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INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS

EM TRANSFORMAÇÃO DE CIDADES DA
AMÉRICA LATINA

Organização
Eduardo Alberto Cusce Nobre
Jorge Bassani
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Prof. Dr. Marco Antônio Zago – Reitor
Prof. Dr. Vahan Agopyan – Vice-Reitor

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


Profª Drª Maria Ângela Faggin Pereira Leite – Diretora
Prof. Dr. Ricardo Marques de Azevedo – Vice-diretor

NAPPLAC
Núcleo de Apoio à Pesquisa: Produção e Linguagem do Ambiente Construído
Prof. Dr. Eduardo Alberto Cusce Nobre – Coordenador científico
Profª Drª Maria de Lourdes Zuquim – Vice-coordenadora científica

COMITÊ EDITORIAL
Prof. Dr. Eduardo Alberto Cusce Nobre (FAUUSP)
Prof. Dr. Jorge Bassani (FAUUSP)
Profª Drª Camila D’Ottaviano (FAUUSP)
Profª Drª Maria de Lourdes Zuquim (FAUUSP)

In8 Intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América


Latina / Organização de Eduardo Alberto Cusce Nobre e Jorge Bassani – São
Paulo: FAUUSP, 2015.
240 p. : il.

ISBN: 978-85-8089-058-7
ISBN: 978-85-8089-084-6 e-book

1. Planejamento Territorial Urbano – América Latina 2. Urbanização


(Aspectos Sociais) – América Latina I. Título

CDD: 711.08
Serviço de Técnico da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP C
D
D
:

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SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO: INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS


EM TRANSFORMAÇÃO DE CIDADES DA AMÉRICA LATINA:
O QUE APRENDER COM ELAS?
Eduardo Nobre e Jorge Bassani

PARTE 1:
MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E INTERVENÇÕES URBANAS:
IMPACTOS DA COPA DO MUNDO FIFA 2014

17 A REFORMA DO ESTÁDIO DO MARACANÃ PARA A


REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO 2014: IMPACTOS
SOCIAIS E URBANOS
Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Glauco
Bienenstein, Giselle Tanaka, Rosane Rebeca de Oliveira Santos,
Mariana do Carmo Lins, Felippe Fideles, Felipe Carvalho Nin
Ferreira, Janaína Pinto e Lucas Faulhaber

37 PORTO ALEGRE: URBANISMO PÚBLICO E PROJETOS


URBANOS NA COPA 2014
João Farias Rovati

71 COPA DO MUNDO E LEGADO PARA QUEM? O FURACÃO


COPA EM FORTALEZA – CEARÁ
Larissa Viana
PARTE II:
INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS CENTRAIS: ESTRATÉGIAS
PARA O REFORÇO DA CENTRALIDADE.

95 LA RECONSTRUCCIÓN DEL PASEO DE LA REFORMA EN


LA CIUDAD DE MÉXICO 2000-2015: LAS
CONTRADICCIONES DEL URBANISMO NEOLIBERAL
Lisett Márquez López

121 O PROJETO NOVA LUZ EM SÃO PAULO: ENTRE


PROCESSOS DE EXCLUSÃO E RESISTÊNCIA POPULAR
Simone Gatti

141 TRANSFORMACIONES RECIENTES EN EL CHALLAO


(ARGENTINA): ESCALAS Y DIMENSIONES URBANÍSTICAS
Maria Jimena Sanhueza

PARTE III:
INTERVENÇÕES URBANAS NAS ÁREAS DE FRONTEIRA DO
CAPITAL: EXPANSÃO URBANA E REQUALIFICAÇÃO AMBIENTAL.

163 EMPREENDIMENTOS DA “NOVA BELÉM” NA FORMAÇÃO


E CONSOLIDAÇÃO DA EXPANSÃO URBANA DE BELÉM
DO PARÁ
José Júlio Ferreira Lima, Raul da Silva Ventura Neto e Rebeca
Silva Nunez Lopes

189 O CASO PROSAMIM: O PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL


DOS IGARAPÉS DE MANAUS
Selma Paula Maciel Batista

215 EL FERROCARRIL EN SANTA FE: UNA MODERNIDAD


DESBORDADA
Ricardo Robles

233 SOBRE OS AUTORES


APRESENTAÇÃO:
INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS EM
TRANSFORMAÇÃO DE CIDADES DA AMÉRICA LATINA: O
QUE APRENDER COM ELAS?

Eduardo Nobre e Jorge Bassani

Desde o final do Século XX, os processos produtivos em vários


países do mundo vêm passando por grandes transformações. A crise advinda do
esgotamento da expansão econômica do Pós-Guerra ocasionou mudanças
estruturais no modelo de desenvolvimento capitalista. Na procura incessante por
maiores taxas de acumulação, um novo período de internacionalização do capital
se iniciou, possibilitado pela associação do desenvolvimento das
telecomunicações e da tecnologia da informação com a desregulação econômica
promovida pelo Estado Neoliberal. A facilidade desses fluxos de capital tem
ocasionado a transferência de empresas, indústrias e capital para qualquer lugar
onde mão-de-obra e infraestrutura a custo baixo estiverem disponíveis, processo
esse vulgarmente conhecido por globalização.
Essas transformações impactaram fortemente as cidades de vários
países do mundo, principalmente os de capitalismo avançado, onde os custos de
produção ocasionaram um processo de perda das atividades econômicas,
principalmente industriais, e levaram as cidades a competir entre si para atrair
investimentos e empregos.
Na política urbana, o resultado dessa transformação foi a mudança
no paradigma do planejamento urbano, passando do modelo tradicional,
compreensivo e racionalista, com sua visão global e integrada de cidade, para o
planejamento estratégico, baseado em intervenções urbanas pontuais,
fragmentárias e localizadas em áreas específicas. Diferentemente dos planos
diretores do período anterior, a intervenção urbana passa a ser pensada na
escala do projeto urbano, por vezes desconsiderando a sua relação com o todo,
para atender ao objetivo específico do desenvolvimento econômico, apoiado no
aproveitamento de uma pretensa infraestrutura ociosa ou recuperação urbano-
ambiental.
Os governos locais passaram a adotar a cartilha neoliberal, unindo-
se a grupos empresariais com o objetivo de atrair capitais, mudando do controle
Eduardo Nobre
Jorge Bassani
5
à produção de um ambiente construído “balanceado” para o estímulo ao
mercado imobiliário, atuação essa que o geógrafo inglês David Harvey definiu
como “empresariamento” urbano (Harvey, 1996). A articulação dos capitais
financeiro e imobiliário, ocasionada pela facilidade de obtenção de empréstimos
bancários a baixas taxas de juros, associada à desregulação urbanística e ao
estabelecimento de parcerias público-privadas vêm permitindo o
desenvolvimento de grandes projetos de intervenção urbana em diversas
cidades, ocasionando grandes ciclos de desenvolvimento imobiliário.
As áreas em transformação, isto é, as áreas produtivas obsoletas
desse processo (distritos industriais, áreas portuárias, orlas ferroviárias etc.), os
centros históricos abandonados, os terrenos vagos ou subutilizados vêm dando
lugar a grandes complexos imobiliários, com a construção de novos centros de
negócios, comerciais e de turismo, com suas torres de escritório, shopping
centers sofisticados, hotéis e complexos habitacionais de luxo, centros de
convenções, marinas, restaurantes e parques temáticos como nos casos iniciais
do Inner Harbor de Baltimore, London Docklands em Londres, Battery Park
City em Nova Iorque, La Defènse em Paris e Vila Olímpica em Barcelona.
Contudo, na maior parte dos casos, existe um grande
descompasso entre os objetivos formalmente declarados e os resultados
obtidos, mascarados pela ideologia dominante. Desde o final dos anos 1980,
vários autores dos países de capitalismo avançado vêm apontando para o fato de
existirem “vencedores” e “perdedores” nesses processos (Fainstein, 2001; Judd
e Parkinson, 1990; Smith e Feagin, 1987; Robinson, 1989; Robson, Parkinson e
Bradford, 1994). Os principais beneficiários teriam sido os proprietários de terra
e os empreendedores imobiliários, enquanto os perdedores seriam os
moradores de baixa renda, cujas necessidades legítimas de emprego, melhores
condições de moradia, saúde e educação não foram atendidas, pois em muitos
casos tais políticas resultaram no desvio de recursos da política social para o
suporte aos negócios.
Até mesmo o pretendido efeito trickle down1, a ideia de que os
benefícios dos grandes projetos urbanos também podem beneficiar a população

1
Trickle down foi um conceito da teoria econômica neoliberal usado pelos governos Margareth
Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos, que pregava que a diminuição dos
impostos, especialmente para as grandes empresas e investidores, poderia estimular a economia
como um todo. Para maiores informações, ver: The Guardian, 2014. Revealed: how the wealth
6 Apresentação: intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina:
o que aprender com elas?
local, não ocorreu (Robson, Parkinson e Bradford, 1994). Mais do que isso, no
longo prazo, a implementação desses projetos geralmente traz consigo a
“expulsão” da população mais pobre, que não consegue conviver com o
incremento nos valores do preço dos imóveis, e é gradualmente substituída por
classes sociais mais ricas, processo esse que ficou conhecido pelo termo
gentrificação2 (Bidou-Zachariasen, 2006; Glass, 1964).
No Brasil e na América Latina, o processo da reformulação das
políticas urbanas ocorreu a partir dos anos 1990, como resultado da ação
combinada das agências multilaterais (BID, Banco Mundial e FMI) e de urbanistas
consultores internacionais, principalmente catalães, baseados no sucesso das
intervenções para os Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona (Vainer, 2000).
A crise econômica da Década Perdida trouxe a justificativa
ideológica necessária aos governos de diversas esferas para a adoção do
neoliberalismo e do monetarismo. Da mesma forma que nos países de
capitalismo avançado, os ditames da cartilha urbana neoliberal aportaram nas
cidades latino-americanas, ocasionando a desregulação urbanística e o
estabelecimento de parcerias público-privadas na implementação das grandes
intervenções urbanas, estimulando o mercado imobiliário, em projetos tais
como: Puerto Madero em Buenos Aires; a recuperação urbana do Pelourinho
em Salvador; as operações urbanas Faria Lima e Água Espraiada em São Paulo;
os projetos para os Jogos Pan-Americanos de 2007 e Jogos Olímpicos de 2016
na cidade do Rio de Janeiro; e, mais recentemente, o Cais Estelita no Recife.
Contudo, no contexto do capitalismo periférico, o descompasso
entre o discurso e a prática se torna mais evidente, pois as cidades se
estruturaram historicamente de maneira fragmentada, concentrando
investimentos nas áreas mais ricas, com enormes diferenciações espaciais e
déficits sociais, os quais as políticas urbanas nunca chegaram a resolver. Dessa
forma, os impactos sociais das grandes intervenções urbanas tendem a ser mais
fortes e mais graves. Assim sendo, parece ser extremamente importante avaliar a
prática dessas intervenções urbanas tomando como balizador a contribuição para

gap holds back economic growth. Disponível em:


http://www.theguardian.com/business/2014/dec/09/revealed-wealth-gap-oecd-
report?CMP=fb_gu. [Acesso em: 14 de maio de 2015].
2
Do inglês gentrification – proveniente da palavra gentry, termo que identifica a classe social logo
abaixo da nobreza, cuja tradução mais próxima para o português seria “enobrecimento”.
Eduardo Nobre
Jorge Bassani
7
a promoção de cidades menos ou mais fragmentadas e desiguais no contexto
latino americano.
Foi justamente em função das questões levantadas e da
necessidade de compreensão de qual é o significado da implementação desse
tipo de intervenção urbana recente no contexto Latino Americano, que o
NAPPLAC-USP (Núcleo de Apoio à Pesquisa: Produção e Linguagem do
Ambiente Construído) lançou a chamada para o livro “Intervenções urbanas em
áreas em transformação de cidades da América Latina”.
Laboratório vinculado à Reitoria da Universidade de São Paulo, o
NAPPLAC constituiu-se, no início dos anos 1990, com o intuito de promover
pesquisas sobre a produção e apropriação do espaço urbano, trabalhando-o
enquanto construção social, procurando desvendar a lógica de sua produção e
localização das redes de infraestrutura, do setor imobiliário e do setor da
Construção Civil. Atualmente, uma das ênfases das pesquisas em curso é o
estudo das recentes transformações urbanas latino-americanas, através da
identificação de elementos, processos e questões relativas à produção e
apropriação do espaço urbano no plano teórico – identificando conceitos e
grades conceituais correspondentes a diferentes disciplinas ou campos
disciplinares - e no plano empírico - examinando os processos sociais e seus
correspondentes espaciais em projetos urbanos concretos.
Dessa forma, pesquisadores das mais diversas formações
acadêmicas, de diversas instituições e laboratórios de pesquisa nacionais e latino-
americanos submeteram trabalhos referentes ao tema do livro. Os artigos aqui
apresentados representam um espectro da produção intelectual crítica a respeito
do tema com visões das intervenções que ocorreram em cidades de várias
regiões do Brasil, da Argentina e do México. O livro está dividido em três partes,
pois os artigos foram agrupados conforme temas preponderantes.
A primeira parte, “Megaeventos esportivos e intervenções urbanas:
impactos da Copa do Mundo FIFA 2014”, traz três artigos que procuram
compreender os impactos das intervenções urbanas que foram realizadas para
adaptar as cidades do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza para a realização
da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil. O evento foi publicizado como a
grande oportunidade do país para renovar áreas e infraestruturas urbanas
obsoletas e ineficientes, nos moldes do que ocorreu com as cidades que
acolheram grandes eventos esportivos desde a emblemática Olimpíada de 1992,

8 Apresentação: intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina:


o que aprender com elas?
em Barcelona. Vários setores criaram grandes expectativas em relação ao
“legado” da Copa. No entanto, em sua grande maioria, essas expectativas foram
frustradas. Os artigos deste capítulo lançam luz e promovem reflexões a respeito
dos processos específicos de cada cidade, que conduziram a essas frustrações.
O primeiro deles nos traz os contornos da reforma do maior ícone
do futebol brasileiro, o estádio construído para abrigar a malfadada final da
primeira Copa realizada no Brasil, em 1950. Trata-se de “A reforma do Estádio
do Maracanã para a realização da Copa do Mundo 2014: impactos sociais e
urbanos” de Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Glauco Bienenstein,
Giselle Tanaka, Rosane Rebeca de Oliveira Santos, Mariana do Carmo Lins,
Felippe Fideles, Felipe Carvalho Nin Ferreira, Janaína Pinto e Lucas Faulhaber,
realizado com base em pesquisa concluída pelo grupo em 2014.
Para compreender o impacto da reforma do Estádio Jornalista
Mario Filho (o Maracanã) em termos urbanos e sociais, o artigo tensiona as
relações entre os “grandes projetos urbanos” e os processos de estruturação e
apropriação social do espaço urbano. Com esta finalidade, apresenta aspectos
do projeto de reforma e do contexto sociopolítico de sua execução a partir de
pesquisas que se desenvolvem em torno de uma leitura do empreendimento
em sua relação com aspectos políticos, institucionais, simbólicos, arquitetônico-
urbanísticos, socioambientais, fundiários e econômico-financeiros. Em
contraponto à noção de “legado”, fundamental no discurso oficial de legitimação
de megaeventos, busca-se apreender o alcance da reforma do Maracanã em
suas interfaces com diferentes aspectos da realidade social.
“Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbanos na Copa
2014” de João Rovati aborda a presença da Copa na capital gaúcha. O artigo se
propõe a sustentar a hipótese de que os projetos urbanos gestados durante os
preparativos da Copa do Mundo de 2014 indicam a emergência de um novo
programa para o urbanismo público no país, legitimado essencialmente no
“direito à acumulação de riqueza”. A hipótese proposta pelo artigo é
desenvolvida tendo como base a observação de que o novo programa politiza
ao extremo as ações e operações realizadas pelos governos em nome do
interesse público, enfraquece o urbanismo como campo do conhecimento e,
aos poucos, condena os urbanistas que o servem à invisibilidade. A sustentação
das bases analíticas colocada pelo artigo consiste de um apanhado histórico das
relações existentes entre o urbanismo público e coalisões políticas em Porto
Alegre como pano de fundo.
Eduardo Nobre
Jorge Bassani
9
O último artigo deste capítulo apresenta os impactos das
intervenções para a Copa do Mundo FIFA 2014 em uma cidade do Nordeste
brasileiro. De autoria de Larissa Viana é intitulado, “Copa do mundo e legado
para quem? O furacão copa em Fortaleza – Ceará”. A pergunta colocada de
início é a questão número um dos grandes projetos urbanos: quem ganha e
quem perde com a sua implantação? Para abordar a questão, Larissa busca
compreender os impactos causados com a realização do megaevento na vida da
população de baixa renda da cidade de Fortaleza – CE. Inicialmente propõe
compreender o processo pelo qual as grandes cidades brasileiras estão passando
no intuito de adentrar à chamada globalização. Em seguida, coloca as obras para
a Copa na perspectiva de formulação dessa imagem globalizada de cidade por
meio de investimentos em grandes equipamentos e infraestrutura para receber
eventos na escala internacional. Conclui que, com os investimentos por parte do
poder público, a população pobre e excluída da sociedade é a grande perdedora
no processo, pois está sendo removida para áreas distantes, não usufruindo,
assim, desses investimentos e agravando a sua situação de precariedade.
A segunda parte, “Intervenções Urbanas em Áreas Centrais:
estratégias para o reforço da centralidade”, apresenta três artigos dedicados a
investigar a atuação do poder público da Cidade do México, São Paulo e
Mendoza, na Argentina, nas tentativas de reafirmação de áreas dessas cidades
como principal centro das atividades terciárias de comércio, serviços e turismo.
Dois deles, Cidade do México e Mendoza trazem como situação áreas de
expansão urbana e os esforços para as caracterizarem como novas centralidades.
O artigo sobre São Paulo estuda as polêmicas tentativas de projeto para o
histórico bairro da Luz, junto ao Centro da cidade, com a mesma finalidade de
reafirmação da condição de centralidade, tendo como condição necessária a
renovação funcional e populacional da área.
O primeiro destes artigos é “La reconstrucción del Paseo de la
Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las contradicciones del urbanismo
neoliberal” de Lisett Márquez López. Ele traz reflexões sobre o projeto de
intervenção sobre sítio de longa história (em termos latino-americanos). O
Paseo cumpriu papel protagonista no desenvolvimento econômico e na
expansão territorial da Cidade do México desde 1866. Ao longo de sua história
sofreu uma série de transformações passando por períodos de apogeu e de
decadência. Nos últimos 14 anos, tem sido objeto de intervenções promovidas

10 Apresentação: intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina:


o que aprender com elas?
pelo capital imobiliário no âmbito da aplicação das políticas urbanas e
econômicas neoliberais. O artigo desenvolve análises das contradições do
ambicioso projeto de renovação urbana para transformação do Paseo em um
moderno corredor urbano terciário, sob a lógica da acumulação do capital,
exclusivo e excludente, gerador de fortes desigualdades sócio-territoriais.
Paradoxalmente, essas atividades coexistem espacialmente e cotidianamente
com as manifestações de protesto e reinvindicações dos movimentos sociais e
políticos de oposição.
O artigo, “O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de
exclusão e resistência popular” de Simone Gatti, apresenta uma análise do
Projeto Nova Luz, lançado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, em 2005,
com o objetivo de renovar um perímetro composto por 45 quadras no distrito
central de Santa Ifigênia, a partir da aplicação de um instrumento urbanístico sem
precedentes na legislação brasileira, a Concessão Urbanística. A principal
questão abordada por Simone é a participação da sociedade civil no Conselho
Gestor de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS-3), prevista para a área
no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo de 2002. Único veículo
de participação social efetiva formado durante o projeto, ele foi responsável pela
introdução de um processo de resistência popular e pela formulação de medidas
mitigadoras em prol da inclusão social e de garantias de atendimento habitacional
da população residente.
Finalizando a segunda parte, o artigo “Transformaciones recientes
en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas” de Maria Jimena
Sanhueza. Ele se propõe abordar os processos de transformação na cidade de
Mendoza a partir de uma perspectiva sociológica. O objeto de estudo é a região
de El Challao, na região metropolitana de Mendoza, Argentina. Historicamente,
constituiu-se de uma área de descanso e culto, mas que tem sofrido profundas
transformações geradas pelos movimentos populacionais e pelas políticas
urbanas recentes. Recentemente, o foco dos governos provincial e municipal
voltou-se para essa zona a partir de um “Plano de Desenvolvimento Turístico
Sustentável”. O artigo confronta as múltiplas escalas das transformações, da
nacional à local, no intuito de demonstrar como a reprodução de mecanismos já
conhecidos de gentrificação evidencia a complexidade alcançada pelos
fenômenos urbanos.
A terceira parte, “Intervenções urbanas nas áreas de fronteira do
capital: expansão urbana e requalificação ambiental”, traz três exemplos que
Eduardo Nobre
Jorge Bassani
11
tratam das questões ambientais na cidade de formas bem diferentes. Dois deles,
no contexto específico da Região Norte do Brasil, um em Belém e outro em
Manaus, onde as grandes intervenções urbanas ocorrem em áreas com
características fundiárias e ambientais bastantes específicas e com toda a
complexidade do ecossistema amazônico. O terceiro, em outra linha de
requalificação ambiental, trata de estudo sobre a reciclagem de estruturas
urbanas abandonadas, no caso a linha ferroviária, configuradas como fronteiras
entre territórios intraurbanos, e suas estações em Santa Fé, Argentina.
“Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação
da expansão urbana de Belém do Pará” de José Júlio Ferreira Lima, Raul da Silva
Ventura Neto e Rebeca Silva Nunez Lopes é o primeiro dos artigos da Região
Amazônica. O artigo se inicia com uma análise mais abrangente sobre o
processo de urbanização recente no Brasil e na América Latina, onde as
interações entre o capital imobiliário e as ações do Estado têm como objetivo a
acumulação do capital, seja renovando áreas de ocupação obsoleta, seja abrindo
novas frentes imobiliárias. A partir daí, analisa o que tem ocorrido na cidade de
Belém, capital do estado do Pará, norte do Brasil, ao focar duas porções da área
de expansão na cidade, denominadas como “Nova Belém”. O artigo traz a
discussão sobre as condições financeiras, fundiárias e infraestruturais criadas para
a instalação de empreendimentos imobiliários, com ênfase na origem pública da
terra utilizada para a construção de condomínios fechados, shopping centers e
estabelecimentos de varejo e nas alterações fundiárias promovidas nas
propriedades, inclusive com desalienação de terras públicas e privadas nos
bairros de Val de Cães e Parque Verde. Os resultados demonstram que estaria
em curso, já há algum tempo, uma coalização entre gestores municipais e
empreendedores que, dentro dos limites de interesse de cada um dos lados,
tem definido a forma fragmentada e altamente especulativa de expansão urbana
na Região Metropolitana de Belém.
Também da Amazônia, o artigo “O Caso PROSAMIM: o programa
social e ambiental dos igarapés de Manaus”, de Selma Paula Maciel Batista,
desenvolve questões ambientais em outra escala. O artigo apresenta os
resultados gerados pelo Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus –
PROSAMIM realizado pelo Governo do Estado do Amazonas em parceria com
o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, para intervenções
urbanísticas, habitacionais e ambientais em cursos d’água da bacia hidrográfica do

12 Apresentação: intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina:


o que aprender com elas?
Educandos e São Raimundo, em Manaus. Com as primeiras ações iniciadas no
ano de 2004 e, ainda em andamento, a autora analisa o período entre 2004 e
2012. O texto fundamentado em fontes documentais primárias e secundárias
divide-se em quatro partes. Na primeira, contextualiza a evolução urbana de
Manaus. A segunda, apresenta exemplos de modelos de renaturalização e
aborda as ações do PROSAMIM, como uma possibilidade de recuperação dos
recursos hídricos. Na terceira parte descreve as características da área do
projeto, com dados referentes ao cenário anterior e posterior a intervenção,
descrevendo os principais produtos gerados. Na quarta parte, com base na
expectativa de resultados previstos pelo BID, fundamenta a discussão sobre os
benefícios gerados e os custos da transferência do ônus socioambiental a partir
dos fatos e dados apurados.
No terceiro artigo desta parte, Ricardo Robles destaca,
incialmente, o processo de obsolescência das ferrovias nas cidades argentinas
(processo recorrente em todo o continente), seguido da posterior degradação
da estrutura existente e sua condição atual de fronteira urbana. Seu título é “El
ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada” e se dedica a estudar os
impactos urbanos das infraestruturas ferroviárias na cidade de Santa Fe desde o
século XIX, mas com especial interesse nas suas condições atuais sob a
perspectiva de possibilidades de intervenções urbanas. Considerando que
atualmente os espaços da ferrovia têm um significado social complexo, produto
da diversidade de situações reconhecidas em todo o processo - abandono,
subutilização, invasões e novas intervenções estatais - o autor apresenta parte de
estudo pormenorizado de algumas das estações com o intuito de gerar uma
compreensão mais profunda do assunto, considerando a importância das
diferentes escalas urbanas envolvidas e a troca dos fluxos nesses espaços. Como
resultado, tem sido identificado problemas e potencialidades no que poderiam
ser considerados espaços com a grande capacidade de mudança para um
desenvolvimento local e metropolitano.
A seleção dessa diversidade de temas e de localidades do livro
fornece ao leitor uma visão panorâmica e instigante sobre as intervenções
urbanas recentes em áreas em transformação de cidades da América Latina.
Com isso, o livro espera poder contribuir com a discussão atual que vem
ocorrendo sobre as estratégias e os impactos das políticas e dos projetos
urbanos contemporâneos. Desejamos a todos uma boa leitura.

Eduardo Nobre
Jorge Bassani
13
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Bidou-Zachariasen, C. (org.), 2006. De volta à cidade: dos processos de
“gentrificação” às políticas de "revitalização" dos centros urbanos. São Paulo:
Annablume.

Fainstein, S., 2001. The city builders: property development in New York and
London 1980-2000. Oxford: Blackwell Publishers.

Glass, R., 1964. London: aspects of change. Londres: MacGibbon & Kee.

Harvey, D., 1996. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da


administração urbana no capitalismo tardio. Espaço & debates, v. 39, NERU, pp.
48-64.

Judd, D., Parkinson, M. (orgs.), 1990. Leadership and Urban Regeneration.


Newburry Park: Sage Publications.

Smith, M. e Feagin, J. (orgs.), 1987. The capitalist city: global restructuring and
community politics. Oxford: Blackwell Publishers.

Robinson, F., 1989. Urban Regeneration Policies in Britain in the late 1980s:
Who Benefits? New Castle upon Tyne: Centre for Urban and Regional
Development Studies, University of New Castle upon Tyne.

Robson, B., Parkinson, M. e Bradford, M. G., 1994. Assessing the impact of


urban policy. Londres: HMSO.

The Guardian, 2014. Revealed: how the wealth gap holds back economic
growth. Disponível em:
http://www.theguardian.com/business/2014/dec/09/revealed-wealth-gap-oecd-
report?CMP=fb_gu. [Acesso em: 14 Maio 2015]

Vainer, C., 2000. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia


discursiva do planejamento estratégico. In: Arantes, O., Vainer, C. e Maricato, E.
A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. São Paulo: Editora
Vozes, pp. 75-103.

14 Apresentação: intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina:


o que aprender com elas?
PARTE I:

MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E INTERVENÇÕES


URBANAS: IMPACTOS DA COPA DO MUNDO FIFA 2014
A REFORMA DO ESTÁDIO DO MARACANÃ PARA A
REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO 2014: IMPACTOS
SOCIAIS E URBANOS

LA REFORMA DEL ESTADIO “MARACANÔ PARA LA


REALIZACIÓN DEL MUNDIAL DE FUTBOL 2014:
IMPACTOS SOCIALES Y URBANOS

Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Glauco Bienenstein, Giselle Tanaka,


Rosane Rebeca de Oliveira Santos, Mariana do Carmo Lins, Felippe Fideles,
Felipe Carvalho Nin Ferreira, Janaína Pinto e Lucas Faulhaber

Fabricio Leal et al.


17
RESUMO
Este artigo discute os impactos urbanos e sociais da reforma do
Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã) no Rio de Janeiro, com base em
pesquisa concluída em 2014. O objetivo é trazer novos elementos para o
debate sobre grandes projetos urbanos e sua relação com os processos de
estruturação e apropriação social do espaço urbano. Após uma apresentação
sintética do projeto de reforma do estádio e do contexto sociopolítico carioca,
são apresentadas as principais conclusões da pesquisa, que se desenvolve em
torno de uma leitura do empreendimento em sua relação com aspectos
políticos, institucionais, simbólicos, arquitetônicos-urbanísticos, socioambientais,
fundiários e econômico-financeiros. Em contraponto à noção de “legado”,
fundamental no discurso oficial de legitimação de megaeventos, busca-se
apreender o alcance da reforma do Maracanã em suas interfaces com diferentes
aspectos da realidade social.
Palavras-chave: Megaeventos, Copa do Mundo 2014, Rio de
Janeiro, Maracanã, planejamento urbano.

RESUMEN
Este artículo analiza los impactos urbanísticos y sociales de la
reforma del Estadio Periodista Mario Filho (Maracanã) en Río de Janeiro, en base
a la investigación realizada en el año 2014. El objetivo es traer nuevos elementos
al debate sobre los grandes proyectos urbanos y su relación con los procesos de
estructuración y apropiación del espacio urbano. Tras una breve presentación
del proyecto de renovación del estadio y del contexto sociopolítico de Río, se
presentan las principales conclusiones de la investigación, que se desarrolla en
torno a una lectura del referido proyecto en su relación con los aspectos político,
institucional, simbólico, arquitectónico, urbano, social, ambiental y económico-
financiero. En contrapunto con la noción de "legado", clave en el discurso oficial
de la legitimación de los mega-eventos, buscamos comprender el alcance de la
reforma del Maracanã en sus interfaces con diferentes aspectos de la realidad
social.
Palabras clave: Mega Eventos, Mundial de Fútbol 2014, Río de
Janeiro, Maracanã, planificación urbana.

18 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
INTRODUÇÃO
No século XXI, a cidade do Rio de Janeiro ganhou visibilidade no
cenário nacional e internacional em função de ter sido escolhida como sede dos
Jogos Pan-americanos de 2007, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas
2016, além de outros eventos realizados na cidade, como a Jornada Mundial da
Juventude e a Copa das Confederações, em 2013, e a Conferência das Nações
Unidas Rio + 20, realizada em 2012.
Este artigo, que tem como base pesquisa realizada sobre impactos
urbanísticos e socioeconômicos da reforma do Estádio Jornalista Mário Filho1
(Maracanã), busca trazer novos elementos para o debate sobre grandes projetos
urbanos e sobre sua relação com os processos de estruturação e apropriação
social do espaço urbano. Após uma apresentação inicial do contexto carioca e de
algumas informações básicas sobre a reforma que envolve o estádio e o seu
entorno, são apresentadas as principais conclusões da pesquisa que se
desenvolvem em torno de uma leitura do empreendimento em sua relação com
aspectos políticos, institucionais, simbólicos, arquitetônico-urbanísticos,
socioambientais, fundiários e econômico-financeiros (Vainer et al, 2012).

O “NOVO MARACANÔ: PRINCIPAIS TRAÇOS DE UMA REFORMA


EM CURSO
Competitividade, inserção na economia global e promoção da
imagem da cidade são as palavras de ordem que melhor definem as orientações
para a política urbana municipal carioca desde que Cesar Maia assume a
Prefeitura do Rio de Janeiro, em 1993. Os prefeitos Luiz Paulo Conde e, mais
tarde, Eduardo Paes, dão continuidade a essa orientação política e ideológica e
compõem, juntos, um longo período2 de estreita articulação entre poder público
e empresariado na definição de prioridades e políticas urbanas, que se

1
A pesquisa foi desenvolvida no período entre agosto de 2013 e fevereiro de 2015 por
professores e pesquisadores do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense (EAU/UFF), como parte do projeto Contribuição da
Universidade Federal do Rio de Janeiro para o acompanhamento e avaliação das obras destinadas
à Copa do Mundo 2014: levantamento de oportunidades e cadeias produtivas , executado pela
UFRJ com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
2
Entre 1993 e 2014, foram prefeitos do Rio de Janeiro Cesar Maia (1993-1996 e 2001-2008),
Luiz Paulo Conde (1997-2000) e Eduardo Paes (de 2009 em diante).
Fabricio Leal et al.
19
estenderá, pelo menos, até 2016. A realização de megaeventos, com suas
promessas de promoção da cidade, atração de investimentos e transformação
urbana, é uma das formas de expressão dessa forma de gestão pública,
defendida não apenas pelos prefeitos cariocas, mas, também, pelo atual governo
estadual.
A maior parte dos gastos envolvidos são públicos e compreendem
principalmente investimentos federais (investimentos diretos ou empréstimos
subsidiados), mas há importantes gastos estaduais e municipais. Os ganhos, por
sua vez, geralmente premiam estratégias de acumulação de agentes
internacionais e nacionais, além de ações oportunistas de agentes locais.
Por um lado, grandes empresas brasileiras empreiteiras de obras e
serviços públicos como Odebrecht e OAS, entre outras, ampliam ainda mais seu
poder sobre a cidade, vencem licitações e estão envolvidas na maior parte dos
projetos relacionados à Copa do Mundo ou às Olimpíadas, como a implantação
de sistemas rodoviários de Bus Rapid Transit em grandes vias, a ampliação do
metrô, a reforma do Estádio do Maracanã e a renovação da área portuária (IMD,
2014).
Por outro lado, desde que o Rio de Janeiro emergiu como cidade
olímpica, o recurso às remoções de comunidades de baixa renda parece ter se
constituído na opção preferencial da política urbana, o que tem favorecido
estratégias locais de valorização fundiária. Na imagem internacional que a
Prefeitura quer projetar do Rio Olímpico não há lugar para esta justaposição de
tecidos (formal e informal) tão comuns na cidade (Sánchez, 2014).
Para agravar a situação, os partidos políticos que controlam os
governos municipal, estadual e federal são aliados desde 2009, a partir da
primeira eleição de Eduardo Paes, o que silenciou quase toda a oposição
institucional às ações governamentais. Contudo, há resistências, como aquela
que se constitui por meio do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, uma
esfera pública de denúncia e resistência às remoções e a outras ações
relacionadas ao processo de realização desses eventos.
A reforma do Maracanã, concluída em abril de 2014, traz mais
insumos e permite atualizar o debate sobre os megaeventos, em especial no
que se refere à sua relação com a implementação de políticas públicas que
aumentam a concentração de poder e renda e a privatização de espaços e
serviços públicos. O principal agente público, nesse caso, é o Governo do
Estado do Rio de Janeiro, proprietário do Estádio do Maracanã e responsável

20 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
pelo processo de reforma e concessão privada da gestão do equipamento. O
momento político também é outro, enriquecido pelas manifestações de junho
de 2013 que exigiram, pelo menos no início, uma mudança de postura da
administração pública estadual.

O Complexo do Maracanã
O chamado “Complexo do Maracanã” é formado pelo Estádio do
Maracanã e por um conjunto de equipamentos públicos situados na mesma
quadra no bairro do Maracanã, na zona norte carioca. A construção do Estádio
se inicia em 1948, e o complexo esportivo – que inclui o ginásio Maracanãzinho,
o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio Delamare - é
concluído apenas em 1965. Compõem ainda o Complexo Maracanã a Escola
Municipal Friedenreich, o antigo Museu do Índio e os prédios inicialmente
ocupados por órgãos do Ministério de Agricultura.
Inaugurado em 1950, o Maracanã foi projetado inicialmente para
receber 150 mil pessoas3. Ao longo dos anos, sucessivas reformas, iniciadas
ainda no início da década de 1980, viriam a reduzir a capacidade do estádio à
metade. Em 1999, foram feitas reformas para atender a exigências da FIFA para
a realização do Mundial de Clubes de 2000. Posteriormente, para a adequação
do estádio aos Jogos Pan-Americanos de 2007, as mudanças foram maiores e
mais radicais, e incluíram a supressão da “geral”, setor com ingressos populares
onde as pessoas assistiam ao jogo em pé. Começava, assim, uma tendência
progressiva de elitização dos torcedores, que viria a se completar com a última
reforma, concluída em 2014.

O “Novo Maracanã”
Poucos meses após os jogos Pan-Americanos, a FIFA anunciou o
Brasil como a sede do Mundial de 2014, e um novo período de adaptação do
Estádio começou. O projeto de reforma então elaborado obedecia às exigências
constantes nos cadernos de encargo entregues pela FIFA às cidades-sede.
Além das modificações no estádio de futebol, o projeto previa a
demolição do estádio de atletismo Célio de Barros, do parque aquático Júlio
Delamare, além da escola municipal Friedenreich e do prédio do antigo Museu

3
Esses números seriam recorrentemente superados e, em muitas ocasiões, o estádio recebeu
mais de 190 mil torcedores.
Fabricio Leal et al.
21
do Índio, ocupado pelo movimento indígena intitulado “Aldeia Maracanã”4. Entre
as justificativas para essas demolições destacavam-se a construção de
estacionamentos e de um shopping center, que fariam com que o estádio
atendesse às exigências da FIFA por vagas para carro, além de se tornarem um
importante atrativo comercial para que a iniciativa privada finalmente se
interessasse pela concessão da administração do Estádio, elemento fundamental
da estratégia do governo do estado para a manutenção do equipamento.
O Novo Maracanã, como tem sido chamado, foi totalmente
reformulado, ficando com sua capacidade reduzida para 79 mil espectadores.
Entre as principais modificações, estão a implantação de uma cobertura de
membrana tencionada, a reconstrução total das arquibancadas, o aumento da
área de camarotes e áreas “Vips” e a separação do público em um número
maior de setores. Também foram reformulados os vestiários, salas de imprensa,
banheiros públicos, lanchonetes e demais serviços. O gramado foi rebaixado, e
um novo sistema de drenagem com muito maior capacidade foi instalado. O
resultado de todas essas modificações foi o vertiginoso aumento do preço dos
ingressos e uma mudança radical no perfil do público que passou a frequentar o
Maracanã. Os ingressos mais baratos, em meados de 2014, estavam na faixa de
R$70,00, o que tornava praticamente inviável a presença da população de baixa
renda.

O entorno do estádio
A região de implantação do Estádio do Maracanã é bem servida
por transporte público de massa, com estações de trem e metrô próximas ao
estádio, situado a menos de 15 minutos de distância do centro da cidade por
transporte coletivo. Ao longo da linha férrea, que separa os bairros de classe
média, ao sul, da favela da Mangueira, ao norte, se desenvolve um dos mais
importantes eixos rodoviários da cidade, composto por largas avenidas que
fazem a conexão entre o centro e a zona norte.
Entre os elementos que compõem o entorno imediato do estádio
podem ser destacados o campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ), a favela Metrô-Mangueira, parcialmente removida, e, do outro lado da

4
A ocupação do Museu por grupos indígenas de diversas etnias começou em 2006, com apoio de
movimentos sociais e ativistas autônomos (CPCORJ, 2014).
22 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e
urbanos.
linha férrea, a favela da Mangueira, os conjuntos habitacionais do programa
Minha Casa Minha Vida Mangueira I e Mangueira II e a Quinta da Boa Vista.

Figura 1: Estádio do Maracanã e elementos do entorno.

Base: Google Earth, 2014. Elaboração dos autores.

“Impactos” sociais e urbanísticos da reforma do Maracanã


A discussão em torno do “legado” da Copa do Mundo – e também
das Olimpíadas – no Brasil é a forma como os discursos oficiais dos governos
federal, estaduais e municipais têm se referido aos supostos efeitos econômicos
dos megaeventos e aos seus resultados materiais e imateriais. Segundo Novais e
Soares (2011):
“A noção de legado indicaria que os esforços e vultosos recursos
empregados garantem efeitos benéficos perenes em diferentes
áreas (esportiva, segurança pública, urbanística, entre outras).
Supõe um gasto público objetivado, portanto, mensurável, ou seja,

Fabricio Leal et al.


23
que pode se distinguir do argumento mais abstrato (dinamização da
economia local) por seu grau de elaboração e acuidade”
O “legado” geralmente é associado a efeitos positivos
supostamente gerados pelos grandes projetos que fazem parte do portfolio dos
megaeventos e a sua eficácia discursiva é avaliada em função da promoção do
consenso em torno da realização do evento, da legitimação de determinados
investimentos públicos e prioridades e, certamente, da prevenção e/ou
eliminação de conflitos e tensões sociais (Novais et al., 2011).
A perspectiva crítica, por sua vez, ilumina não apenas as
possibilidades “virtuosas” dos projetos, mas, também, esforça-se por apreender
o alcance dos projetos em suas interfaces com diferentes aspectos da realidade
social. É essa orientação metodológica que irá informar a análise e que permitirá
a identificação de relações gerais ou específicas entre os megaeventos/projetos
com os processos de reprodução e apropriação social do espaço urbano. Essas
relações frequentemente são percebidas como “impactos” e podem ser lidas a
partir de diferentes ênfases, conforme o aspecto que se pretende iluminar
(Vainer et al., 2012). Como veremos nos tópicos a seguir, os “impactos” sociais
e urbanos se impõem definitivamente como resultados da reforma do Maracanã,
enquanto os benefícios pontuais ou específicos apequenam o suposto “legado”
da Copa.

Decisões governamentais e resistências


As decisões públicas envolvendo recursos, espaços e
equipamentos públicos relacionados à Copa do Mundo 2014 são tomadas e
implementadas sem os devidos processos legais. Os projetos não são
apresentados para o debate público, e os processos que envolvem as decisões e
as contas públicas não são transparentes. Documentos supostamente públicos
não são disponibilizados à sociedade, sequer quando solicitados formalmente.
Grupos de atingidos pelas obras somente foram ouvidos depois da
realização de diversas iniciativas envolvendo ações judiciais, pressões sobre o
legislativo, atos e denúncias públicas, veiculadas principalmente na mídia
internacional, uma vez que a mídia local raramente cede espaço para a
publicação desses acontecimentos.
Antes das manifestações de junho de 2013, o governo estadual era
inflexível sobre a reforma do Complexo do Maracanã. Foram promovidas várias

24 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
mobilizações contra a concessão privada do estádio, a expulsão dos ocupantes
da Aldeia Maracanã, a remoção da favela Metrô-Mangueira e a demolição de
equipamentos esportivos e da Escola Municipal Friedenreich. Grande parte
dessas manifestações foi organizada pelo Comitê Popular da Copa e das
Olimpíadas5. Por outro lado, atletas se manifestavam contra a incoerência da
destruição de equipamentos esportivos como parte dos preparativos dos
megaeventos. Mas nada afetava as decisões já tomadas ou a popularidade do
governador Sergio Cabral, que gozava de apoio do governo federal. Protestos
foram reprimidos com violência, especialmente no caso da Aldeia Maracanã, mas
a trajetória do governo parecia incólume.
Com as manifestações de junho de 2013 e a extrema violência da
repressão policial – uma coisa reforçando a outra -, o governador se tornou um
dos principais focos de demandas, e “fora Cabral” era um dos slogans mais
ouvidos nas ruas. Sua popularidade despencou, boatos de renúncia se
espalharam, e casos antigos de apropriação privada de recursos públicos
(especialmente o uso de helicópteros do governo para passeios familiares)
voltaram aos jornais.
E o que parecia impossível aconteceu: acuado, o governador veio a
público dizer que não ia mais demolir os equipamentos esportivos. A luta política
mudava o curso dos acontecimentos e alterava as decisões de demolição do
Estádio Célio de Barros (parcialmente iniciada, com a destruição do campo de
treinamento e sua transformação em estacionamento) e do Parque Júlio
Delamare. Pouco depois, a decisão de demolição da Escola Friedenreich
também era cancelada.
Essas conquistas, porém, não podem ser vistas como definitivas. As
promessas e compromissos do Governo do Estado com relação à reconstrução
do Estádio de Atletismo não foram formalizadas, e não há prazo para o seu
início. O Parque Júlio Delamare não foi demolido, mas encontra-se fechado, e
os funcionários foram demitidos a poucas semanas da Copa. Por outro lado, já
foram concretizadas perdas irreparáveis, como o fim dos setores populares do
estádio do Maracanã, a remoção violenta de parte das famílias da comunidade
Metrô Mangueira e a expulsão dos indígenas e outros residentes do antigo
Museu do Índio.

5
O Comitê é um espaço de articulação política, composto por movimentos sociais urbanos,
organizações não-governamentais, sindicatos, mandatos parlamentares, entidades de pesquisa e
organizações comunitárias, além de pessoas sem vínculo institucional (CPCORJ, 2014).
Fabricio Leal et al.
25
Exceções e inovações institucionais
Enquanto o processo de decisão relacionado à elaboração e gestão
dos projetos relacionados à Copa se mostrou impermeável à interferência da
população em geral, a participação de grupos empresariais na gestão pública
permaneceu acolhida de forma privilegiada, como mostram os espaços de
interlocução criados no contexto da realização da Copa do Mundo e a
articulação, no Rio de Janeiro, da Prefeitura e do Governo do Estado com
grandes empreiteiras de obras públicas na gestão de serviços públicos e na
promoção de grandes projetos.
Desde o anúncio da conquista do direito de sediar a Copa do
Mundo 2014, o governo brasileiro tornou evidente sua decisão de criar
condições especiais para os contratos e licitações públicas vinculados aos
megaeventos (Oliveira et al., 2014: p.100), como mostram, por exemplo, as leis
voltadas para flexibilizar o limite de endividamento dos municípios, alterar
disposições tributárias ou instituir o Regime Diferenciado de Contratações
Públicas nos casos relacionados a obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas6 .
A Lei Geral da Copa, Lei federal n. 12.633/2012, estabelece um conjunto de
exceções à ordem jurídica vigente abrangendo desde a exploração de direitos
comerciais, concessão de vistos, até a venda de ingressos (idem: p. 101).
Já no nível estadual, destacam-se as medidas para concessão
administrativa de gestão, operação e manutenção do Complexo Esportivo do
Maracanã e a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora no Complexo da
Mangueira, com efeitos significativos na apropriação social dos equipamentos
esportivos e do espaço urbano, nas remoções realizadas no entorno e nos
processos de valorização fundiária e de gentrificação.
No nível municipal, as medidas relacionadas diretamente à Copa
do Mundo envolvem alterações significativas na estrutura administrativa. Foram
criadas a Secretaria Especial da Ordem Pública (SEOP), a Secretaria Especial da
Copa 2014 e Rio 2016 (SERIO), extinta em 2011, e inovações institucionais
como o Conselho do Legado da Cidade, com participação de representantes do
poder executivo municipal e estadual, empresas públicas, comitês organizadores
da Copa e das Olimpíadas, associações empresarias e organizações não-
governamentais.

6
Lei nº 12.348/2010, Lei nº 12.350/2010 e Lei nº 12.462/2011.
26 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e
urbanos.
Já o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável,
aprovado em 2011, definiu que as áreas objeto e sob influência de
equipamentos para a Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016
estão incluídas como “áreas sujeitas à intervenção”, o que as credencia como
prioritárias para planos, projetos, obras ou instalação de regimes urbanísticos
específicos – ou excepcionais -, suscetíveis de serem definidas como Áreas de
Especial Interesse Urbanístico (AEIU) ou incluídas em Operações Urbanas
Consorciadas (OUC).

Disputas em torno dos sentidos e da apropriação social do “Novo Maracanã”


A recuperação da história do Maracanã permite realçar sua
importância como símbolo da cidade do Rio de Janeiro, reconhecido por
sujeitos do mundo dos esportes, da política e da cultura. Tal reconhecimento
transcendeu escalas e, desde a década de 50, se impôs, no Brasil e no mundo,
como elemento central da nacionalidade e do futebol na cultura popular
brasileira.
Diante da força simbólica que o constituiu enquanto patrimônio
material e imaterial, tanto sua feição arquitetônica quanto sua inscrição
urbanística como parte de um complexo de equipamentos estão imbricados, nas
representações e práticas sociais ao longo de sua história, ao esporte público e
popular. Assim, o Maracanã e sua apropriação social são marcados por disputas,
desde a época da discussão em torno da efetiva necessidade de construí-lo, até
as escolhas locacionais para inscrevê-lo, se deveria ser tombado ou não e, uma
vez tombado, o que de fato deveria ser preservado e o que precisaria ser
modernizado.
Nos dias atuais, o questionamento e os conflitos à sua volta
centraram-se no elevado investimento de recursos públicos e no modelo de
concessão empregados em sua reforma e modernização para a Copa do Mundo
de 2014. Estas disputas estão referenciadas às possibilidades de apropriação por
parte de diferentes grupos sociais, na defesa de seus interesses, cada qual
construindo seus próprios argumentos relacionados aos ganhos e perdas,
“legados” e “rupturas” advindos de sua reconfiguração socioespacial.
Se, por um lado, o discurso legitimador do projeto do Novo
Maracanã se valeu de argumentos como a necessidade de cumprir com
responsabilidades assumidas junto à FIFA, por outro lado, conforme tratado
anteriormente, a sociedade civil, organizada ou não, tem denunciado a
Fabricio Leal et al.
27
descaracterização, não apenas arquitetônica, do edifício, mas também os modos
como estas alterações têm rebatido diretamente na relação dos seus usuários
mais tradicionais com o espaço.
A diminuição gradativa da capacidade de público do estádio, a
extinção da chamada “geral”, a consequente elevação do preço dos ingressos, a
criação de mais “áreas vips” vinculadas à concepção das chamadas arenas para
um público world class e a imposição de uma “cartilha de comportamento do
torcedor”, são as condicionantes praticadas pelos seus gestores e promotores
como tentativas de ressignificação do Maracanã, condições estas contestadas
pelos sujeitos, coletivos e movimentos que, ao representá-lo, atualizam, nas
lutas sociais, seu consagrado caráter popular e democrático.
As intervenções feitas no estádio, assim como a logística e a
disposição espacial do aparato militar implementado no seu entorno durante os
jogos da Copa do Mundo reafirmaram, na materialidade das ações e nas suas
ordens de legitimação, o caráter seletivo e excludente do processo de
requalificação do espaço.
Entretanto, as disputas de sentidos em torno ao usufruto do
estádio e do Complexo do Maracanã continuam em pauta no contexto pós-
Copa do Mundo 2014 e de preparação dos Jogos Olímpicos 2016.

