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O princípio da boa-fé no direito do consumidor

1) Introdução

O princípio da boa-fé é fundamental na sustentação da teoria contratual moderna.


Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990, ele ganhou ainda mais importância e é hoje considerado um princípio
supremo do Direito Civil.

Assim sendo, temos que os negócios jurídicos - inclusive aqueles que envolvem as
relações consumeristas - hão de ser interpretados em consonância com a boa-fé. Em tais
condições, faz-se mister a utilização de métodos interpretativos que visem à consecução da
justiça entre os homens, evitando, portanto, a prevalência de situações injustas que
prejudiquem o convívio social e a realização do bem, seja ele individual ou comum.

2) A questão da interpretação no Direito Civil

Como já mencionado, a interpretação do Direito, que por meio de processos diferentes


cuida de definir, em termos claros, o conteúdo das normas, regulamentos, contratos e outras
formas de manifestação do Direito, é de fundamental importância na consecução da justiça no
caso concreto.

Com efeito, as disposições de leis abrigam fórmulas gerais, projeções, previsões para o
futuro, que nem sempre espelham adequadamente os fins a que se propõe. Nem sempre se
pode, de pronto, haurir-se o pensamento que as palavras exprimem ou visam a exprimir.1

E interpretar um texto é definir o pensamento nele inserto (ou o “pensamento


imanente” de que fala Emilio Betti.), seja lei, contrato ou outra expressão; equacionar em
termos mais acessíveis o respectivo conteúdo; mostrar o seu significado intrínseco, para uma
aplicação certeira, no deslinde de questões que venham a surgir no caso concreto.

Daí surge a necessidade de estabelecermos princípios e normas para o exercício da


atividade interpretativa. E é justamente esse conjunto de princípios e normas que constitui o
objeto da Hermenêutica Jurídica, que é a parte da Ciência do Direito que faz o estudo
sistemático da interpretação.

1 Direito Civil Constitucional, São Paulo, RT, 2003. Carlos Alberto Bittar, Carlos Alberto Bittar Filho, p. 32.
Considerando que o Direito não é imutável e não se confina aos Códigos, as condições
cambiantes sociais, econômicas e políticas exigem uma constante adaptação dos textos à
realidade. Faz-se necessária, portanto, uma interpretação finalística, voltada para os fins
visados pelo texto. Assim, não é a letra da lei que indica o seu sentido, mas este deve ser
determinado em função de seus fins. Como bem salientou Miguel Reale 2, a norma é de
caráter “fundamentalmente axiológico”, de modo que a interpretação deve procurar os valores
que a inspiram, condicionando-se a situações fáticas diferentes.

3) O princípio da boa-fé no Direito Civil – Cláusulas Gerais no Código Civil de


2002

O Código Civil de 1916 tinha como traço marcante seu excessivo rigorismo formal.
Utilizando-se de conceitos como a casuísta, valia-se do formalismo puro, não permitindo,
pois, qualquer discricionariedade por parte do julgador.
A casuística se configurava pela regulação típica das matérias através da subsunção,
ou seja, pelo raciocínio consistente em descobrir que determinado fato jurídico reproduzia a
hipótese contida em uma norma jurídica, ou melhor, a revelação de um liame lógico de uma
situação concreta com a previsão genérica relevada pelo aplicador da lei. Esta técnica foi
muito criticada, pois se valeu da rigidez do sistema e da completa dependência da atuação do
Poder Legislativo para editar constantemente novas previsões que se enquadrassem as novas
situações vigentes em determinado momento histórico.
O instituto da boa-fé objetiva, bem como as demais cláusulas gerais recepcionadas
pelo Novo Código Civil de 2002, é proveniente da superação deste modelo formalista e
positivista dominante no século XIX. A partir da edição de conceitos como este, tornou-se
possível ao magistrado adequar a aplicação do Direito e valores sociais, uma vez que os
limites das cláusulas gerais apresentam-se como limites móveis e passíveis de concretização
variável. Referidas cláusulas constituem técnicas de legislar, à medida que possibilitam a
captação de vasto grupo de situações a uma determinada conseqüência jurídica a partir do
emprego de expressões ou termos vagos. As principais cláusulas gerais adotadas pelo Código
Civil de 2002 são da boa-fé objetiva, função social do contrato e função social da propriedade.
Durante algum tempo, temeu-se que a aplicação da boa-fé como cláusula geral
acabasse por conferir aos magistrados ampla discricionariedade quando da aplicação da
norma (composta de expressões e termos vagos) ao caso concreto. No entanto, conforme

