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Capitalismo Tardio e a Imagem

Científica do Homem:
Tecnologia, Cognição e Cultura
Jon Lindblom

O presente ensaio é uma introdução à concepção de Wilfrid Sellars sobre a


imagem científica do homem tendo como pano de fundo o mal cognitivo do
panorama digital midiático contemporâneo. O argumento apresentado é que o
entendimento científico emergente sobre cognição nos ajudará, não apenas a
avançar na diagnose de patologias cognitivas em curso no capitalismo tardio,
como também nos possibilitará construir cenários tecno-culturais recíprocos
para elucidar as potencialidades da neurotecnologia. Esta argumentação aborda
a crítica da razão iluminista de Adorno e Horkheimer e trabalhos recentes de Ray
Brassier e Thomas Metzinger sobre o niilismo, racionalismo e ciência cognitiva.
Em especial, alega que uma reconsideração especulativa do prometeísmo
iluminista pode fornecer um contexto crítico para desencadear as potências
cognitivas e tecnológicas, atualmente inibidas pelo capitalismo tardio.

In Alleys of Your Mind: Augmented Intellligence and Its Traumas, edited by Matteo Pasquinelli,
107–22. Lüneburg: meson press, 2015.
DOI: 10.14619/014

Tradução: Bartira Galati

Em seu livro iDisorder: Understanding Our Obsession with Technology and


Overcoming Its Hold on Us (2012) [trad. livre: Distúrbio digital: A obsessão com a
tecnologia e a superação de seu domínio sobre nós], o psicólogo e professor de
computação Larry Rosen apresenta um diagnóstico convincente sobre o que ele
chama de crescentes efeitos cognitivos e psicossociais da tecnologia na sociedade.
Segundo Rosen, o surgimento do ciberespaço, dos computadores, das mídias sociais,
dos dispositivos eletrônicos portáteis e da Web 2.0 provocou um distúrbio cognitivo e
psicossocial generalizado, com sintomas que se assemelham muito a distúrbios
psiquiátricos conhecidos e que estão centrados em nossa crescente ocupação com
tecnologia e novas mídias. Esses distúrbios incluem (mas não estão limitados a):
distúrbio obsessivo-compulsivo (olhar constantemente o Facebook, email, iPhones),
distúrbio de hiperatividade e défice de atenção (aumento da inabilidade de se
concentrar em uma tarefa devido à prevalência de multitarefas, vídeo game, etc.),
distúrbio de ansiedade social (esconder-se atrás de várias telas ao custo de manter-se
cara a cara em relações sociais) e distúrbio de personalidade narcisista (ficar
obcecado em criar uma persona online idealizada). Todos esses distúrbios
acompanham várias reconfigurações neurológicas, tais como alterações nos níveis
químicos de dopamina e serotonina (isto é, alterações registradas no sistema de
recompensa do cérebro, resultantes do vício em tecnologia, que parecem espelhar os
desequilíbrios químicos, ocultando várias formas de dependência de substância); e a
criação de novas conexões sinápticas entre os neurônios (isto é, neuroplasticidade)
em resposta às mudanças ambientais provocadas pela tecnologia (que pode ser a
explicação neurobiológica implícita para fenômenos tais como “síndrome da vibração
fantasma”, onde usuários de telefones celulares começam a experimentar vibrações
fantasmagóricas com regularidade – presumivelmente devido ao aumento da atenção
para sensações vibratórias. Considerados em conjunto, todos esses sintomas
apontam para um estado geral de ansiedade coletiva, provocado pela intrincada
relação entre tecnologia, neurologia e psicossociologia. Rosen chama essa ansiedade
de “Distúrbio Digital”.

Sem dúvida, ainda existe muito trabalho a ser feito aqui, particularmente a respeito da
relação entre a tecnologia e a psicossociologia (qual a extensão da tecnologia como
fonte e a raiz desses sintomas?), e também, qual é exatamente a natureza desses
sintomas (encontram-se indexados nos casos clínicos vigentes?). Apesar destas
inúmeras lacunas, parece claro para mim que o projeto de Rosen esclarece problemas
com os quais todos os que estamos familiarizados com a cultura digital cotidiana
reconhecemos em nós mesmos. Esperamos que a natureza exata desses assuntos se
esclareça conforme formos aprendendo mais sobre os efeitos psicossociais e
cognitivos da tecnologia. No entanto, além dessas observações de contexto
específico, é importante reconhecer o contexto maior no qual o trabalho de Rosen
ganha sentido. Seu trabalho contém duas frentes: por um lado, a função da cultura
digital dentro do capitalismo tardio e, por outro, o relacionamento entre a ciência e a
cultura, implícitas nos efeitos cognitivos e psicossociais da tecnologia.