A descaracterização do estádio e a disputa em torno do tombamento pelo


IPHAN
O processo de tombamento do Maracanã teve início no ano de
1983, com a realização de estudos sobre os grandes estádios de futebol do país,
no intuito de contextualizar o estádio entre os exemplares arquitetônicos
existentes.
Em 1997, quando se discutiam intervenções para atender às
exigências da FIFA para o Mundial de Clubes, em 2000, surgem preocupações
com a descaracterização do complexo do Maracanã, uma vez que se
considerava a demolição de alguns dos equipamentos esportivos. É então
sugerida a delimitação do Estádio Mario Filho como bem tombado e uma
poligonal que engloba os demais edifícios do complexo como elementos do
entorno a serem também protegidos.
Em 1999, as instituições responsáveis são oficialmente
comunicadas do tombamento provisório do bem, consolidando a delimitação
acima descrita. Um ano depois, em 2000, após parecer favorável do Conselho
28 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e
urbanos.
Consultivo do IPHAN, o tombamento definitivo do Maracanã é homologado
pelo Ministério da Cultura, sendo a obra inscrita no Livro de Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.
O histórico de intervenções, no entanto, não iria parar por aí. Já na
preparação para a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, atendendo
exigências das entidades organizadoras, muitas mudanças foram realizadas,
inclusive a supressão da “geral”, o que abriu um importante precedente para que
intervenções maiores na arquitetura do estádio fossem realizadas.
Na reforma para a Copa do Mundo de 2014, o significado do
tombamento se tornou um dos pontos polêmicos centrais. As obras foram
iniciadas em 2010 e, já com elas em andamento, foi alegado o
comprometimento da estrutura da cobertura de concreto das arquibancadas, e
então sugerida a sua substituição por uma estrutura de aço e lona tensionada.
No parecer emitido à época sobre as modificações na cobertura, a
Superintendência Regional do IPHAN no Rio de Janeiro não se opõe, com base
no argumento de que o tombamento considerava apenas o caráter cultural
imaterial, uma vez que o estádio foi inscrito no livro de tombo Arqueológico,
Etnográfico e Paisagístico e não do livro das Belas Artes, onde figuram os
exemplares reconhecidos pela relevância arquitetônica.
Mais tarde, em agosto de 2011, quando da apresentação do
projeto de reforma ao Conselho Consultivo do IPHAN, muitos conselheiros
criticaram as intervenções realizadas e os argumentos utilizados para aceitá-las, e
manifestaram sua decepção com o desrespeito ao tombamento do estádio,
devido à total descaracterização do objeto efetivamente tombado. Contudo,
como não caberia ao Conselho Consultivo deliberar em nome da instituição, a
reunião terminou apenas com um registro em ata de uma posição de censura à
Superintendência Regional do Rio de Janeiro7.
Em 2011, uma ação civil pública movida pelo Ministério Público
Federal contra o IPHAN e a Empresa de Obras Públicas (EMOP), afirma que a
demolição da marquise descaracteriza o estádio e viola o tombamento do
Maracanã. No entanto, a acusação é negada pela 6ª Vara Federal, que, entre
outros argumentos, destaca os laudos técnicos que condenam a marquise do
estádio. O Ministério Público recorreu da decisão, e o processo ainda não tinha,
em dezembro de 2014, um desfecho final na justiça.

7
De acordo com a Ata da 68ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (IPHAN,
2014).
Fabricio Leal et al.
29
Processos de transformação e valorização fundiária
As tendências e as possibilidades de transformação fundiária na
região do Maracanã devem ser lidas no contexto geral da dinâmica imobiliária
carioca, que, vinculada a fatores mais abrangentes de caráter global e nacional
(crise imobiliária de 2008, ampliação do crédito habitacional, etc.), é também
impulsionada pelos investimentos realizados para a adequação da cidade às
Olimpíadas e à Copa do Mundo. Certamente, as obras do Complexo do
Maracanã e as ações complementares empreendidas no entorno influenciam em
alguma medida a distribuição de investimentos privados, potencializam
transformações e modificam expectativas e demandas dos moradores locais,
assim como possivelmente afetam, de diferentes maneiras, as representações
sociais atribuídas ao Maracanã e a áreas e bairros do seu entorno. Com exceção
das ações de despejo, remoção e reassentamento realizadas, contudo, não é
possível atribuir à reforma do Complexo a responsabilidade maior pelas
transformações em curso, especialmente no que diz respeito à dinâmica
imobiliária formal ao sul da via férrea.
Ao norte da via férrea, entretanto, a reforma do Maracanã pode
ter sido bem mais decisiva na transformação do uso do espaço, especialmente se
consideramos a influência da Copa nas medidas complementares implementadas
ou previstas na região. A instalação de uma Unidade de Política Pacificadora -
UPP no Complexo da Mangueira, as expectativas de melhorias de saneamento
na favela, a melhoria da acessibilidade para a região, advinda da construção de
novas passarelas sobre os trilhos e a construção dos conjuntos Mangueira I e II,
certamente podem ser diretamente relacionados a processos de valorização
fundiária em curso.
Mesmo essas transformações, contudo, não são observadas apenas
no entorno do Estádio, mas são compartilhadas por uma quantidade expressiva
de outras favelas da cidade, que, por diferentes razões – entre elas, a visibilidade
na mídia, a localização em áreas de interesse do capital imobiliário ou a
proximidade com as regiões de implantação de equipamentos e estruturas
relacionadas à realização dos megaeventos -, vêm recebendo Unidades de
Política Pacificadora e recursos significativos do Programa de Aceleração do
Crescimento para urbanização. Tudo indica que a realização dos megaeventos
no Rio de Janeiro influenciou de forma decisiva a distribuição de recursos
federais para a cidade, assim como reorientou as ações do governo estadual,
especialmente no que diz respeito à política de segurança e mobilidade urbana.
30 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e
urbanos.
Em suma, a não ser nos casos já apontados, não é possível
distinguir, no intenso dinamismo do mercado imobiliário da região, o que pode
ser atribuído especificamente às obras de reforma do Complexo Esportivo do
Maracanã, ainda que as intervenções no entorno permitam especulações acerca
da influência da reforma na valorização fundiária ou na apropriação social do
espaço.

Impactos socioambientais
A reforma do Maracanã implicou uma série de mudanças que
afetaram de forma diferente os moradores do entorno e os usuários dos
equipamentos esportivos.
O acesso social e o controle público sobre os equipamentos
existentes no Complexo do Maracanã se deterioraram após a reforma, que
implicou a redefinição das formas de apropriação social do Estádio, de forma a
excluir a participação da população de baixa renda. Por outro lado, as atividades
realizadas no Estádio Célio de Barros e no Parque Aquático Júlio Delamare
foram extintas e a sua posterior dispersão para outras áreas se deu de forma
reduzida e precária, com danos irreparáveis para atletas e usuários beneficiados
pelas políticas sociais desenvolvidas nesses equipamentos.
Como visto, as mobilizações sociais, das quais participaram
trabalhadores e usuários dos equipamentos existentes, lograram reverter a
decisão de demolição dos equipamentos esportivos e da Escola Municipal
Friedenreich, mesmo que não seja ainda conhecida plenamente a extensão nem
a estabilidade dessa vitória. Os funcionários, pais e alunos da Escola Friedenreich
ainda estão vigilantes quanto a novas reformas relacionadas à realização das
Olimpíadas 2016 e os atletas, usuários e os diversos apoiadores que se
mobilizaram contra a demolição dos equipamentos esportivos ainda não têm
informações sobre a reforma que será realizada pela concessionária Maracanã S.
A. e estão apreensivos com relação à possibilidade de retomada plena das
atividades anteriormente realizadas.
As pressões para a desocupação da favela Metrô-Mangueira e do
antigo Museu do Índio envolveram ações de violação de direitos humanos e o
desrespeito a convenções internacionais sobre processos de remoção e
reassentamentos. Os processos violentos de remoção observados tiveram
impactos duradouros e negativos sobre parte da população da favela (os que
aceitaram imediatamente a remoção estão hoje morando a dezenas de
Fabricio Leal et al.
31
quilômetros de distância) e sobre os ocupantes do Museu. Ao final, as famílias
de Metrô-Mangueira que resistiram às propostas de reassentamento na periferia
distante foram beneficiadas pela mudança da estratégia da Prefeitura que passou
a oferecer conjuntos habitacionais próximos e bem localizados junto ao
Complexo da Mangueira nos conjuntos habitacionais Mangueira I e Mangueira II.
Já as mobilizações sociais em torno da Aldeia Maracanã não foram suficientes
para garantir a permanência dos ocupantes, ainda que tenham impedido a
demolição do prédio, que será restaurado pelo governo estadual.
Certamente, ainda restam muitas questões a serem resolvidas com
relação à remoção da favela Metrô-Mangueira. A precariedade no acesso à
moradia na cidade fez com que parte das casas vazias fosse novamente ocupada
por famílias sem-teto, o que gerou novos conflitos que evoluíram até chegar ao
confronto e à repressão violenta por parte da polícia militar. Até o final de 2014,
apesar dos compromissos assumidos de reassentamento da população
residente, a situação de Metrô-Mangueira era ainda de extrema insegurança e
precariedade, com moradores convivendo com o lixo e o entulho dos prédios
demolidos.
Para os moradores do Complexo da Mangueira, a maior mudança
foi a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora que, se logrou melhorar as
condições de segurança, é alvo de críticas generalizadas pelas lideranças locais.
As operações da UPP, classificadas pelos moradores entrevistados na pesquisa
como truculentas, desrespeitosas ou abusivas, vieram acompanhadas pela
regularização e formalização dos serviços existentes, com o aumento das tarifas
cobradas, especialmente no que se refere à energia elétrica. De acordo com a
população entrevistada na Mangueira e nos conjuntos habitacionais, o principal
“legado” das obras do entorno do Complexo do Maracanã não é a UPP, mas a
construção de uma passarela ligando o norte da via férrea às estações de Metrô
e trem do Maracanã.
Finalmente, cabe registar que a dinâmica de valorização fundiária
observada nos bairros do Maracanã e entorno se encarregará de operar uma
elitização na apropriação social do espaço, sem eliminar ou diminuir, contudo, a
segregação socioespacial existente, mas reforçando, ao sul e ao norte da via
férrea, diferentes processos de gentrificação.

32 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
Gastos públicos, gestão privada e efeitos econômicos
De acordo com a Controladoria Geral da União, o preço final da
reforma do Estádio do Maracanã, calculado em 2013, foi de R$
1.050.000.000,00 (um bilhão e cinquenta milhões de reais) (Brasil, 2014). Se
somarmos todos os gastos com as reformas realizadas a partir de 1999,
contudo, os custos chegariam a R$ 2,4 bilhões de reais.
A licitação realizada pelo governo estadual para a administração do
complexo por 35 anos foi vencida pela Concessionária Maracanã S.A, composta
pelas empresas Odebrecht Properties, IMX Venues e Arenas, joint-venture
entre os Grupos EBX e IMG Worldwide, e a empresa americana AEG,
operadora de mais de cem arenas em 14 países8.
O grupo irá pagar 34 parcelas anuais de R$ 5,5 milhões, corrigidas
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e se
comprometeu a investir R$ 594,2 milhões em obras no entorno do Maracanã, o
que incluía inicialmente a demolição do estádio de atletismo, do parque aquático
e do Museu do Índio. Mais tarde, essas definições foram alteradas por meio da
celebração de um primeiro aditivo ao contrato, que exclui a previsão de
demolição das edificações e obriga a concessionária a reformar os equipamentos
esportivos.
O governo federal, mais especificamente setores do Ministério dos
Esportes, avalia que a Copa de 2014 foi um bom negócio, conforme se pode
depreender pelo fragmento de uma matéria recentemente publicada (Costas,
2014):
“O Mundial é uma oportunidade histórica para promovermos
desenvolvimento socioeconômico no âmbito local e nacional",
disse, por exemplo, Joel Benin, assessor para Grandes Eventos do
Ministério dos Esportes, no início do ano. “Ele gerará 3,6 milhões
de empregos, movimentará bilhões e deixará um legado
importante na área econômica”” [Aspas no original]
Contudo, nessa mesma reportagem é afirmado que: “consultorias
econômicas, como a Tendências e a Capital Economics, fizeram seus cálculos e
concluíram que o seu efeito geral sobre o PIB foi nulo ou insignificante. Mas
poucas esperavam um impacto negativo”.

8
Informações do sítio oficial do Maracanã em http://www.maracana.com/site/.
Fabricio Leal et al.
33
Por outro lado, o alegado impacto positivo da Copa sobre a
economia brasileira, mereceu críticas do próprio Ministro da Fazenda Guido
Mantega que, em entrevista a respeito dos efeitos de evento 2014 no PIB
brasileiro (Costas, 2014), afirmou:
““(A Copa) foi um sucesso do ponto de vista de organização. Do
ponto de vista da produção e do comércio, prejudicou”, disse
Mantega em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo e ao site de
notícias UOL há pouco mais de uma semana. “(Durante o evento)
tivemos muito poucos dias úteis. A produção industrial caiu e o
comércio cresceu pouco. De fato, não foi um bom resultado.””

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de transformação do Maracanã e de seu entorno ainda
está em curso e não se encerra nessa reforma nem com o fim da Copa do
Mundo 2014. A realização das Olimpíadas 2016 traz novas possibilidades e
incertezas sobre o projeto final do Maracanã. A instalação de um shopping
center em área próxima ou anexa ao complexo, por exemplo, como já foi
cogitado pelo governo estadual, pode gerar uma nova centralidade capaz de
atrair ainda mais investimentos. Esse novo equipamento, somado às obras do
entorno do estádio, ao grande potencial de renovação do espaço construído das
vizinhanças e à elaboração de novas diretrizes e leis urbanísticas, certamente
poderia transformar ainda mais a região. Assim, descontinuidades mais
importantes no processo de produção e apropriação social do espaço, mais
diretamente relacionadas às intervenções locais, poderiam ser observadas.
Contudo, espera-se que o desenvolvimento desse processo seja
acompanhado e transformado pelos mesmos movimentos sociais de resistência
que conseguiram alterar decisões públicas após as jornadas de junho de 2013.
Com a realização das Olimpíadas de 2016, novamente o Rio concentrará a
atenção da mídia internacional, e os resultados dessa exposição – como nos
mostrou a experiência da Copa das Confederações – são imprevisíveis.

34 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
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36 A Reforma do Maracanã para a realização da Copa do Mundo de 2014: impactos sociais e


urbanos.
PORTO ALEGRE: URBANISMO PÚBLICO E PROJETOS
URBANOS NA COPA 2014

PORTO ALEGRE: URBANISMO PÚBLICO Y PROYECTOS


PÚBLICOS URBANOS EN LA COPA 2014

João Farias Rovati

João Farias Rovati


37
RESUMO
A hipótese do artigo é a de que os projetos urbanos gestados
durante os preparativos da Copa do Mundo de 2014 indicam a emergência de
um novo programa para o urbanismo público no país, legitimado essencialmente
no “direto à acumulação de riqueza”. O novo programa politiza ao extremo as
ações e operações realizadas pelos governos em nome do interesse público,
enfraquece o urbanismo como campo do conhecimento e, aos poucos,
condena os urbanistas que o servem à invisibilidade. Tendo como pano de
fundo um apanhado histórico das relações existentes entre o urbanismo público
e coalisões políticas em Porto Alegre, o artigo debate a tese da falta de
planejamento no Brasil.
Palavras-chave: urbanismo público, projeto urbano, Porto Alegre,
Copa do Mundo.

RESUMEN
La hipótesis del artículo es que los proyectos urbanos gestados
durante los preparativos para la Copa Mundial de 2014 indican la aparición de un
nuevo programa para la urbanización pública en el país, esencialmente
legitimado el "derecho a la acumulación de la riqueza". El nuevo programa
politiza las acciones y operaciones extremas llevadas a cabo por los gobiernos en
el interés público, que debilita el urbanismo como campo de conocimiento y
gradualmente condena los planificadores que o sirven invisibilidad. En el contexto
de una visión histórica de la relación entre la planificación urbana y las coaliciones
políticas públicas en Porto Alegre, el artículo debate la tesis de la falta de
planificación en Brasil.
Palabras-clave: urbanismo, urbanismo público, proyecto urbano,
Porto Alegre, Copa del Mundo.

38 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


URBANISMO PÚBLICO
A noção de urbanismo público está no centro da reflexão proposta
neste artigo. Ela raramente é empregada no Brasil. Por exemplo, não
encontramos qualquer referência ao termo nos números da “Revista Brasileira
de Estudos Urbanos e Regionais” publicados desde 2004; nesse período,
entretanto, com ou sem adjetivações, a palavra urbanismo foi ali mencionada
960 vezes.
Em trabalho publicado em 2005, Max Walch Guerra refere-se ao
termo e ao tema. O urbanismo público, nascido na Europa no século 19, foi:
“implementado como um conjunto de instrumentos de atuação do
poder público sobre o âmbito privado, baseado em um Estado
central ou poder local, posteriormente também regional, que
planifica regulando o desenvolvimento urbano e territorial e
intervém através de leis, investimentos diretos e mecanismos
indiretos de regulação fiscal” (Guerra, 2005: 9-10).
O programa do urbanismo daquela fase industrial, “embora nunca
tenha sido inteiramente cumprido, hoje, em grande parte, é coisa do passado”
(Guerra, 2005: 10). Agora, o urbanismo público precisa “encontrar soluções
para um tipo de desenvolvimento, de cidades e regiões, diferente e que recém
está se perfilando”; a emergência de novos fenômenos e de “novas condições
de regulação política alteraram profundamente aquilo que um dia justificou
chamar de ‘urbanismo público’ o campo político de intervenções no
desenvolvimento espacial” (Guerra, 2005: 10). Verificou-se, por exemplo, e
citamos Guerra sempre em tradução livre:
“(...) uma notável diminuição relativa ou absoluta das funções
industriais; uma substancial redução do peso das decisões e
intervenções públicas no desenvolvimento urbano e territorial;
uma ampliação exorbitante do raio funcional que afeta as atividades
residenciais, produtivas, terciárias, comerciais ou de lazer; uma
ostensiva fragilização dos centros urbanos, dada a obsolescência de
alguns de seus elementos, e a desvalorização de elementos que
singularizam as cidades; um forte aumento da dispersão da
urbanização, e, mesmo cidades de trajetória decididamente
compacta, vivem hoje uma extensão fragmentada de seus
territórios; um novo tipo de segregação socioespacial emergente,
João Farias Rovati
39
consequente a mudanças relacionadas à distribuição do trabalho e
dos salários e, em parte, também a novos estilos de vida;
surgimento de relações espaciais dentro das cidades e nas áreas
rurais próximas que já não se podem descrever e explicar com as
características tradicionais de centro e periferia”. (Guerra, 2005:
10)
Estes fenômenos, “observados há algumas décadas em diferentes
cidades, sobretudo nas norte-americanas, manifestaram conjuntamente nos
últimos quinze anos, com grande potência e reforçando-se mutuamente, de
Shangai à Cidade do Cabo, de Moscou a Buenos Aires.” (Guerra, 2005: 10).
Enfim, segundo a hipótese assumida por Guerra, vive-se uma grande
transformação do ponto de vista territorial e urbano, que rapidamente estende-
se pelo planeta.
Tal hipótese, evidentemente, não tem a pretensão da
originalidade. Mas, na formulação de Guerra, está associada umbilicalmente à
noção de urbanismo público. E é isso que nos interessa destacar aqui. Note-se
que um dos principais desafios vislumbrados por Guerra, em 2005, era
justamente compreender os caminhos desse urbanismo diante da grande
transformação em curso, dando atenção especial ao projeto urbano, “principal
instrumento urbanístico do Estado e das cidades”. (Guerra, 2005: 21) Para
Guerra, se o “programa” da fase industrial ficou no passado, persistiriam as
razões que fundamentaram a emergência do urbanismo público – e este é outro
ponto que precisamos sublinhar. Segundo ele, uma evidência desse fato se
encontraria na Europa, onde “a onda neoliberal, que também lá se fez sentir
desde os anos 1980, não conseguiu colocar em questão a necessidade de um
urbanismo público”; e onde, em diversos países,
“considera-se evidente que os problemas derivados das novas
tendências de desenvolvimento territorial não podem ser nem
ignorados [pelos poderes públicos], nem abandonados ao livre
arbítrio dos mercados.” (Guerra, 2005: 17)
Considere-se ainda que, no plano conceitual, o termo urbanismo
(como também acontece com planejamento urbano) tem sido associado aos
mais variados significados e a um amplo leque de atividades de âmbito público e
privado, referindo-se, por exemplo, a uma disciplina, a um domínio do
conhecimento científico ou das artes, a uma profissão, a um serviço público, uma

40 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


área de consultoria privada, a habilidades para planejar processos, elaborar
planos (de desenvolvimento urbano, urbanísticos, ambientais, territoriais) e
projetar artefatos (edifícios públicos, avenidas, parques, infraestruturas).
No Brasil, a esta ambiguidade conceitual, normalmente acrescenta-
se um problema de ordem contextual. Assim, por exemplo, como bem
observou Heloísa Costa (2013), enquanto as experiências europeias e norte-
americanas são “as referências empíricas que costumam embasar as formulações
das práticas e do ensino do urbanismo que nos servem de referência”, a
natureza e o alcance da ação pública na esfera urbana, no caso brasileiro, pouco
ou nada se assemelham ao verificado “em países de capitalismo avançado em
que prevalecia o fordismo como forma de organização da produção e o estado
de bem-estar social como regime de regulação” (Costa, 2013: 67).
Em resumo, ao valorizarmos o termo urbanismo público
queremos enfatizar a importância do inventário e análise do seu programa ou,
mais especificamente, das ações urbanísticas promovidas no Brasil pelas
autoridades públicas constituídas em nome do interesse público. Não se trata,
pois, de analisar as ações públicas com o propósito apriorístico de “denunciar” o
uso do Estado, dos recursos e dos poderes públicos para fins privados por parte
deste ou daquele agrupamento social ou político. Trata-se de descrever e
analisar as características do “programa” do urbanismo público em nosso país.
Este exercício, que aos poucos vem sendo praticado por diferentes
pesquisadores, sob variados marcos conceituais, é aqui apenas introdutório e
tem por objeto o exame da experiência de Porto Alegre.

URBANISMO PÚBLICO EM PORTO ALEGRE


Seria exagerado afirmar que, na história de Porto Alegre, poucas
vezes articulou-se uma coalisão de forças políticas tão ampla, com o objetivo de
ali promover transformações de natureza territorial, como aquela que se formou
durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014? Tentaremos
responder esta pergunta mais adiante, na quarta parte deste artigo. Ela inspira-se
em trabalhos de Flávio Villaça (1999; 2000), que desenhou um quadro
abrangente da trajetória histórica do “planejamento urbano” no Brasil com base
na hipótese que resumiremos a seguir.
Até os anos 1930-1940, um grupo social relativamente restrito
teria governado nossas cidades através do “convencimento dos dominados e da
liderança que sobre eles efetivamente exercia”. Era uma época em que as
João Farias Rovati
41
propostas “que as classes dominantes tinham para nossas cidades eram acatadas
pela maioria da população”; e seus planos “eram mais aplicados e seguidos” do
que os que foram concebidos posteriormente. (Villaça, 2000: 7)
A partir da metade do século XX, a capacidade de liderança destas
elites declina de maneira constante. A maioria da população urbana, socialmente
cada vez mais diversa, torna-se “descrente das elites dominantes no tocante às
questões urbanas e a seus planos”; desenvolve-se, então, a “ideologia do
planejamento urbano”, segundo a qual os problemas urbanos existiriam “por
falta de planejamento” (Villaça, 2000: 7). Porém, na verdade, os problemas eram
de outra natureza; não estariam na inexistência de planos. Por um lado, os
planos (de fato existentes) prometeriam coisas que jamais poderiam ser
realizadas; por outro, as elites projetariam realizações que jamais poderiam ser
anunciadas ou prometidas, sob pena de desnudarem seus reais objetivos: a
manutenção ou ampliação de seus privilégios, de sua dominação política,
econômica e cultural (Villaça, 1999: passin).
Tendo esta hipótese como pano de fundo, faremos a seguir um
apanhado histórico de algumas experiências do urbanismo em Porto Alegre –
todas elas, aliás, já examinadas por diversos pesquisadores 1. Este apanhado, por
sua extensão temporal, implicará em simplificações. O objetivo de traçar tal
quadro, entretanto, é mais de ordem metodológico do que historiográfico.

Uma época de planos mais aplicados e seguidos?


Entre os anos de 1897 e 1943, Porto Alegre foi governada por
somente quatro intendentes ou prefeitos. José Montaury de Aguiar Leitão
(1897-1924), Otávio Rocha (1924-1928), Alberto Bins (1928-1937) e José
Loureiro da Silva (1937-1943). Em 1900, a cidade abrigava 70 mil moradores e,
em 1940, cerca de 270 mil. No período, quando houve eleições, a participação
efetiva dos eleitores jamais ultrapassou a 5% da população total.
Montaury elegeu-se pela primeira vez em 1896, com cerca de
2.400 votos. Em cinco das sete eleições nas quais participou, não teve
concorrente. Otávio Rocha elegeu-se em 1924 com cerca de 8.000 votos;

1
Para a elaboração desta resenha, além da pesquisa de fontes primárias e de meus próprios
estudos (Rovati, 2001), um grande número de pesquisas foi consultado; por falta de espaço,
apenas algumas serão citadas, sobretudo quando envolverem dado específico ou interpretação
particular. Os números relativos às eleições e população, por exemplo, foram procurados em
diferentes fontes secundárias, que muitas vezes divergem, e por isso citados quase sempre de
maneira aproximada.
42 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
faleceu no cargo, em 1928. Foi substituído por seu adjunto, Alberto Bins,
naquele mesmo ano eleito intendente por 7.400 eleitores. Em 1930, já no
contexto do regime presidido por Getúlio Vargas, Bins seria reconduzido ao
cargo por nomeação. José Loureiro da Silva, que em 1937 substituiu a Bins,
igualmente foi prefeito nomeado.
Os números acima, antes de tudo, chamam a atenção para o risco
das comparações envolvendo temporalidades e espacialidades políticas e urbanas
em um país de ocupação territorial recente e demografia pontualmente
explosiva, como é o caso do Brasil. Em 1890, por exemplo, as populações das
cidades de São Paulo e Porto Alegre eram numericamente parecidas: cerca de
60 e 50 mil almas, respectivamente. Em 1960, quando a população de São
Paulo já se aproximava dos 4 milhões de habitantes, a população de Porto
Alegre, capital de um Estado de base econômica ainda sobretudo rural, mal
ultrapassava os 600 mil moradores. Evidentemente, há grandes diferenças em
governar cidades habitadas por 60 mil, 600 mil ou 4 milhões de habitantes,
assim como sob as institucionalidades político-administrativas da República Velha
ou do Estado Novo, no Rio Grande do Sul ou em São Paulo.
De certo ponto de vista, no caso de Porto Alegre, os números
apontados parecem favorecer a hipótese de Villaça: no período 1896-1943,
poucos participaram da escolha dos seus governantes, mesmo quando houve
eleições. Contudo, isto não aconteceu apenas nestas décadas. Entre 1943 e
1948, quando a política local foi marcada por forte instabilidade, ocuparam o
posto seis prefeitos interinos2, todos nomeados. Entre 1948 e 1951, a cidade foi
governada por Ildo Meneghetti, também prefeito nomeado. Se lembrarmos de
que entre 1964 e 1985 os prefeitos das capitais também foram nomeados,
constatamos que, ao longo do século 20, apenas por três décadas de fato houve
participação expressiva da população da cidade na escolha de seus governantes.
O que dizer, em grandes linhas, do urbanismo público praticado
em Porto Alegre na primeira metade do século 20? Teria representado a visão e
os projetos das “elites dominantes”? Teria sido “aplicado e seguido”?
A Comissão de Melhoramentos e Embelezamento, criada em
1912, e seu Plano Geral, explicitamente pautado pelo ideário positivista
conservar melhorando, são frequentemente citados como experiências
fundadoras do urbanismo moderno na cidade (Souza, 2004).

2
Antônio Brochado da Rocha, Clóvis Pestana, Ivo Wolff, Egídio Costa, Conrado Ferrari e Gabril
Pedro Moacyr.
João Farias Rovati
43
Elaborado na segunda metade do governo Montaury, o Plano
Geral de Melhoramentos foi apenas parcialmente implementado no seu longo
mandato (vinte e sete anos), sobretudo no que se refere a obras de
modernização do porto, de ampliação e qualificação da rede viária, das
infraestruturas (redes de água e esgotos) e de serviços urbanos, como o de
pronto-socorro.
A nova regulamentação das construções (1913), o Plano Geral
(1914), as obras e operações propostas pela Comissão e a própria Comissão de
Melhoramentos são definidos por Souza (2004) como resultados de um trabalho
complexo e inovador desde o ponto de vista da interação entre as esferas de
decisão política e do conhecimento – neste último caso, articulando, de maneira
efetiva, diferentes saberes e disciplinas. Desse período, a historiografia reserva
um lugar destacado também para João Moreira Maciel, engenheiro-arquiteto
diplomado pela Escola Politécnica de São Paulo em 1900, contratado pela
municipalidade em 1910, onde trabalhou pelo menos até 1919.
Os papéis efetivamente desempenhados por Maciel e pela
Comissão de Melhoramentos e Embelezamento nos trabalhos realizados no
período, bem como o valor e eficácia do plano e das ações então propostas, são
até hoje objetos de controvérsia (ver, por exemplo, Weimer, 2005). Mas parece
não haver dúvida que se constitui então uma experiência de urbanismo público,
cujo programa era apoiado por uma coalisão de forças políticas com forte
hegemonia na esfera local.
Os governos de Otávio Rocha e Alberto Bins, no plano político,
foram de continuidade da coalisão dominante. O programa de urbanismo
elaborado durante o governo Montaury, grosso modo, igualmente foi
continuado por Rocha e Bins.
Ao assumir o governo, Rocha cria uma Comissão Especial de
Obras Novas, justamente com a finalidade de impulsionar as obras projetadas
pela antiga Comissão de Melhoramentos. Bins, como adjunto de Rocha,
acompanhou este processo de perto e o prosseguiu na condição de prefeito.
Esses dois governos, como o fizera Montaury, valorizaram os quadros técnicos
locais, com destaque para os engenheiros e médicos sanitaristas.
Bins, por exemplo, resistiu às investidas de Alfred Agache visando a
elaboração de um “novo” plano para a cidade. Em seu governo, dois jovens
engenheiros dos quadros municipais, Luiz Arthur Ubatuba de Faria e Edvaldo
Pereira Paiva, organizam – com o apoio da municipalidade – uma concorrida

44 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


Exposição de Urbanismo (1936), reunindo propostas para a cidade inspiradas
em planos de Agache, para o Rio de Janeiro, e de Prestes Maia, para São Paulo.
Entretanto, a partir de 1937, com a nomeação de Loureiro da
Silva, esta experiência de quase meio século começa a ser questionada. Uma
nova coalisão de forças políticas se articula. E uma nova experiência de
urbanismo público começa a se gestar na cidade, centrada nas figuras do
Conselho do Plano Diretor e do consultor ou expert “externo”.
No plano político, Loureiro da Silva interrompe quatro décadas de
hegemonia das forças aglutinadas pelo Partido Republicano Rio-grandense (PRR)
no governo da capital do Rio Grande do Sul. Ficava para trás toda uma geração
de republicanos, fortemente influenciada pelo ideário positivista, forjada em lutas
sangrentas pela hegemonia política regional (Bakos, 1996).
A própria trajetória de Loureiro da Silva é um testemunho da
emergência de uma nova coalisão política na cidade, aglutinando grupos
ideologicamente heterogêneos, cuja unidade, já no pós-guerra, se daria no
combate às forças reunidas em torno do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Loureiro da Silva, em 1937, era um quadro influente do Partido
Republicano Liberal (PRL), liderado por Flores da Cunha, governador e chefe
político regional. Chega ao governo municipal em meio a um conflito
envolvendo Vargas e Flores da Cunha a propósito da sucessão presidencial.
Nesse conflito, Loureiro da Silva apoia Vargas e lidera uma dissidência liberal; e a
seguir é nomeado prefeito.
Mais adiante, em 1943, deixa o governo da cidade, agora se
sentindo desprestigiado por Vargas (De Grandi, 2002: 118). Fundador do
Partido Social Democrata (PSD), Loureiro da Silva logo o abandona e, em 1946,
ingressa no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Mais tarde, em 1959, em
conflito com a direção do PTB, ingressa no Partido Democrata Cristão (PDC),
pelo qual se elege prefeito de Porto Alegre em 1960. Em 1964, estará ao lado
das forças que apoiam o golpe militar.
No exercício do governo de Porto Alegre, Loureiro da Silva
beneficiou-se habilmente da nova conjuntura política regional e do Estado Novo
(Abreu, 2005), forjando uma imagem de “tocador de obras”, de dirigente
político dinâmico e modernizador, que valorizava as “forças vivas” da cidade –
reunidas no Conselho do Plano Diretor, por ele criado em março de 1939 – e
o conhecimento “técnico”, representado na figura de Arnaldo Gladosch (Canez,

João Farias Rovati


45
2006), arquiteto cuja principal credencial, na visão do prefeito, era ter
colaborado com Agache na elaboração do Plano do Rio de Janeiro.
Contudo, com o tempo, a relação de Loureiro da Silva com
Gladosch foi se fragilizando. Bins resistiu aos apelos para a contratação de um
“grande urbanista estrangeiro” e, ao mesmo tempo, valorizou o trabalho de
engenheiros da municipalidade. Loureiro da Silva, num primeiro momento
(1938-1940), fez justamente o contrário. Depois, já frustrado com Gladosch e
sob o argumento de que a prefeitura precisava ter entre seus quadros um
“técnico especializado em urbanismo”, apoiou o envio à Montevidéu, para
estudos, do engenheiro Edvaldo Pereira Paiva (Almeida, 2004).
No governo de Loureiro da Silva, segunda a imprensa local, Porto
Alegre parecia “um canteiro de obras”; a cidade, de fato, se modernizava, mas
com base em planos e projetos elaborados pelos técnicos locais, muitos deles
durante os governos de seus antecessores.
Poucas propostas formuladas por Gladosch para Porto Alegre – e
foram inúmeras – saíram do papel. Contudo, parece não haver dúvida que a
contratação de um “consultor externo” representou uma clara tentativa, embora
fracassada, de reorientação do programa urbanístico da cidade. Um viés de
instabilidade avança sobre o quadro de notável estabilidade-continuidade até
então conhecido pelos governos e pelo urbanismo público.
A coesão das elites dominantes locais em torno de certo programa
de urbanismo parece se desmanchar à medida que a cidade se torna mais
complexa, como que a confirmar a hipótese de Villaça. Porém, foram de fato os
planos destes anos “mais aplicados e seguidos” dos que os posteriores?

Uma época de planos menos aplicados e seguidos?


Em 1948, após meia década de instabilidade política, assume o
governo de Porto Alegre o engenheiro Ildo Meneghetti. Permanecerá no posto
até 1954, primeiro como prefeito nomeado (1948-1950), depois como prefeito
eleito (1951-1954) em acirrado pleito, quando recebeu 41.939 votos, contra os
40.877 votos obtidos por seu adversário, o também engenheiro Leonel Brizola.
Nessa época, ganha expressão eleitoral a polarização que, como já
foi observado, balizaria a história política da cidade por várias décadas: de um
lado, à esquerda no espectro político, as forças lideradas pelo trabalhismo; de
outro, à direita, forças ideologicamente heterogêneas, mas antitrabalhistas.

46 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


Meneghetti, filiado ao PSD, foi um verdadeiro campeão dessas últimas forças;
além de prefeito, elegeu-se duas vezes governador, em 1954 e em 1962.
Com relação ao programa do urbanismo público, o primeiro
governo Meneghetti ficaria marcado por um curioso, mas sintomático debate,
inaugurado em 1948: afinal, a cidade dispunha ou não de um “plano diretor”? O
prefeito achava que sim; no entanto, por ter sido contestado por técnicos locais,
instalou naquele ano uma comissão “revisora” do plano diretor. Esta, depois de
demorados estudos, em 1950 apresentou evasivas conclusões.
Enquanto isso, Porto Alegre experimentava um surto imobiliário. O
período é até hoje lembrado sobretudo pela verticalização da área central,
saudada, à época, como expressão de progresso. Não por acaso, em 1952 a
legislação urbanística que regulava as construções nessa área foi modificada:
calcada em lei nova-iorquina, a nova legislação permitia a construções de
edifícios de qualquer altura, desde que obedecido certo mecanismo de recuos
progressivos, o setback. Com base nesta legislação, foram construídos aqueles
que, até hoje, são os mais altos edifícios da cidade.
O programa do urbanismo público dos governos Meneghetti, ele
mesmo um empresário vinculado ao setor da construção, buscou sobretudo
facilitar a ação modernizadora da indústria imobiliária. Com isso, não se está
dizendo que a municipalidade não deu continuidade, em ritmo mais ou menos
acelerado, a obras e operações iniciadas anteriormente.
Até o presente, a historiografia pouco se interessou pelos
urbanistas do período. No entanto, eles existiram e atuaram de maneira muito
articulada à inciativa privada, como sugere Adriana Eckert Miranda (2013) ao
comentar os trabalhos desenvolvidos, dentro e fora da prefeitura, pelo
engenheiro Fernando Mendes Ribeiro, próximo de Meneghetti em seus dois
governos.
Em sua trajetória na municipalidade, Ribeiro acumulou larga
experiência. De 1926 a 1928, integrou a Comissão Especial de Obras Novas,
criada por Otávio Rocha. Nos anos 1930, foi chefe da estratégica Seção de
Cadastro da prefeitura, onde trabalhou ao lado de Ubatuba de Faria. Nos anos
1940, depois da saída de Loureiro da Silva do governo, colaborou com diversos
prefeitos interinos. Em 1946, foi nomeado o primeiro Subdiretor Geral de
Urbanismo da cidade, posto criado em dezembro de 1945 pelo também
engenheiro e prefeito interino Ivo Wolff. Por indicação de Meneghetti, integrou
ainda a Comissão Revisora do Plano Diretor. Enfim, pelo menos até 1954,

João Farias Rovati


47
quando se aposentou, Ribeiro foi um influente engenheiro municipal, que, ao
mesmo tempo, realizou diversos trabalhos na esfera privada, especialmente
servindo a grandes empresas construtoras (Miranda, 2013).
O programa impulsionado por Menegheti ganha novos contornos
a partir de 1954, quando deixa a prefeitura para assumir o governo do Estado.
As mudanças se aprofundam quando Leonel Brizola assume o posto de prefeito,
em 1955. Uma nova coalisão política comanda o governo da cidade e novos
rumos são dados a seu urbanismo público.
Edvaldo Pereira Paiva é nomeado diretor da Divisão de
Urbanismo, sucessora da antiga Subdiretoria Geral de Urbanismo. Engenheiro
diplomado em Porto Alegre em 1935, Paiva era militante do Partido Comunista
Brasileiro desde a juventude. Nos anos 1930, trabalhou ao lado de Ubatuba de
Faria na Seção de Cadastro e foi um dos promotores da Exposição de
Urbanismo realizada em 1936.
Nessa mesma época, acompanhou a execução de importantes
obras viárias realizadas durante os governos Bins e Loureiro da Silva. Com o
apoio deste último, em 1941 realizou estágio de estudos na Faculdade de
Arquitetura de Montevidéu. Nos anos 1942 e 1943 colaborou de maneira
estreita com Loureiro da Silva na organização e redação do livro “Um plano de
urbanização” (Silva, 1943).
Com a saída de Loureiro da Silva da prefeitura, Paiva perde
prestígio político. Esta situação se agrava quando o PCB é posto na ilegalidade e,
depois, quando Paiva polemiza com Meneghetti, contrariando-o publicamente,
ao dizer que a cidade “não” dispunha de um plano diretor, posicionamento
apoiado pelos participantes do 2º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado
em Porto Alegre em 1948. Somente com a saída de Meneghetti do governo,
em meados de 1954, Paiva retoma funções relevantes na municipalidade.
A ação desenvolvida por Paiva à frente da Divisão de Urbanismo
conta com o claro e decidido apoio do líder da nova coalização de forças que
governa a cidade. Na prefeitura, Paiva reforça a equipe técnica da Divisão de
Urbanismo e a fortalece institucionalmente – por estes anos, passam a integrar
os quadros daquela Divisão, entre outros, os arquitetos e urbanistas Carlos
Maximiliano Fayet e Moacyr Moojen Marques. O Conselho do Plano Diretor é
recriado, tendo agora sobretudo funções de assessoria e negociação técnico-
política. É elaborado e aprovado, em 1958, o primeiro plano diretor da cidade;
com ele, ganha força, de modo especial, a capacidade pública de regulação do
uso e ocupação do solo. Após estudo dos planos existentes, e incorporando
48 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
alguns deles, são desenvolvidos diversos projetos urbanísticos, relacionados
especialmente à área central e sua estrutura viária. É projetado ainda o aterro de
extensa área costeira ao Guaíba, junto à Praia de Belas, visando sua urbanização.
No final de 1958, a convite de Brizola, Paiva deixa a municipalidade
e o acompanha em sua experiência no governo estadual. Na prefeitura,
permanece uma equipe técnica pequena, porém coesa, bem formada e
estruturada, que aos poucos vai sendo reforçada e ganhando legitimidade junto
às autoridades políticas. O trabalho dessa equipe será longevo e será continuado
até meados dos anos 1980, sempre orientado pelo programa firmado nos anos
1950. Para uma justa apreciação da importância desse fato, considere-se que,
enquanto representações político-ideológicas, os governantes municipais que
sucederam à Brizola (Loureiro da Silva, em seu segundo mandato, no período
1960-1963, e os prefeitos nomeados pelos militares a partir de 1964) a ele se
opunham de maneira categórica.
Embora não seja possível aprofundar aqui a análise sobre a relativa
continuidade-estabilidade do programa do urbanismo público praticado neste
período, é preciso ao menos apontar que, em Porto Alegre, poucas vezes os
urbanistas estiveram tão próximos do poder. A criação da Secretaria do
Planejamento Municipal (SPM), em 1975, aparece como evidência desta
afirmação. Espelhando-se no que acontecia na área de planejamento em nível
federal (Mantega, 1997), a SPM tornou-se o principal órgão técnico de
assessoria ao prefeito.
Ocupando o centro do poder local, a ela cabia, entre outras
atividades estratégicas, a elaboração do orçamento municipal, a contratação de
financiamentos e o controle e a supervisão dos trabalhos das demais secretarias.
E ali se abrigava a Superintendência de Planejamento Urbano, reunindo o núcleo
dirigente e gestor do programa do urbanismo público na cidade.
Em meados dos anos 1980, esse programa passa a ser
questionado. Para alguns de seus críticos, estaríamos diante de uma experiência
exemplar de urbanismo “modernista”, tecnocrático e autoritário. O decidido
desmonte da experiência iniciada no governo Brizola, não sem alguma ironia
histórica, começa com o primeiro governo eleito desde 1964, liderado pelo
trabalhista Alceu Collares (1986-1988). Pressionado pelo setor imobiliário,
Collares promove modificações importantes no segundo plano diretor da
cidade, aprovado em 1979. A aposentadoria de Moacyr Moojen Marques dos

João Farias Rovati


49
quadros da prefeitura, em meio a este processo, simboliza o momento de
decomposição do urbanismo público armado no final dos anos 1950.
Em 1989, Collares é sucedido por Olívio Dutra, que dá início à
série de quatro governos (1989-2004) liderados pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), coalisão que reinaugura, sob novas cores (petistas versus antipetistas) a
antiga polarização entre trabalhistas e antitrabalhistas. O programa do urbanismo
público, que já vinha perdendo identidade desde meados dos anos 1980, é
revisto sob a ótica do ideário da “reforma urbana”. A nova palavra de ordem é
“participação”; a meta era transitar do planejamento tecnocrático ao participativo
(Pozzobon, 2008).
Enfrentando fortes resistências, dentro e fora da administração
pública, esta transição “sem modelo” se faria rumo a um programa
desconhecido. Cria-se o Orçamento Participativo (OP). Os conselhos municipais
se multiplicam. Uma nova institucionalidade se esboça. A Secretaria do
Planejamento Municipal, que já vinha se fragilizando, torna-se agora, de fato,
uma secretaria “de planejamento urbano”, sendo dela retiradas, por exemplo, as
funções orçamentárias.
As questões tradicionalmente ali tratadas a propósito do urbanismo
distanciam-se do centro do poder. O Orçamento Participativo (OP) – que ganha
grande visibilidade e efetivamente resulta, pelo menos por algum tempo, numa
importante inversão do destino dos investimentos em direção à periferia – é
diretamente coordenado pelo Gabinete do Prefeito.
Um longo debate, iniciado em 1995, marcado pela abertura à
participação (Pozzobon, 2008), precede a edição de um terceiro plano diretor
que, depois de muito “emendado”, é aprovado pela Câmara de Vereadores em
1999. Ao mesmo tempo, a municipalidade dá continuidade a diversas obras e
operações projetadas em outras épocas – a mais visível entre elas, a Terceira
Perimetral, importante avenida quase inteiramente construída durante os dois
últimos governos petistas, já constava dos planos desenhados por Paiva e
Ubatuba de Faria nos anos 1930.
Este é um período de certa invisibilidade dos urbanistas, talvez
ofuscados pela reiterada valorização do “protagonismo popular”, cuja expressão
maior foi o OP, ação que tornaria a cidade internacionalmente conhecida. O OP
e uma militante comunitária, como Iria Charão, de uma parte, e o arquiteto
Newton Burmeister, por oito anos secretário do planejamento urbano, de
outra, parecem representar bem o programa do urbanismo público dos
governos petistas.
50 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
A importante experiência acumulada por Charão junto ao OP seria
levada, mais tarde, às esferas da administração estadual (Governo do Estado do
Rio Grande do Sul, 1999-2002) e federal (Ministério das Cidades, 2003-2005),
onde assessorou Olívio Dutra. Burmeister, que no período 1986-1989 fora
presidente da Federação Nacional dos Arquitetos, marcaria sua passagem à
frente da SPM pelo diálogo e interlocução permanentes com movimentos e
organizações populares.
A página mais recente desse já extenso apanhado histórico inicia-se
em 2005, quando a vitória de José Fogaça, na época filiado ao Partido Popular
Socialista (PPS), pôs fim a dezesseis anos de governos liderados pelo PT. O
urbanismo público gestado neste novo ciclo, que já dura uma década, será
abordado logo adiante, na terceira parte deste artigo. Porém, desde logo é
preciso apontar duas dificuldades relacionadas à hipótese de Villaça: de uma
parte, com base nos argumentos e evidências empíricas até aqui apresentados,
parece-nos impossível afirmar que os planos elaborados e operados a partir dos
anos 1950 foram menos aplicados e seguidos do que os concebidos na primeira
metade do século; de outra, algumas expressões do que chamei urbanismo
público parecem ter contrariado as elites econômicas dominantes, ou ao menos
uma parte delas.

O urbanismo público e o urbanismo como “campo” do conhecimento


A amplitude dos significados atribuídos e das atividades associadas à
palavra urbanismo torna extraordinariamente difícil e mesmo improvável o êxito
do exercício aqui proposto. É preciso, portanto, retomar por um momento
algumas questões de natureza conceitual.
Em 1997, Pierre Bourdieu recebeu um convite de seus colegas do
Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica3 para “ajudá-los a refletir” sobre o
significado de seu próprio trabalho como pesquisadores e cientistas. Desse
convite resultou uma conferência, seguida de debate, mais tarde transcritos em
um livro (Bourdieu, 2003). Para Bourdieu, a pesquisa agronômica padecia de
uma ambiguidade estrutural, porque, na busca de autonomia que
necessariamente deve orientar a construção do conhecimento, o campo dos
conhecimentos aplicados depara-se com obstáculos de difícil superação.

3
Institut Nacional de Recherche Agronomique (INRA).
João Farias Rovati
51
“Uma das manifestações mais visíveis da autonomia do campo, é
sua capacidade de refratar (sic), retraduzindo, sob uma forma
específica, as pressões e as demandas externas. Dizemos que
quanto mais autônomo for um campo, maior será seu poder de
refração e mais as imposições externas serão transfiguradas, a
ponto, frequentemente, de se tornarem perfeitamente
irreconhecíveis.” (Bourdieu, 2003: 22).
O grau de autonomia de um campo teria por indicador principal,
portanto, seu “poder de refração”. Inversamente, “a heteronomia de um campo
manifesta-se, essencialmente, pelo fato de que os problemas exteriores, em
especial os problemas políticos, aí se exprimem diretamente”. Desse ponto de
vista, conclui, “a ‘politização’ de uma disciplina não é indício de uma grande
autonomia”. Porém, alguns domínios do conhecimento parecem inseparáveis da
política:
“Se você tentar dizer aos biólogos que uma de suas descobertas é
de esquerda ou de direita, católica ou não católica, você suscitará
uma franca hilaridade. Mas nem sempre foi assim. Em sociologia,
ainda se pode dizer esse tipo de coisas. Em economia,
evidentemente, pode-se também dizer isso, ainda que os
economistas se esforcem por fazer crer que isso não é mais
possível.” (Bourdieu, 2003: 22).
Este não seria, irremediavelmente, também o caso do urbanismo?
Este debate, que evidentemente não é objeto do presente artigo, precisou ser
evocado para que possamos retomar, sob outros termos, a hipótese de Villaça.
O apanhado histórico feito acima (e que será concluído a seguir) por certo
contém lacunas, escolhas arbitrárias, interpretações enviesadas nos planos
político e urbanístico.
O leitor obviamente pode contestar estas escolhas e interpretações
por diferentes ângulos. Entretanto, creio que foram apresentadas evidências
empíricas suficientes para que aceitemos o valor conceitual e analítico da noção
de urbanismo público.
Há continuidade e descontinuidades nos “programas” que
identificamos, isto é, o urbanismo público se modifica ou se ajusta, de maneira
mais ou menos evidente, às coalisões de governo, aos esquemas de poder e às
condições urbanas sob as quais seu programa é gestado e gerido. E isto se deve

52 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


justamente ao fato de que um dos principais traços do urbanismo, como campo,
é seu estreito vínculo com a política e com valores e escolhas, relacionados mais
à filosofia do que à ciência.
Quanto à hipótese de Villaça, a experiência histórica de Porto
Alegre parece indicar que, de fato, muitos problemas daquela cidade têm pouco
ou nada a ver com a “falta” de planos (diretores?) ou de planejamento.
Entretanto, também sugere que, em alguns momentos, os “problemas urbanos”
efetivamente foram agravados pela falta ou pela existência de planos, porque a
visualização desses planos, e especialmente do programa do urbanismo público
que os orienta, pode, por exemplo, (re)orientar vontades coletivas ou revelar o
que é surrupiado pela mão invisível do mercado. Essa hipótese será retomada a
seguir.

O urbanismo público sob nova direção?