2 O direito como experiência, São Paulo, Saraiva, 1968. Miguel Reale, p. 225
preceitua Nelson Rosenvald:

“Não obstante, o juízo de valor do magistrado não é a tomada de posição conforme


um ato interno ou um mero sentir irracional. Quando o julgador percebe que
determinada conduta é contrária à boa-fé, formula o juízo com base em fatos
objetivamente justificáveis, em conformidade com as exigências e pautas de
valoração do ordenamento jurídico, da Constituição e dos princípios jurídicos.
Expressões como a boa-fé serão racionalmente ponderadas naqueles casos sobre
cuja apreciação exista um consenso geral, com referência ao resgate da confiança
manifestada com a consideração da relação recíproca entre as partes.
A cláusula geral contém implícita uma regra de direito judicial, que impõe ao
magistrado examinar o caso em duas etapas. Inicialmente, estabelece a norma de
dever, conforme a realidade do fato e do princípio correspectivo; a seguir,
confronta a conduta efetivamente realizada com aquela que as circunstâncias
recomendariam. A atividade criadora do juiz não se confundirá com arbítrio, posto
contida nos limites da realidade do contrato, sua tipicidade, estrutura e
funcionalidade, com aplicação reservada aos princípios admitidos pelo sistema”3

Sendo assim, a adoção da boa-fé como cláusula geral permitiu aos juízes maior
liberdade de interpretação, sem, no entanto, conferir-lhes poderes para julgar segundo seu
livre arbítrio, abandonando, desta forma, os novos preceitos vigentes e que devem ser
necessariamente aplicáveis à interpretação do caso concreto. Deixou-se de lado o modelo
fechado adotado pela técnica casuística, dando-se, agora, espaço para utilização de um
modelo aberto, no entanto limitado por seus próprios princípios e diretrizes de atuação. Vale
dizer, "a lei torna-se um produto semi-acabado que deve ser terminado pelo juiz.” 4
A despeito disto, cumpre ressaltar que o Novo Código Civil, embora tenha
ultrapassado o rigorismo formal das codificações anteriores, somente abrange questões que se
revistam de certa estabilidade, ainda que conceitos vagos e abertos e, portanto, passíveis de
interpretação. Questões ainda pendentes de estudo não foram, de forma alguma, abarcadas
pelo Código Civil de 2002.
Neste sentido, observa-se que a boa-fé constitui-se de duas acepções distintas:
subjetiva e objetiva. A boa-fé subjetiva, conforme própria denominação, estuda a intenção do
sujeito dentro da ótica da relação jurídica firmada, sua consciência. Quando o magistrado
interpreta determinado contrato em um caso concreto, vale-se de uma situação hipotética tida
por ele como regular para, então, aplicar a norma cabível à situação posta em litígio.
A boa-fé objetiva, por sua vez, leva em consideração a conduta das partes presente no
caso concreto, devendo o homem valer-se de determinadas diretrizes tais como a honestidade,
lealdade e probidade. Referido conceito provém do Código Civil Alemão e não leva em
consideração a conduta das partes, como o faz a boa-fé subjetiva. No entendimento de Nelson

3
Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 29.
4
O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 24.
Rosenvald5, a boa-fé objetiva deve pressupor de uma relação jurídica que conecte dois
indivíduos, criando, para ambos, obrigações recíprocas, além de determinados padrões de
comportamento e condições que permitam a outra parte confiar na validade daquele negócio
celebrado. Não se pode perder de vista que a boa-fé objetiva é analisada externamente e,
portanto, não analisa sua intenção. Segundo, novamente, Nelson Rosenvald, “não devemos
observar se a pessoa agiu de boa-fé, porém de acordo com a boa-fé.” 6
Para a perfeita compreensão destas acepções de boa-fé, tem-se o recente julgado
proferido pela 17ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO COMINATÓRIA


C/C REPARAÇÃO DE DANOS- NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE DIPLOMA-
NULIDADE DE SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA- NÃO
CONFIGURAÇÃO- INTEMPESTIVIDADE DA RÉPLICA-
DESENTRANHAMENTO DOS DOCUMENTOS JUNTADOS COM ELA- NÃO
CABIMENTO- LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO- INEXISTÊNCIA-
RELAÇÃO DE CONSUMO- RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA- DECADÊNCIA-
NÃO VERIFICAÇÃO- RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA-
EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS-
CABIMENTO- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA- RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO.-
(...)
Atualmente, com o advento do Novo Código Civil, as partes contratantes devem
observar, na execução dos contratos, não só a probidade, mas também a boa-fé, que
implica em confiança criada (art. 422 do NCC).
Nesse sentido é o ensinamento da doutrina:
"O princípio da boa-fé se biparte em boa-fé subjetiva, também chamada de
concepção psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, também denominada concepção
ética da boa-fé. (...)
A boa-fé subjetiva denota-se estado de consciência, ou convencimento individual da
parte ao agir em conformidade com o direito, sendo aplicável, em regra, ao campo
dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. (...)
Todavia, a boa-fé que constitui inovação do Código de 2002 e acarretou profunda
alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, que se constitui em uma
norma jurídica fundada em um princípio geral do direito, segundo o qual todos
devem comportar-se de boa-fé em suas relações recíprocas. Classifica-se, assim,
como regra de conduta. Incluída no direito positivo de grande parte dos países
ocidentais, deixa de ser princípio geral de direito para transformar-se em cláusula
geral de boa-fé objetiva. É, portanto, fonte de direito e de obrigações.
Denota-se, portanto, que a boa-fé é tanto forma de conduta (subjetiva ou
psicológica) como norma de comportamento (objetiva). Nesta última acepção, está
fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os
interesses do outro contratante, especialmente no sentido de não lhe sonegar
informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio." (Carlos
Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, 3ª ed., São Paulo:Saraiva, 2007, p.
34/36) (Apelação Cível nº1.0024.07.578510-5/001, 17ª Câmara Cível, Relatora
Márcia de Paoli Balbino, DJ. 07/04/2009)

