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50

50 anos
de Geologia
50
50 anos
de Geologia
Instituto
de Geociências
Contribuições

Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Instituto de Geociências
Centro de Investigação do Gondwana

Editores
Roberto Iannuzzi
José Carlos Frantz

Patrocínio

Editora Comunicação e Identidade


Porto Alegre, RS
2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
REITOR
José Carlos Ferraz Hennemann

VICE-REITOR
Pedro Cezar Dutra Fonseca

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DIRETOR
José Carlos Frantz

VICE-DIRETOR
André Sampaio Mexias

CENTRO DE INVESTIGAÇÃO DO GONDWANA


DIRETOR
Roberto Iannuzzi

VICE-DIRETOR
Paulo Alves de Souza

50 ANOS de Geologia: Instituto de Geociências. Contribuições /


Editores Roberto Iannuzzi; José Carlos Frantz. Porto Alegre:
Comunicação e Identidade, 2007.
399 p.

Obra produzida pelo Centro de Investigação do Gondwana e


Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, em comemoração aos cinqüenta anos do
Curso de Geologia.

ISBN

1.Geologia - Memória. 2. Geologia - História. I. Iannuzzi,


Roberto. II. Frantz, José Carlos. III. Centro de Investigação
do Gondwana. IV. Instituto de Geociências. V. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul

CDU 55(81)

Catalogação na Publicação
Biblioteca Geociências - UFRGS
Renata Cristina Grun CRB 10/1113
S SUMÁRIO

PREFÁCIO | 09

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - HISTÓRICO | 13

O Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul:


A Estirpe de Pesquisa ................................................................................................ 15
José Carlos Frantz
Roberto Iannuzzi

Professor Emérito. Irajá Damiani Pinto ................................................................. 21


Professor Emérito. Milton Luiz Laquintinie Formoso ........................................ 22
Professor Emérito. Luiz Roberto Silva Martins .................................................... 23

Primeiro Encontro de Geólogos ............................................................................. 25


Clóvis Carlos Carraro, Yvonne Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick,
Heinz Peter Linsdstaedt

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - CONTRIBUIÇÕES | 41

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica


de Lavras do Sul-RS: Litoquímica e Química Mineral ......................................... 43
Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas:


Evidências dos Isótopos de Sr e Nd e Implicações para o Crescimento
Continental da Porção Sul do Brasil ........................................................................ 59
Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo


Sul-rio-grandense: Os Ciclos Vulcânicos da Bacia do Camaquã ........................ 79
Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
Instituto de Geociências. Contribuições

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano................... 97


Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil ........................... 125


Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas


da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar da Região de Lavras
do Sul-RS ................................................................................................................... 143
André Sampaio Mexias, Everton Marques Bongiolo, Márcia Elisa Boscato Gomes,
Milton Luiz Laquintinie Formoso, José Carlos Frantz

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul ....................... 161


José Carlos Frantz, Juliana Charão Marques, Roberto dos Santos Teixeira,
Luís Carlos Bosi Tubino, André Sampaio Mexias

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul ............................... 177


Pedro Luiz Juchem, Adelir José Strieder, Léo Afraneo Hartmann,
Tania Mara Martini de Brum, Gênova Maria Pulz, Lauren da Cunha Duarte

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado


do Rio Grande do Sul .............................................................................................. 199
Ruy Paulo Philipp, Clovis Gonzatti, Ivone M. Agostini, Marcus Vinicius Dorneles
Remus, João Alberto Fiorentini

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande


do Sul durante o Permiano ..................................................................................... 221
Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz

Palinologia e Paleobotânica aplicadas à Reconstituição de Unidades


de Paisagem e Ambiente de Formação dos Carvões Permianos
do Rio Grande do Sul - um Modelo para a Jazida de Candiota ....................... 237
Miriam Cazzulo-Klepzig, Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro ........................... 249


Margot Guerra-Sommer, Etiene Fabrin-Pires, Laureen Sally da Rosa Alves,
Miriam Cazzulo-Klepzig

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos do Rio


Grande do Sul ........................................................................................................... 265
Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer,
Michael Holz

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu ....................... 283


Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg

6
50 50 anos de Geologia

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande


do Sul .......................................................................................................................... 299
Elirio Ernestino Toldo Júnior, Luiz Emílio Sá Brito de Almeida,
Luiz Roberto Silva Martins, Nelson Luiz Sambaqui Gruber,
Carla Ennes de Barros, João Luiz Nicolodi, Leandro Farina, José Carlos Nunes

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos ........ 317
Ricardo Baitelli, Iran Carlos Stalliviere Corrêa, Elirio Ernestino Toldo Júnior,
Luiz Roberto Silva Martins, Jair Weschenfelder, Ricardo Norberto Ayup-Zouain

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira


do Rio Grande do Sul: uma Síntese ...................................................................... 327
Luiz José Tomazelli, Sérgio Rebello Dillenburg, Jorge Alberto Villwock,
Eduardo Guimarães Barboza, Flávio Antônio Bachi, Beatriz Appel Dehnhardt,
Maria Luiza Correa da Camara Rosa

Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul:


Síntese dos Conhecimentos .................................................................................... 341
Iran Carlos Stalliviere Corrêa, Elirio Ernestino Toldo Júnior, Jair Weschenfelder,
Ricardo Baitelli, Ricardo Norberto Ayup-Zouain, Beatriz Appel Dehnhardt,
Luiz Roberto Silva Martins

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: uma Visão


sobre a Saúde das Águas e Implicações na Saúde das Populações .................. 355
Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas,
José Luiz Flores Machado

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico


do Estado do Rio Grande do Sul ......................................................................... 369
Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha,
Norberto Dani

Atlas Ambiental de Porto Alegre: uma Visão Pioneira sobre a Cidade


a partir da Geologia Urbana ................................................................................... 385
Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro

7
P PREFÁCIO

O curso de Geologia da UFRGS foi um dos primeiros a


ser criado oficialmente no país. Neste sentido, o curso e o insti-
tuto, que viria a se estabelecer posteriormente, representam num
marco do início de uma nova época para os estudos geológicos
no Brasil. Como um dos cursos pioneiros do país, a Geologia na
então Universidade do Rio Grande do Sul, configurou-se e, ain-
da configura-se, na forma do Instituto de Geociências, num dos
principais centros formadores de recursos humanos e de pes-
quisa na área, tendo sido, sem dúvida, fundamental no triunfo
da Campanha Governamental “O Petróleo é Nosso”,
estabelecida na década de 50, e que deu origem, entre outras
companhias e órgãos, à “Petrobrás”. Como parte desta campa-
nha nacional, a criação dos cursos de Geologia proporcionou,
inicialmente, a formação de Geólogos habilitados, e, posterior-
mente, auxiliou, através da pesquisa básica, no desenvolvimento
da área de Exploração e Prospecção do Petróleo. Ambas ativi-
dades foram imprescindíveis na transferência do gerenciamento
das pesquisas geológicas no Brasil para as mãos dos brasileiros e
no desenvolvimento de uma tecnologia totalmente nacional apli-
cada à Exploração e Prospecção do Petróleo, com padrão reco-
nhecidamente internacional. Neste contexto, tendo-se em
mente que grande parte do patrimônio e capacidade adquiri-
dos pelo país na área do Petróleo advém do surgimento e
Instituto de Geociências. Contribuições

desenvolvimento dos cursos de Geologia, justifica-se a elabora-


ção de obras que registre e celebre este momento de significati-
va importância não só para Geologia Nacional, ou mesmo para
Petrobrás, mas para toda a nação, a qual nos remeta aos
primórdios e aos pioneiros desta longa jornada. Cabe salientar
ainda, que entre esses pioneiros, o Emérito Prof. Irajá Damiani
Pinto, fundador do Instituto de Geociências da UFRGS, está
notoriamente entre aqueles que mais fizeram pela implementação
e pelo ensino da Geologia no Brasil. Um homem cuja história
pessoal confunde-se com a do desenvolvimento da Geologia,
não só na UFRGS, mas em todo o país, uma vez que colaborou
com diversas instituições, órgãos e companhias estatais nacio-
nais. Os inúmeros prêmios recebidos atestam o reconhecimen-
to de sua obra e torna estas obras uma justa homenagem a quem
tanto contribui para que se atingisse o nível de excelência que a
Geologia Nacional e, mais especificamente, o Instituto de
Geociências da UFRGS apresentam atualmente.

O presente volume apresenta parte da história do Curso


de Geologia e do Instituto de Geociênciasda UFRGS, uma ho-
menagem aos seus professores eméritos, relatos do “Primeiro
Encontro de Geólogos do Brasil” e contribuições dos professo-
res que compõe o atual quadro do Instituto, versando nas mais
diversas especialidades das Geociências. Deste modo, há contri-
buições que abrangem a história pré-cambriana do Estado e da
região sul do país, outras que tratam de aspectos paleontológicos
do Paleozóico, há também considerações sobre os desertos
mesozóicos, e quanto ao Cenozóico, abordam-se diversos as-
pectos da planície costeira e plataforma continental do Estado;
por fim, há contribuições que discorrem sobre temas da atuali-
dade, como a exploração mineral e a preservação dos recursos
hídricos no Estado, e a Geologia na Educação Ambiental, além
do resgate da evolução histórica do conhecimento geológico no
Rio Grande do Sul.

10
5050 anos de Geologia

Um segundo volume apresenta a biografia resumida sobre


a atuação profissional do Prof. Irajá Damiani Pinto e os relatos
colecionados pelo emérito professor ao longo de sua vida aca-
dêmica, que cotam alguns dos episódios importantes vivenciados
por ele. Fotos e desenhos do arquivo pessoal do Prof. Irajá fo-
ram adicionadas no intuito de ilustrar sua trajetória. Deste modo,
conta-se um pouco da história do Curso de Geologia, do Insti-
tuto de Geociências, da Geologia Nacional, através da homena-
gem ao seu fundador, o Prof. Dr. Irajá Damiani Pinto.

11
Histórico

I
Instituto
de Geociências
O O Curso de Geologia
da Universidade do Rio Grande do Sul:
A Estirpe de Pesquisa
José Carlos Frantz
Roberto Iannuzzi

O Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul já nasceu sob reco-


mendação do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Desde sua criação, além de
uma grande contribuição na formação de novos geólogos para o país, tem contribuído, prin-
cipalmente, para aumentar os conhecimentos nas diferentes áreas das Geociências.
Uma pequena parte da história das pesquisas dessa Instituição está apresentada
nesse livro comemorativo dos 50 anos de existência de um dos primeiros Cursos de Geologia
do Brasil, através dos vários capítulos temáticos.
O início dessa trajetória ocorreu em 1955, quando o Reitor da Universidade do
Rio Grande do SuI, Professor Elyseu Paglioli, acatando sugestão do Conselho Nacional de
Pesquisas (CNPq), nomeia uma comissão para estudar a criação do “Centro de Estudos e
Pesquisas Geológicas”, a 21 de setembro.
A Comissão foi constituída pelo Diretor da Faculdade de Filosofia, Luiz Pilla, o
Diretor do Instituto de Ciências Naturais e Professor de Geologia e Paleontologia da Facul-
dade de Filosofia, Irajá Damiani Pinto, o professor de Mineralogia da Faculdade de Filosofia
e da Escola de Engenharia, José Rafael de Azambuja Jr., o professor de Petrografia da Escola
de Engenharia, Arthur Wentz Schneider, e o professor de Geologia Aplicada da Escola de
Engenharia, Athos Pinto Cordeiro.
A Comissão manifestou-se favorável ao projeto, em 1° de novembro, propondo
a instalação do Centro na futura Cidade Universitária, com recursos da Universidade, do
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), do Conselho Nacional de Petróleo (CNP) e do
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).
O parecer da Comissão foi remetido ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq),
com a seguinte manifestação do Senhor Reitor:
Instituto de Geociências. Contribuições

...”a Universidade do Rio Grande do Sul, fiel às suas altas e nobres finalida-
des, está vivamente empenhada na realização e patrocínio desse grande e
patriótico empreendimento que, caso se concretize, marcará mais um mar-
co no progresso do País.”...

O Senhor Ministro da Educação e Cultura, professor Clóvis Salgado, em 1956,


nomeia uma Comissão com objetivo de planejar a implantação de cursos de Geologia no País.
A Comissão foi constituída pelo Diretor do Ensino Superior, Jurandyr Lodi, o representante
da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Frederico Rangel,
os professores Othon Henry Leonardos, Elysiário Távora e Avelino Ignácio de Oliveira, os
geólogos John Van Dorr II e Boris Brajnikoj. Os professores Victor Leinz, da Universidade
de São Paulo, Irajá Damiani Pinto, da Universidade do Rio Grande do Sul, e Licínio Barbosa,
da Universidade de Minas Gerais, são indicados como assessores.
O Senhor Presidente da República, Juscelino Kubitscheck de Oliveira, em 1957,
com base no trabalho da Comissão, promulga a 11 de janeiro de 1957, decreto de criação da
Campanha de Formação de Geólogos (CAGE).

...”com o objetivo de asse-gurar a existência de pessoal especializado em


Geologia, em quantidade e qualidade suficiente às necessidades nacionais,
nos empreendimentos públicos e privados.”...

A CAGE tinha por função promover a criação de cursos para a formação de


geólogos, regular o funcionamento dos cursos, além de orientar, supervisionar e fixar normas
de desempenho.
O Reitor da Universidade do Rio Grande do Sul, professor Elyseu Pag1ioli, envia
ao Conselho Universitário, também em 11 de janeiro, exposição de motivos propondo a ime-
diata implantação do Curso de Geologia na Universidade. Informa também, ao Conselho,
que o Ministério da Educação e Cultura chamou a si a coordenação dos estudos para a criação
dos Cursos de Geologia. Ainda, que o orçamento da União contempla a verba necessária para
os quatro primeiros cursos a serem instalados nas universidades do Rio Grande do Sul, de
Pernambuco e de São Paulo, e na Escola de Minas de Ouro Preto.
A ata da 235ª Sessão do Conselho Universitário contém a decisão unânime dos
presentes de aprovar a criação do Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul.

ATA DA 235ª SESSÃO DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO


ORDEM DO DIA
Processo 7001/55 - Criação do Curso de Geologia.

O Reitor Magnífico esclarece que o motivo da presente reunião pren-


de-se à criação do Curso de Geologia nesta Universidade. A decisão deste
importante assunto é da maior urgência eis que virá ao encontro dos anseios
do Senhor Ministro da Educação no sentido de ser o Curso ministrado
ainda no corrente ano.
A seguir, o Reitor Magnífico passa a ler a exposição de motivos em
que se propõe o imediato estabelecimento do Curso de Geologia nessa

16 José Carlos Frantz, Roberto Iannuzzi


50 50 anos de Geologia

Universidade. É do seguinte teor a mensagem em apreço:


“Senhores Conselheiros:
O expediente em apreço versa sobre a instituição imediata do Curso
de Geologia em nossa Universidade. Obedece a iniciativa a um plano
nacional de alto sentido quanto ao desenvolvimento econômico do Brasil,
dando ensejo, através da preparação especializada e efetiva de geólogos, a
participação da indústria mineral na produção nacional.
O projeto teve origem no Conse1ho Naciona1 de Pesquisas e visava
a criação de um Centro Modelo de Estudos e Pesquisas Geológicas, pro-
posto àquele órgão pelo iminente geólogo francês Boris Brajnikov.
A Universidade foi consultada sobre a possibilidade de instalar aquele
Centro, tendo enviado sugestões a respeito ao Conselho Nacional de Pes-
quisas, através do estudo de Comissão especializada e integrada por pro-
fessores da Escola de Engenharia e Faculdade de Filosofia.
Posteriormente, o Ministério da Educação e Cultura chamou a si a
coordenação dos estudos, constituindo Comissão de especialistas destina-
da a estudar o problema da formação de geólogos e do respectivo profis-
sional. E, ainda, no orçamento da União, foi inc1uída a verba de 60 milhões
para os quatro cursos de geólogos a se instalarem nas universidades do Rio
Grande do Sul, de Pernambuco, São Paulo e Escola de Minas de Ouro
Preta. Aquela verba será distribuída em partes iguais para aquele fim, estan-
do 15 mi1hões de cruzeiros à nossa disposição. Nenhum ônus assim resul-
tará do Curso para a nossa Universidade.
Representantes da Universidade participaram dos estudos e reu-
niões convocados pelo Ministério para a discussão do projeto.
Submeto agora esse trabalho à consideração do Egrégio Conselho
Universitário, com a nota da necessidade urgente de sua aprovação para
que possa aquele Curso funcionar ainda no próximo ano letivo.
Está ressalvado pela Comissão Federal citada, que se não deva im-
por um currículo rígido, “sistema que entre outros defeitos obriga sejam
ministradas disciplinas para as quais a Escola não dispõe de docentes ade-
quados, quando preferível seria não fossem as mesmas lecionadas do que
tê-las falsamente lecionadas”.
Com essa ressalva, apresentou, porém, a Comissão o currículo as-
sentado como o mais adequado, e que é o seguinte:
lª. SÉRIE: Física; Química; Biologia; Matemática; Geologia Geral e Mine-
ralogia Geral. 2ª. SÉRIE: Geomorfologia; Geologia Histórica; Paleontologia;
Topografia e Petrologia. 3ª. SÉRIE: Geoquímica; Geologia do Brasil; Geo-
logia Estrutural; Estratigrafia e Sedimentologia. 4ª. SÉRIE: Geofísica;
Geologia Econômica; Aerofotogeologia; Prospecção e Desenho.

A Comissão de professores desta Universidade, a qual se incumbiu


do estudo do projeto, opinou:
a) quanto ao currículo: se deva seguir as diretrizes da Comissão Federal,
introduzindo apenas a cadeira de Inglês e colocando a de Desenho na 2ª.
Série;
b) quanto ao concurso vestibular: aceitou a sugestão da Comissão Federal,
exigindo as matérias de História Natural, Matemática, Física e Química,
oferecendo os programas respectivos.

O Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul... 17


Instituto de Geociências. Contribuições

Também, em parecer, a Comissão indica nomes de profissionais para


a regência das disciplinas da 1ª. Série e faz a previsão do material didático e
científico.
Em face da imperiosa necessidade da instalação do citado Curso de
Geólogos, solicita à Reitoria autorização ao Egrégio Conselho Universitá-
rio para:
a) providenciar junto à Diretoria do Ensino Superior no sentido de que,
dentro das diretrizes traçadas pela Comissão Federal, possa funcionar em
março vindouro o Curso de Geólogos;
b) adotar as medidas administrativas convenientes e oportunas à regular
instalação e funcionamento do Curso;
c) promover, mediante contrato, as discip1inas da 1ª. Série, na forma
estatutária, feito o prévio levantamento dos docentes e especialistas nacio-
nais e estrangeiros disponíveis.
Porto Alegre, 11 de janeiro de 1957.
Prof. Elyseu Paglioli - Reitor”

Encaminhada a proposta acima à discussão, foi o assunto debatido pelos


senhores conselheiros Eloy José da Rocha, Luiz Leseigneur de Faria, Pery
Pinto Diniz, Rubens Maciel, Acadêmico Edson Medeiros e outros...
... Suficientemente esclarecida, foi a matéria posta em votação.
Decisão: Por unanimidade de votos, foi aprovada a proposição do
Reitor Magnífico antes transcrita, ficando sob a responsabi1idade
da Reitoria a instalação e o funcionamento do Curso de Geologia, o
qual terá a co1aboração indispensável da Escola de Engenharia e da Facul-
dade de Filosofia.
A seguir o Reitor Magnífico expressou a sua satisfação pela criação do
Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul, ato este da mais
assinalada repercussão nacional pela sua uti1idade e oportunidade na in-
dústria da exploração das riquezas minerais do Brasil, setor onde há quase
completa carência de técnicos especializados para o mister...

A 13 de fevereiro de 1957, o primeiro ato oficial do Curso de Geologia de Porto


Alegre foi executado, por ordem do Magnífico Reitor, com a publicação do edital que abriu as
inscrições para o Concurso de Habilitação para o ingresso no Curso de Geologia. Iniciavam-
se assim, as atividades do Curso de Geologia, com a participação da Faculdade de Filosofia e
da Escola de Engenharia, tendo como sede o Instituto de Ciências Naturais.
O curso era novo, as instalações precárias, os recursos materiais escassos, o que
implicava em muitos problemas. O Magnífico Reitor convida então, para o cargo de Coorde-
nador, o Professor Irajá Damiani Pinto. Este acabara de regressar da Bahia onde fora organi-
zar o Curso de Geologia da PETROBRAS. O Professor Irajá obtém da CAGE, de imediato,
os recursos que necessários, viajando a 3 de maio para o Rio de Janeiro. Após dez dias de
reuniões, o Professor Irajá conseguiu os elementos fundamentais: a aprovação do corpo de
professores, o estabelecimento dos níveis salariais e as bolsas de estudos para todos os alunos
matriculados.
Mesmo considerando as dificuldades por que passou nos primeiros anos de exis-
tência, os resultados alcançados foram tão positivos que a Comissão Orientadora da Campa-

18 José Carlos Frantz, Roberto Iannuzzi


50 50 anos de Geologia

nha de Formação de Geólogos (CAGE), resolveu, a 9 de abril de 1959, atribuir a designação


de Escola de Geologia para o Curso de Geologia de Porto Alegre. O Curso de Geologia da
Universidade do Rio Grande do Sul foi o primeiro a apresentar tal condição.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA


DIRETORIA DO ENSINO SUPERIOR
CAMPANHA DE FORMAÇÃO DE GEÓLOGOS
ATA
Às dezesseis horas do dia nove de abril de mil novecentos e cinqüenta e
nove, no décimo terceiro andar do Ministério da Educação e Cultura, pre-
sentes o Dr. Avelino Ignácio de Oliveira e os professores Othon Henry
Leonardos, Elysiário Távora Filho, José Cândido de Mello Carvalho, Irajá
Damiani Pinto, Jurandyr Lodi e justificada a ausência do Professor Sylvio
Fróes de Abreu, teve início mais uma reunião da CAGE.
...Foi comentada a idéia de passarem os Cursos de Geologia a se denomi-
nar “Escola de Geologia”. O Professor Othon Henry Leonardos foi de
opinião que nem todos os cursos estão, no momento, prontos a sofrer esta
transformação. Ficou decidido, então, que somente o Curso de Geologia
do Rio Grande do Sul passará a ser denominado “Escola de Geolo-
gia”, desde agora, funcionando ao lado da Universidade do Rio Grande do
Sul, mas continuando a pertencer à Campanha de Formação de Geólogos...
E, nada mais havendo, às dezoito horas foi encerrada a reunião e lavrada a
presente ata que vai assinada pelos membros da CAGE.
Ave1ino Ignácio de Oliveira
Othon Henry Leonardos
Sylvio Fróes de Abreu
Jurandyr Lodi

A 6 de dezembro de 1960, em Sessão Solene, a primeira turma de 15 formandos


recebeu da Universidade do Rio Grande do Sul, o título de Geólogo, por haverem concluído
o Curso.
Desde os primeiros tempos da sua existência, a Escola de Geologia e, posterior-
mente, seu sucessor, o Instituto de Geociências, sempre tiveram uma marcada vocação para a
pesquisa, além da formação de excelentes geólogos, egressos do Curso de Geologia.
Como resultado dessa competência, juntamente com a estrutura de departamen-
tos, responsáveis pelo ensino da graduação, foram criados os três órgãos auxiliares do Institu-
to de Geociências para congregar os diversos grupos de pesquisa, e o Programa de Pós-
Graduação em Geociências.
O Centro de Investigação do Gondwana – CIGO – é órgão auxiliar mais antigo
do Instituto de Geociências, foi criado no ano de 1965. Nessa época, a comprovação geológi-
ca da existência de um grande continente composto pela América do Sul, África, Antártida,
Austrália e Índia, o Gondwana, despertava atenções no mundo científico. A existência do
supercontinente hoje tem ampla aceitação em muito, devida aos avanços alcançados através
da pesquisa geológica. O CIGO, atualmente, atua nas áreas de geocronologia, de estratigrafia
e de paleontologia, esta última nos seus aspectos bioestratigráficos e tafonômicos.

O Curso de Geologia da Universidade do Rio Grande do Sul... 19


Instituto de Geociências. Contribuições

O Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO – foi fundado


em 1969, com a finalidade de desenvolver a pesquisa nas áreas da geologia costeira e da
geologia marinha no território brasileiro. Com sede no prédio histórico do château, em 1972,
foi credenciado pelo Ministério de Educação e Cultura e recebeu o título de Centro de Exce-
lência pelo CNPq, o que foi referendado pela UNESCO, em 1984. Durante sua existência, as
atividades de pesquisa desenvolvidas por seus pesquisadores, na plataforma brasileira, ajuda-
ram a embasar a decisão de ampliar os limites do mar territorial brasileiro para as atuais 200
milhas.
O Centro de Estudos em Petrologia e Geoquímica – CPGq – embora tenha
iniciado suas atividades ao início dos anos oitenta, foi oficialmente instituído em 1993, através
de portaria do Ministério de Educação e Cultura. Em 1998, foi reconhecido como Núcleo de
Excelência pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. As áreas principais de atuação são em
geotectônica, em geoquímica, em petrologia e metalogenia.
O Programa de Pós-Graduação em Geociências, criado em 1968, ainda na Esco-
la de Geologia, foi reconhecido em 1969 pelo CNPq como Centro de Excelência em
Geociências e foi credenciado pelo Conselho Federal de Educação, em 1972, para formar
mestres e doutores acadêmicos. As quatro áreas de concentração, Estratigrafia, Geologia
Marinha, Geoquímica e Paleontologia, abordam temas de relevância para a ciência e para o
desenvolvimento econômico e social do Brasil. O nível de excelência do Programa é expresso
pelo conceito máximo (Nota 7) da CAPES em três avaliações seguidas, 2001, 2004 e 2007, e
através da forte inserção internacional manifestada através dos convênios e acordos com
universidades de diversos países.
A trajetória desses 50 anos de existência do Curso de Geologia foi certamente
motivadora para todos aqueles que se sucederam na Escola de Geologia e no Instituto de
Geociências. O espírito pioneiro dos fundadores deixou um legado de criatividade e arrojo,
que motivou o crescimento e os avanços alcançados nesses 50 anos, e que continua como
exemplo a ser seguido para os próximos 50 anos.
Entre os fundadores e demais colaboradores nestes 50 anos de história, desta-
cam-se três professores que por suas singulares carreiras foram amplamente homenageados
pelo mundo afora, tendo sido merecidamente laureados com o mais alto título de nossa ins-
tituição, o de Professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. São eles:
Prof. Dr. Irajá Damiani Pinto, Prof. Dr. Milton Luiz Laquintinie Formoso e Prof. Dr. Luiz
Roberto Silva Martins.
O professor Irajá D. Pinto foi organizador e primeiro diretor da Escola de Geo-
logia, além de fundador do Centro de Investigação do Gondwana (CIGO), tendo impulsiona-
do as áreas de Paleontologia e Estratigrafia no estado. O professor Milton L. L. Formoso foi
idealizador do Centro de Estudos em Petrologia e Geoquímica (CPGq), tendo destacado-se
justamente nas áreas da Petrologia e Geoquímica. O Professor Luiz R. S. Martins fundou o
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (CECO), tendo colaborado significativa-
mente para o desenvolvimento da área de Geologia Marinha no país. A seguir, rendemos,
deste modo, nossa homenagem a esses ícones da Geologia, não só sul-rio-grandense, mas
também brasileira, através da apresentação das biografias resumidas de suas longas e brilhan-
tes carreiras de sucesso, sem as quais muito do que temos e conquistamos não estaria hoje
aqui. Assim sendo, deixamos nosso muito obrigado pelo legado de obras e ensinamentos
com os quais prosseguimos daqui para um futuro promissor.

20 José Carlos Frantz, Roberto Iannuzzi


50 50 anos de Geologia

P Professor Emérito
Irajá Damiani Pinto
Irajá Damiani Pinto nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 03.07.1919.
Bacharel (1944) e Licenciado (1945) em História Natural pela Faculdade de Filosofia da,
então, Universidade de Porto Alegre, e Doutor em Geologia pela Universidade de São Paulo
(1973). Foi professor do Colégio Estadual Julio de Castilhos e do Instituto Porto Alegre
(IPA). Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1948-
1951). Fundador, organizador e diretor do Instituto de Ciências Naturais (ICN) (1953-1957).
Bolsista da Rockefeller Foundation (1956) para estudo de ostracodes, nas universidades nor-
te-americanas de Louisiana, Kansas, Michigan e no American Museum of Natural History.
Organizador e coordenador do 1º Curso para a Formação de Geólogos de Petróleo, da
PETROBRAS (1957), na Universidade da Bahia, em Salvador. Organizador e diretor da Es-
cola de Geologia (1957-1969). Bolsista do British Council (1959) para intercâmbio nas univer-
sidades de Sheffield, London e Glasgow. Bolsista da Agency for International Development
(AID) (1964), para conhecimento de cursos de pós-graduação em Geologia, em 27 universi-
dades norte-americanas. Bolsista da Cooperation Technique Française (1969), em Paris, no
Conseil National de la Recherche Scientifique (CNRS), e em Pau, na Compagnie du Pétrole
d’Aquitaine. Estágio a convite da Academia de Ciências da União Soviética em Moscou e
Leningrado (1969). Fundador e diretor do Centro de Investigação do Gondwana (CIGO)
(1965-1968). Professor Benemérito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) (1973). Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências (desde 1979). Com
mais de 100 trabalhos publicados no campo das Biociências e Geociências, foi orientador de
mestrados e doutorados no Curso de Pós-Graduação em Geociências da UFRGS, do qual foi
fundador, em 1968, e coordenador (1968-1970). Diretor-presidente da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), nos períodos 1974-1977, 1977-
1980 e 1980-1983. Presidente da Sociedade Brasileira de Geologia, nos períodos 1967-1969 e
1977-1979. Fundador, organizador e diretor do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e
Marinhos (CECLIMAR) (1978-1989). Agraciado com altas distinções pela sua atividade na
pesquisa, no ensino e na administração, tais como, Medalha de Ouro José Bonifácio de Andrada
e Silva, pela Sociedade Brasileira de Geologia (1973), Medalha de Ouro Llewelyn Ivor Price,
pela Sociedade Brasileira de Paleontologia (1987), Medalha de Ouro Sylvio Torres, pela Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (1987). Título de sócio hono-
rário pela International Paleoentomological Society, recebido no 3º Paleoentomological
Congress, em Pretória, África do Sul (2005). Homenageado por pesquisadores do Brasil e do
Exterior com novos gêneros e novas espécies, tanto de formas atuais como fósseis, de
ostracodes, micrósporos, insetos, malacostráceos, conchostráceos, peixe e répteis. Bolsista do
CNPq até 2006, tendo sido, também, presidente de Comissão Técnica em Geociências. Pro-
fessor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990). Membro Grã-Cruz da
Ordem Nacional do Mérito Científico (1998). Pesquisador Emérito do CNPq (2005).

21
Instituto de Geociências. Contribuições

P Professor Emérito
Milton Luiz Laquintinie Formoso
Milton Luiz Laquintinie Formoso nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. Gradua-
do em Química (1950) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde
ingressou como professor a partir de 1952. Professor do curso de Geologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul desde o seu início, em 1957, tornando-se Professor Titular em
1968. Fez Aperfeiçoamento em Laboratório de Espectroquímica (1950) e de Difração de
Raios X (1951, 1956), no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e em La-
boratório de Geoquímica (1956), no Instituto de Tecnologia Industrial, ITI. Bolsista do Pon-
to IV International Cooperation Administration (1959-1960), ICA, Estados Unidos, para
Especialização em Geoquímica, United States Geological Survey, Aperfeiçoamento em Geo-
logia e Geoquímica, na Havard University, Aperfeiçoamento em Geologia e Geoquímica, na
Pennstate University, e Aperfeiçoamento em Geologia e Geoquímica, na University of Illinois.
Fez Aperfeiçoamento na França (1967), em Mineralogia de Argilas, na Université de Strasbourg
I, em Geoquímica, no Centre de Recherches Petrographiques et Geochimiques (CRPG), e
em Mineralogia das Argilas e Minerais de Opacas, no Muséum National d´Histoire Naturelle
de Paris (MNHN). Doutor em Geologia pela Universidade de São Paulo (1973). Diretor por
três gestões (1990-1992, 1992-1994, 1994-1996) do Centro de Estudos em Petrologia e
Geoquímica (CPGq). Diretor (1981-1984) do Instituto de Geociências da UFRGS. Chefe
(1971-1972, 1972-1973) do Departamento de Geologia do instituto de Geociências da UFRGS.
Fundador (1968) do Curso de Pós-Graduação em Geociências da UFRGS, no qual orientou
vários mestrados e doutorados. Membro do Conselho de Planejamento da Fundação de
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (1991-1993). Coordenador do Projeto CAPES/
COFECUB (108/90, 185/96 e 349/01), entre 1990 e 2004. Diretor científico interino e
Coordenador de Ciências da Terra da FAPERGS. Coordenador do Projeto FAPERGS/
PRONEX 0408253 (2005-2007). Presidente da Sociedade Brasileira de Geoquímica (1993-
1995). Membro da Association Internationale pour l’Etude des Argiles (AIPEA) desde 1978;
membro do Nomenclature Committee e da International Association of Geochemistry and
Cosmochemistry. Membro dos Comitês Assessores do CNPq e do PADCT, e Comissões de
Avaliação da CAPES. Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, desde 1992. Publi-
cou mais de 100 títulos, entre livros, capítulos de livros, artigos completos e resumos expan-
didos. Foi agraciado com altas distinções pelas suas atividades de pesquisa, ensino e na admi-
nistração, tais como, Mérito como Pesquisador, Governo do Estado do Rio Grande do Sul
(1982), Homenagem-Mérito Geoquímico, pela Sociedade Brasileira de Geoquímica (1997),
Comendador da Ordem do Mérito Científico, pela Presidência da República (2002), Doutor
Honoris Causa da Universidade de Poitiers, França (2005). Professor Emérito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (1998). Membro Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito
Científico (2005). Pesquisador Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq.

22
50 50 anos de Geologia

P Professor Emérito
Luiz Roberto Silva Martins
Luiz Roberto Silva Martins nasceu em Rio Grande, Rio Grande do Sul. Gradua-
do em História Natural (1956) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), onde foi professor do curso de História Natural (1957). Professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul desde 1958, onde se tornou Professor Titular em 1965. Fez
especialização em Geologia Marinha (1964) na Florida State University, Tallahassee, e em
Sedimentação (1965) no United States Geological Survey, em Denver. Doutor em Ciências
(1976) e Livre Docente em Sedimentologia (1976) pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Pós-doutorado (1982) em Geologia Marinha pelo Instituto de Tecnológico de Buenos
Aires (ITBA). Fundador (1969) e diretor do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceâni-
ca (CECO). Fundador (1968) e coordenador (1971-1972) do Curso de Pós-Graduação em
Geociências da UFRGS, no qual orientou mestrados e doutorados. Fundador (1969) e coor-
denador científico (1969-1979) do Programa de Geologia e Geofísica Marinha (PGGM).
Coordenador Técnico do CNPq no Projeto REMAC (1972-1978). Membro Titular do Scientific
Advisory Board (SAB) da COI/UNESCO (1978-1979). Membro da Comissão Nacional de
Oceanografia (1970-1975) e do Comitê Assessor de Oceanografia do CNPq (1976-1979, 1993-
1995, 2004-2007). Membro do Consultive Panel on coastal Systems da UNESCO (1974-
1984). Especialista em Ciências do Mar do Escritório Regional da UNESCO em Ciência e
Tecnologia para a América Latina e Caribe (ROSTLAC) (1982-1983). Coordenador do 1º
Curso de especialização sobre Administração e Planejamento de Recursos do Mar (1984).
Coordenador de projetos da OEA no Atlântico Sudoeste sobre Geologia do Quaternário
(1984-1988), Recursos Minerais (1997-1998) e Erosão Costeira (1998-2000). Consultor da
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) (1997-1999). Membro do Grupo de
Coordenação e Coordenador Regional para o Atlântico Sudoeste do Programme on Ocean
Science in relation to Non-Living Resources (OSNLR/IOC/UNESCO) (1985-2002). Mem-
bro da Comissão de Ciências do Mar do MCT (desde 1992). Perito em Assuntos de Ciências
do Mar junto a Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), indicado
pelo MCT. Participante do programa Cátedras (UNITWIN) da UNESCO. Representante do
Brasil no Scientific Committee on Oceanic Research (SCOR) (1976-2002). Publicou mais de
200 títulos, entre livros, capítulos de livros, artigos completos e resumos expandidos. Foi
agraciado com diversas distinções pelas suas atividades de pesquisa, ensino e extensão, tais
como, Medalha Centenário da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) (1976), Medalha
30 anos do CNPq (1981), Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Maranhão
(1988), Pesquisador Emérito pela Society for Sedimentary Geology, dos Estados Unidos (2005).
Professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006). Pesquisador Pro-
dutividade em Pesquisa 1A do CNPq.

23
Departamento de Geodésia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

P PRIMEIRO ENCONTRO
DE GEÓLOGOS
Clóvis Carlos Carraro, Yvonne Terezinha Sanguinetti,
Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt

INTRODUÇÃO
Em 1966, o então Diretor da Escola de Geologia, Prof. Irajá Damiani Pinto,
convocava a comunidade de geologia para, sob os auspícios do Conselho Nacional de Pesqui-
sas (CNPq), participar do Primeiro Encontro de Geólogos a realizar-se na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 21 a 26 de março. A Comissão Organizadora é
composta por Bernardo Geisel – Presidente, Rui Ribeiro Franco – Vice-Presidente, Irajá
Damiani Pinto – Secretário Geral, Milton Luís Laquintinie Formoso – Tesoureiro, e Luciano
Jacques de Moraes – Assessor Geral; além de Adolpho Kurth Hanke, Arthur Wents Scheider,
José Rafael Azambuja Jr., Mariano Sena Sobrinho, Nilo Clemente Eick e Roberto Silva Issler
- Assessoria Local. No temário constavam quatro itens a serem apresentados e discutidos: I –
Investigação sobre o Gondwana, II – A situação atual do ensino de Geologia no Brasil, III –
Criação de Centros de Estudos Geológicos, IV – Gênese e reservas dos depósitos de rochas
carbonatadas, de cobre, de estanho e de argilas do Estado do Rio Grande do Sul.
Abriu a sessão o então Magnífico Reitor da UFRGS, José Carlos Fonseca Milano,
dando a palavra ao Senhor Governador em Exercício do Estado do Rio Grande do Sul,
Alfredo Hoffmeister, ao Presidente do CNPq, Antônio Moreira Couceiro, e ao representante
do U.S. Geological Survey, bem como das entidades estrangeiras presentes, William D. Johnston.
No encerramento da sessão, assim pronunciou-se o Magnífico Reitor:
Instituto de Geociências. Contribuições

“De modo que eu desejo [...] manifestar meu aplauso à atividade da jovem
Escola de Geologia que surgiu de um esforço, em muito boa hora realizada
pela CAGE, com a modéstia de um curso inicial e que hoje é uma Escola
entre as que mais orgulham esta Universidade”.

O evento teve amplo sucesso não somente pela participação de 51 entidades do


Brasil e do Exterior (listagem em anexo), mas pela presença de mais de 100 professores,
pesquisadores, profissionais e alunos de geologia.

INVESTIGAÇÃO SOBRE O GONDWANA


ONDW

A coordenação geral desta temática esteve a cargo do Professor Irajá Damiani


Pinto (UFRGS). O Prof. Irajá, ao desenvolver esse tema, propõe a criação de um Centro
Internacional de Investigação do Gondwana, “que tem como objetivo encontrar os meios
para estudar, de maneira integral, o problema da existência, ou não, do Continente Gondwana
e de suas implicações para ver se chegamos à verdadeira solução”. A idéia da existência de um
Continente Gondwana esteve presente sempre que se faziam estudos de fauna fóssil, compa-
rando crustáceos de diferentes procedências do Brasil e da África. Estava convencido que
estudos comparativos profundos, com boa literatura, espécimes para comparação poderiam
levar a conclusões realmente sólidas. Na apresentação de seu trabalho, cita Harrington (1964):

“Um dos mais importantes problemas em geologia e outras Ciências da


Terra é decidir, definitivamente, sim ou não, se a separação dos continentes
ocorreu em grande escala. E Robert Dietz, do Coast and Geodetic Survey,
disse, em 1965: é chegado o momento dos geólogos empreenderem um
Programa do Gondwana; os geólogos estão em condições, tem capacida-
de, interesse e habilidades; mas nós não podemos agir individualmente”.

Ao estruturar esse Centro de Investigação, expressou-se nestes termos:

“Embora criado dentro da UFRGS, pensamos nós, este deva ter um Con-
selho Consultivo formado não só por pesquisadores da Universidade, mas
também, por pesquisadores representantes das organizações que auxilia-
rão no financiamento e no desenvolvimento das pesquisas, como CNPq e
UNESCO. Terá ainda um Conselho Deliberativo, formado pelos pesquisa-
dores do Centro e pelo corpo de pesquisadores associados. Haverá Direto-
ria Executiva, Secretaria de Administração e Secretaria de Finanças. Pensa-
se que o Centro deva ter Museu da Paleontologia e Museu de Mineralogia
e Petrologia. Uma das partes mais fortes será a Divisão de Documentação,
com biblioteca, serviço de informação e arquivo de testemunhos e de son-
dagens com serviço de informações, secção de intercâmbio, secção de
bibliofoto e tradução Em síntese, o que pretendemos fazer é o que está

26 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50 50 anos de Geologia

aqui elaborado e sobre isso é que gostaríamos de ter a opinião, a colabora-


ção dos colegas e as críticas para que possamos, realmente, tornar este
centro eficiente, como julgamos deva realmente ser”.

Participaram das discussões: Othon Henry Leonardos, Reinard Maack, Viktor


Leinz, Wilhelm Kegel, Roberto Silva Issler, Josué Camargo Mendes, Manfredo Winge, Luciano
Jacques de Moraes, Hans Thofehrn, Louis de Locziy, Gilberto Osório de Andrade, Arturo
Jorge Amos, Felix Gonçales Bonorino, Rodolfo Mendez Alzola, Jorge Bossi, Jean Pierre Ybert,
Acyr Ávila da Luz, Karl Beurlen, Antônio Carlos Rocha-Campos, Rubens Souza Picada, José
Moacyr Vianna Coutinho, Umberto Giuseppe Cordani, Rui Ribeiro Franco, Robert Reeves,
John Van Dorr II, Setembrino Petri e Mario Costa Barberena.

A SITUAÇÃO ATUAL DO ENSINO DE GEOLOGIA


NO BRASIL

A coordenação geral deste tema coube ao Professor Josué Camargo Mendes


(USP). Transcrevemos depoimento do Prof. Camargo Mendes, referente à situação atual do
ensino de Geologia do Brasil:

“Os métodos de transmissão dos conhecimentos devem ser aprimorados e


o currículo ajustado às necessidades urgentes: despido sempre que possível
daquilo que for secundário, em favor do fundamental. Nenhum currículo
em ciência pode ser considerado imutável, mas a sua imutabilidade decor-
re, na prática, do absoletismo da nossa organização universitária que prevê
um cargo para cada disciplina, tornando impossível a extinção de qualquer
uma delas.

O baixo salário oferecido pelas Universidades, agravado pela inflação, é


uma barreira intransponível no recrutamento de pessoal docente, deli-
neando-se o perigo de esvaziamento dos quadros de professores de tempo
integral. E quem não reconhece que, pelo seu caráter sui generis, o ensino
de Geologia necessita de dedicação plena para o bom treinamento de cam-
po e de laboratório.

O problema do livro didático merece igualmente consideração. Contamos


já com uns poucos compêndios brasileiros versando matérias geológicas. É
tempo de estimular a elaboração de outros nos vários campos da Geologia,
propiciando o auxilio necessário aos autores. Não me parece que a tradu-
ção de livros estrangeiros seja a solução satisfatória, exceto em casos espe-
ciais, quando versarem métodos ou matéria de domínio internacional. Aos
nossos alunos convêm livros com exemplos brasileiros, pois é a Geologia
deste País que lhes dará o pão de cada dia.

Primeiro Encontro de Geólogos 27


Instituto de Geociências. Contribuições

Merecem atenção muito especial os cursos de pós-graduação, impostos, eu


diria, menos por força da lei do que pela carência de geólogos especializados.
O curso de pós-graduação será, também, o grande celeiro dos futuros do-
centes dos cursos de Geologia.

O País, formado, na sua maior extensão, pelo chamado Complexo Brasilei-


ro, clama, pela sua própria natureza, por geólogos especializados em Geo-
logia Estrutural, Petrologia de Ígneas e Metamórficas e em Geofísica. Nes-
se vasto Complexo encontram-se os minérios que exportamos e para eles
se voltam as esperanças de revelação de muitos dos minerais que o Brasil
importa a duras penas. Mas, com exceção de reduzidas áreas, o Complexo
Brasileiro é apenas demarcado.

Quanto às bacias sedimentares, em muitas das quais já se conhecem depó-


sitos de grande importância econômica (petróleo, carvão, fosfato, sal gema),
embora sejam as mais bem conhecidas que o Complexo Brasileiro, longe
estamos de poder considerá-las como satisfatoriamente investigadas e o
seu aproveitamento demanda especializações como as de Geologia do Pe-
tróleo, Sedimentologia, Micropaleontologia.

Eu vou ler os itens propostos pelo Coordenador e, em seguida, os que


constaram das respostas, ao questionário enviado pelo Primeiro Encontro
de Geólogos, e, após, os itens propostos pelo Prof. Erichsen de Oliveira,
Diretor do Curso de Geologia do Rio de Janeiro. Os itens propostos pelo
Coordenador são os seguintes:

1° - reexame do currículo do curso de graduação em Geologia;


2° - majoração salarial dos docentes;
3° - condições mínimas exigíveis para a criação de novos cursos de Geolo-
gia;
4° - recrutamento de professores estrangeiros para o pós-graduação;
5° - auxílio do Governo Federal para aquisição de equipamento e livros e
para a manutenção de cursos de pós-graduação;
6° - distribuição das especializações do curso de pós-graduação pelas di-
versas Escolas de Geologia, tendo-se em vista a sua onerosidade;
7° - bolsas atraentes para os pós-graduados;
8° - campanha para o mais amplo aproveitamento dos geólogos”.

Participaram dos debates: Gilberto Osório de Andrade, Adalberto Ferreira Canha,


Roberto Silva Issler, Karl Beurlen, Wilhelm Kegel, Othton Henry Leonardos, Luciano Men-
des de Aguiar, Rilson Rodrigues da Silva, Acyr Ávila da Luz, Heinz Ebert, Rui Ribeiro Franco,
Louis de Loczy, Arsênio Muratori, Paulo Erichsen de Oliveira, Fausto Luís de Souza Cunha,
Viktor Leinz, Riad Salamuni, Gabriel Mauro de Araújo Oliveira, Luciano Jacques de Morais e
Annibal Alves Bastos.

28 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50 50 anos de Geologia

ENTIDADES PAR
NTIDADES TICIP
ARTICIPANTES NO EVENTO
TICIPANTES

Agency for International Development/AID – Washington, DC, EUA.


Asociacion Geológica Argentina – Buenos Aires, Argentina.
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico/BNDE – Rio de Janeiro, RJ.
Centre d’Etudes et Recherches des Charbonnages/CERCHAR – Creil, Oise, França.
Centro de Pesquisas Geocronológicas Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/USP – São
Paulo, SP.
Comissão Nacional de Energia Nuclear/CNEN – Rio de Janeiro, RJ.
Conselho de Desenvolvimento do Estado/CDE – Porto Alegre, RS.
Conselho Nacional de Pesquisas/CNPq – Rio de Janeiro, RJ.
Conselho de Pesquisas/Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS
Conselho Superior de Amparo à Pesquisa/Estado do Rio Grande do Sul.
Curso de Geologia/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/USP – São Paulo, SP.
Departamento Autônomo do Carvão Mineral/Secretaria de Estado dos Negócios de Energia
– Porto Alegre, RS.
Departamento Nacional de Estradas e Rodagem/DNER – Ministério da Viação e Obras
Públicas – Rio de Janeiro, RJ.
Departamento Nacional do Fomento da Produção/DFPM – Ministério das Minas e Energia
– Rio de Janeiro, RJ.
Departamento Nacional da Produção Mineral/DNPM – Ministério das Minas e Energia –
Rio de Janeiro, RJ.
Department of Geology/University of California – Los Angeles, EUA.
Escola de Agronomia Eliseu Maciel/Universidade Rural – Pelotas, RS.
Escola de Engenharia de São Carlos/USP – São Carlos, SP.
Escola de Engenharia/UFRGS – Porto Alegre, RS.
Escola de Geologia/Universidade Federal da Bahia – Salvador, BA.
Escola de Geologia/Universidade Federal de Pernambuco – Recife, PE.
Escola de Geologia/UFRGS – Porto Alegre, RS.
Escola de Geologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ.
Escola Politécnica/Universidade de São Paulo – São Paulo, SP.
Faculdade de Filosofia/Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.

Primeiro Encontro de Geólogos 29


Instituto de Geociências. Contribuições

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/USP – São Paulo, SP.


Faculdade de Filosofia de Rio Claro/USP – Rio Claro, SP.
Facultad Ciências Exactas Fisicas y Naturales/Universidad de Buenos Aires – Buenos Aires,
Argentina.
Facultad de Humanidades y Ciências/Universidad de Montevideo Faculdad de Química/
Universidad de Motevideo – Montevidéu, Uruguai.
Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas/Secretaria de Agricultura Indústria Comércio
do Paraná – Curitiba, PR.
Instituto de Ciências Naturais/UFRGS – Porto Alegre, RS.
Instituto de Ciências da Terra/UFP – Recife, PE.
Instituto Gaúcho de Reforma Agrária/IGRA – Porto Alegre, RS.
Instituto de Geologia/Universidade Federal do Paraná – Curitiba, PR.
Instituto de Geologia/Universidade Federal de Pernambuco – Recife, PE.
Instituto de Solos e Culturas/UFSM – Santa Maria, RS.
Instituto Tecnológico do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica – Rio de Janeiro, RJ.
Museu Nacional – Rio de Janeiro, RJ.
National Administration of Space & Aeronautic/NASA – Washington DC, EUA.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Secretaria da Cultura do Estado de Santa Catarina – Florianópolis, SC.
Secretaria da Economia do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Secretaria de Energia e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Servicio Geológico del Uruguay – Montevidéu, Uruguai.
Servicio de Hidrografia Naval – Secretaria de Marina – Buenos Aires, Argentina.
Sociedade Brasileira de Geologia – São Paulo, SP.
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste/SUDENE – Recife, PE.
U.S.Geological Survey – Washington DC, EUA.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFIC
BIBLIOGRÁFICAA

PRIMEIRO ENCONTRO DE GEÓLOGOS 1996. Anais. Porto Alegre, Escola de Geologia/UFRGS,


1996.

30 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Antônio Moreira Couceiro, Presidente do CNPq, na abertura do Primeiro Encontro de Geólogos. Na
esquerda, Irmão José Otão, Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / PUC-RS.

Figura 2
2. Fernando Flávio Marques de Almeita [USP] e Eller Reinhard.

Primeiro Encontro de Geólogos 31


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3
3. Antônio Moreira Couceiro [Presidente do CNPq], Irajá Damiani Pinto [Secretário Geral], Bernardo
Geisel [Presidente da Comissão] e Viktor Leinz [FFCL/USP].

Figura 4
4. Lourenço Bergstrom [CNPq], Irajá Damiani Pinto [UFRGS] e Wilhelm Kegel [Escola de Geologia/UFRJ].

32 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50
50 anos de Geologia

Figura 5
5. Elias Dolianiti [DNPM].

Figura 6
6. Platéia do Primeiro Encontro de Geólogos.

Primeiro Encontro de Geólogos 33


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 7.
7 Elias Dolianiti [DNPM], Llewelyn Ivor Price [DNPM] e Fernando Flávio Marques de Almeida [USP].

Figura 8.
8 Elias Dollianiti [DNPM], Eros Farias Gavronski [Escola de Geologia/UFRGS], Maurício Ribeiro
[Escola de Geologia/UFRGS] e Rui Ítalo Tessari [Escola de Geologia/UFRGS].

34 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50 50 anos de Geologia

Figura 9
9. Maurício Ribeiro [Escola de Geologia/UFRGS], Adolpho Kurth Hanke [Escola de Geologia/UFRGS],
Robert Reeves [NASA/USA] e Flávio Koff Coulon [Escola de Geologia/UFRGS].

Figura 10
10. Llewelyn Price [DNPM] e Othon Henry Leonardos [Escola de Geologia/UFRJ].

Primeiro Encontro de Geólogos 35


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 11
11. Josué Camargo Mendes [USP], Lourenço Bergstrom [UFRJ]
e Irajá Damiani Pinto [Escola de Geologia/UFRGS].

Figura 12.
12 Boris Alpern [Centre d’Etudes et Recherches des Charbonnages de France/
CERCHAR/França] e Benour Carneiro Bittencourt [Escola de Geologia/UFRGS].

36 Clóvis Carlos Carraro, Yvone Terezinha Sanguinetti, Nilo Clemente Eick, Heinz Peter Linsdstaedt
50 50 anos de Geologia

Figura 13.
13 Adolpho Kurth Hanke [Escola de Geologia/UFRGS], William Jonston Jr. [EUA]
e Paulo Miranda de Figueiredo Filho [Escola de Geologia/UFRGS].

Figura 14
14. Adolpho Kurth Hanke [Escola de Geologia/UFRGS] e Reinhard Maak [Instituto de Biologia
e Pesquisas Tecnológicas/UFPR].

Primeiro Encontro de Geólogos 37


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 15
15. Luciano Jacques de Morais [CNPq], Othon Henry Leonardos [Coordenador da Escola de Geologia/
UFRJ] e Fernando Flávio Marques de Almeida [USP].

Figura 16
16. Platéia do Primeiro Encontro de Geólogos.

38 Ricardo Baitelli et alli


50
50 anos de Geologia

Figura 17
17. Platéia do Primeiro Encontro de Geólogos.

Figura 18
18. Platéia do Primeiro Encontro de Geólogos.

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 39


Contribuições

I
Instituto
de Geociências
Centro de Estudos em Petrologia e Geoquímica, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

L Lamprófiros Espessartíticos
da Associação Shoshonítica
de Lavras do Sul-RS:
Litoquímica e Química Mineral
Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi,
Carlos Augusto Sommer

1. IINTRODUÇÃO
NTRODUÇÃO

Em 1874, Gümbel, segundo Rock (1991), definiu os lamprófiros como um gru-


po de rochas exóticas, caracterizadas pela presença de fenocristais de biotita e hornblenda e
associadas a pequenas intrusões. Esta classificação foi ampliada por Rosenbusch (1877) para
rochas hipabissais, com fenocristais de minerais ferromagnesianos (e.g. minete, kersantito,
camptonito e vogesito). Gradativamente, eles foram enquadrados neste grupo rochas
enriquecidas em fenocristais máficos que apresentavam dificuldades de classificação em ou-
tras categorias existentes. A descoberta de diamante e de ouro-sulfetos associados à lamprófiros,
determinou, na década de setenta, o incremento no volume de dados e de novas interpreta-
ções sobre a origem e evolução destas rochas. A discussão petrogenética atual envolve essen-
cialmente do enriquecimento em elementos incompatíveis e em voláteis.
Atualmente, a IUGS propõe a subdivisão das rochas lamprofíricas em: lamprófiros
cálcio-alcalinos (shoshoníticos) - CAL, lamprófiros alcalinos - AL, lamprófiros ultramáficos -
UML, kimberlitos - KIL e lamproítos - LL. (Le Maitre, 2002).
No sul do Brasil, foram descritas ocorrências de lamprófiros e lamproítos (e.g.
Boff & Ferron, 1996; Issler & Roisenberg, 1972; Caldasso & Sander, 1994), sendo os dados
apresentados essencialmente descritivos. Plá Cid et al. (2003) descreveram e discutiram a ori-
gem de enclaves lamprofíricos, minetes, no Maciço Sienítico Piquiri. Lima & Nardi (1991,
1998a) discutiram ocorrências de lamprófiros espessartíticos (potássicos), na região de Lavras
do Sul, e as vinculam com as mineralizações de ouro e sulfetos de Cu-Pb-Zn. Nardi & Lima
(1985) apontaram como traço geológico destacável, nesta região, uma associação de rochas
Instituto de Geociências. Contribuições

vulcânicas, hipabissais (monzonitos, Rock, 1986). Os fenocristais de anfibólio,


lamprófiros espessartitos e riolitos) e que ocorrem em alguns casos como agre-
plutônicas de afinidade shoshonítica (Asso- gados, possuem um pleocroismo destacável
ciação Shoshonítica de Lavras do Sul- ASLS, com g = castanho esverdeado, b = casta-
Lima & Nardi 1998b), posicionada durante nho e a = amarelo claro, típico do grupo da
os estágios pós-colisionais do final do hornblenda.
Neoproterozóico (Figura 1). Dados O clinopiroxênio ocorre como grãos
isotópicos de U-Pb em zircões do núcleo subédricos a euédricos, com dimensões des-
shoshonítico do Complexo Granítico de de 0,8 mm até 1,4 mm, tendo, no entanto, 1
Lavras do Sul indicam idades de 592 ± 5 mm como o diâmetro mais representativo.
Ma (Remus et al., 1997). As baixas razões Ao microscópio, são incolores e desprovi-
iniciais de isótopos de Sr87/ Sr86, em torno dos de zonações, constatando-se no segun-
de 0,704, e a geoquímica de elementos tra- do grupo a transformação para anfibólio.
ços, aliados à presença de basaltos Este ocorre na forma de anéis envolvendo
shoshoníticos, indicam a dominância de fon- o clinopiroxênio, ao longo de clivagens e
tes mantélicas na geração deste magmatismo fraturas.
(Nardi & Lima, 2000). A matriz é constituída, predominan-
No presente capítulo, discutem-se os temente, de micrólitos e microfenocristais
principais aspectos petrográficos, de plagioclásio e anfibólio, além de apatita e
litoquímicos e de química mineral dos opacos envolvidos, em parte, por material
lamprófiros espessartíticos de Lavras do Sul, clorítico intersticial. A alteração, quando
de forma a caracterizar e discutir a origem presente, é representada por pequenos grãos
deste importante e raro segmento de asso- de relevo e birrefringência moderados, iden-
ciações vulcânicas shoshoníticas. tificados oticamente como epidoto, além de
carbonato e de um material castanho
avermelhado, relacionado, possivelmente, à
2. PETROGRAFIA DOS LLAMPRÓFIROS
AMPRÓFIROS fenômenos de oxidação.
ESPESSARTÍTICOS DE LLA
ESPESSARTÍTICOS AVRAS DO SUL
2.1 Litoquímica dos Lamprófiros
Espessartíticos
Os espessartitos, na região de Lavras
do Sul, ocorrem como diques e, mais rara- As considerações geoquímicas foram
mente, como lavas, sendo estes litotipos tam- feitas com base em vinte e três amostras de
bém identificados na região de Caçapava do espessartitos da região de Lavras do Sul (Ta-
Sul e São Gabriel. bela 1).
Tipicamente possuem textura A representação dos espessartitos da
panidiomórfica, definida pela euedria dos ASLS, no diagrama TAS, mostra que suas
fenocristais de anfibólio e piroxênio, envol- composições equivalem dominantemente às
vidos por uma matriz constituída por observadas nas rochas traquiandesíticas
micrólitos e micro-fenocristais de (shoshonitos) da região de Lavras do Sul. A
plagioclásio e, raramente, por feldspato relação (Na2O-2) < K2O é observada em
potássico (Figura 2a-d). A textura dominante todas as amostras, definindo a afinidade
e a mineralogia permitem classificar os potássica destes litotipos. A distribuição dos
lamprófiros como espessartíticos e de afi- dados de álcalis versus sílica, ilustrada no
nidade shoshonítica (Streckeisen, 1979; diagrama TAS, superpõe-se às amostras

44 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Mapa Geológico da região de Lavras do Sul, RS.

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 45


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 22. Características microscópicas dos lamprófiros espessartíticos: a) textura glomeroporfirítica constituída por anfibólio
(LN); b) agrupamentos de anfibólio, sugerindo acumulações localizadas (LP); fenocristal de anfibólio com zonação composicional
(LP); d) detalhe de anel de anfibólio envolvendo clinopiroxênio, definindo uma textura coronítica (LN).

definidas por Rock (1991) como lamprófiros 0,04% a 0,11% e mostram, em relação ao
cálcico-alcalinos ou shoshoníticos. SiO2, um comportamento semelhante ao do
A Figura 3 expressa a relação entre os FeO*. O CaO varia entre 5,20% e 0,90%, e
elementos maiores e menores com o índice decresce de forma, aproximadamente, regu-
de diferenciação. Nesta constata-se o cres- lar com o aumento de SiO2. Este fato, alia-
cimento dos conteúdos de Al2O3 com o au- do ao comportamento do MgO e FeO com
mento do índice de diferenciação, sugerin- o aumento da diferenciação, se
do o fracionamento predominante de fases desconsiderados os efeitos do
pouco aluminosas com pequena participa- hidrotermalismo, indica o fracionamento de
ção de feldspatos. A relação FeO* versus SiO2 fases cálcio-ferromagnesianas na evolução
mostra forte dispersão dos dados, muito dos lamprófiros. A relação entre Na2O e
embora o conteúdo absoluto de ferro SiO2 é de caráter simpatético e os teores de
decresça com o aumento da diferenciação. Na2O crescem de 4,09% até 6,10%, com a
Os teores de MgO variam de 6,50% a 0,40%, diferenciação dos espessartitos. Os teores
e decrescem, regularmente, com o aumento de K2O variam de 2,15% até 4,70% e se dis-
de SiO2. A relação antipatética entre MgO e tribuem em relação a SiO2 de maneira se-
SiO2 pode ser atribuída à separação de fases melhante àquela do Na2O. A razão K2O/
ricas em magnésio, como clinopiroxênio e Na2O varia de 0,51 até 1,02 e cresce com
anfibólio. Os teores de MnO variam de a diferenciação, o que é coerente com a

46 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

P.F* perda ao fogo


- não determinado

Tabela 1.
1 Teores para os elementos maiores e menores (% em peso), traços e ETR (ppm) para os lamprófiros espessartíticos da
ASLS. Na parte inferior são apresentados os minerais normativos (CIPW) destas litologias.

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 47


Instituto de Geociências. Contribuições

P.F.* perda ao fogo


- não determinado

Tabela 1
1. Continuação

48 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

hipótese de fracionamento de anfibólio du- paralelismo, destacando-se o valor ligeira-


rante a diferenciação dos magmas mente inferior de ETR nos lamprófiros.
lamprofíricos, na medida em que esta razão Observa-se nos lamprófiros espessartíticos
é próxima a 0,5 nesta fase mineral. Os teo- de Lavras do Sul um maior enriquecimento
res de P2O5 variam de 0,20% a 0,66% e são de ETRL em relação à ETRP, demonstra-
inferiores aos valores referidos por Rock do pela razão LaN/YbN que varia de 20,60
(1984) como os mais freqüentes em rochas até 36,66 para um intervalo de SiO2 de
espessartíticas (0,75% - 1,00%). 54,35% até 61,00%. O LaN atinge valores
O Sr mostra variação de 407 ppm até de 78 até 153.
1070 ppm. O valor mais baixo desse elemen-
to foi detectado na rocha menos diferencia- 2.2 Química Mineral dos Lamprófiros
da (LP11) que se distancia, substancialmente, Espessartíticos
da tendência observada para as demais
Nestas litologias, os feldspatos se res-
amostras.
tringem à matriz e, devido ao seu reduzido
Os conteúdos de Rb variam de 36
tamanho, foi necessária uma seleção das
ppm até 99 ppm, tendo este elemento, jun-
análises para evitar resultados originados da
tamente com Sr e Ba, um caráter incompa-
superposição do material da matriz e/ou dos
tível em relação ao índice de diferenciação,
finos intercrescimentos de sanidina e de
o que é coerente com o fracionamento de
plagioclásio.
anfibólios e piroxênios. Os teores de Zr va-
Os teores de An apontam para o do-
riam de 182 ppm até 250 ppm e constata-se
mínio de albita (An0-10), seguida de duas
um aumento destes com o avanço da dife-
modas de menor expressão, compatíveis
renciação.
com oligoclásio (An20-25) e andesina (An40-45).
Os conteúdos de Nb e Y, obtidos em
Esta diversidade composicional dos
grupo mais reduzido de amostras, mostram
plagioclásios, conforme observado por Rock
uma variação de 14 ppm a 17 ppm, para o
(1984, 1991), é comum em lamprófiros deste
primeiro elemento, e de 19 ppm a 32 ppm,
tipo e refletem etapas de transformação do
para o último. Os valores obtidos enqua-
plagioclásio original. A mesma hipótese foi
dram-se nos teores médios de Nb e Y apon-
também admitida por Perring et al. (1989)
tados por Rock (1991) para lamprófiros
para explicar a presença de albita na matriz
cálcico-alcalinos ou shoshoníticos e suas
de lamprófiros cálcico-alcalinos arqueanos.
baixas concentrações são indicativas de fon-
Deve-se ressaltar, nestes casos, a difi-
tes afetadas por subducção litosférica.
culdade em classificar estas rochas, de acor-
Os teores de ETR decrescem com o
do com os critérios de Streckeisen (1979),
aumento de SiO 2 , indicando que o
como espessartitos ou vogesitos. Esta ques-
fracionamento foi, predominantemente, de
tão é minimizada para os lamprófiros de
anfibólio, provavelmente acompanhado por
Lavras do Sul por possuírem, na maior par-
apatita. A normalização dos valores de
te dos casos, albita com An > 5. Estas com-
ETR, pelo padrão condrítico de Haskin et
posições, no entanto, são consideradas como
al. (1968), é ilustrada na Figura 4, onde se
decorrentes da ação de voláteis, principal-
observa o pronunciado conteúdo de Lan em
mente CO2, que foram responsáveis pela
relação Ybn. A comparação entre os padrões
retirada do cálcio dos plagioclásios, re-pre-
normalizados das rochas espessartíticas e
cipitando este elemento na condição de uma
andesíticas da ASLS revela um considerável

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 49


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3
3. Diagrama de Harker ilustrando o padrão de distribuição geoquímico dos elementos maiores dos lamprófiros espessartíticos
de Lavras do Sul.

fina película de carbonato sobre ou entre os campo da hornblenda tschermaquítica,


grãos. tschermaquita e hornblenda magnésio-
Nos lamprófiros espessartíticos, do- hastingsítica (Tabela 2). Estas composições
mina a composição de magnésio-hastingsita, se assemelham àquelas apresentadas por
seguida de hastingsita magnesiana (Leake et Rock (1984) como sendo típicas de
al., 1997). Raras composições atingem o lamprófiros dessa natureza. Lima & Nardi

50 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

Figura 4.
4 Padrão de distribuição de ETR dos lamprófiros espessartíticos de Lavras do Sul, normalizados pelo padrão condrítico de
Haskin et al. (1968).

(1991) demonstraram que a razão Mg/ na borda de anfibólios e associa-se à calcita


(Fe+Mg) concentra-se no intervalo de 0,33 e clorita, paragênese que sugere um produ-
e 0,55 que corresponde aos valores encon- to parcial da decomposição de hornblenda
trados por Ewart (1982) para anfibólios de por soluções oxidantes ricas em H2O e CO2.
rochas andesíticas.
Outro fato destacável é a substituição
CaAlIV-NaSi nos anfibólios dos espessartitos, 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
característica de anfibólios cálcicos gerados
a partir de líquidos saturados em SiO2 (Gired
et al. 1980). A correlação entre Fe+3(c) e Na(B) A discussão sobre a origem dos
sugere uma substituição do tipo riebequítica magmas lamprofíricos envolve, essencial-
que, segundo Mitropoulos e Turney (1992), mente, duas características principais: o en-
reflete a natureza da fase fluida que, no caso riquecimento em elementos incompatíveis
dos lamprófiros da ASLS, parece estar re- e em voláteis. Allan & Carmichael (1984)
lacionada ao aumento da FO2 ao longo da sugerem que os líquidos lamprofíricos po-
diferenciação. dem ser representantes ou derivados de pe-
O clinopiroxênio é uma augita com quenas quantidades de fusão do manto su-
elevado conteúdo da molécula de perior ou de maiores proporções de fusão
wolastonita (Wo) que, na maior parte dos de uma fonte mantélica metassomatizada.
casos, supera 40% (Tabela 3). Este dado Foley (1992) sugeriu que peridotitos com
coincide com os obtidos em clinopiroxênios venulações de flogopita seriam as fontes dos
de outras associações shoshoníticas (Meen, magmas alcalinos potássicos.
1987; Villari & Nathan, 1978; Gest & A elevada atividade de voláteis na gê-
McBirney, 1979, entre outros). Estes con- nese de lamprófiros é responsável pela su-
teúdos elevados de Wo no clinopiroxênio pressão da cristalização de feldspatos, pela
são apontados como comuns em rochas ri- instabilização do clinopiroxênio com o avan-
cas em potássio, conforme observado por ço da diferenciação e, também, pela cristali-
Le Bas (1962) e ressaltado por Gill (1981). zação precoce de anfibólio nos espessartitos.
A magnetita tem conteúdos de TiO2 Tendo-se em conta a superposição
< 2%, ocorre na forma de um estreito anel composicional dos lamprófiros

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 51


Instituto de Geociências. Contribuições

- não detectado
* norma CIPW= 9,19% nefelina normativa

Tabela 2
2. Composição química e fórmula estrutural (23 oxigênios) dos anfibólios das rochas da ASLS. Abaixo segue a classificação
dos anfibólios, segundo Leake et al. (1997).

espessartíticos de Lavras do Sul com os iii) os teores de Al2O3 e CaO são mais
vulcanitos shoshoníticos ricos em baixos nas rochas espessartíticas que nas
fenocristais de plagioclásio da mesma região, vulcânicas shoshoníticas típicas;
definidos no diagrama TAS, pode-se esta- iv) os conteúdos de FeO* são seme-
belecer as seguintes comparações entre es- lhantes para ambos os grupos;
tes dois grupos de rochas: v) os teores de MgO, Na2O e K2O são
i) ambos possuem teores de SiO2 ca- ligeiramente superiores nos espessartitos;
racterísticos de rochas intermediárias; vi) os teores de Rb, Ba e Y são simila-
ii) os dois grupos têm baixos conteú- res para os shoshonitos e lamprófiros
dos de TiO2 e P2O5;

52 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

- não detectado
* análise utilizada no modelamento magmático

Tabela 3
3. Composição química e fórmula estrutural (6 oxigênios) dos clinopiroxênios dos lamprófiros espessartíticos da ASLS.
Legenda: F = fenocristal; MF = microfenocristal; b = borda de fenocristal; c = centro de fenocristal.

espessartíticos, enquanto os teores de Sr são O conjunto de aspectos geoquímicos


mais baixos nestes últimos ; acima descritos pode ser abordado a partir
vii) os conteúdos de Zr e Nb são me- de uma hipótese que considere para
nores nos espessartitos, lamprófiros espessartíticos da ASLS uma
viii) os teores de Ni e Cr são, em ge- origem semelhante a das rochas interme-
ral, superiores nos espessartitos em relação diárias (shoshonitos) desta associação. In-
às rochas shoshoníticas; dependente dos modelos genéticos para as
ix) os padrões de ETR, normalizados rochas lamprofíricas da região de Lavras do
por valores condríticos, mostram um me- Sul, deve-se ter em conta que o trend
nor conteúdo de ETRL nas rochas evolutivo deste grupo, no diagrama TAS,
espessartíticas e uma superposição dos va- mantém o padrão geoquímico de rochas
lores de ETRP com os das rochas shoshoníticas.
shoshoníticas.

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 53


Instituto de Geociências. Contribuições

Diversos autores (Cogné, 1962; Rock, de ouro e sulfetos, conforme discutidas por
1984, 1991) argumentam a favor da conta- diferentes autores. Muller & Groves (1997)
minação crustal para a geração dos consideram que a intrusão de magmas
lamprófiros cálcico-alcalinos ou lamprofíricos na crosta pode promover a
shoshoníticos, a partir de dados isotópicos circulação hidrotermal e gerar rochas ígneas
(eNd variável, baixa razão Pb206/Pb204) alia- félsicas que estão, normalmente, associadas
dos à presença comum de xenólitos de ro- com os depósitos de ouro. Rock (1991) ad-
chas graníticas. Uma investigação sobre a mite que cristalização de lamprófiros pode
origem de lamprófiros shoshoníticos gerar, ao final, fluídos ricos em S e CO2,
arqueanos de Abitibi, realizada por Wyman semelhantes a aqueles responsáveis pela gê-
& Kerrich (1988, 1993), demonstra que o nese dos depósitos de ouro mesotermais.
enriquecimento de Ba, Rb e K, nestas ro- A importância econômica destes ter-
chas, está relacionado ao metassomatismo renos é bem ilustrada no trabalho de
mantélico, enquanto que o conteúdo baixo Heithersay & Walshe (1995) e Nardi & Lima
de Sr, que determina as elevadas razões K/ (1988), onde estes autores discutem a estreita
Sr e Ba/Sr, é decorrente da contaminação vinculação dos sistemas tipo pórfiro ou Au
crustal. Foley (1992) argumenta que a ori- epiter mal com complexos vulcânicos
gem dos lamprófiros ultrapotássicos shoshoníticos e rochas espessartíticas. Esta
(minetes) pode ser explicada pela fusão de relação deve-se a um grupo de fatores como
porções do manto enriquecidas em mine- (i) a elevada temperatura destes magmas, (ii)
rais hidratados. Esta hipótese foi adotada por a fonte dominantemente mantélica e (iii) a
Nardi et al. (2007) para explicar a origem dos expressiva participação de voláteis, registra-
minetes associados ao Maciço Sienítico da especialmente nos lamprófiros e nos ter-
Piquiri, aflorante na porção nordeste do mos mais diferenciados.
Escudo Sul-rio-grandense. De acordo com
estes autores, fusões de porções do manto Agradecimentos
constituídas por clinopiroxênio-flogopita-
Ao CNPq (304541/2003-6; 306616/
apatita-anfibólio-sulfetos±granada, sob
2006-8; 471584/2001-0, 500917/2004-3) e
pressões da ordem de 5 GPa e temperatu-
a FAPERGS (03/0686.2; 05/2176.0) pelo
ras acima de 10000C, geram magmas do tipo
apoio financeiro e CPGq-IG-UFRGS. Ao
minete. O caráter ultrapotássico vincula-se
Projeto Minerais Estratégicos PRONERX/
a abundância de flogopita na fonte, enquan-
FAPERGS/CNPq.
to o caráter potássico, ou mesmo sódico,
decorre do predomínio de anfibólio no man-
to. De acordo com esta hipótese, os
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
espessartitos da Associação Shoshonítica de
Lavras do Sul podem ter como origem a
fusão de fontes similares às dos magmas
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56 Evandro Fernandes de Lima, Lauro Valentim Stoll Nardi, Carlos Augusto Sommer
50 50 anos de Geologia

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Shoshonitic Lamprophyres of the Abitibi
Subprovince, Canada: Petrogenesis, Age and
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34(6):1067-1109.

Lamprófiros Espessartíticos da Associação Shoshonítica de Lavras do Sul-RS... 57


1
Centro de Estudos em Petrologia e Geoquímica, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo

A A Geração dos Granitóides


Neoproterozóicos do Batólito Pelotas:
Evidências dos Isótopos de Sr e Nd
e Implicações para o Crescimento Continental
da Porção Sul do Brasil
Ruy Paulo Philipp1,
Romulo Machado , Farid Chemale Junior1
2

1. INTRODUÇÃO

A origem e o desenvolvimento da crosta continental tem sido um importante


objeto de pesquisa nas Geociências. A crosta continental é distinta da crosta oceânica pelo
seu caráter mais evoluído e diferenciado. Sua composição é dominada por granitóides e ro-
chas vulcano-sedimentares, ocorrendo ainda gnaisses quartzo-feldspáticos, rochas metamórficas
de baixo grau e presença subordinada de rochas máficas e ultramáficas. A evolução da crosta
continental está diretamente relacionada com a formação dos cinturões orogênicos que re-
presentam um dos principais processos de crescimento crustal, seja pela acresção de sistemas
de arcos de ilha e/ou de margem continental ativa, seja pela ascenção de magmas derivados
do manto em zonas de cisalhamento transcorrentes ou em outros processos, como os descri-
tos por Kay & Mahlburg-Kay (1991) e Davies & Von Blanckenburg (1995).
Pelo volume que ocupam na crosta continental, a origem das rochas graníticas
sempre foi tema destacado de debates científicos. A fonte do magmatismo granítico tem sido
constantemente discutida, com os pesquisadores admitindo uma origem totalmente crustal
somente para os granitos cálcico-alcalinos peraluminosos (Patiño-Douce, 1991, 1999; Barbarin,
1996). Os granitóides de arcos magmáticos têm sua origem relacionada à evolução de magmas
mantélicos derivados da fusão parcial da cunha litosférica situada acima do plano de subducção
(Miyashiro, 1974; Pitcher, 1983, 1993; Pearce et al. 1984; Wilson, 1989; Barbarin, 1997; Bonin,
1987; Atherton, 1993). Mais recentemente, a integração das pesquisas em granitos gerados
em ambientes pós-colisionais tem apontado para uma origem mista, envolvendo a interação
Instituto de Geociências. Contribuições

entre magmas máficos de origem mantélica dos com associações de rochas que marcam
e materiais crustais (England & Thompson, a evolução de uma zona de convergência de
1986; Sylvester, 1989; Patiño-Douce, 1995; placas durante o Neoproterozóico. O limite
Liégeois, 1998; Liégeois et al., 1998, entre entre estas unidades é definido por zonas
outros). Esta interação ocorre em um am- de cisalhamento dúcteis em escala continen-
biente associado com o desenvolvimento de tal, as quais foram responsáveis pela
grandes descontinuidades crustais, como as segmentação das unidades pré-cambrianas
zonas de cisalhamento profundas que atin- e por sua configuração como faixas
gem o manto sublitosférico. Estas estrutu- alongadas, segundo a direção NE-SW, que
ras permitem a ascensão de magmatismo de passaram a constituir os Cinturões Vila
caráter variado, dominado pela série cálcico- Nova, Tijucas e Dom Feliciano (Figura 1).
alcalina alto-K, com ocorrência subordina- As associações pré-colisionais ocor-
da de magmas shoshoníticos, alcalinos, rem no Cinturão Vila Nova e estão caracte-
peralcalinos e toleíticos. rizadas por associações metavulcano-
Volumes abundantes de magmatismo sedimentares e metaplutônicas de compo-
cálcico-alcalino alto-K têm sido descritos, sição cálcico-alcalina baixo a médio K, in-
principalmente, em ambientes orogênicos, tercaladas tectonicamente com complexos
com evolução e posicionamento relaciona- máfico-ultramáficos que representam asso-
dos ao período pós-colisional (Leat et al., ciações ofiolíticas. Estas unidades evoluíram
1986; Whalen & Currie, 1987; Liégeois, entre 870-680 Ma e possuem características
1998; Bonin et al., 1998; Hadj-Kaddour et isotópicas de magmas juvenis de origem
al., 1998; Waigth et al., 1998). Este mantélica (Babinski et al., 1997; Leite et al.,
magmatismo é predominante na maioria dos 1998; Chemale Jr., 2000; Hartmann et al.,
cinturões orogênicos e apresenta uma evo- 2000; Philipp et al., 2007; Hartmann et al.,
lução final com características shoshoníticas 2007).
e alcalinas-peralcalinas. A natureza e as cau- As associações sin- e pós-colisionais
sas desta transição foram estudadas no estão restritas ao Cinturão Dom Feliciano,
Batólito Pelotas com base em 120 análises cuja porção central é constituída pelo
químicas para elementos maiores, menores Batólito Pelotas. O Cinturão Dom Feliciano
e traços, e em estudos isotópicos a partir de faz contato tectônico ao oeste com o
48 determinações dos sistemas Rb-Sr e Sm- Cinturão Tijucas e, a leste, está coberto pe-
Nd e de datação geocronológica pelos mé- los sedimentos da Planície Costeira (Figura
todos Ar-Ar, Pb-Pb e U-Pb (Philipp, 1998; 1). O Batólito Pelotas é formado por um
Philipp et al., 2000, 2002, 2003, 2005). Este complexo granítico-gnáissico e sete suítes,
conjunto de dados cobre uma ampla varie- seis graníticas e uma sienítica. Possui cerca
dade de magmas, desde suítes relacionadas de 370 km de extensão e 80 a 120 km de
a um evento de colisão até o magmatismo largura. Mais de 130 corpos estão expostos
do tipo intra-placa, passando por grandes nesta unidade que ocupa uma área aproxi-
volumes de magmas cálcico-alcalinos alto- mada de 37.000 km2.
K. Os granitos sin-colisionais ocorrem
O Escudo Sul-rio-grandense é cons- na porção noroeste do batólito e estão re-
tituído por terrenos metamórficos de mé- presentados por granítóides de afinidade
dio a alto grau que constituem as áreas de cálcico-alcalina alto-K, fracamente
embasamento Paleoproterozóico, intercala- peraluminosos a peraluminosos, com

60 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

principal período de geração entre 650 e 620 te restrito, variando essencialmente entre 625
Ma (Frantz et al., 2003). O batólito está cons- e 590 Ma. Um último período de atividade
tituído dominantemente por suítes graníticas magmática, entre 570 e 550 Ma, é registra-
de natureza pós-colisional, com ocorrência do através dos enxames de diques.
subordinada de uma associação vulcano- Apesar da presença comum de rochas
sedimentar, preservada essencialmente atra- dioríticas e da ocorrência de mistura homo-
vés de enxames de diques ácidos e básicos. gênea e heterogênea de magmas, os isótopos
Estas unidades graníticas foram desenvol- de Sr e Nd caracterizam-se por elevadas ra-
vidas num intervalo de tempo relativamen- zões iniciais de Sr87/Sr86 e valores de epsilon
Nd negativos (Philipp et al., 2003).

Figura 11. Localização do Cinturão Dom Feliciano e do Batólito Pelotas no contexto geotectônico do sul do Brasil e Uruguai: a)
Terreno Luis Alves; b) Terreno Florida, 1- Terreno Taquarembó, 2- Terreno Rivera, 3- Terreno Valentines (Modificado de Chemale
Jr., 2000).

2. C ARACTERÍSTIC
CARACTERÍSTIC AS LITOLÓGIC
ARACTERÍSTICAS AS E
LITOLÓGICAS evento de colisão entre os crátons Rio de
PERÍODOS DE POSICIONAMENTO D AS
DAS La Plata e Kalahari. Philipp et al. (2000, 2002,
SUÍTES GRANÍTIC AS
GRANÍTICAS 2005) ressaltam, através de dados estrutu-
rais, geoquímicos e geocronológicos, que o
magmatismo do Batólito é essencialmente
Grandes volumes de rochas graníticas de natureza pós-colisional. A continuidade
de idades neoproterozóica a cambriana fo- do Cinturão Dom Feliciano e deste
ram gerados na porção leste do escudo du- magmatismo para Santa Catarina já havia
rante a for mação do Cinturão Dom sido descrita por Bitencourt & Nardi (1993),
Feliciano. Fragoso-Cesar (1991), Fernandes bem como a correlação com o Rio Grande
et al. (1992), Philipp (1998), Chemale Jr. do Sul por Bitencourt & Nardi (2000).
(2000) atribuem a formação do Cinturão Este período colisional foi acompa-
Dom Feliciano a acresção de um arco de nhado pela ascensão e posicionamento de
margem continental ativa, seguido de um grandes volumes de magmas graníticos. Os

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 61


Instituto de Geociências. Contribuições

dados geoquímicos e petrológicos disponí- de cisalhamento direcionais que seccionam


veis permitem subdividir o Batólito Pelotas o batólito. Estas zonas apresentam-se
em um complexo granítico e sete suítes prin- orientadas segundo a direção NE-SW e mos-
cipais: Complexo Pinheiro Machado (CPM), tram-se reativadas em 4 estágios principais,
Suíte Cordilheira (SC), Suíte Erval (SE), inicialmente em regime compressivo e em
Suíte Viamão (SV), Suíte Piquiri (SP), Suíte condições dúcteis, evoluindo para dúcteis a
Encruzilhada do Sul (SES), Suíte Dom dúctil-rúpteis e, posteriormente, em regime
Feliciano (SDF) e Suíte Itapuã (SI) (Philipp extensional, sob condições dúcteis a dúctil-
et al., 2002, 2005; Oliveira et al., 2001) (Figu- rúpteis. O Granito Quitéria e a Suíte Cordi-
ra 2). Este magmatismo é composto, prin- lheira registram este evento dúctil precoce
cipalmente, por rochas de afinidade cálcico- (D 1 ), caracterizado por zonas de
alcalina alto-K, com ocorrência subordina- cisalhamento direcionais de alto ângulo de
da de granitóides de afinidade alcalina e extensão continental, com assembléias
peralcalina, representados essencialmente, mineralógicas indicativas de transformações
por enxames de diques riolíticos- metamórficas compatíveis com as da fácies
comendíticos e basaltos alcalinos, e pelos Anfibolito Inferior a Médio e movimenta-
granitos Santana e Bela Vista. ção dominantemente lateral esquerda. Os
Os poucos dados do magmatismo granitóides do Complexo Pinheiro Macha-
máfico, representado por gabros, dioritos e do e das suítes Viamão e Erval registram o
enclaves microgranulares máficos, indicam segundo evento regional de deformação
uma composição geoquímica de afinidade (D 2 ), com a for mação de zonas de
toleítica a transicional (Philipp et al., 2007, cisalhamento direcionais de alto ângulo em
dados inéditos). condições metamórficas da fácies xistos ver-
Os dados geocronológicos disponí- des a anfibolito inferior e com movimenta-
veis indicam que a atividade magmática de ção lateral esquerda. Um terceiro período
formação do Batólito Pelotas ocorreu em de ativação tectônica (D3) está associado
um período de aproximadamente 100 mi- com o posicionamento das suítes Encruzi-
lhões de anos, com três estágios principais lhada do Sul, Piquiri, Dom Feliciano e
de geração e posicionamento de magmas: Itapuã, resultando na formação sob regime
(1) Neoproterozóico I – Granito Quitéria, transpressional e transtensional de zonas de
Suíte Cordilheira, Complexo Pinheiro Ma- cisalhamento direcionais de alto ângulo,
chado, Suíte Erval e Suíte Viamão, idades dúctil-rúpteis a rúpteis, também com
de 650 e 620 Ma (U-Pb e Pb-Pb em zircão, cinemática dominantemente sinistral. Um
TIMS e SHRIMP); (2) Neoproterozóico II último período de atividade tectônica resul-
– Suíte Piquiri, Suítes Encruzilhada do Sul e tou na formação de zonas de cisalhamento
Dom Feliciano, idades de 610 e 590 Ma (U- direcionais e oblíquas, de alto a médio ân-
Pb e Pb-Pb zircão, TIMS e SHRIMP, gulo, em condições metamórficas da fácies
isócrona Rb-Sr); (3) Cambriano – Suíte xistos verdes a anfibolito inferior, com mo-
Itapuã, idades de 600 e 550 Ma (U-Pb vimentação lateral direita e esquerda. Estas
SHRIMP e Laser Ablation em zircão, zonas afetam os enxames de diques ácidos
isócrona Rb-Sr). e básicos que ocorrem na região sul do
O posicionamento sucessivo das as- batólito e controlam o posicionamento do
sociações graníticas está relacionado aos Granito Bela Vista (Philipp et al., 2002;
períodos de evolução das principais zonas Zanon et al., 2006). Idades Ar-Ar, obtidas

62 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

Figura 2
2. Mapa geológico do Batólito Pelotas, apresentando as principais unidades graníticas e zonas de cisalhamento dúcteis
transcorrentes.