O novo programa do urbanismo público gestado com a chegada
ao governo, em 2005, de uma nova coalisão política, liderada por José Fogaça,
interessa-nos muito de perto no presente artigo.
Em Porto Alegre, por muitos anos a oposição aos governos
petistas criticou duramente suas ações, em particular as que envolviam a
“participação popular”, como o OP – crítica quase sempre respaldada por uma
mídia majoritariamente hostil ao PT e muito influente junto às classes médias.
Nas eleições de 2004, esse discurso mudou. A campanha de
Fogaça teve como mote: “manter o que está bom, mudar o que é preciso
melhorar” (uma “releitura” da antiga sentença – melhorar conservando – dos
governos positivistas do início do século?). Porém, a vitória da coalisão liderada
por Fogaça beneficiou-se também do espraiamento do antipetismo, que ela
própria estimulou antes e durante a campanha.
Concorreram, no primeiro turno, sete coligações partidárias. Entre
os partidos integrantes da coligação liderada pelo PT, somente o Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) tinha alguma densidade eleitoral. No segundo
turno, além de um grande número de pequenos partidos, todas as agremiações
eleitoralmente expressivas (PMDB, PDT, PP, PFL, PSDB), e/ou suas principais
lideranças, apoiaram Fogaça, que encabeçava a coligação PPS-PTB.
Este obteve votações muito expressivas nos bairros de população
de maior renda, como Auxiliadora, Bela Vista, Boa Vista, Bomfim, Higienópolis,
Independência, Menino Deus, Moinhos de Vento, Mont Serrat, Rio Branco,
João Farias Rovati
53
Petrópolis, Três Figueiras. Em alguns desses bairros, Fogaça recebe mais de 70%
dos votos, embora tenha sido derrotada, mas por pequena diferença de votos
(cerca de 1% dos eleitores), nos bairros de população mais pobre.
Em 2008, Fogaça obtém a reeleição em segundo turno,
novamente contra uma candidatura do PT. Ele agora concorreu pela legenda do
PMDB, tendo como companheiro de chapa José Fortunati, do Partido
Democrático Trabalhista (PDT), ex-petista e ex-vice-prefeito no governo de
Raul Pont (1997-2000). Mais uma vez, a coligação de Fogaça reúne o apoio de
quase todos os grandes partidos e, comparada à de 2004, amplia seu apoio
eleitoral, vencendo o pleito por maior margem de votos.
Porém, Fogaça deixa o cargo em 2010, para concorrer ao governo
do Estado. Fortunati, que desde 2009 acumulava os cargos de vice-prefeito e
Secretário Extraordinário da Copa, assume então o posto de prefeito, para o
qual é reeleito em 2012, em primeiro turno, obtendo a mais expressiva votação
já alcançada em Porto Alegre por qualquer candidato a prefeito, com cerca de
520 mil votos, representando mais de 65% dos votantes.
Se nos demoramos sobre estes números foi para ressaltar que os
governos que sucederam o PT reuniram um extraordinário apoio político-
partidário e eleitoral – embora, sem dúvida, os embates que os gestaram
lembrem os travados entre trabalhistas e antitrabalhistas nos anos 1950.
Os governos Fogaça e Fortunati, desde o início deste ciclo, e de
maneira explícita, adotam o gerencialismo (Paula, 2003), o “governo por
projetos” e o planejamento estratégico como referências para suas ações. Esta
diretriz será aprofundada a partir de 2007, com a confirmação da candidatura de
Porto Alegre a cidade-sede da Copa do Mundo de 2014. E será continuada no
segundo governo Fogaça e, depois, com Fortunati (Rovati, 2011).
Em 2005, o governo Fogaça implanta o Programa de
Modernização da Gestão Pública, realizado em parceria com o Programa
Gaúcho da Qualidade e Produtividade (PGQP), agência de consultoria sem fins
lucrativos criada em 1992 pelos empresários Jorge Gerdau Johannpeter e
Ricardo Felizzola.
Naquele mesmo ano, criam-se a Secretaria Municipal de Gestão e
Acompanhamento Estratégico (SMGAE)4 e a Secretaria Municipal de
Governança Local (SMGL). A primeira tinha a finalidade de “implementar os
Projetos Estratégicos de Governo e garantir as condições administrativas para sua

4
Extinta pela reforma administrativa realizada em 2012.
54 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
realização”5. A segunda visava “garantir a aplicação do conceito de Governança
Solidária Local nas ações governamentais, por meio da promoção de um
ambiente de diálogo e da constituição de parcerias com todos os atores sociais”6.
Ainda em 2005, é criado o Gabinete de Programação
Orçamentária (GPO), diretamente vinculado ao Gabinete do Prefeito. Mais
tarde, em 2010, também vinculado ao Gabinete do Prefeito, cria-se o Gabinete
de Planejamento Estratégico. A unificação desses dois organismos (GPO e GPE)
deu origem, em 2012, à Secretaria Municipal de Planejamento Estratégico e
Orçamento (SMPEO). Além das estruturas já citadas, cria-se em 2008 a
Secretaria Extraordinária da Copa (SECOPA) “com o objetivo de gerenciar, em
parceria com as demais secretarias municipais, a preparação de Porto Alegre
para a Copa do Mundo de 2014”.
Também a gestão de projetos considerados estratégicos é
colocada no centro da missão institucional da SECOPA; nesse caso, tratando da
“gestão das relações da prefeitura com parceiros privados, organizações não-
governamentais e outras instâncias e organismos públicos”.
Observe-se que as mudanças administrativas se multiplicaram sob
os governos Fogaça e Fortunati, como a indicar que a institucionalidade existente
não mais servia às políticas e ao programa do urbanismo público que queriam
implementar.
Em 2012, é extinta a Secretaria do Planejamento Municipal, cujo
último titular efetivo foi o vereador, advogado e corretor de imóveis Marcio Bins
Ely. Todo um ciclo, marcada pelo protagonismo concedido ao planejamento
pelos governos militares e pelo empoderamento do planejamento urbano, no
plano local, parece viver o seu último ato. Em seu lugar, cria-se a Secretaria
Municipal de Urbanismo (SMURB). Ela “substitui a SPM e incorpora atribuições
da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV)” e tem assim definida sua
principal missão: “tratar especificamente do planejamento urbano de curto
prazo”7.
A SMURB seria “a guardiã do Plano Diretor e a executora do Plano
Regulador e das tarefas relacionadas às edificações, tais como aprovação,

5
Cf. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smgae/default.php?p_secao=10 [Acesso em 27 jul.
2011].
6
Cf. http://www.secopapoa.com.br/default.php?p_secao=5 [Acesso em 27 jul. 2011].
7
Cf. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?p_secao=123 [Acesso em 16 fev.
2015]; inclusive as demais citações sobre a SMURB feitas neste parágrafo.
João Farias Rovati
55
licenciamento e vistoria, e ainda atividades relativas à manutenção e conservação
das edificações e seus equipamentos, antes vinculadas à SMOV”. Sua criação é
situada como “parte da reforma administrativa implantada pelo prefeito José
Fortunati” que tem, entre suas metas, “a agilização dos procedimentos, eficiência
na prestação de serviços e transparência”. No caso específico da criação da
SMURB, “o objetivo é dar mais agilidade às análises de licenciamentos e mais
atenção para o que ocorre hoje na cidade”, criando assim “condições para a
futura implantação do Instituto de Planejamento da Cidade de Porto Alegre”.
Os exemplos poderiam se multiplicar, mas as evidências
apresentadas acima nos parecem suficientes para caracterizar as escolhas da
coalisão que governa Porto Alegre desde 2005, como a valorização das práticas
gerencialistas, do planejamento estratégico e do governo por projetos. As
referências ao urbanismo, nesse novo quadro, muitas vezes parecem
meramente retóricas, o que, no entanto, não deve levar à conclusão que não há
planejamento ou não se gesta ali um novo programa para o urbanismo público.

O NOVO URBANISMO PÚBLICO E A COPA


No início deste artigo, perguntávamo-nos: pode-se afirmar que, na
história de Porto Alegre, com o objetivo transformá-la territorialmente, poucas
vezes articulou-se uma coalisão de forças políticas tão forte e ampla como aquela
que se formou durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014?
Responderemos à esta pergunta com base na perspectiva histórica esboçada.
Nossa resposta, na verdade, aponta para uma hipótese a explorar.
Se fosse necessário resumir em poucas frases as características do
urbanismo público praticado em Porto Alegre na última década, então diríamos
o que segue. Os temas valorizados e as ações praticadas nos últimos anos na
cidade lembram uma daquelas frases que o “Manifesto Comunista”, de 1848
(Marx e Engels), celebrizou: “o governo do Estado moderno é apenas um
comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia”.
Ironias à parte, este parece ser o espírito que move o urbanismo
público praticado pela administração municipal de Porto Alegre na última década.
Porém, este programa, pelo menos até agora, fracassou. Não porque tenha sido
derrotado ou porque seus propósitos tenham sido aqui ou ali contestados. Mas
porque, apesar da notável força política que acumulou, não conseguiu ser
plenamente efetivado.

56 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


As iniciativas urbanísticas relacionadas à Copa e os êxitos da
coalisão política local revelam a força da legitimidade alcançada pela principal
diretriz do novo programa do urbanismo público, que poderia ser assim
resumida: dada à notável ineficiência das instituições públicas, o melhor que os
governos podem fazer para desenvolver e modernizar as cidades é criar
condições para que os investimentos privados (especialmente aqueles
relacionados aos grandes projetos urbanos) se realizem da melhor maneira, pois
esses investimentos, no final das contas, beneficiarão a todos, gerando grandes
lucros ao investidores – o que parece muito justo, pois o “direito de acumular
riqueza” não apenas é um “direito” incontestável, como deve ser cada vez mais
protegido dos obstáculos ao seu pleno exercício – e também empregos e
melhorias urbanas.
Em maio 2009, Porto Alegre foi confirmada pela FIFA como uma
das doze cidades-sede da Copa do Mundo 2014. O prefeito José Fogaça vibrou:
“Viva os nossos dois clubes, pois esta é a cidade dos dois campeões do mundo.
Estou convencido que Porto Alegre será em 2014 a única cidade que terá dois
estádios sediando a Copa”8 – ufanista, o prefeito referia-se ao fato de que
Internacional e Grêmio projetavam novas instalações para o mundial, embora a
FIFA requisitasse apenas um estádio oficial para o evento.
O clima era de otimismo e ganha força a ideia de que a cidade
viveria um novo e grande ciclo de transformações. Aliás, a grande coalisão
“social” que se articula em torno dessa ideia começou a formar-se já nas eleições
de 2008, quanto, de maneira mais ou menos enfática, todos os principais
candidatos a prefeito (José Fogaça, do PMDB, Maria do Rosário, do PT, Manuela
D’Ávila, do PCdoB e Luciana Genro, do PSOL) manifestaram expectavas
positivas quanto à realização do evento na cidade. Tratava-se de uma grande
“oportunidade” para a cidade e inúmeras foram as declarações nesse sentido. “O
cavalo está passando encilhado e não podemos perder a ocasião para mudar o
perfil do município”9, declarou José Fortunati em 2009, na época vice-prefeito e
secretário especial da Copa, à Revista AAI, da Associação de Arquitetos de
Interiores do Rio Grande do Sul. Ou ainda, nas palavras do mesmo Fortunati: “a

8
Cf. http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2009/05/multidao-no-parque-da-redencao-
comemora-escolha-de-porto-alegre-como-sede-da-copa-2529350.html [Acesso em 30 jul.
2013].
9
Cf. http://www.aairs.com.br/em_revista/AAI_SetOut_09.pdf. [Acesso em 16 fev. 2015].
João Farias Rovati
57
Copa é uma oportunidade concreta de modernização e melhoria da qualidade
de vida da população”10.
Um grande número de ações e “projetos” (urbanos?) é
11
anunciado , alguns deles propostos como resposta às “exigências” da FIFA
(como o estádio do Sport Club Internacional); outros porque “existiam há mais
de 30 anos” e, agora, finalmente obteriam recursos para sua execução; outros,
ainda, simplesmente como resultado de investimentos privados que trariam
“benefícios à cidade” (Oliveira, 2013).
Em outubro de 2011, uma “reportagem especial” do jornal Zero
Hora (ver figura 1) traduzia muito bem o entusiasmo dominante e celebrava a
profusão de projetos que “transformariam a capital gaúcha”.
A matéria comemora o anúncio de investimentos para o metrô e a
nova Ponte do Guaíba, afirmando que o momento é oportuno para viabilizar
muitos projetos antigos que permaneceram décadas parados:
“Neste 2011, por uma conjunção de fatores, os projetos que
durante décadas alimentaram os sonhos de 1,4 milhões de
habitantes finalmente superaram os obstáculos e começaram a
tomar forma. Somando-se a isso um punhado de outros projetos
grandes em construção ou prestes a entrar em obras – os novos
estádios de Grêmio e Internacional, a ciclovia da Avenida Ipiranga,
o alargamento de avenidas importantes, o surgimento de novos
bairros do nada, mega shoppings quase prontos – o panorama é
promissor. Em 2017, se o cronograma for cumprido, o metrô será
entregue não a Porto Alegre, mas a uma nova Porto Alegre, bem
diferente e melhor do que a atual.”12
Na mesma reportagem, Zero Hora apresenta uma lista de vinte e
seis obras que, até o ano de 2017, “transformariam” Porto Alegre (ver Quadro

10
Cf.
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_noticia=161355&FORTUN
ATI+MOSTRA+PREPARACAO+DA+CIDADE+A+UM+ANO+DA+COPA+DO+MUND
O [Acesso em 15 jun. 2013].
11
As ambiguidades da noção de projeto urbano são um componente do problema abordado.
Mas, por falta de espaço, não é possível aprofundar aqui este tema. Sobre o assunto,
especificamente com relação à Copa em Porto Alegre, ver Oliveira, 2013.
12
Cf. “O sonho está em obras. Bem-vindo à Porto Alegre de 2017”. Zero Hora, Porto Alegre,
15/10/2011, pp. 4-5.
58 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
nº 1). Não cabe analisar aqui os critérios e as fontes que o jornal utilizou para a
escolha destas obras e para classifica-las como públicas, privadas e parecerias
público-privadas. Mas a lista é reveladora do projeto de cidade sustentado pela
coalisão de forças políticas da qual participa o próprio jornal, por sua linha
editorial e como braço de um conglomerado empresarial que atua inclusive no
segmento imobiliário.
A “nova” Porto Alegre resultaria de investimentos na construção ou
ampliação de cinco shoppings centers (Cristal Tower, Praia de Bellas, Floresta
Shopping, Porto Alegre Center Lar, Shopping Alto Norte); dois estádios de
futebol (Arena do Grêmio e Gigante para Sempre) e respectivos “complexos” de
atividades (torres residenciais e comerciais, hotéis e centros de convenções); três
hotéis localizados no bairro cujo solo é o mais valorizado da cidade (Moinhos de
Vento), um “empreendimento residencial e comercial” (oferta de cerca de 2.700
unidades) com “status de bairro” (Rossi); duas grandes intervenções na orla do
Guaíba, em áreas públicas concedidas, envolvendo a construção de “parques
urbanos” e de shoppings centers e torres comerciais (Pontal do Estaleiro e
Revitalização do Cais do Porto); construção de um novo teatro (OSPA) e
ampliação de outro (Multipalco); investimentos em pontes (Guaíba), viadutos
(Terceira Perimetral), alargamentos e extensões viárias (Anita Garibaldi, Moab
Caldas, Beira Rio e Voluntários da Pátria); construção de uma nova estrada
(Rodovia do Parque). Seria um exagero dizer que a valorização destas obras está
fortemente marcada por uma concepção segregativa (shoppings, áreas
residenciais e de lazer “diferenciadas”, grandes “equipamentos culturais”) e
rodoviarista da cidade e de seus problemas?

João Farias Rovati


59
Quadro 1: Relação de obras citadas por zero hora em 15/10/2011
Natureza Descrição da obra feita pelo jornal Situação atual
Obra pública Ampliação da pista do aeroporto/O comprimento da pista Em discussão.
passará de 2250 metros para 3350 metros
Obra privada Arena do Grêmio / Projeto de novo estádio do Grêmio e um Estádio concluído. Torres
complexo no Bairro Humaitá residenciais em construção.
Obra privada Bairro Rossi / Será um empreendimento comercial e residencial Em obras; unidades à venda.
que deverá ter status de bairro
Obra pública Ciclovias / Serão construídos entre 50 e 60 km de ciclovias Cerca de 20% das obras
realizadas.
Obra privada Cristal Tower / Torre comercial de 22 andares prevista para Concluído; unidades à venda.
2011
Obra pública Duplicação da Avenida Beira-Rio / Ampliação de uma das Concluída.
avenidas de acesso ao Beira-Rio com custo de pelo menos 25
milhões.
Obra pública Duplicação da Avenida Moab Caldas (Tronco) / Ainda não há Em construção.
licitação. Custará 34 milhões. Vai da Av. Icaraí à Rua Gaston
Englert
Obra privada Expansão do Shopping Praia de Bellas / Ampliação do Shopping Em construção.
com nova torre e edifício garagem
Obra privada Floresta Shopping / Shopping com hotel na Felix da Cunha Em discussão.
esquina com Cristóvão Colombo
Obra privada Gigante para sempre / Serão as obras no Beira-Rio e entorno, Reforma do estádio concluída;
com hotel, centro de convenções, etc. demais obras não foram
iniciadas.
PPP Hidrovia do Guaíba / Começa sua operação dia 28 de outubro Duas linhas em operação.
após décadas de projetos
Obra pública Implantação do aeromóvel entre aeroporto e Trensurb / Uma Concluído.
linha de aeromóvel a um custo de 30 milhões deverá ligar o
Salgado Filho ao Trensurb
Obra pública Metrô / Anunciada ontem, obra deve se iniciar em 2013 e ser Ainda sem licitação.
concluída em 2017
Obra privada Moinhos de Vento / Rede Accor construirá três novos hotéis Concluído.
Obra privada Multipalco do Teatro São Pedro / Será um complexo cultural de Em construção.
mais de 20 mil metros quadrados
PPP Nova Ponte do Guaíba / Uma segunda ponte ficará ao lado da Obras iniciadas.
atual Ponte do Guaíba
Obra pública Novo Teatro da Ospa / Capatará verbas por meio da Lei Em construção.
Rouanet e doações
Obra privada Pontal do Estaleiro / Ida a consulta por meio de plebiscito Em discussão.
público
Obra privada Porto Alegre Center Lar / Shopping na esquina da Sertório com Concluído.
Assis Brasil
Obra pública Programa socioambiental / Aumentará de 27% para 77% o Em execução.
percentual de tratamento de esgoto cloacal
Obra pública Prolongamento da Anita Garibaldi / Deverá ser ligada a João Execução da obra
Wallig para melhorar o tráfego nos bairros Bela Vista, Boa Vista e interrompida.
Três Figueiras
Obra pública Prolongamento da Voluntários da Pátria / Serão 2,7 km de via Em execução.
dupla.
PPP Revitalização do Cais do Porto / Haverá espaços de lazer, Primeira etapa em construção.
comércio, gastronomia, escritórios, shopping e centro de
convenções.
Obra pública Rodovia do Parque / Em construção entre Sapucaia e Capital Concluído.
servirá de alternativa à BR-116
Obra privada Shopping Alto Norte / Shopping na Avenida Assis Brasil Projeto.
Obra pública Viadutos da Terceira Perimetral / Construção de dois viadutos Em construção.
(Anita com Carlos Gomes e Bento Gonçalves com Aparício
Borges) para desafogar o trânsito
Fonte: Zero Hora, 2011.
60 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.
Figura 1: um sonho em obras?

Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 15/10/2011, pp. 4-5.


João Farias Rovati
61
O projeto da cidade sonhada para 2017 refere-se somente a três
investimentos que parecem apontar claramente em outra direção, todos
públicos: metrô, ciclovias e programa socioambiental. E note-se que, destes três
investimentos, apenas o programa socioambiental de fato poderá alcançar os
mais pobres moradores de Porto Alegre, e num horizonte longínquo – porque,
para resolver efetivamente os graves problemas relacionados à precária rede de
coleta e tratamento de esgotos existentes na cidade, será preciso tratar das
nascentes dos cursos d’água que a cortam, quase todas localizadas nas periferias
e ocupadas por vilas populares.
Não há espaço aqui para nos estendermos na descrição destes
projetos. Mas é preciso ao menos chamar a atenção para os exageros
cometidos, pela mídia e também pelo governo municipal, em nome do fato da
cidade receber cinco partidas de futebol ao longo de duas semanas. Inicialmente,
um grande número de projetos foi inserido pela municipalidade na chamada
“Matriz de Responsabilidade da Copa”. Uma das mais contundentes confissões
desses exageros viria mais tarde, em 2013, quando a prefeitura anuncia a
retirada de diversas obras dessa mesma Matriz e as realoca no escopo do
Programa de Aceleração do Crescimento.
Um caso exemplar da “confusão” reinante a propósito das obras
“da Copa” diz respeito ao Projeto do Cais do Porto. Há décadas Porto Alegre
vinha debatendo a relação de sua antiga área central – o “centro histórico” –
com o lago Guaíba. Diversos estudos e projetos foram elaborados para a área
ao longo dos últimos trinta anos. Finalmente e, segundo alguns, “graças à Copa”,
o tema parecia solucionado. Em matéria datada de novembro de 2011,
intitulada “Novo cais até a Copa”, Zero Hora comemora:
“Ao meio-dia de hoje, a margem do Guaíba será o palco central do
primeiro ato de uma transformação que deve perdurar pelos
próximos quatro anos. A região do Cais Mauá será entregue à
iniciativa privada para que transforme a área em um novo centro
de referência na capital dos gaúchos.”
O corpo da matéria, onde se fala até em “renascimento”, parece
ter sido escrito para a História:
“Há pouco mais de dois séculos, as margens do Guaíba deram à
luz um vilarejo que se transformaria em Porto Alegre. O mesmo
local será palco hoje de uma espécie de renascimento da

62 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


metrópole. Ao meio-dia, o governador Tarso Genro transfere a
posse dos mais de 180 mil metros quadrados do Cais Mauá à
iniciativa privada. O sonho de que aquele se torne um lugar
realmente público começa a virar realidade. A área será assumida
pela empresa Porto Cais Mauá Brasil, que venceu a licitação para
transformar a degradada zona portuária em complexo de lazer,
gastronomia e negócios com potencial para mudar a cara da
cidade. A empresa investirá cerca de R$ 570 milhões. A julgar pelo
projeto, pode ter valido a pena esperar décadas. A zona do
Gasômetro, por exemplo, ganhará um shopping subterrâneo. Em
cima dele, surgirá uma área verde emendada à Praça Brigadeiro
Sampaio. Para tornar isso possível, a Avenida Presidente João
Goulart será rebaixada em um trecho de 150 metros. À beira do
Guaíba, passarelas de madeira avançarão em toda a extensão do
cais, ampliando o espaço. O muro será transformado em cortina
de água com iluminação. Os armazéns, reformados, abrigarão
comércio e serviços. Três torres serão construídas. As obras
devem levar pelo menos seis meses para começar. A partir da
posse, o consórcio dá encaminhamento às licenças municipais
necessárias e começa a fazer o detalhamento do projeto básico –
definindo questões como materiais, cores e desenho interno dos
prédios. A empresa promete colocar seus projetistas dentro de um
dos armazéns centrais, em uma espécie de aquário envidraçado.
– Queremos que a comunidade possa participar do projeto –
afirma Mário Freitas, diretor-presidente da Porto Cais Mauá.
A promessa é de que a área esteja urbanizada e com os armazéns
entregues até a Copa de 2014.”
Uma disputa que opôs petistas e antipetistas ao longo de quase três
décadas chegava ao fim, na visão do editorial publicado por Zero Hora em
janeiro de 2011:
“Chega de entraves motivados por ranços ideológicos. Se mantiver
esta disposição de tocar as obras necessárias ao Estado,
independentemente da origem – sempre levando em conta a
legalidade e a probidade –, o governador [Tarso Genro]
conquistará o aplauso da sociedade rio‑grandense”.
João Farias Rovati
63
Os “interesses do Rio Grande” tinham sido colocados acima das
paixões partidárias. E, para “fazer justiça”, os cronistas de Zero Hora citam os
nomes de todos os que “contribuíram para essa conquista”, como o dos ex-
governadores Antônio Brito (PMDB), Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius
(PSDB).
A experiência do Cais do Porto nos parece exemplar porque a
Copa do Mundo já ficou para trás e o projeto que “uniu o Rio Grande”, e que
até o momento mal começou a sair do papel, hoje sofre forte contestação por
parte de associações de moradores e personalidades do mundo da cultura e das
artes. E esta é uma das ameaças que ronda um urbanismo cujo programa, como
bem sintetizou Zero Hora, encontra na concessão de um patrimônio público à
iniciativa privada a possibilidade de que se realize o “sonho” de vê-lo
transformado em “um lugar realmente público”.
As manifestações de junho de 2013 iriam fragilizar a grande
coalisão constituída em Porto Alegre a partir de 2005, mas, sobretudo, em
prejuízo dos agentes políticos vinculados ao governo estadual e ao governo
federal, ambos liderados pelo PT. Nas eleições de 2014, Dilma Rousseff e Tarso
Genro foram derrotadas na capital – estas derrotas de forma alguma apontam
para o questionamento do programa do urbanismo público operado na cidade;
aliás, ao contrário, poderão fortalecê-lo.

64 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


Figura 2: Cais do Porto: o renascimento da metrópole?

Fonte: Pontapé inicial. Novo cais até a Copa. Zero Hora, 23/11/2011, p. 4.

João Farias Rovati


65
UMA ÚLTIMA NOTA, À GUISA DE CONCLUSÃO.
A palavra anedota, entre outras acepções, remete à
“particularidade curiosa que acontece à margem dos eventos mais importantes,
de uma determinada personagem ou passagem histórica” (Houaiss, 2002). A
partir de um episódio situado “à margem dos eventos importantes” acima
relatados propõe-se, por último, uma breve reflexão sobre o lugar ocupado
pelos urbanistas, como profissionais, do ponto de vista do urbanismo público
local.
Em novembro de 2005, como parte das comemorações pelos
trinta anos de criação da Secretaria do Planejamento Municipal, a municipalidade
instituiu a Medalha do Mérito Urbanístico. Segundo o Decreto Nº 14.975,
assinado por José Fogaça e Isaac Ainhorn, Prefeito e Secretário de Planejamento,
a comenda seria “conferida, anualmente, a quem, de forma pública e notória,
tenha dado sua contribuição nas questões referentes ao planejamento urbano no
âmbito municipal brasileiro”. O mesmo Decreto designou os primeiros
distinguidos e justificou, sucintamente, as indicações: Guilherme Socias Villela,
ex-prefeito de Porto Alegre (1975-1983), “responsável pela criação da
Secretaria do Planejamento Municipal”; Telmo Thompson Flores, também ex-
prefeito de Porto Alegre (1969-1974), “pelas inúmeras e importantes obras
desenvolvidas para o planejamento urbano” (sic); e Jaime Lerner, ex-prefeito de
Curitiba (1971-1975; 1979-1983; 1989-1992) e ex-governador do Paraná
(1995-2002), “pelas relevantes contribuições para o planejamento urbano
brasileiro”.
A destinação da comenda a três “políticos” gerou
descontentamentos, dentro e fora da Prefeitura. Consequência disso, pouco
depois, em dezembro de 2005, através do Decreto Nº 15.002, foram também
agraciados “os arquitetos e urbanistas Carlos Maximiliano e Moacyr Moojen
Marques, por suas relevantes contribuições nas questões referentes ao
planejamento urbano do Município de Porto Alegre”. Fayet não mais trabalhava
na municipalidade desde o início dos anos 1960; Marques, desde meados dos
anos 1980.
A comenda deveria ser conferida anualmente. Porém, até o
presente, somente foi atribuída duas outras vezes pelo governo que a instituiu:
em 2006, a Isaac Ainhorn, e em 2012, a João Antônio Dib. Isaac Ainhorn,
falecido em novembro de 2006, um ano após assinar o Decreto que criou a
Medalha, era Bacharel em Ciências Jurídicas, foi Secretário do Planejamento

66 Porto Alegre: urbanismo público e projetos urbano na Copa de 2014.


Municipal por dois anos (2005-2006) e teve longa atuação na Câmara Municipal,
onde exerceu seis mandatos. João Antônio Dib, engenheiro civil, foi prefeito de
Porto Alegre (1983-1985) e também teve longa atuação na Câmara Municipal,
onde exerceu dez mandatos.
Certas homenagens nem sempre guardam correspondência com a
vontade política que a motivou. Por vezes, são meramente protocolares. Com
relação à Medalha do Mérito Urbanístico, teria sido este o caso?

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João Farias Rovati


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João Farias Rovati


69
COPA DO MUNDO E LEGADO PARA QUEM? O
FURACÃO COPA EM FORTALEZA – CE

¿COPA DEL FUTBOL Y LA HERENCIA PARA QUIÉN? EL


HURACÁN COPA EN FORTALEZA – CE

Larissa Viana

Larissa Viana
71
RESUMO
O presente artigo busca compreender os impactos causados com
a realização do megaevento da Copa do Mundo FIFA 2014 na vida da
população de baixa renda da cidade de Fortaleza – CE. Para isso faz-se
necessário compreender o processo pelo qual as grandes cidades brasileiras
estão passando no intuito de adentrar a chamada globalização, tornando-se
cidades globais. Para conseguir essa imagem globalizada de cidade, é necessário
investir em grandes equipamentos e infraestrutura no intuito de atrair eventos de
grande porte que tragam visitantes de alto poder aquisitivo para as cidades.
Observa-se que com investimentos por parte do poder público, a população
pobre, o lado frágil da sociedade, passa por processo de remoção para áreas
distantes, não usufruindo, assim, desses investimentos. Questiona-se para quem
de fato serve esse modelo de cidade cada vez mais segregada e excludente.
Palavras-chave: globalização; infraestrutura; megaevento; remoção.

RESUMEN
En este artículo se busca entender los impactos de la finalización del
mega evento de la Copa Mundial de la FIFA 2014 en la vida de la población de
bajos ingresos de la ciudad de Fortaleza - CE. Para esto, es necesario entender
el proceso por el cual las grandes ciudades están pasando con el fin de entrar en
la llamada globalización, convirtiéndose en las ciudades globales. Para lograr esta
imagen global de la ciudad, es necesario invertir en los principales equipos e
infraestructura con el fin de atraer grandes eventos que reúnen a los visitantes de
altos ingresos a las ciudades. Se observa que con las inversiones realizadas por el
gobierno, los pobres, el lado débil de la sociedad, implican proceso de remoción
para las zonas distantes, no disfrutando así de estas inversiones. Preguntas a que
en realidad sirve este modelo de ciudad cada vez más segregado y excluyente.
Palabras clave: globalización; infraestructura; mega evento;
remoción.

72 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE


CIDADES PARA QUEM É VISITANTE
Na tentativa de adentrar um circuito global, com investimentos de
capital internacional e frequência de clientes solventes, as grandes cidades
mundiais, em especial nos países ditos emergentes, buscam oferecer serviços
específicos. A renovação urbana, orientada de acordo com o Planejamento
Estratégico e amparada por um grande contingente de marketing, vem ganhando
espaço nas grandes cidades brasileiras que passaram a debater a questão urbana
como, de acordo com Vainer (2000, p. 76), “a problemática da competitividade
urbana”. Sobre Planejamento Estratégico o autor afirma que:
“inspirado em conceitos e técnicas oriundos do planejamento
empresarial, [...], o planejamento estratégico, segundo seus
defensores, deve ser adotado pelos governos locais em razão de
estarem as cidades submetidas às mesmas condições e desafios
que as empresas”. (Vainer, 2000, p. 76)
Essa ideia de cidade enquanto mercadoria é que permeia os
princípios do Planejamento Estratégico e faz com que as cidades se vendam e
sejam compradas a partir de grandes equipamentos urbanos específicos,
valorizados pelo capital, como centros de eventos/feiras, grandes equipamentos
culturais ou de lazer (museus e aquários, torres de comunicação e comércio),
além da imagem de cidade segura. Essa lógica de venda da cidade amparada por
tais equipamentos e pela ideia de segurança explica como o chamado marketing
urbano se impõe “cada vez mais como uma esfera específica e determinante do
processo de planejamento e gestão de cidades.” (Vainer, 2000, p. 78)
Vale ressaltar que essa venda de “segurança” pelas cidades não
configura uma cidade segura para sua população, ao contrário: em nome da
segurança dos visitantes ricos, que durante sua permanência ficam inseridos em
um cordão de isolamento, faz-se uma verdadeira higienização nas cidades,
levando para longe das vistas destes visitantes a população pobre e
cotidianamente marginalizada.
“Poder-se-ia explorar um pouco mais a maneira como a
transformação da cidade em mercadoria (de luxo) repercute no
olhar lançado sobre a pobreza. A transfiguração da pobreza em
ambiente foi explicitamente formulada pelos catalães, quando
incluíram no que chamam de entorno social “o peso da pobreza”.
Os pobres são entorno ou ambiente pela simples razão de que
Larissa Viana
73
não se constituem, nem os autóctones, nem os virtuais imigrantes,
em demanda solvável. Em todos os níveis, tanto do ponto de vista
concreto (infra-estruturas, subsídios, favores fiscais, apoios
institucionais e financeiros de todos os tipos) quando do ponto de
vista da imagem, não resta dúvida: a mercadoria-cidade tem um
público consumidor muito específico e qualificado.” (VAINER,
2000, p. 82)
As cidades que se pretendem globalizadas precisam competir entre
si e, para isso, cada cidade individualmente precisa expor seus atrativos, como os
exemplos citados acima, e precisam, necessariamente, dispor de serviços e
equipamentos para conseguir atrair investimentos e eventos para si, bem como
visitantes de alta renda com dinheiro para gastar na cidade.
“O realismo da proposta fica claro quando nossos pragmáticos
consultores deixam claro que esta abertura para o exterior é
claramente seletiva: não queremos visitantes e usuários em geral, e
muito menos imigrantes pobres, expulsos do campo ou de outros
países igualmente pobres; queremos visitantes e usuários
solventes1.” (VAINER, 2000, p. 80)
Grandes eventos esportivos e culturais, com amplo fluxo de
pessoas, de alto poder aquisitivo, vindas de diferentes lugares do mundo,
garantem à cidade entrada para o padrão globalizado, o que Arantes (2000, p.
51) chamou de “cidade-empresa-cultural” ao se referir a Barcelona e seu
modelo de planejamento, a partir do plano Barcelona 2000 que:
“Tratava-se de estabelecer uma meta clara, que evidentemente
não se esgotasse no evento de 1992 e que dissesse respeito ao
que se aspirava com todas estas melhorias para a cidade como
centro vital, na região e na Europa; em suma, definir o lugar de
Barcelona como metrópole européia, encontrar o ‘seu nicho
estratégico’, tornando-a internacionalmente competitiva [...].”
(ARANTES, 2000, p. 54)

1
O fechamento das fronteiras urbanas a visitantes e usuários insolventes certamente se funda no
mesmo tipo de visão de cidade e de mundo: o direito à cidade, neste caso, passa a ser
diretamente proporcional ao índice de solvência dos estrangeiros e visitantes. Aquilo que, de certa
maneira, já é uma realidade, transforma-se agora em projeto, em estratégia de promoção da
cidade. (VAINER, 2000, p. 80).
74 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
O planejamento de Barcelona ganhou força pelo marketing
proporcionado pelas Olimpíadas de 1992 e tornou-se amplamente exportado
para cidades do mundo todo, especialmente para as cidades da América Latina.
Um rápido panorama das intervenções urbanas realizadas em
virtude dos Jogos Olímpicos traçado por Raeder (2010), de acordo com Gold e
Gold (2007), retrata que nos Jogos de 1896, 1900 e 1904, em Atenas Paris e
Saint Louis, respectivamente, houve baixo investimento urbano.
Entre 1908 e 1936, o principal investimento se deu nas instalações
esportivas e foi ainda nesse período, em Paris, no ano de 1924, que tiveram
início as Vilas Olímpicas, construídas com o objetivo de alojar os atletas. Porém,
apesar da tentativa em Paris, a construção de fato de uma Vila Olímpica
aconteceu apenas em Los Angeles, em 1932. Berlim, em 1936, foi a última
cidade a sediar os Jogos antes da 2ª Grande Guerra Mundial “e se destacou pelo
forte apelo político do evento conferido pelo partido nazista, bem como pelas
grandiosas instalações esportivas construídas” (Raeder, 2010, p. 03).
A primeira cidade a sediar os Jogos após a Guerra foi Londres, em
1948, que, frente à restrição orçamentária oriunda do pós-guerra, apresentou
modestos equipamentos esportivos e vilas olímpicas. Essa fase restrita perdurou
até a edição dos Jogos em Melbourne, no ano de 1956. “Uma nova fase se inicia
com Roma 1960, se estendendo até Montreal 1976” (Raeder, 2010, p. 03).
“Superada as dificuldades financeiras e contando ainda com receitas
de oriundas das transmissões televisivas, os Jogos passam a contar
com generosos aportes de recursos para a construção não
somente de equipamentos esportivos, mas também para infra-
estruturas urbanas que viabilizam a mobilidade e a comunicação
entre arenas, vilas, hotéis e aeroportos.” (RAEDER, 2010, p. 03)
Foi especialmente a partir da década de 1970 que os eventos
esportivos passaram a fazer parte do planejamento urbano, fortalecendo o
discurso de trazer atrativos aos centros urbanos que caiam em desuso frente às
novas centralidades urbanas.
“Nos anos 70, nota-se um aprimoramento desta conjugação entre
J.O2. e planejamento urbano. Entre urbanistas, crescia naquele
momento a preocupação para com a indesejável obsolescência das

2
Abreviação paras Jogos Olímpicos utilizada por Mascarenhas (2004).
Larissa Viana
75
áreas centrais, em favor de novos subcentros e subúrbios de perfil
econômico elevado, processo acionado sobretudo pela difusão do
uso do automóvel. Nos J.O. de Munique (1972) e Montreal
(1976) nota-se, segundo Muñoz (1996), uma clara política de
instalação ou aproveitamento de equipamentos esportivos junto à
área central, valorizando-a. Podemos afirmar que neste momento
os J.O. propiciaram a oportunidade de concretização de novas
idéias urbanísticas, que ainda hoje situam-se no centro do debate
sobre a renovação das cidades. Seul (1988) e Barcelona (1992)
constituem claros exemplos de uso dos J.O. como poderosa
alavanca para o desenvolvimento urbano. Ambas as cidades
investiram vultosas quantias e implementaram projetos urbanísticos
de elevada envergadura, redefinindo centralidades e constituindo
verdadeiros marcos na evolução urbana. [...]” (MASCARENHAS,
2004, p. 03)
Observa-se então, principalmente depois dos Jogos Olímpicos em
Seul e Barcelona, que os megaeventos esportivos passaram a ter características
de um amplo conjunto de transformações urbanas focado na realização do
megaevento e atrelado à tentativa de atração de capital e de clientes solventes e
inserção global das cidades sedes e, com isso, impactando o desenvolvimento
urbano dessas cidades.
De acordo com Vainer (2011), os megaeventos estão relacionados
ao novo modelo de planejamento urbano, pautado no planejamento estratégico,
onde os interesses do grande capital prevalecem ao da população.
“Esses megaeventos não acontecem por acaso, estão ligados a uma
revolução no sistema urbano, a uma nova modalidade do
planejamento que surge nos anos 1980 e que torna a cidade uma
empresa a concorrer no mercado com outras ‘cidades empresas’,
na busca de capitais, investimentos e pelos próprios eventos. As
regras de organização do espaço urbano, todas as normas, devem
ser subordinadas à lógica do negócio. [...] Surgem as operações
urbanas, aquelas autorizadas contra a lei de uma cidade, você abre
uma exceção, em tese, para aproveitar as oportunidades – o que
na verdade transformou a cidade num mero espaço de realização
de negócios, numa mercadoria a ser vendida, teoricamente em
nome do progresso. [...] É a cidade da exceção, porque as regras
76 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
são a da ‘flexibilização’, o que quer dizer na verdade ‘tudo o que
for necessário para viabilizar os negócios’. [...] E a contrapartida é o
que eu chamo de democracia direta do capital, os projetos não são
expressões de forças políticas, não são os partidos, as organizações
das diferentes classes – aquilo que caracteriza a democracia
burguesa é banido e as decisões são tomadas numa relação direta
entre o capital privado e o poder público. Não há mais mediações
entre os interesses do capital e os processos de decisão, eles são
imediatos. E aí avançam as PPPs (Parcerias Público Privadas),
avança o patrimonialismo. [...] O megaevento radicaliza o modelo
da cidade empresarial e da exceção.” (VAINER, 2011, p. 01)
Vainer (2011) afirma ainda que os megaeventos fomentam a
criminalização da pobreza: “Se o objetivo é fazer da cidade uma vitrine, é preciso
esconder tudo aquilo que gera críticas, tudo o que não se coloca na vitrine, que
é pobreza, miséria. A cidade é reduzida a sua faceta de exportação, é voltada
para o exterior e não para os seus cidadãos”. (Vainer, 2011, p. 01)

A COPA DAS COPAS


No dia 30 de outubro de 2007, primeiro ano do segundo
mandato do Presidente Lula, o Brasil foi anunciado como o país que receberia a
Copa do Mundo FIFA 2014. Anteriormente a isso, entre 2006 e 2007, ocorreu
grande crescimento econômico do país e aumento significativo de renda do
brasileiro, considerado pela Fundação Getúlio Vargas como o “ano da classe
média”. Usando da propaganda dessas informações, o país teve o propósito de
passar uma imagem de conquistas, desenvolvimento e a garantia do padrão de
país globalizado. Para reforçar essas ideias, nada mais eficaz do que sediar um
megaevento com forte repercussão no mundo inteiro.
Vale ressaltar que o Brasil já havia tentado sediar as Olimpíadas de
2004 na cidade do Rio de Janeiro, não tendo sido contemplado. Posteriormente
obteve sucesso nas várias tentativas de sediar esses megaeventos: sediou, os
Jogos Pan-Americanos 2007, na cidade do Rio de Janeiro, a Copa do Mundo
FIFA 2014, em 12 cidades-sede, bem como sediará os Jogos Olímpicos 2016,
também na cidade do Rio de Janeiro.

Larissa Viana
77
Fortaleza e a Copa das remoções
Fortaleza é uma cidade litorânea, capital do estado do Ceará,
localizada na região Nordeste do País e com população de 2.452.185 pessoas
de acordo com dados do IBGE (2010).
Frente aos preparativos para a Copa do Mundo FIFA 2014 em
Fortaleza, a cidade foi contemplada com um pacote de investimentos para
elaboração de projetos que, teoricamente, visavam a melhoria urbana. Esses
investimentos são provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento,
focado nas cidades-sede da Copa do Mundo 2014 – PAC COPA 2014, e tem
como prioridade projetos de mobilidade urbana.
Em Fortaleza, dentro desse pacote, tem destaque projetos focados
no sistema de transporte, como a construção do Veículo Leve sobre Trilhos
(VLT) e a implantação do Bus Rapid Transit (BRT), além da ampliação do
Aeroporto Internacional Pinto Martins, a construção do Terminal de Passageiros
do Mucuripe/Porto do Mucuripe e a ampliação e modernização das vias
expressas.
Para legitimar esses investimentos, os governos federal, estadual e
municipal, bem como a iniciativa privada, alegavam que essas novas construções
e melhorias contribuiriam para facilitar e melhorar a vida da população local
durante e depois da Copa, gerando, assim, o discurso do legado. Afirmavam
ainda que o megaevento e as obras em decorrência aqueceriam a economia
local, gerando emprego e renda em diversos setores como, por exemplo, na
construção civil e no turismo.
Dentro do pacote das obras da Copa previstas para Fortaleza, o
VLT é a maior intervenção urbana, possui 12,7 km de extensão e atinge
diretamente 22 bairros, causando remoção e transtorno a milhares de famílias.
O número de famílias desapropriadas pelo projeto do VLT não é exato e, ao
longo do tempo, teve bastante variação. De acordo com a imprensa local, em
2010 a estimativa era de 3.5003, em 2011 de 2.7004 e em 2013 era de 2.1405.

3
Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/obra-do-metrofor-
na-via-expressa-gera-polemica-1.688420 [Acesso: março de 2013].
4
Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/negocios/aprovado-rima-
do-vlt-familias-questionam-1.712813 [Acesso em março de 2013].
5
Disponível em:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/brasil/2013/01/07/noticiasjornalbrasil,2983700/atrasos-nas-
remocoes-afetam-o-ramal-do-vlt-em-fortaleza.shtml [Acesso em março de 2013].
78 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
De acordo com o Comitê Popular da Copa Fortaleza a estimativa era de
10.000, 4.000 e 5.000 em 2011, 2012, 2013, respectivamente.
Além disso, sua implementação é bastante questionável devido ao
alto custo de construção6, e de manutenção frente à real demanda para o
percurso a que se destina real e aos impactos socioespaciais. Além do que,
segundo o EIA-RIMA do VLT, ele está sendo implantado em área nobre que já
conta com diversos privilégios:

“O Ramal Parangaba – Mucuripe está localizado sobre a área de


maior renda ‘per capita’ da cidade, permitindo o acesso entre as
duas regiões com melhores índices nesse sentido, a II e a IV. Na
região II está situada a maior parte dos edifícios altos da cidade,
apresentando o modelo mais claro de ocupação vertical. Esses
grandes edifícios correspondem, sobretudo com atividades
comerciais e de serviços, com grande concentração de shoppings e
apartamentos de alto nível, e com redes hoteleiras, de restaurantes
e de equipamentos culturais. Por tanto, constitui o pólo da cidade
que conta com as melhores condições de vida e de oportunidades
geradoras de emprego e renda.” (CEARÁ, 2011, p. 2.2)

Para uma melhor compreensão das regiões em Fortaleza é


possível observar sua delimitação na figura 1. Esse limite é feito pela Prefeitura e
são chamadas de Secretarias Executivas Regionais (SER). Na cidade de Fortaleza
existem seis regionais e mais a regional do Centro.

6
Custo de R$ 265,5 milhões de acordo com a Matriz de Responsabilidade. Esta é um documento
assinado pelo ex-Ministro dos Esportes, Orlando Silva, pelos 12 governadores de cada estado a
sediar o mundial, bem como pelos 11 prefeitos de cada cidade sede (Brasília não tem prefeito).
Esse documento define as responsabilidades de cada esfera de governo, bem como as áreas
prioritárias de implantação de infraestrutura para realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no
Brasil.
Larissa Viana
79
Figura 1: Delimitação das SER na cidade de Fortaleza.

Fonte: http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais. Acesso em agosto de 2014. Elaborado


pela autora, 2014.

Fortaleza tem graves problemas de mobilidade urbana, fruto das


larguras estreitas das vias, falta de conectividade entre as avenidas, inexistência de
rotas alternativas, alto índice de utilização do transporte individual, o que gera
constantes congestionamentos. Some-se a isso o pouco investimento em
transporte público, que é de péssima qualidade, sem horário fixo, com pontos
de ônibus mal estruturados e sem proteção contra o sol, e também contra
chuvas, além da precariedade dos passeios e da pouca arborização em uma
cidade com forte insolação e verão o ano inteiro, tornando-a nada atrativa à
utilização das ruas e do transporte público.
Nos terminais de integração, as filas são imensas e os usuários do
transporte público são transportados de forma apertada e desconfortável,
geralmente fazendo longos percursos em pé. Vale ainda ressaltar que só
recentemente, no ano de 2014, foram desenvolvidas faixas exclusivas para
ônibus, que ainda são bastante insuficientes. Pode-se dizer que Fortaleza é uma
cidade, como várias outras no Brasil, que prioriza o transporte individual em
detrimento do transporte público coletivo.
Em função disso, o Governo do Estado viu a necessidade de
implementar um modal que não causasse maiores transtornos aos turistas
durante a Copa do Mundo FIFA 2014. Para o Governo do Estado, a localização
do VLT Parangaba/Mucuripe, junto ao eixo Via Expressa/Raul Barbosa, tem
80 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
como meta fazer a ligação entre a zona hoteleira (Avenida Beira Mar, orla de
Fortaleza localizada no bairro Meireles), o Porto do Mucuripe, que com o novo
Terminal de Passageiros passará a receber turistas atracados em navios e iates, o
estádio Castelão (atualmente Arena Castelão), centro da cidade e aeroporto.
Percebe-se assim que a princípio se tratava de uma megaobra com objetivo de
locomover o turista no período de Copa do Mundo.
Apesar de a proposta de ligação entre essas áreas, vale manifestar
que a ligação entre a zona hoteleira/Porto do Mucuripe à Arena Castelão só será
possível se integrada a linhas de ônibus e para a ligação entre a zona
hoteleira/Porto do Mucuripe e o Centro é necessária a integração do VLT à
Linha Sul do METROFOR. Além disso, esse trajeto é completamente
desnecessário, uma vez que a zona hoteleira/Porto do Mucuripe se localiza ao
leste da cidade, ao lado do Centro e a Parangaba fica situada a sudoeste. Dessa
forma, quem pega o VLT no Cais do Porto terá que ir até a Parangaba para fazer
a integração com a futura Linha Sul do METROFOR e, só então, se deslocar
para o Centro. A distância entre os bairros pode ser observada na figura 2.

Figura 2: localização do Cais do Porto, Centro, Parangaba e Castelão.

Fonte: Elaboração própria, 2014.

Larissa Viana
81
Em países como Canadá, Estados Unidos e França, o VLT foi
usado para introduzir novos parâmetros de desenvolvimento urbano. Ele pode
gerar um processo de valorização na sua área de influência uma vez que sua
implantação geralmente vem acompanhada de um projeto de revitalização
urbana7 para a área e seu entorno. O design do VLT também pode ser um
atrativo. Com isso a localidade onde este é implantado atrai um novo público
morador e frequentador e gera a expulsão dos tradicionais moradores e
frequentadores da região. Através de observação da atuação do Governo do
Estado para a implementação do VLT é possível dizer que esta modificação de
público morador e frequentador da região de implantação do VLT é desejado.
Além disso, o EIA-RIMA do VLT alerta sobre seu trajeto que atravessa locais de
menor faixa de renda.
“Cabe salientar que o Ramal Parangaba – Mucuripe percorre
alguns dos bairros de menor renda ‘per capita’ da cidade, atravessa
algumas áreas com povoamentos de baixas condições de vida,
características da favela. Esses assentamentos ocuparam a faixa de
domínio da ferrovia, construindo moradias com pouco espaço de
separação da ferrovia, às vezes em escassos 1 – 2 metros”
(CEARÁ, 2011, p. 2.2)
Como exemplo de comunidades diretamente atingidas por obras
em função da Copa do Mundo FIFA 2014 temos a Comunidade Lauro Vieira
Chaves (CLVC) e a Comunidade João XXIII (CJXIII).
A Comunidade Lauro Viera Chaves (CLVC) localiza-se entre os
bairros Vila União e Montese (figura 3), dois bairros de centralidade própria na
capital cearense. A Comunidade foi formada, em terreno desocupado, no início
da década de 1960, por pessoas vindas do interior do estado e também da
própria capital. Atualmente, de acordo com um morador entrevistado pela
autora, existem 203 casas na CLVC, com uma população de cerca de 1.200
pessoas. Ao lado da CLVC encontra-se o Aeroporto Internacional de Fortaleza
que tem sua área delimitada por um muro de arame farpado, como pode ser
observado na figura 4.

7
O termo revitalização urbana é aqui utilizado de acordo com a Carta de Lisboa apud
Vasconcellos e Melo (2009, p.59): “engloba operações destinadas a relançar a vida econômica e
social de uma parte da cidade em decadência”.
82 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
Figura 3: localização da Comunidade Lauro Vieira Chaves.

Fonte: Elaboração própria, 2014.

