Sie sind auf Seite 1von 6

Artigo Original

Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem


no cuidado com família*

Telling family stories: learning strategies in family care

Contando historias familiares: estrategias de aprendizaje en el cuidado a la familia

Ana Lúcia de Moraes Horta1, Mônica Zagallo Camargo2, Maria Goreti da Silva
Cruz3, Celina Daspett4

Resumo
Objetivo: Identificar como os estudantes de enfermagem vivenciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia de aprendizagem no
cuidado com a família. Métodos: Estudo qualitativo, descritivo realizado com 18 estudantes do 2º ano do Curso de graduação em Enfermagem
da Universidade Federal de São Paulo que participaram de quatro encontros, utilizados como recurso complementar na formação do cuidado com
a família. Utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin. Resultados: Emergiram três categorias: mudanças na percepção e ampliação
do conceito de família e ressignificação de vínculos; identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares; valorização
da escuta ativa, como uma estratégia do cuidado com família. Conclusão: O estudo contribuiu para a criação de novas estratégias de formação
em enfermagem no cuidado com família à medida que as alunas puderam rever conceitos e ampliar contextos com base nas histórias contadas
pelas participantes.
Descritores: Educação em enfermagem; Saúde da família; Autobiografia

Abstract
Objective: To identify how nursing students experience telling their family stories as a learning strategy in family care. Methods: This was a
qualitative and descriptive study, conducted with 18 students (second year, Nursing undergraduate course, Federal University of São Paulo)
who participated in four meetings. These were used as an additional resource in formation of family care. Content analysis as proposed by
Bardin was used. Results: Three categories emerged: changes in perception and expansion of the concept of family, and redefinition of ties;
identification of similarities, beliefs, values, and rituals in family stories; enhancement of active listening as a strategy for family care. Conclu-
sion: This study contributed to create new strategies for nursing education in family care so far as students could revise concepts and extend
contexts based on stories told by participants.
Keywords: Education, nursing; Family health; Autobiography

Resumen
Objetivo: Identificar cómo los estudiantes de enfermería vivencian el relato de sus historias familiares, como estrategia de aprendizaje en el cui-
dado a la familia. Métodos: Estudio cualitativo, descriptivo realizado con 18 estudiantes del 2º año del Pregrado en Enfermería de la Universidad
Federal de Sao Paulo que participaron de cuatro encuentros, utilizados como recurso complementario en la formación del cuidado a la familia.
Se utilizó el análisis de contenido propuesto por Bardin. Resultados: Emergieron tres categorías: cambios en la percepción y ampliación del
concepto de familia y resignificación de vínculos; identificación de semejanzas, creencias, valores y rituales en las historias familiares; valorización
de la escucha activa, como una estrategia del cuidado a la familia. Conclusión: El estudio contribuyó para la creación de nuevas estrategias de
formación en enfermería en el cuidado a la familia en la medida que las alumnas pudieran revisar conceptos y ampliar contextos con base en
las historias contadas por las participantes.
Descriptores: Educación em enfermería; Salud de la família; Autobiografía

* Estudo desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa de Familia e Comunidade da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Programa de Pós-graduação
da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
1
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto-Graduação e Pós-graduação Disciplina de Saúde Coletiva na Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal
de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
2
Pós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
3
Pós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
4
Pós-graduanda (Doutorado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
Autor Correspondente: Ana Lucia de Moraes Horta Artigo recebido em 14/04/2012 e aprovado em 13/08/2012
Endereço: Rua Napoleão de Barros, 754 – 3º andar sala 321
CEP 04024-002
E-mail: analuciahorta18@gmail.com Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.
Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família 129

