Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Científica do Homem:
Tecnologia, Cognição e Cultura
Jon Lindblom
In Alleys of Your Mind: Augmented Intellligence and Its Traumas, edited by Matteo Pasquinelli,
107–22. Lüneburg: meson press, 2015.
DOI: 10.14619/014
Sem dúvida, ainda existe muito trabalho a ser feito aqui, particularmente a respeito da
relação entre a tecnologia e a psicossociologia (qual a extensão da tecnologia como
fonte e a raiz desses sintomas?), e também, qual é exatamente a natureza desses
sintomas (encontram-se indexados nos casos clínicos vigentes?). Apesar destas
inúmeras lacunas, parece claro para mim que o projeto de Rosen esclarece problemas
com os quais todos os que estamos familiarizados com a cultura digital cotidiana
reconhecemos em nós mesmos. Esperamos que a natureza exata desses assuntos se
esclareça conforme formos aprendendo mais sobre os efeitos psicossociais e
cognitivos da tecnologia. No entanto, além dessas observações de contexto
específico, é importante reconhecer o contexto maior no qual o trabalho de Rosen
ganha sentido. Seu trabalho contém duas frentes: por um lado, a função da cultura
digital dentro do capitalismo tardio e, por outro, o relacionamento entre a ciência e a
cultura, implícitas nos efeitos cognitivos e psicossociais da tecnologia.
Neste presente ensaio trato da elaboração desses dois contextos. Na primeira parte,
situarei a diagnose de Rosen dentro do que Mark Fisher chamou de desencanto
generalizado do digital na cultura capitalista tardia (isto é, uma ampla insatisfação com
as formas atuais da cultura digital); que não apenas indexa o mal cultural provocado
pelo digital, como também o que Fisher identificou como uma aporia geral dentro do
capitalismo tardio: o problema da saúde mental. Na segunda parte tratarei mais
longamente das implicações do uso de recursos científicos (especialmente a
neurociência) para desempacotar os efeitos cognitivos da tecnologia e seu papel
potencialmente decisivo dentro do contexto de um deslocamento cultural maior. Tal
deslocamento foi provocado pelo significado especulativo ao qual o filósofo Wilfrid
Sellars se referiu como a “imagem científica do homem”. Finalmente, concluirei com
alguns comentários breves sobre a natureza desse deslocamento e suas implicações
nas várias formas da prática cultural e pós-capitalista.
Assim, é neste grande contexto sócio-político que o trabalho de Rosen precisa ser
minuciosamente situado. Suas observações a respeito da proliferação de distúrbios
psicológicos, tais como o distúrbio de hiperatividade e défice de atenção, como
também mudanças na estrutura do cérebro e no equilíbrio químico – presumidamente
como resultado de nosso aumento na dependência de tecnologia e novas mídias -
realmente parece ser um estudo especialmente lúcido sobre os efeitos cognitivos e
psicossociais do aumento do ciberespaço-matrix capitalista, que Fisher identificou em
seus estudos sobre o neoliberalismo. Por isso, mesmo que Rosen esteja certo em
localizar a raiz-fonte desses sintomas fora do cérebro, apenas quando estiverem
situados em um contexto sócio-político inclusive mais amplo (e, como veremos,
cultural) que poderemos diagnosticar apropriadamente suas intrincadas estruturas e
causas, como a citação acima enfatiza.
