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Jornalistas e antropólogos
Semelhanças e distinções da prática profissional

Isabel Travancas
Jornalista, Mestre em Antropologia Social pelo Museu-UFRJ e
Doutora em Literatura Comparada pela UERJ
Professora do Departamento de Antropologia Cultural do IFCS-UFRJ e da
Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá
isabeltravancas@yahoo.com

Resumo
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as relações entre a antropologia e
a comunicação a partir da análise das especificidades destes dois campos.
Quais os pontos de contato entre o trabalho do jornalista e do antropólogo
em campo? Qual o papel das entrevistas nas duas áreas? Discutir estas entre
outras questões é uma das metas deste artigo, tendo como base os trabalhos da
Escola de Chicago, de C. Geertz e de P. Bourdieu.

Abstract
On the present work we wish to reflect on the existing relationship between
anthropology and communication based on the analysis of the singularitiesof
both fields. What are the connections between the job of a journalist and that of
a field anthropologist? This and other matters are the main subject of the present
article, which is based on the thesis of the School of Chicago, C. Geertz and
P. Bourdieu.

Palavras-chave
Antropologia, comunicação, jornalista e imprensa.

Keywords
Anthropology, communication, journalist and press.

Vozes & Diálogo - ano 6 - n. 6 - p. 25-34 - Itajaí, jul/2002 a jun/2003


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Introdução
Jornalistas e antropólogos são profissi- pesquisador em relação à sua própria
onais com objetivos, métodos e visões sociedade. É preciso que ele vivencie
de mundo bastante distintas. Creio, o que R. Da Matta (1978) chamou de
entretanto, ser possível não só analisá- “anthropological blues” e que pode ser
los dentro de uma perspectiva compa- definido como o resultado da tentati-
rativa, como reuni-los na categoria va de transformar o “exótico em famili-
mais ampla de mediadores. Entendo ar” e o “familiar em exótico”. O primei-
aqui mediação como fenômeno socio- ro aponta o encontro do antropólogo
cultural, como afirma G. Velho com a sociedade do “outro”, com a
(2001:9), o qual, a partir da interação alteridade. É o seu confronto pessoal,
entre os indivíduos, produz e possibili- não apenas com o isolamento e a “sau-
ta a troca e a comunicação. Jornalistas dade”, mas com um universo distinto
e antropólogos estão o tempo todo do seu, com outros códigos, outras ló-
vivenciando em suas práticas profissi- gicas, outra maneira de viver e pensar.
onais o papel de mediadores, na medi- O segundo movimento diz respeito ao
da em que a vida em sociedade se dá momento em que a antropologia se
através das diferenças, e estes dois pro- dedica a pesquisar a sua própria socie-
fissionais estão intermediando relações dade, tentando olhá-la com outros
entre diversos grupos e categorias so- olhos, vivenciando o “estranhamento”
ciais. Eles podem ser vistos como elo dentro da sua própria cultura É assim
entre distintos universos de significa- que a antropologia não se dedica mais
ção. A diferença, conceito fundamen- a estudar apenas as sociedades primiti-
tal e definidor da antropologia, tem vas ou do “outro”. O antropólogo pode
também um papel importante na cons- investigar a sua sociedade, a sua cida-
trução da notícia, se pudermos de, o seu próprio grupo social. É a cha-
associar a novidade a um fato original mada antropologia urbana ou de
ou incomum. sociedades complexas. E o seu traba-
A representação que se tem do antro- lho final, – o texto – é dirigido ao lei-
pólogo é a do pesquisador-viajante que tor da sua sociedade, como o do jorna-
sai da sua sociedade, do seu mundo lista, que escreve as suas matérias para
europeu e “civilizado”, como B. o leitor do seu jornal, do seu país.
Malinowski, um dos pais da discipli- O jornalista é antes de tudo um habi-
na, para conhecer terras longínquas e tante da cidade. O mundo urbano tem
“exóticas”. A viagem é um elemento características e particularidades que se
privilegiado na construção deste pro- expressam no jornalismo. Quando
fissional: viagem, que, para o antropó- Simmel (1979) cita o anonimato, as
logo significa deslocamento, não relações transitórias, a superficialidade
necessariamente geográfico, porém. como aspectos dos indivíduos urbanos,
A experiência do trabalho de cam- não se pode deixar de associar estas
po se dá a partir do movimento do características ao jornalista. Assim

