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Ana Lúcia de Moraes Horta1, Mônica Zagallo Camargo2, Maria Goreti da Silva
Cruz3, Celina Daspett4
Resumo
Objetivo: Identificar como os estudantes de enfermagem vivenciam o contar de suas histórias familiares, como estratégia de aprendizagem no
cuidado com a família. Métodos: Estudo qualitativo, descritivo realizado com 18 estudantes do 2º ano do Curso de graduação em Enfermagem
da Universidade Federal de São Paulo que participaram de quatro encontros, utilizados como recurso complementar na formação do cuidado com
a família. Utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin. Resultados: Emergiram três categorias: mudanças na percepção e ampliação
do conceito de família e ressignificação de vínculos; identificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas histórias familiares; valorização
da escuta ativa, como uma estratégia do cuidado com família. Conclusão: O estudo contribuiu para a criação de novas estratégias de formação
em enfermagem no cuidado com família à medida que as alunas puderam rever conceitos e ampliar contextos com base nas histórias contadas
pelas participantes.
Descritores: Educação em enfermagem; Saúde da família; Autobiografia
Abstract
Objective: To identify how nursing students experience telling their family stories as a learning strategy in family care. Methods: This was a
qualitative and descriptive study, conducted with 18 students (second year, Nursing undergraduate course, Federal University of São Paulo)
who participated in four meetings. These were used as an additional resource in formation of family care. Content analysis as proposed by
Bardin was used. Results: Three categories emerged: changes in perception and expansion of the concept of family, and redefinition of ties;
identification of similarities, beliefs, values, and rituals in family stories; enhancement of active listening as a strategy for family care. Conclu-
sion: This study contributed to create new strategies for nursing education in family care so far as students could revise concepts and extend
contexts based on stories told by participants.
Keywords: Education, nursing; Family health; Autobiography
Resumen
Objetivo: Identificar cómo los estudiantes de enfermería vivencian el relato de sus historias familiares, como estrategia de aprendizaje en el cui-
dado a la familia. Métodos: Estudio cualitativo, descriptivo realizado con 18 estudiantes del 2º año del Pregrado en Enfermería de la Universidad
Federal de Sao Paulo que participaron de cuatro encuentros, utilizados como recurso complementario en la formación del cuidado a la familia.
Se utilizó el análisis de contenido propuesto por Bardin. Resultados: Emergieron tres categorías: cambios en la percepción y ampliación del
concepto de familia y resignificación de vínculos; identificación de semejanzas, creencias, valores y rituales en las historias familiares; valorización
de la escucha activa, como una estrategia del cuidado a la familia. Conclusión: El estudio contribuyó para la creación de nuevas estrategias de
formación en enfermería en el cuidado a la familia en la medida que las alumnas pudieran revisar conceptos y ampliar contextos con base en
las historias contadas por las participantes.
Descriptores: Educación em enfermería; Salud de la família; Autobiografía
* Estudo desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa de Familia e Comunidade da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Programa de Pós-graduação
da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
1
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto-Graduação e Pós-graduação Disciplina de Saúde Coletiva na Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal
de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
2
Pós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
3
Pós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
4
Pós-graduanda (Doutorado). Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
Autor Correspondente: Ana Lucia de Moraes Horta Artigo recebido em 14/04/2012 e aprovado em 13/08/2012
Endereço: Rua Napoleão de Barros, 754 – 3º andar sala 321
CEP 04024-002
E-mail: analuciahorta18@gmail.com Acta Paul Enferm. 2012;25(Número Especial 2):128-33.
Contando histórias familiares: estratégias de aprendizagem no cuidado com família 129
A coleta de dados foi realizada no Centro de Assistên- estudo está baseada na análise temática ou categorial,
cia e Estudos de Enfermagem no período entre outubro que consiste em identificar os núcleos de sentido que
e novembro de 2010. Foram realizados quatro encontros, compõem as narrativas. O tema ou categoria é a base
compostos de atividades de sensibilização, momentos analítica para estudar significados e crenças(11).
de organização oral e escrita das narrativas, espaços de O material analisado foi agrupado em categorias, ba-
compartilhamento das histórias familiares e atividades seadas nos temas que emergiram durante o processo de
de reflexão em grupo. As atividades buscaram resgatar coleta de dados. Desta forma o material analisado incluiu:
sentimentos, significados, crenças e valores familiares as histórias dos participantes construídas e editadas em
baseados nas histórias por elas contadas. mídia; o registro (gravação) dos momentos de reflexão
Cada encontro teve uma estrutura geral comum, que grupal, realizados após cada oficina; entrevista coletiva
organizava as atividades em quatro sequências: Sensibili- com perguntas norteadoras, após cada oficina; e, história
zação – atividades de contação e construção de histórias; coletiva elaborada pelas participantes.