Neste presente ensaio trato da elaboração desses dois contextos. Na primeira parte,
situarei a diagnose de Rosen dentro do que Mark Fisher chamou de desencanto
generalizado do digital na cultura capitalista tardia (isto é, uma ampla insatisfação com
as formas atuais da cultura digital); que não apenas indexa o mal cultural provocado
pelo digital, como também o que Fisher identificou como uma aporia geral dentro do
capitalismo tardio: o problema da saúde mental. Na segunda parte tratarei mais
longamente das implicações do uso de recursos científicos (especialmente a
neurociência) para desempacotar os efeitos cognitivos da tecnologia e seu papel
potencialmente decisivo dentro do contexto de um deslocamento cultural maior. Tal
deslocamento foi provocado pelo significado especulativo ao qual o filósofo Wilfrid
Sellars se referiu como a “imagem científica do homem”. Finalmente, concluirei com
alguns comentários breves sobre a natureza desse deslocamento e suas implicações
nas várias formas da prática cultural e pós-capitalista.

Patologias digitais na cultura do capitalismo tardio


De acordo com Mark Fisher (2009), o fato da presença de vários distúrbios
psicológicos ter aumentado significativamente nas últimas décadas tais como
depressão, ansiedade, estresse, distúrbio de hiperatividade e défice de atenção, não é
mera coincidência, mas sim consequência do surgimento do próprio neoliberalismo. O
que veio no encalço da mudança de sociedades disciplinares para sociedades de
controle, da rigidez fordista para a flexibilidade pós-fordista, trata-se de nada menos do
que uma grande pandemia de variados distúrbios psicológicos, cuja raiz-fonte pode
ser encontrada nas numerosas reestruturações sociais impostas pelo neoliberalismo –
mais do que em desequilíbrios químico-biológicos individuais. Essas reestruturações
incluem flexibilidade e precariedade no cotidiano do trabalho, várias formas de RP e
nova burocracia e o surgimento do ciberespaço, da mídia social, dos dispositivos
eletrônicos portáteis e assim por diante. Esse funcionamento é essencial para a
reestruturação neoliberal de sistemas nervosos e que inevitavelmente precisa
acompanhar as estruturas das novas mídias sociais, como também para a obliteração
da distinção entre horário de trabalho e horário de lazer, que tornou-se uma das
características definidoras do capitalismo contemporâneo.
Portanto, a instabilidade da vida do trabalhador aumentou devido a novas estratégias
para gerir trabalhadores-consumidores. Apesar das afirmativas de descentralização e
diversidade, essas novas estratégias permanecem num impasse: por um lado às
voltas com várias formas de burocracias, constante vigilância e falsas aparências (veja
em especial Fisher Fisher 2009: 31–53); e por outro lado, pelo surgimento de um
ciberespaço-matrix global, cuja essência de funcionamento está na criação de um
“viciado-devedor”, que é central à organização do capitalismo tardio compartilhado.
O viciado-devedor perdeu a habilidade de se concentrar, como também a capacidade
de sintetizar o tempo em uma forma de narrativa que faça sentido. Ao invés disso, ele
vive uma série de presentes espasmódicos e desconectados: “Então, se o distúrbio de
défice de atenção e hiperatividade é uma patologia, é uma patologia do capitalismo
tardio – uma consequência do estar conectado aos circuitos de controle do
entretenimento da cultura de consumo hiper-mediado” (Fisher 2009, 25). Obviamente,
a ideia de que a proliferação de doenças mentais possa estar correlacionada ao triunfo
do neoliberalismo é terminantemente negada por seus defensores. Mais importante,
essa ideia também não foi identificada pela esquerda política como um assunto
urgente para ser re-politizado, como Fisher salienta em uma passagem incisiva
específica:

“A ontologia dominante atual nega qualquer possibilidade da doença mental ser


causada pelo social. A químico-biologização da doença mental é, naturalmente,
estritamente proporcional à sua despolitização. Considerar a doença mental um
problema químico-biológico individual traz enormes benefícios para o capitalismo.
Primeiro, reforça o acionamento do Capital para a individualização atomística (você
está doente devido à química do seu cérebro). Segundo, fornece um mercado
enormemente lucrativo, no qual as empresas farmacêuticas multinacionais podem
vender os seus remédios (podemos curá-lo com o nosso SSRIs [N.T. inibidor seletivo
da receptação de serotonina]). Desnecessário será dizer que todas as doenças
mentais são neurologicamente instanciadas, o que não explica suas causas. Caso
seja verdade, por exemplo, que a depressão é constituída por baixos níveis de
serotonina, o que ainda precisa ser explicado é por que determinados indivíduos têm
baixos níveis de serotonina. Isso requer uma explicação social e política, e a tarefa da
re-politização da doença mental é urgente, se a esquerda (política) quiser enfrentar o
realismo capitalista. (Fisher 2009, 37).