Da breve análise do julgado supracitado, observa-se que a boa-fé subjetiva é


predominantemente aplicada ao Direito Civil, mais especificamente ao campo dos Direitos

5
Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 30.
6
Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 30.
Reais, como no atributo qualificativo de posse (Art. 1201, CC) e usucapião ordinária (Art.
1242, CC). A boa-fé objetiva, por sua vez, pautada na regra de conduta do indivíduo em suas
relações recíprocas acabou tornando-se, por assim dizer, fonte de direito e de obrigações,
sendo considerada uma inovação no Código Civil de 2002.
Este Código, dotado das novas cláusulas gerais introduzidas pelo legislador, não
delimitou parâmetros para a atuação do poder criativo do magistrado. No entanto, valendo-se
da Constituição Federal como centro difusor de princípios a serem observados, não permite ao
julgador ignorar as três linhas de orientação desta norma, quais sejam: a eticidade, a
sociabilidade e a operabilidade.
O princípio da eticidade, inserido nesta nova ótica de discricionariedade conferida ao
magistrado, nada mais é do que conferir-lhe poderes para interpretar as lacunas da lei em
determinado caso concreto, em conformidade com os valores éticos predominantes na
sociedade em que se encontra. Sendo assim, a boa-fé auxiliará o julgador na escolha das
condutas adequadas com o que foi acordado entre as partes, de acordo com o que se considera
um comportamento adequado, suportável e aceitável em determinado marco histórico.

Pela sociabilidade entende-se o indivíduo inserido em uma sociedade. Referido


princípio possui estreita relação com a eticidade e os valores éticos predominantes nesta em
determinado tempo e espaço.

Finalmente, a operabilidade tem como fim a aplicação da norma com vistas a sua
adequação dinâmica à pessoa humana e as relações sociais nas quais essa se insere,
conferindo, pois, as leis, efetividade e operacionalidade.

Nesta ótica, a boa-fé permite ao operador do direito interpretar o caso concreto,


articulando este princípio aos demais princípios e normas integrantes do sistema, a fim de que
a boa-fé seja dosada de acordo com o nível de igualdade que vigora entre as partes da relação
jurídica.

De acordo com Nelson Rosenvald, a boa-fé poderia, ainda, ser qualificada de três
formas distintas:

“A boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três


áreas de operatividade da boa-fé no novo Código Civil desempenha papel de
paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume
caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como
ato ilícito (art. 187); e, finalmente, desempenha atribuição integrativa, pois dela
emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de precedentes
jurisprudenciais (art. 422 do CC).7
Deste excerto, observa-se a operatividade da boa-fé em todas as etapas de um contrato,
podendo-se examinar, inclusive, a responsabilidade das partes pelo rompimento dos deveres
éticos nos períodos pré e pós-contratual, aplicando-se, também a eles, as soluções pertinentes
para a recomposição dos prejuízos à parte lesada.

A função interpretativa visa buscar a intenção dos contratantes para que se elimine as
falhas havidas na declaração negocial. A função de controle, ou corretiva, visa controlar as
cláusulas abusivas, além de servir como parâmetro para exercícios das posições jurídicas. Por
fim, a função integrativa da boa-fé atua na criação de deveres anexos, não expressos, mas
“cuja finalidade é assegurar o perfeito cumprimento da prestação e a plena satisfação dos
interesses envolvidos no contrato.”8

Conclui-se, desta breve análise, que a boa-fé do Código Civil destina-se à


interpretação do contrato, a despeito de sua estrutura, entendendo-se, desta forma, que a
linguagem deve ser colocada em segundo plano, atribuindo-se a devida importância à
intenção manifestada na declaração de vontade, sem se perder de vista, obviamente, os demais
princípios vigentes no ordenamento jurídico.