Introdução paradigma alicerçadas no pensamento sistêmico e em con-


texto caracterizado por novas necessidades de saúde, para
Durante muito tempo, a tradição oral foi o principal que entendam a família como unidade de cuidado, e como
modo de compartilhar conhecimento, visto que a escri- foco central para a prática e a pesquisa em enfermagem(4,5).
ta foi e é ate hoje inacessível para muitas populações. Nesta perspectiva, estudos mostram as mudanças
Nesta tradição, encontramos as histórias que podem ser ocorridas nos últimos anos a respeito da diferença entre
definidas como testemunho transmitido verbalmente de a família, como um suporte da assistência ao paciente e
uma geração para outra, perpetuando crenças e valores(1). a família, como unidade de cuidado (3-6).
Muitas vezes, quando pensamos em histórias, fazemos Tais mudanças levam à necessidade de ampliação da
associação aos contos, lendas e fábulas e, por sua vez, visão muldisciplinar, relacionada à educação em saúde,
neste estudo, nosso foco serão as histórias de famílias. promovendo um repensar nas práticas do cuidado da en-
A utilização de histórias familiares fundamenta-se no fermagem com família. Desta forma, há um investimento
fato de que contar histórias é uma forma de organizar o no cuidado integral à saúde dos indivíduos e das famílias,
pensamento humano, pois apresentam ideias e contam a ampliando a restrita ideia de saúde como ausência de
respeito das percepções e relações, portanto, é uma forma doença ou promoção e proteção da saúde(7).
de expressão essencial ao ser humano(1). A prática de ensino e pesquisa na díade enfermagem
A família é entendida como sendo uma estrutura e família vem sendo desenvolvida nos últimos anos e
em permanente transformação, logo as histórias são pode-se identificar estratégias de aprendizado que co-
contadas, recontadas e transformadas. A transformação locam o graduando de enfermagem em contato com
vai se dando ao longo do ciclo vital, e os próprios fatos o tema cuidado com família(6-8). Dentre as estratégias,
da vida que exigem uma elaboração constante, como a estão alguns instrumentos que são utilizados na prática
separação de pais, crescimento dos filhos e saída de casa, da enfermagem na atuação de cuidado com famílias,
doenças, envelhecimento, psicose, morte, entre outros, como o genograma e o ecomapa. Mas, há a necessidade
vão compondo seu enredo. de utilização de outras práticas que facilitem o contato
Para o entendimento das histórias familiares contadas, do graduando com a família que será cuidada.
este estudo teve como fundamentação teórica o pensa- Desta forma, o uso de narrativas tem sido pesqui-
mento sistêmico. O século XX foi marcado por notáveis sado como recurso para produção de conhecimento em
estudiosos que forneceram perspectivas multidisciplinares enfermagem(9), por sua vez, pouco se tem explorado da
e caminhos diferenciados para a produção do conhecimen- história pessoal de quem se propõe a estudar a família.
to em diferentes áreas, incluindo a saúde. Nesse período, O presente estudo teve a pretensão de ampliar as
o pensamento sistêmico apresentou-se, como uma nova estratégias de ação do graduando de enfermagem no
visão do mundo na ciência e na sociedade, permitindo uma “pensar” e no “fazer” o cuidado com a família, utilizando
concepção sistêmica da vida e uma visão holística de saú- as histórias familiares dos estudantes como estratégia de
de(2) Sendo assim, a família é entendida como um sistema aprendizado, com base na perspectiva e referencial dos
aberto que interage com outros sistemas que compõem a envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
sociedade, entre eles, o sistema da saúde.
Atualmente no Brasil, as políticas públicas buscam Objetivo
promover uma nova concepção de saúde, e programas
e estratégias foram desenvolvidos visando a ampliar Identificar como os estudantes de enfermagem viven-
este conceito. A família passou a ser objeto de atenção, ciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia
compreendida com base no ambiente onde vive como de aprendizagem no cuidado com família.
uma unidade de atendimento. Logo, a compreensão do
conceito de cuidado da família passa a ser algo pertinente Métodos
e relevante, que deve considerar questões relacionadas à
abrangência territorial, à diversidade, às situações de vida Trata-se de um estudo descritivo, de caráter qualitativo
e às influências culturais(3). que teve seu projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de
Assim, neste estudo, a definição de saúde da família Ética em Pesquisa Institucional (Protocolo nº 1966/10).
pode ser descrita como uma dinâmica que mantém ou Participaram desta proposta 18 estudantes de gradua-
transforma o estado relativo de bem-estar, incluindo ção em enfermagem, do gênero feminino da Escola Paulis-
aspectos biológicos, psicológicos, espirituais e sociocul- ta de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo.
turais, todos esses elementos dos sistemas familiares(4,5). Os critérios de inclusão dos participantes foram: estar
Diante dessa realidade, surge a necessidade de capacitar matriculado no segundo ano de enfermagem, cursando a
profissionais que compreendam a família e suas relações, disciplina eletiva “Avaliação e intervenção de enfermagem
intervindo por meio de práticas que estimulem a mudança de à família nos diferentes momentos do ciclo vital”.

Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.


130 Horta ALM, Camargo MZ, Cruz MGS, Daspett C

A coleta de dados foi realizada no Centro de Assistên- estudo está baseada na análise temática ou categorial,
cia e Estudos de Enfermagem no período entre outubro que consiste em identificar os núcleos de sentido que
e novembro de 2010. Foram realizados quatro encontros, compõem as narrativas. O tema ou categoria é a base
compostos de atividades de sensibilização, momentos analítica para estudar significados e crenças(11).
de organização oral e escrita das narrativas, espaços de O material analisado foi agrupado em categorias, ba-
compartilhamento das histórias familiares e atividades seadas nos temas que emergiram durante o processo de
de reflexão em grupo. As atividades buscaram resgatar coleta de dados. Desta forma o material analisado incluiu:
sentimentos, significados, crenças e valores familiares as histórias dos participantes construídas e editadas em
baseados nas histórias por elas contadas. mídia; o registro (gravação) dos momentos de reflexão
Cada encontro teve uma estrutura geral comum, que grupal, realizados após cada oficina; entrevista coletiva
organizava as atividades em quatro sequências: Sensibili- com perguntas norteadoras, após cada oficina; e, história
zação – atividades de contação e construção de histórias; coletiva elaborada pelas participantes.
Narrativas e escritas de histórias familiares – atividades Resguardando a identidade das participantes, as nar-
que estimulavam a expressão oral e a expressão escrita; rativas foram identificadas com a letra “P” e um número
Compartilhamento – momento de compartilhar senti- a seguir correspondente a cada sujeito do estudo.
mentos sobre as histórias narradas e ouvidas; Reflexão
coletiva- momento de dar significado às histórias. Resultados
No primeiro encontro, as participantes foram sensi-
bilizadas sobre o tema “histórias de família”, assistindo a A análise dos dados possibilitou a identificação de
um trecho de um filme, no qual o protagonista historiava três categorias: mudanças na percepção e ampliação do
as fases de sua vida. Na sequência, foram estimuladas a conceito de família e ressignificação de vínculos; iden-
contar para outra participante do grupo, uma história de tificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas
sua vida que incluísse sua família. A seguir, foi realizada histórias familiares; valorização da escuta ativa, como
a entrevista grupal que teve como questões norteadoras: uma estratégia do cuidado com família.
Como foi a experiência de contar uma história de sua
família? Qual a importância disso para você? Mudanças na percepção e ampliação do con-
No segundo encontro, cada participante escreveu uma ceito de família e ressignificação de vínculos
história familiar, considerando o contexto e as persona- Nessa categoria, as narrativas e o resgate das emoções
gens. Após, as participantes foram divididas em dois sub- vividas promoveram a organização da concepção de famí-
grupos, para que pudessem ouvir, narrar, dialogar e trocar lia e seus contextos familiares. As graduandas explicitaram
experiências. Essa etapa propunha a escuta do outro e a o contato com sentimentos vividos em família, valori-
reflexão sobre como cada história familiar ecoou em sua zaram e reconheceram lembranças, compreendendo sua
história de vida, observando ressonâncias, e o que existe importância, bem como o sentimento de pertencimento
de comum e diferente nas histórias familiares narradas. nos diferentes formatos de família, como constam nas
Ao final, o grupo foi convidado a refletir sobre as seguin- narrativas de P14, P3 e P10:
tes indagações: Como foi organizar a história? Como foi “Minha família é bem tradicional, mas aprendi e estou ela-
ouvir as histórias contadas pelas outras participantes? borando (ainda mais contando as histórias) que as mudanças são
No terceiro encontro foi realizada a gravação em mídia possíveis e não há problema em deixar alguns costumes, se fizer
das histórias familiares. A gravação previa a escolha individu- sentido para as pessoas. Respeito e amor não deixam de existir
al de um fundo musical para cada história escrita no segundo se as pessoas possuem desejos e/ou opiniões diferentes.” (P14).
encontro. No final das gravações em mídia as participantes “Na história, eu falei sobre uma viagem que eu fiz com meu
foram convidadas a refletir com base nas seguintes questões namorado e a família dele. Pra mim, a família não é só pai e mãe,
norteadoras: Pensando nas histórias que você ouviu, qual mas quem tá junto, quem ajuda , dá suporte. Eu considero a família
sua percepção sobre família? Qual a repercussão dessa do meu namorado, minha família também.” (P3).
experiência para você como graduanda de enfermagem? “Aprendi que minha família, apesar de não ser totalmente
No quarto encontro, foi realizada a construção de uma unida, me faz feliz, pois tenho ao meu lado pessoas que amo,
história coletiva, tendo como foco o que foi vivenciado/ admiro e respeito.” (P10).
aprendido nas etapas anteriores. A pergunta norteadora As participantes apresentaram ainda percepções sobre
foi: Como foi a experiência vivida no grupo, em relação a importância de ressignificar seus vínculos com a família
aos aspectos pessoais e como futura enfermeira no cui- de origem ou com algum membro familiar em específico,
dado com a família? como apresentado por P4, P16 e P12.
Os dados foram analisados com base na transcrição “Com essa história pude perceber a importância e a preocupação
fidedigna de cada encontro, utilizando a análise de con- que tenho com meu irmão... essa história me mostra o quanto a
teúdo proposta por Bardin(10). A análise de conteúdo do minha família é unida e como nos amamos.” (P4).

Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.


Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família 131

“O significado dessa história para mim, é perceber o quanto é bom, Discussão


importante e confortável sabermos que existem pessoas que gostam de
nós e que estão presentes para nos proteger nas mais diversas situações. Entre as várias competências do profissional de en-
Meu pai é alguém muito importante, em quem me inspiro muitas vezes fermagem, o cuidado com a família vem se revelando nas
e com quem me surpreendo a cada história contada.” (P16). últimas décadas, como mais uma estratégia de promoção
“Esses dias minha mãe começou a contar uma história, eu e proteção da saúde.
soube respeitar, entender o contexto da família, conhecer as atitudes A família sempre foi considerada a célula matriz das
da família”. Saber respeitar e não ficar tão triste, ela fez isso por civilizações, pois desempenha papel decisivo na educação
causa disso. Eu consigo compreender melhor meus pais, depois deles formal e informal e no desenvolvimento do ser humano.
falarem, eu falo – tem mais alguma coisa? Senão, eu não ouço e É por meio dela que são transmitidos valores, mitos e
aí fica uma discussão. (P12) crenças que formam marcas entre as gerações que, por
sua vez, as refletem na sociedade.
Identificação de semelhanças, crenças, valores Nos estudos sobre a enfermagem da família, a ten-
e rituais nas histórias familiares dência atual é cuidar da família como um sistema, como
Esta categoria está relacionada com a capacidade de uma unidade de cuidado. Sendo assim, a formação do
refletir sobre as próprias histórias com base na escuta da enfermeiro precisa de estratégias de ensino que visem,
história do outro. Foi possível verificar a identificação além dos conhecimentos técnicos, à autonomia e à prática
de semelhanças, crenças, valores e rituais familiares nas reflexiva sobre o cuidado com famílias, o que justifica
histórias apresentadas por P17 P01 e P11: um aprofundamento de conteúdo nas disciplinas sobre
“Achei muito interessante essa troca. A história que eu contei e família nos meios acadêmicos (1,2)
a que elas contaram, foi muito interessante ver as semelhanças. Ver Neste estudo, emergiram temas relevantes na díade
que é importante para o outro. O que tem em comum? Tem com- formação em enfermagem e cuidado com famílias. Os re-
plicações familiares, viagens, dificuldades e probleminhas” (P17). sultados evidenciaram a importância de se integrar a história
“Cada história teve um pouco da minha história”. Eu achei pessoal e a história profissional, acreditando que o contato
interessante porque só a história não te dá tanto suporte como os com diferentes entendimentos e experiências individuais e
sentimentos que vêm junto da história, superação, tristeza, mais familiares podem contribuir para a atuação profissional do
pelo sentimento do que pela história. (P1) enfermeiro com a família, como unidade de cuidado.
“No nosso grupo, nas histórias... alguém falou de algum pro- Nesta pesquisa, as graduandas de enfermagem foram
blema que teve, alguma coisa que aconteceu e depois veio a união convidadas a entrar em contato com seus referenciais
familiar e o afeto. Em todas as histórias, tinha união e afeto , de família por meio da narrativa de suas histórias e
existe a ajuda , o natal, a união de uma família. Todas as famílias constataram que família é um conceito singular, ou seja,
passam dificuldades , mas todas são unidas.” (P11) cada família constrói sua própria história ou seu próprio
mito, crenças e valores, entendidos como uma formu-
Valorização da escuta ativa como uma estraté- lação discursiva em que se expressam o significado e a
gia do cuidado com a família explicação da realidade vivida, com base nos elementos
Nesta categoria, as participantes identificaram a es- subjetivamente acessíveis aos indivíduos, de acordo com
cuta ativa como disparador para o cuidado e facilitador a cultura em que vivem. Os mitos familiares, expressos
para a aproximação com a família, reconhecendo sua nas histórias contadas, cumprem a função de imprimir a
importância como estratégia de cuidado, pois referiram marca da família, herança a ser perpetuada(12).
acreditar que pode ser um meio de favorecer a comuni- A reconstrução das histórias, bem como a análise
cação e a criação de vínculos, como descrito nos relatos dos padrões relacionais de repetição possibilitou am-
de P5, P2 e P4: pliar a visão do problema podendo trazer à consciência
“Como futura enfermeira, escutarei ao longo da profissão muitas ferramentas que ajudaram a elaboração de conflitos e a
histórias (...) na prática com a família, vou pensar que cada um que ressignificação de seus conteúdos.
participou da história irá contá-la de maneira diferente, pois, para Ao facilitar que as estudantes realizem essa autorre-
cada pessoa uma mesma história tem significado diferente” (P5). flexão sobre suas famílias, percebeu-se que o conceito
Em questão de ouvir também, eu acho que foi uma coisa que de família está relacionado à dinâmica, ao contexto, às
todo mundo aprendeu, uma coisa que foi bem focada aqui foi relações e aos vínculos familiares. E é, com base nesse
a importância do ouvir, e de não interpretar o que o outro está contexto ativo e evolutivo que as transformações ocor-
querendo falar, deixar ele falar e ouvir de fato, não querer dar sua rem, o que nos leva a concordar que a conceituação
opinião e querer interpretar da sua maneira.” (P2). básica compreende que a família está em evolução,
“Ouvindo as histórias, a principal coisa que aprendi foi ouvir transformando-se continuamente e organizando-se mui-
realmente, prestar atenção no outro, entender, respeitar. (...) aprendi to mais por laços de afeição do que por consanguinidade
que cada um tem um ponto de vista sobre a história.” (P4). ou hierarquias tradicionais(13).

Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.


132 Horta ALM, Camargo MZ, Cruz MGS, Daspett C

Ao pensar o grupo familiar como sistema, subentende- Na prática do cuidado de enfermagem, o enfermeiro
-se que este se relaciona com outros sistemas mais amplos busca contribuir para o alívio do sofrimento, condição
da comunidade, da sociedade e da cultura. Compreender humana e inevitável para indivíduos e famílias; para a pro-
essa cultura familiar é importante para qualquer profissional cura do equilíbrio e a busca do bem-estar, sendo assim,
que deseja promover intervenções com ela, e isso envolve escutar com atenção, o que as pessoas e as famílias têm
entender o que compõe uma família e como ela funciona. e querem contar, mostra-se, como uma boa estratégia
As pessoas são especialistas em suas próprias vidas, pos- para obter informações, a fim de planejar o cuidado(15).
suindo competências, crenças, valores e recursos que ajudam Cabe ainda destacar que as participantes puderam
a reduzir a influência dos problemas em suas vidas. Mas, para identificar a diferença entre ouvir e escutar. Na escuta,
que isso aconteça, é necessário que elas entrem em contato pode-se perceber as emoções e sentimentos que estão
e valorizem essas competências, valorizando não aquilo que contidos na fala das pessoas e que tornam o discurso
precisam desenvolver, mas aquilo que de fato possuem. singular. Pautada na compreensão da narrativa do outro
O trabalho de “pensar” a família com base nas nar- é possível identificar os pedidos de ajuda e a ampliação
rativas mostrou-se como algo novo para os graduandos. do conhecimento e entendimento sob a perspectiva
Pensa-se e atua-se com os membros que compõem essa do outro.
família, mas não na família como um todo, que sofre com Acredita-se que foi possível sensibilizar as partici-
as transformações e crises de cada membro(14). pantes para a importância da escuta ativa como uma
Logo, “pensar” família, é compreender o status cons- forma de cuidado, pois, dar a palavra ao vivido por meio
tante de mudança que essa sofre. Destaca-se ainda que o da narrativa é seguramente uma fonte inexplorada de
ciclo de desenvolvimento é composto por crises e resolu- conhecimento fundamentado nas pequenas histórias do
ções, em uma dança entre equilíbrio e desiquilíbrio, como cotidiano, laboriosamente tecidas pelo tempo e refleti-
etapa do processo de resolutividade da situação vivida. da. São ricos materiais com os quais são construídos os
É importante destacar que ao iniciar na prática do sentidos e os saberes em enfermagem, que contribuem
cuidado com a família, o graduando não estará sozinho, para o desenvolvimento do enfermeiro(15).
carregará consigo sua herança composta por crenças e Diante da necessidade de ampliar as formas como
valores familiares, que poderão ajudá-lo em seu plano de o enfermeiro se relaciona com a família, acredita-se que