Assim, é neste grande contexto sócio-político que o trabalho de Rosen precisa ser
minuciosamente situado. Suas observações a respeito da proliferação de distúrbios
psicológicos, tais como o distúrbio de hiperatividade e défice de atenção, como
também mudanças na estrutura do cérebro e no equilíbrio químico – presumidamente
como resultado de nosso aumento na dependência de tecnologia e novas mídias -
realmente parece ser um estudo especialmente lúcido sobre os efeitos cognitivos e
psicossociais do aumento do ciberespaço-matrix capitalista, que Fisher identificou em
seus estudos sobre o neoliberalismo. Por isso, mesmo que Rosen esteja certo em
localizar a raiz-fonte desses sintomas fora do cérebro, apenas quando estiverem
situados em um contexto sócio-político inclusive mais amplo (e, como veremos,
cultural) que poderemos diagnosticar apropriadamente suas intrincadas estruturas e
causas, como a citação acima enfatiza.
Este é apenas um lado da história, já que a agenda cognitiva imposta pelo
neoliberalismo não apenas ameaça subestimar as questões psicológicas relacionadas
à doença mental, como também as preocupações transformadoras organizadas em
torno da relação entre o tecnológico e o neurobiológico. Em outras palavras, existem
pelo menos duas trajetórias que precisam ser elaboradas aqui: a situação clínica
relacionada à doença mental e a situação especulativa relacionada à transformação
neuro-tecnológica da neurobiologia cognitiva. No decorrer deste ensaio vou me
concentrar no conjunto de questões mencionadas por último, com foco específico nas
suas implicações culturais, já que acredito que a cultura contemporânea não apenas
necessita desesperadamente de tais fontes especulativas, como também porque
parece que a cultura constitui um campo particularmente produtivo para a utilização de
seu potencial transformador. Ainda assim, antes de continuarmos nesta discussão,
preciso complementar a contextualização sócio-política anterior com o seu equivalente
cultural, já que a patologia digital explicada anteriormente não apenas está enraizada
em um contrato social falho, como também em um mal cultural de proporções
generalizadas. Portanto, a total magnitude do atual descontentamento com a
tecnologia pode ser entendida apenas quando esse desencantamento estiver
inequivocamente relacionado com a agenda sócio-política do neoliberalismo e com o
agravado mal-estar cultural do pós-modernismo.

Uma vez mais, o trabalho de Mark Fisher é exemplar aqui. Seu trabalho é construído
acerca da tese neo-Marxista de Jameson na qual mudanças na cultura devem ser
entendidas em conjunção com mudanças na economia, e que o pós-modernismo é a
lógica cultural do capitalismo tardio (Jameson 1992,1-54). Fisher vê a cultura
contemporânea como se ela estivesse mergulhada em algo que poderia ser
caracterizado como um tipo de pós-modernismo normalizado.
O último designa uma inércia cultural difundida, onde o conflito residual entre o
modernismo e o pós-modernismo, que persiste na obra de Jameson, foi
completamente esquecido, juntamente com a distinção entre alta arte e cultura popular
e onde o ethos modernista de orientar-se pelo desconhecido foi substituído – uma vez
mais, como Jameson corretamente previu – por uma tendência ao revivalismo,
retrospecção, pastiche e constante reciclagem do que já é familiar. Portanto, “retro”
não mais designa um estilo particular, mas o modus operandi da cultura tout court e a
colonização capitalista da natureza e do inconsciente – observados com surpresa e
horror por Jameson nos anos 1980 – agora sendo normalizado a tal extensão que é
simplesmente tido como certo. Consequentemente, apesar da distribuição cultural, do
consumismo e da comunicação terem passado por mudanças importantes na última
década, a produção cultural, por sua vez, gerou pouco entusiasmo. Ao contrastar sua
adolescência com a dos adolescentes de hoje, o músico e crítico cultural Simon
Reynolds percebe que enquanto na sua própria juventude ele esteve mergulhado em
interesses tais como arte modernista, vida alienígena e espaço sideral (isto é, o
desconhecido), os espantos da exterioridade sem limites parecem não ter mais
qualquer valor para os jovens de hoje, imersos como estão no Youtube, Facebook,
iPhones e outras formas de mídia social (ver Reynols 2012, 362-98). Certamente, as
novas tecnologias proliferaram dramaticamente na última década, mas apenas na
extensão em que mantêm a interioridade cultural e o status quo concomitante com o
ciberespaço-matrix capitalista. Essa é uma situação cultural que Reynolds caracteriza
como um mal-estar temporal generalizado, ou “hiperestesia”, qua vida digital como
experiência cotidiana. Consequentemente, o problema fundamental que nos confronta
é o da reabilitação da ligação entre a tecnologia e o desconhecido – em contraste com
a reiteração cibercapitalista do já conhecido – que está intimamente conectado com
uma renovação do entendimento das implicações da ciência na cultura, simplesmente
porque a ciência, como veremos, é um dos primeiros métodos do homem para indexar
o desconhecido. Em especial, o campo da neurociência cognitiva parece prover
algumas das fontes mais promissoras (mas dificilmente a única) para este confronto
cultural com o desconhecido. Consequentemente, este último será meu tópico
principal de discussão na próxima seção.