4) O Princípio da boa-fé no Direito do Consumidor

No sistema brasileiro que regula as relações de consumo, o legislador optou


explicitamente pelo princípio da boa-fé. O Código de Defesa do Consumidor foi a primeira
norma a prever expressamente a boa-fé objetiva e efetivamente aplicá-la no campo das
obrigações entre consumidores e fornecedores. Vejamos os dispositivos do CDC (Lei n°
8.078) em que tal princípio é citado:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o


atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade
de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos
os seguintes princípios:
(...)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

7
Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 33.
8
Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008. p.29
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade”.

Dos dispositivos supracitados, depreende-se que a boa-fé aparece como princípio,


devendo ser interpretada como cláusula geral, condição para as demais. Ademais, a boa-fé
que a Lei n° 8.078 incorpora é a chamada boa-fé objetiva, diversa da subjetiva.
A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato
modificador, impeditivo ou violador do seu direito. É, pois, a falsa crença acerca de uma
situação pela qual o detentor do direito acredita na sua legitimidade porque desconhece a
verdadeira situação9. Nesse sentido, a boa-fé pode ser encontrada em vários preceitos do
Código Civil, como, por exemplo, no art. 1.561, quando trata dos efeitos do casamento
putativo10, nos arts. 1.201 e 1.202, que regulam a posse de boa-fé11, no art. 897, que se refere
à boa-fé do alienante do imóvel indevidamente recebido etc.12.
Lado outro, a boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida
como uma regra de conduta, ou seja, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de
honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o
equilíbrio econômico, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, em regra, há
um desequilíbrio de forças em matéria de consumo. Para chegar a um equilíbrio real, somente
com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser
abusivo e exagerado para um pode não o ser para outros.
A boa-fé objetiva constitui, portanto, um padrão que não depende da verificação da
má-fé subjetiva do fornecedor, nem do consumidor. Assim sendo, a boa-fé objetiva traduz-se
em um comportamento fiel, leal, que envolve o mútuo respeito entre as partes e objetiva
garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre
para atingir o fim colimado no contrato, realizando o interesse das partes.
A boa-fé objetiva é também aquela que foi inserida no Novo Código Civil, como

9 Curso de Direito do Consumidor, São Paulo, Saraiva, 2005. Rizzatto Nunes, p.571.
10 “Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento,
em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.”
11 “Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da
coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou
quando a lei expressamente não admite esta presunção.”
12 “Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias
façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.”
cláusula geral, irradiando seus efeitos por todo o sistema civilista. Nelson Rosenvald13, ao
destacar as funções deste princípio e sua correlação com os artigos do Novo Código Civil,
observa que “a boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três
áreas de operatividade da boa-fé no NCC: desempenha papel de paradigma interpretativo14 na
teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume papel de controle15, impedindo o abuso do
direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art. 187); e, finalmente desempenha
atribuição integrativa16, pois dela emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de
precedentes judiciais (art. 422 do CC)”.
A função interpretativa da boa-fé é a mais utilizada pela jurisprudência e serve de
orientação para o juiz, devendo este sempre prestigiar, diante de convenções e contratos, a
teoria da confiança, segundo a qual as partes agem com lealdade na busca do adimplemento
contratual.
A função de controle da boa-fé visa evitar o abuso do direito subjetivo, limitando
condutas e práticas abusivas, reduzindo, de certa forma, a autonomia dos contratantes.
Por fim, a função integrativa desse princípio insere novos deveres para as partes diante
das relações de consumo, pois além da verificação da obrigação principal, surgem novas
condutas a serem também observadas. São os assim denominados “deveres anexos” ou
“deveres laterais” pela doutrina e jurisprudência. Vejamos entendimento jurisprudencial nesse
sentido:
13
Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 33.
14
Exemplo de função interpretativa: “As expressões assistência integral e cobertura total são manifestações que
têm significado unívoco na compreensão comum e, não podem ser referidas num contrato de seguro de saúde,
esvaziadas de seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé na avença.” (Agravo de
Instrumento nº 0174580-2, 1ª Câmara Cível do TAPR, Rel. Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo, 9/11/01)
15
Exemplo de função de controle: “Independentemente de expressa previsão legal, posterior ao contrato, a
cláusula que nega cobertura ao segurado em caso de prorrogação da internação, fora do seu controle, é abusiva,
pois não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, anotando-se que a regra protetiva do
CDC veda a contratação de obrigações incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade”. (Apelação Cível n. 0320314-
1, 3a Câmara Cível do TAMG, Rel. Juiz Wander Marotta, j. 14.11.00)
“Sob os fundamentos do Código de Defesa do Consumidor, a estipulação do preço do dinheiro encontra limite
nos princípios da eqüidade retributiva e da boa-fé objetiva dos negócios jurídicos, âmbito em que o abuso de
poder econômico e o excesso de onerosidade dos encargos pecuniários unilateralmente pactuados caracterizam
conduta de lesa-cidadania, promovendo o enriquecimento ilícito do credor e o simultâneo empobrecimento sem
causa do devedor”. (Apelação Cível n. 70001856897, 14ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Aymoré Roque
Pottes de Mello, j. 21.12.00).
16
Exemplos de função integrativa: “A cláusula que estabelece o reajuste das prestações pela variação do dólar, a
um só golpe, viola três princípios consumeristas: o da transparência, por não haver dado ao consumidor os
esclarecimentos necessários ao risco assumido; o da confiança, por frustrar a legítima expectativa do consumidor
de continuar pagando as mesmas prestações ajustadas, até o final do contrato; e o da boa-fé objetiva, por
transferir ao consumidor os riscos do negócio, que devem ser suportados por quem dele se beneficiar (ubi
emolumentum ibi onera)”. (Apelação Cível n. 5539/2000, 9ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Des. Jorge Magalhães,
j. 13.06.00)
“O dever de informação e, por conseguinte, o de exibir a documentação que a contenha, é obrigação decorrente
de lei, de integração contratual compulsória. Não pode ser objeto de recusa nem de condicionantes, em face do
princípio da boa-fé objetiva”. (RESP 330261/SC, 3a Turma do STJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 08.04.02);
Recurso Especial. Civil. Indenização. Aplicação do princípio da boa-fé contratual.
Deveres anexos ao contrato. O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais
regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao
contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação
pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a
qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe
tenha dado causa. A alteração dos valores arbitrados a título de reparação de
danos extrapatrimoniais somente é possível, em sede de Recurso Especial, nos casos
em que o quantum determinado revela-se irrisório ou exagerado. Recursos não
providos. (Superior Tribunal de Justiça, RESP nº 595631/SC, 3ª Turma, Relatora
Ministra Nancy Andrighi. DJ. 02/08/2004). (grifos nossos).