Este é apenas um lado da história, já que a agenda cognitiva imposta pelo
neoliberalismo não apenas ameaça subestimar as questões psicológicas relacionadas
à doença mental, como também as preocupações transformadoras organizadas em
torno da relação entre o tecnológico e o neurobiológico. Em outras palavras, existem
pelo menos duas trajetórias que precisam ser elaboradas aqui: a situação clínica
relacionada à doença mental e a situação especulativa relacionada à transformação
neuro-tecnológica da neurobiologia cognitiva. No decorrer deste ensaio vou me
concentrar no conjunto de questões mencionadas por último, com foco específico nas
suas implicações culturais, já que acredito que a cultura contemporânea não apenas
necessita desesperadamente de tais fontes especulativas, como também porque
parece que a cultura constitui um campo particularmente produtivo para a utilização de
seu potencial transformador. Ainda assim, antes de continuarmos nesta discussão,
preciso complementar a contextualização sócio-política anterior com o seu equivalente
cultural, já que a patologia digital explicada anteriormente não apenas está enraizada
em um contrato social falho, como também em um mal cultural de proporções
generalizadas. Portanto, a total magnitude do atual descontentamento com a
tecnologia pode ser entendida apenas quando esse desencantamento estiver
inequivocamente relacionado com a agenda sócio-política do neoliberalismo e com o
agravado mal-estar cultural do pós-modernismo.
Uma vez mais, o trabalho de Mark Fisher é exemplar aqui. Seu trabalho é construído
acerca da tese neo-Marxista de Jameson na qual mudanças na cultura devem ser
entendidas em conjunção com mudanças na economia, e que o pós-modernismo é a
lógica cultural do capitalismo tardio (Jameson 1992,1-54). Fisher vê a cultura
contemporânea como se ela estivesse mergulhada em algo que poderia ser
caracterizado como um tipo de pós-modernismo normalizado.
O último designa uma inércia cultural difundida, onde o conflito residual entre o
modernismo e o pós-modernismo, que persiste na obra de Jameson, foi
completamente esquecido, juntamente com a distinção entre alta arte e cultura popular
e onde o ethos modernista de orientar-se pelo desconhecido foi substituído – uma vez
mais, como Jameson corretamente previu – por uma tendência ao revivalismo,
retrospecção, pastiche e constante reciclagem do que já é familiar. Portanto, “retro”
não mais designa um estilo particular, mas o modus operandi da cultura tout court e a
colonização capitalista da natureza e do inconsciente – observados com surpresa e
horror por Jameson nos anos 1980 – agora sendo normalizado a tal extensão que é
simplesmente tido como certo. Consequentemente, apesar da distribuição cultural, do
consumismo e da comunicação terem passado por mudanças importantes na última
década, a produção cultural, por sua vez, gerou pouco entusiasmo. Ao contrastar sua
adolescência com a dos adolescentes de hoje, o músico e crítico cultural Simon
Reynolds percebe que enquanto na sua própria juventude ele esteve mergulhado em
interesses tais como arte modernista, vida alienígena e espaço sideral (isto é, o
desconhecido), os espantos da exterioridade sem limites parecem não ter mais
qualquer valor para os jovens de hoje, imersos como estão no Youtube, Facebook,
iPhones e outras formas de mídia social (ver Reynols 2012, 362-98). Certamente, as
novas tecnologias proliferaram dramaticamente na última década, mas apenas na
extensão em que mantêm a interioridade cultural e o status quo concomitante com o
ciberespaço-matrix capitalista. Essa é uma situação cultural que Reynolds caracteriza
como um mal-estar temporal generalizado, ou “hiperestesia”, qua vida digital como
experiência cotidiana. Consequentemente, o problema fundamental que nos confronta
é o da reabilitação da ligação entre a tecnologia e o desconhecido – em contraste com
a reiteração cibercapitalista do já conhecido – que está intimamente conectado com
uma renovação do entendimento das implicações da ciência na cultura, simplesmente
porque a ciência, como veremos, é um dos primeiros métodos do homem para indexar
o desconhecido. Em especial, o campo da neurociência cognitiva parece prover
algumas das fontes mais promissoras (mas dificilmente a única) para este confronto
cultural com o desconhecido. Consequentemente, este último será meu tópico
principal de discussão na próxima seção.
Realmente, o que frequentemente passa sem menção em muitos livros que destacam
a influência de Adorno e Horkheimer na teoria cultural contemporânea é o amplo
contexto crítico no qual a análise da indústria cultural está situada. A decisão de não
articular esta ligação se tornou mais do que um atalho pedagógico, já que, de fato,
contém a chave para o engajamento contemporâneo com as críticas do livro sobre a
cultura moderna. Assim, é especificamente nesta junção onde a presente análise deve
começar.