As Implicações Culturais da Exteriorização Cognitiva

À primeira vista, a ideia de importação cultural de recursos, fornecida pela ciência


moderna, pode parecer dúbia – o que, afinal de contas, os dados científicos poderiam
fornecer para a produção cultural? – ainda assim, acredito firmemente que este
assunto é um dos mais críticos com o qual a teoria cultural se encontra hoje.
Certamente, perguntas relacionadas à influência intelectual da racionalidade científica
na produção cultural foram adiadas muitas vezes nas últimas décadas, mas com o
tempo os seus atalhos têm se tornado cada vez mais óbvios. Torna-se necessário
hoje, portanto, uma reconsideração radical do relacionamento entre a ciência e a
cultura (ou, em termos mais amplos, entre o homem e a natureza).
Consequentemente, no que se segue, irei esboçar algumas linhas sobre tal
reconsideração, focando em particular em um dos dizeres mais influentes sobre o
tópico: A dialética da Razão, de Adorno e Horkheimer. No entanto, isto requer de nós
um engajamento, não apenas com o celebrado capítulo do livro que trata da indústria
cultural, como também com seus argumentos centrais em relação à deficiência do
Iluminismo e a patologia da racionalidade instrumental.

Realmente, o que frequentemente passa sem menção em muitos livros que destacam
a influência de Adorno e Horkheimer na teoria cultural contemporânea é o amplo
contexto crítico no qual a análise da indústria cultural está situada. A decisão de não
articular esta ligação se tornou mais do que um atalho pedagógico, já que, de fato,
contém a chave para o engajamento contemporâneo com as críticas do livro sobre a
cultura moderna. Assim, é especificamente nesta junção onde a presente análise deve
começar.

Como já é bem conhecido, o tópico principal da Dialética do Esclarecimento é aquilo


que Adorno e Horkheimer consideraram como sendo o erro do Iluminismo no mundo
moderno. Isto pode ser resumido na seguinte pergunta: Se o animus do Iluminismo é
aquele da emancipação do homem da sua irracionalidade (ou “imaturidade”, como
coloca Kant), então por que a sociedade contemporânea está afundando em uma
nova forma de barbarismo? Fascismo, capitalismo, padronização cultural e a opressão
das mulheres – tudo isso é analisado em profundidade no livro – dificilmente podem
ser pensados como triunfos do homem iluminado. A tarefa do crítico teórico torna-se
então aquela de identificar a raiz-fonte desses erros disseminados da sociedade
moderna.

No entanto, diferente do período inicial do marxismo na Escola de Frankfurt, Adorno e


Horkheimer argumentam que essa raiz-fonte não pode estar localizada nas várias
formas de lutas de classe ou opressão política, uma vez que esses fenômenos –
assim como o próprio capitalismo – são meros sintomas de um conflito muito mais
profundo, que acompanha a civilização ocidental desde seu nascimento: o conflito
entre o homem e a natureza. Este conflito é formulado como uma luta entre dominador
e dominado, sendo que, para Adorno e Horkheimer, a civilização é dependente da
necessidade do homem de direcionar e em última instância, de controlar, as forças
hostis perpetradas por uma natureza alienígena. Este é o objetivo do sacrifício em
sociedades pré-racionais, já que o sacrifício – construído como uma lógica particular
de troca não-conceitual – é uma tentativa do homem primitivo de afetar a apreciação
entre si próprio e os horrores da natureza alienígena. O Iluminismo, evidentemente,
está fundado sobre a negação da lógica sacrificial em favor da explicação racional.
Ainda assim e depois de tudo, o pensamento iluminista acaba ficando, de acordo com
Adorno e Horkheimer, não com a lógica pós-sacrificial que estava procurando, mas
meramente com a internalização do sacrifício tout court.

