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LITERATURA - Profª.

ISABEL VEGA - AULA 14

MODERNISMO – 2ª FASE – POESIA – CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Texto 1:
Os grandes modernistas que mencionamos continuam ativos nessa fase e publicam obras importantes,
enquanto os mais moços estreiam em livro pela altura de 1930, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987) com seu livro daquele ano, Alguma poesia. Neste, e no seguinte, ele parece um modernista de
programa, aplicando meticulosamente os preceitos estabelecidos; mas é que eles correspondiam à sua mais
profunda natureza poética, cheia de pudor e angústia, encontrando-se bem no verso duro e seco, próprio para
dissolver na ironia e no sarcasmo qualquer laivo de sentimentalismo ou ênfase, que ele sabe anular pelo recurso
ao estilo coloquial mais quotidiano. Drummond é o primeiro grande poeta brasileiro nascido intelectualmente
dentro do Modernismo, sem laivo de passado nem perigo de volta a ele. Sob este aspecto, a impressão do
leitor desse livro e do seguinte, Brejo das Almas (1934), é que Drummond deseja instaurar uma poesia não
poética, sem complacência com o mundo e sobretudo com o próprio eu. No entanto, o leitor sente ao mesmo
tempo que a força poética vem das emoções represadas, que parecem a cada instante brotar como erva
renitente por entre as frestas desse pedregoso universo.
Os livros seguintes mostram um acordo maduro entre essas tendências contraditórias, e o poeta
adquire a possibilidade de manifestar os seus impulsos, transferindo-os em parte para o passado da família
(componente tradicional) e o desejo de redenção social (componente utópica). Além de alcançar grande
maturidade na expressão implacável do eu, ele atinge então uma coisa bastante rara na poesia contemporânea:
a expressão política sem qualquer aspecto de programa, como se fosse manifestação da mais profunda
necessidade pessoal. Partindo da descrição seca da vida e das coisas, chega assim a três dimensões
complementares, refletidas nos próprios títulos das coletâneas de versos: Sentimento do mundo (1940), José
(1942), Rosa do povo (1945). Poesia individual e poesia social fundidas na poesia que penetra a realidade mais
íntima da vida.
(CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira.)

Texto 2: O xis do problema (fragmento)