Narrativas e escritas de histórias familiares – atividades Resguardando a identidade das participantes, as nar-
que estimulavam a expressão oral e a expressão escrita; rativas foram identificadas com a letra “P” e um número
Compartilhamento – momento de compartilhar senti- a seguir correspondente a cada sujeito do estudo.
mentos sobre as histórias narradas e ouvidas; Reflexão
coletiva- momento de dar significado às histórias. Resultados
No primeiro encontro, as participantes foram sensi-
bilizadas sobre o tema “histórias de família”, assistindo a A análise dos dados possibilitou a identificação de
um trecho de um filme, no qual o protagonista historiava três categorias: mudanças na percepção e ampliação do
as fases de sua vida. Na sequência, foram estimuladas a conceito de família e ressignificação de vínculos; iden-
contar para outra participante do grupo, uma história de tificação de semelhanças, crenças, valores e rituais nas
sua vida que incluísse sua família. A seguir, foi realizada histórias familiares; valorização da escuta ativa, como
a entrevista grupal que teve como questões norteadoras: uma estratégia do cuidado com família.
Como foi a experiência de contar uma história de sua
família? Qual a importância disso para você? Mudanças na percepção e ampliação do con-
No segundo encontro, cada participante escreveu uma ceito de família e ressignificação de vínculos
história familiar, considerando o contexto e as persona- Nessa categoria, as narrativas e o resgate das emoções
gens. Após, as participantes foram divididas em dois sub- vividas promoveram a organização da concepção de famí-
grupos, para que pudessem ouvir, narrar, dialogar e trocar lia e seus contextos familiares. As graduandas explicitaram
experiências. Essa etapa propunha a escuta do outro e a o contato com sentimentos vividos em família, valori-
reflexão sobre como cada história familiar ecoou em sua zaram e reconheceram lembranças, compreendendo sua
história de vida, observando ressonâncias, e o que existe importância, bem como o sentimento de pertencimento
de comum e diferente nas histórias familiares narradas. nos diferentes formatos de família, como constam nas
Ao final, o grupo foi convidado a refletir sobre as seguin- narrativas de P14, P3 e P10:
tes indagações: Como foi organizar a história? Como foi “Minha família é bem tradicional, mas aprendi e estou ela-
ouvir as histórias contadas pelas outras participantes? borando (ainda mais contando as histórias) que as mudanças são
No terceiro encontro foi realizada a gravação em mídia possíveis e não há problema em deixar alguns costumes, se fizer
das histórias familiares. A gravação previa a escolha individu- sentido para as pessoas. Respeito e amor não deixam de existir
al de um fundo musical para cada história escrita no segundo se as pessoas possuem desejos e/ou opiniões diferentes.” (P14).
encontro. No final das gravações em mídia as participantes “Na história, eu falei sobre uma viagem que eu fiz com meu
foram convidadas a refletir com base nas seguintes questões namorado e a família dele. Pra mim, a família não é só pai e mãe,
norteadoras: Pensando nas histórias que você ouviu, qual mas quem tá junto, quem ajuda , dá suporte. Eu considero a família
sua percepção sobre família? Qual a repercussão dessa do meu namorado, minha família também.” (P3).
experiência para você como graduanda de enfermagem? “Aprendi que minha família, apesar de não ser totalmente
No quarto encontro, foi realizada a construção de uma unida, me faz feliz, pois tenho ao meu lado pessoas que amo,
história coletiva, tendo como foco o que foi vivenciado/ admiro e respeito.” (P10).
aprendido nas etapas anteriores. A pergunta norteadora As participantes apresentaram ainda percepções sobre
foi: Como foi a experiência vivida no grupo, em relação a importância de ressignificar seus vínculos com a família
aos aspectos pessoais e como futura enfermeira no cui- de origem ou com algum membro familiar em específico,
dado com a família? como apresentado por P4, P16 e P12.
Os dados foram analisados com base na transcrição “Com essa história pude perceber a importância e a preocupação
fidedigna de cada encontro, utilizando a análise de con- que tenho com meu irmão... essa história me mostra o quanto a
teúdo proposta por Bardin(10). A análise de conteúdo do minha família é unida e como nos amamos.” (P4).
Ao pensar o grupo familiar como sistema, subentende- Na prática do cuidado de enfermagem, o enfermeiro
-se que este se relaciona com outros sistemas mais amplos busca contribuir para o alívio do sofrimento, condição
da comunidade, da sociedade e da cultura. Compreender humana e inevitável para indivíduos e famílias; para a pro-
essa cultura familiar é importante para qualquer profissional cura do equilíbrio e a busca do bem-estar, sendo assim,
que deseja promover intervenções com ela, e isso envolve escutar com atenção, o que as pessoas e as famílias têm
entender o que compõe uma família e como ela funciona. e querem contar, mostra-se, como uma boa estratégia
As pessoas são especialistas em suas próprias vidas, pos- para obter informações, a fim de planejar o cuidado(15).