Consequentemente, o pensamento iluminista fica caracterizado como uma patologia


irrefletida, onde o desejo do homem de converter toda a natureza em uma série de
números e fórmulas (isto é, controlar a natureza através de explicações científicas)
permanece emboscado dentro do padrão mítico de pensamento do qual ele quer
livrar-se, e para o qual, no final das contas, tudo o que a lógica científica representa é
nada, apenas mais uma nova forma de alienação que não apenas se estende por toda
a exterioridade da natureza, mas também pela interioridade do próprio homem.
Realmente, o que o ímpeto científico de exteriorizar e especializar ganha é,
exclusivamente, uma forma piorada de auto-sacrifício, já que a redução de tudo à
unidades idênticas – ao invés de alcançar uma exterioridade além do homem –
meramente continua a sacrificar simbolicamente partes do humano de uma maneira
patológica e compulsiva, que no final torna o pensamento propriamente filosófico (ou
refletivo) impossível. Para Adorno e Horkheimer, isso marca o início de um caminho
perigoso, onde, mais cedo ou mais tarde, os fins são substituídos por meios e
dominação revertidos na direção do próprio homem de duas maneiras: em termos de
dominação entre os homens e em termos de alienação do homem de si mesmo, onde
o pensar é reduzido à pura função matemática:

O pensar objetifica a si próprio e torna-se um processo automático,


auto-ativado; uma personificação da máquina que ele mesmo produz
para que no final a máquina possa substituí-lo....O procedimento
matemático [torna-se], por assim dizer, o ritual do pensar. Apesar da
auto-restrição axiomática, o ritual estabelece a si próprio como
necessário e objetivo: isso faz do pensamento uma coisa, um
instrumento – que é a sua própria condição para isso. (Adorno
Horkheimer 1997,25)

Consequentemente, é nesse contexto crítico amplo onde a análise da indústria cultural


deve estar situada, sendo que a última é um índice – de acordo com Adorno e
Horkheimer - de um dos modos de dominação que surgiram junto com o triunfo da
racionalidade científica. Nesse sentido, o termo “indústria cultural” foi deliberadamente
escolhido – como oposto à “cultura de massas” ou “cultura popular” – precisamente a
fim de enfatizar a ligação entre a racionalidade Iluminista e a cultura moderna, ao
sublinhar de um lado, como a última funciona em termos de aumento da subsunção
tecnológica por reprodução mecânica e, de outro lado, como a distribuição de produtos
culturais está sendo monitorada por organização racional controlada. Esses são os
sintomas primários de como a racionalidade Iluminista infectou a produção cultural e
reduziu a última a uma série de banalidades, de desejos artificias que, claramente,
estão estritamente alinhados com a organização capitalista na forma de novas formas
de dominação social.

Ainda assim, a ligação entre a racionalidade científica e a dominação social, em que a


tese de Adorno e Horkheimer repousa, está longe de garantida. Na verdade, na minha
visão, ela está enraizada em erros fundamentais nos diagnósticos a respeito do
significado intelectual da racionalidade iluminista, que permanece comprometida em
assegurar um “humanismo” ficcional ao custo de elucidar suas amplas implicações
especulativas. Essas implicações foram recentemente articuladas com notável
coerência pelo filósofo Ray Brassier, que em seu livro Nihil Unbound: Enlightenment
and Extinction (2007) (Trad. livre: Niilismo Sem restrições: Iluminismo e Extinção),
apresenta uma surpreendente interpretação alternativa para o legado intelectual do
Iluminismo – uma interpretação que, como veremos, nós proverá com fontes
conceituais para a construção de uma interpretação da cultura muito diferente daquela
de Adorno e Horkheimer.

