960 a 80 foi Célestin Freinet – teórico francês que se destacou na luta

Aula 4 Fundamentos da Educação 65


contra o tradicionalismo pedagógico e a favor de métodos ativos que proporcionassem às crianças um
movimento de conscientização, principalmente das classes populares, semelhante ao que já foi
proposto pela pedagogia libertadora.

Outras perspectivas que podemos destacar entre os novos rumos da educação brasileira
dizem respeito às Associações de Educação, que começaram a despontar pelo Brasil como
uma forma de organização e luta pelos princípios democráticos historicamente conquistados
antes e depois do golpe aplicado pela ditadura militar. Entre essas associações, destacamos a
ANDE – Associação Nacional de Educação, criada em 1979, para defender, entre outras coisas,
o ensino público, gratuito, obrigatório, universal, laico e de boa qualidade.

Ainda no rol das entidades que foram criadas para refletir, discutir e propor ações para
a educação no Brasil, destacamos o CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade
que, junto com a ANDES, passou a promover a partir de 1980 as Conferências Brasileiras
de Educação. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2001).

Para finalizar, queremos reforçar os objetivos desta aula, no que diz respeito às relações
que se apresentam entre educação e desenvolvimento como partes interligadas de um
processo conjuntural no qual, a cada dia, fica mais visível a interferência da economia
nos processos de organização da educação e do ensino. Desse modo, reforçamos nosso
importante papel de educadores e educandos de não ficarmos apenas esperando chegar
até nós as conseqüências de tal processo conjuntural, deveremos também ocupar nossos
espaços e lutar em prol de uma educação e de um ensino de dimensões ético-política, social
e cultural mais justas e humanas.

66 Aula 4 Fundamentos da Educação


Atividade 2

Faça uma pesquisa sobre os principais movimentos de cultura popular


1 da sua comunidade e escreva um texto descrevendo os aspectos
educativos que mais lhe chamaram a atenção.

Destaque, nesse texto, palavras-chaves que representaram, de um


2 lado, o desenvolvimento brasileiro e, do outro, o desenvolvimento da
educação e faça um pequeno quadro conceitual, comparando a relação
entre os dois modelos: o da educação e o do desenvolvimento.

Modelo de desenvolvimento Modelo de educação

Comentário (uma breve análise comparativa)

Aula 4 Fundamentos da Educação 67


Leituras Complementares
1. GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão também se
aprende a ler. São Paulo: Autores Associados / Cortez, 1989.

O autor investiga a campanha “De Pé no Chão também se Aprende a Ler”, desenvolvida


pela Prefeitura de Natal no período compreendido entre fevereiro de 1961 e março de 1964.

2. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Neste livro, Paulo Freire propõe condições e métodos para que ninguém seja mais excluído
ou posto à margem da vida nacional. A proposta fundamenta-se na necessidade de superar o
discurso oco e o verbalismo vazio sobre a educação.

Resumo
No contexto de modernização do processo produtivo e da organização do trabalho,
alteraram-se as relações de produção em função da mediação operacionalizada
pelas máquinas, incorporada aos setores produtivos e sociais. No Brasil, na
década de 60, tivemos uma intensa movimentação em torno do tema “cultura
popular”. O Movimento de Educação de Base (MEB) projetou-se como participante
da Arquidiocese de Natal nesses movimentos. No período pós 64, a educação
foi reordenada sob inspiração militarista, economicista e desenvolvimentista. O
conceito de educação passou por transformações e assumiu um direcionamento
voltado para a defesa da internacionalização da economia.

Autoavaliação
Reflita sobre o conteúdo das duas questões anteriores e procure comentar
com seus colegas os possíveis argumentos para responder à pergunta que
lhe foi apresentada no início desta aula: Que educação se projeta com o
desenvolvimento brasileiro?

68 Aula 4 Fundamentos da Educação


Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Saber e ensinar: três estudos de educação popular. Campinas:
Papirus, 1986.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

GERMANO, José Willington. Lendo e aprendendo: a campanha de pé no chão também se


aprende a ler. São Paulo: Autores Associados / Cortez, 1989.

GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 2001.

Anotações

Aula 4 Fundamentos da Educação 69


Anotações

70 Aula 4 Fundamentos da Educação


Fundamentos dos saberes
e das práticas tradicionais
na Educação

Aula

5
Apresentação

N
esta aula, abordaremos elementos teóricos e metodológicos que orientam a aplicação
conceitual da educação no processo universal e civilizatório. A dinâmica de construção
e desenvolvimento do conteúdo oferecerá uma visão teórica e prática das discussões no
campo da Educação, principalmente no que diz respeito às questões de estratégias e adequação
do ensino e da aprendizagem às dimensões política e social que compõem a ação educativa.

A abordagem aqui retratada está pautada em uma perspectiva dialética, através da qual
procuramos ressaltar parâmetros de ensino e aprendizagem que visam à emancipação pela
educação. O caráter emancipatório que destacamos como dimensão teórico-metodológica, na
educação, pressupõe aplicações das políticas de ensino, em sintonia com o desenvolvimento
civilizatório, gerando programas, conteúdos, atividades e interpretações teóricas importantes
para a formação política, cultural e social dos indivíduos.

Objetivos
Demonstrar aspectos teóricos e metodológicos na
1 padronização do ensino.

Investigar aspectos da organização das relações


2 de ensino-aprendizagem implícitos nos modelos
ocidentais de desenvolvimento.

Discutir algumas tendências pedagógicas que


3 visaram estabelecer e conferir parâmetros de
qualidade aos programas e conteúdos da formação
cultural e social dos indivíduos.

Aula 5 Fundamentos da Educação 73


Por que precisamos da educação?

N
ossa discussão ocorrerá em torno da questão “Por que precisamos da educação?”.
Nosso exercício reflexivo caminhará na perspectiva de descobrir os argumentos que
justificam as estratégias teórico-metodológicas com a finalidade de conduzirem da
melhor forma a relação ensino-aprendizagem. Entraremos cuidadosamente pelos vários campos
dos conhecimentos que interagem na composição dos fundamentos da Educação. Faremos
um planejamento estratégico para definir o caminho que iremos assumir como pressuposto
investigativo, e, a partir da idéia de educação, compreenderemos os desdobramentos teóricos
e metodológicos do ato de educar.

Para tanto, investigaremos as questões que se entrecruzam no caminho das teorias que
difundem os ingredientes para a boa formação dos indivíduos. As respostas encontradas
serão reapresentadas na forma de definições conceituais, a fim de percebermos os caminhos
percorridos pelas concepções teóricas para acomodar, na Educação, as inquietantes reflexões
epistemológicas. Nosso objetivo maior será, de fato, identificar nos fundamentos da Educação
o que dá sentido e representação ao homem no mundo, em meio às relações que comportam
transformações entre os dois, homem e mundo.

Nessa perspectiva, caminharemos pelas várias faces da educação, discutindo momentos


nos quais ela poderá ser concebida como uma constante reconstrução ou reorganização da
nossa experiência. Em outros momentos, veremos que de algum modo ela parece operar
uma transformação direta na qualidade da nossa experiência cultural. Desse modo, pelas
várias tendências da Educação, perceberemos quais os bens culturais que se transformam

74 Aula 5 Fundamentos da Educação


em forças internas ao educando, através da incorporação dos conceitos e das teorias
explicativas em torno dos processos de formação e desenvolvimento humano.

Nossa responsabilidade, enquanto educador, é identificar o desdobramento dessa


transformação intrínseca à relação ensino-aprendizagem, através da qual se estimula a promoção
e a emancipação do homem. Veremos que as teorias e metodologias da Educação, que se
apresentam como instrumentos de garantia da promoção e emancipação humana, aparecem,
de modo central, no jogo de interesses políticos e econômicos das sociedades, como estratégias
para conservar ou transformar valores e princípios de uma determinada tradição cultural.

Desse modo, ao perguntar “por que precisamos da educação?”, estamos interessados


em saber sobre os conhecimentos habilitados como estratégias de ações pedagógicas, aos
quais as teorias e metodologias da Educação se incorporam e, em certo sentido, procuram
responder às necessidades e interesses da sociedade, traduzidos em atividades de assimilação,
interpretação, compreensão e transformação da realidade.

O caminho que seguiremos em nossa abordagem investigativa admite que as teorias da


Educação encontram-se em sua maioria revestidas do espírito da democratização para melhor
organizar a produção do conhecimento, em ambientes amplamente constituídos por lutas
ideológicas. Essa discussão já foi iniciada em aulas anteriores, ocasião em que mostramos
que na passarela da Educação desfilam concepções conservadoras, reacionárias e liberais.
Todas elas envolvidas em acirradas disputas pelo controle do saber e dos rumos adotados na
formação dos povos, como vias de modelação e adequação dos seus valores às perspectivas
de modernização das nações.

Nesse sentido, não podemos nos esquivar de enveredar por essas questões, pois é nesse
complicado contexto que são geradas as teorias explicativas da realidade e, especificamente,
as metodologias que conduzem e regulam a relação de ensino-aprendizagem. Desse ambiente,
surgem políticas para a educação com a função de predeterminar a formação política,
cultural e social dos indivíduos, as quais, em sua grande maioria, apresentam fundamentos e
pressupostos estruturados em teses e teorias elaboradas fora do país.

As teorias e metodologias da Educação buscam, de um modo geral, superar a linha entre o


tradicional e o novo. Desse modo, a base da estratégia de superação do tradicional, nas teorias
da Educação, apóia-se nos limites de produção do conhecimento de cada época historicamente
determinada, mas, também, e principalmente, na perspectiva modernizante oferecida pelas
ações pedagógicas visando promover a emancipação humana.

Objetivando, pois, compreender os fundamentos da Educação a partir do que dizem


e apregoam as teorias e as metodologias do conhecimento, assumiremos a idéia de que
o desdobramento, teórico e metodológico do ato de educar, visando a uma boa formação
para os indivíduos, deverá levar em consideração a construção do conhecimento e o pleno
exercício da cidadania. Por outro lado, vimos anteriormente que o ambiente da educação não
é neutro, ou seja, isolado do barulho e das intrigas manifestadas pela ideologia para encobrir
ou distanciar o sujeito do conhecimento da realidade.

Aula 5 Fundamentos da Educação 75


Espera-se, portanto, que as teorias da Educação possam, em certo modo, aprimorar os
instrumentos interpretativos da realidade, a fim de, senão isolar a ideologia, pelo menos compreender
suas (más) influências no conjunto das ações pedagógicas. De outro modo, sabemos que, em sua
maioria, as políticas educacionais são respostas elaboradas em gabinetes que técnicos e políticos, à
frente de decisões oficiais, procuram dar aos insistentes apelos da sociedade.

De outro modo, as políticas de educação, com base em teorias e metodologias que


possivelmente deram certo em outros ambientes, são postas à prova e sujeitas a provocações,
entre todos os tipos de interesses sociais, políticos e econômicos, nacionais e internacionais.

Essa breve introdução aos pressupostos teóricos e práticos das ações educativas ressalta
o papel de teorias que, fundamentalmente na Educação, não assumem o caráter de neutralidade
na produção do conhecimento. Posto que, tanto na sua elaboração quanto na sua aplicação,
os conhecimentos na forma de teorias ou políticas para a educação são concebidos com a
finalidade de adequar a ação pedagógica aos diversos valores, já constituídos ou em fase de
construção, em função dos quais será pensada e instituída uma formação.

Desse modo, vale ressaltar a tese que admite a história da educação essencialmente
condicionada pela transformação dos valores válidos para cada sociedade. Assim, as teorias e
metodologias poderão ser vistas como importantes instrumentos interpretativos e explicativos
das diversas modificações submetidas à realidade. Reforçamos aqui a importância de pensar e
assumir um planejamento para a educação que mostre a aplicação de programas e conteúdos
atuando como estratégia de interpretação e superação do conhecimento e dos valores de uma
dada época ou estágio civilizatório.

Como foi visto, a educação pode ser um importante instrumento de mudanças ou


transformações sociais, políticas e culturais, mas, sua estrutura institucional ainda é mantida
por teorias e políticas que incorporam papéis específicos de atuações na formação individual e
coletiva dos indivíduos. Sabemos que as diretrizes postas para as ações educativas combinam
teorias e metodologias para atingir fins ligados aos interesses e ideologias visando controlar
ou explorar situações determinadas.

No campo das teorias e metodologias, encontraremo-nas selecionadas e divididas em


pelo menos dois grandes grupos: tradicionais ou conservadores e liberais ou inovadores. Os
educadores que utilizam as teorias tradicionais para direcionar suas ações pedagógicas, no
geral, se apresentam como detentores do saber. Encontram-se determinados a demonstrar
seus conhecimentos no trato com a informação deixando claro, ao educando, sua autoridade
de mestre, a fim de garantir a formação proposta como meta.

A condução das atividades educativas pautadas em teorias tradicionais toma por base a transmissão
verbal dos valores e princípios conservadores da moral e da cultura e um dos seus princípios é
não alimentar a discussão em torno da questão da compatibilidade entre os resultados obtidos e o
desenvolvimento do pensamento. Assim, a educação pode ser assumida dentro das políticas que se
alimentam das teorias tradicionais, tendo por objetivo trabalhar conteúdos estabelecidos em torno de
idéias e ideais que serviram a um passado historicamente determinado. A idéia é que a aplicabilidade de
tais conteúdos deverá servir, ainda hoje, para iluminar os conflitos da formação presente.

76 Aula 5 Fundamentos da Educação


Atividade 1

Para refletir: A Educação ao mesmo tempo em que deseja compreender a


constituição do “Ser Moderno”, pela perspectiva tradicional, reforça a formação Pedagogia
Tradicional
do indivíduo pautada em um passado superado, mas, do qual ainda sente orgulho.
Agora, comente as questões que seguem. Pedagogia, em seu sentido
amplo, pode ser entendida
como a metodologia da
a. Quais os referenciais que temos sobre o “Ser Moderno” possíveis de ser educação. Ela estuda as
discutidos em sala de aula? situações educativas,
seleciona-as, depois
organiza e assegura sua
b. De qual passado, sob o ponto de vista da educação, poderíamos sentir exploração. A Pedagogia
orgulho? Tradicional, na perspectiva
do ensino-aprendizagem,
focaliza fundamentalmente
uma longa série de
impressões depositadas,
pelo professor, no espírito
do aluno, de modo a
torná-lo um ser passivo de
modelação.

Veremos agora um pouco do modelo de educação através da perspectiva da


Pedagogia Tradicional.

Aula 5 Fundamentos da Educação 77


A Pedagogia Tradicional
As teorias e os métodos tradicionais, em certo sentido, se encontram fundados na atividade
mental do aluno que é estritamente dirigida pelo professor. Como já vimos, em momentos
anteriores da nossa exposição, a aula expositiva e a explicação do conteúdo são desenvolvidos
sem a abertura para a intervenção do aluno, com perguntas ou problematização do assunto. É
esse o foco e o ambiente principal para a aplicação da metodologia tradicional.

A expectativa educacional que se reveste como processo e produto de formação,


pela Pedagogia Tradicional, encontra-se posta na possibilidade de modelar, do exterior, o
comportamento dos alunos. Ou seja, o aprendizado, estimulado e dirigido pelo professor,
repousa suas bases de organização na análise dos conteúdos e na elucidação experimental
das dificuldades que ele (o professor) oferece aos alunos.

Nesse sentido, lembramos do conteúdo das aulas anteriores e percebemos que as


teorias e metodologias tradicionais, na Educação, assumem e desenvolvem uma concepção
intelectualista, possivelmente herdada dos jesuítas. Isso porque sua dimensão de aprendizagem
está pautada na redução de um ensino que se limita a transmitir ao aluno certas noções
conceituais apoiadas numa tradição cultural, que não o estimula a construir por si mesmo
seus conceitos.

Vemos, pois, que a Pedagogia Tradicional reivindica um sentido mais forte e rigoroso
para o processo de formação dos indivíduos, defende a tese de que ao mestre cabe transmitir
o conhecimento, porque ele sabe, e ao aluno cabe apenas a obrigação em adquiri-lo, porque
ignora. Com esses ingredientes, os adeptos da postura tradicional acreditam que é possível
garantir uma educação de qualidade.

Veremos agora alguns ilustres teóricos e seus respectivos métodos de aplicação da postura
tradicional na educação, ainda que com pequenos ajustes acadêmicos e institucionais para efetivar
de modo mais consistente o método em questão. Tomaremos como referência informações
oferecidas por Louis Not (1981), em seu estudo sobre as pedagogias do conhecimento.

A Pedagogia Tradicional em Durkheim


(a sociedade no centro)
Durkheim adotava como referência principal para suas investigações sobre os fatos e as
relações sociais uma idéia de sociedade forte, que predomina nos processos de organização,
formação e adequação dos indivíduos nos diversos níveis de relações. Segundo Louis Not, para
Durkheim, “o indivíduo está para a sociedade assim como a célula está para um organismo
vivo de estruturas complexas. [...] O homem só pode ser feliz numa sociedade que lhe impõe
normas e obrigações.” (NOT, 1981, p.40).

Percebe-se, pois, na teoria social de Durkheim, o papel central que o conceito de sociedade
exerce sobre os demais. Isso porque ele assume a idéia de sociedade como a construção de

78 Aula 5 Fundamentos da Educação


um modelo de formação e desenvolvimento humano. Daí que, para Durkheim, cada sociedade
constrói o modelo de que necessita para cada fase do seu desenvolvimento.

Neste momento, poderemos nos perguntar: como de fato é possível a construção desse
modelo de formação? Onde se encontram os princípios e os instrumentos ordenadores dessas
fases de desenvolvimento? Ora, responderá Durkheim, a resposta para essas perguntas nós
encontraremos na educação. Ela é a responsável pela ação que as gerações adultas exercem
sobre as crianças e os jovens, com a responsabilidade de formá-los para a vida social.

[...] trata-se de enxertar neste ser natural (a criança) um ser social conforme o modelo
definido pelas aspirações e necessidades da sociedade. [...] É preciso realizar o homem
tal qual a sociedade quer que seja. [...] A educação cognitiva se inscreve no processo de
transmissão de geração a geração e se atualiza de indivíduo a indivíduo. Os mestres são
os delegados da sociedade; [...] O ensino visa inserir o aluno no movimento para frente
caracterizado pelo conhecimento, mas a princípio tudo vem do mestre, que transmite o
saber já constituído em tradição. (NOT, 1981, p.40).

A Pedagogia Tradicional na ótica de Alain


(o homem no centro)
Vimos com Durkheim que o ato de educar sob o prisma da Pedagogia Tradicional reforça
a perspectiva social, ou seja, a educação constituída a partir do que a sociedade deseja e
planeja como desenvolvimento humano. O próprio Not (1981) nos oferece outra dimensão
de educação, ainda sob a mesma base pedagógica, a visão tradicional, mas, com outro olhar
sobre o ato de educar. Estamos nos referindo às propostas de educação defendidas pelo
pensador francês Alain.

Segundo Not (1981), Alain destaca uma dimensão de educação, na qual o conceito
de homem e sua respectiva formação aparecem como elementos fundamentais para o
desenvolvimento e progresso social. Para Alain, o homem, por ser um ser pensante, deverá
ser o referencial maior de liberdade e progresso social. Para esse autor, nem a cultura nem a
verdade, tampouco a virtude, são possíveis de se transmitir. Nesse caso, Alain está propondo
substituir a transmissão do mestre pela atividade do aluno.

Na verdade, o autor em questão está querendo destacar a necessidade de explorar


as vias internas da experiência individual como uma força pela qual o indivíduo deverá
se realizar enquanto ser. É a experiência dos signos que Alain está nos sugerindo como
caminho de construção do pensar e do conhecimento consistente. Nesse caso, o saber na
Pedagogia Tradicional ganha uma nova dimensão: a do saber fazer. Vejamos as propostas
de Alain para a educação.

Aula 5 Fundamentos da Educação 79


[...] Toda a arte de instruir é fazer com que a criança se esforce e se eleve ao seu estado
de homem. [...] A criança está descontente com seu estado; quer ser adulta, quer ser
educada: ela lhe agradecerá por tê-la forçado, o desprezará por tê-la mimado. [...]. Uma
classe onde o mestre se cala e onde os alunos lêem, escrevem ou recitam é uma boa
classe. Mas o mestre é indispensável, pois, ao se trabalhar sem mestre, as tentativas
terminam precisamente onde o trabalho deveria começar. [...]. O mestre ideal deve ser
sem coração. A grande tarefa do mestre é dar à criança uma elevada idéia do seu poder
e sustentá-la com vitórias. Repetir e fazer repetir, corrigir e fazer corrigir, este é seu papel
mais freqüente. Tudo isso sem demonstrar a menor afeição, o menor amor pelo seu
aluno. (NOT, 1981, p. 46-53).

Assim, como conclusão parcial, podemos dizer que existe uma percepção geral de que
o movimento educacional em todos os tempos tenta dar uma direção às ações do pessoal
envolvido no processo de ensino e educação, a fim de que possam melhor formar os indivíduos
para o convívio em sociedade.

Leituras Complementares
RODRIGUES, Neidson. Da mitificação da escola a escola necessária. São Paulo: Cortez /
Autores associados, 1988.

Uma obra simples, de leitura leve e instigante que nos conduz por caminhos históricos
e complexos da educação. Nela, o autor aborda vários discursos ideológicos com os quais a
escola conviveu e ainda convive como perspectivas “ilusórias” de mudanças.

OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre:
Artmed, 2004.

Uma obra de grande porte teórico, na qual encontramos uma leitura crítico-reflexiva sobre
as principais tendências da Educação que, em algum momento histórico, representaram ou
ainda representam vias fundamentais de formação dos indivíduos.

80 Aula 5 Fundamentos da Educação


Resumo
Apresentamos vários campos dos conhecimentos que interagem na composição
dos fundamentos da Educação. Compreendemos de um modo geral como
ocorrem os desdobramentos teóricos e metodológicos do ato de educar. Pelo
caminho investigativo, percebemos que as teorias da Educação se revestem
do espírito da democratização para organizar a produção do conhecimento em
um ambiente amplamente constituído de lutas ideológicas. Vimos, nas leituras
anteriores, que na passarela da Educação desfilam concepções conservadoras,
reacionárias e liberais, em acirradas disputas pelo controle do saber e dos rumos
adotados na formação dos povos, como vias de modelação e adequação de
valores às perspectivas de modernização das nações.

Autoavaliação
Identifique, no contexto educativo em que você está inserido, práticas e ações
educativas que se configurem como perspectiva tradicional (pode fazer referencia
às ações educativas que são projetadas na sua comunidade, no seu município, na
sua sala de aula). Acrescente a essa identificação um breve comentário crítico-
reflexivo sobre os reais alcances e implicações da Teoria Tradicional para a
educação contemporânea.

Referências
NOT, Louis. As pedagogias do conhecimento. São Paulo: Difel, 1981.

OZMON, Howard A.; CRAVER, Samuel M. Fundamentos filosóficos da educação. Porto Alegre:
Artmed, 2004.

SAVIANI, Dermeval et al (Org.). História e história da educação: o debate teórico-metodológico


atual. Campinas: Autores Associados, 2000.

RODRIGUES, Neidson. Da mitificação da escola a escola necessária. São Paulo: Cortez /


Autores associados, 1988.

Aula 5 Fundamentos da Educação 81


Anotações

82 Aula 5 Fundamentos da Educação


A Educação e as
exigências do mercado

Aula

6
Apresentação

N
esta aula, veremos como a transformação do processo produtivo, e da economia,
influencia as transformações sociais e, particularmente, a educação e o ensino. Tratar
da modernidade da educação e das transformações do ensino é trabalhar na perspectiva
de se adequar o sistema educacional às exigências do mercado, sem, contudo, perder de vista
a formação dos indivíduos na sua totalidade.

Veja que a educação e o ensino, inseridos em uma estrutura econômica e em um contexto


social regidos pela mediação da maquinaria, não podem prescindir de uma formação que
permita aos indivíduos integrarem-se a essa conjuntura e acompanhar de modo crítico e
reflexivo as mudanças que nela ocorrem, a fim de que tenham uma melhor compreensão das
mudanças e da estrutura na qual esses indivíduos se inserem.

Objetivos
Compreender como ocorreram as transformações na
1 educação e no ensino-aprendizagem na contemporaneidade.

Perceber as conseqüências decorrentes das mudanças


2 suscitadas pelo processo de modernização no contexto
social e educacional.

Aula 6 Fundamentos da Educação 85


Pressupostos das mudanças
culturais e sociais

A
ntes de tratarmos diretamente das transformações na educação e no ensino brasileiro,
torna-se necessário voltarmos um pouco no tempo para que você compreenda a origem
de tais mudanças e possa acompanhar suas implicações. Perceba que o avanço, ou
progresso, observado no mundo após a II Guerra Mundial, notadamente nos países do
hemisfério norte, deveu-se, em grande parte, ao desenvolvimento de instrumentos técnicos
e tecnológicos ligados à logística e às estratégias de guerra, como a fabricação de artifícios
bélicos, por exemplo.

É bom você atentar para o detalhe de que na literatura específica são muitos os estudiosos
que consideram tais fatores como o motor que gerou todo o desenvolvimento técnico e
científico observado no século XX. Nesse sentido, a tecnologia é vista como processo contínuo
de aperfeiçoamento, o que acabou influenciando o mercado industrial emergente e carente
de inovações. Desse impulso técnico e científico, agora com o apoio do mercado financeiro,
desencadearam-se as mudanças sociais e educacionais com alterações nos costumes, na moral,
na ética, na estética e no modo de vida dos indivíduos e grupos sociais.

O sentimento de euforia, aliado às mudanças de comportamentos, hábitos e atitudes,


provocou no seio das estruturas sociais, da mais tradicional a mais moderna, um outro
sentimento – o de progresso não somente econômico, mas também sociocultural. Assim,
observe que a partir da segunda metade do século XX, as sociedades, antes regidas pela idéia

86 Aula 6 Fundamentos da Educação


de harmonização dos indivíduos a partir de valores familiares, éticos e morais alicerçados em
princípios religiosos, sobretudo cristãos, passaram a se pautar pela laicidade, liberdade de
pensar, de agir e, principalmente, de escolher.

A partir desses acontecimentos, a educação, que até então era vista como meio da
promoção humana e integração dos indivíduos às estruturas sociais, sofreu influências que
provocaram mudanças significativas nos processos metodológicos de ensino e aprendizagem,
a fim de atender as demandas sociais de uma educação mais flexível, livre e libertadora para
os indivíduos.

Agora, você já tem uma idéia de como e por que a revolução conceitual da educação
passou a incorporar e acompanhar as mudanças que se operavam nas estruturas econômicas,
políticas e socioculturais. Assim, visando lhe estimular a ampliar seus conhecimentos sobre
os acontecimentos do período em questão, sugerimos a atividade seguinte.

Atividade 1

Faça uma pesquisa bibliográfica a fim de identificar e caracterizar os elementos


históricos do desenvolvimento no período anterior e posterior à II Guerra Mundial,
destacando, sobretudo, fatores técnicos e científicos que estiveram por trás das
mudanças de direção na produção das mercadorias e na base econômica.

Aula 6 Fundamentos da Educação 87


Transformações e adequações do
ensino ao mercado
A educação recebeu e continua a receber várias denominações, como vimos nas aulas
anteriores: conservadora, bancária, elitista, nova, inovadora, democrática e antidemocrática etc.
Todas essas denominações, via de regra, estão associadas às direções políticas da educação
nacional e das formas de organização escolar que se difundem em determinadas conjunturas,
bem como às críticas advindas dos teóricos e dos movimentos organizados da sociedade.

Tratando especificamente do processo que, de certa forma, revolucionou a educação


brasileira e de suas conseqüências no processo de ensino-aprendizagem, verificamos que a
educação evoluiu da concepção associada à natureza física para a concepção associada aos
relativismos econômico, político e sociocultural-afetivo.

Você, neste momento, deverá estar se perguntando: o que, de fato, significou essa tal
“revolução” na educação? Em que medida a mudança de concepção da educação influenciou
na formação dos indivíduos? Vejamos, então, como se deu essa evolução.

Pesquisando obras de autores como Rousseau, Freinet ou entendendo a prática de


Maria Inez Cavalieri Cabral, será mais fácil compreender processos significativos dessas
mudanças. Por exemplo, no pensamento de Jean Jacques Rousseau podemos identificar três

88 Aula 6 Fundamentos da Educação


distinções que ele faz da educação, quais sejam: natureza, homens e coisas, para as quais ele
estabelece uma hierarquia.

[...] Esta educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. [...] Ora, dessas
três educações diferentes, a da natureza não depende de nós; a das coisas só em certos
pontos depende. A dos homens é a única de que somos realmente senhores [...] Tudo o
que se pode fazer, à força de cuidados, é aproximar-se mais ou menos da meta, mas é
preciso sorte para atingi-la. (CABRAL, 1978, p. 14).

Que meta seria essa apontada por Rousseau? Aqui, devemos refletir um pouco mais sobre
o pensamento do autor acerca da educação. Cabral nos mostra que nas teses de Rousseau é
possível identificarmos ainda outras distinções, quando afirma que: “Um pai, quando engendra
e alimenta seus filhos, não faz nisso senão o terço de sua tarefa. Ele deve homens à sua espécie,
deve à sociedade homens sociáveis, deve cidadãos ao estado”. (CABRAL, 1978, p. 14).

Ora, podemos ver que os ingredientes colocados nessa definição vão além da simples
capacidade reprodutiva dos seres humanos, pois o homem é separado da natureza, o
indivíduo separado do ser social, assim como a responsabilidade individual é separada da
responsabilidade do Estado. Essas observações permitiram a Cabral (1978) refletir sobre os
elementos que tornam os homens capazes de viver em sociedade, destacando-se dentre eles a
educação. Daí, a autora concluir que “[...] o objetivo da educação é primeiramente a formação
de homens, independentemente de qualquer sociedade e de todo e qualquer estado ou País”
(CABRAL, 1978, p. 14).