O poeta que surgiu em 1930 e acabou se tornando a figura emblemática da poesia moderna no Brasil
construiu uma grande obra em que tudo acontece por conflito. Desde muito cedo, Carlos Drummond de Andrade
experimentou dificuldades e contradições para forjar o denso lirismo meditativo que o caracteriza.
A meditação parece fruto dos seus tempos de madureza, mas vem de antes, da origem mineira. Já no
princípio, o poeta coaduna a discórdia com a reflexão.
Recusa silenciosa, ideia calada, a cisma tem uma história, que pode não ter datas nem fatos
perceptíveis de imediato, mas faz diferença, pelo processo interior em busca de expressão. E só através
daquela estrada de Minas, pedregosa, que conduz à “máquina do mundo” e ao enigma — estrada imaginária
que a mente desenha —, se pode buscar a unidade de estrutura da obra como um todo, cujos traços de
coerência profunda vão apontando mesmo nos poemas breves, de corte humorístico, do início.
Seu lirismo, sem prejuízo da mais alta qualidade, nunca foi puro, mas mesclado de drama e
pensamento. Por força da memória e da experiência, a certa altura incursiona também pela narrativa —
memória em versos, como disse dele Pedro Nava, referindo-se a Boitempo. E ainda se podia lembrar a ficção
em prosa, sobretudo o conto e a crônica, a que o escritor também se dedicou com assiduidade.
Mas no plano da poesia, que aqui importa, nota-se desde o começo a mistura de gêneros, com a
presença de traços estilísticos dramáticos e narrativos que se integram perfeitamente, como acontece com
frequência no poema lírico, à subjetividade dominante própria do gênero principal. Eventuais traços dramáticos
ou narrativos apenas matizam o que enuncia a voz central que fala ao leitor. A questão se acha, porém, na
forma reflexiva que a lírica assume nesse caso.
É que o pensamento desempenha um papel decisivo no mais íntimo dela, pois define a atitude básica
do sujeito lírico, interferindo na relação que este mantém com o mundo exterior, ao mesmo tempo que cava
mais fundo na própria subjetividade: o resultado desse processo é o adensamento do lirismo pelo esforço
meditativo, que casa um esquema de ideias à expressão dos sentimentos. Os românticos foram nesse caminho
há muito tempo; é preciso ver o que fez dele um dos modernos, Drummond.
(...)
Em termos drummondianos, talvez se possa dizer que o sentimento é a marca que o mundo lavra na
alma. A poesia, espécie de mineração, é uma arte de lavrar palavras: inscreve a marca do sentimento numa
forma de linguagem. Por isso, ela traz em segredo, feito enigma, como uma cicatriz, algo do sentido do mundo
que só sua forma pode conter e, de repente, revelar.
Por sua vez, a interpretação, tentativa de compreensão crítica, é um meio de ler, de decifrar o segredo
da forma lavrada: procura uma chave para o enigma. Mineração a seu modo também, refaz a história interior
do sentimento inscrito nas palavras, em busca do que estas possam significar. O pouco que sempre fica para
quem se arrisca a interpretar não é mais do que a pergunta pelo sentido, princípio e fim de tudo. Dar forma ao
sentido é a razão da existência dos artistas.
Vista no conjunto, ou sobretudo no admirável conjunto que vai de Alguma poesia (1930) até Lição de
coisas (1962), a poesia de Drummond pode chamar desde logo a atenção pelo aparente contraste de estilo
que impressionou alguns de seus críticos e poderia indicar a passagem do humor inicial à fase madura.
Com efeito, entre a irreverência modernista da primeira hora, com a linguagem mesclada da dicção
coloquial-irônica, e a densidade reflexiva posterior, quase sempre em tom elevado e classicizante, parece haver
uma notável diferença de estilo e do modo de representar a realidade, à primeira vista até explicável, como
alguns sugerem, pelas mudanças naturais e inevitáveis que os anos trazem.
(...)
A complexidade da obra drummondiana reside, desde o princípio, no modo original com que articula
contradições que não se resolvem num falso contraste de expressão entre o humor inicial e a “ingaia ciência”
posterior. Há muito mais continuidade do que ruptura entre esses momentos aparentemente tão diversos.
É preciso analisar a diferença qualitativa, fundada na reflexividade e na subjetividade problemática, que
a distingue como um todo, a que serve por vezes uma ambiguidade de tom, sem prejuízo da precisão do detalhe
particular de que tira sua força. Sua forma concreta é um meio poético de lidar com dificuldades específicas
que por isso mesmo nela se objetivam, tornando-a entre nós, desde o primeiro instante, única em seu tempo.
E realmente, mais do que qualquer outro poeta brasileiro, ele nos falou mais de perto, de nós mesmos
e de nossa complicada existência, trazendo-nos a uma só vez a poesia misturada do cotidiano, desde a cota
de vida besta de cada dia, até as perplexidades inevitáveis a que nos conduz o fato de ter de conviver, ler os
jornais, amar ou simplesmente existir. Aproximou, com o choque da revelação, que às vezes traz um mero
substantivo no lugar certo, as grandes questões que abalaram o século XX e nossa desprotegida intimidade
individual.
Com efeito, nunca faltaram a Drummond nem questões nem força de pensamento. Seu problema
central tampouco foi comunicar-se; comunicou sempre sua incomunicação. Desde os primeiros tempos, ele
pôs em evidência a incerteza moderna do que chamar de poesia; a pedra no caminho vem de longe.
Mas uma característica por excelência da experiência histórica moderna — como dar conta da
multiplicidade caótica do mundo —, tão acentuada depois da Primeira Grande Guerra, se transformou para ele
numa questão poética fundamental e, como tal, num problema de expressão, pois sempre cuidou de dar forma
ao sentimento, modo de experimentar a realidade que lhe tocou viver.
(...)
No seu percurso histórico, o que veio depois tem tudo a ver com o que se anunciou antes e representa
um desenvolvimento interno coerente da obra como um todo, exceto os percalços e descaídas ocasionais de
que ninguém está salvo. A fidelidade a si mesmo é um traço fundamental de Drummond.