O argumento especulativo de Nihil Unbound pode ser entendido como uma inversão
thanatrópica das dialéticas de mito e Iluminismo de Adorno e Horkheimer, já que o
livro insiste, mais do que rejeita, o niilismo impessoal implícito na objetificação
científica e exteriorização tecnológica. Enquanto que Adorno e Horkheimer
argumentam que o que eles concebem como exaustão terminal da razão pode ser
ultrapassada apenas pela sua reintegração na história humana com propósito –
construída como uma transcendência temporal da compulsão patológica da ciência -
Brassier (2007, 32) insiste na ideia da “thanatosis do Iluminismo”, na incompatibilidade
entre a imagem da natureza fornecida a nós pela ciência e o nosso entendimento
manifesto das coisas. Para Brassier, o fato do pensamento da ciência estar além de
nosso entendimento padrão da natureza precisa ser entendido como ponto de partida
para o trabalho filosófico ao invés de considerado como uma patologia cognitiva para a
qual a filosofia deveria ser convocada a sanar. Portanto,o livro Nihil Unbound está, em
sua maior parte, preocupado em articular o racionalismo científico como uma
emancipação cognitiva do mundo vivente do homem, onde o pensamento é
confrontado com um exterior alienígena que não está condicionado pela manifestação
humana. E ao invés de tentar reinscrever esta falta de propósito universal dentro da
narrativa de reconciliação, o animus do livro está em progressivamente derrubar o
mundo vivente que criamos para satisfazer nossas necessidades psicológicas (e no
qual a filosofia também participou, como pode ser visto no pensamento dialético de
Adorno e Horkheimer), reconhecendo que a experiência humana, a consciência, o
significado e a história não passam de ocorrências espaço-temporais menores dentro
de uma cosmologia exorbitante, que está sendo progressivamente desvelada pelas
ciências naturais.

O racionalismo científico, portanto, é um trauma para o pensamento (como


argumentaram Adorno e Horkheimer), apesar de sua raiz-fonte não ser encontrada
dentro dos limites da história humana (isto é, como luta puramente psicossocial entre
dominador e dominado), mas na sua negação da diferença clara entre as categorias
conceituais estabelecidas tais como vida e morte na biologia pós-Darwiniana e matéria
e vazio na cosmologia contemporânea. Portanto, a descoberta científica obtém um
significado filosófico imediato, visto que ao eliminar a noção de “propósito” do
ambiente natural, discorda da posição filosófica prevalecente: A ideia de que a
dimensão humana qua transcendental da existência constitui um alicerce irredutível da
investigação cognitiva e conceitual. Essencialmente, o “nihil unbound” é o niilismo
emancipado do horizonte regional do mundo vivente humano e reposicionado dentro
de um contexto universal apropriado.

Portanto, a despeito das implicações cosmológicas do niilismo especulativo de


Brassier, é crucial não perder de vista o seu significado cognitivo igualmente
significante. Em especial porque com frequência dentro do modo europeu de filosofar,
a consciência tem sido considerada imune à objetificação científica, o que causou
grande impacto conceitual na teoria da cultura contemporânea. Como vimos na
discussão prévia sobre o trabalho de Adorno e Horkheimer, o imperativo científico de
objetivar a consciência tem sido visto frequentemente como um índice de uma forma
perigosa de anti-humanismo, que ameaça nos alienar do nosso verdadeiro eu, em
suas tentativas compulsivas de objetivar aquilo que está além de objetificação.
Contudo, fundamentalmente, aquilo que a compreensão científica do humano aponta é
precisamente: a exteriorização sistemática da consciência e uma extensão da divisão
cognitiva produzida pelas ciências naturais a partir da exterioridade da natureza para a
interioridade do homem. Assim, o desfecho deste grande projeto intelectual é a
inserção do próprio homem na ordem natural sem propósito, revelada pela visão de
mundo científica, através da construção gradual de uma imagem do humano que vê o
humano como uma forma particularmente complexa de sistema biofísico, ao invés de
como uma espécie de excesso transcendental. A esse respeito, esta é uma das mais
significantes questões abertas pela integração conceitual de explicação científica, algo
que o filósofo Wilfrid Sellars já havia abordado muitas décadas atrás, na forma de uma
distinção entre o que ele chamou de imagens manifestas e científicas do homem.

De acordo com Sellars (1963), a imagem manifesta é a base de um conceito


sofisticado que foi acumulado gradualmente desde o surgimento do Homo sapiens e
está organizada em torno da noção de homem como pessoa; isto é, como um agente
racional capaz de dar e pedir por razões dentro do contexto de uma economia
sociolinguística maior. Nesse sentido, a significação fundamental da imagem
manifesta é a sua valência normativa, na medida em que fornece ao homem um
contexto básico para acompanhar compromissos, fornecendo e revisando explicações,
entendendo o que precisa ser feito, e vice-versa. Em resumo, o espaço de razões
fornecidas pela imagem manifesta é o que distingue a inteligência sapiente daquela de
mera sensibilidade. No entanto, Sellars também notou o surgimento, muito mais
recente, de outra imagem associada às ciências naturais e que se apresenta como
uma imagem rival, na medida em que é organizada em torno da noção do homem
como um sistema físico. Em outras palavras, enquanto a imagem manifesta interpreta
o homem quase-transcendentalmente como um portador singular da razão do objeto,
a imagem científica, em vez disso, vê o homem pela perspectiva da história natural
como uma acumulação particularmente complexa de várias formas de material
biológico.