Toda CLVC é provida de abastecimento de água, energia elétrica


domiciliar e coleta de lixo. Possui abastecimento parcial de esgotamento sanitário
e precária iluminação pública. Existem vias de acesso para veículos, sendo parte
das vias pavimentadas com asfalto e outra parte apenas de areia. Quanto ao
padrão construtivo das edificações, prevalece alvenaria com revestimento e a
predominância do gabarito é horizontal com até 2 pavimentos.
A CLVC está ameaçada pela construção do VLT que, inicialmente,
desapropriaria toda população residente. Frente às ameaças de despejo a CLVC
se articulou junto ao Comitê Popular da Copa (CPC)8 para lutar pelo direito de
permanência na área que há tempos habitam. A partir da luta e das
reivindicações, a CLVC conseguiu que houvesse redução de 70% do número
de famílias removidas, caindo assim para 66 o número de famílias desalojadas.

8
De acordo com a página oficial do Comitê Popular da Copa Fortaleza no Facebook, trata-se de
uma organização local de movimentos sociais, ONG’s, organizações populares, organizações
políticas e da sociedade civil que luta pela garantia dos direitos humanos no processo da Copa das
Confederações 2013 e Copa do Mundo 2014.
Larissa Viana
83
Figura 4: grade de delimitação do Aeroporto.

Fonte: retirado do vídeo #CopaParaQuem? A comunidade que desviou o trem.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7hi4G0jPplA
[Acesso em agosto de 2014]. Elaborado pela autora (2014).

A Comunidade João XIII (CLXII – figura 5) é uma ocupação em


terra da União, que teve início em meados da década de 1940 e encontra-se às
margens da linha férrea, onde existem diversas comunidades. A Comunidade faz
parte do bairro Dionísio Torres, bairro bastante central, completamente inserido
na malha urbana, onde predominam moradores de renda média e alta. A
estimativa da população dos moradores ao longo da linha férrea é de 1.200
famílias, com renda mensal variando entre 0 e 1 salário mínimo, de acordo com
uma moradora entrevistada pela autora.

84 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE


Figura 5: localização Comunidade João XXIII.

Fonte: Elaboração própria, 2014.

Após muitas reivindicações e abaixo-assinados conseguiram a


implantação de rede total de abastecimento de água e parcial de esgotamento
sanitário. Entretanto, a CJXIII ainda possui certa carência em drenagem de águas
pluviais, contudo, sem risco ambiental. Existe um container na adjacência onde é
necessário levar o lixo para que o caminhão recolha. Alguns moradores ainda
possuem ligação de energia clandestina, especialmente nas casas que ficam à
margem do trilho, pois não há postes. Foi feito também abaixo-assinado para
colocação de posteamento, porém ainda não foram atendidos. Existe ligação
pública de energia, mas esta é precária. Na CJXIII há apenas uma via de acesso
para carro e, com exceção desta, as demais vias não são pavimentadas.
Apesar de existência de carências, a CJXIII é bastante consolidada e
inserida na malha urbana. Há pontos de ônibus que servem à localidade, sendo
que a quantidade de transporte público que a serve é considerada excelente,
além de ter acesso por taxi e moto-taxi. Na comunidade vizinha, bem próxima,
existem escola e posto de saúde. A própria CJXIII é bem servida de pequenos
comércios e existe muita oferta de serviços, bem como de emprego nos
arredores. De forma organizada e coletiva, os próprios moradores construíram
uma capela e esta é usada também como centro comunitário, sede das reuniões

Larissa Viana
85
de moradores. O padrão construtivo predominante é de alvenaria com
revestimento e o gabarito é horizontal.
A CJXXIII faz parte de 22 comunidades ao longo do trilho que
estão ameaçadas por conta das obras do VLT e que lutam há quatro anos na
tentativa de reverter a quantidade de remoções. Na CJXXIII mais de 10 famílias
que residiam à margem da linha férrea já foram removidas e outras 10 famílias
estão ameaçadas de remoção direta e indiretamente. Parte destas famílias está
ameaçada pelo próprio governo, outra parte pelo proprietário das casas que
alugam. Porém, em ambos os casos o motivo é por conta das obras do VLT.
Tanto os moradores da CJXIII quanto os da CLVC foram
surpreendidos por funcionários do governo do Estado que chegaram à
comunidade para medir, fotografar e marcar as casas, sem dar informações
sobre o que estava acontecendo. Quando o governo se dispôs a conversar,
inicialmente afirmou que os moradores precisavam deixar suas casas e que
seriam indenizados com base no valor do imóvel, sem incluir o valor da terra,
uma vez que se tratava de posseiros.
Durante todo o processo de luta e resistência, as duas
comunidades conseguiram reverter esse processo de indenização e conseguiram
agregar uma parte do valor relativo ao terreno, bem como receber unidade
habitacional construída através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Porém, o local destinado para o reassentamento encontra-se no extremo sul da
cidade, distante do atual local de moradia, bem como da área central e dos
locais de trabalho e estudo. Essa localização tem deixado os moradores das
comunidades atingidas pelas obras do VLT bastante insatisfeitos, uma vez que
esses moradores desejam permanecer em área próxima aos locais da atual
moradia.
A repetição da lógica de reassentamento distante do local de
moradia, consequentemente longe do local de trabalho e do ambiente onde a
população criou laços, bastante típica no planejamento atual, pode ser observada
na figura 6. É essa lógica de reassentar os moradores distantes da região onde
viveram a vida inteira que tem dado continuidade ao movimento de luta e
resistência daqueles que desejam continuar próximos à sua localização atual.

86 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE


Figura 6: traçado do VLT e local da construção do PMCMV.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

Essa postura referente à remoção e reassentamento distante, sem


a consulta, nem a participação, vai contra o Plano Diretor Participativo de
Fortaleza, que estabelece:
“Art. 5º [...] – garantia de alternativas habitacionais para a
população removida das áreas de risco ou decorrentes de
programa de recuperação e preservação ambiental e intervenções
urbanísticas, com a participação das famílias nas tomadas de
decisões e reassentamento prioritário em locais próximos às áreas
de origem do assentamento;” (FORTALEZA, 2009, p. 02)

Vale ainda ressaltar que o procedimento de reassentamento


distante da área de moradia além de desconsiderar o Plano Diretor de Fortaleza,
fere os direitos há muito conquistados pela Legislação Brasileira.
“[...] a Lei estadual em questão fere garantias brasileiras já
consolidadas há tempos pela legislação brasileira no tocante à
garantia da moradia e da posse. Constatamos que a proposta de
reassentamento da população dista entre 14 e 18 km, solapando a
Larissa Viana
87
garantia presente na LOM quando aduz que, nos casos em que a
remoção seja imprescindível, será assegurado o reassentamento no
mesmo bairro (art. 149, I, b).” (BARROS e ARAÚJO, 2012,
resumo).
Como se pode observar, trata-se de duas comunidades
consolidadas, ou seja, o processo de conquista da moradia já foi encerrado. O
que acontece atualmente é o processo de resistência para conseguir manter-se
na localidade. Apesar de grande parte dos moradores não possuir segurança da
posse do ponto de vista jurídico-legal, as comunidades já são consolidadas e
grande parte da população vive no local há pelo menos 40 anos. As áreas já
foram fruto de intervenções para melhoria da infraestrutura, contando com água
encanada, iluminação domiciliar e pública, acesso a meios de transporte,
integração à malha urbana.
O que ocorreu a partir do momento em que Fortaleza se tornou
uma das cidades-sede da Copa do Mundo FIFA 2014 foi que os investimentos
imobiliários e para melhoria da infraestrutura para a viabilização do mundial
geraram um medo crescente relativo à possibilidade de remoção de moradias.
Com isso, consolidou-se um movimento de resistência, uma luta para garantir o
que já havia sido conquistado anos atrás: a busca pela permanência na localização
atual. Vale ainda ressaltar que o projeto do VLT, que deveria ter sido entregue
em 2014 para a Copa do Mundo, não ficou pronto e atualmente encontra-se
parado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que para garantir o sucesso do megaevento, o Poder
Público infringe as leis e age de maneira a violar os direitos humanos da
população, como se pode observar no caso das remoções. É possível ainda
perceber a tradicional repetição na forma de agir, removendo a população
pobre para bairros distantes, desprovidos de infraestrutura e sem levar em conta
os problemas gerados para a população removida, como maior gasto de tempo
e de dinheiro com transporte para se locomover aos locais de trabalho e de
estudo. Não se considera também os vínculos sociais e afetivos estabelecidos
pela população com a localidade e vizinhança onde residiram por tanto tempo.
Percebe-se que essa lógica de remoção causa uma verdadeira
higienização na cidade, levando para distante da vista da burguesia local, bem
como dos visitantes com grande poder aquisitivo, a população pobre da cidade,
88 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE
tornando-se cada vez mais uma cidade para poucos, apenas para quem pode
pagar caro. E o legado prometido em ocasião do megaevento também fica
restrito a uma pequena parcela da população. À população pobre restam as
franjas periféricas, distantes da centralidade e da infraestrutura, não podendo
usufruir dos lugares onde residiam, como observa Vainer (2000, p. 83): “[...]
transformada em coisa a ser vendida e comprada, tal como constrói o discurso
do planejamento estratégico, a cidade não é apenas uma mercadoria, mas
também, e sobretudo, uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite
de potenciais compradores [...]”.
Frente a essa realidade de cidade excludente, garantida pelo poder
público, quando este deveria garantir o direito de todos os cidadãos, questiona-
se para quem está destinado esse modelo de cidade, a quem de fato ele
interessa, qual o local da população pobre nas grandes cidades? Observa-se
ainda que a realização do megaevento contribui e acelera o processo de cidade
excludente no momento em que, justificado por obras de infraestrutura, remove
para áreas cada vez mais distantes da centralidade a população pobre indesejada.

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direito à moradia. Anais do XXXI Encontro de Iniciação Científica, Fortaleza,
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http://www.prppg.ufc.br/eu2012.ufc.br/Resumos/wrappers/MostrarResumo.php
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supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo
Brasileiro para a realização da Copa do Mundo FIFA 2014. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 27 jul. pp. 3.
Larissa Viana
89
_______. 2012. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre as
medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA
2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil;
altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de
2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos
jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Diário
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92 Copa do Mundo e legado para quem? O Furacão Copa em Fortaleza – CE


PARTE II:

INTERVENÇÕES URBANAS EM ÁREAS CENTRAIS:


ESTRATÉGIAS PARA O REFORÇO DA CENTRALIDADE.
LA RECONSTRUCCIÓN DEL PASEO DE LA REFORMA EN
LA CIUDAD DE MÉXICO 2000-2015: LAS
CONTRADICCIONES DEL URBANISMO NEOLIBERAL

A RECONSTRUÇÃO DO PASEO DE LA REFORMA NA


CIDADE DO MÉXICO 2000-2015: AS CONTRADIÇÕES
DO URBANISMO NEOLIBERAL

Lisett Márquez López

Lisett Márquez López


95
RESUMEN
Desde su gestación, en 1866, el Paseo de la Reforma, ha jugado
un papel protagónico en el desarrollo económico y en la expansión territorial de
la ciudad de México; enfrentado a continuos procesos de transformación y
periodos de auge o deterioro ha sido uno de los ámbitos territoriales
privilegiados de la urbe. En los últimos 14 años, ha sido objeto de la intervención
del capital inmobiliario en el marco de la aplicación de las políticas económicas y
urbanas neoliberales, constituyéndose como un ambicioso proyecto de
renovación urbana, para transfórmalo en un moderno corredor urbano terciario,
icono de la modernidad, bajo la lógica de la acumulación de capital, exclusivo y
excluyente y generador de fuertes desigualdades socio territoriales. Hoy
reaparece como un símbolo de modernidad y a la vez como valor de cambio
inmobiliario en el llamado mercado global de las ciudades. Paradójicamente, el
paseo también es ocupado casi cotidianamente por los movimientos sociales y
políticas de oposición para manifestar su protesta y sus reivindicaciones.
Palabras clave: Paseo de la Reforma, ciudad de México, capital
inmobiliario financiero, políticas públicas, modernización neoliberal.

RESUMO
Desde a sua concepção, em 1866, o Paseo de la Reforma, tem
desempenhado um papel de liderança no desenvolvimento econômico e
expansão territorial da cidade do México; enfrentado um processo contínuo de
transformação, booms ou deterioração, tem sido uma das áreas geográficas
privilegiadas da cidade. Nos últimos 14 anos, tem sido objeto de intervenção do
capital imobiliário, no âmbito da implementação de políticas econômicas e
urbanas neoliberais, tornando-se um projeto de renovação urbana ambicioso,
para transformá-lo em um corredor urbano terciário moderno, ícone da
modernidade, sob a lógica da acumulação de capital, exclusivo e excludente e
gerando fortes desigualdades sócio-territoriais. Agora reaparece como um
símbolo de modernidade e também como alteração do valor da propriedade
nas chamadas cidades globais do mercado. Paradoxalmente, o passeio também
é ocupado quase que diariamente por movimentos sociais e políticos da
oposição em protesto e reivindicações.
Palavras-chave: Paseo de la Reforma, cidade do México, capital
imobiliário financeiro, políticas públicas, modernização neoliberal.

96 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
LA CIUDAD DE MÉXICO PARTE DE UNA GRAN
CONCENTRACIÓN METROPOLITANA
México-Tenochtitlán, fue el centro del prehispánico Imperio
Mexica. Su re-fundación por los españoles después de su conquista, como
capital de la Nueva España, se llevó a cabo en 1522 sobre las ruinas de la ciudad
indígena. La ciudad de México ha jugado, desde entonces, un papel
preponderante en la estructura, organización y morfología urbana del país. A lo
largo del tiempo ha presentado diversos procesos de transformación económica,
política y social: la independencia de España, el Porfiriato1, el triunfo de la
Revolución Mexicana y la construcción de un nuevo régimen político, el
intervencionismo estatal luego de la segunda Guerra Mundial y la
industrialización, el crecimiento acelerado de la ciudad y su metropolización
desde 1950, la implantación del patrón neoliberal de acumulación de capital
desde 1983 y la desindustrialización en curso, cada uno de los cuales significó un
cambio en su estructura y modificaron su funcionamiento.
A lo largo del siglo XX, la metrópoli se convirtió en la mayor
concentración demográfica, con una población de 20,116,843 habitantes y una
superficie de 221,348 hectáreas en 2010, y económica –industrial, administrativa,
comercial, bancaria, financiera y de servicios– del país2. Actualmente, la Zona
Metropolitana del Valle de México –ZMVM–, cuyo núcleo fundamental es la ciudad
de México, es una de las más grandes metrópolis de América Latina y del mundo,
con un alto grado de complejidad estructural y morfológica.
Los cambios ocurridos en la ciudad de México y en su zona
metropolitana determinaron el surgimiento y posterior transformación del Paseo
de la Reforma, nuestro objeto concreto de análisis.

1
Régimen dictatorial que encabezó el General Porfirio Díaz en México entre 1876 y 1911,
disuelto por la Revolución Mexicana iniciada en 1910.
2
El Distrito Federal o Ciudad de México y los municipios conurbados del Estado de México
generaban en 2009 cerca del 26.7 % del PIB total y del 24.9% del PIB industrial de país.
Lisett Márquez López
97
LAS TRANSFORMACIONES URBANAS DEL SIGLO XX EN LA
CIUDAD DE MÉXICO
Los grandes proyectos públicos de renovación urbana en el intervencionismo
estatal
Entre 1940 y 1970, México y la capital experimentaron el modelo
del desarrollo estabilizador; esta etapa se caracterizó por presentar un constante
crecimiento económico y por la formación de una nación moderna e
industrializada. El desarrollo urbano de la ciudad de México estuvo marcado por
las acciones de renovación urbana desarrolladas por el Estado en términos de su
función intervencionista. Grandes proyectos fueron construidos: el Multifamiliar
Presidente Miguel Alemán (1947), la Unidad Modelo (1947), el Multifamiliar
Presidente Benito Juárez (1951), la Ciudad Universitaria (1952), el Conjunto de
la Secretaría de Comunicaciones y Obras Públicas, el Conjunto Urbano
Nonoalco-Tlatelolco (1964) y la Villa Olímpica (1968), entre otros (Sánchez,
1999). La construcción de estas obras giró en torno a la inversión del Estado. Sin
embargo, estas condiciones favorables no se mantuvieron por largo tiempo; la
desaceleración económica de los 70 y la crisis de los 80 repercutieron
negativamente en la construcción de grandes obras públicas.

El neoliberalismo y la transformación urbana


A finales del siglo XX, la ciudad de México y la ZMVM
experimentaron el agotamiento del patrón de intervención estatal, seguidos de
una profunda recesión en 1982, la cual dio cabida a la aplicación del patrón
económico neoliberal, profundizado en 1993 mediante la firma del Tratado de
Libre Comercio de América del Norte –TLCAN–. Este proceso de apertura
económica del país en los rubros de comercio internacional y libre entrada del
capital extranjero, adelgazamiento del Estado, desregulación y privatización de lo
público, debilitó la vocación económica de la ZMVM como destino de
inversiones industriales, propiciando su desindustrialización y el auge del sector
comercial y de servicios que la llevaron a la terciarización de su estructura
económica (Pradilla et. al. 2012), e indujeron la presencia de grandes inversiones
de capital inmobiliario privado nacional y extranjero, las cuales provocaron
significativos impactos económicos, sociales y territoriales y una nueva lógica de
estructuración urbana

98 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
A partir de este momento, el Estado se dedicó a propiciar las
condiciones, en materia urbana, para estimular la inversión privada, mediante el
impulso de políticas de desarrollo urbano terciario y acciones que integrarán su
participación con el capital inmobiliario-financiero, mediante una lógica
especulativa. El Estado ha jugado un papel de facilitador para las inversiones. Bajo
estas circunstancias, empezaron a hacerse presentes grandes proyectos de
inversión inmobiliaria, que acogerían a nuevas firmas privadas nacionales o
extranjeras en las zonas de la ciudad con gran potencial urbano: ventajas de
localización, economías de aglomeración e infraestructuras y servicios de calidad,
impulsando un desarrollo terciario moderno dirigido a la operación empresarial
capitalista y a los sectores de estratos altos.
Estos proyectos estuvieron acompañados por la integración de
nuevas formas arquitectónicas, el desarrollo de centros comerciales, edificios
inteligentes de oficinas equipados con los últimos adelantos tecnológicos,
modernos desarrollos inmobiliarios de uso mixto –oficinas, comercio y servicios–,
y la proliferación de unidades habitacionales cerradas y escrupulosamente vigiladas,
que fomentaron la privatización de los bienes inmuebles, al mismo tiempo que se
multiplican las unidades de vivienda de interés social construidas por el capital
inmobiliario-financiero en la periferia lejana generando exclusión social y la
segregación del territorio urbano (Pradilla, 2011).
El gran megaproyecto urbano de Santa Fe diseñado en 1990, al poniente
de la ciudad e iniciado durante la presidencia de Carlos Salinas de Gortari, marcó el principio de la
ejecución de las políticas públicas neoliberales. Sustituyó un viejo tiradero de basura y a los
asentamientos de bajos ingresos que lo ocupaban por un centro corporativo inmobiliario, dotado
de infraestructura urbana, modernos corporativos, restaurantes, zonas comerciales y residenciales
el desarrollo inmobiliario monumento de la integración
exclusivas, convirtiéndose en
en el mercado internacional y de las reformas neoliberales (Parnreiter, 2005), un
enclave moderno, privatizado y excluyente. Este esquema de desarrollo urbano
e inmobiliario se repetiría como patrón a partir de ese momento en zonas
específicas de la ciudad, con el objetivo de regenerarlas y lograr un
posicionamiento económico global a la altura de las grandes ciudades del
mundo; los ejemplos más significativos han sido el proyecto Carso en Nuevo
Polanco (1ª etapa - 2010, en operación; 2ª etapa en construcción: conclusión
estimada en 2015); el Conjunto Mítikah, en la colonia Xoco (proyecto
detenido); el conjunto El Toreo, sobre Periférico (1ª etapa - 2014, en
operación; 2ª etapa en construcción: conclusión estimada 2017) y la
transformación del Paseo de la Reforma.
Lisett Márquez López
99
Simultáneamente, el gobierno local buscó atraer inversión
inmobiliaria a las zonas centrales de la ciudad. Esta política permitiría aprovechar
mejor los servicios del centro de la ciudad, revitalizar el Centro Histórico y evitar
el crecimiento de la mancha urbana hacia las zonas periféricas (Zavala, 1997). Sin
embargo, el llamado “error de diciembre”3 de 1994, dio lugar a una profunda
recesión económica, limitando la inversión del sector inmobiliario, y cancelando
la construcción de grandes proyectos estratégicos, dirigidos al rescate tanto del
Paseo de la Reforma como de la Alameda Central, esta última localizada en el
Centro Histórico de la ciudad y seriamente afectada por el sismo de 1985. A
partir del 2000, luego de la recesión económica nacional, los proyectos de
renovación urbana cancelados, resurgieron en los objetivos del gobierno local
como estrategia de desarrollo urbano, ganando incluso un mayor protagonismo.
Esta vez dirigidos por el primer gobierno de izquierda de la ciudad.

EL PASEO DE LA REFORMA, LOS GRANDES CAMBIOS Y LAS


TENDENCIAS DE DESARROLLO
El proceso de formación del Paseo de la Reforma: del imperio al Porfiriato
El Paseo de la Reforma ha sido uno de los ejes de la aglomeración
económica y del poder en la historia de la ciudad desde mediados del siglo XIX.
La propuesta de creación del paseo y su primera etapa de construcción
ocurrieron durante el Imperio de Maximiliano de Austria, después de que el
ejército francés ocupara la capital en 1863, con el objetivo de unir el Castillo de
Chapultepec, residencia imperial asentada a las afueras de la ciudad, con la Plaza
Mayor, localizada en el centro, mediante un camino rectilíneo para resolver las
necesidades de transito cotidiano del emperador.

3
Frase empleada por el expresidente Carlos Salinas de Gortari (1º-12-1988 – 30-11-1994) para
responsabilizar de la crisis económica y financiera desatada en México en diciembre de 1994, –que
causó la devaluación del peso mexicano, la caída del PIB, la quiebra del sistema bancario y el
incremento del desempleo– a su sucesor Ernesto Zedillo (1º-12-1994 – 30-11-2000)
atribuyéndola a los errores de manejo de la política económica cometidos durante su
administración, tres semanas después de tomar posesión (Ver Cué, 2001).

100 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
Desde su concepción, bajo la influencia del modelo neoclásico de
los bulevares diseñados por Haussmann que contribuyeron a la transformación
de Paris, el proyecto no se limitaba a crear una gran calzada, incluía plazas,
glorietas y edificios de utilidad pública asentados a lo largo del camino (Acevedo,
1995). No obstante, el proyecto quedó inconcluso debido a la caída del imperio
en 1867, el retorno del presidente liberal Benito Juárez al poder y la
restauración de la República.
Fue durante el Porfiriato4 (1876-1911) cuando el Paseo de la
Reforma adquirió el carácter de paseo imperial. Porfirio Díaz convirtió el paseo en
la avenida más representativa del país y simbólica de la ciudad, en el marco de un
proyecto de desarrollo urbano capitalista, y con el objetivo de atraer inversión
extranjera decidió dotarla de gran esplendor.
Reforma actuó como vector del crecimiento urbano hacia el
poniente, siendo la zona mejor dotada de infraestructura y servicios urbanos,
amplias calles pavimentadas, ataviadas con monumentos conmemorativos,
espacios recreativos y asentamiento de majestuosas casas con influencia de la
arquitectura francesa de la segunda mitad del siglo XIX. Las huellas dejadas por el
Imperio, la relación económica privilegiada anudada con Europa en el patrón de
acumulación agroexportador y mercantil, y el prestigio cultural y artístico que
tenía Francia en ese tiempo, explican esta marcada influencia.

4
El capitalismo que se extendía por el territorio mexicano durante la segunda parte del siglo XIX,
emergió, como modo de producción dominante, durante el régimen de Porfirio Díaz, durante este
periodo la deuda interior se redujo, logrando un equilibrio económico, permitiendo la generación de
un proyecto de desarrollo urbano elitista, oligárquico y autoritario que privilegió a la inversión de
capitales extranjeros, ampliamente favorecidos en la construcción y operación de infraestructura
férrea, la introducción de una red de energía eléctrica y telegráfica, y en la modernización urbana
(Garza, 2003; Tello, 1994). Estas inversiones aunque se realizaron en gran parte del país fueron más
evidentes en la ciudad de México, transformándola en una “ciudad moderna”, profundizando, al
mismo tiempo, las desigualdades económicas y sociales, sobre todo las de los más empobrecidos.

Lisett Márquez López


101
Figura 1: Paseo de la Reforma, 1904.

Fuente: Kahlo, G 2002, Mexiko, 1904.

La importancia y la belleza que adquirió el paseo, permitieron que


estas colonias adquirieran prestigio. A lo largo de éste se instalaron las clases
económicas más poderosas y privilegiadas, capitalistas extranjeros, miembros de
la vieja aristocracia, nuevos ricos, e incluso funcionarios, y se construyó el hábitat
que respondía a sus necesidades sociales y a su criterio cultural (Martín, 1978;
Ulloa del Rio, 1997). Estas características convirtieron al paseo en símbolo del
nacionalismo y la modernidad, en ámbito privilegiado para el negocio
especulativo del suelo urbano y en el eje más caro de la ciudad, provocando un
contraste social y urbano con las zonas cercanas, carentes de servicios e
infraestructura (Barbosa, 2008).

Las transformaciones del siglo XX en el Paseo de la Reforma


A lo largo del siglo XX ocurrieron procesos de transformación
económica, política y social que influyeron en la estructura territorial de la ciudad.
A inicios del XX, el paseo siguió manteniendo su importancia como eje
estructurante de la expansión urbana, sirviendo de asentamiento de nuevas
colonias residenciales dirigidas a sectores de altos ingresos. Más tarde, en el

102 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
periodo 1940-1980 caracterizado por la industrialización, el crecimiento de la
actividad comercial y de servicios, la mercantilización y la urbanización acelerada
del país y la metropolización de la capital, Reforma se convertía en un eje
comercial y administrativo. Durante este periodo, el paseo inició un intenso
proceso de cambio de uso de suelo de habitacional a terciario; con los años las
casas palaciegas de la urbanización aristocrática del Porfiriato fueron
desapareciendo, desplazadas en su mayoría por la modernización. A lo largo del
paseo se elevaron edificios destinados a albergar oficinas, embajadas, bancos,
casas de cambio hoteles, museos, salas de cine, restaurantes, boutiques de
moda, que le otorgaban un aire cosmopolita (Martínez, 2005), convirtiendo a
Reforma en uno de los más importantes corredores urbanos terciarios de la
metrópoli.

Una década y media de estancamiento en Reforma


Las crisis económicas de 1981-1982, el cambio de patrón de
acumulación de capital, de intervencionista a neoliberal y el terremoto de 1985,
afectaron severamente al Paseo de la Reforma. Edificios asentados a lo largo del
paseo se colapsaron, otros sufrieron afectaciones y tuvieron que ser demolidos.
Debido a estos acontecimientos y con una imagen deteriorada, Reforma dejó de
ser el lugar privilegiado para la inversión y la construcción de inmuebles,
sufriendo un estancamiento durante los años posteriores al sismo, que se
intensificó a principios de la década de los noventa, con la recesión económica
que desencadeno la crisis de 1995 y con el desarrollo del megaproyecto urbano
Santa Fe.

EL RESURGIMIENTO DEL PASEO DE LA REFORMA A PARTIR DEL


AÑO 2000
A pesar de que el panorama económico se hizo nuevamente
adverso con la desaceleración del 2001, el Paseo de la Reforma, volvió a formar
parte de la planeación urbana de la ciudad, como eje de desarrollo económico y
urbano, cuando el gobierno de la ciudad, a cargo de Andrés Manuel López
Obrador –AMLO– (2001-2006), representante de la izquierda, decidió retomar
las propuestas fallidas de los proyectos inmobiliarios planteados durante la
aplicación inicial del patrón económico neoliberal en la capital. Basando su
gestión en una política de austeridad y a pesar del lema “por el bien de todos,

Lisett Márquez López


103
primero los pobres”, optó en la práctica por la ideología de la modernización
neoliberal, mediante el impulso de una propuesta económica inclinada a re-
producir y vender la ciudad.
Con la idea de generar un nuevo orden urbano, pretendió orientar
el desarrollo hacia las zonas más rentables y con potencial de inversión de
capital; para ello, el GDF – Gobierno del Distrito Federal aprovecharía la
infraestructura y la vocación de cada zona y promovería su potencial de
desarrollo, propiciando facilidades y beneficios fiscales e impulsando la inversión
pública y privada para reorientar el ordenamiento territorial y frenar la expansión
de la mancha urbana.

La política urbana pragmática y el corredor Reforma


Mediante el Programa Integral del Corredor Turístico y Cultural
Paseo de la Reforma-Centro Histórico de la ciudad de México (GDF, 2005),
planteó reactivar la zona y “recuperar” el Centro Histórico, Avenida Juárez y
Paseo de la Reforma para convertir a la ciudad central en un nuevo centro de
negocios de la capital. Con el objetivo de consolidar el desarrollo económico y
urbano del paseo, el GDF estableció que las políticas de revitalización del
Corredor Paseo de la Reforma–Avenida Juárez–Centro Histórico, se aplicarían a
partir de la Fuente de Petróleos, atravesando el Bosque de Chapultepec, hasta
llegar a la calle de Lieja, para seguir a lo largo de Reforma –integrando sólo
algunas manzanas posteriores al corredor–, hasta incorporar parte del área
denominada Centro-Alameda y parte del perímetro A del Centro Histórico (Ver
Gráfico 1).

104 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
Estableció una relación directa y abierta con diversos inversionistas,
incluido Carlos Slim, inversionista mexicano y uno de los hombres más ricos del
mundo, mediante la creación en 2001 del Consejo Promotor de Proyectos
Específicos para el Desarrollo del Distrito Federal. El propósito principal de este
consejo era impulsar la ejecución de proyectos específicos para el Corredor
Reforma–Alameda–Centro Histórico con la participación del sector privado,
mediante la aportación de su opinión y su colaboración para construir consensos en
materia de políticas de desarrollo económico. El consejo tenía la capacidad de
proponer y convocar inversiones en servicios financieros, turísticos, comerciales y
culturales, así como promover vínculos con instituciones y empresarios para conciliar
voluntades y capitales y alcanzar los objetivos del desarrollo económico del Distrito
Federal (GODF, 2001), anudando la relación tripartita entre capital, capital
inmobiliario-financiero y Estado que caracteriza la base actual de la acumulación
urbana de capital.

La revitalización del espacio público


Las primeras acciones realizadas en el corredor fueron dirigidas a
revitalizar el espacio público, a través de su transformación estética: Mediante la
Lisett Márquez López
105
implementación de un programa de inversiones públicas dirigidas a la renovación
y ampliación de su infraestructura, la modernización de su equipamiento y
servicios, y la conservación de su patrimonio histórico y cultural (GDF, 2005), se
logró construir las condiciones necesarias para generar oportunidades rentables
de inversión.
En el periodo de 2001-2006, como en ninguna otra parte de la
ciudad, el corredor Paseo de la Reforma-Centro Histórico de la ciudad de México,
se mantuvo continuamente en obras. Se realizaron trabajos de renovación de pisos y
banquetas, repavimentación, restauración de camellones centrales, rehabilitación de
vialidades, construcción de pasos peatonales, rampas para personas con
discapacidad, renovación de la red eléctrica y de los sistemas de alumbrado público,
siembra y mantenimiento de áreas verdes, instalación de señalización y mobiliario
urbano nuevo: bancas, semáforos vehiculares, bolardos, papeleras, puestos de
periódico, casetas telefónicas, señalización, nomenclatura, etc. Hasta el 2006 el GDF
había realizado una inversión total de $518 millones de pesos ($47 millones de
dólares). (GDF, 2006).

La política de seguridad: tolerancia cero


Garantizar las oportunidades de inversión implicaba enfrentar los
problemas relacionados con la inseguridad pública; para ello se creó la Ley de
Cultura Cívica (2004), y el Programa de Recuperación de Espacios Públicos
dirigidas a controlar y restringir la vida callejera del centro mediante tecnología
avanzada, la modernización de las operaciones policiacas y una fuerte
intervención de seguridad en las calles, acciones basadas en la política
denominada Tolerancia cero, aplicada por Rudolph Giuliani, en ciudad de Nueva
York con el objetivo de recuperar los espacios públicos y fomentar nuevos
desarrollos urbanos, de tal manera que la ciudad fuera segura para las
inversiones (Davis, 2007:25).
La aplicación de estas políticas en el corredor, controló, expulsó
y/o oculto a todo aquel que atentara contra la dignidad, la tranquilidad o la
seguridad de las personas y el entorno urbano, incluidos los grupos vulnerables
que ejercían la economía informal en la vía pública: prostitución en las calles,
limpia-parabrisas, franeleros, vendedores ambulantes e incluso vagabundos y
niños en situación de calle.

106 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
El programa de estímulos fiscales
Así mismo, el GDF impulsó la inversión privada, particularmente la
del capital inmobiliario-financiero nacional y extranjero asociados, favoreciendo el
desarrollo de obras con usos del suelo mixto de gran magnitud. Conjuntamente
con los trabajos de renovación puso en práctica un programa de estímulos
fiscales para proyectos de inversión en materia de construcción, remodelación o
rehabilitación de inmuebles, cuyos límites de aplicación únicamente abarcaban el
corredor, la calle de Juárez, y Madero hasta llegar al Zócalo en el Centro
Histórico, así como los 500 metros circundantes.
Mediante este programa se otorgaron reducciones en impuestos y
tarifas (predial, adquisición de inmuebles y licencias de construcción, conexión y
uso de redes de agua potable, licencias de fraccionamiento, subdivisión,
relotificación y fusión) y la simplificación de trámites administrativos para fomentar
la inversión privada; medidas compensatorias destinadas a facilitar, generar y
apuntalar excelentes negocios inmobiliarios. La promoción de estos proyectos
fomentó la participación creciente del sector privado, incrementando el poder
del capital inmobiliario en la reconstrucción de la zona.

El Bando 2 y su impacto sobre el Paseo de la Reforma


El Bando 2, emitido el 7 de diciembre de 2000, a dos días de haber
tomado posesión AMLO como Jefe de Gobierno del Distrito Federal, destaca como
una de las políticas y programas planteados por su gobierno con impacto sobre la
reconstrucción del Paseo de la Reforma. Este bando fue aprobado con el objetivo de
reorientar el crecimiento de la ciudad hacia el repoblamiento de las cuatro
delegaciones centrales5 –Cuauhtémoc, Miguel Hidalgo, Benito Juárez y Venustiano
Carranza– aprovechando la infraestructura y los servicios existentes en ellas, y así
recuperar la centralidad. El bando restringía la construcción de unidades habitacionales
y desarrollos comerciales en las otras 12 delegaciones. El bando 2 buscaba reorientar
el desarrollo inmobiliario hacia la zona central de la ciudad con la idea de proteger el
suelo de conservación (Tamayo, 2007).
Su aplicación desató una intensa polémica pública sobre su eficacia
y sus efectos: uno de sus principales impactos fue la creación jurídica de un área

5
Delegaciones: unidades político-administrativas de cercanía en que se encuentra dividido el
Distrito Federal o ciudad de México.

Lisett Márquez López


107
de monopolio para la inversión inmobiliaria, que elevó significativamente los
precios del suelo y de los inmuebles en las cuatro delegaciones centrales,
incluidas las áreas donde se encuentra el Paseo de la Reforma (Pradilla, 2005). La
aplicación del Bando 2 duró hasta 2007, con el cambio de gobierno y cuando la
implantación del denominado nuevo orden urbano, anunció su fin, haciendo
posible construir nuevamente unidades habitacionales en las 16 delegaciones de
la ciudad.

Las políticas de transporte y movilidad


Durante la administración de Marcelo Ebrard (2007-2012) se
aplicaron políticas de transporte y movilidad en Reforma. Se eliminó la
circulación de microbuses sobre el paseo, siendo sustituidos por autobuses
ecológicos dotados de aire acondicionado, pantallas informativas para pasajeros y
asientos confortables. Así mismo, se creó una ciclovía sobre la lateral del
corredor y se instalaron cicloestaciones para fomentar el transporte en bicicleta
en traslados cortos y se cerraron las vialidades al tránsito automotriz para
generar paseos dominicales sobre el corredor, haciéndolo exclusivo para
ciclistas, peatones y patinadores, con el objetivo de recuperar el espacio público,
y promover la integración social. Conjuntamente con el diseño de estos paseos
proliferaron los programas públicos recreativos y culturales a lo largo del
corredor: festejos masivos de fin de año, exposiciones artísticas y culturales,
conciertos, exhibiciones, desfiles, ferias, eventos publicitarios del capital, entre
otros.

108 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
Figura 2: cicloestaciones en Paseo de la Reforma

Fuente: la autora, 2015.

Estas acciones modificaron las políticas de planeación urbana


existentes y generaron las condiciones necesarias para reconfigurar el centro de
la ciudad de acuerdo a los intereses del capital, privilegiando su participación, e
impulsando la modernización selectiva de las zonas más rentables de la ciudad,
generando beneficios para unos cuantos (Delgadillo, 2014).

RESULTADOS, REPERCUSIONES Y CONTRADICCIONES


A través de estas políticas el capital inmobiliario ahora fuertemente
imbricado con el financiero, de origen nacional y trasnacional asociados, volvió a
encontrar en Reforma, un ámbito adecuado para su reproducción, insertándolo
nuevamente en el mercado urbano.
Todas estas intervenciones le dieron al corredor el nuevo rostro
de modernidad y desarrollo que el gobierno de la ciudad buscaba, colocándolo a
la altura de los grandes modelos de ciudad impuestos por el mundo
desarrollado, pero también actuaron como un mecanismo de acentuación de la
fragmentación urbana y social, creando fuertes desigualdades territoriales y
segregación.

Lisett Márquez López


109
Un cambio dominado por la rentabilidad inmobiliaria
La formulación de políticas de estímulo que incluyeron la emisión del
Bando 2, la aprobación en 2001 de los incentivos fiscales y administrativos y la
Transferencia de potencialidades de desarrollo urbano6 creada en la década de los
80, pero vigente aun, generó una intensa producción inmobiliaria tanto de oficinas
como de vivienda dirigida a los sectores de altos ingresos, proceso que permitió el
regreso del uso habitacional al paseo y promovió su repoblamiento en forma
vertical, mediante el uso intensivo de los terrenos y la construcción en altura,
características que permitieron reducir el impacto de los altos precios del suelo
sobre los del producto y aumentar la rentabilidad, propiciando a su vez la
demolición de muchos de los inmuebles patrimoniales construidos a finales del
siglo XIX y la primera mitad del siglo XX, de menor intensidad de ocupación,
considerados obsoletos y poco rentables. Estas acciones abrieron la posibilidad de
realizar nuevos procesos de valorización del capital mediante nuevas inversiones
inmobiliarias.
La re-construcción del Paseo de la Reforma trajo consigo su
revalorización. Reforma se convirtió en uno de los corredores financieros más
importante de la ciudad. Experimentó un intenso proceso de construcción de
nuevos edificios; a lo largo de él se empezaron a erigir colosales torres
corporativas de oficinas de reconocidas empresas nacionales y trasnacionales e
inmuebles con uso mixto –los cuales incluyen al interior oficinas y vivienda de
lujo, comercio, servicios y hotelería, en sus diversas combinaciones–, dotados de
una arquitectura espectacular y diseñados por reconocidos arquitectos
nacionales y extranjeros, elementos icónicos de competitividad global y a sumar a
las actividades comerciales y de servicios ya existentes un significativo número de
nuevas actividades terciarias las cuales modificaron su imagen, convirtiéndolo en
uno de los corredores terciarios más caros de la urbe, colocándolo a la altura de
los grandes modelos de ciudad impuestos por el mundo desarrollado.

6
Mecanismo legal que permite adquirir una parte del índice de construcción (pisos y/o metros
cuadrados) no utilizado en otras áreas de la ciudad, en particular en el Centro Histórico.

110 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
Figura 3: Desarrollos inmobiliarios en Paseo de la Reforma

Fuente: la autora, 2015.

Reforma se convirtió en uno de los principales focos de atracción


del capital nacional y extranjero; en él se asienta una importante concentración
de corporativos, instituciones de seguras, compañías financieras, inmobiliarias,
servicios contables, legales y profesionales, oficinas gubernamentales, embajadas,
museos, restaurantes, hoteles de gran turismo, así como comercios y servicios
en general que reafirman su vocación terciaria y le proporcionan una imagen de
desarrollo.
Según Colliers International México, empresa inmobiliaria de nivel
internacional, a partir del 2004, Reforma empezó a ocupar un lugar importante
entre los nueves corredores de inversión existentes en la ciudad de México:
Bosques de las Lomas, Insurgentes, Interlomas, Lomas Palmas, Lomas Altas,
Periférico Sur, Paseo de la Reforma y Santa Fe, durante este año, en el paseo se
iniciaba la construcción de nuevos desarrollos; cuatro años después registraba la
mayor superficie de proyectos en construcción con más de 333 mil m2,
convirtiéndose en uno de los principales puntos de inversión del capital
inmobiliario nacional y extranjero.
En febrero de 2015, Reforma concentraba, 20 imponentes
inmuebles de reciente construcción y edificios antiguos remodelados en
Lisett Márquez López
111
operación. En total estas nuevas edificaciones registran alrededor de 1, 210,964
m2 construidos y una inversión aproximada de $1,766 millones de dólares, es
decir $23,088 millones de pesos; a éstos se sumaran 10 inmuebles que se
encuentran en proceso de construcción y que añadirán al inventario actual de
Reforma alrededor de 810,500 m2 de construcción (Ver cuadro 1 y 2).

Figura 4: Paseo de La Reforma, 2014

Fuente: http://copterpilot.com, 2015.

El Bando 2 permitió la construcción de vivienda en el corredor,


dando paso al surgimiento de un concepto inmobiliario innovador: el edificio
mixto. A diferencia de las mansiones de grandes dimensiones de la etapa
porfirista, las nuevas viviendas del paseo destacan por ser pequeños
departamentos de lujo, concentrados en grandes torres privadas dotadas al
interior de seguridad y una serie de amenidades y servicios: alberca, salón de
juegos, centro de negocios, jacuzzi, áreas verdes, juegos infantiles, gimnasio,
pista de jogging, spa, incluso centros comerciales y varios niveles de

112 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
estacionamiento, que le proporcionan valor agregado al complejo y contribuyen
a la reducción del uso del espacio público, sustituyéndolo por el privado interior.
Actualmente, sobre el paseo, se encuentran en operación seis
desarrollos de usos mixtos que integran el uso residencial y dos más en proceso
de construcción. En total estos inmuebles generaran alrededor de 1,500
departamentos de una, dos y tres recamaras, con una superficie de construcción
desde 55 hasta 200m2.
Estas características aunadas a las ventajas de localización llevan a
que el precio promedio del metro cuadrado, de los departamentos a la venta
oscilen entre $2,690.00 y 4,600.00 dólares el m2, y a la renta entre $1,920.00
y 3,460.00 dólares al mes, dependiendo de las dimensiones del departamento.
Este tipo de departamentos, por su costo y características está orientado hacia
una nueva elite, conformada por población de altos ingresos, en su mayoría
personas solteras, parejas, jóvenes sin hijos, matrimonios de la tercera edad,
divorciados o ejecutivos que trabajan en los nuevos complejos de oficinas,
atraídos por los servicios ofrecidos, y excluye o expulsa a los sectores de bajos
ingresos por su insolvencia, generando un cambio sustantivo de sector social
residente y usuario.

Exclusión social y apropiación ciudadana marginal


Los límites de aplicación de los programas de revitalización del
Paseo de la Reforma impuestos por el GDF provocaron que la inversión, los
programas públicos y el desarrollo inmobiliario se concentrara a lo largo del
corredor, sin generar un impacto en las calles paralelas posteriores o las que
intersectan a Reforma, propiciando una evidente diferenciación territorial.
El contraste entre los edificios de oficinas de la parte frontal y las
partes traseras del corredor es notorio, pues en la parte posterior existen
inmuebles de gran heterogeneidad en su grado de conservación. Diversos
edificios o casas habitación han sido adecuadas o remodeladas para albergar
oficinas, otras han sido demolidas con el objetivo de fusionar predios y construir
en su lugar edificios de oficinas más amplios, pero nunca comparables en altura y
modernidad con los que se ubican a lo largo del corredor. El efecto más
importante en estas calles ha sido la multiplicación de pequeños
establecimientos: cafeterías, restaurantes de comida rápida, fondas, puestos
ambulantes y otros bienes de consumo que dan atención a los empleados de

Lisett Márquez López


113
baja jerarquía y salario que laboran en los grandes desarrollos inmobiliarios pero
que no pueden acceder a sus servicios.

El GDF, en ocasiones asociado al gobierno federal, ha buscado


darle al espacio público del paseo un toque de apropiación recreativa popular y
abierta, mediante la apertura de los domingos bicicleteros, la instalación
periódica de ferias y exposiciones, y la realización de festivales musicales y
artísticos en los fines de semana y días feriados, cuando no afectan el
funcionamiento de las actividades terciarias y de gestión del capital, ni la
cotidianidad de los residentes; se busca así matizar la naturaleza privada y elitista
de este territorio paradigmático del país y la capital. En una ciudad con limitadas
posibilidades de recreación popular, este uso recreativo es realmente masivo.
La visibilidad social y el simbolismo político y urbano del Paseo de
la Reforma ha tenido un efecto contradictorio al de la re-construcción
inmobiliaria elitista en proceso: ha sido usado a lo largo del tiempo, y sigue
siéndolo, para la manifestación de la protesta y la reivindicación política y social:
los partidos políticos de oposición en el ámbito federal, y los movimientos
sindicales y sociales más diversos utilizan la avenida casi cotidianamente para sus
desfiles, movilizaciones, plantones y mítines. Al hacerlo, impiden o dificultan la
movilidad automotriz de los residentes y usuarios de los nuevos inmuebles,
generando constantemente su descontento, el cual es reproducido por los
medios hegemónicos de comunicación social. La apropiación social del espacio
público de la vía del paseo, de carácter popular, entra así en oposición con la
apropiación privada de lo privado en los inmuebles por parte de la élite
económica y política.

114 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
Cuadro 1
P rincipales proyectos en operación s obre el Corredor P as eo de la Ref orma

No. De ptos. Supe rficie


y/o te rre no Construcción Áre a re ntable Altura I nve rsión
Edificio U bicación G iro habitacione s m2 m2 m2 Nive le s m mdd Ape rtura
Habitacional, comercio, 170 deptos. 25
Capital R e forma Reforma 250 servicios, oficinas y hotel 150 habitaciones 9.850 65.000 59.750 Dos torres 120 130 2012
City Expre ss R e forma El Ánge l Reforma 334 Hotel 137 habitaciones 643 7.771 12 40,5 12 2009
Corporativo R e forma Diana Reforma 412 Oficinas - 1.790 33.800 19.455 27 140 200 2014
1
H ilton Embassy Suite s Reforma 69 Hotel 162 habitaciones 772 13.768 ND 19 70 23 2006
1
H ote l Marriot R e forma Reforma 276 Hotel 322 habitaciones 2.428 14.331 ND 16 ND 17,2 2008
Mage nta R e forma Reforma 284 Habitacional y oficinas 120 deptos. 2.396 50.200 19.000 25 100 32,4 2010
Plaza R e side nce s Me xico City Reforma 77 Habitacional y comercio 200 deptos. 2.280 41.966 ND 25 100 37,9 2010
Torre Contigo 1 Reforma 51 Oficinas - 1.291 45.000 ND 24 125 ND 2001
Torre H SB C Reforma 347 Oficinas - 5.653 78.000 38.500 24 135 150 2006
Torre Mapfre Reforma 243 Oficinas y comercios - 3.543 61.500 28.200 27 124 60 2013
Torre Mayor Reforma 505 Oficinas, comercio y servicios - 6.337 157.000 77.000 59 225 280 2003
Torre Ne w Y ork L ife Reforma 342 Oficinas - ND 63.900 43.700 33 152 63 2012
R e forma 27 Reforma 27 Habitacional y comercio 280 deptos. 3.511 54.028 ND 27 104 45 2012
R e forma 115 Reforma 115 Oficinas - 2.115 48.000 27.000 26 120 30 2005
R e forma 156 1 Reforma 156 Oficinas y comercio - 2.060 17.000 ND 19 ND ND 2011
Torre1: 31
Habitacional, comercio, Torre2: 25
R e forma 222 Reforma 222 servicios y oficinas 313 deptos. 14.000 175.000 48.107 Torre3: 18 126 200 2008
R e forma 489 Reforma 489 Oficinas y comercios - 2.000 7.000 ND 8 34 30 2009
Se nado de la R e pública Reforma 135 Oficinas - 9.053 72.190 ND 16 ND 155 2011
104 deptos.
St. R e gis R e side nce s Reforma 439 Habitacional, comercio y hotel 189 habitaciones 4.000 79.510 50.500 31 150 150 2009

Lisett Márquez López


Torre V irre ye s* Pedregal 24 Oficinas, comercio y servicios - 4.479 126.000 60.077 25 128 350 2014
Fue nte : Elaboración propia a partir de diversas páginas web de inmobiliarias, de los principales periódicos del Distrito Federal y de revistas de arquitectura y promoción inmobiliaria
Febrero 2015
1
Inmueble remodelado
* Intersección de Avenida Paseo de la Reforma, Mariano Escobedo y Circuito Interior

115
116
Cuadro 2
Principales proyectos en desarrollo sobre el Paseo de la Reforma

No . Super ficie Inv er s ió m


Depto s y /o ter r eno co ns tr ucció n Ár ea r enta ble Altur a a pr o x im a da
Edificio U bica ció n G ir o ha bita cio nes m2 m2 m2 Niv eles m m dd Aper tur a
Co r po r a tiv o Ba nco m er Reforma 506 Oficinas - 6.620 183.000 73.400 50 235 900 2015
Habitacional, oficinas, comercio y
P unto Cha pultepec Reforma 509 servicios 85 1.935 92.736 30.000 59 238 60 2015
Refo r m a 7 6 Reforma 76 P R O Y E C T O

contradicciones del urbanismo neoliberal


Sk y To wer Reforma 432 P R O Y E C T O
Oficinas, comercio, servicios y Torre1: 40 180
To r r es Cua r z o Reforma 20 hotel ND ND 101.500 59.500 Torre2: 27 110 100 2016
To r r e Dia na Río Lerma 232 Oficinas y comercio - 6.243 138.634 63.910 40 158 165 2015
To r r e P unta Refo r m a Reforma 180 Oficinas, comercio y servicios - 2.383 80.600 44.225 37 204 170 2015
To r r e Refo r m a Reforma 483 Oficinas, comercio y servicios - 2.788 83.509 40.700 57 244 100 2015
To r r e Refo r m a La tino Reforma 296 Oficinas y comercio - 2.842 88.513 42.000 44 180 100 2015

U niv er s ity To wer Reforma 150 Habitacional, comercio y servicios 250 2.000 42.000 ND 39 154 110 2020
Fuente: Elaboración propia a partir de diversas páginas web de inmobiliarias, de los principales periódicos del Distrito Federal y de revistas de arquitectura y promoción inmobiliaria
Febrero 2015

La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


CONCLUSIONES: LAS CONTRADICCIONES DEL URBANISMO
NEOLIBERAL
Desde su gestación a mediados del siglo XIX, el Paseo de la
Reforma ha sido un ámbito territorial producido y apropiado por los sectores de
la élite económica y política de la capital de México, para su uso y para la
reproducción ideológica de la dominación social. Su tercer proceso histórico de
producción como corredor urbano, su segunda re-construcción, ha seguido los
preceptos y prácticas del urbanismo neoliberal dominante: ha sido orientada
hacia la gestión del capital en sus diferentes fracciones y la residencia temporal
hotelera o permanente de sectores empresariales y de altos ingresos; ha sido
asumida como un gran proyecto del capital inmobiliario-financiero nacional y
trasnacional asociado; y ha tenido como promotor y facilitador al gobierno local,
contradictoriamente autodefinido como “de izquierda”. Ideológicamente, en su
justificación dominan los objetivos de la modernización y el desarrollo urbano, la
competitividad de la ciudad en el mundo global, y la necesidad de tener en la
producción inmobiliaria una fuente de empleo, así sea temporal, de bajos salarios
y poca calificación, para sustituir a la declinante industria metropolitana.
Desde el punto de vista empresarial y de los gobernantes locales,
el proyecto ha sido exitoso hasta ahora, pues se han sustituido gran parte de los
inmuebles viejos y deteriorados, el perfil del corredor se está poblando de altas
torres diseñadas por arquitectos nacionales y extranjeros famosos, las
corporaciones inmobiliarias han acumulado capital alimentando las ganancias del
capital inmobiliario sobreacumulado en sus países de origen, mediante la
verticalización y la consecuente elevación de la intensidad de construcción se han
recuperado las altas rentas del suelo originales, y el incremento de los costos del
suelo en Reforma ha irradiado en forma de cascada hacia otras partes de la
ciudad, beneficiando a sus terratenientes.
Luego de su fase de desvalorización en las dos décadas finales del
siglo XX, la re-construcción del paseo lo ha vuelto a posicionar como el
corredor urbano terciario más importante y estructurante de la zona
metropolitana, generando nuevas ventajas de localización e incrementos de las
rentas del suelo.
Para la ciudad en su conjunto, el proyecto, desarrollado en un
contexto de debilidad de la planeación y regulación pública, ha significado la
acentuación de un proceso histórico de fragmentación y exclusión territorial que
viven en primera instancia los propios trabajadores de bajos ingresos de las
Lisett Márquez López
117
empresas allí instaladas, pero que se proyecta a toda la sociedad al operar como
un gueto del capital y los sectores de muy altos ingresos, y sobre todo al generar
un impacto de elevación de los precios del suelo en toda la estructura urbana y
contribuir así a encarecer la vida para todos los habitantes de la ciudad. El
carácter fragmentador del proyecto se manifiesta desde sus mismos patios
traseros, las calles posteriores, en proceso de deterioro inmobiliario y social.
Paradigmáticamente, los sectores populares y los partidos de
oposición no han renunciado al uso de este ámbito simbólico de la ciudad y la
nación, y han mantenido su apropiación cotidiana como espacio de sus
movilizaciones de protesta y reivindicación política y social, a pesar de la
oposición de los usuarios privados de élite y la negativa publicidad de la mayoría
de los medios de comunicación. Se anuda así una abierta contradicción entre el
uso del espacio público por la sociedad y el uso privado de los modernos y
deslumbrantes íconos arquitectónicos que pueblan paulatinamente. La nueva
Reforma, como a las que la precedieron, expresa la contradicción entre la
producción colectiva de la ciudad como totalidad y el carácter privado de su
producción particular y su apropiación por el capital y sus actores, agudizada al
máximo en la ciudad del patrón neoliberal de acumulación de capital.