(ARRIGUCCI Jr., Davi. O xis do problema. In: Coração Partido. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. p.15-21)

Hipótese (do livro Corpo, 1984) Lembrete (do livro Corpo)

E se Deus é canhoto Se procurar bem, você acaba encontrando


e criou com a mão esquerda? não a explicação (duvidosa) da vida,
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo. mas a poesia (inexplicável) da vida.
Texto 3: Poemas anteriores a Claro enigma

No meio do caminho (Alguma Poesia) Confidência do Itabirano (Sentimento do Mundo)


No meio do caminho tinha uma pedra Alguns anos vivi em Itabira.
tinha uma pedra no meio do caminho Principalmente nasci em Itabira.
tinha uma pedra Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
no meio do caminho tinha uma pedra. Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
Nunca me esquecerei desse acontecimento E esse alheamento do que na vida é porosidade e
na vida de minhas retinas tão fatigadas. comunicação.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
tinha uma pedra no meio do caminho vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e
no meio do caminho tinha uma pedra. sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
Poema de sete faces (AP)
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Quando nasci, um anjo torto
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
desses que vivem na sombra
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
este orgulho, esta cabeça baixa...
As casas espiam os homens
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
que correm atrás de mulheres.
Hoje sou funcionário público.
A tarde talvez fosse azul,
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
não houvesse tantos desejos.
Mas como dói!
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas. Os Ombros Suportam o Mundo (SM)
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
[meu coração. Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Porém meus olhos Tempo de absoluta depuração.
não perguntam nada. Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
O homem atrás do bigode E os olhos não choram.
é sério, simples e forte. E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
Quase não conversa. E o coração está seco.
Tem poucos, raros amigos Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
o homem atrás dos óculos e do bigode, Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
Meu Deus, por que me abandonaste
És todo certeza, já não sabes sofrer.
se sabias que eu não era Deus
E nada esperas de teus amigos.
se sabias que eu era fraco.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Mundo mundo vasto mundo, Teus ombros suportam o mundo
se eu me chamasse Raimundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
seria uma rima, não seria uma solução. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
Mundo mundo vasto mundo, provam apenas que a vida prossegue
mais vasto é meu coração. e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
Eu não devia te dizer prefeririam (os delicados) morrer.
mas essa lua Chegou um tempo em que não adianta morrer.
mas esse conhaque Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
botam a gente comovido como o diabo. A vida apenas, sem mistificação.
O lutador (José)
Lutar com palavras Palavra, palavra Iludo-me às vezes,
é a luta mais vã. (digo exasperado), pressinto que a entrega
Entanto lutamos se me desafias, se consumará.
mal rompe a manhã. aceito o combate. Já vejo palavras
São muitas, eu pouco. Quisera possuir-te em coro submisso,
Algumas, tão fortes neste descampado, esta me ofertando
como o javali. sem roteiro de unha seu velho calor,
Não me julgo louco. ou marca de dente aquela sua glória
Se o fosse, teria nessa pele clara. feita de mistério,
poder de encantá-las. Preferes o amor outra seu desdém,
Mas lúcido e frio, de uma posse impura outra seu ciúme,
apareço e tento e que venha o gozo e um sapiente amor
apanhar algumas da maior tortura. me ensina a fruir
para meu sustento de cada palavra
num dia de vida. Luto corpo a corpo, a essência captada,
Deixam-se enlaçar, luto todo o tempo, o sutil queixume.
tontas à carícia sem maior proveito Mas ai! é o instante
e súbito fogem que o da caça ao vento. de entreabrir os olhos:
e não há ameaça Não encontro vestes, entre beijo e boca,
e nem há sevícia não seguro formas, tudo se evapora.
que as traga de novo é fluido inimigo
ao centro da praça. que me dobra os músculos O ciclo do dia
e ri-se das normas ora se conclui
Insisto, solerte. da boa peleja. e o inútil duelo
Busco persuadi-las. jamais se resolve.
Ser-lhes-ei escravo O teu rosto belo,
de rara humildade. ó palavra, esplende
Guardarei sigilo na curva da noite
de nosso comércio. que toda me envolve.
Na voz, nenhum travo Tamanha paixão
de zanga ou desgosto. e nenhum pecúlio.
Sem me ouvir deslizam, Cerradas as portas,
perpassam levíssimas a luta prossegue
e viram-me o rosto. nas ruas do sono.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.
Episódio (RP)
Áporo (A Rosa do Povo)
Manhã cedo passa Alheio à polícia
Um inseto cava
à minha porta um boi anterior ao tráfego
cava sem alarme Eis que o labirinto De onde vem ele ó boi, me conquistas
perfurando a terra (oh razão, mistério) se não há fazendas. para outro, teu reino.
sem achar escape. presto se desata:
Vem cheirando o tempo Seguro teus chifres:
Que fazer, exausto, em verde, sozinha, entre noite e rosa. eis-me transportado
em país bloqueado, antieuclidiana, Para à minha porta sonho e compromisso
enlace de noite uma orquídea forma-se. sua lenta máquina. ao País Profundo.
raiz e minério?
O Enigma (Novos Poemas)