Para Sellar, a tarefa fundamental do filósofo contemporâneo é conseguir uma


integração estereoscópica das imagens manifestas e científicas; isto é, de produzir um
quadro sinóptico capaz de fornecer um relato do homem como um agente racional por
um lado, e como um sistema físico, por outro. Contudo, esta tarefa não deve ser
entendida como uma tentativa de acomodar a imagem científica de acordo com as
necessidades psicológicas do homem. A integração explicativa não deve ser
confundida com comensurar conceitos. De acordo com o que foi enfatizado na
discussão sobre o trabalho de Brassier, e como Sellar mesmo viu, há algo
fundamentalmente contra-intuitivo sobre a imagem científica que apresenta uma
imagem do homem que é completamente alienígena ao senso comum de raciocínio.
Consequentemente, nesta junção específica – no embate traumático entre as imagens
manifesta e científica - onde o iluminismo dialético deve ser revertido em iluminismo
thanatrópico e o pensamento reabilitado a borda da razão especulativa.1

Recentemente, o trauma gerado na ordem manifesta através de seu encontro com a


razão científica recebeu uma formulação incisiva do neurofilósofo Thomas Metzinger
cujo livro magnum opus Being No- One: The Self-Model Theory of Subjectivity (2006)
(Trad. Livre: Ser ninguém: A Teoria da Subjetividade de Si-Próprio) é um estudo
compreensivo sobre a noção do fenômeno da individualidade e a perspectiva de
primeira pessoa que

1 indubitavelmente, muito mais precisa ser dito sobre a busca da integração explicativa
da imagem manifesta e científica, e suas consequências na forma genuinamente
moderna do niilismo. Em especial, é muito importante reconhecer que a adesão à
ordem manifesta qua raciocínio normativo não representa uma regressão a partir do
desencantamento niilista para uma versão ainda mais conservadora de humanismo –
pelo que Brassier tem sido algumas vezes acusado – já que o que é crucial sobre a
imagem manifesta é a sua infraestrutura normativa, mais do que a sua instancia
puramente contingente no medium sapiens. Em outras palavras, não há nada
intrinsicamente humano sobre a imagem manifesta, na medida em que ela é medium-
independente e em princípio, poderia ser instanciada em outros sistemas além dos
biológicos (veja Brassier e Malik 2015). Esse é um significado especulativo
fundamental do modelo Sellarsian e da escola funcionalista de pensamento.
Agradeço a Ray Brassier and Pete Wolfendale por esclarecer estes pontos.

foi esclarecido e firmemente fundamentado nas fontes intelectuais emergentes


fornecidas pela neurociência moderna. De acordo com Metzinger, a característica
mais fundamental do fenômeno da individualidade, enquanto experiência da primeira
pessoa consciente, é uma forma particular de escuridão epistêmica, que surge por
entre os níveis de descrição fenomenológica e neurobiológica. Esta escuridão se deve
ao fato de que o eu fenomenológico é incapaz de experimentar os processos
neurobiológicos profundos que são constitutivos da perspectiva da primeira-pessoa
como tal, e consequentemente, não os reconhece como processos de representação
em curso dentro da arquitetura funcional do sistema biológico de processamento de
informação que é o corpo.

Em outras palavras, para Metzinger, a noção de um eu autêntico, que está em contato


imediato consigo próprio e com o mundo à sua volta, é um mito enraizado em
complexos processos de representação no cérebro, cuja função central é manter a
transparência fenomenal, necessária para uma perspectiva estável de primeira
pessoa. Em termos técnicos, isso significa que apenas as propriedades do conteúdo
(qua dados fenomenológicos) ficam acessíveis ao sistema, mas não as propriedades
do veículo (como as neurodinâmicas profundas), que é a maneira que o sistema
experimenta a si próprio como pessoa (ao invés de como o sistema de dados
biológicos que realmente é) ao não reconhecer que a individualidade fenomenal é uma
forma especial de modelagem representacional. A isso Metzinger chama auto-modelo
fenomenal (PSM – phenomenal self-model), gerado através das fases de evolução,
para maximizar a flexibilidade cognitiva e comportamental para propósitos estritamente
de sobrevivência2. No entanto, eficácia evolucionária não é o mesmo que clareza
epistêmica, e uma das maiores virtudes da teoria PSM é contornar um problema
comum de muitas filosofias da mente, da experiência e da incorporação que é a
tendência de reificar estados de vigília não patológicos desrespeitando classes de
estado fenomenológico que não se ajustem ao quadro constituído por experiência
padrão de primeira-pessoa.