A partir dos pressupostos colocados por Rousseau, considera-se que o processo


educacional se conduz no sentido de não mais ver o homem na sua condição de ser individual,
mas de ser social que estabelece relações com os outros seres e com o Estado. Esse
entendimento se amplia à medida que se multiplicam os conceitos e entendimentos sobre as
liberdades individuais, a livre expressão e o combate aos preconceitos e discriminações de
raça, cor, sexo, status econômico e social.

A história nos mostra que em períodos de compreensão das liberdades, em geral,


os movimentos de vanguarda (geralmente composto por intelectuais, pintores, músicos,
compositores etc.) assumem a defesa dos desfavorecidos de bens sociais, dentre os quais,
destaca-se o sistema formal de ensino. Ao que sabemos, o processo revolucionário de uma
estrutura ou sistema manifesta-se pela sua própria transformação, dentro de uma dinâmica
natural, ou provocada por fatores de ordem econômica, política e social. A revolução da
educação e do ensino no Brasil vem acompanhando o processo de desenvolvimento do país.
Portanto, embora se falasse em modernidade desde a segunda metade dos anos cinqüenta,
esse ideário se fez presente, de fato e de direito, na segunda metade dos anos sessenta e, mais
efetivamente, a partir dos anos setenta.

Por sua vez, o Estado passou a direcionar as ações na área da educação, no sentido
de modernizá-la de fato, propondo iniciativas e estimulando financeiramente as mudanças.
O otimismo da modernização educacional só foi confrontado com os dados da realidade que

Aula 6 Fundamentos da Educação 89


davam conta do declínio econômico e social passada a euforia do
milagre brasileiro.

Cruz, no seu estudo sobre o pioneirismo educacional no Rio


Grande do Norte, diz que:

[...] Politicamente o governo passa a conviver com sinais


de reação da massa, pelo fato de ter assumido a proteção
e o beneficiamento ao grande capital, em detrimento do
restante do conjunto da sociedade. O empobrecimento
generalizado que se observava junto aos assalariados vai
redundar no descontentamento com o governo e na tentativa
de organização dos movimentos populares, esvaziados no
pós – 1964. (CRUZ, 1990, p. 32).

Portanto, o que se observou, de fato, foi uma tentativa de


modernização a partir das orientações internacionais que se chocavam
com os níveis de desenvolvimento econômico, social, cultural e
político do país. Nesse quadro, o governo edita o I e o II Plano Nacional
de Desenvolvimento e, neles, a educação aparece como uma das
responsáveis pela transformação social e plena realização humana.

Como decorrência, o governo federal, ao final dos anos setenta,


editou o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM)
e o Programa de Assistência aos Municípios (PAEM); e, no início dos
anos oitenta, o Programa de Ações Socioeducativas e Culturais para as
Populações Carentes (PRODASEC/ URBANO e RURAL).

No II PND, a ênfase recaiu sobre: questões energéticas,


equilíbrio da balança de pagamentos, controle da inflação, incentivos
à produção agrícola e aumento das exportações. Como se observa,
o direcionamento desse plano é mais econômico do que social,
embora ele não deixe de se referir e de refletir uma preocupação com
o crescimento das cidades e da população de baixa renda, assim
como com a marginalidade social, o analfabetismo e a baixa qualidade
de vida da maioria da população. Como vemos, a modernização da
educação nacional está submetida aos níveis de desenvolvimento
estabelecidos para o país.

Agora, vamos enveredar um pouco mais pelos caminhos


reflexivos, procurando estabelecer relações entre o conteúdo teórico
desenvolvido até o momento e os elementos do seu universo vivido,
de sua história construída.

90 Aula 6 Fundamentos da Educação


Atividade 2
Reflita sobre as idéias de Rousseau que foram apresentadas nesta
1 aula, relacione-as à sua compreensão acerca de educação e procure
responder às seguintes questões.

a) Que educação vem da natureza?

b) Que educação vem do homem?

c) Que educação vem das coisas?

Identifique e descreva, sucintamente, algumas mudanças sociais,


2 políticas e de comportamento que você conhece, ocorridas no mundo
e no Brasil, nas décadas de 50, 60 e 70 do século XX.

Aula 6 Fundamentos da Educação 91


Ações políticas para modernizar
a educação brasileira
Continuando nossa caminhada investigativa, veremos que a modernização da educação
nacional passou todo o período da ditadura militar sob forte retórica de alavanca do progresso
econômico, transformações sociais e meio de ascensão social, mesmo que os resultados nessa
área tenham sido tímidos e as políticas altamente contraditórias.

[...] Apesar de todos os presidentes que se sucederam no poder no pós-64 terem colocado
a educação como prioridade, o que se observou foi, a exemplo de outras áreas sociais,
um reforço ao processo de discriminação e exclusão social das populações pobres.
Negando-lhes, de um lado, o saber adquirido na convivência e na luta pela sobrevivência
e, de outro, o acesso à instrução formal, à aquisição do saber letrado, forma dominante no
mundo moderno. Condenou-os ao analfabetismo, à marginalidade social, aproveitando-se
de diferentes formas para manipulá-las, criando laços de dependência política, econômica
e cultural. (CRUZ, 1990, p.134).

A gravidade da situação educacional e a falta de políticas públicas efetivas para dar


conta das necessidades do sistema conduzem o governo a abrir mão da responsabilidade
constitucional, de prover o ensino público e gratuito, o que abriu espaço para que a iniciativa
privada se instalasse no mercado, invertendo-se assim a tendência do campo educacional de
área prioritariamente financiada pelo poder público para mercado educacional, no qual quem
tem condições compra o serviço.

92 Aula 6 Fundamentos da Educação


Vemos, pois que o sistema educacional passou a ser regido pela iniciativa privada. Nesse
sentido, mais uma vez, Cruz nos oferece importantes indicadores.

[...] Esse fato evidencia-se quando se constata que a rede pública cresceu nesse período
(1968–1973), em torno de 210%, enquanto a rede privada cresceu em torno de 410%,
na maioria dos casos com subsídios do governo, advindo dos fundos públicos. Aí
está embutido o direcionamento da educação nacional, numa perspectiva privatizante,
como uma mercadoria sujeita às leis de mercado. De um serviço público essencial,
a educação passa a ser tratada como investimento e o homem a ser visto como um
produto. (CRUZ, 1990, p. 111).

A modernidade da educação e do ensino no Brasil veio de fato com os princípios da


teoria do capital humano – racionalidade, objetividade, produtividade, eficiência e eficácia.
Postulados esses de que o Estado brasileiro deveria dar conta, sob pena de ficar isolado no
atraso e conservadorismo das forças atuantes na estrutura econômica, política e social.

Agora que já temos elementos suficientes para compreender melhor a atualidade da


educação nacional, podemos nos deter no seu caráter modernizante para finalizar nossa
discussão sobre os processos revolucionários da educação e do ensino. A partir da década
de oitenta, e, particularmente, na década de noventa, a discussão em torno da modernidade da
educação avançou, empurrada pela modernização de setores de ponta do processo produtivo,
incorporando-se ao avanço tecnológico e à globalização da economia.

O setor educacional ressente-se da ausência efetiva de políticas públicas para o


ensino em todos os níveis. Diferentemente dos anos setenta e início dos anos oitenta, em
que financeiramente o Ensino Superior foi alimentado para atender a demanda do mercado
em ascensão, o período subseqüente viu desaparecer os recursos. Os incentivos vieram
submetidos a um aumento de competência técnica e educacional, sobretudo na pesquisa em
nível de terceiro grau. Esse fato foi determinante para que a iniciativa privada se fixasse no
mercado, sendo majoritariamente o detentor das vagas na atualidade.

Em relação ao declínio do Ensino Superior público no Brasil e o aumento de oferta na


iniciativa privada nos anos oitenta, a Ministra da Educação Eunice Duran justifica, segundo
Cruz, da seguinte maneira:

O número de excedentes criou um mercado propício à iniciativa privada, que cresceu de


forma acelerada neste período, tanto em termos absolutos como relativos, passando de
45% a 65% do total das inscrições [...] O Estado reconhece dessa maneira que há um
processo de privatização em curso e que este não existe controle. Justificando ainda os
motivos dessa falta de controle ela diz que [...] a aceleração do processo de privatização
do setor educacional não pode ser interpretada simplesmente como o resultado de uma
política deliberada de privatização, pois é inegável que existe um aumento dos investimentos
para ampliação do setor público. Mas a restrição de inscrições imposta pelo modelo de
universidade voltada para a pesquisa tornou os investimentos insuficientes para responder
as demandas, portanto, a restrição das inscrições foi legitimada em função da necessidade
de seleção de candidatos bem preparados. (CRUZ, 1990, p. 268).

Como vemos, o processo de seletividade do ensino público continuava, enquanto a


iniciativa privada recebia os alijados desse processo. Outro fator importante a considerar

Aula 6 Fundamentos da Educação 93


na fala da ministra é o fato de que o Ensino Superior voltado para a pesquisa é caro, mas
a questão é saber: como modernizar a educação sem incorporá-la à norma dominante nas
estruturas modernas?

O desenvolvimento técnico, científico e tecnológico que se encontra na base dessas


estruturas, as quais são os pilares dos sistemas de base da economia, é também o motor da
modernização das instituições sociais em que se encontra a educação formal. Ora, se é ela a
instituição que cumpre papel importante de formar as gerações para atuarem tanto no setor
produtivo como no social, torna-se impossível não conduzi-la nessa estrutura na perspectiva
de uma educação técnica e científica.

Isso em grande medida pressupõe estudos e pesquisas, meios pelos quais é possível
garantir organizações em níveis burocrático, industrial, comercial e financeiro. Desse modo,
assegura-se a eficiência das descobertas de novos materiais e processos de organização do
trabalho e da vida, bem como se legitimam os processos e as inovações.

A educação nacional passou toda a transição da ditadura militar para a democracia


tentando superar o tempo perdido, pois o avanço da economia em perspectivas globais,
regidas pelo desenvolvimento técnico e tecnológico, não podia esperar que o Brasil fizesse as
reformas de base, modernizasse as estruturas econômicas e sociais para serem incorporadas
à nova ordem mundial.

Os estudos desse período apontam que somente no final do século XX é que ocorre um
esforço governamental maior de modernização do sistema de ensino, incentivando a formação
e qualificação docente, assim como investindo em infra-estrutura, melhoria do espaço físico
de algumas escolas e provendo-as com acervo bibliográfico e kits tecnológicos (TV, vídeo e
laboratórios de informática), o que, diga-se de fato, vem provocando uma mudança significativa
no modo dos professores ensinarem e dos alunos aprenderem.

Leituras Complementares
Você pode complementar essa discussão e aprofundar seus conhecimentos sobre a
modernização da educação nacional lendo as obras referenciadas a seguir. Nelas, encontrará
com mais detalhes as mudanças e os direcionamentos políticos que regem a educação nas
últimas três décadas no país.

BUARQUE, Cristovam. O colapso da modernidade brasileira. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1991.

Nesta obra, o autor analisa, dentre outras coisas, a evolução do Brasil em sua fase mais
recente e nos oferece o retrato de uma modernidade que entrou em colapso.

94 Aula 6 Fundamentos da Educação


GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil (1964/1985). São Paulo:
Cortez / Editora da UNICAMP, 1993.

O autor desenvolveu essa temática destacando o hiato que existe entre o momento da
elaboração e o da implementação das políticas sociais, nas quais se inclui a educação.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1986.

O autor, nesta obra, discute implicações sociais, políticas e culturais que se manifestam
nos conflitos educacionais a partir das questões inerentes aos fundamentos e à evolução de
uma educação pautada nos princípios e na prática da democracia.

Resumo
Nesta aula, aprofundamos a discussão que vínhamos desenvolvendo sobre a
educação nacional, agora em relação ao caráter modernizador e revolucionário
do processo educacional e do ensino. Vimos que as transformações não ocorrem
a partir do pensamento de mentes brilhantes, elas ocorrem a partir da dinâmica
das estruturas econômicas, políticas e sociais. Nesse processo, entra em jogo
os interesses dos grupos e as contradições sociais. É importante observar que a
educação não se transforma em função única e exclusivamente da elevação do
espírito humano.

Autoavaliação
Como estudante, você já passou por várias etapas do sistema de ensino, certo?
Portanto, está apto a identificar, comparar e comentar os diferentes níveis de
ensino de ontem e de hoje. Faça, pois, seu comentário procurando destacar em
que aspectos a educação se modernizou.

Aula 6 Fundamentos da Educação 95


Referências
CABRAL, Maria Inez Cavalieri. De Rousseau a Freinet:
ou da teoria à prática: uma nova pedagogia. São Paulo:
Hemus, 1978.

CRUZ, Vilma Vitor. Pioneirismo educacional no Rio


Grande do Norte: realidade ou mito? (1960/1984). Natal:
UFRN, 1990. (Dissertação de mestrado – Programa de
Pós-Graduação em Educação).

CRUZ, Vilma Vitor. Rationalité technologique et modernization de l’éducatio: le cas du Brésil


(1964/1984). CAEN: Université de Caen/França, 1998. (Tese de Doutorado).

CUNHA, Luiz Antônio; GÓIS, Moacyr. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1978.

FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. São Paulo: Ática, 1989. (Série princípios).

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque


da Silva. São Paulo: Cultrix, 1989.

Anotações

96 Aula 6 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 6 Fundamentos da Educação 97


Anotações

98 Aula 6 Fundamentos da Educação


Cultura tecnológica
e Educação

Aula

7
Apresentação

S
eguiremos como orientação, nesta aula, o movimento de expansão do desenvolvimento
técnico-científico como continuidade do processo de modernização ocidental. A
referência para discorrer sobre as questões inerentes à educação contemporânea serão
os fatores ideológicos, já discutidos nas aulas anteriores, e as evidências de uma possível
ruptura entre os modelos de educação tradicional e uma perspectiva de educação tecnológica,
exigida pelas transformações econômicas como instrumento da modernização.

Na seqüência, você terá contato com as questões conceituais da interface educação-


tecnologia, procurando delinear configurações dos processos educativos na perspectiva
dos conhecimentos técnicos, científicos e numa dimensão formadora fomentada pela esfera
econômica. Veremos, também, que a dimensão educativa, com base na tecnologia, representa
uma forte parceria entre vários setores das esferas política e econômica para compor uma
trama cultural (e tecnológica), cuja função é acomodar conflitos de ordem política, social e
cultural, a fim de solidificar as bases do sistema capitalista contemporâneo.

Objetivos
Apresentar o movimento de expansão do desenvolvimento
técnico-científico, no contexto de modernização da
1 educação.

Abordar questões inerentes à educação contemporânea

2 que oferecem evidências de ruptura com os modelos


de educação tradicional em função de uma educação
tecnológica.

Destacar questões conceituais que estabelecem a interface


3 educação-tecnologia, interferindo nas configurações dos
processos educativos.

Aula 7 Fundamentos da Educação 101


Cultura tecnológica
e conhecimento
Numa breve referência à composição da cultura tecnológica contemporânea, veremos a
Ciência ocupar papel de destaque no processo e produto do conhecimento. Enquanto produto,
observe que ela reforça seu papel na atual sociedade ao se mostrar como caminho seguro,
teórica e metodologicamente, para produzir resultados explicativos e racionais na forma de bens
de consumo. Enquanto processo, a Ciência respalda-se na identidade racional do sujeito que
conhece para fundamentar suas explicações através dos caminhos investigativos, articulados
na forma de estratégias da racionalidade para melhor compreensão do homem e do mundo,
assim como das várias relações que se estabelecem entre ambos.

Neste caso, conhecer, explorar e experimentar são atributos da nossa natureza interna
enquanto indivíduos, cultivados como fundamentos do espírito científico e, portanto, incorporados
como componentes da cultura tecnológica. O raciocínio lógico e metodológico que se organiza
em prol do conhecimento científico, na maioria das vezes, visa desfazer confusões interpretativas
de natureza religiosa ou de senso comum, ao explicar a dinâmica relação homem-mundo. E a
educação formal é o caminho mais indicado para a construção e a evolução desse modo de ver
e compreender o mundo e o homem em suas várias manifestações.

De outra forma, o que estamos querendo dizer é que a Ciência, no modelo descrito
anteriormente, alimenta a Educação como via interpretativa para assegurar ao sujeito a
formação teórica e o caminho metodológico para compreender a dinâmica dos processos

102 Aula 7 Fundamentos da Educação


de transformação. Por outro lado, sabemos que a educação, de um modo geral, não assegura
essa formação científica e tecnológica, principalmente por sofrer interferências do nível ideológico.

A Ciência como referência de conhecimento seguro e confiável necessita para tal de um


sujeito “bem educado”, no sentido formal do termo escolarizado, metodicamente organizado
e criterioso no desejo de conhecer e assumir os moldes rigorosos que determinam e orientam
a investigação científica. Por outro lado, apontamos como conseqüência da ênfase demasiada
nos métodos e resultados da Ciência a possibilidade de uma certa manipulação das informações
com outros fins divergentes do bem coletivo.

A esse respeito, podemos dizer que a ocorrência do desvio das “boas intenções” do
pesquisador deve-se ao fato de ele não ter conseguido sua autonomia na relação direta que
existe entre conhecimento e poder. Tal relação encontra-se, na maioria das vezes, mediada
pela perspectiva ideológica, ou seja, por jogos de interesses que desviam os resultados
científicos dos fins coletivos para fins particulares. Por isso, uma relação saudável de
produção do conhecimento pode esconder no seu íntimo interesses políticos e econômicos que
posteriormente serão traduzidos em exigências sociais e culturais e apresentados à sociedade
contemporânea, como bens de consumo.

Desse modo, o que podemos dizer de uma cultura tecnológica cujos rumos são regidos
pelos resultados científicos? Como identificar e reter os avanços degradantes da ideologia,
se ela mesma é quem se encarrega de diluir os contornos do que pode ser identificado
como cultura tecnológica? E o que resta ou está a cargo da Educação? Será que, com a
responsabilidade e a criatividade dos nossos educadores, ainda seremos capazes de projetar
na sociedade contemporânea indivíduos éticos, comprometidos com o coletivo?

Essas questões representam implicações significativas para os caminhos contemporâneos


da racionalidade humana por interferirem no conjunto dos instrumentos do conhecer, que, por
sua vez, impulsionaram o “avanço” estratégico dos processos de produção que redefiniram o
comportamento e a postura dos indivíduos até a sociedade contemporânea.

Com isso, estamos querendo dizer que a cultura tecnológica que cultivamos hoje
é resultado dos níveis de relações que historicamente se apresentaram como caminhos Processo
civilizatório
interpretativos nos diversos estágios do processo civilizatório. Tais estágios se desenvolveram
na medida e na proporção da projeção das idéias, teorias e conhecimentos que se identificaram Essa expressão é
empregada aqui com
como modeladores de comportamentos.
o sentido de influência
da cultura ocidental nas
Os modeladores a que nos referimos nada mais são do que um conjunto de idéias
outras culturas, impondo
predominantes, organizadas por meio dos produtos e processos da aprendizagem, que, de seu nível de tecnologia, a
forma direta ou indireta, interferiam na estruturação do contexto social e se mostravam como natureza de suas maneiras,
o desenvolvimento de
resultado dos conflitos de interesses dos grupos mais articulados.
sua cultura científica ou
sua visão de mundo (a
esse respeito, ver ELIAS,
Norbert. O processo
civilizador. v.1. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994. p. 23).

Aula 7 Fundamentos da Educação 103


Atividade 1
Faça uma lista dos instrumentos técnicos e tecnológicos (dos mais
1 antigos aos mais novos) que você considera indispensáveis no
processo educativo.

Como você define a expressão “cultura tecnológica”?


2

104 Aula 7 Fundamentos da Educação


De outra forma, mas ainda no contexto das idéias abstraídas do recorte histórico dos
séculos XX e XXI, passaremos a analisar aspectos da revolução eletroeletrônica e tecnológica, e
o que dela nos foi legado como forma e conteúdo para o que estamos denominando de cultura
tecnológica. A ênfase será para o desvio dos princípios da racionalidade e da modernidade
efetuado em nome da exploração econômica, a fim de estimular o desejo e as expectativas com
os novos direcionamentos para a racionalização e a modernização contemporâneas.

Acreditamos que a organização da cultura tecnológica contemporânea foi tecida em jogos


de interesses políticos, econômicos e ideológicos, já abordados em aulas anteriores, os quais
se entrelaçaram entre si como forças produtivas e ficaram ainda mais estreitos pela fusão da
técnica com a ciência para gerar a tecnologia dita moderna. Desse modo, as questões sobre
homem e mundo foram sendo atualizadas no que temos de mais evidente como caminhos
tanto da racionalidade quanto da irracionalidade, em nome da modernização.

Ora, estamos nos referindo aqui à relação direta do desenvolvimento da técnica e da


Ciência como estruturas geradoras e aglutinadoras de conhecimentos e experiências a serviço
do jogo de interesses políticos, econômicos e ideológicos que dinamizam as relações de
produção das sociedades. Essa dinâmica, no nosso entendimento, estimulou ações sociais e
culturais com conotações de “avanço”, mas a dimensão ideológica parece-nos ter desviado os
caminhos da racionalidade para a irracionalidade humana. Esse desvio fica mais claro quando
analisamos a difusão das idéias de “progresso” e “desenvolvimento”, na perspectiva ocidental,
como estratégias e fundamentos da modernização.

O século XIX e o início do século XX foram uma época de crise, um tempo em que as
pessoas se deixavam impressionar pela tecnologia e viajavam grandes distâncias para
se maravilhar com os motores a vapor nas feiras mundiais, um tempo em que os artistas
pintavam as novas forjas e fornalhas em dimensões romanticamente aumentadas. [...]
a combinação de grandes dimensões e alta complexidade, associadas aos sistemas
tecnológicos praticamente garantia que as catástrofes ocorreriam com freqüência bem
menor do que nos séculos anteriores. [...] à medida que os desastres eram controlados
no Ocidente [...] os próprios meios para preveni-los às vezes criavam o risco de desastre
ainda maior no futuro. Além disso, esses novos problemas eram freqüentemente de
natureza gradual distribuída e, portanto, muito mais difíceis de resolver do que os
problemas agudos, localizados (Tenner, 1997, p. 32).

É interessante perceber que o projeto de desenvolvimento técnico, e científico,


pelo que vimos, esteve muito presente no processo de colonização implementado pelo
Ocidente para expandir não apenas os limites geográficos de sua extensão territorial, mas,
principalmente, os limites de um modo de pensar e explorar economicamente que fornecia
as bases estruturais da modernização.

Para reforçar o que estamos dizendo, basta ver que a idéia de colonização, por exemplo,
foi objeto de implementação por parte dos países ditos desenvolvidos, visando forjar uma
falsa autorização internacional que os permitisse destruir territórios ou roubar a identidade
cultural dos países subdesenvolvidos ou emergentes. As guerras e as imposições econômicas,

Aula 7 Fundamentos da Educação 105


políticas, culturais e sociais foram amplamente utilizadas como instrumentos de poder e
soberania entre povos e nações (muito presente ainda hoje no cenário internacional).

Todo o cenário sugerido anteriormente foi montado e desenvolvido em nome da cultura


tecnológica que predominou no processo de modernização do mundo. Tal cultura foi gerada
e difundida como urgente e necessária para servir de erradicação da barbárie dos povos
primitivos. A cultura tecnológica despontou como modelo ideal de civilização, apontado pela
ciência e tecnologia como o melhor e o mais racional dentre os modelos até então concebidos
pela raça humana.

Para Tarnas (2000), a Ciência se desenvolveu e se projetou para a contemporaneidade


como salvadora da cultura moderna. Essa representação da Ciência, já assinalada anteriormente,
a caracterizou como caminho metodologicamente seguro para alcançar certezas teóricas e
facilitar o processo de compreensão do mundo. Isso tudo graças aos “poderes” advindos
com os avanços da previsibilidade de suas ações e pela “transparência” na manipulação dos
dados experimentais que impulsionavam o “controle” da natureza (TARNAS, 2000, p.306).

É importante observar que, apesar das conquistas científicas indicarem uma certa “segu-
rança” nos produtos da ciência e da tecnologia e gerarem uma crescente onda de aceitabilidade
da cultura tecnológica, ainda é grande o medo, o receio e o distanciamento da maioria da
população de se envolver pelos intrincados caminhos do conhecimento científico.

Você já deve ter percebido que a discussão conduzida até aqui está diretamente associada
a uma postura consciente e intencional da comunidade científica, que vincula os conceitos
de saber às estratégias de poder. Nessa discussão está inserida a perspectiva da educação
enquanto articulação formal de conteúdos e saberes que podem ser projetados como
conhecimento científico.
Saber-poder
Para compreendermos os efeitos do binômio saber-poder na organização da cultura
No momento, estamos tecnológica, adotaremos a mesma conotação com a qual esteve associada durante vários
usando essas expressões
períodos do desenvolvimento ocidental. Ou seja, associada ao conhecimento e à dominação.
no sentido mais amplo que
o termo possa oferecer: Nesse sentido, vamos retroceder um pouco na história da evolução humana para encontrar
conhecimento, dominação, traços da adequação entre o saber e o poder, inscritos nas ações aplicadas nos primórdios do
experiência individual,
modelo de dominação proposto pelo Ocidente e implícitas nas políticas de colonização que
exploração comercial
visando ao lucro excedente, foram efetivadas em nome do desenvolvimento econômico.
conhecimento técnico e
científico como visão de
A Europa seria a fábrica do universo, enquanto o resto do mundo seria fornecedor de
mundo superior etc. matérias-primas e produtos primários. Considerava-se que esta divisão ‘espontânea’
do trabalho correspondia aos dotes naturais de recursos de cada parceiro e oferecia
vantagens para todos. Ela jamais teria existido ‘naturalmente’ se a ordem colonial e
imperial não tivesse instituído pela violência aberta (abertura de mercados a tiros de
canhão, culturas obrigatórias) ou pela violência simbólica (intimidação, sedução).
(LATOUCHE, 1994, p.22).

O fato histórico anteriormente descrito nos permite perceber que além da preocupação
com a extensão territorial predominou o caráter de trocas comerciais de mercadorias que

106 Aula 7 Fundamentos da Educação


foram intensificadas a partir da segunda metade do século XIX com o desenvolvimento da
indústria na Europa. A Indústria, por sua vez, trouxe com ela o processo extremamente rápido
da produção com a utilização das máquinas e das tecnologias, transformando a estrutura
básica do mercado internacional, passando da esfera de simples circulação de mercadorias Desenvolvimento da
indústria na Europa
para a da produção. Kon (1998) aponta esse processo como movimento de transformação
O início da Indústria
e internacionalização do capital financeiro, resultando na acumulação de capital nos bancos,
Moderna foi possível
os quais unindo-se às empresas no processo produtivo passaram a atuar não apenas como graças a pelo menos dois
intermediários, mas como monopolistas do capital-dinheiro, de meios de produção e de fatores: a existência de
capital acumulado (boa
matéria-prima em vários países.
parte conseguido com
saques e explorações
Assim começou, portanto, o processo de consolidação do fenômeno da modernização,
em diversos níveis) e a
representando a independência valorativa de um modo de pensar e fazer racional. Esse existência de uma classe
fenômeno assumiu o objetivo ousado da “Modernização do Mundo”, sob o discurso inovador trabalhadora livre, sem
propriedades (resultante
da ciência e da técnica configurado na tecnologia. Nas rápidas transformações pelo mundo,
em sua grande maioria
renovaram-se, estrategicamente, as relações de exploração. A relação que anteriormente era dos fechamentos de
de senhor-escravo assumiu a forma do binômio patrão-empregado. terras e elevação dos
arrendamentos). (ANDERY,
Na mesma linha do processo de modernização, alteraram-se também as formas e os 1988, p.165).

instrumentos de dominação (a terra, o chicote); símbolos visíveis do poder deram lugar


à indústria e aos diversos produtos eletroeletrônicos que despontaram no mercado como
instrumentos de um saber e de um novo modo de fazer que exigia uma aproximação maior
com a linguagem técnica da Ciência.

Desse modo, a relação homem-natureza passou a ser conduzida pela Ciência, que assumiu
o papel de protagonista na reorientação do mundo em prol de uma cultura tecnológica. Assim,
o conteúdo e a forma do conhecimento, convertido em modelo do pensar moderno, avançaram
como racionalização do mundo e ganharam espaço no desenvolvimento econômico, social e
cultural. Tal dinâmica passou a adotar os padrões, o rigor e a precisão do método científico
como estratégia de legitimação do poder e do modelo ocidental de desenvolvimento.

A necessidade vinculada ao interesse no aumento da produção semeou o campo para o


cultivo da criatividade e da técnica. Essa conjunção de possibilidades somadas a um conjunto
maior de fatores contextuais desencadeou uma série de invenções e reações que mudaram
a dinâmica, os hábitos e os valores do homem moderno. Entrava em cena a máquina, com o
papel específico de substituir a força motriz, gerada pela energia humana e por outras fontes
de energia no processo de produção.

Com a introdução da máquina, elimina-se a necessidade seja de trabalhadores adultos


resistentes, seja de operários especializados e hábeis, uma vez que o operário nada
mais tem a fazer senão vigiar e corrigir o trabalho da máquina. Há, assim, uma maior
desqualificação do trabalho operário, que não mais precisa passar por uma longa
aprendizagem para exercer sua função: como conseqüência, torna-se possível a
utilização de mão-de-obra não qualificada (principalmente mulheres e crianças). [...]
o trabalhador perde o controle do processo de trabalho. É ele quem se adapta ao
processo de produção. A máquina determina o ritmo do trabalho e é responsável pela
qualidade do produto. (Andery, 1988, p.168).