As pedras caminhavam pela estrada. Eis que uma forma


obscura lhes barra o caminho. Elas se interrogam, e à
sua experiência mais particular. Conheciam outras for-
mas deambulantes, e o perigo de cada objeto em cir-
culação na terra. Aquele, todavia, em nada se assemelha
às imagens trituradas pela experiência, prisioneiras do
hábito ou domadas pelo instinto imemorial das pedras.
As pedras detêm-se. No esforço de compreender, che-
gam a imobilizar-se de todo. E na contenção desse ins-
tante, fixam-se as pedras — para sempre — no chão, com-
pondo montanhas colossais, ou simples e estupefatos e
pobres seixos desgarrados.

Mas a coisa sombria — desmesurada, por sua vez — aí


está, à maneira dos enigmas que zombam da tentativa
de interpretação. É mal de enigmas não se decifrarem
a si próprios. Carecem de argúcia alheia, que os liberte
de sua confusão amaldiçoada. E repelem-na ao mesmo
tempo, tal é a condição dos enigmas. Esse travou o
avanço das pedras, rebanho desprevenido, e amanhã fi-
xará por igual as árvores, enquanto não chega o dia dos
ventos, e o dos pássaros, e o do ar pululante de insetos
e vibrações, e o de toda vida, e o da mesma capacidade
universal de se corresponder e se completar, que sobre-
vive à consciência. O enigma tende a paralisar o mundo.

Talvez que a enorme Coisa sofra na intimidade de


suas fibras, mas não se compadece nem de si nem da-
queles que reduz à congelada expectação.

Ai! de que serve a inteligência — lastimam-se as pe-


dras. Nós éramos inteligentes, e contudo, pensar a amea-
ça não é removê-la; é criá-la.

Ai! de que serve a sensibilidade — choram as pedras.


Nós éramos sensíveis, e o dom de misericórdia se volta
contra nós, quando contávamos aplicá-lo a espécies me-
nos favorecidas.

Anoitece, e o luar, modulado de dolentes canções que


preexistem aos instrumentos de música, espalha no côn-
cavo, já pleno de serras abruptas e de ignoradas jazidas,
melancólica moleza.

Mas a Coisa interceptante não se resolve. Barra o ca-


minho e medita, obscura.
Texto 4: Sobre Claro Enigma.

 Publicado pela 1ª vez em 1951.


 Seu título exemplifica a temática do conflito, paradigma drummondiano.
 Epígrafe de Paul Valéry: “Os acontecimentos me entediam.”
 Dividido em 6 conjuntos temáticos:

1º) Entre Lobo e Cão → Reúne poemas que abordam o tema do envelhecimento e da reflexão sobre os fatos
vividos ou apenas projetados. Opõe o símbolo do lobo (vida-selvagem-inadaptado) ao do cão (morte-doméstico-
conformado).

