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Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman
É nesta época em que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior,
denominada pelo autor como modernidade sólida, são retirados de palco para dar espaço
à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade.
O objetivo do derretimento proposto pela modernidade era questionar cada ponto da vida,
descartando a irracionalidade e a falta de justificativa plausível que cada objeto de crítica
continha, mas mantendo ou realocando no projeto racional e iluminista suas
características ainda aproveitáveis.
Fragoso complementa, “Na modernidade líquida os indivíduos não possuem mais padrões
de referência, nem códigos sociais e culturais que lhes possibilitassem, ao mesmo tempo,
construir sua vida e se inserir dentro das condições de classe e cidadão. Chega-se no
entender de Bauman a era da comparabilidade universal, onde os indivíduos não possuem
mais lugares pré-estabelecidos no mundo onde poderiam se situar, mas devem lutar
livremente por sua própria conta e risco para se inserir numa sociedade cada vez mais
seletiva econômica e socialmente”[5].
É nesta época que as relações de trabalho cada vez mais se desgastam e que a
própria esfera do trabalho se transforma num campo fluido desregulamentado. Então,
empregos temporários, meia jornada, empregos em que as relações de empregado-
empregador são constituídas somente pelos dois (como os trabalhadores que são Pessoa
Jurídica), se tornam situações fáceis de observar e consideradas legítimas pela sociedade.
Nisto, emerge a figura do desempregado crônico[6].
A relação frágil tem como pressuposto a transformação dos humanos em mercadorias que
podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento – a qualquer momento eles
(os humanos) podem ser excluídos. A conexão é frágil porque o sujeito líquido lida com
um mundo de consumo e opções, mas esse mundo nunca é objetivo e frio, ele ainda causa
frustrações e, como já dito, insegurança. O sujeito líquido não tem mais referenciais de
ação: toda a autoridade de referência é coloca em si e é sua responsabilidade construir ou
escolher normas a serem seguidas – tudo se passa como se tudo fosse uma questão de
escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, de preferência, nenhuma
desvantagem[7].
Isso tudo é coberto por uma mentalidade que, não só valida as instituições e as normas,
mas também dá base para a vida dos sujeitos: os imperativos de consumo são inscritos
naquilo que há de mais fundamental na constituição do sujeito líquido. Até mesmo no
sexo.
No entanto, para além da prática sexual, a própria noção da sexualidade foi modificada.
Percebe-se isso nas crianças: atualmente, a expressão da sexualidade na criança é tida
como produto do abuso de adultos – os adultos as abusam e este ato criminoso seria
refletido na criança em ações simples, como quando começa a mexer nos próprios órgãos
genitais. Antes desta conceituação da sexualidade infantil, as crianças eram tidas como
sujeitos sexuais, elas tinham interesse pelo prazer sexual e se masturbaram em busca
destas sensações (basta ler Freud).
Portanto, o autor chega a conclusão que essa nova significação da sexualidade infantil é
o oposto da sexualidade, digamos, “sólida”: nela, a sexualidade era parte do instinto
incontrolável que deveria ser vigiado constantemente pelos pais. A criança passou de
sujeito sexual a objeto sexual.
A impossibilidade de reencaixe
Isso quer dizer que o desengajamento coletivo – uma das características marcantes da
pós-modernidade – também carrega em seu bojo uma transformação das instituições que
funcionavam como guias coletivos e como laços para ações coletivas: não há mais criação
de possibilidades de reencaixe em nossa sociedade, os indivíduos flutuam sobre a
estrutura social sem saber muito bem como se portar com segurança e com garantia de
aceitação dentro da diferentes situações em que se encontram.
As identidades perdem seu caráter de raiz e se transformam em meras âncoras: não são
mais presas ao chão, já não são o resultado daquilo que o sujeito é por pertencer a uma
cultura, família, religião ou partido, não é algo mais ou menos nuclear, algo que não se
troca, algo que é necessário lidar para sempre. Elas são âncoras na medida em que a
âncora é um peso sem fixação. É um peso banal.
Os indivíduos são abandonados a sua própria sorte para conseguir formar sua identidade
e sobreviver em uma sociedade ultracompetitiva e individualista, a busca da felicidade
individual passa a ser a única coisa que vale a pena ser investida. Segundo Tiago Fragoso,
“Chega-se no entender de Bauman a era da comparabilidade universal, onde os indivíduos
não possuem mais lugares pré-estabelecidos no mundo onde poderiam se situar, mas
devem lutar livremente por sua própria conta e risco para se inserir numa sociedade cada
vez mais seletiva econômica e socialmente.”
E felicidade está relacionado também com sentir-se parte dos grupos em que se convive.
Em uma sociedade (ou em grupos), todas as pessoas buscam aprovação. Não ser rejeitado
é algo de enorme valor para qualquer um. Em uma sociedade de consumo, não ser
rejeitado envolve adaptar-se a todas as situações, envolve conseguir o reconhecimento
social – o reconhecimento social é a única garantia de que a posição que um sujeito aspira
ou pertence está sendo de fato vista e respeitada.
Identidade e comunidade
A comunidade é, então, assim como a noção rousseoniana do contrato social, uma troca
de liberdade por segurança. A liberdade individual é sacrificada em nome da segurança
existencial e material de viver em comunidade. Mas a comunidade se desfaz quando
novos horizontes são abertos e mais grupos/pessoas, que estavam do lado externo da
comunidade, já não são mais “eles” e podem fazer parte do “nós”.
A comunidade é uma utopia que serve como ideal para a parte vulnerável da sociedade.
É esta parte vulnerável que forma “comunidades estéticas”. Comunidades com laços
frouxos, que passam uma sensação de segurança, de união, de cumplicidade, mas que não
são mais que momentos para aliviar o sufoco cotidiano de viver sem garantias futuras.
São os clubes, os grupos étnicos, os coletivos artísticos, os sindicatos e etc e etc. As
minorias se investem do objetivo de fazer uma comunidade para se protegerem da
realidade líquida.
Quando as relações deixam de ter como fundamento uma lógica interna “natural” e são
mediadas por regras “autoconscientes”, ou seja, quando é necessário nomear claramente
e formalizar aquilo que media as relações sociais, a comunidade desaba e cada indivíduo
é convidado pela situação dramática do abandono a procurar um espaço social e cultural
para se alojar – é necessário que se construa uma identidade.
Espaços públicos
Então como sair dessa sinuca de bico em que as identidades (que representam a liberdade
fora da comunidade) expressam o fardo de ser livre, ao invés de representarem uma
possibilidade maior de viver sob as próprias rédeas? As elites globais podem exercer sua
liberdade como quiserem, já a massa de humanos, que não se encontra com poder nenhum
de decisão, está fadada ao desespero e à solidão em meio ao mundo competitivo. A
liberdade é, na verdade, uma sina para quem não tem condições de aproveitá-la.
As elites podem ter a identidade que quiserem. Não se fixam em lugar nenhum, moram
em todos os lugares e podem pertencer a todas as culturas. Já a massa precisa se adaptar
sozinha a um mundo sem uma linguagem cultural precisa e segura, em um mundo de
insegurança que não lhes reserva um destino garantido. Todos estão jogados em uma
competição louca e agressiva.