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como a metrópole determina um novo Entrando em contato com diferentes


modo de vida, a intensidade com que realidades e diferentes pessoas a cada
o tempo é vivido, também é diferente dia, ele realiza o papel de mediador
na cidade grande e na zona rural. E se entre o leitor e o mundo. Ele leva ao
o antropólogo vai se defrontar cons- leitor um mundo construído pelo jor-
tantemente com a questão da diferen- nal, da mesma forma que o antropólo-
ça, o jornalista experimentará no seu go, através do seu texto etnográfico,
cotidiano a cidade como espaço da di- traz para quem o lê uma construção da
versidade, do cruzamento de mundos sociedade do “outro”. E não é à toa que
e “tribos” diferentes, desvendando ter- Laplantine (2000, p. 166) afirma que
ritórios heterogêneos e construindo
“o estudo dos textos etnológicos nos infor-
assim um mapa, para muitos habitan-
ma tanto sobre a sociedade do observador
tes, desconhecido. Em meu trabalho
quanto sobre a do observado”. A antro-
sobre a identidade dos jornalistas
(Travancas:1993) afirmo que o repór- pologia e o jornalismo produzem dis-
ter é a figura paradigmática do jorna- cursos em condições particulares e
lismo. Pelas suas tarefas diárias, que vão estas não são nem cultural nem social-
desde a apuração dos fatos à redação mente neutras, ainda que nem sempre
da notícia, ele pode ser visto como um se procure enfatizar este aspecto. C.
cidadão do mundo: um profissional Geertz (1978) afirmava que as
que atravessa fronteiras e tem acesso etnografias eram ficções, não pelo fato
livre a quase todos os lugares, dos mei- de serem “falsas”, mas no sentido de
os oficiais aos marginais e perigosos. serem “algo construído”.

Objetividade e subjetividade
Estes dois conceitos estão em constante notícia, perdeu seu peso, mas não foi
discussão nestas duas profissões. descartada. Ela continua aparecendo
Ainda que a antropologia afirme ter se como uma meta. É o caso do Manual
afastado da idéia positivista de que a da Redação da Folha de S. Paulo
ciência tinha a obrigação de produzir (2001, p. 28) que afirma que a repor-
um conhecimento “objetivo”, e apos- tagem “deve ser iniciada com a informa-
te na subjetividade como instrumento ção que mais interessa ao leitor(...) e
de trabalho, de maneira alguma esta deve ainda contextualizar os fatos, expô-
questão parece totalmente resolvida, los objetiva e criticamente, com exatidão,
particularmente no que diz respeito ao clareza, concisão, didatismo e uso corre-
papel do antropólogo na pesquisa de to da língua”. Um pouco mais adiante,
campo. em outro verbete o Manual declara
Para o jornalismo a objetividade, que que:
junto com a clareza e a concisão Não existe objetividade em jorna-
eram as regras imprescindíveis de uma lismo. Ao escolher um assunto,

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redigir um texto e editá-lo, o jor- num certo sentido, aproximá-los. Por