Aula 7 Fundamentos da Educação 107


Assim, o moderno modo de pensar projetou-se dentro das novas orientações culturais.
O capitalismo, enquanto sistema econômico, disponibilizou os recursos necessários para
solidificar o processo de modernização e preparou o melhor ambiente futurista para a
exploração e a difusão dos produtos tecnológicos.

Atividade 2
Pesquise a diferença entre os conceitos de “Modernidade” e
1 “Modernização”.

A partir dos conceitos que você pesquisou, faça um breve comentário


2 sobre a influência da modernização na sua vida.

108 Aula 7 Fundamentos da Educação


A nova configuração social, advinda do rápido processo no qual se propagaram modelos
racionais de interpretações do mundo, reforçou a posição de superioridade do homem em
relação à natureza em relação aos outros homens e em relação a si próprio, posto que
atingíamos o ponto no qual o próprio homem se espantava com seus feitos. Isto é, uma
pequena amostra do espaço e do poder que a razão passou a ocupar na sociedade.

O método científico gerou atitudes mecanicistas também no pensamento político da


Europa dos séculos XVII e XVIII. O conhecimento da lei universal da aceleração, por exemplo,
levou as pessoas a achar que o progresso da sociedade também se aceleraria com o passar
do tempo. Regularidade e uniformidade tornaram-se a marca da sociedade ‘moderna’. Na
Inglaterra, a posição financeira da monarquia foi regularizada e uniformizada, por meio de um
salário real, e os assuntos nacionais passaram a ser codificados e monitorados pelo primeiro
banco nacional (BURKE, 1998, p.182).

O ritmo mais intenso das mudanças, ao mesmo tempo em que revelou a audácia humana
em avançar no processo de racionalização e modernização, imprimiu uma certa comodidade
ao indivíduo, que passou a ficar à mercê das intensas e ousadas inovações da Ciência e da
tecnologia, as quais delinearam com mais sistematicidade e rapidez o amplo processo de
modernização que chegou até nossos dias.

Com isso, não estamos querendo negar a necessidade de se investir nos projetos
tecnológicos. Apenas estamos ressaltando fatores que vieram junto com as novas perspectivas
da modernização, implementados sem uma prévia formação para conviver com os novos
instrumentos que passaram a ser o referencial da cultura tecnológica.

De modo geral, o fio histórico que nos trouxe até a nossa condição humana contemporânea
possibilitou percebermos o desenvolvimento de uma formação social e cultural de vários
períodos civilizatórios, traduzindo os “avanços” de modelo de modernização que congregou
traços da racionalidade e da irracionalidade, em um amplo movimento de transformações
formado paralelamente.

Por fim, podemos dizer que a tentativa de conhecer, mesmo sem saber o que, fez o
homem descobrir e assumir a postura de morador do mundo. À medida que passou a se sentir
mais seguro no mundo, o indivíduo percebeu que poderia ser, além de morador, também,
criador, administrador, explorador, destruidor, defensor, dominador etc. Essa descoberta faz,
ainda hoje, a diferença na dinâmica das relações estabelecidas entre o indivíduo e os outros
da mesma espécie, e, entre ele e a natureza que lhe é exterior.

Aula 7 Fundamentos da Educação 109


Atividade 3
Com base no conteúdo desta aula, escreva as principais referências sobre
“cultura tecnológica” e, em seguida, projete suas principais preocupações
para um futuro próximo.

Leituras Complementares
BURKE, James; ORNSTEIN, Robert. O presente do fazedor de machados: os dois gumes da
história da cultura humana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

Os autores criaram uma história imaginativa e brilhante que nos mostra elementos
significativos dos processos de desenvolvimento da cultura humana.

TENNER, Edward. A vingança da tecnologia: as irônicas conseqüências das inovações


mecânicas, químicas, biológicas e médicas. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

O autor discute de forma leve e clara as possíveis conseqüências do domínio da cultura


tecnológica. Nesta obra, Tenner faz uma incursão aprofundada sobre os paradoxos que
envolvem a criação e produção técnico-científica manifestadas nas irônicas conseqüências
que advêm do uso das máquinas e aparelhos eletro-eletrônicos que tomam conta do mundo
contemporâneo.

110 Aula 7 Fundamentos da Educação


Resumo
A abordagem desta aula ressaltou questões conceituais da interface educação-
tecnologia, procurando delinear configurações dos processos educativos
na perspectiva dos conhecimentos técnico-científicos, dentro do que
convencionamos chamar de cultura tecnológica. Vimos que o método científico
gerou atitudes mecanicistas no modo de pensar e de viver dos indivíduos em
relação a essa cultura e à Ciência. Vimos, também, que as categorias conceituais
conhecer, explorar e experimentar, sendo atributos da natureza interna do
indivíduo, passaram a ser cultivadas como fundamentos do espírito científico e,
portanto, incorporados como componentes da cultura tecnológica que passou a
ser o fio condutor do projeto de “Modernização do Mundo”. Na evolução histórica
das mudanças nos modos de produção, vimos alterações dos instrumentos
artesanais do modo simples de pensar para o cultivo da criatividade e da técnica.
Com isso, o trabalhador perdeu o controle do processo de trabalho e a máquina
passou a determinar o ritmo das atividades.

Autoavaliação
Aproveite sua perspectiva do futuro, expressa na Atividade 3, e imagine-se na
condição de um educador. Agora, descreva suas possíveis ações educativas
acreditando que estaria fazendo o melhor, enquanto educador, inserido numa
cultura tecnológica.

Aula 7 Fundamentos da Educação 111


Referências
ANDERY, Maria Amália et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de
Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.

BURKE, James; ORNSTEIN, Robert. O presente do fazedor de machados. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 1998.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

KON, Anita. Tecnologia e trabalho do cenário da globalização: desafios da globalização.


Petrópolis: Vozes, 1998.

LATOUCHE, Serge. A ocidentalização do mundo: ensaios sobre a significação, o alcance e os


limites da uniformização planetária. Petrópolis: Vozes, 1994.

TARNAS, Richard. A epopéia do pensamento ocidental: para compreender as idéias que


moldaram nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

TENNER, Edward. A vingança da tecnologia: as irônicas conseqüências das inovações


mecânicas, químicas, biológicas e médicas. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

Anotações

112 Aula 7 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 7 Fundamentos da Educação 113


Anotações

114 Aula 7 Fundamentos da Educação


Formação pedagógica
e cultura tecnológica

Aula

8
Apresentação

N
a aula 7 (Cultura tecnológica e Educação), vimos que o movimento de expansão do
desenvolvimento técnico-científico favoreceu o processo de modernização e gerou
o que hoje conhecemos por cultura tecnológica. Na área educacional, houve uma
ruptura com o modelo de educação tradicional em prol de uma educação tecnológica, a qual
se apresentou como exigência das transformações econômicas.

Ainda no que diz respeito ao conteúdo da aula anterior, tomamos como referencial,
para entender as alterações conceituais de interface entre cultura tecnológica e Educação, os
processos educativos que foram redimensionados na perspectiva dos conhecimentos técnico-
científicos. Tal redimensionamento nos fez ver que no espaço educativo começa a surgir uma
nova dimensão formadora, a qual se mostra com a finalidade de compor e justificar uma
perspectiva tecnológica cuja função é acomodar conflitos de ordem política, social e cultural,
a fim de solidificar as bases do sistema capitalista contemporâneo.

Nesta aula, retomaremos alguns conceitos da aula 7 e aprofundaremos as questões


específicas da formação pedagógica, bem como os principais conflitos gerados pelas
transformações técnicas, científicas e tecnológicas, implementados em nome da modernização
como fundamentos básicos de geração e alimentação da cultura tecnológica.

Objetivos
Apresentar a relação direta entre o desenvolvimento

1 técnico-científico, no contexto de modernização da


educação, e a formação pedagógica.

Abordar questões inerentes à formação pedagógica


2 como conseqüência da ruptura com os modelos de
educação tradicional em função de uma educação
tecnológica.

Destacar questões específicas da cultura tecnológica,


3 interferindo na configuração dos processos
pedagógicos.

Aula 8 Fundamentos da Educação 117


Bases políticas e econômicas
da cultura tecnológica

A
captação e a compreensão das implicações da cultura tecnológica nas escolas brasileiras
Dessacralização nos leva a percorrer caminhos, teóricos e práticos, pelos quais encontraremos
do mundo influências do produto tecnológico e da aceitação ou não da sua aplicabilidade no
Estamos aqui nos
cotidiano dos professores e dos alunos. Esse produto e suas respectivas implicações no
referindo aos processos contexto do educador e da educação brasileira, se bem analisado, nos ajudará a identificar os
teórico-metodológicos encantos e desencantos com os novos rumos dos processos educativos.
que a Ciência moderna
assumiu como alternativa
O esforço analítico a que nos referimos pode ser dimensionado ao compreendermos as
para explorar o mundo, o
homem e as relações entre transformações ocorridas a partir das invenções humanas realizadas no decorrer dos anos,
os dois, sem a interferência através do aprimoramento da técnica e da ciência que, como vimos em aulas anteriores,
da dimensão “divina”
resultou no que hoje chamamos de cultura tecnológica. De outro modo, a produção do
ou “sagrada” que se
evidenciou na Idade Média. conhecimento historicamente constituída seguiu os padrões de rigor do método científico, o
qual prioriza em sentido amplo a dessacralização do mundo.

A Ciência e os produtos gerados a partir do conhecimento técnico e científico serviram


de diretrizes para a modernização ocidental ao se mostrarem como alternativa de fuga da
barbárie e da ignorância humana e ao delinearem o progresso tecnológico rumo à civilização
moderna. No processo de dessacralização do mundo, a racionalidade científica surgiu como
protagonista da verdade e a matemática, como única linguagem capaz de decifrar os enigmas
dos deuses e das leis da natureza.

118 Aula 8 Fundamentos da Educação


A expansão da produção científica e da linguagem matemática possibilitou a união da
comunidade científica (cientistas e pesquisadores) com a elite financeira internacional (grandes
empresários e banqueiros). Devido a esse movimento expansivo, constituído em torno da
produção tecnológica, é que o mundo inteiro encontra-se ligado em rápidas redes de informações.
Assim, será pela compreensão do jogo de interesses científicos e financeiros que identificaremos
a idéia de crescimento econômico contida no projeto ocidental de desenvolvimento como caminho
para identificar o sentido e a legitimidade da cultura tecnológica.

A trilha de organização e implementação da modernização e da cultura tecnológica nos


levará até uma educação na qual encontraremos programas e ações políticas, de configurações
pedagógicas, influenciando os conteúdos curriculares das escolas. No foco atual das políticas
educacionais, encontra-se em destaque a informatização. Nesse caso, a informatização na
educação apresenta-se como forma de adequar a escola aos novos rumos do desenvolvimento
e como conteúdo de capacitação e inserção dos professores e dos alunos na cultura tecnológica.

Ora, sabemos que as informações, dependendo da forma como são veiculadas, poderão
esconder conflitos e interesses, principalmente, quando envolvem questões políticas e econômicas
que as fomentaram. Chamamos essa camuflagem, em aulas anteriores, de perspectiva ideológica.
Desse modo, os cursos de capacitação podem perfeitamente incorporar, sem discussão ou
demonstração de conflitos e divergência de interesse, as diretrizes da cultura tecnológica. Estas,
por sua vez, apontam para a idéia de modernização que se encontra sedimentada no uso dos
computadores, pondo de lado a própria discussão do que torna possível e melhor a organização
do trabalho educativo pelos educadores.

Assim, os educadores contemporâneos e o grande contingente dos alunos, principalmente


os oriundos de classes com baixo poder aquisitivo, convivem com a idéia, muitas vezes
repassada pelos programas oficiais de formação e capacitação, de que a informatização das
escolas e o computador são os “salvadores da pátria”. Nesse caso, estamos diante de uma
idéia ideologicamente distorcida, segundo a qual nos basta a dimensão técnica e o instrumento
tecnológico para superarmos as deficiências que se acumularam ao longo dos anos na educação.

O desvio ideológico ao qual nos referimos anteriormente ocorre pelo discurso, segundo
o qual a informatização da escola é tomada como condição suficiente de melhoria na qualidade
do ensino. Nesse discurso, destaca-se o esforço e o empenho do poder público em apresentar
respostas à sociedade e se escondem os questionamentos em torno da aplicabilidade crítico-
reflexiva dos conteúdos e recursos oferecidos pela máquina.

Queremos deixar claro que não estamos defendendo a tese da não-informatização das escolas.
Estamos apenas chamando a atenção para o fato de que, talvez antes da informatização, seja
necessário reorientar o discurso e a prática política e pedagógica, visando implementar dinâmicas
mais efetivas nas instituições educativas, a fim de favorecer um amplo processo de análise,
discussão e avaliação da aplicabilidade dos recursos humanos, materiais e tecnológicos.

No nosso entendimento, a implantação da informática, na educação, deverá ir além do


investimento em treinar professores e alunos para fazerem uso dos recursos inerentes aos

Aula 8 Fundamentos da Educação 119


instrumentos técnicos, o que reduz o papel da escola e do educador apenas à racionalidade
instrumental. Essa dimensão educativa limita a formação pedagógica apenas à compreensão do
modo como utilizar os computadores como mero instrumento de continuação de uma formação
pedagógica que não prioriza a crítica dos conteúdos e sua real importância na construção social
do indivíduo. No entanto, o que vemos chegar às escolas é um projeto de intenções com o
nome de informatização, no qual se percebe a simples presença de máquinas, representando
a expansão do mercado globalizado.

Atividade 1
Faça uma lista de palavras e objetos do mundo tecnológico, usados no
1 seu cotidiano, que represente, para você, “o ser moderno”.

Reflita sobre a lista que fez no item anterior e veja o que você conhece
2 da história dos objetos listados; em seguida, elabore um texto relatando
o que cada um deles mudou na sua vida a partir de sua aquisição.

120 Aula 8 Fundamentos da Educação


O discurso econômico e tecnológico
na prática político-pedagógica
Atualmente, o mundo inteiro encontra-se ligado através do fenômeno da universalização
da informação a qual representa parte do processo de modernização ocidental, em que a
tecnologia passou a responder às preocupações da sociedade contemporânea sobre o bem-
estar social. Ora, basta-nos uma breve contextualização dos processos de implementação da
cultura tecnológica para percebemos que na verdade o que ocorre, em nossa sociedade, é
apenas uma inversão dos valores sociais e culturais.

Essa inversão de valores é visível na educação, que deixou de ser vista como protagonista
de um conhecimento consistente e indispensável à evolução do homem. Ela, a educação, não
aparece mais no cenário mundial como condutora de metas e princípios valorativos a serem
seguidos e atingidos, como referência de uma boa formação cultural. A formação contemporânea
nos chega hoje pelos instrumentos técnicos conectados às redes de fibra ótica, via satélite. Isso
nos impressiona pelo formato impresso, visual ou oral, em que as informações são vinculadas,
na forma de sedutores pacotes prontos para serem consumidos compulsivamente.

Aula 8 Fundamentos da Educação 121


Ao homem, no avançado ponto de emancipação e modernização em que se encontra,
talvez fosse interessante retomar a pergunta das nossas primeiras aulas: para que educação?
Ou sondar se a educação ainda teria alguma utilidade em nossa moderna sociedade ou teria
chegado ao seu fim.

Quanto às respostas, parte delas já foi apresentada também em aulas anteriores. O foco
principal da questão nos remete à reflexão sobre os gastos com programas educativos que são
implementados a cada governo que assume e diz ter sob controle o rumo das mudanças sociais,
culturais, políticas e econômicas.

O que percebemos com as conseqüências da inversão dos valores sociais e culturais é a


angústia que a população carente sente ao ver fugir a esperança por dias melhores. Aqui, nos
referimos principalmente àquele indivíduo que cresceu ouvindo slogans do tipo “só através da
educação se consegue vencer na vida”, agora ele se vê sem o referencial de parâmetros para a
construção do futuro melhor, antes oferecido pela escola.

No Brasil, nosso referencial compreensivo deverá ser a partir do modelo de desenvolvimento


assumido no final da década de 60, início da década de 70, apropriadamente chamado de “Milagre
Brasileiro”. Nesse período, é possível identificar no modelo brasileiro a mesma idéia de crescimento
econômico contida no projeto ocidental de desenvolvimento.

O pressuposto para as análises sobre a modernização da educação brasileira está pautado


no fato de que, enquanto instituição social, a escola também procura encontrar seu espaço
no processo da modernização ocidental. Por sua vez, à educação é feita dupla exigência: por
um lado, sua modernização e, por outro, sua adequação à própria dinâmica do mercado. Tais
exigências ganham sentido e destaque quando vistas através da crescente onda de desemprego,
pobreza, violência e tráfico de drogas, que encurralaram a elite empresarial e financeira em seus
condomínios fechados.

Nesse ponto de conflito social, é cobrada uma política de educação, pois, a sociedade assusta-
se ao ver a massa “descontrolada”. Passa a ser necessário reativar urgentemente um mecanismo
de controle para a situação emergencial. Nesse caso, parece ser mais fácil e rápido retomar a
velha educação com uma roupagem diferente. Daí porque, no cerne das questões mundiais,
vemos a racionalidade técnica e científica ser envolvida pelo crescente desenvolvimento econômico
e a educação ser alvo de grande atenção, principalmente por parte das nações consideradas
emergentes, como é o caso do Brasil.

Atendendo, portanto, ao apelo do mercado econômico e das elites financeiras, internacional e


nacional, o Governo Federal, através dos seus técnicos e especialistas, implementa a modernização
do país e da educação com projetos e programas que chegam às escolas na forma de pacotes
e ações com o intuito de injetar na educação um ensino voltado para receber e alocar os
computadores como instrumentos de linguagem matemática que serão os indicadores da “nova”
formação pedagógica.

Mas, o que vemos na nossa realidade se apresentar como “nova” formação pedagógica é
apenas uma troca de roupagem tecnológica. Pois, basta uma pequena incursão pelas escolas do

122 Aula 8 Fundamentos da Educação


nosso país, que facilmente encontraremos ainda em uso antigas práticas educativas como “retirar”
letras do quadro; de deixar o aluno de castigo e sem direito ao recreio e à merenda; ou mesmo de
não se sentir com a competência técnica para usar os novos instrumentos tecnológicos.

O novo ambiente anunciado como modernização das escolas, no qual os educadores são
convocados a configurar seu cotidiano educativo, encontra-se apenas no discurso político do
governo, responsável direto pela nova dinâmica de ensino e formação global do indivíduo. A
forma leve, descontraída e mais ativa para a educação em todos os níveis é difundida graças
aos encantos produzidos pelos instrumentos tecnológicos.

Atividade 2
Você conseguiria viver, hoje, sem os produtos da tecnologia? Procure
1 refletir e responder à questão, fazendo uma referência às mudanças
ocorridas na educação sob a influência direta da tecnologia.

O que mais lhe atrai, hoje, no espaço educativo, em relação à tecnologia?


2 Faça um comentário focalizando a perspectiva crítico-reflexiva sobre o
uso da tecnologia na formação pedagógica.

Aula 8 Fundamentos da Educação 123


A informação tecnológica e a
formação pedagógica
No Brasil, como vimos anteriormente, o discurso de mudanças e de modernização para
a educação vem de longas datas. Hoje ocupa grande espaço nos meios de comunicação,
enfatizando principalmente a criação dos Centros e Núcleos de Informática, Cursos a distância,
Razão instrumental
inclusão digital etc. Percebe-se o envolvimento e a participação das Secretarias Estaduais
Conceito desenvolvido e Municipais de Educação, como a implantação do Proinfo - Programa de Informática na
por pensadores como
Max Weber, Habermas,
Educação (desde 2000), programa apresentado à sociedade como resposta aos novos desafios
Adorno e Horkheimer enfrentados pela educação.
para expressar limites
na aplicação ou Por outro lado, ao que nos parece, as informações veiculadas nos cursos de capacitação
operacionalização do dos programas de informatização da rede pública de ensino apontam para uma orientação
conceito de razão. Na
maioria das vezes, essa
em que prevalece ainda a Razão instrumental enquanto idéia sedimentada no uso dos
expressão foi, e ainda computadores e na tecnologia dos sistemas operacionais, deixando de lado a preocupação
é, utilizada para fazer maior com as reflexões sobre os conteúdos discursivos que têm servido de pressuposto na
referência a uma atividade
da razão sob a forma de
organização do trabalho crítico e criativo dos educadores.
ação racional unicamente
preocupada em atingir um
Para nós, essa questão diz respeito a uma política estrutural em nível nacional, que se
fim técnico, específico, encontra refletida, e reforçada, na política local através dos discursos em tons democráticos.
institucional, negando-lhe Tais discursos, por sua vez, ressaltam a descentralização e a autonomia das atividades para
o sentido teórico, crítico e
reflexivo para atingir uma
justificar o modelo de modernização de educação pautado em determinações que não se
visão racional do todo. adequam à realidade educacional regional.

124 Aula 8 Fundamentos da Educação


As determinações são seguidas de perto pelos que coordenam e executam os projetos
estaduais e municipais, sem levar em conta as contradições inseridas na proposta, mas
apenas o esforço para atingir um plano de modernização que se encontra no discurso, através
de uma aparente adequação das exigências do mercado nacional e internacional à realidade
educacional local. É nesse sentido que dizemos que os programas oficiais de modernização
da educação, com o nome de informatização, apresentam ainda fortes indicadores da idéia
de “salvador da pátria”.

Portanto, no nosso entendimento, a formação pedagógica na cultura tecnológica


contemporânea, com o pseudônimo de modernização da educação, tem a difícil
responsabilidade de conviver sob uma cobertura de vidro construída sobre os pilares da
educação tecnológica. Ironicamente, a obra é destinada aos educadores, exaltados como
pioneiros e salvadores da pátria. A eles, o apelo da modernização é apenas para que fiquem
susceptíveis às transformações, aceitando e convivendo com elas passivamente sem questionar
as reais implicações para suas vidas.

A discussão da formação pedagógica na cultura tecnológica comporta ainda questões


que vão desde a falta de recursos humanos e materiais, para serem executadas as ações
cotidianas, até a falta de apoio moral e intelectual, para se planejar as próprias atividades
pedagógicas. Os técnicos e os políticos, que manipulam os recursos necessários para
suprir tais exigências, justificam que os recursos são suficientes apenas para atender
as necessidades básicas de mudanças estruturais aparentes, como aquelas de caráter
meramente burocrático.

Nesse sentido, percebemos que entram em cena os velhos e mesmos discursos de falta
de verbas para a educação. No entanto, o diferencial, hoje, é que o discurso que justifica a
urgência e necessidade da informatização na escola, é aceito sem questionamentos por ser
condição (para alguns) imprescindível de melhoria na qualidade do ensino. Evidenciam-se
desse modo o esforço e o empenho do poder público em apresentar respostas apressadas e,
portanto, vazias de conteúdo, à sociedade.

O que fazer diante dessa constatação? Aceitar de modo inquestionável a extensão


instrumental e técnica da modernização como solução dos problemas da educação? Temos
condições de desviar os rumos e perspectivas do desenvolvimento econômico, que enfatiza
a virtualização da realidade e a universalização da cultura como formas de minimização da
pobreza? Ainda há tempo, na educação, para cultivar uma formação crítica e cultural dos
indivíduos? Ou estaremos fadados a nos render aos encantos da racionalidade técnica
instrumental, que se preocupa apenas em assegurar o status de indivíduo moderno, exigido
pelas alterações econômicas?

A conclusão, parcial, a que chegamos, nesta aula, aponta como alternativa para a
atual modernização da educação uma ação integrada por parte de órgãos governamentais
e entidades da sociedade civil organizada, na qual haja um re-direcionamento político e
pedagógico dos programas de informatização da educação. Essa reorientação se daria
na própria estrutura técnica e pedagógica do programa, através da descentralização das

Aula 8 Fundamentos da Educação 125


atividades e da dinâmica mais efetiva de socialização do conteúdo entre os educadores
e as instituições envolvidas.

A execução dos programas de informatização da educação, por sua vez, deverá


ser permanentemente acompanhada de um amplo processo de análise, discussão e
avaliação da aplicabilidade dos recursos humanos, materiais e tecnológicos. Assim,
a formação pedagógica na cultura tecnológica deverá ocorrer apoiada em reflexões e
análises dos processos técnicos e pedagógicos que norteiam o uso dos instrumentos
técnicos, de modo a poder oferecer, possivelmente através da informática educativa, um
reforço instrumental a mais para o educador continuar ampliando os caminhos que se
entrecruzam na dimensão do ensino-aprendizagem.

Leituras Complementares
SETZER, Valdemar W. Meios eletrônicos e educação: uma visão alternativa. São Paulo:
Escrituras, 2001. (Coleção Ensaios transversais).

Nesta obra, o autor articula reflexões teóricas e ações cotidianas em busca de uma melhor
compreensão para o tema que relaciona as implicações da tecnologia na educação.

LEITE, Lígia Silva (Org.). Tecnologia educacional: descubra suas possibilidades na sala de
aula. Petrópolis: Vozes, 2003.

Este livro oferece discussões sobre alternativas e possibilidades que surgem com a
presença da tecnologia na sala de aula, apoiado numa visão crítica do uso dos instrumentos
tecnológicos.

126 Aula 8 Fundamentos da Educação


Resumo
Você observou nesta aula que a racionalidade técnica e científica surgiu como
protagonista da sociedade moderna e se difundiu como produção tecnológica,
propagando a universalização da informação e a implementação da cultura
tecnológica. A atualização permanente desse movimento de modernização
alterou os processos educativos e a formação pedagógica em todos os
níveis da educação. Para quem cresceu ouvindo slogans do tipo “só através
da educação se consegue vencer na vida”, agora se vê sem o referencial de
parâmetros para a construção do futuro melhor. Na modernização da educação
brasileira, a escola ainda procura encontrar seu espaço. Você observou também
que os programas oficiais de modernização da educação, com o nome de
informatização, apresentam ainda fortes indicadores da idéia de “salvador da
pátria” e são oferecidos à sociedade como instrumentos de superação das
crônicas deficiências que a educação acumulou ao longo dos anos. Nosso
entendimento é o de que a formação pedagógica na cultura tecnológica deverá
ocorrer apoiada em reflexões e análises dos processos técnicos e pedagógicos
que norteiam o uso dos instrumentos técnicos.

Autoavaliação
Faça uma reflexão sobre a influência da tecnologia na sua formação
profissional e, em seguida, escreva um texto em que você disserte sobre tal
influência. Tome como referencial reflexivo e dissertativo a seguinte questão:
“Qual o papel da educação na sociedade contemporânea?”.

Aula 8 Fundamentos da Educação 127


Referências
LEITE, Lígia Silva (Org.). Tecnologia educacional: descubra suas possibilidades na sala de aula.
Petrópolis: Vozes, 2003.

PACHECO, Elza Dias (Org.). Televisão, criança, imaginário e educação. Campinas: Papirus, 1998.

PIRES, João Maria. Tramas da (ir)racionalidade contemporânea para a composição


do mito-tecno-lógico. Tese (doutorado em educação) – Programa de Pós-graduação em
educação, UFRN, Natal, 2004.

SETZER, Valdemar W. Meios eletrônicos e educação: uma visão alternativa. São Paulo:
Escrituras, 2001.

Anotações

128 Aula 8 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 8 Fundamentos da Educação 129


Anotações

130 Aula 8 Fundamentos da Educação


A dimensão pedagógica
e as inovações da cultura
tecnológica

Aula

9
Apresentação

A
lgumas questões que tratam da formação docente estão postas já há algum tempo.
Entretanto, as que tratam da emergente cultura tecnológica são tímidas e vistas, de um
certo modo, com desconfiança, embora muita coisa a esse respeito já tenha sido dita.
Tais como: em que mundo nós vivemos? Quais os comportamentos que cultivamos? Como
nos portamos neste mundo? Onde e como aprendemos determinados comportamentos?
Essas questões rondam os homens desde quando eles se identificaram como seres pensantes
e organizadores do espaço, do tempo e das manifestações de sua cultura. Portanto, o nosso
modo de ver e de viver este mundo, assim como nossas explicações para compreendê-lo,
acompanha os movimentos que regem determinadas épocas.

No presente, vivemos em um mundo cujas relações de trabalho, sociais e de lazer são


intermediadas pela ação direta dos sistemas tecnológicos que são incorporados às máquinas
modernas. Daí, as questões que se colocam no momento serem do tipo: como conviver
com os recursos e/ou meios tecnológicos que regem a vida moderna sem perder a nossa
humanidade? Como viver e conviver em uma estrutura que sistematicamente transforma
processos, revoluciona organizações e relações de trabalho, sociedades, culturas e homens?
Qual o poder que esses processos e máquinas possuem de fato e suas limitações? E como
devemos nos portar diante deles?

Deu para sentir que não estamos falando de uma sociedade qualquer e que não existem
formulas mágicas para encará-la de frente. Vemos que as questões nos levam a um grau
de complexidade tal, que somente uma análise mais aprofundada nos daria a dimensão
da sociedade na qual vivemos atualmente. Assim, sem pretensões de dar conta de toda a
complexidade que envolve essa estrutura, tentaremos nesta aula compreender um pouco mais
a dinâmica da formação da cultura tecnológica, sua vinculação com a educação e a formação
pedagógica que prepara os indivíduos para se integrarem melhor a esse contexto.

Aula 9 Fundamentos da Educação 133


Objetivos
Estabelecer relações entre a cultura tecnológica, o
1 processo educativo e a formação pedagógica.

Identificar como a escola responde às exigências das


2 sociedades regidas por princípios técnicos e tecnológicos.

Inovações da cultura tecnológica


e a dinâmica pedagógica
Em toda caminhada investigativa empreendida nesta disciplina, estivemos apresentando
informações necessárias à compreensão das várias manifestações conceituais e estruturais da
educação como instrumento de formação e transformação individual e coletiva, com o objetivo
de ampliar essa compreensão.