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120 La reconstrucción del Paseo de la Reforma en la Ciudad de México 2000-2015: las


contradicciones del urbanismo neoliberal
O PROJETO NOVA LUZ EM SÃO PAULO: ENTRE
PROCESSOS DE EXCLUSÃO E RESISTÊNCIA POPULAR

EL PROYECTO “NOVA LUZ” EN SÃO PAULO: ENTRE LOS


PROCESOS DE EXCLUSIÓN Y LA RESISTENCIA POPULAR

Simone Gatti

Simone Gatti
121
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise do Projeto Nova Luz, lançado
pela Prefeitura Municipal de São Paulo em 2005, com o objetivo de renovar um
perímetro composto por 45 quadras no distrito central de Santa Ifigênia, a partir
da aplicação de um instrumento urbanístico sem precedentes na legislação
brasileira, a Concessão Urbanística. A pré-existência de uma Zona Especial de
Interesse Social no perímetro do projeto, a ZEIS 3 C 016 (Sé), possibilitou a
formação de um Conselho Gestor para elaborar e aprovar o Plano de
Urbanização da área e debater as questões inerentes à produção habitacional de
interesse social em áreas centrais. A atuação da sociedade civil no Conselho
Gestor, único veículo de participação social efetiva formado durante o projeto,
foi responsável pela introdução de um processo de resistência popular e pela
formulação de medidas mitigadoras em prol da inclusão social e de garantias de
atendimento habitacional à população residente, bem como pelo embargo
definitivo dos processos antidemocráticos que desconsideraram a leitura da
cidade existente e a vida cotidiana dos seus moradores.
Palavras Chave: Projeto Nova Luz; ZEIS; Conselho Gestor.

RESUMEN
En este trabajo se presenta un análisis del Proyecto “Nova Luz”,
puesto en marcha por el Ayuntamiento de São Paulo en 2005, con el objetivo
de renovar un perímetro formado por 45 bloques en el barrio central de Santa
Ifigênia, São Paulo, a través de un instrumento urbano sin precedentes en la
legislación brasileña, la Concesión Urbanística. La pre-existencia de una Zona
Especial de Interés Social en el perímetro del proyecto, ZEIS 3 C 016 (Sé),
permitió la formación de un Consejo de Administración para preparar y aprobar
el Plan Urbano de la zona y discutir temas relacionados con la producción de
viviendas de interés social en las zonas centrales. El papel de la sociedad civil en
esto consejo fue el responsable por la introducción de un proceso de resistencia
popular y la formulación de medidas de mitigación para la inclusión social y la
garantía de producción de vivienda a la población residente, así como la
prohibición permanente de los procesos anti-democráticos que desatendieron la
lectura de la ciudad existente y la vida cotidiana de sus habitantes.
Palabras clave: Nueva Luz de Proyectos; ZEIS; Consejo de
Dirección

122 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
INTRODUÇÃO
Há um fator comum que vem permeando a vida urbana
contemporânea em diferentes partes do mundo: a forma como territórios
populares, na maioria das vezes de grande representatividade histórica, vem
sendo transformados e recompostos socialmente, tornando-se pontos turísticos,
mercado imobiliário para as classes médias e altas ou simplesmente sendo
ocupados por novas infraestruturas urbanas. Esse fenômeno, latente na lógica do
capitalismo tardio, remete não somente às transformações físicas das cidades,
mas, sobretudo, às transformações das estruturas sociais, construídas
historicamente, onde a população de baixa renda é deslocada para ceder lugar a
novos moradores da classe média. O que até a metade do século passado podia
ser identificado como consequência involuntária de um amplo processo de
mudanças econômicas e sociais em curso, passou a ser utilizado como estratégia
de intervenção sobre territórios já não tão rentáveis e não tão atraentes aos
investimentos do mercado imobiliário, tendo em muitos casos a regulação
urbanística como canal viabilizador de tais intervenções.
A partir do final do século XX, a desigualdade na produção e na
ocupação do espaço urbano brasileiro, já legitimada pelo zoneamento e lei de
uso e ocupação de solo, passa a ser reforçada pelos novos instrumentos de
flexibilização da regulação urbanística existente, como as Operações Interligadas,
as Operações Urbanas Consorciadas e, como exemplo mais recente, a
Concessão Urbanística. Instrumento previsto no Plano Diretor Estratégico de
2002 de São Paulo (São Paulo, 2002), ele foi utilizado para tentar viabilizar o
Projeto Nova Luz, projeto de renovação urbana da área central lançado pela
Prefeitura Municipal em 2005. Embora estes instrumentos de flexibilização
apresentem como contrapartidas ao desenvolvimento imobiliário a mitigação de
impactos para a população de baixa renda e a inclusão social, seus resultados
têm sido altamente excludentes, gerando grandes impactos negativos para a
população pobre, que vive e trabalha nas áreas de intervenção.

ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
A partir desta perspectiva, o Centro de São Paulo se apresenta
como exemplo emblemático de um dinâmico processo de investimentos e
desinvestimentos, onde o desenvolvimento de novas centralidades para o vetor
Sudoeste da cidade afastou os investimentos públicos e o interesse do mercado

Simone Gatti
123
imobiliário da área central, mantendo-a acessível para as classes populares. A
partir dos últimos anos, com a escassez de estoque construtivo em outras áreas
da cidade, o interesse econômico pelo Centro é retomado, iniciando um
processo de reversão do esvaziamento populacional e passando também a ser
foco de grandes projetos urbanos.
É neste contexto que se enquadra o tradicional distrito de Santa
Ifigênia, localizado a oeste do Centro Histórico da cidade de São Paulo, cujo
comércio elegante e residências de alto padrão foram sendo substituídos pelo
comércio popular e moradores de menor poder aquisitivo a partir da década de
1950. Hoje, apesar da perda populacional que sofreu nas últimas décadas, é
repleto de atratividades e dinamismo característicos dos centros urbanos: possui
um importante polo comercial de produtos eletroeletrônicos localizado na Rua
Santa Ifigênia e imediações; é beneficiado por importantes equipamentos de
cultura e lazer e está inserido em uma região amplamente atendida por
transporte público de alta capacidade. Contudo, é também foco de diversidade e
contradições sociais marcadas pela presença do mercado informal, pelos cortiços
habitados por moradores de baixa renda e pela presença dos moradores de rua
e usuários de drogas, mais especificamente o crack, o que favoreceu a
estigmatização da área e sua denominação como “cracolândia”.
Este território repleto de contradições passou a ser alvo das
políticas públicas desde a década de 1970 a fim de se reverter o processo de
deslocamento das elites e a popularização da área, através de projetos de
renovação urbana. As propostas tiveram início com o projeto do renomado
escritório Rino Levi Arquitetos Associados para a área em 1977 (César, Franco e
Bruna, 1977), passando pelo Projeto “Luz Cultural” desenvolvido em 1984 na
gestão do prefeito Mário Covas (1983-1985), até culminar no Projeto Nova
Luz, lançado em 2005 na gestão do prefeito José Serra1 (2005-2006), do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja continuidade foi atribuída ao
seu sucessor, o então vice-prefeito, Gilberto Kassab (2006-2012), do Partido
Democratas (DEM).
O Projeto Nova Luz teve como objetivo a renovação de 45
quadras do distrito de Santa Ifigênia (figura 1), área limite a outro grande projeto

1
José Serra e Gilberto Kassab foram eleitos em 2004 para os mandatos de prefeito e vice-prefeito
respectivamente de 1º de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2008. Em 31 de março de 2006,
José Serra renunciou ao cargo para concorrer às eleições do Governo do Estado de São Paulo e
Gilberto Kassab assumiu a prefeitura. Em 2008, Kassab foi eleito prefeito para o mandato entre 1º
de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2012.
124 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
urbano promovido pelo Governo do Estado de São Paulo, a Escola da Dança,
projetada pelo escritório suíço Herzog & de Meuron. Seu principal antecedente
foi um Programa de Incentivos Seletivos, lançado na gestão do então prefeito
José Serra (2004-2006) para atrair empresas da área de tecnologia da
informação e telecomunicação, prevendo isenções fiscais às empresas
interessadas em se instalar na região (São Paulo, 2005). Porém não houve
interesse por parte das empresas em função da estrutura fragmentada do
território, cujos terrenos pequenos e grande número de proprietários
dificultavam as negociações para aquisição dos imóveis. Com intuito de
pressionar os proprietários, a Prefeitura promulgou um Decreto de Utilidade
Pública, a fim de possibilitar eventual processo de desapropriação.

Figura 1: Perímetro do Projeto Nova Luz.

Fonte: Gatti, 2015.

Simone Gatti
125
Dada a dificuldade na aquisição de imóveis e a falta de recursos do
Poder Público Municipal para a transformação da área, foi definida a Concessão
Urbanística como instrumento viabilizador do projeto. Através do instrumento,
previsto pelo Plano Diretor de 2002 e aprovado pela Lei nº 14.917 de 2009
(São Paulo, 2009a), o poder executivo concede ao empreendedor privado o
direito de desapropriar e explorar os imóveis localizados na área do projeto,
dando como contrapartida investimentos em transporte, sistema viário, criação
de áreas verdes e novos espaços públicos, infraestrutura e habitação de interesse
social, previstos em projeto urbanístico específico.
O argumento para o uso da Concessão Urbanística se baseia na
possibilidade de induzir as transformações urbanas em áreas degradadas e
minimizar a necessidade de investimentos pelo poder público em áreas
declaradas como de utilidade pública e interesse social. Contudo, o instrumento
é questionável juridicamente por ser vedada ao poder público a desapropriação
de imóveis para fins de revenda e por serem permitidas desapropriações apenas
por empresas de fornecimento de serviços públicos. A legislação, conforme foi
aprovada, não concede ainda garantias de permanência aos proprietários e
inquilinos dos imóveis a serem desapropriados.
Aprovada a Lei nº 14.918 de 2009 (São Paulo, 2009b), que
autorizou o executivo a aplicar a Concessão Urbanística na área do Projeto
Nova Luz, estava formado o cenário para o início de uma intervenção urbana
viabilizada pelo chamariz do megaprojeto, onde o papel do ente público seria
definidor para a elaboração dos pactos e definição dos atores, mas cujo ônus
seria remetido ao mercado privado através da aplicação de um instrumento
inédito na regulamentação urbanística brasileira, sem precedentes de aplicação.
Nesta trama de articulações e definições de responsabilidades
sobre a produção do espaço público e a exploração do espaço privado, o
principal ator, o morador, aquele que habita o espaço em questão, usufrui de
sua estrutura e sofre com seus problemas cotidianos, foi mantido à margem do
processo. Seria informado na hora do despejo ou nos exíguos canais de
comunicação formalmente construídos para a divulgação de um projeto já pré-
estabelecido.
Após a aprovação da lei, foi lançada no final do mesmo ano a
licitação para a contratação dos projetos, no valor de 12 milhões de reais. O
consórcio vencedor, formado pelas empresas brasileiras Cia City, Fundação
Getúlio Vargas e Concremat e pelo escritório de arquitetura norte-americano
AECOM, finalizou os estudos em meados de 2012, último ano da gestão
126 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
Kassab, trazendo no seu repertório modelos importados de contextos muito
diversos da complexidade social existente na área central de São Paulo.
Foram utilizadas referências como a Rambla de Barcelona, o
Campo Santa Margherita de Veneza, o Parque Victoria Manalo de São Francisco
e o Bryant Park de Nova Iorque, conforme figura 2. São referências de desenho
urbano que buscaram compatibilizar escalas semelhantes e eixos geradores de
perspectivas significativas para compor espaços públicos generosos, porém, a
estrutura social existente e suas formas de interação com a paisagem e com a
vida urbana não foram colocadas como pré-requisitos de projeto.

Figura 2: Referências do Projeto Nova Luz.

Fonte: São Paulo, 2011a.

Sobre um território 'neutro', o desenho urbano moldou uma nova


cidade e apresentou, como critérios de intervenção, apenas elementos materiais
e construtivos, propondo transformar e demolir lugares representativos da
memória social, do patrimônio imaterial e cultural existente. Todo um complexo
conjunto de atividades que participaram da produção de várias faces da história
urbana de São Paulo foi desconsiderado, legitimando a permanência de

Simone Gatti
127
edificações preservadas por critérios formais e desarticuladas das relações de
coletividade construídas historicamente.
O desenho urbano proposto teve como objetivo principal a
ruptura da estrutura fundiária fragmentada do centro de São Paulo para a
liberação de grandes áreas para investimentos imobiliários. Este desenho, belo
ou não, é ainda mais estranho aos olhos daqueles que seriam impactados
diretamente, pois o traço no papel foi feito de forma autoritária, não permitindo
o redesenho. Foi impositivo, definindo quem sai e quem entra, já que a
participação da sociedade não foi pré-requisito para sua elaboração. Embora
estivesse presente a prerrogativa da elaboração de um Plano de Comunicação
no decorrer do projeto, este não foi elaborado com metodologia de
participação efetiva. Audiências Públicas, um posto de informação localizado na
Rua General Couto de Magalhães e o site oficial do projeto funcionaram como
procedimentos formais para legitimar um projeto pré-definido nas instâncias do
governo, sem interação real com a comunidade.

O CONSELHO GESTOR DA ZEIS E A FORMAÇÃO DE UM


PROCESSO DE RESISTÊNCIA
Houve, contudo, uma brecha por onde a sociedade civil pode
formular um posicionamento de resistência. Segundo o Plano Diretor Estratégico
de 2002 (op. cit.), aproximadamente um terço da área do perímetro do Projeto
Nova Luz foi demarcada como Zona Especial de Interesse Social, a ZEIS 3 C
016 (Sé). As ZEIS 3 são áreas prioritárias para a construção de HIS (Habitação
de Interesse Social), demarcadas em “áreas com predominância de terrenos ou
edificações subutilizadas em áreas dotadas de infraestrutura, serviços urbanos e
oferta de empregos, ou que estejam recebendo investimentos dessa natureza”
(São Paulo, 2002). Nas ZEIS 3, nas novas construções 40% do total de área
construída computável deve ser destinada para HIS e os demais 40% para HIS
ou HMP (Habitação de Mercado Popular) (São Paulo, 2004). A demarcação da
ZEIS tornou ainda obrigatório o desenvolvimento de um Plano de Urbanização,
o PUZEIS, e a formação de um Conselho Gestor, paritário entre o poder
público e a sociedade civil, para elaborá-lo e aprová-lo. O Conselho Gestor da
ZEIS 3 C 016 (Sé) correspondeu, na prática, ao único canal de gestão
participativa efetiva durante o desenvolvimento do Projeto Nova Luz (Gatti,
2015).

128 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
Inicialmente os embates políticos em torno do Projeto Nova Luz
eram polarizados na questão do comércio local, cujos comerciantes se
mobilizaram para a formação de uma associação frente à aprovação da Lei de
Concessão Urbanística, em 2009. Os moradores não possuíam
representatividade e a problemática habitacional não era sequer debatida. A
partir da formação de uma associação de moradores no perímetro do projeto, a
AMOALUZ (Associação de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e Luz), os
doze movimentos de moradia atuantes na região central se reuniram para
pressionar o poder público a formar o Conselho Gestor da ZEIS.
A formação da AMOALUZ possibilitou que o debate sobre a
moradia local alcançasse a imprensa e a opinião pública, bem como a
participação da população residente na pauta de negociações com a Prefeitura
Municipal de São Paulo e com a equipe do Consórcio Nova Luz. O processo de
formação da AMOLUZ foi caracterizado pela dificuldade de mobilização junto à
população local que, pelo grau de vulnerabilidade social existente na região, se
manifestava indiferente ao projeto urbanístico ou descrente de qualquer
possibilidade de transformação do processo advindo da manifestação popular.
Os inquilinos, responsáveis por 49,5% da população local (Gatti, 2015), eram os
mais relutantes em atuar politicamente frente ao processo imposto pelo poder
público, à medida que se julgavam despossuídos de qualquer direito frente a sua
moradia e à vida no bairro, mesmo sendo muitos deles residentes no mesmo
local há décadas. E os comerciantes locais, embora engajados na luta contra a
Concessão Urbanística, recusavam-se a debater o projeto com a comunidade
enquanto a legislação não fosse revista.
O Conselho Gestor da ZEIS 3 C 016 (Sé) teve suas atividades
iniciadas em junho de 2011, em um processo que envolveu muitas
particularidades. Dentre elas: a ZEIS estava inserida no perímetro do Projeto
Nova Luz e por isso o PUZEIS seria elaborado em conformidade com as
propostas do Projeto Urbanístico Específico; o Plano já havia sido desenvolvido
pela prefeitura e pela Cia City, que integrou a equipe do Consórcio Nova Luz, e
não pelo Conselho Gestor da respectiva ZEIS; e o PUZEIS seria viabilizado por
legislação específica, a Lei nº 14.917/2009 que autorizou o executivo a aplicar a
Concessão Urbanística na área da Nova Luz. Todos estes fatores indicavam o
comprometimento, a priori, do processo de construção democrática do Plano
de Urbanização da ZEIS.

Simone Gatti
129
Ainda assim, a formação deste Conselho, após intenso processo de
pressão por parte da sociedade civil, representou um momento histórico para as
políticas públicas de São Paulo, seja pela forma como a sociedade se organizou
para viabilizar a sua formação, unindo todos os movimentos de moradia atuantes
na área central da cidade, seja pelo fato de ser o 1º Conselho Gestor a ser
formado em São Paulo para uma ZEIS demarcada em áreas centrais, a ZEIS 3.
Isto significa que, independentemente da viabilização do Projeto
Nova Luz, foi formado um Conselho Gestor deliberativo para acompanhar o
Plano de Urbanização de uma porção do território demarcado pelo Plano
Diretor de 2002, prioritária para a construção de habitação para a população de
baixa renda, com vitalidade não apenas durante a etapa de projeto do plano de
urbanização, mas, em tese, durante todo o processo de sua implantação,
acompanhando e fiscalizando as projeções pactuadas e deliberadas.

Figura 3: Reunião preparatória da comunidade.

Autoria: Camila de Oliveira, 2014.

GANHOS E PERDAS
A atuação da sociedade civil no conselho, composta por entidades
sociais, moradores e comerciantes, possibilitou a viabilização do cadastramento

130 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
de moradores e comerciantes presentes no perímetro do projeto, o que tornou
possível pela primeira vez a identificação do perfil populacional da área, já que
todo o projeto havia sido elaborado com base em pesquisas amostrais.
O cadastro no perímetro da ZEIS identificou que 85,27% da
população possuía renda inferior a três s.m. (salários mínimos), 72,09% viviam
em imóveis alugados e 84,35% eram trabalhadores informais, contrariando as
pesquisas anteriores que apontavam graus bem inferiores de vulnerabilidade
social, com apenas 44,39% das famílias com renda inferior a três s.m. (Gatti,
2015).
Estes dados reforçaram o argumento da necessidade de se
repensar a forma de atuação nas ZEIS demarcadas em áreas bem localizadas e
sujeitas a intensos processos de valorização imobiliária, onde as habitações
existentes certamente terão os seus aluguéis elevados após a reurbanização e os
futuros moradores das novas unidades habitacionais terão dificuldades para arcar
com os custos de financiamento habitacional, ou ficarão reféns dos processos de
valorização impulsionados pelo mercado.
Outro fator de interesse obtido no cadastro é o tempo de
residência das famílias no bairro, onde a grande maioria vive na área há menos
de dois anos, o que evidencia o alto índice de mobilidade residencial da região,
não compatível com políticas habitacionais somente destinadas ao sistema da
casa própria. O número de imóveis tipo estúdio, para pessoas que vivem
sozinhas, também foi predominante na região, sendo item fundamental para
equacionar o dimensionamento das habitações a serem propostas para a
respectiva ZEIS.
A sociedade civil no ambiente do Conselho viabilizou ainda uma
série de alterações significativas no projeto urbanístico do projeto Nova Luz,
iniciadas pela revisão das diretrizes apresentadas pelo projeto original.
Considerando as especificidades que envolvem um Plano de Urbanização para
esta área, as diretrizes apresentadas pelo Consórcio Nova Luz foram pensadas
de forma simplista e genérica, com indicações abstratas, que não consideraram
seu fator locacional, não incluíram a necessidade de garantias de atendimento
habitacional à população residente e de permanência dos atuais moradores e
comerciantes, um dos objetivos principais das ZEIS 3, já que foram demarcadas
em áreas de ocupação precária.
Com base nesta análise, os representantes da sociedade civil
apresentaram a proposta de ampliação das 11 diretrizes iniciais para 37

Simone Gatti
131
diretrizes, incluindo a obrigatoriedade do desenvolvimento do cadastro, que
ainda não tinha sido realizado pela Secretaria Municipal de Habitação, e as
demais demandas relacionadas às especificidades de se produzir em ZEIS 3.
Durante a apresentação das novas diretrizes, a proposta de revisão
dos critérios de intervenção do Projeto Nova Luz gerou um longo e caloroso
debate. A proposta colocada pela sociedade civil (aprovada após exaustivas
discussões) da necessidade de revisão dos critérios para definição dos imóveis a
renovar e a permanecer a fim de não considerar apenas elementos construtivos
e do interesse do mercado imobiliário, mas também a atividade produtiva
existente e usos que representavam a memória do bairro e da região provocou
a reação da coordenação do Projeto Nova Luz em defesa do projeto já
concebido e desses critérios como viabilizadores econômicos da Concessão
Urbanística.
O Plano de Urbanização da ZEIS foi apontado como conteúdo da
Concessão Urbanística e que, portanto, deveria estar submetido aos seus
critérios e objetivos e ser desenvolvido nas áreas liberadas para produção
habitacional. No entanto, foram justamente os critérios de exclusão da realidade
socioeconômica e territorial existente que levou à proposta de revisão,
considerando que a demarcação da ZEIS é anterior ao Projeto Nova Luz e o
Conselho Gestor tem a função não somente de aprovar o Plano de Urbanização
de ZEIS, mas de elaborá-lo a partir de novos critérios.
A proposta para a ampliação das Diretrizes do Plano de
Urbanização de ZEIS incluiu ainda a necessidade de priorização da produção de
HIS sobre as demais intervenções do Projeto Nova Luz, a fim de que as
contrapartidas sociais não fossem os últimos elementos do projeto a serem
implantados.
Foram inseridas diretrizes que vincularam as demolições ao início
das obras, bem como a não interrupção das mesmas, para que os terrenos
vazios não se multiplicassem na área de intervenção, como os muitos já
existentes desde as demolições iniciadas em 2007.
Foram introduzidas questões específicas sobre a atividade produtiva
local, como a necessidade de se reservar áreas comerciais nos térreos dos
edifícios habitacionais, a fim de garantir a permanência do ponto existente nas
áreas a serem demolidas. Os representantes do comércio no Conselho Gestor
incluíram ainda diretrizes referentes à atuação da Concessão Urbanística sobre o
comércio da região, como a criação de instrumentos que lhes dessem garantias

132 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
econômicas, financeiras e securitárias em caso de desapropriações e
indenizações pelo fundo de comércio.
A necessidade da criação de instrumentos que garantissem o
atendimento habitacional da população residente e a sua permanência na área,
por prioridade definida de acordo com o impacto sofrido pela população, foram
introduzidas como diretrizes do PUZEIS, bem como que as políticas
habitacionais fossem formuladas de forma a coibir a mercantilização das
habitações sociais produzidas na ZEIS, considerando o fator locacional da ZEIS 3
e os processos de valorização da área, sobretudo para a população com renda
de até três s.m., que necessita de políticas alternativas ao modelo da casa própria
por estarem sujeitas aos processos de gentrificação. Segundo as novas diretrizes,
deveria ser garantida a realocação do morador de sua habitação atual apenas
para a habitação definitiva, sem ter que se dirigir a habitações provisórias, para
que fossem evitadas as dispersões comuns em processos de remoção, ou
mesmo para que mudanças na gestão governamental não provocassem a
alteração das decisões pactuadas.
O Plano de Urbanização proposto pelo Consórcio Nova Luz não
considerou diretrizes de cunho social, como políticas multidisciplinares para a
geração de emprego e renda e qualificação profissional, bem como não
apresentou propostas para qualquer sistema de acompanhamento social pós-
ocupação. Temas que foram, portanto, inseridos nas novas diretrizes
apresentadas pela sociedade civil, como a implantação de uma gestão
compartilhada entre poder público e movimentos de moradia, a fim de garantir a
adaptabilidade dos moradores de baixa renda à nova habitação, à convivência
em condomínio e à emancipação econômica.
A revisão das diretrizes do PUZEIS abriu caminho para a
materialização de propostas que possibilitaram alterações significativas não
apenas no planejamento proposto para o território da ZEIS, mas para todo o
perímetro do projeto Nova Luz. Com relação à produção habitacional, que é o
ponto central do debate no Conselho Gestor da ZEIS 3 C 016 (Sé), mesmo
com todas as tentativas de convencimento por parte do poder público de que
haviam números suficientes de habitação social no projeto, a sociedade civil
conseguiu elevar o percentual de área construída destinada à HIS de 50% para
80%, restando 20% para a produção de HMP, conforme número de famílias
com renda inferior a seis s.m. identificada na pesquisa amostral no perímetro do
projeto.

Simone Gatti
133
Mesmo com a recusa pela extensão do número de
empreendimentos de habitação social para fora do perímetro da ZEIS,
mantendo-se apenas o exigido pela legislação, a ampliação no número de HIS
sobre HMP no perímetro da ZEIS representou uma importante conquista dos
movimentos de moradia na luta pela reserva de áreas para a população de baixa
renda na região central, já que absorve o maior déficit habitacional da cidade e
poderia ampliar as possibilidades de manutenção das famílias afetadas
diretamente pela intervenção, de oferta habitacional para os moradores
impactados pela valorização imobiliária decorrente da reurbanização da área e da
destinação de habitação social bem localizada para famílias que vivem em áreas
distantes, mas trabalham no centro, contribuindo assim para a redução dos
conflitos de mobilidade e a democratização da terra urbana.
Já a Instrução Normativa do cadastro, importante documento
construído pela sociedade civil no ambiente do Conselho Gestor para regular o
atendimento habitacional e garantir a permanência da população residente, não
foi incluída no PUZEIS aprovado. Foram excluídos importantes direcionamentos
pactuados entre poder público e sociedade civil, tais como o compromisso do
poder público em substituir o protocolo de cadastro entregue às famílias por um
cartão de atendimento, que funcionaria como a garantia de atendimento
habitacional, e as diretrizes para o atendimento às famílias de imigrantes em
situação irregular, que representam um alto percentual entre os moradores do
perímetro de intervenção.
Ainda com os percentuais de HIS ampliados, haveria o risco de só
serem atendidas famílias com rendas maiores de três s.m., não favorecendo a
real demanda da região, já que o Plano Diretor de 2002, então em vigor, não
definia um percentual para as famílias de baixa renda, e com a produção de HIS
a cargo do concessionário, possivelmente o atendimento habitacional se
concentraria nas rendas entre cinco s.m. e seis s.m., como já apontava o
histórico da produção privada de HIS em ZEIS.
Este tipo de distorção promovido pela regulação em vigor só
poderia ser coibido através de um acompanhamento preciso do Conselho
Gestor durante todo o processo de indicação da demanda e reassentamento das
famílias nas unidades habitacionais construídas. O cadastro já se configurava
como o início deste processo, pelo menos em relação à população de baixa
renda residente na área de intervenção. Outra forma de coibir esta distorção
seria com a implementação de uma política habitacional alternativa ao modelo da
propriedade individual privada, como a criação de um parque público de locação
134 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
social. Contudo, este modelo prescindia alocação de subsídios aquém do
planejado no modelo da Concessão Urbanística, onde o lucro do concessionário
era a guia mestra para as intervenções do poder público.
Outro importante assunto debatido durante a elaboração do Plano
foi a reivindicação da sociedade civil para impedir a demolição de
estabelecimentos representativos do patrimônio cultural e do processo histórico
de construção da identidade do lugar e de seus moradores, bem como a
necessidade da criação de políticas públicas para garantir sua preservação.
Com base no questionamento sobre as demolições propostas, a
AMOALUZ realizou uma pesquisa com moradores da região, sobretudo os mais
antigos, presentes no bairro há décadas, na tentativa de identificar esses lugares e
garantir sua permanência. Este levantamento identificou a existência de 12
estabelecimentos de comércio ou serviços representativos da história e da
memória do bairro, como a Tabacaria Reis, no bairro desde 1915, a loja de
instrumentos musicais Casa Del Vecchio, desde 1921, o restaurante Filé do
Moraes, desde 1929 e o Bar Léo, inaugurado em 1940.
A proposta de preservação dos comércios e serviços de valor
histórico e cultural gerou um intenso e cansativo debate no Conselho Gestor da
ZEIS, considerando a posição inflexível do coordenador do Projeto Nova Luz,
arquiteto Luiz Ramos, em preservar usos ligados ao espaço construído. Na visão
dele, as atividades existentes hoje estariam sempre sujeitas a transformações e
por isso não haveria sentido comprometer um plano urbanístico para preservá-
las. “O projeto urbanístico, ele não é um projeto que tem esse caráter de
programação cultural, programação social [...] Isso é uma coisa complementar”,
argumentou Ramos (GATTI, 2015). Ou seja, a cidade existente e o uso que se
faz dela não possui qualquer valor perante o “novo” que poderia ali ser
instaurado.
O edifício localizado na Rua Mauá 342 a 360, na quadra formada
pela Rua General Couto de Magalhães, Rua Washington Luiz e Avenida Cásper
Líbero, sede da “Ocupação Mauá”, foi outro representativo ponto de
questionamento sobre as demolições propostas pelo Projeto Nova Luz. O
imóvel ficou abandonado por 17 anos, sem cumprir a função social da
propriedade, com tributos e taxas não pagas pelo proprietário desde 1974,
quando foi ocupado em 2007 para abrigar 237 famílias.
As famílias moradoras da ocupação, que trabalhavam na região
central e tinham suas 180 crianças frequentando escolas e creches próximas,

Simone Gatti
135
ocuparam o prédio, tiraram o lixo acumulado por anos de desuso e
transformaram um local abandonado em moradia. O edifício seria demolido
pelo Projeto Nova Luz para a construção de um centro de entretenimento no
local, ocupado por cafés, restaurantes e cinema, não respeitando os critérios
definidos pelo próprio projeto, onde seriam mantidas as edificações com mais de
20 unidades residenciais.
Embora não estivesse no perímetro da ZEIS, e sim na área
envoltória, a Ocupação Mauá entrou no debate do Plano de Urbanização de
ZEIS por pressão dos movimentos de moradia presentes no Conselho Gestor.
A luta e a conquista pela permanência do edifício da Ocupação Mauá no
contexto do Projeto Nova Luz representaram mais do que a luta pelo direito à
moradia, representou a batalha dos movimentos sociais para a reconversão dos
prédios abandonados do centro da cidade em moradia para a população de
baixa renda que trabalha, estuda e possui laços sociais com o bairro e com o
centro de São Paulo.
Estes foram alguns dos temas debatidos ao longo de 10 meses de
reuniões do Conselho Gestor, do início da sua formação, em junho de 2011,
até a aprovação do plano, em abril de 2012, tempo consideravelmente inferior à
complexidade do debate e das questões a serem equacionadas para um projeto
de tal dimensão.
O PUZEIS foi aprovado antecipadamente, à revelia da sociedade
civil, para que fosse viabilizado o edital da licitação de execução do projeto ainda
na gestão do prefeito Gilberto Kassab. O Conselho Gestor, a priori, teria a
atribuição de deliberar apenas sobre o Plano de Urbanização da ZEIS 3, que
requer a liberação de áreas para a produção de moradia de interesse social, não
tendo atribuição legal nas tomadas de decisões sobre o restante do perímetro
do Projeto Nova Luz. Contudo, muitas das propostas apresentadas pela
sociedade civil no Conselho Gestor da ZEIS 3 C 016 (Sé) objetivaram a
ampliação do debate para questões além do escopo definido, seja por estarem
de uma forma ou de outra vinculada às questões tratadas pelo PUZEIS, ou por
considerar a importância de que canais de gestão participativa como Conselhos
Gestores pudessem fomentar sua atuação sobre políticas públicas de maior
alcance, já que o objeto de deliberação envolve questões que se relacionam
com o restante da cidade, por várias frentes.
Por outro lado, as propostas apresentadas não vislumbraram
apenas o cenário ideal inerente a um Plano de Urbanização de ZEIS, já que este
plano estaria vinculado às diretrizes do Projeto Nova Luz e sua viabilização pela
136 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
Concessão Urbanística, mas possibilidades de minimização de impactos,
sobretudo aos moradores e comerciantes locais e a população mais vulnerável,
cujas garantias de participação e inclusão no processo de transformação urbana
eram altamente remotas.
Estas propostas vieram para materializar as Diretrizes aprovadas
pelo Conselho Gestor, a fim de serem transformadas em políticas públicas
efetivas presentes no PUZEIS e, com sorte, transcender ao cenário de sua
viabilização econômica pela Concessão Urbanística, tão indesejada. Algumas
destas propostas de mitigação dos impactos sobre a população residente foram
introduzidas no plano aprovado no dia 4 de abril de 2012, porém com ressalvas
significativas e não na sua plenitude.
Das propostas apresentadas ao Conselho Gestor como revisão do
Plano de Urbanização da ZEIS 3 C 016 Sé, foram aprovadas proposições
referentes ao desenho urbano, porém as garantias de atendimento, as políticas
de salvaguarda ao patrimônio e as propostas que demandavam grandes
alterações no Projeto Nova Luz não foram acatadas pelo poder público, seja
porque a própria lei da Concessão Urbanística, da forma como foi redigida,
inviabilizaria garantias e direitos aos atuais ocupantes da área (sobretudo os
inquilinos, que compõe a grande maioria dos moradores e comerciantes), seja
porque alterações que modificassem a área a ser comercializada pelo
concessionário vencedor da licitação da Concessão Urbanística poderiam
acarretar numa significativa diminuição da lucratividade e uma consecutiva perda
de interesse do mercado em intervir na área.
A forma simplista e genérica como este debate foi transcrito para o
Plano de Urbanização de ZEIS final, retirado do seu contexto, com grande parte
das propostas inseridas como “sugestões” sem nenhuma garantia de efetivação,
foram algumas das motivações pela qual a sociedade civil se absteve de votar o
plano.

NOVOS E VELHOS RUMOS PARA UM MESMO TERRITÓRIO


No final de 2012 o Projeto Nova Luz foi embargado por uma
Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo a
pedido dos representantes da sociedade civil no Conselho Gestor, alegando a
falta de participação popular efetiva na elaboração do Plano de ZEIS e
irregularidades no processo de votação. A última decisão do Tribunal de Justiça
de São Paulo, que condenou o poder público a retomar os processos de
Simone Gatti
137
participação popular, aconteceu no início de 2013, já na gestão do novo
prefeito, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que no início do
mandado já havia sinalizado o ‘engavetamento’ do Projeto Nova Luz,
considerando o projeto da gestão anterior inviável social e economicamente.
Meses depois a prefeitura municipal anunciou que entraria como
parceira em uma Parceria Público-Privada fomentada pela agência Casa Paulista
do Governo do Estado de São Paulo para construir habitações na área central, a
PPP de Habitação do Centro. Esta seria então a ação que substituiria o Projeto
Nova Luz, porém intervindo não apenas sobre o distrito de Santa Ifigênia, mas
sobre todo o estoque de ZEIS 3 localizado no centro expandido de São Paulo,
contudo sem utilizar as prerrogativas legais incidentes sobre as ZEIS, como a
obrigatoriedade da formação de Conselhos Gestores e do desenvolvimento dos
Planos de Urbanização.
Mais uma vez estava sendo planejada uma transformação urbana
incidente sobre as áreas centrais sem participação popular e sem garantir a
permanência da população de baixa renda, já que não estavam previstos
cadastramento para a população residente, formas de controle social ou
alternativas para aquisição de moradia, além da propriedade privada,
inviabilizando o atendimento para as famílias de menor renda, que alugam
cômodos em cortiços, que não conseguem entrar no sistema formal dos
financiamentos habitacionais e que estão à margem dos processos de
acumulação do capital.
Analisando historicamente as diferentes propostas de
transformação urbana para o centro de São Paulo, ficam evidentes algumas
características das formas de atuação das gestões públicas brasileiras sobre o uso
e ocupação do espaço urbano. Os projetos e políticas públicas são elaborados
com metas de curto prazo, para que os resultados se efetivem nas gestões dos
atuais prefeitos. Evidentemente as ações não são concluídas em quatro anos, à
medida que a transformação do território envolve diversos fatores que vão além
do desenho urbano, abrangendo as atividades produtivas existentes, as relações
sociais e econômicas e as dinâmicas da cidade como um todo, sobretudo em
áreas de complexidade social como o perímetro do projeto Nova Luz. As
gestões subsequentes iniciam então novas abordagens, para serem efetivadas
novamente em curto prazo.
Temos como resultado um acúmulo de iniciativas de caráter
renovador, não concretizadas. Em paralelo, as ações cotidianas da administração
pública como coleta de lixo, iluminação, assistência social e limpeza urbana,
138 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
associadas às políticas de caráter mais amplo como produção de habitação social
e a utilização dos instrumentos urbanísticos existentes para viabilização do
cumprimento da função social da propriedade, são negligenciados em favor dos
grandes projetos urbanos “milagrosos” que visam a ruptura dos territórios
populares.
A opção pela transformação em curto prazo influencia também na
modelagem dos projetos urbanos, onde a participação da comunidade e a
construção coletiva das propostas de intervenção inviabilizam os prazos políticos,
fazendo as atuais gestões optarem por modelos prontos, rapidamente
elaborados e legitimados pela sociedade através de mecanismos formais de
consulta, como as Audiências Públicas, a fim de não inviabilizar os prazos pré-
definidos. Ações de cunho estrutural como problemas de saúde pública
existentes, tal qual o consumo do crack no perímetro do Projeto Nova Luz,
pretendem ser resolvidas com ações policiais aliadas à remodelação urbanística,
novamente para que seus resultados sejam comemorados no balanço de gestão
do então prefeito municipal.
O Projeto Nova Luz se insere nesta lógica de construção de
cidade, deixando como resultado um território mais vulnerável do que o
encontrado no início do projeto, já que áreas foram demolidas para futuras
intervenções não concretizadas e assim permanecem, contribuindo para o
estabelecimento de espaços inseguros, sem uso e sem vida. Contudo, a
resistência advinda das manifestações populares, representada, sobretudo, com a
atuação da sociedade civil no Conselho Gestor da ZEIS, pôde frear, ainda que
momentaneamente, a velocidade incessante da gestão política e pautar questões
fundamentais da realidade social e econômica local, dos usos e da ocupação do
espaço urbano construídos historicamente e dos direitos daqueles que ocupam
o território. O enfrentamento popular tem sido usado como arma de resistência
quando a solução deveria ser encontrada através de pactos sociais. Ainda que o
resultado não fosse a cidade mais bela, seria certamente a cidade possível e
desejada pelos que nela vivem e trabalham, cotidianamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
César, R. C., Franco, L. R. C. e Bruna, P. J. V., 1977. Área da Luz: renovação
urbana em São Paulo. São Paulo, Editora Perspectiva.

Gatti, S. F., 2015. Entre a Permanência e o Deslocamento: ZEIS 3 como


instrumento para a manutenção da população de baixa renda em áreas centrais
Simone Gatti
139
(o caso da ZEIS 3 C 016 - Sé inserida no perímetro do projeto Nova Luz). Tese
de Doutorado (Arquitetura e Urbanismo). São Paulo, Faculdade de Arquitetura e
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______., 2004. Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004. Estabelece normas


complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais
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criação do Programa de Incentivos Seletivos para a região adjacente à Estação da
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Disponível em:
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São Paulo. Disponível em:
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______. Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a política de


desenvolvimento urbano e o plano diretor estratégico do município de São
Paulo e revoga a Lei 13.430 de 2002 (PL 688-13). Diário Oficial da Cidade de
São Paulo, São Paulo, 01 Agosto 2014.

140 O Projeto Nova Luz em São Paulo: entre processos de exclusão e resistência popular
TRANSFORMACIONES RECIENTES EN EL CHALLAO
(ARGENTINA): ESCALAS Y DIMENSIONES URBANÍSTICAS

TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO CHALLAO


(ARGENTINA): ESCALAS E DIMENSÕES URBANÍSTICAS

Maria Jimena Sanhueza

Maria Jimena Sanhueza


141
RESUMEN
El presente capítulo aborda los procesos de transformación urbana
desde una perspectiva sociológica. El objeto de estudio es El Challao, en el área
metropolitana de Mendoza, Argentina. Habiendo constituido históricamente un
área de descanso y de culto, los movimientos poblacionales y urbanísticos
recientes han generado múltiples transformaciones en el distrito. El foco del
gobierno provincial y local se ha volcado hacia esta zona que está tomando un
nuevo rol dentro de la ciudad. En este contexto fue lanzado el Plan de
Desarrollo Turístico Sustentable. El análisis presenta las transformaciones urbanas
desde múltiples escalas: nacional, regional y local. Al reproducir mecanismos ya
conocidos en Latinoamérica y el mundo – gentrificación, crecimiento urbano – el
Challao evidencia la complejidad conquistada por los fenómenos urbanos. El
presente estudio realiza una contribución a la corriente en plena consolidación
en los estudios urbanos: el foco social y local.
Palabras clave: escalas urbanísticas, urbanismo sociológico,
paradigma multidisciplinario.

RESUMO
Este capítulo trata dos processos de transformação urbana de uma
perspectiva sociológica. O objeto de estudo é Challao na área metropolitana de
Mendoza, Argentina. Tendo sido historicamente uma área de descanso e
adoração, a população recente e movimentos urbanos têm gerado várias
transformações no distrito. O foco do governo provincial e local para esta área
está em assumir um novo papel dentro da cidade. Neste contexto, foi lançado
em Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo. A análise apresenta as
transformações urbanas de vários níveis: nacional, regional e local. Ao reproduzir
mecanismos conhecidos na América Latina e no mundo - gentrificação, o
crescimento urbano - Challao evidencia complexidade atingida pelos fenômenos
urbanos. Este estudo traz uma contribuição para a corrente em plena
consolidação em estudos urbanos: foco no social e no local.
Palavras-chave: escalas urbanas, sociologia urbana, paradigma
multidisciplinar.

142 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


INTRODUCCIÓN
El urbanismo se ha forjado como disciplina y como práctica
siguiendo la compleja trama de paradigmas y maneras de gobernar las ciudades
que marcaron el siglo XX (Bilel y Benbouzid, 2009). Si tomamos como ejemplo
Europa tan sólo unas décadas atrás las ideas de ciudad predominantes eran dos.
Por un lado la ciudad comunista, donde lo inmobiliario era colectivo y el Estado
no invertía en infraestructura o mantenimiento (Budapest, Bucarest, Kiev,
Zagreb). Por otro lado la ciudad occidental, en que se consideraba que el
crecimiento urbano debía regularse por la construcción de edificios y zonas
autónomas (Marseille, Milan) donde todos los servicios y comercios estuviesen
presentes. Estos son claramente ejemplos de maneras diversas en las que se
conciben las ciudades y conforman, por ende, paradigmas urbanos propios de
cada época. A ellos están asociados prácticas políticas y maneras de intervención
en las ciudades que son, evidentemente, dinámicas y cambiantes. La ciudad
actual se vuelca nuevamente hacia una regulación semi-privada en ciertos
contextos, a un crecimiento no planificado en otros; donde el centro urbano ha
vuelto a ganar protagonismo. Se habla de ciudad compacta, de ciudad verde, de
ciudad sustentable, de patrimonio; conceptos que espejan como pensamos y
gobernamos las ciudades en la actualidad.
A la par y en gran medida debido a los múltiples cambios (socio)
políticos que tuvieron lugar el pasado siglo comienza una mutación adentro de la
disciplina urbana, que consideramos se debe también a otros factores. A nivel
global la década de 1970 fue marcada por un interés creciente en el orden social
y las cuestiones sociales (la población, el ordenamiento territorial de la ciudad,
prácticas, culturas, costumbres) y el nacimiento asociado del estado regulador o
de bienestar. El universo político y el mundo académico adoptan visiones más
sociales e integradoras. A su vez el desarrollo y perfeccionamiento de técnicas y
herramientas para medir y conocer el territorio con vistas a una gestión eficiente
generó cambios en la manera de intervenir en la ciudad. Por último la cuestión
urbana se convirtió en objeto de variadas disciplinas sociales. La ciudad se vuelve
múltiple: la ciudad del geógrafo, del antropólogo, sociólogo, arquitecto,
politólogo, historiador o economista. Si observamos en mayor profundidad los
focos son diversos. Desde lo macro hasta lo micro, lo urbano se forja como un
espacio de cruce y debate. Desde la ciudad cultural (Castells, 1974), la ciudad
socializadora (Lefebvre, 1991), la ciudad gobernada (Bourdin, 2001); a la ciudad
territorial y local (Theys, 2001) o la ciudad globalizada (Sassen, 2005);
Maria Jimena Sanhueza
143
atravesando conceptos como la ciudad glocal – atravesada simultáneamente por
lógicas globales y cultura local – (Featherstone, 1995). La ciudad no es una,
única, sino se divide y escinde en partes múltiples e interrelacionadas.
Signados por estos fenómenos los estudios urbanos se han ido
transformando, territorializando y localizando. Algunos autores franceses refieren
a este proceso como un cambio de escala (Bilel y Benbouzid, 2009) tanto de lo
político como de lo urbano que da forma y marca la dinámica de las ciudades. El
urbanismo ve surgir y consolidarse un nuevo paradigma que propone un
profundo conocimiento de los fenómenos urbanos.
Este trabajo, basado en un estudio interdisciplinario, busca
sustentar y apoyar este cambio de paradigma reciente. El presente análisis se
basa en una perspectiva sociológica, transversal y multidisciplinaria, con un foco
central en los ciudadanos. Lo cual significa pensar la ciudad no sólo en términos
de eficacia y gestión espacial, sino como un territorio de naturaleza social. La
ciudad es moldeada por la organización, los actores y la lógica específica de cada
sociedad. Seguir el camino sociológico implica adoptar perspectivas locales y
localizadas, contextualizar el caso estudiado para comprender los roles de los
actores y los múltiples factores que interactúan en lo urbano (Hamman, 2008).
Significa comprender la complejidad de una zona estudiada, escuchando,
interpretando y teniendo en cuenta los múltiples actores – privados o públicos,
locales o externos – que enmarcan el proceso estudiado.
El ingrediente sociológico supera, por un lado, la tendencia
fragmentaria de la visión urbanística. Por el otro, la sociología busca comprender
por qué las políticas urbanas funcionan o no y cuáles son los motivos de esto,
realizando de esta manera un aporte capital a la ciencia urbanística clásica. ¿Cuál
será el impacto en la población? ¿Cuáles son las necesidades de la sociedad?
¿Cómo decidir el uso del territorio? ¿Cuáles serán las consecuencias o
potenciales de las intervenciones urbanas? ¿Qué medida es más eficaz para cada
contexto?, interrogantes que conforman el nodo principal de un urbanismo
sociológico. Siguiendo esta metodología el presente análisis gana de esta manera
en entendimiento, profundidad y complejidad ante el urbanismo clásico.