nalista toma decisões em larga um lado, parece que o jornalismo
medida subjetivas, influenciadas ainda não conseguiu se desvencilhar
por suas posições pessoais, hábitos
completamente da idéia de objetivida-
e emoções. Isso não o exime, po-
rém, da obrigação de ser o mais
de como trunfo importante de seus tex-
objetivo possível. Para relatar um tos e de seus profissionais, o que já te-
fato com fidelidade, reproduzir a ria acontecido com as ciências sociais.
forma, as circunstâncias e as reper- Entretanto, isso não tornou as coisas
cussões, o jornalista precisa enca- mais simples; ao contrário, trouxe no-
rar o fato com distanciamento e vas questões e mais complexidade.
frieza, o que não significa apatia Ruth Cardoso (1986, p. 101) em seu
nem desinteresse. artigo sobre o trabalho de campo e as
Chegamos num ponto fundamental do armadilhas do método, destaca esta
jornalismo que é a questão da escolha. questão.
Cabe à imprensa escolher. Ela não Tal como nos manuais tradicionais
pode deixar de fazê-lo, pois informar é a subjetividade é abolida e os dis-
escolher. Se ela se recusa a escolher, o cursos são analisados como exteri-
leitor poderá escolher recusá-la. E esta ores aos atores que os produziram.
escolha, ou melhor, as escolhas diárias (...) Várias orientações teóricas
e constantes, é que vão definir o jor- não-positivistas formularam novos
nal do dia seguinte. Elas se baseiam lugares para a subjetividade do
observador. E não se trata do
numa divisão hierárquica do jornal em
subjetivismo descontrolado inva-
editorias, que pode ser pensada como dindo o campo da reflexão racio-
a expressão da necessidade do homem nal, mas sim da natureza inter-
de classificar – classificar para compre- subjetiva da relação entre o pes-
ender e organizar o mundo, nos termos quisador e seu informante.
de Mauss e Durkheim (1981). Para os Penso que esta subjetividade que Car-
dois pensadores esta necessidade bási- doso salienta tem em muitos momen-
ca do ser humano é a forma de trans- tos significado uma postura “militan-
formar o real em dimensões inteligíveis. te” do pesquisador, de apoio e adesão
E um jornal apresenta ao seu leitor a às causas e aos grupos estudados, tor-
“sua” construção da realidade. nando-o muitas vezes porta-voz de suas
Até recentemente, o próprio jornal lutas, fazendo com que abandone a re-
afirmava apresentar a realidade dos fa- flexão teórica sobre os caminhos da
tos de forma neutra e objetiva. As cor- chamada “observação participante”,
rentes mais tradicionais do jornalismo que corre o risco de se transformar em
ainda hoje, defendem a bandeira da “participação observante”. É importan-
objetividade nesta profissão. Penso que te deixar claro a sutileza do tema
esta discussão da busca e do lugar da e o lugar que ocupa o pesquisador.
objetividade no jornalismo e do papel A sua proximidade com o tema que
da subjetividade na antropologia pode escolheu estudar, assim como a sua afi-
ajudar a pensar estes dois campos e, nidade com o grupo não podem ser um

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problema “a priori”. O sociólogo nor- coloca ou como muitas vezes gostaria


te-americano Howard Becker (1977, de ser visto. Ele, como o antropólogo,
p.122) acha que o dilema, que pode se desloca de sua função de repórter,
parecer tão doloroso sobre tomar par- cujo principal papel é informar, e assu-
tido ou ser neutro em relação ao obje- me o lugar do homem público de que
to de pesquisa, não existe. Isso porque, fala R. Sennet (1988). A convivência
a seu ver, com mundos distintos é um fato con-
É necessário que alguém suponha, creto nas sociedades modernas, mas
como alguns aparentemente o fa- pode ser mais marcante em algumas
zem, que na verdade é possível fa- profissões, como na profissão de jorna-
zer uma pesquisa que não seja con- lista. Para poder transitar por distintas
taminada por simpatias pessoais e
esferas é preciso desenvolver um sen-
políticas. Proponho argumentar
que isso não é possível e, portan- timento de familiaridade com todos os
to, que a questão não é se deve- locais e acontecimentos. Esta desen-
mos ou não tomar partido, já que voltura é fruto da experiência de que,
inevitavelmente o faremos, mas para esse indivíduo público – o jorna-
sim, de que lado estamos. lista – a sociedade tem relevância.
E discorre sobre o encaminhamento do Não importam apenas os seus laços
trabalho de campo e sobre a questão familiares e afetivos e a sua satisfação
da publicação do texto final que pode, pessoal. Os entrevistados de minha
em grupos marginais, por exemplo, pesquisa (1993) enfatizaram a função
prejudicá-los. Este ponto aproxima transformadora do jornalista na
outra vez o jornalismo da antropolo- sociedade. E, neste sentido, o caso
gia, se pensarmos em reportagens que Watergate surge como exemplo
se publicadas, causarão muitas vezes emblemático desta função social do
danos enormes aos entrevistados. Ca- jornalista de transformar a realidade.
berá ao jornalista decidir pela divulga- Outro exemplo importante é o da co-
ção, ou não, de determinado fato que bertura da Folha de S. Paulo da cam-
pode afetar a vida de uma sociedade panha pelas eleições diretas em 1984,
inteira. quando o jornal e seus jornalistas apoi-
Assim, voltamos a idéia do jornalista aram a campanha abertamente e se
como mediador e também como por- colocaram como porta-vozes da socie-
ta-voz da sociedade civil, como ele se dade naquele momento.