ação, desde que essas vivências pessoais sejam compre- seja importante o estabelecimento de uma “escuta ativa”.
endidas como úteis no cotidiano da enfermagem. Atualmente, não são raros os comentários no cotidiano
Verificou-se que, conforme os participantes contavam da área de saúde, onde os profissionais relatam ter dificul-
suas histórias e ouviam a história do outro, identificavam dade de criar vínculo afetivo(7). Nesses casos, o preparo do
em seus conteúdos momentos de fortalecimento, de crise, profissional e a criação de estratégias para ampliar a capaci-
de resiliência, de estratégias de enfrentamento e de uma dade de estabelecer um vínculo de confiança pode ser um
série de sentimentos que permeiam essas competências. instrumento que favoreça a fluência nos relacionamentos,
Ao narrar um acontecimento, a pessoa reorganiza sua dentro de um espaço de respeito, escuta e colaboração.
experiência, de modo que tenha ordem coerente e signi-
ficativa, dando um sentido ao evento. “É uma expressão Conclusão
simbólica que explica e instrui como entender o que está
acontecendo”(15). As histórias que ouvimos e contamos, Corroborando estudos realizados na área, os resulta-
situam-nos no mundo onde vivemos, dão-lhe sentido, va- dos deste estudo estimulam um olhar mais atento para a
lor e transformam-no, à medida que nos transformamos. escuta de si e do outro, a busca de estratégias de ensino
As histórias do presente e do passado são uma forma de que ampliem o vínculo e a compreensão e respeito à
diminuir as distâncias entre lugares e pessoas, dando um diversidade, dentro de uma proposta de atenção integral
sentido coletivo ao que fazemos e somos(1). à saúde centrada no cuidado com as famílias.
Nesse contexto de aprendizagem, o estudo evidencia Assim, as atividades com histórias familiares confi-
que a narrativa das histórias foi um instrumento impor- guraram-se como um recurso importante para reflexão
tante na prática do cuidar. Vários autores reconhecem individual e coletiva, aspecto fundamental para a aquisi-
a importância de ouvir as histórias como meio para a ção de novas percepções e aprendizagens sobre o cuidado
compreensão do outro e seu contexto, como processo com a família com estudantes de enfermagem.
de construção, conservação e difusão do conhecimento Desta forma, o ensino da abordagem familiar deve
em enfermagem. Nessa perspectiva, podemos afirmar considerar o contexto, as relações e o processo desen-
que o enfoque sistêmico está sendo empregado à medi- volvido entre os participantes da situação envolvida.
da que facilita a compreensão do cuidador como parte Espera-se que novos estudos sejam realizados para am-
do sistema, permitindo que o processo de cuidar seja pliar o entendimento dessa prática e favorecer a inclusão
reconstruído com os envolvidos(1). da família e seu contexto no cuidado de enfermagem.

Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.


Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família 133

Referências
1. Ordaz O. O uso de narrativas como fonte de conhecimento [dissertação]. Porto: Universidade do Porto; 2009. 521 p.
em enfermagem. Pensar Enferm. 2011;15(1):70-87. 8. Horta AL, Caldeira NH. [A nursing perspective on community
2. Bateson G. O padrão que une. In: Capra F editora. Sabedoria care: for families]. Acta Paul Enferm. 2011;24(2):165-71.
incomum: conversas com pessoas notáveis. São Paulo: Cutrix; Portuguese.
1988. p.59-73. 9. Silva DG, Trentini M. Narrativas como Técnica de Pesquisa
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. em Enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2002; 10(3):423-32.
Departamento de Atenção Básica.Política Nacional de Atenção 10. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70;1977. 226p.
Básica. 4a ed. Brasília(DF): Ministério da Saúde; 2007. 11. Minayo MC. O desafio do conhecimento : pesquisa qualitativa
4. Cordeiro H. [Competences of nursing undergraduate em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008.
students: nurses and nursing faculty perceptions]. Divulg 12. Sarti CA. A família como ordem simbólica. Psicologia USP.
Saúde Debate. 2000;(21):36-43. Portuguese. 2004;15(3):11-28.
5. Wacharasin C, Theinpichet S. Family nursing practice, 13. Cerveny CM, Berthoud CM. Ciclo vital da família brasileira.
education, and research: what is happening in Thailand? J In: Osório LC; Valle ME. Manual de terapia familiar. Porto
Fam Nurs. 2008 Nov;14(4):429-35. Alegre: Artmed, 2008. p. 25-37.
6. Wernet M, Angelo M. Moving to fhe Family:Giving a new 14. Silva DG, Trentini M. Narrativas como técnica de pesquisa
definition for fhe family and fhe care. Rev Esc Enferm USP. em enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(3):423-32.
2003;37(1):19-25. 15. Leight SB. Starry night: using story to inform aesthetic knowing
7. Figueiredo MH . Enfermagem de família: um contexto do cuidar in women’s health nursing. J Adv Nurs. 2002;37(1):108-14.

Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.

Das könnte Ihnen auch gefallen