Os deveres anexos se dividem em três: de informação, de cooperação e de proteção


(ou cuidado).
O fornecedor deve dar a máxima informação possível sobre os dados e riscos do
produto ou serviço (dever de informação). Também deve cooperar na relação para que o
consumidor possa alcançar as suas expectativas, facilitando os meios para que o mesmo possa
adimplir o contrato (dever de cooperação). Já o dever de proteção ou cuidado, impõe ao
fornecedor uma conduta no sentido de preservar a integridade pessoal e patrimonial do
consumidor que, quando violados, geram danos morais e materiais.
Insta salientar que a boa-fé, enquanto cláusula geral, exigirá do intérprete, diante de
um caso concreto, a busca pelo equilíbrio entre as partes contratantes, de modo a alcançar a
justiça contratual.
Dando aplicação a tais cláusulas gerais, o STJ não tem admitido a exclusão (não
cobertura), em planos de saúde, de doenças como a AIDS.

“A cláusula de contrato de seguro-saúde excludente de tratamento de doenças


infecto-contagiosas, caso da AIDS, não tem qualquer validade porque abusiva”
(STJ, REsp 244847/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 20/6/2005)

Também são consideradas abusivas cláusulas que impõem a responsabilidade total do


consumidor pelas compras efetuadas com cartão de crédito furtado até o momento em que
comunica sobre o furto.

"CONSUMIDOR - CARTÃO DE CRÉDITO - FURTO - RESPONSABILIDADE


PELO USO - CLÁUSULA QUE IMPÕE A COMUNICAÇÃO - NULIDADE -
CDC/ART. 51, IV.
São nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade
absoluta por compras realizadas com cartão de crédito furtado até o momento (data
e hora) da comunicação do furto.
Tais avenças de adesão colocam o consumidor em desvantagem exagerada e
militam contra a boa-fé e a eqüidade, pois as administradoras e os vendedores têm
o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões.”
(REsp 348.343/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA
TURMA, julgado em 14/02/2006, DJ 26/06/2006 p. 130)

Em se tratando de boa-fé como cláusula geral, é preciso abordar ainda a questão da