144 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


Mapa 1: El Gran Mendoza

Las condiciones climáticas de la ciudad y la región son de


importancia crucial para comprender la realidad actual de la zona estudiada. La
ciudad de Mendoza, y gran parte de la Provincia, son áreas de clima
predominantemente seco. La cordillera de Los Andes actúa como barrera
natural impidiendo el flujo de los vientos y condiciones húmedas desde el
Océano Pacífico, por lo cual Mendoza se caracteriza por ser una región
semiárida.
La región que conforma el centro de Mendoza se ubica en el oasis
al norte del Río Mendoza, su territorio se divide en zonas-ecosistemas que
dependen de la disponibilidad de aguas proveniente del deshielo de la cordillera.
Los “oasis de riego” así como las zonas que logran disponer del recurso hídrico,
abarcan tan sólo el 4% del total de la superficie de la Provincia y no obstante
concentran el 98% de la población (Instituto Nacional del Agua, 2009). Tales
oasis se han originado gracias al aprovechamiento y uso racional del escaso
Maria Jimena Sanhueza
145
recurso hídrico existente. El acceso al agua supone un gran condicionante para el
desarrollo de actividades económicas en la zona.

Mapa 2: Dirección del crecimiento urbano del Gran Mendoza.

El Challao
Centro de la ciudad de Mendoza
Distancia aproximada entre el microcentro y el Challao: 6 Kilómetros

El centro de la ciudad está actualmente rodeado por canales


naturales que constituyeron históricamente la fuente de agua de la población
local. Fomentado por el Estado la expansión física de la ciudad sigue los caminos
trazados por estas fuentes, frecuentemente hacia zonas vulnerables sin servicios
ni infraestructuras.

146 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


Fue en la década de 1950 que inició el proceso de expansión de la
ciudad de Mendoza hacia las jurisdicciones cercanas. Frecuentemente sin
regulación o legislación alguna las áreas naturales fueron conquistadas por la
urbe, proceso que se acentuó a partir de 1990 debido al boom inmobiliario y el
apogeo económico del periodo neoliberal. La ciudad creció conformando la
aglomeración denominada el Gran Mendoza que comprende actualmente seis
departamentos Mendoza capital, Godoy Cruz, Guaymallén, Las Heras, Luján de
Cuyo y Maipú. El Gran Mendoza cuenta actualmente con 850.000 habitantes.
El distrito Challao – que conforma el estudio de caso del presente
artículo – forma parte del departamento de Las Heras, situado al límite noroeste
de Mendoza Capital, a pocos kilómetros del centro de Mendoza. El
departamento cuenta actualmente con 203.000 habitantes (INDEC, 2010). En
términos poblacionales ocupa el segundo lugar en la escala metropolitana,
superando incluso a la ciudad de Mendoza.
Respecto a su conformación socio-físico Las Heras es muy extenso
y cuenta con paisajes heterogéneos. La zona oeste es predominantemente rural
y cuenta con diversos sitios turísticos, el principal cruce a Chile y numerosos
puntos de interés naturales lindantes a la Cordillera de Los Andes. La zona sur-
este es un área urbana/urbanizada, conectada con la ciudad y en gran parte
residencial. Es un territorio primordialmente seco, falto de infraestructuras pero
con alta densidad demográfica debido a su proximidad a la ciudad.
La zona oeste del Gran Mendoza – donde se ubica Las Heras – ha
visto dos grandes procesos de urbanización de características distintas. Entre las
décadas de 1950 y 1970 fue poblada por habitantes de escasos recursos. Es
decir que hasta recientemente villas y asentamientos ilegales se ubicaban en las
zonas de Las Heras aledañas al centro de Mendoza.
“[esta zona] constituye un área periférica, propia de las
aglomeraciones latinoamericanas, donde la ausencia de servicios, el
bajo costo de los terrenos, la buena localización relativa y los
problemas de titularidad de la tierra, configuran un ámbito propicio
para la atracción de población de escasos recursos” (Abraham, Roig
y Salomon, sin fecha)

Maria Jimena Sanhueza


147
Censos y estadísticas (DEIE, 2012; INDEC, 2010) confirman la
persistencia de factores de vulnerabilidad como desempleo, hacinamiento y
analfabetismo en la actualidad. Un segundo proceso de urbanización tuvo lugar a
partir de la década de 1980, en que el Estado realizó un avance planificado sobre
estos terrenos, dado el bajo coste de los mismos y su proximidad con el centro
urbano. De esta manera Las Heras acompaña el crecimiento de la zona céntrica
y la urbanización de las zonas periféricas del Gran Mendoza (Revista Veintitrés,
2011).

“A partir de 1980 comienza la ocupación caótica […] hacia el oeste


y hacia el sur. El propio Estado construye barrios mal emplazados
en zonas vulnerables […] Después vendrá la década del 90 [en
que los agentes privados reemplazan al Estado y] crecen los
municipios de Luján, Las Heras y Guaymallén” (Revista Veintitrés,
2011)
El crecimiento de Las Heras se acelera de manera marcada a fines
del siglo XX, constatándose por ejemplo que en 20 años la población del
departamento creció en un total de 25% (INDEC, censo de 2010).

“En el año 2001 […] el aumento poblacional se produce


preferentemente en Luján de Cuyo (30,7%), Maipú (22,4%),
Guaymallén (13,1%) y Las Heras (16,4%)” (Rizzo, 2010)

El departamento se puebla, dando inicio a un proceso


ininterrumpido de crecimiento demográfico, expansión urbana y desarrollo
económico que continúa hasta el día de hoy.

148 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


1
Mapa 3: Distribución de la Población en la Provincia de Mendoza

Esta reconquista del espacio por el Estado y otros actores fue


acompañada por un desplazamiento de algunos barrios populares hacia zonas
más lejanas, liberando terrenos que han sido paulatinamente adquiridos por
empresas privadas con el objeto de crear clubes, comercios o barrios privados
(Morgani y Raffani, 2012). Puede afirmarse en consecuencia que Las Heras está
viviendo un proceso de gentrificación. Sin embargo, en comparación con otros
departamentos de la aglomeración como Capital, Godoy Cruz o Guaymallén, la
misma es más bien tardía dado que no comienza sino hasta fines del siglo XX
(Rizzo, 2010).

1
Distribución demográfica en la Provincia de Mendoza. Fuente: Atlas Interactivo del Ministerio de
Educación de la Nación Argentina http://mapoteca.educ.ar/.
Maria Jimena Sanhueza
149
Este conjunto de transformaciones urbanas trae aparejado
consecuencias de orden social. Por un lado el aumento de desigualdades en la
zona estudiada. El departamento de Las Heras es actualmente un área de
contrastes sociales: constituido tanto por barrios populares como por barrios
privados, clubes y countries. Las Heras proyecta el mapa simbólico de
desigualdades sociales que gobiernan la región: la coexistencia de núcleos de
bajos y altos recursos, fuente de conflictos difíciles de gestionar para el municipio
(Revista Veintitres, 2011). Por otro lado la evolución reciente del departamento
lo ha convertido en el nuevo foco político y económico del Gran Mendoza
generando nuevos planes, proyectos y nuevas políticas públicas.
El distrito de El Challao, situado al oeste en zona montañosa, ha
sido poblado desde épocas indígenas por disponer de una fuente de agua
subterránea. Desde la conquista se forjó como el mirador y lugar de vacaciones
de la población de mayores recursos. Esto es lo que atestiguan libros y artículos
escritos sobre el distrito:
“Esta zona de Las Heras es un oasis de la precordillera y una
reserva natural de flora y fauna. Allí está el divisadero largo.
Además, fue habitado por tribus huarpes; es un sitio internacional
de fe cristiana y un lugar turístico y recreativo del Gran Mendoza
por excelencia” (Guerrero, 2003)
El Challao cuenta actualmente alrededor de 24.000 habitantes.
Hacia el sur, se puebla por 4 barrios privados y áreas urbanizadas. Hacia el norte
se ruraliza, siendo el área donde se encuentran campings, residencias y áreas
naturales.
La población mendocina conoce a El Challao por su iglesia, donde
se venera a la Virgen de Lourdes desde 1926. Recientemente a las funciones
residencial y religiosa se han articulado otras actividades recreativas y turísticas:
restaurantes, campings, zonas de entretenimiento, deporte aventura y complejos
de eventos. La coexistencia de estas múltiples actividades genera, como veremos
más adelante, conflictos diversos en la población local.
El Challao representa un caso de estudio enriquecedor en
urbanismo por diversas razones. Por un lado, el crecimiento del Gran Mendoza
y “su necesidad de nuevas tierras para urbanizar” (Abraham, Roig y Salomon, sin
fecha) se está orientando hacia las zonas del oeste, entre las cuales se incluye el
distrito estudiado. Como consecuencia y habiendo sido el Challao
históricamente un área relegada debido a su distancia del centro, la expansión
150 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas
física de la ciudad ha generado su inclusión y revalorización provocando el
desplazamiento de las poblaciones humildes. Por otro lado, esto ha obligado al
gobierno municipal a fomentar el desarrollo de infraestructuras de servicios (luz,
agua, gas, transporte), o al menos asumir el compromiso. Finalmente, el
gobierno actual (2011-2015) ha proyectado desarrollar la actividad turística,
sacando provecho de la cercanía con el centro de Mendoza, multiplicando así las
fuentes de empleo y valorizando el patrimonio natural e histórico del distrito.
Este conjunto de factores invitan a un estudio complejo e interdisciplinario del
área.
El proyecto público que someteremos a análisis en este trabajo es
el actual “Plan de posicionamiento de El Challao como destino turístico
sustentable” lanzado por el municipio de Las Heras y la Cámara de Turismo y
Comercio El Challao con la asistencia técnica de profesionales de la Universidad
Nacional de Cuyo. Las líneas principales apuntan a proporcionar mejor calidad
de vida a la población local, a través de la planificación participativa y la gestión
conjunta entre los sectores públicos y privados. El plan forma parte de un
proyecto urbano y económico orientado hacia la principal actividad de la región:
el turismo. La actividad turística ha visto “un continuo crecimiento a lo largo de la
última década y con su consecuente impacto positivo en la economía mendocina
en su conjunto y principalmente en las economías regionales” (Observatorio
para el Turismo Sostenible de Mendoza, 2013). Es en este contexto regional y
local se fomenta el desarrollo turístico que el municipio lanzó en 2013 el Plan de
Turismo Sustentable de El Challao.
El objetivo del Plan es “Posicionar a El Challao como un destino
turístico con perfil sustentable, integrado a los actores privados y públicos
vinculados al desarrollo de la actividad en un proceso de planificación y gestión
estratégica”. En primer lugar lograr que el Challao sea parte del circuito turístico
de la ciudad. En segundo, conseguir un turismo sustentable a largo plazo,
ecológico e integrado.
Como hemos visto, El Challao – una zona históricamente relegada
– se une al tejido urbano a raíz del crecimiento demográfico y la expansión física
de la ciudad. Esto brinda la posibilidad de crear una zona de explotación turística
que sea fuente de crecimiento y desarrollo; poniendo en valor su patrimonio
natural e histórico. El objetivo se persigue a través de diversas líneas de acción:
perfeccionamiento de la oferta turística, inversiones para señalización,
cartelización, puesta en valor del patrimonio histórico y cultural, formación y

Maria Jimena Sanhueza


151
preparación de empresarios, formación y preparación a habitantes, desarrollo de
nuevos productos y servicios, inclusión del Challao en mapas turísticos de
Mendoza, ordenamiento territorial y mejoramiento de la imagen del distrito.
Paralelamente se focalizará en áreas públicas: seguridad, educación, salud,
vivienda, empleo, gestión, servicios e infraestructuras.
Analizaremos a continuación cómo interactúan en este proyecto las
diversas escalas – nacional, regional y urbana – siguiendo un orden jerárquico.
Aportaremos gradualmente variables diversas que permitirán entender el
impacto social real o hipotético de las políticas desarrolladas a través del Plan de
Desarrollo Turístico en El Challao.

ESCALA NACIONAL: Mendoza en Argentina y en el Mercosur


Mendoza juega un rol importante en el eje este-oeste, y es la
principal ciudad del oeste Argentino y de la región de cuyo. En términos
poblacionales representa la cuarta ciudad más grande del país y su ubicación
geográfica le otorga un rol destacado en el Mercosur (Mercado Común Del
Sur). El crecimiento económico en el área, y el establecimiento de Mendoza
como polo del Mercosur, genera diversos cambios en la urbanidad: el
desplazamiento e instalación de actividades y empresas y creación de nuevos
empleos, entre otros. Estos cambios trajeron aparejados el crecimiento
demográfico y la expansión de la aglomeración hacia zonas geográficas más
vulnerables. Siguiendo este proceso, el Gobierno de la Provincia desarrolla las
infraestructuras de servicios, comunicaciones y transporte “ejes de desarrollo
para la integración a la economía global” y claves para el logro de los objetivos
económicos propuestos (Morgani y Raffani, 2012).
Si bien las actividades agroindustriales fueron por mucho tiempo la
actividad principal de la región, a partir de los años 1990 se da en la ciudad un
crecimiento importante del sector de servicios comercial, financiero e
institucional (Margani y Raffani, 2012). Mendoza es actualmente un polo de
atracción económico y turístico en Argentina y el Mercosur. Su crecimiento se
dio de la mano de inversiones extranjeras, la apertura al comercio internacional y
el turismo. El municipio y la provincia, siguiendo este objetivo económico, han
propuesto la ciudad como sede de eventos deportivos, congresos, conferencias,
encuentros y otros eventos de carácter internacional.
Mendoza cuenta hoy con un aeropuerto internacional, terminal de
ómnibus y es el principal cruce fronterizo que une Argentina y Chile (el corredor

152 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


bioceánico), fomentando el turismo nacional e internacional. La ciudad es elegida
por turistas, entre quienes se destacan argentinos y chilenos, estudiantes que
llegan de diversas latitudes y trabajadores argentinos y de otras naciones.
El crecimiento económico es acompañado, así, por una serie de
movimientos poblacionales que origina un alza en la demanda inmobiliaria,
construcción de inmuebles, revalorización de terrenos, creación de nuevos
centros, desarrollo de infraestructuras públicas (transporte, salud, servicios) y el
movimiento de zonas de inclusión/exclusión (Grey de Cerdan, 2005).

ESCALA REGIONAL: Mendoza, economía y demografía


Como hemos visto anteriormente, gran parte del desarrollo
urbano proviene de la actividad turística, que generó a modo de ejemplo en
2013 “un ingreso […] de $ 7.284 millones” (Observatorio para el Turismo
Sostenible de Mendoza, 2013).

Tabla 1
Producto Bruto Geográfico 2009 (en pesos argentinos)2
Actividad Mendoza Area Metropolitana
Minas y Canteras 7.118.720 1.236.815
Industria Manufacturera 5.380.206 4.369.157

Comercio, Restaurantes y Hoteles 9.116.392 7.501.877


Establecimientos Financieros, Seguros, Bienes 4.097.954 2.775.266
Inmuebles y Servicios a la comunidad
Servicios Sociales, Comunales y Personales 6.083.362 3.947.838
Fuente: Revista Veintitres, 2011.

Sumado a actividades industriales y terciarias el turismo constituye


fuente primordial de actividades y empleo. El desarrollo de actividades turísticas
genera ingresos y, de manera indirecta, el mejoramiento de infraestructuras, la
construcción de hoteles, la construcción de atractivos, empleo y el crecimiento
de los otros sectores de la economía. La ciudad de Mendoza crece y las Heras
con ella.

2
El valor del peso argentino en 07 de julio 2015 fue de 35 centavos de real (ARS $ 1,00 = R$
0,35) como el sitio “Conversão de Moedas do Banco Central do Brasil”. Disponible en:
http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp [Accesado el día 8 jul. 15]
Maria Jimena Sanhueza
153
La financiación de planes de vivienda por parte del gobierno, las
políticas desarrolladas por el municipio y la expansión territorial del Gran
Mendoza han generado de igual forma el crecimiento demográfico del
departamento Las Heras. El proceso de expansión física de la ciudad ha llevado a
diversas transformaciones físicas, sociales y económicas de la zona. Procesos
que toman la misma forma en diversos contextos: primero, la ciudad atrae
población la cual para instalarse necesita avanzar sobre tierras vacías, industriales
o barrios vulnerables. La ubicación de nuevos pobladores genera, a su vez,
negocios y oportunidades económicas que son creados en la zona. Pero el
proceso no se detiene allí. La ciudad continúa creciendo, cada vez más
individuos requieren o desean habitar estas zonas, provocando un alza en el
valor de esos terrenos.
El Challao, al formar parte del primer anillo metropolitano, entra
rápidamente en los procesos de revalorización – política, económica y turística –.
Consecuentemente, desde los años 90 el Estado lanza las primeras políticas de
inclusión y planificación de las zonas aledañas al centro de Mendoza, entre las
cuales se incluye el distrito observado (Abraham, Roig y Salomon, sin fecha). En
el área que rodea el Challao se instalaron alrededor de diez barrios privados. La
zona cambió su perfil, habiendo sido predominantemente residencial y periférica,
es hoy en día un adyacente a la ciudad, concentrando espacios de
entretenimiento, descanso y recreación frecuentados por visitantes de la región y
de afuera.
El nuevo rol del Challao se vislumbra en varios niveles. Los
servicios públicos, algunos ausentes hasta la hora actual, están siendo
desarrollados. Se construyen hoteles y cabañas. Se multiplican las líneas y
frecuencias de transporte urbano. Se construye en terrenos abandonados.
Socialmente, esto trae aparejado la formación de una unión vecinal que
reivindica los derechos, el patrimonio y la identidad del lugar; que lucha por
tener servicios y mantener la “calidad de vida” de los lugareños (Gray de Cerdan,
2005) y ganó cierto protagonismo en los medios locales; entre otras
consecuencias que abordaremos adelante.
A la hora actual la puesta en práctica del Plan de Turismo
Sustentable es reciente y paulatina, por lo cual las consecuencias del mismo son
aún de carácter hipotético. El crecimiento demográfico y desarrollo económico
del área puede engendrar dos cambios en los negocios locales: la primera
opción es que crezcan y desarrollen su potencial económico – como es el caso
de las cabañas, áreas de entretenimiento o deporte aventura - . También es
154 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas
posible que otros negocios no puedan sostenerse por el alza en alquileres,
debiendo cerrar, fenómeno que también se observa en el distrito estudiado. En
un sentido puramente económico podría decirse que no todos los empresarios
o negocios podrán crecer gracias al Plan, probando la dualidad
beneficios/perjuicios que encierra el mismo.
3
Mapa 4: Barrios Privados del Gran Mendoza

El Challao

ESCALA LOCAL: el impacto social del plan de turismo sustentable.


El análisis del impacto social debería partir de una separación de
poblaciones. Sin duda las políticas llevadas a cabo no impactarán de la misma
manera a distintos sectores. ¿Deberemos focalizarnos en el turista o en el

3
Barrios privados en el Área Metropolitana de Mendoza. Fuente: Molina, A (2013) pág. 57.
Maria Jimena Sanhueza
155
comerciante? ¿O bien enfocar de las políticas públicas y la población local? La
población local a su vez dividida entre los sectores pudientes – fruto del proceso
de gentrificación de Mendoza – y los sectores modestos que han habitado
históricamente esta zona por estar alejada del centro. Escogimos concentrarnos
en los habitantes del lugar, dado que toda intervención urbana debe garantizar
ante todo una mejora en la calidad de vida de los ciudadanos.
El Plan de Desarrollo Turístico atraerá hoteles, cabañas y otros
servicios para los turistas generando en consecuencia empleo para la gente de la
zona. Multiplicará asimismo las articulaciones de transporte urbano con el centro.
Se construirán nuevas redes viales y mejorarán las existentes. Se unirá el centro
con el Challao. Se desarrollarán servicios públicos: el alumbramiento público se
colocó en 2000 y el gas no llegó sino hasta el año 2011. Aún no cuentan con
sistema cloacal o distribución de agua (Naranjo, 2011), servicios que el gobierno
deberá garantizar para llevar a cabo el Plan de Turismo Sustentable.
Las entrevistas con los lugareños demuestran que estas políticas de
desarrollos son percibidas como positivas. Varios habitantes del lugar opinan que
el Plan atraerá avance y progreso al Challao – dado que creará empleo, se
realizará infraestructura y se mejorarán los servicios. Otros vecinos expresaron,
simultáneamente, que el Plan demuestra el nuevo interés político en la zona
debido a que antes “estaban abandonados”.
Sin embargo este proceso puede ser perjudicial para los habitantes
de menores recursos ya que pueden profundizar el proceso de gentrificación
actual resultando – a mediano y largo plazo - en la expulsión de las clases bajas.
Desde un punto de vista económico, la propuesta de desarrollo
apunta a fomentar la instalación de supermercados, restaurantes y comercios
reemplazando a las discotecas obsoletas y los negocios actualmente
abandonados. Recientemente el municipio de Las Heras otorgó permiso para la
construcción del Mendoza Norte Country Club el cual “en un total de 300
hectáreas, contará con 1.200 lotes (en distintas etapas), una cancha de golf de 18
hoyos, un Club House -con gimnasio, vestuarios y restaurante-, un paseo
comercial y viñedos”. Algunos vecinos del Challao no tardaron en poner en
cuestión la construcción de este espacio, alegando que agotaría la fuente hídrica
del distrito y podría causar catástrofes climáticas (Conte, 2014).
Por otro lado, la convivencia de múltiples funciones (residencial,
turística y recreativa) es fuente de conflictos. En el año 2008, por ejemplo, la
instalación de bares, campings y las termas generó reacciones negativas algunos
ciudadanos que se sintieron invadidos por el tránsito, ruidos molestos y el
156 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas
movimiento nocturno. Para contrarrestar esto el municipio deberá reforzar los
controles y la presencia policial y municipal. Asimismo, es probable que el Plan
de Turismo Sustentable engendre un reemplazo de actividades: que los
campings y discotecas sean desplazados para dar lugar a hoteles y otros
atractivos. Hay quienes consideran esto como positivo, dado que habrá menos
ruido en las noches: es probable que las manifestaciones y protestas en contra
de estas perturbaciones disminuyan. Estas regulaciones sin embargo han
desencadenado cierta melancolía en los habitantes, quienes manifiestan que el
Challao no volverá a ser un lugar de descanso y reposo. La llegada de turistas
impedirá conservar la tranquilidad que caracterizaba el distrito.
Otra consecuencia podría ser el reforzamiento de los lazos sociales
y la creación de una identidad local. Hace diez años, los vecinos del Challao
conformaron el “Foro de la búsqueda de la identidad de la villa el Challao”. Ya en
2003 el Foro pujaba por convertir el área en polo turístico y poner en valor su
patrimonio, proponiendo por ejemplo que las construcciones sean realizadas
con los recursos naturales del lugar (Guerrero, 2003). El Plan de Turismo
Sustentable podría reforzar la identidad y fuerza de estos grupos locales.
De manera general los vecinos del lugar han observado numerosos
cambios en El Challao y afirman que el Plan puede ser provechoso, en la medida
que se reciba bien al turista, se limpie y se cuide mejor el distrito. Muchos de
ellos se muestran escépticos – las mejoras quedarán en promesas vacías y no
habrán cambios significativos en el distrito - .Sin embargo la mayor parte de los
habitantes encuestados valoran el Plan como una oportunidad de avance y
crecimiento, y entienden como positivo el acercamiento del municipio al área y
la posibilidad de que sus problemas sean escuchados y resueltos.
Como conclusión, podemos decir que el Plan de Turismo
Sustentable es a su vez producto y origen de cambios políticos, económicos y
sociales. A través del presente artículo analizamos como las intervenciones
urbanísticas son áreas de cruce. El Plan de Turismo Sustentable es resultado del
crecimiento económico de Mendoza, de su nuevo rol adentro de Argentina y
del Mercosur. El desarrollo económico fue acompañado por el crecimiento
demográfico, la expansión territorial y diversificación de servicios públicos –
como transporte o gas –. El departamento Las Heras y el distrito Challao toman
un nuevo rol adentro de la ciudad, participando de las múltiples transformaciones
que tuvieron lugar en el Gran Mendoza. El distrito se forja como uno de los

Maria Jimena Sanhueza


157
nuevos centros de la escena urbana, el Plan de desarrollo turístico espeja y
consolida el nuevo rol del distrito en la ciudad.
En el plano pragmático, a pesar de que muchos de los objetivos
propuestos aún no han sido logrados, ya se pueden apuntar cambios en el
distrito. El Plan de Turismo Sustentable promete mejoras materiales en el área
(imagen, servicios) y ha logrado una presencia más fuerte del gobierno en el área
lo cual es evaluado como positivo por los habitantes. Por otro lado, el desarrollo
económico y la mayor demanda inmobiliaria son fuente de conflicto, una porción
de la población lo considera positivo – en la medida que sería una ventaja o
quisieran que el distrito crezca y se mejore – mientras que una porción más
pequeña de encuestados se mantiene reticente, dado que sus necesidades
inmediatas son diversas o la presencia turística no les resulta agradable. Al
respecto no existe un patrón de lugar o tiempo de residencia, las posiciones
parecen ser de carácter personal y refieren en general a las propias necesidades
y/o las razones que los llevaron a elegir vivir en El Challao.
Lo que se constata de manera general es una valoración positiva al
nuevo rol del distrito, que ha atraído el gobierno a los ciudadanos. Diversos
encuestados manifestaron que era la primera vez que eran escuchados,
sintiéndose gratificados por poder expresar sus necesidades y perspectivas. Sin
duda, avances en democracia y gobernabilidad – indirectos y no buscados –
también han tenido lugar.
Es remarcable por otro lado la asociación particular de un actor
privado – la cámara de turismo - , un actor público – el municipio de Las Heras
– y un tercer actor neutro – la Universidad Nacional de Cuyo –. La conjugación
de roles y actores pone a la luz la naturaleza compleja y articulada del urbanismo
actual. El trabajo mancomunado de actores privados y públicos, lejos de ser una
excepción, se observa en diversos contextos tanto Latinoamericanos como
Europeos. En unos como en otros las diferencias de perspectiva y modus
operandi de los actores genera conflictos, determinando así la naturaleza
conflictiva y compleja del nuevo paradigma urbanístico.
A manera de conclusión el análisis del Plan permite comprender las
variables y factores que conforman todo plan urbanístico. La planificación urbana
no es producto de un solo actor, sino de una multiplicidad de organizaciones de
naturaleza y perspectivas distintas. Nuevas relaciones de poder, nuevas
interdependencias y nuevas maneras de acción pública se están forjando. Del
plano a la realidad se encuentran diversos desafíos que pueden ser
comprendidos, interpretados y – quizás – predichos, en la medida que sean
158 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas
estudiados desde una perspectiva multidisciplinaria. Aquí solo hemos esbozado
algunas pocas inferencias sobre el impacto social de las políticas públicas urbanas.
El proceso de desarrollo de la ciudad supone obstáculos a superar, desafíos,
objetivos a definir y lograr. Un análisis holístico de este caso debería incluir
impacto ambiental, económico y análisis de poblaciones diversas. Sin embargo,
como hemos mencionado anteriormente, el afán de este estudio es
comprender que el urbanismo se abre al cruce de varias disciplinas, y que lo
social es por naturaleza sinónimo de complejo, imprevisible y dinámico.

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160 Transformaciones recientes en El Challao (Argentina): escalas y dimensiones urbanísticas


PARTE III:

INTERVENÇÕES URBANAS NAS ÁREAS DE FRONTEIRA


DO CAPITAL: EXPANSÃO URBANA E REQUALIFICAÇÃO
AMBIENTAL.
EMPREENDIMENTOS DA “NOVA BELÉM” NA FORMAÇÃO
E CONSOLIDAÇÃO DA EXPANSÃO URBANA DE BELÉM
DO PARÁ

LOS EMPREENDIMIENTOS DE "NOVA BELÉM" EN LA


FORMACIÓN Y CONSOLIDACIÓN DE LA EXPANSIÓN
URBANA DE BELÉM DO PARÁ

José Júlio Ferreira Lima

Raul Ventura Neto

Rebeca Silva Nunez Lopes

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto e Rebeca S. N. Lopes 163


RESUMO
As transformações observadas nas cidades brasileiras resultantes de
mobilizações do capital imobiliário e de ações do estado têm sido objeto de
estudos, pois devido ao seu grande potencial, as operações urbanas têm
alterado porções significativas das cidades Latino Americanas, seja renovando
áreas de ocupação obsoletas, seja abrindo novas frentes imobiliárias. Assim tem
ocorrido na cidade de Belém, capital do estado do Pará, norte do Brasil. Ao
focar em duas porções da área de expansão de Belém, denominadas como
“Nova Belém”, este trabalho traz à discussão as condições financeiras, fundiárias
e infraestruturais criadas para a instalação de empreendimentos trazendo
componentes importantes tais como a origem pública da terra utilizada na
construção de condomínios fechados, shopping centers e estabelecimentos de
varejo, as alterações fundiárias promovidas nas propriedades, inclusive com a
desalienação de terras das Forças Armadas nos Bairros Val de Cães e de
propriedades privadas no Bairro Parque Verde.
Palavras chave: Expansão Urbana, Capital imobiliário, Belém.

RESUMEN
Los cambios observados en las ciudades brasileñas que resultan de
las acciones de capital inmobiliario y del Estado se ha estudiado debido, ya que
debido a su gran potencial, las operaciones urbanas han cambiado una parte
significativa de las ciudades de América Latina, en la renovación de las zonas de
ocupación obsoletos, o abriendo nuevas frentes inmobiliarias. Así ha ocurrido en
la ciudad de Belém, capital del estado de Pará, norte de Brasil. Al centrarse en
dos partes de la zona de expansión de Belén, este trabajo aporta a la discusión
financiera, la tierra y la infraestructura creada para la instalación de proyectos en
los que los componentes importantes, tales como el origen de la tierra pública
utilizada en la construcción de comunidades cerradas, centros comerciales y
establecimientos, los cambios introducidos en la propiedad de la tierra,
incluyendo la enajenación de las tierras de las fuerzas armadas en barrios Val de
Cães y de propiedades privadas en el barrio de Parque Verde.
Palabras clave: expansión urbana, capital inmobiliario, Belem.

164 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
INTRODUÇÃO
Ainda é pouco claro no debate acadêmico sobre o que se conhece
como grandes projetos urbanos, especialmente na forma como esse tipo de
intervenção e gestão urbana vêm se desdobrando fora de cidades dos países
desenvolvidos (Costa et al, 2012; Cuenya et al, 2013). Em grande medida,
trabalhos seminais sobre o assunto, tais como os de Harvey (1996) e Logan e
Molotch (1987), apesar de ancorados empiricamente em grandes projetos
urbanos dos anos de 1970 e 1980, concentram esforços para relacioná-los aos
movimentos mais globais do capital e de como a dominância financeira aos
poucos consolida também uma dimensão urbana. Por meio da crítica marxista,
esses trabalhos defendem que a cidade capitalista se torna um espaço de disputa
entre coalizões distintas, sustentando empiricamente suas afirmações a partir da
análise de grandes projetos de remodelação urbana, alçados a partir de então a
uma condição de peça central em um contexto de dominância financeira, onde a
terra urbana tende cada vez mais a também assumir o papel de ativo financeiro.
No caso brasileiro, algumas cidades do centro do capitalismo
nacional têm vivenciado experiências de grandes intervenções urbanas desde os
anos 1990, particularmente na forma de operações urbanas, através de parcerias
público-privadas. Em grande medida, está por trás desse tipo de associação a
legitimação de um discurso conservador no qual as estruturas institucionais que
planejam a cidade são consideradas ineficientes, mas sob o ponto de vista das
demandas dos agentes daquele circuito imobiliário. Defende-se então uma
“fórmula mágica”, como classifica Fix (2004), para viabilizar grandes intervenções
urbanas em tempos de crise fiscal (e política) do Estado na esfera local. Pode-se
considerar inclusive, que o modo como essa “fórmula mágica” é apresentada
pelas coalizões locais parece estar muito relacionada ao avanço da dominância
financeira sobre a terra urbana nessas cidades, que pela heterogeneidade
característica da formação regional brasileira, assume um modo diversificado.
Quer se argumentar no presente artigo, que apesar das diferentes
estratégias e mesmo institucionalidades que acompanham as grandes
intervenções urbanas recentes nas cidades brasileiras, ao fim e ao cabo estamos
diante de um mesmo fenômeno: o aprofundamento do papel da cidade no
complexo jogo de coalizões entre atores globais, nacionais e locais para se
apropriar da valorização do ambiente construído, na forma de diferenciais de
rendas fundiárias. Com isso, é evidente que se estabeleça diferenças no modo

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 165


como as coalizões urbanas operam no território brasileiro, o que resulta em
uma miríade de arranjos institucionais voltadas para a captura dos rendimentos
que as transformações no ambiente construído proporciona. As operações
urbanas na região da Faria Lima em São Paulo, o Projeto do Porto Maravilha no
Rio de Janeiro, assim como a construção da infraestrutura para os megaeventos,
no caso a Copa do Mundo FIFA 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, são alguns
dos exemplos recentes de grandes intervenções urbanas.
Trabalhos importantes de alguns urbanistas brasileiros, como Fix
(2004; 2007), Vainer (2003) e mais recentemente Silva (2014), apresentam uma
descrição acompanhada de uma análise critica sobre o modo pelo qual coalizões
locais pró-crescimento legitimaram os discursos para viabilizar grandes projetos
urbanos para a sociedade, apontando para alguns elementos em comum entre
os casos. O primeiro a ser ressaltado é a construção de consensos, em especial
o de que a cidade atravessa uma crise urbana. É preciso na verdade, legitimar
um sentimento generalizado de crise sobre a população local, de modo a
transformar a intervenção urbana proposta em um alternativa viável para atrair
investimentos externos – uma espécie de “Salvação da Lavoura” – que trariam
distribuição de renda e geração de empregos para a população em geral. Uma
vez legitimado a positividade dessas grandes intervenções, a escolha das áreas
que recebem a intervenção parece guardar uma relação estreita com os
principais proprietários fundiários naquelas cidades, e em especial àqueles
relacionados ao setor de serviços como sugere Silva (2014). O Estado participa
da coalizão através do direcionamento de fundos públicos para a realização de
grandes obras âncoras na região, que servem de suporte para investimentos dos
agentes imobiliários locais, normalmente de baixíssimo risco em que pese a
garantia de valorização fundiária da área e de todo o seu entorno.
As modificações na área de expansão urbana da Cidade de Belém
do Pará, em curso desde 2007, compreendem um conjunto de intervenções
promovidas pelo setor público, Governo do Estado do Pará e a Prefeitura
Municipal de Belém, em uma área da cidade onde o setor privado tem atuado
com a construção de condomínios fechados horizontais e verticais, shopping
centers e estabelecimentos de varejo. Trata-se da criação de uma nova frente
imobiliária promovida por empresas incorporadoras na área de expansão urbana
conhecida a partir de campanhas publicitárias como “Nova Belém”,
compreendendo uma grande área localizada entre os municípios conurbados de

166 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
Belém e Ananindeua nos bairros Parque Verde e Val de Cães.
Em que pese serem processos independentes do ponto de vista
dos agentes promotores, as intervenções nos dois bairros estão ligadas
fisicamente pela Avenida do Centenário, construída pelo Governo do Estado em
2007. A área do Bairro Parque Verde tem sua localização fortemente marcada
pela presença de um cruzamento viário da citada rodovia com a Avenida
Augusto Montenegro, local em que já se encontra construído um shopping
center, um grande supermercado e vários condomínios de luxo. Já a segunda
área, no bairro Val de Cães, localizada na confluência da Avenida do Centenário
com a Avenida Júlio Cesar, há dois condomínios construídos e outro shopping
center em construção, devendo ser inaugurado no Natal de 2015.
Ao analisar o circuito imobiliário de Belém, Ventura Neto (2012)
indica que a consolidação de novas fronteiras imobiliárias se mostrava
historicamente como um desafio complexo para os agentes locais, em grande
medida pela dependência desses grupos dos fundos públicos, voltados para a
habitação de interesse social, gerenciados pela União. A baixa capacidade de
investimento das incorporadoras, associado à concentração de renda da
população, que reduz a demanda efetiva para investimentos de prazo mais
longo, bem como os próprios limites fiscais do município para prover grandes
obras âncoras, auxiliou para que bairros da área central da cidade se tornassem
espaços privilegiados para a atuação das incorporadoras locais. Com isso,
grandes parcelas de terra urbanizada na área de expansão da cidade se tornaram
barreiras para a atuação do incorporador local, condição que só é superada a
partir da entrada de grandes incorporadoras nacionais de capital aberto na
cidade, todas ávidas para ampliar seus landbanks e VGV’s (Ventura Neto, 2012).
A entrada desses grupos simboliza o aprofundamento da
dominância financeira sobre a terra urbana em Belém, produzindo efeitos ainda
de difícil mensuração1, mas que permitem a costura dos interesses desses grupos
aos interesses das coalizões urbanas já estabelecidas, particularmente a fração
proprietária de terra dessa coalizão. A partir daí, a grande intervenção urbana
que se assiste, não precisa estar relacionada a operações urbanas ou a
megaeventos, pois a condição periférica da economia de Belém inviabiliza

1
Em algumas entrevistas realizadas em Ventura Neto (2012) os agentes locais falam de uma
elevação no preço da terra urbana na ordem de aproximadamente 200%, o que exigiria maiores
pesquisas.
José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 167
ambos, já que não há interesse de segmentos do circuito de acumulação
financeira pela cidade, pelo simples fato de o circuito imobiliário de Belém não
estar conectado fortemente a esses circuitos, diferentemente de Manaus e
mesmo de algumas cidades médias do Sudeste do Pará, como Marabá e
Parauapebas (Melo, 2015).
Em outras palavras, a possibilidade de extração de riqueza pela
transformação do ambiente construído de Belém é tão reduzida, que parece
não despertar interesse de agentes globais relevantes ao ponto de mobilizar
coalizões na forma de operações urbanas ou na forma de capturar megaeventos
esportivos para a cidade. Como se evidencia ao longo do texto, independente
dessa peculiaridade relacionada à formação da economia urbana local, os efeitos
e as estratégias presentes no seio do movimento da “Nova Belém” apresentam
evidências que parecem incluí-la como um grande projeto de intervenção
urbana recente no Brasil.
A justificativa para a escolha das duas áreas que compõem a “Nova
Belém” pauta-se na possibilidade de análise no contexto de Belém de questões
encontradas na literatura sobre grandes projetos urbanos no Brasil e na América
Latina. A perspectiva de análise de categorias diversas, tais como das condições
financeiras criadas para a instalação de empreendimentos âncora no caso em
análise, traz componentes importantes, tais como a origem pública da terra
utilizada, as alterações fundiárias promovidas nas propriedades, inclusive com a
presença das Forças Armadas no caso da área do Bairro Val de Cães, além da
forte inserção do setor imobiliário, cuja participação foi viabilizada pelas
transformações recentes na flexibilização do capital imobiliário no país.
Discutem-se quais seriam as características que pela literatura
incluem certas intervenções urbanas recentes no rol de grandes projetos
urbanos, para a partir disso evidenciar suas similitudes com as transformações
urbanas incluídas no bojo do projeto da “Nova Belém”. Argumenta-se no artigo
que, a despeito de não contar com um resultado morfológico que a relacione
diretamente a grandes projetos urbanos consagrados, o projeto da “Nova
Belém” traz consigo uma carga de peculiaridades que a tornariam a face do
grande projeto urbano em espaços de formação econômica periférica como
Belém.

168 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
CONTEXTUALIZAÇÃO
A cidade de Belém ocupa uma área de aproximadamente 13.000
hectares na interseção dos rios Pará e Guamá, na baía de Guajará. Em 2010 a
população do município foi recenseada em 1.393.000 habitantes, enquanto que
a população da Região Metropolitana contava 2.451.000 habitantes. A região
metropolitana é composta por cinco municípios; a cidade de Belém inclui o
centro histórico da RMB e a periferia formada pela conurbação de Belém,
Ananindeua, Marituba e Benevides.
As grandes intervenções urbanas em Belém até o final do século
XX foram feitas dentro da Primeira Légua Patrimonial, uma primeira porção de
terra doada pela Coroa Portuguesa para a formação do município de Belém,
onde estão concentrados o centro histórico e a maior parte da infraestrutura e
serviços da RMB. Uma primeira intervenção de fundamental importância para
Belém foi a implantação de plano de alinhamento de vias no final do século XIX.
O arquiteto José Sydrin, sob a intendência de Antônio Lemos, foi responsável
por “desenhar” o primeiro plano da cidade. O plano era parte da intenção de
Lemos de modernizar a cidade. Suas principais características eram o
estabelecimento de alinhamentos onde existiam somente caminhos
rudimentares, e uma falta quase total de consideração pela topografia local
(Duarte, 1997). Lemos também foi responsável por diversos projetos
arquitetônicos de mercados, estações de trem, além de serviços como de
plantio de mangueiras nas principais avenidas da cidade. Tais iniciativas resultaram
de uma expansão econômica causada pela exportação da borracha amazônica.
Estabelecer locais para praças e espaços públicos era um dos
principais objetivos do plano de Sydrin. De fato, a maior parte da forma de
construção da cidade era limitada a sua área urbanizada até o fim dos anos
cinquenta, e seguia os princípios dos planos de Sydrin. Desde então, o plano foi
usado para definir os alinhamentos das ruas como a delineação física da relação
entre os conjuntos de propriedades e as ruas. O sucesso do plano pode ser
percebido na definição das quadras em áreas localizadas a 4 metros acima do
rio; em outras áreas não foi implementado, principalmente devido à ocupação
informal de áreas com pequenos rios (igarapés) e à inundação dentro da
Primeira Légua Patrimonial (Penteado, 1968).
Ao final dos anos 1950, após um período de decadência da
economia gomífera, à medida que começou uma ocupação mais densa da

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 169


cidade, esta começou a extravasar seus limites formalmente urbanizados em
direção às áreas inundadas (baixadas), onde os limites para o crescimento eram
apenas parcialmente definidos, e a cidade crescia livremente (ibid.). A população
de Belém vivendo em baixadas em 1980 foi estimada em 70% do total de
habitantes urbanos vivendo no núcleo principal da cidade (COGEP, 1992).
Contrariamente ao que foi visto no início do século XX, nos anos
1990 o desenvolvimento econômico local da região Norte do Brasil, fortemente
dependente das dinâmicas de acumulação coordenadas pelo centro sul do País,
restringiram o desenvolvimento da cidade de Belém. Os projetos econômicos
localizados na província mineral do Estado do Pará não trouxeram benefícios
diretos à cidade de Belém. A maioria das oportunidades de emprego criadas
pelos projetos minerais era localizada no sul do estado, distante de Belém, e foi
ocupada por migrantes de outros estados. No fim dos anos 1990, a economia
da cidade contava quase inteiramente com atividades do setor terciário providas
pelo comércio e pelo aparato administrativo estadual localizado na cidade. Neste
período, ocorreram projetos de atração de atividade turística no centro de
Belém. Projetos como a Revitalização da Feira do Ver-o-Peso pela Prefeitura
Municipal de Belém e a conversão de imóveis antigos do porto para a criação da
Estação das Docas, do Espaço São José Liberto e do Complexo Feliz Lusitânia
pelo Governo do Estado do Pará, bem como do Parque Mangal das Garças. Por
se tratarem de projetos em locais importantes do Centro, estiveram associados
ao discurso de “devolução” do centro à população, como também
apresentavam as atividades turísticas como item da dinamização da economia
local. Tinha-se a finalidade da construção de uma nova imagem da cidade, o que
ocorreu em decorrência foi o aumento da atratividade para o mercado
imobiliário no entorno do centro ao longo da orla (Lima e Guimarães, 2005).
A ausência de políticas habitacionais efetivas, até a criação do
Programa Minha Casa Minha Vida em 2009, tem sua expressão na periferia de
Belém, alvo de diferentes tipos de ocupação. Uma tendência inicial foi a
ocupação de entornos de conjuntos habitacionais e a instalação de condomínios
ao longo dos corredores principais de transporte. Nos limites físicos da Primeira
Légua Patrimonial ocorreu a instalação desde os anos 1950 de instituições
públicas, incluindo as forças armadas, universidades federais e instituições de
pesquisa no que foi chamado de “Cinturão Institucional” da cidade. A função de
defesa criou grandes áreas com restrições ao acesso. Passaram

170 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
aproximadamente vinte anos sem investimentos de vulto nessas áreas, depois
ocupadas em parte por conjuntos habitacionais e invasões de terras. Somente
após o ano 2000, a área delimitada pelos bairros localizados no eixo viário de
ligação entre a Primeira Légua Patrimonial de Belém e o Distrito de Icoaraci,
passou a ser uma frente de valorização imobiliária. A existência de uma grande
reserva de terrenos tornou-se o foco do mercado imobiliário e de programas
governamentais voltados à implantação de infraestrutura e estímulo à produção
habitacional para diversos segmentos de renda.

CARACTERÍSTICAS DA ÁREA ANTERIOR À INTERVENÇÃO:


características físico-espaciais e socioeconômicas
A origem fundiária da área em estudo está ligada ao desenho do
parcelamento rural anteriormente existente. Este resultou em um padrão de
parcelamento para fins urbanos marcados pela política habitacional dos anos
1970 e 1980, assim como das crescentes demandas por obras de mobilidade
pela população que ali se instalou. Estudos anteriores de Trindade Júnior (1998)
e Lima (2001, 2004, 2009) mostram que as modificações na periferia urbana no
município de Belém estão associadas ao surgimento de fenômenos efetivamente
metropolitanos de segregação sócio-espacial e de estratificação de renda e
localização residencial. Estes fenômenos criam na cidade e em sua Região
Metropolitana, uma nova escala que, associada a seu isolamento regional diante
de outros aglomerados urbanos brasileiros – São Luís, Macapá e Palmas, capitais
“próximas”, que são consideravelmente menores – o forte caráter especulativo
de seu mercado imobiliário.
O Cinturão Institucional começou a ser formado durante o Estado
Novo. Nesse período, a ocupação urbana de Belém limitava-se a Primeira
Légua Patrimonial, sobretudo em suas áreas mais altas. A partir da década de
1960, enquanto os militares estavam no poder, a população urbana teve um
crescimento significativo, sobretudo de migrantes oriundos de outros estados ou
do interior do Pará. Essa população de baixo poder aquisitivo iniciou a ocupação
das baixadas, enquanto o mercado formal de terras buscava novas localizações
além do CI – Cinturão Institucional. O adensamento da Primeira Légua
Patrimonial e o crescente número de ocupações informais até o limite do
Cinturão Institucional durou aproximadamente até a década de 1970, quando
esta “barreira” foi ultrapassada. A ocupação além do antigo limite municipal
José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 171
iniciou por meio dos conjuntos habitacionais financiados pelo Banco Nacional de
Habitação (BNH) e posteriormente com o surgimento dos primeiros
condomínios fechados de classe média alta.
Com o crescimento populacional, dois eixos de expansão urbana
se consolidaram: a primeira ao longo da BR-316 (antiga Estrada de Ferro Belém-
Bragança), que liga a capital paraense aos outros municípios que compõem a sua
Região Metropolitana; e a segunda, ao longo da Rodovia Augusto Montenegro,
um dos antigos ramais da estrada de ferro que fazia a conexão entre a área
central da cidade e o distrito de Icoaraci, passando por extensas fazendas. Diante
das novas demandas do mercado por localizações urbanas, tem-se presenciado
a alienação de bens imóveis das Forças Armadas. Essas terras, adquiridas em prol
da segurança nacional parecem não mais atender a esta função, e, se na década
de 1960 o CI era tratado como uma barreira ao crescimento urbano, nos dias
de hoje é visto tanto pelo mercado quanto pelos demais entes públicos como
uma grande área “livre" e de grande potencial. O adensamento urbano da
Primeira Légua a partir da segunda metade do século XX e sua expansão até o
limite do CI fez com que as áreas de reserva da União se valorizassem e
passassem a despertar o interesse dos demais entes federativos e do mercado
imobiliário. De semelhante modo, os militares têm visto na expansão do
mercado uma grande possibilidade de adquirir vantagens com as contrapartidas
oriundas do processo de alienação de seus bens “inservíveis”.
Até a década de 1980, o BNH era o principal responsável pela
produção de empreendimentos imobiliários locais. Com o seu fechamento, a
produção de moradias de interesse social cai consideravelmente. Assim, durante
as décadas de 1980 e 1990 apenas empreendimentos para as classes mais altas
foram lançados, tendo em vista a não dependência do financiamento oficial por
parte desse grupo. Primordialmente, as áreas mais bem localizadas da cidade,
aquelas infraestrutradas dentro da Primeira Légua, tornaram-se foco de grandes
investimentos do governo em infraestrutura e equipamentos, contribuindo para
sua verticalização e adensamento. Os anos 1990 são marcados ainda pela
financeirizacão do sistema econômico nacional e início da política neoliberal que
é marcada por inúmeras privatizações. A partir do ano 2000, o Governo Federal
volta a disponibilizar crédito para incorporação imobiliária, o que permite a
recuperação das grandes incorporadoras do circuito imobiliário local – que ao
longo dos 1990 direcionaram suas atividades para a chamada construção por

172 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
administração, e com o retorno do crédito voltaram a realizar incorporações
(Ventura Neto, 2012:110-113).
A homogeneização do território para o capital financeiro imobiliário
inclui o mercado imobiliário de Belém no circuito de valorização dessa fração do
capital, simbolizado, principalmente, pela entrada de grandes incorporadoras de
capital aberto na cidade, associada a incorporadoras locais, e impulsionadas por
novas estratégias de atuação dessas empresas, que se configuram após suas
Ofertas Primárias de Ações (OPA) na BM&FBOVESPA2. Entretanto, não se pode
considerar que a homogeneização do território para a valorização do capital
financeiro imobiliário tenha ocorrido de forma imediata e somente em
decorrência do arcabouço e dos subsídios viabilizados pelo Estado. Durante as
etapas que antecedem a entrada de incorporadoras nacionais no mercado local,
destaca-se um significativo crescimento das empresas do setor imobiliário de
mercado em Belém a partir do ano 2000, ao que tudo indica, motivado não só
pela recuperação do crédito imobiliário, mas também pelo “trabalho” de
intensificação do uso do solo urbano na área central da cidade durante os anos
1990 (Ventura Neto, 2012:124,125)
A partir de 2003, Belém vivência seu boom imobiliário, com
grande números de lançamentos fora do limite da Primeira Légua Patrimonial,
onde há mais terras disponíveis para a construção de uma tipologia específica: os
condomínios. Se antes as incorporadoras davam prioridade às classes de alto
poder aquisitivo, os condomínios horizontais e verticais passam a ser adquiridos
pelas classes médias, tendo em vista a possibilidade de financiamento oferecido
pela construtora em parceira com a Caixa Econômica Federal. A promessa de
segurança e de possibilidade de investimento fez com que o número de
condomínios ao longo da Avenida Augusto Montenegro e da BR-316
aumentasse consideravelmente nos últimos dez anos, atraindo outros usos não
residenciais, como supermercados, faculdades, shoppings centeres etc.