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 63


Instituto de Geociências. Contribuições

por Philipp (1998) em micas de rochas apresentam idades, pelo método U-Pb e Pb-
miloníticas, apontam idades em torno de 540 Pb em zircão, entre 630 e 620 Ma (Babinski
Ma para este último e importante período et al., 1997; Philipp et al., 2002). Na porção
de atividade das zonas de cisalhamento. A sul do batólito, as rochas graníticas da Suíte
evolução estrutural determinada para esta Erval apresentam uma composição homo-
região é compatível com um modelo gênea, com biotita monzogranitos a
tectônico transpressivo relacionado à con- sienogranitos de afinidade cálcio-alcalina
vergência oblíqua de placas tectônicas. alto-K. Esta suíte está composta por cor-
No limite oeste do batólito, o Grani- pos graníticos que ainda não foram geolo-
to Quitéria e os plútons tipo-S da Suíte Cor- gicamente individualizados.
dilheira mostram forma alongada segundo As rochas graníticas da Suíte Viamão
a direção N30-40oE e posicionamento rela- ocorrem em várias áreas do batólito e estão
cionado ao desenvolvimento da Zona de caracterizadas por corpos de formas
Cisalhamento Dorsal de Canguçu. O Gra- alongadas, segundo a direção N40-60oE,
nito Quitéria apresenta composição comumente com foliação magmática con-
monzogranítica, caráter porfirítico definido cordante e zonas de alta deformação nas
por elevada concentração de megacristais de porções de bordo. Os biotita monzogranitos
K-feldspato e afinidade cálcico-alcalina alto- e granodioritos apresentam uma afinidade
K de caráter metaluminoso a fracamente cálcio-alcalina alto-K e uma típica textura
peraluminoso (Koester, 1995). A idade U- porfirítica marcada pelo elevado percentual
Pb SHRIMP de 658 ± 4 Ma caracteriza este de megacristais de K-feldspato envoltos por
granito como o mais antigo do Batólito matriz equigranular hipidiomórfica média a
Pelotas (Frantz et al., 2003). grossa. Estes granitos mostram estruturas
Os biotita-muscovita sieno a de mistura física (mingling) e química (mixing)
monzogranitos da Suíte Cordilheira apresen- com rochas máficas de composição diorítica
tam textura equigranular a heterogranular, a quartzo-diorítica. Os dados
composição cálcico-alcalina alto-K e cará- geocronológicos disponíveis apontam ida-
ter peraluminoso. Na região de Quitéria, os des U-Pb TIMS, em zircão, de 595 ± 1 Ma,
granitos da Suíte Cordilheira apresentaram para o Granito Arroio Moinho (Babinski et
idades U-Pb TIMS em cristais de zircão al., 1997), e de 630 ± 6 Ma, para o Granito
entre 634 e 625 ± 6 Ma, para os granitos Viamão (Philipp et al., 2007, dados inéditos).
Cordilheira e Francisquinho, e 605 ± 8 Ma, A Suíte Piquiri ocorre na região de
para o Granito Figueiras (Frantz et al., 2003). Encruzilhada do Sul e é constituída pelo
Estas idades indicam que o magmatismo Sienitos Piquiri e Arroio do Silva. Estas ro-
granítico da região de Quitéria representa o chas representam um evento magmático de
período inicial de construção do Batólito natureza alcalina potássica saturada com afi-
Pelotas. nidade shoshonítica. Os sienitos foram da-
O Complexo Pinheiro Machado tados pelo método Pb-Pb (TIMS, em zircão)
ocupa a porção central do batólito, sendo em 611 ± 3 Ma, para o Sienito Piquiri, e 612
constituído por biotita granodioritos a ± 3 Ma, para o Sienito Arroio do Silva
biotita monzogranitos, de afinidade cálcico- (Philipp et al., 2002).
alcalina alto-K, com ocorrência subordina- A Suíte Encruzilhada do Sul está lo-
da de tonalitos e dioritos (Philipp, 1998; calizada na porção noroeste do batólito, sen-
Philipp & Machado, 2005). Estas rochas do composta por biotita monzogranitos a

64 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

sienogranitos de afinidade alcalina (Vasquez, 3. DADOS ISOTÓPICOS DE ND E SR


DADOS
1997). Mistura física e química entre os DOS GRANITÓIDES DO BA TÓLITO
BATÓLITO
magmas graníticos e magmas máficos de PELOTAS
PELOTAS
composição diorítica são descritos por
Bitencourt et al. (1993b) e Vasquez (1997).
Estas rochas apresentaram idades de 595 ± Os dados isotópicos disponíveis para
4 Ma, obtida pelo método U-Pb TIMS em os granitóides estudados mostram uma re-
zircão (Babinski et al., 1997), e de 587 ± 7 lativa homogeneidade na evolução do
Ma, fornecida por isócrona Rb-Sr (Vasquez, magmatismo do batólito, que pode ser ob-
1997). servada nos seguintes diagramas: (i) com-
A porção norte do Batólito Pelotas é posição isotópica de Nd inicial (eNd (T)) versus
dominada pelos leucogranitos maciços e idades da intrusão, (ii) eNd versus idade mo-
pós-colisionais das suítes Dom Feliciano e delo TDM baseada na composição do manto
Itapuã, posicionados entre o fim do empobrecido e (iii) eNd versus eSr. Para o cál-
Neoproterozóico e o Cambriano. A Suíte culo da idade modelo foi assumido uma evo-
Dom Feliciano é composta por lução isotópica linear de Nd para um man-
sienogranitos a Mc-granitos de afinidade to empobrecido, com eNd = 0, em 4,56 Ga, e
cálcico-alcalina alto-K, de caráter altamente eNd = 10, no tempo atual.
diferenciado. A única idade disponível, ob- Para este estudo, foram utilizados da-
tida através do método U-Pb TIMS em dos isotópicos de Sr e Nd de 48 amostras
zircão para o Granito Ponta Grossa, indi- do Batólito Pelotas, sendo 22 novas deter-
cou 600 Ma (Philipp et al., 2007, dados iné- minações e 26 disponíveis na literatura (May,
ditos). A Suíte Itapuã é composta por FK 1990; Babinski et al., 1997; Philipp et al., 2003,
granitos, sienogranitos, quartzo-sienitos e, 2007c) (Tabela 1).
subordinadamente, sienitos, além da presen- Para termos de comparação, os dia-
ça dos enxames de diques riolítico- gramas apresentados incluem os campos de
comendíticos e básicos associados, com afi- alguns cinturões orogênicos característicos
nidade alcalina a peralcalina (Philipp, 1998; do Fanerozóico e do Neoproterozóico,
Zanon et al., 2006a,b). A determinação de como os cinturões europeus Caledoniano e
uma isócrona Rb-Sr nos diques ácidos apre- Herciniano, o Himalaia, na China, e o
sentou uma idade de 590 Ma (Soliani Jr., Cinturão Damara, do sudoeste africano (Fi-
1986). Mais recentemente, foi obtida, atra- guras 3, 4). A maioria dos granitóides des-
vés do método U-Pb SHRIMP em zircão, tes cinturões é caracterizada por valores ne-
uma idade de 600 ± 3 Ma para o Granito gativos de eNd(T). Este fato sugere que os
Santana (Koester et al., 2001). Novos dados, granitóides foram gerados, principalmente,
obtidos pelo método U-Pb Laser Ablation a partir de fontes contendo proporções sig-
em zircão, têm apontado idade de 550 Ma nificativas de crosta continental Pré-
(Philipp et al., 2007, dados inéditos). Cambriana reciclada (Frost et al., 1985;
Dermott, 1987; Pin et al., 1990; Cocherie et
al., 1994; Darbyshire et al., 1994, 1997;
Dempsey et al., 1990; Dermott et al., 1996;
Downes et al., 1997). Esta antiga crosta é
reconhecida pela maioria dos valores de ida-
des TDM para os granitóides hercinianos e
caledonianos que caem no intervalo entre

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 65


66
Instituto de Geociências. Contribuições

Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


Tabela 1
1. Composição isotópica dos granitóides do Batólito Pelotas. Batólito Pelotas: May (1990), Babinski et al. (1997), Philipp et al. (2003, 2007c).
50 50 anos de Geologia

1. Continuação.
Tabela 1

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 67


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3
3. Diagramas isotópicos para os granitóides do Cinturão Dom Feliciano (Batólito Pelotas), dos Cinturões Herciniano e
Caledoniano europeus e Himalaias chineses. Batólito Pelotas: May (1990), Philipp et al. (2003, 2007c); Cinturão Caledoniano:
Halliday (1984), Frost & O’ Nions (1985), Dempsey et al. (1990), Skjerlie (1992); Cinturão Herciniano: Downes & Duthout
(1988), Liew & Hoffman (1988), Liew et al. (1989), Pin & Duthout (1990), Williamson et al. (1992), Cocherie et al. (1994), Dias
& Leterrier (1994), Moreno-Ventas et al. (1995), Siebel et al. (1995), Azevedo & Nolan (1998), Forster et al. (1999); Cinturão
Himalaias: Vidal et al. (1984), Deniel et al. (1985), Inger & Harris (1993), Gazis et al. (1988), Harrison et al. (1999).

1000 e 2000 Ma. Os granitóides Da mesma forma, foram incluídas cinco


fanerozóicos do sudeste da China também amostras de xenólitos de rochas gnáissicas
mostram valores negativos de eNd (T), indi- encontradas no interior das suítes do
cando que foram gerados a partir da refusão batólito.
de fontes crustais paleoproterozóicas (Jahn Um dos xenólitos de ortognaisses
et al., 2000). analisados apresenta uma idade U-Pb
SHRIMP em zircão de 750 ± 7 Ma, sendo
Para avaliar as relações entre a com- correlacionado com as rochas granitóides do
posição isotópica dos granitóides arco magmático da Vila Nova (Silva et al.,
neoproterozóicos estudados e das rochas 1999). As amostras de xenólitos de gnaisses
encaixantes do Batólito Pelotas, foram in- analisadas apresentam valores de epsilon Nd
cluídos no diagrama de evolução do Epsilon levemente negativos a positivos e epsilon Sr
Nd os campos composicionais das princi- entre 20 e 70. Estas rochas são granitóides
pais associações petrotectônicas do Escudo pré-colisionais que foram originados, pro-
Sul-rio-grandense, que hoje representam as vavelmente, a partir da fusão de um mate-
unidades encaixantes do batólito (Figura 5). rial de origem mantélica com idade
Neoproterozóica.

68 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

Figura 4
4. Diagrama isotópico para os granitóides do Cinturão Dom Feliciano (Batólito Pelotas) e do Cinturão Damara (Pan-
Africano). Batólito Pelotas: May (1990), Philipp et al. (2003, 2007c); Cinturão Damara: Dermott (1987), Dermott et al. (1996).

A Suíte Cordilheira possui poucos semelhantes ao dos xenólitos de gnaisses.


dados isotópicos, apresentando valores de Os dados de Nd e Sr indicam que a geração
eSr entre 36 e 48, com eNd(t) variando de –6,6 destes granitos é resultante da mistura de
a –6,4, e idades TDM entre 1,7 e 1,8 Ga, re- material juvenil brasiliano (semelhante aque-
presentando fusões parciais de rochas le encontrado no Cinturão Vila Nova) com
crustais de composição quartzo-feldspática. materiais gerados a partir da fusão parcial
O magmatismo granítico do Comple- do embasamento crustal paleoproterozóico.
xo Pinheiro Machado está associado com a No entanto, a variação relativamente restri-
evolução das zonas de cisalhamento ta dos valores de epsilon Sr denota uma
direcionais dúcteis de alto ângulo, com maior contribuição de crosta juvenil e me-
posicionamento relacionado ao período nor proporção de fusão de rochas do
tardi a pós-colisional de evolução do embasamento na origem deste magmatismo.
Cinturão Dom Feliciano. Os dados de eSr A Suíte Viamão é mais enriquecida em
indicam valores positivos e as razões ini- SiO2 e LILE que o Complexo Pinheiro Ma-
ciais de Sr87/Sr86 situam-se no intervalo en- chado. No entanto, possui distribuição si-
tre 0,713 a 0,761. Os isótopos de Nd apon- milar e mostra superposição de idades. Os
tam valores de eNd(t) entre –4,3 a –9,7, com valores de eSr situam-se entre 46 e 114 e as
idades TDM entre 1,4 a 2,1 Ga, valores estes razões iniciais de Sr 87 /Sr 86 ocupam o

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 69


Instituto de Geociências. Contribuições

5. Diagrama de evolução do Epsilon Nd versus tempo, mostrando a distribuição dos campos das principais associações
Figura 5
petro-tectônicas do Escudo Sul-rio-grandense: Terreno neoproterozóico juvenil (Palma), Terreno neoproterozóico retrabalhado
(Porongos), Rochas granito-gnáissicas paleoproterozóicas juvenis de Santana da Boa Vista (Complexo Encantadas) e Rochas
granito-gnáissicas paleoproterozóicas retrabalhadas do Terreno Taquarembó (fusões crustais com fontes Arqueanas, simplificadas
de Chemale Jr. 2000). A) Diagrama Epsilon Nd versus tempo dos xenólitos e granitóides do Complexo Pinheiro Machado, B)
Diagrama Epsilon Nd versus tempo dos granitóides da Suíte Viamão, C) Diagrama Epsilon Nd versus tempo dos granitóides das
Suítes Dom Feliciano e Itapuã.

70 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

intervalo entre 0,715 e 0,759. Os dados de tura de componentes mantélicos e crustais,


Nd apontam valores de eNd(t) entre –2,5 e – destacando-se a participação mais efetiva de
10,7 e idades TDM entre 1,23 e 2,03 Ga. As magmas mantélicos na formação da Suíte
duas suítes caracterizam-se pela ocorrência Itapuã. Os granitos desta última suíte suge-
de corpos de dioritos, enclaves rem ser produtos finais da diferenciação de
microdioríticos e de termos hibridizados, fusões mantélicas de composição básica,
com estruturas indicativas da mistura de enquanto os granitos da Suíte Dom Feliciano
magmas (física e química), sugerindo rela- parecem representar produtos da fusão par-
ções de comagmaticidade entre os mesmos. cial da mistura entre componentes de uma
A disposição dos dados de Nd indica que a crosta paleoproterozóica com uma crosta
geração destes granitos é resultante da mis- brasiliana precoce.
tura de material juvenil brasiliano (tipo Vila A comparação dos granitóides do
Nova) com materiais gerados a partir da Cinturão Dom Feliciano, representado pe-
fusão parcial do embasamento crustal las unidades do Batólito Pelotas, com os
paleoproterozóico, de modo semelhante ao granitóides do Cinturão Damara, na África,
observado no Complexo Pinheiro Macha- ressalta as diferenças entre o plutonismo dos
do. dois cinturões (Figura 4). O magmatismo
A Suíte Encruzilhada do Sul mostra granítico do Damara foi gerado entre 650 e
valores de eNd(t) variando entre –11 e –15,6, 500 Ma, com o maior volume
com idades TDM entre 1,7 e 2,1 Ga. Os da- correspondendo aos magmas mais jovens
dos de eSr situam-se entre 37 e 78 e as ra- que 580 Ma (Dermott, 1987; Dermott et al.,
zões iniciais de Sr87/Sr86 situam-se entre 1996). As características isotópicas deste
0,710 e 0,730. A reunião dos isótopos de Sr último magmatismo indicam uma maior
e Nd é indicativa que os granitos desta suíte contribuição crustal, com fusões parciais de
representam fusões de uma crosta continen- uma crosta mais antiga que a do Cinturão
tal de idade paleoproterozóica. Dom Feliciano. Salienta-se que os volumes
O magmatismo tardio é representa- mais significativos de granitos foram gera-
do pelas suítes Dom Feliciano e Itapuã, que dos posteriormente a colisão continental
mostram composições cálcico-alcalina alto- entre as áreas cratônicas situadas na porção
K e alcalina, respectivamente. Os granitos sul da Plataforma Sul-Americana e aquelas
da Suíte Dom Feliciano mostram valores da margem oeste da porção sul da África. A
variáveis de eSr desde pouco negativos a po- principal diferença entre o magmatismo de
sitivos, com as razões iniciais de Sr87/Sr86 ambos os cinturões é definida através da
entre 0,708 e 0,759. Os valores de eNd estão maior participação crustal na formação do
dominantemente entre –3,0 e –6,1, com ida- magmatismo do Cinturão Damara, ressal-
des TDM entre 0,9 e 1,5 Ga. tada pelo amplo intervalo e por valores mais
As unidades da Suíte Itapuã apresen- elevados de eSr.
tam valores de eSr e de razões iniciais de Sr87/ Ao observarmos o diagrama eNd versus
Sr86 fora de um padrão aceitável. Este fato TDM, notamos que a maior parte das amos-
decorre dos teores muito baixos de Sr des- tras analisadas do Batólito Pelotas apresen-
tes granitos (entre 1 e 5 ppm). Os valores ta uma composição isotópica semelhante ao
de eNd(t) variam entre –1,5 e –4,6, com ida- magmatismo Caledoniano e Herciniano, o
des TDM de 2,2 Ga. que é interpretado como resultado da fu-
Comparativamente, ambas as suítes são de crosta juvenil paleozóica com
apresentam resultados indicativos da mis- contribuição parcial de crosta continental

A Geração dos Granitóides Neoproterozóicos do Batólito Pelotas... 71


Instituto de Geociências. Contribuições

pré-cambriana (Figura 5). No caso do contribuição variável de unidades


Batólito Pelotas, supõe-se a mistura de fu- paleoproterozóícas do embasamento do
são de material granítico paleoproteorozóico Escudo Sul-rio-grandense. O Batólito
com contribuição de material juvenil Pelotas sugere fusões de fontes de compo-
brasiliano em proporções diversas. Entre os sição isotópica, compatíveis com as apre-
prováveis materiais fontes que contribuíram, sentadas pelos Complexos Palma e
destacam-se os materiais do Cinturão Vila Porongos. Apenas a Suíte Encruzilhada do
Nova, com idades entre 750-700 Ma e ca- Sul apresenta composição isotópica seme-
racterística juvenil, e as rochas lhante ao das rochas do embasamento, su-
paleoproterozóícas pertencentes ao gerindo tratar-se de fusões parciais dos
Cinturão Tijucas e ao Cinturão Dom Complexos Encantadas ou Arroio dos Ra-
Feliciano. tos.
A semelhança composicional do
magmatismo do Batólito Pelotas com o de
4. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES outros cinturões orogênicos como o
Caledoniano e Herciniano, pode estar rela-
cionada com o mesmo ambiente tectônico,
Os granitos do Complexo Pinheiro pois ambos estão ligados ao período pós-
Machado e das demais suítes que consti- colisional, onde o magmatismo acompanha
tuem o Batólito Pelotas caracterizam-se por o colapso do orógeno. Neste ambiente, a
apresentar uma composição isotópica seme- formação do magmatismo granítico está
lhante, definindo um intervalo relativamen- associada ao desenvolvimento de zonas de
te restrito, com valores negativos de epsilon cisalhamento transcorrentes de alto ângulo,
Nd, entre –1,5 e –11, e pouco positivos de de dimensões em geral continentais, cuja
epsilon Sr, entre 30 e 120. Esta característi- evolução relaciona-se ao relaxamento e
ca é sugestiva que a geração do magmatismo soerguimento pós-colisional. Estas estrutu-
granítico do Batólito Pelotas ocorreu atra- ras associam-se em profundidade com pro-
vés da participação de fontes mistas, com cessos mantélicos e relacionam-se aos even-
importante componente crustal, mas com tos finais da colisão, referidos como de re-
participação de material mantélico juvenil. laxamento tectônico regional. Nesta fase, a
Esta última característica, incorporada na ascenção do manto promove um aumento
composição isotópica do magmatismo significativo do fluxo térmico responsável
granítico, é comprovada em campo pela pelo domeamento regional e pela mudança
ocorrência comum de rochas dioríticas, do quadro de tensões e de nucleação de zo-
como corpos circunscritos e unidades me- nas de cisalhamento. Estes fenômenos es-
nores, em zonas de mistura física (mingling) tão, em parte, reunidos e descritos na litera-
e química (mixing), no interior das rochas tura em um modelo denominado slab-
graníticas. breakoff (Davies & VonBlackenburg, 1995).
As idades modelo TDM, obtidas para A comparação do magmatismo do
o magmatismo granítico do Batólito Pelotas, Batólito Pelotas com o do Cinturão Damara
concentram-se em um intervalo de 900 e denota a principal diferença entre ambos,
2200 Ma, sugerindo que os materiais fontes definida pela maior participação crustal e
do magmatismo podem ser de origem mis- idades mais jovens deste último cinturão,
ta, incluindo fontes neoproterozóicas, com sugerindo que o processo colisional final

72 Ruy Paulo Philipp, Romulo Machado, Farid Chemale Junior


50 50 anos de Geologia

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Os autores agradecem ao CNPq Southern Brazilian Shear Belt. Revista
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Centro de Estudos em Petrologia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

O O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano
no Escudo Sul-rio-grandense:
Os Ciclos Vulcânicos da Bacia do Camaquã
Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer,
Lauro Valentim Stoll Nardi

1. INTRODUÇÃO

O Neoproterozóico no sul do Brasil é caracterizado por plutonismo, ao longo de


grandes zonas de cisalhamento translitosféricas, e plutonismo, vulcanismo e sedimentação
em bacias sedimentares, cuja principal representante no Escudo Sul-rio-grandense é a Bacia
do Camaquã. Estas associações vulcano-sedimentares estão situadas fora das principais zonas
de cisalhamento e são depositadas sobre um diversificado embasamento, variando desde com-
plexos granulíticos paleoproterozóicos até diversos terrenos brasilianos representados por
associações de rochas ígneas e metamórficas. A Bacia do Camaquã está relacionada aos está-
gios pós-colisionais do ciclo Brasiliano-Pan-Africano e pode ser considerada do tipo strike-
slip, embora seja ainda bastante controvertida a sua classificação e os mecanismos de sua
geração (Brito Neves & Cordani, 1991; Chemale Jr., 2000; Gresse et al., 1996; Paim et al.,
2000). Entende-se como ambiente pós-colisional um período complexo posterior ao da coli-
são principal, podendo incluir grandes movimentos ao longo de zonas de cisalhamento
transcorrentes, colisão oblíqua, delaminação litosférica, rifteamento, subducção de pequenas
placas oceânicas e vulcanismo associado à sedimentação em bacias do tipo strike slip (Liégeois,
1998; Bonin, 2004).
Diferentes ciclos vulcânicos têm sido identificados na Bacia do Camaquã (Wildner
et al., 2002): (i) rochas vulcânicas mais antigas, com composições dominantemente interme-
diárias e algumas ocorrências básicas e ácidas, de afinidade shoshonítica (Formação Hilário,
senso Ribeiro & Fantinel, 1978 ou Aloformação Hilário senso Paim et al., 2000), (ii) vulcanismo
bimodal de afinidade moderadamente alcalina sódica (Formação Acampamento Velho, senso
Ribeiro & Fantinel, 1978 ou Aloformação Acampamento Velho senso Paim et al., 2000),
representada principalmente por depósitos explosivos/efusivos de composição ácida que
Instituto de Geociências. Contribuições

sucedem a seqüência shoshonítica; (iii) ro- estratigráficas. Com este quadro, Paim et al.
chas vulcânicas mais novas (Membro Ro- (2000) propõem que a sucessão completa
deio Velho, Ribeiro & Fantinel, 1978 ou da Bacia do Camaquã seja incluída no
Andesito Rodeio Velho, Paim et al., 2000), Alosupergrupo Camaquã, o qual pode ser
caracterizadas por depósitos efusivos de subdividido em cinco unidades principais,
composição básica-intermediária e afinida- limitadas entre si por discordâncias angula-
de moderadamente alcalina a toleítica alto- res regionais, individualizando os Alogrupos:
K. Maricá, Bom Jardim, Cerro do Bugio, Santa
Neste capítulo são discutidos dados Bárbara e Guaritas. Estas unidades, de acor-
petrográficos, geoquímicos e geocronológi- do com critérios litoestratigráficas propos-
cos dos ciclos vulcânicos Neoproterozóico- tos por Ribeiro & Fantinel (1978), são agru-
Ordovicianos da Bacia do Camaquã, com o padas no Grupo Bom Jardim, abrangendo
objetivo de apresentar uma síntese sobre a as formações Maricá, Vargas, Hilário e
evolução do vulcanismo pós-colisional do Acampamento Velho, e no Grupo Camaquã,
Escudo Sul-rio-grandense. constituído pelas formações Santa Bárbara
e Guaritas.
A seqüência sedimentar da Bacia do
2. A BACIA DO C AMAQUÃ E OS
CAMAQUÃ Camaquã é composta predominantemente
CICLOS VULCÂNICOS por siltitos, arenitos com um aumento na
NEOPROTEROZÓICOS- ORDOVICIANOS
NEOPROTEROZÓICOS-ORDOVICIANOS abundância de conglomerados e arenitos em
direção ao topo da seqüência. Representa
uma evolução de ambientes marinhos rasos
A Bacia do Camaquã pode ser inter- para continentais, onde dominam os am-
pretada como um locus deposicional, no qual bientes flúvio-lacustres e desérticos.
ocorreu a superposição de diversos tipos de O vulcanismo Neoproterozóico-
bacias que foram individualizadas em ter- Ordoviciano desempenha um papel impor-
mos tectônicos, ter mo-mecânicos e tante dentro da evolução da Bacia do
geocronológicos, apresentando registros Camaquã, na qual as características do
litológicos próprios e mecanismos de magmatismo mostram uma evolução de ter-
subsidência distintos (Paim et al., 2000). Em mos toleíticos e cálcico-alcalinos alto-K, para
termos de evolução geológica, esta bacia foi shoshonítico, até alcalino sódico, sendo a
caracterizada pela alternância de intervalos contribuição crustal representada por
onde dominaram eventos deposicionais, granitóides peraluminosos (Sommer et al.,
com o acúmulo de espessos pacotes 2006) (Figura 1).
sedimentares e vulcano-sedimentares e in- Wildner et al. (2002) organizaram os
tervalos dominantemente erosionais. Nas episódios vulcânicos da Bacia do Camaquã
fases de preenchimento, os episódios vul- em diferentes ciclos, estabelecidos em am-
cânicos dominaram, normalmente na base bientes continentais sob condições predo-
das unidades de maior hierarquia, seguidos minantemente subaéreas. Os ciclos vulcâ-
pela deposição de sedimentos predominan- nicos foram individualizados em: (i)
temente siliciclásticos. Este contexto dinâ- vulcanismos Maricá, Hilário e Acampamen-
mico, envolvendo eventos ígneos, to Velho, associados às formações ho-
sedimentares e deformacionais, gerou um mônimas; (ii) vulcanismo Rodeio Velho,
complexo padrão de preenchimento, repre- vinculado ao Membro Rodeio Velho da For-
sentado por uma série de unidades mação Guaritas (Figura 1). Ao contrário

80 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Mapa geológico simplificado do Escudo Sul-rio-grandense, com a distribuição das principais ocorrências do vulcanismo
Neoproterozóico na Bacia do Camaquã (modificado de Paim et al., 2000; Wildner et al., 2002).

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 81


Instituto de Geociências. Contribuições

destas três últimas unidades, onde o volu- traquiandesitos (shoshonitos) que são espa-
me de rochas vulcânicas é expressivo, os cialmente e temporalmente associadas com
registros de vulcanismo na Formação Maricá termos hipabissais monzoníticos, quartzo-
são questionáveis e frequentemente contes- monzoníticos e lamprofíricos, além de ro-
tados (e.g. Lima, 2002). chas plutônicas epizonais graníticas e
Originalmente, a identificação da ati- leucodioritos cumuláticos (Lima & Nardi,
vidade vulcânica na Formação Maricá foi 1998), agrupadas na Associação
fundamentada na presença de fragmentos Shoshonítica de Lavras do Sul.
vulcânicos em camadas delgadas de conglo- As rochas básicas ocorrem, principal-
merados. Outras ocorrências do vulcanismo mente, nos níveis estratigráficos basais da
são controvertidas, como as descritas na re- unidade, como derrames ou pequenas
gião da Ramada, e representadas por níveis intrusões caracterizadas como olivina-
vulcânicos (lavas e rochas piroclásticas) in- basaltos porfiríticos com fenocristais de
tercalados com rochas sedimentares (San- olivina (Fo66-68), augita (Wo39-43; En44-49; Fs9-15),
tos et al., 1978; Borba et al., 2004; Borba et labradorita a andesina e ilmenita, imersos em
al., 2006). Matos et al. (2002) interpretaram uma matriz a base de andesina a oligoclásio,
os referidos níveis de lavas como riolitos apatita e vidro modificado. As rochas de
hipabissais relacionados à Formação Acam- composição intermediária são amplamente
pamento Velho, sendo os níveis piroclásticos dominantes na seqüência e representadas
considerados como porções auto-brechadas por andesitos com textura porfirítica a
destas intrusões. glomeroporfirítica, com fenocristais de
plagioclásio (labradorita-andesina) e,
2.1 Vulcanismo Hilário subordinadamente, augita (Wo38-43, En40-49,
Fs8-20), olivina (Fo62), Ti-magnetita e apatita,
O vulcanismo Hilário é caracterizado
normalmente arranjados em uma estrutura
por rochas vulcânicas e plutônicas associa-
de fluxo. A matriz é constituída por
das, intercaladas e gradualmente sucedidas
cristálitos e micrólitos de plagioclásio
por conglomerados ricos em clastos vulcâ-
(andesina-oligoclásio) e matéria originalmen-
nicos e por depósitos arenosos a pelíticos
te vítreo (Figura 2).
que, no seu conjunto, representam a For-
As rochas subvulcânicas são represen-
mação Hilário. Possui ampla distribuição na
tadas, principalmente, por monzonitos,
região de Lavras do Sul e mais restrita em
quartzo-monzonitos e, subordinadamente,
Caçapava do Sul, São Sepé, Vila Nova do
leucodioritos de origem cumulática. Ocor-
Sul e Dom Pedrito (Figura 1).
rem como pequenas intrusões ao redor do
As rochas desta unidade possuem afi-
Complexo Granítico de Lavras do Sul e exi-
nidade shoshonítica, apresentando uma
bem basicamente duas fácies: (i) uma
grande variação composicional desde ter-
porfirítica, com fenocristais de plagioclásio
mos básicos a ácidos, representados por
(oligoclásio-andesina), K-feldspato e
efusivas e, em parte, por hipabissais e
anfibólio (magnésio-hornblenda) e,
intrusivas de mesma afinidade geoquímica,
subordinadamente, biotita e Ti-magnetita,
permitindo considerá-las como um dos
envolvidos por uma matriz rica em
exemplos mais completos deste tipo de
feldspatos; (ii) uma equigranular, média a
magmatismo.
grossa, com mineralogia similar a da fácies
As rochas efusivas são representadas,
porfirítica. Lamprófiros espessartíticos são
principalmente, por traquibasaltos e
também comuns como rochas de origem

82 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

subvulcânica, as quais cortam toda a seqüên- tes subaquosos, abaixo do nível de atuação
cia vulcânica (Lima & Nardi, 1998). São ca- das ondas (Lima, 2002). Os dados sugerem
racterizados por textura porfirítica e um ambiente lacustre, com a rápida deposi-
panidiomórfica, com amplo predomínio de ção de piroclastos, com níveis que indicam
fenocristais de anfibólio (magnésio- baixo retrabalhamento dos fragmentos,
hastingsita a magnésio-hornblenda) e, como a preservação de anfibólios origina-
subordinadamente, piroxênio (augita à dos, provavelmente, a partir de uma fonte
diopsídio), envoltos por matriz constituída lamprofírica.
basicamente por plagioclásio (andesina à
albita) (Figura 2). 2.2 Vulcanismo Acampamento Velho
O vulcanismo Hilário também é ca-
O vulcanismo Acampamento Velho
racterizado pela presença subordinada de
sucede o magmatismo shoshonítico e cons-
depósitos vulcanoclásticos subaéreos, for-
titui uma seqüência bimodal, com grande
mados tanto em regime de queda, quanto
predomínio de vulcanitos ácidos, interpre-
em regime de fluxo. Os principais aspectos
tados como a porção extrusiva do volumo-
petrográficos das rochas tufáceas da região
so magmatismo alcalino sódico, saturado em
de Lavras do Sul, relacionadas a um regime
sílica, que é relacionado aos estágios pós-
de queda, como a presença de tufos finos a
colisionais do ciclo orogênico Brasiliano/
grossos intercalados com níveis ricos em
Pan-Africano no Escudo Sul-rio-grandense.
cristais (Figura 2) foram discutidos por Lima
Os termos intrusivos são representados por
& Nardi (1985). As rochas piroclásticas de
granitos alcalinos, dominantemente
fluxo na região de Lavras do Sul são repre-
metaluminosos, correlacionáveis a Suíte
sentadas por ignimbritos ricos em púmices
Intrusiva Saibro (Nardi & Bonin, 1991).
e cristaloclastos de plagioclásio, K-feldspato
O vulcanismo bimodal da Formação
e quartzo, envolvidos por uma matriz rica
Acampamento Velho reúne um grande vo-
em cinza. Outros depósitos vulcanoclásticos
lume de depósitos efusivos e piroclásticos
comuns dentro desta unidade são as brechas
de composição ácida, associados às lavas e
vulcânicas, que ocorrem predominantemen-
diques de composição básica. A organiza-
te intercaladas com os derrames
ção estratigráfica desta formação tem sido
traquiandesíticos, e os tufos de queda. Pos-
sugerida por diversos autores, como Wildner
suem um arcabouço constituído essencial-
et al. (1999), Sommer et al. (1999, 2005),
mente de blocos de traquiandesitos e raros
Almeida et al. (2002), e as melhores exposi-
clastos de rochas graníticas e metamórficas.
ções estão localizadas no Platô da Ramada
Registros de atividade vulcânica em
e no Cerro Tupanci, em Vila Nova do Sul,
ambiente subaquoso são raros, sendo encon-
no Platô do Taquarembó, em Dom Pedrito,
trados próximos à cidade de São Sepé, onde
e nos Cerros do Bugio e Perau, em Caçapava
se observa uma espessa seqüência com
do Sul (Figura 1).
estratificação planar, por vezes cruzada de
As principais unidades são depósitos
baixo ângulo, com fragmentos
de fluxo piroclástico, principalmente
vulcanoclásticos que, em geral, variam da
ignimbritos, brechas vulcânicas e tufos de
dimensão argila até areia média (Figura 2).
queda, normalmente cobertos por lavas
A organização dos depósitos, com a predo-
riolíticas. Nos depósitos piroclásticos pre-
minância de material fino, sugere uma ori-
dominam os componentes juvenis, princi-
gem a partir de correntes de turbidez de
palmente cristaloclastos de quartzo e K-
baixa densidade que são típicas de ambien-

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 83


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2 2. Características de alguns depósitos representativos do Vulcanismo Hilário: (a) aspecto macroscópico de traquiandesito
porfirítico; (b) fotomicroscopia - LP - de traquiandesito com textura glomeroporfirítica; (c) fotomicroscopia - LP - de lamprófiro
espessartítico com textura panidiomórfica e coronítica; (d) aspecto macroscópico de ritmito vulcanoclástico relacionado,
provavelmente, à ambiente subaquoso; (e) aspecto macroscópico de ignimbrito de composição andesítica.

feldspatos, púmices e shards (Figura 3). Os A geometria dos depósitos e o grau


litoclastos são mais abundantes nas porções de soldagem são variáveis, sendo observa-
basais dos depósitos e são principalmente dos desde depósitos estratificados e par-
conatos, embora sejam comuns fragmentos cialmente soldados até ignimbritos maciços
acidentais e acessórios originados das rochas com alto grau de soldagem. (Figura 3). Os
encaixantes. depósitos efusivos são representados, prin-
cipalmente, por lavas vinculadas a corpos

84 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

hipabissais. Observa-se uma grande varie- derrames basálticos bastante alterados, por
dade de estruturas e texturas nos depósitos, vezes ricos em xenólitos de rochas
sendo comum a ocorrência de termos sedimentares estratificadas, acompanhados
autobrechados, foliados e maciços (Figura de lavas em corda (pahoehoe) e tubos (Figura
3). Uma característica comum do 4). Os derrames são lenticulares, contendo
vulcanismo Acampamento Velho é o pre- tubos métricos nas porções distais. Nas por-
domínio dos depósitos ignimbríticos que ções de topo dos derrames foram identifi-
preservam feições típicas de processos cados pipes estreitos, indicativos de uma ele-
piroclásticos primários, como as estruturas vada atividade de voláteis. Localizadamente,
e texturas indicativas de fluxos quentes com observam-se feições de degassing pipes, geral-
grande quantidade de gases. Estas caracte- mente encontradas em depósitos
rísticas, associadas a freqüente ocorrência de piroclásticos, típicos de sistemas com ele-
fluxos de lavas e corpos hipabissais ao lon- vada permeabilidade. Nos tubos de lava, a
go de lineamentos, sugerem um vulcanismo concentração dos voláteis no teto determi-
subaéreo, estabelecido em condutos nou a deformação da superfície externa dos
fissurais. tubos, gerando padrões de intumescência
As rochas ácidas do vulcanismo acompanhados de pequenas depressões se-
Acampamento Velho são dominantemente micirculares, provavelmente originadas pelo
riolitos comendíticos, com ocorrência su- rompimento da crosta externa e conseqüen-
bordinada de rochas traquíticas de mesma te liberação dos gases (Lima et al., 2002).
afinidade. As rochas básicas desta unidade Outra feição descrita na parte externa dos
são representadas por um pequeno volume fluxos inflados é o padrão de cracks
de lavas porfiríticas e diques, cujas caracte- curvilíneos, indicativos do sentido de fluxo.
rísticas geoquímicas permitem classificá-las O desenvolvimento de crostas superficiais
como basaltos hawaiíticos e mugearíticos durante a extrusão causou a formação de
(Sommer et al., 1999; Wildner et al., 1999; túneis, pelos os quais fluíam lavas mais jo-
Almeida et al., 2002; Sommer et al., 2005). vens, gerando uma aparente inversão
estratigráfica da seqüência vulcânica (Figu-
2.3 Vulcanismo Rodeio Velho ra 4).
Na região das Minas do Camaquã, as
O último ciclo vulcânico na Bacia do
rochas do Membro Rodeio Velho ocorrem
Camaquã é representado pelo vulcanismo
como intrusões máficas, alteradas, em
Rodeio Velho, vinculado ao Membro Ro-
arenitos da base da Formação Guaritas
deio Velho da Formação Guaritas. Este gru-
(Lima et al., 2002). Diversas feições estuda-
po é caracterizado um complexo sistema
das sugerem a interação entre magma e se-
aluvial, composto por sistemas braided, fan
dimentos molhados ou de intrusões básicas
deltas e sistemas desérticos de dunas e
em arenitos parcialmente litificados e
interdunas. Nas porções basais, observa-se
saturados em água. Em afloramento, obser-
que o vulcanismo é intercalado com os de-
va-se uma nítida interação entre a fração
pósitos eólicos. As melhores exposições
ígnea e a sedimentar, que diminui em dire-
ocorrem nas regiões de Lavras do Sul e Mi-
ção ao topo da intrusão, onde blocos de
nas do Camaquã (Figura 1).
arenitos preservam as estruturas primárias.
Na região de Lavras do Sul, os
No corte perpendicular da intrusão, obser-
vulcanitos ocorrem como manifestações
va-se a presença de estruturas tipo pillow,
efusivas subaéreas, representadas por
definindo feições do tipo multiple-rind,

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 85


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 33. Exemplos de depósitos do vulcanismo Acampamento Velho: (a) depósitos ignimbríticos estratificados; (b) litoclasto
cognato juvenil de material vítreo em ignimbrito estratificado; (c) depósito ignimbrítico maciço, rico em litoclastos; (d) ignimbrito
soldado, rico em vitroclastos e com forte textura eutaxítica; (e) depósito de lavas riolíticas com estruturas de fluxo de padrão
complexo; (f) lava riolítica com foliação subvertical; (g) riolito com bandamento milimétrico em estágio inicial de autobrechação;
(h) autobrecha riolítica.

86 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

Figura 44. Exemplos de depósitos do vulcanismo Rodeio Velho: (a) detalhe da estrutura dos tubos de lava; (b) estrutura de escape
de gases, a coloração avermelhada marca alterações mineralógicas de alta temperatura; (c) corrugações e depressões circulares,
indicando feições de escape de gases; (d) janela sobre crosta de lava, revelando um antigo canal de lava subterrâneo; (e) afloramento
mostrando a intrusão de um corpo tipo pillow-sill em sedimentos, possivelmente, não consolidados da base da Formação Guaritas;
(f) estruturas tipo multiple-ring, em seção transversal de pillow-sill.

comuns em pillowed sills (Figura 4). A 3. GEOQUÍMIC


GEOQUÍMICAA DO MAGMATISMO
MAGMATISMO
superposição de lobos, comum em pillows NA BACIA DO C AMAQUÃ
CAMAQUÃ
subaquososas, não é observada, sendo co-
mum na área estudada a presença de mate- 3.1 O magmatismo shoshonítico
rial sedimentar entre as pillows. Estruturas
A característica potássica das rochas
do tipo pillow são, em geral, verificadas nas
de composição básica-intermediária é
rochas efusivas em ambientes subaquosos,
indicada pelos valores de K2O maiores que
porém, no caso estudado, elas ocorrem nas
(Na2O-2), o que permite classificá-las como
intrusões rasas em rochas sedimentares ou
traquibasaltos e shoshonitos (Le Maitre,
sedimentos saturados em água.

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 87


Instituto de Geociências. Contribuições

2002). São, geralmente, saturadas em sílica, & Lima, 2000). Dados de Pb-Pb em zircões,
apresentando olivina, hiperstênio e diopsídio obtidos nas rochas monzoníticas, indicam
normativos. A afinidade shoshonítica do idades de 601 ± 5Ma (Gastal & Lafon, 2001),
magmatismo é também evidenciada pelos enquanto que dados U-Pb em zircões for-
baixos teores em TiO2, conteúdos relativa- necem idades de 592 ± 5 Ma (Remus et al.,
mente elevados de Sr, Ba, Rb, Al2O3 e ra- 1997) para as rochas graníticas desta asso-
zões K2O/Na2O próximas da unidade. Esta ciação shoshonítica.
afinidade é demonstrada também no diagra-
ma, utilizando a técnica de sliding 3.2 O magmatismo bimodal alcalino
normalization de Liégeois et al. (1998) (Figura sódico do vulcanismo Acampamento
5). Velho
O empobrecimento de Nb em rela-
O magmatismo bimodal alcalino
ção aos ETRL, bem como o enriquecimen-
sódico é caracterizado por uma associação
to em ETRL e LILE (Ba, Sr, Rb, K), é típi-
de rochas básicas e ácidas relacionadas à série
co de magmas relacionados a fontes
alcalina saturada em sílica, cujo trend
metassomatizadas durante subducção pré-
composicional situa-se no diagrama TAS,
via (Kelemen et al., 1993), e as baixas razões
próximo ao limite entre os campos das sé-
Nb/La and La/Ba são comparáveis a aque-
ries alcalinas e subalcalinas. A afinidade al-
las reportadas para andesitos orogênicos. Os
calina deste magmatismo é confirmada pela
conteúdos de elementos litófilos de alto
utilização da técnica de sliding normalization
potencial iônico (HFSE) são mais elevados
(Liégeois et al., 1998) (Figura 5). Riolitos
que os observados em shoshonitos oceâni-
comendiíticos são predominantes na se-
cos e similares aos de rochas shoshoníticas
qüência vulcânica e as rochas básicas são
de margem continental (Pearce, 1983) ou de
representadas, principalmente, por hawaitos,
intraplaca pós-colisionais. Os padrões de
basaltos e raros mugearitos, e a sua caracte-
ETR são caracterizados por valores de CeN
rística sódica é indicada pelos valores de
próximos a 100, YbN ao redor de 4 e ausên-
(Na2O – 2) > K2O. O caráter peralcalino,
cia de anomalias de Eu, feições normalmen-
predominante nas rochas ácidas, é compro-
te indicativas de magmas shoshoníticos ou
vado principalmente pelos seus elevados
cálcio-alcalinos alto K (Nardi & Lima, 2000)
teores de Zr, conforme discutido por Leat
(Figura 5). As rochas ácidas são
et al. (1986).
metaluminosas, com conteúdos tipicamen-
Dois conjuntos de vulcânicas ácidas,
te elevados em Ba e Sr e moderados em
com contrastantes conteúdos de Ti-P, fo-
HFSE. O comportamento dos ETR e dos
ram identificados e referidos por Sommer
elementos traços incompatíveis são simila-
et al. (2005) como basaltos-riolitos alto-Ti-
res aos das rochas básicas e intermediárias,
P e baixo-Ti-P, respectivamente. Um tercei-
sugerindo sua cogeneticidade.
ro grupo composicional foi individualizado
Os dados isotópicos disponíveis para
pelos teores muito elevados em Nb, o que
o magmatismo shoshonítico fornecem ida-
pode representar um episódio magmático
des Rb-Sr de 608 ± 54 Ma, razões iniciais
final na Bacia do Camaquã, ainda relaciona-
de 87Sr/86Sr de 0,7048 e valores de eNd pró-
do aos estágios pós-colisionais do Ciclo
ximos a – 0,2 (Gastal & Lafon, 1998) o que,
Brasiliano-Pan-Africano.
juntamente com os padrões de elementos
As rochas menos diferenciadas desta
traços, sugere a participação de fontes
seqüência bimodal são caracterizadas por
mantélicas litosféricas do tipo EM-1 (Nardi

88 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

razões FeOt/MgO relativamente altas, = 10-12), enquanto que os riolitos alto-Nb


usualmente observadas em séries toleíticas, exibem um menor enriquecimento nestes
afinidade esta corroborada pelo comporta- elementos (LaN/YbN = 1-2), maior anoma-
mento de Nb, Zr e Y no diagrama de lia negativa de Eu e um forte empobreci-
Meschede (1986). Os elementos traços das mento em ETRL, o que pode estar refletin-
rochas básicas têm um comportamento do a presença de minerais ricos nestes ele-
similar aos observados em basaltos de mentos entre as fases fracionadas, como a
ilhas oceânicas (OIB), excetuando-se os alanita, ou ainda uma diferente fonte.
conteúdos menores de Nb, Ta e P, e maio- As rochas ácidas da seqüência
res de Ba. Observa-se um suave enriqueci- bimodal apresentam características típicas de
mento de ETRL em relação aos ETRP, com ambientes pós-colisionais, como comprova-
razões LaN/YbN próximas a 3 e ausência de do pelos diagramas discriminantes de am-
anomalia de Eu. Os magmas básicos alto- bientes tectônicos que utilizam elementos
Ti-P são levemente mais enriquecidos em traços como Y, Nb e Zr (Pearce et al., 1984;
ETR, tendo razões LaN/YbN entre 10-11 e Leat et al., 1986). As razões Zr/Nb superio-
leves anomalias negativas de Eu (Figura 5). res a 10, observadas nestes riolitos, indicam
As rochas ácidas do vulcanismo um magmatismo relacionado a fontes mo-
Acampamento Velho geralmente têm teo- dificadas pela subducção, típicas de am-
res de SiO2 superiores a 70 wt% e razões bientes pós-colisionais, como discutido por
FeOt/(FeOt+MgO) maiores que 0,9, típi- Leat et al. (1986). Os valores desta razão in-
cos de riolitos de séries alcalinas (Ewart, feriores a 10, constatados nos riolitos alto-
1979). Apresentam, predominantemente, Nb, podem indicar um componente mais
um caráter peralcalino comendiítico anorogênico no final deste magmastimo,
(MacDonald, 1974; Le Maitre, 2002), em- usualmente observados em associações fran-
bora rochas metaluminosas subalcalinas se- camente intraplacas (MacDonald & Bailey,
jam também observadas (Sommer et al., 1973).
2006; Wildner et al., 1999). Dados isotópicos forneceram idades
Os elementos traços nos riolitos exi- entre 550 e 570 Ma para as rochas vulcâni-
bem padrões similares aos das rochas cas da Formação Acampamento Velho.
graníticas de ambiente intra-placa e a eleva- Análises U-Pb SHRIMP em zircões extraí-
da razão Ce/Nb assemelha-se as das asso- dos de riolitos resultaram em idades de 573
ciações magmáticas pós-orogênicas (Leat et ± 18 Ma (Chemale Jr., 2000), na região do
al., 1986). Os menores conteúdos de Ce e Passo do Salsinho, e 549 ± 5 Ma, na região
Sm e maiores de Rb e Ta, juntamente com do Platô da Ramada (Sommer et al., 2005).
razões menores de Ce/Nb, constatados nos A origem deste magmatismo é assu-
riolitos alto-Nb, sugerem que este mida por muitos autores como de fontes
magmatismo pode estar relacionado a fon- mantélicas, e dados isotópicos de Rb, Sr, Sm
tes com menor influência dos processos e Nd, aliados a geoquímica de elementos
metassomáticos relacionados à subducção traços, em rochas do Platô do Taquarembó,
(Figura 5). Os padrões de ETR são típicos sugerem uma fonte do tipo EM1 (Gastal &
de séries alcalinas com enriquecimento de Lafon, 1998, Wildner et al., 1999; Chemale
ETRL em relação aos ETRP. As rochas alto- et al., 1999), com valores de eNd variando
Ti apresentam um leve enriquecimento em entre -15,78 e -17,48 e razões iniciais 87Sr/
ETR, principalmente em ETRL (LaN/YbN 86
Sr em torno de 0,7045.

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 89


Instituto de Geociências. Contribuições

3.3 O magmatismo moderadamente cânicas, associadas com seqüências


alcalino do vulcanismo Rodeio Velho sedimentares depositadas na Bacia do
Camaquã, uma bacia do tipo strike-slip, for-
A intensa alteração hidrotermal desta mada nos estágios pós-colisionais do ciclo
seqüência vulcânica prejudica a sua caracte- orogênico Brasiliano/Pan-africano. Esta
rização geoquímica, mas dados apresenta- bacia é caracterizada pela alternância de ci-
dos por Almeida et al. (2000) indicam con- clos vulcânicos e sedimentação siliciclástica,
teúdos entre 46 e 65% de SiO2 e um padrão desenvolvidos dominantemente sob condi-
de ETR e elementos traços compatíveis com ções subaéreas em ambientes continentais.
uma série de afinidade moderadamente al- O vulcanismo e plutonismo da bacia evo-
calina, principalmente pelo comportamen- luem de afinidades toleítica e cálcio-alcalina
to de Nb, Y, Zr, e TiO2, como observado alto-K, para shoshonítica e, finalmente, para
nos diagramas de Winchester & Floyd alcalina sódica e saturada em sílica, durante
(1977), Wood (1980) e Pearce & Cann um intervalo de mais de 180 Ma. Em rela-
(1973). O comportamento de elementos tra- ção aos ciclos vulcânicos, o componente
ços pode ser considerado similar ao dos shoshonítico é representado pelo
basaltos continentais intraplaca, com empo- vulcanismo Hilário, enquanto que a afini-
brecimento em Sr, Yb, Y e Ti, e um leve dade moderadamente alcalina-Na é típica
enriquecimento em K, Rb e Ba (Almeida et para o vulcanismo Acampamento Velho. A
al., 2000). O padrão de ETR é semelhante tendência toleítica, na evolução deste
ao dos basaltos alcalinos, com suave enri- magmatismo, pode ser representada pelo
quecimento de ETRL em relação aos ETRP. vulcanismo mais jovem na Bacia do
A idade deste vulcanismo, em torno Camaquã, associado ao Membro Rodeio
de 470 ± 19 Ma (Remus et al., 2000), marca, Velho.
possivelmente, o fim do ciclo Brasiliano e a O ambiente geotectônico, durante
inversão da sedimentação da Bacia do este período, pode ser considerado como
Camaquã, iniciando a fase distensiva que resultante de um sistema colisional associa-
acomodaria as seqüências gondwânicas. do ao amalgamento dos crátons Rio de La
Dados isotópicos, obtidos por Almeida et Plata, São Francisco, Congo, Kalahari e
al. (2005), mostram baixas razões iniciais de Paraná, como sugerido por Brito Neves &
87
Sr/86Sr (0,70467 - 0,70774) e eNd (t = 470 Cordani (1991), responsável pela formação
Ma) entre -8,39 e -13,92, com TDM igual a do Supercontinente Gondwana. Este longo
1,50 – 1,96 Ga. Segundo estes autores, o período de tectônica transcorrente, relacio-
magmatismo associado ao vulcanismo Ro- nado à formação de bacias do tipo strike-slip
deio Velho pode estar relacionado a fontes e magmatismo associado e que está ligado à
mantélicas do tipo EM1, enriquecidas em consolidação do Gondwana, pode explicar
Nd e empobrecidas em Sr radiogênicos. o amplo intervalo de tempo vinculado ao
magmatismo pós-colisional Brasiliano-
Ordoviciano no sul do Brasil (650?-470 Ma).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os ciclos vulcânicos neoproterozói-
cos da Bacia do Camaquã representam par-
te de uma seqüência evolutiva típica de um
O vulcanismo Neoproterozóico-
magmatismo que marca os estágios finais
Ordoviciano do Escudo Sul-rio-grandense
de um período pós-colisional e a exaustão
é representado por sucessões de rochas vul-
de reservatórios mantélicos hidratados,

90 Evandro Fernandes de Lima, Carlos Augusto Sommer, Lauro Valentim Stoll Nardi
50 50 anos de Geologia

Figura 55. Geoquímica do magmatismo na Bacia do Camaquã. (a) Diagrama TAS com a distribuição das rochas shoshoníticas
(Formação Hilário) e Na-alcalinas (Formação Acampamento Velho); (b) amostras de rochas shoshoníticas e Na-alcalinas plotadas
no diagrama sliding normalization (Liégeois et al., 1998), círculos – associação shoshonítica (Formação Hilário), quadrados –
associação bimodal Na-alcalina (Formação Acampamento Velho); (c) diagrama multielementar para amostras representativas da
associação shoshonítica (normalizado segundo o OIB); (d) padrões de ETR, normalizados pelo condrito para as rochas shoshoníticas;
(e) diagrama multielementar para as rochas básicas da Formação Acampamento Velho (normalizado segundo o OIB); (f) padrões
de ETR, normalizados pelo condrito para as rochas básicas da Formação Acampamento Velho; (g) diagrama multielementar para
as rochas ácidas da Formação Acampamento Velho (normalizado segundo o ORG); (h) padrões de ETR, normalizados pelo
condrito para as rochas ácidas da Formação Acampamento Velho.

O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 91


Instituto de Geociências. Contribuições

metassomatizados por processos relaciona- Almeida, D.P.M.; Conceição, R.V.; Chemale Jr.,
dos à subducção prévia. A variação F.; Koester, E.; Borba, A.W. & Petry, K. 2005.
composicional e a evolução deste Evolution of heterogeneous mantle in the
magmatismo são interpretadas como sen- Acampamento Velho and Rodeio Velho volcanic
events, Camaquã Basin, southern Brazil.
do, principalmente, resultado da fusão de
Gondwana Research, 8(4):479-492.
uma fonte mantélica heterogênea, e, even-
tualmente, contando com a adição de um Bonin, B. 2004. Do coeval mafic and felsic
componente astenosférico. A característica magmas in post-collisional to within-plate
metassomática relacionada à subducção das regimes necessarily imply two contrasting,
fontes mantélicas deste magmatismo pós- mantle and crustal, sources? A review. Lithos,
colisional é evidenciada pelas anomalias ne- 78:1-24.
gativas de Nb e características isotópicas, Borba, A.W.; Mizusaki, A.M.P.; Silva, D.R.A.;
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O Vulcanismo Neoproterozóico-Ordoviciano no Escudo Sul-rio-grandense... 95


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

E Evolução Geotectônica
do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano
Léo Afraneo Hartmann,
Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp

1. INTRODUÇÃO

Ciência é a descrição da natureza. Ao buscar a descrição da evolução geotectônica


do Rio Grande do Sul no Pré-cambriano, os autores utilizam como referencial as descrições
feitas por três gerações de geólogos. A referência dos processos ao paradigma da geossinclinal
evoluiu para a atual conceituação de interação entre as placas tectônicas. A observação natu-
ralista do registro dos fenômenos geológicos ocorridos há tanto tempo (3,4-0,53 Ga), está
hoje delimitada com dados obtidos em modernos equipamentos analíticos. Os autores apre-
sentam a sua visão de evolução, reunindo de forma condensada, em seu referencial de conhe-
cimento, todos os dados disponíveis.
O escudo é o resultado dos processos de geração e deformação de crosta conti-
nental, cuja contribuição maior ocorreu em dois ciclos orogênicos, o Transamazônico (2,26-
2,00 Ga) e o Brasiliano (900-535 Ma). Cada ciclo incluiu a extração de magmas e, possivel-
mente também, de porções sólidas do manto, com a decorrente construção de crosta oceâni-
ca (planície basáltica e sedimentos abissais, platôs oceânicos, ilhas oceânicas), presença de
microcontinentes nos oceanos, arcos de ilhas vulcânicos nos oceanos e nas margens conti-
nentais. Essas associações de rochas colidiram sequencialmente e contribuíram para o cresci-
mento da porção sul do continente sul-americano. O anteparo arqueano de colisão do primei-
ro ciclo orogênico não está registrado no estado, mas todos os processos orogênicos do
Neoproterozóico tiveram como referencial o continente antigo, cujos fragmentos remanes-
centes constituem o atual Cráton La Plata.
Em decorrência, pode-se segmentar a avaliação geotectônica do estado em asso-
ciações de rochas internamente consistentes e suas interações. No Neoproterozóico, o
escudo é descrito em termos de Terreno São Gabriel (juvenil, idades-modelo Nd semelhantes
às idades dos zircões ígneos), Terreno Tijucas (metavulcânicas, idades-modelo Nd mais
Instituto de Geociências. Contribuições

antigas que as idades dos zircões ígneos) e O Complexo Granulítico Santa Ma-
Batólito Pelotas (retrabalhamento crustal, ria Chico ocorre no extremo oeste do escu-
idades-modelo Nd muito mais antigas que do, como um fragmento do Cráton La Plata,
as idades de zircões ígneos). Todas essas uni- e é constituído dominantemente por
dades, portanto a totalidade do escudo, fa- granulitos félsicos (trondhjemíticos) e
zem parte do Cinturão Dom Feliciano, es- máficos, além de piroxenitos, uma lente de
tabelecido durante o Neoproterozóico. A harzburgito, silimanita gnaisses, mármores
evolução pré-cambriana do estado é inte- e gnaisses cálcio-silicáticos (Figura 1). A
grada em uma sugestão de inter-relações de foliação de alto grau é subvertical, próxima
placas tectônicas no Neoproterozóico. Ar- de EW, e grada para NW, na porção norte
tigos recentes de revisão de temas são men- do complexo. As condições de
cionados e listados no final do capítulo, cujo metamorfismo foram de cerca de 10 Kbar e
conteúdo está baseado, principalmente, em 800 °C, mas as rochas foram afetadas inten-
Fernandes et al. (1992), Hartmann et al. samente por retrometamorfismo de conta-
(2000, 2007b), Chemale Jr. (2000), Philipp to, devido à intrusão de grande volume de
& Machado (2005) e Saalmann et al. (2007). magmas graníticos Neoproterozóicos. A
Revisões da evolução geotectônica regional datação SHRIMP de zircões mostra idades
durante o Pré-cambriano foram publicadas variadas de acresção dos magmas do com-
recentemente por Basei et al. (2000), plexo granulítico, entre 2,5-2,1 Ga, tendo o
Heilbron et al. (2004) e Silva et al. (2005). evento colisional gerador dos granulitos
ocorrido em 2,02 Ga (Hartmann et al., 1999,
2000).
2. UNID ADES TECTONO
UNIDADES TECTONO-- O Complexo Encantadas representa
ESTRA TIGRÁFIC
ESTRATIGRÁFIC AS
TIGRÁFICAS outro fragmento importante do Cráton La
PALEOPROTEROZÓIC
ALEOPROTEROZÓICASAS Plata e ocorre em dois locais principais. A
seção-tipo é no núcleo do Terreno Tijucas,
onde foi exposto por ação de nappes com
Fragmentos remanescentes do Cráton vergência para NW (Figura 3). O outro lo-
La Plata estão expostos na porção sudoeste cal é ao sul de Lavras do Sul, onde afloram
e oeste do Rio Grande do Sul (Figura 1). os Gnaisses Imbicuí, uma associação de
Obser vam-se exposições no Terreno gnaisses dioríticos e tonalítico/
Taquarembó, como o Complexo Granulítico trondhjemíticos. Provavelmente, constitui o
Santa Maria Chico, no Terreno Tijucas, com embasamento da Bacia do Camaquã, pois
os ortognaisses do Complexo Encantadas. as lavas dessa bacia apresentam idades-mo-
No Batólito Pelotas, ocorrem os septos do delo Nd e idades de zircão antigas. Os
embasamento, com destaque para os gnaisses Arroio dos Ratos, que ocorrem no
ortognaisses do Complexo Arroio dos Ra- Batólito Pelotas, também fazem parte do
tos e os paragnaisses do Complexo Várzea complexo. A datação de zircão por SHRIMP
do Capivarita (Figura 2). O Ciclo de rochas do Complexo Encantadas mos-
Transamazônico (2,26-2,00 Ga) é o conjun- tra o início do magmatismo em 2,26 Ga e
to de eventos mais importante no acrésci- sua continuidade até 2,1 Ga. A colisão gera-
mo de volume à crosta continental do esta- dora do metamorfismo de fácies anfibolito
do, pois as idades Nd modelo situam-se en- ocorreu em 2,03 Ga. A evolução do com-
tre 2,5-2,0 Ga, próximas das idades ígneas. plexo é, portanto, muito semelhante à dos

98 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp


50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Mapa geológico do sul do Brasil e Uruguai, mostrando as principais unidades tectono-estratigráficas e estruturais.

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 99


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2
2. Mapa geológico do Batólito Pelotas, com indicação das principais zonas de cisalhamento (modificado de Philipp &
Machado, 2005).

100 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

granulitos; a diferença principal é o nível de intrusivos em uma seqüência vulcano-


profundidade agora exposto na superfície, sedimentar – os complexos Palma/
pois os granulitos do Complexo Santa Ma- Bossoroca. O Complexo Palma representa
ria Chico são infra-crustais e os gnaisses a parte inferior desta seqüência
Encantadas e Imbicuí representam níveis metavulcano-sedimentar e consiste de ro-
médios da crosta. chas meta-vulcânicas máficas e ultramáficas,
A fusão parcial da crosta intercaladas com xistos e paragnaisses
paleoproterozóica, durante os eventos pelíticos e quartzíticos. O Complexo
tectônicos do final do Neoproterozóico Bossoroca compõe a porção superior e apre-
(640-590 Ma), resultou em elevado número senta vulcânicas e vulcanoclásticas
de septos do embasamento nas suítes metamorfizadas, de composição andesítica
graníticas do Batólito Pelotas (Philipp & e dacítica, e também tufos intermediários e
Machado, 2005). Esses xenólitos têm tama- rochas tufíticas, além de xistos pelíticos e
nho máximo em torno de 1 km, mas são psamíticos. O Complexo Cambaí é compos-
comuns tamanhos de 1 a 10 m. Sua compo- to por um grande volume de rochas
sição é diversificada, incluindo rochas plutônicas juvenis, como gnaisses dioríticos
metassedimentares e orto-derivadas, como e tonalíticos, meta-dioritos, meta-tonalitos
muscovita xistos, quartzitos, mármores e e meta-trondhjemitos, truncados por várias
gnaisses cálcio-silicáticos, silimanita-biotita gerações de plútons de dioritos a
gnaisses, anfibolitos, gnaisses tonalíticos e granodioritos e corpos tabulares e veios de
granodioríticos, e rochas metagraníticas. trondhjemitos, e pegmatitos de composição
Esses remanescentes são originados, respec- quartzo-feldspática variada. A composição
tivamente, do Terreno Tijucas e do Cráton química dessas rochas indica um ambiente
La Plata, e registram condições de arco magmático de margem continental
metamórficas entre as fácies xistos verdes e (Silva, 1984; Silva & Soliani 1987; Chemale
anfibolito superior. et al. 1995; Babinski et al. 1996; Hartmann et
al. 2007b). Granitos sin-transcorrentes for-
mam corpos lenticulares, alongados segun-
3. UNID ADES TECTONO
UNIDADES TECTONO-- do a direção NE-SW e com espessuras va-
ESTRA TIGRÁFIC
ESTRATIGRÁFIC AS
TIGRÁFICAS riáveis entre 1 e 600 m, sendo intrusivos no
NEOPROTEROZÓIC
NEOPROTEROZÓICAS AS Complexo Palma, com disposição paralela
à foliação principal. O Granito Santa Zélia
ocorre no extremo oeste do Terreno São
As unidades tectono-estratigráficas Gabriel e apresenta foliação sub-solidus
neoproterozóicas do estado (Figura 2) são magmática, paralela à foliação metamórfica
identificadas pelas suas características das rochas encaixantes; sua trama indica uma
litoestratigráficas, petrográficas, geofísicas e colocação tardi-tectônica com relação ao
geoquímicas (Jost & Hartmann, 1984; pico principal da transcorrência no Terreno
Soliani Jr., 1986; Chemale, Jr., 2000; São Gabriel.
Hartmann et al., 1999, 2000; Philipp & Ma- O Terreno Tijucas tem for ma
chado, 2005). O Terreno São Gabriel pos- alongada, segundo NE-SW, e ocorre a leste
sui gnaisses cálcico-alcalinos juvenis do Terreno São Gabriel (Figura 2), apresen-
(Babinski et al., 1996; Hartmann et al., 1999, tando um comprimento de cerca de 170 km
2000, 2007b) cortados por metagranitóides, e largura entre 15 e 30 km. O contato entre
ambos englobados no Complexo Cambaí, os dois terrenos está coberto por rochas

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 101


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3
3. Distribuição dos principais litotipos do Terreno Tijucas no Escudo Sul-rio-grandense (modificado de Chemale Jr., 2000).
ZCDC = Zona de Cisalhamento Dorsal de Canguçu, ZCPM = Zona de Cisalhamento Passo do Marinheiro.

102 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

sedimentares e vulcânicas da Bacia do vulcânicas ácidas. A seqüência oeste consis-


Camaquã, de idade ediacarana a paleozóica. te de metapelitos e quartzitos intercalados
O Terreno Tijucas consiste de uma associa- com rochas tufíticas félsicas (Jost &
ção de rochas meta-sedimentares e meta- Bitencourt, 1980). O limite leste do Terre-
vulcânicas de fácies xistos verdes a no Tijucas ocorre ao longo da Zona de
anfibolito, com idade possivelmente Cisalhamento Dorsal de Canguçu
mesoproterozóica a neoproterozóica, con- (Fernandes & Koester, 1999). Esta zona de
tendo exposições do embasamento cisalhamento, transcorrente de grande es-
paleoproterozóico. Este terreno pode ser cala, tem disposição alongada, segundo a
dividido em porções leste e oeste, separa- direção NE-SW, e movimentação sinistral,
das por estreitos grabens, delimitados por colocando em contato o Terreno Tijucas e
falhas rúpteis, e preenchidos por sedimen- o Batólito Pelotas, a leste. Esta zona é im-
tos siliciclásticos da Bacia do Camaquã ou portante por ser a estrutura associada à co-
truncados por rochas gnáissicas pré- locação das várias suítes graníticas deste
Brasilianas (Complexo Encantadas, batólito.
Fernandes et al., 1992; Tommasi et al., 1994). O Batólito Pelotas (Figura 2) é carac-
Esse embasamento está exposto no núcleo terizado por um conjunto contendo um
de antiformes de grande escala (Jost & complexo granítico e sete suítes graníticas
Bitencourt, 1990) (Figura 3). O Complexo geradas durante extenso retrabalhamento
Encantadas (2,26-2,00 Ga, Ciclo crustal neoproterozóico dos gnaisses do
Transamazônico) tem gnaisses dioríticos, embasamento paleoproterozóico
tonalíticos, trondhjemíticos e anfibolitos (Mantovani et al., 1987; Babinski et al., 1997;
lensóides com 10-600 m de tamanho Hartmann et al., 1999, 2000; Chemale, 2000;
(gnaisses Encantadas), além de sienogranitos Silva et al., 2005; Philipp & Machado, 2005;
e monzogranitos miloníticos intrusivos. Os Philipp et al., 2007). O Terreno Tijucas e o
gnaisses Imbicuí ocorrem ao sul de Lavras Batólito Pelotas possuem embasamento de
do Sul, e incluem dioritos, tonalitos e características similares (Complexo Encan-
trondhjemitos e fazem parte do Complexo tadas) e fazem parte, portanto, do mesmo
Encantadas, com idades ígneas Cráton La Plata.
paleoproterozóicas de zircões datados por Três domínios geofísicos foram reco-
SHRIMP, ao passo que as porções nhecidos no escudo (Figura 4), com base
metamórficas dos zircões foram formadas em dados magnéticos e gravimétricos
pela atividade das zonas de cisalhamento em (Hallinan et al., 1993; Costa, 1997). A ano-
torno de 750-700 Ma. Esta unidade está in- malia magnética de Caçapava marca o limi-
tercalada com os meta-harzburgitos, xistos te entre os Terrenos São Gabriel e Tijucas,
magnesianos e metassomatitos (clorititos, sendo muito significativa por colocar em
tremolititos, albititos) do Complexo Cerro contato duas unidades geotectônicas com
Mantiqueiras. afinidade estrutural e geoquímica muito dis-
Os metassedimentos do Complexo tintas. A anomalia magnética de Porto Ale-
Porongos recobrem os ortognaisses do gre apresenta embasamento semelhante nos
Complexo Encantadas e contêm duas se- seus dois lados e deve representar uma fei-
qüências litológicas. A seqüência leste con- ção intracontinental de grande escala. O
tém xistos pelíticos, grafitosos, quartzitos e mapa gravimétrico (anomalias Bouguer) do
lentes de mármore, e ainda, rochas meta- estado (Zwirtes et al., 2007) mostra feições

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 103


Instituto de Geociências. Contribuições

observadas anteriormente no escudo, mas plexo Cambaí têm idades de zircão (TIMS e
destaca outros aspectos muito significativos, SHRIMP) em torno de 735-680 Ma
como a anomalia negativa ao longo do arco (Babinski et al., 1996; Hartmann et al., 2000,
do Rio Grande (Figura 5), tanto na porção 2007b). Apresentam valores positivos de
pré-cambriana exposta quanto na parte åNd e assinalam o desenvolvimento de um
recoberta pela Bacia do Paraná. O arco do arco magmático de margem continental
Rio Grande tem direção NW e um de seus (Orogênese São Gabriel). O Complexo
pontos centrais fica na cidade de São Fran- Bossoroca, que consiste principalmente de
cisco de Assis. As anomalias Bouguer posi- rochas vulcânicas e vulcanoclásticas
tivas parecem corresponder a remanescen- andesíticas a dacíticas, representa a parte
tes aquecidos de litosfera, desde a passagem vulcânica principal desse arco. Essa relação
da pluma Tristão da Cunha no Mesozóico é corroborada pelas idades de cristalização
(135 Ma). de metadacitos (U-Pb zircão, TIMS e
O Ciclo Brasiliano foi responsável SHRIMP), em torno de 753 ±2 Ma, próxi-
pela construção do Cinturão Dom Feliciano, mas das idades dos granitóides. A idade-
e compreende três eventos tectônicos prin- modelo Nd, das rochas metassedimentares
cipais (Hartmann et al., 1999, 2000, 2007b): e das rochas meta-vulcânicas máficas e
(1) o início de atividade de subducção, ultramáficas do Complexo Palma (Figura 7),
marcada pelo metadiorito Passinho (880 é Neoproterozóica (aprox. 1,3-0,6 Ga). O
Ma), que é o evento tectônico Terreno São Gabriel (Figura 8) é composto,
neoproterozóico mais velho do sul do Bra- portanto, por rochas juvenis (meso- a
sil (evento Passinho); (2) a Orogênese São neoproterozóicas) que incluem rochas
Gabriel, que é o evento de desenvolvimen- plutônicas, cálcico-alcalinas baixo a médio-
to do arco magmático do Terreno São K de arco (Complexo Cambaí) e também
Gabriel (753-680 Ma), com a formação dos rochas meta-vulcânicas máficas e meta-
Complexos Cambaí e Palma/Bossoroca; (3) sedimentares associadas (Complexos Pal-
a Orogênese Dom Feliciano, que represen- ma/Bossoroca). As idades-modelo Nd em
ta a extensa fusão dos remanescentes torno de 1,0 Ga podem representar a pre-
crustais antigos presentes no Batólito sença de crosta grenviliana na região.
Pelotas, seguido da intrusão amplamente Há vários indicadores geoquímicos de
distribuída de granitos sin, tardi e pós- origem das rochas dos Complexos Palma/
colisionais. Bossoroca e do Complexo Cambaí em am-
biente de zona de subducção, como as con-
3.1 Terreno São Gabriel centrações de elementos maiores e traços, o
enriquecimento em ETRL, os baixos con-
O terreno São Gabriel constitui-se em
teúdos de Nb e outros elementos de alto
um prisma acrescionário gerado durante o
campo de força, o enriquecimento em ele-
Neoproteorozóico, com associações
mentos litófilos de raio iônico grande e a
petrotectônicas de ambientes de margem
composição isotópica de Sr e Nd (Babinski
passiva e de retro-arco (back-arc), ofiolitos,
et al. 1996; Saalmann et al., 2007). Os dados
arcos magmáticos vulcano-sedimentares e
indicam a possível existência de duas suítes,
plutônicos (Figura 6). As rochas cálcico-al-
representando um arco de ilhas oceânico e
calinas médio a alto-K (gnaisses tonalíticos
um arco continental. A presença de um platô
e dioríticos, meta-dioritos, meta-tonalitos,
oceânico (704 ± 2 Ma, zircão SHRIMP), na
dioritos, tonalitos e granodioritos) do Com-

104 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

Figura 4.
4 A) Mapa geológico simplificado com as principais unidades geotectônicas do Escudo Sul-rio-grandense. B) Principais
estruturas geofísicas e tectônicas em nível regional do Escudo Sul-rio-grandense (modificado de Costa, 1997).

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 105


Instituto de Geociências. Contribuições

5 Mapa gravimétrico de anomalias Bouguer do Estado do Rio Grande do Sul (Zwirtes et al., 2007).
Figura 5.

Mina da Palma, é indicada pela associação metassedimentares. Sua origem foi, portan-
basalto-calcário-chert, pelo padrão to, por mistura de magmas mantélicos, com
horizontalizado de ETR e pela ausência de magmas gerados por fusão de crosta conti-
anomalia negativa de Nd nos basaltos nental antiga. Isótopos de Nd em rochas
(Lopes & Hartmann, 2003). graníticas (Gastal et al., 2005) sugerem a pre-
As rochas metassedimentares do Ter- sença de crosta neo-arqueana sob o Terre-
reno São Gabriel apresentam idades-mode- no São Gabriel, no final do Ciclo Brasiliano
lo Nd um pouco mais velhas que as rochas (aprox. 600 Ma).
ígneas, mas os valores de åNd positivo e as
baixas razões de (87Sr/86Sr)i sugerem que 3.2 Terreno Tijucas
foram derivadas de uma fonte juvenil
O Terreno Tijucas apresenta dois do-
neoproterozóica, com pequena contribuição
mínios de rochas, um de idade
de crosta mais velha. As rochas
paleoproterozóica e outro neoproterozóico
metassedimentares foram derivadas de fon-
a eo-paleozóico (Figura 3). Os
tes andesíticas e de misturas de rochas bási-
metassedimentos do Complexo Porongos
cas e félsicas de arco. As rochas granitóides
apresentam contraste com as unidades
do Complexo Cambaí têm idades (zircão,
litoestratigráficas que compõem o Terreno
SHRIMP) entre 735-680 Ma (Hartmann et
São Gabriel, pois suas unidades foram, em
al., 2007b) e valores åNd(t) positivos; o Gra-
parte, geradas entre 770-780 Ma (Chemale
nito Santa Zélia (695 Ma, zircão SHRIMP),
Jr., 2000). Nos metassedimentos, os zircões
no entanto, marca o início da presença de
detríticos mais jovens de quartzitos têm
crosta continental no Terreno São Gabriel,
idade de 1998 Ma (Hartmann et al., 2004),
pois tem valor negativo de åNd(t) e valor de
delimitando a idade máxima possível do
( 87Sr/ 86Sr) i mais alto que o das rochas
preenchimento da bacia, que é, portanto,

106 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

Figura 6
6. Mapa geológico dos Terrenos São Gabriel e Taquarembó. 1 = Complexo Ibaré, 2 = Complexo Palma, 3 = Complexo
Bossoroca; CM = Ofiolito Cerro Mantiqueira. Corpos graníticos: CS = Caçapava do Sul, J = Jaguari, LS = Lavras do Sul, SA =
Santo Afonso, SR = Santa Rita, SS = São Sepé.

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 107


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Figura 77. Diagrama evolutivo de isótopos de Nd para as rochas juvenis do Terreno São Gabriel (TSG), das rochas neoproterozóicas
retrabalhadas (CP= Complexo Porongos) e do Ciclo Transamazônico (CE = Complexo Encantadas) (Chemale Jr., 2000; Saalmann
et al., 2006, 2007).

108 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

8. Mapa geológico do Terreno São Gabriel na região de Vila Nova (Hartmann et al., 2007b).
Figura 8

pós-Ciclo Transamazônico. As idades de e, consequentemente, a idade aproximada


780-770 Ma (zircão de metariolito, SHRIMP do desenvolvimento da bacia.
e TIMS), obtidas por Chemale Jr. (2000) e As rochas metavulcânicas e
Hartmann et al. (2000), são consideradas metassedimentares do Complexo Porongos
idades ígneas. No campo, as rochas e, em especial, a sucessão da parte oeste,
metavulcânicas ocorrem intercaladas com os mostram (Figura 7) valores negativos muito
metassedimentos e mostram a mesma de- evoluídos de åNd(t) e idades-modelo Nd
formação; além disso, rochas de origem pro- altas (Chemale Jr., 2000; Saalmann et al.,
vavelmente tufítica encontram-se em 2007). Esses dados embasam a divisão em
alternância com xistos pelíticos e quartzitos. seqüência leste e seqüência oeste. De ma-
Conclui-se, em decorrência, que a idade do neira geral, os dados isotópicos Nd e Sr do
magmatismo (aprox. 780 Ma) fornece a ida- Complexo Porongos indicam que as fontes
de da atividade vulcânica sin-deposicional dos sedimentos da porção oeste do

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 109


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Complexo Porongos são as unidades do situada sob o Batólito Pelotas (Philipp &
embasamento arqueano e/ou Machado, 2005; Gastal et al., 2005), implica
paleoproterozóico, com contribuição menos em ambiente ensiálico para a Orogênese
importante de fontes mais jovens. A porção Dom Feliciano (650-590 Ma).
leste pode ter área-fonte mais jovem, em Três eventos tectônicos principais
parte neoproterozóica. ocorreram no Batólito Pelotas (Fernandes
Vários ambientes tectônicos foram et al., 1995; Philipp & Machado, 2005): (a)
sugeridos para o Terreno Tijucas, incluindo um evento mais antigo, de baixo ângulo (D1),
margem passiva (Jost & Bitencourt, 1980), reconhecido em xenólitos de ortognaisses
margem ativa (Chemale Jr., 2000) e bacia de contidos nos granitóides do Complexo Pi-
retro-arco (Fernandes et al., 1995; Hartmann nheiro Machado; (b) um evento longo e mais
et al., 2000). Os dados isotópicos e de ele- jovem, de alto ângulo (D3 e D4), associado
mentos-traços das rochas meta-vulcânicas às zonas de cisalhamento dúcteis que de-
e metassedimentares mostram retrabalha- formam as estruturas D1, e responsável pela
mento do embasamento pré-Brasiliano, o colocação das suítes graníticas mais antigas
que pode sugerir a deposição em crosta con- do batólito; (c) um terceiro evento (D5), tar-
tinental distendida ou um arco magmático dio, também associado às zonas de
continental, com retrabalhamento de cros- cisalhamento de alto ângulo, porém em re-
ta continental paleoproterozóica. O gime dúctil-rúptil a rúptil (Tabela 1).
vulcanismo de 780 Ma pode estar relacio- As rochas graníticas do batólito con-
nado à Orogênese São Gabriel. Fragmen- têm muitos enclaves de gnaisses tonalíticos
tos ofiolíticos ocorrem no Terreno Tijucas, e de rochas metassedimentares, com tama-
identificados ao sul de Cachoeira do Sul, e nhos variando principalmente entre 1 m e 8
podem ser cronocorrelatos com aqueles do m, que ocorrem nos corpos intrusivos mais
Terreno São Gabriel. velhos – Complexo Pinheiro Machado
(Philipp & Machado, 2005; Silva et al., 2005).
3.3 Batólito Pelotas Idades de zircão por SHRIMP indicam dois
eventos de fusão parcial no Complexo Pi-
O Batólito Pelotas consiste predomi-
nheiro Machado, um em torno de 800 Ma e
nantemente de rochas graníticas, com idade
outro entre 630-610 Ma. Um xenólito de
entre 650 e 550 Ma (Figura 2). Um comple-
gnaisse, com idade em torno de 781 Ma,
xo granítico e seis suítes intrusivas foram
apresenta valor negativo de åNd(t) e idade-
discriminados por Philipp & Machado
modelo Nd em torno de 2,24 Ga, e reforça
(2005) e Philipp et al. (2007), relacionadas à
a ocorrência de refusão de crosta antiga
atuação de zonas de cisalhamento. Valores
(paleoproterozóica) há cerca de 800 Ma.
negativos de åNd(t) e razões iniciais 87Sr/
Esse evento de fusão, em torno de 780
86
Sri elevadas (0,708-0,716) indicam contri-
Ma, é crono-correlato com a colocação do
buição significativa de crosta antiga, ao pas-
Complexo Cambaí no Terreno São Gabriel,
so que idades-modelo Nd entre 1,5-2,3 Ga
sugerindo a ocorrência de um evento
sugerem proporções variadas de misturas
colisional em torno de 800 Ma, sendo as
entre crosta antiga e material mantélico
zonas de cisalhamento de baixo ângulo as-
(Babinski et al., 1997; Frantz & Botelho,
sociadas com a Orogênese São Gabriel, mais
2000; Philipp & Machado, 2005; Philipp et
a oeste. No entanto, é provável que o
al., 2007). A presença desses componentes
embasamento do Batólito Pelotas não esti-
isotópicos antigos na litosfera continental,
vesse conectado com o Terreno São Gabriel

110 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50
50 anos de Geologia

Tabela 1
1. Principais eventos deformacionais registrados no escudo do Rio Grande do Sul.

antes de 700 Ma, o que torna mais provável Batólito Pelotas e mergulhando para leste
que o evento de fusão parcial tenha sido (Chemale Jr., 2000). Entretanto, Philipp &
causado pela distensão e desenvolvimento Machado (2005) e Philipp et al. (2007) suge-
da bacia no Terreno Tijucas, em torno de rem que a geração do magmatismo do
800-750 Ma. A deposição dos sedimentos Batólito Pelotas ocorreu em ambiente pós-
Porongos foi acompanhada por vulcanismo colisional, como também sugerido por
gerado por fusão de crosta antiga, de forma Bitencourt & Nardi (2000). O Batólito
que os dois eventos de fusão podem estar Pelotas possui uma porção muito pequena
relacionados com distensão e afinamento de de rochas neoproterozóicas juvenis, levan-
crosta continental. Em decorrência, os dois do ao questionamento de sua posição como
terrenos refletem o mesmo evento de arco magmático durante o Ciclo Brasiliano
retrabalhamento crustal, mas representam (Bitencourt & Nardi, 2000; Hartmann et al.,
diferentes níveis de exposição. Níveis pro- 1999, 2000; Philipp et al., 2005). Isso signifi-
fundos estão expostos no Batólito Pelotas, ca que a ampla remobilização do
ao passo que níveis intermediários estão embasamento Transamazônico do Cinturão
preservados no Terreno Tijucas. Dom Feliciano não foi causada pela sua
A origem do grande volume de posição acima de uma zona de subducção,
magmatismo no Batólito Pelotas, entre 650 tendo sido induzida por outros processos
e 590 Ma, foi atribuída a um ambiente de (por exemplo, ação de pluma mantélica,
arco magmático acima de zona de delaminação crustal ou processos de slab-
subducção do Oceano Adamastor, com breakoff) e que a deformação ocorreu durante
mergulho para oeste (Fernandes et al., 1995), o desenvolvimento das zonas de
ou de um oceano localizado a oeste do cisalhamento subhorizontais intra-

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 111


Instituto de Geociências. Contribuições

continentais. Esses processos podem ter cala regional, que marcam o segundo even-
sido semelhantes aos que ocorrem há alguns to colisional Brasiliano. O último evento de
milhões de anos no Himalaia. deformação, denominado D7, está caracte-
rizado pelo colapso gravitacional do
Cinturão Dom Feliciano e a formação dos
4. EVOLUÇÃO ESTRUTURAL
EVOLUÇÃO sedimentos da Formação Guaritas da Bacia
DO ESCUDO SUL -RIOGRANDENSE
SUL-RIOGRANDENSE do Camaquã.