O argumento especulativo de Nihil Unbound pode ser entendido como uma inversão
thanatrópica das dialéticas de mito e Iluminismo de Adorno e Horkheimer, já que o
livro insiste, mais do que rejeita, o niilismo impessoal implícito na objetificação
científica e exteriorização tecnológica. Enquanto que Adorno e Horkheimer
argumentam que o que eles concebem como exaustão terminal da razão pode ser
ultrapassada apenas pela sua reintegração na história humana com propósito –
construída como uma transcendência temporal da compulsão patológica da ciência -
Brassier (2007, 32) insiste na ideia da “thanatosis do Iluminismo”, na incompatibilidade
entre a imagem da natureza fornecida a nós pela ciência e o nosso entendimento
manifesto das coisas. Para Brassier, o fato do pensamento da ciência estar além de
nosso entendimento padrão da natureza precisa ser entendido como ponto de partida
para o trabalho filosófico ao invés de considerado como uma patologia cognitiva para a
qual a filosofia deveria ser convocada a sanar. Portanto,o livro Nihil Unbound está, em
sua maior parte, preocupado em articular o racionalismo científico como uma
emancipação cognitiva do mundo vivente do homem, onde o pensamento é
confrontado com um exterior alienígena que não está condicionado pela manifestação
humana. E ao invés de tentar reinscrever esta falta de propósito universal dentro da
narrativa de reconciliação, o animus do livro está em progressivamente derrubar o
mundo vivente que criamos para satisfazer nossas necessidades psicológicas (e no
qual a filosofia também participou, como pode ser visto no pensamento dialético de
Adorno e Horkheimer), reconhecendo que a experiência humana, a consciência, o
significado e a história não passam de ocorrências espaço-temporais menores dentro
de uma cosmologia exorbitante, que está sendo progressivamente desvelada pelas
ciências naturais.
1 indubitavelmente, muito mais precisa ser dito sobre a busca da integração explicativa
da imagem manifesta e científica, e suas consequências na forma genuinamente
moderna do niilismo. Em especial, é muito importante reconhecer que a adesão à
ordem manifesta qua raciocínio normativo não representa uma regressão a partir do
desencantamento niilista para uma versão ainda mais conservadora de humanismo –
pelo que Brassier tem sido algumas vezes acusado – já que o que é crucial sobre a
imagem manifesta é a sua infraestrutura normativa, mais do que a sua instancia
puramente contingente no medium sapiens. Em outras palavras, não há nada
intrinsicamente humano sobre a imagem manifesta, na medida em que ela é medium-
independente e em princípio, poderia ser instanciada em outros sistemas além dos
biológicos (veja Brassier e Malik 2015). Esse é um significado especulativo
fundamental do modelo Sellarsian e da escola funcionalista de pensamento.
Agradeço a Ray Brassier and Pete Wolfendale por esclarecer estes pontos.
2 Uma outra forma não técnica de entender o PSM é pensá-lo como um modelo de realidade
virtual avançado, pois assim como em RV, o maior interesse do PSM é fazer com que o
usuário não esteja ciente do fato de que está operando em um meio. No entanto, com o
PSM é necessário avançar um pouco mais adiante com esta metáfora, já que diferente da
RV, aqui não existe usuário que preceda a interação com o sistema, porque não existe nada
além do sistema (veja Metzinger 2004, 553-58). Em outras palavras, é a habilidade do
sistema em gerar um modelo-mundo, por um lado, e um auto-modelo por outro lado, que
produz a noção de um forte sentido do eu em contato imediato com o mundo.