Textos e escritas
Alguns aspectos devem ser menciona- de autoria do texto dos dois. O antro-
dos em relação à subjetividade do jor- pólogo em princípio desfruta de gran-
nalista e do antropólogo, que dizem de liberdade de escolha. Seu objeto de
respeito à escolha do tema da reporta- pesquisa é definido a partir de interes-
gem e da pesquisa, assim como à idéia ses intelectuais seus, além de aspectos

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práticos como a possibilidade de reali- principalmente, não são assinadas. Não


zação, dificuldades, prazos, acesso ao se sabe quem escreveu. Esta me parece
grupo e outros detalhes. O jornalista, ser uma questão importante em rela-
e aqui me detenho principalmente na ção às diferenças da prática profissio-
função de repórter que considero nal que definem o papel do jornalista
paradigmática da profissão, não tem e a função do texto que redige. O mun-
esta liberdade de opção. A decisão pela do urbano, e de certa forma o do jor-
apuração e redação da matéria não é nal também, são espaços de anonima-
sua. Ela parte do chefe de reportagem to. Para o jornalista a saída do anoni-
e do editor da editoria onde trabalha, mato se torna marcante para a obten-
após a leitura da pauta (chamo a aten- ção de sucesso e status. Ele está atrás
ção sobre este fato para mostrar de um “furo” que não é nada mais do
quantos elementos atuam neste pro- que a possibilidade de diferenciação
cesso). A cobertura feita pelo repórter dentro da profissão, de indivi-
é, em certa medida, alheia à sua von- dualização, de conquista de notorieda-
tade. Ela depende destes imponde- de e, portanto, de escape do anonima-
ráveis, e até da sua escala de horário. to, o que significará ter seu nome
Portanto, a relação que ele estabelece impresso na página do jornal e ser
com o tema e com seus informantes reconhecido pelos colegas e pela
difere bastante daquela do antropólo- sociedade.
go. O que não quer dizer que ele não
possa e não queira se envolver com o E. Lustosa (1996, p.17), ao chamar
assunto e seus interlocutores. Ao con- atenção para a definição de notícia
trário, o que pude perceber em minha que utiliza – “técnica de relatar um fato”
pesquisa foi o quanto estes profissionais - salienta as condições em que esta é
estão envolvidos com a profissão, ge- produzida e o fato de que, para um
rando uma “adesão” que produz um evento ser transformado em notícia é
estilo de vida e uma visão de mundo par- preciso legitimação, a qual se dá gra-
ticulares. O próprio Bourdieu (1997, ças ao discurso jornalístico. O que faz
p. 27) chegou a enfatizar que “os jor- a informação se tornar notícia são as
nalistas têm óculos especiais a partir dos técnicas jornalísticas. O texto
quais vêem as coisas”. jornalístico, por suas especificidades, se
distingue de outros tipos de escrita.
O outro ponto relevante é a autoria
do texto. Há muitas nuances e nova- Em seu livro A língua envergonhada
mente percebo como o texto (1991), L. Burnett discorda dos que
jornalístico, para além do fato de ser afirmam que há uma linguagem
produzido em menos tempo, em esca- jornalística. A seu ver, “há uma lingua-
la industrial e com regras mais rígidas gem em jornal e não de jornal”. A lin-
tanto de forma quanto de conteúdo, guagem é a mesma para todos. E o tex-
é um texto de muitos autores e ao to de jornal deve ser claro, objetivo e
mesmo tempo anônimo. Na maior par- conciso, para atingir o leitor da maneira
te da imprensa escrita, as reportagens, mais direta. Cada empresa jornalística