Legado Opaco

Que lembrança darei ao país que me deu Noite. Certo


tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? muitos são os astros.
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu Mas o edifício
minha incerta medalha, e a meu nome se ri. barra-me a vista.

E mereço esperar mais do que os outros, eu? Quis interpretá-lo.


Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Valeu? Hoje
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, barra-me (há luar) a vista.
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Nada escrito no céu,
Não deixarei de mim nenhum canto radioso, sei.
uma voz matinal palpitando na bruma Mas queria vê-lo.
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. O edifício barra-me
a vista.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma, Zumbido
uma pedra que havia em meio do caminho. de besouro. Motor
arfando. O edifício barra-me
Perguntas em forma de cavalo-marinho a vista.

Que metro serve A que aspiramos? Assim ao luar é mais humilde.


para medir-nos? Que possuímos? Por ele é que sei do luar.
Que forma é nossa Que relembramos? Não, não me barra
e que conteúdo? Onde jazemos? a vista. A vista se barra
a si mesma.
Contemos algo? (Nunca se finda
Somos contidos? nem se criara.
Dão-nos um nome?
Mistério é o tempo
Estamos vivos?
inigualável.)

Memórias

Amar o perdido As coisas tangíveis


deixa confundido tornam-se insensíveis
este coração. à palma da mão.

Nada pode o olvido Mas as coisas findas


contra o sem sentido Muito mais que lindas
apelo do Não. essas ficarão.
Um boi vê os homens
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e, difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

2º) Notícias Amorosas → A temática dessa segunda parte, o título já esclarece: o amor e seus desafios.
Amar
Que pode uma criatura senão, Amar solenemente as palmas do deserto,
entre criaturas, amar? o que é entrega ou adoração expectante,
amar e esquecer, e amar o inóspito, o cru,
amar e malamar, um vaso sem flor, um chão de ferro,
amar, desamar, amar? e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
sempre, e até de olhos vidrados amar? de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
Que pode, pergunto, o ser amoroso, doação ilimitada a uma completa ingratidão,
sozinho, em rotação universal, senão e na concha vazia do amor a procura medrosa,
rodar também, e amar? paciente, de mais e mais amor.
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Entre o ser e as coisas


Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa, N'água e na pedra amor deixa gravados
e a tudo me arremesso, nesse quando seus hieróglifos e mensagens, suas
amanhece frescor de coisa viva. verdades mais secretas e mais nuas.
As almas, não, as almas vão pairando, E nem os elementos encantados
e, esquecendo a lição que já se esquiva, sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
tornam amor humor, e vago e brando uma fogueira a arder no dia findo.
o que é de natureza corrosiva.
Campo de flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza, E o tempo que levou uma rosa indecisa
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. a tirar sua cor dessas chamas extintas
Deus — ou foi talvez o Diabo — deu-me este amor maduro, era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor. Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou. Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso para arrecadar as alfaias de muitos
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou. amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia o sagrado terror converto em jubilação.
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros. Seu grão de angústia amor já me oferece
Amanhecem de novo as antigas manhãs
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra e o mistério que além faz os seres preciosos
imensa e contraída como letra no muro à visão extasiada.
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci. Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
De tantos que já tive ou tiveram em mim, há que amar diferente. De uma grave paciência
o sumo se espremeu para fazer vinho ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo. tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

3º) O Menino e os Homens → São poemas feitos para pessoas em especial: o menino, seu irmão Pedro, a
quem tenta advertir sobre as “desrazões” desse mundo; e os adultos, respectivamente, os poetas Manuel
Bandeira (“O Chamado”), Mário Quintana (“Quintana’s bar”) e Mário de Andrade (“Aniversário”).