Com efeito, o emocionante sobre a cultura rave vem do fato das modificações
neuroquímicas trazidas pelo excessivo uso das drogas
3 Esse lado do Iluminismo 2.0 já tinha sido dramatizado em vários romances de ficção
científica, que mostravam as implicações da proliferação de neurotecnologias em escala
de massa – veja, por exemplo Bakker 2009 e Sullivan 2010 – e ainda em contraste a
esses cenários distópicos, o objetivo deste ensaio é refletir sobre as suas (igualmente
importantes) implicações de potência positiva.
não desempenhou apenas um papel periférico, mas constituiu uma de suas maiores
forças motrizes. E nesse aspecto, isso formou um lado do que Reynols chamou de
“interface droga/techno”, fazendo referência à abertura progressiva da cultura através
da experimentação neuro-tecnológica e a festa rave como um enclave do modernismo
– um componente cultural que Nick Srnicek e Alex Williams recentemente
caracterizaram como uma modernidade alternativa – dentro de uma emergente
paisagem cultural pós-moderna (ver Srnicek and Williams 2013, Fishwer and Reynolds
2010).
4. A esse respeito, esse projeto deve também ser pensado como parte de um amplo programa
político, recentemente chamado de “aceleracionismo”. Para melhor acessar o impetus
aceleracionista, e suas ligações principais com o prometeísmo iluminista, ver Srnicek e
Williams 2013, e Williams 2013.
Referências
Adorno, Theodor W., and Max Horkheimer. 1997. Dialectic of Enlightenment. London:
Verso Books.
Bakker, Scott. 2009. Neuropath. London: Orion Publishing Group.
Brassier, Ray. 2007. Nihil Unbound: Enlightenment and Extinction. Basingstoke:
Palgrave MacMillan.
Brassier, Ray. 2013. “On Prometheanism (And Its Critics).” Speculations conference,
New York.
Talk. http://www.youtube.com/watch?v=7W3KJGof2SE.
Brassier, Ray, and Suhail Malik. 2015. “Reason is Inconsolable and Non-Conciliatory.”
In Realism
Materialism Art, edited by Christoph Cox, Jenny Jaskey, and Suhail Malik, 213–30.
Berlin: Sternberg Press.
Churchland, Paul. 2007. “Demons Get Out!” Interview. In Collapse II: Speculative
Realism, edited by Robin Mackay, 207–34. Falmouth: Urbanomic.
Fisher, Mark. 2009. Capitalist Realism: Is There No Alternative? Winchester: Zero
Books.
Fisher, Mark, and Simon Reynolds. 2010. “You Remind Me of Gold.” Transcript of
public dialogue. http://markfisherreblog.tumblr.com/post/32185314385/you-remind-me-
of-gold-dialogue-with-simon-reynolds.
Jameson, Fredric. 1992. Postmodernism, or the Cultural Logic of Late Capitalism.
Durham: Duke University Press.
Ladyman, James. 2009. “Who’s Afraid of Scientism?” Interview. In Collapse V: The
Copernican Imperative, edited by Damian Veal, 137–88. Falmouth: Urbanomic.
Metzinger, Thomas. 2004. Being No-One: The Self-Model Theory of Subjectivity.
Cambridge, MA: MIT Press.
Metzinger, Thomas. 2009. “Enlightenment 2.0.” Interview. In Collapse V: The
Copernican Imperative, edited by Damian Veal, 189–218. Falmouth: Urbanomic.
Reynolds, Simon 2012. Retromania: Pop Culture’s Addiction to Its Own Past. London:
Faber and Faber.
Rosen, Larry D. 2012. iDisorder: Understanding Our Obsession with Technology and
Overcoming Its Hold on Us. Basingstoke: Palgrave Macmillan.
Sellars, Wilfrid. 1963. “Philosophy and the Scientific Image of Man.” In Empiricism and
the Philosophy of Mind, 1–40. London: Routledge & Keagan Paul .
Srnicek, Nick, and Alex Williams. 2013. “#Accelerate: Manifesto for an Accelerationist
Politics.” In Dark Trajectories: Politics of the Outside, edited by Joshua Johnson.
Miami: Name.
Sullivan, Tricia. 2010. Lightborn: Seeing is Believing. London: Orbit Books.
Williams, Alex. 2013. “Escape Velocities.” E-flux 46. http://www.e-
flux.com/journal/escape-velocities