Agora, como você já dispõe de um número significativo de informações sobre educação,


conhecimento, ciência e tecnologia, queremos mudar um pouco nossa estratégia de abordagem.
A proposta é que você avance na sua dimensão interpretativa a partir da reflexão de alguns
conceitos de que já dispõe e que, na maioria das vezes, faz uso deles sem a preocupação
específica de aprofundá-los.

Nesse sentido, queremos que você se perceba como sujeito histórico que, no presente, vive
em um mundo cujas relações de trabalho, sociais e de lazer são intermediadas pela ação direta
dos sistemas tecnológicos, uma vez que você se move, age, reage e interage com máquinas
modernas através dos mais variados recursos tecnológicos. Dessa forma, é que as questões
anteriormente abordadas servem como estímulo investigativo para você se perceber enquanto
indivíduo contemporâneo, preocupado em conhecer seu espaço e o seu papel nesta sociedade.
Assim, você pode se questionar sobre como a educação poderá acompanhar e ajudar nas
novas relações de convivência que se estabelecem no momento atual, viabilizadas pelos amplos
recursos e meios tecnológicos que regem a vida moderna. É com essa intenção que iniciamos
nossa abordagem sugerindo que você responda às questões seguintes.

134 Aula 9 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Você já se deu conta de em qual mundo está vivendo? Pense e escreva
1 livremente sobre isso.

Observe e descreva como as pessoas estão vivendo e como se


2 relacionam com a parafernália tecnológica a sua volta.

Você já observou como as pessoas se portam diante das máquinas que


3 manipulam cotidianamente? Comente sobre isso.

Agora que você respondeu às questões propostas, deve ter observado que nos
relacionamos com a tecnologia de diferentes maneiras e em diferentes níveis. Alguns
mais avançados e sofisticados, outros menos avançados e sem qualquer sofisticação,
outros, ainda, que não tiveram oportunidade de acesso a nenhum desses sistemas. Mas,
mesmo existindo essas diferenças, não podemos negar que para a sociedade, já foi
disponibilizado o consumo dos recursos tecnológicos. Portanto, em tese, a tecnologia e os

Aula 9 Fundamentos da Educação 135


seus infinitos recursos também estão acessíveis ao grande público por serem considerados
de fácil assimilação e manipulação. Basta ver a quantidade de aparelhos tecnológicos que
consideramos “domésticos”, tais como: o rádio, a tv, o vídeo, os aparelhos de DVD, CD e
MP3, os computadores, os aparelhos de jogos eletrônicos de todo tipo e modelo etc.

A essa altura, você também já deve ter notado que, na economia, o uso das novas
tecnologias é determinante para consolidar produtos já existentes e ampliar os novos rumos
das relações sociais de produção. Uma rápida olhada a nossa volta é o suficiente para
compreendermos por que a tecnologia se encontra na base de produção da existência humana:
justamente porque ela está em produtos que vão do alimento ao vestuário, na medicina, na
indústria farmacêutica, nos serviços em geral e, particularmente, nos prestadores de serviço
público ou privado.

Desse modo, lojas comerciais, bancos e repartições públicas reforçam a idéia de que hoje
nada é feito ou produzido sem a intermediação da maquinaria. Outra referência à influência
que a tecnologia exerce nas nossas vidas está na base da estrutura em que se encontram os
procedimentos da comunicação de massa e do sistema informacional. Os meios que nos permitem
enviar e receber mensagens foram alvo dos interesses público e privado e, por isso, conquistaram
espaços de destaque na sociedade contemporânea. Isso ocorreu graças às pesquisas nas ciências,
na eletrônica e na telefonia fixa e móvel, que resultaram em produtos tecnológicos inovadores na
área das comunicações, como o advento da Internet e do telefone celular.

Não podemos esquecer, ainda na área da comunicação, o espaço conquistado pela


publicidade. É possível encontrá-la tanto no formato do mais simples panfleto quanto no
mais sofisticado (e enorme) dos letreiros luminosos que vemos piscando sistematicamente
diante de nós. Assim, é impossível pensar a vida hoje sem o uso de um recurso tecnológico
qualquer. Numa certa perspectiva, eles chegam involuntariamente, não importa se essa
sociedade é desenvolvida ou não. O que constatamos, em uma certa medida e proporção, é
que os processos tecnológicos são altamente democráticos.

Resta-nos, numa tentativa de juntar o útil (a tecnologia) ao fundamental (a educação),


questionar sobre o importante papel que a educação poderá assumir neste crescente contexto
de inovação tecnológica. Poderemos, pois, nos perguntar como a educação é influenciada
por essas mudanças. Ou, ainda, como ocorre, nos dias atuais, a formação daqueles que são
responsáveis pela modelação dos valores e do pensamento crítico-reflexivo das gerações do
futuro que ora vislumbramos, ou seja, qual futuro vemos modelar-se diante de nós.

Essas e outras questões poderão nos ajudar a compreender nosso papel na sociedade
contemporânea, bem como facilitar uma possível tomada de decisão para o uso que faremos
dos ricos recursos incorporados aos produtos tecnológicos a que temos acesso. Nesse sentido,
sugerimos que continue sua investigação crítico-reflexiva e procure canalizar suas idéias para
compreender o uso possível dos processos e recursos da tecnologia no âmbito da educação.

136 Aula 9 Fundamentos da Educação


Aprofundando a conversa
Como percebemos, a vida, em todas as suas dimensões, vem sendo alterada
sistematicamente em função das transformações tecnológicas. Tais transformações modificaram
os processos de produção das mercadorias, as relações de trabalho e, conseqüentemente, as
várias dimensões das relações sociais. Ora, sabemos que toda essa dinâmica de mudanças e
transformações que a sociedade contemporânea vivencia, sob a influência da tecnologia, tem
sua razão de ser. É visível o direcionamento de recursos e interesses em pesquisas e produção
de conhecimento capazes de gerar inovações e alterações significativas nos modelos de uso
e consumo dos produtos tecnológicos.

Não podemos perder de vista que os interesses traduzidos em investimentos nas


inovações dos processos tecnológicos têm sua razão de ser nas idéias e ideais incorporados
aos produtos. Tais idéias facilmente são difundidas por todas as esferas da sociedade, impondo
uma lógica de assimilação e incorporação de valores que justificam sua própria existência – a
racionalidade tecnológica. É importante lembrar que, tradicionalmente, a fonte de reprodução
humana esteve associada à relação do homem com a natureza. Portanto, independentemente
da classe social, foi através de sua intervenção na natureza que o homem conseguiu extrair o
necessário para sua sobrevivência e reprodução.

Por outro lado, a questão que se apresenta hoje está associada ao fato do homem continuar
interferindo na natureza, sendo que, agora, não mais com fins específicos de sobrevivência,
mas com finalidades de maximização dos lucros e reprodução de capital. Nessa perspectiva,
queremos que você compreenda que a racionalidade contemporânea, na sua versão tecnológica,
tem o importante papel de ampliar o controle e a dominação do mercado de trabalho e dos

Aula 9 Fundamentos da Educação 137


capitais financeiros envolvidos. Isso nos leva a admitir a possibilidade de que a lógica implícita
no que estamos chamando de racionalidade tecnológica se encontre configurada na própria luta
pelo controle e aparelhamento das instituições da sociedade civil.

Os princípios lógico-formais que compõem os sistemas tecnológicos também são extensivos às


esferas sociais fora das relações de produção de bens materiais. Desse modo, a educação e a cultura
sofrem também grande influência da racionalidade tecnológica por se encontrarem diretamente ligadas
às mudanças que ocorrem na base produtiva e nas relações sociais.

Aprofundemos agora essa questão, na tentativa de compreender algumas influências que a


racionalidade tecnológica exerce sobre a educação. Sugerimos começar identificando alguns critérios
que a Educação adota para estabelecer uma política de formação técnica, tecnológica e científica.
Em seguida, relacionaremos tal formação com as necessidades de desenvolvimento da economia,
isso porque compreendemos que a razão da existência dos sistemas tecnológicos é historicamente
determinada a partir desse tipo de desenvolvimento.

Ora, a questão que se coloca hoje não é mais a da aceitação ou não da razão sistêmica, científica
e tecnológica como organização dos sistemas. Ou mesmo a discussão sobre qual racionalidade se
encontra embutida nos processos e recursos que movimentam as máquinas, mas, sim, a forma
de convivência pacífica e criativa com toda a parafernália tecnológica. De resto, no dizer de George
Simodon (1985), sobram apenas a “ignorância e o ressentimento”.

Com isso, destacamos que ignorar a cultura técnica nos períodos da primeira e da segunda
revolução capitalista, como se fez no Brasil, foi um grande equívoco do processo educativo. Acreditava-
se que formar bacharéis em direito e letrados generalistas, em detrimento das ciências e das técnicas,
era sinal de desenvolvimento. Na realidade, o que vimos foi o desenvolvimento tecnológico influenciar
a vida em todas as suas dimensões e em escala global, o que implicou compreender a razão técnico-
científica e tecnológica como uma realidade que possui forma própria de se instalar e se reproduzir.

Lembramos que esse fato teve, e ainda tem, implicações diretas na formação dos indivíduos.
Isso se justifica porque é a educação que permite a formação, a especialização e o aperfeiçoamento
dos indivíduos para operar os sistemas de maximização das estruturas econômica e social.

Já sei, você agora está curioso para saber como se dá esse processo, não é?

O primeiro passo é, então, relembrar que, tradicionalmente, na educação brasileira, a formação


moral e cívica vinha em primeiro lugar. Hoje, notamos que o mercado de trabalho absorve mão-
de-obra cada vez mais cedo. Isso nos leva ao segundo passo: compreender por que uma parte
da formação é realizada como capacitação em serviço e, por vezes, antes mesmo do acesso aos
bancos escolares nos diferentes níveis.

Não esqueça que estamos tratando aqui da revolução ocorrida no mundo do trabalho e do que
influencia diretamente as mudanças no sistema de ensino e de educação. A dinâmica e o ritmo das
mudanças contemporâneas não esperam mais que o jovem passe por uma formação escolar de 20
ou 25 anos para ingressar no mercado de trabalho. Por outro lado, ainda é necessário reter uma elite

138 Aula 9 Fundamentos da Educação


dentro do sistema educacional, a fim de que se especialize para desempenhar bem atividades mais
sofisticadas, aquelas consideradas “de ponta”.

Espero que você esteja acompanhando o nosso raciocínio e entenda que não estamos
mais falando de uma sociedade primária, aquela na qual as relações eram estabelecidas de
maneira simples, direta e, via de regra, executadas com base na improvisação. Também não
estamos nos referindo a sua sucessora, a sociedade técnica, composta de homens com
uma certa destreza motora e alguns rudimentos de leitura, contagem e escrita, os quais se
colocavam diante das máquinas e as operavam mecanicamente.

A dinâmica aqui destacada refere-se às sociedades modernas ou pós-modernas, que


desenvolveram o grau máximo de racionalidade e de criatividade, não como saber-fazer destituído
de um conhecimento prévio, mas como modelo de organização cuja base é a informação e a
especialização. Nessa perspectiva, René de Paula Junior, diretor de conteúdo da Yahoo Brasil,
atuando na Internet desde 1996, em artigo escrito para a revista Webdesign, diz que:

[...] Alguém nos convenceu que genialidade é improviso, é inspiração, nasce por
arroubos criativos, que rigor e método é coisa para quem não tem talento. Balela:
Picasso dominava as técnicas clássicas, Bethoven rabiscava as partituras, os
acrobatas do cirque de soleil se esfalfam o dia inteiro para poder dar uma pirueta
graciosa (PAULA JUNIOR, 2005, p. 60).

Vemos, portanto, que a sociedade que possui grau de complexidade maior precisa ser
compreendida a partir das transformações ocorridas ao longo do tempo, como as que foram
expressas na citação anterior e as que podemos captar no seguinte depoimento de Dominique
Gellec e Pierre Ralle, em entrevista ao Jornal Le Monde.

O único fator de crescimento no passado foi a acumulação de capital físico,


submetido paralelamente a rendimentos decrescentes [...] para as novas teorias, as
fontes de crescimento são mais diversificadas: capital físico, mas também capital
humano (volume dos conhecimentos, saúde, higiene, aprendizagem prática, divisão
do trabalho e tamanho do mercado), bens públicos de toda ordem (transportes,
telecomunicações, segurança, direito a propriedade e desenvolvimento das ciências
fundamentais). (GELLEC; RALLE, 1995, p. 15).

Esse pensamento também foi corroborado por Michel Lent Schwartzman, designer
gráfico e mestre em telecomunicações interativas (TI), que trabalha no ramo de informática
desde 1995:

Necessitamos de bons designers de interface. Bons, não, os melhores! E o mercado já


tem gente muito boa. Uma turma cada vez melhor, muitos premiados internacionalmente.
Junto com a turma da interface, precisa vir a turma da TI. Um não funciona sem o outro.
O programador de hoje é um cara diferente. Uma turma de fera que começa cada dia mais
cedo. Imagine, tem gente programando PHP desde os nove, fazendo música, jogando
bola. Uma beleza! Resolvido. [...] Ok, teremos uma ótima produção. Mas, e o resto da
equipe? Oh – Oh. Alguém aí perguntou que resto da equipe? Hum, olha aí o problema.
(SCHWARTZMAN, 2005, p. 58).

Aula 9 Fundamentos da Educação 139


Como vemos, a questão da cultura tecnológica não está ligada apenas à utilização da
parafernália tecnológica, mas também às formas de sobrevivência que os homens criam
buscando interação com os novos instrumentos de trabalho. Dentre estes, encontram-se o
acesso e a formação adequada para melhor inserir-se no mercado de trabalho. Destacamos
ainda como parte da cultura tecnológica adequações para as mudanças no modo de se
relacionar socialmente, que agora conta com os instrumentos e os recursos tecnológicos
como mediadores no processo de comunicação de massa. Tudo isso para tentar viver
com mais conforto e segurança.

Nessa perspectiva, passamos a reivindicar da Educação respostas aos novos desafios


sociais e culturais, exigindo que cumpra sua função crítico-pedagógica que é permitir o
aumento das capacidades técnicas e a elevação dos níveis de especialização dos indivíduos,
para melhor atender as exigências de um mercado cada vez mais flutuante. Da Educação se
exige, no mínimo, a preparação da mão-de-obra no nível básico e, no máximo, a qualificação
para os níveis intermediários e superior, como condições primordiais para o desenvolvimento
econômico e para a elevação da capacidade técnica e científica dos indivíduos.

Como estímulo para melhor assimilação e compreensão reflexiva do conteúdo


apresentado, propomos a você algumas questões.

Atividade 2
Como você vê a preparação de professores para lidar com as novas
1 tecnologias em ambiente de ensino?

Como você vê o uso dos recursos tecnológicos da comunicação e


2 informação em ambiente escolar?

140 Aula 9 Fundamentos da Educação


A aplicação dos recursos
tecnológicos à educação
Parece-nos que a questão do uso de instrumentos tecnológicos em educação ainda
é um desafio para os professores, pois apesar de já existir um consenso entre eles de que
essas ferramentas são recursos auxiliares importantes no seu trabalho, a formação que lhes é
destinada tem sido centralizada no uso instrumental dos programas já existentes, deixando de
lado uma parte importante da formação: a compreensão dos sistemas e suas potencialidades
em ambiente escolar, meio pelo qual poderiam utilizar o seu potencial criativo (assim como
o dos alunos), fugindo do famigerado copiar/colar, tão em moda nos meios acadêmicos do
Ensino Fundamental e da universidade.

No passado recente, mais precisamente nos anos sessenta e setenta, negava-se a


importância do uso dos meios e/ou recursos tecnológicos no ensino-aprendizagem. Nos anos
oitenta, a universalização das políticas públicas voltadas para a inclusão dos recursos tecnológicos
em ambiente de sala de aula abriu fronteira para o uso da tv e do vídeo na educação, ainda que
timidamente. Na década seguinte, a discussão sobre os meios tecnológicos no processo de ensino
se deslocou da negação, para uma aceitação com reservas.

Aqui devemos nos questionar como as escolas e os professores foram incorporados à lógica
da cultura tecnológica e quais meios e recursos do mundo da informação e da comunicação são
melhores para serem usados em sala de aula. Essa incorporação existe e se deu ao longo de mais
de trinta anos de políticas públicas voltadas para o uso racional da tecnologia no processo de

Aula 9 Fundamentos da Educação 141


ensino, em função da emergência de adequar a educação à realidade de mercado sem, contudo,
perder de vista a sua função de preparar o homem na sua integralidade.

Percebemos, pois, que muito já foi feito e muito ainda está por fazer. Isso não significa
dizer que a educação deve ajustar-se às regras do jogo de mercado (embora esse seja o desejo
dos empresários), mas que deve ficar atenta às necessidades dele e, sobretudo, dos jovens
que necessitam de preparação para esse ambiente competitivo, o qual exige do profissional e,
conseqüentemente, da escola cada vez mais qualificação para preencher novas funções.

Como, então, fazer isso com um sistema de ensino altamente academicista e/ou teórico?
Daí, nos perguntarmos qual a função de um processo educacional cujas bases de formação
não respondem à emergência de um projeto de desenvolvimento. Ora, sabemos que desde os
anos cinqüenta vem sendo feito um esforço para enquadrar a educação nacional às políticas
desenvolvimentistas, entretanto, as forças conservadoras centralizaram o pensamento educacional
e de ensino no âmbito das letras e humanidades, deixando na marginalidade o ensino técnico e
científico. Isso porque se pensava que o ensino técnico profissional tinha menor valor em relação
ao aprendizado das letras. Nesse sentido, quando o ensino profissional foi criado estava destinado
aos pobres e/ou filhos da classe trabalhadora, enquanto o ensino letrado restringia-se às elites, que
podiam ainda complementá-lo no exterior do país.

Essa realidade começa a mudar somente nos anos setenta com a implantação da lei 5.692/71
que obriga todo o Ensino Fundamental a tratar da questão do trabalho, propondo uma terminalidade
na 8º série do 1º grau, assim como no ensino técnico profissional de 2º grau. Essa obrigatoriedade
não foi acompanhada pela iniciativa privada, a qual continuou fazendo ensino propedêutico e
preparando os indivíduos para o ingresso no Ensino Superior. Nas escolas públicas, alguns projetos
pilotos foram implementados, mas as condições precárias dessas escolas e a realidade financeira da
educação obrigaram o governo a liberar o sistema, retirando a obrigatoriedade do ensino profissional
em todo país. Esse recuo deveu-se à realização de avaliações de cunho oficial no final dos anos
setenta, nas quais o MEC reconhecia a falência do ensino, apesar dos esforços e da expansão
qualitativa ocorrida. Diante dos índices de rendimento considerados muito baixos, isso era indício
de que tinha ocorrido um aumento significativo dos níveis de seletividade do ensino, assunto já
tratado em aulas anteriores da nossa disciplina.

O entendimento era o de que as causas da baixa qualidade do ensino e dos elevados índices
de repetência e de analfabetismo haviam sido provocados por uma formação inadequada dos
docentes. Esse argumento era suficiente para justificar uma série de experimentos educacionais,
dentre os quais se destacam o Programa de Melhoria do Ensino Médio (PREMEM), o Programa
de Assistência aos Municípios (PAEN) e o Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para
as populações carentes da cidade e do campo (PRODASEC URBANO E RURAL).

Como vimos, as ações naquele momento tentavam dar conta da precariedade das escolas
e de questões macro-sociais, como o empobrecimento da população, o analfabetismo e
o enfraquecimento cultural. No final dos anos oitenta e início dos anos noventa, o avanço do
capitalismo em escala mundial e a nova ordenação da economia baseada no desenvolvimento
técnico e científico impulsionaram os governos a continuarem com as ações educativas em

142 Aula 9 Fundamentos da Educação


caráter emergencial. Nesse sentido, as ações sob a forma de projetos se consolidaram como um
modo especial de implementar políticas públicas de educação.

Assim, surgem os programas e/ou projetos que dotam as escolas com aparelhos da
comunicação de massa para fins de educação e ensino. Outros projetos tratavam da capacitação
de professores. Dentre esses programas, encontram-se os de educação a distância que tinham sido
criados na década de setenta. O telecurso de 2º grau se revitalizou e se ampliou dando origem ao
telecurso de 1º grau, consolidado como modalidade de educação a distância no Brasil.

Nos anos noventa, dando prosseguimento à política de inclusão das escolas no mundo
tecnológico, o governo lança o programa TV escola, cuja finalidade era a capacitação de
professores e o uso didático em sala de aula da Educação Básica. Já o Programa Nacional de
Informática (Proinfo) foi criado como alternativa para introduzir novas tecnologias de informação
e comunicação nas escolas públicas e para atualizar os professores frente à realidade tecnológica
dos tempos modernos.

Como vemos, o Estado numa certa medida tem feito a sua parte para dotar as escolas
com equipamentos da modernidade da comunicação e qualificar docentes para o uso
racional da tecnologia de ensino em ambiente escolar. Resta saber se o que tem sido feito
é suficiente para oferecer aos professores competência técnica e científica no trato com
as novas tecnologias na educação.

Leituras complementares
PIRES, João Maria. Do mito à realidade: da gênese da modernidade a gênese da informatização
da educação no Rio Grande do Norte. Dissertação (mestrado em educação) – Programa de
Pós-graduação em Educação, UFRN, Natal, 2000.

O autor faz um levantamento do processo de informatização nas escolas públicas do


RN para, em seguida, construir uma análise crítico-reflexiva dos componentes políticos,
econômicos e sociais que se articulam, na forma de mito-tecno-lógico, na fundamentação do
projeto de modernização da educação brasileira.

TRINDADE, Liane Ferreira. Educação e informática: da discussão de conceitos a relações


que o computador estabelece na escola. Dissertação (mestrado em educação) – Programa de
Pós-graduação em Educação, UFRN, Natal, 2003.

A autora trata dos processos informais na escola e suas conseqüências no processo de


ensino. Discute também os novos conceitos que chegam às escolas e as relações estabelecidas
entre os professores, no que diz respeito à mediação dos processos tecnológicos no contexto
da aprendizagem dos alunos.

Aula 9 Fundamentos da Educação 143


Resumo
Você observou que a educação não pode deixar de lado a implementação e o
crescente avanço da racionalidade tecnológica implícitos nos recursos tecnológicos
e nas inovações advindas com o computador, com a Internet e com a expansão
da telefonia móvel. As exigências do mercado de trabalho apontam para uma
formação do indivíduo contemporâneo pautada em valores que compreendam as
conseqüências da nova racionalidade tecnológica e também atenda as necessidades
de desenvolvimento da economia. Ressaltamos que os sistemas tecnológicos
são historicamente determinados e devem ser vistos como parte intrínseca do
desenvolvimento econômico. Mostramos, também, que no passado recente, mais
precisamente nos anos sessenta e setenta, aqui no Brasil negava-se a importância
do uso dos meios e dos recursos tecnológicos no ensino-aprendizagem. Por outro
lado, você percebeu que a questão colocada, hoje, não é mais a da aceitação, ou não,
da razão sistêmica, científica e tecnológica como organização dos sistemas, mas sim
as implicações de uma revolução ocorrida no mundo do trabalho e que influencia
diretamente as mudanças no sistema de ensino e de educação.

Autoavaliação
Pesquise e comente com os colegas, ou com os professores, como se deu no
passado e como ocorre no presente os modos de ensinar e aprender. Em seguida,
enumere e descreva vantagens e desvantagens de alguns recursos tecnológicos
que você conhece e que são aplicados na educação.

144 Aula 9 Fundamentos da Educação


Referências
ARGUIRI, Emanuel. Technologie appropriée ou sous-développé? discussão com Celso
Furtado e Hartmut Elsenhans. Paris: PUF/ IRM, 1981.

GELLEC, Dominique; RALLE, Pierre. Nouvelles theories de la croissance. Jornal Le Monde,


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SIMODON, Gilbert de. Du mode d´existence des objects techniques. Paris: Aubier –
Montaigne, 1969.

Anotações

Aula 9 Fundamentos da Educação 145


Anotações

146 Aula 9 Fundamentos da Educação


A racionalidade contemporânea
e a prática pedagógica

Aula

10
Apresentação

E
sta disciplina ao longo das aulas, vem tratando de aspectos superestruturais, conjunturais,
políticos, históricos, filosóficos e sociológicos que fundamentam a e/ou influenciam a
educação e o ensino no Brasil. Tenta-se, assim, identificar suas definições, natureza,
normas e regulação e o que orienta suas ações no âmbito escolar e sociocultural. Nesta aula,
veremos que apesar das críticas feitas à precarização da escola pública, à sua objetivação
metodológica e à tecnização do ensino no país, a escola constitui-se numa instituição necessária
ao emblemático mercado de trabalho, assim como à elevação da capacidade técnica e de
socialização dos indivíduos.

Essa compreensão nos coloca numa posição de alerta para fazer avançar a universalização
da escola pública – ampliação física e qualitativa das escolas, melhoria didático-pedagógica
e elevação da capacidade ténico-pedagógica dos professores –, atentando para o respeito à
diversidade socioeconômica e cultural da população, à pluralidade metodológica e à diversidade
do pensamento que fundamenta a educação hoje.

Objetivos
Diferenciar educação idealista e realidade
1 educacional.

Identificar meios de adequar o ideal educativo à


2 prática pedagógica cotidiana.

Aula 10 Fundamentos da Educação 149


Em busca do tesouro perdido

P
ara iniciar nossa caminhada investigativa, partiremos do princípio de que não existe um
país que tenha atingido bons níveis de crescimento econômico e desenvolvimento social
sem o aumento dos níveis de escolaridade e das capacidades técnicas dos indivíduos.
Acrescentemos a esse princípio o fato de que não se atinge níveis de bem-estar social, moral
e ético, sem que uma parcela significativa da população tenha acesso aos bens socialmente
construídos. Como vemos, o nível de escolaridade e a capacidade técnica dos indivíduos são
dois aspectos mais do que suficientes para percebermos o que ainda precisa ser feito em nosso
país a fim de que a escola cumpra seu papel de fomentadora do desenvolvimento.

Dessa forma, são evidentes a importância e o papel desempenhado pela educação


para o crescimento econômico e desenvolvimento social dos países. Basta ver que quase
não há divergências entre teóricos das áreas de Economia, Filosofia, Sociologia, em âmbito
nacional e internacional, sobre essa questão. Na sua grande maioria, todos eles defendem
a tese de que: crescimento econômico sem desenvolvimento social é voltar à barbárie.
Por outro lado, observamos também que alguns países fizeram opção por esse tipo de
crescimento econômico através de caminhos “tortuosos”, ou seja, impondo sacrifícios à
sociedade e à natureza.

Na tentativa de melhor compreender o que significa essa via de crescimento e


desenvolvimento, nos reportaremos a exemplos já conhecidos, como os dados e as
referências acerca de alguns países da Europa, da América do Norte e da Ásia, destacando
os níveis de desenvolvimento econômico atingidos por tais países. Entretanto, veremos

150 Aula 10 Fundamentos da Educação


que, associada a esse desenvolvimento, emergiu também uma realidade social nem sempre
favorável. Tal contraponto permitiu a emergência de um debate em torno das reais condições
de vida, tanto do planeta quanto da população que nele habita.

Esse debate deixou de ser tomado como um ponto localizado, regionalizado, nacionalizado
e ganhou destaque em esfera global. Algumas regiões como a América Latina, por exemplo,
foram beneficiadas com esse debate, pois os indicadores negativos do crescimento econômico
em países mais desenvolvidos serviram de alerta para evitar os mesmos erros e problemas com
o crescimento econômico de outros países. Recentemente, a China e a Índia se destacaram por
terem atingindo patamares de crescimento econômico surpreendentes. Dentre os fatores para
esse crescimento, citados por alguns especialistas, encontra-se uma planificação a longo prazo
do aumento das capacidades individuais, combinando programas e reformas educacionais
com investimentos em infra-estrutura.

A referência aos tigres asiáticos não foi feita por acaso. Trata-se de dois países, a China
e a Índia, tão populosos como o Brasil, e igualmente recebedores de direcionamentos e
financiamentos de organismos internacionais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional)
e o Banco Mundial, que visam implementar políticas de desenvolvimento em diferentes áreas
(habitação, transporte, saúde, saneamento e educação).

O que estamos querendo destacar nessa questão é que, diferentemente do Brasil, a China e
a Índia vêm desafiando os gigantes mundiais. Enquanto o crescimento global, em 2006, atingiu
4,3%, a China cresceu 8,2% e a Índia 6,3%, ultrapassando os EUA, com 3,3%, a União Européia,
com 1,8% e Brasil, com 3,5% (PINHEIRO, 2006, p. 12). A pergunta vem naturalmente: qual o
segredo desses países para atingir níveis tão expressivos de crescimento? A resposta poderá
estar relacionada ao fato de que a planificação pensada e executada por esses países focaliza a
combinação de investimentos em infra-estrutura e educação (investimento em mão-de-obra),
fatores necessários ao sucesso do desenvolvimento e do crescimento econômico.

A repórter Márcia Pinheiro, da revista Carta Capital, cita em sua reportagem o economista
Gustavo Ioschpe. Segundo a repórter, o economista afirmou que “41% dos alunos que
freqüentam o nível secundário na China estão em programas de formação profissional”. Ainda
segundo Ioschpe, “as universidades desse país dividem-se em três tipos: as abrangentes
(destinadas à carreira acadêmica), as politécnicas e as profissionalizantes de nível básico”.
Assim, a partir dessas informações, identificamos no conjunto das ações desenvolvidas por
esses países uma visão desenvolvimentista que se preocupa ao mesmo tempo com as questões
econômicas e com as questões sociais, por isso, talvez, colhem agora os benefícios. Gustavo
Ioschpe complementa seu pensamento dizendo que:

[...] Isso ocorre porque há clareza das autoridades: a educação não pode estar dissociada
do processo de desenvolvimento. China e Índia pensaram as grades curriculares para
atingir uma meta de crescimento de longo prazo. E não é apenas uma questão de recursos
[...] a China gasta 2% do PIB com educação, ante o dispêndio do Brasil 4,5% [...] O nosso
país tem uma taxa de repetência de 32% na primeira série do primeiro grau. Simplesmente

Aula 10 Fundamentos da Educação 151


as crianças não são alfabetizadas. Um terço desses meninos, portanto, está condenado
à exclusão, e à baixa auto-estima [...]. (PINHEIRO, 2006, p. 12).