4.1 Evolução estrutural do Terreno São


A reunião dos dados estruturais das Gabriel
diversas unidades geotectônicas que com-
põem o escudo permite identificar o regis- No Terreno São Gabriel, os eventos
tro de oito principais eventos de deformação mais antigos correspondem
deformacionais relacionados aos ciclos a D-embasamento, que ocorrem nos
Transamazônico e Brasiliano, que afetaram paragnaisses do Complexo Cambaizinho
em maior ou menor intensidade as unida- (Tabela 1). Os eventos D 1 e D 2 estão
des do Cinturão Dom Feliciano. Nas unida- registrados nas rochas metavulcânicas e
des do Transamazônico são registradas duas ultramáficas do Complexo Palma/
fases de deformação regional, denominadas Bossoroca e nos ortognaisses e
de D1-embasamento e D-embasamento, metagranitóides do Complexo Cambaí (Fi-
sendo a primeira relacionada ao gura 8). O acamamento e bandamento S1
Paleoproterozóico e a segunda ao início do das rochas do Complexo Palma/Bossoroca
Brasiliano. Esta primeira fase deformacional foram formados durante a primeira fase de
é responsável pela geração do bandamento deformação D1. Dobramento isoclinal de S1
de segregação metamórfica e o seu registro ocorreu em condições de pico metamórfico
está marcado nos gnaisses do Complexo de fácies anfibolito, durante D2, associado
Granulítico Santa Maria Chico, Encantadas com falhamentos de empurrão para SE,
e Arroio dos Ratos. A fase denominada D- dobramento e formação da foliação S2 (Fi-
embasamento pode ser reconhecida nos gura 9). Estas duas fases deformacionais
paragnaisses do Complexo Cambaizinho, geraram dobramentos coaxiais, associados
que ocorrem como xenólitos no interior dos com uma expressiva lineação de estiramento.
ortognaisses do Complexo Cambaí, no Ter- A terceira fase de deformação D3 represen-
reno São Gabriel. ta a última e intensa fase de deformação
Os eventos D1 e D2 são observados, dúctil no Terreno São Gabriel.
principalmente, no Terreno São Gabriel e Nos xistos do Complexo Palma/
correspondem a um sistema inicial de em- Bossoroca, o evento D3 ocorreu, principal-
purrões oblíquos que marcam um primeiro mente, em condições metamórficas de fácies
evento colisional Brasiliano, evoluindo para xistos verdes superior a anfibolito inferior.
a formação de um expressivo conjunto de Nessas rochas, D3 levou ao redobramento
zonas de cisalhamento transcorrentes de alto das dobras F2 e de S2, em escala centimétrica
ângulo. Os eventos D3 a D6 são observados a métrica. Dobras F3 representam, prova-
em todas as unidades geotectônicas do velmente, dobras subordinadas às estrutu-
Cinturão Dom Feliciano e caracterizam a ras de dobras regionais. A lineação L3 é uma
evolução de um sistema de zonas de lineação de crenulação (L3cr), formada pa-
cisalhamento transcorrentes dúcteis, de es- ralela aos eixos de dobra F3. Na maior parte

112 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

9. Seção estrutural E-W do Terreno São Gabriel (Saalmann et al., 2006).


Figura 9

dos casos, S2 ainda representa a foliação durante os estágios tardios de D4 e mostra


dominante, encontrando-se ainda preserva- um registro deformacional em estado sóli-
da a lineação de estiramento L1-2 original, do, não-penetrativo, em condições de tem-
exceto em estreitas zonas (0,1-6,0 m) de peratura decrescente até as condições de
cisalhamento não-coaxiais, orientadas sub- fácies xistos verdes superior. No entanto, a
paralelas a S2. Essas estreitas zonas foram trama magmática está bem preservada.
superpostas à trama mais antiga e mostram Cisalhamento dextral D3 caracteriza a de-
planos-S (S3) bem desenvolvidos e também formação durante a ascensão, colocação e
uma lineação de estiramento L3str. D3 está solidificação das rochas plutônicas juvenis,
caracterizada por um padrão de dobras aber- ao passo que as rochas encaixantes foram
tas a fechadas, com vergência para SE. deformadas predominantemente por con-
Lineações de interseção da clivagem com o tração NW-SE. Essa partição da deforma-
acamamento e eixos de dobras tem direção ção em zonas de cisalhamento
NE-SW e correspondem a F3 e L3. transcorrentes não-coaxiais e dobramento
Os metadioritos, tonalitos, nas partes de cisalhamento coaxial sugere
trondhjemitos e granodioritos do Comple- um regime defor macional global de
xo Cambai, são as rochas encaixantes dos transpressão dextral, durante D2-D3. Esta
Complexos Palma e Bossoroca e mostram transpressão dextral dúctil levou à forma-
uma colocação sin-D 2 . Os granitos ção de um pacote de fatias com vergência
sintranscorrência, que intrusionaram estes para SE (Figura 9). A última fase de defor-
complexos, posicionaram-se em condições mação D 4 ocorreu em condições
tardi-D 2 e sin-D 3, em um regime de retrogressivas e é caracterizada localmente
cisalhamento NE-SW dextral. A trama das por falhas de empurrão semi-rúpteis, com
rochas reflete uma evolução deformacional vergência para SE, o que gerou nas rochas a
a partir de uma trama de fluxo magmático, sua imbricação, kinking e dobramento de
seguido por deformação sub-solidus e em alta empurrão. As zonas de falha D4 causaram
a baixa temperatura, caracterizada por de- localmente a reativação das zonas de
formação dextral progressiva não-coaxial. O cisalhamento D3.
Granito Santa Zélia (595 Ma) intrusionou

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 113


Instituto de Geociências. Contribuições

4.2 Evolução estrutural do Terreno afloramento, são dobras subordinadas a


Tijucas dobras principais de escala entre 100 e 1000
m. O dobramento foi associado com em-
A defor mação do Complexo purrão para NW, levando à colocação de
Porongos compreende várias fases de do- nappes e empilhamento por empurrão, e tam-
bramento. O acamamento dos metapelitos bém ao transporte para NW das unidades
contém veios e segregações de quartzo S- situadas na porção sudeste do Complexo
paralelos e também dobras isoclinais, em Porongos e, conseqüentemente,
escala de 1-10 cm, e foi, portanto, construída posicionando-as sobre as unidades do no-
a partir de camadas que já estavam dobra- roeste. No mínimo, duas unidades de em-
das. O acamamento representa a primeira purrão principais podem ser inferidas como
foliação S1, associada com o primeiro epi- responsáveis pela geometria geral do Terre-
sódio de dobramento F1. O dobramento no Tijucas. A pilha de fatias de empurrão
isoclinal do acamamento S1 e dos mobiliza- foi recortada por falhas semi-rúpteis a
dos de quartzo, é atribuído a uma segunda rúpteis, durante D 5 , em regime de
fase de deformação D2. No caso, S2 é para- cisalhamento transcorrente sinistral. Bacias
lela a S 1. Uma lineação mineral e de de pull-apart, delimitadas por falhas, forma-
estiramento, com direção NNE-SSW (L2), ram-se em segmentos transtensionais, com
está preservada localmente em planos de forma estreita e alongada, segundo a dire-
foliação. Camadas miloníticas sugerem a ção NE-SW, como por exemplo, a Bacia do
ocorrência localizada de zonas de Piquiri. Elas foram preenchidas por uma
cisalhamento dúcteis durante esta fase. O espessa seqüência de sedimentos não-
sentido do cisalhamento não pode ser de- metamorfizados, que representam os primei-
duzido com segurança, no entanto, indica- ros depósitos da Bacia do Camaquã. Estas
dores cinemáticos remanescentes sugerem seqüências também foram afetadas por
um sentido de cisalhamento topo-para- falhamentos e dobramentos relacionados
NNE. D3 levou ao redobramento fechado a aos eventos D6 e D7.
isoclinal de dobras F2, em escala de 1,0-20,0
cm, em torno de eixos de dobras mergu- 4.3 Evolução estrutural do Batólito
lhando suavemente para SW. O dobramen- Pelotas
to F 3 foi acompanhado por sentido de
cisalhamento dextral para NE-SW, que pa- Os dados geocronológicos disponí-
rece ter sido localizado em estreitas zonas veis indicam que a atividade magmática de
de cisalhamento. formação do Batólito Pelotas ocorreu em
Durante D2 e D3, foram atingidas con- um período de aproximadamente 100 mi-
dições de pico metamórfico de fácies xistos lhões de anos, com três estágios principais
verdes inferior a médio. Na porção oeste do de geração e posicionamento de magmas:
Complexo Porongos, o grau de (1) D3-D4 (Neoproterozóico I) - Granito
metamorfismo aumenta até condições de Quitéria, Suíte Cordilheira, Complexo Pi-
fácies xistos verdes superior (> 400 °C). A nheiro Machado, Suíte Erval e Suíte Viamão,
quarta deformação D4 ocorreu em condi- 650 e 620 Ma (U-Pb e Pb-Pb em zircão,
ções retrogressivas e está representada por TIMS e SHRIMP); (2) D5 (Neoproterozóico
dobras abertas a fechadas (do tipo chevron), II) – Suítes Piquiri, Encruzilhada do Sul e
em escala de 0,1 a 400,0 m. Dobras F4, com Dom Feliciano, 610 e 590 Ma (U-Pb e Pb-
vergência para NW, observadas em Pb zircão TIMS e SHRIMP, isócrona Rb-

114 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

Sr); (3) D6 (Cambriano) – Suíte Itapuã, 600 Estas zonas afetam os enxames de
e 550 Ma (U-Pb SHRIMP e Laser Ablation diques ácidos e básicos que ocorrem na re-
em zircão, isócrona Rb-Sr). gião sul do batólito e controlam o
O posicionamento sucessivo das as- posicionamento do Granito Bela Vista
sociações graníticas está relacionado aos (Philipp & Machado, 2005; Zanon et al.,
períodos de evolução das principais zonas 2006). Idades Ar-Ar, obtidas por Philipp &
de cisalhamento transcorrentes que Machado (2005) em micas de rochas
seccionam o batólito. Estas zonas apresen- miloníticas, apontam idades em torno de 535
tam-se orientadas segundo a direção NE- Ma para este último e importante período
SW e mostram-se reativadas em 4 estágios de atividade das zonas de cisalhamento. A
principais, inicialmente em regime evolução estrutural determinada para esta
compressivo e em condições dúcteis, evo- região é compatível com um modelo
luindo para dúcteis a dúctil-rúpteis e, poste- tectônico transpressivo relacionado à con-
riormente, em regime extensional, sob con- vergência oblíqua de placas tectônicas.
dições dúcteis a dúctil-rúpteis. O Granito
Quitéria e a Suíte Cordilheira registram este
evento dúctil precoce (D3), caracterizado por 5. CORREL AÇÃO DOS EVENTOS
CORRELAÇÃO
zonas de cisalhamento direcionais de alto ESTRUTURAIS BRASILIANOS
ângulo de extensão continental, com assem-
bléias mineralógicas compatíveis com as da
fácies Anfibolito Inferior a Médio e movi- A idade dos eventos individuais e a
mentação dominantemente lateral esquerda. comparação da evolução estrutural das gran-
Os granitóides do Complexo Pinhei- des unidades tectono-estratigráficas são uti-
ro Machado e das suítes Viamão e Erval lizadas para reconstruir a justaposição tem-
registram o segundo evento regional de de- poral dessas unidades. A idade de D1 e D2
formação D4, com a formação de zonas de no Terreno São Gabriel, representando a
cisalhamento direcionais de alto ângulo, em Orogênese São Gabriel, está bem delimita-
condições metamórficas da fácies xistos ver- da dentro do intervalo 753-680 Ma pelas
des a anfibolito inferior, com movimenta- idades U-Pb SHRIMP de zircão dos
ção também lateral esquerda. Um terceiro ortognaisses e corpos intrusivos do Com-
período de ativação tectônica D5 está asso- plexo Cambaí (Babinski et al., 1996;
ciado com o posicionamento das suítes Hartmann et al., 1999, 2000, 2007b). As ida-
Encruzilhada do Sul, Piquiri e Dom des de D1 e D2, no Terreno São Gabriel,
Feliciano, resultando na formação sob regi- podem ser deduzidas a partir das rochas dos
me transpressional e transtensional de zo- complexos Palma/Bossoroca e Cambaí que
nas de cisalhamento direcionais de alto ân- foram afetadas por esses eventos em um
gulo, dúctil-rúpteis a rúpteis, também com ambiente de arco neoproterozóico, supor-
cinemática dominantemente sinistral. Um tado pelas idades-modelo das rochas meta-
último período de atividade tectônica D6 vulcânicas máficas e ultramáficas do Com-
resultou na for mação de zonas de plexo Palma. O D-embasamento, no Terre-
cisalhamento direcionais e oblíquas, de alto no São Gabriel, ocorreu em um intervalo
a médio ângulo, em condições metamórficas de tempo entre 900-753 Ma. Esse limite tem-
da fácies xistos verdes a anfibolito inferior, poral é compatível com a idade do
com movimentação lateral direita e esquer- metadiorito Passinho (880 Ma), que registra
da. a primeira atividade de subdução e acresção

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 115


Instituto de Geociências. Contribuições

nesta região. A idade de D4, no Terreno São cisalhamento direcionais sinistrais D3 do


Gabriel, só pode ser estimada. Batólito Pelotas podem ser correlacionadas
Mergulhos acentuados de falhas de com falhas direcionais sinistrais do Terreno
empurrão D 4 , expostas em rochas Tijucas; o cisalhamento dúctil, em contras-
metassedimentares na margem oeste do gra- te com o falhamento rúptil, pode ser atri-
nito Caçapava, podem ser explicadas por buído aos níveis crustais mais profundos, ex-
rotação dessas falhas durante a colocação postos no Batólito Pelotas. A Tabela 1 for-
do granito em um ambiente de cisalhamento nece um resumo dos eventos
dextral. D 4 ocorreu, portanto, antes da deformacionais no âmbito das unidades
intrusão do granito, que tem uma idade em tectono-estratigráficas e a possível correla-
torno de 560-540 Ma (Hartmann et al., 2000). ção das várias fases.
A deformação no Terreno Tijucas é mais D1 e D2 representam, no Terreno São
jovem que a sua deposição há 780 Ma. Em- Gabriel, os eventos deformacionais
purrões D4 para NW e empilhamento de Brasilianos mais antigos do Rio Grande do
nappes podem ser ligados ao cisalhamento Sul. D1 a D3, no Terreno Tijucas, são con-
sinistral NE-SW da Zona de Cisalhamento temporâneos a D3, no Terreno São Gabriel
Dorsal de Canguçu. A colocação de grani- (753-680 Ma). A cinemática das deforma-
tos sintranscorrentes ocorreu em segmen- ções também é compatível. Eixos NE-SW
tos transtracionais da zona de cisalhamento de dobras F3 e indicações de cisalhamento
(Fernandes & Koester, 1999), ao passo que dextral NE-SW, no Terreno Tijucas, são
as porções transpressivas foram afetadas por compatíveis com transpressão dextral NE-
encurtamento NW-SE; isso é compatível SW e dobras e empurrões obliquos para SE
com dobramento e empurrões para NW assinalados no Terreno São Gabriel, nessa
ocorridos durante o evento D4 no Terreno época. O estágio final da Orogênese São
Tijucas, posicionado ao lado. Nesse caso, a Gabriel representa a colisão do Cráton La
idade da atividade na Dorsal de Canguçu e Plata, vindo de oeste, com o embasamento
dos eventos D3 e D4 no Terreno Tijucas são do Terreno São Gabriel e do Batólito
fornecidas pelos granitos sintranscorrência Pelotas, em torno de 700 Ma ou logo após
que apresentam idades entre 650-610 Ma 700 Ma. D4 no Terreno Gabriel, foi forma-
(Koester et al., 1997; Frantz et al., 2003). A da imediatamente após transpressão dúctil
seqüência deformacional D1 a D3 ocorreu, e empilhamento por empurrões D3, e repre-
portanto, entre a deposição dos sedimentos senta os estágios finais do empilhamento de
e a ativação da Dorsal de Canguçu, ou seja, nappes com vergência para SE, ou então ocor-
entre 753-700 Ma. reu cerca de 20 milhões de anos mais tarde,
A tectônica rúptil de blocos D5 e as como resposta aos dobramentos e empur-
falhas direcionais também afetaram as se- rões para NW ocorridos no Terreno Tijucas,
qüências inferiores da Bacia do Camaquã. que se iniciaram em 670 Ma. Cisalhamento
A deposição sintectônica ocorreu entre 630- direcional D5, neste terreno, ocorreu entre
600, no âmbito das sub-bacias do leste, ao 600-580 Ma. Os eventos de cisalhamento
passo que o preenchimento de uma sub- sinistral ocorreram no Batólito Pelotas em
bacia na parte noroeste do Terreno Tijucas torno de 650-610 Ma (D3 e D4). Falhas
tem idade em torno de 592-580 Ma (Paim et sinistrais rúpteis D5, no Batólito Pelotas, re-
al., 2000). Em decorrência, as falhas presentam os estágios finais da colisão e
direcionais rúpteis D5 do Terreno Tijucas deformação durante o soerguimento a ní-
ocorreram entre 600-580 Ma. Zonas de veis crustais mais rasos, cujos eventos estão

116 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

registrados no Terreno Tijucas e na Bacia ilhas Passinho (Figura 10b), causando a for-
do Camaquã. mação das rochas plutônicas cálcico-alcali-
nas do Complexo Cambaí e das rochas de
arco vulcânico do Complexo Palma/
6. TECTÔNIC
TECTÔNICAA DE PL AC
PLAC AS
ACAS Bossoroca. O aporte sedimentar nas bacias
NO NEOPROTEROZÓICO associadas com esta margem continental, em
ambiente de retro-arco ou ante-arco, foi
derivado, principalmente, do arco juvenil
A interpretação integrada de todos os neoproterozóico Passinho, anteriormente
dados geológicos, geofísicos, geoquímicos acrescionado, e também das rochas do arco
e e isotópicos do Rio Grande do Sul, con- magmático, sendo que somente uma peque-
duz à descrição evolutiva do escudo em na porção do aporte sedimentar foi prove-
referencial de tectônica de placas (Figura 10). niente do Cráton La Plata, no antepaís. Isso
Dois terrenos tectono-estratigráficos do explica os valores positivos de åNd(t) e as
Ciclo Brasiliano estão expostos nos idades-modelo Nd baixas (1,1-0,8 Ga) das
cinturões de xistos situados a leste do Cráton rochas metassedimentares e também as as-
La Plata, no Rio Grande do Sul. O Terreno sinaturas juvenis do Complexo Cambaí, pois
Tijucas está localizado na margem passiva não houve contribuição significativa de cros-
do Microcontinente Encantadas, ao passo ta antiga para as fusões. Subducção para
que há duas associações de arco magmático oeste causou empurrões para SE e
– um arco intra-oceânico (arco Passinho) e empilhamento dos metassedimentos, sobre-
uma margem continental ativa (arco Vila pondo rochas metavulcânicas máficas e
Nova), no Terreno São Gabriel. A evolução ultramáficas em um prisma acrescionário
do Ciclo Brasiliano em termos de tectônica (Chemale Jr., 2000). Na margem do
de placas iniciou-se no estado com o desen- Microcontinente Encantadas, houve forma-
volvimento do arco Passinho, intra-oceâni- ção de uma margem continental ativa, com
co, em torno de 880 Ma, em resposta à o consumo do Oceano Charrua, e geração
subducção de crosta oceânica. A idade pre- de magmas cálcico-alcalinos, com forte con-
cisa da bacia oceânica que se abriu a leste tribuição crustal, representados pelas uni-
do Cráton La Plata, não é conhecida; no dades metavulcânicas do Complexo
entanto, a litosfera oceânica consumida foi Metamórfico Porongos (Figura 10b).
gerada cerca de 100 m.a. antes. Isso está de Entre 0,70 e 0,68 Ga, ocorreu a coli-
acordo com as idades-modelo Nd das ro- são do Cráton La Plata com o
chas ultramáficas do Complexo Palma, em Microcontinente Encantadas, durante os
torno de 1,2-0,9 Ga (Babinski, 1997; estágios finais da Orogênese São Gabriel
Saalmann et al., 2007). O arco Passinho foi (Figura 10c), gerando empurrões para SE,
formado acima de uma zona de subdução no cinturão São Gabriel, e dobramento
para leste e foi acrescionado ao final na isoclinal, cisalhamento e metamorfismo, no
margem passiva do Cráton La Plata (Figura Terreno Tijucas, que estava localizado na
10a). Ao mesmo tempo, na margem do parte inferior da placa. O encurtamento foi
Microcontinente Encantadas, houve a for- acomodado, em parte, por cisalhamento la-
mação de uma margem passiva. teral. O granito Santa Zélia, tardi-tectônico
Entre 850-700 Ma, houve subducção com relação ao principal período de
para leste, sob a margem continental que transcorrência, registra, pela primeira vez no
consistia do Cráton La Plata e do arco de Terreno São Gabriel, a contribuição de

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 117


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 10
10. Evolução geotectônica do escudo do Rio Grande do Sul no Neoproterozóico, em 5 etapas (10a, 10b, 10c, 10d, 10e),
entre 900-540 Ma.

118 Léo Afraneo Hartmann, Farid Chemale Junior, Ruy Paulo Philipp
50 50 anos de Geologia

crosta continental antiga, pois tem valores tais de zircão detríticos marcam a atuação
levemente negativos de åNd(t). Isso pode de processos arqueanos, um extraordinário
ser atribuído à fusão de crosta continental cinturão de montanhas foi estabelecido no
subductada. estado durante o Paleoproterozóico (2,26-
O cisalhamento sinistral, ao longo da 2,00 Ga). A calma tectônica que se seguiu a
Zona de Cisalhamento Dorsal de Canguçu, essa primeira cratonização do estado, em 2,0
e o empilhamento de nappes D3 para NW, Ga, posicionou o estado no interior do
no Terreno Tijucas (Figura 10c), tiveram Supercontinente Columbia, com manifesta-
início em torno de 670 Ma e cessaram em ções menores de tectônica intra-placa, em
torno de 620 Ma (Koester et al., 1997). No torno de 1,78 Ga. No Neoproterozóico
Terreno Tijucas, o cisalhamento dúctil (900-540 Ma), o estado foi novamente ce-
sinistral foi seguido de falhamento direcional nário de altas montanhas, geradas pela
sinistral rúptil, enquanto o cisalhamento acresção e colisão de crosta oceânica, platôs
direcional sinistral dúctil e a intrusão de gra- oceânicos, microcontinentes e arcos de ilhas,
nitos ainda ocorriam mais a leste, no Batólito em um cenário final de colisão de grandes
Pelotas (Philipp & Machado, 2005). As sub- massas continentais. Deste modo, grandes
bacias Camaquã foram formadas como ba- zonas de cisalhamento cortaram o estado
cias de pull-apart em ambiente transtensivo. durante a após a grande colisão de 600 Ma.
A transição da tectônica transcorrente para A segunda e definitiva cratonização da crosta
uma tectônica extensional está registrada no do estado estava completada em 540 Ma. A
Cinturão Dom Feliciano, posterior ao pe- tectônica orogênica deu lugar à tectônica
ríodo entre 630-617 Ma (Frantz & Botelho, intra-placa do Supercontinente Gondwana,
2000). Se o Batólito Pelotas é considerado com geração da Bacia do Paraná,
um arco magmático, então o soerguimento da crosta ao longo do arco
Microcontinente Encantadas pode represen- do Rio Grande e rompimento crustal ao
tar uma microplaca continental prensada longo de grandes zonas de falhas. Os terre-
entre o Cráton La Plata e o Cráton Kalahari, nos pré-cambrianos do Rio Grande do Sul
em resposta ao fechamento dos oceanos foram rompidos no Mesozóico, quando a
Adamastor e Charrua. Nesse caso, os porção leste migrou junto com a placa afri-
granitóides do Complexo Pinheiro Macha- cana. A evolução dos principais eventos
do, do Batólito Pelotas, foram formados em geológicos do Escudo Sul-rio-grandense
decorrência da subducção do Oceano pode ser interpretada e condensada a partir
Adamastor (Figura 10d). O Microcontinente da determinação de idades U-Pb em zircões
Encantadas, embasamento do Terreno detríticos das unidades geradas no final do
Tijucas, foi separado da África (Cráton Ciclo Brasiliano (Hartmann et al., 2007a), i.é
Kalahari) e anexado ao Cráton La Plata, ou sedimentos da Formação Guaritas (Figura
era parte do Cráton La Plata e foi segmen- 11), onde se podem reconhecer populações
tado dele pela abertura do Oceano Charrua de zircões principais com idades do
(Figura 10a). Paleoproterozóico (2256 Ma, 2158 Ma, 2115
O uso integrado de diversas ferramen- Ma, 2066 Ma, 2030 Ma, 2002 Ma) e
tas de medição, com forte base em geologia Neoproterozóico (839 Ma, 781 Ma, 703 Ma,
de campo, possibilita fazer uma descrição 598 Ma e 534 Ma). Idades arqueanas e
avançada dos processos responsáveis pela mesoproterozóicas ocorrem muito
evolução geotectônica do Rio Grande do Sul subordinamente, o que é típico no Cinturão
no Pré-cambriano. Enquanto poucos cris- Ribeira.

Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 119


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 11
11. Histograma de frequência de idades U-Pb SHRIMP de zircões detríticos da Formação Guaritas. A distribuição das
idades é representativa dos eventos ocorridos na área-fonte. Dados de Hartmann et al. (2007a).

Reconhecimento accretion at 750-700 Ma in southern Brazil.


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da UFRGS, CNPq, CAPES, FINEP, O.M., Reis Neto, J.M. & Preciozzi Porta, F., 2000.
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Evolução Geotectônica do Rio Grande do Sul no Pré-Cambriano 123


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

M Magmatismo Granítico
e Evolução Crustal no Sul do Brasil
Lauro Valentim Stoll Nardi,
Maria de Fátima Bitencourt

1. INTRODUÇÃO

Os granitóides e metagranitóides são os constituintes mais importantes da crosta


terrestre, respondendo por aproximadamente 80% de seu volume total. Grande parte da
história geológica do planeta tem como testemunhos preservados e acessíveis apenas o
magmatismo granítico, tanto por sua abundância, como por constituir a mais relevante mani-
festação, em profundidade, do magmatismo orogênico. Portanto, seu estudo e investigação
são, freqüentemente, as chaves para compreender a história evolutiva de importantes seg-
mentos crustais antigos.
O papel dos granitóides no estudo da evolução crustal foi subestimado até a
última década, principalmente pela disseminação da hipótese de que a maior parte dos
granitóides era produto de fusão de diferentes protólitos crustais (e.g. Pitcher, 1993). Nos
últimos anos, no entanto, readquire importância a vinculação dos granitóides com associa-
ções magmáticas composicionalmente mais amplas, reconhecendo-se sua freqüente relação,
mesmo que indireta, com magmas primários mantélicos (Bonin et al., 1998, Bitencourt &
Nardi, 2000, Chappell & White, 2001). Da mesma forma, fica enfatizada a relação entre o
plutonismo granítico e o vulcanismo contemporâneo, como é o caso do magmatismo regis-
trado na Bacia do Camaquã e áreas vizinhas do oeste do Escudo Sul-rio-grandense (ESRG)
(Lima & Nardi, 1998; Wildner et al., 2002; Sommer et al., 2006). O enquadramento da maior
parte dos granitóides em séries magmáticas, como apregoado por Tauson (1974), Lameyre &
Bowden (1982) e Nardi (1986), entre muitos outros autores, mostra sua aplicação na caracte-
rização dos ambientes e fontes do magmatismo ao longo do tempo geológico. Este enfoque
implica também o reconhecimento de que, na maior parte dos casos, o magmatismo granítico
constitui evidência de acresção juvenil à crosta, mesmo que parcial.
Instituto de Geociências. Contribuições

O vínculo espacial e temporal entre tir do estudo dos granitóides deste segmen-
tectônica e magmatismo é amplamente re- to.
conhecido na literatura das últimas décadas
e, para diversos autores, como D’Lemos et
al. (1992), Hutton & Reavy (1992), 2. O MAGMATISMO GRANÍTICO
MAGMATISMO
Bitencourt & Nardi (2000), Çoban (2007), PALEOPROTEROZÓICO
entre outros, existe também uma relação
genética de causa e efeito entre os dois pro-
cessos. O aporte contínuo de magmas em O Granito Itapema, no Estado de
áreas orogênicas favorece a localização da Santa Catarina, (Bitencourt & Nardi, 2004)
deformação (D’Lemos et al., 1992; Tommasi tem dimensões superiores a 100 km2 e
et al., 1994), uma vez que a reologia da cros- intrude ortognaisses e anfibolitos
ta é modificada pela baixa viscosidade rela- paleoproterozóicos (Figura 1b). Sua idade,
tiva dos magmas parcialmente cristalizados. determinada em zircões pelo método U-Pb
Em orógenos transpressivos, o aporte de por SHRIMP, é de 2.020 ± 15 Ma
magmas é um dos fatores responsáveis pela (Hartmann et al., 2003). São hornblenda-
inversão progressiva, freqüentemente obser- biotita monzogranitos e granodioritos de
vada entre a tectônica tangencial e a granulação fina a média com abundantes
transcorrente, conforme apontado por xenólitos dos anfibolitos encaixantes e agre-
D’Lemos et al. (1992) para situações de fu- gados de minerais máficos cristalizados pre-
são crustal. Por outro lado, as cocemente. A geometria e distribuição da
descontinuidades translitosféricas podem foliação de fluxo magmático sugerem que o
influenciar não apenas a ascensão e Granito Itapema é uma intrusão tabular
posicionamento dos magmas, mas também subhorizontal, cujo posicionamento foi con-
reativar as fontes mantélicas e promover a trolado por tectônica tangencial sob condi-
fusão da base da crosta (Bitencourt & Nardi, ções metamórficas de fácies anfibolito su-
2000). perior. Composicionalmente, o Granito
No sul do Brasil, a maior parte dos Itapema é semelhante aos granitóides da
terrenos pré-cambrianos é constituída por série shoshonítica (Figuras 3a, 4a); entretan-
granitóides e seus equivalentes to, como não apresenta rochas menos dife-
metamórficos (Figura 1a), sendo, portanto, renciadas associadas, possui teores de álca-
imprescindível a sua utilização na investiga- lis inferiores aos de granitóides
ção da evolução crustal desta região. A shoshoníticos e mostra relação temporal
integração de dados estruturais, com metamorfismo de alto grau. Bitencourt
petrológicos, geoquímicos e isotópicos, em & Nardi (2004) admitiram que o mesmo
escala de detalhe e semi-detalhe, tem per- representa a fusão parcial de ortognaisses a
mitido investigar a evolução do magmatismo temperaturas superiores a 850 C. O
e de suas fontes, principalmente no metamorfismo de alto grau, relacionado
Neoproterozóico e, em menor escala, no com a anatexia e geração do Granito
Paleoproterozóico. O presente trabalho tem Itapema, é provavelmente o datado por
por objetivo reunir e integrar as informa- Harara et al. (2003) em 2.060 Ma e definido
ções relacionadas à evolução crustal do sul como de fácies granulito. Rivera et al. (2004)
do Brasil (Figura1), com ênfase no Escudo admitiu que o posicionamento deste corpo
Sul-rio-grandense (Figura 2), obtidas a par- se deu a profundidades da ordem de 15 km,

126 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Mapas geológicos: (a) contexto geológico e geotectônico do sul do Brasil e Uruguai, (b) principais unidades geológicas
e traços tectônicos do Escudo Catarinense.

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 127


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2
2. Mapa geológico simplificado, com a distribuição das associações de granitóides na porção oeste e central do Escudo
Sul-rio-grandense. Modificado de Sommer et al. (2006).

em condições tardias em relação à tectônica metamorfismo associados à geração deste


tangencial da região. A tectônica e granito são compatíveis com ambientes

128 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

colisionais, não sendo conhecidas evidên- 3. O MAGMA TISMO T


MAGMATISMO ARDI- A
TARDI-
cias de magmas mantélicos que impliquem PÓS- ARCO CONTINENT
PÓS-ARCO AL
CONTINENTAL
em acresção juvenil à crosta neste mesmo NEOPROTEROZÓICO
período.
No estado do Rio Grande do Sul, foi
identificada uma associação de arco No sul do Brasil, os registros de
magmático do tipo TTG no Complexo En- magmatismo relacionado à ambiente de arco
cantadas, região de Santana da Boa Vista no Neoproterozóico estão restritos à por-
(Philipp et al., 2007) (Figura 2). São dioritos, ção oeste do ESRG, nas seqüências dioríticas
tonalitos e trondhjemitos metamorfizados, e tonalíticas da região de Lavras do Sul e
muitas vezes finamente bandados e Vila Nova do Sul (Figura 2). Na porção les-
polideformados, associados com anfibolitos te do ESRG, Fernandes et al. (1992) descre-
e metaultramafitos ricos em hornblenda. veram ortognaisses tonalíticos a
Dados isotópicos dos sistemas Rb-Sr e U- granodioríticos pertencentes ao Complexo
Pb, estes obtido por SHRIMP em zircões, Gnáissico Arroio dos Ratos, interpretados
indicam idade magmática de 2.263 ± 18 Ma como remanescentes de um arco magmático
e idades metamórficas de 2.045 ± 10 Ma e mais antigo. Grande parte dos dados geoló-
2.021 ± 11 Ma (Porcher et al., 2006; in Philipp gicos aqui discutidos provém dos trabalhos
et al., 2007). Composicionalmente, são ro- de mapeamento desenvolvidos no ESRG
chas da série cálcio-alcalina médio-K, com- nos últimos anos, e parte dos dados
paráveis com associações do tipo TTG geoquímicos provém dos trabalhos relacio-
arqueanas, conforme a caracterização de nados à tese de doutorado de Luciane
Condie (2005). Os conteúdos de Y, inferio- Garavaglia (em andamento).
res a 10 ppm em rochas com 70% de SiO2, As determinações geocronológicas
a razão K2O/ Na2O, próxima de 0,55, e os disponíveis evidenciam um intervalo de 750
padrões de ETR altamente fracionados, com a 735 Ma nas rochas tonalíticas da região de
LaN/YbN entre 25 e 50, são feições dos Lavras do Sul (Leite et al., 1998), definidas
metatonalitos estudados (Figuras 3a, 4a), tí- por Kraemer (1995) como Suíte
picas do magmatismo tonalítico arqueano Ortometamórfica Imbicuí. Estas rochas são
caracterizado por Condie (2005). Philipp et consideradas por Fernandes & Porcher
al. (2007) concluíram, com base nos dados (2000) como uma associação plutônica cál-
geoquímicos e geológicos, que o Complexo cio-alcalina baixo-K, composta por gabros,
Encantadas representa uma associação de dioritos, quartzo-dioritos, tonalitos e
arco magmático continental cujos magmas trondhjemitos, gerados pela diferenciação de
parentais basálticos são derivados de fontes um magma basáltico. De acordo com estes
metassomatizadas por fluidos vinculados à autores, a trama principal nesta associação
subducção litosférica. Desta forma, fica es- seria dada por zonas de cisalhamento de
tabelecido nos ortognaisses Encantadas um geometria originalmente subhorizontal, sen-
importante registro de acresção juvenil ver- do as estruturas magmáticas reconhecíveis
tical à crosta paleoproterozóica do ESRG. apenas localizadamente, em zonas de baixa
deformação.
Na região de Vila Nova, metarriolitos
vulcanoclásticos de afinidade cálcio-alcali-
na baixo-K, estudados por Koppe &

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 129


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 33. Diagramas discriminantes de Pearce (1996) para: (a) metatonalitos do Complexo Encantadas (cinza claro) e Granito
Itapema (cinza escuro); (b) tonalitos com SiO2 > 65%, da Suíte Lagoa da Meia Lua; (c) suítes pós-colisionais subalcalinas (cinza
claro) e peraluminosa (cinza escuro); (d) suítes pós-colisionais shoshoníticas; (e) suítes pós-colisionais alcalinas. Círculo tracejado
indica campo do magmatismo pós-colisional.

130 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

4. Diagramas multielementares, com normalização pelos valores de granitos de cadeias mesoceânicas (ORG) de Pearce et
Figura 4
al. (1984), para: (a) metatonalitos do Complexo Encantadas (cinza claro) e Granito Itapema (cinza escuro); (b) tonalitos com SiO2
> 65%, da Suíte Lagoa da Meia Lua; (c) suítes pós-colisionais subalcalinas (cinza claro) e peraluminosa (cinza escuro); (d) suítes
pós-colisionais shoshoníticas; (e) suítes pós-colisionais alcalinas.

Hartmann (1988), apresentam idade equi- al., 1990). Determinações geocronológicas


valente à das associações tonalíticas de La- pontuais nesta área referem-se também a
vras do Sul, com valor de 753 Ma obtido existência de metadioritos com idade de ca.
pelo método U-Pb em zircões (Machado et 880 Ma (U-Pb SHRIMP – Leite et al., 1998),

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 131


Instituto de Geociências. Contribuições

interpretada como idade magmática, atri- seu retrabalhamento por estruturas mais
buídos a um evento de subducção precoce. jovens, como sugerido por Fernandes &
Entretanto, a escassez de dados geológicos Porcher (2000).
sobre estas rochas não permite avaliar a ex- O magmatismo sintectônico da região
tensão do seu significado. de Vila Nova é agrupado por Garavaglia et
O magmatismo da região de Vila al. (2006) em Fase Precoce (FP) e Fase Tar-
Nova foi estudado por diversos autores e dia (FT). A FP (ca. 704 Ma) compreende
interpretado, geralmente em conjunto com biotita-hornblenda dioritos e tonalitos inten-
a associação encontrada em Lavras do Sul, samente deformados, com freqüência mos-
como resultante de subducção litosférica em trando bandamento composto. A geometria
ambiente de arco magmático. Dados U-Pb, das intrusões é inicialmente controlada pela
obtidos por Babinski et al. (1996), indicam estrutura subhorizontal dos gnaisses
idade de 704 Ma para rochas dioríticas, for- encaixantes, em regime tangencial caracte-
temente deformadas, as quais representam rístico de D2, passando, nos pulsos seguin-
o magmatismo precoce desta área. Dados tes, a ser controlada por zonas de
isotópicos de Sm-Nd foram apresentados transcorrência horárias da fase D3, como a
por Babinski et al. (1996), Chemale Jr. (2000) Zona de Cisalhamento Palma-Vila Nova
e Saalmann et al. (2005), enquanto Garavaglia (ZCPVN). A FT é marcada por condições
et al. (2006) discutiram também os dados de tensão mais amenas, sendo as intrusões,
isotópicos Sm-Nd e Pb-Pb em dioritos e ao menos em parte, posicionadas em jogs
tonalitos. extensionais da ZCPVN. Os primeiros pul-
O arcabouço tectônico reconhecido sos dioríticos e tonalíticos mostram feições
na região de Vila Nova, compreende pelo de deformação de estado sólido subordina-
menos três eventos de deformação regio- das e são sucedidos por associações
nal, denominados D1, D2 e D3, reconheci- litológicas composicionalmente similares,
dos por diversos autores, embora com sig- onde as estruturas de fluxo magmático se
nificados ligeiramente distintos (conforme encontram bem preservadas (Garavaglia et
Silva Filho, 1991; Fernandes & Porcher, al., 2002). A idade magmática dos
2000; Garavaglia et al., 2006; Saalmann et al., Granitóides Cerca de Pedra, um dos corpos
2006). Sucessivos pulsos de magmatismo relacionados à FT, foi determinada por
tonalítico-diorítico sintectônico foram des- Hartmann et al. (2007) em 682 ± 1 Ma (U-
critos por Garavaglia et al. (2006), e as Pb SHRIMP).
litologias resultantes são atribuídas ao Com- O magmatismo da região de Lavras-
plexo Cambaí, abrangendo gnaisses Vila Nova (750-680 Ma) apresenta uma va-
tonalíticos e dioríticos, e à Suíte Lagoa da riação composicional compatível com a evo-
Meia Lua que reúne dioritos e tonalitos lução de um arco magmático continental
intrusivos no primeiro. O caráter cálcio-alcalino em Lavras do Sul (Kraemer,
sintectônico do magmatismo de Vila Nova 1995), passando, na região de Vila Nova,
é dado pelo desenvolvimento, em grau va- para pós-colisional típico, de afinidade
riável, de estruturas de deformação de esta- toleítica enriquecida em K. Nesta região, no
do sólido paralelas à foliação primária dos entanto, o magmatismo mais precoce ainda
dioritos e tonalitos. Não são observadas mostra composições compatíveis com
superposições de estruturas, o que permite magmatismo de arco continental altamente
descartar a formação dessas rochas em um maduro. Entre as feições composicionais
regime tectônico de temperatura mais alta e mais marcantes desta evolução estão o

132 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

caráter mais aluminoso dos magmas preco- vem sendo demonstrada por alguns autores
ces em relação aos mais tardios, bem como (Cottin et al., 1998; Bitencourt & Nardi,
suas razões FeOT/(FeOT+MgO) mais bai- 1993, 2000; Florisbal et al., 2005, 2007). O
xas, além dos menores conteúdos de ETR, magmatismo pós-colisional tem como prin-
Nb, Ta, Zr, e o caráter mais cálcio-alcalino e cipais fontes subcrustais a cunha do manto
enriquecido em Sr. O magmatismo tardio afetada pela subducção prévia, manto con-
mostra nítida afinidade toleítica e um cará- taminado por crosta inferior devido a pro-
ter intraplaca marcado pelos conteúdos cres- cessos do tipo delaminação (Kay &
centes de Na2O e K2O, e de elementos tra- Malhburg-Kay, 1991) ou a astenosfera ati-
ços como Nb, Ta, Zr e ETR. A presença de vada por ocasião do rompimento da placa
baixas razões ETRL/Nb sugere que as fon- subduzida – slab breakoff (Atherton & Ghani,
tes previamente afetadas pela subducção 2002). Assim, de modo geral, pode-se assu-
foram dominantes, confirmando o seu ca- mir como fonte mantélica, predominante do
ráter pós-colisional. Essas fontes também magmatismo pós-colisional, a mesma que
explicam o posicionamento de tonalitos do gera o magmatismo de arco, sendo, no en-
magmatismo tardio da região de Vila Nova tanto, menor o seu grau de hidratação, tra-
nos diagrama das Figuras 3b e 4b. duzido na formação de menor quantidade
A transição do magmatismo cálcio- de flogopita ou anfibólio, uma vez que a
alcalino médio a alto-K para o toleítico mé- subducção não está mais ativa. Decorre daí
dio a alto-K, provavelmente, reflete a cessa- o menor grau de oxidação das fusões e de
ção da subducção litosférica, isto é, o fecha- seu relativo empobrecimento em Al, levan-
mento de oceano ou a acresção do arco ao do à geração de magmatismo toleítico alto-
continente. Embora não seja possível pre- K, em um contexto intraplaca associado a
cisar, ou mesmo admitir, que exista um consumo prévio de litosfera oceânica.
momento exato em que ocorram estas in- Çoban (2007) observou que a geração de
versões de campos tensionais associadas magmas básicos em ambientes
com inversões ou trocas de fontes e proces- compressionais se dá as mais altas pressões
sos de geração de magmas, pode-se propor que em ambientes extensionais, o que justi-
que o magmatismo de Lavras-Vila Nova ficaria o caráter mais aluminoso dos magmas
represente uma evolução de arco magmático de ambientes compressionais, onde o
continental maduro para pós-colisional plagioclásio seria menos estável na fonte.
intraplaca.
Com base na discussão de Ulmer
(2001), pode-se admitir que a mudança do 4. O MAGMATISMO
MAGMATISMO
magmatismo cálcio-alcalino para toleítico NEOPROTEROZÓICO PÓS- COLISIONAL
PÓS-COLISIONAL
decorra do menor grau de oxidação e
hidratação nas fontes, provocado pela ces-
sação do aporte de fluidos derivados da No sul do Brasil, o magmatismo
subducção litosférica. Rochas de afinidade neoproterozóico pós-colisional (Bitencourt
toleítica, enriquecidas em potássio, são típi- & Nardi, 1993, 2000) perfaz o maior volu-
cas do magmatismo intraplaca de platôs me de rochas granitóides, expostas em uma
continentais – CFB – e sua presença em faixa de direção NE que se estende de San-
contextos relacionados com subducção ta Catarina ao Uruguai (Figura 1a), e está
litosférica é raramente referida. Entretanto, intimamente associado à tectônica
sua presença em contextos pós-colisionais transpressiva do final do Ciclo Brasiliano,

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 133


Instituto de Geociências. Contribuições

designada Batólito Pelotas, no ESRG, e sociações shoshoníticas (ca. 600 Ma) e asso-
Batólito Florianópolis, no Escudo ciações alcalinas (590-580 Ma). Granitóides
Catarinense. Esta faixa comporta sucessivos sintectônicos peraluminosos são descritos
pulsos graníticos, frequentemente associa- no intervalo de 630-617 Ma.
dos ao magmatismo máfico, representado
por enclaves microgranulares máficos, di- 4.1 Granitóides Subalcalinos Médio
ques sinplutônicos e corpos dioríticos e a Alto-K e Peraluminosos Associados
gabróicos sincrônicos.
Os estágios precoces da transcorrên-
O magmatismo plutônico foi contro-
cia no CCSb (650-620Ma) são marcados por
lado, em sucessivas etapas, pela mesma
um magmatismo básico de afinidade toleítica
descontinuidade de escala litosférica, ativa
médio a alto-K, contemporâneo e
entre 650 e 580 Ma, e referida como
cogenético com granitóides meta a
Cinturão de Cisalhamento Sul-brasileiro
peraluminosos. Este magmatismo foi iden-
(CCSb) por Bitencourt & Nardi (2000). Esta
tificado no interior do cinturão de
descontinuidade compreende diversas zonas
cisalhamento, em zonas de alta ou baixa
de cisalhamento anastomosadas, de espes-
deformação, constituindo a Suíte Paulo
sura quilométrica e cinemática dominante-
Lopes (Bitencourt et al., 2007), o Granito
mente transcorrente. A maior parte destas
Quatro Ilhas (Bitencourt & Nardi, 1993) e
zonas é subvertical, com direção variável
o Granito Quitéria (Koester et al., 2001),
entre NS e N60E, e deslocamento horário
entre outros. Esses granitóides, geralmente
ou anti-horário. Um regime de cisalhamento
porfiríticos grossos, são subalcalinos médio
compatível é registrado ao longo de zonas
a alto-K (K2O/Na 2O em torno de 2), com
de cisalhamento de direção ENE e baixo
teores de K2O + Na2O variando entre 7 e 9
ângulo de mergulho. Os dados disponíveis
(peso%), o que os torna semelhantes a gra-
apontam para condições de temperatura
nitos do tipo A. Suas razões FeO T /
compatíveis com as da fácies xistos verdes
(FeOT+MgO) variam de 0,7 a 0,9, indican-
a anfibolito inferior durante o estabeleci-
do diferentes graus de oxidação dos magmas,
mento das zonas que compõem o CCSb,
como discutido por Dall’Agnol & Oliveira
com as temperaturas sendo periodicamente
(2007).
elevadas por conseqüência da atividade
Diagramas utilizando elementos tra-
magmática continuada.
ços (Figuras 3c, 4c) ilustram um comporta-
O estudo integrado do magmatismo,
mento intermediário entre granitóides de
no interior do CCSb (Figura 1b), demons-
arco magmático maduro e intraplaca,
tra sua distribuição em zonas de alta defor-
posicionando-os como os granitóides pós-
mação, como na Zona de Cisalhamento
colisionais. O comportamento dos elemen-
Major Gercino (Bitencourt & Kruhl, 2000),
tos maiores e traços, bem como do grau de
ou em zonas de baixa deformação compre-
oxidação destes granitóides, os situa na tran-
endidas entre as zonas de cisalhamento prin-
sição de granitóides subalcalinos para os do
cipais (Peternell et al., 2007; Florisbal et al.,
tipo A. Essas variações são atribuíveis ao
2005, 2007). Os dados reunidos por
grau de interação dos magmas parentais
Bitencourt & Nardi (1993, 2000), Philipp et
toleíticos com fusões crustais, que atinge
al. (2000) e Florisbal et al. (2007) permiti-
máxima intensidade nos granitóides
ram estabelecer a dominância do
posicionados nas zonas de mais alta defor-
magmatismo subalcalino médio a alto-K, na
mação.
fase precoce (650-620 Ma), seguido por as-

134 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

Dados isotópicos (Rb-Sr, Sm-Nd, U- res de ETR (LaN 100-300, YbN 10±5), com
Th-Pb) e de elementos traços (Florisbal et anomalias negativas de Eu apenas nos ter-
al. 2005, 2007) indicam que os magmas mos muito diferenciados (SiO2 > 73 peso%).
toleíticos da Suíte Paulo Lopes provêm de Os granitóides de afinidade
fontes afetadas por subducção litosférica shoshonítica ocorrem tanto no interior do
prévia, tipo OIB e EM1, sugerindo ainda CCSb, onde apresentam caráter sintectônico,
que os granitóides cogenéticos resultam de como associados ao vulcanismo Hilário da
um grau variável de interação destes magmas Bacia do Camaquã, constituindo parte da
toleíticos com a crosta, controlada pela in- Associação Shoshonítica de Lavras do Sul
tensidade da deformação no interior das (Lima & Nardi, 1998). Seus padrões de ele-
zonas de cisalhamento. mentos traços (Figuras 3d, 4d) são similares
Associados aos estágios precoces da aos de granitóides pós-colisionais, com en-
transcorrência ocorrem também granitóides riquecimento em Sr, Ba e Rb. As idades dis-
sintectônicos peraluminosos, com duas poníveis situam-se entre 610 e 590 Ma
micas, cujas composições de elementos (Gastal et al., 2005). Os granitóides
maiores e traços são compatíveis com as de shoshoníticos, nas áreas afastadas do CCSb
magmas produzidos pela fusão crustal de e próximas das seqüências volcano-
gnaisses quartzo-feldspáticas (Bitencourt & sedimentares da Bacia do Camaquã, ocor-
Nardi, 1993; Nardi & Frantz, 1995; Koester rem associados a uma variedade de rochas
et al., 2001). plutônicas e vulcânicas cogenéticas, de bá-
Granitóides subalcalinos médio a alto sicas até ácidas. Ocorrem ainda lamprófiros
K, associados às rochas máficas, ocorrem espessartíticos (Lima et al., neste volume) que
também no interior de zonas de testemunham, ao lado das rochas básicas, a
cisalhamento mais jovens, como o Comple- importante adição mantélica que este
xo Granítico de Caçapava do Sul (Nardi & magmatismo representa.
Bitencourt, 1989), com idade de ca. 560 Ma São correlacionáveis a este
(Remus et al. 2000), sendo possivelmente magmatismo os Sienitóides Arroio do Silva
relacionados ao magmatismo pós-colisional e o Maciço Sienítico Piquiri, com granitos
do Cinturão Ribeira. ultrapotássicos comagmáticos (Plá Cid &
Nardi, 2006) e idades em torno de 611 ± 3
4.2 Granitóides de Afinidade Ma (Pb-Pb em zircão, Philipp et al., 2002).
Shoshonítica Este magmatismo sienítico, com lamprófiros
ultrapotássicos associados, tem sua origem
Granitóides de afinidade shoshonítica
por fusão do manto venulado constituído
são identificados por sua cogeneticidade
por clinopiroxênio-flogopita-anfibólio-
com rochas da série alcalina saturada em
apatita-granada-sulfetos sob pressões supe-
sílica shoshonítica (K2O > Na2O-2), dentre
riores a 3 GPa (Nardi et al., 2007). Estes
as quais os monzonitos e latitos são as mais
autores admitiram que essas porções do
características. Outras feições, em geral uti-
manto foram metassomatizadas por fluidos
lizáveis na identificação de granitóides com
relacionados com a subducção precedente
esta afinidade, são os teores de Sr > 400 ppm
(anterior a 700 Ma).
(para SiO2 < 73 peso%), razões FeOT /
(FeOT+MgO), nos granitóides e em seus
minerais ferromagnesianos, entre 0,7 e 0,9,
seu caráter metaluminoso e padrões regula-

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 135


Instituto de Geociências. Contribuições

4.3 Granitóides do Tipo A de elementos traços são típicos de


granitóides de ambientes intraplaca e pós-
Os granitóides do tipo A são caracte- colisionais (Figuras 3e, 4e).
rísticos dos ambientes intraplaca, pós- Os granitos do tipo A, posicionados
colisionais e cratônicos, e podem ser identi- no interior do CCSb, mostram algumas ca-
ficados por sua freqüente associação com racterísticas como maior oxidação dos
rochas sieníticas ou básicas da série sódica magmas parentais e razões (Na2O + K2O)
alcalina saturada em sílica. A peralcalinidade / Al2O3 e Nb/La mais baixas, em relação
da rocha granítica, por si só, permite aos granitos deste tipo, intrusivos nas se-
reconhecê-la como do tipo A, seja pela pre- qüências vulcano-sedimentares da Bacia do
sença de anfibólios ou piroxênios sódicos, Camaquã, isto é, afastados do cinturão de
seja pelo índice agpaítico. São também ca- cisalhamento. Esta variação composicional
racterísticas desses granitóides: o enriqueci- pode resultar de uma maior interação dos
mento em álcalis (Na 2O + K 2O > 0,9 granitos internos ao cinturão, com fusões
peso%), as elevadas razões FeOT / (FeOT + crustais geradas durante o evento
MgO), em geral > 0,9, razões (Ga* 104) / deformacional.
Al > 2,3 e enriquecimento em elementos
como Nb, Y, Zr e ETR.
No sul do Brasil, os granitóides do 5. O REGISTRO DA EVOL
DA UÇÃO
EVOLUÇÃO
tipo A ocorrem tanto no interior de zonas CRUST AL NOS GRANITÓIDES DO SUL
CRUSTAL
de cisalhamento do CCSb, onde têm cará- DO BRASIL
ter sintectônico, como em ambientes pou-
co afetados por deformação, e suas idades
situam-se no intervalo de 595 a 580 Ma. Os No Paleoproterozóico de Santa
granitóides do tipo A, na região oeste do Catarina, o Granito Itapema, interpretado
ESRG, foram agrupados na Suíte Intrusiva como produto de fusão crustal, implica em
Saibro (Nardi & Bonin, 1991), metamorfismo de alto grau e anatexia. Seu
correlacionada ao vulcanismo Acampamen- posicionamento tectônico e características
to Velho. Tanto nesses granitóides, como na geoquímicas sugerem sua formação em
seqüência vulcânica, ocorrem rochas bási- ambiente colisional. No ESRG, o registro
cas cogenéticas que comprovam a partici- paleoproterozóico é encontrado na asso-
pação de magmas mantélicos na geração do ciação de arco magmático continental do
magmatismo granítico. Da mesma forma, Complexo Encantadas, composicionalmen-
fica caracterizada a adição vertical à crosta te compatível com associações do tipo TTG
de material juvenil neste período, o que tam- arqueanas, implicando em subducção
bém é válido para o magmatismo tipo A no litosférica neste período.
interior do CCSb, onde enclaves máficos Na porção oeste do ESRG, o
microgranulares, diques sinplutônicos e cor- magmatismo sintectônico tonalítico-
pos básicos são abundantes. O magmatismo diorítico da região de Vila Nova-Lavras (750-
básico, representado no CCSb pelos diques 680 Ma) registra a evolução final de um arco
máficos da Suíte Zimbros, possui afinidade magmático após sua acresção ao continen-
toleítica alto-K a moderadamente alcalina, te. A fase precoce deste arco está, provavel-
e suas fontes são similares às dos magmas mente, registrada nos ortognaisses de La-
toleíticos continentais da Bacia do Paraná vras e na região de Palma (São Gabriel). O
(Nardi & Bitencourt, 1993). Seus padrões magmatismo sintectônico registra a acresção

136 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

vertical à crosta, a partir de fontes mantélicas O final do período pós-colisional é


modificadas pelo metassomatismo na cunha assinalado pela abundância de granitóides
do manto afetada por subducção. do tipo A, associados com rochas máficas
Entre os granitóides estudados, não de afinidade moderadamente alcalina,
são reconhecidas associações tipicamente constituindo associações bimodais. De ma-
sincolisionais, como granitos do tipo S. No neira análoga ao observado em relação ao
entanto, os dados obtidos nas associações magmatismo shoshonítico, o controle exer-
subalcalinas, como a Suíte Paulo Lopes (SC), cido pela tectônica sobre o magmatismo do
levam a crer que a colisão principal do Ci- tipo A resulta em magmas mais contamina-
clo Brasiliano ocorreu entre 680 e 650 Ma, dos por fusões crustais no interior das
período compreendido entre o magmatismo zonasde cisalhamento do CCSb.
de Vila Nova e o magmatismo pós-colisional Zonas de transcorrência relacionadas
precoce do Batólito Pelotas / Florianópolis. com orogenias mais jovens, como observa-
É também possível que a região sul do Bra- do no Cinturão Ribeira, podem ter promo-
sil se situe fora da zona de colisão principal. vido a geração de granitóides subalcalinos
O estágio precoce do ambiente pós- médio a alto-K, associados com rochas
colisional é marcado pelo estabelecimento máficas, como registrado no Complexo
de um importante sistema transpressivo, Granítico de Caçapava do Sul.
com a geração do CCSb, onde a acresção O magmatismo pós-colisional é pro-
mantélica é representada pelo magmatismo movido e controlado pela descontinuidade
toleítico médio a alto-K. A interação desses translitosférica do CCSb. Nos sítios
magmas em graus variáveis com fusões extensionais relacionados à mesma estrutu-
crustais produz granitóides cogenéticos, cuja ra, formam-se seqüências vulcanossedimen-
composição varia em função de seu grau de tares em bacias do tipo strike-slip. A maior
interação com materiais crustais. O grau de parte dos autores tem interpretado que a
interação é fortemente controlado pela fonte mantélica do magmatismo pós-
tectônica, observando-se os tipos mais con- colisional do sul do Brasil é do tipo OIB-
taminados no interior das zonas de EM1, tanto com base em razões isotópicas
cisalhamento do CCSb. Os granitóides como em elementos traços. A contribuição
peraluminosos representam fusões crustais crustal é dominante no caso das associações
de ortognaisses, em parte, resultantes do leucocráticas peraluminosas, tornando-se
aporte de calor de magmas básicos toleíticos. menos intensa no magmatismo toleítico
Os granitóides shoshoníticos, inter- alto-K e pouco perceptível no magmatismo
pretados como produtos da cristalização granítico shoshonítico e do tipo A.
fracionada de magmas básicos e intermedi-
ários, sem assimilação crustal, assinalam
acresção de magmas essencialmente 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
mantélicos à crosta. Entretanto, quando
posicionados no interior das zonas de
cisalhamento, esses granitóides mostram Atherton, M.P. & Ghani, A.A. 2002. Slab
variações composicionais resultantes de con- breakoff: a model for Caledonian, Late Granite
taminação crustal, o que sugere que, nestes syn-collisional magmatism in the orthotectonic
sítios, a contaminação é favorecida pela (metamorphic) zone of Scotland and Donegal,
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Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 141


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A Alterações Hidrotermais e Mineralizações


nas Rochas da Associação
Plutono-Vulcano-Sedimentar
da Região de Lavras do Sul-RS
André Sampaio Mexias, Everton Marques Bongiolo,
Márcia Elisa Boscato Gomes, Milton Luiz Laquintinie Formoso, José Carlos Frantz

1. INTRODUÇÃO

A cidade de Lavras do Sul encontra-se centralizada em relação a uma associação


de rochas graníticas, consistindo em uma região de grande trabalho de mineração, de peque-
no e médio porte, principalmente, do século passado até o presente. Como o próprio nome
da cidade já mostra, a lavra mineral representa às raízes do nascimento e desenvolvimento das
atividades na região. De tal maneira, também ocorreu, naturalmente, com os estudos geológi-
cos. Assim, uma grande quantidade de pesquisadores foi atraída para estudar a geologia de
Lavras do Sul, essencialmente, devido às ocorrências metálicas de Cu, Pb, Zn e Ag e, de
forma principal, Au. Portanto, a geologia pura e a evolução geológica regional foram e são
amplamente debatidos em jornais, revistas científicas, núcleos e encontros acadêmicos, bem
como, também, a geologia aplicada e a economicidade dos jazimentos que lá ocorrem.

2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A MINERAÇÃO EM LAVRAS DO SUL


LAVRAS

A região de Lavras do Sul caracteriza-se pela pesquisa e mineração de ouro. Os


registros mais antigos estão contidos em Carvalho (1932). Este autor relata que, no fim do
século XVIII, algumas famílias, provenientes das ilhas Canárias, teriam lá se instalado e
iniciado a lavra de ouro. No entanto, teriam sido mineiros, provenientes de Minas Gerais,
Instituto de Geociências. Contribuições

incorporados às forças portuguesas que lu- Destaca-se o trabalho da Companhia


tavam contra espanhóis no sul do Brasil, os Riograndense de Mineração (CRM), que não
responsáveis pela descoberta de ouro na re- obteve sucesso na tentativa de exploração
gião. de ouro nas rochas vulcânicas e piroclásticas
A partir de então, iniciou-se uma su- na área de Volta Grande (8 km a leste da
cessão de explorações, principalmente, re- cidade de Lavras), terminando por explotar
lacionadas às garimpagens ao longo dos alu- um aluvião com baixa produtividade, tendo
viões recentes, nas margens dos arroios que com isto, entretanto, mantido uma estrutu-
circundam a cidade. Segundo Teixeira & ra minerária do final da década de 70 até o
Leinz (1942), apenas em 1870 foi construído início dos anos 80. Neste mesmo período, a
o primeiro engenho para triturar o minério Companhia Brasileira do Cobre (CBC) rea-
quartzoso visando à extração do ouro pri- lizou trabalhos de pesquisa mineral concen-
mário. Uma série de pequenas companhias trados no Complexo Granítico Lavras
formou-se e foram extintas, constituídas por (Nardi, 1984), executando campanhas de
capitais limitados, segundo relata Carvalho prospecção de solo, rocha, sedimento de
(1932). De 1902 a 1909, a Companhia Bel- corrente e sondagens.
ga trabalhou intensamente com a constru- Com a alteração do panorama econô-
ção de uma represa, pilões, mesas mico mundial, através da nova realidade ins-
concentradoras e tanques de cianetação. A tituída em relação ao mercado de metálicos,
razão precisa para o término dos trabalhos empresas como a RTZ e Iamgold estão em
não é conhecida e muitas das empresas no atuação em Lavras do sul desde 2004,
fim do século passado, e início deste, tam- atuando principalmente na prospecção de
bém não deixaram registro de suas ativida- Au.
des, prejudicando uma avaliação histórica,
tecnicamente mais precisa, do que foi a mi-
neração e lavra de ouro na região. Durante 3. CONTEXTUALIZAÇÃO GEOLÓGIC
GEOLÓGICAA
esse período, a produção de ouro era muito
variada, oscilando entre 500g a 2 kg por mês,
com teor de pureza de 80% de Au e 20% de A região de Lavras do Sul tem atraído
Ag. a atenção de pesquisadores e mineradores,
Nos trabalhos de Carvalho (1932) e desde o início do século, principalmente
Teixeira & Leinz (1942), identifica-se uma pelas suas ocorrências auríferas, conforme
sucessão de altos e baixos na história da ex- já salientado anteriormente. Entre os prin-
ploração de ouro em Lavras do Sul (até 1940 cipais trabalhos desenvolvidos pode-se ci-
aproximadamente). Isto teria ocorrido, prin- tar Carvalho (1932), Leinz et al. (1941),
cipalmente, pela oscilação do preço do ouro Teixeira & Leinz (1942), Goñi (1961), Ri-
e do baixo conhecimento técnico das ocor- beiro et al. (1966), Kaul & Zir Filho (1974),
rências o que, por vezes, teria levado a Reischl (1980), Nardi (1984), Nardi & Lima
dimensionamentos por demais otimistas das (1985), Lima (1985), Vieira Jr. & Soliani Jr.
jazidas, acarretando investimentos desastro- (1989), Mexias (1990), Mexias et al. (1990a,
sos. b, 1995 e 1997), Gastal (1997), Lima & Nardi
Da década de 40 até a atualidade, a (1998), Gastal & Lafon (1998) e Gastal et al.
exploração do ouro na região de Lavras do (1999), entre outros.
Sul continuou oscilando na sua intensidade.

144 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

A região de Lavras do Sul é consti- sedimentares dessa formação são represen-


tuída por rochas graníticas do Complexo tadas pela estratificação rítmica de arenitos
Granítico Lavras (CGL) (Nardi, 1984), cons- arcoseanos, siltitos e grauvacas. Estas rochas
tituído por um núcleo granodiorítico desig- teriam sido formadas pela sedimentação em
nado como zona central, parcialmente assi- um ambiente influenciado por vigorosa de-
milado por magmas graníticos alcalinos posição sobre as margens de uma bacia com
(sienogranitos e pertita granitos) mais ao sul, alta declividade, dando origem as correntes
oeste e norte do plutão (Nardi, 1984). A de turbidez. Metamorfismo de contato é
partir deste processo, rochas híbridas te- observado nessas rochas nos primeiros 50
riam sido formadas, com características m do contato, a sul do CGL.
transicionais entre os dois tipos. Na Figura A oeste, o CGL está em contato com
1 é apresentado o mapa geológico de La- rochas gnáissicas e metagranitóides do Gru-
vras do Sul, acrescentando as indicações de po Cambai, assim como o Granito Jaguari.
descontinuidades referentes ao O CGL é intrusivo em todas estas rochas
posicionamento de falhas e/ou fraturas (ob- encaixantes, com exceção do Granito
servadas e inferidas), extraídas de Reischl Jaguari, que é mais jovem.
(1980), assim como as indicações das minas Gastal & Lafon (1998) redefiniram o
e prospectos antigos, com as estruturações CGL (sensu Nardi, 1984) como Complexo
hidrotermais definidas por Bongiolo et al. Intrusivo Lavras do Sul (CILS), incluindo
(2006). monzodioritos, monzonitos e quartzo
Circundam este Complexo, a leste, a monzonitos que ocorrem ao norte, e
seqüência vulcânica da Formação Hilário, reinterpretaram as suas fácies graníticas. As
constituída fundamentalmente por lavas fácies transicionais de Nardi (op cit.) foram
andesíticas e rochas piroclásticas associadas. separadas em dois conjuntos, segundo cri-
A seqüência vulcânica foi classificada por térios de campo e texturais: um deles foi
Matos Neto et al. (1980) como andesito incorporado às fácies monzogranitos a
basáltico, latito andesítico. Mexias et al. granodioritos do núcleo e, as demais, indi-
(1990a) descreveram os tufos líticos e a cris- vidualizadas como sienogranitos.
tal como acamadados e intercalados com as Segundo Nardi (1984), as rochas que
lavas vulcânicas, que predominam nas pro- constituem o núcleo do CGL apresentam
ximidades do contato do granito intrusivo. afinidade geoquímica shoshonítica, enquan-
Este acamadamento apresenta atitudes N0- to os pertita granitos periféricos são tipica-
55oW, 05-25oNE, indicando E-NE como a mente alcalinos. Ainda, segundo este autor,
direção para o topo da seqüência vulcano- os granodioritos e monzogranitos do núcleo
sedimentar. A intrusão do granito gerou uma e os pertita granitos periféricos teriam ori-
auréola de metamorfismo de contato de grau gens independentes, sendo a associação des-
médio (Ribeiro, 1983), com aproximada- sas litologias atribuída ao seu
mente 50 m de espessura (hornblenda posicionamento ao longo de zonas de fra-
hornfels inferior) e uma zona com epidoto queza.
hornfels (aproximadamente 50-450 m) (Me- Gastal & Lafon (1998) admitiram a
xias, 1990). contemporaneidade entre os eventos que
A sul, encontra-se a seqüência geraram as rochas shoshoníticas e alcalinas
sedimentar da Formação Maricá. Ribeiro com base nas relações de campo e dados
(1983) mostrou que as principais estruturas texturais, ressaltando resultados

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 145


146
André Sampaio Mexias et alli
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 1.
1 Mapa geológico de Lavras do Sul. Extraído e adaptado a partir de Reichl (1980), Gastal & Lafon (1998) e Bongiolo et al. (2006).
50 50 anos de Geologia

geocronológicos U-Pb que indicam um in- 0,705), isto é, baixas contaminações crustais.
tervalo de idade de aproximadamente 12 Ma Estes dados isotópicos são compartilhados
entre os dois tipos de rochas, havendo pelas composições shoshoníticas (núcleo do
superposição quando considerados os erros CILS). Gastal & Lafon (1998) advogam que
analíticos. No entanto, os autores admitem a transição entre os dois eventos magmáticos
que as fácies alcalinas são, relativamente, (shoshonítico e metaluminoso fortemente
mais tardias. alcalino - núcleo e borda, respectivamente,
do CILS ou CGL) poderia estar relacionada
As rochas shoshoníticas do núcleo do a heterogeneidades em pequena escala nas
CILS fazem parte da Associação fontes mantélicas, ou na interação manto-
Shoshonítica de Lavras do Sul (ASLS) crosta, cujas diferenças iniciais dos magmas
(Nardi & Lima, 1985; Lima & Nardi, 1992, parentais teriam sido posteriormente ampli-
1998). Nesta associação de rochas, estão adas durante a diferenciação magmática.
incluídos também os quartzo-monzonitos Babinski et al. (1996) apresentaram
e monzonitos, na porção norte do CILS, e resultados isotópicos em duas amostras do
o Monzodiorito Arroio do Jacques (com CGL. Uma amostra da fácies de núcleo
ressalvas devido a valores mais baixos das (shoshonítica) apresentou valor pouco ne-
razões Y/Nb, Gastal & Lafon, 1998) (Figu- gativo de xNd (t) = -0,2 e uma idade TDM de
ra 2). Lima & Nardi (1998) incluíram tam- 1.150 Ma. Outra amostra da borda alcalina
bém as rochas vulcanoclásticas da Forma- do plutão (pertita granito) mostrou um va-
ção Hilário (conglomerados vulcânicos, lor mais negativo de xNd (t) = -3,0 e uma
traquibasaltos a traquiandesitos e idade TDM correspondente de 1.350 Ma.
piroclásticas associadas), encaixadas a oeste Estes resultados levaram os autores a suge-
do CILS, bem como o Maciço Granítico rir que o granito Lavras foi derivado prima-
Santo Antônio e o Complexo Granítico San- riamente a partir da fusão de uma crosta ju-
ta Rita. venil do cinturão Vila Nova, com um grau
As rochas alcalinas que constituem o variável, mas pequeno, de contaminação a
pertita granito do CGL (sensu Nardi, 1984) partir de uma crosta mais antiga.
ou pertita granitos e sienogranitos do CILS
(sensu Gastal & Lafon, 1998) fazem parte da 3.1 Alterações Hidrotermais
Suíte Intrusiva Saibro (SIS), termo cunha- e Mineralizações Associadas
do por Hartmann & Nardi (1982) em refe-
Carvalho (1932) apresentou o primei-
rência ao reconhecimento de intrusões al-
ro estudo importante sobre as jazidas
calinas no oeste do ESRG. Segundo Gastal
auríferas de Lavras do Sul. O autor relatou
(1999), a SIS congrega rochas plutônicas
que os campos auríferos ocorrem tanto so-
(super) saturadas em sílica que evoluíram
bre o granito (Pitangueiras e Caneleira, Fi-
durante os últimos eventos do Ciclo
gura 1) como no andesito Hilário, a leste da
Brasiliano (540-580 Ma). São divididas em
cidade (Vista Alegre – na região da Volta
dois grupos: fortemente alcalinas e
Grande e Cerro Rico, Figura 1). Considera-
metaluminosas sensu strictu. As rochas do
va que o “enchimento” dos veios de quart-
pertita granito pertencem ao primeiro gru-
zo, tanto em uma região quanto na outra,
po e se caracterizam por apresentar uma
teria se dado pela ação hidrotermal e que as
forte assinatura mantélica (valores negativos
direções dos veios, tanto no granito como
de xNd, próximo à composição do manto
no andesito, eram de N50oW. Salientando,
primitivo) e baixas razões (87Sr/86Sr)i (0,704-

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 147


Instituto de Geociências. Contribuições

entretanto, que na Mina Dourada, por exem- também é encontrado nas rochas do CGL,
plo, os veios se apresentavam ortogonais a em referência às descrições de Carvalho
esta direção e que esta situação estrutural (1932) sem, contudo, mencionar o trabalho
ficava restrita às ocorrências no granito (trend do autor. Goñi (op cit.) reconheceu no CGL
N20o-40oE). O autor também apresentou o a presença de titanomagnetita, ilmenita,
primeiro relato da determinação de teores hematita, calcopirita, pirita e galena; enquan-
de ouro nos filões de diferentes frentes de to, nos andesitos, ocorrem “boas”
lavra, que oscilavam entre 5-40 g/ton. Des- magnetitas (com martitização avançada),
tacou, igualmente, a preferência do cobre em titanomagnetita, além dos sulfetos de Cu,
ocorrer no andesito em relação ao granito Fe e Pb. Apesar de o autor ter optado por
(ver Figura 1, área de Volta Grande). O tra- uma “granitização” dos sedimentos
balho de Carvalho (1932) descreveu com encaixantes como teoria para a geração do
precisão e cuidado suas observações e rela- CGL, no sentido metassomático, seguindo
tou resultados que atualmente ainda são ci- a escola francesa de Geologia do início do
tados. século XX, o trabalho foi uma primeira con-
Destaca-se a seguir o trabalho de tribuição importante na descrição da cro-
Teixeira & Leinz (1942), que apesar da in- nologia da deposição dos minerais
versão na cronologia geológica do andesito hidrotermais. Concentrando suas observa-
com o granito, mostra uma completa des- ções nos filões da Vista Alegre e Volta Gran-
crição da geologia local e das estruturas de, estabeleceu a seguinte ordem de cristali-
mineralizadas hidrotermais. Os autores zação: i) pirita; ii) hematita I e calcopirita;
posicionaram e realizaram três sondagens, iii) calcosina azul e branca, bornita rosa e
apresentando importantes descrições de lilás, hematita II, covelita primária e ouro;
campo, já que podiam contar com a exposi- iv) blenda e galena; v) covelita secundária,
ção do jazimento devido aos trabalhos de crisocola, malaquita, azurita, cuprita e
explotação que estavam em curso. Os auto- piromorfita. Como Carvalho (1932) e
res cubaram uma reserva de aproximada- Teixeira & Leinz (1942), também observou
mente 400.000 t de minério em que os teo- que as direções de posicionamento dos filões
res oscilavam em torno de 2-4 g/ton (cerca estavam, de forma mais importante, segun-
de 1.200kg de ouro). Na ocasião da pesqui- do NW. Atribuiu a origem das
sa, em 1937, a produção na área do Bloco mineralizações, tanto no CGL como nos
do Butiá era de quase 2kg Au/mês, com teor andesitos, ao granito e seus efeitos de “di-
médio de cerca de 3g/ton. Foi o primeiro fusão iônica”.
trabalho que descreveu o minério dissemi- Barbosa & Constantino (1961), estu-
nado na rocha granítica em Lavras do Sul dando o minério de cobre na região de Vol-
sendo que, na época, não havia registros de ta Grande, advogaram a “influência positi-
ocorrências similares no Brasil e estas eram va” do granito no andesito mineralizado,
inclusive raras no mundo. discutindo a influência do magmatismo
Posteriormente, Goñi (1961) apresen- granítico versus andesítico na formação das
tou um trabalho enfocando os aspectos jazidas do Seival e Camaquã. Ribeiro et al.
metalográficos, a partir da primeira análise (1966), ao estudarem as mineralizações na
detalhada ao microscópio ótico das rochas quadrícula de Caçapava do Sul, salientaram
mineralizadas de Lavras do Sul. Ele desta- que a mineralização cuprífera nas áreas de
cou que o cobre não ocorre apenas nas ro- Volta Grande e Vista Alegre (Figura 1) esta-
chas vulcânicas da Formação Hilário, mas ria “intimamente” ligada às rochas

148 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

andesíticas, alojadas em filões e em falhas Com exceção de Goñi (1961), todos


secundárias. os autores acima citados atribuem a origem
Kaul & Zir Fo. (1974) apresentaram a da mineralização a soluções hidrotermais
tipologia, controle tectônico e aspectos ge- (no sentido mais amplo da palavra) que te-
néticos para as mineralizações auríferas de riam ascendido na crosta a partir de fontes
Lavras do Sul. Os autores descreveram as magmáticas. Alguns atribuem a fonte
principais ocorrências e as classificaram magmática ao CGL, outros às rochas vulcâ-
quanto ao tipo (filoneano ou disseminado) nicas andesíticas da Formação Hilário e ou-
tanto nas rochas graníticas (disseminado = tros ainda a ambos os magmatismos. O es-
Bloco do Butiá) como na sequência vulcâ- tudo do hidrotermalismo, ou alteração
nica encaixante. Apresentaram o mais deta- hidrotermal, foi mais detalhadamente apre-
lhado estudo estrutural/tectônico para o sentado por Nardi (1984) que consagrou um
Distrito Aurífero de Lavras do Sul, assim capítulo de sua tese de doutoramento à al-
denominado pela primeira vez, demonstran- teração hidrotermal e mineralizações asso-
do que os esforços compressivos de dire- ciadas no CGL. Posteriormente, Lima
ção próxima a EW atuaram sobre os grani- (1985) realizou importante trabalho na área
tos e as rochas vulcânicas, gerando “falhas da Merita, dentro da sequência vulcano-
de tensão” onde preferencialmente esta- sedimentar da Formação Hilário, enfocando
riam encaixadas as estruturas e filões a petrologia, geoquímica e prospecção
mineralizados. Mostraram que as quantida- litogeoquímica, e relatando aspectos do
des de cobre nos granitos são insignifican- hidrotermalismo que estas rochas sofreram.
tes, ao contrário das rochas vulcânicas, onde Assim, em Nardi & Lima (1988), os dados
as concentrações atingiam valores economi- sobre o hidrotermalismo contidos nestas
camente interessantes para a época. Neste duas monografias são reunidos, levando os
caso, a ligação genética do cobre com os autores a apresentar uma síntese relativa a
andesitos foi defendida pelos autores. este hidrotermalismo, tanto no CGL como
Reischl (1980), comparando a nas vulcânicas associadas.
potencialidade econômica entre o granito Nardi (1984) apresentou a mais deta-
central e o de borda, salientou que os pertita lhada descrição da zonalidade das alterações
granitos e sienogranitos de bordo seriam hidrotermais observadas na zona central
pós-tectônicos com mineralizações (ZC), rochas transicionais (RTr) e pertita
filoneanas e lenticulares (Bloco do Butiá). granitos (PG) do CGL, envelopando os
Estes apresentam pirita, galena, blenda, veios mineralizados ou “minério pirítico”,
molibdenita, arsenopirita e, secundariamen- em referência às mineralizações que ocor-
te, calcopirita (no granito central molibdenita rem no Bloco do Butiá alojadas nos pertita
e arsenopirita foram encontradas de forma granitos. Na ZC e RTr do complexo
mais subordinada que a calcopirita). O granítico, o quartzo é mais abundante, tan-
background para Cu, Pb e Zn é maior, assim to disseminado nos produtos de alteração
como o volume da mineralização no grani- como constituindo veios, em relação ao PG.
to de bordo (pertita granito) em relação ao Em volta destes veios ou zonas
central. O autor advogou a origem das mineralizadas, desenvolve-se a alteração
mineralizações ao evento magmático res- propilítica que é caracterizada, na ZC e RTr,
ponsável pela intrusão dos sienogranitos de pela substituição de anfibólio e biotita por
bordo. clorita, epidoto e, localizadamente, calcita.

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 149


Instituto de Geociências. Contribuições

Estas zonas de alteração seriam mais espes- aumento de perda ao fogo seria o indicador
sas na ZC e RTr do que no PG. No estágio da proximidade de mineralizações sulfetadas
mais avançado de alteração, na porção inte- e auríferas no CGL, sendo As e Ag os indi-
rior destas zonas propilitizadas, são obser- cadores mais específicos para trabalhos de
vadas rochas esverdeadas constituídas por pesquisa prospectiva.
quartzo e sericita e, localizadamente, calcita, Por fim, Mexias (1990) e Mexias et al.
contendo sulfetos disseminados e ouro. O (1990a, b) propuseram que a intrusão
autor apresentou uma discussão sobre a no- granítica teria atuado como fonte de calor
menclatura dessas rochas, chamando-as de na geração e manutenção de um sistema
beresitos. No PG, estas alterações mais in- hidrotermal cujas características, bem como
tensas foram chamadas de epissienitos, pela os padrões de zonação dos produtos de al-
primeira vez, referindo-se ao “minério teração, muito se assemelham ao que se
pirítico” disseminado. Ainda segundo o au- observa nos depósitos do tipo Cu-pórfiro.
tor, outra diferença petrográfica existente Cronologicamente, após a formação dos
entre as alterações na ZC e RTr, em relação cornubianitos junto ao contato do granito,
ao PG, é a maior abundância de sulfetos de através de fraturas interconectadas, os flui-
Cu, Pb, Zn e Mo nos primeiros. Através de dos finais do magmatismo granítico teriam
estudos de correlação e de trabalhos de cam- infiltrado a rocha encaixante, depositando
po, Nardi (1984) considerou dois tipos de as paragêneses minerais de mais alta tempe-
mineralizações auríferas associadas ao CGL: ratura do sistema hidrotermal (alteração
i) na ZC e RTr o ouro estaria associado a potássica). Muito mais sob a influência de
sulfetos de Cu-Pb e Zn, ii) no PG o ouro transferência de calor na forma condutiva,
estaria, principalmente, associado à pirita, teria ocorrido a formação de epidoto +
com pequena presença de sulfetos de Pb e clorita (+ actinolita nas porções mais próxi-
Zn. Nardi (op cit.) apresentou, hipotetica- mas do contato do granito), através da
mente, uma zonalidade para as interação dos fluidos com a rocha em
mineralizações de Lavras do Sul: i) Au-Fe microfraturas e poros estagnantes (alteração
nos pertita granitos, ii) Au-Fe-Cu na ZC e propilítica) (Mexias et al., 1993), com a com-
RTr (ocasionalmente acompanhado de Mo), posição química da rocha original influen-
iii) Cu-Au nas rochas vulcânicas próximas ciando a composição química dos minerais
ao CGL, iv) Pb-Ag (Au?) na seqüência formados no hidrotermalismo. Atuando de
vulcano-sedimentar mais afastada do CGL forma destrutiva na rocha, fluidos com
(área da Merita – Lima, 1985; Nardi & Lima, maior atividade de H+ percolaram, através
1988). Finalmente, atribuiu a geração das de fraturas, após e/ou concomitante à alte-
soluções hidrotermais à intrusão dos pertita ração propilítica, em condições de tempe-
granitos e outras intrusões alcalinas, tendo raturas equivalentes ou levemente superio-
estas sido responsáveis pelas mineralizações res (300oC), gerando mica branca + clorita
no PG, na ZC e RTr, bem como nas seqüên- + quartzo + pirita. Finalmente, encerrando
cias vulcânicas e sedimentares a leste (Figu- a atividade hidrotermal ou estando associa-
ra 2). O autor propôs para o ouro uma ori- da a um outro sistema, por exemplo, a
gem magmática, possivelmente associada à falhamentos mais recentes, ocorreu, através
fusão e lixiviação de rochas do tipo de fraturas, a circulação de fluidos com alta
greenstone belt (assim consideradas na épo- fCO2 e fO2, responsáveis pela deposição de
ca), aflorantes na região oeste do ESRG. O calcita, corrensita (Mexias et al. 1989),

150 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 2
2. Mapa geológico da região de Lavras do Sul/RS, indicando as rochas pertencentes à Associação Shoshonítica. Extraído
e modificado a partir de Lima & Nardi (1998).

hematita e feldspato (adulária). Este siste- 4. SÍNTESE DA EVOL


DA UÇÃO GEOLÓGIC
EVOLUÇÃO GEOLÓGICAA
ma hidrotermal fóssil teria sido responsável NA REGIÃO DE LA VRAS DO SUL
LAVRAS
pela remobilização e concentração de me-
tais, principalmente Au e Cu, produzindo
depósitos de minério (Mexias, 1990). Pb e A proposta de uma evolução geológi-
Zn ocorrem em porções mais afastadas do ca da região de Lavras do Sul passa pelos
contato do granito (a leste), podendo estar trabalhos contidos na literatura e suas teo-
esta mineralização relacionada a fenômenos rias desenvolvidas baseadas nos inúmeros
hidrotermais associados ao vulcanismo ge- dados de campo, geoquímicos e isotópicos.
rador das rochas da Formação Hilário (Lima, Foram utilizados, fundamentalmente, os tra-
1985). balhos de Ribeiro (1983), Nardi (1984),
Mexias (1990), Babinski et al. (1996), Lima
& Nardi (1998), Gastal & Lafon (1998),

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 151


Instituto de Geociências. Contribuições

Gastal et al. (1999), Remus et al. (1997, 2000), taram a idade de aproximadamente 594 Ma
Chemale (2000) e Bongiolo (2006). para todo o magmatismo, indicando que esta
Seguindo as etapas da evolução também seria a idade para a mineralização.
esquemática da Figura 3, tem-se: O nível erosional da superfície atual pode
1) Deposição dos sedimentos da For- ser representado por uma seção inclinada
mação Márica sobre um embasamento cons- com mergulho para SW, e direção aproxi-
tituído de gnaisses e metagranitóides (Figu- mada NW (Figura 3C). Esta possibilidade é
ra 3A), gerando depósitos aluviais, deltáicos aventada pela ausência das rochas extrusivas,
e marinho rasos entre 620 e 592 Ma. Segun- vulcânicas e piroclásticas, nas porções a W.
do Chemale (2000), a deposição destes A Figura 2 (Lima & Nardi, 1998) apresenta
sedimentos pode representar uma sedimen- um mapa geológico regional mostrando que,
tação de retroarco da Orogênese Brasiliana de leste para oeste, ocorre a seqüência vul-
(atrás do Arco Magmático); cânica do Hilário, passando pelo complexo
2) Ocorrência de uma instabilidade intrusivo, com as rochas da Formação
tectônica no Neoproterozóico, últimos es- Maricá no sul, até o embasamento consti-
tágios da Orogenia Brasiliana, associada a tuído pelos complexos de rochas gnáissicas
um processo de magmatismo, inicialmente e metagranitóides a oeste. A forma aproxi-
vulcânico, com seus produtos piroclásticos madamente elíptica do complexo intrusivo
e epiclásticos, porém de filiação geoquímica (Gastal & Lafon, 1998), quando considera-
shoshonítica a partir de magmas parentais do na sua totalidade (eixo maior aproxima-
basálticos (Lima & Nardi, 1998) (Figura 3B); damente NS), pode ser em razão de que a
3) O extravasamento das lavas atual exposição representa um nível
andesíticas foi seguido pela intrusão de um erosional inclinado em relação a sua forma
complexo de corpos ígneos (Gastal & Lafon, geológica natural, em geral, aproximadamen-
1998), também com filiação geoquímica te esférica.
shoshonítica, de dimensões e composições 4) Finalmente, na Figura 3D é apre-
diversas (sienogranitos, monzogranitos, sentada a configuração da geologia
monzodioritos, granodioritos, monzonitos simplificada atual, com o posicionamento
a quartzo monzonitos e quartzo dioritos) e esquemático das ocorrências minerais, se-
de caráter plutônico e também hipoabissal, gundo um controle estrutural preferencial
que geraram importante influência térmica de direção N70-80oW. Portanto, as porções
sobre as rochas vulcanoclásticas, com o a oeste e a sudoeste podem representar a
metamorfismo de contato atingindo até a exposição de rochas formadas em maiores
fácies hornblenda-hornfels (Ribeiro, 1983; profundidades do que aquelas hoje
Mexias, 1990) (Figura 3C). Provavelmente, aflorantes na porção leste, mostrando níveis
após um importante magmatismo plutônico, crustais diferentes ao longo da superfície
de caráter geoquímico alcalino, houve a co- aflorante atual da região.
locação de grande volume de rochas, pertita
granitos e sienogranitos, de distribuições
fundamentalmente circundantes ao comple- 4.1 Mecanismo proposto de circulação
xo intrusivo, aflorando principalmente nas de fluidos e mineralizações
porções W e SW. Os dados geocronológicos
É característica na área, a seqüência
não são unânimes em indicar que o
de pequenos corpos mineralizados alinha-
magmatismo alcalino foi mais recente que
dos ao longo de fraturamentos e ocorrendo
o shoshonítico. Remus et al. (2000) apresen-

152 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 3
3. Evolução geológica esquemática para a região de Lavras do Sul. A) Deposição dos sedimentos da Formação Márica
sobre um embasamento constituído de gnaisses e metagranitóides; B) Ocorrência de uma instabilidade tectônica no Neoproterozóico,
últimos estágios da Orogenia Brasiliana, associada a um processo de magmatismo; C) Intrusão de um complexo de corpos ígneos
de caráter plutônico e também hipoabissal, que geraram importante influência térmica sobre as rochas vulcanoclásticas, com o
metamorfismo de contato atingindo até a fácies hornblenda-hornfels; D) Configuração da geologia simplificada atual, com o
posicionamento esquemático das ocorrências minerais, segundo um controle estrutural preferencial de direção N70-80oW.

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 153


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4.
4 Diagrama esquemático, extraído e modificado por Curewitz & Karson (1997), mostrando diferentes componentes
dentro de uma dinâmica de um sistema hidrotermal em que há a propagação da frente de uma falha onde, preferencialmente, os
fluidos poderiam ser canalizados e focalizados. Os depósitos de fontes quentes mais antigos são fossilizados para trás da linha de
propagação da falha.

de forma aproximadamente paralela (Figu- são deixadas para trás, cessam a atividade
ra 4). Em muitos locais, entre um corpo e em razão do fechamento dos caminhos per-
outro, não é mesmo observada a ocorrên- meáveis pela deposição da mineralização
cia de qualquer rocha alterada. Segundo hidrotermal. Com o desenvolvimento da
Curewitz & Karson (1997), stresses concen- falha e o avanço da área da linha de propa-
tram-se na área da linha de propagação (tip- gação, vai restar um alinhamento de depó-
line) da falha, onde é capaz de abrir fraturas sitos hidrotermais, adjacentes à falha, simi-
e focalizar o fluxo do fluido (“crescimento lar a uma trilha de pontos quentes das pla-
da falha”). Quando a falha propaga através cas litosféricas (Figura 4).
da crosta, a área da linha de propagação se Este tipo de mecanismo, proposto por
move. Fontes quentes individuais nas áreas Curewitz & Karson (1997), pode ser o res-
da linha de propagação vão morrer atrás da ponsável pelas seqüências, em direção a les-
região de quebramento, assim que o stress te, de pequenos depósitos. Entretanto, o
elevado, que mantém a permeabilidade da modelo dos autores é baseado em dezenas
fratura, migra com a área da linha de propa- de observações de depósitos epitermais de
gação. porções rasas da crosta. Fica a questão so-
Segundo aqueles autores, novas fon- bre: O que poderia ter acontecido nas por-
tes quentes vão se formar no limite da área ções mais profundas destes sistemas de fra-
da linha de propagação, assim que a região turas e de desenvolvimento de fontes quen-
de propagação migra, as fontes quentes, que tes, até mesmo nas porções internas das
intrusões magmáticas?