O Chamado
Na rua escura o velho poeta
(lume de minha mocidade)
já não criava, simples criatura A palavra oscila no espaço
exposta aos ventos da cidade. um momento. Eis que, sibilino,
entre as aparências sem rumo,
Ao vê-lo curvo e desgarrado responde o poeta: Ao meu destino.
na caótica noite urbana,
o que senti, não alegria, E foi-se para onde a intuição,
era, talvez, carência humana. o amor, o risco desejado
o chamavam, sem que ninguém
E pergunto ao poeta, pergunto-lhe pressentisse, em torno, o chamado.
(numa esperança que não digo)
para onde vai — a que angra serena,
a que Pasárgada, a que abrigo?
4º) Selo de Minas → Através dos poemas dessa parte, o poeta tenta compreender-se, encontrar-se consigo
mesmo, num caminho de volta ao espaço onde nasceu — Minas Gerais —, ao tempo de sua infância e da
decadência familiar.
5º) Os Lábios Cerrados → A viagem pelo passado, a volta às raízes, o reencontro com sua família, começado
na parte anterior, culmina com a consciência de que o que se perdeu passou a ser amado e vive dentro das
lembranças do poeta — “amar, depois de perder” (“Perguntas”).

Convívio

Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.

Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nossos atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados...
Há que renunciar a toda procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é nossa condição, enquanto
sem condição transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.
Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.

Encontro Permanência
Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de fuga, Agora me lembra um, antes me lembrava outro.
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga. Dia virá em que nenhum será lembrado.

Está morto, que importa? Inda madruga Então no mesmo esquecimento se fundirão.
e seu rosto, nem triste nem risonho, Mais uma vez a carne unida, e as bodas
é o rosto antigo, o mesmo. E não enxuga cumprindo-se em si mesma, como ontem e sempre.
suor algum, na calma de meu sonho.
Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
Oh meu pai arquiteto e fazendeiro! (já começara, antes de ser), e somos eternos,
Faz casas de silêncio, e suas roças frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
de cinza estão maduras, orvalhadas E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
por um rio que corre o tempo inteiro selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
e corre além do tempo, enquanto as nossas ou nunca fomos, e contudo arde em nós
murcham num sopro fontes represadas. à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no
[galpão.
Perguntas

Numa incerta hora fria


perguntei ao fantasma Perguntei-lhe depois Perguntei-lhe por fim
que força nos prendia, por que tanto insistia a razão sem razão
ele a mim, que presumo nos mares mais exíguos de me inclinar aflito
estar livre de tudo, em distribuir navios sobre restos de restos,
eu a ele, gasoso, desse calado irreal, de onde nenhum alento
todavia palpável sem rota ou pensamento vem refrescar a febre
na sombra que projeta de atingir qualquer porto, desse repensamento:
sobre meu ser inteiro: propícios a naufrágio sobre esse chão de ruínas
um ao outro, cativos mais que à navegação; imóveis, militares
desse mesmo princípio nos frios alcantis na sua rigidez
ou desse mesmo enigma de meu serro natal, que o orvalho matutino
que distrai ou concentra desde muito derruído, já não banha ou conforta.
e renova e matiza, em acordar memórias
prolongando-a no espaço de vaqueiros e vozes,
No vôo que desfere,
uma angústia do tempo. magras reses, caminhos
silente e melancólico,
onde a bosta de vaca
rumo da eternidade
Perguntei-lhe em seguida é o único ornamento,
ele apenas responde
o segredo de nosso e o coqueiro-de-espinho
(se acaso é responder
convívio sem contato, desolado se alteia.
a mistérios, somar-lhes
de estarmos ali quedos, um mistério mais alto):
eu em face do espelho,
e o espelho devolvendo Amar depois de perder.
uma diversa imagem,
mas sempre evocativa
do primeiro retrato
que compõe de si mesma
a alma predestinada
a um tipo de aventura
terrestre, cotidiana.