Faremos agora uma pequena pausa reflexiva para aguçar o instinto investigativo e ampliar
a compreensão em torno dos novos e possíveis rumos que a contemporaneidade reserva para
a educação. Tomaremos, pois, como ponto de reflexão e instrumento de análise a música
Cidadão, de Lúcio Barbosa (atenção à letra com grafia coloquial).

Leia atentamente a letra e depois responda às questões que seguem.

Cidadão
Letra: Lúcio Barbosa
1 Criança de pé no chão
Tá vendo aquele edifício moço? Aqui não pode estudar
Ajudei a levantar Esta dor doeu mais forte
Foi um tempo de aflição Porque eu deixei o norte
Eram quatro condução Eu me pus a me dizer
Duas pra ir, duas pra voltar. Lá a seca castigava,
Hoje depois dele pronto Mas, o pouco que eu plantava
Olho pra cima e fico tonto Tinha direito a comer.
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, 3
tu tá aí admirado Tá vendo aquela igreja moço?
Ou tá querendo roubar? Onde o Padre diz amém
Meu domingo tá perdido Pus o sino e o badalo
Vou pra casa entristecido Enchi minha mão de calo
Dá vontade de beber Lá eu trabalhei também
E pra aumentar o meu tédio Lá sim valeu a pena
Eu nem posso olhar pro prédio Tem quermesse, tem novena
Que eu ajudei a fazer. E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
2 Rapaz deixe de tolice
Tá vendo aquele colégio moço? Não se deixe amedrontar.
Eu também trabalhei lá Fui eu quem criou a terra
Lá eu quase me arrebento Enchi o rio fiz a serra
Pus a massa fiz cimento Não deixei nada faltar
Ajudei a rebocar Hoje o homem criou asas
Minha filha inocente E na maioria das casas
Vem pra mim toda contente Eu também não posso entrar.
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão

152 Aula 10 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Com base na leitura atenta da letra da música Cidadão, qual a informação
1 mais importante, na sua opinião, presente na primeira estrofe? Explique
fazendo relação com o contexto da sociedade contemporânea.

A partir da interpretação da segunda estrofe, faça uma relação com a


2 situação da educação no Brasil de hoje?

Com base na compreensão da terceira estrofe, que outras forças, além


3 da força da religião, podem ajudar o homem a superar as dificuldades
de sua existência? Ao responder, faça referências também a possíveis
“asas” que o homem criou para voar, sem ter que sair do chão.

Aula 10 Fundamentos da Educação 153


Elementos para discutir a
educação que queremos
Como vimos até o momento, os investimentos em educação propiciam o aumento
da capacidade técnica e tecnológica dos indivíduos e, conseqüentemente, da produção
do conhecimento. Por sua vez, o encadeamento dessas ações influencia positivamente na
produção dos bens materiais e na economia em geral. Ora, notamos também que esses fatores
se refletem diretamente na melhoria das condições de trabalho e de vida da população. Basta
ver os indicadores que mostram que o deslocamento das grandes empresas para a Índia e
para a China estão ligados ao fato da Índia ser o país com maior número de profissionais PhD
(doutorado) per capita do mundo.

[...] existem nesses países algumas variáveis fundamentais que atraem capitais. As suas
dimensões certamente são um ponto forte, aliado às enormes populações. Isto porque
as companhias visam se estabelecer em um lugar com mercado interno consumidor
pujante. (PINHEIRO, 2006, p. 12).

É importante destacar que essas variáveis citadas são idênticas às existentes aqui no
Brasil. Mais uma vez, a pergunta vem naturalmente: por que será que a Índia se concentra na
terceirização e no domínio da tecnologia da informação e de softwares? Márcia Pinheiro, autora

154 Aula 10 Fundamentos da Educação


da matéria, afirma que isso se dá devido à formação dos profissionais nas 259 universidades,
que abrigam institutos tecnológicos de ponta, comparáveis aos norte-americanos.

No Brasil, os discursos sobre o desenvolvimento e a prioridade da educação, assunto já


abordado nas aulas anteriores, continuam vigentes, embora os implementos e os resultados
sejam tímidos, “a esperança de reversão do quadro de estagnação dos investimentos brasileiros
é sepultada pela lentidão” (PINHEIRO, 2006, p. 14).

Nas últimas quatro décadas, no Brasil, os governantes, sejam eles de direita ou de


esquerda, colocaram, pelo menos no discurso, a educação como motor do desenvolvimento e
prioridade nacional. Mas, diferentemente da China e da Índia, o Brasil optou por desenvolver
projetos educacionais de curta duração em detrimento de políticas educacionais de
longo prazo. Na verdade, o que percebemos é que, historicamente, a educação nacional
transformou-se em objeto de justificativas para solicitar recursos aos organismos externos
(Aliança para o Progresso, USAID – Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional –, BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento –, Banco
Mundial), sem, contudo, possibilitar efetivamente a elevação dos níveis de escolaridade da
população infanto-juvenil.

Para encontrar evidências desse argumento, basta ver que parte dos recursos
destinados à educação é gasto com projetos de suplência. Tais projetos, por sua vez, servem
para suprir as lacunas deixadas naqueles que não tiveram acesso ao sistema de ensino,
ou naqueles que entraram nesse sistema e depois o abandonaram, seja por repetência ou
necessidade de sobrevivência. Para nós, a educação talvez tenha servido mais como elemento
de manipulação político-ideólogico do que como meio fundamental para o desenvolvimento
econômico e social do Brasil.

Com um pouco mais de informação, facilmente chegaremos à conclusão de que elementos


característicos da educação nacional, como o elitismo dominante, a privatização do ensino, e
as precárias condições das escolas públicas, nos colocam na contramão da história recente,
sobretudo no que diz respeito aos avanços tecnológicos e ao aumento das competências
técnicas. Isso porque são competências exigidas pela sociedade contemporânea, a qual se
encontra regida por elevados padrões de racionalidade técnica e tecnológica. Nesse contexto,
a especialização tem papel decisivo.

Desse modo, entendemos que é impossível ingressar nessa sociedade sem formação
acadêmica, técnica e profissional, em níveis elevados, pela própria competição que o mercado
econômico e financeiro oferece como parâmetro regulador das relações nacionais e internacionais,
se tomarmos como base o nível dos países produtores de conhecimento e tecnologia.

Ora, sabe-se que o Brasil conseguiu saltar da octogésima economia mundial para a oitava,
graças à importação de tecnologia. Com isso, aceleram-se setores produtivos, comerciais e
financeiros, enquanto no campo educacional a formação básica e profissional foi colocada
em segundo plano para privilegiar o Ensino Superior. Noutro momento, foram adotadas
políticas compensatórias para a educação, visando minimizar o problema do analfabetismo,
da repetência e da evasão escolar.

Aula 10 Fundamentos da Educação 155


O que se verificou posteriormente é que os governantes, as elites econômicas, políticas
e os setores da intelectualidade não contavam com o rápido desenvolvimento do capitalismo
em escala global, submetendo o desenvolvimento das nações aos princípios do liberalismo.
Nesse sentido, o que estamos querendo destacar é o fato do desenvolvimento ser alimentado
e processado sob os aspectos técnicos, tecnológicos e científicos, em ritmos cada vez mais
acelerados; e exigir como pressuposto para ser implementado uma base sólida advinda de
uma formação em todos os níveis do ensino.

Você percebe agora que, nessa nova fase, o capitalismo revoluciona o processo
produtivo ao integrar conhecimento e inteligência às máquinas. Basta ver que os processos
de automação dispensam a força bruta dos homens, desloca-os para atividades de
programação, gestão e controle dos processos operacionais, o que requer dos profissionais
não só destreza motora, mas, fundamentalmente, conhecimento da área de atuação. Essa
reviravolta no processo produtivo tem implicações diretas no processo de formação da
mão-de-obra em todos os níveis.

Então, afirmarmos que no atual estágio em que se encontra a sociedade contemporânea


encontra-se, também, o maior desafio para a educação nacional. A conjuntura e a estrutura
dos novos tempos requerem dos profissionais habilidades de pensar e agir criativamente; uma
ativa interação com os processos e recursos da tecnologia que incorporam sistemas simples e
complexos de dados; uma boa competência para operar e sistematizar conhecimento, utilizando
os recursos disponíveis em sociedade.

Por fim, podemos dizer que toda a mediação do conhecimento, imposta pela sociedade
dos objetos técnicos, imprime mecanismos metodológicos que transformam e ao mesmo tempo
exigem uma transformação do ambiente escolar, bem como da própria relação de ensino-
aprendizagem e da educação em geral. Os alunos são submetidos a processos de aprender,
participando do processo de ensino em ambiente descontraído de jogos e brincadeiras. Na
verdade, o que constatamos é a emergência de uma nova formação, potencializada pela relação
lúdica com os jogos eletrônicos, manipulados cada vez mais cedo no ambiente social. Nesse
sentido, o ensino, hoje, não pode prescindir da mediação dos conhecimentos que foram
integrados à maquinaria disponível para fins educacionais, notadamente os advindos dos
recursos midiáticos.e complexos de dados; uma boa competência para operar e sistematizar
conhecimento, utilizando os recursos disponíveis em sociedade.

Por fim, podemos dizer que toda a mediação do conhecimento, imposta pela sociedade
dos objetos técnicos, imprime mecanismos metodológicos que transformam e ao mesmo
tempo exigem uma transformação do ambiente escolar, bem como da própria relação de
ensino-aprendizagem e da educação em geral. Os alunos são submetidos a processos
de aprender, participando do processo de ensino em ambiente descontraído de jogos
e brincadeiras. Na verdade, o que constatamos é a emergência de uma nova formação,
potencializada pela relação lúdica com os jogos eletrônicos, manipulados cada vez mais
cedo no ambiente social. Nesse sentido, o ensino, hoje, não pode prescindir da mediação
dos conhecimentos que foram integrados à maquinaria disponível para fins educacionais,
notadamente os advindos dos recursos midiáticos.

156 Aula 10 Fundamentos da Educação


Atividade 2
Faremos agora mais uma pausa para reforçar nossas reflexões. Após as
informações apresentadas sobre as transformações geradas pelos processos
de desenvolvimento técnico, científico e tecnológico e as possíveis influências na
educação e no sistema de ensino brasileiro, você acha que, hoje, os professores
brasileiros estão sendo bem preparados para enfrentar um ensino mediado por
processos tecnológicos?

Aula 10 Fundamentos da Educação 157


Caminhos e adequações para a
educação que queremos
A noção de que educação e desenvolvimento devem caminhar juntos é um fato. Mas,
muitas vezes, confundimos crescimento, principalmente o econômico, com desenvolvimento.
É verdade, também, que é possível crescer, progredir sem que isso se caracterize como
desenvolvimento. Mas, o que entendemos por desenvolvimento? Na nossa compreensão, para
que o desenvolvimento aconteça, é necessário se observar alguns parâmetros universalmente
estabelecidos. Entre eles, podemos citar o crescimento econômico, a concentração de renda
na classe produtiva, a redistribuição de renda etc.

Veja bem, é claro que a discussão conceitual envolvendo a idéia de desenvolvimento


é muito mais ampla do que podemos imaginar, assim, não cabe, neste momento, alimentá-
la. Nossa preocupação, aqui, é apenas levar até você elementos para compreender que as
interpretações e as próprias ações e investimentos em prol do desenvolvimento estão ligadas
a interesses específicos que poderão, ou não, estar associados ao bem e às necessidades de
uma maioria. Nesse sentido, em alguns casos, encontramos a idéia de desenvolvimento com
o significado de condenação da sociedade, a qual tem o dever de produzir para alimentar a
riqueza de alguns poucos afortunados.

158 Aula 10 Fundamentos da Educação


No Brasil, o segmento que estamos descrevendo como “afortunados” gira em torno
dos 10%. Percebemos, portanto, que se trata de um país economicamente rico, mas sem a
preocupação de canalizar boa parte dos investimentos para reforçar e ampliar a infra-estrutura
e as políticas sociais já existentes. Nesse caso, o contexto social brasileiro é denunciador
da barbárie existente sob a forma da concentração de renda, reforçando as desigualdades
sociais. O Brasil, historicamente, adotou modelos de desenvolvimento associado ao capital
internacional, submetendo-se às regras do jogo em detrimento das necessidades da nação.

Nesse sentido, a urgência que destacamos como caminho viável para a educação
brasileira, na contemporaneidade, é a implementação de um programa de ensino que
aumente a capacidade produtiva tanto dos indivíduos quanto das corporações. Ora, sabemos
que desde os anos cinqüenta, necessidades, e, até mesmo alternativas, para o sistema de
ensino brasileiro, vêm sendo colocadas por todos os governantes, diante do precário quadro
educacional do país. A esse respeito, constatamos que as dificuldades são atribuídas a vários
fatores, quais sejam:

[...] a falta de autonomia para gerir o desenvolvimento; adoção de um modelo de


desenvolvimento associado ao capital internacional; falta de definições claras dos
matizes do desenvolvimento nacional. [...] não existe discussão nem da parte dos
cientistas, nem dos técnicos em economia sobre o significado do desenvolvimento,
eles aceitam simplesmente que este seja um fenômeno universal, o que parece ser algo
inquestionável. (CRUZ, 1998, p. 229).

De outro modo, apesar das críticas que se faça ao crescimento econômico no continente
asiático, no que diz respeito ao meio ambiente e às questões referentes aos direitos humanos,
observa-se que uma das fórmulas adotadas pelas autoridades, para o crescimento da nação,
foi a de “tomar partido da globalização sem a submissão a arcabouços desfavoráveis a um
projeto de construção nacional”. Dando continuidade ao seu pensamento, pontua o professor
da UFRJ, João Sicsu: “[...] os países em desenvolvimento que têm alto grau de sucesso, como
a China e a Índia, fizeram uma total inserção no comércio global sem se render à voracidade
dos capitais financeiros” (PINHEIRO, 2006, p. 16).

Voltando, portanto, ao que podemos denominar por saídas para a educação nacional,
não podemos perder de vista a dimensão interna do sistema. Estamos chamando a atenção
para os aspectos da autonomia e da liberdade, que deverão ser aplicados em todos os níveis
da administração pública, a fim de corrigir problemas estruturais que impedem a educação de
melhor responder às exigências da atual conjuntura. Entendemos, pois, que assim permitiremos
aos indivíduos desenvolverem capacidades necessárias para uma melhor colocação no mercado
de trabalho, ao mesmo tempo em que estaremos dotando as empresas e a sociedade de
competências para suprir suas necessidades.

Certamente, o caminho do planejamento, principalmente a longo prazo, tanto para a


economia quanto para a sociedade, permitirá ao país ingressar com mais competência no
concorrido mercado internacional e oferecer respostas positivas para a macro e para a pequena
economia, bem como ao próprio desenvolvimento do país.

Aula 10 Fundamentos da Educação 159


Em relação à perspectiva de um planejamento a curto prazo, a maioria dos teóricos
defendem que o caminho seria viabilizar uma política de reforma do sistema educacional que
contemple o acesso da população menos favorecida ao sistema de ensino em todos os níveis.
Ainda como base de sustentação para essa reforma do sistema educacional, é necessário
se pensar a ampliação quantitativa e qualitativa do sistema dentro de uma política de gestão
democrática e menos burocratizada em todos os níveis da esfera educacional no país. Por
fim, uma política de formação permanente e continuada dos docentes e dos técnicos do
setor educacional condizente com as exigências dos tempos modernos, ou pós-modernos
como defendem alguns.

Leitura Complementar
RIBEIRO, Vitória Maria Brant. A questão da qualidade do ensino nos planos para o
desenvolvimento da educação: 1955/1980. Revista em aberto, Brasília, n. 44, out./dez.1989.

Ribeiro analisa a relação da qualidade e quantidade no desenvolvimento da educação


nacional dos anos cinqüenta aos oitenta. A abordagem do autor nos permite identificar as
prioridades governamentais e os rumos tomados pela educação brasileira nesse período.

160 Aula 10 Fundamentos da Educação


Resumo
Nesta aula, você estudou a relação existente entre crescimento econômico,
desenvolvimento social e escolaridade dos indivíduos, tomada na forma da
potencialização das suas capacidades técnicas. Demonstramos o papel que tem
a educação no crescimento econômico e no desenvolvimento social dos países.
Vimos, também, que os investimentos em educação propiciam um aumento
na capacidade técnica e tecnológica dos indivíduos, e, conseqüentemente,
na produção do conhecimento. Por outro lado, você observou que no Brasil
os discursos sobre o desenvolvimento e a prioridade da educação, apesar de
serem destacados pela maioria dos nossos governantes e das elites empresarial
e financeira, oferecem resultados muito tímidos. O fato é que a educação tem
servido mais como elemento de manipulação político-ideólogico do que como
meio fundamental para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Nesse
sentido, você teve contato com informações que mostram discussões e caminhos
para a educação nacional pautada no elitismo dominante, na privatização do
ensino, colocando-a na contramão da história recente. Noutro momento,
mostramos que toda a mediação do conhecimento, imposta pela sociedade dos
objetos técnicos, imprime mecanismos metodológicos que transformam e ao
mesmo tempo exigem uma transformação do ambiente escolar, bem como da
própria relação de ensino-aprendizagem, e da educação em geral. Você percebeu
como caminhos para o ensino, a necessidade de um olhar crítico e reflexivo sobre
o conhecimento integrado às máquinas, imprescindível para as novas relações
sociais, o qual já se encontra disponível para fins educacionais, notadamente os
advindos dos recursos midiáticos.

Autoavaliação
Para complementar as informações sobre os diferentes níveis e interpretações
de educação que foram apresentados, sugerimos que você navegue pelos
sites do MEC/INEP, IBGE, DIEESE, BIRD, UNESCO e Banco Mundial. Como
atividade específica, construa um quadro da situação educacional do seu
município, destacando os níveis de formação, qualificação e remuneração dos
docentes no seu município. Se possível, compare-os com dados nacionais
e até mesmo internacionais.

Aula 10 Fundamentos da Educação 161


Referências
ARAPIRACA, José Oliveiro. A USAID e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1982.

BARBOSA, Lúcio. Cidadão. Intérprete: Zé Geraldo. In: ZÉ GERALDO. Zé Geraldo acústico.


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CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des)ordem internacional. São Paulo:
Editora da UNICAMP, 1993.

CRUZ, Vilma Vitor. Racionalidade tecnológica e educação e educação. Caen: Universidade


de Caen/França, 1998. (Tese de doutorado).

CUNHA, Luis Antônio. Política educacional no Brasil: a profissionalização do ensino médio.


Rio de Janeiro: Eldorado, 1977.

GARCIA, Pedro Benjamim. Educação, modernização ou dependência. Rio de Janeiro:


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SANTOS, Laymer Garcia. Desregulagens: Educação, planejamento e tecnologia como


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PINHEIRO, Márcia. Expresso oriente. Carta Capital, São Paulo, ano XII, n. 337, p. 10-16,
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Anotações

162 Aula 10 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 10 Fundamentos da Educação 163


Anotações

164 Aula 10 Fundamentos da Educação


A elitização e a universalização
da Educação no Brasil

Aula

11
Apresentação

A
questão da universalização da educação só poderá ser discutida se nos voltarmos
para a análise da mentalidade das elites, de um lado, e da população em geral, de
outro, a fim de compreender as relações de classe social, assim como o papel da
educação no desenvolvimento econômico e social. Nas aulas anteriores, tratamos um
pouco da dificuldade que tem a elite brasileira em admitir que a educação é um bem social
e, como tal, é um direito ao qual todos, independentemente de classe, raça, sexo e credo
religioso, devem ter acesso gratuitamente. Essa concepção sobre o direito à educação é
universal, mas é implementada pelos países de maneira diferenciada, o que significa dizer
que em algumas nações ela é ignorada; em outras, parte da população tem acesso a um
ensino de qualidade duvidosa, enquanto outra parcela significativa fica de fora do sistema,
já os que podem pagar, estes sim, têm acesso a uma educação de qualidade. Como vemos,
a universalização no âmbito educacional está ligada à discussão da elitização. Vejamos
então como se dá essa dinâmica na educação nacional.

Objetivos
Identificar a relação existente entre universalização e
1 elitização da educação nacional.

Estabelecer relações entre a universalização da


2 educação e do ensino e mudanças econômicas,
políticas e socioculturais.

Aula 11 Fundamentos da Educação 167


Componentes políticos,
econômicos e sociais da
elitização do ensino brasileiro

H
istoricamente, a discussão sobre a elitização da educação nacional remonta às origens
da nossa formação econômica e social. Desde o período colonial, a história da educação
nacional foi marcada por fatos que evidenciam a luta da população mais pobre para
ingressar no sistema formal de ensino. Essa mobilização nacional traduz-se como a luta pela
democratização da educação e do ensino no Brasil. Em meados dos anos noventa, Manoel
Cardoso de Melo, professor de economia da Universidade de Campinas, São Paulo, em
conferência sobre o capitalismo tardio e o neoliberalismo, disse que “A sociedade brasileira
nos últimos quinze anos, assistiu à liquidação de seu mecanismo fundamental de integração
social” (CRUZ, 1998, p. 90). Ora, diante de uma afirmação dessa natureza, a primeira coisa a
fazer é nos perguntarmos sobre que mecanismo seria esse e o que teria causado tal processo
de “liquidação” da integração social na sociedade brasileira.

Para não perdermos a seqüência lógica do nosso tema, diremos que o conferencista,
ao fazer tal afirmação, questionava o contexto e os conflitos políticos e sociais que
predominavam no Brasil do séc. XIX, os quais passavam a ser temas das discussões que
buscavam orientações para o novo, ou seja, o século XX. O teor dessas questões era a
crescente mobilidade social como conseqüência das altas taxas de crescimento e das
modificações na estrutura de emprego.

168 Aula 11 Fundamentos da Educação


Na verdade, com essa breve referência contextual, queremos chamar a atenção para o
fato de que os aspectos políticos e econômicos dessa questão encontram eco nas políticas
sociais, dentro do que convencionamos chamar de universalização da educação e do ensino.
Desse modo, fica claro que as discussões na Educação não são tão simples como se costuma
pensar. Elas refletem ações que ocorrem principalmente na estrutura do trabalho e no ambiente
social como um todo. De certo modo, é pela via da educação que se define o lugar que as
pessoas vão ocupar nas estruturas econômica e social.

Para Manoel Cardoso de Melo, na conferência anteriormente citada,

Quando se observa como é que uma sociedade tão desigual como a brasileira pode fazer
isso, é porque ela se movia inteira, ela se mexia! se mexia! Em uma época, você tinha uma
geração, um indivíduo na zona rural, noutra geração o sujeito era operário da construção
civil, noutra seu filho é médico. Este mecanismo é na realidade o grande mecanismo e que
não existe mais. Quando nos viramos para os anos 80, evidentemente, com a estagnação
teria ocorrido mobilidade social? Bem, claro que houve mobilidade social, mas para baixo,
mobilidade social descendente (CRUZ, 1998, p. 90).

Reforçando a tese de Melo, podemos dizer que a realidade brasileira vem se alterando aos
poucos, timidamente, com as políticas afirmativas do governo de inclusão social dos portadores
de necessidades especiais, dos negros e dos índios, que são as chamadas minorias. São esses
e muitos outros os conflitos que se encontram por trás da universalização da educação e,
conseqüentemente, da sua perspectiva de elitização do ensino.

Agora, para que você se situe melhor na questão da elitização do ensino brasileiro, iremos
nos reportar às teses que tratam sobre a desigualdade social, que se encontra na raiz da
exclusão de parcela significativa da população do mundo do trabalho, do sistema de educação e
ensino e do acesso aos bens sociais em geral. Para atender nosso objetivo, faremos referência
ao estudo de Willington Germano (2000) sobre Estado Militar e a Educação no Brasil, no qual
encontramos mostras de que o desenvolvimento econômico associado à concentração de
renda e aos baixos níveis educacionais é excludente e elitista.

Segundo Germano,

Praticamente a metade, 48,5%, da força de trabalho ainda se encontra no exército de


reserva, ou seja, ganha tão pouco que não consegue o suficiente para se manter acima
da linha de pobreza absoluta [...] Com efeito, isso significa que o desenvolvimento do
capitalismo no País assumiu uma configuração altamente excludente e concentradora
de renda, o que dá conta de uma relação desigual entre capital e trabalho, para a qual
concorreu decisivamente a ação do Estado. (GERMANO, 2000, p. 89).

Como visto anteriormente, muitos programas educacionais foram desenvolvidos com


o apoio de organismos internacionais, como a USAID – Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional –, o BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento –, o Banco Mundial, dentre outros. Nada disso, porém, resultou em melhoria
efetiva da educação para a maioria da população brasileira, pois, para Germano, apesar dos
programas e projetos desenvolvidos,

Aula 11 Fundamentos da Educação 169


[...] a política educacional é, primeiramente, um resultado do desenvolvimento histórico
da formação social brasileira: da forma como tem ocorrido, entre nós, a dominação de
classe, como uma ‘elite’ despótica e senhorial, que tem sempre gerido o estado em seu
proveito, com a conseqüente exclusão das classes subalternas do acesso a conquistas
sociais básicas – como a educação escolar – inerente ao próprio capitalismo. (GERMANO,
2000, p. 126).

Essa questão ainda é vigente, apesar de alguns esforços institucionais para vencer as
barreiras impostas pelas elites econômicas, políticas e intelectuais que ainda pensam em
educação como privilégio de poucos abastados economicamente. Para termos uma idéia de
como essa questão está presente na nossa realidade, sugerimos que responda às questões
da nossa primeira atividade, a seguir.

Atividade 1
Faça uma pequena amostra da situação educacional do seu bairro
1 a partir de uma breve pesquisa com seus vizinhos. Sugerimos que
você elabore um questionário para recolher informações por família,
contemplando as questões seguintes.

a) Quantas pessoas da família freqüentaram a escola?

b) Quantos concluíram os estudos?

c) Em que nível escolar deixaram de estudar?

d) Que tipo de ocupação predomina no grupo familiar?

e) Quantas pessoas da casa têm carteira de trabalho assinada?

f) Qual a média da renda dos que trabalham?

Faça uma análise das informações coletadas e identifique a partir do


2 grupo familiar pesquisado, que tipo de mobilidade social ocorreu. Foi
ascendente ou descendente? Comente sua análise.

Comente a relação existente entre educação, inserção no ambiente de


3 trabalho e remuneração, a partir dos dados que você coletou.

170 Aula 11 Fundamentos da Educação


O sentido da universalização
da educação
A questão das classes sociais e o acesso desigual aos bens físicos e materiais socialmente
produzidos estão na raiz do problema da universalização da educação e do ensino. A natureza e
as riquezas que nela se encontram, por definição, existem para todos. Ocorre que a apropriação
e a privatização dessas riquezas pelo homem provocam a exclusão da população mais pobre
da terra, da moradia, da assistência à saúde e da educação, ou melhor, suprime-se o direito a
uma vida digna. Qual seria, então, o papel da Educação nesse processo?

Ora, por definição, a educação é um direito dos indivíduos e a responsabilidade de provê-


la é do Estado. Mas, quem vai financiar a manutenção desse direito? A responsabilidade é do
Estado. Como o Estado vai garantir então esse direito? Com a arrecadação de impostos em todos
os níveis, federal, estadual e municipal. Assim, quem financia a educação é a própria sociedade.
Desse modo, quanto mais desenvolvida a sociedade maior a demanda por qualificação e maior
o número de pessoas a ingressar no sistema formal de educação e de ensino.

Cruz, em seu estudo sobre a racionalidade tecnológica e a modernização da educação


no Brasil, diz que “O ponto de partida para essa discussão se encontra nos mecanismos de
ligação entre educação e desenvolvimento” (CRUZ, 1988, p. 235). Portanto, acreditamos que
a questão deva ser colocada noutro plano, o plano das prioridades governamentais.

Aula 11 Fundamentos da Educação 171


Lembramos aqui uma questão mencionada em aulas anteriores: a opção do Brasil por
um modelo de desenvolvimento dependente do papel que a educação venha a assumir e da
conotação ideológica aplicada em busca da hegemonia e do consenso político. Uma dimensão
maior do que a preparação da população para engajar-se no desenvolvimento nacional. Daí,
Cruz dizer que:

[...] Nós voltamos às análises das estruturas passadas, onde foi observada a inserção
do conceito de inovação nas políticas públicas, como meio de fazer avançar o projeto
de desenvolvimento, e ao mesmo tempo como meio de fazer retroceder as forças de
resistências que se opunham ao modelo de desenvolvimento (CRUZ, 1988, p. 235).

O que não podemos esquecer é a dificuldade de compreender a necessidade imposta pelo


progresso, pela inovação, sem, contudo, elevar a capacidade produtiva e criativa dos indivíduos
e da sociedade como um todo. Nesse sentido, devemos nos questionar sobre o que isso tem
a ver com a universalização da educação e do ensino.

Ora, basta observar que quanto maior o ingresso da população no sistema formal de
ensino, menor o número de pessoas circulando na sociedade com baixo grau de escolaridade.
Esse fato tem repercussão direta na economia, pois reduz a capacidade produtiva pela ausência
de profissionais preparados, com conhecimento e competência para produzir mais e melhor.