154 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

A contribuição de fluidos externos é solução do feldspato alcalino magmático. A


mais importante em sistemas hidrotermais concentração de sericita pode atingir até
ativos, em que praticamente apenas águas 80%. Pirita até 10%.
meteóricas estão envolvidas. No entanto, iv) Carbonatação – Cristalização tardia
quando se trata de regiões mais profundas e pervasiva de calcita e clorita ferrosa na
da crosta e associadas a porções internas de forma de vênulos de cerca de 1 mm de es-
corpos ígneos intrusivos (os potencializado- pessura. Calcita também pode depositar nos
res da atividade hidrotermal regional) a pos- vazios dos epissienitos não totalmente pre-
sibilidade da contribuição de fluidos juve- enchidos pela fengita, dissolvendo-a par-
nis e magmáticos no hidrotermalismo é bas- cialmente. Último processo identificado de
tante provável. alteração no sistema hidrotermal.

4.2 Os tipos de alteração identificados


e suas relações cronológicas 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos hidrotermais que atua-
ram na região deixaram fossilizadas mine- As diversas minas e pequenos pros-
ralogias, texturas e assembléias minerais, pectos, em atividade ou abandonados, exis-
muitas vezes superpostas e em desequilíbrio tentes na região de Lavras do Sul, concen-
umas com as outras, nas rochas graníticas e tram-se ao longo de uma extensão que vai
vulcânicas. Os mais importantes tipos de desde as porções no extremo W do com-
processos identificados são os seguintes: plexo intrusivo, tendo a sua ocorrência mais
i) Propilitização – Transformação do distante na área do Bloco do Butiá, até as
máfico em clorita + quartzo + calcita + porções mais a leste, representada pelas
anatásio (ou rutilo) + monazita. Circunda ocorrências de Au, Cu, Pb e Zn nas seqüên-
as rochas alteradas e mais fortemente cias vulcanoclásticas da Formação Hilário
mineralizadas. Isovolume e isoalumínio. das áreas da Volta Grande e Merita. A lar-
ii) Epissienitos – Rocha vacuolar for- gura desta faixa abrangente das ocorrências
mada pela dissolução seletiva do quartzo é de cerca de 6 Km, com direção aproxima-
primário gerando alta porosidade/ da de N70-80oW (Figura 3D).
permeabilidade. Ocorre principalmente no O papel do complexo intrusivo nas
pertita granito. Os processos posteriores de mineralizações é evidente em razão deste
circulação de fluidos que geraram a intensa hospedar boa parte das ocorrências; no en-
alteração fílica, com pirita e ouro, decorrem tanto, as regiões de contato, intra e extra
da formação dos epissienitos. Os feldspatos complexo, tanto a oeste como a leste, abri-
não se destroem e os anfibólios não são mais gam as jazidas mais importantes economi-
identificados. Pequena deposição de fengita. camente. Mexias (1990) procurou mostrar,
iii) Cloritização – Deposição da clorita para a região a leste (área da Volta Grande),
ferrosa nas cavidades deixadas pela dissolu- a importância da relação temporal das trans-
ção do quartzo no processo de formações mineralógicas associadas aos fe-
epissienitização. nômenos termais condutivos e convectivos.
Alteração Fílica – Principal processo de Veios hidrotermais, constituídos de
alteração e mineralização (aurífera) com cris- actinolita, cortam a rocha encaixante
talização de fengitas, ilitas e I/S (sericitas). metamorfizada termicamente pela intrusão
Tem alto poder destrutivo, com intensa dis-

Alterações Hidrotermais e Mineralizações nas Rochas da Associação Plutono-Vulcano-Sedimentar... 155


Instituto de Geociências. Contribuições

ígnea. Algumas centenas de metros, dentro 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS


BIBLIOGRÁFICAS
da massa granítica na região do contato,
veios hidrotermais decimétricos, também
constituídos por actinolita, sugerem a pre- Babinski, M.; Chemale Jr., F.; Hartmann, L.A.;
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encaixante para dentro da intrusão granítica, Mineralização de Cobre de Volta Grande e sua
depositando actinolita. Fenômenos Relação com o Granito Lavras, Estado do Rio
condutivos e convectivos em torno de Grande do Sul. Boletim da Sociedade
intrusões ígneas são conhecidos e têm sido Brasileira de Geologia, 10:41-47.
extensamente descritos, principalmente as- Bongiolo, E.M. 2006. Integração de dados
sociados a depósitos de Cu-Mo-Au pórfiros mineralógicos, isótopos estáveis (O, H) e
(por exemplo em Titley, 1982). porosidade de rochas 14C-PMMA) no
A concentração das ocorrências mi- reconhecimento da evolução da alteração
nerais, principalmente auríferas, na região de hidrotermal de Lavras do Sul/RS, Brasil.
Lavras do Sul, condicionadas a um controle Porto Alegre. 189p. Tese de Doutorado em
estrutural regional e, principalmente, Ciências, Instituto de Geociências,
intrusivo, mostra a importância do Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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lhante ocorre, há cerca de 50-60 Km a leste, Geológico do Estado do Rio Grande do Sul.
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interagindo com os fluidos meteóricos das
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presentando o que já foi erodido das preté- Ciências, Instituto de Geociências.
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156 André Sampaio Mexias et alli


50 50 anos de Geologia

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158 Lauro Valentim Stoll Nardi, Maria de Fátima Bitencourt


50 50 anos de Geologia

Trabalho apresentado no Simpósio Sul-


Brasileiro de Geologia, 4., 1989, Porto Alegre,
RS.

Magmatismo Granítico e Evolução Crustal no Sul do Brasil 159


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A A Mineralização do Distrito Estanífero


do Rio Grande do Sul
José Carlos Frantz, Juliana Charão Marques, Roberto dos Santos Teixeira,
Luís Carlos Bosi Tubino, André Sampaio Mexias

1. INTRODUÇÃO

A mineralização estanífera da região leste do Escudo Sul-rio-grandense está as-


sociada às zonas de alteração hidrotermal, geradas durante o posicionamento de corpos
graníticos tardi a pós-orogênicos do Ciclo Brasiliano.
As características genéticas da mineralização estanífera apontam para a existência
de uma correlação entre a evolução do sistema granítico da região, o ambiente tectônico de
geração do magmatismo granítico e as características petrológicas das suítes intrusivas rela-
cionadas com a mineralização (Figura 1).
A área mineralizada abrange parte da região leste do Escudo Sul-rio-grandense e
está limitada pelo polígono definido pelas localidades de Encruzilhada do Sul e Pinheiros, a
norte, e as localidades de Canguçu e Piratini, a sul. Esta área está situada na porção centro-
norte da faixa granítica leste do Cinturão Dom Feliciano.
O acesso norte à área pode ser feito de Porto Alegre, através da rodovia federal
BR290, até a localidade de Pântano Grande e daí até Encruzilhada do Sul, através de rodovia
estadual. O acesso sul pode ser feito através das rodovias federais BR116, até Pelotas, e BR392,
até Canguçu. As vias internas da área são de revestimento solto e com condições de tráfego
durante todo o ano.
O granito da Mina Campinas tem sido apontado, há vários anos, como o respon-
sável direto pela mineralização de estanho existente na região de Encruzilhada do Sul (Leinz
& Pinagel, 1945). A associação espacial existente deste corpo granítico com parte da
mineralização parece sugerir esta relação.
No presente trabalho, serão abordadas a caracterização das zonas de alteração
hidrotermal quanto a suas composições, a caracterização do minério de estanho, bem como,
Instituto de Geociências. Contribuições

o sistema hidrotermal, os fluidos envolvi- porte tectônico de parte de algumas unida-


dos na gênese da mineralização e a sugestão des (Jost, 1981). Durante este regime, ocor-
de um modelo evolutivo para a área traba- reu a estruturação de algumas das associa-
lhada e para a mineralização. ções de rochas supracrustais e a injeção dos
granitóides cálcio-alcalinos sin-tangenciais
(Frantz & Remus, 1986).
2. GEOLOGIA REGIONAL A tectônica transcorrente (Frantz et
al., 1984) foi responsável por deslocamen-
tos longitudinais de grande porte ao longo
O Escudo Sul-rio-grandense tem a do cinturão (Jost et al., 1984), atuando em
maior parte da sua estruturação controlada regime transpressivo (Fernandes et al., 1990).
pela evolução do Cinturão Dom Feliciano Foi o principal mecanismo controlador das
(Fragoso-Cesar, 1980), ocorrida durante o injeções de magmas graníticos cálcio-alcali-
Ciclo Brasiliano. Os raros registros de asso- nos e de fusão crustal, bem como de
ciações transamazônicas ocorrem como magmas básicos, representados por uma
fragmentos de crosta mais antiga, preserva- série de diques sin-cinemáticos de diabásio
dos durante o desenvolvimento desse (Frantz & Remus, 1986).
cinturão. As associações pré-brasilianas, pre- A deformação milonítica gerada pela
servadas em escala mapeável na porção les- atuação da tectônica transpressiva pode ser
te do Escudo, estão restritas à infra-estrutu- classificada como heterogênea, com desen-
ra do Domo de Santana (Jost, 1981), aos volvimento de uma folheação de alto ângu-
metanortositos e paragnaisses de Capivarita lo, com lineações de estiramento sub-hori-
(Frantz et al., 1984) e aos paragnaisses de zontais, indicando transporte segundo uma
Torrinhas (Frantz & Remus, 1986). direção NE-SW. A deformação heterogênea
A região leste do Cinturão Dom desenvolveu faixas de mais alto strain, alter-
Feliciano, onde estão inseridos os granitóides nadas com zonas menos deformadas.
com mineralização de estanho, pode ser sub- As intrusões sucessivas de corpos de
dividida em duas faixas principais. A ociden- leucogranitos de fusão crustal da Suíte
tal, constituída por rochas supracrustais do Intrusiva Cordilheira (Nardi & Frantz, 1995),
Complexo Cerro da Árvore e da Suíte marcam períodos de progressiva atenuação
Metamórfica Porongos (Jost, 1981). A da deformação gerada pela transcorrência.
oriental, constituída por batólitos graníticos, Os primeiros corpos desta suíte injetados
em alguns casos polidiapíricos, cujas inje- ao longo das faixas miloníticas, como os
ções sucessivas foram controladas pela ati- biotita-muscovita granitos Vista Alegre e
vidade tectônica do Cinturão segundo sua Arroio Francisquinho (Fernandes et al.,
evolução cinemática (Frantz & Remus, 1990), marcam o início da intrusão de cor-
1986). pos graníticos peraluminosos durante a
A evolução cinemática indica a atua- transcorrência. Posteriormente, ocorre a
ção de uma tectônica tangencial e outra injeção de muscovita granitos, mais diferen-
transcorrente para a região leste do Cinturão ciados e menos deformados, representados
(Jost, 1981; Frantz et al., 1984; Jost et al., 1984; pelos granitos Figueiras (Tessari & Picada,
Fernandes et al., 1990). 1970) e Cordilheira, equivalentes em com-
O regime tangencial foi responsável posição e estágio de deformação.
por imbricações tectônicas, espessamento A passagem do regime transpressivo
crustal com nappes de cavalgamento e trans- a trativo, ao final do Ciclo Brasiliano,

162 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Esboço Geológico do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul.

permitiu que as faixas de cisalhamento, de- representam os pulsos finais do


senvolvidas durante a transcorrência, atuas- magmatismo cálcio-alcalino na região leste.
sem como os principais condutos que alo- A intrusão de corpos da Suíte
jaram as intrusões graníticas pós Intrusiva Campinas, foi controlada pelas
transcorrência do Cinturão Dom Feliciano mesmas estruturas de direção NE que con-
(Frantz & Fernandes, 1994). A Suíte trolaram a intrusão da Suíte Intrusiva Cor-
Intrusiva Campinas e o Granito Canguçu dilheira, mas relacionada aos estágios finais

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 163


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da transcorrência e, às vezes, associadas às A alteração hidrotermal, associada à


reativações das zonas de cisalhamento. Suíte Cordilheira, é composta por greisen e
O posicionamento dos corpos turmalinitos (Figuras 2 A, B e C) distribuí-
graníticos tem como principal controle es- dos ao longo de todos os corpos e das
trutural, portanto, as faixas miloníticas re- encaixantes, acompanhando as faixas
sultantes da tectônica transpressiva que miloníticas. As características estruturais de
atuou na área. Os granitóides da Suíte distribuição da alteração hidrotermal resul-
Intrusiva Cordilheira têm posicionamento tam das mesmas condições tectônicas que
sin a tardi-transcorrência e os da Suíte controlaram o posicionamento sin a tardi-
Intrusiva Campinas tardi a pós- cinemático à transcorrência dos corpos
transcorrência. Este fator exerce um forte graníticos da suíte.
controle sobre a distribuição e a gênese das Os corpos de greisen, da Suíte Intrusiva
zonas de alteração hidrotermal. O Cordilheira, têm espessuras variando de 1 a
posicionamento sin a pós-transcorrência foi 30 cm, com a maior freqüência entre 5 e 10
determinante quanto ao grau de deforma- cm. São constituídos por muscovita e quart-
ção a que foram submetidos os diferentes zo, com quantidades variadas de turmalina,
corpos das duas suítes e, também, quanto à e contêm cassiterita.
distribuição das zonas de alteração Os turmalinitos são constituídos por
hidrotermal e, conseqüentemente, da turmalina e quartzo, com muscovita e biotita
mineralização. em proporções menores e variadas. A dis-
A extensa for mação de bandas tribuição destas rochas varia de cerca de 5 a
micáceas, por exemplo, é resultante de pro- 10 cm, ao redor de veios de quartzo e cor-
cessos de segregação, durante a deforma- pos de greisen, até centenas de metros, ao
ção milonítica (Frantz et al., 1984; Frantz & redor dos corpos da suíte, como auréola
Remus, 1986), sobre os granitóides da Suíte mais externa de uma zona com intensa cir-
Intrusiva Cordilheira e pode ser decorrente culação de fluidos.
do estágio de posicionamento, das caracte- A alteração hidrotermal, associada aos
rísticas composicionais e do conteúdo de corpos graníticos da Suíte Intrusiva Campi-
fluidos destas rochas (White et al., 1980; nas, está representada por corpos irregula-
Ramsay, 1982). res de greisen que acompanham um reticulado
As zonas de alteração hidrotermal que de veios de quartzo, muita vezes, envoltos
acompanham os corpos graníticos das suí- em uma zona de alteração argílica e, quase
tes Cordilheira e Campinas, apresentam ca- sempre, restritos às porções internas das
racterísticas de distribuição e composições cúpulas e a seus contatos com as rochas
diferentes. As da Suíte Intrusiva Cordilhei- encaixantes. A distribuição das associações
ra tendem a apresentar uma distribuição hidrotermais é controlada por fraturamento
pervasiva por centenas de metros, onde pre- intra a periplutônico e envolve estruturas
dominam alterações contendo turmalina, pré-existentes, relacionadas às reativações
como na Mina Cerro Branco. Já as zonas de extensivas tardi a pós-tectônicas das zonas
alteração hidrotermal, associadas aos corpos de cisalhamento transcorrente.
da Suíte Intrusiva Campinas, são limitadas Os granitóides da Suíte Intrusiva
às cúpulas e zonas de contato das injeções Campinas são acompanhados por zonas in-
graníticas e estão representadas por altera- ternas de alteração hidrotermal, com
ção micácea com zonas argílicas subordina- reticulados de veios de quartzo do tipo
das, como na Mina Campinas. stockw ork intracúpula, os quais são

164 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

acompanhados por corpos de greisen, com nos freqüente e representa, possivelmente,


posição preferencial na margem dos veios, restos de biotita reequilibrada durante o pro-
ou distribuídos como corpos lenticulares iso- cesso de formação de greisen. O politipo 2M1
lados intracúpula, no contato das intrusões parece refletir, com maior fidelidade, o pro-
com a encaixante, e projetados para o inte- cesso gerador e, em menor escala, a com-
rior da encaixante por menos de uma deze- posição do protólito. O politipo 3T, de modo
na de metros. Os turmalinitos são localiza- geral, é o que indica as diferenças mais acen-
dos e representam o envelope externo de tuadas entre as zonas de alteração
algumas zonas de alteração hidrotermal hidrotermal, considerando o fato de que esta
intracúpula e de contato com a encaixante, mica parece ser a que melhor caracteriza a
envolvendo veios e greisen (Figuras 3 A, B e influência do protólito na composição dos
C). De forma mais freqüente, as zonas de produtos gerados. A caolinita ocorre asso-
alteração hidrotermal são envolvidas por um ciada a várias destas zonas como um mine-
envelope de alteração argílica contendo mica ral de alteração de baixas temperaturas, sem-
branca muito fina e caolinita. pre representando reequilíbrios tardios.
Os corpos de greisen têm espessura A turmalina que acompanha as zonas
variando de 1 a 40 cm, com maior freqüên- mineralizadas, ocorre como cristais
cia entre 5 e 15 cm, e são constituídos por aciculares associados a quartzo de grão fino,
muscovita e quartzo, com rara turmalina, e na forma de turmalinitos, e representa um
contêm cassiterita. As zonas de alteração envelope externo à zona principal de altera-
argílica têm espessura variando de 2 a 250 ção hidrotermal que contém os corpos de
cm, com maior freqüência entre 10 e 25 cm, greisen. A turmalina está presente, ainda, as-
e são constituídas por argila de cor branca sociada aos veios de quartzo com muscovita
do tipo caolinita. que acompanham os corpos de greisen em
Os minerais analisados e que apresen- posições intra e peri-plutônicas.
tam diferenças composicionais entre as zo- A tur malina dos veios e dos
nas de alteração hidrotermal nas suítes turmalinitos adjacentes não apresentam di-
Cordilheira e Campinas, são as micas de ferenças em sua composição. A principal
greisen, a turmalina associada a veios de quart- diferença está associada à posição ocupada
zo, as zonas micáceas e a cassiterita. Estes pelos veios e turmalinitos, em relação ao fato
minerais apresentam as maiores variações da alteração hidrotermal ter sido desenvol-
relacionadas à posição intra a peri-plutônica, vida sobre intrusões graníticas da Suíte
no caso dos granitóides da Suíte Intrusiva Intrusiva Cordilheira ou da Suíte Intrusiva
Campinas, e pouca variação quando rela- Campinas. A turmalina associada à Mina
cionados aos corpos da Suíte Intrusiva Cor- Campinas, mesmo considerando as diferen-
dilheira. ças existentes para ocorrências intra e peri-
As micas brancas associadas aos greisen plutônicas, apresenta mais alto Fe, Ti, Mn e
e a zonas de alteração micácea, geradas pe- Ca, e mais baixo Si, Mg e Na que a turmalina
los granitóides das suítes intrusivas Cordi- associada à alteração hidrotermal da Mina
lheira e Campinas, têm composições que Cerro Branco da Suíte Intrusiva Cordilhei-
variam da muscovita a fengita e ocorrem sob ra.
a forma de dois politipos diferentes. O
politipo 2M1, mais comum, representa o
maior volume de micas geradas durante a
alteração hidrotermal. O politipo 3T é me-

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 165


Instituto de Geociências. Contribuições

2. Alteração hidrotermal associada à Suíte Cordilheira. A) Greisen gerado sobre o Granito Figueiras da Suíte Intrusiva
Figura 2
Cordilheira, constituído por mica branca, quartzo e turmalina; B) Greisen gerado em zona de mais alto strain do Granito Figueiras;
C) Turmalinito bandado e dobrado, desenvolvido em faixa de deformação milonítica, com quartzo recristalizado e turmalina
orientada.

166 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

3. A alteração hidrotermal associada aos corpos graníticos da Suíte Intrusiva Campinas. A) Greisen da Mina Campinas
Figura 3
posicionado em zona de contato com o Granito Figueiras, com presença de agregados do tipo mica fish contornados por mica
orientada; B) Greisen intra-cúpula da Mina Campinas; C) Greisen com turmalinito em posição intra-cúpula na Mina Campinas.

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 167


Instituto de Geociências. Contribuições

3. CARACTERIZAÇÃO DO MINÉRIO A cassiterita que acompanha os gra-


DE EST ANHO
ESTANHO nitos da Suíte Intrusiva Cordilheira, como
na Mina Cerro Branco (Figura 4), tem va-
riações no Sn, entre 0,92 e 0,96, em número
A cassiterita presente nas minas loca- de cátions por unidade de fórmula, com o
lizadas sobre corpos graníticos das suítes comportamento de alguns elementos indi-
Cordilheira e Campinas apresenta diferen- cando valores pouco mais elevados para
ças quanto à textura e composição. amostras com indícios de recristalização. A
Na Mina Cerro Branco, situada sobre relação de abundância entre Sn e os demais
granito da Suíte Intrusiva Cordilheira, tem elementos analisados, indica um aumento
tamanho de grão variando de 4 a 10 mm e nos teores de Sn do núcleo para borda dos
zonação regular uniforme, com variações cristais, durante a cristalização dessa
observadas, apenas de forma localizada, em cassiterita, com Fe e Ta sendo os elementos
cristais com indícios de recristalização jun- com decréscimos mais acentuados. O cres-
to à margem de grão. Os grãos são sempre cimento dos valores de Sn do núcleo para
fraturados e contêm grande quantidade de borda dos cristais, secundado por um au-
inclusões de quartzo e de micas. mento relativo em Ti em zonas
Na Mina Campinas, a cassiterita ocor- recristalizadas na cassiterita da Mina Cerro
re, de forma freqüente, como cristais de 5 a Branco, gerou uma composições próxima
15 mm, com variações bruscas na composi- da ideal (SnO2). As composições observa-
ção, indicando a presença de duas zonas di- das para a cassiterita associada aos granitos
ferentes, e como cristais menores, da ordem da Suíte Intrusiva Cordilheira, como na Mina
de 1 a 3 mm, com zonação regular unifor- Cerro Branco, indicam tratar-se de uma
me. Nesta mina, a cassiterita de maior ta- cassiterita de baixo Nb e médio Ta. Aumen-
manho de grão tem uma zona de núcleo com tos relativos em Ti são observados, apenas,
abundante presença de inclusões de quart- na margem de grãos e em zonas com indí-
zo e de micas, e uma borda límpida, com cios de recristalização. Nestes casos, há uma
menos inclusões, mas com contatos tendência geral de diminuição de Fe e de
interpenetrados com quartzo e micas dos Ta, acompanhando o aumento de Ti.
veios. O contato entre as duas zonas é, em A cassiterita que acompanha os gra-
geral, nítido. Os grãos de menor tamanho nitos da Suíte Intrusiva Campinas, tem com-
são sempre límpidos, sem inclusões, e ocor- posições diferentes entre núcleo e borda dos
rem isolados no interior de veios e das zo- cristais (Figura 5). O núcleo tem composi-
nas micáceas da Mina Campinas. A zonação ção e número de cátions, por unidade de
irregular, identificada através da composi- fórmula, similar a da cassiterita dos grani-
ção da cassiterita de maior tamanho de grão, tos da Suíte Intrusiva Cordilheira, enquanto
na Mina Campinas, indica que o núcleo de a borda dos grãos, ou os grãos isolados de
alguns grãos tem composição similar a da menor dimensão, tem variações
cassiterita da Mina Cerro Branco, enquanto composicionais diferentes. O Ti, no núcleo
a margem apresenta mais alto Sn e Ti. Os dos grãos de cassiterita, tem tendência à dis-
cristais isolados têm zonação regular e uni- persão em relação a variações de Sn. Já na
forme, e composições idênticas as de zonas borda dos grãos, os valores de Ti têm ten-
de margem de grãos, com zonação irregu- dência à diminuição acentuada em direção
lar. à margem dos cristais. A relação entre Fe,

168 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

Ta e Sn, mesmo com uma boa correlação salinidade moderada, que acompanharam o
linear inversa, indica no núcleo da cassiterita posicionamento dos granitóides da Suíte
uma declividade negativa mais acentuada Intrusiva Cordilheira, com fluidos ricos em
que na borda dos grãos, onde ocorrem au- CO2, gerados a partir de xistos carbonosos
mentos mais acentuados de Sn. As correla- das encaixantes, mobilizados por efeitos tér-
ções que envolvem a participação de Ta, micos da injeção dos corpos graníticos da
confirmam o comportamento diferente do Suíte Intrusiva Campinas.
Ti para núcleo e borda dos grãos de As características das associações
cassiterita, com uma fraca a inexistente cor- hidrotermais, geradas durante o
relação no núcleo, sendo decrescente na posicionamento dos corpos graníticos das
borda. A relação entre Ti e Nb indica, tam- suítes intrusivas Cordilheira e Campinas,
bém, uma mudança no comportamento do indicam, além da composição dos fluidos, a
Ti na borda dos cristais. As modificações existência de mecanismos diferentes na
observadas na composição da cassiterita da atuação destes fluidos responsáveis pela al-
Mina Campinas, em particular nas diferen- teração. Na associação hidrotermal da Suíte
ças existentes entre núcleo e borda, decor- Intrusiva Cordilheira, há uma tendência de
rem do fato desta última ter mais alto Sn e distribuição mais ampla da alteração, envol-
do aumento no grau de correlação do Ti. vendo zonas com centenas de metros ao
Isto implica em uma estrutura e composi- longo das encaixantes, com um forte con-
ção próximas de uma cassiterita ideal. A trole estrutural representado por milonitos
correlação entre Ti, Ta e Nb, para a das faixas de mais alto strain da deformação
cassiterita da Mina Campinas, indica que o transcorrente. Na associação hidrotermal da
núcleo deste mineral tem composições si- Suíte Intrusiva Campinas, a circulação da
milares as da cassiterita gerada em granitos fase fluida foi restrita ao interior das cúpu-
da Suíte Intrusiva Cordilheira. A borda é las graníticas e à interface de contato entre
enriquecida, de forma relativa, em Ti, com cúpula e encaixante.
perda de Ta e Nb. A diferença no comportamento das
duas associações hidrotermais está relacio-
nada não apenas ao tempo do
4. O SISTEMA HIDROTERMAL – posicionamento dos corpos sin a tardi-
SUGESTÃO DE MODELO PPARA
ARA cinemático dos corpos da Suíte Intrusiva
MINERALIZAÇÃO Cordilheira e tardi a pós-cinemático das in-
jeções graníticas da Suíte Intrusiva Campi-
nas, ao longo das zonas de deformação
Os fluidos hidrotermais, identificados milonítica, mas pode, também, estar rela-
nas diferentes zonas de alteração que acom- cionada ao nível crustal de posicionamento.
panham os granitos das suítes intrusivas Um mecanismo que pode ter atuado
Cordilheira e Campinas, indicam a ausência na formação das associações hidrotermais,
de fluidos ortomagmáticos puros, no pro- com distribuição ampla ou restrita às zonas
cesso de formação das zonas de alteração de cúpula das intrusões, que teve conse-
hidrotermal e da mineralização. Os fluidos qüências estruturais na definição de zonas
que caracterizam os sistemas hidrotermais preferenciais de acumulação de fluidos
representam um processo de mistura de flui- (Pollard et al., 1991), está relacionado à pro-
dos magmático-metamórficos, gerados atra- fundidade em que estas ocorreram. Os de-
vés da interação de fluidos aquosos de pósitos minerais associados a zonas

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 169


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4
4. Cassiterita da Mina Cerro Branco em veio de quartzo e intercrescida com mica. Os grãos são marcados pela presença de
grande quantidade de inclusões de quartzo e de mica. Indícios de recristalização são observados em parte da zona de margem
com a formação de uma cassiterita com aspecto límpido, sem inclusões. O perfil AB indica o comportamento dos principais
elementos de núcleo para borda e as modificações geradas por efeito da recristalização.

hidrotermais com distribuição ampla, em intrusão. Por seu turno, estas estão relacio-
geral, derivam de corpos graníticos nadas à profundidade de posicionamento da
posicionados em níveis mais profundos. Os intrusão (Chi et al., 1993) e a provável exis-
depósitos associados a cúpulas ou a posi- tência de um campo tensional definido. Este
ções periféricas, de forma mais comum, es- é o caso específico das zonas de alteração
tão relacionados a intrusões relativamente hidrotermal, geradas durante o
rasas. A capacidade de migração e separa- posicionamento dos granitóides da Suíte
ção das fases fluidas, com metais, está asso- Intrusiva Cordilheira.
ciada à mudança de um sistema de pressão No caso dos corpos graníticos da Su-
litostática, dentro da intrusão, para um sis- íte Intrusiva Campinas, um aumento de vo-
tema de pressão hidrostática, fora da lume associado à separação da fase fluida,

170 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 5
5. Cassiterita da Mina Campinas em veio de quartzo. Alguns grãos são marcados pela presença de uma zona de núcleo
com contatos bruscos e irregulares com uma zona de borda. O perfil AB indica o comportamento dos principais elementos do
centro para a margem dos grãos, com as modificações observadas entre as duas zonas.

provocando uma sobrepressão na zona magmatismo Campinas, foi menos abundan-


apical da intrusão (Samson, 1990), pode ser te.
descartado como mecanismo importante. A Os dados existentes sobre a compo-
inexistência de quebra da encaixante, com sição de minerais formados durante as fa-
geração de brechas, e a presença de ses de alteração hidrotermal, indicam uma
encaixantes com foliação milonítica forte interação entre a composição dos
preexistente, com comportamento per- protólitos e os produtos gerados. Esta rela-
meável a um provável escape de fluidos, não ção é observada nas micas brancas, que re-
são compatíveis com essa hipótese. Outro sultaram da instabilização de biotita pré-exis-
aspecto a ser considerado é a disponibilida- tente, e, de forma geral, nas micas associa-
de de fases fluidas que, no caso do das à greisen. A dominância absoluta do

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 171


Instituto de Geociências. Contribuições

politipo 2M1 indica que as micas brancas decorrente deste processo de mistura. A
presentes em greisen, dessas zonas Mina Cerro Branco pode também ter sofri-
hidrotermalizadas, foram formadas a altas do interferência deste processo, como é su-
temperaturas (Velde, 1965), possivelmente, gerido pela presença de fluidos carbônicos
em uma faixa entre 450 e 500°C. em fraturas tardias e em zonas de contatos
A intrusão dos granitóides da Suíte intergranulares de cristais de quartzo dos
Intrusiva Campinas provocou modificações veios mineralizados.
na composição de minerais das zonas de
alteração hidrotermal, associadas aos corpos
graníticos da Suíte Intrusiva Cordilheira. A 5. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES
interação gerada pode ser demonstrada por
mudanças na composição de minerais como
turmalina, micas e, em particular, cassiterita. As principais conclusões, que podem
Este mineral, quando associado às zonas de ser apresentadas como decorrência dos
alteração hidrotermal relacionadas aos episódios geológicos e dos processos envol-
granitóides da Suíte Intrusiva Campinas, vidos na geração da mineralização de esta-
pode apresentar zonações irregulares, com nho na região leste do Escudo Sul-rio-
mudanças bruscas na composição. Tais fei- grandense, são:
ções indicam a presença de cristais - O magmatismo granítico da região
preexistentes de cassiterita que foram, par- leste do Cinturão Dom Feliciano, evoluiu
cialmente, reequilibrados por recristalização, segundo associações em estreito vínculo
ou que atuaram como núcleos de crescimen- com o ambiente tectônico e indica presen-
to de novos grãos de cassiterita. A segunda ça de crosta continental mais antiga;
possibilidade pode ser a que melhor repre- - A fase tectônica tangencial de baixo
senta os processos envolvidos. As zonas de ângulo gerou transporte de E-SE para W-
núcleo da cassiterita da Mina Campinas, têm NW, com colisão continental, e marca o iní-
composições semelhantes às de cassiterita cio do magmatismo granítico da região les-
associadas aos granitos da Suíte Intrusiva te do cinturão;
Cordilheira, enquanto as zonas de margem - A fase tectônica transcorrente tem
são mais ricas em Sn e Ti. seu registro inicial com a injeção de grani-
Os processos hidrotermais que atua- tos cálcio-alcalinos sin-cinemáticos sob re-
ram associados aos granitóides da Suíte gime traspressivo, de caráter intracontinen-
Intrusiva Cordilheira, foram responsáveis tal, e tem seguimento com a injeção dos
por amplas zonas de alteração geradas atra- leucogranitos peraluminosos da Suíte
vés da circulação de fluidos aquosos de ori- Intrusiva Cordilheira. Os granitóides da
gem magmático-metamórfica. Estes fluidos Suíte Intrusiva Cordilheira são de alta sílica
foram os prováveis formadores de depósi- e têm enriquecimentos anômalos em Sn;
tos como os da Mina Cerro Branco. A in- - Os granitóides sin-transcorrência da
corporação de fluidos carbônicos ao siste- Suíte Intrusiva Cordilheira são menos dife-
ma hidrotermal, através da injeção de ro- renciados e têm composições com biotita-
chas graníticas da Suíte Intrusiva Campinas, muscovita. As condições de cristalização
resultou em uma interação de fases fluidas mais diferenciadas, tardi-transcorrência, in-
aquosas e carbônicas, segundo um mecanis- dicam uma evolução das composições para
mo de mistura destes fluidos. A Mina Cam- tipos mais aluminosos com muscovita;
pinas representa a mineralização de estanho

172 José Carlos Frantz et alli


50 50 anos de Geologia

- As manifestações finais do rocha total, e mineralização de baixo teor,


magmatismo cálcio-alcalino, na região leste nas zonas pervasivas de alteração
do cinturão, marcam a fase final do regime hidrotermal. O caráter pervasivo da altera-
transcorrente, com o posicionamento dos ção pode ter sido um dos fatores associa-
corpos graníticos da Suíte Intrusiva Campi- dos ao alto grau de dispersão da
nas; mineralização vinculada a esses granitóides.
- Os granitóides da Suíte Intrusiva O melhor exemplo dessas condições gené-
Campinas têm composições que envolvem ticas de formação está representado na Mina
assimilação de material crustal incorporado Cerro Branco;
por essas injeções; - Os granitóides da Suíte Intrusiva
- As composições que envolvem assi- Campinas foram responsáveis pela geração
milação são enriquecidas em Sn e são as que de alteração hidrotermal, restrita às zonas
apresentam a alteração hidrotermal mais de cúpula e de contato das injeções, com a
intensa; mineralização apresentando concentrações
- A mineralização de Sn, da faixa maiores de cassiterita. A incorporação/as-
granítica leste do Cinturão Dom Feliciano, similação de material crustal parece ter sido
ocorre associada às zonas pervasivas de al- o principal mecanismo de incorporação de
teração hidrotermal, geradas durante o Sn ao magma que gerou esta suíte. A entra-
posicionamento de corpos graníticos da da de fases fluidas no sistema pode resultar
Suíte Intrusiva Cordilheira, e às zonas res- do mesmo processo como, também, de uma
tritas de alteração, junto a cúpulas de inje- interação com as encaixantes adjacentes;
ções da Suíte Intrusiva Campinas; - A incorporação/assimilação de ma-
- A distribuição das zonas pervasivas terial crustal de diferentes proveniências
de alteração hidrotermal pode ter sido con- gerou fases contendo Sn. A entrada de CO2,
trolada por um posicionamento mais pro- a partir de encaixantes carbonosas, pode ter
fundo dos corpos graníticos da Suíte interferido na capacidade do fluido trans-
Intrusiva Cordilheira e/ou pela atuação do portar Sn, através da diminuição da ativida-
campo tensional desenvolvido durante a de da água. A melhor representação desta
transcorrência. As zonas mais restritas as- condição é visualizada na Mina Campinas;
sociadas aos granitóides da Suíte Intrusiva - A cassiterita que ocorre nos depósi-
Campinas são características de corpos tos estaníferos da área tem dois comporta-
posicionados a profundidades menores; mentos diferentes. O primeiro, com
- As micas brancas associadas à greisen cassiterita da Mina Cerro Branco e no nú-
e às zonas de alteração micácea dos cleo de alguns cristais da Mina Campinas,
granitóides das suítes intrusivas Cordilheira em proporções relativas, é mais baixo em
e Campinas, variam entre muscovita e Sn e Ti e alto em Ta. O segundo, com
fengita, e ocorrem sob a forma de politipos cassiterita da margem de cristais e como
2M1 e 3T. O politipo 2M1 é mais comum e grãos isolados, na Mina Campinas, é mais
representa o maior volume de micas gera- alto em Sn e Ti e baixo em Ta. Isto implica
das durante a alteração hidrotermal. O em que parte do minério da Mina Campi-
politipo 3T representa restos de biotita nas é representado por grãos de cassiterita
reequilibrada durante o processo; incorporados, e não apenas por cassiterita
- Os granitóides da Suíte Intrusiva neoformada pela incorporação de Sn ao
Cordilheira têm valores elevados de Sn, em magma;

A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 173


Instituto de Geociências. Contribuições

- Os depósitos estaníferos da região BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 31., 1980,


leste do Cinturão Dom Feliciano indicam Camboriú. Anais... Camboriú, SBG. v. 5, p.
uma gênese segundo a qual ocorreram dois 2879-2891.
episódios graníticos, com alteração Frantz, J.C. & Fernandes, L.A.D. 1994. Os
hidrotermal e geração de cassiterita. Os Granitóides Tardi a Pós-Orogênicos do Ciclo
granitóides da Suíte Intrusiva Cordilheira Brasiliano no Cinturão Dom Feliciano-RS. In:
foram responsáveis por uma alteração CONGRESSO BRASILEIRO DE
pervasiva, com aporte de Sn, desenvolven- GEOLOGIA, 38., 1994, Camboriú. Boletim de
do depósitos de baixos teores como os da Resumos Expandidos... Camboriu, SBG. v. 1,
Mina Cerro Branco. Os granitóides da Suíte p. 150-152.
Intrusiva Campinas geraram uma Frantz, J.C.; Lima, E.F.; Pinheiro-Machado, R.
mobilização de componentes crustais pré- & Naumann, M.P. 1984. Contribuição à geologia
existentes, dentre eles os fluidos carbônicos, da região de Encruzilhada do Sul, RS. In:
o Sn incorporado ao magma e os cristais de CONGRESSO BRASILEIRO DE
cassiterita já formados, através da assimila- GEOLOGIA, 33., 1984, Rio de Janeiro. Anais...
ção de material crustal. Estas injeções gera- Rio de Janeiro, SBG. v. 5, p. 2407-2416.
ram zonas localizadas de alteração Frantz, J.C. & Remus, M.V.D. 1986. Geologia
hidrotermal, envolvendo as concentrações da Região de Canguçu-Torrinhas,RS-
mais elevadas de minério, como as da Mina Caracterização Petrográfica, Estrutural e
Campinas. Assim, os depósitos de mais alto Estratigráfica. In: CONGRESSO
teor foram gerados a partir de reciclagem BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 34., 1986,
ou rejuvenescimento de material crustal, al- Goiânia. Anais... Goiânia, SBG. v. 2, p. 931-948.
gumas vezes resultando na formação de
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depósitos híbridos. the Santana da Boa Vista Region, Southern
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A Mineralização do Distrito Estanífero do Rio Grande do Sul 175


1
Departamento de Minerologia e Petrologia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Departamento de Minas, Escola de Engenharia,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

G Geologia e Mineralogia das Gemas


do Rio Grande do Sul
Pedro Luiz Juchem1, Adelir José Strieder2, Léo Afraneo Hartmann3,
Tania Mara Martini de Brum1, Gênova Maria Pulz3, Lauren da Cunha Duarte3

1. INTRODUÇÃO

O Rio Grande do Sul tem grande destaque internacional como produtor de ge-
mas, com ênfase nos enormes depósitos de ametista e ágata nos basaltos da Formação Serra
Geral. O estado é o principal exportador desses minerais no Brasil e também o segundo
maior produtor e exportador brasileiro de gemas, ficando atrás somente de Minas Gerais,
sendo responsável por cerca de 50% do volume total de gemas produzidas no Brasil e 25% do
total das exportações (Souza, 1996). A produção mensal é da ordem de 300 a 400 toneladas
de material bruto e a comercialização atinge valores em torno de US$ 20.000.000,00 anuais.
No entanto, o setor gemológico ainda se caracteriza pela exportação de grandes quantidades
de pedra bruta e de produtos parcialmente elaborados, tendo como consequência um baixo
valor agregado ao minério. Os geodos são muitas vezes adquiridos por compradores interna-
cionais ainda encaixados no basalto, sendo depois retirados e exportados in natura.
A ágata e a ametista ocorrem em depósitos do tipo “geodo em basalto” (Bossi &
Cagiano, 1974), cristalizadas em cavidades decimétricas a métricas nas rochas vulcânicas da
Formação Serra Geral (Bacia do Paraná). No mesmo tipo de depósito podem ser encontra-
dos o quartzo cristal de rocha, quartzo róseo, calcita, apofilita, zeolitas, ônix, jaspe, opala,
gipsita (variedade selenita) e barita. Esses minerais aparecem geralmente constituindo agrega-
dos de grande beleza, sendo exportados para vários países como peças de coleção, gemas
ornamentais, ou como gemas lapidadas para o mercado joalheiro (Juchem et al.,1990).
Os principais depósitos de materiais gemológicos no Rio Grande do Sul são
mostrados na Figura 1. Além da origem dominante na Formação Serra Geral, existem outros
depósitos importantes, como os serpentinitos que ocorrem em no sudoeste do estado e as
madeiras fossilizadas na região de Santa Maria.
Instituto de Geociências. Contribuições

1. Materiais gemológicos no Rio Grande do Sul e seu contexto geológico. Modificado de Juchem et al. (2004).
Figura 1

178 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

2. GEMAS NAS ROCHAS VULCÂNIC AS


VULCÂNICAS riolitos) podem ocorrer intercaladas e no
DA FORMAÇÃO SERRA GERAL topo da sequência vulcânica (aproximada-
mente 4% do volume) e são mais expressi-
2.1 Geologia Regional vas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina
(Roisenberg, 1989). As rochas vulcânicas
As rochas hospedeiras dos depósitos
recobrem e intercalam-se com arenitos
de ágata e ametista (Formação Serra Geral)
eólicos da Formação Botucatu, os quais re-
foram originadas por um intenso vulcanismo
presentam um episódio de desertificação da
fissural durante a transição entre o Jurássico
Bacia do Paraná que teve início antes do
e o Cretáceo, relacionado à ruptura do
vulcanismo.
Gondwana, com a separação do continente
Existem várias propostas para uma
Sul-Americano da África e formação do
divisão estratigráfica das rochas da Forma-
Oceano Atlântico Sul (Zalán, et al.,1990;
ção Serra Geral, as quais levam em conside-
Milani et al.,1998). As rochas vulcânicas
ração as suas heterogeneidades
recobriram um espesso pacote sedimentar
petrogenéticas, geoquímicas e
(7.000 m) constituído de várias unidades
geocronológicas. As rochas foram divididas
litológicas, que constituem a grande unida-
inicialmente em dois grupos geoquímicos
de geotectônica denominada Província
em função do teor de TiO2 (alto e baixo Ti)
Paraná-Etendeka; essa província tem sua
e de elementos incompatíveis (Rüegg, 1975;
maior área localizada na porção centro-
Bellieni et al.,1984). Posteriormente surgiu
oriental da América do Sul, na Bacia do
uma classificação geoquímica que, além do
Paraná (Figura 1), e uma pequena parte (cer-
Ti, também considera o conteúdo de Sr e as
ca de 5%) localizada no noroeste da
razões Ti/Y e Zr/Y, resultando em seis ti-
Namíbia, onde é denominada de Bacia de
pos magmáticos: Urubici, Pitanga (alto Ti),
Huab (Wildner, 2004). A Bacia do Paraná
Paranapanema, Ribeira (Ti intermediário),
tem cerca de 1,7x106 km2, dos quais aproxi-
Gramado e Esmeralda (baixo Ti) (Peate et
madamente 1,1x106 km2 ocupam parte do
al., 1990). As rochas ácidas foram classifica-
território brasileiro, cobrindo parte dos es-
das por Melfi & Piccirillo (1988) nos tipos
tados de Mato Grosso do Sul, São Paulo,
Palmas, com predomínio de riolitos, e
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
Chapecó, com predomínio de dacitos (Fi-
os 0,6x106 km2 restantes ocupam porções da
gura 2). Mais recentemente, foi proposta
Argentina, Uruguai e Paraguai (Bellieni et al.,
uma nova nomenclatura, baseada em crité-
1984; Wildner, 2004).
rios múltiplos de identificação faciológica do
O evento que recobriu com lavas as
vulcanismo, que incluem além de dados
Bacias do Paraná-Huab gerou uma das
geoquímicos e geocronológicos, caracterís-
maiores províncias de basaltos de platô do
ticas estruturais e texturais, que permitam
planeta (Figura 2), recobrindo 1,2x106 km2
cartografar as diferentes unidades (Wildner,
da Bacia do Paraná (Melfi et al.,1988). Da-
2004). Esse autor sugere a divisão do
dos geocronológicos obtidos por Turner et
magmatismo Serra Geral em dez fácies, das
al. (1994) e Mantovani et al. (1995) indicam
quais seis são relacionadas ao magmatismo
idades entre 127-137 Ma para o vulcanismo.
máfico (fácies Gramado, Paranapanema,
As rochas são predominantemente máficas,
Pitanga, Esmeralda, Campo Erê e Lomba
constituídas de basaltos e basaltos
Grande) e quatro ao magmatismo félsico
andesíticos de filiação toleítica (mais de 90%
(fácies Palmas (Caxias), Chapecó, Várzea do
do volume); rochas félsicas (riodacitos e
Cedro e Alegrete).

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 179


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2.
2 Esboço geológico regional da Bacia do Paraná e da Formação Serra Geral: 1) Sedimentos pós-vulcanicos; 2) Rochas do
embasamento Pré-Devoniano; 3) Rochas sedimentares da Bacia do Paraná; 4) Basaltos e andesitos (Formação Serra Geral); 5)
Rochas ácidas tipo Chapecó; 6) Rochas ácidas tipo Palmas; 7) Estrutura anticlinal; 8) Estrutura sinclinal; 9) Lineamentos tectônicos.
Modificado de Bellieni et al. (1986).

2.2 Ágata em uma área de aproximadamente 100 km2,


onde existem cerca de 150 frentes de lavras
Os principais depósitos de ágata es- ativas e inativas. A explotação do minério é
tão localizados na região central do Rio feita em cavas a céu aberto, sendo o des-
Grande do Sul, em uma área denominada monte da rocha alterada realizado com o
de Distrito Mineiro de Salto do Jacuí (DMSJ) auxílio de tratores de esteira e caminhões, e
por Santos et al. (1998). Os depósitos são por vezes explosivos. Também são abertas
explotados através de atividade garimpeira pequenas galerias horizontais subterrâneas,
em ambas as margens dos rios Jacuí e Ivaí,

180 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

que permitem a extração de geodos mais geral estão totalmente preenchidas por ágata,
íntegros e ao mesmo tempo servem para mas, também podem ocorrem geodos par-
prospectar a continuidade da camada cialmente preenchidos (em geral, mais de
mineralizada. Os geodos são extraídos da 60%) por ágata e ágata mais quartzo inco-
rocha alterada remobilizada, com auxílio de lor. Calcita euédrica, agregados radiados de
ferramentas manuais como pás, picaretas, minerais opacos (óxidos de Fe e Mn) e mais
martelos e talhadeiras (Figura 3). raramente ametista, podem ocorrer como
Com base em dados petrológicos e minerais tardios. Óxidos de Fe e Mn em
estruturais, foram distinguidas 7 unidades agregados dendríticos também podem ocor-
vulcânicas em escala de mina nesse distrito rer como inclusões na ágata.
mineiro (Strieder & Heemann, 2006): 1a) A ágata de Salto do Jacuí é constituí-
Dacito inferior; 2 a) Basalto inferior; 3a) da de bandas sucessivas de quartzo
Dacito semi-vítreo inferior com estrutura microcristalino, granular e fibroso com
vesicular/amigdalóide; 4a) Basalto vesicular elongação negativa (calcedonia), em agrega-
mineralizado; 5a) Dacito vesicular; 6a) Dacito dos paralelos e esferulíticos. Pode ocorrer
semi-vítreo superior; 7a) Dacito superior quartzo fibroso com elongação positiva
(Figura 4). O basalto vesicular mineralizado (quartzino) e criptocristais dos polimorfos
tem uma espessura média de 4,0 a 6,0 m e é de sílica moganita e cristobalita de baixa tem-
constituído por uma rocha afanítica profun- peratura (Brum et al., 2000). A ágata pode
damente alterada, de cor cinza acastanhada ocorrer como bandas horizontais e/ou con-
e com uma estrutura vesicular/amigdalóide cêntricas em relação às paredes dos geodos,
bem marcada. Essa rocha exibe feições de por vezes, exibindo padrões complexos de
assimilação com a unidade vulcânica infe- deposição e gerando peças exóticas muito
rior (dacito semi-vítreo inferior) bem como apreciadas no comércio de gemas (Brum et
diques de arenito com metamorfismo de al., 1998). As cores nas diferentes bandas
contato, por vezes conectados a blocos ar- são cinza, cinza-azulado, azul fraco, casta-
redondados de arenito. Lentes de brecha nho, vermelho, preto e branco. A variedade
vulcânica, compostas por fragmentos de de cores e de padrões de deposição das ban-
arenito e de basalto, também foram obser- das gera um grande número de tipos de
vadas em algumas áreas mineralizadas. ágata, que são designados como “varieda-
Foram identificados também blocos des” na literatura gemológica, destacando-
de arenito com formas semelhantes aos se no Rio Grande do Sul a cornalina, o ônix,
geodos de ágata; certos geodos podem apre- a ágata dendrítica, a ágata orbicular e a ágata
sentar uma transição entre essas massas de cênica, dentre outras (Figura 5).
arenito e o preenchimento com ágata, exi- A estrutura microcristalina da ágata
bindo a seqüência arenito, seguido de inter- origina um grande número de microporos,
calações entre arenito e ágata e uma cama- os quais permitem que ela seja tingida (Fi-
da final de ágata (Strieder & Heemann, gura 5). Este é um processo industrial co-
2006). mum utilizado na ágata no Rio Grande do
Os geodos mineralizados dessa região Sul e consiste em um tratamento químico
têm formas arredondadas a elípticas e di- e/ou térmico para alterar ou acentuar suas
mensões médias entre 10 a 50 cm, mas po- cores, obtendo-se o vermelho, o azul inten-
dem ocasionalmente ocorrer geodos com so, o rosa, o violeta, o verde e o preto.
1 m de comprimento. Essas cavidades em

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 181


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 33. Garimpos de ágata no Distrito Mineiro de Salto do Jacuí (RS). A) Explotação de geodos a céu aberto e em pequenas
galerias subterrâneas; B) Cata manual dos geodos.

182 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

cores observadas são o branco, o branco


azulado, o preto, o azul, o rosa, o amarelo, o
castanho, o castanho amarelado, o castanho
avermelhado e o vermelho (opala de fogo)
(Figura 6). As amostras variam de transpa-
rentes a translúcidas, podendo ocorrer
opalescência e jogo de cores. Apesar de
ópticamente isótropa, essa opala apresenta
diferentes graus de cristalinidade, sendo
constituída de agregados esféricos de sílica
amorfa misturados a agregados de
criptocristais dos polimorfos de sílica
cristobalita (opala C) e cristobalita e tridimita
(opala CT) (Augustin et al., 2004).

2.4 Ametista
Os principais depósitos de ametista
do Rio Grande do Sul estão localizados na
região do Médio-Alto Uruguai (norte do
Estado), na área denominada de Distrito
Mineiro de Ametista do Sul (DMAS) por
Santos et al. (1998). O distrito abrange uma
Figura 4.
4 Perfil litológico típico para as rochas vulcânicas do área de aproximadamente 500 km2, onde
Distrito Mineiro de Salto do Jacuí (RS), segundo Strieder & existem cerca de 370 garimpos ativos ou
Heemann (2006): 1) Dacito inferior; 2) Basalto inferior; 3)
Dacito semi-vítreo inferior com estrutura vesicular/ inativos, localizados em 10 municípios, com
amigdalóide; 4) Basalto vesicular mineralizado; 5) Dacito a maior produção se concentrando nos
vesicular; 6) Dacito semi-vítreo superior; 7) Dacito superior. municípios de Ametista do Sul, Planalto, Iraí
e Frederico Westphalen. Esses garimpos são
2.3 Opala desenvolvidos na rocha basáltica não
intemperizada, em galerias horizontais sub-
Opala de qualidade gemológica pode terrâneas com mais de 100 m de extensão,
ocorrer associada à ágata em Salto do Jacuí bem como em cavas e trincheiras a céu aber-
ou em municípios vizinhos, onde é extraída to (Juchem, 1999). O desmonte da rocha é
em áreas de cultivo agrícola ou em cortes feito com explosivos e os geodos extraídos
de estradas (Augustin et al., 2004). Essa opala manualmente com auxílio de martelos e
é ainda pouco conhecida, mas ocorrências talhadeiras (Figura 7).
de interesse comercial vem despertando um Em um estudo que abrangeu parte
novo interesse econômico para essa região. desse distrito mineiro, foram identificados
A opala pode ocorrer intercalada com 12 derrames basálticos, que foram separa-
camadas de ágata, cimentando brechas da dos em 2 tipos: tipo I, com 15 a 35 metros
rocha hospedeira, depositada de espessura e cor preta a cinza, e tipo II,
descontinuamente ao longo de feições de constituídos por derrames mais espessos e
fluxo da rocha vulcânica ou preenchendo de cor castanho a castanho-avermelhado
geodos milimétricos a centimétricos. As (Gomes, 1996). Dos sete derrames do tipo

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 183


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 5.
5 Ágata do Distrito Mineiro de Salto do Jacuí (RS). A) Geodos polidos e placas de ágata expostos em uma loja em
Soledade; B) Tingimento de geodos e placas de ágata; C) Ágata orbicular com um núcleo de quartzo macrocristalino; D) Ágata
cênica.

I (ver Figura 8), quatro deles (2, 6, 8 e 9) portador de geodos (3° derrame), possui
foram identificados como mineralizados a geodos preenchidos predominantemente
ametista (Gomes, 1996; Scopel, 1997; por cristais euédricos de calcita com dife-
Juchem, 1999). Em um estudo mais recente rentes formas, constituindo agregados de
no Distrito Mineiro de Ametista do Sul, fo- rara beleza.
ram identificados 21 derrames basálticos que Nesse distrito mineiro, são comuns os
hospedam 4 níveis portadores de geodos geodos cilíndricos alongados de dimensões
(Hammes, 2006). O nível mineralizado mais métricas, que podem chegar até a 4 metros
superior, relacionado ao 11° derrame da se- de comprimento. Em geral, estão preenchi-
qüência vulcânica, é o que apresenta a mai- dos parcialmente por uma seqüência de
or escala de produção tanto em espaço, ágata e quartzo incolor que grada progres-
quanto no tempo (Figura 8). Esse nível por- sivamente para ametista. A camada mais
tador superior apresenta uma estrutura ge- externa dessas cavidades é constituída por
ológica particular (Figura 9) e é o fornece- uma argila verde-azulada (celadonita) origi-
dor dos geodos e cristais de ametista de clas- nada, segundo Scopel (1997), por alteração
se mundial. Por outro lado, o primeiro nível hidrotermal do basalto hospedeiro.

184 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 6.
6 Opala do Rio Grande do Sul. A) Geodo preenchido por ágata e opala com jogo de cores. B) Opala com diferentes cores
e opala de fogo lapidada em cabochão.

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 185


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 7.
7 Garimpos de ametista no Distrito Mineiro de Ametista do Sul (RS). A) Trincheira a céu aberto; B) Galerias horizontais
subterrâneas com 2 m de altura, 3 m de largura e 200 m de comprimento; C) Entrada de uma galeria, com uma coluna de
sustentação do próprio basalto; D) Extração de um geodo bifurcado no basalto inalterado.

Podem ocorrer outros minerais nos único e excepcional dessa variedade de


geodos, representando episódios de crista- gipsita (Juchem et al, 2004). Registram-se ain-
lização mais tardios, sendo a calcita o mais da algumas ocorrências de quartzo róseo (as-
comum (Figura 10). Em dois garimpos des- sociado à ametista) e de barita tardia
se distrito são extraídos comercialmente (Juchem, 1999). O material comercializado
grandes cristais de gipsita, variedade selenita, como jaspe, corresponde a brechas compos-
representando um episódio de mineralização tas por fragmentos irregulares de calcedonia,
mais tardio do que a calcita. São cristais basalto e arenito, em geral cimentados por
euédricos, com hábito prismático a ta- ágata. Esse material ocorre na base de al-
bular e dimensões que variam de alguns guns geodos ou como camadas descontínuas
centímetros até 1 m de comprimento (Fi- associadas aos níveis portadores de geodos
gura 11). A cristalização em geodos, a trans- (Juchem et al., 2004).
parência, o idiomorfismo e as dimensões dos As seqüências de minerais descritas
cristais, indicam tratar-se de um depósito anteriormente são as mais comuns nos

186 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 8
8. Representação esquemática dos 21 derrames do Distrito Mineiro de Ametista do Sul (RS) e do posicionamento estrutural
dos 4 níveis portadores de geodos, comparados com o perfil geológico de Gomes (1996). Modificado de Hammes (2006).

geodos do Distrito Mineiro de Ametista do da região que parecem estar relacionados a


Sul, podendo, no entanto, ocorrer outras diferentes zonas de fraturas nas rochas
associações entre os minerais, com diferen- (Strieder, 2001; Amorim et al., 2005).
tes sucessões paragenéticas. Estudos de de- A ametista ocorre como cristais
talhe dessas diferentes associações de mi- euédricos a subédricos, com dimensões de
nerais, inicialmente descritas por Juchem 1 mm até cerca de 15 cm de comprimento.
(1999), indicam a presença de quatro pul- Os cristais em geral apresentam uma só ter-
sos de mineralização de ametista nos geodos minação, constituída por dois romboedros

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 187


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 9
9. Estratigrafia em escala de mina do principal nível portador de geodos no Distrito Mineiro de Ametista do Sul (RS), de
acordo com Amorim et al. (2005) e Amorim (2007, em preparação).

(um positivo e um negativo) e um prisma intenso, podendo alguns cristais exibir to-
hexagonal pouco desenvolvido (Juchem et nalidades castanhas e/ou avermelhadas.
al., 2002). A cor varia desde violeta muito
claro até violeta escuro em diferentes tona- 2.5 Outros depósitos de ágata
lidades, sendo mais intensa na parte apical e ametista no Rio Grande do Sul
dos cristais. É comum a zonação de cor bem
Depósitos de ágata e ametista, entre
como distribuição irregular de cor. As prin-
os municípios de Quaraí e Santana do Li-
cipais inclusões são marcas de crescimento,
vramento, são explorados de forma esporá-
fraturas secas e cicatrizadas e inclusões cris-
dica há vários anos. Apesar da produção ir-
talinas de goethita, calcita e calcedônia, além
regular, essa região tem-se destacado como
de inclusões fluidas monofásicas aquosas e
produtora de ametista de cor violeta inten-
raras inclusões bifásicas aquosas pseudo-
so, com tonalidades azuladas e bastante
secundárias ou secundárias (Juchem, 1999;
límpida, com excelente qualidade para a
Juchem et al., 2002; Fischer, 2004).
lapidação. O derrame portador de geodos
A cor violeta da ametista é devida a
mineralizados é o terceiro de uma seqüên-
um centro de cor causado por íons Fe4+, que
cia de quatro unidades, constituído por
são gerados por ionização do Fe3+, o qual
basalto-andesitos e brechas vulcânicas, que
ocorre em pequenas quantidades nos
podem estar intercalados com arenitos
cristais de quartzo (Fischer et al., 1998). Par-
intertrápicos da For mação Botucatu
te da produção de ametista é submetida a
(Augustin et al., 2006). Os geodos
tratamento térmico, que modifica o seu cen-
mineralizados são explotados em colúvios
tro de cor, originando citrino, a variedade
e aluviões e também na rocha intemperizada,
amarela de quartzo (Figura 11). As cores ob-
de onde são extraídos manualmente após a
tidas variam de amarelo pálido até amarelo
rocha ser excavada com tratores de esteira

188 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 10.
10 Geodos do Distrito Mineiro de Ametista do Sul (RS). A) e B) Geodos mineralizados à ametista expostos em uma loja
em Soledade. O geodo maior (fotografia B) tem 3,16 m; C) Ametista e cristais prismáticos euédricos de calcita tardia.

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 189


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 11.
11 Minerais do Distrito Mineiro de Ametista do Sul. A) Agregado paralelo de cristais tabulares de selenita (40-60 cm)
crescidos sobre quartzo. B) Seleção de fragmentos de citrino (ametista tratada termicamente) pela cor. C) Ametista e citrino
lapidados; as pedras maiores têm 12 a 15 quilates.

190 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

(Acauan, 2004; Augustin et al, 2006). Os é a de que o aprisionamento de uma fase


geodos possuem em geral formas ovaladas fluida magmática imiscível, provavelmente
a amebóides, dimensões entre 5 e 50 cm e volátil, teria formado as cavidades no inte-
peso médio entre 2 e 5 kg, podendo, no en- rior da rocha vulcânica (e.g Leinz, 1949;
tanto, ocorrer geodos que ultrapassam 100 Scopel, 1997; Gilg et al., 2003; Proust &
kg. As cavidades podem estar totalmente Fontaine, 2007). Essas cavidades poderiam
preenchidas por ágata, ou parcialmente pre- sofrer coalescência durante o fluxo da lava,
enchidas por ágata, quartzo incolor e dando origem aos grandes geodos métricos
ametista, sendo comum a ocorrência de cris- como os do Distrito Mineiro de Ametista
tais de calcita tardia. do Sul (Scopel, 1997; Gilg et al., 2003; Proust
Na região de Caxias do Sul, geodos & Fontaine, 2007). Os fluidos que origina-
mineralizados com cristais de ametista de ram as cavidades, ou fluidos residuais do
dimensões médias entre 10 e 40 cm são tam- processo magmático, ou ainda, fluidos
bém explotados de forma esporádica. Os hidrotermais mais tardios, seriam os
geodos apresentam formas ovóides a esfé- responsáveis pela deposição dos minerais
ricas, ou forma de gota, e estão preenchi- nos geodos.
dos parcialmente por ágata, seguida de A origem das soluções mineralizantes
quartzo incolor e cristais centimétricos de na região do Distrito Mineiro de Ametista
ametista. Esses depósitos possuem caracte- do Sul foi relacionada a processos ígneos
rísticas geológicas e mineralógicas distintas tardios, que também teriam provocado al-
de outras jazidas de ametista conhecidas no terações significativas nos basaltos, com a
Rio Grande do Sul (Sirtoli et al., 2005, Fianco cristalização da ametista tendo ocorrido a
et al., 2006), uma vez que: 1) ocorrem em temperaturas entre 204 e 238 °C
rochas ácidas (dacitos e riolitos), mas em (Scopel,1997; Proust & Fontaine, 2007). No
níveis bastante alterados; 2) a camada mais entanto, estudos de inclusões sólidas e flui-
externa de ágata é sempre muito fina (é co- das na ametista e de isótopos de oxigênio
mum ser menor que 1 mm), o que deixa os na seqüência de cristalização ágata–quartzo
geodos frágeis e quebradiços, diminuindo o incolor–ametista desse mesmo distrito mi-
valor comercial do minério; 3) os cristais de neiro, indicam que esses depósitos teriam
ametista são em geral límpidos, com se formado em um ambiente epitermal, em
raríssimas inclusões sólidas (goethita); 4) os temperaturas próximas à temperatura am-
geodos não apresentam minerais tardios. biente, a partir de fluidos pelo menos em
parte meteóricos (Juchem, 1999; Juchem et
2.6 Origem dos geodos al., 1999). Dados semelhantes foram obti-
e das mineralizações dos, posteriormente, por Gilg et al. (2003) e
por Fischer (2004) que também concluiram
A seguir, apresenta-se o estado da arte
que a cristalização da ametista nesse distrito
do conhecimento sobre a origem dos geodos
mineiro ocorreu a temperaturas muito bai-
mineralizados à ágata e ametista da Forma-
xas. Gilg et al. (2003) sugerem que o fluido
ção Serra Geral. Os modelos e hipóteses a
mineralizante pode ter origem meteórica e/
seguir transcritos não representam necessa-
ou ser proveniente dos arenitos da Forma-
riamente as idéias de cada um dos autores
ção Botucatu, podendo a sílica ter sido ex-
deste trabalho.
traída da fase vítrea intersticial do basalto
A hipótese mais tradicional, proposta
hospedeiro bem como dos arenitos.
e/ou adotada por diferentes pesquisadores,

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 191


Instituto de Geociências. Contribuições

Considerando-se os dados acima to do Jacuí (Strieder & Heemann, 2006).


apresentados, é possível considerar que os Segundo esses autores, as rochas portado-
grandes geodos tenham se formados em ras do minério foram intrudidas em unida-
duas etapas. A primeira etapa é singenética, des vulcânicas e a ágata teria se formado a
quando as cavidades são formadas por partir dos arenitos da Formação Botucatu,
desgasificação da lava em temperatura su- que reagiram com as rochas encaixantes.
perior a 1150 °C (e.g. Proust & Fontaine, Pelo exposto acima, observa-se que a
2007). A segunda etapa é epigenética e ocor- origem dos geodos e dos processos de
re em condições de baixa temperatura (50- mineralização é um assunto bastante con-
100 °C) por deposição de ametista e outros trovertido, havendo ainda muitas questões
minerais a partir de fluidos hidrotermais (e.g. a serem resolvidas. As distintas interpreta-
Juchem et al., 1999; Gilg et al., 2003; Fischer, ções, atualmente discutidas para a gênese dos
2004). depósitos de ametista e ágata no Rio Gran-
Recentemente, foi apresentado um de dos Sul, estão relacionadas com os
modelo epigenético para a origem dos aspectos e as estruturas geológicas díspares
geodos mineralizados à ametista (Duarte et encontradas nos diferentes distritos minei-
al., 2005). Segundo esses autores, a abertura ros e também em diferentes ocorrências
e o preenchimento das cavidades ocorreu desses materiais gemológicos. A seqüência
após a solidificação da rocha, a partir de um de processos geológicos ocorridos para a
fluido aquoso proveniente dos arenitos da formação dos espetaculares geodos porta-
Formação Botucatu. Esse fluido teria pene- dores de ametista e ágata nas rochas vulcâ-
trado na rocha vulcânica, ficando confina- nicas da Formação Serra Geral, inicia-se com
do abaixo de níveis pouco permeáveis de a abertura da cavidade, seguida do seu pre-
basalto maciço, provocando sua deforma- enchimento. A unanimidade internacional
ção e alteração para argilas e a conseqüente (e.g., Proust & Fontaine, 2007) em torno da
abertura das cavidades, sendo também o hipótese de desgasificação da lava para a
responsável pela deposição dos minerais no formação dos geodos a temperaturas supe-
interior dos geodos. Essa hipótese leva em riores a 1.150 C está sendo desafiada por
consideração a presença de brechas hidráu- uma hipótese inovadora (Duarte et al., 2005).
licas, geradas por explosão, na base de mui- A época é de mudança de paradigma, com
tos geodos. todo o interesse que essa fase desperta na
A relação entre os os arenitos da For- comunidade científica nacional e interna-
mação Botucatu e os minerais que preen- cional.
chem os geodos foi também avaliada por
diferentes pesquisadores. A hipótese de que
os geodos de ametista da região de Artigas 3. MATERIAIS GEMOLÓGICOS
MATERIAIS
(Uruguai) teriam se formado a partir da in- EM OUTROS DEPÓSITOS
corporação de areia quartzosa (deserto
Botucatu) pelo magma basáltico, durante a 3.1 Serpentinitos
sua ascenção na crosta ou durante o derra-
Diversos corpos de rochas máficas e
me, foi proposta por Bossi & Caggiano
ultramáficas serpentinizadas ocorrem no
(1974). Em um estudo recente, foi apresen-
Escudo Sul-rio-grandense, inseridas no
tada uma interpretação semelhante para a
Complexo Cambaí e no Supercomplexo
origem da ágata no Distrito Mineiro de Sal-
Vacacaí, ambos alojados no Cinturão Vila

192 Pedro Luiz Juchem et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 12
12. Serpentinito beneficiado em Bagé (RS), observando-se um fragmento da rocha bruta e um vaso ornamental (20 cm de
altura) confeccionado artesanalmente no mesmo tipo de rocha.

Nova, de idade neoproterozóica (Chemale internacional, onde esse material é muito


Jr., 2000). Os serpentinitos estão situados valorizado, uma vez que o serpentinito é
em zonas de cisalhamento, apresentando considerado uma gema ornamental rara
textura foliada a xistosa e milonítica, bem (Webster, 1983). A caracterização
como textura mesh, fitada e deformacional. tecnológica de dois corpos de serpentinitos,
Essas rochas são compostas por antigorita, um situado no Cerro Mantiqueiras (Lavras
crisotilo e lizardita, além de talco, magnetita do Sul) e outro em Vila Palmas (São Gabriel),
e relictos de olivina, anfibólios e piroxênios indicou que essas rochas, além de utilizadas
(Juchem et al., 1990; Rivaldo, 2006). como material gemológico, podem ser tam-
A partir da década de setenta, alguns bém empregadas como rochas ornamentais
maciços de serpentinitos passaram a ser ex- em acabamentos internos (Rivaldo, 2006).
plorados e beneficiados na cidade de Bagé,
sendo confeccionados objetos ornamentais 3.2 Madeiras fossilizadas
com um acabamento esmerado, caracteri-
As “florestas petrificadas” da região
zando um artesanato mineral de alta quali-
central do Rio Grande do Sul são conheci-
dade (Juchem et al., 1990) (Figura 12). Qua-
das desde algumas décadas e constituem um
se toda a produção é destinada ao mercado
dos mais importantes registros de lenhos

Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 193


Instituto de Geociências. Contribuições

fósseis do planeta (Sommer & Scherer, EM ÁREAS DE GARIMPO DE PEDRAS


1999). São gigantescos troncos fossilizados PRECIOSAS NO ESTADO DO RIO
de até 30 m de comprimento, que afloram GRANDE DO SUL. Anais... Porto Alegre. p.
em uma área de aproximadamente 300 km2 1-10.
e se concentram nos municípios de Mata e Augustin, A.H.; Juchem, P.L.; Brum, T.M.M. &
São Pedro do Sul, hospedados em três dife- Fischer, A.C. 2004. Opala no Rio Grande do
rentes unidades Gondwânicas: Arenito Sul. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
Mata, Formação Santa Maria e Formação GEOLOGIA, 42., 2004, Araxá. Anais... Araxá,
Caturrita (Bolzon & Guerra-Sommer, 1994). SBG. v. único, p. T 861.
Esses troncos são provenientes de uma den- Augustin, A.H.; Pulz, G.M.; Acauan, R.B.; Brum,
sa floresta constituída prioritariamente por T.M.M.; Knijnik, D.B.; Strieder, A.J.; Hartmann,
coníferas, representando provavelmente L.A. & Barboza, E.S. 2006. Geologia das
uma flora mesofítica originada por mudan- ocorrências de ametista da região de Santana do
ças climáticas na passagem Meso- Livramento, sudoeste do Estado do Rio Grande
Neotriássico (Sommer & Scherer, 1999). do Sul, Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO
Os troncos fósseis exibem diferentes DE GEOLOGIA, 43., 2006, Aracaju, SE.
graus de preservação das estruturas vege- Anais... Aracaju, SE, SBG. 1 CD-ROM.
tais. Onde a silicificação é mais intensa, e Bellieni, G.; Comin-Chiaromonti, P.; Marques,
conseqüentemente a estrutura vegetal foi L.S.; Melfi, A.J.; Nardy, A.J.R.; Piccirillo, E.M. &
mais destruída, é possível a confecção de Roisenberg, A. 1984 High and Low TiO2 flood
objetos ornamentais que apresentam boa basalts from the Paraná plateau (Brazil):
qualidade gemológica e grande procura no petrology and geochemical aspects bearing on
mercado. No entanto, esses abundantes their mantle origin. Neues Jahrbuch fur
registros paleobotânicos constituem-se em Mineralogie Abhandlungen, 150: 273-306.
um importante patrimônio científico-cultu- Bolzon, R.T. & Guerra-Sommer, M. 1994.
ral que ainda não foi convenientemen- Considerações sobre a Tafonomia da
te caracterizado e, por essa razão, atualmen- Lignitafoflora Mesozóica do Rio Grande do Sul.
te, sua explotação está legalmente proibida Acta Geológica Leopoldensia, 39/1 (27):109-
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Geologia e Mineralogia das Gemas do Rio Grande do Sul 197


1
Departamento de Mineralogia e Petrologia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Fundação de Ciência e Tecnologia, Porto Alegre

C Caracterização Tecnológica
das Rochas Ornamentais
do Estado do Rio Grande do Sul
Ruy Paulo Philipp1, Clovis Gonzatti2, Ivone M. Agostini2,
Marcus Vinicius Dorneles Remus1, João Alberto Fiorentini2

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento deste trabalho foi concebido com o intuito de suprir uma


lacuna há anos diagnosticada no setor de rochas ornamentais do Rio Grande do Sul, que se
refere à caracterização geológica e tecnológica das principais litologias explotadas no Estado
e comercializadas para uso na construção civil. Para atingir este objetivo foi realizada uma
parceria de trabalho entre o Instituto de Geociências da UFRGS, através de pesquisadores do
Departamento de Mineralogia e Petrologia e a Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado
(CIENTEC), através dos pesquisadores do Departamento de Geotecnia e do Laboratório de
Tecnologia de Rochas.
A CIENTEC é precursora no atendimento das demandas de caracterização
tecnológica das rochas ornamentais da região sul do Brasil. Investimentos em infra-estrutura
e treinamento dos seus recursos humanos tem sido uma preocupação constante, no sentido
de atender às necessidades crescentes dos estudos de caracterização e adequação das rochas
ornamentais aos critérios técnicos, utilizados como indicadores da qualidade de seu uso. O
Instituto de Geociências da UFRGS tem atuado, através de trabalhos de mapeamento geoló-
gico sistemático e por meio de pesquisa em nível de iniciação científica e de Pós-Graduação,
na caracterização geológica e petrológica das jazidas exploradas comercialmente. Mais recen-
temente, tem atuado junto ao curso de Geologia através de disciplina específica sobre rochas
ornamentais e de revestimento. Entre as principais atividades desenvolvidas pelo instituto
destacam-se a cartografia geológica das unidades graníticas, acompanhada pela análise
petrográfica e estrutural, com estudos de temas específicos através de projetos de pesquisa e
trabalhos de conclusão.
Instituto de Geociências. Contribuições

A consolidação das informações litológicos, contemplando informações me-


tecnológicas sobre as rochas mineradas no cânicas, tecnológicas, petrográficas, físico-
Rio Grande do Sul é resultado de esforço químicas e estéticas de cada rocha, associa-
conjunto entre a CIENTEC e a Secretaria das às informações geológicas da área de
da Ciência e Tecnologia do Estado do Rio procedência dos materiais estudados.
Grande do Sul (SCT), a partir do desenvol- No estado do Rio Grande do Sul, as
vimento do Projeto ORNAMENTO – “Ca- rochas graníticas constituem o principal tipo
racterização Tecnológica de Rochas Orna- litológico utilizado como rocha ornamen-
mentais do Estado do Rio Grande do Sul”, tal, ocorrendo subordinadamente o aprovei-
iniciado no final de 1999. Mais recentemen- tamento de mármores e, mais recentemen-
te, pesquisadores do Instituto de te, de rochas riolíticas e riodacíticas da For-
Geociências da UFRGS participaram, entre mação Serra Geral. As principais jazidas de
2001 e 2002, do projeto “Caracterização e granitos estão localizadas no Batólito
Diagnóstico do Setor de Rochas Ornamen- Pelotas, um expressivo complexo granítico
tais da Metade Sul do Estado do Rio Gran- que faz parte do Cinturão Dom Feliciano e
de do Sul”, desenvolvido através de parce- constitui a porção leste do estado.
ria entre o Instituto de Geociências e a Es-
cola de Engenharia da UFRGS e o Gover-
no do Estado do Rio Grande do Sul. A união 2. GEOLOGIA DOS JAZIMENTOS
desses esforços procura, neste momento, DE ROCHAS ORNAMENT AIS DO RS
ORNAMENTAIS
apresentar de maneira sintética os principais
tipos de rochas ornamentais extraídas no
estado e suas qualidades através da investi- Geograficamente, os tipos litológicos
gação de suas características tecnológicas. explotados são provenientes essencialmen-
Considerando-se a importância do te do Escudo Sul-rio-grandense, situados em
conhecimento das propriedades dos mate- vários municípios da região Central e Su-
riais rochosos, visando o seu emprego como deste do estado do Rio Grande do Sul. Mais
rocha ornamental na construção civil e na recentemente, as rochas vulcânicas ácidas da
indústria, são apresentadas sínteses de Formação Serra Geral, provenientes da re-
especificações americanas e, na ausência até gião serrana, começaram a ser exploradas
o momento de especificações técnicas na- comercialmente.
cionais, sugestões propostas por autores bra- As rochas ornamentais do Estado são
sileiros, bem como orientações para o estu- encontradas no embasamento cristalino, que
do dos materiais de futuras jazidas. constitui o denominado Escudo Sul-rio-
Os resultados da integração das pes- grandense e abrange uma área de rochas pré-
quisas sobre as rochas ornamentais do Rio cambrianas. O escudo constitui o Cinturão
Grande do Sul serão apresentados através Dom Feliciano que é composto por cinco
de uma publicação ainda inédita, desenvol- principais unidades geotectônicas reconhe-
vida pelo Departamento de Geotecnia da cidas como: Terreno Taquarembó, Terreno
CIENTEC, que apresentará uma análise Tijucas, Terreno São Gabriel, Batólito
detalhada dos tipos rochosos extraídos no Pelotas e Bacias Sedimentares eopaleozóicas
Estado e comercializados no mercado in- ou pós-orogênicas (Hartmann et al., 2007,
terno e externo (Gonzatti et al., 2007). Esta neste volume) (Figura 1). Estas unidades
pesquisa comparou os principais tipos apresentam associações de rochas com

200 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

feições tectônicas, composições Os granitos perfazem cerca de 70%


geoquímicas e isotópicas, e assinaturas da área de rochas pré-cambrianas, sendo
geofísicas distintas. O limite entre as mes- encontrados dominantemente como corpos
mas é marcado por zonas de cisalhamento graníticos indeformados. Uma parcela su-
dúcteis e dúctil-rúpteis que representam es- bordinada dos maciços apresenta estrutu-
truturas de descontinuidade crustal de es- ras primárias relacionadas ao fluxo
cala regional. Entre as principais, destacam- magmático, como orientação dimensional de
se as zonas de Cisalhamento Dorsal de cristais, bandamentos de injeção e de fluxo,
Canguçu, Ibaré, Passo do Marinheiro, Ar- com concentração de minerais máficos e/
roio Grande e Erval. ou félsicos. Somente uma parcela muito re-
A grande maioria das jazidas de ro- duzida de granitos mostra feições de defor-
chas ornamentais do Rio Grande do Sul é mação mineral, como estiramento, dobra-
de granitóides, com ocorrência subordina- mentos e bandamentos deformacionais. As
da de sienitos, dioritos, basaltos e mármo- rochas granitóides ocorrem em quase todas
res. O mapa da Figura 2 apresenta a locali- as unidades geotectônicas do Escudo Sul-
zação dos principais jazimentos explorados rio-grandense, sendo observadas de modo
no estado. muito restrito nas bacias sedimentares
eopaleozóicas.

Figura 1.
1 Mapa geotectônico com as principais unidades que compõem a porção sul da Plataforma Sul-Americana (modificado de
Chemale Jr., 2000).

O Terreno Taquarembó possui a unida- escudo, abrangendo as cidades de Bagé,


de geológica mais antiga do escudo, repre- Dom Pedrito e Candiota. Seu limite norte é
sentada pelo Complexo Granulítico Santa definido pela zona de cisalhamento Ibaré, e
Maria Chico, de idade Paleoproterozóica a oeste e a sul é recoberto pelas rochas
(cerca de 2,3 bilhões de anos). Este com- sedimentares da Bacia do Paraná. As rochas
plexo está situado no extremo sudoeste do granulíticas são intrudidas por corpos

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 201
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2.
2 Mapa de localização das principais jazidas dos granitos estudados no Batólito Pelotas.

202 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

graníticos de idade Brasiliana (entre 600 e metassedimentos com presença subordina-


550 milhões de anos) e são cobertas por da de rochas metavulcânicas. Entre estas
rochas vulcano-sedimentares geradas neste unidades, os corpos de quartzito possuem
mesmo evento. Embora com extensas extensões quilométricas e espessuras entre
áreas de ocorrência, os granitos da Suíte 40 a 250 m ou maiores. Apesar da exposi-
Santo Afonso não apresentam característi- ção favorável, os quartzitos estão muito de-
cas geológicas (cor, textura, exposição) fa- formados e com alto grau de fraturamento,
voráveis para seu uso como rocha ornamen- limitando a sua exploração apenas como
tal. Do mesmo modo, as rochas granitóides rocha de revestimento. Unidades graníticas
do Complexo Cambaí também não apresen- mais jovens, de idade Neoproterozóica, cor-
tam exposição favorável. No Complexo tam ambas as unidades anteriores como
Granulítico Santa Maria Chico, ocorrem len- corpos de forma alongada concordantes
tes de mármores de cores avermelhadas e com as estruturas regionais e com forte grau
amareladas que podem ser explorados co- de deformação. As exposições restritas e a
mercialmente (MÁRMORES CERRO DA alta intensidade de fraturamento não possi-
PEDREIRA). bilitam a exploração destas unidades como
O Terreno Tijucas ocorre na porção rocha ornamental.
central do escudo, estendendo-se como uma O Terreno São Gabriel é uma unidade
faixa alongada segundo a direção N20-30oE, constituída por associações petro-tectônicas
com cerca de 30 a 50 km de largura e cerca justapostas e relacionadas ao desenvolvi-
de 170 km de comprimento. Na área mento de um ciclo orogênico com idade
ocupada por este terreno, estão situadas as entre 860 e 680 milhões de anos, reconheci-
cidades de Cachoeira do Sul, Santana da Boa do como Evento São Gabriel (Chemale Jr.,
Vista e Pinheiro Machado. Ele está limitado 2000). Na área ocupada por este terreno,
a leste pelas zonas de cisalhamento Dorsal ocorrem as cidades de Caçapava do Sul, Vila
de Canguçu e Passo do Marinheiro, estando Nova do Sul, São Gabriel e Lavras do Sul.
coberto a oeste pelas rochas sedimentares Os limites desta unidade estão definidos a
pós-orogênicas da Bacia do Camaquã e, a sul pela Zona de Cisalhamento Ibaré, a les-
sul e a norte, pelos sedimentitos da Bacia te por um sistema de falhas de direção NE-
do Paraná. O Terreno Tijucas é constituído SW, e a oeste e a norte está coberta pelas
dominantemente pelas rochas dos comple- rochas sedimentares da Bacia do Paraná.
xos Encantadas e Porongos, cujas idades de Neste terreno, são encontradas diversas uni-
formação remontam ao Paleoproterozóico dades litoestratigráficas com evolução rela-
(2,2 a 2,0 Ga) e Neoproterozóico (0,8 a 0,7 cionada a um sistema de arcos magmáticos
Ga), respectivamente. As rochas gnáissicas de idade Neoproterozóica. A estruturação
do Complexo Encantadas possuem compo- geral deste terreno é definida por quatro
sição tonalítica a diorítica e aspecto bandado, domínios tectônicos imbricados de W para
com presença de injeções tabulares métri- E por um evento deformacional de nature-
cas a decamétricas de corpos graníticos. za tangencial. Estes domínios possuem for-
Também apresenta ocorrência restrita de ma alongada, segundo a direção N30oE, e
corpos de anfibolitos e rochas são compostos de noroeste para sudeste por
metaultramáficas. Embora de grande bele- orto- e paragnaisses, com ocorrência subor-
za, estas unidades não apresentam exposi- dinada de rochas metamáficas e
ções que permitam a sua exploração comer- metaultramáficas; metagranitóides de raiz de
cial. O Complexo Porongos é composto por arco magmático; xistos magnesianos,

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 203
Instituto de Geociências. Contribuições

serpentinitos, quartzitos e metabasaltos, cisalhamento Dorsal de Canguçu e Passo do


além de metavulcânicas, metavulcanoclásti- Marinheiro, e a leste é coberto pelos sedi-
cas e rochas metassedimentares epiclásticas mentos da Planície Costeira. O batólito é
de composição intermediária e afinidade constituído por um complexo granítico e por
cálcico-alcalina. Cortando estas unidades, sete suítes de rochas granitóides de compo-
ocorrem granitos de composição cálcico- sição variável de granodiorítica a
alcalina alto K relacionados à evolução final sienogranítica, com ocorrência subordina-
de um arco de margem continental ativa, da e associada de rochas intermediárias e
associados a um período pós-colisional, ca- básicas, como sienitos, dioritos,
racterizado pela formação de extensas zo- microdioritos, hornblenditos e gabros. A
nas de cisalhamento transcorrentes. Corpos presença de septos do embasamento do
graníticos mais jovens, de composição Cinturão Dom Feliciano no Batólito Pelotas
shoshonítica e alcalina, cortam as unidades é observada em amplas áreas que se esten-
que compõem este terreno e as estruturas dem na porção norte, central e sul desta
anteriores com geração de metamorfismo unidade. Na região de Encruzilhada do Sul,
termal. Estas intrusões estão relacionadas a Butiá e Arroio dos Ratos, ocorrem rochas
um evento tectônico com idade em torno do Complexo Metamórfico Várzea do
de 650 a 570 milhões de anos (Evento Dom Capivarita, composto por gnaisses pelíticos,
Feliciano). Embora apresentem uma gran- gnaisses calci-silicáticos e mármores, e do
de diversidade de tipos litológicos, as uni- Complexo Gnáissico Arroio dos Ratos,
dades deformadas e metamorfizadas não constituído por ortognaisses de composição
apresentam exposição adequada que possi- tonalítica, granodiorítica e monzogranítica.
bilite seu aproveitamento como rocha or- Na região mais ao sul do batólito, nas cida-
namental do tipo movimentado. A única des de Arroio Grande, Pedras Altas e Erval,
entre as unidades metamórficas passível de são identificados xistos pelíticos, quartzitos
explotação comercial é o Már more e mármores, além de ortognaisses de com-
Mudador, uma unidade do Complexo posição granodiorítica a monzogranítica.
Metamórfico Passo Feio, ocorrente no mu- O Batólito Pelotas é a unidade
nicípio de Caçapava do Sul. Entre as unida- geotectônica que apresenta a maior
des graníticas, destacam-se os maciços mais potencialidade e o maior número de jazidas
jovens e indeformados, em sua ampla com extração de blocos para uso como ro-
maioria, com cores rosadas a avermelhadas cha ornamental. Neste batólito, podem-se
e composição sienogranítica, como o Com- identificar três grupos distintos de
plexo Granítico São Sepé (VERMELHO granitóides que são utilizados para esta fi-
SÃO SEPÉ – São Sepé), o Granito Jaguari, nalidade. Uma porção significativa de sua
a noroeste da cidade de Lavras do Sul, e os área é ocupada pelos granodioritos e
Granitos Ramada e Cerro da Cria, a sudeste monzogranitos eqüigranulares do Comple-
da cidade de Vila Nova do Sul. xo Pinheiro Machado, que apresentam co-
O Batólito Pelotas possui uma forma res cinzentas e estruturas magmáticas, como
alongada, segundo a direção N45 o E, orientação mineral e bandamentos irregula-
ocupando a porção leste do Escudo Sul-rio- res definidos por concentração de minerais
grandense, com cerca de 370 km de com- máficos. Apesar da beleza e da estrutura
primento e largura variável entre 70 e 110 movimentada, estas rochas apresentam um
km. Está limitado a oeste pelas zonas de relevo homogêneo e muito arrasado,

204 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

composto por coxilhas alongadas, sem gran- mente, nos 1º e 2º pisos do Aeroporto In-
des áreas de exposição e com manto de al- ternacional Salgado Filho, em Porto Alegre.
teração com espessuras métricas. Deste gru- Na região de Encruzilhada do Sul, ocorrem
po é explorado um monzogranito denomi- ainda as litologias do Sienito Piquiri (comer-
nado CINZA CANGUÇU (Canguçu). cialmente denominadas de MARROM
Um segundo grupo de rochas é cons- GUAÍBA) que apresentam cor castanha e
tituído pelos granitóides das suítes Viamão se constituem na principal jazida de rocha
e Encruzilhada do Sul, caracterizados por ornamental do Rio Grande do Sul.
corpos de composição monzogranítica e Uma terceira parcela da área do
textura porfirítica, com megacristais de K- Batólito Pelotas está ocupada por corpos
feldspato de cores claras como cinza, bege, leucograníticos, de composição sienograní-
laranja e rosa. Nestas unidades, são freqüen- tica a FK-granítica, pertencentes a Suíte
tes estruturas magmáticas, como orientação Dom Feliciano. Estes granitos possuem for-
dimensional de megacristais e acumulação mas alongadas, segundo a direção N40-
de K-feldspato e/ou de minerais máficos 50ºE, e mostram um posicionamento con-
(biotita e hornblenda). Nas regiões de Ser- trolado pela reativação de zonas de
tão Santana, Cerro Grande, Canguçu, Pi- cisalhamento dúcteis de escala continental.
nheiro Machado, Piratini e Arroio Grande, Os granitos possuem texturas equigranulares
estes corpos comumente apresentam forma e cores rosadas, avermelhadas, alaranjadas
alongada, segundo a direção N40-50ºE, e e, eventualmente, castanho claro. O relevo
mostram um posicionamento controlado destacado e a presença abundante de lajea-
pelas zonas de cisalhamento dúcteis de alto dos rochosos fazem deste grupo de grani-
ângulo com a mesma direção. O relevo mais tos a principal reserva ornamental do Esta-
destacado e a presença freqüente de cam- do. Entre as unidades graníticas exploráveis,
pos de matacões e áreas com lajeados, fa- destacam-se os granitos Cerro dos Cachor-
zem com que este grupo de granitos seja ros (denominado ROYAL RED – Pinheiro
bastante explorado. Entre as unidades Machado), Ponta Grossa (COLORADO
comercializáveis, destacam-se o Granito GAÚCHO – Viamão), Serra do Herval
Barão do Triunfo (comercialmente denomi- (VERMELHO BORDÔ, BORDÔ CRIS-
nados de OURO GAÚCHO, PRATA TAL – Cristal), Dom Feliciano (VERME-
GAÚCHO, PRATA SERTANENSE, LHO GUAÍBA, ROSA GUAÍBA – Guaíba)
OURO SERTANENSE – Sertão Santana; e Cerro do Sandi (ROSA PIRATINI), e a
ORANGE KIZI – Pelotas), o Granito Ar- fácies eqüigranular do Granito Encruzilha-
roio Moinho (AZUL BOREAL – Canguçu) da (VERMELHO ENCRUZILHADA –
e o Granito Chasqueiro (CINZA ARROIO Encruzilhada do Sul).
GRANDE – Arroio Grande). Na região de Novas variedades ainda estão sendo
Encruzilhada do Sul, ocorre uma ampla ex- pesquisadas, com destaque para as rochas
posição de granitos da Suíte Encruzilhada de coloração escura (preta), como os gabros
do Sul, onde a fácies porfirítica do Granito alcalinos do Dique Rondina (Santana da Boa
Encruzilhada é muito explorada. Entre as Vista), os dioritos, associados ao Granito
unidades desta suíte que são comercializadas, Encruzilhada do Sul, e os leucogranitos de
destacam-se o ROSA ENCRUZILHADA, cor branca, como os granitos Cordilheira,
o BEGE PÉROLA, o MINUANO e o Arroio Francisquinho e Figueiras, perten-
CORAL. As variedades Bege Pérola e Rosa centes a Suíte Cordilheira (Encruzilhada do
Encruzilhada foram utilizadas, conjunta- Sul, Arroio dos Ratos e Butiá).