2
BM&FBOVESPA – Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo
José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 173
Tal área passou a ser denominada pelo mercado imobiliário como
"Nova Belém”. A localização do Cinturão Institucional, citado acima, ao estar
situado entre a área central e a “Nova Belém”, suas terras passaram a ser
estratégicas, uma vez que o número de terrenos disponíveis para construção no
interior e nas proximidades da área central de Belém e dotadas de infraestruturas
diminuíram e encareceram. O fato das terras do CI pertencerem aos militares
garantiu que permanecessem “intocadas”, não sendo, inclusive, ocupadas por
populações de baixa renda, como aconteceu em outras áreas pertencentes à
União dentro da área urbana de Belém. Atualmente, as pressões do mercado
pelas terras do CI somam-se aos interesses das Forças Armadas em se desfazer
de terras e ainda se beneficiar de contrapartidas oriundas da alienação de seus
bens imóveis.

CARACTERÍSTICAS DAS INTERVENÇÕES


Nas duas áreas objeto deste trabalho (Figura 1) observa-se a
conjugação da atuação do mercado imobiliário com a atuação do Estado (quadro
1). No caso de Belém, obras do sistema viário promovidas pelo Governo do
Estado se tornaram decisivas para a instalação de diversas tipologias habitacionais
construídas a partir do final da década de 1990 nos limites da Primeira Légua
Patrimonial e mesmo dentro do CI, nos dois bairros em análise.
No Bairro Parque Verde, está localizado o primeiro condomínio
fechado da RMB, trata-se do Condomínio Greenville construído em 1986. A
forma dos terrenos rurais ao longo do antigo ramal da estrada de ferro, depois
Rodovia Augusto Montenegro e posteriormente Avenida Augusto Montenegro,
contribuíram para que empreendimentos como conjuntos habitacionais e depois
condomínios fossem viabilizados pelo preço das terras. Embora tenha começado
a sua ocupação na década de 1980, foi só no final da década de 2000 com a
instalação de novas vias de acesso que o Bairro se tornou uma nova frente
imobiliária, ligando o Bairro Parque Verde com o Bairro Val de Cães.

174 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
Figura 1

Localização das áreas objeto de estudo nos bairros Parque Verde (área 1) e Val de Cães
(área 2). A área 1 compreende os empreendimentos localizados na Av. Augusto
Montenegro e Av. dos Trabalhadores, na área 2 estão situados os empreendimentos
construídos em torno da ligação Av. Centenário com a Av. Augusto Montenegro.
Complementando as informações, observa-se a localização do Empreendimento Hangar
Centro de Convenções (identificado com o número 3) inaugurado em 2007 e a Av.
Protásio ligando a Primeira Légua Patrimonial com o Cinturão Institucional por meio da
Av. Júlio Cesar e o Viaduto Daniel Berg.

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 175


No bairro Val de Cães está situado um Centro de Convenções
construído pelo Governo do Estado em terreno pertentence à Aeronáutica. As
negociações entre as duas instituições no sentido de diminuir o terreno de uso
efetivo da Aeronáutica viabilizou, sob o regime de permuta de terra por obras, a
construção do Hangar Centro de Convenções da Amazônia e da Avenida
Brigadeiro Protásio de Oliveira. Naquela altura começou um processo de
negociação envolvendo terrenos do CI. Tanto o centro de convenções como a
Avenida Brigadeiro Protásio de Oliveira deram oportunidade para um novo
acesso para o Aeroporto de Belém, ao mesmo tempo em que aumentou a
acessibilidade para porções do CI que já estavam ocupadas por conjuntos
habitacionais militares e o primeiro condomínio oriundo da propriedade Cristal,
um dos lotes rurais existentes ao longo da Avenida Augusto Montenegro. Tais
intervenções físicas por parte do Governo do Estado têm contribuído para a
valorização das áreas pertencentes às Forças Armadas, despertando o interesse
das grandes incorporadoras, sobretudo nas antigas áreas de reserva, que nunca
receberam uma destinação específica.
A viabilização dos empreendimentos se deu a partir de operações
imobiliárias viabilizadas pela aquisição de terra das forças armadas e de empresas
privadas e as intervenções viárias promovidas pelo Governo do Estado e outras
ainda em planejamento pela Prefeitura Municipal de Belém. De fato, a procura
por novas terras além do CI foi motivada pela baixa oferta de localizações na
Primeira Légua Patrimonial e o alto valor de suas terras. Não houve um plano de
ocupação da área ao longo da Rodovia Augusto Montenegro por parte da
prefeitura, contribuindo para um desenho fragmentado e sérios problemas
referentes à infraestrutura de transporte e saneamento na área.

176 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
Quadro 1: Empreendimentos públicos nos bairros Parque Verde e Val de Cães

Instituição Nome Descrição

Av. do Centenário da Via pavimentada com oito faixas e obras de


Assembleia de Deus arte incluem duas passagens de nível, o
elevado Gunmar Vingrem e o elevado Daniel
Bergh (inaugurado em 2010)

Governo do Av. Júlio Cesar e Av. Duplicação da Av. Júlio Cesar, construção da
Estado do Protásio de Oliveira Av. Protasio de Oliveira (inaugurados em
Pará 2006)

Hangar Centro de Construção de Centro de Convenções com


Convenções da 8.500 m2, com auditórios com capacidades
Amazônia para 2.200 pessoas, espaço para feiras
(inaugurado em 2007).

Bus Rapid Transit (BRT) Repavimentação e criação de canaleta para


Prefeitura na Av. Augusto ônibus, inserção de paradas de ônibus para
Municipal de Montenegro integração do sistema de transporte coletivo e
Belém BRT (projeto parado, sem data para
inauguração).
Fonte: Pesquisa de campo

As operações imobiliárias com a aquisição de terras privadas no


Bairro Parque Verde estão ligadas a modificações no mercado imobiliário de
Belém. Após um período marcado por lançamentos imobiliários em sua maioria
na Primeira Légua Patrimonial, a partir de 2008, há uma ênfase em lançamentos
de condomínios verticais ao longo das vias de saída de Belém em direção a
Ananindeua. A aquisição e terras anteriormente pertencentes à Empresa
ESTACON e outras parcelas oriundas do primeiro parcelamento rural, que deu
origem a fazendas ao longo da Rodovia Augusto Montenegro, criou uma nova
centralidade a partir da instalação de lojas de varejo, condomínios e a construção
de Shopping Center na junção da recém-pavimentada Avenida Centenário em
2010 e a Avenida Augusto Montenegro (Figura 2 e Quadro 2).

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 177


Quadro 2: Empreendimentos privados no bairro Parque Verde

Empreendimento Empresa Descrição

Área total de 18.700m2, atualmente possui dois


Condomínio Parque
Cyrella prédios de 12 pavimentos em construção (não
Jardins
inaugurado).

Área total de 48.500m2, é composto por 03


condomínios (Jatobá, Cedro e Ipê), cada
Condomínio Chácaras
Status condomínio possuirá 5 torres de 11 pavimentos
Montenegro
e 6 apartamentos por andar (condomínio Ipê
inaugurado em 2012)

Condomínio Área total de 80.000m2, possui lotes de 500 a


Status
Montenegro Bulevar 600m2 (inaugurado em 2006)

Área de 60.000 m2, 200 operações entre lojas e


quiosques, 6 lojas âncoras e 5 megalojas, Praça
Shopping Parque
Status de Alimentação estacionamento com 1.700
Shopping
vagas, sete salas de cinema (inaugurado em
2012).

Condomínio Ville Área total de 54.700m2, projetado com 12


PDG
Lagune prédios de 11 pavimentos (não inaugurado)

Condomínio Ville Área total de 39.290m2, atualmente possui 6


PDG
Solare prédios de 11 pavimentos (não inaugurado)

Condomínio Rio das Área total de 60.000m2 (inaugurado em 2012)


Pedras

Empreendimentos de comércio e serviços: Faculdade de Estudos Avançados do Pará


(FEAPA), hipermercado Líder, Loja Belém Importados, Escolas
Fonte: Pesquisa de campo e sites das construtoras.

178 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
Figura 2

Localização de condomínios, shopping center e equipamentos de comércio e serviços


no bairro Parque Verde.

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 179


No Bairro Val de Cães, a questão mais relevante sobre as
condições criadas para modificações no CI de Belém refere-se à venda de terras
públicas anteriormente alienadas às Forças Armadas. De fato, o papel dos
militares após o fim do Regime Militar foi alterado, assim como o regime político,
porém, alguns pontos continuam sem uma definição específica, ou ainda,
contradizem o novo sistema de governo. Diversos autores discutem a respeito
das transformações de áreas públicas que receberam novos usos, processos de
revitalização e gentrificação. Porém, o processo de negociação entre Estado e
particular, ou melhor, entre as Forças Armadas e particulares, ainda é pouco
estudada. A alienação a empresas privadas insere-se em uma discussão sobre
bases legais remanescentes do período da ditadura militar no Brasil. As terras do
bairro Val de Cães foi registrada pelo Presidente General Ernesto Geisel em
1978 para a Marinha (Belém, 2000) e alienada a construtora Freire Mello
(www.freiremello.com.br,2015). No momento de seu registro, não houve
menção da destinação dessa área, permanecendo como área de reserva.
A venda e permuta de bens das Forças Armadas não é um
processo exclusivo de Belém. Braga (2007), por exemplo, analisa a alienação de
bens militares em Recife e Olinda, sobretudo os bens de domínio do Exército. A
autora afirma que a partir das décadas de 1970/1980 tornou-se comum a
alienação dessa categoria de bens em diversas cidades brasileiras por conta da
crise econômica mundial. Assim como em Belém, os militares adquiriram
grandes áreas próximas aos núcleos urbanos e com o passar dos anos foram se
valorizando e se tornando de interesse do mercado imobiliário para a
construção de condomínios fechados.
Após o fim do regime militar, os subsequentes anos do período de
redemocratização são marcados pela mudança das funções das Forças Armadas.
Passado o contexto de guerra e com a crise fiscal e econômica brasileira, os
militares perderam autonomia financeira e passaram a ver o seu patrimônio
imóvel ameaçado. Segundo um representante das Forças Armadas entrevistado
para o desenvolvimento de dissertação de mestrado de um dos autores em
2014 (Ventura Neto, 2014), apesar de não ser possível afirmar que exista
propriamente uma crise financeira das forças armadas, comparadas a outros
setores do governo, o orçamento da União destinado à manutenção da
estrutura necessária para o desempenho das atividades militares é insuficiente.
Assim, as áreas de reserva passaram a ser vistas como uma oportunidade de se

180 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
negociar tanto com o Estado, como com particulares e receber uma
contraprestação que as favoreça.
No caso da área administrada pela Marinha presente no CI, que foi
alienada a empresa particular, houve um tentativa do município (há cerca de dez
anos) em desapropriar o terreno e em seu lugar criar um parque ambiental. A
Advocacia Geral da União contestou o decreto, alegando que o município não
tinha competência para legislar em área da União, tendo o decreto sido
revogado. Segundo o entrevistado, a partir daí, os militares perceberem que
suas áreas de reserva estavam ameaçadas e que poderiam perdê-las sem
nenhum tipo de compensação. Assim, resolveram, com base nos decretos de lei
do período do Regime Militar, abrir uma licitação para uma porção desse
terreno.
Na parcela do terreno adquirida pela empresa, está em construção
um shopping center e um condomínio empresarial e residencial, denominado
Cidade Cristal (Figura 3). A totalidade do terreno, de aproximadamente 455 ha,
se estende desde a Rodovia Transmangeirão até a Avenida Centenário, criando
uma sub-centralidade em relação às ocupações observadas ao longo da Avenida
Augusto Montenegro. A forma do terreno tem sua origem do período em que a
área era constituída por fazendas; o terreno acima do da Marinha apresenta uma
forma semelhante e foi adquirido pela mesma construtora, que utilizou a área
para construir condomínios de médio e alto padrão. A área foi alienada de forma
onerosa à Construtora Freire Mello, que posteriormente revendeu parte da área
para outras empresas, enquanto que a Marinha recebeu o valor da
contraprestação em extensão de suas vilas de oficiais.
A caracterização dos casos aqui estudados quanto a possíveis
inovações de gestão não é exemplar. Desde a primeira legislação urbanística
instituída em 1979 não há clareza quanto à regulação de zoneamento para as
terras do CI de Belém. Durante a ditadura militar, as pranchas reproduzíveis
pelo processo heliográfico das plantas oriundas dos levantamentos
aerofotogramétricos de 1971 e 1977 possuíam tarjas que cobriam os desenhos
das áreas institucionais. Assim, tratou-se durante mais de 20 anos como “áreas
especiais”, cujos usos eram estabelecidos pelas instituições militares ou de
pesquisa a quem estavam alienadas.

José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 181


Quadro 3: Empreendimentos privados no Bairro Val de Cães

Empreendimento Empresa Descrição

Freire Mello, Área total de 230.000m2, possui 184


Condomínio Cristal
Síntese lotes (inaugurado em 1998)
Ville
engenharia

Freire Mello, Área total de 318.000m2, possui 266


Condomínio Água
Síntese lotes (inaugurado em 2005)
Cristal
engenharia

Área total de 128.000 m2, 225 lojas,


Shopping Center Freire Mello,
11 âncoras e 5 megalojas (a ser
Bosque Grão-Pará Grupo Jereissati
inaugurado em 2015)

Área de 371.000 m2, 7 condomínios


Condomínio Cidade Freire Mello, residenciais, 4 condomínios
Cristal Grupo Columbia empresariais. (sem data para
conclusão)
Fonte: www.freiremello.com.br, acesso em 27 de fevereiro de 2015.

Após a Constituição de 1988, o Plano Diretor (PD) de 1993


(Belém, 1993) determinou que as terras passassem a ser sujeitas a um
zoneamento especial, no qual constavam Zonas Especiais de Interesse Social
para instalação de habitação de interesse social, Zonas de Preservação
Ambiental, em função da existência de maciços verdes. No caso das terras das
Forças Armadas e remanescentes de fazendas na Avenida Augusto Montenegro,
o zoneamento da Lei de 1999 foi ainda bastante reticente quanto à
determinação de um plano mais integrado para a ocupação das glebas contidas
no CI.

182 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
Figura 3

Condomínios e Shopping Centers Bosque Grão-Pará no bairro Val de Cães.

O PD de 2008 (Belém, 2008) não dá destaque às áreas


institucionais ou menciona a importância ou o destino das áreas de domínio das
Forças Armadas. O Cinturão Institucional não é mais tratado como uma barreira
ao crescimento urbano e não se fala mais em “área de transição”. A quase
totalidade das áreas militares do CI está inserida em uma zona que "caracteriza-
se por ter uso predominantemente residencial, atividades econômicas dispersas,
presença de núcleos industriais, carência de equipamentos públicos,
infraestrutura não consolidada, terrenos subutilizados ou não utilizados, com
ociosidade de grandes áreas, incidência de loteamentos destinados à classe
média alta e ocupações precárias.”
Pode-se observar que não há qualquer referência a respeito da
elaboração de um plano mais específico que trate acerca das áreas institucionais
ou determinação dos instrumentos a serem aplicados nessas áreas. Assim, a não
especificidade da lei e a falta de aplicação dos devidos instrumentos jurídicos
tornaram as diretrizes frágeis e pouco objetivas, dificultando sua implantação.
Esse zoneamento não considerou aspectos de domínio e os parâmetros
José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 183
urbanísticos da zona (que compõe quase toda a área de expansão urbana),
limitando-se a valores de afastamentos e índices de ocupação semelhantes ao
restante da cidade, com permeabilidade mínima de 10% a 20% em média.
Acredita-se que não houve uma grande modificação na
operacionalização de instrumentos de planejamento urbano como em outros
contextos. Sugere-se que em Belém estaria em curso uma coalização entre
gestores municipais e empreendedores há algum tempo, na qual, dentro dos
limites de interesse de cada um dos lados, não houve a necessidade ou o
interesse de criar novas situações visando ressarcimentos ou possível captação
de mais-valia como em outros contextos. Lamenta-se que os instrumentos
colocados à disposição pelo Estatuto da Cidade não se constituam em uma
agenda para a municipalidade de Belém, o que torna as experiências em curso
ainda mais difíceis de serem desencadeadoras de mudanças na ordem urbana
local. Trata-se na verdade em super-exploração da terra com os novos usos
especulativos.

PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES


O paradigma da cidade empresarial e competitiva transpõe-se para
a periferia do capitalismo de uma forma truncada, ampliando seus efeitos
perversos sobre a população urbana. A aparente solidez dos discursos pró-
crescimento dissolve-se conforme se tornam mais claros o caráter concentrador
e segregador desses projetos, às vezes até mesmo antes do término da rodada
de investimentos. Em casos de formações ainda mais periféricas, como Belém, o
caráter mercantil das coalizões urbanas estabelecidas no circuito imobiliário local,
que se reflete na restrita escala de capital das incorporadoras locais, torna esse
tipo de intervenção urbana, empresarial e conectada a circuitos mais profundos
de acumulação financeira, uma possibilidade longínqua.
Nas áreas que foram objeto de estudo, percebe-se que, além da
óbvia modificação das tipologias de condomínios fechados e shopping centers,
há uma relevante importância das obras viárias visando à criação de acesso, não
necessariamente voltadas para modificações no sistema de transporte público de
passageiros. Embora tenha a justificativa de melhoria do acesso da periferia ao
centro da cidade, houve pouca modificação nos itinerários de ônibus. Isso se
deve ao fato de que a inserção das novas vias não foi acompanhada pela
reestruturação do sistema de transporte coletivo prevista desde 1991.
184 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de
Belém do Pará
Como se procurou mostrar, a existência de um cinturão no
entorno da Primeira Légua Patrimonial de Belém ocupado por instituições civis e
militares permitiu a existência de uma significativa reserva de terra urbana de fácil
acessibilidade. Se os quase 500 hectares de terra adquirida em negociação com
as forças armadas, se impõe como limite para a atuação da coalização urbana
local de caráter mercantil, isso paulatinamente dissolve-se na medida em que o
discurso da “Nova Belém” se apresenta e se firma sobre a sociedade local,
sempre capitaneado pela conexão de Belém a circuitos financeiros mais
avançados, com a entrada das incorporadoras nacionais na cidade.
Paradoxalmente, a “Velha” Belém é o espaço onde passa a residir a crise urbana,
tão necessária para os que formulam o discurso, ao ponto de exigir uma solução
de certa forma incontestável, seja pelos membros da coalizão local –
particularmente os proprietários fundiários – seja pelos movimentos sociais de
luta pela reforma urbana, entretidos com a possibilidade de acesso ao
financiamento imobiliário através do PMCMV. Contudo, é evidente que a “Nova
Belém” não surge sozinha e sem o apoio do Estado. Assim como nas operações
urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro, é o Estado que viabiliza a obra âncora
que possivelmente durante muitos anos sustentará ganhos especulativos com a
terra urbana para a coalizão local e ganhos imobiliários para circuitos financeiros
mais profundos, conectados ao território belenense principalmente pelas
incorporadoras nacionais de capital aberto.
É evidente, portanto, que a estrutura urbana é determinada pela
escolha das classes de maior poder aquisitivo pela melhor localização, como
defende a crítica marxista citada no começo do artigo. Ademais, quando se
observa quais são os ganhadores desse movimento recente de expansão urbana
é possível inclusive nomeá-los: as empresas privadas que se capitalizaram
durante as operações imobiliárias, que viabilizaram as terras e a consequente
construção de condomínios e shopping centers; as forças armadas obtiveram
ganhos financeiros com a alienação de suas terras para o setor privado e, ao
incorporar obras em contrapartida às alienações de terra pública, torna possíveis
melhorias em seus imóveis, sem ônus financeiro ou de gestão. Já os ganhos do
Governo do Estado, seriam políticos, após a construção dos equipamentos
públicos. Estes últimos são discutíveis devido à perda de prestígio durante
período eleitoral e à falta de integração das obras viárias ao sistema de gestão
urbano.
Quanto aos perdedores, a identificação é mais difusa, mas fica claro
José Júlio F. Lima, Raul Ventura Neto, Rebeca S. N. Lopes 185
que se trata da população moradora dos entornos das novas vias implantadas,
sujeitas a processos especulativos provocados pela inserção dos novos projetos
imobiliários. Estes, embora estejam envoltos na esteira da promessa de
melhorias na acessibilidade urbana, poderiam até ser considerados perdedores
por estar à margem do mercado criado.

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188 Empreendimentos da “Nova Belém” na formação e consolidação da expansão urbana de


Belém do Pará
O CASO PROSAMIM: O PROGRAMA SOCIAL E
AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE MANAUS

EL CASO PROSAMIM: EL PROGRAMA SOCIAL Y


AMBIENTAL DE MANAUS ARROYOS

Selma Paula Maciel Batista

Selma Paula Maciel Batista 189


RESUMO
Este artigo apresenta os resultados gerados pelo Programa Social e
Ambiental dos Igarapés de Manaus – PROSAMIM realizado pelo Governo do
Amazonas em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento –
BID, para intervenções urbanísticas, habitacionais e ambientais em cursos d’água
da bacia hidrográfica do Educandos e São Raimundo, em Manaus. O texto
fundamentado em fontes documentais primárias e secundárias, divide-se em
quatro partes. Na primeira, para contextualizar, se apresenta a evolução urbana
de Manaus. A segunda apresenta exemplos de modelos de renaturalização e
aborda as ações do PROSAMIM. Na terceira parte, com base no Cadastro
Socioeconômico, Físico e Territorial (2004) e dados primários, se descreve as
características da poligonal da área requerida. Na quarta parte, com base na
expectativa de resultados previstos pelo BID (2005), baseado nos fatos e dados
apurados, se fundamenta a discussão sobre os benefícios gerados ao custo da
transferência do ônus socioambiental.
Palavras-chaves: PROSAMIM; bacia hidrográfica; planejamento
urbano; renaturalização.

RESUMEN
Este artículo presenta los resultados generados por el Programa
Social y Ambiental para el Manaus Igarapés - PROSAMIM realizadas por
Gobierno de Amazonas, en colaboración con el Banco Interamericano de
Desarrollo - BID, para el urbanismo, la vivienda y las intervenciones ambientales
en los cursos de agua de las cuencas hidrográficas el Educandos y São Raimundo
en Manaus. El texto basado en fuentes documentales primarias y secundarias, si
dividido en cuatro partes. En un primer momento, para contextualizar, presenta
la evolución de la ciudad de Manaus. El segundo presenta ejemplos de modelos
de renaturalización y aborda las acciones PROSAMIM. En la tercera parte,
basada en el Registro Socioeconómico Física Territorial (2004) y datos primarios
se describen las características de la zona poligonal. En la cuarta parte, con base
en los resultados esperados proporcionados por el BID (2005), basada en
hechos y datos verificados.
Palabras Claves: PROSAMIM; cuenca hidrográfica; la planificación
urbana; renaturalización.

190 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


A EVOLUÇÃO URBANA DE MANAUS
Historicamente, as cidades se constituem bases territoriais onde a
incidência de fluxos econômicos, sociais, culturais e políticos, modelam o
ambiente urbano para atender as demandas da economia vigente. Neste
contexto, Manaus se classifica como lugar emblemático e a evolução do urbano,
materializada no Patrimônio Histórico Cultural Edificado e equipamentos
urbanos, permite contar a história da capital do Amazonas, desde os
commodities da economia gomífera, passando pelo modelo Zona Franca de
Manaus, até o atual cenário com destaque para o incremento da economia do
turismo.
Atividade que, com o evento da Copa do Mundo FIFA 2014 no
Brasil, concedeu o título de hospitalidade à subsede Manaus, ajudando a alcançar
a marca histórica de 1.168.612 visitantes no mesmo ano. Turistas que, em sua
maioria, se admiravam ao ver às margens do Rio Negro, encravada em meio à
floresta amazônica, uma cidade que em 2007, junto a outros sete municípios,
consolidou a Região Metropolitana de Manaus com 2.360.491 habitantes, dois
quais 2.020.301 residentes em Manaus (IBGE, 2014).
Crescimento que exigiu a recuperação de estruturas urbana,
ambiental e habitacional, buscando eliminar de áreas centrais externalidades
negativas acumuladas no processo de urbanização que, entre as décadas de
1970 a 2000, eleva de 311.622 para 1.405.835 o número de habitantes em
ambiente urbano. Contexto em que se insere o Programa Social e Ambiental
dos Igarapés de Manaus – PROSAMIM, executado pelo Governo do Estado do
Amazonas, em parceria financeira, técnica e organizacional com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID.
Teoricamente, o PROSAMIM segue a tendência do planejamento a
partir da bacia hidrográfica, com propostas de ações preventivas e corretivas de
macro e microdrenagens, o que pressupõe adequação do uso do solo, controle
e proteção das áreas de preservação permanente, além de atendimento às
aspirações sociais e governamentais. Na prática, caracterizou-se como um
modelo de renovação urbana para o recorte espacial das áreas da orla de
Manaus, vulneráveis a partir dos meses de junho e julho, à sazonalidade das
cheias do Rio Negro. Período em que a cidade ao alcançar a cota máxima de

Selma Paula Maciel Batista


191
inundação de 30 metros em relação ao nível do rio Negro1, impacta e coloca
em situação de susceptibilidade ao risco, parte da população ribeirinha, residente
em moradias tipo palafita edificadas em áreas de várzea na foz dos principais
tributários da cidade. Além, de diretamente, afetar a sociedade manauara que
neste período, devido o alagamento das ruas centrais da cidade, têm o comércio
e os negócios prejudicados.
Neste cenário, em 2004, o Cadastro Socioeconômico Físico
Territorial realizado para delimitar a poligonal da área de influência direta,
identificou no universo de 580.000 habitantes, 102.400 residentes em áreas
ribeirinhas e 35.800 em maior situação de susceptibilidade à riscos por
alagamentos, doenças de veiculação hídrica, desmoronamentos, entre outros.
Diagnóstico que, em 19 de janeiro de 2006, levou o Governo do Estado do
Amazonas a assinar o primeiro Contrato de Empréstimo com o BID para atuar
em áreas non edificandis de adensado aglomerados subnormais, consolidadas
nas microbacias dos igarapés de Manaus, Bittencourt, Mestre Chico,
Cachoeirinha e Quarenta. Emblemáticos cursos d’água que em diferentes
períodos econômicos contam a história de Manaus.
Inicialmente, no final do século XIX, a instalação das pontes
Romana I, II e Benjamin Constant, estruturas em ferro fundido provenientes da
Inglaterra, atenderam as demandas urbanísticas para o melhor desempenho da
economia gomífera, possibilitando a expansão da cidade a leste, junto com a
oferta dos serviços da linha de bonde, que, em 1895, perdia em extensão
apenas para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil.
Posteriormente, no início do século XX, a urbanização provocada
pela queda da economia da borracha levou ao adensamento das áreas de várzea
da orla de Manaus e parte da encosta do Rio Negro, com a “Cidade Flutuante”,
uma estrutura edificada a partir da década de 1920 na foz da bacia do
Educandos, com cerca de 2.000 habitações e 12.000 pessoas de diversas
procedências, responsáveis pela rede social articulada, pelo comércio e serviços
ofertados ao longo das extensas pontes de madeira que unia as habitações e
dava acesso aos compradores da cidade (figura 1)(Souza, 2010).

1 A cota de 30 metros determinada no ano de 19691, equivale à cota arbitrária de 29,96 metros,
definida como cota máxima de inundação das cheias do Rio Negro, com medições feitas desde
15/09/1902, na estação fluviométrica do Roadway instalada no Porto de Manaus, na zona sul da
cidade.
192 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.
Em 1967, com a chegada do modelo econômico baseado na
plataforma de exportação da Zona Franca de Manaus, instala-se o Polo Industrial
de Manaus em área de 1.168,59 hectares localizado na margem esquerda do
igarapé do Quarenta, tributário da bacia hidrográfica do Educandos. Neste novo
cenário econômico, o adensamento populacional adentra a foz dos igarapés de
Manaus, Mestre Chico, Bittencourt, Quarenta e Cachoeirinha. E as pontes
Romana I, II e Benjamin Constant, à função de equipamentos urbanos, agregam,
em sua parte inferior, a função de abrigo para um contingente populacional cada
vez maior residente em Áreas de Preservação Permanente, em moradias tipo
palafitas em situação de vulnerabilidade, na expectativa de uma vaga no mercado
de trabalho do Polo Industrial de Manaus – PIM.
A proibição de edificações em mata ciliares e leito de rios data do
ano de 1965, quando o Código Florestal Brasileiro foi instituído pelo Governo
Federal, definindo os cursos d’água como Áreas de Preservação Permanente,
non edificandis. Respaldado na legislação, uma ação de higienização urbana leva à
extinção a “Cidade Flutuante” e se institui em Manaus o primeiro modelo de
desapropriações por interesse público. Por intermédio da Lei nº 4.380 de 1964,
que criou o SFH – Sistema Financeiro Habitacional, a transferência da população
do rio para a terra firme foi realizada com recursos provenientes do Banco
Nacional de Habitação – BNH.

Selma Paula Maciel Batista


193
De acordo com o perfil da população afetada, para uns a
compensação envolvia permuta por moradia nos primeiros Conjuntos
Habitacionais edificados na cidade; para outros, apenas a doação de veículo para
transportar a madeira para o novo lugar do habitar.
Passadas quatro décadas, o resultado se materializou no aumento
do déficit habitacional, adensando as áreas de aglomerados subnormais
sobrepostas à intensa, complexa e rica malha hídrica sobre a qual se assenta o
sítio urbano de Manaus, comprometendo os recursos hídricos. No contexto
amazônico, recursos que classificam o patrimônio natural e cultural do estado. O
cultural, representado pelo patrimônio imaterial acrescido do padrão construtivo
das palafitas e das casas flutuantes, ambas, de expressivo valor sobre o saber
tradicional no que tange o modo de vida condicionado à dinâmica das águas. O
natural, representado pelo Encontro das Águas do Rio Negro e Rio Solimões,
principais tributários da maior bacia hidrográfica do Planeta e dos inúmeros olhos
d’água e nascentes de tributários que alimentam as onze bacias hidrográficas
urbanas que deságuam no Rio Negro.

O PROSAMIM COMO UMA POSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO


DOS RECURSOS HÍDRICOS
Neste cenário de degradação urbana e de um processo vigente de
metropolização de Manaus com outros sete municípios, insere-se o Programa
Social e Ambiental de Manaus – PROSAMIM. Um programa de planejamento
ambiental cujo modelo muito se aproxima da proposta de renaturalização.
Segundo Binder (1998), definido como um modelo de intervenção urbanística
que não busca a volta de uma paisagem original não influenciada pelo homem,
mas alternativas que, em conformidade com as necessidades humanas e
tendências econômicas, planeje a recuperação dos rios e da paisagem, de forma
holística e integrada, aliando o conhecimento tradicional ao contemporâneo.
Um exemplo emblemático de renaturalização ocorreu no ano de
2005 com a recuperação do rio Cheonggyecheon, em Seul na Coréia do Sul
quando, em um trimestre, o governo local colocou abaixo uma via expressa
recuperando o rio canalizado. A intervenção em 400 hectares distribuídos ao
longo de oito quilômetros garantiu a recuperação do curso d´água, da fauna
aquática e com ele, a requalificação do ambiente urbano. A área antes destinada

194 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


à indústria e ao comércio passou a agregar novos espaços públicos de lazer e
recreação, com queda da temperatura da área central por volta de 3,6º C em
relação a outras regiões da cidade, agregando à área a oferta de novos atrativos
para o lazer e o turismo.

Outro exemplo de sucesso de recuperação de recursos hídricos


impactados é o caso do rio Tâmisa, em Londres, que após secular período de
tratamento, além de recuperar a fauna aquática, conta com a tecnologia a favor
do monitoramento. Com o sistema das barreiras - Thammes Barrier, monitora
possíveis inundações em áreas rurais e urbanas banhadas pelo Tâmisa; e com a
adaptação nas embarcações de um sistema de câmeras de vídeo, radares e
sonares, transforma em combustível o lixo coletado do leito do rio.
Em síntese, os exemplos de intervenção, no rio Cheonggyecheon
executado em um trimestre e no rio Tâmisa ao longo de um século,
demonstram que o prazo pode ser um fator determinante, mas a diferença está
no entendimento de que, associado às novas tendências e tecnologias, deve-se
considerar a prioridade na qualidade dos ambientes urbanos, com valorização
dos elementos identitários, com mínimo impacto na descaracterização dos
lugares. Considerando estes pressupostos, consolidou-se um modelo urbanístico
a ser seguido.
No Amazonas, o PROSAMIM ao adotar as diretrizes do Plano
Diretor de Reposição de Moradias, Remanejamento de População e
Reinstalação de Atividades Econômicas das Áreas Requeridas para sua
implantação – PDDR (UGPI, 2005) tornou este instrumento oficial para
intervenções em bacias hidrográficas no Amazonas. Contudo, apesar da
orientação e aprovação do PDDR pelos consultores do BID e, em 2013, a

Selma Paula Maciel Batista


195
avaliação pós reassentamento indicar o programa como uma “boa prática”, há
necessidade de adequação da metodologia, com objetivo de equilibrar os
resultados positivos gerados com a renovação urbana e o reordenamento da
área central; com o ônus das externalidades produzidas com a transferência de
mais de 70% da população afetada para áreas periféricas da cidade, produzindo
no limite do próprio município a produção de riscos ambientais sobre os
recursos hídricos, a fauna, a flora e a comunidade anfitriã, que passa a dividir,
com a população que chega a escassa oferta de serviços básicos urbanos,
mercado de trabalho e espaços de lazer.
Devido à falta de um planejamento ambiental integrado entre
Estado e Município, surgem os riscos socioambientais: na zona Norte, com o
assoreamento e comprometimento da qualidade do ambiente aquático e
impacto sobre um sítio arqueológico indígena, localizado durante a
terraplanagem para obras de empreendimentos de habitação de interesse social
edificados pela Superintendência de Habitação do Estado Amazonas; e na zona
Leste, devido à autoconstrução. De acordo com o Relatório de Desastres
Naturais em Manaus realizado, no ano de 2013, pela Companhia de Pesquisa
de Recursos Minerais e Serviços Geológicos do Brasil – CPRM, o aumento das
edificações em áreas de encostas, sem as adequações quanto à captação e o
descarte da água, têm provocado o aumento das voçorocas, aumentando as
áreas de risco iminente.
Mas apesar disso, o modelo PROSAMIM ganha destaque no
cenário internacional e projeta a Metrópole Manaus como principal portão de
entrada na Amazônia Brasileira: importante território da América Latina, rico em
recursos renováveis e não renováveis abundantes na floresta e na bacia
hidrográfica amazônica.

O PROSAMIM E O BID
Para as intervenções promovidas pelo PROSAMIM em fragmentos
das bacias hidrográficas do Educandos e São Raimundo, o aporte financeiro
contraído com o Banco Interamericano de Desenvolvimento totalizou o
montante de US$ 930 milhões de dólares, com contrapartidas do Governo do
Estado do Amazonas de 30% do valor total.

196 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


Com o aval da República Federativa do Brasil, o primeiro
desembolso ocorreria no ano de 2012 estendidos até o ano de 2039, de
acordo com acordos financeiros firmados em contrato. Na bacia do Educandos,
em 2013, ocorreu o Seminário de Avaliação do PROSAMIM I. Em 2015, áreas
do PROSAMIM Suplementar encontravam-se abandonadas e na bacia
hidrográfica do São Raimundo, as obras iniciadas em junho de 2012
encontravam-se em andamento.
Tabela 1

Selma Paula Maciel Batista


197
Para o BID, de acordo com a Proposta de Empréstimo, os
recursos destinados ao Governo do Estado, deveriam:

“Contribuir a resolver el problema ambiental, urbanístico y social


que afecta a los moradores de la cuenca Educandos-Quarenta en la
ciudad de Manaus. Los objetivos específicos son: (i) mejorar las
condiciones ambientales y de salud en la zona a través de la
rehabilitación y/o implantación de los sistemas drenaje,
abastecimiento de agua potable, recolección y disposición final de
aguas servidas y basuras, la recuperación ambiental en áreas de
cabeceras y la educación sanitaria y ambiental de la población; (ii)
mejorar las condiciones de vivienda de la población residente en la
zona, mediante el ordenamiento urbano, la regularización de la
tenencia del suelo, soluciones habitacionales adecuadas y la
implantación de áreas de esparcimiento; y (iii) aumentar la
capacidad operativa y de gestión de las entidades involucradas en el
Programa, así como su capacidad para incorporar la participación
de la comunidad al proceso de toma de decisiones” (BID,
2005,p.6).

Diretamente ligada ao Gabinete do Governador, a gestão do


programa é feita por coordenadorias que compõe a Unidade de Gerenciamento
do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus – UGPI, instituída pelo
Decreto no 23.949, de 02 de dezembro de 2003.

CARACTERÍSTICAS DA POLIGONAL: anterior às intervenções


Mais do que uma unidade de planejamento, as bacias hidrográficas
devem ser compreendidas como áreas de conformação da dinâmica de
evolução do urbano, o que pressupõe planejar ações preventivas e corretivas,
considerando a extensão do tributário da nascente à foz. Contexto que leva o
planejador e o gestor público a atuar localmente, mas prever, avaliar e monitorar
na totalidade do município os impactos com a execução de um projeto. Caso
contrário, considerando os pressupostos do Estatuto da Cidade (2001), os
componentes do programa tendem a ser paliativos e, executados, servirem
198 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.
como mecanismos para atender a lógica da articulação de capitais financeiros e
imobiliários, contrariando os objetivos da Política Urbana, que determina que o
uso da propriedade urbana deva ser em prol do bem coletivo, da segurança e
do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Deste modo, o
conjunto de diretrizes, com foco em um planejamento que considere e pratique
a inclusão igualitária e justa (Sen, 2011) e sem transferência do ônus
socioambiental (Martínez-Alier, 2009) deve implementar ações que garantam ao
cidadão o direito à propriedade urbana, com promoção e garantia da oferta e
acesso aos serviços dos ecossistemas, em condições de uso para o consumo, o
lazer e o bem estar.
Neste contexto, a caracterização da poligonal de intervenção do
PROSAMIM, localizada em área nobre da cidade onde o metro quadrado de
terreno tem valor elevado com potencial para a expansão do mercado
imobiliário, encontrava-se densamente ocupada por aglomerados subnormais
edificados em Áreas de Preservação Permanente, definidas como non edificandis
conforme o Código Florestal Brasileiro. De acordo com dados do Estudo de
Impacto Ambiental - EIA, no ano de 2004, a área apresentava a seguinte
configuração:
Ambiente Natural – bacias hidrográficas, com leito dos cursos
d’água assoreados, matas ciliares densamente ocupadas com
elevado impacto no ambiente biótico e abiótico das microbacias,
acrescido à falta de infraestrutura urbana de um sistema de coleta
de esgoto, resíduos sólidos e drenagem pluvial gerando impacto
direto à qualidade do curso d’água como recipiente de esgoto
doméstico e industrial.
Ambiente Construído – no ambiente das bacias, as áreas de
várzeas irregularmente ocupadas como causa da ausência de uma
política habitacional que atendesse a demanda geraram como
efeito, consequente desvalorização e depreciação do espaço
público. Ambientes que pelas carências, no processo, tornaram-se
insalubres, com inadequado espaço para circulação, lazer para as
crianças, privacidade e segurança coletiva pelas condições impostas.
Ambiente da Moradia – no universo da bacia hidrográfica, dos
580.000 habitantes, 102.400 se localizavam assentados em áreas
ribeirinhas, dos quais 35.800 residentes abaixo da cota de 30
Selma Paula Maciel Batista
199
metros vulneráveis às inundações sazonais da cheia do Rio Negro.
Em geral, aglomerados subnormais com padrão construtivo
palafitas, em sua maioria, de estrutura unicelular com irregular
sistema de esgoto, abastecimento de água e energia elétrica.
No universo da área identificada pelo EIA (UGPI, 2004), a primeira
intervenção do PROSAMIM, definida como PROSAMIM I, delimitou para o
plano-piloto uma amostra representativa, com os igarapés de Manaus, Mestre
Chico e Bittencourt. Entre os meses de fevereiro e março do ano de 2004,
estas áreas foram mapeadas pelo Cadastro Socioeconômico Físico Territorial,
que identificou 3.875 unidades habitacionais vulneráveis às cheias do Rio Negro.
Os dados sistematizados contribuiu para a elaboração do Plano Diretor de
Reposição de Moradias, Remanejamento da População e Reinstalação de
Atividades Econômicas das Áreas Requeridas para Implantação do PROSAMIM -
PDDR (2005) e do Plano de Controle Ambiental - PCA (2007).
Do quantitativo de informações geradas pelo cadastro, quanto à
vulnerabilidade da habitação a cheia do Rio Negro, 28,3% das moradias se
localizava no leito dos igarapés, vulneráveis a alagamentos acima do assoalho;
27,5% próximo ao leito eram afetadas com água ao nível do assoalho; 28,9%
das residências estendidas com “puxadinhos” ao longo da mata ciliar, sofriam
influência da cheia; e 15,0% das residências no nível da rua, encontravam-se
regularizadas e sofriam menor impacto em relação à sazonalidade das cheias do
Rio Negro. Entre os residentes, 45,45% se declararam naturais da capital
Manaus; 30,48%, provenientes do interior do Estado do Amazonas; 21,5%, de
outros estados; e, 0,4% imigrante estrangeiro. Quanto ao tempo de moradia no
local, 20,67% viviam a mais de 30 anos; 15,20% viviam no local entre 20 e 30
anos; 18,58% entre 10 e 20 anos; 9,3% entre 6 e 10 anos; 8,9% entre 3 e 6
anos; 13,65% entre 1 e 3 anos; 2,9% entre 7 e 11 meses; 8,5% nos últimos
seis meses. Com relação ao número de cômodos: 26,0% tinham mais de cinco
cômodos na moradia; 15,8% cinco cômodos; 20,2% quatro cômodos; 15,2%
três cômodos; 13,0% dois cômodos e 9,7% um cômodo.
Salienta-se que a quantidade de cômodos merece atenção, pois,
nem sempre um número de três, quatro ou cinco cômodos representam
compartimentos da casa e, sim, um cômodo utilizado por um agregado ou
inquilino que dele faz um lar e com os demais membros da família compartilham
a mesma entrada principal e o banheiro da casa.

200 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


Quanto à renda familiar, 34,4% da população da amostra
representativa afirmou renda familiar de 1 a 2 salários mínimos. A questão da
renda mínima remete a fragilidade da moradia em área insalubre, compensada
pela oportunidade de acesso à ampla oferta de equipamentos e serviços
urbanos, sobretudo, no que diz respeito à proximidade de hospitais, escolas,
comércio diversificado e mercado de trabalho; na porção Sul da bacia do
Educandos com o comércio e serviços; e na porção Oeste, com a oferta de
trabalho no Polo Industrial de Manaus.
Quanto ao abastecimento de água, 94,5% informou acesso a rede
pública, mas, devido à impossibilidade de regularização do serviço em áreas de
ocupação irregular, acredita-se que este acesso seja clandestino. Contudo,
apenas 1,71% declarou o abastecimento por meio de ligações clandestinas.
Os demais 2,88% informaram não ter fonte de abastecimento;
0,25% obtinha água de poço; e 0,62% de cacimbas. No Amazonas, as cacimbas
são reservatórios de água de fonte natural que afloram do lençol freático e olho
d’água são nascentes que brotam do solo. Dessa forma, o potencial hídrico
encontrava-se comprometido com o adensamento urbano, associado à falta de
um planejamento que considere a possibilidade do uso de alternativas de acesso
à fonte hídrica em condições de uso em ambientes urbanos, que não sejam os
hidrômetros ou as perfurações irregulares.
Quanto ao sistema de coleta de lixo, 74,35% afirmaram levar o
lixo para a rua para ser recolhido pelo carro coletor; 3,92% colocavam o lixo
diretamente no carro coletor; 21,17% no coletor público e, apenas, 0,54% do
total de respostas válidas, afirmaram jogar o lixo no igarapé. O pequeno número
dos que assumiram jogar o lixo nos cursos d’água fortalece os argumentos de
Acselrad (2009) e Ribeiro (2010), de que não é a população menos favorecida
responsável pelo dano ambiental. Pelo contrário, o fato de residirem em áreas à
jusante na foz do tributário faz com que sofram o impacto do acúmulo do lixo,
em parte, transportado pela correnteza, que o traz de localidades com
inexistente ou frágil estrutura de sistema de drenagem das águas pluviais, e em
parte associado à precária coleta de lixo, provocando a degradação do ambiente
aquático e o risco de contaminação por doenças de veiculação hídrica.
Por outro lado, ainda de acordo com o Cadastro Socioeconômico,
para parte dos moradores a condição de extrema vulnerabilidade a que se
submetiam era compensada pela localização da precária moradia em área central
da cidade.

Selma Paula Maciel Batista


201
“33,6% dos moradores manifestaram preferência em permanecer
na mesma área, seja através de reassentamento ou de permuta
por casa. Para 43,2% a melhor opção seria reassentamento ou
permuta em área próxima. Apenas 10% dos respondentes
indicaram que prefeririam obter a indenização em moeda corrente
pelo imóvel. Esses percentuais indicam que é de fundamental
importância poder permanecer nas proximidades da área em que
residem (prioritariamente) ou na própria área (opção secundária)”
(UGPI, 2007, p. 118),

Esse fato justifica a resistência de algumas famílias quando obrigadas


a migrarem para outras áreas da cidade, por incompatibilidade entre o perfil e as
alternativas de indenização do Programa, que promoviam a ruptura do tecido
social-urbano, com consequente sequela para a memória social do lugar.

CARACTERÍSTICA DA POLIGONAL: posterior às intervenções


Para o BID, os objetivos do programa, classificados como
componentes, são definidos como serviços ou produtos, criados no âmbito do
projeto. Eles são necessários para gerar os resultados esperados, mediante os
quais, os recursos são disponibilizados em forma de empréstimo.
De acordo com o BID (2005), a expectativa de resultados previa:

“El principal resultado será la eliminación de los problemas urbanos


y sociales que genera a la ciudad la ocupación ilegal de los igarapés
de la cuenca Educandos-Quarenta. Otros resultados (outcomes)
del Programa, referidos a la misma cuenca serán: (i) reducción de
la contaminación del água em lós igarapés (-50% de coloformes
fecales, hoy 10 -7; + 100% de OD, hoy 0,1 mg/L; -60% de DBO,
hoy 100 mg/L); (ii) reducción de la población afectada por las
inundaciones (36.000 personas); (iii) utilización del espacio verde
público de la ciudad (5.000 personas/mes visitan los parques); y (iv)
reducción de la incidencia de diarreas agudas (de 57,35 para 40,0
por 10.000 personas); (v) reducción de la incidencia de hepatitis A

202 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


(de 12,35 para 8,0 por 10.000); (vi) aumento de la oferta de
inmuebles con valor menor o igual a US$8.000 (de 186 para 300);
(vii) no hay invasión de las áreas recuperadas; y (viii) las industrias
permanecen bajo el control de IPAAM/SEDEMA” (BID, 2005,
p.32)

Com objetivo de gerar os seguintes produtos:


“(i)11,1 km de canales, interceptores y colectores de aguas lluvias;
(ii) 3500 familias reasentadas; (iii) 13,2 km de avenidas y vías
urbanas; (iv) 3.000 viviendas conectadas al servicio de agua potable
y 50.000 al servicio de alcantarillado; (v) 153 industrias con planes
de adecuación ambiental; (vi) 15 ha de nuevas áreas verdes; (vii)
300 personas asisten a los cursos de educación sanitaria y
ambiental, (viii) 60 personas capacitadas en diversas áreas de la
administración municipal; (ix) informe del programa piloto de
recuperación de edificaciones de uso residencial y productivo; y (x)
Plan Director de Residuos Sólidos para la ciudad de Manaus” (BID,
2005, p.32).
Para as áreas diretamente afetadas na bacia hidrográfica do
Educandos, para ilustrar os resultados gerados entre os anos de 2007 a 2012,
descreve-se o cenário pós-intervenções, com os respectivos produtos
urbanísticos gerados. Estruturas que garantiram à sociedade novos espaços de
uso coletivo responsáveis pela valorização da área central de Manaus com
infraestrutura, serviços urbanos e Parques Residenciais, de acordo com o padrão
construtivo e urbanístico do entorno da área afetada.
Para além dos produtos gerados com o reordenamento urbano,
no que diz respeito à população afetada, em junho de 2012, do total de 35.800
residentes identificados em situação de vulnerabilidade ao risco por alagamentos,
25.539 haviam sido atendidas, resultando em 5.552 soluções de indenizações.
Deste total, 22,73% das soluções envolveu realocação nos
Parques Residenciais; e 77,26% o deslocamento para outras áreas da cidade
promovendo, como define Sen (2011), um processo de inclusão excludente ou
não igualitária.
Do total de 77,26% deslocados: 18,26% foram reassentados nos
Conjuntos Habitacionais João Paulo II, Cidadão V e Nova Cidade, localizados na
Selma Paula Maciel Batista
203
zona Norte da cidade. Atendidos com o Bônus Moradia no valor de R$
21.000,00, com negociações feitas pela Superintendência de Habitação do
Estado do Amazonas – SUHAB foram 35,89% do total de famílias. Na época, a
oferta de moradias no valor estabelecido e, de acordo com as condicionantes do
Programa, com regularidade quanto ao título de propriedade, abastecimento de
luz e água e tipologia em alvenaria, se localizam nas zonas leste e norte da cidade
ou municípios do entorno. Sem reposição de moradia, ficaram 23,11% da
população afetada, indenizada com o Auxílio Moradia no valor de R$ 6.000,00
(UGPI, 2004).
Figura 4

204 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


Selma Paula Maciel Batista
205
IGARAPÉ DE MANAUS, BITTENCCOURT, MESTRE CHICO
CACHOEIRINHA E QUARENTA
1. Parque Desembargador Paulo Jacob
40.357,27m2 - Inaugurado em 22/03/2010

2. Parque Senador Jefferson Péres


52.000,00 m2 - Inaugurado em 01/09/2009

3. Parque Largo do Mestre Chico


62.257 m2 - Inaugurado em 25/09/2008 e 23/03/2010

4. Parque Bittencourt
EQUIPAMENTOS 27.402,28 m2 - Inaugurado em 24/03/2010
SOCIAIS
5. Parque Linear do Quarenta
20.041,40 m2 -
Inaugurado entre Outubro/2006 Julho/2008 e
Dezembro/2010
6. Centro de Convivência
para uso da comunidade e Associações de Moradores

7. Ponte Benjamim Constant (original do ano de 1894)


Recuperação e Restauração
Entregue em 25/09/2008

1. Parque Residencial Manaus


819 unidades habitacionais

2. Parque Residencial Mestre Chico


498 unidades habitacionais
HABITAÇÃO
3. Parque Residencial Prof. José Jefferson Carpinteiro Péres
150 unidades habitacionais

4. Parque Residencial Gilberto Mestrinho


372 unidades habitacionais
DRENAGEM Canal e Galeria
- Ordenamento territorial urbano com solo criado para
edificação dos Parques Residenciais e instalação da sede da
URBANIZAÇÃO e UGPI.
INFRAESTRUTURA - Instalação do sistema de abastecimento de água e coleta de
esgoto, sistema viário e iluminação pública, com fiação
subterrânea.