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pode criar o seu manual com as suas das são ainda um território preservado
regras, mas elas obviamente respeitam onde as subjetividades, opiniões e per-
as normas e regras ortográficas da lín- sonalidades podem se manifestar livre-
gua portuguesa. mente. Para o prazer do leitor e com o
Com a transformação dos jornais em consentimento do jornal.
empresas cujo principal produto é a Passemos ao texto antropológico. O
notícia, houve uma tentativa de pa- antropólogo escreve em primeiro lugar
dronizar os textos produzidos dentro das para seus pares, para a academia e, em
redações. O lide criado pela imprensa último, para o público em geral. Ele
norte-americana teve como objetivo sabe que seu trabalho será lido e avali-
atender ao leitor moderno e apressa- ado por outros antropólogos. E hoje,
do, que precisa obter o maior número cada vez mais se percebe que o texto
de informações, no menor tempo pos- produzido pelo pesquisador não pode
sível. O jornalista deve ser capaz de ser visto como algo separado da sua
criar e inovar a partir da fórmula do pesquisa de campo. Mariza Peirano
lide, respondendo com eficiência às (1992, p.134) ao comentar o trabalho
cinco perguntas mais fundamentais de V. Crapanzano sobre brancos na
sobre o fato noticiado: quem, como, África do Sul, enfatiza esta relação
quando, onde e pornquê. Entretanto, entre os dois processos.
o lide não deve ser visto como uma “ca-
Chama-se a atenção para o fato de
misa de força” para o repórter, levan-
que a maneira como se faz
do a uma rotina na elaboração da no- etnografia/pesquisa de campo está
tícia ou a uma padronização exagera- intimamente ligada à forma como
da. Várias empresas buscaram, com a se escreve, ou melhor, se constrói
introdução de novas técnicas de reda- etnografias como textos. Assim,
ção, criar um produto que pudesse ser estão intimamente relacionados na
lido como se tivesse sido escrito por um construção etnográfica a pesquisa
único jornalista. Ou seja, todos os tex- de campo (incluindo, naturalmen-
tos, da primeira à última página, deve- te, a escolha do objeto), a cons-
trução do texto e o papel desem-
riam ser uniformes e, conseqüentemen- penhado pelo leitor.
te, anônimos. O objetivo era mostrar
o jornal como um todo, apesar de suas Crapanzano vê o texto de sua pesqui-
inúmeras divisões. Muitos jornais ain- sa Waiting como um romance, princi-
da seguem este padrão até hoje. Ou- palmente por entendê-lo como
tros abriram espaço para modelos di- plurivocal na sua essência. Este aspec-
versos, misturando fórmulas e criando to de dar voz aos entrevistados aproxi-
áreas de maior individualização e mai- ma os discursos jornalísticos e antro-
or subjetividade, como é o caso das pológicos, na medida em que os dois
colunas assinadas. Discuti este tema em estão preocupados em relatar e descre-
outro trabalho (2001), “A coluna de ver fatos, situações, comportamentos,
Ibrahim Sued: um gênero jornalístico”, modos de vida e visões de mundo. E,
no qual afirmo que as colunas assina- para que estes textos não transmitam

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apenas o “clima”, o tom do que se está comentando um texto de P. E. Willis,


descrevendo, elemento fundamental chama a atenção para a necessidade
em uma etnografia, precisam se legiti- que os pesquisadores sentem de redigir
mar trazendo para as suas páginas a voz trabalhos que se diferenciem do relato
das fontes. Tanto os antropólogos jornalístico ou artístico. Há um certo
quanto os leitores de jornal querem “medo” da mistura, uma preocupação
saber o que pensam e dizem os entre- com a distinção e a nítida demarcação
vistados, os informantes, aqueles de fronteiras entre estes dois mundos.
envolvidos diretamente com o acon-
tecimento. Não é à toa que os manu- J. Clifford (1986) critica o trabalho de
ais de jornalismo enfatizam tanto a C. Geertz, “Briga de galos em Bali”, jus-
questão de que, em toda notícia é pre- tamente por ele ter “desaparecido” do
ciso ouvir os dois lados. Para o antro- texto, eliminando o aspecto dialógico
pólogo, ele é um destes lados. O pri- da interpretação, não percebendo o
meiro é o informante, o “nativo”. E sua trabalho de campo e seu texto final
primeira tarefa como pesquisador é cap- como resultado de um confronto onde
tar “o ponto de vista dos nativos”, como há um diálogo, uma comunicação sim-
afirma C. Geertz (1997, p. 88). De bólica. Esta relação, entretanto, pode
maneira nenhuma é preciso ser um ser interrompida, e o seu significado
deles para produzir uma interpretação depende do evento anterior e de for-
do seu modus vivendi. Ao contrário, é ças que ultrapassam as atividades pes-
fundamental que esta interpretação soais. Ao exigir que Geertz “apareça”
ultrapasse os horizontes mentais des- em seu texto, Clifford está de certa for-
tes nativos e não se torne uma mera ma pedindo que seu relato o inclua
reprodução dos seus discursos. como interlocutor, diferentemente do
Esta não é uma tarefa simples e nela a que acontece nas notícias, onde não
linguagem é um ponto crucial. Princi- só o jornalista não aparece na narra-
palmente, porque os antropólogos ção do acontecimento, como o texto
estão empenhados na produção de também não é assinado. Na verdade,
um saber científico, e não, na cons- ao se enfatizar este aspecto, o que se
trução de textos que terão um consu- está salientando é que o discurso
mo mais imediato, como os da impren- antropológico precisa afirmar a sua sub-
sa. Os trabalhos antropológicos não jetividade, a presença do pesquisa-
servem “para embrulhar peixe” no dia dor, dando ao leitor a medida do seu
seguinte em que foram lidos. E não lugar e da sua interpretação daquela
é à toa que Cardoso (1986, p.102), realidade.