suindo competências, crenças, valores e recursos que ajudam Cabe ainda destacar que as participantes puderam
a reduzir a influência dos problemas em suas vidas. Mas, para identificar a diferença entre ouvir e escutar. Na escuta,
que isso aconteça, é necessário que elas entrem em contato pode-se perceber as emoções e sentimentos que estão
e valorizem essas competências, valorizando não aquilo que contidos na fala das pessoas e que tornam o discurso
precisam desenvolver, mas aquilo que de fato possuem. singular. Pautada na compreensão da narrativa do outro
O trabalho de “pensar” a família com base nas nar- é possível identificar os pedidos de ajuda e a ampliação
rativas mostrou-se como algo novo para os graduandos. do conhecimento e entendimento sob a perspectiva
Pensa-se e atua-se com os membros que compõem essa do outro.
família, mas não na família como um todo, que sofre com Acredita-se que foi possível sensibilizar as partici-
as transformações e crises de cada membro(14). pantes para a importância da escuta ativa como uma
Logo, “pensar” família, é compreender o status cons- forma de cuidado, pois, dar a palavra ao vivido por meio
tante de mudança que essa sofre. Destaca-se ainda que o da narrativa é seguramente uma fonte inexplorada de
ciclo de desenvolvimento é composto por crises e resolu- conhecimento fundamentado nas pequenas histórias do
ções, em uma dança entre equilíbrio e desiquilíbrio, como cotidiano, laboriosamente tecidas pelo tempo e refleti-
etapa do processo de resolutividade da situação vivida. da. São ricos materiais com os quais são construídos os
É importante destacar que ao iniciar na prática do sentidos e os saberes em enfermagem, que contribuem
cuidado com a família, o graduando não estará sozinho, para o desenvolvimento do enfermeiro(15).
carregará consigo sua herança composta por crenças e Diante da necessidade de ampliar as formas como
valores familiares, que poderão ajudá-lo em seu plano de o enfermeiro se relaciona com a família, acredita-se que
ação, desde que essas vivências pessoais sejam compre- seja importante o estabelecimento de uma “escuta ativa”.
endidas como úteis no cotidiano da enfermagem. Atualmente, não são raros os comentários no cotidiano
Verificou-se que, conforme os participantes contavam da área de saúde, onde os profissionais relatam ter dificul-
suas histórias e ouviam a história do outro, identificavam dade de criar vínculo afetivo(7). Nesses casos, o preparo do
em seus conteúdos momentos de fortalecimento, de crise, profissional e a criação de estratégias para ampliar a capaci-
de resiliência, de estratégias de enfrentamento e de uma dade de estabelecer um vínculo de confiança pode ser um
série de sentimentos que permeiam essas competências. instrumento que favoreça a fluência nos relacionamentos,
Ao narrar um acontecimento, a pessoa reorganiza sua dentro de um espaço de respeito, escuta e colaboração.
experiência, de modo que tenha ordem coerente e signi-
ficativa, dando um sentido ao evento. “É uma expressão Conclusão
simbólica que explica e instrui como entender o que está
acontecendo”(15). As histórias que ouvimos e contamos, Corroborando estudos realizados na área, os resulta-
situam-nos no mundo onde vivemos, dão-lhe sentido, va- dos deste estudo estimulam um olhar mais atento para a
lor e transformam-no, à medida que nos transformamos. escuta de si e do outro, a busca de estratégias de ensino
As histórias do presente e do passado são uma forma de que ampliem o vínculo e a compreensão e respeito à
diminuir as distâncias entre lugares e pessoas, dando um diversidade, dentro de uma proposta de atenção integral
sentido coletivo ao que fazemos e somos(1). à saúde centrada no cuidado com as famílias.
Nesse contexto de aprendizagem, o estudo evidencia Assim, as atividades com histórias familiares confi-
que a narrativa das histórias foi um instrumento impor- guraram-se como um recurso importante para reflexão
tante na prática do cuidar. Vários autores reconhecem individual e coletiva, aspecto fundamental para a aquisi-
a importância de ouvir as histórias como meio para a ção de novas percepções e aprendizagens sobre o cuidado
compreensão do outro e seu contexto, como processo com a família com estudantes de enfermagem.
de construção, conservação e difusão do conhecimento Desta forma, o ensino da abordagem familiar deve
em enfermagem. Nessa perspectiva, podemos afirmar considerar o contexto, as relações e o processo desen-
que o enfoque sistêmico está sendo empregado à medi- volvido entre os participantes da situação envolvida.
da que facilita a compreensão do cuidador como parte Espera-se que novos estudos sejam realizados para am-
do sistema, permitindo que o processo de cuidar seja pliar o entendimento dessa prática e favorecer a inclusão
reconstruído com os envolvidos(1). da família e seu contexto no cuidado de enfermagem.
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