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 205
Instituto de Geociências. Contribuições

3. ASPECTOS IMPOR
IMPORTTANTES manchamento e a deterioração da rocha, a
NO ESTUDO D AS ROCHAS
DAS baixa dilatação térmica linear, para garantir
ORNAMENT AIS
ORNAMENTAIS estabilidade do revestimento, a alta resistên-
cia ao desgaste, quando usado em pisos, a
alta resistência à flexão, quando de sua utili-
Os estudos para a caracterização zação em revestimento fixado por ancora-
tecnológica de rochas ornamentais devem gem metálica, além do aspecto estético, ao
considerar os diferentes aspectos que envol- tornar o ambiente agradável.
vem o seu aproveitamento na construção Do ponto de vista prático, para a se-
civil, na indústria em geral, ou ainda, como leção do conjunto de ensaios capazes de
objetos de arte e decoração. avaliar convenientemente as características
De um lado, estão as solicitações e os do material, é importante conhecer, clara-
esforços que são impostos à rocha durante mente, os objetivos que estão associados às
sua extração nas jazidas, seu beneficiamento diferentes modalidades de ensaios. Cada
nas serrarias (teares), seu manuseio nas modalidade possui características próprias,
marmorarias e sua utilização final, os quais que permitem submeter a rocha a um de-
dependem das funções que a mesma irá de- terminado tipo de exigência, simulando as
sempenhar ao longo da vida útil da obra. condições de uso nas obras de engenharia.
De outro, estão as qualidades necessárias Na Tabela 1, podem ser vistos os ensaios
para que a rocha possa oferecer uma boa recomendados para a caracterização de uma
performance durante o seu uso. rocha ornamental em função da sua aplica-
Entre as solicitações impostas à ro- ção.
cha, destacam-se o corte e o desgaste na fase Por outro lado, as especificações téc-
de preparação dos blocos e chapas, a nicas estabelecem os limites aceitáveis para
alterabilidade devido à secagem e as diferentes propriedades dos materiais ro-
umedecimento, à expansão e contração tér- chosos, relacionados com os procedimen-
mica, à ação de agentes químicos e das águas tos de ensaios normalizados para a sua de-
da chuva, e os esforços de compressão, tra- terminação em laboratório. Estes limites
ção e flexão (Frazão & Paraguassu, 1998; representam a garantia de um comporta-
Frazão, 2002). Outros aspectos importan- mento ideal das rochas durante a vida útil
tes estão relacionados a própria função da da obra. No Brasil, até o presente momen-
rocha no embelezamento de fachadas, na to, não existem especificações técnicas con-
proteção contra os agentes intempéricos, no solidadas pela Associação Brasileira de Nor-
suporte das cargas impostas pela passagem mas Técnicas (ABNT). Na Tabela 2, cons-
de pedestres e veículos ou quando usada tam as sugestões de especificações feitas por
com a função estrutural em colunas ou pi- profissionais nacionais com larga experiên-
lares, além de facilitar a limpeza e manter a cia na área e constantes na literatura técnica
higidez no ambiente. nacional (Frazão & Farjalat, 1995, 1996).
Entre as qualidades desejáveis ao tipo Normalmente, as especificações téc-
de rocha, são importantes a alta resistência nicas empregadas para o enquadramento de
ao intemperismo e aos agentes químicos rochas ornamentais, como granitos, mármo-
agressivos (que ocorrem na atmosfera e nos res, gabros, dioritos, sienitos, calcários e
produtos de limpeza), quando usados em arenitos, que são as litologias mais utilizadas
revestimentos externos, a baixa capacidade para consumo no País ou para fins de ex-
de absorção de líquidos, visando impedir o portação, são as adotadas pela American

206 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

Society for Testing and Materials (ASTM). A comparado com os limites definidos no es-
Tabela 3 apresenta os limites estabelecidos tudo das rochas silicáticas brasileiras, utili-
para cada propriedade da rocha, dependen- zadas como rochas ornamentais, seguindo
do do tipo litológico, segundo a ASTM, sugestão de autores nacionais (Tabela 4).

Tabela 1
1. Solicitações impostas, funções e qualidades desejáveis às rochas ornamentais (adaptado de Frazão & Paraguassu, 1998;
Frazão, 2002).

4. EXECUÇÃO DOS ENSAIOS são discutidas especialmente aquelas pro-


priedades que estão contempladas nos prin-
cipais critérios de qualificação dos mate-
Para este trabalho serão apresentadas riais. Os resultados aqui sintetizados consti-
as principais características tecnológicas de- tuem-se numa primeira aproximação das ca-
terminadas nas litologias mais comerciali- racterísticas tecnológicas das rochas estuda-
zadas no Estado. Estes dados foram ex- das.
traídos do trabalho ainda inédito realiza-
do por Gonzatti et al. (2007) e representam 4.1 Apresentação e análise
um banco de dados formado ao longo de, dos resultados
aproximadamente, 20 anos. Os ensaios
tecnológicos utilizados foram obtidos ten- Os principais resultados obtidos para
do como orientação normas nacionais e/ as diferentes litologias são apresentados na
ou internacionais, específicas para cada forma de diagramas de caixa, após tratamen-
modalidade de ensaio. Dentro dessa ótica, to estatístico descritivo, e individualizados

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 207
208
Ruy Paulo Philipp et alli
Instituto de Geociências. Contribuições

Tabela 2
2. Ensaios recomendados para a caracterização de mármores e granitos em função da aplicação da rocha (adaptado de Frazão et. al., 1993).
50 50 anos de Geologia

3. Limites estabelecidos para o uso de diferentes tipos rochas ornamentais, segundo a ASTM.
Tabela 3

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 209
210
Ruy Paulo Philipp et alli
Instituto de Geociências. Contribuições

Tabela 4.
4 Limites sugeridos para especificação de rochas ornamentais, segundo Frazão & Farjallat (1995, 1996).
50 50 anos de Geologia

por modalidade de ensaio. Nesse tipo de contempladas na especificação técnica da


representação, os dados de cada litologia ASTM C 615, mostrou que praticamente
estão divididos em quatro áreas de igual fre- todas as litologias atendem a essa
qüência. A caixa retangular engloba a meta- especificação. O mesmo ocorreu quando da
de central dos valores. No interior da caixa, comparação com os limites sugeridos pelos
a linha horizontal mostra o valor da media- autores nacionais Frazão & Farjallat (1995,
na e o sinal positivo indica o valor da média 1996). A boa qualidade dos granitos do Rio
de cada amostra. As linhas horizontais que Grande do Sul recomenda o seu uso para as
partem das extremidades esquerda e direita mais diversas aplicações em ambientes in-
da caixa representam 1,5 vezes o intervalo ternos e externos.
do quartil inferior e superior, respectivamen- No âmbito das rochas
te. As Figuras 3 a 8 apresentam os resulta- metassedimentares, ainda que com limita-
dos obtidos para as diferentes litologias e das informações sobre os dois mármores
propriedades estudadas. Os números cons- estudados, os resultados existentes mostra-
tantes ao lado da identificação de cada ram que esses materiais podem ser conside-
litologia indicam as quantidades de ensaios rados bastante promissores, necessitando,
realizados para a determinação daquela pro- entretanto, de mais investimentos para
priedade da rocha apresentada pela figura. melhor quantificar as características
Os resultados completos dos ensaios tecnológicas destas unidades.
tecnológicos e as considerações estatísticas Os riolitos da Formação Serra Geral,
podem ser observados no trabalho de a única representante das rochas ígneas vul-
Gonzatti et al. (2007). cânicas, apresentaram características mecâ-
A confrontação dos valores médios nicas de excelente qualidade, requerendo
obtidos para as diferentes rochas graníticas alguns cuidados quanto ao seu uso em am-
com os valores limites das propriedades bientes úmidos, devido aos valores mais

Figura 3
3. Resultados da massa específica aparente seca para as diferentes litologias.

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 211
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4
4. Resultados da velocidade de propagação de ondas para as diferentes litologias estudadas.

Figura 5
5. Resultados da absorção de água para as diferentes litologias estudadas.

elevados de porosidade e absorção, quando Estado ocorrem há pouco mais de 50 anos


comparados às demais litologias estudadas. e remontam ao início da década de cinqüen-
ta. Apesar do tempo relativamente elevado
5. CONDIÇÕES DE EXTRAÇÃO E TIPOS desta atividade mineradora, ainda não apre-
DE LLA
AVRA sentamos um padrão aceitável de desenvol-
vimento tecnológico. Os processos de
explotação, na sua maioria, desenvolvem-se
As atividades de extração e através de lavras não mecanizadas em cam-
comercialização de rochas ornamentais no pos de matacões (Figuras 9 e 10). Neste tipo

212 Ruy Paulo Philipp et alli


50
50 anos de Geologia

Figura 6
6. Resultados da porosidade aparente para as diferentes litologias estudadas.

Figura 7
7. Resultados do desgaste por abrasão Amsler para as diferentes litologias estudadas.

de lavra, são utilizados equipamentos rudi- cipal para o corte do matacão ou para
mentares, embasados no uso de explosivos reparos/regularização das faces dos blocos.
caseiros, associados a um ferramental carac- Somente na lavra do Sienito Piquiri
terizado por ponteiras, alavancas e marretas. (MARROM GUAÍBA), na divisa dos
Em algumas lavras, são utilizados de modo municípios de Cachoeira do Sul e Encruzi-
muito restrito, equipamentos mecanizados lhada do Sul, tem-se uma extração mecani-
como perfuratrizes roto-pneumáticas, prin- zada com características industriais (Figura
cipalmente, para a obtenção do furo prin- 11). Nesta área, o desmonte e o corte dos
blocos são feitos através de um processo

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 213
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 8
8. Resultados da determinação do brilho para as diferentes litologias estudadas.

Figura 9.
9 Vista geral da lavra em matacões do granito Encruzilhada, na sua variedade Bege Pérola, interior de Encruzilhada do Sul.

com características industriais, com base na competitivo. Esta extração, também consi-
utilização de perfuratrizes roto-pneumáticas dera estratégica a organização do espaço
dispostas em trilhos metálicos e em cortes da lavra e o seu planejamento para a obten-
laterais com fio diamantado (Figuras 12 e ção de uma vida útil elevada e uma diminui-
13). Esta tecnologia resulta em uma produ- ção dos custos operacionais.
tividade mensal elevada e num preço final

214 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 10.
10 Vista geral da lavra em matacões do granito Encruzilhada, na sua variedade denominada Coral, interior de Encruzilhada
do Sul.

Figura 11
11. Vista geral de uma das lavras mecanizadas do Sienito Piquiri, destacando a organização da área de extração e os
equipamentos utilizados.

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 215
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 12.
12 Vista em detalhe da lavra do Sienito Piquiri, destacando a delimitação do corte principal da lavra por perfuratrizes roto-
pneumáticas.

Figura 13.. Vista em detalhe da lavra do Sienito Piquiri, destacando a delimitação do corte lateral por fio diamantado.

216 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

6. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES Agradecimentos
O primeiro autor agradece ao CNPq
Ainda que algumas litologias tenham (Proc. No 309232/2003-1, de Ruy Paulo
sido estudadas através de uma limitada quan- Philipp), pela concessão de bolsa de Produ-
tidade de ensaios, especialmente em algu- tividade em Pesquisa e a CIENTEC, em
mas modalidades, no geral, tratam-se de ti- especial dos membros do Departamento de
pos litológicos que apresentam excelente Geotecnia, pela experiência positiva da co-
qualidade nos diferentes quesitos conside- operação conjunta e pela divulgação parcial
rados para que o material tenha bom de- dos ensaios tecnológicos das rochas do Rio
sempenho quando utilizado como rocha Grande do Sul. Os autores agradecem ain-
ornamental na construção civil e para ou- da a Mineração Serra Geral Ltda., pelo aces-
tros fins. so as áreas de lavra do Sienito Piquiri.
Destacam-se, principalmente com re-
lação aos granitos estudados, suas excelen-
tes propriedades mecânicas caracterizadas 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
pela baixa absorção/porosidade, elevada
resistência ao desgaste abrasivo e os eleva-
Associação Brasileira de Normas Técnicas.
dos valores obtidos para o brilho. Estes re-
1992. NBR 12766: Rochas para revestimento:
sultados ressaltam a excelente qualidade dos determinação da massa específica aparente,
granitos gaúchos para uso como revesti- porosidade aparente e absorção d’água
mentos internos, externos e como piso. aparente. Rio de Janeiro.
É importante acrescentar, ainda, que
as virtudes apresentadas pelas rochas estu- Associação Brasileira de Normas Técnicas.
dadas não significam que as mesmas não 1992. NBR 12768: Rochas para revestimento:
análise petrográfica. Rio de Janeiro.
possam apresentar mudanças de qualidade
dentro de uma única jazida. As rochas or- American Society of testing and Materials
namentais são matérias-primas sujeitas aos Standards. 2006. ASTM C 119: Terminology
ditames da natureza, sendo válidas, portan- relating to dimension stone.
to, as recomendações anteriores quanto à American Society of testing and Materials
necessidade de ensaios específicos de con- Standards. 2005. ASTM C 503: Specification
trole de qualidade do produto durante o for marble dimension stone (exterior).
processo de explotação da jazida.
As limitações relacionadas ao tipo de American Society of testing and Materials
lavra e ao processo de extração estão asso- Standards. 2003. ASTM C 568: Specification
for limestone dimension stone.
ciadas à ausência de políticas públicas e de
investimentos provenientes dos poderes fe- American Society of testing and Materials
deral e estadual, como a disponibilização de Standards. 2003. ASTM C 615: Specification
recursos para a implantação de pólos regio- for granite dimension stone.
nais de desenvolvimento industrial através American Society of testing and Materials
da criação de unidades de serrarias e lavras Standards. 2003. ASTM C 616: Specification
mecanizadas. for quartz-based dimension stone.

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 217
Instituto de Geociências. Contribuições

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218 Ruy Paulo Philipp et alli


50 50 anos de Geologia

Grande do Sul. São Paulo. 379p. Tese de


Doutorado em Geociências, Instituto de
Geociências, Universidade de São Paulo.

Caracterização Tecnológica das Rochas Ornamentais do Estado do Rio Grande do Sul 219
Centro de Investigação do Gondwana, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

PPalinologia e a Evolução Geológica


da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul
durante o Permiano
Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi,
Michael Holz

1. INTRODUÇÃO

A palinologia é o estudo dos microfósseis de parede orgânica recuperada em


sedimentos e rochas, reunindo partes e fragmentos de organismos de natureza biológica di-
versa. Esporos (relacionados à reprodução das briófitas e pteridófitas), grãos de pólen (refe-
rentes à reprodução das gimnospermas e angiospermas), protistas (dinoflagelados, clorofíceas,
prasinofíceas, determinados tipos de foraminíferos) e fitoclastos (fragmentos vegetais), além
de grupos de organismos de afinidade biológica desconhecida (quitinozoários, acritarcos) e
matéria orgânica amorfa, são os principais elementos constituintes do estudo palinológico
(que inclui ainda partes de fungos e escolecodontes), sendo conhecidos como “palinomorfos”
(Traverse, 1988).
A depender do tipo de ambiente sedimentar e das condições tafonômicas, os
palinomorfos podem ser encontrados com relativa abundância e diversidade, refletindo está-
gios evolutivos dos organismos que representam e suas adaptações aos ambientes relaciona-
dos. Dessa forma, são considerados potencialmente importantes na formulação de
zoneamentos bioestratigráficos por permitirem datações relativas e correlações a longas dis-
tâncias (intra e extra-bacinais), além de fornecerem informações sobre a dinâmica sedimentar
e os paleoambientes. Em nível mundial, a palinologia avançou significativamente a partir da
segunda metade do último século, quando sua aplicação estava praticamente voltada à detecção
dos ambientes, idades e compreensão geológica dos jazimentos de carvão e petróleo. Inova-
ções das técnicas de trabalho e novas abordagens integrativas têm permitido, mais recente-
mente, a aplicação da palinologia em diversas áreas do conhecimento, dentre as quais, a
paleoclimatologia, a melissopalinologia (estudo de méis) e a arqueologia. Nas bacias
sedimentares, a integração do estudo palinológico com dados de outras áreas de pesquisa (e.g.,
Instituto de Geociências. Contribuições

estratigrafia de seqüências, geocronologia) aproximadamente 1.700.000 km2 na porção


possibilita um refinamento dos resultados e centro-leste da América do Sul, distribuin-
fornece interpretações mais contextualiza- do-se no Brasil (ca. 1.400.000 km2), Uruguai,
das sobre a evolução geológica das cama- Paraguai e Argentina, onde é denominada
das ocorrentes. Bacia Chaco-Paraná. De acordo com Milani
No Estado do Rio Grande do Sul, os & Zalán (1999), seis superseqüências com-
trabalhos palinológicos têm tradicionalmen- preendem seu preenchimento sedimentar-
te se voltado aos estratos permianos da Ba- magmático, em ordem estratigráfica: Rio Ivaí
cia do Paraná, depósitos quaternários e es- (Grupo Rio Ivaí, Ordoviciano/Siluriano),
tudos polínicos de material atual, fornecen- Paraná (Grupo Paraná, Devoniano),
do idades relativas e correlações Gondwana I (grupos Tubarão e Passa Dois,
bioestratigráficas, interpretações dos am- Carbonífero/Permiano), Gondwana II (uni-
bientes relacionados às jazidas de carvão, in- dades triássicas), Gondwana III (Grupo São
formações paleoclimáticas e a caracteriza- Bento, Jurássico/Cretáceo) e Bauru (Gru-
ção dos esporos e grãos de pólen da cober- po Bauru, Cretáceo).
tura vegetal moderna. Desde sua fundação No Rio Grande do Sul, ocorrem de-
(meados dos anos 60), os trabalhos publi- pósitos permianos do Grupo Tubarão
cados pelo Laboratório de Palinologia do (Subgrupo Itararé, formações Rio Bonito e
IG/UFRGS têm se direcionado ao estudo Palermo) e Passa Dois (formações Irati, Ser-
palinotaxonômico, à bioestratigrafia e à ra Alta, Teresina e Rio do Rastro), triássicos
reconstituição ambiental do Permiano do (formações Santa do Cabral, Santa Maria e
Rio Grande do Sul, com ênfase nas jazidas Caturrita) e juro-cretáceos (formações
portadoras de carvão. Este capítulo objeti- Guará, Botucatu e Serra Geral), conforme
va apresentar o arcabouço palino-bioestra- sintetizado em Holz & Carlucci (2000),
tigráfico do Permiano da Bacia do Paraná Menezes (2000) e Scherer et al. (2000) (Fi-
no Estado, sua caracterização e relações com gura 1). Embora atinja cerca de 1.500 m de
a história deposicional das unidades que espessura máxima no nordeste da bacia, o
compõem a Superseqüência Gondwana I de Subgrupo Itararé é relativamente pouco
Milani & Zalán (1999), vinculadas ao final documentado no Rio Grande do Sul, res-
da glaciação do Permo-Carbonífero e ao tringindo-se, estratigraficamente, à sua por-
aquecimento global que marcou grande par- ção superior, de idade permiana, represen-
te do Permiano. tada por sedimentos marinhos e continen-
tais, depositados sob condições peri-gla-
ciais e pós-glaciais. A Formação Rio Bonito
2. O PERMIANO DA BACIA DO PPARANÁ
DA ARANÁ é essencialmente caracterizada por depósi-
NO RIO GRANDE DO SUL tos fluviais, deltaicos e lagunares, desenvol-
vidos num contexto transicional, aos quais
se sucedem os depósitos marinhos
A Bacia sedimentar do Paraná consti- epicontinentais da Formação Palermo. O
tui uma ampla sinéclise desenvolvida sobre Grupo Passa Dois representa as fácies re-
a Plataforma Sul-americana em resposta à gressivas da Superseqüência Gondwana I
relativa estabilização tectônica após o Ciclo que cobrem os depósitos transgressivos
Brasiliano. Compreendendo cerca de 7.000 supracitados, sendo constituído de associa-
m de espessura de depósitos sedimentares ções faciológicas heterogêneas, refletindo
e magmáticos, a bacia cobre uma área de

222 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

ambientes que variam de lagunares/mari- mações Serra Alta, Teresina) a continentais


nhos (Formação Irati), marinho raso (for- (Formação Rio do Rastro) (Figura 2).

Figura 1.
1 Mapa de localização da Bacia do Paraná na América do Sul e geologia simplificada do Rio Grande do Sul (modificado
de Souza & Marques-Toigo, 2005).

Embora sejam mais comumente re- e paleoclimáticas. O conteúdo paleontoló-


cuperados a partir de sedimentos associa- gico encerrado nessas unidades é relativa-
dos às jazidas de carvão da Formação Rio mente variado, incluindo, além dos
Bonito, palinomorfos estão presentes, no palinomorfos, também macrofósseis vege-
Estado, desde o Subgrupo Itararé até a For- tais, vertebrados e invertebrados, conforme
mação Irati, ensejando as primeiras datações sintetizado em Holz & De Ros (2000). Vale
relativas para estes depósitos, correlações a destacar que, a partir dos níveis
longas distâncias, tentativas de interpretação suprajacentes à Formação Irati,
sobre a paleoflora formadora dos depósi- palinomorfos são menos comuns (ver
tos e outras reconstituições paleoambientais Daemon & Quadros, 1970).

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 223


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2.
2 Sumário estratigráfico da Superseqüência Gondwana I (Milani & Zalán, 1999), compreendendo os depósitos do
Paleozóico Superior da Bacia do Paraná (modificado de Souza, 2006), com destaque à distribuição no Rio Grande do Sul.

3. UNIDADES
UNIDADES palinológicos em testemunhos de sonda-
PALINOBIOESTRATIGRÁFIC
ALINOBIOESTRATIGRÁFIC AS
TIGRÁFICAS gem e afloramentos através da bacia tem
permitido a construção de esquemas
bioestratigráficos que refletem o desenvol-
Grãos de pólen e esporos são os vimento e a evolução dos vegetais terres-
palinomorfos mais comumente registrados tres, com níveis de aparecimento e desapa-
no Carbonífero e Permiano da Bacia do recimento de táxons relacionados às contí-
Paraná e, de maneira geral, possuem com- nuas mudanças ambientais que controlaram
portamento muito semelhante aos detritos o desenvolvimento das floras ao longo do
inorgânicos nos sítios deposicionais, sendo tempo.
transportados, a partir da planta-mãe, pelo Nesse contexto, as unidades
vento ou pela água. Como resultado, eles são palinobioestratigráficas vigentes para o
amplamente dispersos em termos geográfi- Paleozóico Superior da Bacia do Paraná são
cos, o que lhes confere um dos atributos do tipo “Zonas de Intervalo” (Murphy &
essenciais para fins bioestratigráficos. Sua Salvador, 1999), ou seja, palinozonas com
distribuição através de distintos ambientes limites inferior e superior caracterizados por
permite ainda seu uso nas correlações entre níveis de aparecimento e/ou desaparecimen-
sedimentos de natureza continental e mari- to de determinadas espécies, o que atribui
nha. Por outro lado, são encontrados relati- maior operacionalidade em termos geográ-
vamente de forma abundante em determi- ficos, uma vez que reflete mudanças
nados estratos (principalmente rochas não ambientais de caráter regional.
oxidadas, de granulometria fina) e refletem As palinozonas permianas do Estado
a evolução das plantas, com presença de di- do Rio Grande do Sul foram formalmente
versas espécies de curta distribuição estabelecidas com base em limites de apare-
estratigráfica. O registro de conjuntos cimento e desaparecimento de determina-
dos táxons, conforme sintetizado a seguir.

224 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

Nas Figuras 3 e 4 são apresentadas ilustra- estabelecidas por Marques-Toigo (1988,


ções de espécies selecionadas das duas 1991) e aprimoradas por Souza & Marques-
biozonas existentes, obtidas a partir de Toigo (2003, 2005), constituindo-se em zo-
publicações prévias (Souza & Marques- nas de intervalo, denominadas, da base para
Toigo, 2003, 2005), dados inéditos o topo: Zona Vittatina costabilis (incluindo
(Smaniotto et al., 2006), bem como de lâmi- as subzonas Protohaploxypinus goraiensis e
nas previamente estudadas e depositadas na Hamiapollenites karrooensis) e Zona
Palinoteca do DPE/IG/UFRGS. A base Lueckisporites virkkiae.
nomenclatural (autores e anos) das espécies Os esporomorfos mais comuns da
citadas constitui o Anexo 1. Zona Vittatina costabilis, cuja base é
O zoneamento palinológico mais identificada pelo aparecimento de Illinites
abrangente estratigráfica e geograficamen- unicus, de espécies do gênero Vittatina (V.
te para a bacia é o de Daemon & Quadros costabilis, V. saccata, V. subsaccata, V. vittifera)
(1970). Das seis unidades informais propos- e de Protohaploxypinus goraiensis, são os grãos
tas, denominadas alfabeticamente de inter- de pólen monossacados radiais e bilaterais
valos G a L (alguns dos quais divididos em (até 50-60% dos conjuntos) e esporos. Grãos
subintervalos: H1, H2, H3, I1, I2+3+4, L1, L2, de pólen bissacados são dominantes a par-
L3), o intervalo G e subintervalos H1 e H2, tir da subzona superior, Hamiapollenites
de idade carbonífera não ocorreriam no Rio kar rooensis, incluindo espécies de
Grande do Sul (ver Souza & Marques-Toigo, Limitisporites, Scheuringipollenites e
2003, 2005; Souza, 2006). Isso corresponde Protohaploxypinus. Esporos que caracteriza-
a dizer que sedimentos de idade carbonífera vam a Subzona Caheniasaccites ovatus do
estariam ausentes no Estado. As unidades zoneamento previamente estabelecido por
pré-H 3, formalmente estabelecidas por Marques-Toigo (1988, 1991) são apenas lo-
Souza (2006) e denominadas zonas calmente dominantes, atingindo até 80%
Ahrensisporites cristatus e Crucisaccites monoletus, em alguns níveis. Tendo em vista que
foram registradas somente nas porções in- essa dominância configura resposta
ferior e média do Subgrupo Itararé no nor- paleoecológica local e diretamente associa-
deste da bacia, nos estados do Paraná e São da aos níveis de carvão, a Subzona
Paulo, podendo incluir também depósitos Caheniasaccites ovatus foi eliminada, sendo os
em Santa Catarina (ver Daemon, 1974). Em estratos onde ocorrem incorporados à
outras palavras, um conjunto de quase duas Subzona Protohaploxypinus goraiensis (Souza &
dezenas de espécies-guia de esporos e grãos Marques-Toigo, 2003, 2005). A Zona
de pólen é restrito a essas palinozonas, que Vittatina costabilis foi identificada ao longo
ocorrem no Subgrupo Itararé nessas áreas, de toda a bacia e corresponde aos interva-
e está ausente no Rio Grande do Sul, o que los H3-J de Daemon & Quadros (1970).
corresponde a mais de 800 m de espessura Litoestratigraficamente, ocorre desde a por-
desta unidade. Dessa forma, a representati- ção superior do Subgrupo Itararé até os ní-
vidade do Subgrupo Itararé no Estado é veis mais superiores da Formação Rio Bo-
pouco expressiva, restrita somente à sua fase nito.
final de deposição, de idade permiana, po- O limite inferior da sobrejacente Zona
rém com ampla correlação ao longo de toda Lueckisporites virkkiae é definido pelo apare-
a bacia. cimento de várias espécies de grãos de pó-
As palinozonas permianas da bacia no len teniados e poliplicados, tais como
Rio Grande do Sul foram inicialmente Lueckisporites virkkiae, L. stenotaeniatus, L.

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 225


Instituto de Geociências. Contribuições

agoulaensis e Weylandites lucifer, bem como de de Daemon & Quadros (1970), e se estende
Marsupipollenites striatus, que praticamente desde as porções superiores da Formação
ocorre por toda sua extensão. O surgimento Rio Bonito até os depósitos das formações
dessas espécies representa um significativo Serra Alta e Rio do Rastro, sendo menos
datum bioestratigráfico para a bacia. Esta representada na última unidade. Grãos de
palinozona é correlata aos intervalos K-L pólen monossacados e esporos são menos
comuns nessa palinozona.

3. Esporos e grãos de pólen selecionados ocorrentes na Zona Vittatina costabilis. a: Punctatisporites gretensis (MP-P
Figura 3
5068, coordenada England Finder Y33-4); b: Converrucosisporites confluens (5165, P45); c: Lundbladispora braziliensis (5068,
R41-1); d: Vallatisporites splendens (5061B, L57-1); e: Caheniasaccites flavatus (4033, R54); f: Vittatina costabilis (3573, G36-
2); g: Protohaploxypinus goraiensis (324, R35-1); h: Illinites unicus (4033, U50); i: Striatopodocarpites fusus (4446, H41).
Escala correspondente a 20 µm. Todas as lâminas (sob codificação MP-P) estão depositadas na Palinoteca do Departamento de
Paleontologia do Instituto de Geociências da UFRGS.

226 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

Nem sempre as formas guias dos datações relativas significativas, corroboran-


zoneamentos supracitados ocorrem de for- do o comportamento geral das paleofloras
ma expressiva ao longo das seções. Em encontradas nas bacias do Gondwana, prin-
muitos dos casos, a percentagem de deter- cipalmente da África e outros países da
minadas espécies é baixa, o que não limita América do Sul, praticamente posicionadas,
seu uso para fins bioestratigráficos, tendo aproximadamente, nas mesmas faixas
em vista que zonas de intervalo são paleoclimáticas. Contudo, o significado
identificadas pelo reconhecimento de seus biocronoestratigráfico de tais unidades só é
limites e das respectivas espécies restritas entendido à medida que (i) sejam detecta-
entre um e outro limite. É o que ocorre, por dos elementos de ampla distribuição geo-
exemplo, nos depósitos associados aos car- gráfica, vinculados a mudanças ambientais
vões do Estado do Rio Grande do Sul, nos de caráter mais ou menos sincrônico e (ii)
quais esporos triletes lisos (Punctatisporites) sejam estabelecidas datações absolutas de
ou cingulizonados (Lundbladispora, modo a integrar os zoneamentos à escala
Cristatisporites, Vallatisporites) e formas padrão mundial. Deve ser lembrado que,
tentativamente atribuídas a fungos (Portalites especialmente para o Permiano, a determi-
gondwanensis), juntamente com grãos de pó- nação dos “estágios” (= idades) da tabela
len monossacados de simetria radial do tempo geológico (Gradstein et al., 2004)
(Plicatipollenites, Cannanoropollis) e bilateral é fundamentada em fósseis e datações
(Potonieisporites, Caheniasaccites) são os advindas de estratos norte-americanos, eu-
palinomorfos dominantes, com grandes ropeus e asiáticos, o que se repete para qua-
porcentagens de fitoclastos. A variação na se todos os períodos. Dessa forma, as cor-
freqüência dos esporos e grãos de pólen re- relações das unidades bioestratigráficas do
flete as diferenças composicionais das Gondwana com tais idades são extremamen-
paleocomunidades vegetacionais, ou seja, da te prejudicadas, tendo em vista as
vegetação que contribuiu com mais eficiên- dissimilaridades da biota continental (plan-
cia na produção de esporomorfos para cada tas e animais) entre os hemisférios norte e
sítio deposicional. Dessa forma, as relações sul e a ausência, no Gondwana, de elemen-
quantitativas entre os grupos de tos marinhos (e.g., foraminíferos,
esporomorfos presentes em cada um dos conodontes) utilizados para as correlações
níveis analisados e a ocorrência de formas inter-continentais (Gondwana x
algálicas (e.g., Quadrisporites, Botryococcus), fun- Euramérica). Com efeito, esforços têm sido
gos e outros táxons de natureza biológica feitos para a construção de uma carta
desconhecida (e.g., acritarcos), fornecem ele- cronoestratigráfica para a porção ocidental
mentos para a reconstituições das do Gondwana, na qual as correlações
paleocomunidades vegetais e dos biocronoestratigráficas com base em plan-
paleoambientes. tas, esporos e grãos de pólen seriam mais
acuradas.
Em termos gerais, as palinofloras
4. EVOLUÇÃO GEOLÓGIC
EVOLUÇÃO GEOLÓGICAA gondvânicas de idade neocarbonífera
(Pensilvaniano) são dominadas por esporos
4.1 Correlações triletes e grãos de pólen monossacados e
bissacados. Os primeiros refletem o domí-
As palinozonas estabelecidas para o
nio da vegetação pteridófitica (licófitas,
Permiano do Rio Grande do Sul oferecem

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 227


Instituto de Geociências. Contribuições

filicófitas e esfenófitas), enquanto o segun- espécies de esporos tem amplitude diferen-


do grupo é atribuído às gimnospermas pri- ciada em cada bacia, o que parece significar
mitivas (coníferas, pteridosper mas, que as condições paleoambientais locais
cordaitales), principalmente. Grãos de pó- controlaram o desenvolvimento das
len monossacados e bissacados teniados, paleocomunidades em cada sítio. Portanto,
muito comuns no Permiano, são relativa- estes táxons podem ser considerados mais
mente raros ou ausentes. A maioria das limitados para correlações de caráter
biocronoestratigráfico a longas distâncias.

4 Esporos e grãos de pólen selecionados ocorrentes na Zona Lueckisporites virkkiae. a: Thymospora criciumensis (MP-P
Figura 4.
1447, coordenada England Finder J24); b: Alisporites nuthalensis (P344C, O25); c: Marsupipollenites striatus (4033, Q45); d:
Lueckisporites virkkiae (2541, W33); e: Lueckisporites stenotaeniatus (46, Q39); f: Vittatina subsaccata (2541, R35-1); g:
Staurosaccites cordubensis (2541, U41). Outros palinomorfos comuns. h: Quadrisporites horridus (5069, E56-1); i: Portalites
gondwanensis (5061C, R34). Escala correspondente a 20 µm. Todas as lâminas (sob codificação MP-P) estão depositadas na
Palinoteca do Departamento de Paleontologia do Instituto de Geociências da UFRGS.

228 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

Para os estratos permianos do tes das fases de progressiva melhoria climá-


Gondwana, embora a problemática persis- tica. A partir da Formação Rio Bonito, ain-
ta para determinadas espécies, principalmen- da abrangendo a Zona Vittatina costabilis,
te no caso dos esporos, há relativo consen- grãos de pólen teniados e poliplicados são
so quanto ao aparecimento, mais ou menos muito freqüentes e diversificados, excetuan-
sincrônico, de determinados grupos de grãos do-se nos níveis de carvão, onde dominam
de pólen. Esporos triletes, tais como esporos e grãos de pólen monossacados não
Granulatisporites austroamericanus e teniados.
Converrucosisporites confluens, são mais comuns O limite inferior da Zona Lueckisporites
a partir do início do Permiano e têm eleva- virkkiae, detectável a partir dos níveis mais
do valor bioestratigráfico. Ambas espécies superiores da Formação Rio Bonito e/ou
estão presentes na Subzona Protohaploxypinus da base da Formação Palermo, é marcado
goraiensis (base da Zona Vittatina costabilis) e pelo domínio absoluto de grãos de pólen
constituem importantes elementos guia, teniados (Lueckisporites, Lunatisporites,
rastreáveis em outras bacias gondvânicas em Staurosaccites) e poliplicados (Vittatina,
idades muito próximas (e.g., Stephenson, Weylandites), além de determinados grãos de
1998). O aparecimento e a diversificação e pólen inexpressivos ou ausentes nos estra-
aumento na freqüência de grãos de pólen tos subjacentes (e.g., Alisporites). Em termos
teniados dos gêneros Protohaploxypinus, gondvânicos, a correlação dessa zona é fran-
Striatopodocarpites e Illinites só são verificados camente facilitada, com palinofloras simila-
a partir do início do Permiano em pratica- res encontradas na Zona Striatites da Bacia
mente todo o Gondwana. Junto a esses do Chacoparaná (Vergel, 1993) e na Unida-
táxons, grãos de pólen poliplicados do gê- de I e Zona G de bacias africanas (Goubin,
nero Vittatina e precolpados do gênero 1965; Falcon, 1975, respectivamente). Os
Marsupipollenites são também significativa- caracteres morfológicos dos grãos de pólen
mente mais comuns a partir de estratos dominantes nessas zonas são claramente
permianos. Dessa maneira, podem ser utili- indicativos de condições climáticas mais
zados como marcadores de um evento de quentes e secas, o que é corroborado pela
significado bioestratigráfico, embora na por- fraca participação de esporos nos conjun-
ção mais setentrional do Gondwana ociden- tos palinológicos. Essas tendências gerais já
tal (bacias do Amazonas e Solimões) alguns haviam sido verificadas por outros autores
desses gêneros já sejam conhecidos desde o (e.g., Daemon & Quadros, 1970; Arai, 1980),
Carbonífero Superior, ou Pensilvaniano embora utilizando zoneamentos e atribui-
(Playford & Dino, 2000). ções biocronoestratigráficas diferenciadas.
Como um todo, estes eventos de apa-
recimento e/ou diversificação no Permiano 4.2 Significado biocronoestratigráfico
denotam, aparentemente, melhoria nas con-
Datações absolutas são mais raras na
dições climáticas, uma vez que se tratam de
Bacia do Paraná e, recentemente, os novos
gêneros mais afins a temperaturas mais ele-
dados obtidos têm sido apresentados de
vadas que aquelas dominantes nas condições
forma integrada à palinologia, na tentativa
glaciais prévias. Esse comportamento nos
de calibrar as palinozonas com a escala geo-
conjuntos palinológicos já é observado na
lógica padrão, a exemplo do que foi realiza-
porção superior do Subgrupo Itararé, em
do para as formações Vila Maria (Siluriano)
estratos interpretados como já constituin-
e Irati (Permiano) por Mizusaki et al. (2002)

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 229


Instituto de Geociências. Contribuições

e Santos et al. (2006), respectivamente. Esta do sido mapeados no passado como forma-
última datação, realizada através da razão U/ ções e membros. Por isso, nota-se que
Pb (método SHRIMP) obtida em zircões de comumente os limites de seqüências coin-
cinzas vulcânicas presentes na Formação cidem ou estão muito próximos aos limites
Irati no Estado do Paraná, datum litoestratigráficos das unidades na Bacia do
estratigráfico para a bacia, apontou idade de Paraná (Holz & Kuchle, 2003).
278,4 ± 2.2 M.a., correspondente ao Diversos autores trabalharam na
Artinskiano tardio (Cisuraliano). Esse dado estratigrafia de seqüências do Permiano no
se coaduna com datações absolutas obtidas Rio Grande do Sul. Condensando as con-
tanto em estratos de unidades correlatas da cepções e propostas, um arcabouço de se-
Bacia do Paraná na África quanto em ou- qüências de terceira ordem é mostrado na
tras bacias da América do Sul (ver síntese Figura 5 e foi baseado em Holz & Carlucci
em Césari, 2006). (2000) e Menezes (2000), cuja bioestratigra-
Desse modo, tem-se introduzido um fia é baseada em palinomorfos (Souza &
caráter mais confiável aos posicionamentos Marques-Toigo, 2003, 2005; Souza, 2006).
biocronoestratigráficos das palinozonas da Nota-se que os principais limites
Bacia do Paraná, incluindo aquelas litoestratigráficos coincidem com limites de
ocorrentes no Estado do Rio Grande do Sul. seqüências. Alguns, como no caso do limite
No entanto, o problema está longe de ser que marca a passagem do Subgrupo Itararé
plenamente resolvido, uma vez que há da- para a Formação Rio Bonito, contêm um
dos controversos. A idade de 267,1 ± 3,4 hiato bastante significativo. No entanto,
Ma obtida para a Formação Rio Bonito no ambas unidades, no Estado, incluem uma
Rio Grande do Sul por Matos et al. (2001), única unidade palinobioestratigráfica, a
por exemplo, merece melhor análise tendo Zona Vittatina costabilis. Como já exposto,
em vista que não encontra correlação com as diferenças composicionais refletem dis-
informações de estratos bioestratigrafica- tintas paleocomunidades florísticas e, por-
mente semelhantes na África e Argenti- tanto, ecozonas. Tais comportamentos fo-
na. ram observados por Holz & Dias (1998)
com base nas relações quantitativas entre
4.3 Estratigrafia de seqüências e a esporos e grãos de pólen, sendo aí possível
palinologia também a identificação da discordância en-
tre o Subgrupo Itararé e a Formação Rio
Devido à sua lenta subsidência, ba-
Bonito, relativa a uma significativa queda no
cias intracratônicas tendem a ser continen-
nível de base. Contudo, em termos de
tais a parálicas/marinhas rasas, e seu regis-
operacionalidade bioestratigráfica, os ele-
tro pode conter hiatos significativos (Einsele,
mentos guias são praticamente os mesmos,
2000). Assim, a natureza intracratônica da
relacionados à progressiva melhoria climá-
Bacia do Paraná propiciou um preenchimen-
tica ocorrida após o evento glacial permo-
to sob regime de pouca geração de espaço
carbonífero.
(i.e., accomodation reduzida em comparação
A melhor similaridade de resultado
com outros tipos de bacias) e com geome-
entre a palinobioestratigrafia e a estratigrafia
tria muito tabular, onde as mudanças
de seqüências é a discordância registrada
faciológicas geradas pela queda do nível de
entre os níveis mais superiores da Forma-
base (= geração de limites de seqüências)
ção Rio Bonito, coincidindo com o limite
produzem depósitos planos e extensos, ten-

230 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

dentre as zonas Vittatina costabilis e & Quadros, 1970; Souza & Marques-Toigo,
Lueckisporites virkkiae. Do ponto de vista 2005), abrangendo todas as seqüências
palinológico, nota-se expressiva melhoria deposicionais do Permiano Médio a Supe-
climática, com o aparecimento de inúmeras rior. Nota-se que as variações dos níveis de
espécies de morfologias indicativas de con- base mapeadas nas unidades após a Forma-
dições mais quentes (grãos de pólen teniados ção Palermo não possuem relação direta
e poliplicados). Em termos de estratigrafia com as mudanças nas paleocomunidades
de seqüências, trata-se do incremento da fase vegetais. Por outro lado, há necessidade de
transgressiva, sendo que o afogamento má- refinamento desse pacote, uma vez que os
ximo (maximum flooding surface) é marcado na palinomorfos são extremamente raros a par-
Formação Palermo. A Zona Lueckisporites tir da Formação Serra Alta, o que pode, de
virkkiae ocorre a partir desse limite Rio Bo- certa forma, esconder informações sobre
nito/Palermo, alcançando até níveis infe- mudanças paleoclimáticas com reflexos nas
riores da Formação Rio do Rastro (Daemon comunidades vegetais.

5 Quadro integrativo com geocronologia (conforme Gradstein et al., 2004), unidades litoestratigráficas, seqüências de
Figura 5.
terceira ordem (Holz & Carlucci, 2000; Menezes, 2000) e palinozonas (Souza & Marques-Toigo, 2005) identificadas no Permiano
do Rio Grande do Sul (Ï% datação de Santos et al., 2006).

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 231


Instituto de Geociências. Contribuições

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Daemon, R. 1974. Integração dos resultados


palinológicos aos de fauna e flora de camadas
fossilíferas do Neopaleozóico da Bacia do Paraná
A análise do zoneamento palinológico – implicações estratigráficas e paleogeográficas.
proposto para a Bacia do Paraná permite Revista Unimar, 1:25-41.
supor que os esporos e grãos de pólen Daemon, R.F. & Quadros, L.P. 1970.
registrados no Permiano da Bacia do Paraná Bioestratigrafia do Neopaleozóico da Bacia do
constituem importantes marcadores Paraná. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
bioestratigráficos, presentes em depósitos de GEOLOGIA, 24., 1970, Brasília, DF. Anais…
natureza continental e marinha, fornecen- Brasília, DF, SBG. v.1, p. 359-412.
do correlações praticamente impossíveis de Eisenle, G. 2000. Sedimentar y Basins.
serem feitas com outros grupos de fósseis Evolution, Facies and Sediment Budget. 2
ocorrentes na bacia. Trabalhos futuros de- ed. Berlin, Springer-Verlag. 328p.
verão estabelecer uma calibração mais pre-
cisa das idades dos depósitos e respectivas Falcon, R.M.S. 1975. Palyno-stratigraphy of the
Lower Karroo sequence in the Central
palinozonas, além de aprimorar as subdivi-
Sebungwe District, Mid-Zambezi Basin,
sões dos zoneamentos. A precariedade de Rhodesia. Palaeontologia Africana, 18:1-29.
informações palinológicas nos depósitos
superiores do Grupo Passa Dois limita o uso Goubin, N. 1965. Description et repartition des
da palinologia como ferramenta principaux pollenites permiens, triasiques et
bioestratigráfica, suscitando trabalhos de jurassiques des sondages d Bassin de Morondva
detalhe em níveis potencialmente férteis. A (Madagascar). Revue de l’Institute Français
du Petroleo, 20:1415-1461.
integração de dados da estratigrafia de se-
qüências e outros, tais como a geoquímica, Gradstein, F.M. et al. 2004. A geologic time scale
poderá refinar as interpretações de caráter 2004. Geological Sur vey of Canada,
paleoclimático e lançar luz sobre a intensi- Miscellaneous Report 86, 1 chart.
dade e natureza dos parâmetros que
Holz, M. & Carlucci, R. 2000. Litoestratigrafia,
condicionaram a evolução das paleofloras. estratigrafia de seqüências e evolução
paleofisiográfica da zona de borda da Bacia do
Paraná no Rio Grande do Sul durante o Eo-
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS Permiano. In: Holz, M. & De Ros, L.F. (Ed.).
Paleontologia do Rio Grande do Sul. Porto
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framework: an example from the Early Permian
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232 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


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Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 233


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234 Paulo Alves de Souza, Roberto Iannuzzi, Michael Holz


50 50 anos de Geologia

ANEX
ANEXOO 1.
BASE NOMENCL ATURAL D
NOMENCLA AS ESPÉCIES CIT
DAS AD
CITADAS
ADAS
E ILUSTRAD
ILUSTRADAS
USTRADAS

ESPOROS:

Ahrensisporites cristatus Playford & Powis 1979


Converrucosisporites confluens (Archangelsky & Gamerro) Playford & Dino 2002
Granulatisporites austroamericanus Archangelsky & Gamerro 1979
Lundbladispora braziliensis (Pant & Srivastava) Marques-Toigo & Pons emend. Marques-Toigo & Picarelli 1984
Punctatisporites gretensis Balme & Hennelly 1956
Thymospora criciumensis Quadros, Marques-Toigo & Cazzulo-Klepzig 1995
Vallatisporites splendens Staplin & Jansonius 1964

GRÃOS DE PÓLEN:

Alisporites nuthallensis Clarke 1965


Caheniasaccites flavatus Bose & Kar emend. Azcuy & Di Pasquo 2000
Crucisaccites monoletus Maithy 1965
Hamiapollenites karrooensis (Hart) Hart 1964
Illinites unicus Kosanke emend. Jansonius & Hills 1976
Lueckisporites agoulaensis Jardiné 1974
Lueckisporites stenotaeniatus Menéndez 1976
Lueckisporites virkkiae (Potonié & Klaus) Klaus 1963
Marsupipollenites striatus (Balme & Hennelly) Foster 1975
Protohaploxypinus goraiensis (Potonié & Lele) Hart 1964
Staurosaccites cordubensis Archangelsky & Gamerro 1979
Striatopodocarpites fusus (Balme & Hennelly) Potonié 1958
Vittatina costabilis Wilson 1962
Vittatina saccata (Hart) Jansonius 1962
Vittatina subsaccata Samoilovich 1963
Vittatina vittifera (Luber & Waltz) Samoilovich 1953
Weylandites lucifer (Bharadwaj & Srivastava) Foster 1975

ALGAS:

Quadrisporites horridus (Hennelly) Potonié & Lele 1961

FUNGOS:

Portalites gondwanensis Nahuys, Alpern & Ybert 1968

Palinologia e a Evolução Geológica da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul... 235


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

P Palinologia e Paleobotânica Aplicadas


à Reconstituição de Unidades de Paisagem e Ambiente
de Formação dos Carvões Permianos
do Rio Grande do Sul - um Modelo
para a Jazida de Candiota
Miriam Cazzulo-Klepzig,
Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat

1. INTRODUÇÃO

Para a reconstituição de modelos paleoambientais de gênese de carvão, das con-


dições controladoras de acumulação das turfas geradoras e caracterização da biomassa origi-
nal, diferentes tipos de estudo têm sido aplicados, envolvendo essencialmente métodos de
petrografia orgânica, geoquímica orgânica, palinologia, paleobotânica e, mais recentemente,
de análises de palinofacies. Estes constituem as principais ferramentas utilizadas no reconhe-
cimento dos principais constituintes orgânicos da biomassa formadora dos carvões e dos
processos que teriam controlado a sua preservação. A aplicação desses diferentes métodos
tem produzido resultados significativos que possibilitam caracterizar o tipo de vegetação for-
madora das turfeiras, condições paleoambientais, nível de maturação da matéria orgânica pre-
servada e processos geoquímicos controladores de sua formação.
Com esse tipo de abordagem, destacam-se principalmente os trabalhos de Smith
(1962), Stach et al. (1982), Mc Cabe (1984), Phillip & Peppers (1984), Diessel (1992), Pierce et
al. (1993), Di Michele & Phillips (1994), Nichols & Powel (1995), Colbath & Grenfell (1996),
Hower et al. (!996), Nowak & Górecka-Nowak (1999), Eble et al. (1999).
A turfa representa o material precursor na formação de carvão, e os corpos d’água
onde teriam se instalado as turfeiras, de modo geral, têm sido referidos na literatura interna-
cional como “swamps”, “marshes”, “moors”, “mires” e “bogs”, cuja classificação está
vinculada, basicamente, ao regime hidrológico, especialmente à água-fonte e sua composição.
Instituto de Geociências. Contribuições

Na classificação de Moore (1987), a costeiros, localizados em terras baixas e


designação de “mire” deve ser utilizada para úmidas os quais, na literatura internacional,
pântanos formadores de turfeira relaciona- são designados usualmente por “mires”.
dos diretamente à escala de inundação ou Esporos, grãos de pólen, algas e ou-
afogamento causado por águas externas aos tros tipos de palinomorfos, fragmentos ve-
corpos dágua, podendo ser vinculados ain- getais como tecidos de lenho, xilema,
da aos denominados “pântanos de vegeta- cutículas e outros tipos de palinomorfos são
ção herbácea e arbustiva”, conforme classi- os constituintes orgânicos fundamentais dos
ficação de Wagner & Pfefferkorn (1997). carvões e constituem o objeto de estudo da
Para outros autores, como Gore palinologia.
(1983), Phillip & Bustin (1998), Petersen & Esses microfósseis refletem, de modo
Nielsen (1995) que estabeleceram modelos geral, as comunidades de plantas que te-
ambientais para a geração de turfeiras for- riam se desenvolvido nos próprios pânta-
madoras de carvão, os depósitos de turfa e nos e lagunas onde se geraram as turfeiras,
corpos pantanosos relacionados a terras em áreas adjacentes ou até mesmo em lo-
baixas relacionam-se com três tipos de am- cais mais afastados dos corpos d’água. Di-
biente: 1 - limnético, caracterizado por gran- ferentes mecanismos de dispersão, escalas
de ocorrência de algas e restos de vegetais variáveis de transporte e diferentes proces-
aquáticos bem como alta contribuição de sos tafonômicos constituem os principais fa-
sedimentos finos; 2 - litorâneo, dominado tores controladores da acumulação e pre-
por esfenófitas, licófitas e filicófitas, que servação do material palinológico nas
formam uma biomassa resistente à degra- turfeiras (Nichols ,1995).
dação, com sedimentos finos a muito finos; Estudos palinológicos em carvões sul-
3 - pântanos de florestas, onde a biomassa brasileiros, relacionados à Formação Rio
depositada reflete uma vegetação de maior Bonito, Grupo Guatá, Permiano da Bacia
porte e nos quais a quantidade de algas é do Paraná, vem sendo desenvolvidos desde
pouco significativa. 1975 no âmbito do Instituto de Geociências
As diferentes conceituações para cor- da UFRGS, integrando pesquisadores de
pos d’água onde podem se acumular turfas, diferentes áreas como geologia, estratigrafia,
os diversos modelos paleoambientais defi- paleobotânica, palinologia e geoquímica.
nidos para a formação de carvões e as ca- Essas pesquisas foram focadas sobre as prin-
racterísticas paleoecológicas reconhecidas cipais jazidas carboníferas do Rio Grande
para o ambiente de formação de grande do Sul e Santa Catarina e as jazidas de Re-
parte dos carvões do sul do Brasil, princi- serva e Marins, no Paraná.
palmente aqueles definidos por estratigrafia No Rio Grande do Sul, foram
de seqüências, indicam a estreita correlação detalhadamente estudadas as jazidas de
entre o tipo de pântano, onde teriam sido Capané, Candiota, Charqueadas, Chico-
geradas as turfeiras formadoras dos carvões Lomã, Gravataí Oeste-Morungava, Faxinal,
e aqueles conceituados na literatura inter- Iruí, Leão-Butiá, Santa Rita e Santa
nacional como “mires”. Terezinha, além de algumas camadas de car-
Kalkreuth et al. (1999) adotam esse vão de menor expressividade como Quitéria,
conceito para designar o ambiente de for- Morro Papaléo e Nova Bassano, localizadas
mação dos carvões do Rio Grande do Sul, no mapa da Figura 1.
vinculando geração das turfeiras a pântanos

238 Miriam Cazzulo-Klepzig, Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat


50 50 anos de Geologia

Figura 1. Mapa de localização das principais jazidas de carvão do estado do Rio Grande do Sul, com destaque para Candiota.

Os resultados alcançados, te a sua gênese, bem como avaliar sua


referenciados em Cazzulo-Klepzig (2002), potencialidade como recurso energético.
possibilitaram caracterizar a biomassa for- Para os carvões analisados foi reco-
madora dos diferentes carvões, determina- nhecida, através de estudos palinológicos,
rem (determinar) sua composição paleobotânicos e de petrologia orgânica, a
petrográfica, definir condições presença de palinofloras geralmente bem
paleoambientais e processos atuantes duran- preservadas, caracterizadas pela predomi-
nância de esporos triletes lisos, apiculados,

Palinologia e Paleobotânica Aplicadas à Reconstituição de Unidades de Paisagem e Ambiente... 239


Instituto de Geociências. Contribuições

nodados, cingulados, cingulicavados e trados nos carvões são geralmente autócto-


murornados derivados de pteridófitas, prin- nes ou hipo-autóctones, estando relaciona-
cipalmente licófitas, filicófitas e esfenófitas, dos assim com os diferentes locais onde vi-
que se desenvolviam em áreas alagadiças, viam as plantas-mãe. A vegetação apresen-
marginais aos pântanos (em ambiente ta-se sempre sensível a mudanças no am-
higrófilo, segundo Remy, 1978). Grãos de biente, mesmo que de pequena amplitude,
pólen monossacados e bissacados, estriados sendo assim diretamente influenciada pelas
ou não, derivados de gimnospermas, essen- condições do meio, resultando daí a prefe-
cialmente de glossopterídeas, cordaites e de rência por determinadas condições ecoló-
algumas coníferas, foram identificados gicas (Scott, 1979).
como subdominantes nas assembléias A palinologia constitui, portanto, im-
palinológicas, representando comunidades portante ferramenta para a interpretação do
vegetais de ambiente higro-mesófilo a ambiente onde se desenvolvia a vegetação,
mesófilo. Formas de afinidade botânica principalmente quando as afinidades entre
indeterminada, relacionadas ao grupo das esporos e grãos de pólen dispersos e as plan-
algas (incertae sedis ou acritarcas) como tas-mãe que lhes deram origem já se encon-
Brazilea, Pilasporites, Portalites, Tetraporina e tram bem definidas. Como resultado dessa
Quadrisporites são abundantes, ocorrendo em estreita relação, torna-se possível efetuar, ao
associação com os esporos e grãos de pó- menos de modo preliminar, a reconstrução
len. Esses microfósseis, característicos de das paleofloras responsáveis pela origem dos
ambiente hidrófilo, representam, de acordo esporos, grãos de pólen e outros fiterais
com Cazzulo-Klepzig (2001), importantes preservados nos sedimentos, bem como
indicadores paleoecológicos para interpre- fazer inferências sobre as condições
tação de modelos de geração de carvões. paleoclimáticas e paleoambientais, principal-
Fragmentos de algas coloniais clorofíceas, mente, quando associadas a conceitos de
pertencentes ao gênero Botryoccus, tradicio- estratigrafia de seqüências.
nalmente relacionados à a sem crase am- Guerra-Sommer et al. (1991) defini-
biente de água doce a salobre (Batten & ram, com base em paleobotânica, petrografia
Grenfell, 1996; Guy-Ohlson, 1992), foram orgânica e palinologia, os principais cons-
também identificados junto com os esporos, tituintes da biomassa formadora dos carvões
grãos de pólen e outros palinomorfos. Além sul-brasileiros, relacionando as associações
do material esporo-polínico, na maioria dos identificadas com os ambientes preferen-
carvões foram registrados fragmentos de ciais para o desenvolvimento da vegetação
lenho, xilema, cutículas e outros fiterais ancestral.
De modo geral, uma acentuada simi- Com base em variações quantitativas
laridade composicional nas palinofloras dos na composição das microfloras relaciona-
carvões foi observada, com algumas varia- das aos carvões permianos do Rio Grande
ções quantitativas entre os diferentes gru- do Sul, Marques-Toigo & Corrêa da Silva
pos palinológicos ou entre algumas cama- (1984) definiram diferentes ambientes nos
das de carvão. quais teriam se desenvolvido as comunida-
Segundo Nowak & Górecka-Nowak des de plantas das quais derivaram os
(1999), a interpretação das variações na com- esporos e grãos de pólen. Para os carvões
posição das microfloras que ocorrem em de Candiota, os autores indicaram uma ori-
diferentes camadas de carvão deve ter como gem em pântanos límnicos a limno-
base a idéia de que os micrósporos encon- telmáticos, onde o material proveniente de

240 Miriam Cazzulo-Klepzig, Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat


50 50 anos de Geologia

vegetação herbácea e arbustiva, de ambien- tentativo por Cazzulo-Klepzig et al. (1993)


te higrófilo a mesófilo, teria se acumulado, para a jazida carbonífera de Charqueadas,
após algum transporte, gerando carvões permitiu ampliar as concepções sobre con-
hipo-autóctones. dições ambientais de acumulação de turfas
Por outro lado, as formas algálicas de geradoras e estabelecer uma melhor
afinidade botânica incerta, bem como calibração entre as interpretações de caráter
Botryococcus, têm sido tradicionalmente palinológico existentes e os modelos
vinculadas, de acordo com a bibliografia deposicionais definidos por outros pesqui-
palinológica, a ambiente de água doce ou sadores do IG-UFRGS, com base em
raramente salobre, e essa conceituação tem estratigrafia de seqüências.
restringido assim a interpretação sobre os Os resultados alcançados com esse
ambientes relacionados à formação das tipo de estudo integrativo e a potencialidade
turfeiras, dificultando a correlação com os demonstrada por esse tipo de abordagem
modelos deposicionais definidos para as para a caracterização de ambientes
sequências de carvão (Piccoli et al., 1986; deposicionais de carvões mostram, então,
Lavina & Lopes, 1987), principalmente, com uma nova e importante perspectiva para es-
aqueles definidos com base em estratigrafia tudos geológicos aplicados a carvões.
de seqüências (Alves, 1994; Alves & Ade, Nesse contexto, o trabalho pioneiro
1996; Holz, 1998, 1999; Kalkreuth et al., de Cazzulo-Klepzig et al. (2005), integran-
1999; Holz et al., 2000; Holz & Vieira, 2001; do dados de palinologia e de paleobotânica,
Medeiros, 1996). Esses modelos vincularam associado aos resultados obtidos através de
a deposição das principais camadas de car- estratigrafia de sequências por outros auto-
vão a pântanos costeiros que teriam sido res, estabelece as unidades de paisagem re-
formados atrás de ilhas de barreira em sis- lacionadas à formação das diferentes cama-
tema barreira-laguna. das de carvão na jazida de Candiota (Fig. 1).
A reavalição paleoecológica dos Estudos palinológicos nessa jazida ti-
palinomorfos de afinidade botânica veram início em 1975, com os trabalhos de
indeterminada, comumente encontrada nos Ybert sobre os carvões de Candiota-Hulha
carvões, apresentada por Cazzulo-Klepzig Negra e de Marques-Toigo et al. (1975), com
(2001), levou ao reconhecimento de um es- identificação de micrósporos e megásporos,
pectro mais amplo para as condições de seguindo-se estudos de Corrêa da Silva &
salinidade toleradas pelos mesmos, assim Marques-Toigo (1985) sobre a palinologia e
como também pelas algas do gênero a petrografia da Camada Candiota.
Botryococcus as quais, segundo interpretações Meyer (1999) detalhou a composição
de Zippi (1998), Vér (1984) e Sinningle- palinológica das diferentes camadas de car-
Damsté (1992), podem se desenvolver mes- vão da jazida, inclusive a denominada de
mo em fortes condições de salinidade. “Banco Louco”, registrando, pela primeira
Cazzulo-Klepzig (2002) efetuou ex- vez, a presença de microfósseis relaciona-
tensa revisão da composição palinológica dos com ambiente marinho na camada in-
dos principais carvões do Rio Grande do ferior.
Sul, estabelecendo diferentes unidades de Cazzulo-Klepzig et al. (2005) efetua-
paisagem que teriam condicionado as varia- ram uma cuidadosa revisão do conteúdo
ções na composição das comunidades ve- palinológico dos carvões, caracterizando as
getais formadoras da biomassa original. Esse variações composicionais entre as diferen-
tipo de reconstrução, já iniciado em caráter tes camadas. Os autores incorporaram no

Palinologia e Paleobotânica Aplicadas à Reconstituição de Unidades de Paisagem e Ambiente... 241


Instituto de Geociências. Contribuições

trabalho os novos registros de formas acumulado os depósitos de turfa, os quais,


indicadoras de micro plâncton marinho, re- por sua localização em áreas próximas à li-
conheceram uma tolerância mais ampla de nha de costa, estariam condicionados a es-
alguns palinomorfos a aumento de porádicas ingressões marinhas que teriam
salinidade no corpo d’água, conforme indi- ocorrido com menor ou maior amplitude.
cado por Cazzulo-Klepzig (2002), e Para a “Camada Candiota Inferior”, a
incluiram novos aportes sobre o hábito das unidade de paisagem foi relacionada a um
licófitas. Essas plantas, que se refletem no sistema barreira-laguna, onde a vegetação de
conteúdo palinológico como componentes pteridófitas, representadas principalmente
dominantes das comunidades vegetais rela- por plantas de porte herbáceo ou arbustivo
cionadas aos carvões, indicam, portanto, e formas arborescentes subdominantes, se
maior contribuição de plantas de porte desenvolvia nos bordos de pântanos costei-
arborescente e não herbáceo na vegetação, ros ou áreas marginais alagadiças, juntamen-
ao contrário de interpretações prévias. te com a vegetação gimnospérmica, mais
escassamente representada, florescendo em
áreas baixas, um pouco mais afastadas do
2. APLIC AÇÃO DO MÉTODO
APLICAÇÃO pântano. Esse material teria se acumulado
EM ESTUDO DE C ASO - C
CASO ARVÕES
CARVÕES nas turfeiras, junto com os elementos
DE C ANDIOT
CANDIOT
ANDIOTAA algálicos, vinculados ao próprio corpo d’água
ou transportados de águas externas aos pân-
tanos.
Com base nas variações As turfeiras, relacionadas ao nível re-
composicionais do conteúdo palinológico lativo de mar alto, estariam assim condicio-
entre as diferentes camadas de carvão, prin- nadas a esporádicos afogamentos. Essa uni-
cipalmente em relação às Camadas dade de paisagem está assinalada na Figura
“Candiota Inferior” e “Candiota Superior”, 4, enquanto comunidades vegetais são ilus-
nos dados paleobotânicos e suas implicações tradas na Figura 5.
de caráter tafonômico e paleoecológico, e Para a “Camada Candiota Superior”,
nas informações divulgadas em trabalhos de a unidade de paisagem caracteriza-se pela
outros autores, que aplicaram métodos de presença de pteridófitas com predomínio de
estratigrafia de seqüências no estabelecimen- plantas arborescentes, que se desenvolviam
to de um modelo deposicional para o inter- em regiões baixas e alagadiças, porém, pou-
valo portador de camadas de carvão na co mais afastadas das margens dos pânta-
mesma área (Holz, 1998; Holz et al., 2002; nos, há ocorrência mais significativa de
Kalkreuth et al., 1999), foram reconstruídas gimnospermas e microfloras mostrando um
por Cazzulo-Klepzig et al. (2005) diferentes decréscimo significativo na quantidade de
unidades de paisagem ou cenários que te- elementos algálicos, sem registro de
riam condicionado essas variações Botryococcus. Esta unidade de paisagem seria
composicionais identificadas na microflora relacionada ao nível relativo de mar baixo,
das duas camadas de carvão mencionadas. onde as turfeiras estariam menos condicio-
Essa re-interpretação permitiu reco- nadas a eventuais ingressões marinhas. A
nhecer para o ambiente formador dos car- unidade de paisagem é assinalada na Figura
vões de Candiota a existência de pântanos 2 e suas comunidades vegetais são ilustra-
costeiros ou lagunares, onde teriam se das na Figura 3.

242 Miriam Cazzulo-Klepzig, Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat


50 50 anos de Geologia

Figura 2. Reconstituição da unidade de paisagem relacionada à turfeira geradora da “Camada Candiota Superior” em nível relativo
de mar baixo. Comunidades vegetais representadas nas microfloras:1 - comunidade hidrófila nos corpos lagunares; 2, 3 - comunidades
higrófilas nas margens das lagunas ou em terras baixas e alagadiças, próximas ao corpo d’águas; 4 - comunidade mesófila em
terras baixas, próximas à laguna, porém melhor drenadas; 5 - comunidade xerófila em terras baixas, drenadas, mais distantes do
corpo lagunar ou em terras mais altas.

Figura 3. Reconstituição das comunidades vegetais relacionadas à unidade de paisagem apresentada na Figura 2. 1 - comunidade
higrófila (algas e incertae sedis, abundantes); 2, 3 - comunidades higrófilas(filicófitas, esfenófitas e licófitas herbáceas dominantes,
licófitas arbustivas ou arborescentes menos representadas na microflora); 4 - comunidade mesófila (glossopteridófitas e cordaitófitas,
em proporções menores); 5 - comunidade xerófila (coníferas pouco representadas na microflora ).

Palinologia e Paleobotânica Aplicadas à Reconstituição de Unidades de Paisagem e Ambiente... 243


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4. Reconstituição da unidade de paisagem relacionada à turfeira geradora da “Camada Candiota Inferior” em nível relativo
de mar alto. Comunidades vegetais representadas nas microfloras: 1 - comunidade higrófila nos corpos lagunares; 2, 3 - comunidades
higrófilas nas margens das lagunas ou em terras baixas e alagadiças próximas ao corpo dágua; 4 - comunidade mesófila em terras
baixas, próximas à laguna, melhor drenadas; 5 - comunidade xerófila em terras baixas, drenadas, mais distantes do corpo lagunar
ou em terras mais altas.

Figura 5. Reconstituição das comunidades vegetais relacionadas à unidade de paisagem apresentada na Figura 4. 1 - comunidade
hidrófila (algas e incertae sedis pouco frequentes); 2, 3 - comunidades higrófilas (filicófitas, esfenófitas e licófitas arborescentes
abundantes e bem refletidas na microflora ); 4 - comunidade mesófila (glossopteridófitas e cordaitófitas em proporção maior do
que no cenário anterior ); 5 - comunidade xerófila (coníferas também mais representadas na microflora).

244 Miriam Cazzulo-Klepzig, Margot Guerra-Sommer, Rualdo Menegat


50 50 anos de Geologia

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1
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Instituto de Geociências, Universidade Estadual do Rio de Janeiro

A Análises Dendroclimatológicas
no Gonduana Sul Brasileiro
Margot Guerra-Sommer1, Etiene Fabrin-Pires1,
Laureen Sally da Rosa Alves2, Miriam Cazzulo-Klepzig1

1. INTRODUÇÃO

Lenhos fósseis são abundantes nas seqüências gonduânicas do Paleozóico Supe-


rior e no Mesozóico da Bacia do Paraná, mais expressivamente nos bordos setentrional (São
Paulo) e meridional (Rio Grande do Sul), com amplo espectro composicional e excelente
preservação anatômica.
Os primeiros estudos em anatomia de lenhos produzidos na Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul foram realizados sob a orientação do eminente professor Klaus
Ulrich Leistikow, da Universidade de Tübingen, no período de 1970 a 1972, quando foi nucleado
o setor de Paleobotânica do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de
Geociências, originando-se dessa nucleação a linha de pesquisa em Paleobotânica no Curso
de Pós-graduação em Geociências da UFRGS, em 1974.
A presença de anéis de crescimento nos lenhos procedentes de diferentes unida-
des estratigráficas na Bacia do Paraná lhes confere importância em inferências paleoclimáticas.
Alguns dos critérios utilizados em análises dendrológicas nas plantas atuais foram testados
em lenhos fósseis e têm fornecido uma variedade de parâmetros usados para a inferência dos
paleoclimas vigentes durante o crescimento das árvores (Creber & Francis, 1999; Parrish et
al., 1999). Os parâmetros utilizados incluem: presença ou ausência de anéis de crescimento,
características endógenas dos anéis, espessura dos anéis e presença de falsos anéis (Creber,
1977). Essas análises têm gerado importantes contribuições em distintas paleoprovíncias
florísticas (Arnold, 1947; Beck, 1953; Chaloner & Creber, 1973; Fritts, 1976; Francis, 1984;
Chapman, 1994; Yao et al., 1994; Brea, 1998; Falcon-Lang, 1999, 2000; Francis & Poole, 2002).
O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de demonstrar a eficácia de
inferências paleoclimáticas obtidas através de análises dendroclimáticas, em fósseis proceden-
tes de diferentes unidades estratigráficas na Bacia do Paraná, utilizando técnicas de estudo
Instituto de Geociências. Contribuições

distintas. No Permiano Superior, os resul- entre o paleoclima vigente nas porções NE


tados foram obtidos a partir dos estudos de e SE da bacia durante a referida deposição.
Alves & Guerra-Sommer (2005), e no
Triássico, com base em Pires et al. (2005). 2.2 Procedência do material
O material corresponde a lenhos
2. ESTUDO DE C ASO 1: ANÁLISES silicificados provenientes de afloramentos
CASO
DENDROCLIMÁTIC AS NO PERMIANO do membro Assistência da Formação Irati
DENDROCLIMÁTICAS
D A BACIA DO PPARANÁ
ARANÁ (sensu Schneider et al., 1974), incluído na
Superseqüência Gondwana I (Figura 1), que
2.1 Objetivos compõe o arcabouço da Bacia do Paraná
estabelecido com base em estratigrafia de
1) Inferir o paleoclima vigente duran- seqüências (Milani, 2003). Os lenhos fósseis
te a deposição do fácies Assistência da For- estão preservados como permineralizações
mação Irati; 2) Estabelecer correlações (Schopf, 1975), ocorrendo majoritariamen-
te sílica como substância permineralizante.

Figura 1. Mapa geológico simplificado da Bacia do Paraná com os maiores elementos tectono-estratigráficos e localização dos
afloramentos (segundo Milani, 2003).

250 Margot Guerra-Sommer et alli


50 50 anos de Geologia

A amostragem do NE da bacia no 2.3 Obtenção de dados


estado de São Paulo procede de diversos dendroclimáticos
afloramentos, em áreas muito próximas,
com litologias semelhantes, vinculados ao Dados percentuais relacionados ao
Membro Assistência da Formação Irati. A lenho inicial (lenho produzido nos estágios
maioria dos afloramentos localiza-se em iniciais do ciclo climático), composto por
pedreiras (Pedreira de Calcário Vitti, Pedreira traqueídeos de maior diâmetro e paredes
de Calcário Porangaba, Pedreira de Calcário delgadas, e aqueles relacionados ao lenho
de Assistência; 2a frente de exploração e tardio (lenho produzido ao final do período
Pedreira de Calcário Amaral Machado). Le- cíclico de crescimento), composto por
nhos fósseis e vértebras desarticuladas de traqueídeos de menor diâmetro e paredes
mesossauros ocorrem no topo do nível espessas, têm sido considerados relevantes
estratigráfico basal (nível 1 apud Hachiro & para determinar o padrão paleoclimático
Coimbra, 1991), composto por um espesso local, sendo, portanto, utilizados no presente
banco dolomítico formado, principalmen- estudo. Em cada anel, a passagem de lenho
te, por calcilutitos dolomíticos laminados, inicial para lenho tardio é abrupta ou gra-
com espessura variando de 2,5 a 4 metros, dual, significando respectivamente, mudan-
constituído, principalmente, por rochas ça brusca ou lenta das condições climáticas
carbonáticas e também, na base do nível no limite entre a estação de crescimento e a
estratigráfico superior, por folhelhos cinza- estação de dormência cambial (Creber, 1977;
escuro e folhelhos pretos betuminosos (Fi- Parrish et al., 1988; Chapmann, 1994; Keller
guras 2a, 2b). & Hendrix, 1997).
A ocorrência de lenhos fósseis no SW As análises dendroclimáticas foram
da bacia restringe-se ao afloramento Passo baseadas em dados estatísticos
de São Borja, situado a oeste do município normatizados em tabelas, levando-se em
de São Gabriel, na margem direita do Rio conta a espessura e características endógenas
Santa Maria, no estado do Rio Grande do dos anéis, e na presença de falsos anéis como
Sul (Figura 1). Neste afloramento, observa- deter minantes nas inferências
se uma sucessão de folhelhos e siltitos pre- paleoclimáticas. A espessura média dos anéis
tos betuminosos e não-betuminosos, com de crescimento foi calculada em cada espé-
intercalações de carbonatos cor amarelo- cime a partir de medidas em 20 anéis. Em
palha, incluídos no Membro Assistência da cada anel, foi determinado o número de cé-
Formação Irati (Schneider et al., 1974). Os lulas de lenho inicial e lenho tardio, e a na-
lenhos fósseis, associados a vértebras de tureza da evolução (gradual/abrupta) do
mesossauros, ocorrem associados à Fácies padrão de lenho inicial (traqueídeos com
2 definida por Lavina et al. (1991) para esse paredes delgadas) para lenho tardio
afloramento, que corresponde a um pacote (traqueídeos com paredes espessas). A de-
tabular de calcirruditos e calcarenitos bem terminação de falsos anéis de crescimento
consolidados, de tonalidade cinza-creme, (Ditienne, 1989) foi estabelecida a partir da
com aproximadamente 1 metro de espessu- interrupção na seqüência do lenho tardio ao
ra . longo de toda circunferência transversal do
plano lenhoso.

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 251


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2. a) Afloramento Pedreira de Calcário Vitti (Membro Assistência – Formação Irati - São Paulo); b) detalhe do afloramento
da Pedreira de Calcário Vitti; c) afloramento Linha São Luis (Triássico Superior – Rio Grande do Sul).

252 Margot Guerra-Sommer et alli


50 50 anos de Geologia

2.4 Resultados to, caracterizados como estreitos, com lenho


tardio de 1 a 8 células (média 2 a 3) (Figuras
Os anéis de crescimento nos lenhos pro- 3c, 3d). Irregularidades climáticas, representa-
cedentes da Formação Irati, porção NE da ba- das pela presença de raros falsos anéis de cres-
cia no estado de São Paulo, relacionados aos cimento (Figuras 3e1), refletiram-se especial-
taxa Atlanticoxylon porangabense (Mussa, 1982), mente na disponibilidade hídrica, com perío-
Austroscleromedulloxylon geraldinii (Mussa, 1982), dos de seca prolongados e períodos favorá-
Paulistoxylon inflatum (Mussa, 1982), Petalopitys veis ao crescimento de curta duração (Figuras
surangei (Mussa, 1982), Polysolenoxylon manieroi 3e2). O morfogênero B, enquadra-se no Com-
(Mussa, 1982), morfogênero “B” e morfogê- plexo Solenóide (Mussa, 1982), predominan-
nero “C”, caracterizam-se por sua uniformida- te em seqüências permianas do Brasil e da
de quanto à espessura e ao número de células, África, no intervalo de deposição Irati-White
atingindo em média 88 células, sendo, portan- Hill (Figuras 3e, 3f).

Figura 33. a) Barakaroxylon resiniferum: anel de crescimento, vista geral; b) Barakaroxylon resiniferum: anéis de crescimento: limite
entre lenho final e lenho inicial; c) Morfogênero B: anel de crescimento, vista geral; d) Morfogênero B: anéis de crescimento: limite
entre lenho final e lenho inicial; e) Morfogênero B: 1 - falso anel de crescimento, 2 - verdadeiro anel de crescimento; f) Morfogênero
B: medula solenóide com canal central e canais periféricos.

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 253


Instituto de Geociências. Contribuições

O material procedente da porção SW 2.5 Integração com outros dados


da bacia, identificado como Barakaroxylon geológicos
resiniferum (Guerra) Alves, também relacio-
nado ao Complexo Solenóide, apresenta Condições climáticas de natureza ári-
anéis de crescimento estreitos (54-96 célu- da ou semi-árida para a deposição da For-
las por anel), lenho tardio representado por mação Irati são indicadas por Amaral (1971),
um pequeno número de células, variando de com base em dados geológicos e
1 a 4 (Figuras 3a, 3b). Essas características petrográficos. Esses dados corroboram
são semelhantes àquelas encontradas nos le- Hachiro & Coimbra (1991) e Milani et al.
nhos procedentes do Membro Assistência, (1998), que indicam para o Membro Assis-
no NE da bacia. tência uma sedimentação em ambiente for-
Com base nas características temente caracterizado por períodos úmidos
dendrológicas, pode-se inferir que à época e secos. Por outro lado, a hipersalinidade
de deposição do Membro Assistência nas referida para estas seqüências (Rodrigues &
porções NE e SW da Bacia do Paraná as Quadros, 1976; Araújo & Triguis, 1996; San-
plantas se desenvolveram em ambiente úmi- tos-Neto, 1993) sugere condições de pro-
do no início da estação de crescimento, esta nunciada aridez e evaporação excessiva.
estação, possivelmente de curta duração, era A periodicidade climática nesse inter-
sucedida por uma estação com deficiência valo é expressa através da dendroclimatolo-
crescente de umidade, correspondendo à gia, por um clima do tipo “mediterrâneo”,
produção de um estreito lenho tardio. A caracterizado por verões quentes e secos,
alternância regular de estações secas e úmi- devido às massas de ar que invadem o con-
das proporcionou a formação de anéis de tinente, e invernos amenos e chuvosos, com
crescimento com largura constante. a ocorrência de tempestades de inverno e
Os dados dendroclimáticos apontam ciclones. Atualmente, esse clima alcança as
para um o clima de tipo “mediterrâneo”, latitudes de 300 a 450 N e S, ocorrendo: na
que atualmente abrange as latitudes de 300 zona central e meridional da Califórnia, zo-
a 450 N e S (Strahler & Strahler, 1989). nas costeiras limites do Mediterrâneo, costa
Esses climas abrangem uma larga amplitu- oeste e sul da Austrália, costa chilena, Cida-
de e podem ser semi-áridos e úmidos, com de do Cabo e região sul da África.
verões secos e invernos chuvosos. As tem- Os dados dendroclimáticos alteram as
peraturas são moderadas, quentes no ve- informações sobre padrões climáticos vigen-
rão e amenas no inverno. Durante o inver- tes no Permiano, estabelecidos por Willis &
no, as regiões mediterrâneas são percorri- McElwain (2002). No intervalo Artinskiano,
das por ciclones de origem polar. No ve- correspondente à deposição da Formação
rão, ao contrário, são as altas pressões Irati no Gonduana brasileiro, o clima regio-
subtropicais que invadem estas regiões, nal é aquele caracterizado para o bioma tem-
impondo uma aridez quase desértica. Es- perado quente (warm temperate bioma) por
tas alternâncias climáticas são as mais Willis & McElwain (2002). A semelhança
contrastantes do planeta (Demangeot, estrutural entre os anéis de crescimento dos
1987). espécimes provenientes do NE e SW da
bacia, durante a deposição do Membro
Assistência da Formação Irati, indica
que as diferenças latitudinais não foram

254 Margot Guerra-Sommer et alli


50 50 anos de Geologia

significativas para proporcionar uma mu- Alguns fragmentos foram encontra-


dança climática acentuada. dos rolados enquanto que outros foram res-
gatados do sedimento onde se encontravam
inclusos, com orientação paralela ao
3. ESTUDO DE C ASO 2: ANÁLISES
CASO acamamento. O processo de fossilização
DENDROCLIMÁTIC
DENDROCLIMÁTICASAS NO TRIÁSSICO ocorrente é o de permineralização celular
D A BACIA DO PPARANÁ
ARANÁ (Schopf, 1975), sendo a sílica o componen-
te mais expressivo. Ramos muito delgados,
3.1 Objetivos muitos deles portando folhas de tipo
Brachyphillum com folhas, são preservados
1) Inferir padrões de ciclicidade/cli-
como moldes externos (Dutra & Crisafulli,
mática no Triássico da Bacia do Paraná a
2002).
partir de análises da sensibilidade média em
O plano lenhoso identificado como
lenhos fósseis; 2) Inferir o fator cíclico
Sommerxylon spiralosus (Pires & Guerra-
desencadeante da cessação do crescimento.
Sommer, 2004), vinculado à Taxaceae, apre-
senta anéis de crescimento observáveis a
3.2 Procedência do material
vista desarmada (Figura 4a), mas de difícil
O material estudado corresponde a 12 caracterização anatômica.
fragmentos de lenhos fósseis provenientes
do Afloramento Linha São Luis, município 3.3 Obtenção dos dados
de Faxinal do Soturno, estado do Rio Gran- dendroclimáticos
de do Sul, coordenadas UTM: 22J
A sensibilidade média, parâmetro
0262516E/66277528N (Figura 1), incluído
dendroclimático utilizado no presente estu-
na Seqüência Ladiniana-Eonoriana por
do, é um método estatístico que verifica a
Scherer et al. (2000) e na Supersequência II
variabilidade média na altura dos anéis de
de Milani (2003). Foram identificadas duas
crescimento em uma série temporal de anéis
associações de fácies no afloramento estu-
pela medida das diferenças relativas na altu-
dado: (1) “Associação de Fácies” 1: Arenitos
ra de um anel em relação ao próximo. Ela
Maciços, interpretada como associada à de-
expressa o grau com que uma árvore reage
pósitos de fluxos de gravidade ou correntes
a fatores ambientais, o qual se relaciona a
hiperconcentradas, com fósseis de vertebra-
fatores genéticos, bióticos (envelhecimento,
dos (cinodontes não mamalianos, Riograndina
sensibilidade dos anéis de crescimento) e
guaibensis Bonaparte, esfenodontídeos,
abióticos (luz, temperatura, suprimento de
procofolonídeos); e (2) “Associação de
água e nutrientes, danos mecânicos à copa).
Fácies 2”: Pelitos e Arenitos Tabulares, in-
Schweingruber (1996), com base em
terpretada como depósitos de planície de
Douglass (1928), estabeleceu o índice de
inundação, com a presença de lagos, sendo
sensibilidade média a partir da seguinte fór-
a parte superior da seqüência interpretada
mula:
como depósitos de espraiamento de
crevasse, com fósseis de invertebrados
(conchostráceos), escamas de peixes e le-
nhos silicificados (Figura 2c), objeto do pre-
sente estudo (Ferigolo & Ribeiro, 2001). Figura 5
5. Sensibilidade Média. Onde: x = altura do anel;
t = ano do anel; n = número de anéis da seqüência.

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 255


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4. a) Sommerxylon spiralosus: vista transversal com evidência megascópica de anéis de crescimento; b) Sommerxylon
spiralosus: anel de crescimento vista geral; c) Sommerxylon spiralosus: anéis de crescimento: limite entre lenho final e lenho
inicial.