Por sua vez, se formos analisar pelo lado do grau de exigência e refinamento social,
veremos que o não acesso à instrução formal repercute na renda da população, no poder
aquisitivo e conseqüentemente na capacidade de escolhas dos indivíduos, o que implica a
produção de mercadorias diferenciadas. De um lado, mercadorias e produtos de qualidade
elevada politicamente e, ecologicamente, corretos; do outro, produtos de baixa qualidade.

Nesse movimento, a educação desempenha papel importante; tanto o é que, diante da


escassez de oportunidades educacionais, uma vez que, historicamente, o Brasil não desenvolveu
políticas de universalização da educação para a classe trabalhadora, foram criados programas
de compensação para corrigir desvios e regras de boa convivência social. Disso decorre o
velho dito popular “só a educação salva”. Para Cruz, a questão da universalização pode ser
compreendida com base no seguinte entendimento:

[...] O problema do acesso das crianças em idade escolar à escola fundamental brasileira
está na origem do problema, isto significa dizer que existe um fosso entre o caráter
obrigatório da constituição federal de escolaridade das crianças em idade escolar (dos
07 aos 14 anos), de democratização do ensino e as verdadeiras oportunidades de acesso
à escola. (CRUZ, 1988, p. 235).

172 Aula 11 Fundamentos da Educação


Atividade 2

Para refletirmos um pouco mais sobre o sentido e as implicações da


universalização da educação e do ensino no Brasil, tomaremos como referência
o conteúdo da letra da música Brasis. Leia-a atentamente e procure identificar
e correlacionar a elitização e a universalização da educação brasileira.

Sugerimos que, após a leitura, identifique o que a música ressalta como positivo
e negativo do ponto de vista físico, econômico, social e educacional. Em seguida,
analise os contrastes identificados, relacionando-os com as conseqüências
socioeducativas no Brasil de hoje.

Aula 11 Fundamentos da Educação 173


Brasis

Letra: Gabriel Moura, Seu Jorge, Jovi Joviniano

1. Tem um Brasil que é próspero 4. Tem um Brasil que soca


Outro não muda outro que apanha
Tem um Brasil que investe um Brasil que soca
Outro que suga outro que saca
Um de sunga, outro de gravata outro que chuta
Um que faz amor perde e ganha
Outro que mata. sobe e desce
vai à luta, bate bola
2. Brasil do ouro porém não vai à escola.
Brasil da prata
Brasil do baile a cochê 5. Brasil de cobre
Brasil da mulata Brasil de lata,
É negro, é branco
3. Tem um Brasil que é lindo É nisei, é verde
outro que fede É índio peladão,
O Brasil que dá É cafuzo, é confusão.
É igualzinho ao que pede
Pede paz, saúde, trabalho e dinheiro 6. Oh! Pindorama
Pede pelas crianças do País inteiro eu quero seu porto seguro
Lá ra, lá ra, lá ra suas palmeiras, suas feiras
seu café, suas riquezas,
praias, cachoeiras
quero ver o seu povo de cabeça em pé.

Leituras Complementares
CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des) ordem internacional. São Paulo:
Editora da Unicamp, 1993.

O autor trata da evolução da economia e das políticas de desenvolvimento no Brasil,


situando o nosso descompasso em relação ao desenvolvimento da economia mundial. Ainda
nessa abordagem, o autor demonstra nossa dificuldade de inserção na economia global,
enfatizando, dentre outras coisas, o fator educacional.

CUNHA, Luis Antônio. Política educacional no Brasil: a profissionalização do ensino médio.


Rio de Janeiro: Eldorado, 1997.

Esse autor analisa o quadro do Ensino Médio e a qualificação nesse nível de ensino em
um país que historicamente fez opção por privilegiar o Ensino Superior.

174 Aula 11 Fundamentos da Educação


Resumo
Você percebeu nesta aula que a discussão sobre a universalização da educação
não pode ser feita sem articular questões econômicas, políticas e socioculturais.
Isso porque essas áreas de estudo formam o arcabouço teórico que nos auxilia
na compreensão dos fatos que impedem a democratização e o caráter elitista da
educação nacional. Desse modo, fica claro que a questão da universalização da
educação só poderá ser abordada dentro de uma análise envolvendo, de um lado,
a mentalidade das elites e, do lado, os anseios da população em geral. Nossa
proposta de abordagem visou proporcionar uma compreensão dos movimentos
de mobilização e conflitos, envolvendo as relações de classes sociais, bem como
o papel da educação no desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido,
acreditamos que a discussão da elitização do ensino brasileiro está ligada à
dinâmica da universalização da educação.

Autoavaliação
Para verificar o seu aprendizado nesta aula, identifique como o seu grupo familiar,
amigos de rua, de escola ou do trabalho foram incorporados ao sistema formal
de ensino. Após uma análise, aponte algumas chances de ascensão social, sua e
deles, frente àqueles que não tiveram oportunidade de ingressar nesse sistema,
ou mesmo tendo ingressado não conseguiram concluir seus estudos.

Aula 11 Fundamentos da Educação 175


Referências
CRUZ, Vilma Vitor. Racionalidade tecnológica e educação e educação. Caen: Universidade
de Caen/França, 1998. (Tese de doutorado).

GATTI, Bernadete A. Democracia de Ensino: oma reflexão sobre a realidade atual. Revista em
aberto, Brasília: MEC/INEP, n. 44, out./dez. 1989.

GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil (1964/1985). São Paulo:
Cortez, 1993.

MELO, Guiomar Namo de; SILVA, Rose Neubaeur da. O que pensar da atual política educacional.
Revista em aberto, Brasília: MEC/INEP, n. 50/51, 1992.

MOURA, Gabriel; JOVINIANO, Jovi; JORGE, Seu. Brasis. Intérprete: Seu Jorge. In: Seu Jorge
e Ana Carolina. São Paulo: Sony/BMG, 2005. DVD gravado ao vivo.

Anotações

176 Aula 11 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 11 Fundamentos da Educação 177


Anotações

178 Aula 11 Fundamentos da Educação


O analfabetismo entre
jovens e adultos

Aula

12
Apresentação

A
firmar que o analfabetismo no Brasil é estrutural é considerá-lo como resultado de
políticas públicas que historicamente não privilegiaram o segmento mais pobre da
população. Apesar de nas duas últimas décadas observarmos um esforço institucional
em desenvolver políticas compensatórias para atender a população de jovens e adultos à
margem do sistema educacional, essa distorção nos revela que o quadro ainda é preocupante.
Mesmo assim, devemos ainda nos preocupar com a questão do analfabetismo? Por acreditar
que a sua resposta será igual a nossa, ou seja, afirmativa, faremos juntos um desdobramento
dessa pergunta. Nossa primeira preocupação será retomarmos o caminho teórico interpretativo
das aulas anteriores e canalizar o conteúdo desta aula para uma nova investigação, a fim
de compreender as políticas, ações e programas educacionais que são referências para o
combate ao analfabetismo. Este é, portanto, nosso esquema de abordagem para esta aula:
traçaremos os fatores e motivos que influenciam indivíduos a se colocarem à margem da
educação formal, visando lhe oferecer conteúdo teórico para uma melhor compreensão da
questão do analfabetismo no Brasil.

Objetivos
Identificar caminhos e causas que levam os
1 indivíduos ao analfabetismo.

Compreender a relação entre ofertas educacionais e


2 idade escolar.

Refletir sobre o papel dos programas educativos


3 voltados para jovens e adultos.

Aula 12 Fundamentos da Educação 181


Compreendendo a questão

N
osso foco inicial é a busca de explicações para os motivos que levam um indivíduo a
não ter acesso ao aprendizado da leitura e da escrita, principalmente em um mundo
como o nosso, que é fundamentalmente regido por linguagens de códigos e letras.
A pergunta que fazemos como base de apoio investigativo visa identificar os problemas
enfrentados por esses indivíduos que não têm acesso, voluntária ou involuntariamente, à
cultura das letras, ou seja, à alfabetização. Quais seriam, pois, os reflexos desse fato na
estrutura social na qual esses indivíduos estão inseridos? Em busca da resposta para essa e
outras questões, veremos o quanto o analfabetismo é nocivo ao indivíduo, ao progresso da
economia e da sociedade como um todo. No capítulo III, seção I, art. 205, da Constituição
do Brasil, encontramos a seguinte afirmação:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada


com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1989, p. 92).

Com isso, fica assegurado o direito constitucional à educação para todo cidadão
brasileiro, o que significa dizer que o Estado é o responsável direto pela oferta de ensino em
todos os níveis. Entretanto, observamos que apesar da Constituição expressar claramente na

182 Aula 12 Fundamentos da Educação


seção I, artigo 206, que o ensino será ministrado com base em vários princípios, dentre os quais
destacamos “Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento. A arte e o saber; gratuidade do ensino e valorização dos
profissionais do ensino”, essa garantia não se aplica na prática. Teremos, portanto, que investigar
as razões que levam ao descumprimento dessa lei. Esse será nosso próximo passo.

Tomaremos como pressuposto o fato de que o analfabetismo entre jovens e adultos no


Brasil, nas quatro últimas décadas, é decorrente de fatores como a ausência de um programa de
universalização do ensino que permitisse à maioria da população ter acesso à escola formal. Em
aulas anteriores, tivemos a oportunidade de analisar a elitização e a privatização do ensino como
decorrente da ausência de políticas públicas de democratização do ensino. Vimos também o
descompasso entre política de desenvolvimento e baixos níveis de instrução formal. Agora,
acrescentamos a toda essa discussão a falta de universalização do ensino como razão estrutural
para o problema do analfabetismo.

A Lei 5540/68, que reformulou o ensino superior, e a Lei 5.692/71, que reformulou o
ensino de 1º e 2º graus em plena ditadura militar, não foram capazes de atender a demanda da
população por mais vaga e melhoria das condições de ensino. Assim, nas décadas de oitenta
e noventa, houve um aumento significativo da oferta de vagas no setor privado, caracterizando
o que se convencionou chamar de privatização do ensino. Esse movimento impulsionou a
sociedade civil, sobretudo o segmento dos profissionais da educação, a discutir os rumos da
educação nacional e propor mudanças no sistema, a fim de garantir o acesso da população
mais pobre ao sistema formal de ensino.

O amplo debate entre os educadores e a comunidade em geral possibilitou que algumas


medidas fossem implementadas depois da derrocada dos militares em 1985 e o início do governo
civil. Para evidenciar o quadro em que se encontrava a educação no final da ditadura militar, nos
reportaremos ao estudo realizado por Willington Germano sobre o Estado Militar e Educação
no Brasil. Nesse estudo, o autor afirma que o fracasso da escola no Brasil e particularmente a
profissionalização se dão “pelo limite de recursos” (GERMANO, 1993, p. 185).

Dessa simples afirmação pode surgir uma pergunta aparentemente boba, do tipo: o
que tem isso a ver com o analfabetismo de jovens e adultos no Brasil? Veremos o quanto
essa questão é fundamental. A exemplo, Demerval Saviani, ao abordar o tema Escola e
Democracia, nos oferece algumas pistas para entender esse analfabetismo. O autor toma
por base dados sobre a América Latina e estatísticas relativas aos anos setenta para afirmar
que “[...] Cerca de 50% dos alunos das escolas primárias desertavam em condições de
semi-analfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos países da América Latina”
(SAVIANI, 1978, p. 07).

A partir dos dados oferecidos por Saviani, evidencia-se a questão do acesso à escola
pública no Brasil subordinado a uma política para o continente, embora cada país tenha
reagido de maneira diferente às políticas orientadas pelos organismos desenvolvimentistas
norte-americanos para o continente Latino-Americano. Lembramos que esse assunto foi
tratado em aulas anteriores e, no momento, estamos apenas aproveitando o espaço para

Aula 12 Fundamentos da Educação 183


fazer você perceber pelo menos duas coisas: a primeira é que o fenômeno do analfabetismo
não é algo isolado; a segunda é que o comportamento das autoridades tem papel decisivo nas
políticas educacionais implementadas em território brasileiro. Segundo Germano:

O Estado não investiu de forma suficiente na expansão e equipamento da rede escolar.


O Estado, portanto, gastou pouco. Em 1980, por exemplo, a percentagem das verbas de
educação destinadas ao 2º grau era de apenas 8,4%, enquanto na América Latina girava
em torno de 25,6%. (GERMANO, 1993, p. 185).

Vemos, pois, que, apesar dos incentivos, a democratização do ensino no continente e a


permanência dos alunos no Ensino Fundamental é precária. Dados da Unesco de 1990, citados
por Maria Beatriz Moreira Luce, em estudo sobre a educação no debate da integração Latino-
Americana, dão conta de que “de cada 10 alunos que ingressam no sistema educacional, 07
chegam à segunda-série, 06 chegam à terceira-série e cinco à quarta-série” (LUCE, 1993, p. 21).
Essa evidência aproxima-se do que afirma Saviani: “[...] Isto sem levar em conta o contingente
de crianças em idade escolar que sequer têm acesso à escola e que, portanto, já se encontram
a priori marginalizadas dela” (SAVIANI, 1986, p. 07).

Ao que nos parece, esta é outra vertente do problema do analfabetismo entre os jovens
e adultos: o não acesso ao sistema educacional como garantia de direito constitucional. Para
Saviani, é “[...] a realidade da marginalidade relativamente ao fenômeno da educação” (SAVIANI,
1986, p. 07). Assim, identificamos que o analfabetismo antes de ser uma escolha individual
é fruto das relações estabelecidas na estrutura social. E a sua dinâmica determina quem está
apto a ingressar no sistema e nele permanecer; quem nele ingressa e não permanece. Por
fim, a dinâmica das relações sociais determina quem consegue passar no funil da elitização
imposta pelo próprio sistema.

Para fechar esta primeira parte, ressaltamos que historicamente o acesso à educação
no Brasil foi representado como a passagem por um funil, no qual nem todos que entram no
sistema educacional conseguem completá-lo, ou seja, a entrada é sempre maior do que a saída.

184 Aula 12 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Procure dados, gráficos e documentos oficiais sobre o analfabetismo
1 no seu estado e no Brasil e, a partir da leitura e análise, construa um
pequeno texto crítico-reflexivo, comparando dados e conteúdos dos
principais programas de alfabetização de jovens e de adultos na última
década, apresentados como política de combate ao analfabetismo.

Complemente o texto que você escreveu na questão anterior com


2 índices de analfabetismo da população jovem e adulta do seu estado
na última década e compare-os com índices que revelam a situação do
analfabetismo em outros estados brasileiros. Faça um esforço reflexivo
para projetar um possível período de erradicação ou controle desse
problema em seu estado. Para esta pesquisa, sugerimos uma consulta
aos sites do IBGE, do DIEESE, do MEC / INEP / FINEP e da Fundação
Getúlio Vargas.

Aula 12 Fundamentos da Educação 185


Um pouco mais de reflexões
sobre o analfabetismo
A realidade educacional brasileira vem sofrendo ao longo do tempo com problemas de
ordem estrutural, dentre eles, destacamos a escassez de recursos para prover o ensino público.
Este, por força constitucional, deveria ser oferecido gratuitamente em todos os níveis. Nesse
contexto, cabem algumas perguntas: sabe-se que compete ao Estado prover o ensino básico,
então, por que o segmento menos favorecido da população não consegue nele entrar? Ou
ainda, o que dizer daqueles que entram, mas não conseguem permanecer até completar a
escolaridade obrigatória? Que relação existe entre faixa etária e níveis de escolaridade?

Como vemos, existem várias questões a serem analisadas e aprofundadas para se


compreender com mais clareza o funil que representa o sistema de ensino brasileiro, o qual,
ao que parece, não depende simplesmente do sujeito passar, ou não, pelas etapas necessárias
e exigidas como estágios obrigatórios de formação. Assim, as políticas públicas e o caráter
elitista da educação estão na raiz do problema do analfabetismo de jovens e adultos e interferem
diretamente nos resultados apresentados.

Esses indicadores como base do problema que estamos investigando reaparecem


continuamente nos debates entre os teóricos da educação como questões mal resolvidas.
Nesse sentido, perguntamos: quais são as saídas possíveis? Desenvolver uma política de

186 Aula 12 Fundamentos da Educação


universalização do ensino básico? A ampliação da rede? A melhoria das condições físicas e
ambientais das escolas? A qualificação dos professores?

Ora, sabemos que um dos pontos fundamentais na questão do analfabetismo diz respeito
à melhoria das condições de emprego e renda da população, no sentido de possibilitar aos
indivíduos condições materiais mínimas capazes de não obrigá-los ao ingresso no mercado
de trabalho antes de completarem a escolarização mínima exigida.

Outrossim, vemos que a questão da alfabetização de adultos assume uma conotação


ampla e diversificada, com linhas de influência da política, da economia e do desenvolvimento.
Desse modo, não podemos focalizar a dinâmica e as conseqüências do analfabetismo,
principalmente entre os jovens e os adultos, simplesmente como uma questão meramente
pedagógica ou, ainda, como conseqüência fundamental da (in)competência individual.

Desse modo, defendemos a importância dos incentivos ao ensino em sua dimensão mais
ampla possível, mas fundamentalmente direcionada à permanência dos alunos no Ensino
Fundamental. Nosso desejo é de superação das metas previstas para os alunos que ingressam
no sistema educacional, através da canalização de esforços para que ele permaneça na escola
em tempo integral e complete o ciclo básico necessário e obrigatório, construindo, assim, pelo
menos o mínimo de formação exigida ao exercício pleno da cidadania.

Temos a intenção de reforçar o que já existe previsto em lei, visando salvaguardar o


acesso ao sistema educacional como garantia de direito constitucional a todo o indivíduo,
independentemente de cor, raça ou condição financeira. Temos que mudar a realidade do ensino
brasileiro, principalmente no que diz respeito à marginalidade da educação, configurada como
analfabetismo em todos os níveis possíveis. Destacamos aqui, mais uma vez, a tese de que
o analfabetismo não pode ser tratado como uma escolha individual; ele deve ser, na verdade,
compreendido como fruto das relações sociais, dentro de um contexto de elitização imposta
pelo próprio sistema.

Por fim, lembramos que a inserção histórica dos indivíduos na educação, no Brasil,
foi sempre destacada como uma mudança de nível ou passagem de estágios em que nem
sempre prevaleciam os saberes formais constituídos, mas sim os interesses predominantes
das elites econômicas e financeiras. Daí, talvez a referência ao funil para significar e justificar,
como critérios educacional e cultural, o fato de que nem todos os que entram no sistema
educacional conseguem completar seus estudos. O fato de a entrada ser maior do que a saída
reforça o desnível cultural e social no sistema de ensino formal. É nesse contexto que cabe a
análise do analfabetismo.

Aula 12 Fundamentos da Educação 187


Atividade 2
Aprofunde sua pesquisa sobre a questão do analfabetismo no seu
1 estado, procurando identificar como ocorre a relação entre a entrada e
a saída dos estudantes no Ensino Fundamental.

Busque em documentos e sites oficiais, como o IBGE, DIEESE, MEC/


2 INEP, estudos que fazem referência à matrícula no Ensino Fundamental
e construa um pequeno texto identificando e discutindo a questão do
analfabetismo, no seu estado, a partir do percentual dos que estão fora
do sistema de ensino.

Leituras Complementares
CUNHA, Luis Antônio. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

O autor aborda os caminhos e descaminhos da educação, destacando as investidas da


elite brasileira nos projetos de reorganização da educação no Brasil.

SAVIANI, Dermeval. Análise crítica da organização escolar brasileira através das Leis 5540/68
e 5.592/71. In: GARCIA, W. E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e
funcionamento. São Paulo: McGraw Hill do Brasil, 1976.

O autor trata dos movimentos educacionais focalizando o discurso da modernização e a


convivência com o atraso na organização do Ensino Fundamental e Médio.

GOVERNO DO ESTADO DO RN. Coordenadoria de Desenvolvimento Escolar. Sub-Coordenadoria


de Educação de Jovens e Adultos. Diário de Natal. Projeto Ler, Natal, v. 01-12, 2005. Coleção
sobre a modalidade de ensino de jovens e adultos.

Os fascículos desse projeto abordam especificamente a modalidade de educação de


jovens e adultos sob diferentes óticas: da política, da organização curricular, da educação a
distância e dos movimentos populares em prol da educação de base.

188 Aula 12 Fundamentos da Educação


Resumo
Nesta aula, buscamos trabalhar o contexto do analfabetismo a partir do conteúdo
das políticas públicas de educação, traduzido em diretriz de diagnóstico e
combate aos novos e velhos problemas que se misturam nas novas orientações
para a educação. Desse modo, enfocamos o problema da alfabetização de jovens
e adultos no Brasil, evitando a discussão sobre as competências individuais, a
qual, historicamente, tem atribuído ao cidadão comum a responsabilidade sobre
a sua não inclusão ao sistema formal de ensino.

Autoavaliação
Identifique na sua comunidade, entre seus familiares e amigos próximos, aqueles
que não freqüentaram a escola e descubra os motivos pelos quais eles não
buscaram o sistema formal de ensino para sua alfabetização. Depois converse
com algumas pessoas que tiveram a oportunidade de ingressar nesse sistema,
mas não conseguiram completar a escolaridade mínima. Conheça os motivos que
os levaram a abandonar a escola antes do tempo e, com esses dados, construa
um pequeno texto que mostre sua análise crítico-reflexiva.

Referências
BUARQUE, Cristóvão. O colapso da modernidade brasileira: uma proposta alternativa. Rio
de Janeiro: Paz e terra, 1991.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais Ltda, 1989.
CUNHA, Luis Antônio. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil (1964/1985). São Paulo:
Cortez, 1993.
LUCE, Maria Beatriz Moreira. Sobre a educação no debate da integração latino-americana: alguns
pontos para reflexão. Cadernos do Cedes, Campinas: Papiurus – Unicamp, n. 31, 1993.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1986.
_______. Educação brasileira: estrutura e sistema. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1978.

Aula 12 Fundamentos da Educação 189


Anotações

190 Aula 12 Fundamentos da Educação


Educação, tradição
e modernidade

Aula

13
Apresentação

N
esta aula, como o próprio título indica, trataremos de três temas: a educação,
a tradição e a modernidade. Nossa abordagem pretende articular as três áreas
sugeridas, identifi cando o grau de pertinência de uma relacionada a outra. O
referencial teórico tomará como pressuposto o fato de que uma educação de qualidade
coloca estrategicamente o país na condição elevada de desenvolvimento econômico,
tecnológico e social. Essa condição permite que os indivíduos possam estudar o passado,
compreender o presente e projetar o futuro. Desse modo, a linha de raciocínio que
tentaremos desenvolver nesta aula seguirá na tentativa de demonstrar que é no passado
que se encontra a fonte das transformações vivenciadas no presente, e delas dependerá
o futuro da humanidade expresso no progresso e na modernidade.

Objetivos
Identificar o processo educativo como movimento social
1 dinâmico e fomentador da formação moral e ética dos
indivíduos.

Analisar as articulações existentes entre a educação, a


2 tradição e a modernidade.

Aula 13 Fundamentos da Educação 193


A educação
“A Escola é assunto de todos os cidadãos, pois ela é a imagem projetada da República”
(Charles Coutel).

Em aulas anteriores, consideramos importante tratar da educação e do que lhe dá suporte:


a tradição e a modernidade. Agora, ampliando um pouco mais essa discussão, veremos que
a articulação entre essas três áreas faz-se necessária pelo fato delas formarem um tripé que
sustenta as seguintes dimensões das relações humanas e sociais:
a) a compreensão do homem;

b) sua concepção de mundo;

c) sua articulação com a natureza física e social;

d) sua organização coletiva;

e) os comportamentos e os valores observados nas relações sociais;

f) e o modo de produzir a existência.

Todas essas relações nos ajudam a compreender o que é o viver e como o homem se
organiza no ambiente físico e social. Portanto, não podemos tratar separadamente essas
áreas a não ser para efeito de estudo, pois é do nosso conhecimento que do saber inscrito

194 Aula 13 Fundamentos da Educação


na tradição se alimentam as pesquisas sobre os indivíduos e os comportamentos sociais
(comportamentos, hábitos, costumes e a formação cultural dos povos).

Nesse sentido, nossa compreensão é de que a educação cumpre papel preponderante não
só de sistematização, mas de produção de novos saberes, de formulação e difusão dos velhos e
novos conhecimentos, permitindo que idéias aflorem e que conceitos sejam reformulados, ou mesmo
transformados, e o conhecimento surgido possa ser difundido.

A importância desse movimento para o processo educativo consiste em formar indivíduos


capazes de produzir conhecimento e atingir compreensão de como o homem se relaciona com o
meio ambiente, com a produção de bens, materiais e simbólicos, que circulam no ambiente social.
Desse modo, dada a complexidade dessas relações, justifica-se a compreensão do passado, da
origem da natureza das coisas, da vida e do comportamento dos animais e dos seres humanos.
Esse caminho investigativo e compreensivo deve ser realizado em ambiente de educação formal, de
maneira organizada e sistemática.

Com isso, queremos chamar sua atenção para o fato de que é através da educação formal que nos
preparamos para enfrentar a vida de maneira mais organizada e sistemática. Por esse caminho formativo,
deveremos aprender a lançar mão do conhecimento acumulado para progredir individualmente
e coletivamente. Como podemos ver, o tema educação deve ser assunto importante para todos os
cidadãos, pois dela depende o grau de integração dos indivíduos às estruturas econômica e social.

Alguns teóricos chegam a considerar a educação tão importante para o homem como o ar que
ele respira. Obviamente, o ser humano viverá sem ser alfabetizado, sem educação formal nenhuma,
a questão é saber como. O exagero nessa afirmação é para chamar mais uma vez sua atenção para a
importância que tem a educação na vida de cada um e na harmonização social.

Ora, se podemos dizer que o homem é um animal racional, podemos então admitir que ele não
poderá ficar entregue a sua natureza como os outros animais. Em linhas gerais, o que nos diferencia
dos outros animais pode ser a necessidade da domesticação, de alinhamento, ordenação, ou seja,
regras para não deixar o homem livre para fazer o que bem entenda. Ao que nos parece, aqui surge
um problema: a necessidade das regras. Você já imaginou como seria o mundo sem regras, sem
normas, todos dividindo o mesmo espaço sem haver respeito?

Podemos até ter uma opinião formada sobre o que seja educação e a sua finalidade, mas não
podemos nos furtar dessa discussão, pois desde os tempos antigos ela é discutida, reformulada,
transformada e adequada a cada forma de governo ou regime político. Isso significa dizer que dos
tiranos aos democratas todos se preocupam com a educação do seu povo.

Entretanto, cabe perguntar: por que a instituição educativa causa tanta preocupação?
Philippe Meirieu (2002), reportando-se ao projeto de Decreto da Organização Geral da Instrução
Pública, apresentado à Assembléia Nacional Francesa e lido por Condorcet em 1792, diz que:
Condorcet revela uma confiança absoluta nos processos de conhecimento humano pela razão
e pretende fundar uma ‘instrução pública’, colocada sob a responsabilidade exclusiva do
legislador. Nesta perspectiva, a escola deve ser particularmente ambiciosa no que diz respeito
à transmissão mais ampla do conhecimento científico. (MEIRIEU, 2002, p. 41).

Aula 13 Fundamentos da Educação 195


Como vemos, regular a “instrução pública” é exigência da
própria universalização do conhecimento em bases científi cas,
o que por defi nição e por práticas complexas não pode ocorrer
de maneira informal e despretensiosa fora do ambiente formal da
academia. Meirieu (2002) complementa sua análise, reportando-se
ao documento do comitê, citado anteriormente, dizendo que:

A finalidade que Condorcet atribui à ‘instrução pública’ é


clara: oferecer a todos os indivíduos da espécie humana os
meios de prover suas necessidades de assegurar o seu bem-
estar, de conhecer e de exercer seus direitos, de entender e
de cumprir seus deveres [...] Mas, sobretudo, esclarecer a
razão dos homens para libertá-los de toda forma de opressão
sobre sua consciência e de fazer deles verdadeiros cidadãos:
enquanto houver homens que não obedeçam apenas à sua
razão, que recebam suas opiniões de uma opinião estranha,
em vão todas as correntes terão sido rompidas, [...] o gênero
humano continuaria dividido em duas classes: a dos homens
que pensam e a dos homens que crêem, a dos senhores e a
dos escravos. (MEIRIEU, 2002, p. 41) .

Não discutiremos aqui as idéias de Condorcet do ponto de vista


político e ideológico, mas chamaremos a atenção para alguns pontos
que são colocados embrionariamente na proposta do comitê sobre a
‘instrução pública’ que tem valor universal, como a universalização
da educação como garantia de bem-estar; de exercício de cidadania,
exigindo direitos e cumprindo seus deveres; meio de libertação da
opressão. Assuntos ainda discutidos hoje no Brasil e, conforme
estudos anteriores, ainda não plenamente satisfeitos. Eis então o
papel da educação: preparar os indivíduos para viverem em sociedade
de forma ativa.

196 Aula 13 Fundamentos da Educação


A tradição
A rapadura, o trovar a vida ‘um pouquinho dura’, a moringa e o pote de barro, a barriga e
o cigarro, a rede de palha, a incelença para o morto na mortalha, a colcha de fiandeira, o
rezar em latim da rezadeira, as estórias meninas do trancoso, o cantorio de Santos Reis na
casa do pouso, o aboio do berrante e do vaqueiro, as artes de feitiçaria do moçambiqueiro,
a encomenda de almas, a dança de catira entre canto e palmas, o cordel que vê o mundo e
quer pensá-lo, a fé e a festa de uma Fundação de São Gonçalo. (BRANDÃO, 1982, p.48).

O conhecimento não surge do nada, do vazio, surge da necessidade do homem de


compreender sua existência, o que significa dizer sua relação com a natureza e com os seus
semelhantes. Assim, os estudos culturais assumem um papel importante na produção do
conhecimento, que, por definição, consiste numa das funções da educação sistematizada. Por
isso, a tradição faz parte desse universo cultural como forma de entendermos como os homens
produzem sua existência e, assim, avançarmos na melhoria das condições de existência.