“cláusula surpresa”, que surpreende o consumidor, justamente porque não possibilita a correta
informação sobre as suas conseqüências, não permitindo que o consumidor celebre um
contrato consciente. De acordo com Nelson Nery17, “ a proibição da cláusula surpresa tem
relação com a cláusula geral de boa-fé, estipulada no inciso IV do artigo 51 do CDC. Ambas
configuram uma técnica de interpretação da relação jurídica do consumidor, e, também,
verdadeiros e abrangentes pressupostos negativos da validade e eficácia do contrato de
consumo, quer dizer, as cláusulas contratuais devem obediência à boa-fé e equidade e não
devem surpreender o consumidor após a conclusão do negócio, pois este contrato sob certas
condições é devido à aparência global do contrato”.
Assim, a cláusula contratual de plano de saúde que prevê a possibilidade de reajuste
sem especificar os critérios a serem utilizados, denota uma abusividade, uma vez que coloca o
consumidor em estado de surpresa diante da falta de informação.
Vale ressaltar ainda que o princípio da boa-fé na lei consumerista tem a função de
viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica, compatibilizando interesses
aparentemente contraditórios, como proteção do consumidor e desenvolvimento econômico e
tecnológico. Verifica-se portanto, que a boa-fé não serve apenas para a defesa da parte mais
fraca, mas também como fundamento para orientar a interpretação garantidora da ordem
econômica, em harmonia com os princípios constitucionais do art. 17018.
De maneira geral, é possível dizer que a boa-fé objetiva possui as seguintes funções:

Teleológica ou inerpretativa

Integrativa ou criadora de deveres


Funções da Boa-fé Objetiva
secundários(anexos)

17
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000. p. 503/504.
18 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
V - defesa do consumidor”.
Controle ou limitadora de direitos

5) A boa-fé como regra de conduta e base da revisão contratual

O Estado contemporâneo transcendeu ao liberalismo absoluto, preocupando-se


também com aspectos sociais, deste modo a tutela dos aspectos éticos do contrato têm de ser
feita de modo a não anular a sua força obrigatória, pois, sem ela pode ficar vulnerável o ato
jurídico perfeito e o direito adquirido, destruindo a garantia de segurança jurídica. Assim, para
que se mantenha a segurança jurídica na análise do lado ético do negócio jurídico preconiza-
se o respeito á boa-fé e não apenas o respeito à vontade subjetiva das partes, buscando-se o
equilíbrio contratual entre prestações e contraprestações.
Na concepção de boa-fé adotada no Código de Defesa do Consumidor, que visa a
função social do contrato, a feição assumida é diversa daquela tradicionalmente conhecida na
revisão contratual do direito das obrigações, como fundamento para desconstituição ou
anulação do negócio jurídico por vício de consentimento (erro, dolo, coação, fraude). A base
econômico-jurídica do contrato será reexaminada em nome da equidade, a partir das cláusulas
negociais avençadas.
Não desaparece a boa-fé subjetiva e a aplicação da teoria dos vícios do consentimento,
contudo, no panorama atual predomina o consumo, a contratação de massa e os contratos são
dotados de “condições gerais”, sendo denominado de adesão, o que gera a necessidade de
aplicação da boa-fé objetiva para atenuar as circunstâncias contratuais, as quais são fruto de
regras unilaterais impostas pela parte que detém o controle do negócio. Observa-se, portanto
que os contratos aqui contemplados impossibilitam a normal e prévia discussão das condições
entre contratante e contratado.
Tem-se substituído nas relações jurídico-econômicas a teoria da declaração em lugar
da teoria da vontade, pois o volume e rapidez na realização de negócios, que serão jurídicos,
geram a crescente impessoalidade visando garantir a celeridade das contratações, a segurança
e a estabilização das relações. Nesse contesto, tudo deve ser prático e objetivo e, dessa forma,
a segurança das relações jurídicas de massa apóiam-se na vontade declarada e não mais no
interesse individual.
Humberto Theodoro Júnior em sua obra “Direitos do Consumidor”, fala da boa-fé
objetiva como justificativa de um “reequacionamento da fórmula contratual”19. Disso
vislumbra-se que há uma desigualdade de partes gerada pela fraqueza de uma das partes na
discussão de formação do negócio e que se deve restabelecer o equilíbrio econômico, sem de
preocupar com defeitos na vontade geradora do contrato. Assim, no âmbito dos contratos,
“como concretização da boa-fé, coloca-se a bilota de certo equilíbrio matéria entre as
vantagens auferidas, graças ao contrato, pelas partes: não se admitem prejuízos
desproporcionados”20.
O primeiro critério de aferição do equilíbrio contratual é realizado a partir do
confronto dos temos ajustados com as regras supletivas do ordenamento jurídico para os
contratos de adesão, uma vez que tais normas possam ter sido afastadas pelo acordo concreto
de vontades, devem ser restabelecidas, pois servem de parâmetro para aferir o modelo de
equilíbrio desejado. Dessa forma se dá a apreciação do equilíbrio interno do contrato em
questão.
A aferição do equilíbrio também pode ser realizada pelo critério do cotejo do tipo de
contrato corrente com a teleologia do negócio praticado.
Judith Martins-Costa considera o princípio da boa-fé como um princípio de
comportamento contratual objetivo que “não admite condutas que contrariem o mandamento
de agir com lealdade e correção, pois assim se estará a atingir a função social que lhe é
cometida” 21, tendo, portanto, a função de atuar como limite de direitos subjetivos. Seria este
o antigo princípio da lealdade contratual com um novo rótulo. Os contratantes devem agir em
conformidade com este standard jurídico, correspondo a seu dever de conduta social, agindo
com probidade, honestidade e lealdade.
Diferentemente do que ocorre com a boa-fé subjetiva, a qual se liga apenas aos
interesses individuais, o atual tratamento da boa-fé invoca valores de interesse geral na
realização contratual baseando-se na expectativa gerada pela conduta das partes perante os
membros da comunidade e principalmente diante do outro pólo da relação obrigacional. E isto
o que é juridicamente tutelado.
O juiz, diante do fato concreto, é a figura habilitada a aplicar o princípio da boa-fé
objetiva de forma flexível, levando em conta as circunstancias e elementos particulares dos
negócios, em busca da justiça e equidade contratual. Essa atuação jurisdicional não deve