256 Margot Guerra-Sommer et alli


50 50 anos de Geologia

Os valores obtidos podem variar de enquadrar a amostragem em um dos seis


zero (não há variação) até no máximo 2 tipos de padrões de desenvolvimento de
(maior variação). Um valor arbitrário foi anéis (A, B, C, D, E, O), todos eles relaci-
estipulado para classificar as árvores em com- onados a deter minadas condições
placentes, que crescem em climas favoráveis ambientais bem estabelecidas.
e uniformes (SM menor que 0,3) e sensíveis,
que crescem em climas oscilantes (SM mai- 3.4 Resultados
or que 0,3).
Para cada amostra foi calculada a al-
A técnica desenvolvida por Creber &
tura média dos anéis de crescimento e a sen-
Chaloner (1984), centrada nas curvas das
sibilidade média segundo a fórmula proposta
somas cumulativas dos desvios com relação
por Douglass (1928), cujos resultados estão
à média do diâmetro radial em cada anel tam-
sistematizados na Tabela 1.
bém é utilizada no presente estudo, visando

Amostra Número de Média de espessura Sensibilidade média


anéis dos anéis (mm)

1 PB 3785 9 2,10 0,42

2 PB 3786 12 1,49 0,73

3 PB 3787 5 3,90 0,23

4 PB 3788 9 3,58 0,46

5 PB 3789 7 3,07 0,38

6 PB 3790 7 2,71 0,63

7 PB 3791 7 3,64 0,35

8 MCN PB 339 13 2,46 0,48

9 MCN PB 356 9 2,60 0,46

10 MCN PB 357 2 4,75 0,31

11 MCN PB 367 6 2,30 0,70

12 PB 278 10 3,4 0,41

Tabela 1
1. Compilação dos dados sobre anéis de crescimento.

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 257


Instituto de Geociências. Contribuições

Os anéis de crescimento de A ocorrência comum de falsos anéis


Sommerxylon spiralosus são largos (1,49 a 4,75 em todos os espécimes indica retardamen-
mm). Em cada anel, observa-se uma am- to e cessações temporais do crescimento
pla zona de lenho inicial com traqueídeos por curtos períodos (podendo
portadores de paredes celulares delgadas e corresponder a meses), dentro da estação
lúmen amplo e um lento decréscimo do de crescimento.
diâmetro radial destes traqueídeos (Figura
4b). A diminuição expressiva do diâmetro 3.5 Integração com outros dados
radial do lúmen é observada ao longo de 6 geológicos
a 20 células de lenho tardio, sem que, con-
As inferências paleoclimáticas
tudo, se configure um expressivo aumento
estabelecidas a partir dos lenhos aqui ana-
das paredes celulares (Figura 4c). Estas ca-
lisados oportunizam novos aportes aos mo-
racterísticas indicam crescimento lento em
delos climáticos estabelecidos para o
amplas fases de ativação cambial. O lenho
Mesozóico, mais especificamente para o
tardio muito estreito sugere uma restrição
Triássico. Este intervalo de tempo repre-
do crescimento em um intervalo pequeno
senta um momento singular na história
de tempo.
paleogeográfica do planeta, quando as mas-
A média da espessura dos anéis de
sas continentais for mavam o
crescimento é de 2,97 mm (Figura 4). As
supercontinente Pangea, disposto simetri-
variações de espessura entre 1,49 mm e 4,75
camente em relação ao Equador, forman-
mm demonstram variabilidade do fator
do uma porção contínua de terra entre
limitante entre ciclos subseqüentes.
85°N e 90°S (Scotese, 2006).
De acordo com classificação propos-
Diferentes autores postulam, para o
ta por Creber & Chaloner (1984), o tipo
Neotriássico, um clima quente com uma
“D” de anel de crescimento, identificado
marcada tendência à aridez (Tucker &
na assembléia, indica uma estação de cres-
Benton, 1982; Dickins, 1993). Todavia,
cimento relativamente uniforme, com um
Crowley & North (1991) e Crowley (1994),
evento terminal marcando a cessação ou
com base em estudos paleontológicos e
retardamento da atividade cambial. A por-
paleoecológicos, fazem uma crítica a
centagem de lenho tardio em cada anel e a
homogeneidade climática referida para o
natureza do limite entre lenho inicial e le-
Pangea no Mesozóico. Afirmam estes au-
nho tardio é controlada, parcialmente, pelo
tores, em concordância com Robinson
suprimento hídrico.
(1973), Parrish et al. (1982) e Hallam (1985),
Os valores de sensibilidade média
que os diferentes modelos demonstram
entre 0,31 e 0,70 indicam que as plantas
evidências de amplos ciclos sazonais carac-
eram sensíveis às mudanças ambientais, que
terísticos de amplas massas continentais.
seu crescimento cíclico não era constante
Com base em padrões gerais de mo-
e que os espécimes estavam sujeitos a fa-
delos de circulação no Triássico, Wilson et
tores adversos que afetavam o crescimen-
al. (1994) sugerem um acréscimo de preci-
to das plantas. Os índices superiores a 0,3,
pitação no Carniano. Este modelo sugere
obtidos em muitos espécimes, indicam que
precipitações sazonais, tanto no sul, como
condições cíclicas de precipitação e dispo-
no norte do Pangea. Especialmente na par-
nibilidade hídrica eram variáveis ao longo
te sul, a presença de zona úmida é confir-
da vida da planta.

258 Margot Guerra-Sommer et alli


50 50 anos de Geologia

mada por dados geológicos e florísticos restrição nas precipitações. Estes ciclos sa-
(Fowell & Olsen, 1993). zonais, provavelmente anuais, eram inter-
A deposição da Superseqüência rompidos por freqüentes secas ocasionais
Gondwana II (Milani, 2003), no sul da Ba- intermediárias na estação de crescimento.
cia do Paraná, ocorreu de acordo com Holz Os diferentes ciclos anuais de crescimen-
& Scherer (1998) em condições úmidas, ca- to, influenciados por fatores endógenos, fo-
racterizadas por uma estação chuvosa bem ram afetados por fatores externos,
demarcada para o pacote Neotriássico. A centrados principalmente na disponibilida-
correlação com outras seqüências triássicas de hídrica e fotoperíodo.
permitiu observar a tendência de aumento
de umidade ao longo do Triássico Supe-
rior em diferentes regiões do Pangea. To- 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
davia, o fator controlador da alternância cli-
mática verificada não é identificado pelos
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Bacia do Paraná. Desta forma, a diminui- Amaral, S.E. 1971. Geologia e Petrologia da
ção progressiva do nível de base e a redu- Formação Irati (Permiano) no Estado de São
ção da planície aluvial teriam afetado a Paulo. Boletim do Instituto de
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biente fluvial com canais bem desenvolvi- IGA-USP, 2:3-82.
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vial arenosa, com canais e lagos rasos rochas geradoras da For mação Irati/
efêmeros favoreceriam a migração das Membro Assistência. Curitiba: Petróleo
coníferas desde ambientes meso-xerófilos Brasileiro. 260 p. Relatório interno.
afastados até esses nichos, em um clima Arnold, C.A. 1947. An Introduction to
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Sommerxylon spiralosus, coadunam-se com Beck, C.N. 1953. A New Root Species of
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modelos climáticos propostos para o
40:226-233.
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crescimento em cada ciclo ocorriam de crecimiento en leños fósiles de coníferas de la
forma lenta e em condições homogêneas; For mación La Meseta, Isla Seymour
por outro lado, as fases periódicas de res- (Marambio) Antártida. Asociación
trição ao crescimento eram pouco exten- Palentológica Argentina, Publicación
Especial (Paleógeno de América del Sur y
sas. O fator cíclico desencadeante da ces-
de la Península Antártica), 5:163-175.
sação do crescimento era relacionado à

Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 259


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Análises Dendroclimatológicas no Gonduana Sul Brasileiro 263


Centro de Investigação do Gondwana, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

P Plantas Fósseis na Bioestratigrafia


dos Depósitos Permianos
do Rio Grande do Sul
Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza,
Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz

1. INTRODUÇÃO

As plantas fósseis têm sido tradicionalmente utilizadas na estratigrafia. Estágios


do Carbonífero Superior, tais como o Vestfaliano e o Estefaniano, foram erigidos, por exem-
plo, com base na distribuição estratigráfica das plantas fósseis encontradas nos depósitos
carvoníferos da Europa e América do Norte. Durante muito tempo, esses estágios foram
considerados como padrão para “Escala de Tempo Geológico Internacional”. Apenas recen-
temente, eles foram substituídos por estágios baseados em faunas marinhas por serem estes
mais precisos e extensamente correlacionáveis. Realmente, biozonas estabelecidas a partir de
plantas fósseis (= fitozonas) são muito mais úteis e confiáveis em nível de correlações intra-
bacinais, ou seja, daquelas realizadas entre pacotes de rocha de uma mesma bacia sedimentar.
As correlações obtidas entre pacotes de rochas de diferentes bacias (“inter-bacinais”) podem
apresentar problemas de diacronismo e dissimilaridade florística, sendo que estas dificulda-
des irão se acentuar na mesma proporção em que aumentar a distância paleogeográfica envol-
vida entre as bacias analisadas. Ainda assim, a Europa Ocidental possui um robusto
fitozoneamento que possibilita a correlação de distintas bacias localizadas ao longo de vários
países (Wagner, 1984). Outra limitação relacionada à área geográfica ocorre em relação às
províncias paleobiogeográficas. Grande parte das espécies de plantas está restrita a um reino
biogeográfico específico e, portanto, não podem ser utilizadas na correlação entre áreas
ocupadas por diferentes reinos fitogeográficos. Em períodos de resfriamento global (efeito
“Ice House”), quando o provincialismo e/ou endemismo acentuam-se em nível global, tor-
na-se mais difícil a correlação entre distintas áreas geográficas.
Instituto de Geociências. Contribuições

Para Bacia do Paraná, a ausência de mente três fitozonas de intervalo, a saber:


correlações mais precisas entre as seções Lycopodiopsis derby, Sphenophyllum paranaense e
aflorantes e as de subsuperfície tem impe- Schizoneura gondwanensis. A Zona Lycopodiopsis
dido o estabelecimento de um arcabouço derby inicia-se no terço basal da Formação
bioestratigráfico com base nas associações Teresina, extendendo-se até o topo desta
de plantas fósseis, principalmente, para o unidade. A Zona Sphenophyllum paranaense
Permiano Inferior. O primeiro esquema de eqüivale ao Membro Serrinha da Formação
zoneamento florístico para toda bacia foi Rio do Rasto enquanto que a Zona
estabelecido por Rösler (1978). Ele subdivi- Schizoneura gondwanensis corresponde o Mem-
diu a sucessão florística paleozóica em seis bro Morro Pelado da mesma formação.
Tafofloras informais referidas por letras de
“A” a “E”, da mais antiga a mais jovem.
Embora o esquema de Rösler tenha sido 2. BIOZONAS NA PPALEOB
ALEOB OTÂNIC
ALEOBOTÂNIC
OTÂNICAA
baseado em uma substancial amostragem
em termos estratigráficos e geográficos, este
representa um arcabouço informal onde as Existem diferentes tipos de biozonas
distribuições dos táxons não estão detalha- empregadas na bioestratigrafia, no entanto,
das ou confirmadas. Iannuzzi & Souza na paleobotânica apenas uns poucos tipos
(2005), por sua vez, sugeriram recentemen- são utilizados. As Zonas de Associação (ou
te a ocorrência de quatro estágios florísticos Cenozonas) e as Zonas de Amplitude são
para o intervalo Carbonífero Superior– as mais úteis nos casos em que a seqüência
Permiano Inferior denominados de floras, estratigráfica das rochas analisadas é pobre-
a saber: Pré-Glossopteris, Phyllotheca- mente entendida. Elas baseiam-se na pre-
Gangamopteris, Glossopteris-Brasilodendron, sença de um táxon (= fóssil-guia) ou de vá-
Polysolenoxylon-Glossopteris. A Flora Pré- rios táxons em uma determinada associação.
Glossopteris reúne as associações distribuídas Portanto, são biozonas definidas, especifi-
ao longo da porção média do Subgrupo camente, pelos táxons presentes em cada
Itararé enquanto que a Flora Phyllotheca- associação. Já quando a sucessão de estra-
Gangamopteris corresponde as associações tos em uma área é melhor entendida, apli-
que se distribuem desde o topo do Subgrupo cam-se as chamadas Zonas de Intervalo que
Itararé até as porções mais basais da For- permitem uma maior precisão
mação Rio Bonito. A partir da base até o bioestratigráfica. As Zonas de Intervalo são
topo da Formação Rio Bonito, extende-se definidas não apenas pelo seu conteúdo
os registros da Flora Glossopteris- fossilífero, mas também pelos seus limites
Brasilodendron e, após um curto intervalo es- inferiores e superiores que determinam ní-
téril do ponto de vista de megafloras, ocor- veis estratigráficos denominados de
re a Flora Polysolenoxylon-Glossopteris que “biohorizontes”. Cada biohorizonte repre-
eqüivale a Formação Irati. Porém, não há senta um nível estratigráfico em que uma
para o Permiano Inferior, até o momento, significativa mudança no registro
um esquema formal estabelecido para toda fitofossilífero ocorreu, ou seja, no qual vá-
a bacia, exceto pelos zoneamentos de apli- rios táxons surgiram e/ou desapareceram.
cação regional propostos por Millan (1987) Como estas estão baseadas em mudanças
e Guerra-Sommer & Cazulo-Klepzig (1993). no registro fóssil através de um pacote de
Por outro lado, para o Permiano Superior, rocha, as Zonas de intervalo só podem ser
Rohn & Rösler (2000) estabeleceram formal-

266 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

aplicadas às seqüências estratigráficas con- glossopterídeas e sementes platispérmicas


tínuas (Cleal, 1999). são elementos abundantes, pteridófilas e
cordaiteanas são comuns, folhas das
ginkgoaleanas, ramos foliares de coníferas
3. FITOESTRATIGRAFIA
FITOESTRATIGRAFIA e frutificações de glossopterídeas são me-
NO RIO GRANDE DO SUL nos comuns. O limite inferior desta fitozona
é definido pelo primeiro aparecimento de
elementos glossopterídeos dentro do
No Rio Grande do Sul, Guerra- Subgrupo Itararé, enquanto que o seu limi-
Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993) te superior é marcado pelo aparecimento de
proposeram um fitozoneamento preliminar espécies diagnósticas da sobrejacente Zona
para os depósitos do Permiano Inferior a Glossopteris/Rhodeopteridium, na porção mé-
partir dos dados de afloramentos fossilíferos dio-superior da Formação Rio Bonito.
descritos em Corrêa-da-Silva & Arrondo A Subzona Gangamopteris obovata é de-
(1977), Cazzulo-Klepzig & Guerra-Sommer finida pela amplitude estratigráfica (=
(1981, 1985), Guerra-Sommer & Cazzulo- biocron) de Gangamopteris buriadica, G.
Klepzig (1981), Guerra-Sommer et al. (1980), angustifolia, Rubidgea lanceolata, Glossopteris in-
Andreis et al. (1980) e Cazzulo-Klepzig et al. dica, Chiropteris reniformis e Cornucar pus
(1980). Este fitozoneamento é composto de patagonius e pela ausência das espécies
duas “Zonas de Associação”, uma inferior, diagnósticas da subzona sobrejacente. Já a
denominada Zona Botrychiopsis plantiana, e Subzona Phyllotheca indica é caracterizada pelo
uma superior, chamada Zona Glossopteris/ primeiro aparecimento da espécie que de-
Rhodeopteridium. A Zona Botrychiopsis plantiana nomina a subzona bem como dos seguintes
está dividida em duas subzonas: Subzona táxons: Scutum sp. e Buriadia isophylla. A
Gangamopteris obovata e Subzona Phyllotheca Subzona Gangamopteris obovata foi original-
indica (Figura 1). Esta fitozonas são de apli- mente reconhecida na porção superior do
cação restrita ao Estado e foram Subgrupo Itararé enquanto que a de
tentativamente correlacionadas às tafofloras Phyllotheca indica na parte basal da Formação
de Rösler (1978) e fitozonas da Argentina e Rio Bonito.
Austrália (in Guerra-Sommer & Cazzulo- Na Zona Glossopteris/Rhodeopteridium o
Klepzig, 1993). gênero Glossopteris torna-se dominante, com
A Zona Botrychiopsis plantiana é carac- a emergência de novas espécies (G.
terizada pelo primeiro aparecimento das occidentalis, G. mosesii, G. intermittens, G.
plantas glossopterídeas e pela abundância browniana), deslocando assim Gangamopteris
local da pteridófila Botrychiopsis plantiana (Fi- e Rubidgea como as formas glossopterídeas
gura 1). Entre as glossopterídeas, os elemen- mais comuns. Além disso, licófitas surgem
tos gangamopterídeos (Gangamopteris no registro a partir desta zona, sendo lo-
buriadica, G. angustifolia, G. obovata) e calmente abundantes e comumente encon-
protoglossopterídeos (Rubidgea lanceolata, R. tradas em associação com folhas de
obovata) dominam, enquanto plantas com glossopterídeas e cordaitaleanas (Cordaites
folhas do tipo Glossopteris são, em geral, ra- hislopii = C. spathulata). O aparecimento de
ras e representadas por poucas espécies fetos (Eupecopteris sp., Rhodeopteridium sp.,
(Glossopteris indica, G. communis) dentro das Sphenopteris ischavonensis) é outra feição
associações. Caules e ramos foliares de bioestratigraficamente significativa (Figura
esfenófitas arbustivas, folhagens de 1). Associações desta zona correspondem à

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 267


Instituto de Geociências. Contribuições

típica “Flora Glossopteris”, estando normal- meridionalis, Rhodeopteridium sp., Sphenopteris


mente associada aos depósitos de carvão do ischavonensis, Glossopteris occidentalis, G.
Estado. browniana, G. intermittens, G. mosesii, Arberia
O limite inferior desta zona ocorre na minasica, Ottokaria sp., Plumsteadia sennes). O
porção médio-superior da Formação Rio seu limite superior é marcado pelo desapa-
Bonito e é definido pelo último registro de recimento das espécies diagnósticas no topo
Botrychiopsis plantiana e Gangamopteris obovata da Formação Rio Bonito, próximo ao limi-
e pelo primeiro aparecimento de vários te com a Formação Palermo.
táxons (Brasilodendron pedroanum, Eupecopteris

Figura 1
1. Fitozoneamento para os depósitos permianos do Rio Grande do Sul como originalmente proposto por Guerra-Sommer
& Cazzulo-Klepzig (1993).

268 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig efetivamente apresentada por Jasper et al.


(1993) estabeleceram ainda estratotipos para (2003).
cada fitozona. Para Zona Botr ychiopsis
plantiana as seções tipo podem ser encon-
tradas nos afloramentos Morro do Papaléo 4. DISCUSSÃO
(incluindo ambas subzonas) e Quitéria (ape-
nas Subzona G. obovata). Afloramentos adi-
cionais foram listados pelas autoras para a 4.1 Análise dos Zoneamentos
subjacente Subzona G. obovata, a saber: Propostos
Faxinal, Fazenda Goulart, Acampamento
O zoneamento de Guerra-Sommer &
Velho e Cambaí Grande. Já as seções tipo
Cazzulo-Klepzig (1993) foi originalmente
da Zona Glossopteris/Rhodeopteridium são en-
estabelecido a partir de Zonas de Associa-
contradas nos afloramentos Quitéria e Mina
ção ou Cenozonas. No entanto, o quadro
do Faxinal, conforme Guerra-Sommer &
bioestratigráfico apresentado pelas autoras
Cazzulo-Klepzig (1993).
(op. cit., p. 63, table 1; Figura 1) mostra as
Recentemente, um novo esquema foi
fitozonas como sendo “Zonas de Interva-
proposto por Jasper et al. (2003). Este novo
lo”, as quais são sabidamente delimitadas por
esquema aparentemente tenta substituir o
“biohorizontes” que representariam níveis
anterior, citado acima. Os autores estabele-
estratigráficos específicos. Entende-se que,
cem uma única biozona para os estratos do
na realidade, houve apenas um engano ao
Permiano Inferior do Rio Grande do Sul, a
se representar o zoneamento, uma vez que
Zona Botrychiopsis, subdividida em duas
não há dúvidas que as autoras propuseram
subzonas, a saber: Subzona Botrychiopsis
Zonas de Associação (op. cit., p. 61). Além
plantiana e Subzona Botrychiopsis valida. A
disso, não há menção alguma sobre a exis-
Subzona Botrychiopsis plantiana é caracteriza-
tência de fitohorizontes específicos para os
da pela presença da espécie que denomina a
depósitos permianos do Estado. Por outro
fitozona além dos seguintes gêneros:
lado, as localidades ou sítios (=
Rubidgea, Gangamopteris, Glossopteris, Cordaites,
afloramentos) utilizados pelas autoras no
Buriadia, Ginkgoites, Phyllotheca. A
estabelecimento do zoneamento foram re-
sobrejacente Subzona Botrychiopsis valida é
feridos como “estratotipos” das respectivas
definida pela amplitude de B. valida, pela
fitozonas (op. cit., p. 64, 66). Entretanto,
ocorrência dos gêneros Brasilodendron,
tendo em vista os critérios estratigráficos
Sphenopteris, Pecopteris, Cheirophyllum e
(Murphy & Salvador, 1999), estes sítios de-
coníferas e, aparentemente, pelo desapare-
vem ser entendidos como “localidades tipo”
cimento de Ginkgoites e Buriadia. Enquanto
que contém “seções tipo”. Na verdade, ne-
a Subzona Botrychiopsis plantiana estende-se
nhum estratotipo foi formalmente propos-
do topo do Subgrupo Itararé a porção basal
to para cada fitozona pelas referidas auto-
da Formação Rio Bonito, a Subzona
ras.
Botrychiopsis valida distribui-se do terço basal
Apesar das considerações anteriores,
ao topo da Formação Rio Bonito, segundo
as fitozonas eregidas por Guerra-Sommer
os autores (Jasper et al., Figura 9). Nenhu-
& Cazulo-Klepzig (1993) estão em acordo
ma proposta de correlação com as fitozonas
com os critérios estabelecidos pela
anteriormente estabelecidas por Guerra-
Subcomissão Internacional de Classificação
Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993) foi
Estratigráfica da União Internacional das

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 269


Instituto de Geociências. Contribuições

Ciências Geológicas (IUGS) para a propo- nenhuma outra camada ou afloramento do


sição e caracterização de novas biozonas Estado. Considerando-se estas informações,
(conforme Murphy & Salvador, 1999), ge- a criação da Subzona Botrychiopsis valida não
ralmente aplicados nas unidades está em conformidade não só com as reco-
fitoestratigráficas (Cleal, 1999). Deste modo, mendações da Subcomissão Internacional
elas são consideradas unidades válidas. de Classificação Estratigráfica da IUGS, mas
Por sua vez, uma análise crítica do também com os princípios da
zoneamento de Jasper et al. (2003) indica que bioestratigrafia para os quais, um minímo
este arcabouço não está em concordância de dois afloramentos ou localidades seriam
com os critérios e recomendações feitas pela necessários para o estabelecimento de uma
Subcomissão Internacional de Classificação nova biozona. Assim como argumentado
Estratigráfica da IUGS uma vez que nem por Cleal (1999), as biozonas deveriam ser
(i) os táxons diagnósticos, (ii) os identificavéis por amplas áreas geográficas.
estratrotipos, (iii) as seções de referência ou Tendo em vista todas essas razões, o esque-
(iv) as amplitudes estratigráficas dos táxons ma de Jasper et al. (2003) não é considerado
não foram formalmente e apropriadamente uma proposta válida por ter sido
apresentados pelos autores. Além disso, ne- inapropriadamente documentado e estar
nhuma correlação com o zoneamento ante- baseado em dados insuficientes para sua
rior de Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig confirmação. Mais estudos são necessários
(1993) ou com quaisquer outros antes que ele possa ser aceito.
zoneamentos previamente estabelecidos
para bacia foi proposta por Jasper et al. 4.2 Novos elementos
(2003). De acordo com os dados disponí-
Novos táxons de valor bioestratigrá-
veis, a Subzona Botrychiopsis plantiana de
fico foram introduzidos por Iannuzzi et al.
Jasper et al. (2003) seria equivalente a Zona
(2003a, b) a partir de estudos realizados no
Botrychiopsis plantiana de Guerra-Sommer &
afloramento Morro do Papaléo, município
Cazzulo-Klepzig (1993), enquanto que
de Mariana Pimentel. Apesar desta locali-
Subzona Botrychiopsis valida destes mesmos
dade já ter sido objeto de extensos estudos
autores corresponderia a Zona Glossopteris/
estratigráficos e paleontológicos (Burjack et
Rhodeopteridium de Guerra-Sommer &
al., 1982; Corrêa da Silva, 1978; Paim et al.,
Cazzulo-Klepzig (1993). Neste sentido, a
1983; Pasqualini et al., 1986; Piccoli et al.,
grande novidade do esquema de Jasper et al.
1983), a ocorrência da Zona de Glossopteris/
(2003) parece resumir-se na substituição da
Rhodeopteridium no topo da seção aflorante
Zona Glossopteris/Rhodeopteridium de Guer-
do Morro do Papaléo foi apenas recente-
ra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993) pela
mente reportada por Vieira & Iannuzzi
Subzona Botrychiopsis valida, a qual se baseia
(2000). De acordo com Iannuzzi et al. (2003a,
na ocorrência da espécie-guia Botrychiopsis
b), a localidade do Morro do Papaléo é úni-
valida no topo do afloramento Quitéria.
ca que apresenta todas as fitozonas erigidas
Entretanto, de acordo com Jasper et
por Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig
al. (2003), a espécie-guia B. valida é um táxon
(1993) ao longo de uma mesma seção e,
restrito ao afloramento Quitéria, município
neste sentido, esta deveria ser considerada
de Pantano Grande, e mais especificamen-
uma localidade chave para estudos
te, a uma única camada de cerca de 30 cm
fitoestratigráficos no Estado. Deste modo,
de espessura, não sendo esta registrada em
Iannuzzi et al. (2003a, b) estabeleceram a

270 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

distribuição estratigráfica dos distintos Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993)


táxons e das biozonas presentes no à base da Formação Rio Bonito, que foi
afloramento Morro do Papaléo, conforme posicionada no topo do Subgrupo Itararé
visto na Figura 2. Os principais resultados com base na seção levantada.
obtidos por Iannuzzi et al. (2003a, b) po- Recentemente, Iannuzzi et al. (2006a)
dem ser assim sintetizados: acrescentaram Gangamopteris buriadica,
a) descobriram-se discrepâncias na Samaropsis kurtzii, S. aff. S. rigby e Glossopteris
amplitude estratigráfica de Gangamopteris occidentalis à Subzona P. indica e Gangamopteris
obovata e Glossopteris indica, pois ambas deve- obovata var. major e Samaropsis aff. S. millaniana
riam ter sua distribuição estendida até a Zona à Zona Glossopteris/Rhodeopteridium, baseados
de Glossopteris/Rhodeopteridium; em coletas realizadas no afloramento Mor-
b) determinou-se a presença de no- ro do Papaléo. Ao mesmo tempo, estes au-
vos táxons que podem ser considerados tores descartaram a presença de formas re-
como fósseis-guia, sejam para a caracteriza- lativas ao gênero Rubidgea neste afloramento.
ção das biozonas propostas, sejam para o Em trabalho anterior, ainda inédito, Tybusch
estabelecimento de correlações com depó- (2005) já havia descartado a ocorrência de
sitos de outras porções da bacia, a saber: Rubidgea em depósitos permianos do Esta-
Stephanophyllites cf. S. sanpaulensis, do. A Figura 2 já inclui os resultados obti-
Cheirophyllum speculare, ?Dicranophyllum sp. e dos por Iannuzzi et al. (2006a).
Kawizophyllum sp. para a Subzona P. indica; Por último, Jasper et al. (2005) descre-
Cyclodendron cf. C. brasiliensis, Ginkgophytopsis veram uma nova conífera para localidade de
sp., Pecopteris sp., Asterotheca sp., Sphenopteris Quitéria, Coricladus quiteriensis, que pode ser
sp., Neomariopteris sp. para a Zona atribuída à Subzona B. valida de Jasper et al.
Glossopteris/Rhodeopteridium; (2003). Uma vez que a subzona de Jasper et
c) registrou-se a presença de superfí- al. (2003) foi considerada aqui como equi-
cie erosiva entre as biozonas B. plantiana e valente à Zona Glossopteris/Rhodeopteridium,
Glossopteris/Rhodeopteridium (limite entre as este novo táxon pode ser incluído nesta úl-
Seqüências I e II na Figura 2) que reflete tima biozona.
um significativo hiato deposicional o qual é
correlacionável, em nível regional, à 4.3 Correspondência estratigráfica
discordância que delimita o Subgrupo das Fitozonas
Itararé da Formação Rio Bonito;
A partir do estudo em detalhe dos
d) demonstrou-se, a partir dos dados
afloramentos Morro do Papaléo (Iannuzzi
palinológicos obtidos ao longo da seção (ní-
et al., 2003a, b; 2006a) e Quitéria (Jasper,
veis 1, 5 e 6 da Figura 2), que as biozonas de
2004), foi possível obter mais recentemente
Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993)
uma correlação entre os arcabouços
equivaliam a uma única palinozona, a Zona
estratigráfico e bioestratigráfico (Iannuzzi et
Vittatina costabilis de Souza & Marques-Toigo
al., 2006b, submetido) no Estado. As locali-
(2001) a qual se distribui desde o topo do
dades Morro do Papaléo e Quitéria foram
Subgrupo Itararé até a porção médio-supe-
selecionadas por (a) serem as únicas bem
rior da Formação Rio Bonito;
estudadas do ponto litológico e
e) determinou-se uma discrepância
paleontológico e (b) por apresentarem mais
quanto à distribuição litoestratigráfica da
de uma fitozona na mesma seção. O
Subzona P. indica, restrita originalmente por
afloramento Morro do Papaléo apresenta as

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 271


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2.2 Perfil estratigráfico do afloramento Morro do Papaléo mostrando a distribuição dos táxons de plantas fósseis, dos níveis
fossilíferos, das unidades litoestratigráficas, dos paleoambientes, das biozonas (duas fitozonas e uma palinozona) e das seqüências
estratigráficas. Fitozonas conforme Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993); palinozona segundo Souza & Marques-Toigo
(2003, 2005). Modificado de Iannuzzi et al. (2003a, b).

três fitozonas erigidas por Guerra-Sommer O posicionamento estratigráfico das


& Cazzulo-Klepzig (1993), como já deli- fitozonas foi dado pela correlação entre as
neado no item anterior. No caso de Quitéria, seções dos afloramentos Morro do Papaléo
há a presença de duas fitozonas, segundo e Quitéria e aquela do poço CA-53 (Iannuzzi
Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993), et al., 2006b, submetido). Esta correlação foi
a saber: Subzona P. indica e Zona Glossopteris/ estabelecida com base nos dados
Rhodeopteridium. O arcabouço estratigráfico estratigráficos e palinológicos obtidos dos
utilizado foi aquele proposto por Holz afloramentos. Como resultado, obteve-se
(1997, 1999) para os depósitos do Permiano que a Zona Botrychiopsis plantiana distribui-
Inferior do Estado e segue os princípios da se através da primeira seqüência (S I) de ter-
estratigrafia de seqüências. ceira ordem estabelecida por Holz (1997,

272 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

1999), que corresponde aos depósitos do Formação Rio Bonito, ocorre entre as su-
Subgrupo Itararé no Rio Grande do Sul. O perfícies SB 2 e TS 3, atravessando o limite
limite superior desta zona é, aparentemen- de seqüência SB 3; isto corresponde ao in-
te, coincidente com o limite de seqüência tervalo que vai da porção inferior da segun-
SB 2 que equivale ao limite entre as unida- da seqüência (S II) à porção inferior da ter-
des Itararé / Rio Bonito (Figura 3). Em re- ceira seqüência (S III) de terceira-ordem de
lação as duas subzonas dessa zona, i. é Holz (1997, 1999) (Figura 3).
subzonas Gangamopteris obovata e Phyllotheca Em termos do arcabouço palinológi-
indica, o limite entre elas não pode ser preci- co do Estado, delineado por Souza & Mar-
samente delimitado dentro da seqüência S I ques-Toigo (2003, 2005), a Zona Botrychiopsis
de Holz (1997, 1999). Já a Zona Glossopteris/ plantiana é equivalente à Suzona
Rhodeopteridium, que se distribui ao longo da Protohaploxypinus goraiensis da Zona de

Figura 33. Correlação entre os arcabouços cronoestratigráfico, bioestratigráfico (baseado em plantas fósseis e palinomorfos) e
estratigráfico (lito- e estratigrafia de seqüências) do Permiano Inferior da Bacia do Paraná no Rio Grande do Sul. Cronoestratigrafia:
estrela marcar idade obtida por Santos et al. (2006) para Formação Irati (278,4+2,2 Ma). Modificado de Iannuzzi et al. (2007).
Cronestratigrafia de acordo com Gradstein et al. (2004).

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 273


Instituto de Geociências. Contribuições

Intervalo Vittatina costabilis. A Zona afloramento Quitéria deve ser interpretada


Glossopteris/Rhodeopteridium, por sua vez, como resultado de um reaparecimento des-
corresponde em grande parte à Subzona ses táxons em uma posição estratigráfica
Hamiapollenites karroensis, sendo esta normal- superior, provavelmente relacionado a um
mente registrada na porção superior da For- controle faciológico. Conseqüentemente, a
mação Rio Bonito (Iannuzzi et al., 2006b, Zona Glossopteris/Rhodeopteridium é a única
2007; Figura 3). No entanto, a ocorrência presente no afloramento Quitéria, en-
de um caule de licófita, tentativamente assi- quanto que os táxons mencionados
nalado ao gênero Cyclodendron, junto aos de- correspondem a elementos originados na
pósitos carbonosos da seção do afloramento subjacente Zona Botrychiopsis plantiana que
Morro do Papaléo (nível 5 da Figura 2), su- devem ter a sua distribuição estendida até
gere que a Zona Glossopteris/Rhodeopteridium estes níveis (Iannuzzi et al., 2006b, 2007).
estende-se até os níveis que contém a
subjacente Subzona Protohaploxypinus
goraiensis (Figuras 3, 4). As passagens das 4.4 Correlação das Fitozonas
subzonas Gangamopteris obovata para
Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig
Phyllotheca indica e das zonas Botrychiopsis
(1993) correlacionaram inicialmente suas
plantiana para Glossopteris/Rhodeopteridium
biozonas às tafofloras de Rösler (1978). Para
ocorrem dentro da Zona V. costabilis e não
aquelas autoras, a Subzona Gangamopteris
são coincidentes com o limite entre as
obovata seria equivalente à “Tafoflora A-B”
subzonas Protohaploxypinus goraiensis /
ou “Transicional” de Rösler, enquanto que
Hamiapollenites karroensis (Figura 3).
a Subzona Phyllotheca indica corresponderia
Em contraste com a proposição ori-
à “Tafoflora B” do referido autor. Deste
ginal de Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig
modo, a Zona Botrychiopsis plantiana seria
(1993), a Subzona Phyllotheca indica não pode
correlata as tafofloras “A-B” e “B”. Além
ser assinalada para o afloramento Quitéria.
disso, Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig
Apesar da ocorrência de alguns dos táxons
(1993) equipararam a Zona Glossopteris/
diagnósticos da referida subzona na porção
Rhodeopteridium com a “Tafoflora C” de
basal do afloramento Quitéria, tais como
Rösler.
Botrychiopsis plantiana, Gangamopteris obovata e
Posteriormente, Vieira & Iannuzzi
Chiropteris sp., o conteúdo palinológico dos
(2000) e Iannuzzi (2000) questionaram essa
estratos intercalados indica um
correlação baseados nos novos achados
posicionamento estratigráfico mais supe-
realizados no topo da seção do Morro do
rior da seção aflorante. Entre os
Papaléo, onde determinaram a ocorrência
palinomorfos obtidos há um importante ele-
da Zona Glossopteris/Rhodeopteridium. Aque-
mento guia da Subzona Hamiapollenites
les autores propuseram que a Zona
karroensis, i. é Striatopodocarpites fusus. Isto sig-
Botrychiopsis plantiana como um todo seria
nifica que a seção de Quitéria corresponde
equivalente à “Tafoflora A-B” devido a
à porção superior da Zona de Intervalo
abundância de folhas gangamopterídeas e
Vittatina costabilis, a qual é estratigraficamen-
esfenófitas do tipo Phyllotheca nesta unida-
te, próxima ao limite entre as formações Rio
de. Além disso, estes sugeriram que haveria
Bonito / Palermo, e bioestratigraficamente
uma correspondência indiscriminada entre
equivalente à Zona Glossopteris/
a Zona Glossopteris/Rhodeopteridium e as
Rhodeopteridium. Portanto, a presença de ele-
tafofloras “B” e “C” de Rösler. Isto por que
mentos típicos da Subzona P. indica no

274 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

a Zona Glossopteris/Rhodeopteridium apresen- (Retallack, 1980; Anderson & Anderson,


tava reunidos em uma só unidade 1985; Archangelsky et al., 1996; Maheshwari
bioestratigráfica elementos exclusivos de & Bajpai, 2001). Por outro lado, associações
cada uma das tafofloras de Rösler, tais como dominadas por folhas do tipo Glossopteris,
fetos (Pecopteris, Asterotheca, Rhodeopteridium), similares às da Zona Glossopteris/
licófitas arborescentes (Brasilodendron) e Rhodeopteridium, correspondem àquelas da
frutificações de glossopterídeas (Arberia). Os “Flora Glossopteris – Brasilodendron” descritas
fetos pecopterídeos (= Pecopteris, Asterotheca) por Iannuzzi & Souza (2005) para bacia.
e as licófitas, por exemplo, caracterizam a Associações semelhantes são também en-
“Tafoflora B” enquanto que Rhodeopteridium contradas na Argentina, África do Sul, Ín-
e Arberia são formas exclusivas da “Tafoflora dia e Austrália, sendo típicas do Eopermiano
C”, segundo Rösler (1978). Deste modo, a um pouco mais tardio (= intervalo
Zona Glossopteris/Rhodeopteridium apresenta Sakmariano-Artinskiano, Figura 3) do
um conjunto único de táxons que impossi- Gondwana (Retallack, 1980; Anderson &
bilita uma correlação exata com as tafofloras Anderson, 1985; Archangelsky et al., 1996;
de Rösler, as quais em sua maioria repre- Maheshwari & Bajpai, 2001). Idades seme-
sentam floras situadas em porções mais ao lhantes podem ser atribuídas as duas
norte da bacia, i. é, estados de Santa Catarina fitozonas de Guerra-Sommer & Cazzulo-
e Paraná. Klepzig (1993) com base na (i) datação ab-
Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig soluta obtida em estratos da sobrejacente
(1993) ainda propuseram uma correlação Formação Irati (278,4+2,2 Ma in Santos et
com as biozonas erigidas para depósitos al., 2006) e (ii) nas correlações
permianos da Argentina. Segundo as auto- bioestratigráficas estabelecidas com bacias
ras, a Zona Botrychiopsis plantiana seria da África do Sul e Namíbia a partir de
correlata a Zona Gangamopteris do noroeste “Fauna de Eurydesma”, encontrada em ní-
da Argentina enquanto que a Zona veis subjacentes do topo do Subgrupo
Glossopteris/Rhodeopteridium corresponderia a Itararé (Iannuzzi & Souza, 2005).
Zona Glossopteris.
Segundo Iannuzzi & Souza (2005) e
Iannuzzi et al. (2006b, submetido), a predo- 5. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES
minância de folhas gangamopterídeas sobre
as glossopterídeas e a abundância de
esfenófitas é uma característica típica das Todas as informações acima permiti-
associações da Zona Botrychiopsis plantiana e ram uma reavaliação do fitozoneamento de
da “Flora Phyllotheca-Gangamopteris”, esta úl- Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993)
tima estabelecida por Iannuzzi & Souza que está sumarizada na Figura 4. Alguns dos
(2005) para a Bacia do Paraná como um principais táxons-guia são ilustrados na Fi-
todo. Isto sugere uma correlação entre a gura 5. A partir desta reavaliação, percebe-
Zona Botr ychiopsis plantiana e a “Flora se que a Subzona G. obovata compartilha
Phyllotheca-Gangamopteris”. Associações simi- praticamente todos os seus táxons com a
lares a estas ocorrem em todo o Gondwana sobrejacente Subzona P. indica. Na seção do
em estratos do Eopermiano (= Sakmariano, Morro do Papaléo, por exemplo, apenas B.
Figura 3), como por exemplo, na Austrália, plantiana, G. angustifolia e Chiropteris são ex-
Índia, sul da África e sul da América do Sul clusivos da subjacente Subzona G. obovata

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 275


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4
4. Fitozoneamento de Guerra-Sommer & Cazulo-Klepzig (1993) modificado a partir dos trabalhos de Iannuzzi & Souza
(2005), Iannuzzi et al. (2003a, b; 2006a), Jasper et al. (2003, 2005) e Tybusch (2005). Note os novos táxons introduzidos e as
diferentes idades e distribuições estratigráficas sugeridas para as fitozonas e táxons previamente assinalados. Baseado em Guerra-
Sommer & Cazulo-Klepzig (1993).

276 Roberto Iannuzzi, Paulo Alves de Souza, Claiton Marlon dos Santos Scherer, Michael Holz
50 50 anos de Geologia

(Figura 2). Entretanto, a amplitude distribuição estratigráfica dos fósseis vege-


estratigráfica desses táxons pode ser esten- tais; (c) a revisão taxonômica dos fósseis
dida até a sobrejacente Zona Glossopteris/ vegetais presentes em cada afloramento; (d)
Rhodeopteridium, baseado no posicionamento o estudo tafonômico das associações
estratigráfico mais acima do afloramento florísticas registradas; (e) a prospecção de
Quitéria (Figura 4). Por outro lado, as mais afloramentos fitofossilíferos. É funda-
subzonas relativas à Zona B. plantiana (i. é, mental que o processos tafonômicos envol-
Subzona G. obovata e Subzona P. indica) re- vidos na geração das associações
presentam para Iannuzzi et al. (2003a, b) um fitofossilíferas sejam adequadamente deter-
provável registro de associações minados com o intuito de estabelecer clara-
faciologicamente controladas (associações mente as relações existentes entre os
alóctones versus autóctones), uma vez que, paleoambientes e os elementos florísticos.
por um lado, os níveis que registram as as- Sem esse conhecimento tafonômico sobre
sociações dessas duas subzonas distam pou- as associações, torna-se difícil distinguir en-
cos metros uns dos outros ao longo da se- tre os padrões que devam ser atribuídos a
ção do Morro do Papaléo e, por outro, exis- controles faciológicos (= “ecofacies”) e,
te uma continuidade sedimentológica/ portanto, melhor entendidos como
estratigráfica sem nenhuma mudança ecozonas, daqueles que possam estar rela-
paleoambiental significativa entre esses ní- cionados a controles estratigráficos e, logo,
veis (Figura 2). Por todas essas razões, as representem verdadeiras biozonas.
subzonas G. obovata e P. indica podem, na
realidade, representarem “ecozonas” e não
“biozonas”. Entretanto, estudos mais deta- 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
lhados das demais localidades citadas por
Guerra-Sommer & Cazzulo-Klepzig (1993)
para a Subzona G. obovata, tais como Faxinal, Anderson, J.M. & Anderson, H.M. 1985.
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Cambaí Grande, devem ser realizados antes of South African Megafloras, Devonian to
que se possa concluir em definitivo se a sub- lower Cretaceous. Rotterdam, A. A. Balkema,
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divisão da Zona B. plantiana deve ou não ser
mantida para propósitos bioestratigráficos. Andreis, R.R.; Cazzulo-Klepzig, M., Guerra-
Por fim, para que se possa estabele- Sommer, M. & Zimermann, L. 1980.
cer um zoneamento fitoestratigráfico mais Considerações sobre um afloramento fossilífero
preciso e confiável para os depósitos do Subgrupo Itararé: Fazenda Goulart,
paleozóicos no Estado, o qual possa ser ba- Francisquinho, município de São Jerônimo RS.
seado em Zonas de Intervalo ao invés de Boletim do Instituto de Geociências USP,
11:85-97.
Zonas de Associação, sugere-se futuramen-
te: (a) a determinação do posicionamento Archangelsky, S.; González, C.R.; Cúneo, N.R.;
estratigráfico mais preciso dos demais Sabattini, N.; Césari, S.N.; Aceñolaza, F.G.;
afloramentos fitofossilíferos já conhecidos Garcia, G.B.; Buatois, L.A.; Ottone, E.; Mazzoni,
através do uso conjunto da estratigrafia e A.F.; Hünicken, M.A. & Gutiérrez, P.R. (eds.)
da palinologia, sempre que possível; (b) a 1996. El Sistema Permico en la Republica
elaboração de perfis estratigráficos das se- Argentina y en la Republica Oriental del
Uruguay. Córdoba, Academia Nacional de
ções aflorantes que mostrem claramente a
Ciencias, 417p., lam.I-V.

Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 277


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 5.
5 Alguns dos principais táxons-guias das biozonas propostas no fitozoneamento de Guerra-Sommer & Cazulo-Klepzig
(1993). A) Botrychiopsis plantiana; B) Phyllotheca indica (= P. australis); C) Cheirophyllum speculare; D) Brasilodendron pedroanum;
E) Glossopteris occidentalis; F) Botrychiopsis valida; G) Asterotheca sp.; H) Coricladus quiteriensis; I) Rhodeopteridium sp.
Material depositado na coleção de Paleobotânica do Departamento de Paleontologia do IG-UFRGS.

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Plantas Fósseis na Bioestratigrafia dos Depósitos Permianos... 281


Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

C Construção, Acumulação
e Preservação do Paleoerg Botucatu
Claiton Marlon dos Santos Scherer,
Luis José Tomazelli, Karin Goldberg

1. INTRODUÇÃO

A Formação Botucatu corresponde a um imenso erg acumulado no final do


Jurássico e início do Cretáceo sobre uma ampla área da Plataforma Sul-Americana, cobrindo
uma área superior a 1 milhão km2. Em decorrência disso, os arenitos da Formação Botucatu
correspodem a uma das mais significativas acumulações eólicas da história da terra, refletindo
um momento geológico singular. Quando se interpreta um pacote eólico é importante ter em
mente que o registro sedimentar é resultado de um conjunto de processos que devem ser
vistos de uma forma hierárquica, iniciando-se com aqueles processos que controlam a cons-
trução de um erg, passando para aqueles que determinam se ocorrerá ou não a acumulação de
sedimentos em uma área e chegando, por fim, aos processos que controlam se a acumulação
será incorporada no registro geológico (Kocurek, 1999). O presente trabalho tem por objeti-
vo desvendar os diferentes fatores que controlaram a construção, acumulação e preservação
do paleoerg Botucatu. Para tanto, cada uma destas fases será analisada de forma independen-
te, procurando-se entender a sucessão de eventos que permitiu que o paleorg Botucatu fosse
incorporado ao registro geológico.

2. CONTEXTO GEOLÓGICO

A Formação Botucatu consiste de arenitos eólicos distribuídos ao longo de uma


área com mais de 1.5 milhão de km2, aflorando ao longo de toda a borda da Bacia do Paraná,
incluindo áreas no Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, além de apresentar depósitos correlatos
no continente africano (e.g. Formação Twyfenfontein, Stanistreet & Stollhofen, 1999). Esta
Instituto de Geociências. Contribuições

unidade é limitada na base por uma ral, no poço de Alto Piquiri, perfurado na
discordância regional, passível de ser região onde o pacote vulcânico é mais es-
rastreada em toda a bacia. É composta do- pesso, resultaram em idades entre 136,6 ±
minantemente por depósitos eólicos, repre- 1,5 Ma e 130,8 ± 0,6 Ma (Onstott et al.,
sentados por estratos cruzados de grande 1993). Posteriormente, Turner et al. (1994)
porte (1 a 30 m), interpretados como de- realizou datações com base em amostras
pósitos residuais de dunas eólicas (Almeida, distribuídas ao longo de toda a bacia e de-
1953; Bigarella & Salammuni, 1961). Estu- terminou uma idade de 137 ± 0,7 Ma para
dos faciológicos de detalhe, realizados na as manifestações vulcânicas mais antigas
porção sul da área de afloramentos da For- que, em concordância com o trabalho de
mação Botucatu, permitiram a reconstru- Onslott (op. cit.), indicam que o término da
ção morfológica das dunas eólicas, indican- acumulação eólica da Formação Botucatu
do dunas eólicas crescentes simples a ocorreu no início do Cretáceo. Entretanto,
localizadamente compostas e draas linea- a determinação da idade de início da sedi-
res complexos (Scherer, 2000; Scherer, mentação da Formação Botucatu é proble-
2002). Por vezes, a base da Formação mática. Tomando como base os icnofósseis
Botucatu inclui conglomerados e arenitos de vertebrados identificados nos estratos
conglomeráticos depositados por inunda- eólicos, Bonaparte (1996) atribui uma ida-
ções em lençóis e arenitos grossos a muito de Neojurássica-Eocretácea para a Forma-
grossos interpreados como depósitos de ção Botucatu, hipótese esta admitida por
lençóis de areia eólicos (Bigarella & Milani et al. (1998) para a elaboração do
Salamuni, 1961; Soares, 1975; Almeida & arcabouço estratigráfico do Mesozóico da
Melo, 1981; Scherer, 2002; Scherer & Bacia do Paraná. No entanto, conforme dis-
Lavina, 2006). A Formação Botucatu apre- cutido por Scherer et al. (2000), a íntima
senta espessuras que variam de 0 até 400 relação dos arenitos com as lavas e a
metros, sendo que as maiores espessuras inexistência de supersuperfícies dentro do
encontram-se na porção noroeste da Bacia pacote eólico sugere que a Formação
do Paraná (Milani, 1997). Os arenitos Botucatu compreende um intervalo de tem-
eólicos são sobrepostos pela sucessão de po mais reduzido. Dessa forma, conside-
rochas vulcânicas da Formação Serra Ge- ra-se que o início da sedimentação eólica
ral, com espessuras de 300 a 800 metros. da Formação Botucatu ocorreu no final do
Ao que parece, as lavas “congelaram” du- Jurássico.
nas eólicas que se encontravam migrando
ao longo da bacia, preservando integral-
mente as suas morfologias (Scherer, 2002). 3. CONTEXTO PALEOGEOGRÁFICO
Em decorrência do contato concor-
dante entre as formações Botucatu e Serra
Geral, as datações das rochas vulcânicas da Em termos paleogeográficos, o
For mação Serra Geral oferecem um Jurássico foi caracterizado pela fragmenta-
referencial geocronológico seguro para o ção do supercontinente de Pangea. Entre
término da sedimentação eólica da Forma- o final do Jurássico e o início do Cretáceo
ção Botucatu. Deter minações a separação do Gondwana e da Laurásia
radiométricas Ar/Ar realizadas em amos- encontrava-se bastante desenvolvida, com
tras das rochas vulcânicas coletadas em di- um amplo oceano separando os dois con-
versos níveis dentro do pacote Serra Ge- tinentes (Scotese, 2003). Além disso, o

284 Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg
50 50 anos de Geologia

nível eustático foi alto durante este inter- Superior (mais ou menos 90 milhões de
valo de tempo, com amplas regiões da anos), resultante de mudanças no campo
Laurásia sendo inundadas, possibilitando tensional que aconteceram na crosta du-
assim o desenvolvimento de extensos ma- rante a evolução do Atlântico Sul (Lelarge
res epicontinentais. O Gondwana, por sua et. al., 1994). A presença de arenitos
vez, apresenta depósitos marinhos somente correlatos em território africano
na margem oriental e numa estreita faixa (Mountney et al., 1998; Stanistreet &
da região de retroarco andino. No interior Stollhofen, 1999) indica que a área
do continente dominou uma sedimentação deposicional da Formação Botucatu era
estritamente continental, destacando-se os mais extensa que aquela circunscrita pelos
depósitos eólicos da Formação Botucatu seus atuais limites erosivos. Entretanto, a
(Figura 1). Esta ausência de mares extensão original do paleoerg Botucatu
epicontinentais no interior do Gondwana consiste em um ponto não resolvido.
é reflexo da paleotopografia do continen- A Formação Botucatu apresenta uma
te, constituindo-se de um amplo platô com nítida diminuição de espessura em direção
cotas superiores a 100 metros, desenvolvi- ao sul, indicando que o Escudo Sul-rio-
do em decorrência do alto fluxo térmico e grandense era um alto topográfico à época
do conseqüente alto freeboard continental, da acumulação eólica (Scherer, 2000, 2002).
semelhante ao que é hoje observado na Esta unidade estende-se em direção su-
África (Worsley et al., 1984). doeste, extrapolando o território brasilei-
O final do Jurássico ao início do ro. No Uruguai, o pacote eólico é designa-
Cretáceo é marcado por profundas mudan- do For mação Riveira (Ferrando &
ças tectônicas no Gondwana. Durante este Montana, 1988), enquanto na Argentina
intervalo de tempo intensificaram-se os (Bacia Chaco-Paraná) é denominado For-
processos de fragmentação do megaconti- mação São Cristobal (Padula & Mingramm,
nente, marcados pelo desenvolvimento do 1969; Pezzi & Mozetic, 1989; Garrazino,
sistemas de riftes continentais que viriam 1995), correspondendo aos níveis superio-
a dar origem ao Atlântico Sul. Enquanto res desta unidade. A presença de arenitos
ocorreu o desenvolvimento de bacias riftes grossos, interpretados como de origem flu-
na porção sul e nordeste do continente sul- vial, intercalados com as dunas eólicas de
americano, a região ocupada pela Forma- topo da Formação São Cristobal (Pezzi &
ção Botucatu consistia em uma área Mozetic, 1989), indica um contexto de
cratônica onde se desenvolveu uma ampla margem de erg que, segundo Scherer
bacia topográfica que acumulou um paco- (2000), estender-se-ia até a encosta andina,
te significativo de depósitos de dunas onde os depósitos conglomeráticos da For-
eólicas (Figura 1). mação Barranca (Bacia de Cuyo) represen-
Existem dúvidas sobre a extensão tariam as fácies mais proximais do paleoerg
original do paleoerg Botucatu. O limite les- Botucatu.
te da Formação Botucatu é claramente Na porção oeste da bacia, os arenitos
erosivo, marcado por um abrupto desapa- da Formação Botucatu são mapeados até
recimento dos arenitos eólicos contra a o Paraguai, onde são denominados Forma-
Serra do Mar. Esta tectônica deformadora ção Missiones, (Clerici et al., 1986), poden-
está relacionada a movimentos epirogené- do terem se estendido até a Bolívia, onde
ticos positivos que ocorreram em toda a Sempere (1995) descreve um pacote de
borda leste da Bacia do Paraná no Cretáceo arenitos eólicos amalgamados denominados

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 285


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 1
1. Mapa paleogeográfico da porção sudoeste do Gondwana durante o final do Jurássico e o início do Cretáceo. Modificado
de Scotese (2003).

286 Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg
50 50 anos de Geologia

For mação Ichoa, de idade Jurássico/ deram em direção norte/nordeste muito


Eocretáceo, com características faciológicas além da sua atual faixa aflorante.
muitos semelhantes ao Botucatu. O que
não fica claro é a existência de uma conti-
nuidade física entre as formações Botucatu 4. CONSTRUÇÃO DO PALEOERG
e Ichoa, podendo os arenitos terem sido BOTUC
BOTUCAATU
depositados em bacias sedimentares distin-
tas.
O limite norte e nordeste da área de A construção de sistemas eólicos é
ocorrência do Botucatu encontram-se em uma função de três fatores independentes:
território brasileiro, mais precisamente nos (1) suprimento sedimentar, (2) disponibili-
Estados de Mato Grosso, Goias e Minas dade de areia e (3) capacidade de transpor-
Gerais. Dúvidas ainda persistem sobre a te do vento. Juntos, estes fatores determi-
natureza destes limites, se são erosivos ou nam o regime sedimentar do sistema
deposicionais. Provavelmente, a área (Kocurek & Lancaster, 1999). O suprimen-
deposicional dos arenitos eólicos não avan- to sedimentar é o volume de sedimentos
çava muito além dos seus limites atuais. gerado em um determinado intervalo de
Não existe nenhuma evidência de uma con- tempo, que serve como fonte para o siste-
tinuidade física entre a “bacia” do Botucatu ma eólico. Embora alguns sedimentos pos-
e as bacias riftes do nordeste brasileiro, su- sam ser derivados da deflação eólica de
gerindo a existência de altos topográficos rochas, a quase totalidade das areias de ergs
que as separavam fisicamente. tem a sua origem no retrabalhamento pelo
No que se refere à Bacia do Parnaíba, vento de sistemas fluviais/aluviais, costei-
Bigarella (1979) admitiu a existência de uma ros ou lacustres. A disponibilidade de areia
conexão entre os arenitos Botucatu e seca corresponde à suscetibilidade dos
Sambaíba que, em conjunto, constituiriam grãos superficiais de serem transportados
um imenso deserto. Esta hipótese estava pelo vento. Um contexto de alto suprimen-
fundamentada em dois principais fatores: to sedimentar não é suficiente para a cons-
a similaridade de modelos deposicionais e trução de ergs, sendo também necessária
a sucessão estratigráfica, marcada em uma alta disponibilidade de sedimentos. A
ambas as unidades pela sobreposição de capacidade de transporte pelo vento, por
derrames vulcânicos, denominado na Ba- sua vez, refere-se à capacidade que o vento
cia do Parnaíba de Formação Mosquito. No tem para transportar sedimentos, sendo in-
entanto, as rochas vulcânicas da Formação dependente da disponibilidade de areia. A
Mosquito possuem idades K/Ar variando capacidade de transporte está vinculada à
entre 180-200 Ma (Mizusaki & Saracchini, energia do vento, podendo ser expresso
1990), o que torna o Sambaíba mais antigo com uma taxa volumétrica. A capacidade
que o Botucatu, impossibilitando a corre- máxima de transporte ou saturação do flu-
lação entre estas duas unidades. O Cretáceo xo é alcançada em segundos, se existir uma
Inferior está pobremente representado na alta disponibilidade de areia.
Bacia do Parnaíba, sendo os derrames vul- Em termos de suprimento sedimen-
cânicos da Formação Sardinha o único re- tar, a origem das areias do Botucatu per-
gistro remanescente, o que indica que os manece especulativa. A porção sul do
arenitos eólicos do Botucatu não se esten- paleorg é caracterizada por uma paleocor-
rente para nordeste das dunas eólicas

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 287


Instituto de Geociências. Contribuições

(Figura 2) o que sugere uma área fonte de Botucatu ao longo de toda a faixa aflorante
sedimentos a sudoeste. Dessa forma, a hi- leste e norte da bacia (Soares, 1975) sugere
pótese mais provável é que um volume sig- a existência de drenagens locais que trans-
nificativo das areias do Botucatu resulta- portaram sedimentos para o paleoerg.
ram de retrabalhamento de sistemas flu- A disponibilidade de um grande vo-
viais, cuja área fonte estava vinculada a al- lume de areia para construção do paleorg
tos topográficos existentes na borda oci- Botucatu está diretamente vinculada à con-
dental do Gondwana. Segundo Mpdozis & figuração paleogeográfica e paleoclimática
Ramos (1988), a margem oeste da Améri- do Gondwana. A presença de uma ampla
ca do Sul apresentou um arco magmático cadeia de montanhas na borda oriental do
que se estendia de forma contínua desde a Gondwana deve ter impedido que os ven-
Bolívia até o Sul da Patagônia durante o tos provenientes do oeste deslocassem umi-
Jurássico-Cretáceo. Na região de retroarco, dade para o interior do continente, produ-
desenvolveu-se um conjunto de bacias zindo uma ampla faixa de aridez. Além dis-
extensionais que recebeu uma intensa se- so, os ventos provenientes de norte (Mar
dimentação continental. Dentro deste con- de Tétis) adentravam grandes distâncias no
texto, cabe ressaltar a Formação Barrancas, interior do Gondwana, até alcançar a área
aflorante na Bacia de Cuyo e nas regiões deposicional da Formação Botucatu, tor-
vizinhas, que se caracteriza por conglome- nando-se extremamente seco. Desta forma,
rados arroxeados os quais se encontram a existência de uma extensa região árida no
subjacentes a um espesso pacote basáltico interior do Gondwana reduziu a umidade
de idades entre 124 Ma e 131 Ma (Legarreta do substrato, diminuindo a cobertura ve-
et al., 1993). Ainda em território argentino, getal e disponibilizando assim um grande
em direção a leste, os depósitos conglome- volume dos sedimentos aluviais para o
ráticos intercalam-se com arenitos fluviais retrabalhamento eólico.
e eólicos do Grupo Gigantes (Bacia de
Beazley, Rivarola & Di Paola, 1992), suge-
rindo a existência de uma ampla planície 5. ACUMUL AÇÃO DO PALEOERG
ACUMULAÇÃO
aluvial que forneceu suprimento sedimen- BOTUC
BOTUCAATU
tar para o paleoerg Botucatu. Entretanto,
existem algumas evidências que sugerem a
presença de altos topográficos no interior A acumulação eólica refere-se à de-
Gondwana que também serviriam como posição total de sedimentos através do tem-
área fonte de sedimentos. Nos estados do po, gerando um corpo tridimensional de
Paraná, São Paulo e Minas Gerais, os es- estratos que pode ser incorporado ao re-
tratos cruzados da Formação Botucatu in- gistro geológico (Kocurek & Havholm,
dicam uma paleocorrente das dunas eólicas 1993). A existência de dunas eólicas em uma
para sul (Figura 2) (Bigarella & Salamuni, determinada área não implica, necessaria-
1961; Scherer & Goldberg, 2007), sugerin- mente, na acumulação sedimentar. A maio-
do uma área fonte dos sedimentos a partir ria dos campos de dunas e ergs são caracteri-
de sistemas fluviais provenientes da por- zadas somente pela deposição, sem que
ção setentrional da bacia (Cráton do São ocorra cavalgamento de dunas eólicas (i.e.
Francisco?). Em concordância com isto, a areia é depositada na face frontal e a duna
presença de conglomerados e arenitos con- migra, mas nenhuma sucessão vertical
glomeráticos na base da For mação ou acumulação é formada). A acumulação

288 Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg
50 50 anos de Geologia

Figura 2
2. Mapa paleogeográfico da Bacia do Paraná, no final do Jurássico e início do Cretáceo, mostrando o vetor médio dos
estratos cruzados e a posição inferida da zona de convergência intertropical (ZCIT). As setas maiores indicam o sentido dos
ventos previstos pelo modelo geral de circulação atmosférico para o Jurássico Superior (Moore et al., 1992). As paleolatitudes e
a palegeografia foram baseadas em Scotese (2003).

necessita de uma alta disponibilidade de sedimentar negativo ou neutro cessa a


areia e ocorre quando o balanço entre a acumulação eólica, causando o desenvol-
entrada e a saída de sedimentos é positivo vimento de supersuperfícies, definidas
(Maiguet & Chemin, 1983). Um balanço por Kocurek (1988) como superfícies que

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 289


Instituto de Geociências. Contribuições

delineiam o fim da acumulação em uma de- cia de uma ampla bacia topográfica, simi-
terminada área. A arquitetura de fácies do lar ao que é observado hoje nos ergs do
paleoerg Botucatu, marcada pela Saara (Wilson, 1973). Entretanto, o padrão
sobreposição direta de estratos cruzados de ventos existentes na porção central do
de dunas eólicas sem a ocorrência de de- Gondwana, durante o final do Jurássico e
pósitos de interdunas (Scherer, 2000; 2002), início do Cretáceo, consistiu também em
permite classificar esta unidade como um um fator determinante para a acumulação
sistema eólico seco (terminologia de eólica. Conforme ressaltado por Scherer &
Kocurek & Havholm, 1993). Os sistemas Goldberg (2007), o padrão para NE do sen-
eólicos secos representam um contexto tido de mergulho dos estratos cruzados, na
onde o nível do lençol freático encontra- porção sul da área aflorante da Formação
se abaixo da superfície deposicional e ne- Botucatu, indica paleoventos dominantes
nhum fator de estabilização controla a se- que sopravam de SW, enquanto o sentido
dimentação. Sendo assim, todo o sedimen- de mergulho predominantemente para
to no substrato é potencialmente disponí- SSW, na porção setentrional da bacia, su-
vel para o transporte eólico. Os processos gere o predomínio de ventos monsonais
de deposição, bypass e erosão ao longo do oriundos de norte. Por sua vez, a região
substrato são controlados unicamente pela que hoje corresponde ao Estado do Paraná,
configuração aerodinâmica (Kocurek & marcada por uma ampla dispersão do sen-
Havholm, 1993). A acumulação em siste- tido de mergulho dos estratos cruzados,
mas eólicos secos requer, usualmente, um sugere uma zona de convergência de ven-
alto suprimento sedimentar e não ocorre tos, definindo a posição da ITCZ (Figura
até que a superfície deposicional alcance 2). Este padrão convergente gera uma de-
uma condição de saturação de areia (zonas saceleração dos ventos e uma conseqüente
saturadas), marcada pelo cavalgamento de retenção de areia no sistema, favorecendo
dunas eólicas sem o desenvolvimento de a acumulação eólica.
interdunas planas. Para que as condições O término da acumulação eólica e o
de saturação da superfície deposicional se- consenqüente desenvolvimento de uma
jam alcançadas e ocorra a acumulação supersuperfície estão relacionados a um rá-
eólica, é necessário um decréscimo na taxa pido e extenso vulcanismo da Formação
de transporte e/ou um decréscimo na con- Serra Geral. Uma série de feições preser-
centração com o passar do tempo (Kocurek vadas no contato sedimento lava (Figura
& Havholm, 1993). Em sistemas eólicos se- 3) sugere que os derrames vulcânicos da
cos, onde o influxo é constante e a maioria Formação Serra Geral recobriram campos
dos sedimentos é transportada através de de dunas eólicas ativos da For mação
dunas, a desaceleração do fluxo é a causa Botucatu, indicando que não existe um hia-
mais comum do decréscimo na taxa de to temporal entre as duas unidades
transporte e concomitante acumulação. A estratigráficas. Entre as inúmeras evidên-
desaceleração ocorre principalmente em cias de contemporaneidade entre a sedi-
virtude da expansão do fluxo ao adentrar mentação eólica e os fluxos de lavas, pode-
em uma área deprimida (bacia topográfi- se destacar: (1) a preservação dos estratos
ca) ou da convergência de ventos. de dorso das dunas (topset) (Figura 3A), (2)
A ampla área de ocorrência do o desenvolvimento de brechas vulcânicas
paleoerg Botucatu sugere que a desacele- formadas pela interação entre sedimentos
ração do vento esteja associada à existên- eólicos e lavas, formando feições similares

290 Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg
50 50 anos de Geologia

a peperitos (Jerran & Stollhofen, 2002) (Fi- que instantaneamente (dezenas a centenas
gura 3B) e (3) a impressão de feições no de anos?), enquanto o período de acumu-
dorso das dunas durante a movimentação lação eólica envolveu no máximo alguns
das lavas. Entre estas últimas feições, des- poucos milhões de anos. Ou seja, a For-
tacam-se as marcas em crescente, origina- mação Botucatu consiste em um caso sin-
das pela deformação das areias durante o gular, onde a acumulação representa um
avanço de lobos de lavas do tipo pahohoe intervalo de tempo maior que aquele con-
(Scherer, 2002) (Figuras 3C, D) e as estrias tido na supersuperfície.
subparalelas e estreitamente espaçadas, ge-
radas pelo atrito do fluxo de lava sobre as
areias inconsolidadas (Figura 3E). Além 6. PRESERVAÇÃO DO PALEOERG
PRESERVAÇÃO
disso, ocorrem moldes de plaquetas de BOTUC
BOTUCA ATU
basaltos formados pela fragmentação de
uma fina crosta resfriada na porção super-
ficial do fluxo que, durante o avanço da Outro conceito fundamental em sis-
lava, são encrustados nos sedimentos are- temas eólicos é o da preservação, que se
nosos subjacentes (Jerran & Stollhofen, refere ao conjunto de processos necessá-
2002). rios para que uma determinada acumula-
A direção das estrias, aliada ao senti- ção sedimentar seja incorporada no regis-
do da convexidade das estruturas em cres- tro estratigráfico (Kocurek & Havholm,
cente geradas pela movimentação dos lo- 1993). Para que ocorra a preservação de
bos de lavas, pode ser usada como uma sucessão eólica é necessário que a
indicadora de paleofluxo (Scherer, 2002). acumulação seja colocada abaixo do nível
Os dados obtidos indicam que os fluxos de base regional (Kocurek & Havholm,
de lavas canalizavam-se, inicialmente, nas 1993). A equivalência entre espaço de
interdunas (sentido preferencial da acumulação e espaço de preservação que
convexidade das marcas em crescentes para pode ser verificada em contextos marinhos,
SW, enquanto as dunas eólicas migravam não é aplicada para sistemas eólicos secos,
para NE) e avançavam progressivamente onde a acumulação ocorre acima do lençol
sobre o dorso e a face frontal das dunas freático que, em última instância, é o nível
adjacentes, até recobri-las totalmente (Fi- de base em sistemas desérticos. Sendo as-
gura 3F). sim, uma fração significativa da acumula-
A supersuperfície que limita o topo ção eólica da Formação Botucatu não se-
da Formação Botucatu difere de forma ria incorporada ao registro geológico se um
substancial dos modelos existentes, prin- vulcanismo estocástico e catastrófico não
cipalmente, no que se refere ao tempo de tivesse ocorrido na porção sul do
formação. Conforme discutido por Loope Gondwana durante o início do Cretáceo.
(1985) e Havholm & Kocurek (1994), a ge- Devido ao recobrimento das dunas eólicas
ração de supersuperfícies envolve alguns pelos derrames vulcânicos e a posterior
milhares de anos, abrangendo, normalmen- subsidência flexural decorrente do peso da
te, um intervalo de tempo significativamen- pilha vulcânica, toda a acumulação foi in-
te maior que aquele contido na acumula- corporada ao registro geológico, inclusive
ção do pacote eólico. No entanto, ao con- o intervalo que estava, inicialmente, situa-
trário disso, a supersuperfície em interesse do acima do espaço de preservação (Figu-
foi formada, em termos geológicos, quase ra 4).

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 291


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3.
3 Feições de interação sedimento-lava no contato entre as formações Botucatu e Serra Geral. (A) Duna linear (vista
transversal ao fluxo) preservada pelos fluxos de lavas; (B) Brechas vulcânicas geradas pela interação entre as lavas e sedimentos
inconsolidados; (C) Marcas em crescente geradas pela deformação dos sedimentos arenosos eólicos de dorso de duna por lobos
de lavas pahohoe; (D) Detalhe das marcas em crescente, observe que entre as marcas em crescentes as marcas onduladas eólicas
são inteiramente preservadas pela lava; (E) Estrias geradas pelo atrito da lava sobre sedimentos arenosos eólicos; (F) Modelo de
recobrimento das dunas eólicas pelas lavas basálticas, as lavas fluíam inicialmente ao longo dos corredores de interdunas e
recobriam progressivamente o dorso e a face frontal das dunas eólicas.

292 Claiton Marlon dos Santos Scherer, Luis José Tomazelli, Karin Goldberg
50 50 anos de Geologia

Figura 4
4. Diagrama mostrando o espaço de preservação existente antes (A) e depois (B) das extrusões dos derrames basálticos. O
espaço de preservação foi substancialmente aumentado em decorrência da subsidência flexural causada pelo peso das rochas
vulcânicas.

Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 293


Instituto de Geociências. Contribuições

7. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES Ponçano, W.L. (Ed.). Mapa geológico do
Estado de São Paulo: nota explicativa. São
Paulo, Instituto de Pesquisas Tecnológicas. v.1,
O registro do paleoerg Botucatu res- p. 46-77.
ponde a uma sucessão de eventos que po- Bigarella, J.J. & Salamuni, R. 1961. Early
dem ser sintetizados em três fases distin- Mesozoic wind patterns as suggested by dune
tas: (1) a de construção, (2) de acumulação bedding in the Botucatu Sandstone of Brazil
e (3) de preservação. A construção do and Uruguay. Geological Society of America
paleoerg é resultado de um alto suprimen- Bulletin, 72:1089-1106.
to sedimentar, associado à presença de con- Bigarella, J.J. 1979. Botucatu and Sambaiba
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Como nesse tipo de sistema, o lençol communities of eastern and western
freático encontra-se abaixo da superfície Gondwana. Geores. Forum, 1:427-432.
deposicional, a acumulação eólica é con-
trolada somente pelas condições aerodinâ- Clérici, A.M.; Suguio, K. & Fúlfaro, V.J. 1986.
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Gondwana associada a um padrão de con- Ferrando, L. & Montana, J.R. 1988. Hipotesis
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Boletim de Resumos... Salto. v.1, p. 76-79
podem ser atribuídos ao extenso vulcanis-
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Construção, Acumulação e Preservação do Paleoerg Botucatu 297


1
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
4
Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

H Hidrodinâmica e Sedimentologia
das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul

Elirio Ernestino Toldo Júnior1, Luiz Emílio Sá Brito de Almeida2,


Luiz Roberto Silva Martins1, Nelson Luiz Sambaqui Gruber1, Carla Ennes de Barros1,
João Luiz Nicolodi3, Leandro Farina4, José Carlos Nunes2

1. INTRODUÇÃO

O estado do Rio Grande do Sul tem uma extensa costa com orientação uniforme
NE-SW e uma pequena sinuosidade, ao longo de 630 km. Esta consiste de depósitos
Quaternários inconsolidados que não recebem contribuições de areias modernas (Martins et
al., 1973), pois toda carga de tração transportada pelos rios é retida nas lagunas e outros
ambientes costeiros, como por exemplo, a Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim, que se estendem
por uma área de 13.750 km2, aproximadamente um terço da Planície Costeira do estado
(Tomazelli e Villwock, 1992, Toldo et al. 2000). A Plataforma Continental é larga, com 150 a
200 km de extensão, apresentando profundidades máximas variando entre 100 e 140 m e
suave declividade da ordem de 0,5 a 1,5m/km (Martins & Corrêa, 1996). A antepraia é exten-
sa e rasa, com limite externo entre as profundidades de 10 e 15 m, e constituída por depósitos
arenosos.
Os sedimentos do sistema praial – campo de dunas, pós-praia, zona de surfe e
antepraia (Figura 1) – consistem principalmente de areias finas bem selecionadas; tamanho
médio de 0.2 mm, (Martins, 1967; Martins & Corrêa, 1996, Siegle 1996; Nicolodi et al., 2002;
Gruber 2002), exceto ao longo de 60 km no Litoral Sul onde ocorrem sedimentos bimodais
devido à presença de cascalho biodetrítico (Calliari & Klein, 1993). Incidem sobre a costa
ondulações geradas no Oceano Atlântico Sul e vagas geradas pelos fortes ventos locais de
verão e primavera, provenientes de NE. Exceto pela passagem das frentes frias de S e SE, a
agitação marítima é caracterizada por ondas de média a elevada energia, com altura significa-
tiva de 1,5 m e período entre 7 e 9 s. A maré astronômica é semi-diurna, com amplitude média
Instituto de Geociências. Contribuições

de 0,25 m, sendo que a maré meteorológica de 1963 e 1996 no Litoral Norte do estado
pode alcançar 1,20 m (Almeida et al., 1997). (Almeida et al., 1999). Conseqüentemente,
A profundidade de fechamento é estimada o transporte e a deposição dos sedimentos
em 7,5 m, calculada com base em dois con- ao longo da costa são primariamente domi-
juntos de dados de ondas coletados nos anos nados pela ação da onda.

Figura 1.
1 Vista aérea para o norte a partir da Praia de Capão da Canoa, onde se observa o perfil dissipativo - banco e cava
longitudinal, o canal principal no meio da extensa zona de surfe, e a descontinuidade da primeira linha de quebra da onda nos
locais onde ocorrem as correntes de retorno (Fotografia Sidnei Zomer, 1996).

2. AGITAÇÃO MARÍTIMA E MARÉS


AGITAÇÃO estimativa da onda máxima resultou na pre-
visão de uma altura de 7 m para um interva-
lo de tempo de recorrência de 30 anos. Nos
Os dados analisados por Wainer dados de ondas adquiridos do fundeio do
(1963), indicam altura significativa mais fre- ondógrafo entre Fevereiro e Outubro de
qüente de 1,5 m e período médio de 8 s, 1996 (Figura 2), foi identificada uma altura
observados entre 5 e 17 s, em Tramandaí.. significativa de 1,44 m e período significati-
Esta altura significativa ocorre associada tan- vo de 8,29 s (Almeida & Toldo, 1997).
to às vagas como às ondulações, e apresen- Em estudos de arquivo de dados de
ta freqüência de 23%, enquanto que as altu- ondas adquiridos entre outubro de 1996 e
ras significativas superiores a 2,0 e 2,4 m agosto de 1997 com ondógrafo direcional
ocorrem durante 16% e 3% do tempo, res- instalado próximo aos molhes de Rio Gran-
pectivamente. A direção predominante de de, a uma profundidade de 15 m ao norte
incidência foi dos quadrantes E e SE, e a da desembocadura da Lagoa dos Patos, Coli

300 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 2.
2 Fundeio do ondógrafo direcional Dataweel a 18 m de profundidade na Praia de Tramandaí (Fotografia Luiz Emílio S. B.
Almeida, 1996).

(2000) observou que a onda característica na margem esquerda da barra do rio


de curto prazo teve altura significativa entre Tramandaí.
1 e 1,5 m, com freqüência de 41% e período Segundo Almeida et al. (1997), com
entre 5 e 6 s, com freqüência de 73%. A base em séries medidas em um curto perío-
direção de onda incidente de E, SE e S re- do de tempo, a maré prevista neste local é
presentam 99% das observações, sendo a do tipo mista semi-diurna, com valores de
direção de SE a predominante, com 58% amplitude máximos da ordem de 0,32 m,
dos registros. As situações de calmaria apre- ao passo que a altura média da maré astro-
sentam-se em geral com ondas menores que nômica é da ordem de 0,30 m. Além dos
0,5 m e correspondem a 1% do total dos registros de campo, são publicadas informa-
registros. Com relação às alturas máximas, ções sobre a amplitude das marés pela Di-
a média das maiores ondas possui 3,2 m e retoria de Hidrografia e Navegação. Estas
período de 7 s, provenientes de SE e fre- publicações apresentam previsões de ampli-
qüência de 1%. A máxima onda individual tudes máximas da ordem de 0,60 m, valor
registrada aconteceu em 8 de Junho de 1997, distinto daquele citado por Almeida (op. cit.).
com registro de uma ondulação de 7,0 m e A análise dos registros mostra gran-
período de 11,8 s. des diferenças entre a maré prevista e a maré
Estudos da maré astronômica foram registrada, devido à influência dos fatores
conduzidos entre 1996 e 1997 através da meteorológicos, principalmente, quando da
instalação de marégrafo Anderaa, modelo passagem de frentes de baixa pressão que
WLR7, no trapiche da Petrobrás, localizado provocam elevações de nível da água. Estas

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 301


Instituto de Geociências. Contribuições

elevações, denominadas de maré de intensidade e direção do vento, atingin-


meteorológica ou ressacas, atingem três ve- do os valores máximos aproximadamente
zes o valor dos níveis de preamar normais entre 1 e 2 horas após os picos de suas velo-
para a região, e além de causar a elevação ou cidades.
abaixamento do nível do mar, podem cau-
sar o atraso ou adiantamento dos instantes
de ocorrência das preamares e baixa-mares. 3. PERFIL PRAIAL E CORRENTES
Nestas condições, as preamares e as baixa- LONGITUDINAIS
mares poderão ser mais altas ou mais bai-
xas do que as alturas previstas.
Apesar de comuns nesta região, estas Dados coletados no campo durante a
frentes frias raramente provocam elevações execução de projetos de pesquisa sobre a
de níveis da água tão grandes como as que hidrodinâmica costeira, permitiram o esta-
se verificaram em abril de 1997. No dia 07 belecimento da distribuição direcional, bem
deste mês, foi registrado um evento com como das velocidades destas correntes para
elevação de 1,2 m do nível do mar associa- a praia de Tramandaí. Os dados de ondas
da à passagem de uma frente proveniente coletados entre 1962 e 1963 indicam que as
de S e SE. direções de aproximação das cristas das on-
Além dos estudos do campo das são praticamente paralelas à costa, sen-
ondulatório ao longo do litoral do estado, do que 60% dos ângulos de incidência
também foram desenvolvidas e aplicadas perpendiculares à linha de praia ocorrem
modelagens matemáticas para o estabeleci- desde 19° N a 11° S, caracterizando a
mento do padrão de ondas na Lagoa dos obliqüidade das ondas e conseqüentemente
Patos (Toldo et al., 2000a) e no Lago Guaíba o padrão de correntes para NE ou SW que
(Nicolodi, 2007). Com base em medidas de se desenvolvem no interior da zona de sur-
ventos durante todo o ano de 1988, obser- fe, ou seja, na faixa compreendida entre a
va-se que os ventos nordestes prevalecem primeira linha de rebentação e a linha de
no verão e primavera, e desta forma a dire- praia.
ção das ondas dominantes no lado ociden- Os dados específicos recentes da di-
tal da laguna é NE e ENE com média das reção da corrente longitudinal foram obti-
alturas de ondas significativas entre 0,5-0,7 dos junto a Plataforma de Pesca na praia de
m e períodos entre 2,7-3,3 s. No lado orien- Tramandaí, diariamente às 08:00 h, 12:00 h
tal da laguna os ventos prevalecentes são de e 16:00 h, desde Janeiro de 1996. Os resul-
WNW e WSW. Durante o inverno e outo- tados indicam a existência de correntes lon-
no, os ventos produzem as maiores alturas gitudinais distribuídas de modo muito re-
máximas na laguna com valores de 1,6 m e gular, tanto para SW, como para NE, num
período de 4,8 s, e alturas de ondas signifi- padrão claramente bidirecional. Segundo
cativas entre 0,4-0,8 m e períodos entre 2,4- Nicolodi et al. (2000), entre 1996 e 1997
3,4 s. ocorreu um pequeno domínio da corrente
No Lago Guaíba as maiores ondas para SW, com valores médios de 62,8 e
modeladas atingiram 0,55 m, principalmen- 54,8%, respectivamente, enquanto que en-
te quando de ventos soprando dos tre 1998 e 1999 observou-se uma inversão,
quadrantes S e SE e em intensidades supe- com a corrente para NE apresentando va-
riores a 7 m/s. Em linhas gerais, neste cor- lores da ordem de 54 e 51,2%. Também,
po d’água, as ondas acompanham os padrões pode-se afirmar que essa bidirecionalidade

302 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

tem uma componente sazonal, governada em valores da ordem de 0,9 m/s (Toldo et
pelas variações dos parâmetros climáticos. al., 1993). Esses valores mostram-se coeren-
Nos meses de Outubro à Março é marcante tes com os valores de velocidades previstos
o predomínio de correntes para SW. Entre a partir do ângulo de incidência e altura da
os meses de Maio e Agosto o domínio é das onda na rebentação. Essas correntes atin-
correntes para NE. gem as maiores velocidades ao longo do
Medidas de velocidades das corren- canal principal dentro da zona de surfe (Fi-
tes longitudinais na zona de surfe da praia gura 1). A posição e a profundidade do ca-
de Tramandaí, para ondas com altura de 1,79 nal têm sido mapeadas com emprego de tre-
m e ângulo de incidência de 10°, resultaram nó visto na Figura 3 (Martins et al., 1998).

Figura 3.
3 Trenó para medidas do relevo do fundo da zona de surfe, empregado em levantamentos das praias do litoral norte do
estado (Fotografia Elírio Toldo Jr., 1997).

Com a migração dos bancos externo bancos em direção à praia, durante a inci-
e interno para mar aberto, durante os even- dência de ondulações com alturas inferio-
tos de tempestades, o canal principal pode res a 1,4 m em média (Toldo et al., 1999a), o
alcançar profundidades superiores a 3 m, canal principal apresenta profundidades
típica em perfis de praias dissipativos, co- menores que 3 m, e se posiciona próximo à
muns ao longo do litoral do estado (Calliari linha de praia, por vezes junto a essa linha e
et al., 2006). Sob essas condições, o canal se com profundidades variáveis.
posiciona em média a 200 m da linha de
praia. Ao contrário, com a migração dos

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 303


Instituto de Geociências. Contribuições

4. CORRENTES COSTEIRAS zado fundeio de dois mini-correntógrafos


SD 6000, a 18 m de profundidade, e
correntógrafos posicionados a 5 e 15 m do
As correntes costeiras presentes além fundo (Almeida & Toldo, 1997).
da zona de rebentação, ao largo, se consti- Os dados de direção e velocidade das
tuem em um fenômeno importante para o correntes representam a dinâmica das
litoral do Rio Grande do Sul, uma costa interações dos ventos e das marés sobre as
oceânica aberta e isenta de obstáculos à pro- massas de águas costeiras, as quais respon-
pagação destas correntes que podem ser dem rapidamente a estas forçantes com as
induzidas pelos ventos locais e tanto pela componentes de direções principais parale-
maré astronômica como pela maré las à costa e velocidades máximas de 75 cm/
meteorológica. Registros de correntes cos- s (Figura 4), para as correntes de superfície
teiras por instrumentos foram obtidos du- em 1996. Segundo Almeida & Toldo (1997),
rante a execução do projeto Estudos as principais direções das correntes de su-
Ambientais em Áreas Costeiras e Oceâni- perfície e de fundo apresentam componen-
cas na Região Sul do País, quando foi reali- tes com direções NNE e SW.

Figura 4
4. Intensidade e direção das correntes costeiras medidas a 5 m da superfície, em local com profundidade de 18 m, no mês
de julho de 1996 (Almeida & Toldo, 1997).

304 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

5. MAPEAMENTO D AS ZONAS
DAS ao longo da praia monitorada. Entre todos
DE EROSÃO E DEPOSIÇÃO os indicadores possíveis de serem emprega-
dos na área de estudo, a linha da água é o
mais prático, principalmente, por causa de
O mapeamento das mudanças da li- sua continuidade e também porque se cons-
nha de praia é realizado ao longo de toda a titui num indicador que possibilita a repeti-
costa com base em coleções de fotografias ção das medidas. Segundo Morton & Speed,
aéreas e levantamentos anuais com DGPS (1998, apud: Pajak & Leatherman, 2002), a
desde 1997. O plano para o levantamento principal desvantagem é que a linha não é
da linha de praia com DGPS consiste em um indicador morfológico. É um indicador
medir a posição do perfil longitudinal da li- que não mantém o mesmo plano horizon-
nha da água, tomado-o como perfil repre- tal ao longo do tempo. Os principais erros
sentativo da posição da linha de praia. Em decorrentes desse modo de levantamento da
1997, o trabalho de campo foi desenvolvi- linha de praia estão associados à amplitude
do com um par GPS, modelo GARMIN 100 das marés astronômica e meteorológica, ao
Personal Surveyors, com precisão de 10 e 3 run up e as variações da declividade da face
m para os equipamentos que operavam no praial.
modo de navegação e no modo estático, res- A linha de praia, determinada em
pectivamente. 1997, foi comparada com a linha de praia
No trabalho de campo foi instalado obtida da coleção de cartas do exército, es-
um equipamento DGPS em um veículo que cala 1:50.000, as quais são uma restituição
se desloca a uma velocidade de 50 km/h de um levantamento aerofotográfico reali-
junto à linha da água, a uma velocidade de zado em 1975. A análise temporal entre es-
50 km/h. Enquanto que outro equipamen- tes dados foi desenvolvida através de técni-
to GPS, no modo estático, foi posicionado ca de geoprocessamento usando software
em locais previamente estabelecidos na costa IDRISI (Clark University). Para a análise
e separados 100 km um do outro, de modo temporal desses 22 anos (1975-1997), não
a cobrir a área e incrementar a precisão dos foram consideradas as variações menores
dados. A taxa de aquisição para ambos os que 20 m, por não se dispor de dados para
equipamentos foi de 5 s, a qual permitiu a controle das variações da altura da onda,
geração de arquivos que após processados, maré e declividade da face praial durante os
estabeleceram uma linha do litoral com pre- levantamentos.
cisão de 3 m (Toldo et al., 1999b; Toldo & Os resultados da análise temporal de
Almeida, 2003a). 22 anos (1975-1997), mostraram que 442 km
A linha da água adotada nos levanta- da linha de praia caracteriza-se pela retração,
mentos de campo corresponde à linha de 173 km pela progradação e 6 km não apre-
espraiamento da onda ou linha de swash. Para sentam variações significativas. Os proces-
as praias oceânicas do Rio Grande do Sul, a sos erosivos, com taxas médias maiores que
linha está situada a aproximadamente 16 m 80 m, estendem-se através de 257 km, en-
do nível médio do mar, tendo em conside- quanto que as áreas progradacionais apre-
ração as características de altura (Ho = 1,5 sentam pequenos valores (Toldo et al., 1999b;
m) e o comprimento da onda em águas pro- Esteves et. al., 2002).
fundas (Lo = 80 m), bem como a declividade
média da face praial (1/30). A Figura 5 mos-
tra que essa feição é facilmente identificada

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 305


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 5
5. Levantamento da linha de praia com sistema de posicionamento global – GPS, fixado em um veículo que se desloca ao
longo da linha de água associada ao espraiamento da onda (Fotografia Elírio Toldo Jr., 1998).