Definir cultura, onde encontramos a tradição, torna-se necessário para melhor


compreender o papel desta no processo de ensino e na educação como um todo. No estudo
sobre conformismo e resistência, Marilena Chauí (1994) diz que

Aula 13 Fundamentos da Educação 197


Vinda do verbo latino colere, cultura era o cultivo e o cuidado com as plantas, os animais
e tudo que se relacionava com a terra; donde, agricultura. Por extensão, era usada para
referir-se ao cuidado com as crianças e sua educação para o desenvolvimento de suas
qualidades e faculdades naturais; donde, puericultura. O vocabulário estendia-se, ainda,
ao cuidado com os deuses; donde, culto. A cultura, escreve Hanna Arent, era o cuidado
com a terra para torná-la habitável e agradável aos homens, era também o cuidado com
os deuses, os ancestrais e seus monumentos, ligando-se à memória e, por ser o cuidado
com a educação, referia-se ao cultivo do espírito. (CHAUÍ, 1994, p. 11).

Vemos a importância da tradição para os estudos culturais e conseqüentemente para a


educação. Isso se justifica porque o processo de educação destituído da memória e da cultura,
que está na raiz da formação de um povo, constitui um processo mecânico de aprendizado de
regras e técnicas produtivas descontextualizadas. Portanto, um aprendizado inútil. Um pouco
de provocação para estimular a reflexão crítica: por que a educação, sobretudo a Educação
Básica, deve ser praticada de modo a relacionar o presente com o passado?

Façamos, juntos com Marilena Chauí, um esforço para entender essa vinculação entre
passado e presente na educação. Arriscamo-nos a dizer que tem relação com o conceito
de cultura, você concorda? Pois bem, sabemos que a cultura se relaciona com o processo
civilizatório, ou seja, com as noções de “civil, de homem educado, polido e a ordem social”
(CHAUÍ, 1994, p. 12). A autora diz também que cultura não pode ser compreendida a partir
dessa definição restrita, mas no sentido mais amplo do termo. Para Chauí, não existe consenso
para a definição de cultura.

Segundo Chauí (1994, p.13), em alguns contextos, o conceito de cultura confunde-se


com “civilização, com convenções e instituição sociopolíticas”, em outros, ela é “processo de
aperfeiçoamento moral e racional, o desenvolvimento das luzes na sociedade e na história”. Por
fim, a autora conclui que o termo cultura segue duas direções: “uma que se refere ao processo
interior dos indivíduos [...] outra que trata das relações com a História [...] concebida ora como
modo de vida de uma sociedade determinada, e ora como trabalho do Espírito Mundial”.

Percebe-se, portanto, que os dois caminhos apontados por Chauí vinculam-se ao


aprendizado de regras e normas da boa convivência. Assim, diz ela: “[...] a cultura irá, pouco
a pouco, designando os indivíduos educados intelectual e artisticamente, constituindo as
‘humanidades’, apanágio do homem ‘culto’, em contraposição ao homem ‘inculto’” (CHAUÍ,
1994, p. 13). Eis, pois, a importância de se compreender a tradição no quadro da cultura
e do processo civilizatório, como patamar para as transformações culturais, evolução do
homem e, conseqüentemente, da sociedade.

198 Aula 13 Fundamentos da Educação


Atividade 1
Faça um exercício crítico-reflexivo em busca de informações que
1 revelem como seria seu mundo sem a aceitação de regras sociais que
lhe são impostas. Depois da reflexão, construa um texto descrevendo
situações imaginárias a partir das questões que se seguem.

g) Como seria uma cidade sem nomes de rua, sem numeração, sem
regras de trânsito, sem normas e sem lei?

h) Onde e como aprendemos a respeitar as regras?

Hoje, nos parece óbvio admitir que é através da convivência que aprendemos
2 as boas regras do convívio social. Assim, é possível que tomemos por natural
o fato de não ser necessário nenhuma instituição social regular a escola e a
justiça, por exemplo. Mas, a propósito das regras, se alguém lhe perguntasse
por que ou para que elas existem, o que responderia? Reflita sobre a questão
com colegas e professores, fundamente sua opinião e depois faça uma
pequena composição textual, destacando a importância, ou não, das regras
na sociedade contemporânea.

Aula 13 Fundamentos da Educação 199


200 Aula 13 Fundamentos da Educação
A modernidade
Há cem anos a economia brasileira vem crescendo. Com exceção de alguns anos, o país
manteve taxas de crescimento entre as maiores do mundo. Isto significa que, durante
um século, o Brasil percorreu o caminho da modernização com velocidade superior aos
demais países. (BUARQUE, 1994, p.15).

Abordar ou fazer referência ao desenvolvimento ou progresso de uma nação é discorrer


acerca do processo de modernização das estruturas que a compõem. Nesse sentido, podemos
fazer algumas questões provocativas que deverão servir de apoio estratégico para desenvolver
o tema da modernidade: como falar de desenvolvimento econômico com atraso educacional e
baixa remuneração salarial? Como falar de desenvolvimento social sem que a população tenha
acesso à educação, saúde e moradia, por exemplo?

O contra-senso dessas questões demonstra que é impossível tratar da modernidade sem


tratar do atraso em seus vários níveis de manifestação. Ao que nos parece, o contra-senso
do crescimento brasileiro está ligado ao fato de que a modernização do país não conseguiu
alterar uma realidade que se acumulou historicamente:

[...] em cada mil brasileiros que nascem vivos, cerca de noventa morrem antes de cinco
anos de idade, por fome ou doenças endêmicas. Dos sobreviventes, quase cento e vinte
são excluídos desde a infância, sobreviverão marginalizados nas ruas, jamais entrarão
em uma escola, não serão beneficiados nem úteis socialmente. Dos setecentos e noventa
que restam, quinhentos não concluirão as quatro primeiras séries de estudo. Cento e
cinqüenta não concluirão as quatro séries seguintes do primeiro grau. Apenas cento e
quarenta conseguirão passar para o segundo grau. Cem anos depois de um contínuo e
intenso processo de crescimento econômico, em cada mil brasileiros que nascem, apenas
noventa atravessam as dificuldades de sobreviver e são educados até o final do segundo
grau. (BUARQUE, 1994, p. 15).

Aula 13 Fundamentos da Educação 201


Buarque (1994) nos apresenta de modo sucinto a desigualdade que provoca a pirâmide
educacional. Essa discussão já foi tratada em aulas anteriores e vimos que tal desigualdade
produz efeitos drásticos do ponto de vista do bem-estar da população e, sem dúvida,
compromete o quadro de desenvolvimento de qualquer país. Ainda segundo esse autor,

Quase cem milhões de pessoas vivem na pobreza. Destas, quase 60 milhões sobrevivem
em condições de miséria, e nada menos do que 20 milhões em total indigência. A quase
totalidade dessa população sofrerá de doenças abolidas em quase todo o mundo, lepra,
dengue, esquistossomose, tuberculose, chagas, e outras produzidas por falta de higiene,
de atendimento médico ou do mínimo nutricional. (BUARQUE, 1994, p.15-16).

A ausência de políticas públicas na perspectiva do desenvolvimento empurra a população


para o atraso econômico e social. Na verdade, o que se vislumbra nos dados oferecidos
por Buarque é o resultado da falência do Estado, enquanto responsável por prover o bem-
estar social. Nesse ponto, torna-se necessário estabelecermos uma diferença entre progresso
econômico e desenvolvimento social, visto que o avanço da economia nem sempre é sinônimo
de desenvolvimento social, tanto não o é que Cristovam Buarque diz que:

Nunca o Brasil, e raramente um outro país, esteve submetido a tal desprezo e desconfiança
das demais nações: pela destruição do meio ambiente, pelo assassinato de crianças,
pelo acinte da riqueza ao lado da pobreza, pela corrupção dos quadros dirigentes, pela
manipulação política, pela violência generalizada. [...] Um século de êxito no caminho
do progresso foram cem anos de agravamento da miséria e de enfrentamento do tecido
social brasileiro. (BUARQUE, 1994, p.17).

A modernidade de fato requer mudanças radicais na forma de pensar e dividir as riquezas


do país. Mas, de que adianta o país estar incorporado a uma lógica de produção de bens
materiais e de mercado de consumo globalizado, se isso beneficia apenas a um número
reduzido da população? Isso é apenas um indicador de que, ao contrário do que muitos
imaginam, o tema da modernidade é muito mais complexo do que aparenta. Ela está ligada a
impactos de grandes magnitudes sociais e culturais que interferem diretamente nas relações
e estruturas de qualquer sociedade.

A modernidade vai além da simples incorporação dos novos instrumentos técnicos e


científicos que se apresentam na composição de um novo cenário. Ela está ligada a um contexto
e a uma textura sociocultural compacta e consistente que projetam uma dinâmica de mudanças
políticas e econômicas que saem da tradicional condição de estável e duradoura. Com isso,
estamos querendo dizer que a mudança em nome da modernidade tem raízes profundas e
ainda pouco conhecidas pela maioria da população.

A imagem da sociedade que se mostra ligada à modernidade e ao que dela se projeta


como mudanças, ou seja, com o próprio selo da modernização, exige alterações valorativas
que têm reflexos diretos na educação. Isso porque está relacionado às exigências da nova
interpretação valorativa, que se manifesta como um repensar da produção do conhecimento
até então conhecida. É a aplicação da razão como instrumento de organização e interpretação

202 Aula 13 Fundamentos da Educação


do conhecimento e da cultura produzidos pelas gerações anteriores, sem a preocupação e as
discussões sobre as implicações e a dimensão das mudanças que abriram caminho para o
acelerado desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Por fim, podemos dizer que temas como a tradição, a educação e a modernidade
contrastam e se ligam entre si pelos impactos sociais causados pela política e pela economia,
principalmente quando associados ao desenvolvimento técnico e científico que orientam as
mudanças na sociedade contemporânea. Quanto aos processos educativos, acreditamos que
por meio deles podemos identificar o fosso entre os que se apropriam dos fundamentos
técnico-científicos, com sentido de acumulação de capital, e os outros que se apropriam da
linguagem e dos instrumentos técnicos, com a simples finalidade de acompanhar a evolução
tecnológica em direção à modernização social.

Atividade 2
Selecione algumas pessoas do seu círculo de amizade para conversar
1 livremente sobre a educação e sua finalidade no contexto da sociedade
contemporânea. Após essa conversa descontraída, construa um texto no
qual você desenvolva o tema: “O papel da educação no país do futebol”.

Reforce e aprofunde o conteúdo desenvolvido no texto da questão


2 anterior, conversando com profissionais de diferentes áreas e diferentes
níveis de formação e ensino sobre o significado e a representação
conceitual da tradição para a educação na sociedade contemporânea.
De posse dessas informações, você poderá expandir suas idéias e
produzir um pequeno texto expondo e comentando as idéias coletadas,
incluindo a sua percepção.

Para finalizar esta aula, podemos dizer que as três áreas de estudo das quais tratamos
aqui, a educação, a tradição e a modernidade, encontram-se muito imbricadas nas várias
formas que seus problemas e as possíveis soluções se manifestam nas relações sociais,
culturais e econômicas que perpassam o eixo do desenvolvimento científico e tecnológico.
A universalização do conhecimento e as práticas complexas de organização e reorientação
valorativas da sociedade contemporânea retomam as discussões sobre o papel da educação
na preparação dos indivíduos a fim de que revejam e revivam os papéis que a sociedade atual
indica para a mediação e o gerenciamento das novas relações. Desse modo, o conhecimento
exigido para compreender a transição entre os valores tradicionais e os novos valores surge da

Aula 13 Fundamentos da Educação 203


própria necessidade que o homem tem para significar e expressar sua atual relação com a
natureza e com os seus semelhantes.

Podemos dizer ainda, que a modernidade pressupõe mudanças diretamente associadas ao


modo de pensar e fazer dos indivíduos em suas relações sociais e culturais, que vão além da simples
assimilação, aceitação e acomodação aos produtos da técnica, da ciência e da tecnologia que se
apresentam como novo cenário para as gerações atuais. Como conseqüências e demonstração do
que dissemos anteriormente, podemos concluir que a modernidade e suas respectivas mudanças
têm reflexo direto na educação e nos conteúdos geradores de conhecimento para compreender
o difícil caminho de transformação dos valores tradicionais em valores contemporâneos. Desse
modo, podemos dizer que os temas desta aula encontram-se ligados pela necessidade de projeção
da racionalidade como instrumento de organização do conhecimento para interpretar culturas,
passada e presente, e abrir para discussões sobre as implicações que as mudanças atuais trazem
para a educação, ao redirecionar conceitos e valores da formação tradicional para o contexto da
modernização na sociedade contemporânea.

Leituras Complementares
GATTI, Bernadete A. Democracia de ensino: uma reflexão sobre a realidade atual. Revista Em
Aberto, Brasília: MEC/INEP, n. 44, out./dez. 1989.

MELO, Guiomar Namo de; SILVA, Rose Neubaeur da. O que pensar da atual política educacional.
Revista Em Aberto, Brasília: MEC/INEP, n. 50/51, 1992.

GARCIA, Pedro Bejamin. Educação, modernização ou dependência? Rio de Janeiro: Francisco


Alves, 1977.

Resumo
Nesta aula, tratamos de pontos fundamentais para uma melhor compreensão
da articulação que deve existir entre educação, tradição cultural e modernidade.
Tentamos rever algumas questões trabalhadas isoladamente ao longo da disciplina,
como desigualdade social e seletividade do ensino, que evidenciam o descaso em
relação à educação pública e o fortalecimento da distância entre as classes sociais.

204 Aula 13 Fundamentos da Educação


Autoavaliação
Faça uma reflexão e uma comparação entre as disparidades da modernização e a
condição de sobrevivência da população. Destaque o papel que a educação poderá
ter na sociedade contemporânea, relacionando conceitos e valores da formação
tradicional no contexto da modernização. Articule suas idéias em um pequeno
texto, tecendo comentários sobre conceitos e significados de educação, tradição
e modernidade. Descreva os pontos favoráveis e contrários a essa questão e
justifique sua posição.

Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Lutar com a palavra: escritos sobre o trabalho do educador.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.

BUARQUE, Cristovam. O colapso da modernidade brasileira e uma proposta alternativa.


Rio de Janeiro: Paz e terra, 1991.

CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des)ordem internacional. São Paulo:
Editora da UNICAMP, 1993.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6.ed.


São Paulo: Brasiliense, 1994.

COSTA, Américo de Oliveira. Viagem ao universo de Câmara Cascudo. Natal: Fundação José
Augusto, 1969.

MEIRIEU, Philippe. A pedagogia entre o dizer e o fazer: a coragem de começar. Porto Alegre:
Artmed, 2002.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura? 15.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

VALLE, José Edênio (Org.). A cultura do povo. São Paulo: Cortez & Moraes / EDUC, 1979.

Aula 13 Fundamentos da Educação 205


Anotações

206 Aula 13 Fundamentos da Educação


A institucionalização da
modernização na Educação

Aula

14
Apresentação

A
presentaremos nesta aula o processo de institucionalização da educação em relação
direta com o desenvolvimento técnico-científico no contexto da modernização. Veremos
nessa abordagem que a modernização exigiu o repensar do conhecimento técnico e
científico para projetar-se como racionalização do mundo. Partindo do contexto da expansão
do pensamento moderno, a qual ocorreu com a fusão dos conhecimentos científicos-
tecnológicos com o capital econômico e financeiro, chegaremos às bases e aos pressupostos
da institucionalização do ensino.

Na seqüência, mostraremos que na história da Educação a institucionalização do ensino


na verdade ocorreu em função do desenvolvimento industrial e econômico impulsionado pelo
acúmulo dos grandes capitais, constituídos, principalmente, com a exploração dos novos
continentes. Assim, a escola, em grande parte, serviu para acomodar as mudanças ocorridas
no âmbito das políticas econômicas assumidas como exigências sociais.

Objetivos
Apresentar o processo de institucionalização da educação
1 e sua relação com o desenvolvimento técnico-científico
e a modernização.

Abordar questões inerentes à formação como


2 conseqüência de uma exigência do desenvolvimento
econômico e tecnológico.

Destacar questões específicas da cultura tecnológica,


3 interferindo nos processos educativos.

Aula 14 Fundamentos da Educação 209


Modernização e educação

O
tema modernização, em aulas anteriores, foi tratado como uma questão que está
imbricada, ou relacionada, com vários outros temas que se constituem como
instrumentos de mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais. Assim, ao
contrário do que muitos imaginam, a modernização vai além do impacto causado pelos novos
instrumentos técnicos e científicos sobre o mundo. Ela projeta-se em um contexto sociocultural
de mudanças fora do modelo social organizado em torno de valores compactos e consistentes,
ou de uma dinâmica política e econômica aparentemente estável e duradoura. Com isso,
estamos querendo mostrar que as mudanças que decorreram do processo de modernização
são profundas e ainda pouco conhecidas pela maioria da população.

A nova imagem do universo ligada à modernização (a partir do séc. XVI) exigiu que
toda a produção do conhecimento até então conhecida fosse repensada. A base teórica e
prática que surgiu foi organizada em torno das preocupações com a utilização da razão
na organização e interpretação dos dados sensíveis da experiência. Tais preocupações
reforçaram as teses de duas grandes correntes filosóficas: o Empirismo e o Racionalismo.
As discussões saíram do nível de abordagem pautado na relação Deus-homem para a
relação homem-natureza. Esse fator foi importante porque abriu caminho para o acelerado
desenvolvimento da Ciência nos períodos seguintes.

210 Aula 14 Fundamentos da Educação


Podemos notar que, seguindo as origens da formação do pensamento moderno e o
que convencionamos chamar de modernização, encontraremos uma dimensão crítico-criativa
vinculada ao processo de institucionalização do modelo educativo e à difusão da instrução
intelectual. Ora, assumindo esse pressuposto, teremos as origens da institucionalização do
saber, organizado e desenvolvido como racionalização e modernização e, conseqüentemente,
os pressupostos básicos da institucionalização do ensino.

Ao que nos parece, a história da Educação nos mostra que a institucionalização do


ensino na verdade ocorreu a partir do aspecto formal-instrumental dos atos de ler, escrever
e contar, tratados articuladamente como conhecimento e aprendizagem do trabalho. Essa
dimensão conceitual foi assumida como forma específica de aprendizagem e derivada dos
ofícios desenvolvidos nos ambientes de trabalho.

Encontramos em Manacorda informações que nos levam a acreditar que o aprendizado é


focalizado intimamente relacionado ao trabalho e com todo o desenvolvimento, não somente
das forças produtivas, mas também das relações sociais nas quais elas se organizam. No que
diz respeito à formação intelectual, o autor destaca a aprendizagem das técnicas culturais
ou dos aspectos formais e instrumentais da instrução, definidos pelos atos de ler, escrever
e calcular (MANACORDA, 1997).

Continuaremos nossa reflexão a partir das informações que Manacorda (1997) nos
oferece sobre a caracterização do ambiente no qual germinaram e evoluíram as principais idéias
pedagógicas que impulsionaram a modernização da educação. O autor em questão, em seu
levantamento histórico-evolutivo da Educação, nos ofereceu aspectos da racionalização técnica
e científica no campo social e político, com impactos também no processo educativo.

As mudanças geradas pela mecanização do novo modo de produção provocaram o


deslocamento da população, das oficinas artesanais para as fábricas. No conjunto dessas
mudanças que se evidenciaram na direção da modernização, Manacorda ressalta que o
esvaziamento das oficinas, o qual ocorreu com o deslocamento da população do campo para
a cidade, resultou em transformações culturais e revoluções morais significativas. Inculturação ou
aculturação
[...] assiste-se ao desenvolvimento da fábrica e, contextualmente, à supressão de fato
Para Manacorda, a
e de direito, das corporações de artes e ofícios, e também da aprendizagem artesanal inculturação é o processo
como única forma popular de instrução. Este duplo processo, de morte da antiga de internalização, pelo
produção artesanal e de renascimento da nova produção de fábrica, gera o espaço para indivíduo, das tradições
o surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábrica e Escola nascem juntas: as e costumes de uma
civilização. Quando
leis que criam a Escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem
o processo ocorre
corporativa. (MANACORDA, 1997, p. 270).
externamente apresentado,
oferecido ou imposto
Ao analisar os impactos das mudanças políticas e econômicas nas relações de produção por outra classe, através
de entidades ou mesmo
e no processo de formação dos indivíduos, Manacorda concluiu que havia elementos comuns
indivíduos específicos,
às várias sociedades, desenvolvidos ao longo da história da educação. Tais elementos, em como escriba, por
alguns momentos, até poderiam aparecer camuflados, mas na origem e sentido conservam exemplo, o autor chama de
aculturação (MANACORDA,
as mesmas características: a inculturação ou aculturação.
1997, p. 6).

Aula 14 Fundamentos da Educação 211


A educação, segundo Manacorda, ganhou impulso para a modernização no início do
século XVIII, período no qual a educação esteve mais voltada para a dimensão materialista,
pautada na técnica como base da formação dos jovens que desejavam aprender um ofício.
Assim como o autor em questão, acreditamos que a modernização da educação tem suas
origens no aprendizado das técnicas artesanais e mercantis.

A partir do momento em que nasce e se define a ciência moderna é criticado o


humanismo livresco gramatical e escolástico da cultura. A preocupação da educação
moderna passa a ser com as várias maneiras e as diferentes iniciativas que deveriam
fazer parte do processo de educar humanamente todos os homens. [...] A educação
estava na moda: dela se ocupavam os soberanos, os filósofos, os utopistas e os
romancistas. (MANACORDA, 1997, p. 232).

Os interesses e os ideais que operavam as mudanças e a divisão social rumo à institucionalização


do saber e da modernização da educação ficarão mais evidentes quando vistos sob a ótica dos modelos
nos quais foram sistematizados os princípios da formação individual: o artesão, voltado para a mão-
de-obra, o acadêmico, para cultivar e definir o rumo das luzes, e o homem rico, para cuidar do custeio
das maquinarias e dirigir seus lucros (MANACORDA, 1997, p. 241).

Delimitada, pois, a perspectiva de modernização para a educação, Manacorda afirmou


que a pedagogia moderna passou a trabalhar com o tema das relações instrução-trabalho ou
instrução técnico-profissional. Desse modo, a sistematização do ensino seguiu na esteira do
conhecimento técnico-científico, com uma nova orientação que pressupunha planejamento e
estratégias para alcançar resultados mais consistentes. Daí justificarem-se as preocupações
com o método. A referência da educação nesse contexto foi a Escola Nova, cujo critério
metodológico estava centrado no aprender fazendo.

Atividade 1
Reflita e escreva sobre sua trajetória escolar procurando identificar
1 mudanças nos métodos e nos conteúdos que fizeram diferença na
sua formação.

O que você entende por processo de modernização da educação?


2 Destaque, a partir das mudanças que ocorreram na sua trajetória escolar
(item anterior), o que você considera resultado desse processo.

212 Aula 14 Fundamentos da Educação


Aula 14 Fundamentos da Educação 213
A institucionalização do saber e
o movimento da modernização
No que se refere à formação acadêmica do indivíduo moderno, faremos uma breve
referência aos acontecimentos da Europa moderna, principalmente depois da invenção da
prensa tipográfica. Nessa abordagem, daremos ênfase aos processos de produção e aplicação
do conhecimento ao ensino.

Ao longo da história, historiadores, sociólogos e filósofos, preocupados em compreender


a estrutura lógica e epistemológica do conhecimento, mostraram que o saber acadêmico esteve
fortemente vinculado às formas de pensar das elites dominantes. As universidades, a partir
da Idade Média, apresentaram-se como espaço formal de produção e difusão dos saberes
acadêmicos, e durante séculos foram organizadas em torno das diretrizes religiosas.

Em Burke (2003), encontraremos informações sobre a grande efervescência na


discussão dos saberes, nos períodos que vão do séc. XV ao XVIII, com destaque para o
Renascimento e o Iluminismo. As idéias postas em debate geravam conflitos entre grupos
de pensadores organizados por instituições ou corporações. Por outro lado, os debates

214 Aula 14 Fundamentos da Educação


também ocorriam fora das universidades, onde os humanistas divergiam dos grupos que
se organizavam e se estabilizavam nas instituições como formadores de opinião. De uma
forma ou de outra, o que estava em jogo era o nascimento da institucionalização do saber. Humanistas

“Os Humanistas
De um ponto de vista institucional, o século XVII marca um ponto de inflexão na história estão associados ao
do conhecimento europeu em diversos aspectos. Em primeiro lugar, o monopólio virtual Renascimento enquanto
movimento de oposição
da educação superior desfrutado pelas universidades foi posto à prova nesse momento.
ao saber convencional
Em segundo lugar, assistimos ao surgimento do instituto de pesquisas, do pesquisador
dos escolásticos, ou seja,
profissional e, de fato, da própria idéia de “pesquisa”. Em terceiro lugar, os letrados, dos filósofos e teólogos
especialmente na França, estavam mais profundamente envolvidos com projetos de que dominavam as
reforma econômica, social e política, em outras palavras, com o Iluminismo. [...] Esse universidades” (BURKE,
conjunto de termos sugere uma consciência crescente, em certos círculos, da necessidade 2003, p.40).

de buscas para que o conhecimento fosse sistemático, profissional, útil e cooperativo.


[...] Por essas razões podemos falar de um deslocamento, em torno do ano 1700, da
“curiosidade” para a “pesquisa”. (BURKE, 2003, p.47-49).

A breve caracterização da produção intelectual do conhecimento, feita anteriormente,


contrasta com os impactos sociais causados pela distorção política e econômica do
desenvolvimento técnico e científico. Entre os processos educativos, identificamos um fosso.
De um lado, os que se apropriam dos fundamentos técnico-científicos visando ao lucro e à
acumulação de riquezas; do outro, os que se apropriam da linguagem e dos instrumentos
técnicos com a finalidade burocrática de acompanhar a evolução tecnológica e instrumentalizar
o pensamento em favor da modernização social.

Acreditamos que atualmente existe uma ponte que liga os estreitos caminhos da
educação (passado-presente). A ponte, por sua vez, encontra-se corrompida na sua essência
(interpretativa) e comprometida no seu conteúdo (criticidade), desse modo não oferece
segurança no que entendemos ser o papel principal da instituição escola: propiciar o rito de
passagem do teórico-instrutivo, para a prática crítico-criativa.

O fosso ao qual nos referimos, quando visto sob as contradições geradas nas relações
dicotômicas entre o econômico e o social, a indústria e a escola, o trabalho e a instrução
reforçam a importância da educação para a compreensão das transformações atuais. Essa
compreensão ocorre por meio da educação formalizada, que cultiva a criticidade e assume
estratégias de discernimento dos conteúdos educativos difundidos pelo estreito canal de ligação
entre a ideologia e a pedagogia.

Nos séculos XVII e XVIII, a assimilação da modernidade pela educação ocorreu por força
do desenvolvimento industrial e econômico impulsionado pelo acúmulo dos grandes capitais,
constituídos, principalmente, com a exploração dos novos continentes. Com a modernização
das fábricas, ocorre a saída da fase técnica para a fase tecnológica.

Aula 14 Fundamentos da Educação 215


Ao entrar na fábrica, que tem na ciência moderna sua maior força produtiva, ele [o ex-
artesão] fica expropriado também de sua pequena ciência, inerente ao seu trabalho;
esta pertence a outros e não lhe serve para mais nada e com ela perdeu, apesar de tê-lo
defendido até o fim, aquele treinamento teórico-prático que, anteriormente, o levava ao
domínio de todas as suas capacidades produtivas: o aprendizado.[...] os trabalhadores
perdem sua antiga instrução e na fábrica só adquirem ignorância. Em seguida, a evolução
da “moderníssima ciência da tecnologia” leva a uma substituição cada vez mais rápida
dos instrumentos e dos processos produtivos [...] Em vista disso, filantropos, utopistas
e até os próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema
da instrução das massas operárias para atender às novas necessidades da moderna
produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho
ou da instrução técnico-profissional será o tema dominante da pedagogia moderna.
(MANACORDA, 1997, p.271-72).

Vemos, portanto, que no processo de institucionalização do saber, a escola, através do


conjunto dos processos educativos, em parte, serviu para acomodar as mudanças ocorridas
no âmbito das políticas econômicas assumidas como exigências sociais. Nesse sentido, a
escola procurou acompanhar historicamente as transformações sociais incorporando os
fundamentos ideológicos da política econômica e das elites dominantes, a fim de se tornar
importante instrumento teórico e prático na adequação das mudanças sociais aos novos apelos
do mercado financeiro internacional.

Procuramos mostrar com essa incursão pelo contexto dos séculos XVII e XVIII que o
desenvolvimento cultural idealizado em nome da modernidade foi conduzido pelas inovações
técnicas, o que exigiu uma organização política e social para gerar, decodificar, assimilar e
consumir novas necessidades. Na verdade, as mudanças econômicas passaram a ocorrer em
ritmo forte e rápido e a formação social e cultural, em um ritmo frágil e lento.

O progresso técnico-científico e a modernização das indústrias provocaram o êxodo rural.


Como conseqüência, a superpopulação nas cidades agregou a pobreza material e intelectual,
forçando a aplicação de medidas de controle no âmbito social.

Para as autoridades, a delinqüência cada vez maior entre os jovens desempregados


mostrava uma clara necessidade de mais supervisão e disciplina. Por isso, foram criadas
escolas declaradamente destinadas à educação, mas na prática apenas ao treinamento
das crianças na disciplina fabril. [...] Desse modo o processo de educação foi reduzido a
uma espécie de linha de produção. [...] Não era considerado socialmente seguro que os
meninos da classe operária se envolvessem com teoria matemática, por isso somente
as tabuadas eram ensinadas.[...] Era de particular importância para as autoridades que a
escrita não fosse ensinada a crianças pequenas: podia incitar pensamentos radicais. Sem
a escrita, eles não podiam ser expressos adequadamente. (BURKE, 1998, p. 213-216).