19
Theodoro Júnior, Humberto, Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do
Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais de direito civil e do direito processual civil, Rio de
Janeiro, Ed. Forense, 2002, p. 20.
20
Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997, p. 658.
21
Judith Martins-Costa, A Boa-Fé no Direito Privado, São Paulo, Ed. RT, 1999, p.455-557.
corresponder a uma intervenção indiscriminada na relação privada obrigacional. O papel
desse princípio deve ser tomado como “norma ordinatória da atenção ao fim econômico
social do negócio, matéria na qual se vislumbra a concepção da relação obrigacional como
22
um processo polarizado por sua finalidade” , de forma que a prestações realizadas pela
partes se dêem de maneira quantitativamente e qualitativamente normal. No sentido negativo,
deve o magistrado reprimir o emprego de uma conduta não coerente com o escopo contratual.
Deve-se analisar com bom senso não só os valores monetários das prestações em si,
mas também as obrigações fundamentais firmadas por cada parte. Se ambos os aspectos
forem observados, cumprido será o escopo contratual; caso contrário, lesionada a finalidade e
a economia do negócio com a violação dos deveres e da boa-fé poder-se-ia caracterizar o
inadimplemento contratual. Desta forma, a boa-fé ocupa função de dever contratual,
contribuindo para a determinação do conteúdo e funcionamento contratual e, assim, pode-se
considerá-la fenômeno social de jurídico e não mais puramente ético.
Considerando as circunstâncias medianas do ambiente em que se fundou o vínculo
obrigacional, o CDC permitirá que, mesmo não havendo vício de consentimento, o contrato
poderá ser revisto por conter o negócio estipulação contrária ao normalmente estipulado com
equidade e equilíbrio. Essa revisão é realizada em benefício do consumidor e pretende a
alteração contratual. Contudo, na prática, o juiz procederá ao pedido de revisão contratual em
caso de real necessidade de restabelecimento de condições:

“aquilo que é o padrão moderno da autonomia da vontade, ou seja, o


restabelecimento da justiça e da utilidade do pacto, através da recomposição da
economia contratual, buscando manter o chamado sinalagma funcional do contrato
(ou seja, o equilíbrio que dever ser mantido no curso da execução) que, por vezes,
se afasta do sinalagma genético do mesmo”.23

Tem-se a devida revisão judicial dos contratos avençados entre fornecedores e


consumidores, não apenas pelo fato de serem estes vulneráveis e aqueles economicamente
fortes, mas pela constatação no exame objetivo de que houve uma lesão genética ou a quebra
superveniente da base do negócio. Só assim garante-se a não-arbitrariendade da revisão e o
respeito á segurança jurídica.

6) O entrelaçamento entre o equilíbrio contratual e a boa-fé objetiva

22
Idem, ob. cit., p. 415.
23
Luis Renato Ferreira da Silva, “Causas de Revisão Judicial dos Contratos Bancários”, in Revista do Direito
do Consumidor, vol. 26, p. 135.
A disposição do Código de Defesa do Consumidor quanto ao princípio da boa-fé e ao
equilíbrio contratual são aspectos de um mesmo objeto de proteção, o qual seja “fazer
imperar nas relações de consumo um contrato justo” 24. O tal sinalagma perseguido no CDC
corresponde ao equilíbrio entre as prestações e contraprestações, pelo qual se adota um
modelo de organização das relações privadas em que prevalece o reconhecimento
preponderante da lei sobre a vontade das partes. Disso surge uma maior presença da boa-fé
nas relações mercantis, com um controle mais efetivo do ordenamento jurídico vinculado á
busca do equilíbrio contratual.25
Na contemporaneidade o conceito de relação consumeirista teve seu foco deslocado da
autonomia da vontade e seu corolário da obrigatoriedade das cláusulas para a consideração de
que a eficácia contratual decorre da obrigatoriedade da lei, a qual gera a utilidade dos
contratos em prol da justiça. A justiça é priorizada em detrimento da vontade, pois devido a
sua subjetividade, formam-se os desequilíbrios quando a vontade de uma parte é maior que a
da outra.
O fim da aplicação do princípio hermenêutico da boa-fé, característico por ser
limitador e criador de direito, é o próprio cumprimento do contrato. Antônio Junqueira de
Azevedo observa em sua obra:

“a boa-fé objetiva é, do ponto de vista do ordenamento, o que os franceses


denominam notion-quadre, isto é, uma cláusula geral que permite ao julgador a
realização do justo concreto, sem deixar de aplicar a lei”.26

Cláudia Lima Marque, por sua vez, elenca a dupla função do princípio da boa-fé
coligado com o do equilíbrio contratual na interpretação fidelidade e cooperação nas relações
contratuais:

“1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vinculo contratual, os
chamados deveres anexos; e 2) como cauda limitadora do exercício, antes lícito, hoje
abusivo, dos direitos subjetivos”.27

24
Theodoro Júnior, ob. cit., p. 23.
25
“O sentido da boa-fé objetiva nos contrato de consumo vem sendo mais e mais associado não à qualificação
do consumidor como um status , um privilégio, uma espécie de salvo-conduto para melhor exercer suas
atividades econômicas, mas á preocupação constitucional com a redução das desigualdades e com o efetivo
exercício da cidadania” (Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p.213).
26
Antônio Junqueira de Azevedo, “Responsabilidade Pré-Contrtual no Código de Defesa do Consumidor:
Estudo Comparativo com a Responsabilidade Pré-Conotratual no DireitoComum”, in Revista de Direito do
Consumidor, vol. 18, p. 27.
27
Cláudia Lima Marques, ‘Notas sobre o Sistema de Proibição de Cláusulas Abusivas no Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor”, in Revista Jurídica, vol. 268, p.48.
Por fim, o ilustre professor Humberto Theodoro Jr. Exemplifica os deveres anexos
previstos como derivados da boa-fé objetiva:

“a) dever de informar, sobre o produto ou serviço, que está presente nos arts. 30 e
32 do CDC.
b) princípio da transparência (art. 4º, caput), que completa o dever de informação,
impregnando o texto contratual da maior clareza possível;
c) dever de colaborar durante a execução do contrato, evitando as praticas
comerciais abusivas (arts. 39. 40, 51, 51, 53 e 54). Não se deve inviabilizar ou
dificultar a atuação do outro contratante quando esse tenta cumprir com suas
obrigações contratuais. Nos contratos de adesão, que não são ilícitos, o fornecedor
deve redigir seus textos de forma clara e precisa, destacando as cláusulas que
limitem ou excluam direitos do consumidor.
d) Responsabilidade do fornecedor pelos danos extrapatrimoniais, danos à sua
integridade pessoal (moral ou física), além da integridade de seu patrimônio (arts.
43 e 44, e §6º, VI)”.28

7) A revisão dos contratos regidos pelo CDC

Os elementos normativos constitucionais presentes nos arts. 5º, inc. XXXII, e


170, inc. V, e art. 48 do ADCT reconhecem a fragilidade do consumidor nas relações de
massa e, por isso, determina sua proteção por lei. Entretanto, a revisão contratual só se
dar se violar direitos básicos do consumidor (arts. 6º e 7º do CDC), ou seja, quando haja
adoção de práticas abusivas pelo fornecedor, se houver lesão gerada por estipulação de
prestações desproporcionais na formação do contrato ou quando ocorrer a
superveniência de fatos que tornem as prestações excessivamente onerosas.
Tendo em vistas a violação dos direito básicos, constata-se que o contrato não é
rompível com facilidade. O objetivo legislado é que se encontre o equilíbrio contratual
na revisão e modificação de cláusulas que gerem lesão ou provenientes de fatos
supervenientes. Somente no caso de ônus excessivo para alguma das partes, conforme o
art. 51, §2º, CDC, e diante da impossibilidade de reencontrar o equilíbrio contratual é
que se pode considerar a possibilidade de rompimento ou invalidação do contrato.
O art. 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor sustenta com louvor a
Política Nacional das Relações de Consumo, sempre com base na boa-fé e nas relações
entre consumidores e fornecedores:

“Art. 4º.
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo
e compatibilização de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico,

28
Theodoro Júnior, ob. cit., p. 25.
de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica
(art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio
nas relações entre consumidores e fornecedores;”.
BIBLIOGRAFIA

THEODORO JÚNIOR. Humberto, Direitos do consumidor: a busca de um ponto de


equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais
de direito civil e do direito processual civil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, p. 19-27.

MENEZES CORDEIRO. Antônio Manuel da Rocha. Da Boa-Fé no Direito Civil, Coimbra,


Almedina, 1997, vol. I, p. 658.

MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado, São Paulo, Ed. RT, 1999, p.455-
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