6. ESTIMATIV
ESTIMATIVA DO TRANSPOR
TIVA TE
TRANSPORTE conjunto de dados de ondas obtidos em mar
LITORÂNEO aberto, registrados por navios comerciais e
organizados por Hogben e Lumb (1967),
aplicou-se o Método do Fluxo de Energia
O trabalho realizado por Lima et al. (U.S. Army, 1984) para estimar o potencial
(2001) teve por objetivo estimar de transporte litorâneo causado pelas on-
quantitativamente o potencial de transpor- das.
te longitudinal de sedimentos para a costa A estimativa matemática tem por base
gaúcha, através da aplicação do método do a fórmula do CERC, onde o cálculo do flu-
fluxo de energia das ondas incidentes. O xo de energia paralelo à praia e a correspon-
cálculo foi realizado ao longo de cada tre- dente deriva litorânea são obtidos da rela-
cho de reta que represente a orientação pre- ção empírica entre a componente do fluxo
dominante da linha de praia. A divisão dos de energia da onda que entra na zona de
630 km de costa em oito trechos foi feita rebentação e o peso submerso da areia em
com base na linha de praia estabelecida em movimento (U.S. Army 1984). Ambos têm
1997 por DGPS, e o alinhamento utilizado unidades de força por unidade de tempo,
foi o azimute da reta traçada. assim: Il = K.Pl.s, onde Il é a taxa de trans-
A partir de um conjunto de dados porte, K é um coeficiente adimensional, e
sedimentológicos e morfológicos de perfis Pls o fluxo de energia paralelo à praia. Este
praiais existentes, para estimar o coeficiente modelo prediz uma variação significativa
de proporcionalidade entre a energia das do fluxo de energia na zona de rebenta-
ondas e o transporte de sedimentos e de um ção devido às pequenas mudanças nos

306 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

alinhamentos costeiros, e, por conseguinte, 7. CONCENTRAÇÃO DE MINERAIS


no potencial de transporte. PESADOS DAS PRAIAS DO LITORAL
DAS
Em águas rasas, as ondas incidentes MÉDIO E NORTE
NORTE
apresentaram a seguinte distribuição
direcional: 30% e 9% provenientes do
quadrante de NE e S, respectivamente. As Existe também o registro da deriva
ondas de NE são de menor altura, geradas litorânea, com resultante para NE, na com-
por ventos locais, e são responsáveis por posição das areias do pós-praia, ao longo
menos que 2% do transporte bruto de sedi- de todo litoral médio. Barros et al. (2005),
mento, enquanto que as correntes litorâ- em estudos da concentração dos minerais
neas geradas pelas ondulações incidentes do pesados obtidos em amostras coletadas a
quadrante S exibem comportamentos cada 20 km nessas praias, identificou altas
episódicos de elevada energia e são respon- concentrações à barlamar nos segmentos
sáveis por mais que 30% do transporte de praiais subseqüentes do litoral médio e nor-
sedimento. Segundo Lima et al. (2001), a fre- te do estado.
qüência dessas ondas e seu potencial de A distribuição modal dos minerais
transporte levam a conclusão que são even- pesados (MP) ocorre no intervalo de areia
tos raros e de elevado potencial erosivo. Em muito fina. Esta mineralogia é composta
outras palavras, o grupo de ventos locais de: zircão, turmalinas, rutilo, ilmenita,
predominantes NE, NNE e ENE gera va- magnetita, epidotos, silimanita, cianita,
gas com pequena capacidade de transporte estaurolita, granadas, anfibólios, piroxênios
e, mesmo com freqüências consideráveis, e apatita.
não respondem por grandes modificações A partir dos picos de concentração de
na linha de praia. Por outro lado, as ondas MP é possível observar um decréscimo ge-
geradas por ventos dos quadrantes SSW, SW ral de sul (São José do Norte) para norte
e WSW estão associadas a fenômenos de (Torres). Ao longo desta faixa litorânea ob-
tempestades e são registrados com maior serva-se também que a distribuição de MP
freqüência nos meses de Inverno. pode ser agrupada em 5 faixas ou segmen-
Segundo Tomazelli & Villwock tos da linha de praia, do seguinte modo:
(1992), uma deriva litorânea com direção Farol da Conceição (1), Farol de Mostardas
resultante para NE é evidente em muitos (2), Farol da Solidão (3), Tramandaí (4) e
dos depósitos costeiros presentes ao lon- Remanso (5).
go do litoral do Rio Grande do Sul, em Também, observa-se que cada seg-
particular nas desembocaduras dos siste- mento apresenta um decréscimo na concen-
mas lagunares. Os resultados da estimati- tração de minerais pesados, de sul para nor-
va, obtidos do cálculo do potencial de te. A maior quantidade de minerais pesados
transporte de litorâneo (Lima et al., 2001), encontra-se na faixa entre Mostardas e Es-
estão em acordo com as observações treito, com picos de 9,6% de MP no Farol
geomorfológicas descritas ao longo do li- da Conceição e 15% de MP no Farol de
toral. Mostardas. Entre Cidreira e São Simão, o
pico é de 4,5% de MP, junto ao Farol da
Solidão. Entre Torres e Tramandaí, o pico é
de 3,2% de MP, em Remanso.
Cada um destes segmentos mostra
uma forte correspondência com a mudança

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 307


Instituto de Geociências. Contribuições

de alinhamento da linha de praia. A partir atuando sobre o litoral desde o último even-
dos teores de pesados, percebe-se, de sul to transgressivo, ao longo dos últimos 5ka
para norte, a existência de 5 picos de con- (Dillenburg et al., 2000).
centração. Estes picos de minerais pesados
coincidem com os mesmos locais onde fo-
ram identificadas mudanças no alinhamen- 8. VARIABILID
VARIABILIDADE D
ARIABILIDADE A ANTEPRAIA
DA
to da costa e na taxa da capacidade de trans- NO LITORAL MÉDIO
porte longitudinal.
Nestes segmentos, Lima et al. (2001)
observou que existe uma diferente taxa de A topografia da antepraia ao longo do
deriva litorânea, controlada pelo ângulo de litoral médio consiste de uma larga área com
incidência da onda, principalmente, aquela superfície de fundo plana e declividade sua-
proveniente do quadrante sul. Também foi ve, da ordem de 1:100. Essa uniformidade
observado que ao final de cada alinhamen- morfológica é modificada nas proximidades
to ocorre um engarrafamento da deriva li- das praias de Mostardas e Dunas Altas, onde
torânea, de modo a produzir extensos de- a largura da antepraia passa dos seus valo-
pósitos arenosos no sistema praial (Toldo et res médios de 1 km para mais de 3 km. Es-
al., 2003b). Nestes locais foram registradas sas duas praias estão localizadas, onde ocorre
as menores concentrações de minerais pe- inflexão da linha de costa, ou seja, mudança
sados, ao passo que no início do segmento do alinhamento da praia entre 10º e 12º (Fi-
seguinte, devido à aceleração da deriva lito- gura 5). A isóbata de 10 m foi utilizada como
rânea, são observados campos extensos de limite externo da antepraia. Esse limite foi
processos erosivos e que neste trabalho iden- definido com base no cálculo da profundi-
tifica-se através do elevado teor de minerais dade de fechamento de 7,5 m (Almeida et
pesados. al., 1999) e nos dados batimétricos disponí-
Estes picos de concentração de mi- veis da carta do Ministério da Marinha de
nerais pesados encontram-se nas áreas de 1963.
erosão de praia, medida nos últimos 25 anos O mapeamento das zonas de erosão
(Toldo et al., 1999b). Estes locais coincidem e deposição, tanto em praias específicas,
com os maiores teores de minerais pesados. como ao longo do litoral médio, mostra ex-
Estes picos de minerais pesados são encon- tensivo processo de retração da linha de
trados nos locais de maior taxa de erosão, praia (Alvarez et al., 1981; Tomazelli et al.,
demonstrando que a concentração dos pe- 1996; Calliari et al. 1996, Toldo et al., 1999b;
sados está intimamente relacionada a áreas Tozzi, 1999; Barleta, 2000; Esteves et al.,
de erosão atual. 2002; Dillenburg, 2004). As elevadas taxas
Soma-se a erosão por deriva litorânea de erosão nesses trechos podem estar em
à concentração da energia de ondas (Calliari parte, relacionadas ao fato do litoral médio
et al., 1998; Calliari & Speranski, 2002; estar mais expostos ao ataque das ondas
Barletta & Calliari, 2003) pelo processo de provenientes do quadrante S, o que resulta
refração, presentes nos segmentos de Mos- num incremento no fluxo de energia para-
tardas e Farol da Conceição. Este fenôme- lelo à praia. Também, esse fluxo de energia
no amplifica o processo de erosão e a con- e o relacionado ao transporte de sedimen-
centração de minerais pesados. Estes pro- tos paralelo à praia, decrescem de sul para o
cessos de curto período associados à deriva norte com valores de 2,9 milhão m³/ano,
litorânea e refração de ondas, podem estar 2.3 milhão m³/ano e 1,5 milhão m³/ano, a

308 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

sul de Mostardas, a sul de Dunas Altas e a inverno. Segundo Tozzi (1999), a pista de
norte de Dunas Altas, respectivamente vento formada no posicionamento da zona
(Lima et al., 2001). Dette (2001), em estu- Polar Atlântica e o gradiente da Alta Tropi-
dos dos processos morfológicos e cal direcionam os ventos de sul, gerados nos
sedimentológicos ao longo de 40 km de praia sistemas frontais, sobre o litoral da Argenti-
no mar Báltico, identificou um acúmulo de na, Uruguai e Rio Grande do Sul. As carac-
sedimentos em locais de inflexão da linha terísticas desse padrão de circulação, inten-
praia. A redução do fluxo de transporte, sificado por ventos fortes de sul e sudeste,
devido a mudanças no alinhamento da cos- sobre a antepraia consiste de dois segmen-
ta, implica num engarrafamento da deriva tos, um jato direcionado para nordeste e,
litorânea. Isto significa que parte dos sedi- nessa extremidade, uma larga pluma de dis-
mentos provenientes de barlamar serão de- persão com giro no sentido horário.
positados nestes locais de inflexão e parte Uma fração da carga de suspensão
poderá ser redirecionada para a antepraia. proveniente da zona de surfe é incorporada
O processo descrito por Dette (2001) pela antepraia todos os anos, em condições
aplica-se ao balanço dos sedimentos ao lon- de desenvolver um banco de areia de exten-
go do litoral médio. Desse modo, parte do sões como aquele observado pela projeção
volume de sedimentos que foi erodido a sul da isóbata de 10 m em direção ao mar aber-
não é transferido para o trecho adjacente, à to, nas adjacências das praias de Mostardas
sotamar, e se deposita no sistema praial. e Dunas Altas. Esses largos bancos de areia
Aproximadamente, 0,6 e 0,8 milhões de m³/ têm sido descritos como shoal-retreat massifs
ano ficam retidos nas inflexões da linha de por Swift & Sears (1974, apud: Dyer e
praia nas praias de Mostardas e Dunas Al- Huntley 1999).
tas, respectivamente (Figura 5). Essas depo- Também, o processo físico que con-
sições geram modificações espaciais com trola a formação e evolução do jato costei-
amplas mudanças volumétricas, tanto do ro não foi explorado completamente, mas
campo de dunas costeiras quanto da boa correlação é encontrada entre a área de
antepraia. crescimento sobre a antepraia, por mais de
Além desses elementos morfológicos 2 km para mar aberto, e a extensão do jato
e sedimentológicos, foram identificados pro- costeiro sobre essa área, como observado
cessos hidrodinâmicos específicos associa- na imagem de satélite.
dos com as mudanças no alinhamento da Outras duas correlações, também re-
costa, como descrito a seguir. Análises de forçam a mecânica desse processo de
imagem de satélite nessa área revelam a pre- progradação. Barros et al. (2005) observa-
sença de um padrão de circulação de curto ram as mais baixas concentrações de mine-
período sobre a antepraia e sugerem que, rais pesados nas adjacências das inflexões
em algumas instâncias, esta corrente pode da linha de praia, locais onde ocorre a redu-
conduzir para a antepraia, por difusão, par- ção do fluxo de energia das ondas, deposi-
te dos sedimentos que se encontram em ção de sedimentos e progradação da zona
suspensão dentro da zona de rebentação. costeira. Absalonsen & Toldo (2005) verifi-
Um jato costeiro episódico pode estar asso- caram a progradação desses locais com no-
ciado a esse processo de difusão (Toldo et vos levantamentos de posição da linha de
al., 2003b; Nicolodi et al., 2003), e sua ocor- praia.
rência e evolução está associada à passagem
de frentes frias, principalmente durante o

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 309


Instituto de Geociências. Contribuições

9. VARIABILID
VARIABILIDADE DO C
ARIABILIDADE AMPO
CAMPO 10. ANTEPRAIA DO LITORAL NORTE
NORTE
DE DUNAS COSTEIRA NO LITORAL
MÉDIO
Tanto o setor costeiro quanto a plata-
forma continental do Rio Grande do Sul,
Em artigo publicado em 2000, possuem um bom nível de reconhecimen-
Tomazelli et al. descreveram os depósitos de to, diferentemente do quase desconhecido
praia oceânicos associados ao sistema lagu- setor de antepraia, aqui definido desde a
na-barreira IV, a barreira mais recente da zona de arrebentação até -15/-20 m. Dados
planície costeira do Rio Grande do Sul, for- de geologia, batimetria e sonografia, deta-
mada durante o Holoceno. Esse sistema as- lhados pelo projeto PETROBRAS/UFPR/
sociado ao da laguna-barreira III, separam UFSC/FURG/UFRGS, permitiram deter-
a Lagoa Patos do oceano. Segundo esse au- minar os limites de dinâmica e os aspectos
tor, sobre o sistema laguna-barreira IV de- evolutivos da antepraia junto aos sistemas
senvolve-se extenso campo de dunas cos- praiais e de plataforma, numa seção de 80
teiras, formadas, principalmente, por dunas km, ao longo, e de 30 km, ao largo do litoral
barcanóides. norte do estado, até os -50 m de profundi-
As mudanças na largura da antepraia dade. As análises estão embasadas em 6 per-
e do campo de dunas costeiras ocorrem do fis perpendiculares e 8 longitudinais à cos-
mesmo modo ao longo do litoral médio: a ta, com 887 km de perfilagem batimétrica
região com maior largura da antepraia tam- de detalhe, 770 km de sonografia, 11 perfis
bém está associada com a região onde ocorre batimétricos de antepraia, além de 284 amos-
a maior largura do campo de dunas. Em tras sedimentares da plataforma continen-
ambos, a largura é pronunciada como indi- tal e de 27 testemunhos, com 23,31 m de
cam as suas medidas (Figura 5). A largura seção (Gruber, 2002; Gruber et al., 2003).
média do campo de dunas muda de menos As características da antepraia da área
de 1 km para mais de 6 km ao longo das de estudo configuram-se pela interação da
praias de Mostardas e Dunas Altas, respec- dinâmica marinha e da morfologia da plata-
tivamente (Toldo et al., 2006b, 2006c). forma continental, num condicionamento
Devido ao grande volume de sedi- dado, tanto pela herança geológica quanto
mentos transportados pela deriva litorânea, pela morfodinâmica marinha atual,
com direção resultante para NE, e ao en- reproduzida na distribuição sedimentar e nas
garrafamento de parte desse volume junto feições de fundo. A aplicação do conceito
às inflexões da linha de costa em Mostardas de perfil de equilíbrio praial (Dean, 1977)
e Dunas Altas, a acumulação dessa areia tor- revelou, nos ajustes dos perfis, que estes sis-
na-se uma importante fonte de sedimentos temas praiais encontram-se em equilíbrio no
para o desenvolvimento da antepraia bem envelope de sedimentos, apontando para
como do campo de dunas costeiras. Em res- praias dissipativas, com o fator forma “m”
posta aos fortes e freqüentes ventos de NE, ajustado em 0,74, parâmetro “A” entre 0,063
o transporte eólico é muito ativo, o que faz e 0,0714, e Md de 2,67 a 3,34 Ô. Apesar da
as dunas de areia migrar para o interior da pequena extensão do segmento, grandes
planície costeira, na direção SW (Tomazelli variabilidades foram identificadas, refletin-
et al., 2000), desenvolvendo extensos cam- do as tendências de erosão atribuídas ao li-
pos de dunas, principalmente em Mostar- toral norte do estado. Foram caracterizados
das e Dunas Altas (Figura 6). três setores morfodinâmicos: Norte,

310 Elirio Ernestino Toldo Júnior et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 6.
6 Imagem do litoral do estado com destaque para as inflexões da linha de praia em Mostardas e Dunas Altas. A imagem
mostra também o alargamento do campo de dunas nessas duas praias (Banco de Imagens da NASA).

Centro e Subsetor transicional Centro-Me- Centro-Meridional, como erosional. Corre-


ridional. Variações transversais à praia mos- lação dos mapas texturais, parâmetros esta-
tram três zonas de dinâmica distinta: zonas tísticos e sonografia, revelaram oito fácies,
de alta energia, de transição e de baixa ener- com variações subordinadas aos mecanis-
gia, permitindo uma classificação de mos de acumulação e retrabalhamento.
antepraia superior, intermediária e inferior. A interpretação dos dados geológicos
Para a plataforma continental, o e paleontológicos indica uma translação da
geoprocessamento detalhou a morfologia e barreira por sobre ambientes lagunares. Re-
a cobertura sedimentar num fundo regular vela ainda variações sedimentares de ocor-
e de baixos gradientes, revelando três seto- rência relíquia e palimpsética, bem como de
res de controle morfo-sedimentar: Norte, aspectos do condicionamento da topogra-
Centro e Sul. Perfis transversais estendidos fia antecedente da plataforma interna e da
até os -40 m caracterizaram o limite evolução de antepraia. Os registros dos per-
morfológico externo da antepraia, bem de- fis ao longo da área mostram contrastes
finido aos -18 m para o Setor Norte, e dos - correlacionados à variabilidade de barreiras
16 a -25 m para o Setor Centro e Subsetor holocênicas no Rio Grande do Sul.

Hidrodinâmica e Sedimentologia das Praias Oceânicas do Rio Grande do Sul 311


Instituto de Geociências. Contribuições

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1
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Departamento de Geodésia,
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Departamento de Mineralogia e Petrologia,
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Programa de Pós-Graduação em Geociências,
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

S Sistema Lagunar: Síntese


dos Conhecimentos
sobre a Lagoa dos Patos
Ricardo Baitelli1, Iran Carlos Stalliviere Corrêa1, Elirio Ernestino Toldo Júnior2,
Luiz Roberto Silva Martins3, Jair Weschenfelder1, Ricardo Norberto Ayup-Zouain1

1. INTRODUÇÃO

A Lagoa dos Patos desenvolve-se de forma paralela a linha de costa, e encontra-


se abrigada da intensa atividade das águas do Oceano Atlântico por um sistema de barreiras
arenosas. Entretanto, este ambiente relativamente protegido, é de fato relacionado ao
ambiente marinho, e influenciado, principalmente no setor sul, pela água oceânica que ingres-
sa ciclicamente em pequenas proporções através do estreito e único canal, localizado em Rio
Grande, que comunica atualmente a laguna ao oceano e onde as características oceânicas são
de micro marés (Figura 1).
A laguna representa no contexto da costa sul-brasileira, uma zona de convergên-
cia da rede de drenagem da chamada Bacia de Sudeste do Estado do Rio Grande do Sul e do
nordeste da República do Uruguai.
A laguna tem um comprimento de 240 km, uma largura média de 40 km, com
uma superfície aproximada de 10.000 km2, quase um terço de toda área da planície costeira
do estado do Rio Grande do Sul. A Lagoa dos Patos possui uma orientação geral NE-SW,
com uma profundidade média de 6 m (Figura 1). Em sua extremidade sul, encontra-se o
único canal de comunicação com o oceano Atlântico onde a descarga média é de 4.800 m3/
s. A amplitude da maré astronômica é de 0,45 m, sendo que a água do mar penetra na laguna
até 200 km ao norte, durante condições excepcionais, favorecidas por ventos do quadrante
sul, nível baixo de água na laguna, e por ocorrência de marés de sizígia (Martins et al., 1989;
Toldo, 1989).
A laguna recebe água doce de uma área de drenagem com aproximadamente
170.000 km2, a maior parte das águas provêm do sistema do Rio Guaíba formado pelos rios
Jacuí, Sinos e Gravataí que constroem o delta do Rio Jacuí em frente à cidade de Porto Alegre,
Instituto de Geociências. Contribuições

na extremidade NW da laguna. Em conse- são de WNW e WSW. Durante o inverno e


qüência deste elevado volume de água doce, outono, os ventos produzem as maiores al-
muitas das águas da laguna apresentam turas máximas na laguna com valores de 1,6
salinidade baixa, de aproximadamente 3 psu. m e período de 4,8 s, e alturas de ondas sig-
Outro contribuinte menor da água doce é o nificativas entre 0,4-0,8 m e períodos entre
Rio Camaquã, que constrói um sistema 2,4-3,4 s. A alta freqüência dos ventos com
deltaico na porção central da margem oeste velocidades entre 0-2 m/s e sua pequena
da laguna. As redes de drenagens combina- duração, constitui-se nos principais meca-
das pelo sistema Jacuí e Camaquã nismos de controle que limitam o crescimen-
correspondem à metade da área de drena- to das ondas na laguna, sendo a pequena
gem do estado do Rio Grande do Sul, a de- profundidade da ordem de 6 m um fator
nominada Bacia de Drenagem de Sudeste. secundário.
De acordo com cálculos realizados por Tol-
do et al. (2007a), o tempo de residência das
águas é de aproximadamente 108 dias. 3. SEGMENTAÇÃO LLAGUNAR
SEGMENTAÇÃO AGUNAR
A planície costeira adjacente à lagu-
na, apresenta elevações, em média, da or-
dem de 6 m e consiste de depósitos areno- A Lagoa dos Patos não é um sistema
sos interrompidos por pequenos cursos de fechado, é uma laguna onde a fonte e mobi-
água. Estes depósitos arenosos marginais lidade dos sedimentos é, também, controla-
são relacionados a quatro eventos da pela importante contribuição hídrica da
transgressivos os quais desenvolveram qua- bacia de drenagem de sudeste, a qual impõe
tro sistemas deposicionais do tipo laguna- um fluxo natural a partir do Rio Guaíba, até
barreira (Figura 1): os sistemas I (mais anti- sua desembocadura em Rio Grande (Figura
go), II e III foram desenvolvidos durante o 1).
Pleistoceno, enquanto o sistema IV (mais A proposição de um contínuo proces-
jovem) teve sua formação durante o so de segmentação do corpo lagunar, atra-
Holoceno (Villwock et al., 1986). vés do crescimento dos esporões, com base
no modelo de Zenkovitch (1958), é muito
apropriada a um corpo de água isolado ou
2. PPADRÃO
ADRÃO DE ONDAS
ONDAS semi-isolado do oceano por barreiras are-
nosas, e para o qual não se drene uma ex-
pressiva, ou nenhuma, contribuição hídrica.
O trabalho de Toldo et al. (2007b), Na Lagoa dos Patos, a segmentação não se
provê medidas de ventos e predição de on- processa completamente, principalmente
das ao longo do litoral da Lagoa dos Patos por causa da convergência das águas da rede
com base em dados de velocidade e direção de drenagem da Bacia de Sudeste do estado
de vento, registrados a cada hora, durante sobre a zona costeira. Entretanto, as dimen-
todo o ano de 1988. Devido aos ventos nor- sões dos esporões arenosos ao longo das
deste prevalecerem no verão e primavera, a margens leste, norte e oeste da laguna (Fi-
direção das ondas dominantes no lado oci- gura 1), constituem-se em forte evidência
dental da laguna é NE e ENE, com média de que o conceito do modelo proposto por
das alturas de ondas significativas entre 0,5- Zenkovitch (1958) aplica-se ao corpo
0,7 m e períodos entre 2,7-3,3 s. No lado lagunar, em razão da distribuição dos
oriental da laguna, os ventos prevalecentes ventos predominantes ao longo do eixo

318 Ricardo Baitelli et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 1
1. Mapa de localização da área de estudo, do corpo lagunar, das seções sísmicas e dos limites do sistema laguna-barreira
na planície costeira (modificado de Villwock, 1986).

principal da laguna e por se tratar de am- A força do jato hidráulico, junto ao


biente submetido à micromarés. canal, pode também ser avaliada através do
A expressividade desta contribuição elevado valor de fluxo de vazante, como por
hídrica pode ser avaliada através da ausên- exemplo, aquele registrado por Hartmann
cia de qualquer registro, no passado e no et al. (1986), da ordem de 85 cm/s em toda
presente, do crescimento de bancos areno- a coluna de água do canal, decorrente de
sos (Dillenburg & Toldo, 1990; Toldo & altas taxas pluviométricas durante o ano de
Dillenburg, 2000a) em tamanho suficiente 1984. Isto define, portanto, o fluxo anual
para obstruir o canal de comunicação entre do canal como o de um rio sem penetração
a laguna e o oceano. de água salgada.

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 319
Instituto de Geociências. Contribuições

Também, outros dois aspectos impor- sistemas I, II e III foram em parte


tantes, relacionados à não segmentação com- retrabalhados por ondas e por correntes
pleta deste extenso corpo lagunar, são exa- dentro da laguna, sendo a construção dos
minados. O primeiro aspecto é representa- extensos pontais arenosos o produto mais
do pelas mudanças de nível da água, produ- importante do retrabalhamento destes se-
zidos pelas variações glacio-eustáticas e/ou dimentos. Estes pontais têm uma altura
por fatores climáticos que modifiquem a média de 1m acima do nível médio da água;
contribuição hídrica. Estas variações de ní- no lado oeste, a parte submersa destes cor-
vel não permitem o contínuo crescimento pos arenosos estende-se por aproximada-
dos esporões arenosos no espaço, de modo mente 15 quilômetros para o interior da la-
que seus tamanhos somem, em média, mais guna.
de 50 km de comprimento necessários a A Lagoa dos Patos possui duas re-
segmentação lagunar, uma vez que este pro- giões, morfológicas e sedimentológicas, dis-
cesso desloca verticalmente a dinâmica tintas: a primeira região corresponde às
sedimentar, responsável pelo desenvolvi- margens arenosas e a segunda, a maior re-
mento de novos esporões, onde tenha se gião, ao fundo lamoso e plano da laguna.
estabelecido o nível de água e a linha de praia Profundidades de 5 a 6 m separam estas duas
a ele associado. partes da laguna. No lado oeste a margem
Outro aspecto resulta de uma análise arenosa tem geralmente inclinações de apro-
comparativa entre as margens internas ximadamente 1/1500. No lado leste a mar-
lagunares de oeste e leste. Segundo Toldo gem arenosa apresenta gradientes mais ele-
(1989), na margem interna oeste, os pontais vados, da ordem de 1/200. As margens are-
projetam-se para o interior da laguna, indi- nosas constituem aproximadamente 40% de
cando um atual e incipiente processo de área da laguna. Estes sedimentos ao longo
segmentação, enquanto que na metade sul do lado oeste da laguna são pobremente
da margem interna leste ocorre um franco selecionados, com tamanhos entre areia fina
processo erosivo, de modo a recuar todo o e cascalho, enquanto que na margem leste
flanco do sistema de barreiras arenosas III as areias apresentam tamanho dominante-
(pleistocênica) e IV (holocênica), que sepa- mente fino e muito bem selecionado
ram a laguna do oceano (Figura 1). (Martins et al., 1989).
Os sedimentos do piso lagunar pos-
suem menos de 4% de areia e consistem,
4. SEDIMENTAÇÃO
SEDIMENTAÇÃO principalmente, de silte e silte argiloso na
metade norte, enquanto que o piso da me-
tade sul é caracterizado por uma argila
A Lagoa dos Patos é quase que total- siltosa, de cor predominantemente verde
mente confinada dentro das quatro seqüên- acinzentada. A matéria orgânica terrestre é
cias deposicionais do tipo laguna-barreira abundante, com percentagens máximas de
presentes. O sistema I é exposto somente até 30%. Nos testemunhos (Martins et al.,
ao longo da margem oeste da laguna e con- 1988), os sedimentos lamosos encontram-
siste, principalmente, de pequenos leques se fortemente bioturbados (Martins et al.,
aluviais coalescentes, enquanto que a extensa 1989). As lamas depositadas no piso lagunar
barreira que separa a laguna do oceano é são derivadas, principalmente, do Rio
constituída pelos sistemas laguna-barreira III Guaíba e a deposição destes sedimentos
e IV. Durante o holoceno, os depósitos dos ocorre em profundidades abaixo do nível

320 Ricardo Baitelli et alli


50 50 anos de Geologia

base de erosão, por ação das ondas, a qual tor de subsuperfície, descrita acima, mos-
raramente excede a 4 m (Toldo et al., 2007a). tram que o nível do mar alcançou este refle-
Os registros sísmicos ao longo da tor há aproximadamente 8.000 anos (Corrêa,
margem lagunar (Figura 1), apresentam-se 1996). Considerando a espessura de 6 m dos
com ecos contínuos, bem definidos e sem depósitos lamosos, torna-se possível estimar
refletores de subsuperfície, que caracterizam uma taxa de sedimentação holocênica de,
superfícies de fundo com sedimentos de ta- aproximadamente, 0,75 mm/ano.
manhos grossos (areia a cascalho), os quais Idades determinadas pelo método do
se comportam como ótimos refletores do carbono 14, nos testemunhos de lamas
sinal acústico e, conseqüentemente, pouco holocênicas, apresentam uma taxa média de
ou nenhum som penetra em subsuperfície. sedimentação não compactada de 0,52mm/
No entanto, os registros sobre o piso lagunar ano, valor comparável com a taxa de
mostram-se semi-prolongados, com inter- 0,75mm/ano obtida por infor mação
mitentes zonas de refletores de estratigráfica (Toldo et al., 2000b).
subsuperfície, descontínuos e paralelos. As taxas de sedimentação de curto
O primeiro refletor de subsuperfície, período, calculadas em sedimentos presen-
onde o pulso de som torna-se intransponível tes no topo de dois testemunhos e obtidas
pelo sinal sísmico de 7,0 kHz, é interpreta- através de medidas com 210Pb (Martins et
do como a superfície de uma antiga planí- al., 1989), indicam valores de 3,5 e 8,3 mm/
cie, dominada por sistemas deposicionais ano, e mostram-se completamente diferen-
costeiros e constituída por materiais com tes daquelas de longo período, sendo quase
tamanhos maiores que os sedimentos que 10 vezes maiores. Estas taxas elevadas po-
caracterizam a sedimentação lagunar dem ser o resultado do desmatamento na
holocênica e que recobrem este refletor. bacia de drenagem, processo que se iniciou
O refletor desta antiga superfície, que com a colonização européia há, aproxima-
se encontra a uma profundidade em torno damente, 150 anos.
de 12 m abaixo do atual nível de água da
laguna (Toldo et al., 2000b; Weschenfelder
et al., 2005), pode ser rastreado ao longo do 5. EVOLUÇÃO COSTEIRA
EVOLUÇÃO
eixo de maior comprimento da laguna. Tam-
bém, este refletor apresenta uma pequena
declividade da ordem de 1:21.430, no senti- A análise sismoestratigráfica,
do leste-oeste, muito semelhante ao mergu- conduzida nos registros sísmicos de alta fre-
lho do piso lagunar que apresenta um gra- qüência e resolução do substrato da Lagoa
diente de 1:22.814, nesta direção. dos Patos, permitiu o reconhecimento de
A média das maiores profundidades dois importantes sistemas de
do refletor de subsuperfície é da ordem de - paleodrenagens para a planície costeira mé-
12 m, a qual equivale a uma profundidade dia do RS. O trecho do perfil sísmico levan-
de controle no tempo. Sabendo-se que a tado perto do canal da ‘Barra Falsa’, locali-
profundidade média da atual superfície de dade de Bojuru, na margem leste da Lagoa
fundo lagunar é de -6 m, podemos dos Patos, é usado como referência neste
quantificar a espessura média da sedimen- estudo (Figuras 2a, d). A interpretação sís-
tação lagunar holocênica em 6 m. mica revela que os dois sistemas de
A curva regional de oscilação relativa paleocanais, formados em períodos distin-
do nível do mar e a profundidade do refle- tos, são delineados por superfícies de

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 321
Instituto de Geociências. Contribuições

descontinuidade sísmica, com boa continui- redistribuição sedimentar, durante o perío-


dade lateral, truncando os refletores da se- do de mar alto e início da fase regressiva do
qüência sísmica sotoposta. A superfície sís- Holoceno (aproximadamente 5 ka AP), oca-
mica delineadora do sistema de paleocanais sionou o fechamento desses antigos canais
mais antigo é truncada pela superfície que de ligação entre a Lagoa dos Patos e o
delineia o sistema de paleocanais mais jo- oceano adjacente, restando atualmente so-
vem (Figura 2b). mente o canal de ligação (inlet) de Rio Gran-
Em relação ao sistema de paleocanais de, no sul do corpo lagunar.
mais jovem, os estudos desenvolvidos por O sistema de paleocanais mais antigo
Weschenfelder et al. (2005, 2006, 2006a), ten- é truncado pela superfície erosiva formada
do como base dados sísmicos, no evento regressivo do final do Pleistoceno
geocronológicos, sedimentológicos e Superior (supramencionado). Desta forma,
paleontológicos, indicam que o seu preen- podem-se posicionar temporalmente os
chimento sedimentar ocorreu no transcor- eventos erosivos mapeados. Portanto, o pro-
rer do último grande evento transgressivo e cesso de for mação e preenchimento
de mar alto (Holoceno), quando os canais sedimentar do sistema de paleodrenagens
costeiros foram progressivamente afogados mais antigo pode ser atribuído ao período
e preenchidos por sedimentos fluviais, regressivo-transgressivo imediatamente an-
estuarinos e marinhos. Portanto, a sua for- terior, correspondendo ao estágio entre 6 e
mação (incisão) pode ser atribuída ao últi- 5 da curva isotópica do oxigênio de Imbrie
mo grande evento regressivo do final do et al. (1984) (Figura 1c).
Pleistoceno Superior (aproximadamente 18 Os depósitos sedimentares da planí-
ka AP), correspondendo ao estágio 2 da cie costeira do RS têm sido relacionados aos
curva isotópica do oxigênio de Imbrie et al. quatro últimos eventos transgressivos-re-
(1984) (Figura 2c), quando o nível médio do gressivos do Quaternário, responsáveis pela
mar desceu em torno de 120 metros em re- formação de quatro sistemas deposicionais
lação a posição atual na costa sul-brasileira do tipo ‘laguna-barreira’ (Villwock &
(Corrêa, 1986, 1996; Corrêa et al., 2004). Tomazelli, 1995). Esses autores estabelece-
Um refletor sísmico que marcaria o ram uma correlação entre os períodos de
limite Pleistoceno/Holoceno no interior da mar alto, a formação dos quatro sistemas
Lagoa dos Patos, a uma profundidade mé- deposicionais da planície costeira do RS e
dia de 12m, foi mapeado em ecogramas de os principais picos da curva isotópica do
7 kHz por Toldo et al. (2000b). Esse refletor oxigênio de Imbrie et al. (1984).
corresponderia, portanto, a superfície sísmi- A correlação entre os períodos de mar
ca que delineia o sistema de paleocanais mais baixo (regressivo), a formação dos sistemas
jovem mapeados aqui. de paleodrenagens da zona costeira do RS e
O canal atual, conhecido como ‘Bar- os principais picos (positivos) da curva
ra Falsa’, na localidade de Bojuru, é o rema- isotópica do oxigênio de Imbrie et al. (1984)
nescente geomorfológico de um antigo ca- é sugerida neste trabalho (Figura 1c).
nal de ligação entre a Lagoa dos Patos e o A formação dos sistemas de
Oceano Atlântico (Toldo et al., 1991; paleodrenagens aqui mapeados é atribuída
Weschenfelder et al., 2005, 2006a). O às regressões marinhas do Quaternário con-
paleocanal da ‘Barra Falsa’ é o grande canal cordando, de maneira geral, com as diver-
soterrado da Figura 2 (a, b), pertencente ao sas curvas glacio-eustática propostas para o
sistema de paleodrenagens mais jovem. A período. Concorda ainda, com os modelos

322 Ricardo Baitelli et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 22. A análise sismoestratigráfica, conduzida nos registros sísmicos de alta freqüência e resolução do substrato da Lagoa dos
Patos, localidade de Bojuru. a) Registro sísmico de 3,5 kHz; b) Mapeamento dos elementos arquiteturais sísmicos, mostrando
dois sistemas de paleocanais delineados por descontinuidades sísmicas que truncam os estratos/refletores sotopostos; c) Correlação
das superficies erosivas delineadoras dos paleocanais (limites de seqüências) com os estágios isotópicos do oxigênio de Imbrie et
al. (1984). d) Localização da área de estudo e posição do registro sísmico em “a”. Profundidade em tempo de ida e volta, em
milisegundos (ms).

correntes para ambientes transicionais, os à bacia de sedimentação, avançando sobre a


quais normalmente ilustram o conceito de plataforma continental. Recuos significati-
incisão e bypass sedimentar durante a queda vos do nível do mar podem expor totalmente
do nível do mar. Durante essa queda, o sis- a plataforma continental e a borda supe-
tema fluvial estende seus limites em direção rior do talude à incisão fluvial. A região

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 323
Instituto de Geociências. Contribuições

exposta, geralmente constituída por sedi- Continentale du Rio Grande do Sul,Brésil. In:
mentos inconsolidados e suscetíveis aos pro- Anais do International Symposium on Sea
cessos erosivos, é progressivamente recor- Level Changes and Quaternary Shorelines.
tada por sistemas fluviais que conectam a São Paulo, SP. Editora da USP. p. 27 28. (Special
Publication, n°3)
bacia de drenagem terrestre aos depocentros
da bacia de sedimentação. O prisma costei- Corrêa, I.C.S. 1996. Les variations du niveau de
ro depositado durante os períodos prévios la mer durant les derniers 17.500 ans BP.
de nível de mar alto é, em geral, profunda- L´exemple de la plateforme continentale du Rio
mente dissecado e recortado por um siste- Grande do Sul-Bresil. Marine Geology,
ma de vales incisos. O processo, normal- 130:163-178.
mente, evolui para períodos transgressivos Corrêa, I.C.S.; Aliotta, S. & Weschenfelder, J.
do nível do mar, com o afogamento dos 2004. Estrutura e evolução dos cordões arenosos
vales incisos e dos sistemas deposicionais pleistocênicos no canal de acesso à laguna dos
costeiros. Patos-RS, Brasil. Pesquisas em Geociências,
As descontinuidades sísmicas 31(2):69-78.
(erosionais) foram as superfícies balizadoras
Dillenburg, S.R. & Toldo Jr., E.E. 1990. Efeitos
no estabelecimento dos sistemas de induzidos por ondas na embocadura da Laguna
paleodrenagens da zona costeira do Rio dos Patos. In: CONGRESSO BRASILEIRO
Grande do Sul, marcando os limites de se- DE GEOLOGIA, 36., Natal, RN. Anais...
qüências sismo-deposicionais. É importan- Natal, RN, SBG. v.2, p. 690-699.
te que os modelos evolutivos apresentados
para ambientes transicionais considerem e Hartmann, C.; Sano, E.E.; Paz, R.S. & Moller
Jr., O. 1986. Avaliação de um período de cheia
possam predizer, da forma mais precisa
(junho de 1984) na região sul da Laguna dos
possível, a distribuição espacial e temporal Patos, através de dados de sensoriamento
das superfícies erosivas formadas durante os remoto, meteorológicos e oceanográficos. In:
períodos de rebaixamento significativo do SIMPÓSIO LATINO AMERICANO DE
nível do mar e, por conseguinte, a ocor- SENSORIAMENTO REMOTO, 4. Gramado,
rência de descontinuidades ‘cronoestratigrá- RS. Anais... Gramado, RS, [s.n.]. v.1, p. 685-694.
ficas’ limitantes de pacotes sismo-
Imbrie, J.; Hays, J.D.; Martinson, D.G.; Mcintyre,
deposicionais.
A.; Mix, A.C.; Morley, J.J.; Pisias, N.G.; Prell, W.L.
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a processos regressivos do nível do mar no Pleistocene climate: support from a revised
Quaternário, provavelmente exerceram um chronology of the marine ä18O record. In:
papel importante na arquitetura Berger, A.L.; Imbrie, J.; Hays, J.; Kukla, G. &
deposicional, na distribuição das fácies Saltzman, B. (Ed.). Milankovitch and Climate.
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324 Ricardo Baitelli et alli


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Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 325
1
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Instituto do Meio Ambiente, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

S Sistemas Deposicionais
e Evolução Geológica
da Planície Costeira
do Rio Grande do Sul: uma Síntese
Luiz José Tomazelli1, Sérgio Rebello Dillenburg1, Jorge Alberto Villwock2,
Eduardo Guimarães Barboza1, Flávio Antônio Bachi1, Beatriz Appel Dehnhardt1,
Maria Luiza Correa da Camara Rosa1

1. INTRODUÇÃO

Considerada uma das quatro províncias geomorfológicas do estado (Carraro et


al., 1974), a Planície Costeira do Rio Grande do Sul (PCRS) é uma ampla área de terras baixas
possuidora de algumas peculiaridades que a distinguem no cenário das regiões costeiras bra-
sileiras. Em primeiro lugar, ela destaca-se pelo bom grau de preservação do registro sedimentar
Quaternário, o que lhe confere a condição de um ótimo laboratório natural para o estudo da
evolução de regiões costeiras submetidas a sucessivas transgressões e regressões marinhas.
Além disso, a interação de fatores como a alta disponibilidade de sedimentos arenosos, a
marcante ação das ondas e correntes a elas associadas e o significativo trabalho do vento,
propicia uma oportunidade valiosa para o estudo, nesta região costeira, de importantes pro-
cessos sedimentares e seus respectivos produtos erosivos e deposicionais.
Este laboratório natural há muitos anos vem sendo investigado. As primeiras
observações, de cunho essencialmente descritivo, sobre a paisagem da PCRS podem ser atri-
buídas aos pesquisadores – especialmente naturalistas, geógrafos e historiadores – que a visi-
taram, ainda na primeira metade do Século XX, dentre os quais podem ser citados Lindman
, Backeuser, Lamego e Rambo (Villwock & Tomazelli, 1995). Entre outros aspectos, chamou
a atenção destes observadores o papel importante exercido pelo vento no modelado da paisa-
gem, as dimensões dos campos de dunas eólicas e o grande número dos corpos lagunares
existentes na região.
Instituto de Geociências. Contribuições

Estudos científicos mais aprofunda- cerçado em muitos dos trabalhos anterio-


dos, de cunho geológico, iniciaram-se na res mencionados acima, e, principalmente,
PCRS, a partir da metade do Século XX. reflete as contribuições trazidas pelos pes-
Dentre estes estudos, possui um papel de quisadores ligados ao CECO do Institu-
destaque a campanha de sondagens estra- to de Geociências da UFRGS.
tigráficas realizadas pela Petrobras, entre
1958 e 1963, que permitiu uma primeira
visualização da estratigrafia de sub-super- 2. C ARACTERÍSTIC
CARACTERÍSTIC AS GERAIS
ARACTERÍSTICAS
fície (Closs, 1970). Da mesma forma, a con- DA PL ANÍCIE
PLANÍCIE COSTEIRA
tribuição de Delaney (1965), onde é apre- DO RIO GRANDE DO SUL
sentado o primeiro mapa geológico, acom-
panhado do primeiro quadro estratigráfico
das formações aflorantes na PCRS, pode 2.1 Contexto Geológico
ser considerada como um marco para o co- e Geomorfológico
nhecimento geológico da região.
A linha de costa da PCRS estende-se
Estes estudos geológicos pioneiros da
por cerca de 620 km, desde a desemboca-
PCRS receberam um forte impulso a partir
dura do Rio Mampituba, ao norte, até a foz
de 1968 quando, sob a iniciativa do Prof.
do Arroio Chuí, ao sul, mantendo uma
Luiz Roberto Silva Martins, foi fundado o
orientação média de N 32º E (Figura 1). A
Centro de Estudos de Geologia Costeira e
largura da planície é variável, sendo mais es-
Oceânica (CECO) da Universidade Federal
treita no setor norte, entre Torres e
do Rio Grande do Sul. Este fato, acompa-
Tramandaí, onde, devido à proximidade da
nhado da concomitante criação do Progra-
escarpa da Serra Geral, alcança uma largura
ma de Pós-Graduação em Geociências
entre 10 e 15 km. Para o sul, a planície tor-
(PPGEO) da UFRGS, com as Áreas de
na-se bem mais ampla, alcançando uma lar-
Concentração em Geologia Marinha,
gura máxima em torno de 100 km. Estas
Estratigrafia e Paleontologia, fez com que,
dimensões conferem a esta importante pro-
a partir de então, a PCRS passasse a ser um
víncia geomorfológica uma área, em terri-
dos laboratórios de campo para estudos
tório brasileiro, de aproximadamente 33.000
sedimentológicos, estratigráficos e evolu-
km2.
tivos, realizados pelos pesquisadores do
A PCRS corresponde à parte
CECO e por alunos de Mestrado e Douto-
proximal, emersa, da Bacia de Pelotas, uma
rado do PPGEO-UFRGS. O número de
bacia marginal aberta, desenvolvida no ex-
dissertações, teses e trabalhos publicados
tremo sul da margem continental brasileira
sobre os mais diversos aspectos geológicos
como conseqüência dos processos de aber-
da PCRS, sofreu um incremento muito gran-
tura e expansão do Atlântico Sul. O registro
de, o que resultou num significativo avanço
sedimentar desta bacia é de natureza domi-
do conhecimento sobre a geologia da região
nantemente siliciclástica e alcança, no
(Villwock, 1984; Villwock & Tomazelli,
depocentro, uma espessura superior a 12 km
1995; Tomazelli & Villwock, 2000).
(Fontana, 1996). A PCRS contém a porção
O trabalho aqui apresentado procura
mais proximal deste pacote sedimentar.
sintetizar o estado da arte sobre a geologia
Os dados provenientes dos poços
da PCRS, focalizando a natureza e distribui-
perfurados na PCRS mostram que, de
ção de seus sistemas deposicionais e anali-
forma geral, o pacote sedimentar é de
sando sua história evolutiva. Ele está ali-

328 Luiz José Tomazelli et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 1.
1 Mapa de localização e mapa geológico simplificado da Planície Costeira do Rio Grande do Sul (modificado de Tomazelli
& Villwock, 1996).

composição siliciclástica e possui uma es- chas sedimentares e vulcânicas mesozóicas


pessura relativamente fina, de algumas pou- da Bacia do Paraná. A espessura sedimentar
cas centenas de metros. Os depósitos máxima – 1.515 m – foi obtida em um poço
sedimentares assentam sobre um embasa- estratigráfico realizado pela Petrobras no
mento representado, na parte central e sul setor central da planície, próximo ao muni-
da planície, por rochas granítico-gnáissicas cípio de Mostardas. Neste poço, que atin-
pré-cambrianas e, na parte norte, por ro- giu um embasamento granítico-gnáissico, a

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul... 329
Instituto de Geociências. Contribuições

seção inicia com sedimentos marinhos trola, entre outras características climáti-
miocênicos aos quais se sucedem depósi- cas, o regime de ventos, um dos agentes
tos aluviais e costeiros (Closs, 1970). mais importantes na morfogênese da pla-
Os depósitos sedimentares acumula- nície costeira.
dos na PCRS são provenientes da erosão de O regime de ventos de alta energia, é
duas áreas fontes principais. Na porção cen- de natureza bimodal. O vento dominante,
tral e sul, as fontes são representadas pe- proveniente das bordas do Anticiclone do
las rochas ígneas e metamórficas pré- Atlântico Sul, incide de NE e torna-se mais
cambrianas do Escudo Uruguaio-Sul-rio- ativo nos meses de primavera e verão. O
grandense. Na porção norte da planície, as vento secundário, associado à atividade do
fontes principais são as rochas sedimentares Anticiclone Móvel Polar, incide de W-SW e
e vulcânicas da Bacia do Paraná, de idade torna-se mais importante nos meses de ou-
paleozóica e mesozóica. Além das diferen- tono e inverno (Tomazelli, 1993).
ças composicionais, estas duas áreas fontes
apresentam também significativas diferen- 2.3 Hidrodinâmica Costeira
ças no relevo. Ambos os aspectos, compo-
A amplitude média da maré astronô-
sição e relevo, ficaram registrados nas ca-
mica na costa do Rio Grande do Sul situa-
racterísticas dos sedimentos detritais forne-
se em torno de 0,5 m. Em conseqüência
cidos à bacia.
deste regime de micromarés, o transporte e
A plataforma continental adjacente à
a deposição de sedimentos são dominados
planície costeira alcança uma largura média
pela ação das ondas e correntes litorâneas a
de cerca de 150 km e é coberta, principal-
elas associadas. O regime de ondas é carac-
mente, por sedimentos clásticos terrígenos
terizado pela ocorrência de uma ondulação
com algumas concentrações de cascalho
(swell waves) de longo período, proveniente
biodetrítico (Martins et al., 1967). A plata-
de SE, e por vagas locais (sea waves), prove-
forma interna é, na sua maior parte, cober-
nientes principalmente de E-NE (Motta,
ta por areias terrígenas de composição e tex-
1967). Especialmente durante os meses de
tura muito semelhante aos sedimentos
outono e inverno, o regime normal de on-
praiais adjacentes.
das é episodicamente perturbado pela ocor-
2.2 Clima e Regime de Ventos rência de ondas de tempestade (storm waves)
associadas à passagem de frentes frias pro-
A situação latitudinal e a proximida- venientes do sul (Calliari et al., 1996).
de do mar incluem a PCRS dentro da Zona
Sub-tropical Sul, sob o controle básico de
massas de ar marítimas de origem tropical e 3. SISTEMAS DEPOSICIONAIS D A
DA
polar. O clima é do tipo temperado úmido, PL ANÍCIE COSTEIRA DO RIO GRANDE
PLANÍCIE
com uma taxa de precipitação média de DO SUL
1.300 mm, bem distribuída ao longo do ano.
O clima da região sofre uma influên-
cia fundamental de dois centros de alta pres- 3.1 Introdução
são: o Anticiclone Semi-permanente do
De acordo com Villwock et al. (1986),
Atlântico Sul (Anticiclone de Santa Helena)
a PCRS se desenvolveu sob o controle das
e o Anticiclone Móvel Polar (Nimer, 1977).
variações climáticas e das flutuações do
A ação destes dois centros dinâmicos con-

330 Luiz José Tomazelli et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 2
2. Perfil esquemático transversal aos sistemas deposicionais da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, próximos à latitude
de Porto Alegre. Os sistemas laguna-barreira correlacionam-se, tentativamente, com os últimos principais picos da curva isotópica
de oxigênio de Imbrie et al. (1984) (modificado de Tomazelli & Villwock, 2000).

nível relativo do mar do Quaternário, acu- incluem, na parte mais proximal do siste-
mulando sedimentos em dois tipos princi- ma, depósitos resultantes de processos
pais de sistemas deposicionais: (1) um sis- gravitacionais, como a queda livre de blo-
tema de leques aluviais, que ocupa uma cos, o rastejamento e o fluxo de detritos
faixa contínua ao longo da parte mais in- (tálus, eluviões e coluviões). Nas partes mé-
terna da planície, e (2) quatro distintos sis- dias e distais, dominam depósitos de cor-
temas deposicionais transgressivos-regres- rentes trativas (aluviões), associados a flu-
sivos do tipo laguna-barreira (Figuras 1 e xos torrenciais e a sistemas fluviais de ca-
2). nais entrelaçados (braided).
As características composicionais,
3.2 Sistema de Leques Aluviais texturais e estruturais das fácies geradas no
sistema de leques aluviais dependem, em
O sistema de leques aluviais engloba
grande parte, da natureza da área-fonte sub-
o conjunto de fácies sedimentares resultan-
metida à erosão, incluindo-se aí, principal-
tes de processos de transporte associados
mente, a composição das rochas e a energia
aos ambientes de encosta das terras altas
de relevo. No setor central e sul da planície
adjacentes à planície costeira. As fácies

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul... 331
Instituto de Geociências. Contribuições

costeira, aproximadamente a partir da lati- fisiográficas, a energia ambiental domina-


tude de Porto Alegre, o sistema de leques é da pela ação das ondas e a alta disponibili-
alimentado basicamente pelas rochas ígneas dade de sedimentos arenosos, foram fato-
e metamórficas do Escudo Pré-Cambriano, res que estimularam o desenvolvimento de
uma área-fonte de relevo bastante suaviza- sistemas deposicionais do tipo laguna-bar-
do. Como resposta, as fácies do sistema reira associados aos diversos ciclos
de leques são essencialmente quartzo- transgressivos-regressivos. Quatro destes
feldspáticas e de granulometria relativamente sistemas foram preservados e podem ser
fina (arenitos e conglomerados de grânulos). identificados na paisagem da atual planície
Já no setor norte da planície, o sistema de costeira, sendo três de idade pleistocênica
leques é alimentado pelas rochas sedimen- e um de idade holocênica (Villwock et al.,
tares e vulcânicas da Bacia do Paraná, uma 1986).
área fonte de relevo muito acentuado.
Como resposta, os leques são formados por 3.3.1 Sistemas Laguna-Barreira Pleistocênicos
fácies de natureza lítica e de textura grossa
Do mais antigo para o mais jovem,
(conglomerados e arenitos líticos, depósi-
os sistemas pleistocênicos foram denomi-
tos de fluxo de detritos).
nados de sistemas I, II e III, respectivamente
O sistema de leques aluviais provavel-
(Villwock et al., 1986). A Barreira I desen-
mente começou a se formar, nesta parte
volveu-se na parte NW da planície costeira
proximal da Bacia de Pelotas, ainda no
onde ocupa, atualmente, uma faixa de ter-
Terciário, e evoluiu, ao longo do Quater-
reno com cerca de 150 km de comprimento
nário, numa taxa controlada, em grande
por 5 a 10 km de largura. Nesta região a
parte, pelas oscilações climáticas que ocor-
barreira cresceu principalmente a partir do
reram nesse intervalo de tempo. Os mais
acúmulo de areias eólicas que se ancoraram
importantes episódios deposicionais trans-
sobre altos do embasamento. A Barreira II,
correram, provavelmente, durante fases cli-
associada a um segundo ciclo transgressivo-
máticas mais áridas, quando o pouco de-
regressivo pleistocênico, encontra-se mais
senvolvimento da cobertura vegetal favo-
bem preservada na parte sul da planície
recia a ocorrência, ao longo das encostas,
costeira, onde foi a principal responsável
de processos do tipo fluxo de detritos e de
pela formação inicial da Lagoa Mirim. As
sistemas fluviais entrelaçados. Durante os
Barreiras I e II são compostas por areias fi-
períodos climáticos mais úmidos, as formas
nas a médias, quartzosas, semi-consolidadas,
originais dos leques aluviais foram suaviza-
contendo até 15 % de matriz síltico-argilo-
das e obscurecidas, resultando, no final, na
sa de origem pedogenética. Na maioria dos
formação de uma rampa de depósitos
afloramentos, as fácies aparecem maciças
aluviais que mergulha suavemente no senti-
como decorrência da destruição das estru-
do da bacia.
turas primárias devido aos processos
3.3 Sistemas do Tipo Laguna-Barreira pedogenéticos. Em alguns locais, a Barreira
I apresenta traços de raízes e sua concen-
As flutuações glácio-eustáticas do ní- tração em determinados níveis sugere a
vel do mar durante o Quaternário, produzi- ocorrência de paleosolos. Provavelmente,
ram grandes deslocamentos laterais da linha estes se desenvolveram durante fases de cli-
de costa na plataforma continental e na ma mais úmido quando as dunas costeiras
PCRS. A baixa declividade destas feições eram estabilizadas pela vegetação. Durante

332 Luiz José Tomazelli et alli


50 50 anos de Geologia

fases mais áridas, a destruição da vegeta- teira, desde Torres, ao norte, até o Chuí, ao
ção impulsionava a retomada da atividade sul. Assim, o desenvolvimento da Barreira
eólica. III possibilitou a formação dos grandes cor-
A ausência de material apropriado pos lagunares que ainda se destacam na
para datação dificulta a determinação das paisagem desta região costeira (Lagoa dos
idades absolutas das barreiras I e II. No Patos e Lagoa Mirim). A sucessão vertical
entanto, considerando que a glácio-eustasia de fácies revela claramente a natureza
foi o fator básico de controle das variações estratigráfica regressiva (progradante) da
do nível do mar no Quaternário, é provável Barreira III. A barreira é formada por fácies
que estas barreiras tenham se formado nos arenosas praiais recobertas por areias eólicas.
máximos transgressivos correspondentes As fácies praiais consistem em areias finas
aos estágios isotópicos de oxigênio 11 e 9, quartzosas, bem arredondadas e seleciona-
de aproximadamente 400 ka e 325 ka, res- das, com estratificação muito bem desen-
pectivamente (Villwock & Tomazelli, 1995). volvida. Em alguns locais, as areias praiais
A Barreira III, associada ao último apresentam uma alta concentração de tu-
interglacial ocorrido há 125 ka (subestágio bos de Ophiomorpha, formados, provavel-
isotópico de oxigênio 5e), é a que apresenta mente, por crustáceos do gênero Callichirus.
melhor preservação dentre os sistemas A presença destes ichnofósseis caracteriza
pleistocênicos. Os depósitos a ela correla- um paleo-nível marinho, atingido durante
cionáveis se estendem, de maneira quase o último interglacial, situado 6 a 8 m acima
contínua, ao longo de toda a planície cos- do nível atual (Figuras 3 e 4).

3. Areias praiais da Barreira III, com forte estratificação cruzada planar-tabular e tubos de Ophiomorpha (Callichirus sp.).
Figura 3
As areias são explotadas, no local, como material para a construção civil. Localização: município de Osório, Litoral Norte do Rio
Grande do Sul (Coord.: 29º54’12" S / 50º13’59" W).

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul... 333
Instituto de Geociências. Contribuições

4 Areias praiais da Barreira III, mostrando uma alta concentração de tubos e galerias de Ophiomorpha. Estas estruturas,
Figura 4.
atribuídas à atividade de crustáceos do gênero Callichirus, marcam um paleonível marinho situado 6-8 m acima do nível atual.
Localização: município de Osório, Litoral Norte do Rio Grande do Sul (Coord: 29º52’50" S / 50º13’42" W).

As fácies lagunares correspondentes veu-se durante o Holoceno. Com a


aos sistemas I, II e III são representadas por desaceleração da subida do nível do mar,
areias síltico-argilosas, mal selecionadas, nos estágios finais da última Transgressão
maciças ou com laminação plano-paralela. Pós-Glacial, a evolução costeira passou a
É comum a ocorrência de concreções ser influenciada fortemente pela topogra-
pedogenéticas, de composição carbonática fia antecedente, tanto na configuração da
ou ferruginosa. Em alguns locais, as morfologia da costa no máximo transgres-
concreções pedogenéticas apresentam altas sivo, atingido há cerca de 5 ka, como tam-
concentrações, formando camadas enrique- bém na determinação do tipo de barreira
cidas em carbonatos com até 1 m de espes- formada. Assim, a barreira holocênica se
sura o que reflete, provavelmente, a ocor- desenvolveu submetida a dois processos
rência de condições paleoclimáticas semi- básicos: deposição ao longo das grandes
áridas. Fósseis de uma fauna extinta de reentrâncias da costa, levando à formação
mamíferos pleistocênicos (Megafauna de barreiras progradantes, e erosão ao lon-
Pampeana) têm sido encontrados associa- go das protuberâncias costeiras, levando ao
dos aos depósitos lagunares pleistocêncios, desenvolvimento de barreiras transgressivas
especialmente na parte sul da planície cos- (Dillenburg et al., 2000).
teira (Paula Couto, 1953). As barreiras holocênicas são forma-
das basicamente por areias quartzosas, fi-
3.3.2 Sistema Laguna-Barreira Holocênico nas a muito finas, e que apresentam, em
certos locais, elevadas concentrações em
O mais jovem sistema deposicional
minerais pesados. O campo de dunas
do tipo laguna-barreira da PCRS desenvol-

334 Luiz José Tomazelli et alli


50 50 anos de Geologia

eólicas é bem desenvolvido, com uma acumulou, a partir do final do Terciário, em


largura variável de 2 a 8 km. Em resposta um sistema de leques aluviais coalescentes,
a um vento dominante proveniente de NE, desenvolvido ao longo da margem oeste da
as dunas são, principalmente, do tipo ca- planície, na base das terras altas. Estes de-
deia barcanóide e migram ativamente para pósitos foram retrabalhados em suas por-
SW, transgredindo os terrenos mais antigos. ções distais por, no mínimo, quatro ciclos
O sistema lagunar holocênico é repre- transgressivos-regressivos, correlacionáveis
sentado por um conjunto de lagunas e la- aos quatro últimos eventos glaciais que ca-
gos costeiros que alcançaram seu desenvol- racterizaram o final do Cenozóico.
vimento mais amplo durante o máximo A porção superior do sistema de le-
transgressivo, atingido há cerca de 5 ka, ques aluviais, aflorante na parte interna da
quando, nesta região, o nível do mar esteve planície costeira, assenta sobre camadas
aproximadamente 2 a 4 m acima do nível marinhas miocênicas e teve o apogeu de seu
atual. Areias finas a muito finas, lamas e tur- desenvolvimento durante o evento regres-
fas heterogêneas são os principais sedimen- sivo que, se estima, estendeu-se do Plioceno
tos acumulados nos diversos ambientes ao Pleistoceno Inferior. Naquele tempo, o
deposicionais componentes do sistema panorama era de uma grande planície
lagunar holocênico. construída por leques deltaicos coalescentes,
alimentados por fluxos torrenciais prove-
nientes das terras altas submetidas a um cli-
4. EVOLUÇÃO GEOLÓGIC
EVOLUÇÃO A
GEOLÓGICA ma semi-árido.
DA PL ANÍCIE COSTEIRA
PLANÍCIE O primeiro ciclo transgressivo-regres-
DO RIO GRANDE DO SUL sivo de que se tem registro retrabalhou a
porção distal dos leques deltaicos e deu ori-
gem a um sistema laguna-barreira que ficou
Apesar da escassez de dados geo- bem preservado na parte NW da planície
cronológicos relacionados aos terrenos costeira. Esta antiga linha de costa pleisto-
pleistocênicos, limitados a algumas datações cênica é, provavelmente, correlacionável ao
por termoluminescência, a análise da sedi- estágio isotópico de oxigênio 11, de apro-
mentação, geomorfologia e relações estra- ximadamente 400 ka atrás.
tigráficas das unidades aflorantes na PCRS O segundo ciclo foi responsável pelo
permite que se faça uma tentativa de início da construção da barreira arenosa que
reconstituição dos principais momentos de isolou a Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim e
sua evolução. O modelo evolutivo propos- que Villwock (1984) denominou de “Bar-
to, compatível com os dados disponíveis até reira Múltipla Complexa”. O máximo da
o momento, encontra-se sintetizado em um transgressão esculpiu uma escarpa erosiva
conjunto de mapas paleogeográficos apre- na superfície dos leques aluviais, construiu
sentados por Villwock & Tomazelli (1995). alguns pontais arenosos, marcando uma se-
O aporte de novos dados no futuro, espe- gunda linha de costa pleistocênica, prova-
cialmente informações geocronológicas e velmente correlacionável ao estágio isotó-
de sub-superfície, poderá modificar subs- pico de oxigênio 9, há aproximadamente
tancialmente o modelo proposto. 325 ka. Na margem oceânica, ao sul, uma
De acordo com este modelo, um pa- barreira arenosa isolou a Lagoa Mirim e,
cote de sedimentos clásticos terrígenos se ao norte, um pontal arenoso recurvado,

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul... 335
Instituto de Geociências. Contribuições

ancorado na base das encostas do planalto ocupava a atual plataforma continental.


da Serra Geral, começou a isolar a área que A transgressão atingiu seu máximo há cer-
viria a ser ocupada pela Lagoa dos Patos. ca de 5 ka, quando o nível do mar alcan-
O terceiro ciclo adicionou mais um çou, na área de estudo, em torno de 2 a 4
sistema do tipo laguna-barreira, fazendo m acima do nível atual. Uma falésia, mui-
progradar a Barreira Múltipla Complexa, to bem preservada, esculpida nos depósi-
completando o fechamento da Lagoa dos tos das barreiras e dos terraços lagunares
Patos. Pertence a este evento a depressão pleistocênicos, é testemunha da posição
lagunar que hoje é drenada pelo Arroio alcançada por esta linha de costa no máxi-
Chuí e onde foram encontrados muitos mo transgressivo (Villwock & Tomazelli,
exemplares de mamíferos fósseis da 1998).
Megafauna Pampeana. No interior dos sis- A desaceleração na taxa de subida do
temas lagunares Patos e Mirim, a terceira nível do mar e a estabilização temporária
linha de costa pleistocênica está muito bem no final do evento transgressivo (highstand),
preservada sob a forma de uma escarpa, foram responsáveis pela implantação de
limite interno de um terraço com altitudes uma barreira transgressiva que, provavel-
entre 8 – 15 m, de remanescentes de cris- mente, possuía dimensões reduzidas ten-
tas de praia e de pontais arenosos. A bar- do em vista o limitado suprimento de areia
reira que continuou a desenvolver-se na fornecido pelos poucos rios que alcança-
fase regressiva é a que melhor se preserva vam a praia. A maior parte da carga areno-
na região, mostrando depósitos praiais e sa transportada pelos principais rios que
marinhos rasos contendo abundantes chegavam à planície costeira ficava retida
Ophiomorpha (Callichirus sp.) cobertos por nos ambientes lagunares, reinstalados nos
um manto de areias eólicas. Correlacioná- espaços de retrobarreira associados às bar-
vel a depósitos muito semelhantes que reiras pleistocênicas (Lagoa dos Patos e
ocorrem ao longo de quase toda a costa Lagoa Mirim).
brasileira, a idade deste sistema tem sido A estabilização e posterior queda do
considerada como de 125 ka, correspon- nível relativo do mar que se seguiu ao máxi-
dente ao subestágio isotópico de oxigênio mo transgressivo de 5 ka estimulou a for-
5e. mação de uma barreira progradante que
A fase regressiva que se seguiu atin- teve seu maior desenvolvimento no inte-
giu seu máximo há aproximadamente 17 rior de suaves reentrâncias da linha de cos-
ka. Uma ampla planície costeira ocupava o ta, como os trechos costeiros entre Torres
que hoje é a plataforma continental e os e Tramandaí e na reentrância de Rio Gran-
sistemas lagunares Patos e Mirim se com- de (Dillenburg et al., 1998; Tomazelli &
portavam como grandes planícies fluviais, Dillenburg, 1998).
áreas de passagem dos cursos de água que, Face à deficiência de suprimento de
erodindo depósitos antigos, aprofundavam areia fluvial, é provável que a maior parte
seus vales até chegar à linha de costa situa- das areias responsáveis pela progradação
da a, aproximadamente, 120 m abaixo do da barreira holocênica tenha sido fornecida
atual nível do mar. pela antepraia inferior e pela plataforma
A última Transgressão Pós-Glacial, continental interna. Este mecanismo de
iniciada no final do Pleistoceno, avançou suprimento que acompanha uma queda no
rapidamente pela planície costeira que nível relativo do mar, já foi anteriormente

336 Luiz José Tomazelli et alli


50 50 anos de Geologia

sugerido por Dominguez et al. (1987) para rante ciclos transgressivos-regressivos con-
a gênese de depósitos regressivos trolados por flutuações de alta freqüência
holocênicos da costa brasileira leste e su- do nível do mar, como foram as variações
deste. de natureza glácio-eustática que ocorreram
Dillenburg et al. (1998, 2003) mos- durante o Quaternário.
traram que a barreira holocênica não apre-
senta a mesma natureza morfológica ao
longo da costa. Durante o Holoceno tar- 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS
dio, a barreira evoluiu de forma diferen-
ciada, devido às variações na topografia an-
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5. CONCLUSÕES
CONCLUSÕES UFRGS, Secretaria de Coordenação e
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volvido na parte interna da PCRS foi Rio Grande do Sul. Iheringia, Serie Geologia,
retrabalhado, durante o Quaternário, por 3:3-76.
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mar. Os quatro sistemas laguna-barreira são
interpretados como tendo se formado nos Dillenburg, S.R.; Roy, P.S.; Cowell, P.J. &
últimos 400 ka, assumindo-se uma corre- Tomazelli, L.J. 2000. Influence of Antecedent
lação com os períodos de mar alto repre- Topography on Coastal Evolution as Tested by
sentados pelos últimos maiores picos na the Shoreface Translation-Barrier Model (STM).
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curva do registro isotópico de oxigênio. A
área de estudo representa um bom exem- Dillenburg, S.R.; Tomazelli, L.J. & Clerot, C.P.
plo de como sistemas do tipo laguna-bar- 2003. Gradientes de energia de onda: o
reira podem se desenvolver e preservar em principal fator controlador da evolução costeira
costas dominadas pela ação das ondas du-

Sistemas Deposicionais e Evolução Geológica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul... 337
Instituto de Geociências. Contribuições

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338 Ricardo Baitelli et alli


50 50 anos de Geologia

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Antartic Peninsula, 4:79-97.

Sistema Lagunar: Síntese dos Conhecimentos sobre a Lagoa dos Patos 339
1
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Departamento de Geodésia,
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Departamento de Mineralogia e Petrologia,
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3
Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

P Plataforma e Talude Continental


do Rio Grande do Sul:
Síntese dos Conhecimentos
Iran Carlos Stalliviere Corrêa1, Elirio Ernestino Toldo Júnior2,
Jair Weschenfelder1, Ricardo Baitelli1, Ricardo Norberto Ayup-Zouain1,
Beatriz Appel Dehnhardt3, Luiz Roberto Silva Martins3

1. INTRODUÇÃO

As características geológicas, tanto no âmbito sedimentar, evolutivo e tectônico,


da plataforma e talude continental do Rio Grande do Sul, têm sido estudadas desde a década
de sessenta pelos pesquisadores do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica,
Órgão Auxiliar do Instituto de Geociências da UFRGS. Destes estudos e levantamentos re-
sultou o mapeamento das fácies sedimentares superficiais e das unidades sedimentares sub-
superficiais, o estudo morfoestrutural da plataforma continental e das estabilizações do nível
do mar durante o Quaternário tardio, o estudo morfológico do fundo marinho, o estudo da
evolução marinha, o estudo sobre nanofósseis calcários e o estudo palinológico destas áreas,
os quais possibilitaram estabelecer as prováveis relações existentes entre estes fatores para
que se pudesse estabelecer a evolução paleogeográfica da plataforma e talude continental do
Rio Grande do Sul.
Para se obter a verdadeira relação estratigráfica destes sedimentos e das estrutu-
ras morfoestruturais, dentro da história geológica do Quaternário, é necessário o conheci-
mento tridimensional da distribuição e posição dos mesmos em área, o que só é possível a
partir da obtenção e interpretação de registros contínuos de ecobatimentria, sísmicas de alta
resolução, rasa e profunda, testemunhagem e amostragem superficial.
Para que se possa correlacionar os efeitos produzidos pelas transgressões e re-
gressões marinhas, ocorridas durante o Quaternário, é necessário o conhecimento das idades
fornecidas pelas datações radiométricas (Carbono 14, termo-luminescência, Rb/Sr e outras),
pelos estudos palinológicos e dos estudos dos nanofósseis calcários.
Instituto de Geociências. Contribuições

Para a obtenção de todos estes dados, porção rasa, onde o embasamento cristali-
que possibilitaram, através de suas análises, no encontra-se entre a superfície e a pro-
a compreensão da evolução e da sedimen- fundidade de 2.500 m, aproximadamente, e
tação da plataforma e talude continental do por uma porção profunda, onde o embasa-
Rio Grande do Sul, foram efetuadas várias mento pode atingir 9.000 m. Estas duas
operações oceanográficas tais como: porções da Bacia de Pelotas encontram-se
REMAC leg 1, 2 e 6; GEOMAR IV, VI, VII, separadas por um sistema de falhas de gran-
XIII, XVII e XXII, GEOCOSTA I e II e de extensão e rejeito, o qual recebe a deno-
LAGUPATOS I e II. Todas estas Opera- minação de Falha do Rio Grande (Ojeda
ções Oceanográficas fizeram parte do Pro- & Cesero, 1973).
grama de Geologia e Geofísica Marinha A origem da Bacia de Pelotas está di-
(PGGM). retamente relacionada com os processos
Baseado nos estudos efetuados a par- geotectônicos que ocasionaram a abertura
tir dos dados obtidos, tentar-se-á mostrar do Oceano Atlântico, a partir do Jurássico,
em linhas gerais o estado atual do conheci- e que resultou na ruptura do bloco conti-
mento geológico e sedimentológico da pla- nental gonduânico e a posterior separação
taforma e talude continental do Rio Gran- dos continentes africano e sul-americano.
de do Sul, desenvolvido pelo Centro de Es- A bacia de Pelotas localiza-se na cos-
tudos de Geologia Costeira e Oceânica ta do estado do Rio Grande do Sul,
(CECO), durante os seus 38 anos de exis- subjacente à margem continental, e encon-
tência. tra-se limitada pelos paralelos de 28º e 36°
Todos estes dados e informações não Sul e pelos meridianos de 46° e 54° Oeste,
teriam sido possível sem o auxilio das insti- aproximadamente (Figura 1).
tuições de fomento e pesquisa, tais como: As estruturas transversais mais impor-
CNPq, FAPERGS, CAPES, FINEP, OEA, tantes presentes na Bacia de Pelotas, con-
UNESCO, PETROBRAS e IBP. Também for me Zembruscki (1979); Asmus &
foi de fundamental importância a participa- Guazelli (1981) e Corrêa (1987a, 1990, 1994)
ção e a cooperação das instituições perten- são: Lineamento de Florianópolis o qual consti-
centes ao Programa de Geologia e Geofísica tui o limite setentrional entre a Bacia de
Marinha (PGGM), em especial, as detento- Pelotas e a Elevação do Rio Grande, Linea-
ras de embarcações oceanográficas, tais mento de Porto Alegre, o qual determina o li-
como DHN, FURG e USP. mite sul da Elevação do Rio Grande e o Li-
neamento do Chuí, o qual representa o limite
meridional da Bacia de Pelotas.
2. BACIA DE PELOTAS
PELOTAS A área emersa da Bacia de Pelotas é
formada, na sua parte meridional, pelo
embasamento cristalino, enquanto que na
A plataforma e o talude continental porção norte, ocorrem sedimentos
do Rio Grande do Sul encontram-se sobre paleozóicos e mesozóicos da Bacia do
a Bacia de Pelotas, a qual é classificada como Paraná. A região costeira é formada por uma
uma bacia do tipo marginal aberta, que se planície de baixo relevo, onde se observa o
encontra assentada sobre a borda continen- desenvolvimento de inúmeras lagoas. Em
tal sul-americana e a crosta oceânica. Esta direção a norte, esta planície costeira torna-
bacia é constituída, estruturalmente, por uma se mais acidentada e recortada por antigas
falésias basálticas.

342 Iran Carlos Stalliviere Corrêa et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 1.
1 Mapa de localização e fisiográfico da margem continental do Rio Grande do Sul e adjacências (modificado de Projeto
REMAC, 1979).

A área submersa é formada pela pla- & Dehnhardt (1999) apresentam um estu-
taforma e talude continental. A plataforma do com base em nanofósseis calcários do
continental estende-se desde a costa até a testemunho 101, localizado neste cone. Atra-
isóbata média dos -130m, apresenta uma vés destas análises se observa uma distribui-
superfície bastante plana, ornamentada por ção não seqüencial ao longo do testemunho,
suáveis irregularidades formadas por ban- com concentrações a 670, 620, e 580 cm da
cos ou paleocanais, e com uma declividade base e a 15 cm do topo. A identificação
média de 1:1.000 (Martins et al., 1972; taxonômica destes microfósseis possibilitou
Corrêa, 1990). O talude continental apre- detectar um retrabalhamento na base do tes-
senta uma declividade que varia de 1:40 a temunho, de espécies do Eopleistoceno com
1:60, com uma forma geral convexa, a qual espécies do Plioceno e, para o topo, foi re-
revela a predominância dos processos gistrada uma assembléia Neopleistocênica.
deposicionais em sua configuração (Martins
et al., 1972).
A maior feição deposicional observa- 3. ESTABILIZAÇÕES DO NÍVEL DO MAR
ESTABILIZAÇÕES
da sobre o talude continental é a do Cone
de Rio Grande, a qual foi estudada e descri-
ta por Martins et al. (1972), Urien et al. (1973), Indícios de oscilações do nível do mar,
Martins (1984) e Corrêa (1990). Gonçalves durante o Quaternário foram observados na

Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul: Síntese dos Conhecimentos 343
Instituto de Geociências. Contribuições

grande maioria das plataformas continen- 50 m, 60-75 m e 80-90 m, abaixo do nível


tais do mundo (Curray, 1965). atual do mar (Figura 2).
Kowsmann et al. (1974, 1977), estu- Quanto à idade destes terraços,
dando os registros sísmicos de 3,5 kHz, Corrêa (1990) atribuiu os seguintes valores:
transversais à plataforma continental do Rio terraço de 20-25 m, ±7.500 anos BP, terra-
Grande do Sul, observaram a presença de ço de 32-45 m, ±9.000 anos BP, terraço de
duas escarpas no substrato arenoso, uma a 50 m, ±10.000 anos BP, terraço de 60-75 m,
-60 m, e a outra a -110 m, abaixo do nível ±11.000 anos BP, e terraço de 80-90 m,
atual do mar. ±14.000 anos BP.
Corrêa (1987c), a partir de perfis Corrêa (1990) estabeleceu uma curva
batimétricos, os quais foram correlacionados eustática para a plataforma continental do
com perfis ecobatimétricos e de 3,5 kHz, Rio Grande do Sul (Figura 3) e determinou,
identificou a presença de cinco prováveis além dos anteriormente observados, a pre-
terraços marinhos situados, respectivamen- sença de um terraço de 100-110 m, com idade
te, entre as isóbatas de 20-25 m, 32-45 m, de ±16.000 anos BP, e um a 120-130 m, ao
qual atribuiu uma idade de ±17.500 anos BP.

Figura 2.
2 Detalhe da Carta de Pendentes da Plataforma Continental do Rio Grande do Sul para o Litoral Norte do estado,
apresentando os graus de declividades e contrastes observados na área de estudo (modificado de Corrêa, 1990, 1995).

344 Iran Carlos Stalliviere Corrêa et alli


50 50 anos de Geologia

Figura 3.
3 Curva eustática do nível do mar para a plataforma continental sul-brasileira (modificado de Corrêa, 1990,1996).

4. EVOL UÇÃO PPALEOGEOGRÁFIC


EVOLUÇÃO ALEOGEOGRÁFIC
ALEOGEOGRÁFICAA viais, cujos traçados foram preservados e
D A PL ATAFORMA CONTINENT AL
CONTINENTAL podem ser observados a partir das cartas
batimétricas ou dos perfis sísmicos (Corrêa
et al., 1989; Corrêa, 1990, 1996;
Com base na Curva Eustática (Figura Weschenfelder et al., 2005).
3) proposta por Corrêa (1990) e na distri- Os materiais arenosos (areias grossas),
buição sedimentológica, foram estabelecidas acumulados ao longo dessa linha de costa,
três fases para caracterizar a evolução constituíram cordões litorâneos, enquanto
paleogeográfica da plataforma e talude con- que areias mais finas se depositavam sobre
tinental do Rio Grande do Sul, durante a a plataforma interna da época e as areias
transgressão holocênica (de 17.500 anos BP lamosas, e mesmo lamas, se depositavam
há 6.500 anos BP) (Figura 4). sobre a plataforma externa e o talude conti-
nental.
4.1 1ª Fase: de 17.500 anos BP há De 17.500 anos BP há 16.000 anos
16.000 anos BP BP, a subida do nível do mar foi relativa-
mente rápida (2cm/ano). Esta subida do ní-
A transgressão holocênica teve seu
vel mar se deu progressivamente até os -
início a cerca de 17.500 anos BP, quando o
100/-110m onde se estabilizou, provavel-
nível do mar se encontrava a -120/-130m
mente, aos 16.000 anos BP. Durante este
abaixo do nível mar atual.
período, um novo sistema litorâneo se for-
Aos 17.500 anos BP, a plataforma
mou. Este foi marcado pela presença de ní-
continental, emersa em quase toda sua tota-
veis de areia fina sobre a plataforma inter-
lidade, apresentava uma superfície plana
na, intercalado por zonas de areia média de
submetida à erosão periglacial. Esta super-
origem, provavelmente, estuarina ou del-
fície encontrava-se entalhada por vales flu-
taica. Estes sistemas estuarinos ou deltaicos

Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul: Síntese dos Conhecimentos 345
Instituto de Geociências. Contribuições

poderiam estar associados a uma paleodre- Durante este período, o nível do mar
nagem costeira (Corrêa, 1990, 1996; Corrêa subiu a uma velocidade de 1,6 cm/ano e
et al., 1989, 1992; Weschenfelder et al., continuou a deslocar a linha de costa em
2005). direção ao Oeste. Os canais de drenagem
começaram a se deslocar em direção ao con-
4.2 2ª Fase: de 16.000 anos BP há tinente, mas continuaram a manter uma co-
11.000 anos BP nexão com a plataforma continental.
Os sedimentos finos que eram trans-
A partir dos 16.000 anos BP, o nível
portados pela rede de drenagem fluvial à
do mar, segundo a Curva Eustática propos-
zona costeira da época foram depositados
ta por Corrêa (1990), começou a subir mais
sobre as zonas mais profundas, enquanto
lentamente até os 11.000 anos BP. A veloci-
que os depósitos costeiros eram formados
dade de subida do nível do mar passou de 2
pela remobilização das areias transgressivas
cm/ano para 0,6 cm/ano (Corrêa, 1990).
e não mais pelos depósitos arenosos
Esta fase, na sucessão litológica,
subjacentes de idade pleistocênica.
corresponde às areias lamosas de ambiente
Com a continuação do processo
pré-litoral situado, normalmente, na base da
transgressivo, a linha de costa começou a
seqüência transgressiva. A seqüência trans-
afastar-se mais e mais da borda externa da
gressiva atual da plataforma continental
plataforma continental, ocasionando a de-
médio-externa é marcada por superfícies
posição de sedimentos finos sobre a plata-
de erosão impostas nos depósitos pré-exis-
forma média e externa, recobrindo assim as
tentes. Ela traduz o remanejo destes sedi-
areias transgressivas. Nos sedimentos des-
mentos mais antigos no domínio de plata-
tes níveis são observadas camadas de casca-
forma interna, durante os períodos de es-
lho bioclástico e concentrações de minerais
tabilização do processo transgressivo. Nes-
pesados, os quais caracterizam os paleoníveis
ta fase são observadas rupturas de penden-
de estabilização da linha de costa durante o
tes nos níveis de -80/-90 m e -60/-70 m
processo transgressivo (Corrêa, 1990, 1996;
(Corrêa, 1990, 1996).
Corrêa et al., 1989, 1992).
O nível de -60/-70 m caracteriza, se-
gundo os biólogos, o início do período
holocênico, uma vez que, nesse momento, 5. PL ATAFORMA E TALUDE
PLA TAL
ALUDE
o clima começou a ser mais quente e oca- CONTINENT AL
CONTINENTAL
sionou um aumento na velocidade de subi-
da do nível do mar, que passou de 0,6 cm/
ano para 1,6 cm/ano (Corrêa, 1990, 1996; O conhecimento que se tem atual-
Corrêa et al.,1989, 1992; Corrêa & Baitelli, mente sobre a geologia da plataforma e ta-
1991). lude continental do Rio Grande do Sul, nes-
tas últimas décadas, resultou dos estudos
4.3 3ª Fase: de 11.000 anos BP há 6.500 efetuados por vários pesquisadores dedica-
anos BP dos, seguindo os trabalhos pioneiros de
Esta fase é caracterizada por dois ní- Zembuscki (1967) e Martins, Urien &
veis de estabilização, o primeiro a -32/-45 Eichler (1967).
m, e o segundo a -20/-25 m (Corrêa, 1990, Urien & Martins (1974) e Corrêa
1996). (1987b, 1990) classificaram a plataforma
continental do Rio Grande do Sul como

346 Iran Carlos Stalliviere Corrêa et alli


50 50 anos de Geologia

sendo do tipo estável, sujeita somente a ções batimétricas-erosivas e deposicionais-


movimentos epirogênicos e onde as sedimentares, as quais ocasionaram varia-
flutuações do nível do mar imprimiram fei- ções horizontais e verticais no prisma
sedimentar.

Figura 4.
4 Mapa paleo-evolutivo da Plataforma Continental do Rio Grande do Sul durante os últimos 17.500 anos AP. (modificado
de Corrêa, 1990).

Figueiredo Jr. (1975), Corrêa et al. tão associados a ambientes de alta energia,
(1977a) e Corrêa & Ponzi (1978), estudan- os quais são responsáveis pelo retrabalha-
do os sedimentos bioclásticos presentes na mento atual desses sedimentos pleistocê-
plataforma continental interna do Rio Gran- nicos e de sua distribuição e concentração.
de do Sul, constataram que os mesmos es-

Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul: Síntese dos Conhecimentos 347
Instituto de Geociências. Contribuições

Corrêa & Ponzi (1978) e Corrêa Corrêa et al. (2002) e Ayup-Zouain


(1983), estudando os depósitos carbonáticos et al. (2002) descreveram as áreas fontes e
da região do Albardão e Mostardas, deter- a dispersão dos minerais pesados sobre a
minaram o potencial econômico inferido de plataforma continental do Rio Grande do
calcário biodetrício existente na área, o qual Sul e região Platense, através de análise
chegou a valores de aproximadamente 2 bi- multivariada (Figura 5). Desta análise foram
lhões de toneladas. separadas quatro componentes. A primeira
Kowsmann & Costa (1974), Vicalvi componente, constituída principalmente por
(1977) e Corrêa (1984), estudando os teste- augita, a qual predomina na plataforma con-
munhos da fácies lamosa da plataforma con- tinental externa central e sul, tendo sua
tinental média do Rio Grande do Sul, cons- origem relacionada aos sedimentos
tataram que esta fácies caracteriza ambiente Pampeanos-Patagônicos. A segunda com-
francamente marinho, contrariando assim a ponente, for mada por hornblenda-
origem lagunar proposta por Rocha et al. hiperstênio, com predomínio na parte nor-
(1975). te da área, na desembocadura da laguna dos
Estudos efetuados por Tomazelli Patos e na altura do estuário do rio de La
(1978) sobre a distribuição de minerais pe- Plata, sendo seus sedimentos originados de
sados ao longo da plataforma continental rochas ígneas básicas e das rochas basálticas.
do Rio Grande do Sul, caracterizaram a pre- A terceira componente, constituída de
sença de quatro províncias mineralógicas turmalinas-estaurolita-epidoto-cianita, apre-
distintas: a) Província Rio-grandense Inter- senta maior concentração no setor central-
na, caracterizada pela associação epidoto- sul, na altura do rio Camaquã e da lagoa
estaurolita-cianita-zircão-turmalina-granada Mangueira, sendo seus minerais comuns nas
e tendo como área fonte o complexo ígneo- rochas do Escudo-Sul-rio-grandense e uru-
metamórfico do Escudo Sul-rio-grandense; guaio. A quarta componente, formada por
b) Província Riograndense Externa, carac- apatita-zircão-silimanita, se encontra mais
terizada pela associação horblenda-epidoto concentrada na parte sul da plataforma con-
e tendo uma sedimentação relíquia prove- tinental, em direção ao rio de La Plata. Pela
niente das Terras Altas do Escudo e do Pla- área de concentração e por serem minerais
nalto; c) Província Patos, caracterizada pela comuns das rochas do Escudo Sul-rio-
associação mineralógica hornblenda- grandense e uruguaio, estes minerais pro-
epidoto-hiperstênio-turmalina, com presen- vêm da drenagem do rio de La Plata.
ça apenas na desembocadura da atual Lagu- Gamboa et al. (1973) e Corrêa (1990)
na dos Patos, sendo esta resultado de con- estudaram as assembléias de argilo-minerais
tribuição atual; d) Província Platina, carac- presentes nos sedimentos da plataforma
terizada pela associação mineralógica augita- continental e constataram a presença de
hiperstênio-hornblenda, sendo interpretada esmectita e caolinita, tendo como área fon-
como uma associação relíquia, de uma épo- te os derrames basálticos e o Escudo Sul-
ca de nível de mar mais baixo, quando o rio rio-grandense, respectivamente.
de La Plata influenciava a sedimentação da Estudos sobre a evolução paleogeo-
plataforma continental do Rio Grande do gráfica da plataforma e talude continental
Sul e tendo como área fonte os sedimentos do Rio Grande do Sul, foram efetuados
do Prata, em especial da suíte Pampeano- pioneiramente por Martins & Urien (1979),
Patagônica. Urien et al. (1980a, 1980b), Corrêa & Ade
(1987), Corrêa (1990) e Corrêa et al. (1996).