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Conclusão
A análise de certas características des- que essa tanto valoriza. Texto
tas duas profissões, me permitiu che- jornalístico não pode conter a opinião
gar a algumas conclusões. Há inúme- do repórter ou as suas impressões pes-
ras diferenças entre elas. De enfoque, soais. Ele está ali para “relatar os fatos”.
de objetivo, de duração, de concep- E ouvir as fontes, os envolvidos, de
ção. O jornalismo se define por uma preferência dos dois ou mais lados da
relação bastante estreita com o tem- questão. Ele não deve se colocar, se
po. É o tempo que transforma o novo posicionar diante da realidade. Da
em velho, é ele que ajuda a definir o mesma maneira ele não deve escrever
que é notícia e é ele, também, que um relato dos acontecimentos que o
transforma o jornal em papel amarela- envolva, salvo em raras exceções. O
do que, em apenas 24 horas, perde a jornalista deve ser testemunha e a mais
validade. A antropologia deseja a per- objetiva possível. De novo percebo,
manência, a solidez que o saber cien- que há uma idéia de “perigo” associa-
tífico propicia. O antropólogo não cor- da à subjetividade no jornalismo. Qual
re atrás do tempo como o jornalista, seria a ameaça da subjetividade ao jor-
não tem um dead line tão apertado, nem nalismo? A impossibilidade de criar
o trabalho de campo está restrito a uma reportagem dentro dos padrões e
algumas horas de conversa com os sem clareza e concisão?
entrevistados. Há o tempo da partida Termino este trabalho pensando nas
e o da volta, da pesquisa e da escrita, e possibilidades de diálogo entre estes
entre eles há o tempo da reflexão. dois campos e, ao mesmo tempo, refle-
Penso que, em alguns aspectos estas tindo sobre as efetivas contribuições de
duas profissões tentam fugir cada uma um para outro. Talvez o caminho seja
da peculiaridade da outra. A antropo- enfrentar o cruzamento destas frontei-
logia busca a todo custo se afirmar ras. O jornalismo poderá sair mais
como ciência, ciência interpretativa, enriquecido e consistente se for capaz de
que não descarta, ao contrário, procu- incorporar com rigor a idéia de subjeti-
ra lançar mão da subjetividade do pes- vidade, não como uma ameaça, mas
quisador. Mas, não quer ter sua escrita como um elemento importante que dará
de forma alguma confundida com a ao leitor uma visão mais complexa da
superficialidade do jornalismo. Há uma realidade. E a antropologia poderá des-
busca de “pureza” que me faz lembrar cobrir que o jornalismo é muito mais do
o trabalho de Mary Douglas (1976), que uma técnica de redação, fazendo
Pureza e perigo. Qual seria a ameaça com que a escrita seja parte essencial do
do jornalismo à antropologia? A falta trabalho do antropólogo, tornando seu
de rigor científico? Mas esse não é um texto o mais saboroso para o leitor, sem
critério jornalístico. que isso ameace o seu território ou seu
O jornalismo, por outro lado, também lugar como ciência.
está preocupado em se distanciar, não Robert Park (Grafmeyer: 1979,
da antropologia, mas da subjetividade p. 6 e 7), pesquisador da Escola de

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Chicago, nunca negou o seu passado Portanto, Park não via nenhuma di-
como jornalista, ao contrário, sempre visão, nenhuma ruptura epistemoló-
afirmou que o sociólogo era aos seus gica entre a sua vivência de jornalista
olhos uma espécie de “super repórter”, e a sua prática como cientista social.
que deveria produzir, de uma maneira Essa aproximação poderá tornar a
mais precisa e com um pouco mais de antropologia mais dialógica e o jorna-
distância, a “grande informação”. lismo mais fecundo.

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