6º) A Máquina do mundo → Consta de apenas dois poemas. A temática são os questionamentos do poeta
frente ao mundo, com razões tão inexplicáveis que ele prefere não saber, visto que a busca pelas respostas é
a própria razão de viver.
A Máquina do mundo

E como eu palmilhasse vagamente a máquina do mundo se entreabriu


uma estrada de Minas, pedregosa, para quem de a romper já se esquivava
e no fecho da tarde um sino rouco e só de o ter pensado se carpia.

se misturasse ao som de meus sapatos Abriu-se majestosa e circunspecta,


que era pausado e seco; e aves pairassem sem emitir um som que fosse impuro
no céu de chumbo, e suas formas pretas
nem um clarão maior que o tolerável
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes pelas pupilas gastas na inspeção
e de meu próprio ser desenganado, contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende no sono rancoroso dos minérios,
a própria imagem sua debuxada dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
no rosto do mistério, nos abismos. na estranha ordem geométrica de tudo,

Abriu-se em calma pura, e convidando e o absurdo original e seus enigmas


quantos sentidos e intuições restavam suas verdades altas mais que tantos
a quem de os ter usado os já perdera monumentos erguidos à verdade:

e nem desejaria recobrá-los, e a memória dos deuses, e o solene


se em vão e para sempre repetimos sentimento de morte, que floresce
os mesmos sem roteiro tristes périplos, no caule da existência mais gloriosa,

convidando-os a todos, em coorte, tudo se apresentou nesse relance


a se aplicarem sobre o pasto inédito e me chamou para seu reino augusto,
da natureza mítica das coisas, afinal submetido à vista humana.

assim me disse, embora voz alguma Mas, como eu relutasse em responder


ou sopro ou eco ou simples percussão a tal apelo assim maravilhoso,
atestasse que alguém, sobre a montanha, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a outro alguém, noturno e miserável, a esperança mais mínima - esse anelo


em colóquio se estava dirigindo: de ver desvanecida a treva espessa
“O que procuraste em ti ou fora de que entre os raios do sol inda se filtra;

teu ser restrito e nunca se mostrou, como defuntas crenças convocadas


mesmo afetando dar-se ou se rendendo, presto e fremente não se produzissem
e a cada instante mais se retraindo, a de novo tingir a neutra face

olha, repara, ausculta: essa riqueza que vou pelos caminhos demonstrando,
sobrante a toda pérola, essa ciência e como se outro ser, não mais aquele
sublime e formidável, mas hermética, habitante de mim há tantos anos,

essa total explicação da vida, passasse a comandar minha vontade


esse nexo primeiro e singular, que, já de si volúvel, se cerrava
que nem concebes mais, pois tão esquivo semelhante a essas flores reticentes

se revelou ante a pesquisa ardente em si mesmas abertas e fechadas;


em que te consumiste... vê, contempla, como se um dom tardio já não fora
abre teu peito para agasalhá-lo.” apetecível, antes despiciendo,

As mais soberbas pontes e edifícios, baixei os olhos, incurioso, lasso,


o que nas oficinas se elabora, desdenhando colher a coisa oferta
o que pensado foi e logo atinge que se abria gratuita a meu engenho.

distância superior ao pensamento, A treva mais estrita já pousara


os recursos da terra dominados, sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e as paixões e os impulsos e os tormentos e a máquina do mundo, repelida,

e tudo que define o ser terrestre se foi miudamente recompondo,


ou se prolonga até nos animais enquanto eu, avaliando o que perdera,
e chega às plantas para se embeber seguia vagaroso, de mãos pensas.
Relógio do Rosário

Era tão claro o dia, mas a treva, O amor não nos explica. E nada basta,
do som baixando, em seu baixar me leva nada é de natureza assim tão casta

pelo âmago de tudo, e no mais fundo que não macule ou perca sua essência
decifro o choro pânico do mundo, ao contacto furioso da existência.

que se entrelaça no meu próprio choro, Nem existir é mais que um exercício
e compomos os dois um vasto coro. de pesquisar de vida um vago indício,

(...) a provar a nós mesmos que, vivendo,


Não é pois todo amor alvo divino, estamos para doer, estamos doendo.
e mais aguda seta que o destino?
Mas, na dourada praça do Rosário,
Não é motor de tudo e nossa única foi-se, no som, a sombra. O columbário
fonte de luz, na luz de sua túnica?
já cinza se concentra, pó de tumbas,
O amor elide a face... Ele murmura já se permite azul, risco de pombas.
algo que foge, e é brisa e fala impura.

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