206 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


Para os moradores realocados nos Parques Residenciais, cuja
planta compreende: 54m2 com dois quartos, uma sala, uma cozinha, um
banheiro, área de serviço interna e varanda, a chave da primeira unidade
habitacional no Parque Residencial Manaus, foi entregue no ano de 2007. A
unidade, com capacidade para famílias com até cinco membros, edificada em
modelo radier, se assenta sobre uma manta feita com ferragem e concretagem,
que com uma laje impermeabilizada se modela ao solo. A estrutura é edificada
com vigas e pilares, preenchidos com ferro e concreto, cobertos pelo modelo
perfurado de blocos cerâmicos, que embute todas as armações da estrutura,
coberta com telhas fibrocimento. Em 2013 estas moradias eram negociadas ao
preço de R$ 100 a R$ 120 mil no mercado imobiliário, apesar de ser proibidas a
sua venda.
No ano de 2004, os primeiros moradores transferidos dos
igarapés da Cachoeirinha e Quarenta começaram a chegar aos Conjuntos
Habitacionais. As moradias, em lotes de 128m2 com 33,10 m2 de área construída
comportam: um quarto, uma sala conjugada, um banheiro e área de serviço
externa. O Conjunto Habitacional João Paulo II inaugurado no ano de 2004,
conta com 1.320 unidades; o Cidadão V inaugurado no ano de 2008, 631
unidades; o Nova Cidade inaugurado em etapas entre 2003 a 2006, 9.467
unidades habitacionais, o Conjunto Habitacional Cidadão IX ou Presidente Lula,
localizado no bairro Distrito Industrial – Zona Sul inaugurado em 2008, 500
unidades habitacionais (SUHAB)2.
Localizados em área de expansão urbana, os conjuntos formam
um cinturão de moradias edificadas com recursos da Superintendência de
Habitação do Estado do Amazonas em parceria com a Caixa Econômica Federal.
A distância da nova moradia em relação ao local da moradia de origem é de 17
km para o Conjunto Habitacional João Paulo II, 16 km para o Conjunto
Habitacional Cidadão V, 15 km para o Conjunto Nova Cidade e 10 km para o
Conjunto Presidente Lula. Destaque-se a localização do Conjunto Habitacional
Nova Cidade, edificado em área limítrofe com os 10 (dez) mil metros quadrados
da Reserva Florestal e Jardim Botânico Adolpho Ducke. Área de experimentos
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, desde então está
vulnerável aos impactos provenientes do adensamento urbano, que coloca em
risco as 2.100 espécies de plantas e animais catalogados no local. Além disso, a

2
Portal da SUHAB. Disponível em http://www.suhab.am.gov.br [Acesso em 2014]
Selma Paula Maciel Batista
207
ocupação dos conjuntos nessa área colocou em risco a população já nos
primeiros anos, elevando o número de casos de positividade para o vetor de
transmissão da malária.
Figura 5

BENEFÍCIOS GERADOS AO CUSTO DA TRANSFERÊNCIA DO


ÔNUS SOCIAL E AMBIENTAL
Com base nos produtos gerados, o Governo do Estado ao definir
a poligonal de intervenção como Área de Especial Interesse Social no Decreto
nº 24.840/2005, com objetivo de permitir o ordenamento urbano, a
regularização fundiária e a inclusão social com qualidade ambiental, direcionou o
modelo à proposta de renaturalização e atende aos princípios da função social da
cidade quanto à oferta de lazer, moradia, trabalho e circulação.
Entretanto, identificada a transferência de 77,26% da população
afetada para outras áreas da cidade, as ações se apresentam ineficazes e exigem
uma revisão da metodologia adotada. De acordo com a UGPI (2013), após as
208 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.
intervenções ocorreu na área redução de 2.872 m3 de esgoto sanitário e 28,72
toneladas de lixo doméstico que por dia deixaram de ser lançados nos cursos
d’água3. Isso é fato, mas resultam da transferência deste ônus para outras áreas
da cidade, para onde foram deslocados os moradores indenizados com permuta
em conjunto habitacional, auxílio moradia ou indenização em dinheiro e que
continuam, devido ao inexistente ou ineficiente sistema de esgoto, lançando
diariamente seu efluentes nos inúmeros cursos d’água da cidade.
A comprovação vem das análises das amostras de monitoramente
da qualidade das águas dos igarapés do Mestre Chico, Manaus, Bittencourt e
Quarenta que sofreram intervenções do PROSAMIM. As mesmas realizadas
entre os anos de 2011 e 20124, por laboratório credenciado indica que as águas
não atendem o que preconiza a Classe II da Resolução nº 357/2005 do
Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. A série histórica de dados
do igarapé do Quarenta, principal tributário da bacia, indica o aumento das
concentrações dos parâmetros avaliados, indicando como causa a existência de
desmatamento de áreas florestais e grande quantidade de dejetos despejada por
atividades antrópicas ou industriais ao longo da extensão do curso d’água5, cujas
nascentes se localizam na zona Leste da cidade.
Atribui-se a redução dos casos de doenças diarreicas à renovação
urbana do território com as intervenções habitacionais e urbanísticas. Mas, não
se pode ignorar a espacialização do impacto gerado pela metodologia de
indenizações do programa, que no processo, ao transferir parte da população
para as áreas de expansão em conjuntos habitacionais, fez aumentar os casos de
positividade pelo vetor da malária. De acordo com dados de Batista (2013),
conforme ocorriam os reassentamentos, novos casos de positividade eram
registrados pela Secretaria de Vigilância em Saúde.
A partir do ano de 2004, as indenizações em dinheiro com o
Bônus Moradia, aumentou a oferta de propriedades com valor menor ou igual a
R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) e provocou o adensamento das zonas
periféricas, comprometendo os ambientes naturais. Como resultado, produziu
uma assimetria no ordenamento do espaço urbano, com consequências diretas

3
Dados obtidos na apresentação no Seminário de Avaliação do PROSAMIM I. Dias 14 e 15 de
maio de 2013.
4
Disponível em: http://www.prosamim.am.gov.br [Acesso em: 22 fev. 2012]
5 Extraído de Relatório Analítico ML 120/12 de 06.01.2012, emitido pelo Laboratório de Análises
e Pesquisas. Disponível em: http://www.prosamim.am.gov.br [Acesso em 12 ag. 2012]
Selma Paula Maciel Batista
209
na mobilidade urbana, na dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, no
aumento do risco por segurança alimentar, entre outras implicações de ordem
social, financeira e ambiental.
Com base no BID (2005), do previsto de 3.000 unidades
habitacionais ligadas ao sistema de água potável, em 2012, tinha-se como
resultado as unidades dos Parques Residenciais monitoradas por hidrômetros.
Da meta de 50.000 residências ligadas à rede de esgoto, no mesmo ano, se
tinha as mesmas unidades habitacionais dos Parques Residenciais e algumas
moradias do entorno imediato da área de intervenção. No mais, as conexões de
esgoto instaladas pelo Programa permaneciam ociosas.
Do previsto de 153 indústrias atuando em conformidade com o
Plano de Controle da Contaminação Industrial e a aplicação do Plano Diretor de
Resíduos Sólidos para a cidade de Manaus, os mesmos foram elaborados por
consultorias contratadas com recursos do PROSAMIM. Mas, devido à dificuldade
na articulação compartilhada entre os órgãos envolvidos, ainda não se
encontram totalmente implementados.
De acordo com os produtos previstos pela consultoria de
profissionais do BID, para evitar novas ocupações, mais de 15 hectares de áreas
verdes foram criadas, mas não estão arborizadas. Dos cinco parques urbanos
entregues à população, apenas o Parque Senador Jefferson Péres se encontra
em condição de uso para o esporte e o lazer. Os demais, sem manutenção
pública, comprometem a paisagem urbana com o abandono dos equipamentos
instalados. Por fim, os igarapés não recuperados, associados às implicações
descritas, coloca em questionamento a proposta socioambiental que dá nome
ao Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelos produtos urbanísticos gerados, não se nega a relevância do
modelo de intervenções do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de
Manaus para o reordenamento da área central da cidade que, em 2014, como
subsede na Copa do Mundo, conquistou o título de cidade hospitaleira.
Os gestores envolvidos, ao tomarem a bacia hidrográfica do
Educandos como unidade de planejamento, teoricamente, em conformidade
com as demandas da população em situação de vulnerabilidade à sazonalidade
das águas e ao cenário das tendências econômicas, aproximaram as ações ao

210 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


modelo de renaturalização, com as propostas de melhoria de intervenções
urbanísticas, ambientais e habitacionais.
No entanto, na prática, a bacia hidrográfica se configurou apenas
como uma unidade geográfica de planejamento. Pois passados dez anos das
intervenções, na revisão do Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus,
subtraiu-se do documento o inciso que definia Manaus com a “cidade de
importância estratégica da água para a Humanidade”. Isto porque, com a
metodologia de indenizações adotada com transferência de mais de 70% da
população para outras áreas da cidade, impactou-se diretamente outras das onze
bacias hidrográficas sobre a qual se expande a urbanização de Manaus.
Se a bacia do Educandos fosse tomada como unidade integrada de
planejamento se teria priorizado a recuperação dos recursos hídricos de forma
não fragmentada, com avanços na política de universalização do sistema de
esgotamento sanitário e de acesso à moradia digna em ambientes salubres e
centrais.
Prioridades em consonância com as diretrizes da Política Urbana e
demais leis federais que alimentam a legislação para que a cidade cumpra com a
sua função, com inclusão social e proteção ambiental aliada à distribuição
equitativa dos benefícios gerados pela economia. Prática que pressupõe uma
agenda de ações públicas que garantam à totalidade da população a oferta de
escolas para todas as séries, postos de pronto atendimento à saúde, unidades de
policiamento, equipamentos coletivos de lazer e serviços básicos de água, esgoto
e coleta de lixo, assim como adequada infraestrutura urbanística, com adequado
sistema de circulação, iluminação pública, telefonia e transporte convencional
urbano. Além da facilidade de acesso ao mercado de trabalho.
Prioridades não garantidas pelo PROSAMIM aos 18,26% dos
moradores deslocados para os Conjuntos Habitacionais, 35,89% indenizados
com o Bônus Moradia no valor de R$ 21.000,00 para aquisição de uma casa
monitorada pela SUHAB, nem aos 23,11% indenizados com o Auxílio Moradia
no valor de R$ 6.000,00 para compor por dois anos, o aluguel social. Para estes,
a inclusão no programa, com as indenizações que resultaram na sua transferência
para fora das áreas requeridas para intervenção, tornaram-nos excluídos do
direito de permanecerem nas áreas centrais requalificadas.
Para os 22,73% realocados em unidades habitacionais nos Parques
Residências edificados nas áreas requalificadas, o modelo PROSAMIM, de acordo
com avaliação realizada pelo BID é indicado como uma “boa prática”. O que em

Selma Paula Maciel Batista


211
síntese, valida o PROSAMIM, como um instrumento de política urbana e legitima
a aplicabilidade do modelo em outros municípios do estado do Amazonas.
Entretanto, como defendido, o modelo PROSAMIM exige revisão
da metodologia, pois se as intervenções continuarem a promover a transferência
das externalidades negativas socioambientais, os efeitos adversos sobre o
ambiente não cessarão e não se alcançará a equidade social e a proteção
ambiental, com a salvaguarda dos recursos naturais e culturais que uma cidade
como Manaus, de importância estratégica para a América Latina considerando a
questão hídrica.

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Janeiro: Garamond.

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de 18 de junho de 1986. Resolve sobre a classificação das águas doces, salobras
e salinas essencial à defesa de seus níveis de qualidade, avaliados por parâmetros
e indicadores específicos, de modo a assegurar seus usos preponderantes.

212 O Caso PROSAMIM: O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus.


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______. 2013. Seminário de Avaliação do PROSAMIM I. Manaus: UGPI.

Selma Paula Maciel Batista


213
EL FERROCARRIL EN SANTA FE: UNA MODERNIDAD
DESBORDADA

A FERROVIA EM SANTA FE: UMA MODERNIDADE


DESBORDADA

Ricardo Robles

Ricardo Robles
215
RESUMEN
En el siglo XIX, las infraestructuras ferroviarias de la ciudad de Santa
Fe (Argentina) simbolizaban al pensamiento moderno sobre el progreso. Sin
embargo, en la actualidad sus espacios tienen una significación social compleja
producto de la diversidad de situaciones que en ellos se reconocen, tales sea:
abandono, subutilización, invasiones y nuevas intervenciones estatales. En
relación a las intervenciones, es posible argumentar que sus espacios expresan
una superestructura ideológica que en gran medida no descarta al pensamiento
moderno. En función de generar un entendimiento profundo de esta temática,
se ha realizado un estudio particularizado de algunas de ellas, considerando la
importancia de las diferentes escalas urbanas involucradas y el intercambio de
flujos en dichos espacios. Como resultado se ha determinado una serie de
problemas y potencialidades en lo que se podría considerar uno de los espacios
de la ciudad con mayor capacidad de cambio a favor de un desarrollo local y
metropolitano.
Palabras clave: Ferrocarril; modernidade; intervenciones e
potencialidades

RESUMO
No século XIX, as infraestruturas ferroviárias da cidade de Santa Fe
(Argentina) simbolizavam o pensamento moderno sobre o progresso. No
entanto, atualmente seus espaços têm um significado social complexo, produto
da diversidade de situações em que é possível reconhecer em todo o processo:
abandono, subutilização, invasões e novas intervenções estatais. No que
concerne às intervenções, se poderia argumentar que seus espaços expressam
uma superestrutura ideológica que não descarta o pensamento moderno. Com
o intuíto de gerar uma compreensão mais profunda do assunto, tem sido feito
um estudo pormenorizado de algumas delas, considerando a importância das
diferentes escalas urbanas envolvidas e a troca dos fluxos nesses espaços. Como
resultado, foram identificados problemas e potencialidades no que poderia ser
considerado um dos espaços com a maior capacidade de mudança para um
desenvolvimento local e metropolitano.
Palavras-chave: Ferrovia; modernidade; intervenções e
potencialidades.

216 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


“El camino de mi propósito decidido está hecho con rieles de
hierro, por donde mi alma rueda. Voy atravesando cañadas tortuosas, el corazón
profundo de las montañas, los lechos de los torrentes, infaliblemente ¡No hay
obstáculos, no hay un recodo en el camino de hierro!.” (Melville, 1851)1

En el siglo XIX, la idea del camino único e invariable del paso de


los trenes simbolizaba, más que ningún otro elemento, al pensamiento moderno
sobre el progreso (Muller y Collado, 2000). En la actualidad2 este camino se
encuentra (literal y metafóricamente) tapado por una capa de tierra y concreto
(Figura. 1), lo que genera una significación social compleja.
En las fotografías actuales de dichos espacios, es posible reconocer
la existencia de diferentes tipos de caminos. A partir de ellos se establecen a
modo de referencia dos categorías: la primera relacionada con aquellos caminos
que tienen un correlato con los conceptos de terrain-vague (Solà-Morales,
1995) y de post-it city (La Varra, 2008), donde las infraestructuras ferroviarias en
desuso connotan sensaciones de incertidumbre, al mismo tiempo que son
objetos de ocupaciones “espontáneas”; y la segunda basada en la noción de
urbanalización (Muñoz, 2008), relacionada directamente con las diferentes
intervenciones urbanas que actualmente se están realizando en estos espacios.
El concepto de urbanalización es definido por Francesc Muñoz
como un tipo de urbanización banal del territorio, en tanto en cuanto los
elementos que se conjugan para dar lugar a un paisaje concreto pueden ser
repetidos y replicados en lugares muy distantes tanto geográfica como
económicamente. El paisaje de la ciudad se tematiza, sin más cometido que
formar parte de una cadena global de imágenes (Muñoz, 2008). Esta idea de
generar una estética y repetirla indiscriminadamente en el espacio, tiene en gran
medida un carácter moderno. Entendiendo a la modernidad como a esa
pequeña familia de teorías que, a la vez, declaran poseer y desean para sí
aplicabilidad universal (Appadurai, 2001). Pero es una modernidad diferente,
oculta, no asumida, que se relaciona con fenómenos globales, y como tales
genera situaciones complejas, que según Appadurai producen una modernidad

1
Cita extraída de MULLER, L., y COLLADO, A. (2000). “Arquitectura, ciudad y territorio. El
ferrocarril Santa Fe a las Colonias”. En “Serie Polis Científica Nº 2”. Santa Fe. Ediciones UNL.
2
El presente texto ha sido realizado en el mes de marzo del 2015. Es una versión revisada, con
algunas pocas modificaciones, del trabajo presentado en el curso de posgrado "Seminario de
Investigación sobre Arquitecturas Insertas en el Tejido Urbano" dirigido por el Dr. Arq. Jorge
Bassanni en el año 2014.
Ricardo Robles
217
desbordada3.
Es importante aclarar que estas intervenciones urbanas parten de
proyectos realizados por un grupo de arquitectos que pertenecen a un ente del
estado provincial. La idea de que el gobierno de turno genere una estética
propia y la replique en la ciudad (o al territorio que le compete) no es algo
nuevo, lo que varía es el contexto en el cual esta dinámica se aplica. Un contexto
en el que el afán por pertenecer a una cadena global de imágenes, implica que
las intervenciones de un gobierno local puedan adquirir relevancia en diferentes
escalas: barrial, municipal, provincial, nacional y global. Es en definitiva una
concepción moderna de la arquitectura y del urbanismo que continúa en gran
medida vigente, al dejar de lado ciertos sectores y realidades sociales. El cuadro
"Repensando a Gautherot” (Figura. 2) permite ilustrar la postura crítica hacia la
arquitectura contemporánea que el presente trabajo esboza, donde la imagen de
uno de los candangos de Brasilia representa a uno de los tantos obreros que
construye la ciudad que no habita.

Figura 1 - Camino en el que usaron las vías del tren como guía para el colado del hormigón.
Fuente: p/p.
Figura 2 - "Repensando a Gautherot" - Acrílico 50 x 50. Fuente: p/p.

3
Appadurai define un contexto caracterizado por un Estado-Nación con una forma política
moderna compleja que se encuentra en crisis; flujos migratorios; comunidades diaspóricas y
medios masivos de comunicación. Esto genera nuevos escenarios y procesos, en donde la noción
de lo local es relacional y contextual, dejando de lado la idea de que se circunscriba al espacio físico
solamente e introduce de esta manera al espacio virtual (Appadurai, 2001).
218 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada
UN “MERGULHO”: UNA CUESTIÓN DE ESCALA
El arquitecto paulistano Angelo Bucci rescata la necesidad de
enfrentarse a un ámbito concreto y reducido, a una serie de problemas socio-
urbanísticos con nombres y rostros propios. Para ello reclama necesario hacer
un “mergulho” (zambullida), un término que utiliza para referirse a la necesidad
de meterse dentro de una ciudad para poder analizarla (Bucci, 2010). No es
suficiente observarla desde un avión o un satélite hay que recorrer las calles, vivir
las plazas y recorrer los espacios para luego poder proponer algún cambio. Al
respecto, Walter Benjamin, en Infancia en Berlin hacia 1900, escribe: “Importa
poco no saber orientarse en una ciudad. Perderse, en cambio, en una ciudad
como quien se pierde en el bosque, requiere aprendizaje”. (Benjamin, W.,
1929). Esta postura, además de buscar capturar la belleza de lo cotidiano de las
ciudades, nos muestra que para conocer una ciudad es necesario aprender a
perderse en ella. Otro autor que rescata la importancia de los andares por la
ciudad es Michel de Certeau, quien escribe que el simple estudio superficial de la
huella hace olvidar una manera de ser en el mundo (Certeau, 1978).
Sin embargo, para generar un entendimiento más profundo de la
realidad es también necesario entender los problemas urbanos desde las
diferentes escalas de la ciudad.
En relación a esto Edward Soja escribe: “Mientras yo considero
que mi propio trabajo ha sido parte de este campo cada vez más
transdiciplinario, últimamente me siento disconforme con lo que percibo como
la creciente sobreestimación de lo que se ha llamado, a menudo con referencia
al trabajo de Michel de Certeau, la “visión desde abajo” (los estudios de lo local,
el cuerpo, el paisaje callejero, las psico-geografías de la intimidad, la
subjetividades eróticas, los micro-mundos de la vida cotidiana) a expensas de la
comprensión de la ciudad como un todo, de la visión más macro del urbanismo,
de la economía política de los procesos urbanos”.4
En base a estas dos premisas, es posible argumentar que ya se ha
reflexionado en parte sobre la escala macro generada por las intervenciones
urbanas recientes en los espacios ferroviarios de la ciudad de Santa Fe. En
relación a la escala micro, es necesario generar una serie de reflexiones
particulares de algunos de los espacios intervenidos:

4
- Cita extraída de REYNOSO, C. (2010) “Análisis y Diseño de la Ciudad Compleja”. Buenos
Aires. Editorial Sb.
Ricardo Robles
219
A. PASEO ESCALANTE
En primer lugar, es necesario tomar en consideración la gran
aceptación inicial que algunas de las intervenciones urbanas adquirieron a escala
barrial, especialmente la correspondiente al Paseo Escalante (Figuras 4, 5, 6).
Esto se logró en gran medida al demoler terraplenes en desuso que dividían
barrios, lo que en su conjunto redujo en parte la inseguridad en el área y
modificó sustancialmente la legibilidad del paisaje. La imagen 3 y 4, dan cuenta
del cambio y la relación entre bordes del tejido.
Sin embargo, los cambios realizados hasta el momento responden
a cambios en el paisaje, el espacio público y la movilidad, pero no existió un
cambio en relación a las actividades (Figura. 5). Es posible argumentar que
actividades de tipo convocante en principio ayudarían a fomentar la ocupación de
dichos espacios, los cuales son utilizados esporádicamente y se encuentran la
mayoría del tiempo vacío. Por otro lado, actualmente representan sobre todo
espacios de flujos, sin condiciones espaciales que fomenten la permanencia. En
cuanto a la movilidad, existen mejoras sustanciales a nivel de la microaccesibilidad
de los espacios.

Figura 3 - Terraplen que dividía los dos barrios. Fuente: http://mw2.google.com/mw-


panoramio/photos/ medium/18067204.jpg
Figura 4 - Terraplen rebajado. Fuente: p/p.

220 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


Figura 5 - Plano de ubicación. Fuente: p/p.
Figura 6 - Apoyo vecinal. Fuente: Diario "El Litoral".

B. CRUCE ENTRE EL TRAZADO FERROVIARIO Y LA AVENIDA


En este caso, es posible observar como las intervenciones
realizadas responden a principios paisajísticos y usos de escala barrial, como ser
juegos para niños y un puesto para artesanos (estos últimos se realizan los fines
de semana). Por otro lado, es posible observar una gran cantidad de espacio
destinado al estacionamiento de vehículos, los cuales tienen como destino la
sede de la Universidad Nacional del Litoral (Figura. 9).
Es posible argumentar que los cruces complejos entre trazados
viales y ferroviarios poseen un gran potencial de cambio, producto de la mayor
cantidad de flujos que en ellos concurren (Figura. 11). Este aumento en los flujos,
aumenta la intensidad urbana en estos espacios (Ascher, 2006), por lo que el
potencial de cambio que poseen es mayor en relación a aquellos encuentros en
los que los flujos son menores (Sola-Morales, 1996).

Ricardo Robles
221
Figura 7 - Cruce de ferrovía y avenida. Fuente: p/p.
Figura 8 - Juegos para niños. Fuente: p/p.

Figura 9 - Estructura para vendedores ambulantes. Fuente: p/p.


Figura 10 - Plano de ubicación. Fuente: p/p.

Figura 11 - Análisis de sintaxis espacial del cruce realizado con Depthmap 0.30.

222 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


C. CANDIOTTI PARK
En tercer lugar, es necesario destacar y tomar en consideración la
exitosa ampliación e intervención en el “Candiotti Park” de la ciudad de Santa Fe,
como resultado de un sistema de presupuesto participativo. En base a diferentes
propuestas, la comunidad del barrio eligió ampliar el existente playón deportivo
con la construcción de una pista de skaters, la cual fue proyectada de manera
conjunta con un grupo de arquitectos y especialistas. La misma es
frecuentemente utilizada por la comunidad.
Por otro lado, se generó en uno de los lados una calle manda-
peatón para acceder a las viviendas, lo que permite una relación más fluida entre
el espacio para el vehículo y las personas. Sin embargo, a pesar de que hubo una
consideración en la variación de la actividad del mismo parque, la relación con el
tejido de las manzanas todavía no ha sido articulada. Un ejemplo de ello puede
ser el kiosco-bar ubicado en la esquina enfrente del playón deportivo, el cual es
muy frecuentado.

Figura 12 - Candiotti Park. Fuente: p/p. Figura 13 - Candiotti Park. Fuente: p/p.

Ricardo Robles
223
Figura 14 - Plano de ubicación. Fuente: p/p.
Figura 15 - Candiotti Park. Fuente: Diario "El Litoral".

D. PEDRO VÍTTORI
En cuarto lugar, se aborda el caso del tramo del ferrocarril que se
ubica paralelo a la calle Pedro Víttori. Este es uno de los tramos más
característicos del trazado ferroviario en la ciudad producto de la mezcla de
situaciones urbanas (viviendas, fábricas, centros culturales, parques, vegetación
exuberante). Este tramo actualmente está siendo promovido como parte de una
de las futuras trazas del tren urbano de la ciudad (Figura. 22). Es necesario aclarar
la relevancia a escala municipal que posee este tipo de intervención, la que
incluso tiene un potencial regional y/o metropolitano. Este sistema posibilitaría
una integración de diferentes barrios en la ciudad generando modificaciones
profundas a escala barrial a lo largo de la traza. A nivel del paisaje, se repite
nuevamente una estética similar a la trabajada en el primer fragmento de este
trabajo, incluso desprestigiando el valor patrimonial de algunas de las
construcciones históricas del ferrocarril.

224 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


Figura 16 - Vittori y el ferrocarril. Fuente: p/p. Figura 17 - Vittori y el ferrocarril. Fuente: p/p.

Figura 18 - Vittori y el ferrocarril. Fuente: p/p. Figura 19- Plano de ubicación. Fuente: p/p.

Figura 20 - Proyecto del Tren Urbano en Vittori. In: http://www.santafeciudad.gov.ar

Ricardo Robles
225
E. GRANDES EQUIPAMIENTOS FERROVIARIOS
En quinto lugar, los grandes equipamientos ferroviarios en desuso
funcionan en la actualidad principalmente como centros culturales y de eventos.
Por un lado la estación Belgrano (la cual posee un fuerte aporte financiero por
parte del municipio) es escenario de eventos de todo tipo, los cuales son
montados y desmontados para la ocasión. El centro cultural "La Redonda"
funciona de manera similar y además posee un espacio con juegos e
instalaciones para niños. Por otro lado la Estación Mitre es un centro cultural que
inicialmente comenzó a partir de la ocupación ilegal de un colectivo social. Tiene
una participación activa de la comunidad del barrio y la ciudad, en él se realizan
diferentes tipos de actividades. Esta última es un claro exponente de los
conceptos de terrain vague (Solá-Morales, 1995) y post-it city (La Varra, 2008).

Figura 21 - "La Redonda" abandonada. Fuente: "El Litoral"


Figura 22 - Evento en "La Redonda". Fuente: "El Litoral".

Figura 23 - Plano de ubicación. Fuente: p/p.


Figura 24 -Evento cultural en la Estación Mitre. Fuente: www.diariotortuga.com

226 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


F. OTRAS INTERVENCIONES
Por último, este marco complejo de un estado que intenta unificar
una imagen de ciudad en detrimento del carácter real de los espacios que
interviene, no es un caso aislado de las intervenciones realizadas en los trazados
ferroviarios. Jardines de Infantes, escuelas, estaciones de policía y centros de
salud, todos ellos responden a un misma estética, a un mismo estilo.
Observar la similitud de las imágenes impuestas por el “político de
turno” en lugares tan disímiles uno de otro, y con programas arquitectónicos tan
diferentes (como ser una comisaría y un jardín de infantes) ameritaría una
reflexión sobre la arquitectura del poder en la contemporaneidad. ¿Será que el
panóptico de Foucault se nos presenta hoy en día a través de un "tipo" basado
en la imagen "fotogénica"? Entendiendo a la fotografía como a un vehículo que
transporta la información de una realidad construida y humana. La percepción
que tenemos de la arquitectura, según Solá-Morales, es una percepción
estéticamente reelaborada por el ojo y la técnica fotográfica. Igual con la ciudad,
este arte medio como lo califica Pierre Bourdie, sigue siendo primordial en
nuestra experiencia visual de la ciudad. (Solá-Morales, 1995).

Figuras 25 e 26 - Jardín de Infantes San Agustín. Fuente: Agencia Santa Fe.

Figura 27 - Jardín de Infantes en Coronel Dorrego. Fuente: Agencia Santa Fe.

Ricardo Robles
227
Figura 28 - Plano de ubicación. Fuente: p/p.
Figura 29 - Comisaría en Barranquitas. Fuente: http://www.santafe.gov.ar/obras/

MESOESPACIOS: NO SOLO UNA CUESTIÓN DE ESCALA


Joan Busquets destaca la importancia de encarar el problema de la
planificación en la contemporaneidad a partir de una “escala intermedia”
(Busquets, 1995). Entendiendo que la escala no es el tamaño físico de una cosa,
sino que es la dimensión de referencia a la que relacionamos nuestras
intenciones, nuestros pensamientos, nuestro proyecto. En sintonía con este
enfoque, Ruth Sautu, en su libro “Todo es Teoría”, establece tres tipos de
recortes teóricos para analizar los fenómenos sociales. Estos son: Procesos
macrosociales (análisis comparativo de corte transversal de sociedad,
instituciones, poblaciones); Procesos mesosociales (análisis organizacional y del
funcionamiento y cambio de unidades colectivas); Procesos microsociales
(análisis de creencias, valores, emociones, comportamientos, estrategias de
interacción de unidades individuales) (Sautu, 2003).
Por supuesto que los tres recortes son pertinentes para el presente
trabajo, pero el que Ruth Sautu denomina de procesos mesosociales, permitiría
introducir una línea argumentativa que ampliaría conceptualmente lo planteado
por Busquets. En primer lugar, es posible afirmar que este recorte teórico se
enfoca en la relación de diferentes sistemas urbanos5. Esto permite introducir un

5 Un sistema es un conjunto de elementos que se pertenecen entre sí, porque cooperan o


trabajan juntos de alguna manera. Un sistema urbano en este sentido no se encierra a la definición
de una función (residencia, industria, comercio, etc.) sino que trata sobre la posibilidad de
agrupamiento de estas diferentes funciones. (Alexander, 1968).
228 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada
concepto, el de “mesoespacio” o “espacios mesosociales”.
Un análisis etimológico del término, permite identificar que la raíz
“meso” (derivada del término griego “mesos”) posee una ambigüedad en su
significado. Este quiere decir: “medio o intermedio”, lo que refiere a la cuestión
de una “escala intermedia” (micro – meso - macro), al mismo tiempo que puede
referir al “medio”, la vinculación entre una cosa y la otra. Es decir, un
“mesoespacio” puede hacer referencia a un “espacio de escala intermedia” y/o a
un “espacio intermediador”. Por ejemplo una escuela es un mesoespacio, en el
sentido que funciona como intermediario entre un sistema educativo y el
individuo que asiste a la escuela.
Este enfoque permite abordar la problemática de la articulación de
sistemas urbanos más allá de su condición física. No es casual, en este sentido,
que se aborde el concepto de “mesoespacio” en relación a los espacios
generados por las redes sociales virtuales (Reynoso, Romero, Romero y
Salmerón, 2010).
En este sentido, generar “mesoespacios” accesibles, diversificados,
inclusivos e integradores, permitirían en última instancia generar una idea de
ciudad en la que el “qué” y el “cómo” formen parte de una ecuación flexible
pero al mismo tiempo inescindible. Esto implica priorizar la noción de “forma
urbana” como conjunto de procesos, y no como figura o silueta de una ciudad
ya construida –es decir, pensar la ciudad no sólo desde lo que se puede
planificar, sino también desde aquellas acciones que escapan a los distintos
modos de previsión disciplinar (Kawano, 2014).

CONCLUSIÓN
En este marco complejo, es posible argumentar que ya no existe
un “camino del ferrocarril” sino que varios. Esto se representa en gran medida a
partir de dos imágenes: una relacionada con una modernidad desborda
(Appadurai, 2001) en donde se intenta unificar una imagen de ciudad en
detrimento del carácter real de los espacios que se intervienen; y otra
caracterizada por la incertidumbre, en consonancia con los conceptos de terrain-
vague (Solà-Morales, 1995) y post-it city (La Varra, 2008). De cualquier manera,
como diría Jean-Louis Deotte, las relaciones que existen entre infraestructura
material y superestructura ideológica, son de expresión y no de causalidad. Lo
que se cambia cuando se reemplaza una relación de causalidad por una relación
de expresión es el valor del contenido material, que no es resguardo, de la causa
Ricardo Robles
229
y del efecto. Existe una mediación simbolizante, mediación que permite dar
cuenta de la consistencia especial de la fantasmagoría colectiva. (Déotte, 2013).
Es necesario aclarar que si bien existen críticas en cuanto a la
primacía del carácter paisajístico de algunas de las intervenciones, en detrimento
de los usos y actividades que se podrían articular en estas, se debe considerar la
dificultad de concertación que implica trabajar en estos espacios los cuales
competen a diferentes escalas de gobierno. Lo que en última instancia lleva a
realizar intervenciones “frágiles” y/o “removibles” producto en gran medida de la
incertidumbre política en relación a la puesta en funcionamiento del sistema
ferroviario (Saus, A., 2010).
Para concluir, cabe destacar el hecho de que la inversión en
infraestructuras públicas es fundamental para el desarrollo de las ciudades
contemporáneas (Mohan, R., 2011; Busquets, J., 2003; Ascher, F., 2012). En
este sentido, tal vez se podría afirmar que el espacio de los trazados ferroviarios
representa una de las mayores oportunidades para el desarrollo de las ciudades
pampeanas de escala media en la Argentina, por lo que resulta fundamental
considerar las diferentes escalas urbanas involucradas en las intervenciones y sus
respectivos mesosespacios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alexander, C., 1968. La ciudad no es un árbol. Buenos Aires: Cuadernos
Summa-nueva vision. Serie 9: El diseño del entorno urbano.

Andreis, A., 2003. El Ferrocarril. Lo que el tiempo no borró. Bogotá: Arango


editores.

Appadurai, A., 2001. La Modernidad Desbordada. Montevideo: México:


Trilce/Fondo de Cultura Económica.

Ascher, F., 2006 La ciudad son los demás. La numerosidad, entre necesidad y
azar. In: Ciudades, una ecuación imposible. Buenos Aires: Café de las ciudades.

Benjamin, W., 1929. Infancia en Berlín hacia 1900. Madrid: Ediciones Alfaguara.

Borja, J., Muxi, Z., 2000. El espacio público: ciudad y ciudadanía. Barcelona:
Editorial Electa.

230 El Ferrocarril en Santa Fe: una modernidad desbordada


Bucci, A., 2010. São Paulo, razões de arquitetura: da dissolução dos edifícios e
de como atravessar paredes. São Paulo: RGBOLSO.

Busquets, J., 1995. La evolución del planeamiento hacia la escala intermedia.


Revista Sociedade & Território, Lisboa.

Certeau, M., 1980. La invención de lo Cotidiano. Artes de Hacer. México:


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Iberoamericana. Dep. Historia. Cap. Andares de la ciudad. p. 103-115.

La Varra, G., 2008. Post-it City. The final public space in the contemporary city.
In: AA.VV. Post-it City. Ciudades ocasionales. Barcelona: Centre de Cultura
Contemporánea de Barcelona.

Muller, L., y Collado, A., 2000. Arquitectura, ciudad y territorio. El ferrocarril


Santa Fe a las Colonias. Serie Polis Científica, n. 2. Santa Fe. Ediciones UNL.

Muñoz, F., 2008. Urbanalización: Paisajes Comunes, lugares globales. Barcelona:


Editora G.G.

Reynoso, C., 2010. Análisis y Diseño de la Ciudad Compleja. Buenos Aires:


Editorial Sb.

Reynoso, L., Romero, S., Romero, F. y Salmerón, E., 2010. Redes: Dispositivos
en Procesos Mesosociales y Macrosociales.

Saus, M. A., 2010. Infraestructura ferroviaria y ciudad. Modalidades urbanísticas


de resolución de sus vínculos en la historia urbana de Santa Fe. Riurb 04 –
Revista Iberoamericana - Esqueletos Urbanos.

Saus, M. A., 2012. Entorno colonial y espacio moderno: territorios de una


cartografía marcada por la infraestructura. Santa Fe entre los siglos XIX y XX. In:
Cicutti, B. La cartografía como objeto de cultura. Buenos Aires: Nobuko. pp.
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Solá-Morales, I. de, 1995. Diferencias Topográficas de la arquitectura


contemporánea. Barcelona: Gustavo Gili. pp. 9-26

Vidal Moranta, T., y Urrútia, E., P. (2005). La apropiación del espacio: una
propuesta teórica para comprender la vinculación entre las personas y los
lugares. Anuario de Psicología de la Universitat de Barcelona.

Ricardo Robles
231
SOBRE OS AUTORES

Eduardo Alberto Cusce Nobre

Arquiteto e Urbanista (1989) e Doutor (2000) em Arquitetura e Urbanismo pela


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP),
Mestre em Desenho Urbano pela Oxford Brookes University (1994).
Atualmente é professor em tempo integral de Planejamento Urbano e Regional
dos cursos de graduação e pós-graduação da FAUUSP, orientador de mestrado
e doutorado. Coordenador científico do Núcleo de Apoio e Pesquisa: Produção
e Linguagem do Ambiente Construído da USP (NAPPLAC/USP) e pesquisador
associado do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab),
ambos sediados na FAUUSP. Desenvolve pesquisa principalmente sobre os
seguintes temas: planejamento urbano e regional, políticas públicas urbanas,
processo de produção da cidade, legislação urbanística e impactos dos grandes
projetos urbanos.

Fabricio Leal de Oliveira

Arquiteto e Urbanista, Mestre e Doutor em Planejamento Urbano e Regional


pelo Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Foi professor na Escola de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, trabalhou na Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro e no Ministério das Cidades. Desde 2011 é professor
do IPPUR/UFRJ, sendo pesquisador do Laboratório Estado, Trabalho, Território
e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ), atua em projetos de pesquisa e extensão
relacionados à elaboração de planos urbanos municipais, impactos de grandes
projetos urbanos, gestão urbana, legislação urbanística e planejamento em
contexto de conflitos sociais. Publicou, em colaboração com outros autores, os
livros “Grandes projetos metropolitanos: Rio de Janeiro e Belo Horizonte”
(2012) e “A Copa do Mundo e as Cidades. Política, Projetos e Resistências”
(2014).

Felipe Carvalho Nin Ferreira

Arquiteto e urbanista, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em


2012, colaborador do grupo de pesquisa Grandes Projetos de Desenvolvimento
Urbano, Laboratório Globalização e Metrópole (GPDU/UFF), onde desenvolve
Eduardo Nobre e Jorge Bassani
233
pesquisa sobre impactos urbanos e sociais de grandes projetos. Atua também
como arquiteto da Fundação Centro de Defesa do Direitos Humanos Bento
Rubião nas áreas de regularização fundiária e assessoria técnica para projetos de
habitação popular.

Felippe Fideles

Arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em


2012, e mestrando em Planejamento Urbano e Regional no Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (IPPUR/UFRJ). Foi membro-fundador do Canto - Escritório Modelo de
Arquitetura e Urbanismo da UFC e atualmente é pesquisador do Laboratório
Estado, Território, Trabalho e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ) onde participa
de pesquisas sobre planejamento em contexto de conflitos sociais e impactos
urbanos e sociais de grandes projetos.

Fernanda Sánchez

Arquiteta e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional no Instituto


de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e Doutora em Geografia Humana pela
Universidade de São Paulo (USP). Professora da Escola de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, é pesquisadora do Laboratório
Globalização e Metrópole (GPDU/UFF), associada ao Laboratório Estado,
Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ) e bolsista de
produtividade CNPq. Participa do Conselho Editorial da Revista Brasileira de
Estudos Urbanos e Regionais – RBEUR, da ANPUR. Publicou os livros “Cidade
Espetáculo. Política, Planejamento e City Marketing” (1997); “A Reinvenção das
Cidades para um Mercado Mundial” (2010) e, em colaboração, “A Copa do
Mundo e as Cidades. Política, Projetos e Resistências” (2014).

Giselle Tanaka

Arquiteta e Urbanista e Mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e graduação
em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP. Doutoranda no Instituto de Pesquisa em Planejamento

234 Intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
Pesquisadora na área de planejamento urbano, habitação social e meio ambiente
no Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Labhab/FAUUSP),
entre 1997 e 2007, e no Laboratório Estado, Trabalho Território e Natureza
(ETTERN/IPPUR/UFRJ), desde 2011. Desenvolveu projetos para o Ministério
das Cidades, Prefeitura de Santo André e ILPES/CEPAL/ONU, entre outros.
Integrante do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro desde
2011, e da Articulação Nacional dos Comitês Populares entre 2012 e 2014.

Glauco Bienenstein

Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF).


Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em
Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
Professor Associado IV do Departamento de Arquitetura e do Programa de Pós-
Graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
Fluminense. Pesquisador do grupo de pesquisa Grandes Projetos de
Desenvolvimento Urbano, Laboratório Globalização e Metrópole (GPDU/UFF)
e pesquisador associado ao Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza
(ETTERN/IPPUR/UFRJ). Publicou, em colaboração com outros autores, os livros
“O Jogo Continua: Megaeventos Esportivos e Cidades” (2011) e “A Copa do
Mundo e as Cidades. Política, Projetos e Resistências” (2014).

Janaína Pinto

Comunicadora Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal


do Ceará (UFC) e mestranda em Economia Política Internacional pelo Instituto
de Economia da UFRJ. Colaboradora do Laboratório Estado, Território,
Trabalho e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ), onde participou de pesquisas
sobre planejamento em contexto de conflitos sociais e impactos urbanos e
sociais de grandes projetos.

Eduardo Nobre e Jorge Bassani


235
João Farias Rovatti

Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do


Rio Grande do Sul (1982). Mestre em Planejamento Urbano e Regional (1990)
pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (2001) pela
Universidade de Paris-8. É professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) desde 1989, onde exerce atividades de ensino, pesquisa e
extensão junto à Faculdade de Arquitetura (Departamento de Urbanismo) e ao
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR).

Jorge Bassani

Arquiteto e Urbanista pela Universidade Braz Cubas (1982), mestrado e


doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1999 e
2005). Atualmente é docente em turno integral Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), alocado no Departamento
de História da Arquitetura e Estética do Projeto. Pesquisador do Núcleo de
Apoio e Pesquisa: Produção e Linguagem do Ambiente da USP
(NAPPLAC/USP) com experiência na área de História da Cidade e do
Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: arte e cidade, arte
urbana, a cidade contemporânea, arte e ambiente e arquitetura e cultura. Desde
1980 tem desenvolvido trabalhos na área de Arte & Cidade, autor de esculturas
e intervenções temporárias, principalmente em São Paulo. Autor dos livros
“Linguagens Artísticas e a Cidade: Cultura Urbana do Século XX” (2003) e, em
coautoria, de “São Paulo: Cidade e Arquitetura” (2014).

José Júlio Ferreira Lima

Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Pará (1986), mestrado em


Arquitetura - Fukui University (1991), mestrado em Desenho Urbano pela
Oxford Brookes University (1994) e doutorado em Arquitetura pela Oxford
Brookes University (2000). Atualmente é professor associado da Universidade
Federal do Pará, onde coordena o Programa de Pós-graduação em Arquitetura
e Urbanismo, e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Pesquisa na área de Planejamento e Gestão Urbana e Regional, com ênfase em
Projeto Urbanos e Políticas Públicas, atuando principalmente nos seguintes
temas: planejamento urbano, desenho urbano, habitação popular e políticas
urbanas nas cidades da Amazônia Oriental.
236 Intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina
Larissa Viana

Arquiteta e Urbanista pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR (2011),


mestranda da Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade e
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), inserida na
área de concentração Habitat, na linha de pesquisa Participação Social e Políticas
Públicas a Produção e Gestão do Habitat. A pesquisa conta com auxílio CAPES
desde junho-2013 e tem como orientadora a Professora Doutora Camila
D’Ottaviano.

Lisett Márquez López

Licenciada en Diseño de los Asentamientos Humanos por la Universidad


Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, Maestra en Estudios Regionales
por el Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora, Doctora en
Urbanismo por la Universidad Nacional Autónoma de México. Actualmente
realiza una estancia posdoctoral en el Doctorado en Ciencias Sociales de la
División de Ciencias Sociales y Humanidades, de la Universidad Autónoma
Metropolitana, Unidad Xochimilco, México, Distrito Federal.

Lucas Faulhaber

Arquiteto e urbanista graduado pela Universidade Federal Fluminense (2012),


atua como profissional e militante junto ao movimento popular de moradia e de
reforma urbana. Atualmente, é mestrando do Instituto de Pesquisa Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também
integra a equipe de pesquisa do Laboratório Estado, Trabalho, Território e
Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ). É autor do livro “SMH 2016: Remoções no
Rio de Janeiro olímpico” (2015).

Eduardo Nobre e Jorge Bassani


237
Maria Jimena Sanhueza

Máster en Estudios Territoriales. Obtuvo un Triple Diploma de Investigación en


la École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, la Università di Catania
y Universidad Eötvós Lorand de Budapest. Cuenta con una especialización en
políticas públicas y desarrollo sostenible. Su trabajo de tesis consistió en un
estudio comparado de políticas de desarrollo sostenible en Francia y Hungría;
mientras que en la actualidad investiga en contexto Latinoamericano. Se ha
desempeñado como investigadora para Abogados Sin Fronteras y participó en el
desarrollo del Plan de Transporte Sustentable de Mendoza. Actualmente trabaja
como investigadora independiente para distintas universidades Europeias.

Mariana do Carmo Lins

Geógrafa formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e


mestranda em Planejamento Urbano e Regional no Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IPPUR/UFRJ). Atuou como pesquisadora no Observatório dos Conflitos
Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro do Laboratório Estado, Trabalho,
Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ) e participou da equipe do grupo
de pesquisa Grandes Projetos de Desenvolvimento Urbano, Laboratório
Globalização e Metrópole da Universidade Federal Fluminense (GPDU/UFF).
Atualmente é pesquisadora do ETTERN/IPPUR/UFRJ, onde participa de projeto
sobre planejamento em contexto de conflitos sociais.

Raul da Silva Ventura Neto

Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Pará (2008), especialização


em Arquitetura de Estabelecimentos Assistenciais no Centro Universitário Euro-
Americano, UNIEURO, Brasil (2010). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Pará (2012), com pesquisa centrada nas alterações recentes no
circuito imobiliário em Belém. Circuito Imobiliário, Financeirização da produção
imobiliária de mercado e Máquina de Crescimento, são temas de interesse para
pesquisa. Atualmente doutorando do Instituto de Economia da Unicamp com
pesquisa acerca da relação entre as elites e o circuito imobiliário na Amazônia
Oriental.

238 Intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina


Rebeca Silva Nunez Lopes

Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Pará (2013). Mestranda do


Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
Federal do Pará.

Ricardo Robles

Formación en Arquitectura y Urbanismo en la FADU-UNL, donde ha sido


pasante en cátedras de urbanismo e historia. También es pintor y fue jurado de
la "Bienal de Arte Joven de la UNL" en el año 2014. En los años 2009 y 2010
fue becado para estudiar en la FAU-USP en São Paulo (Brasil), ciudad en la que
trabajó en el estudio de arquitectura ARTE3. Participa desde el 2010 en el
proyecto de voluntariado universitario "Integrar equipando" dirigido por
Margarita Trlin y Ruben Cabrera. Es colaborador en el CAI+D "La retícula
pampeana: transformaciones recientes y potencialidades de reformulación en la
ciudad de Santa Fe" dirigida por Roberto Kawano.

Rosane Rebeca de Oliveira Santos

Arquiteta Urbanista, formada pela Universidade Federal Fluminense (2010).


Mestre em Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento Urbano e
Regional, pela Universidade de São Paulo (2013), onde realizou atividades de
pesquisa e extensão junto ao Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade
(LabCidade). Atualmente integra a equipe do Laboratório Globalização e
Metrópole, como pesquisadora no grupo interinstitucional Grandes Projetos de
Desenvolvimento Urbano (GPDU/UFF) e no Laboratório Estado, Trabalho,
Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ETTERN/IPPUR/UFRJ),
atuando na área de planejamento, gestão e política urbanas, impactos de grandes
projetos urbanos, megaeventos esportivos e metrópoles.

Selma Paula Maciel Batista

Licenciatura em Geografia Humana pela UNESP – Universidade Estadual Paulista


de Presidente Prudente (1997), mestre em Geografia Humana pela
Universidade Federal da Bahia (2005) e doutora em Geografia Humana pela
Universidade de São Paulo (2013). Atualmente atua como professora adjunta no
Eduardo Nobre e Jorge Bassani
239
curso de turismo da Universidade do Estado do Amazonas e Centro
Universitário de Ensino Superior no Amazonas. Na UEA, coordenou o curso de
especialização em Turismo e Desenvolvimento Local (2009/2010) e o curso de
bacharelado em Turismo (2014). Coordena o projeto de extensão “Turismo na
Comunidade Flutuante no Lago do Catalão, Rio Negro/AM”, onde emprega os
métodos da permacultura. Em 2015, sua tese de doutorado concorreu ao IX
Prêmio Brasileiro de "Política e Planejamento Urbano e Regional”, indicada pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP.

Simone Ferreira Gatti

Arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Estadual de Londrina (2002) e


doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (2015). Possui especialização em Projetos Urbanos pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (2007). É autora do livro “Espaços Públicos:
metodologia e diagnóstico de projeto”, e de artigos e capítulos de livros
publicados no Brasil, Itália, França e Suíça. Trabalhou na coordenação de
diversos planos e projetos urbanos, entre eles a Operação Urbana Eixo
Tamanduatehy em Santo André, o Plano de Mobilidade e Acessibilidade para o
Centro Histórico de Paranaguá e o Estudo de Diretrizes para o Plano de
Mobilidade Sustentável de São Paulo. Foi conselheira representante da
sociedade civil no Conselho Gestor da ZEIS do projeto Nova Luz. Exerce
pesquisa em políticas habitacionais, projetos de reestruturação de centros
urbanos, gentrificação e mobilidade e atua como consultora de projetos urbanos
nas áreas de habitação e gestão participativa.

240 Intervenções urbanas em áreas em transformação de cidades da América Latina

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