216 Aula 14 Fundamentos da Educação


Seguiu-se, portanto, ao longo dos séculos, o processo de institucionalização da
ideologia como instrumento de controle social. Ampliou-se o fosso que separava as classes
que dominavam das classes que são dominadas. E, como foi visto anteriormente, o espaço
estratégico para a utilização mais eficaz desse instrumento encontrava-se na educação, pois,
ao mesmo tempo em que ela institucionalizou o saber no campo pedagógico, o fez também
no campo ideológico.

A educação desenvolveu-se em função da idéia de institucionalização do saber, pautando-


se na tentativa de acomodar o indivíduo às mudanças sociais e assumindo, ideologicamente, o
papel de detentora das letras e das luzes. Em parte, alimentando-se dos desejos de superação
do indivíduo, no campo teórico-especulativo. Por outro lado, projetando os interesses coletivos,
adequou-se a estratégias de exploração e acumulação de riquezas, pelas elites dominantes, ao
traduzir impulsos e desejos individuais em modelos de crença e consumo coletivos, orientados
para uma ascensão social.

Atividade 2

Reflita sobre a organização dos saberes escolares (os conteúdos e as

1 várias áreas do conhecimento; incorporados às disciplinas). Em algum


momento, você questionou ou apoiou a organização e a influência da
estrutura curricular dos conteúdos escolares na sua formação? Será que
a forma como estão organizados os conteúdos atendem seus desejos
e suas necessidades de indivíduo em formação? O nível de formação
que você tem hoje lhe dá condições para compreender criticamente seu
papel de “sujeito moderno” na sociedade contemporânea? Escreva sua
opinião sobre essas questões e depois procure ouvir e comentar as
opiniões dos colegas.

Você usa e compreende criticamente os recursos tecnológicos da


comunicação e da informação aplicados no ambiente escolar? Faça um
2 comentário a respeito disso.

Aula 14 Fundamentos da Educação 217


218 Aula 14 Fundamentos da Educação
Modernização da educação
como exigência da
racionalidade tecnológica
A implementação da racionalização econômica, a capitalização e a gestação da
modernização não poderiam deixar de fora o espaço institucional da educação formal. Nesse
contexto, o espaço institucional da escola constituiu-se num ambiente ideal para a fertilização
e crescimento das idéias e dos ideais que iriam dar suporte, lógico, ideológico e mitológico,
para a modernização.

Esse ambiente foi constituído ao longo dos anos. Basta ver o descredenciamento atual da
instituição escolar na formação integral do indivíduo e o direcionamento das ações educativas
voltadas para atender as exigências das políticas externas que amparam o desenvolvimento
econômico. Com isso, aprofundam-se a descaracterização e o desprestígio das instituições
públicas de ensino, em nome das políticas de incentivo à privatização da educação em seus
vários níveis e áreas de conhecimento.

Some-se a esse contexto o aumento do deficit de pessoal qualificado, os baixos salários e


o não compromisso com a reposição do material básico para garantir condições mínimas à boa
aprendizagem. Todos esses pontos tornaram-se apelos rotineiros por parte dos profissionais
da educação aos governos eleitos. Desse modo, associou-se principalmente à escola pública a
imagem de um ambiente desfavorável ao ensino-aprendizagem com amplo significado.

Aula 14 Fundamentos da Educação 219


O contexto da escola parece constituir-se num espaço ideal para a apresentação e
assimilação das marcas. Um ambiente desacreditado, atrasado, convencional, tradicional e
conservador nas suas regras comunicativas, o qual precisa urgentemente ser redescoberto,
ou reinventado, como moderna alternativa de projeção individual e coletiva no universo
“descompromissado” da modernização. Assim, as marcas chegam às escolas como parceiras
sociais, no amplo projeto de formação do jovem para o “novo”, para o “moderno”.

No tratamento da questão social, podemos dizer que, no conjunto da sociedade, as ações


do sistema educacional costumam ganhar destaque nos programas eleitorais, seja porque
oferecem condições ideais para acomodar novas idéias a velhos sistemas, ou velhas idéias a
novos sistemas, seja porque contribuem como instrumento, político e ideológico, para executar
as transformações prometidas.

De um modo ou de outro, ao que nos parece, o sistema educacional, especificamente


o brasileiro, deixa de atuar sob uma perspectiva autônoma e crítica, em relação à formação
social do indivíduo para o exercício da cidadania, para atuar junto aos interesses particulares.
Assim, a educação tem sido vista como base de apoio estratégico para acomodar interesses
políticos e ideológicos das elites dominantes. Com isso, a escola, espaço formal de
institucionalização do saber, ao longo dos anos tem abdicado das suas prerrogativas, a
autonomia e a criticidade, em nome da lógica da economia de mercado que os governos
assumem em suas propostas eleitorais.

Nesse sentido, podemos facilmente nos deparar com políticas implementadas em prol da
educação, mas que visam apenas adequar a formação dos indivíduos aos interesses políticos e
econômicos. Tais políticas podem chegar às escolas camufladas sob o disfarce de “programas
inovadores”, fixando diretrizes como urgentes e necessárias aos novos parâmetros civilizatórios.
Em Gómez, por exemplo, encontramos uma descrição dos impactos possíveis para tal situação.

Um dos sentimentos mais constantes do professorado na atualidade é sua sensação


de sufocação, de saturação de tarefas e responsabilidades, para fazer frente às novas
exigências curriculares e sociais que pressionam a vida diária da escola. [...] a introdução
de novas áreas e orientações curriculares; novas tecnologias; os contínuos projetos de
reforma e mudança impostos pela Administração, nos quais se modificam não apenas os
conteúdos do currículo, como também os métodos didáticos e os papéis profissionais
dos docentes, que agora são pressionados a assumir a responsabilidade de uma certa
autonomia na configuração de seu trabalho; as exigências sociais de eficiência observável
para satisfazer as exigências do mercado. (GÓMEZ, 2001, p.175).

Queremos deixar claro que não estamos, aqui, defendendo um sistema educacional que
aplique e siga políticas uniformes e imutáveis, traçadas para justificar social e culturalmente um
desenvolvimento linear e inalterável. Por outro lado, não podemos deixar de ressaltar a distorção
que se apresenta entre os conteúdos desenvolvidos nas escolas e o processo assumido como
necessário e urgente às rápidas mudanças que ocorrem na esfera econômica.

Por fim, é visível que os interesses da elite empresarial encontram-se canalizados para
o sistema educacional como estratégia política para assegurar o processo de modernização

220 Aula 14 Fundamentos da Educação


tecnológica que o país começou a modelar principalmente nos anos 60. Desse modo, a
sistematização do conhecimento, imposta à escola, poderá estar simplesmente assumindo o
papel de instrumento auxiliar dos interesses políticos e econômicos de uma elite que buscou
e ainda hoje busca sua sustentação e legitimação, através da aplicação de um modelo nacional
de desenvolvimento econômico atrelado aos grandes investidores internacionais.

Leituras Complementares
CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des) ordem internacional. São Paulo:
Editora da Unicamp/Fapesp, 1995.

O autor nos oferece uma discussão das relações estabelecidas nos campos da política
e da economia que influenciam diretamente as decisões tomadas no campo social e cultural,
com reflexo nas políticas educacionais que chegam às escolas.

PIRES, João Maria. Tramas da (ir)racionalidade contemporânea para a composição do


mito-tecnológico. Tese (doutorado em educação) – Programa de Pós-graduação em Educação.
UFRN, 2004.

O autor faz uma análise dos caminhos da modernização para captar os componentes
políticos, econômicos e sociais que se articulam, na forma de mito-tecno-lógico, e acabam
por influenciar o projeto de modernização da educação brasileira.

Resumo
Vimos nesta aula que a modernização está ligada aos impactos dos novos
instrumentos técnicos e científicos sobre o mundo. Ela exigiu que toda a produção
do conhecimento fosse repensada. Mostramos que as origens da institucionalização
do saber organizado e desenvolvido como racionalização e modernização foram
os pressupostos básicos da institucionalização do ensino. Você percebeu que tal
institucionalização, na verdade, ocorreu a partir do aspecto formal-instrumental
dos atos de ler, escrever e contar, tratados articuladamente como conhecimento
e aprendizagem do trabalho. Fizemos uma breve caracterização da produção
intelectual do conhecimento, contrastando com os impactos sociais causados
pela distorção política e econômica do desenvolvimento técnico e científico. Por
fim, ressaltamos que no processo de institucionalização do saber a escola, em
grande parte, serviu para acomodar as mudanças ocorridas no âmbito das políticas
econômicas, assumidas como exigências sociais.

Aula 14 Fundamentos da Educação 221


Autoavaliação

Escreva em uma folha de papel palavras e idéias que você considera diretamente
associadas ao conceito de modernização. Em seguida, escolha um tema que
associe modernização à educação. Agora, de forma criativa, disserte sobre seu
tema, refletindo criticamente acerca da influência das idéias incorporadas ao
processo de modernização que mudaram de alguma forma a educação.

Referências
BURKE, James; ORNSTEIN, Robert. O presente do fazedor de machados. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1998.

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CRUZ, Vilma Vitor. Rationalité technologique et modernisation de l’éducation: le cas du Brésil


(1964/1984). Caen: Universidade de Caen/França, 1998. (Tese de doutorado).

GÓMEZ, A. I. P. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2001

MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São
Paulo: Cortez, 1997.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.

MORAES, Raquel de Almeida. Informática na educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

222 Aula 14 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 14 Fundamentos da Educação 223


Anotações

224 Aula 14 Fundamentos da Educação


Desenvolvimento e
Educação: sonho e realidade

Aula

15
Apresentação

N
esta aula, daremos continuidade à discussão sobre os fatores que se entrelaçam na
composição das políticas sociais, nas quais se inclui a educação, com origens no
desenvolvimento econômico, científico e tecnológico que vem ocorrendo em todo o
mundo, com o nome de modernização.

A compreensão dos modernos instrumentos e processos do desenvolvimento e da


produção na sociedade contemporânea é fundamental para se entender o sentido atual da
educação e os seus parâmetros interativos e intersubjetivos que ganham espaço nos meios de
comunicação como instrumentos de formação. Veremos que essa discussão nos remete para
as alterações nas relações dos indivíduos no seu cotidiano e se projeta como característica
transitória das sociedades modernas.

Nossa idéia é apresentar os fundamentos explicativos para a questão do desenvolvimento


econômico e social em sintonia com os desejos e perspectivas de entendimentos e participação
dos indivíduos no contexto do novo modelo de sociedade que se projeta. Nesse sentido,
mostraremos que o direcionamento do desenvolvimento econômico provocou e impulsionou
a ruptura da visão dicotômica homem-mundo e modificou o conteúdo dos sonhos a partir da
comunicação que se oferece como instrumento de validade para as novas regras interativas
e normativas da realidade social.

Objetivos
Apresentar caminhos assumidos pela educação no
1 desenvolvimento econômico, técnico e científico
como projeto básico da modernização.

Discutir questões inerentes às expectativas


2 com a formação escolar e as exigências do perfil
profissional que emerge do desenvolvimento
econômico e tecnológico.

Destacar as inovações da cultura tecnológica


3 projetadas como sonho de consumo e formação
nas sociedades contemporâneas.

Aula 15 Fundamentos da Educação 227


Articulações da modernização com
a comunicação contemporânea

A
preocupação atual da maioria dos teóricos é identificar o que se configura como dimensão
necessária na dinâmica das novas tendências do conhecimento contemporâneo
que despontaram principalmente entre os séculos XIX e XX, como alternativas de
interpretação para os fenômenos relacionados ao indivíduo e à sociedade.

Vimos em aulas anteriores que a análise reflexiva dos processos evolutivos do


desenvolvimento econômico são fundamentais para compreendermos os parâmetros
interativos sociais da sociedade contemporânea. Estes, por sua vez, nos revelam alterações de
comportamento implícitas nas relações dos indivíduos que se configuram como características
transitórias das sociedades modernas.

O processo transitório da modernização de modo geral envolve uma intrincada cadeia


de discussões e transformações que aos poucos minaram a estrutura tradicional dos modos
de conhecimento e relacionamento entre os indivíduos, no conjunto das regras e normas
sociais. A complexidade do desenvolvimento das sociedades contemporâneas, ao nosso modo
de ver, esconde um conteúdo substancial que respalda a lógica componente das relações
de comunicação entre os sujeitos sociais. Mostraremos alguns caminhos da racionalização
contemporânea que apontam para essa direção. No geral, são alternativas que visam compreender

228 Aula 15 Fundamentos da Educação


padrões e normas necessárias ao bom desenvolvimento das relações sociais, baseando-se na
interação que serve de mediadora nos discursos da sociedade atual.

Um dos caminhos de ligação entre o desenvolvimento e a educação é proporcionado


pela tecnologia que possibilita a comunicação em rede, através da Internet, e de vários
outros instrumentos tecnológicos em todo o planeta. Nesse contexto, estão inseridas as
várias linguagens discursivas decorrentes do uso desses instrumentos, com destaque para
a linguagem audiovisual.

Nesse campo discursivo, mediado pela linguagem e pelos instrumentos tecnológicos, a


educação aparece como um espaço ideal para criar, produzir e ampliar positivamente ações
em várias áreas do conhecimento, ao articular o saber (o conhecimento) e o saber fazer
(a técnica) como instrumento de formação e compreensão das complexas relações entre
os sujeitos contemporâneos. Desse modo, acreditamos que analisando os caminhos de
manifestação dos processos comunicativos, entenderemos boa parte das transformações
que ocorrem na atual sociedade.

Os processos comunicativos aos quais nos referimos, grosso modo, são componentes
básicos da nossa representação simbólica do mundo que se articulam racionalmente na
forma de linguagens visual, oral e escrita, visando compor uma prática intercomunicativa,
resultado de ações discursivas entre vários sujeitos. Sabemos que essa ação discursiva ou
comunicativa é regulada por normas e ocorre em sintonia com estratégias de interesses,
vivências e articulações necessárias à vida diária dos indivíduos.

A conexão comunicativa pode surgir também como alternativa de superação das


necessidades dos indivíduos na sociedade, na forma de construção dialógica geradora
de formação do caráter destes. Desse modo, a ação formadora implícita no caráter dos
sujeitos deverá servir de ação mediadora nas relações comunicativas. Ora, o que não
podemos esquecer é que a construção desse aspecto mediador ocorre, principalmente,
através dos sistemas de aprendizagem formal, como resultado da sistematização do
cotidiano das pessoas envolvidas.

Assim, as relações comunicativas não podem ser entendidas como reflexo da


interpretação unilateral dos indivíduos, mas como ação e produção de conhecimento
coletivo. Sabemos que o conhecimento começa a ser sistematizado formalmente na escola,
responsável direta pela decodificação dos símbolos lingüísticos que medeiam as relações
culturais e sociais. Com isso, a escola ocupa papel fundamental na tarefa de oferecer-se
como mediadora da linguagem e do discurso incorporado pelos sujeitos. Ela se oferece
como espaço ideal de decodificação dos atos lingüísticos e da formação crítica que melhor
modela e organiza a compreensão do mundo e da vida.

Nesse sentido, talvez possamos arriscar um primeiro entendimento dos


modos contemporâneos de processar as articulações entre educação, comunicação,
desenvolvimento e modernização como complexos conjuntos de interesses, conhecimentos
e informações que movimentam o desenvolvimento e as transformações impulsionadas
pelos saberes de cada geração. É nessa perspectiva que identificamos a sintonia do

Aula 15 Fundamentos da Educação 229


conhecimento contemporâneo com os modos de comunicação que se estabelecem hoje
por meio das complexas redes de conexões informatizadas.

Assim, uma possível configuração da sociedade atual pode apresentar-se como


etapa gloriosa da evolução da racionalidade humana ao mesmo tempo em que transmite
ao indivíduo contemporâneo sensações de vazio e perda de valores tradicionais. Nesse
contexto, percebemos a fragilidade de conceitos como os de verdade, tempo, espaço,
matéria, amor, felicidade, existência, realidade etc. Sólidos durante um certo período,
precisam, por força das transformações, ser revistos por não delimitarem mais a fronteira
entre a imaginação e a realidade.

Aqui, faremos uma breve pausa para refletirmos sobre essa relação entre educação e
comunicação e o que dela se projeta como parâmetros interpretativos para a nova realidade
da sociedade contemporânea.

Atividade 1
O que você aponta como maior mudança na educação de hoje a partir da
1 chegada dos novos produtos tecnológicos e a informatização das escolas?

A partir do seu conhecimento sobre a influência da tecnologia na

2 educação, o que a escola perdeu, ou deixou de aprimorar, no espaço


ensino-aprendizagem, que o professor utilizando os recursos
tecnológicos disponíveis poderia fazer melhor?

230 Aula 15 Fundamentos da Educação


Educação e comunicação:
sonho e realidade
Omovimento das mudanças que ocorrem em todos os níveis do conhecimento em nome
do “novo” nos passa a impressão de que parece não haver mais sentido em pensar, ver e
viver de acordo com perspectivas unidimensionais, ou mesmo bidimensionais. Isso porque
o modelo de apreensão das relações entre os indivíduos e a própria realidade que os envolve
é repensado e revisto em função da abertura conceitual que serve de parâmetro normativo e
comunicativo para as novas relações.

Visto por esse ângulo, a contemporaneidade parece erguer-se sob novas bases de relações
e de comunicações impondo a todos nós a difícil tarefa de reconhecermos nossa realidade
e identidade de sujeitos históricos. A comunicação contemporânea, portanto, ultrapassa as
fronteiras do tempo e do espaço e dificulta a volta às origens sociais e culturais. Desse modo,
ela passa a ser vista em uma dimensão fora do real e das relações de produção, em que as

Aula 15 Fundamentos da Educação 231


informações ocorrem em perspectivas extremamente variadas e interativas, nos fazendo esquecer
sutis manifestações de apelos reivindicatórios por direito, justiça e cidadania.

Aonde estamos querendo chegar com essas informações? Não muito longe, ou
melhor, muito mais perto do que você imagina. Apenas desejamos chamar sua atenção
para o desmantelamento que vem acontecendo com as estruturas conceituais e valorativas
tradicionais, como a escola, a família e as instituições de classes. Elas se encontram diluídas
pela dinâmica das estratégias do sistema econômico e nos deixa na difícil situação de saber
o papel e o rumo a tomar como sujeitos históricos que somos. Toda essa desmobilização
acaba dificultando o olhar e a formação crítica necessária para acompanharmos as mudanças
implementadas em nome da modernização.

Vemos então projetarem-se na sociedade contemporânea ações normativas pautadas nos


princípios do sistema econômico, conservador nos seus ideais de exploração e acumulação de
riquezas, mas avançado na sua dinâmica de investimento compulsivo. Essa dinâmica visa alcançar
um estado de permanente alerta para renovar as estratégias de consumo.

Nesse sentido, a contemporaneidade esbanja criatividade e sedução na invenção e


reinvenção de sonhos e valores modeladores de comportamentos. A linguagem visual e
oral, principalmente na educação, apresenta-se na maioria das vezes caracterizada por um
conteúdo vazio de significados explicativos, mas repleto de apelos sensuais imaginativos. Sua
expressão comunicativa assume dinâmica próxima das representações míticas. Para nós, fica a
imagem de uma conexão de conceitos, símbolos e codificações que fluem velozmente através
das linguagens visuais e das redes de comunicação por todo o planeta, unindo e desunindo
culturas, valores e povos.

A velocidade na comunicação é acompanhada de perto pela eficiência e pelo apoio direto


do sistema econômico. Esses fatores, por sua vez, geram uma dinâmica que incide fortemente
na estrutura educacional que se esforça para acompanhar as várias formas de manifestação das
relações comunicativas em rede e em tempo real. Desse modo, as questões contemporâneas
entre a educação e a comunicação nos forçam a perceber que estamos diante de um novo
processo comunicativo, o qual exige novos parâmetros de ensino aprendizagem.

Você sabe que dentro dos objetivos da modernização econômica os instrumentos


tecnológicos ganham status de científico por traçar e projetar interfaces e configurações possíveis
para a realidade social e cultural contemporânea. Basta ver os vários modelos e simuladores que
existem no mercado, nos parques de diversões, nos veículos de comunicação e nos próprios
programas para computadores que chegam às escolas, recheados de informações que visam
reconstituir e explicar situações da nossa realidade externa e interna.

No curso da Tecnologia em Educação, cabe-nos perguntar, por exemplo: a quem


interessam os conteúdos sistematizados? Que benefícios poderão ser contabilizados para a
educação e para os que dela participam com a modernização e todos os seus recursos científicos
e tecnológicos? Levando em conta o que abordamos até o momento, talvez possamos dizer
que o conhecimento formal veiculado pela escola pode e deve ser tratado como linguagem

232 Aula 15 Fundamentos da Educação


sedutora e estimulante, mas também como conteúdo crítico-reflexivo
que favorece a comunicação responsável.

Assim, podemos dizer que a estrutura básica da comunicação


contemporânea poderá ser alimentada por elementos simbólicos
carregados da irracionalidade ideológica que interfere nas ações
comunicativas modeladoras do “novo” perfil de indivíduo, mas
também poderá ser identificada com as necessidades urgentes da
maioria da população. Nesse último caso, essa identificação ocorre
quando tais necessidades sofrerem a mediação de um conteúdo
crítico, reflexivo e interativo projetado na perspectiva de favorecer
aos indivíduos a compreensão necessária para situar-se ética
e responsavelmente nas relações e nas transformações que se
processam dentro da modernização.

Por fim, acreditamos que o movimento de articulação e projeção


da modernização científica e tecnológica, na educação, poderá
ser assumido como estratégia metodológica de compreensão da
realidade. O conhecimento apreendido na perspectiva crítico-reflexiva
deverá tornar os indivíduos seres mais ativos, dinâmicos e capazes
de avançar no entendimento das mudanças que modelam o processo
civilizatório contemporâneo.

Essa estratégia metodológica aponta para um caminho alternativo


e menos traumático entre a educação e a comunicação. Um caminho
que, ao mesmo tempo, faça uso da ampla e complexa rede tecnológica
associada aos meios de comunicação e possa estar em sintonia com
as necessidades de uma educação que se esforça para superar suas
dificuldades institucionais e gerar um novo campo de interações que
respaldem as intenções do coletivo.

Aula 15 Fundamentos da Educação 233


Atividade 2
Pare, pense e anote nas linhas seguintes 10 (dez) componentes
1 tecnológicos que você considera como imprescindíveis para a educação
(em todos os níveis de ensino) dos seus sonhos.

Faça uma análise crítico-reflexiva projetando a educação dos seus


2 sonhos na escola que temos hoje (que você conhece e da qual
participa). Aponte conflitos e caminhos alternativos para adequar a
educação que queremos à escola que temos.

234 Aula 15 Fundamentos da Educação


Da modernização que temos
para a educação que queremos
Procuramos mostrar ao longo desta aula que as encruzilhadas da modernização conduzem
inevitavelmente aos caminhos da educação, identificando referenciais teórico-discursivos
alternativos para compreender a dimensão da educação no contexto da modernização brasileira
e tendo clareza de que os processos educativos deverão ser canalizados para constituir a
dimensão crítico-reflexiva da racionalidade. Dessa forma, entendemos o papel da educação
que queremos hoje, indo além da simples formação instrumental implícita no projeto de
informatização destinado às escolas, públicas e privadas.

Hoje, mais do que nunca, a escola e os que fazem a educação de modo direto ou indireto
buscam compreender os elementos técnicos e pedagógicos que orientam os modelos de
organização e as principais implicações da modernização social. Assim, as escolas, de acordo
com seu papel institucional, seja de centros de formação de personalidade, de difusão do
conhecimento, seja de entidades normativas, controladoras do comportamento social, não
deverão ter seus conteúdos formadores restritos e apoiados apenas nas mudanças estruturais
e tecnológicas das sociedades. Deverão investir fortemente na formação do caráter ético, crítico
e reflexivo dos envolvidos.

Aula 15 Fundamentos da Educação 235


Na análise que fizemos sobre a educação e os impactos sofridos no contexto da
modernização, mostramos que a racionalidade crítico-reflexiva aparece ainda de forma tímida e
retraída no que diz respeito ao tratamento das questões sociais. Nesse contexto, cabe reforçar a
importante luta dos educadores e da sociedade civil organizada, no sentido de buscar as mínimas
condições materiais para garantir a educação que queremos para a grande massa dos indivíduos
analfabetos à margem do desenvolvimento econômico e social.

Em linhas gerais, podemos dizer que nosso objetivo foi entre outras coisas desenvolver
idéias na forma de conteúdos e fundamentos relacionados a dimensões conceituais amplas
de educação, de desenvolvimento, de técnica, de ciência, de tecnologia, de ideologia e
de cultura. Todos compõem o intricado campo das relações sociais nas quais se insere a
educação. Através desses conceitos, destacamos parcerias historicamente constituídas
pelo jogo dos interesses políticos e econômicos como resultado do desenvolvimento da
idéia de modernização.

Evidenciamos com o movimento das mudanças contemporâneas a idéia do presente como


transição que se consome na consciência da aceleração e da expectativa do que há de diferente.
Por isso, combatemos o mero processo de instrumentalização do conhecimento apresentado
à sociedade e, principalmente, à educação como caminho fácil e seguro para alcançarmos os
objetivos da modernização. Atrelada a essa instrumentalização do conhecimento, encontramos
uma intenção castradora do cultivo da postura crítica dos indivíduos, camuflada nos bens de
consumo e nos recursos que servem de enaltecimento da racionalidade científica e tecnológica.
Tal intenção manifesta-se em sintonia com a comunicação contemporânea.

Por fim, queremos dizer que a modernização nos parece inevitável no contexto atual.
Todavia, devemos evitar que ela avance pautada em papéis sociais e culturais pré-definidos
por princípios que se traduzem numa visão “purificadora”, como proposta unilateral que visa
forçar a modernização de valores sólidos e posturas conscientes somente por se encaixarem
como não-modernos. As incertezas da sociedade contemporânea não deverão contaminar
nossas expectativas em torno das ações crítico-reflexivas geradas no seio da educação
como respostas ao resgate da nossa identidade cultural e ao nosso papel ético social no
contexto da modernização.

236 Aula 15 Fundamentos da Educação


Leituras Complementares
PIRES, João Maria. Tramas da (ir)racionalidade contemporânea para a composição do mito-
tecno-lógico. Tese (doutorado em educação) – Programa de Pós-graduação em Educação,
UFRN - Natal, 2004.

O autor faz uma análise dos caminhos de implementação da modernização para captar os
componentes políticos, econômicos e sociais que se articulam na forma de mito-tecno-lógico.
Na seqüência, o autor mostra como essas questões influenciaram no projeto de modernização
da educação adotado no Brasil.

GÓMEZ, A. I. P. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

O autor aborda, entre outras coisas, o sentido e a função social da escola no atual contexto
das transformações econômicas, políticas e sociais. Seu estudo ressalta a dimensão da escola
como instância de mediação cultural entre os significados, os sentimentos e condutas da
comunidade no desenvolvimento das novas gerações.

Resumo
Nesta aula, você viu que os conflitos da modernização conduzem, inevitavelmente,
à educação. A partir desse pressuposto, procuramos mostrar relações entre a
racionalidade dos instrumentos tecnológicos e a irracionalidade das políticas
educacionais. Você deve ter observado que para reforçamos o papel da educação
no contexto da modernização brasileira, como conteúdo crítico-reflexivo,
educadores e educandos, como também a sociedade civil organizada, estão
permanentemente em luta pelas mínimas condições materiais que garantam
à educação chegar à grande massa dos indivíduos analfabetos encontrados
à margem do desenvolvimento econômico e social. Ainda nessa direção,
procuramos mostrar que, nas mudanças contemporâneas, o novo modelo de
sociedade está pautado fundamentalmente nas incertezas. Dessa forma, o seu,
o meu, o nosso papel na sociedade atual, principalmente no que diz respeito à
educação, pauta-se no que poderemos resgatar da nossa identidade cultural para
compor o novo contexto da modernização.

Aula 15 Fundamentos da Educação 237


Autoavaliação
Reflita, pesquise e comente com seus colegas e professores sobre o futuro
da educação e da escola, imaginando os novos conteúdos e os novos
recursos tecnológicos nas atividades escolares. Identifique vantagens
e desvantagens nas mudanças que possam ocorrer na relação ensino-
aprendizagem e elabore argumentos para justificar a educação que você
imagina e deseja para a escola do futuro.

Referências
ARAPIRACA, José Oliveiro. A USAID e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1982.

CANO, Wilson. Reflexões sobre o Brasil e a nova (des)ordem internacional. São Paulo:
Editora da UNICAMP, 1993.

CRUZ, Vilma Vitor. Rationalité technologique et modernisation de l’éducation: le cas du Brésil


(1964/1984). Caen: Universidade de Caen/França, 1998. (Tese de doutorado).

GÓMEZ, A. I. P. A Cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São
Paulo: Cortez, 1997.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.

MORAES, Raquel de Almeida. Informática na educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

238 Aula 15 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 15 Fundamentos da Educação 239


Anotações

240 Aula 15 Fundamentos da Educação


Anotações

Aula 15 Fundamentos da Educação 241


Anotações

242 Aula 15 Fundamentos da Educação


Esta edição foi produzida em mês de 2012 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de
Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).
Utilizando-se Helvetica Lt Std Condensed para corpo do texto e Helvetica Lt Std Condensed
Black títulos e subtítulos sobre papel offset 90 g/m2.

Impresso na nome da gráfica

Foram impressos 1.000 exemplares desta edição.

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário


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