348 Iran Carlos Stalliviere Corrêa et alli


50 50 anos de Geologia

Corrêa et al. (1977b), Corrêa (1986a,b), do Sul, os subdividiram em oito províncias


Corrêa et al. (1996) e Martins & Corrêa texturais distintas: a) arenosa; b) areno síltica;
(1996), estudando os sedimentos da plata- c) areno argilosa; d) síltico-arenosa; e) síltica;
forma e talude continental do Rio Grande f) síltico argilosa; g) argilo síltica; h) areno
síltico argilosa.

Figura 5
5. Mapa de distribuição de Minerais Pesados na Plataforma Continental do Rio Grande do Sul e adjacências (modificado de
Corrêa et al., 2005).

Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul: Síntese dos Conhecimentos 349
Instituto de Geociências. Contribuições

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Plataforma e Talude Continental do Rio Grande do Sul: Síntese dos Conhecimentos 353
1
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais

O Os Recursos Hídricos Subterrâneos


no Rio Grande do Sul:
Uma Visão sobre a Saúde
das Águas e Implicações
na Saúde das Populações
Ari Roisenberg1; Antônio Pedro Viero1;
Marco Alexandre de Freitas2; José Luiz Flores Machado2

1. INTRODUÇÃO

Os recursos hídricos possuem um papel estratégico na história da civilização


moderna e sua gestão representa uma questão geopolítica de fundamental importância. No
decorrer do século XXI, a água, provavelmente, representará o bem natural de maior valor,
suplantando o petróleo, uma vez que é essencial para a sustentação de todas as formas de
vida. A crescente demanda e o livre acesso à água com qualidade para consumo humano
podem gerar crises em muitas regiões, nas quais a água pode constituir a motivação de guerras
modernas, em particular, nas regiões de clima árido, onde o domínio das águas representa um
papel semelhante ao domínio das armas. Um exemplo recente é encontrado na chamada
Guerra dos Seis Dias entre Israel e os países árabes, em 1967, que teve como motivação, pelo
menos em parte, o domínio dos mananciais superficiais que provinham da neve das monta-
nhas do Monte Hermon na Síria.
O uso da água subterrânea para abastecer populações remonta ao antigo Egito,
em 3000 A.C., conforme retratam ilustrações históricas que mostram a água doce sendo
extraída de poços com um balde. Outro registro histórico é encontrado em 1854, quando o
Dr. John Snow, em Londres, identificou a água como transmissora de cólera, fazendo 500
vítimas fatais no bairro de Soho. A partir desta data, outras epidemias relacionadas com o
consumo de água contaminada foram assinaladas até 1896, o que representou um marco na
moderna civilização. Naquele ano, mais precisamente na cidade de Pólo, em plena costa
Instituto de Geociências. Contribuições

italiana do Adriático, deu-se início à adição o Instituto de Geociências e o Instituto de


de cloro à água como medida de desinfec- Pesquisas Hidráulicas da Universidade Fe-
ção e proteção contra doenças. deral do Rio Grande do Sul, Companhia de
Nos tempos atuais, o crescimento Recursos Minerais (CPRM), Unisinos,
populacional, principalmente nos grandes SEMA, FEPAM, entre outros. O recente
centros urbanos, representa um desafio per- lançamento do Mapa Hidrogeológico do Rio
manente para conter a poluição das águas Grande do Sul (CPRM, 2005) reuniu infor-
subterrâneas, rios e lagos, o que pode com- mações regionais, a partir do cadastro de
prometer de maneira irremediável a sobre- poços registrados em vários órgãos públi-
vivência dos seres humanos. O crescimen- cos e em empresas privadas, permitindo re-
to desordenado das cidades e a falta de tra- presentar graficamente um conjunto de da-
tamento do esgoto sanitário têm trazido dos extremamente significativos.
enormes impactos na saúde das águas e das Os estudos futuros devem contemplar
populações que se abastecem deste bem a ampliação da base de dados e a execução
comum. O uso das águas subterrâneas, por de estudos de detalhe em áreas específicas,
outro lado, representa uma opção econômi- com o intuito de aprofundar o conhecimen-
ca de baixo custo, em razão da potenciali- to sobre a qualidade das águas, as condições
dade de seu uso imediato, sem tratamento de transporte dos contaminantes e a pre-
químico prévio, o que indubitavelmente venção de contaminação nas áreas de
reduz o custo ao erário público. recarga. O chamado Projeto Aqüífero
Com área de 280.000 quilômetros Guarani, que foi instituído em 2003 para
quadrados distribuídos em 496 municípios, estudar um dos maiores aqüíferos transna-
o Estado do Rio Grande do Sul possui uma cionais conhecidos, terá um papel de des-
população aproximada de 11 milhões de taque para elucidar estas várias questões,
habitantes, dos quais cerca de 50% são abas- trazendo subsídios para o planejamento es-
tecidos por água subterrânea. Estima-se que tratégico da exploração racional da água
devam existir mais de 20.000 poços de água subterrânea no Sul do País e estados e paí-
subterrânea no Estado, dos quais cerca de ses vizinhos.
7.700 fazem parte do cadastro do SIAGAS/
CPRM (Sistema de informações de Águas
Subterrâneas). A distribuição dos poços não 2. OS PRINCIPAIS SISTEMAS
PRINCIPAIS
é homogênea e a grande maioria encontra- AQUÍFEROS DO RIO GRANDE DO SUL
se na chamada Depressão Central,
explotando aqüíferos porosos Mesozóicos
e, em especial, o Sistema Aqüífero Guarani. O Projeto Mapa Hidrogeológico do
A degradação da qualidade das águas super- Estado do Rio Grande do Sul (CPRM, 2005)
ficiais no Estado, em razão da agricultura trouxe elementos integradores para a iden-
extensiva e da intensa industrialização, tem tificação e separação dos aqüíferos no Es-
levado, em particular no eixo Caxias do Sul- tado. Este trabalho, que resultou de parce-
Porto Alegre, a uma crescente demanda de ria entre a Companhia de Pesquisa de Re-
água subterrânea para abastecimento públi- cursos Minerais e a Diretoria de Recursos
co. Hídricos da Secretaria Estadual de Meio
Vários grupos vêm trabalhando para Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul,
melhorar o conhecimento da água subter- dividiu os aqüíferos em 21 sistemas,
rânea no Rio Grande do Sul, destacando-se conforme a porosidade e potencialidade

356 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

para ocorrência de águas subterrâneas, dis- sam a 250 mg/l. Na área confinada, as ca-
tribuídos em seis grupos (Figura 1): pacidades específicas ultrapassam os 4 m3/
- Aqüíferos com Alta a Média Possi- h/m, alcançando até 10 m3/h/m. Os sóli-
bilidade para Águas Subterrâneas em Rochas dos totais dissolvidos variam entre 250 e 400
e Sedimentos com Porosidade Intergranular; mg/l.
- Aqüíferos com Média a Baixa Pos- Aflorando exclusivamente na região
sibilidade para Águas Subterrâneas em Ro- central do Estado, entre os municípios de
chas e Sedimentos com Porosidade Mata e Taquari, ocorre o Sistema Aqüífero
Intergranular; Santa Maria. É formado por arenitos gros-
- Aqüíferos com Alta a Média Possi- sos a conglomeráticos na base, lamitos
bilidade para Águas Subterrâneas em Rochas avermelhados, siltitos e arenitos finos a
com Porosidade por Fraturas; médios no topo. As capacidades específicas
- Aqüíferos com Média a Baixa Pos- variam de 0,5 a 1 m3/h/m, nas áreas de
sibilidade para Águas Subterrâneas em Ro- afloramento, e alcançam 4 m3/h/m, nas
chas com Porosidade por Fraturas; áreas confinadas. A salinidade varia de 50 a
- Aqüíferos Limitados de Baixa Pos- 500 mg/l e, em algumas regiões confinadas,
sibilidade para Água Subterrânea em Rochas são encontrados valores superiores a 2.000
com Porosidade Intergranular ou por Fra- mg/l e teores de flúor acima do limite de
turas; potabilidade.
- Aqüíferos Praticamente Improduti- O Sistema Aqüífero Quaternário Cos-
vos em Rochas com Porosidade Intergra- teiro I compreende todos os aqüíferos as-
nular ou por Fraturas. sociados com os sedimentos da planície cos-
teira do Rio Grande do Sul, desenvolven-
O primeiro grupo, Aqüíferos com Alta do-se desde o Chuí até Torres. Compõe-se
a Média Possibilidade para Águas Subterrâneas de uma sucessão de camadas arenosas
em Rochas e Sedimentos com Porosidade inconsolidadas, de granulometria fina a mé-
Intergranular, é composto pelos Sistemas dia, esbranquiçadas, intercaladas com cama-
Aqüíferos Botucatu/Guará I, Santa Maria, das síltico-arenosas e argilosas. As capaci-
Quaternário Costeiro I, Quaternário Barrei- dades específicas em geral são altas, ultra-
ra Marinha, Sedimentos Deltáicos e passando os 4 m3/h/m, enquanto a salini-
Quaternário Indiferenciado. dade é inferior a 400 mg/l, eventualmente
O Sistema Aqüífero Botucatu/Guará ultrapassando este valor em águas cloreta-
I possui área aflorante restrita à fronteira das.
oeste, entre Santana do Livramento e Jaguari. Localizado em uma estreita faixa de
A porção confinada pelas rochas basálticas direção nordeste, da Barra do Ribeiro, a oes-
ocorre entre os municípios de Santana do te do Lago Guaíba, até Santo Antônio da
Livramento, Alegrete, Uruguaiana, Itaqui e Patrulha, a leste, ocorre o Sistema Aqüífero
São Borja. As litologias são compostas por Quaternário Barreira Marinha. É compos-
arenitos médios a finos, quartzosos, róseos to por areias inconsolidadas, de granulome-
a avermelhados, apresentando intercalações tria fina a média, vermelho-claro a esbran-
pelíticas e cimento argiloso na unidade quiçadas, com pouca matriz argilosa. As
Guará. Na área aflorante, as capacidades capacidades específicas são elevadas, ultra-
específicas variam entre 1 e 3 m3/h/m e os passando 4 m3/h/m. O teor salino é muito
sólidos dissolvidos totais raramente ultrapas- baixo, em média inferior a 50 mg/l.

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 357
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 1
1. Mapa hidrogeológico simplificado do Rio Grande do Sul, mostrando os principais tipos de aqüíferos (modificado de
CPRM, 2005).

358 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

O Sistema Aqüífero Sedimentos que 0,5 m3/h/m e os sólidos totais dissol-


Deltáicos localiza-se ao norte do Lago vidos raramente ultrapassam 150 mg/l.
Guaíba, nas ilhas entre as cidades de Porto Com área aflorante estendendo des-
Alegre e Eldorado do Sul, incluindo, local- de a fronteira do Estado com o Uruguai,
mente, partes da planície de inundação. em uma faixa contínua até a região de
Constitui uma sucessão de arenitos médios Taquari, ocorre o Sistema Aqüífero Sanga
a grossos, inconsolidados, intercalados com do Cabral/Pirambóia. Este é composto por
camadas argilosas, tendo na base, freqüen- camadas síltico-arenosas avermelhadas, com
tes seixos de basalto. As capacidades espe- matriz argilosa, e arenitos finos a muito fi-
cíficas são altas, em média de 3 m3/h/m. nos, vermelhos, com cimento calcífero. As
Este sistema caracteriza-se pela má qualida- capacidades específicas são variáveis, em
de das águas, com grande quantidade de sais geral, entre 0,5 e 1,5 m3/h/m. A salinidade
dissolvidos, geralmente cloretos, além de das águas varia de 100 mg/l, nas áreas
teores altos de ferro, que inviabilizam seu aflorantes, a mais de 300 mg/l, nas confina-
uso para muitos fins. das, enquanto que na região central do Es-
As áreas de aluviões associados com tado ela pode atingir entre 3.000 e 5.000 mg/
a calha do Rio Camaquã, entre os municí- l.
pios de Cristal e Amaral Ferrador, compõem O Sistema Aqüífero Botucatu/
o Sistema Aqüífero Quaternário Indiferen- Pirambóia localiza-se quase que integral-
ciado. Predominam areias grossas e casca- mente do município de Taquari até o de
lhos inconsolidados, originados dos efeitos Santo Antônio da Patrulha, na Região Me-
da erosão sobre as rochas graníticas e tropolitana de Porto Alegre. É constituído
litologias de idade eopaleozóica. A capaci- por arenitos médios, róseos, endurecidos em
dade específica é, em geral, elevada, da or- afloramentos e com condições topo-estru-
dem de 4 m3/h/m, enquanto a salinidade turais, em geral, desfavoráveis para
das águas é baixa, em média 150 mg/l. armazenamento de águas. As capacidades
O segundo grupo, Aqüíferos com Mé- específicas raramente excedem a 0,5 m3/h/
dia a Baixa Possibilidade para Águas Subterrâ- m e a salinidade é inferior a 250 mg/l.
neas em Rochas e Sedimentos com Porosidade Circundando a região alta das rochas
Intergranular, está representado pelos Siste- do Embasamento Cristalino, desde Candiota
mas Aqüíferos Botucatu/GuaráII, Sanga do até Santo Antônio da Patrulha, passando
Cabral/Pirambóia, Botucatu/Pirambóia, ainda pelos municípios de Dom Pedrito, São
Palermo/Rio Bonito e Quaternário Costei- Gabriel, Minas do Leão e Cachoeirinha, está
ro II. presente o Sistema Aqüífero Palermo/Rio
O Sistema Aqüífero Botucatu/Guará Bonito. É representado por arenitos finos a
II localiza-se na fronteira oeste do Estado, médios, cinzas a esbranquiçados, intercala-
abrangendo partes dos municípios de dos com camadas de siltitos argilosos e
Manoel Viana, São Francisco de Assis, carbonosos de cor cinza-escuro. As capaci-
Maçambará e Itaqui, onde se situa a feição dades específicas são, em média, inferiores
geomorfológica conhecida como Domo de a 0,5 m3/h/m e a salinidade varia entre 800
Itu. As litologias predominantes são arenitos e 1500 mg/l. Em grandes profundidades,
finos a médios, róseos a avermelhados, com as águas são salinas e com sólidos totais dis-
intercalações síltico-arenosas. As capacida- solvidos superiores a 10.000 mg/l.
des específicas são, geralmente, menores do O Sistema Aqüífero Quaterná-
rio Costeiro II compreende os aqüíferos

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 359
Instituto de Geociências. Contribuições

relacionados com os sedimentos da planí- rochas vulcânicas com o Rio Uruguai e as


cie costeira, desenvolvendo-se desde Santa litologias gonduânicas, além de extensa área
Vitória do Palmar até Torres, predominan- a nordeste do planalto. As litologias predo-
temente na região lagunar interna e junto minantes são riolitos, riodacitos e, em me-
aos contrafortes da Serra Geral. Compõe- nor proporção, basaltos fraturados. A capa-
se de uma sucessão de areias finas cidade específica é inferior a 0,5 m3/h/m,
inconsolidadas, esbranquiçadas e argila cin- embora em áreas mais fraturadas ou com
za. No topo, os primeiros metros são arenitos na base do sistema, possam alcan-
pelíticos bastante cimentados. As capacida- çar valores superiores a 2 m3/h/m. A sali-
des específicas variam de baixas a médias, nidade é baixa, geralmente inferior a 250
entre 0,5 e 1,5 m3/h/m, e os sólidos totais mg/l. Valores maiores de pH, salinidade e
dissolvidos, entre 600 e 2000 mg/l. teores de sódio podem ser encontrados nas
O terceiro grupo marca o início dos áreas influenciadas por descargas ascenden-
sistemas aqüíferos fraturados, representados tes do Sistema Aqüífero Guarani.
por Aqüíferos com Alta a Média Possibilidade Desenvolvendo-se na região sul do
para Águas Subterrâneas em Rochas com Estado, entre Jaguarão e Pinheiro Macha-
Porosidade por Fraturas. O Sistema Aqüífero do, e na porção nordeste do Escudo Sul-
Serra Geral I, único representante deste gru- rio-grandense, em Porto Alegre, ocorre o
po, ocupa o centro-oeste da região domina- Sistema Aqüífero Embasamento Cristalino
da pelos derrames da Formação Serra Ge- I. Este compreende todas litologias
ral no Planalto Rio-Grandense. Delimita-se graníticas e basálticas muito fraturadas que
pelos municípios de Soledade, Tupanciretã, ocorrem na fronteira entre o Rio Grande
Santo Antônio das Missões, Santa Rosa, do Sul e Uruguai. As capacidades específi-
Tenente Portela, Nonoai, Erechim e Passo cas, geralmente, são inferiores a 0,5 m3/h/
Fundo. Constitui-se, principalmente, de m e a salinidade é baixa, com valores rara-
litologias basálticas, amigdalóides e fratura- mente superiores a 200 mg/l.
das, capeadas por espesso solo avermelhado. Representando as unidades com bai-
As capacidades específicas são muito variá- xo potencial estão os Aqüíferos Limitados de
veis, existindo poços não produtivos próxi- Baixa Possibilidade para Água Subterrânea em
mos a outros com excelentes vazões, pre- Rochas com Porosidade Intergranular ou por Fra-
dominando valores entre 1 e 4 m3/h/m, turas. Compõem este grupo os Aqüitardos
excepcionalmente superando o limite supe- Permianos e o Sistema Aqüífero Embasa-
rior. A salinidade, em geral, é baixa, com mento Cristalino II.
média de 200 mg/l. Poços que captam águas Os Aqüitardos Permianos estão loca-
mais salinas, sódicas e de elevado pH (entre lizados em estreita faixa na depressão peri-
9 e 10), provavelmente correspondem a férica, circundando o Embasamento Cris-
porções do aqüífero influenciadas por águas talino, desde Candiota, no sul do Estado, até
ascendentes do Sistema Aqüífero Guarani. Taquara, no leste. Trata-se de siltitos argilo-
Os Aqüíferos com Média a Baixa Possibi- sos, argilitos cinza-escuros, folhelhos
lidade para Águas Subterrâneas em Rochas com pirobetuminosos e pequenas camadas de
Porosidade por Fraturas são representados pelo margas e arenitos. Normalmente, os poços
Sistema Aqüífero Serra Geral II e o Sistema que captam somente essas litologias apre-
Aqüífero Embasamento Cristalino I. sentam vazões muito baixas ou são secos.
O Sistema Aqüífero Serra Geral II As capacidades específicas são geralmente
ocupa a parte oeste do estado, os limites das inferiores a 0,1 m3/h/m e as águas podem

360 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

ser duras, com grande quantidade de sais de silicoso, que se comportam como péssimos
cálcio e magnésio. armazenadores de água devido à sua condi-
Compreendendo basicamente as ção topo-estrutural e cimentação, resultan-
áreas correspondentes aos limites do Em- do em poços geralmente secos.
basamento Cristalino e incluindo municí- O Sistema Aqüífero Serra Geral III
pios como Bagé, Caçapava do Sul, Encru- (riodacitos e basaltos) encontra-se nas por-
zilhada do Sul e pequena porção de Porto ções mais elevadas dos derrames da unida-
Alegre, registra-se o Sistema Aqüífero de hidroestratigráfica Serra Geral, na região
Embasamento Cristalino II. Este se rela- nordeste do Estado, e em morros isolados
ciona às rochas graníticas, gnáissicas, an- de áreas dissecadas, no noroeste do Estado.
desitos, xistos, filitos e calcários metamor- Os poços possuem vazões específicas mui-
fizados que estão, localmente, afetadas por to baixas ou são secos e as águas apresen-
fraturamentos e falhas. Geralmente, apre- tam baixa salinidade.
sentam capacidades específicas inferiores Nas áreas do centro ao leste do Em-
a 0,5 m3/h/m, ocorrendo inclusive poços basamento cristalino, entre os municípios
secos. A salinidade nas áreas não cobertas de Caçapava do Sul, Bagé, Lavras do Sul e
por sedimentos de origem marinha é infe- Vila Nova do Sul, ocorrem Aqüicludes Eo-
rior a 300 mg/l. Poços nas rochas graníticas Paleozóicos, constituídos por arenitos fi-
podem apresentar enriquecimento em flúor. nos a médios, róseos a avermelhados, mui-
O sexto e último grupo, Aqüíferos Pra- to endurecidos por cimentação ferruginosa,
ticamente Improdutivos em Rochas com Porosidade calcítica e silicosa que conferem porosidade
Intergranular ou por Fraturas, representa os muito baixa. Com isto, os poços tubulares
piores reservatórios de água subterrânea, nesta unidade são secos ou de vazão insig-
sendo representado pelo Sistema Aqüífero nificante.
Basalto/Botucatu, Sistema Aqüífero O Sistema Aqüífero Embasamento
Botucatu, Sistema Aqüífero Serra Geral III Cristalino III, localizado nas porções mais
e Aqüicludes Eo-Paleozóicos. elevadas, é composto principalmente por
O Sistema Aqüífero Basalto/Botucatu rochas graníticas maciças, gnaisses, riolitos
localiza-se na região limite entre a fronteira e andesitos pouco alterados. A ausência de
oeste e a região das missões, entre Santiago, fraturas interconectadas e a condição topo-
Unistalda e São Borja. Incluem-se, também, gráfica desfavorável inviabilizam a perfura-
aquelas áreas com morros isolados de ção de poços tubulares, mesmo para baixas
basalto sobre os arenitos Botucatu, tanto na vazões.
fronteira oeste, quanto na porção leste do
Estado. Estas são áreas desfavoráveis ao
armazenamento de água subterrânea devi- 3. QUALIDADE D
QUALIDADE A ÁGUA
DA
do a sua condição topo-estrutural, e os po- SUBTERRÂNEA NO RIO GRANDE
ços são secos ou de baixas vazões. DO SUL E IMPLIC AÇÕES NA SAÚDE
IMPLICAÇÕES
O Sistema Aqüífero Botucatu locali- DAS POPUL AÇÕES
POPULAÇÕES
za-se em cotas topográficas altas e com
morfologia escarpada, principalmente na
região central do Estado, próximo às bor- Nos últimos 15 anos, a geoquímica
das escarpadas do planalto basáltico. Com- ambiental tem dirigido crescente atenção às
preende arenitos de granulometria média, relações entre a Geologia e os estudos
endurecidos por cimento ferruginoso ou epidemiológicos, especialidade que recebe

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 361
Instituto de Geociências. Contribuições

a denominação de Geologia Médica. Vá- ria em cada caso. A mobilidade geoquímica


rias doenças endêmicas registradas pelo sis- de íons e moléculas dissolvidas é controla-
tema de saúde pública têm sua origem no da, essencialmente, por processos de ad-
abastecimento de água subterrânea que não sorção, dessorção, troca iônica e comple-
oferece condições adequadas de potabili- xação de superfície, bem como pela preci-
dade. Em muitos casos, a degradação da pitação e dissolução de minerais em menor
qualidade da água decorre de processos escala.
naturais, em razão da interação rocha-água. A adsorção é o processo de remoção
Por outro lado, o inadequado saneamento de espécies dissolvidas na água pela sua ade-
básico, vazamentos de gasolina e óleo die- rência à superfície dos minerais devido a
sel e os efluentes industriais representam forças de atração eletrostática, enquanto a
atores de fundamental importância para a dessorção constitui o processo inverso, que
degradação das águas em ambientes urba- é a liberação das espécies de volta à solução.
nos. Fora dos aglomerados populacionais, A troca iônica constitui um mecanismo de
a atividade mineira e a agricultura extensi- adsorção/dessorção que ocorre em mine-
va são vetores importantes de contamina- rais que possuem desequilíbrio de cargas
ção do lençol freático. positivas e negativas no retículo cristalino,
destacadamente os argilo-minerais do gru-
3.1 Mecanismos de degradação da po das esmectitas, bem como as substân-
qualidade das águas subterrâneas cias húmicas contidas no solo (Deutsch,
1997). A complexação de superfície, por
As águas subterrâneas apresentam
outro lado, consiste na ligação de espécies
condições de vulnerabilidade menores frente
químicas com grupos funcionais presentes
aos processos de degradação ambiental do
na superfície de partículas sólidas, particu-
que os mananciais superficiais, devido à pro-
larmente aluminosilicatos amorfos, óxidos
teção natural estabelecida pela zona vadosa
e hidróxidos metálicos e matéria orgânica
ou por camadas confinantes. Entretanto, a
(Figura 2).
eficácia destas unidades protetoras varia em
A capacidade de retenção de
diferentes locais, como resultado de suas
contaminantes e a espessura da zona vadosa
características físicas, químicas e geométri-
determinam os níveis de proteção das águas
cas, com especial destaque para a mineralo-
subterrâneas frente às fontes de contami-
gia, textura, conteúdo de matéria orgânica,
nação superficiais. Aqüíferos livres ou
espessura e condições de pH e Eh do meio.
freáticos estão expostos à contaminação ao
Os princípios que regem o comportamento
longo de toda sua área de ocorrência, en-
das chamadas Barreiras Geoquímicas
quanto os aqüíferos confinados têm vulne-
(Perelman, 1986; Forstecue, 1980; Mirlean
rabilidade restrita às áreas de recarga. Nos
& Roisenberg, no prelo) determinam a trans-
dois casos, camadas subsaturadas espessas
ferência dos contaminantes do solo para as
e ricas em argilo-minerais e matéria orgâni-
águas subterrâneas, controlando a velocida-
ca formam Barreiras Geoquímicas mais efi-
de de avanço e a extensão de plumas de con-
cientes ao avanço da contaminação que
taminação na zona saturada.
camadas finas ou com textura arenosa. Na
Cada espécie geoquímica ou elemen-
Tabela 1 são apresentados valores máximos
to químico possuem comportamento e
de adsorção para solos da zona vadosa na
mobilidade próprios no meio físico e sua
região metropolitana de Porto Alegre
evolução na zona saturada do aqüífero va-
(Midugno et al., 2007).

362 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

Figura 2.
2 Esquema da estrutura de esmectitas (A) e matéria orgânica (B), mostrando a distribuição de cargas negativas nas
superfícies externas e internas onde ocorre adsorção, troca catiônica e formação de complexos de superfície (A - modificado de
Sposito, 1989; B - Deutsch, 1997).

1. Capacidade máxima de adsorção de solos da região metropolitana de Porto Alegre (Midugno et al., 2007).
Tabela 1

Sob condições de pH ácido os íons coloidal e aqueles adsorvidos são lixiviados,


positivamente carregados, destacadamente resultando no crescimento substancial da
os metais pesados, tendem a permanecer em mobilidade geoquímica dos mesmos e de
solução, uma vez que o H+ dissolvido neu- seu efeito poluidor (Figura 3). É interes-
traliza as cargas negativas distribuídas nas sante notar que para cada metal existe um
superfícies interna e externa das partículas estreito intervalo de valores de pH, equi-
reduzindo assim sua capacidade de adsorção. valente a 1 ou 2 unidades, em que a ad-
Em conseqüência, os metais em solução sorção ascende a partir de quase zero até
não são adsorvidos na fração sólida e 100%, nas condições físicas e químicas do

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 363
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 3
3. Capacidade de adsorção de metais por hidróxido ferro (Fe(OH)3) em função do pH. Concentração de metais na solução:
5*10-7 M (curvas compiladas de Dzombak & Morel, 1990).

experimento realizado (Dzombak & Morel, cilidade. O fosfato e o fluoreto, por outro
1990). Merece destaque na Figura 3 o com- lado, podem ser retidos na zona vadosa se
portamento do cromo complexado, sob a esta possuir caráter argiloso (Marimon,
forma de CrO42-, que mantém relação in- 2006). Em solos arenosos, como são os
versa com o pH, relativamente à espécie terrenos sedimentares cenozóicos da Pla-
Cr3+, demonstrando que a especiação do nície Costeira, o fosfato e o flúor apresen-
metal constitui um fator determinante de tam boa mobilidade geoquímica, tornando
sua mobilidade geoquímica. os aqüíferos freáticos vulneráveis à conta-
minação e constituindo risco à saúde das
3.2 A agricultura como fonte populações rurais (Oliveira, 2006).
de degradação das águas subterrâneas O uso de fertilizantes orgânicos à
base de dejetos animais é prática comum,
O Estado do Rio Grande do Sul é
particularmente em regiões onde a
reconhecido como um dos estados com
suinocultura e avicultura estão presentes.
maior produtividade agrícola no País, tendo
O uso deste tipo de fertilizante e o de águas
participação importante nas safras de soja,
servidas, que contêm igualmente grande
arroz, trigo, uva, entre outras culturas. A alta
quantidade de nitrogênio amoniacal rapi-
produtividade é alcançada com uso extensi-
damente convertido em nitrato, pode de-
vo de fertilizantes minerais, excrementos
gradar a qualidade das águas subterrâneas.
animais, agrotóxicos e corretivos de pH,
A contaminação de aqüíferos por
aportando anualmente ao solo milhares de
pesticidas ainda não está adequadamente
toneladas de agentes contaminantes que
dimensionada no âmbito do Rio Grande do
podem alcançar as águas subterrâneas.
Sul, devido à carência de estudos e avalia-
Os fertilizantes minerais do tipo NPK
ções específicas sobre o comportamento dos
são os mais utilizados na agricultura, cons-
produtos utilizados no solo. Por se tratarem
tituindo uma fonte de nitrato e fósforo, com
de substâncias degradáveis, o potencial de
elevadas concentrações de flúor. O nitrato
contaminação das águas subterrâneas de-
possui grande mobilidade geoquímica, so-
pende, além da mobilidade geoquímica, da
frendo fraca ou nenhuma adsorção na zona
persistência no meio ambiente. Na Tabela 2
vadosa, podendo alcançar a zona saturada
são apresentados dados referentes à meia
e poluir os aqüíferos rasos com relativa fa-

364 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

Tabela 2.
2 Tempo de meia vida, solubilidade e coeficiente de adsorção de pesticidas utilizados no Rio Grande do Sul (dados de
Wauchope, et al., 1992).

vida e coeficientes de adsorção de alguns de fumo é tradicional há mais de 40 anos,


pesticidas utilizados na agricultura gaúcha. com utilização maciça de fertilizantes
Em regiões de viticultura, o uso de fosfatados, que podem conter até 30.000
fungicidas à base de sulfato de cobre (Calda ppm de flúor. Estudos recentes, utilizando
Bordalesa) é uma prática realizada há mais isótopos estáveis (Marimon et al., 2007),
de 100 anos. Estudos realizados demons- demonstram que o elevado conteúdo de
tram que as camadas superficiais de solo fluoreto das águas subterrâneas da região
podem, neste caso, conter até 3.000 ppm de possui origem geogênica e, provavelmen-
cobre (e outros metais) que resta adsorvido te, resulta da interação sedimentos paleo-
nos solos argilosos (Mirlean et al., 2005; zóicos com águas ascendentes.
Mirlean et al., 2007). Em solos arenosos ou Em outras regiões, como em Porto
com menor conteúdo de argilas, os metais Alegre, as águas subterrâneas do Sistema
presentes no fungicida podem atingir o len- Aqüífero Fraturado Pré-Cambriano pos-
çol freático, degradando a qualidade da água suem teores de fluoreto de até 7,0 mg/L.
subterrânea. Neste caso, admite-se que a origem do flúor
nas águas está relacionada à dissolução de
3.3 Flúor e fluorose minerais ricos em flúor, como fluorita, re-
gistrada em fraturas e espaços intercristali-
A fluorose é uma doença endêmica
nos de granitos (Roisenberg et al., 2003).
que afeta a população rural, em especial na
Depressão Periférica do Estado do Rio 3.4 Outras fontes potenciais
Grande do Sul, mas sendo também regis- de contaminação das águas
trada em várias outras regiões, inclusive em subterrâneas
Porto Alegre. Caracteriza-se por afetar a
dentição (fluorose dentária), afetando, nos Algumas atividades industriais pos-
casos mais severos, os ossos (fluorose ós- suem elevado potencial contaminante para
sea). A origem deste grave problema de saú- as águas subterrâneas, em particular pelo
de pública se dá pela ingestão de água com conteúdo de metais presentes nos efluentes
teores elevados de flúor, superiores ao limi- líquidos e nos resíduos sólidos. Destaca-se,
te de 1,5 Mg/L preconizado pela WHO. por exemplo, a indústria de beneficiamento
Na região de Venâncio Aires e Santa de couro e fabricação de calçados, onde o
Cruz do Sul, concentrações de até 11 mg/L cromo (e outros metais) assume papel ex-
de flúor são verificados em águas subterrâ- tremamente importante, podendo migrar
neas do Sistema Aqüífero Guarani em direção ao lençol freático.
(Marimon, 2006). Nesta região, o cultivo

Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 365
Instituto de Geociências. Contribuições

A indústria petroquímica e de refino Fortescue, J.A.C. 1980. Environmental


de petróleo pode, igualmente, afetar a qua- geochemistry. A holistic approach. New
lidade da água do lençol freático através York, Springer Verlag, 347p.
dos efluentes líquidos. Neste caso, resí- Marimon, M.P.C. 2006. O Flúor nas águas
duos de compostos orgânicos fazem-se, ge- subterrâneas da Formação Santa Maria na
ralmente, acompanhar de conteúdo variá- região de Santa Cruz do Sul e Venâncio
vel de metais como Hg, V, Cr, Pb e Cd. Os Aires, RS, Brasil. Porto Alegre. 230p. Tese de
dois maiores pólos localizam-se em Ca- Doutorado, Instituto de Geociências,
noas (Refinaria Alberto Pasqualini) e em Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Triunfo (Pólo Petroquímico), estando as- Marimon, M.P.C.; Knoeller, K. & Roisenberg,
sentados sobre sedimentos síltico-argilosos A. 2007. Anomalous fluoride concentration in
com lentes de arenitos ocasionais da For- groundwater–Is it natural or pollution? A stable
mação Sanga do Cabral. O caráter argiloso isotope approach. Isotopes. Environmental
dos solos previne a disseminação dos and Health Studies, 32(2):1-11.
contaminantes, diminuindo substancialmen-
Midugno, R.; Roisenberg, A.; Viero, A.P.;
te a vulnerabilidade do aqüífero.
Sanberg, E. & Mirlean, N. 2007. Utilização de
A indústria extrativa de carvão repre- solos locais para tratamento de efluentes do
senta, igualmente, um vetor importante de refino de petróleo contendo metais. Química
contaminação, particularmente a partir das Nova, 30(5):1215-1217.
pilhas de rejeito, onde, além de metais, são
encontradas concentrações importantes de Mirlean, N. & Roisenberg, A. Barreiras
enxofre e arsênio (Binotto et al., 2000; Ortiz geoquímicas e sua importância em prospecção
geoquímica. In: Prospecção Geoquímica de
et al., 1999).
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366 Ari Roisenberg, Antônio Pedro Viero, Marco Alexandre de Freitas, José Luiz Flores Machado
50 50 anos de Geologia

Ortiz, L.; Binotto, R.B. & Teixeira, E.C. 1999.


Aplicação do Modelamento Experimental
(MINTEQA2) ao Estudo da Química das Águas
Subterrâneas sob influência de depósitos de
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Os Recursos Hídricos Subterrâneos no Rio Grande do Sul: Uma Visão sobre a Saúde... 367
Departamento de Geodésia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

C Contribuição do Sensoriamento
Remoto na Construção do Saber Geológico
do Estado do Rio Grande do Sul
Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa,
Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani

1. INTRODUÇÃO

Este é um trabalho sobre a utilização de dados de sensoriamento remoto como


ferramenta no mapeamento geológico. Inicia-se com um apanhado do conhecimento da
geologia do Rio Grande do Sul na década de 40, antes do advento do Curso de Geologia. É
reconhecida a liderança de Viktor Leinz no mapeamento da região de Caçapava – Lavras,
bem como as dificuldades apresentadas nos trabalhos de campo. O mapeamento geológico
teve um impulso significativo com o advento da foto aérea, pelo seu uso universal a partir da
década de 50, estendendo-se com a imagem fotográfica de plataforma orbital, no final da
década de 60, que disponibilizou fotos com visão global de extensas áreas da superfície da
Terra. Em 1972, foi lançado o satélite ERTS-1, o primeiro de uma série de sete até o presente,
a coletar dados para gerar imagens multiespectrias. Na mesma época, 1972-1976, foi executa-
do o levantamento de todo o território brasileiro pelo sensor Gems 1.000, aerotransportado,
de visada lateral, gerando mosaicos de radar na escala 1/250.000. Professores e alunos sem-
pre tiveram acesso às imagens, qualificando, deste modo, o ensino aplicado de sensoriamento
remoto.

2. A GEOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL NA DÉC AD


DÉCAD A DE 40
ADA

O Curso de Geologia, implantado na Universidade do Rio Grande do Sul no ano


de 1957, buscou satisfazer um anseio social que envolvia o conhecimento do território
nacional e, como conseqüência, do subsolo. Os movimentos sociais e políticos da época
Instituto de Geociências. Contribuições

visavam à soberania territorial, sendo essen- dos elementos geológicos, uma vez que a
cial, para tanto, o conhecimento da distri- aquisição das amostras para determinação
buição espacial dos elementos que compu- de atributos geológicos era de caráter pon-
nham as diversas paisagens e riquezas mi- tual e as distâncias vencidas em precárias
nerais do país. A implantação do curso de condições de deslocamento. Os limites das
graduação em Geologia teve aspecto inova- unidades geológicas eram então traçados
dor, na medida em que naquela época, no utilizando-se aferições com relação às mu-
Brasil, ocorriam poucas iniciativas gerado- danças no relevo, vegetação e solo.
ras de conhecimento sistemático do subsolo
brasileiro. As referências até então conheci-
das e de uso público sobre a distribuição, 3. O SENSORIAMENTO REMOTO
mapeamento e localização das riquezas mi- FOTOGRÁFICO 1950-1970
nerais no Estado se restringiam a escassas
publicações. Salienta-se dentre elas, o pri-
meiro “Mapa Geológico do Rio Grande do O sensoriamento remoto entra na his-
Sul”, elaborado por E. Dahne em 1903, tória evolutiva do conhecimento geológico
porém nunca publicado. Entre os trabalhos por meio dos primeiros levantamentos fo-
pioneiros, de cunho geológico, salienta-se tográficos adquiridos em plataforma aérea,
“Reconhecimento Geológico do Rio Gran- no final dos anos 30, e de dois novos
de do Sul”, de Paulino Franco de Carvalho, sobrevôos, em 1942 e 1953, que abrange-
publicado no ano de 1932, o trabalho de ram todo o Estado. Essas fotos aéreas, na
autoria de Emílio Alves Teixeira, “Cobre no escala de 1/40.000, foram utilizadas para a
Rio Grande do Sul”, de 1937, e o trabalho geração das primeiras cartas topográficas na
de Viktor Leinz, “Problemas Geológicos do escala de 1/50.000 pela 1ª Divisão de Le-
Estado do Rio Grande do Sul”, publicado vantamento do Ministério do Exército. To-
em 1939. Na década de 40, trabalhos im- davia, as cartas restringiam-se à região de
portantes foram editados: “Mapa Geológi- fronteira, bastante distante das minas de
co Caçapava – Lavras Rio Grande do Sul - Caçapava - Lavras - Encruzilhada ou das
Brasil” por Viktor Leinz e Alceu Fabio Bar- minas de Arroio dos Ratos - Leão – Butiá,
bosa, com colaboração de Emílio Alves de interesse dos geólogos. Pela inexistência
Teixeira (Leinz, V. et al., 1941) (Figura 1); de carta topográfica, obtinha-se base
“Jazidas Auríferas de Lavras e sua Gênese planimétrica pela restituição de fotos aé-
Metasomática”, por Viktor Leinz em cola- reas, usando-se o método da triangulação
boração com Emílio Alves Teixeira; “Gê- radial baseado em marcos geodésicos de 1a
nese da jazida de cobre Camaquã”, publica- e 2a ordem para o posicionamento das fo-
do no Boletim 88 da Secretaria de Agricul- tos no espaço e controle da escala. O traba-
tura Porto Alegre, e “A Jazida de Cobre Cer- lho de restituição era supervisionado pelo
ro dos Martins – Caçapava - RGS, sua geo- professor de topografia, geodésia e carto-
logia, mineralização e prospecção”, ambos grafia, Clóvis C. Carraro, e pelo professor
publicados por Viktor Leinz e Alceu F. Bar- de aerofotogeologia, Nilo C. Eick. Esse mé-
bosa. todo foi usado em mapas geológicos na es-
Os trabalhos acima mencionados, cer- cala 1/50.000, elaborados pelos alunos nos
tamente, foram elaborados por meio de trabalhos de graduação, como também em
metodologias que envolviam uma enorme mapas geológicos de detalhe da região do
intuição em relação à distribuição espacial Escudo Sul-rio-grandense, publicados em

370 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50 50 anos de Geologia

1. Mapa Geológico Caçapava-Lavras (Leinz et al., 1941).


Figura 1

1966 pelo DNPM. A divulgação dos traba- sino sistemático da Ciência Geológica no
lhos científicos produzidos desde os Rio Grande do Sul. Na primeira fase de
primórdios do Curso de Geologia foi feita implantação do Curso de Geologia, técnica
por meio dos periódicos “Boletim”, “Publi- essencial e inovadora para a época foi a uti-
cação Especial” e “Notas e Estudos”. lização de fotografias aéreas intimamente
Certamente, a busca do petróleo e a integradas com o trabalho de campo, com
participação efetiva dos estudantes de geo- o objetivo específico de produzir dados
logia na campanha “O Petróleo é Nosso”, geológicos. Tendo como base trabalhos de
nos anos 50, incentivou sobremaneira o en- foto interpretação geológica, possibilitou aos

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 371


Instituto de Geociências. Contribuições

alunos o desenvolvimento de técnicas que tras reais e prementes necessidades bra-


levaram à execução de mapeamentos geo- sileiras. Na execução de trabalhos de cam-
lógicos pioneiros contribuindo, dessa forma, po, certamente dispendiosos, mas indis-
na construção do saber geológico do Esta- pensáveis à formação do geólogo, pro-
curamos como medida de aproveitamen-
do. Como exemplo, de 1959 a 1961, nas au-
to dos gastos e de entusiasmo ao aluno
las de campo de Aerofotogeologia, agen-
que esses estudos fossem realizados de
dadas para todos os sábados, foi mapeada maneira a preencher também a tremenda
área a nordeste de Porto Alegre, abrangen- lacuna que existe no conhecimento da
do rochas sedimentares do Gondwana, geologia do Estado e do País. Com esse
ígneas do Planalto Serra Geral e pleistocê- espírito, planificamos dar início ao levan-
nicas da Província Costeira, sob a orienta- tamento geológico sistemático do Esta-
ção do geólogo Robert Morris, professor da do, usando os exercícios de campo dos
disciplina, e com a participação de Clóvis alunos associados aos trabalhos normais
C. Carraro, Franz Semmelmann e Nilo C. dos docentes que, já em 1957, dava-se
Eick, professores assistentes, além dos alu- início a esse tipo de trabalho”.
Professor Irajá Damiani Pinto
nos do Curso de Geologia. O trabalho fi-
Diretor
nal constou de descrição da geologia local
e mapas geológicos - escala 1/50.000 – das
Até o ano de 1961, utilizavam-se le-
Quadrículas Gravataí, Taquara e Rolante
vantamentos topográficos executados com
(Morris, R.H. 1963) (Figura 2). A seguir, o
prancheta para a construção de mapa geo-
depoimento do Professor Dr. Irajá Damiani
lógico elaborado por alunos e professores
Pinto, que, na qualidade de Diretor da Es-
do Curso de Geologia, constituindo-se tra-
cola de Geologia, apresentou os mapas re-
balho de formatura do curso. Entretanto,
cém publicados e planejava dar início ao
somente a partir de 1962, as fotos aéreas
levantamento geológico sistemático do
foram extensivamente usadas no
Estado usando os exercícios de campo dos
mapeamento de conclusão da terceira tur-
alunos associados aos trabalhos normais
ma do Curso de Geologia. Na época, foi
dos docentes:
alugada uma barraca de circo onde todos
acamparam, alunos e professores, conver-
“Estes são os primeiros mapas geológi-
cos publicados pela Escola de Geologia sando, trocando experiências e criando as
de Porto Alegre e que exemplificam a bases da geologia do Estado do Rio Gran-
orientação a ela imprimida. Ao sermos de do Sul. Liderando e coordenando o pro-
convidados pelo magnífico Reitor, Pro- cesso de integração estava à frente, naquele
fessor Elyseu Paglioli, para organizar e ano, o Professor Juan Carlos Goñi. Inicia-
coordenar os trabalhos da Escola de va-se assim, a sistemática de ensino no Cur-
Geologia de Porto Alegre, recém criada so de Geologia visando à geração de mapas
como Curso de Geologia, programamos geológicos, o que perdura até hoje. Tendo
orientá-la no sentido de fugir ao estudo como agentes as disciplinas Tele Detecção,
livresco, individualista, demasiado teóri-
Aerofotogeologia e Interpretação Geológi-
co e quase sem objetivo. Assim, levados
ca de Imagens Orbitais, obrigatórias para a
para o ensino de alto nível, procuramos
fosse proporcionada a prática que se faz formação dos geólogos, são ainda integra-
necessária à formação de bons geólogos, das à disciplina de Mapeamento Geológico.
aliada a um planejamento e coordenação Desse modo, habilitam-se os alunos a utili-
gerais, com o objetivo de estender a ou- zar fotografias aéreas, e mais tarde, imagens

372 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50 50 anos de Geologia

Figura 2
2. Mapa Geológico das Quadrículas de Gravataí, Taquara e Rolante, Rio Grande do Sul, Brasil – 1963.

orbitais nas diversas fases do mapeamento de à construção do entendimento dos pro-


geológico. cessos geológicos que atuaram no Rio Gran-
Os primeiros egressos do Curso de de do Sul. Esses mapas - de escala 1/250.000
Geologia, em convênio com o Departamen- - tornaram-se referenciais para estudos pos-
to Nacional da Produção Mineral (DNPM), teriores de maior detalhe e base da coluna
publicaram mapeamentos geológicos de estratigráfica até hoje utilizada. Até então,
quadrículas cartográficas, dando continuida- os adereços tecnológicos utilizados na

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 373


Instituto de Geociências. Contribuições

aquisição de dados constavam de martelo, Brasil” - escala 1/1.500.000 - resultado do


bússola, lupa de mão, microscópio ótico e esforço dos professores do Curso de Geo-
fotografias aéreas, além de muita carga ho- logia (Pinto et al., 1966) (Figura 5).
rária despendida em campo. Exemplo des- Esses mapas, em 1/1.500.00 e esca-
ses trabalhos foi a publicação pelo DNPM las menores, integravam o conhecimento
da “Geologia da Quadrícula de Caçapava do geológico vigente do Estado, cada um há
Sul” (Ribeiro, et al., 1966) e “Geologia da seu tempo. Entretanto, a metodologia da
Quadrícula de Encruzilhada do Sul” (Tessari cartografia dos dados existentes não utili-
& Picada, 1966), ambas com mapa na esca- zava sensoriamento remoto como ferramen-
la regional de 1/250.000. ta. Como resultado da integração dos
mapeamentos existentes em diversas esca-
las e por meio da aplicação da interpretação
4. O SENSORIAMENTO REMOTO foto geológica na integração do conheci-
ORBIT AL A PPAR
ORBITAL ARTIR D
ARTIR A DÉC
DA AD
DÉCAD A DE 70
ADA mento geológico vigente, durante o 28õ
Congresso Brasileiro de Geologia, realiza-
do em de Porto Alegre, é lançado o primei-
Na década de setenta, as mudanças ro “Mapa Geológico do Estado do Rio
nacionais de caráter político induzem a Grande do Sul”, na escala 1/1.000.000.
modificações estruturais na Universidade (Carraro et al., 1974) (Figura 6).
Federal do Rio Grande do Sul. O Curso de Seguindo o mesmo objetivo de
Geologia, juntamente com o Curso de Geo- integração dos dados existentes, o
grafia, passa a constituir a nova estrutura DNPM, juntamente com colaboradores
acadêmica denominada Instituto de egressos do Curso de Geologia e utilizan-
Geociências. Nessa unidade, continuando do a mesma metodologia, publica, em
com o propósito de reunir a produção inte- 1989, o segundo mapa geológico do Rio
lectual dos professores, alunos e egressos, Grande do Sul na escala 1/1.000.000.
foram criados três veículos de comunicação Tendo em vista o acúmulo de experiên-
e divulgação de pesquisas: a revista “Pes- cia e um conhecimento mais detalhado,
quisas”, a série “Mapa” e boletim é anexado um mapa geológico na escala
“Gondwana News Letter”. O primeiro pro- 1/600.000 representando a área do Es-
duto publicado na série Mapa, em 1971, foi cudo Sul-rio-grandense.
o “Geotectonic Map of the Caçapava do Paralelo à produção cartográfica
Sul Region, RS, Brazil”, na escala 1/100.000 temática regional, as décadas de 1960 e 1970
(Ribeiro & Carraro, 1971) (Figura 3). foram extremamente profícuas, tendo em
Mapas em escalas maiores retratavam vista o desenvolvimento tecnológico da
regiões restritas, não proporcionando a vi- ciência espacial. A partir do lançamento do
são global e integralizada da geologia do primeiro satélite para levantamento de re-
Estado. Em 1943, Victor Leinz havia publi- cursos naturais, a 3 de julho de 1972, e da
cado o mapa “Esboço Geológico do Rio fundação do Instituto Nacional de Pesqui-
Grande do Sul”, pela Diretoria da Produ- sas Espaciais (INPE), inicia-se uma nova era
ção Mineral da Secretaria da Agricultura de ensino e pesquisa em sensoriamento re-
(Leinz, 1943) (Figura 4). moto. No INPE, instala-se o curso de pós-
Em 1966, a Publicação Especial nº.11 graduação em Sensoriamento Remoto,
da Escola de Geologia incluía o “Mapa propiciando a formação de mestres em
Geológico do Estado de Rio Grande do Sul, Sensoriamento Remoto, aglutinando

374 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50
50 anos de Geologia

Figura 3
3. Mapa Geotectônico da Região de Caçapava do Sul, RS (Ribeiro & Carraro, 1971).

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 375


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 4
4. Esboço Geológico do Rio Grande do Sul (Leinz, 1943).

profissionais das áreas de conhecimento de plina de sensoriamento remoto, oferecida a


Geologia, Geografia, Agronomia e partir de 1974 aos cursos de geologia e geo-
Oceanologia, iniciando assim a convivência grafia, foi introduzida a análise de aerofotos
e o trabalho de equipes multidisciplinares. no infravermelho falsa-cor de áreas de inte-
No Departamento de Geodésia, Prof. resse da geologia, geomorfologia, agrono-
Clóvis Carlos Carraro aceitou o con- mia e análise ambiental urbana. Pelo moti-
vite do INPE, formulado pelo Dr. Gil- vo de ter participado do curso de pós-gra-
berto Amaral, em Porto Alegre, para parti- duação, criou-se uma parceria entre o De-
cipar desse primeiro curso, tornando-se o partamento de Geodésia/IG-UFRGS e o
introdutor do sensoriamento remoto orbital Atendimento ao Usuário ATUS/INPE,
e sub-orbital no âmbito do Instituto de este sob a responsabilidade de Paulo
Geociências da UFRGS. Na primeira disci- Roberto Martini, visando ao fornecimento

376 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50 50 anos de Geologia

Figura 5. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Sul (Pinto et al.,1966).

de imagens orbitais e fotos aéreas falsa-cor, rio-grandense, visando a seu uso em sala
imprescindíveis para o ensino de de aula e pesquisa.
geociências. Parceria similar criou-se mais A experiência de análise de produtos
tarde com a Agência para o Desenvolvi- do imageamento multi-espectral orbital sis-
mento Tecnológico da Indústria Mineral temático difundiu-se pelas universidades
Brasileira/ADIMB, com a participação do brasileiras e passou a ser incorporada aos
Dr. Onildo João Marini, visando ao forne- cursos de Graduação em Geologia. A
cimento de imagens digitais de radar do disponibilização das imagens orbitais facili-
Projeto RadamBrasil. Recentemente, o tou que fossem criadas disciplinas específi-
“Canadian Centre for Remote Sensing” cas de análise e interpretação de imagens de
(CCRS) tem fornecido imagens radar do sensoriamento remoto. Como exemplo, a
satélite Radarsat-1 de áreas do Escudo Sul- disciplina Fotogeologia Aplicada abrange

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 377


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 6. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Sul (Carraro et al., 1974).

campos específicos, tais como Prospecção década, instala-se na UFRGS o Centro Es-
Mineral, Geotécnica, Hidrogeologia e Meio tadual de Pesquisa em Sensoriamento Re-
Ambiente, sendo oferecida em caráter moto e Meteorologia, com abertura de cur-
opcional a diversos cursos da Universida- so de pós-graduação em nível de mestrado,
de. Trabalhos de pesquisa baseados na aná- além do desenvolvimento de projetos que
lise visual de imagens multi-espectrais iden- envolvem processamento de imagens digi-
tificam feições geológicas peculiares e res- tais, inicialmente por meio do software
postas radiométricas não visualizáveis em SITIMÔ e, atualmente, envolvendo
fotos aéreas convencionais. Nessa mesma ERDASÔ, ENVIÔ e PCIÔ.

378 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50 50 anos de Geologia

As técnicas metodológicas de ensi- 5. A PESQUISA ATUAL


ATUAL
no avançaram juntamente com a evolução EM SENSORIAMENTO REMOTO
dos produtos adquiridos por imageamen-
to aéreo e orbital, possibilitando adequa-
ção dos alunos às novas tecnologias e aos Exemplos de trabalhos desenvolvidos
novos paradigmas de trabalho, integrando por pesquisadores na área do sensoriamen-
variáveis ambientais de expressão espacial to remoto que contribuem para o conheci-
e avaliando suas relações por meio de es- mento da geologia do Rio Grande do Sul,
tudos e sua integração por Sistema de In- podendo ser exemplificadas as seguintes li-
formações Geográficas/SIG. Ao longo dos nhas de pesquisa:
anos 90, o acesso aos dados digitais de ima- - Carta Imagem do Município de Por-
gens, visando, ao menor custo, o desenvol- to Alegre - Atlas Ambiental de Porto Ale-
vimento de sistemas operacionais mais gre. (Carraro & Souza, 1998)
amigáveis, e a disponibilização de progra- - Integração das imagens de sensoria-
mas de processamento de imagens em sis- mento remoto e de geofísica no conheci-
temas computacionais pessoais (PC), faci- mento estrutural da mineralização do Es-
litou a expansão dessa área do conhecimen- cudo Sul-rio-grandense, resultando no
to, tornando-se um degrau significativo para “Mapa Previsional Metalogenético da Folha
ensino e pesquisa, além de expandir a Cachoeira do Sul” (Carraro, 2004) (Figura 7).
metodologia de uso e integração de dados - Mapeamento de terrenos de ocor-
na pesquisa geológica. rências vulcânicas como o Platô da Ramada
No Curso de Geologia, a disciplina e Cerro Tupanci;
de Mapeamento Geológico conta com um - Contribuição ao estudo geológico
importante aporte de sensoriamento remo- das rochas shoshoníticas de Lavras do Sul;
to na fase de preparação do levantamento - Mapeamento de terrenos ultramáfi-
de dados em campo. Os mapas oriundos da cos a partir de processamento de imagens
disciplina de mapeamento geológico conti- multi-espectrais, definindo novas ocorrên-
nuam significando uma parcela importante cias no Escudo Sul-rio-grandense. (Figura 8).
na construção do conhecimento geológico - Estudo hidrogeológico do meio fra-
do Rio Grande do Sul, sendo utilizados turado do Sistema Aqüífero Serra Geral no
como base para trabalhos temáticos e de extremo sul do Planalto Meridional, inte-
integração geológica. É tão relevante a im- grando imagens orbitais multi-espectrais,
portância desses mapas geológicos que é fotos aéreas e dados hidrogeológicos, defi-
intenção do Instituto de Geociências a sua nindo-se distintas unidades hidrogeológicas
publicação sistemática para disponibilização com diferentes potenciais produtivos e dis-
pública. Além de contribuição direta, técni- tintas composições químicas das águas;
cas de processamento digital de imagens têm - Introdução no âmbito do Instituto
sido aplicadas em trabalhos temáticos de for- de Geociências, Departamento de Geodésia,
matura, permitindo o desenvolvimento des- de técnicas de confecção de cartas topográ-
sa área de pesquisa. Cabe salientar, a contri- ficas utilizando o processo de restituição
buição dos bolsistas de iniciação científica, digital de produtos de sensoriamento remo-
atuando nos projetos de pesquisa aos quais to e, em especial, a partir de fotos aéreas.
estão vinculados. Elaboração de modelos estereoscópicos
tridimencionais (anaglífos) do terreno para

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 379


Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 7. Mapa Previsional Metalogenético


da Folha Cachoeira do Sul (Carraro, 2004).

380 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado...


Figura 8. Mosaico colorido de imagens Componentes Principais envolvendo as bandas do sensor TM Landsat 5 (CP2 do par TM1TM5 – R, CP2 do par TM4 TM2
– G, CP2 do par TM5 TM7 – B), área parcial do Escudo Sul-rio-grandense (Saldanha, 2003).

381
50 anos de Geologia
Instituto de Geociências. Contribuições

apoio no mapeamento geológico e a reali- Leinz, V. 1943. Esboço Geológico do Rio


zação de estudos integrados de uso do SIG Grande do Sul, apud Nogueira, P.C. 1952.
como ferramentas para o monitoramento Regiões Fisiográficas do Estado do Rio Grande
ambiental (http://143.54.108.11/irg/); do Sul. Geologia e Metalurgia, 5:68-79.
- Estudos de ocorrência de bentonita Morris, R.H. 1963. Geologia Geral das
no sul do Estado. Quadrículas de Gravataí, Taquara e Rolante, Rio
Grande do Sul, Brasil. Publicação Especial.
Escola de Geologia, UFRGS. Porto Alegre,
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS
BIBLIOGRÁFICAS 5. 37p. 3 Mapas. Escala 1/50.000.
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Carraro, C.C.; Loss, E.L.; Villwok, J.A.; Martins,
Carraro, C.C. 2004. Integração de imagens de L.R.; Formoso, L.L.; Eick, N.C.; Figueiredo
sensoriamento remoto e de geofísica no Filho, P.M.; Issler, R.S.; Picada, R.S; Tessari, R.I.
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mineralização do Escudo Sul-rio-grandense. estado de Rio Grande do Sul, Brasil. [Porto
Porto Alegre. 119p. Tese de Doutorado em Alegre], Escola de Geologia/UFRGS. 1 Mapa.
Ciências, Instituto de Geociências, Universidade Escala 1/1.500.
Federal do Rio Grande do Sul.
Ribeiro, M.; Bocchi, P.R.; Figueiredo Filho, P.M.
Carraro, C.C.; Gamermann, N.; Eick, N.C.; & Tessari, R.I. 1966. Geologia da Quadrícula
Bostoluzzi, C.A.; Jost, H. & Pinto, J.F. 1974. de Caçapava do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
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do Sul. Porto Alegre, UFRGS, Instituto de 1/250.000.
Geociências. 1 Mapa. Escala 1/1.000.000.
Ribeiro, M. & Carraro, C.C. 1971. Geotectonic
Carraro, C.C. & Florêncio, S. Carta Imagem de map of the Caçapava do Sul Region, RS,
Porto Alegre. 1998. In: Menegat, Rualdo; Porto, Brazil. Porto Alegre, Instituto de Geociências/
Maria L. Porto; Carraro, Clóvis C. & Fernandes, UFRGS. Mapa 1. Escala 1/100.000.
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Alegre. Porto Alegre, Editora da Universidade/ Saldanha, D. 2003. Características Espectrais
UFRGS. p. 10. de Unidades Ultramáficas do Sudoeste do
Rio Grande do Sul – Integração de dados
Carvalho, P.F. 1932. Reconhecimento Geológico orbitais, geobotânicos e geoquímicos. Porto
do Estado do Rio Grande do Sul. Boletim do Alegre. 279p. Tese de Doutorado em Ciências,
Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, Instituto de Geociências, Universidade Federal
66. 72p. do Rio Grande do Sul.
Leinz, V. 1939. Problemas Geológicos do Estado Teixeira, E.A. 1937. Cobre no Rio Grande do
do Rio Grande do Sul. Revista Mineralogia e Sul. Avulso do Serviço de Fomento da
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Leinz, V.; Barbosa, A.F. & Teixeira, E.A. 1941. Agricultura, 22 p.
Mapa Geológico Caçapava – Lavras. Boletim
do DNPM, 90. 40p. 1 Mapa. Escala 1/ 200.000.

382 Clóvis Carlos Carraro, Nelson Amoretti Lisboa, Dejanira Luderitz Saldanha, Norberto Dani
50 50 anos de Geologia

Tessari, R.I. & Picada, R. 1966. Geologia da


quadricula de Encruzilhada do Sul - Rio Grande
do Sul–Brasil. Boletim Departamento de
Produção Mineral, 124. 142p. 1 Mapa. Escala
1/250.000.

Contribuição do Sensoriamento Remoto na Construção do Saber Geológico do Estado... 383


Departamento de Paleontologia e Estratigrafia, Instituto de Geociências,
1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul


2
Departamento de Geodésia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A Atlas Ambiental de Porto Alegre:


uma Visão Pioneira sobre a Cidade
a partir da Geologia Urbana
Rualdo Menegat1,
Clóvis Carlos Carraro2

1. INTRODUÇÃO

A idéia de natureza que o século XX herdou dos modernos consistia em considerá-


la inesgotável, perfeita como a própria máquina, cujas leis e dinâmica uniforme descreviam o
todo: determinado e absoluto. Essas características levaram a humanidade a admirar a nature-
za com a grandiloqüência própria do romantismo. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial
engendrada nos séculos XVIII e XIX, proporcionou a construção de máquinas e aparatos
tecnológicos-industriais e urbanos em escalas jamais alcançadas, diferindo muito dos milenares
utensílios artesanais até então existentes (Munford, 1970[1938]; Sale, 1980; Simmons, 1990;
Fyfe, 1991). Essa virada histórica aumentou, sobremaneira, a capacidade humana de modifi-
car o entorno, isto é, de provocar grandes mudanças no ambiente em que vivemos e na
qualidade de vida das populações (Fitzpatrick & Laghory, 2000). Os recursos naturais passa-
ram a ser vistos como esgotáveis, e diversas espécies da fauna e da flora ficaram ameaçadas de
extinção enquanto outras foram extintas. O outrora grande ecúmeno ficou pequeno, na mes-
ma medida em que a vida humana nas cidades complexificou-se e atingiu níveis de degrada-
ção até então inimagináveis (Hardoy et al., 2001; Allègre, 1996). Os ecossistemas demonstra-
ram ser mais vulneráveis do que se supunha e o conceito de natureza sofreu severas modifica-
ções (Lenoble, 1990; Micheli, 1990). O todo se demonstrou ser heterogêneo e a sua relação
com as partes não se daria mais por meio de leis inexoráveis, mas pelo entendimento sistêmico
de processos dinâmicos, nem todos estáveis e deterministas (Margulis, 2001).
O conceito de ambiente tornou-se chave para a compreensão das modificações
imprimidas pela humanidade, tanto no sistema natural – a primeira natureza – quanto no
próprio sistema construído – a segunda natureza. A partir dele, pode-se entender a mudança
da noção de territorialidade para o hábitat dos indivíduos (Brun et al., 1986). De uma
Instituto de Geociências. Contribuições

territorialidade definida unicamente pela mas de gestão ambiental, locais ou planetá-


demarcação de fronteiras político-adminis- rios (Mchale, 1972), de modo que saibam
trativas dos países – via de regra, represen- administrar solidariamente o seu entorno.
tadas em duas dimensões num mapa –, faz- Esse objetivo é mais exeqüível quando os
se necessário entender a territorialidade ou cidadãos conhecem a dinâmica e as relações
o hábitat humano em sistemas urbanos com- sistêmicas do ambiente em que vivem
plexos, num mundo globalizado, onde uma (Seven, 1972).
cidade é muito mais do que um simples pon- A educação ambiental está, portanto,
to num mapa. A territorialidade como fun- relacionada com a idéia de uma cidadania
ção ambiental pressupõe a relação sistêmica comprometida com os programas de ges-
entre os diferentes processos do espaço e tão ambiental (Callicott & Rocha, 1996;
do tempo e entre o todo e a parte. Assim, a Gaudiano, 1997). O esforço a ser envidado
parte pode ser desde o ambiente em que se para se atingir esse objetivo ultrapassa a es-
dorme, almoça ou trabalha, até o bairro ou fera da vontade dos indivíduos e, mesmo,
a cidade em que se habita. O todo, por sua de uma única instituição, seja privada, go-
vez, pode ser a megalópole ou o conjunto vernamental ou não-governamental. Em
dos ecossistemas da região onde essa primeiro lugar, é preciso conhecer, com base
megalópole está encravada – um continen- científica, os sistemas natural e construído
te ou parte desse –, ou mesmo a geosfera, a das cidades (Bakshi & Naveh, 1980). Em
hidrosfera, a biosfera, a tecnourbesfera ou segundo lugar, faz-se necessário combinar
ainda a atmosfera do planeta (Odum, 1972). os esforços de conhecimento com os pla-
O indivíduo, com base nesse conceito, pode nos integrados de gestão ambiental desen-
localizar o seu hábitat e o impacto de suas volvidos pelos governos (Menegat, 2002a).
ações no meio imediato e em intervalos cur- Em terceiro, deve-se difundir amplamente
tos de tempo. Também pode entender o aos cidadãos e cidadãs os resultados desen-
impacto de todas as ações de sua cidade ou, volvidos nos dois movimentos anteriores.
mesmo, de toda a humanidade no espaço E, por fim, são necessários mecanismos de
planetário e em períodos longos de tempo participação direta para a tomada de deci-
(Doxiadis, 1972). sões dos destinos da cidade (Menegat &
Dessa forma, o impacto que as ativi- Almeida, 2004; Menegat, 2004).
dades humanas produzem para a própria Nesse trabalho, discute-se o alcance,
vida humana ou ao entorno natural, pode em várias áreas, do inédito Atlas Ambiental
ser mensurado e, sua dinâmica, entendida de Porto Alegre, publicado em 1998
em diferentes escalas de espaço e tempo (Menegat et al., 1998a) e reeditado em 1999
(Seven, 1972). Programas de gestão e 2006 (Figura 1). Essa obra coloca-se, si-
ambiental que visem diminuir, neutralizar ou multaneamente, como instrumento de sis-
evitar a poluição, devem ter como premissa tematização do conhecimento científico, do
essa nova maneira de situar os seres huma- planejamento ambiental e de divulgação,
nos e suas cidades no mundo. Do sucesso para diversos níveis cognitivos, desde a
dessas ações, dependem não só a qualidade criança em fase de alfabetização até técni-
de vida possível no presente, mas também a cos especializados. Por isso, o Atlas
das gerações futuras. Por essa razão, o con- Ambiental possibilitou a integração do sa-
ceito de cidadania enriquecerá seu significa- ber acadêmico com os mecanismos de
do se os cidadãos participarem dos progra- participação direta, qualificando para uma

386 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


50 50 anos de Geologia

mesma estratégia todos os protagonistas: habitante; (g) a Secretaria Municipal do Meio


(a) os pesquisadores que produzem o co- Ambiente foi a primeira do gênero no país
nhecimento, pois assim passam a reorientar e desenvolve programas de gestão integra-
os saberes em função de demandas da pró- dos com outras secretarias e departamen-
pria sociedade; (b) os governantes e técni- tos governamentais, reunidos no Fórum de
cos da gestão urbana e ambiental, pois, as- Meio Ambiente e Saneamento; (h) a popu-
sim, podem romper o círculo vicioso do lação participa dos destinos da cidade atra-
saber tecnocrático; e (c), principalmente, os vés do Orçamento Participativo; em assem-
cidadãos, que podem passar a discernir com bléias populares são definidas as priorida-
maior clareza, quando dispõem de conheci- des anuais para cada região e os cidadãos
mento para estabelecer os nexos entre as elegem conselhos que ajudam a fiscalizar a
ações locais e globais necessárias para ate- qualidade e o cronograma das obras; cerca
nuar ou neutralizar as ações impactantes de 150 mil pessoas tem participado desse
sobre o meio em que vivem. importante instrumento de democracia di-
reta.

2. O EXEMPLO D A GESTÃO
DA
PAR TICIP
ARTICIP ATIV
TICIPA A NA CID
TIVA ADE
CIDADE 3. UM ATL
ATL AS PPARA
TLAS ARA
DE POR TO
PORTO ALEGRE O DESENVOL
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
VIMENTO

A cidade de Porto Alegre, situada nas O Atlas Ambiental de Porto Alegre


margens do Lago Guaíba, na região sul do resultou de um convênio celebrado entre três
Brasil, possui uma população de cerca de instituições: (a) a Universidade Federal do
um milhão e quatrocentos mil habitantes. A Rio Grande do Sul, reunindo pesquisado-
qualidade de vida nesse município pode ser res do Instituto de Geociências, Instituto de
avaliada por diversos indicadores ambientais Biociências e Faculdade de Biblioteconomia
(ver Menegat, 2002a, 2002b): (a) o sanea- e Comunicação; (b) a Prefeitura Municipal
mento básico e a água potável atingem, res- de Porto Alegre, reunindo técnicos da Se-
pectivamente, mais de 79% e 98% da popu- cretaria Municipal do Meio Ambiente, De-
lação; (b) a poluição veicular nunca ultra- partamento Municipal de Águas e Esgotos,
passou níveis críticos, mesmo nas áreas com Departamento Municipal de Limpeza Ur-
intenso tráfego de veículos; (c) através de bana, Departamento de Esgotos Pluviais,
um projeto integrado, denominado de Pro- Secretaria de Planejamento Municipal, Se-
grama Guaíba Vive, foi possível combinar cretaria Municipal da Saúde e o Fórum
esforços de várias secretárias e ONG’s para Municipal do Meio Ambiente e Saneamen-
despoluir as praias do Lami e Ipanema, re- to; e (3) o Instituto Nacional de Pesquisas
cuperando a margem do Guaíba; (d) a co- Espaciais (INPE).
leta seletiva de lixo atinge todos os bairros e Cerca de 200 professores, pesquisa-
o gerenciamento dos resíduos sólidos é in- dores, técnicos, fotógrafos e diversos gru-
tegrado com a geração de emprego e renda pos de apoio logístico participaram no le-
das populações desassistidas; (e) as vias pú- vantamento de dados e na elaboração das
blicas possuem mais de um milhão de árvo- diversas cartas temáticas sobre os sistemas
res, sendo a capital mais arborizada do país; natural e construído do município. Essa obra
(f) o índice de área verde é de 14,95 m2/ apresenta a história natural de Porto

Atlas Ambiental de Porto Alegre: uma Visão Pioneira sobre a Cidade... 387
Instituto de Geociências. Contribuições

Alegre, desde 800 milhões de anos atrás ambiental num mundo em processo de ur-
(data das rochas mais antigas), até o tempo banização, da gestão ambiental pública e
presente, em que ocorre a intricada mistura dos dados de Porto Alegre. Uma bibliogra-
de gases na atmosfera devido à emissão vei- fia e um índice remissivo sobre esses te-
cular. Valendo-se de teorias científicas e mas seguem no final da obra.
tecnologias, o sistema natural e o sistema
construído do município foram considera- 3.1 A produção do Atlas: métodos e
dos a partir de sua evolução no espaço e no técnicas
tempo, utilizando-se de uma abordagem que
Os dados e modelos científicos que
é comum no conhecimento geológico. As
consideram a evolução no tempo da
mudanças locais de ambos os sistemas fo-
geosfera, da hidrosfera, da biosfera, da at-
ram entendidas dentro de contextos globais
mosfera e da antroposfera, obtidos no mu-
e regionais. Por isso, esse Atlas pode ser útil
nicípio, resultaram de pesquisas desenvol-
tanto como referência aos dados locais, para
vidas na Universidade Federal do Rio Gran-
fins de planejamento, quanto para explicar
de do Sul e foram tratados interdisciplinar-
teorias globais e regionais, utilizando exem-
mente no Atlas. Os dados sobre a cidade,
plos concretos e contextualizados.
coligidos por meio de programas técnicos
O Atlas, além de apresentar uma gran-
da Prefeitura Municipal, foram sistematiza-
de quantidade de dados, soberbamente do-
dos segundo pressupostos científicos. O uso
cumentados, sobre os parâmetros
de modernas tecnologias de representação
ambientais do município, sintetizou-os den-
da subsuperfície e da paisagem permitiu que
tro das melhores técnicas interdisciplinares.
esses dados e suas interpretações fossem
Tendo como matriz do conhecimento bá-
apresentados em 98 mapas temáticos – ela-
sico a Geologia (Menegat et al., 1998b), foi
borados em diferentes escalas e integrados
possível estabelecer uma História Natural
por programas computadorizados de
de Porto Alegre, como preconizaram os
geoprocessamento – acompanhados de 124
grandes naturalistas do século passado, mas
ilustrações em aquarela – blocos-diagramas
fazendo uso das tecnologias, das teorias e
e cenários feitos com base em dados cientí-
da cosmovisão do século atual. Os assun-
ficos – e 611 fotografias, capturadas a partir
tos são organizados em três seções: o Sis-
de um plano que utilizou aeroplanos, heli-
tema Natural – com oito capítulos que ex-
cópteros, gruas até a escala microscópica
plicam a geologia, a geomorfologia, a
(Figura 2). A precisão da linguagem técnica,
hidrografia, os solos, a vegetação, a fauna,
aliada a essas ilustrações, tornou a obra, si-
o clima e as unidades de conservação; o
multaneamente, acessível ao público não es-
Sistema Construído – com os capítulos de
pecializado e aos técnicos das mais distintas
9 a 17, que apresentam a evolução urbana,
áreas, promovendo o entendimento
o modelo espacial urbano, a evolução das
interdisciplinar e sistêmico dos assuntos tra-
áreas verdes, a arborização das vias públi-
tados.
cas, o clima urbano, as atividades que pro-
Assim, o Atlas proporcionou alguns
duzem impacto ambiental e os serviços de
avanços técnicos, científicos e institucionais,
saneamento que mitigam o impacto; por
reunidos em quatro perspectivas: (a) dos
fim, a Gestão Ambiental – que abrange três
saberes; (b) da representação das cidades e
capítulos onde são apresentados os princi-
seu ambiente (c) das instituições; (d) da ges-
pais conceitos e problemas da gestão
tão ambiental e da participação dos cidadãos.

388 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


50 50 anos de Geologia

Figura 1.
1 Capa da terceira edição do Atlas Ambiental de Porto Alegre.

3.2 A perspectiva interdisciplinar dos descrevem e explicam as dinâmicas dos sis-


saberes para entender o mundo temas natural e transformado do Município
de Porto Alegre. O leitor não encontrará
O Atlas Ambiental de Porto Alegre apenas a descrição dos parâmetros
não reuniu apenas o estado da arte do co- temáticos, mas também um entendimento
nhecimento, mas também o conhecimento profundo da dinâmica natural e do metabo-
de fronteira sobre os diversos temas que lismo urbano.

Atlas Ambiental de Porto Alegre: uma Visão Pioneira sobre a Cidade... 389
Instituto de Geociências. Contribuições

Figura 2.
2 Escalas e dimensões na representação da cidade de Porto Alegre e seu ambiente.

O Atlas, além de apresentar uma Em terceiro lugar, o Atlas Ambiental


grande quantidade de dados, soberbamen- apresenta, de forma inusitada para obras
te documentados, sobre os parâmetros desse tipo, a representação da quarta dimen-
ambientais do município, sintetizou-os den- são: o tempo. Diversos blocos-diagramas
tro das melhores técnicas interdisciplinares, representam a evolução temporal em esca-
permitindo ver a cidade sob o inédito pon- las de tempo que vão desde a do tempo
to de vista de sua História Natural. geológico – que trata de eventos que ocor-
reram há 800 milhões de anos atrás – até a
3.3 A representação da cidade e seu do tempo das horas, meses e anos – que
ambiente em quatro dimensões e em apresenta as séries temporais de eventos,
diversas escalas como o da progressão de uma frente fria.
Todos os temas são ilustrados com
O Atlas Ambiental de Porto Alegre
blocos-diagramas feitos em aquarela, por
ultrapassou os melhores atlas convencionais.
meio do desenvolvimento de um design
Em primeiro lugar, a representação da rea-
científico inédito para publicações similares
lidade não ficou apenas nos mapas temáticos
brasileiras (Figura 3).
(bidimensional), ou nos blocos-diagramas
Além disto, os blocos-diagramas são
(tridimensional). Em segundo lugar, estabe-
acompanhados de 611 fotografias. O leitor
leceu várias conexões escalares progressivas
poderá, assim, ter a oportunidade de
entre a parte e o todo, entre o geral e o par-
estabelecer uma relação mais fácil entre a
ticular. O leitor poderá, assim, ser capaz de
paisagem de seu cotidiano, a qual conhece,
estabelecer relações sobre o ambiente de
com a representação conceitual desenvolvi-
Porto Alegre desde a escala continental e,
da e ilustrada através dos mapas e blocos-
de modo progressivo e consistente, até as
diagramas.
escalas cada vez maiores que o conduzem à
visualização da escala microscópica.

390 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


50 50 anos de Geologia

Figura 3
3. Representação por meio de blocos-diagramas da evolução do Quaternário de Porto Alegre.

Um CD-ROM acompanha a obra, sas, o usuário encontrará novas relações


com representações dinâmicas sobre a evo- entre o espaço e os temas ambientais
lução do sistema natural de Porto Alegre. abordados.
Complementando as informações impres-

Atlas Ambiental de Porto Alegre: uma Visão Pioneira sobre a Cidade... 391
Instituto de Geociências. Contribuições

3.4 A organicidade entre a ciência, tes das realidades e necessidades dos cida-
as instituições, o governo local dãos.
e a sociedade
3.5 A Gestão Ambiental
A elaboração do Atlas deu-se dentro e a participação dos cidadãos e cidadãs
de um contexto orgânico entre a pesquisa,
as instituições, o governo local e a socieda- O Atlas proporcionou o acesso à aná-
de. O papel social da Universidade Pública lise e cruzamento de diferentes parâmetros
ficou evidenciado pela importância, tanto da mapeados, tornando o diagnóstico de aci-
pesquisa desenvolvida, como na sua relação dentes ambientais mais preciso. Além dis-
direta com a comunidade municipal que a so, a análise macro-ambiental, a partir dos
abriga. Os saberes universais são resolvidos mapas temáticos, possibilitou que os inúme-
em termos de aplicações locais com retor- ros processos de fiscalização e legislação
no imediato ao cidadão que, através dos ambiental do município possam ser enqua-
impostos, sustenta a Universidade. Além da drados dentro de cenários e prognósticos
comunidade porto-alegrense, outras pode- construídos com base científica. Da mesma
rão usufruir dos seus benefícios. A aplica- forma, as áreas de grande interesse
ção local dos saberes retorna novamente ambiental ficaram evidenciadas, em termos
como saber universal agora enriquecido com analíticos e descritivos, aprimorando as for-
uma prática, podendo ser replicado para mas de manejo, conservação e preservação
outras localidades do país e, mesmo, do das mesmas. Evita-se, assim, o eco-
mundo. Atualmente, cerca de 50 cidades ela- ideologismo que, muitas vezes, serve de base
boraram seus próprios atlas, tendo o de Por- para o enfoque dos temas ambientais. De
to Alegre como referência, entre as quais, forma apropriada, também, contorna-se o
Viena e Barcelona, na Europa, e Recife, São urbano-ideologismo, o qual muitas vezes se
Paulo, Buenos Aires, Lima, Trujillo e abstém da análise sobre a importância real
Arequipa, na América do Sul. Além disso, a das questões ambientais na qualidade de vida
partir de 2003 foram publicados vários atlas nos meios urbanos.
de geologia urbana (ver United Nations, Com o Atlas, os cidadãos passaram a
2003a, 2003b, 2004). ter o seu melhor instrumento para a gestão
Por sua vez, a Prefeitura pode am- ambiental: o conhecimento. Com ele, os ci-
pliar seus horizontes de planejamento e ação dadãos ganharam confiança na sua capaci-
governamental, ao incorporar a análise de dade de gerir o entorno, indo muito além
elementos da dinâmica da realidade, anteci- dos receituários que, às vezes, não se apli-
pando cenários e prognósticos, ao invés de cam para a realidade imediata em que vive.
formular normas e leis quase sempre A educação ambiental pode ser desenvolvi-
exaradas a posteriori dos eventos que as fi- da em cada sala de aula com o uso de infor-
zeram necessárias. mações locais (Menegat, 2000). Houve um
Para o Instituto Nacional de Pesqui- redobrado êxito nesta perspectiva. Primei-
sas Espaciais, por tratar-se de um centro de ro, na motivação do aluno, que sempre se
alta tecnologia de pesquisa espacial, há uma interessa mais quando o objeto do apren-
visível aproximação tanto com a comunida- der parte da sua vivência. Segundo, que, ao
de acadêmica como com a sociedade, refor- compreender a sua realidade, desde cedo, o
çando, a exemplo da Universidade, o papel aluno se capacita para o exercício conscien-
social dessas atividades, por vezes, distan- te da cidadania a partir de pressupostos

392 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


50 50 anos de Geologia

ambientais mais bem contextualizados. As esferas de decisão sobre os desti-


Assim, a educação ambiental abrange fa- nos da cidade ganharam um instrumento
tores que precisam ser definidos em âmbi- para a compreensão ampla da realidade em
tos mais amplos do que aqueles em que que atuam. O Orçamento Participativo, uma
costumeiramente é realizada. Há a necessi- incontestável marca de Porto Alegre, pas-
dade do tratamento interdisciplinar do pro- sou a ser uma experiência que poderá se
blema – onde o conhecimento geológico se enriquecer, na medida em que seus prota-
coloca como fundamental – e da aglutinação gonistas possam dispor de meios eficazes
de várias instituições, de sorte a concentrar para o entendimento e solução dos proble-
esforços e prognosticar adequadamente mas que agendam suas atividades. Com o
objetivos e resultados. Projetos desse tipo Atlas, técnicos, escolares, professores,
vêm sendo desenvolvidos na instalação de gestores, governantes, empresários, organi-
Laboratórios de Inteligência do Ambiente zações não-governamentais e os cidadãos,
Urbano, como o que ocorre na Escola Mu- podem estabelecer os mesmos referenciais
nicipal de Ensino Fundamental Judith conceituais, melhorando a lógica e a
Macedo de Araújo, em Porto Alegre (Figu- eficiência das soluções práticas para os
ra 4).

Figura 4
4. Litoteca organizada pelos alunos do Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Judith Macedo de Araújo, no Morro da Cruz, Porto Alegre.

Atlas Ambiental de Porto Alegre: uma Visão Pioneira sobre a Cidade... 393
Instituto de Geociências. Contribuições

problemas que enfrentam. Os programas de von Humbolt, Auguste Saint Hilaire,


gestão ambiental podem ser entendidos em Friedrich Sellow, Aimé Bonpland, Friedrich
todos os recortes da vida social e urbana, von Huene, Padre Balduíno Rambo, Iarajá
saindo do hermetismo das esferas eminen- Damiani Pinto, entre outros. Todos eles pro-
temente tecnocráticas ou dos círculos emi- curaram ver o mundo de forma integrada,
nentemente ambientalistas ou, ainda, acadê- unificando a dispersão e fragmentação dos
micos. dados, criando a idéia de uma natureza úni-
ca: aquela do mundo mineral e aquela do
mundo da vida; da finitude do planeta Ter-
4. CONCLUSÃO
CONCLUSÃO ra e da natureza; a do tempo presente com a
do abismo do tempo passado. Enfim, a na-
tureza é um todo heteróclito que se diferen-
Em Porto Alegre, os cidadãos vêm cia a partir de uma evolução, de uma histó-
praticando de forma mais enfática, nos últi- ria, que seus processos incessantemente en-
mos anos, uma nova experiência de demo- gendram.
cracia direta. Por meio do Orçamento O que foi acrescentado com o Atlas
Participativo e dos Conselhos Setoriais, Ambiental de Porto Alegre vem na trilha de
como o do Meio Ambiente, da Saúde e ou- um dos grandes legados científicos e cultu-
tros, os munícipes participam das decisões rais que esse século deixará para o século
dos destinos da cidade. Esses mecanismos XXI: a invenção científica da geologia ur-
de democracia requerem também novas for- bana (Bennet et al., 1996) e outras discipli-
mas de divulgar-se o conhecimento, de sor- nas que procuram entender a cidade e seu
te que todos – cidadãos, governos, pesqui- meio. Por isso, o Atlas Ambiental apresenta
sadores, professores, alunos e técnicos – uma visão de mundo que já não é mais a de
possam ter a sua disposição bases comuns um solitário naturalista, que contempla
para entender a visão científica do mundo embevecido a majestosa natureza, como era
em que vivemos. É dessa forma que a parti- vista no século XIX; mas a de uma Terra
cipação, aliada ao conhecimento que cada finita, cujo todo depende cada vez mais da
indivíduo por ventura alcance, pode tornar- ação local de cada um nós.
se um binômio inseparável desse novo mo- Por isso, cada cidadão deve possuir o
mento da cultura citadina porto-alegrense. entendimento do mundo a partir de sua pai-
A idéia de se fazer um Atlas está sagem, construindo então, as demais rela-
inserida neste contexto social e, por isso, ele ções com as escalas regional e planetária.
poderá ser uma marca dessa época, devido Essa função é vital para o desenvolvimento
ao novo uso desse livro no desenvolvimen- de uma cidadania comprometida com a ges-
to do conceito de cidadania e não apenas tão ambiental e o desenvolvimento susten-
pelo vigor do conteúdo técnico-científico tável.
que, certamente, servirá de referência para É dessa forma que podemos estabe-
todos os interessados na cidade e em seu lecer uma nova ética, um novo humanismo
território. e novos laços de solidariedade entre os ci-
O Atlas Ambiental de Porto Alegre dadãos, derivada da participação informada
possui um conteúdo diferente dos atlas con- do cidadão nos destinos da cidade e, assim,
vencionais. Certamente, ele também percor- no destino de todos os que habitam esse
reu a trilha dos grandes naturalistas do sé- mundo.
culo passado e início deste, como Alexander

394 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


50 50 anos de Geologia

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396 Rualdo Menegat, Clóvis Carlos Carraro


Instituto de Geociências
Centro de Investigação do Gondwana
CIGO - IG - UFRGS

Editores:
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José Carlos Frantz


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Fontes utilizadas:
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