Portanto, um dos aspectos mais interessantes do trabalho de Metzinger é a sua


construção em torno dos assim chamados modelos fenomenais anticonvencionais:
estados experimentais, onde a transparência da experiência padrão de primeira-
pessoa perde alguma de sua consistência e partes do PSM se tornam opacas em
vários graus. A esse respeito, modelos fenomenais anticonvencionais como
experiências psicodélicas, alucinações, sonhos lúcidos e varias deficiências
neurológicas tais como agnosia (a inabilidade de reconhecer rostos, que algumas
vezes incluem o próprio),

2 Uma outra forma não técnica de entender o PSM é pensá-lo como um modelo de realidade
virtual avançado, pois assim como em RV, o maior interesse do PSM é fazer com que o
usuário não esteja ciente do fato de que está operando em um meio. No entanto, com o
PSM é necessário avançar um pouco mais adiante com esta metáfora, já que diferente da
RV, aqui não existe usuário que preceda a interação com o sistema, porque não existe nada
além do sistema (veja Metzinger 2004, 553-58). Em outras palavras, é a habilidade do
sistema em gerar um modelo-mundo, por um lado, e um auto-modelo por outro lado, que
produz a noção de um forte sentido do eu em contato imediato com o mundo.

membros fantasma e visão cega (a experiência de um ponto cego no modelo-mundo


fenomenal), são todos exemplos de tais estados experimentais. Eles são
caracterizados por uma falta de transparência e assim expõem a natureza
representativa da auto-consciência fenomenal, ao tornar fato que o último é um
processo representativo disponível globalmente para o sistema. É nesse sentido que
fenômenos anticonvencionais colocam em primeiro plano as importantes implicações
especulativas da neurociência moderna para a filosofia, produção cultural e teoria
crítica. Implicações especulativas da neurociência apontam para o fato de que nossa
interface padrão para fenômenos com interioridade cognitiva e exterioridade não-
congnitiva é apenas um entre os vários estados experimentais possíveis – não sendo
alicerce da humanidade, como às vezes é confundida. E uma vez que os correlatos
neurais da consciência (NCC neural correlates of consciousness), que contribuem
para esses vários modos de experiência, sejam identificados pela neurociência
moderna, eles podem, em princípio, ser ativados à vontade com a ajuda de várias
neurotecnologias e estimuladores cognitivos.

Segundo Metzinger, a proliferação de dispositivos para a exteriorização e controle do


cérebro, assim como o surgimento de uma ciência moderna de cognição, formará o
alicerce do que ele chama de o Iluminismo 2.0 (isto é, a internalização do
desencantamento iluminista – aonde a racionalidade científica chega a investigar a
sua própria base cognitiva – junto com a integração gradual das neurotecnologias
dentro do cotidiano, veja Metzinger 2009, 189-219).
3
Não há como negar que o Iluminismo 2.0 tenha algo de um elo tenebroso . Ainda
assim, estou firmemente convencido que teóricos e produtores culturais deveriam
abraçar os seus vetores desiludidos, ao invés de seguir a trajetória mantida pela
Escola de Frankfurt rejeitando-os por razões morais, já que suas fontes especulativas
comprometeriam nada menos que uma reconsideração maior do que significa ser
humano.
Neste extraordinário deslocamento intelectual, o significado cultural da imagem
científica estará inclusa, o que nos permitirá não apenas diagnosticar melhor o alicerce
cultural do presente como também fornecer muitos dos recursos necessários para
construir futuros culturais alternativos.

De fato, os processos indexados pela imagem científica já estão funcionando na


cultura e vêm desempenhando papeis centrais dentro dos importantes movimentos
culturais como na cultura rave dos anos noventa, que Simon Reynols descreveu como
extraordinário evento cultural e neurológico, graças aos loops de feedback constituídos
pela tecnologia e sons digitais abstratos por um lado e, por outro, os efeitos
neurobiológicos das várias drogas psicodélicas (especialmente o ecstasy).

Com efeito, o emocionante sobre a cultura rave vem do fato das modificações
neuroquímicas trazidas pelo excessivo uso das drogas

3 Esse lado do Iluminismo 2.0 já tinha sido dramatizado em vários romances de ficção
científica, que mostravam as implicações da proliferação de neurotecnologias em escala
de massa – veja, por exemplo Bakker 2009 e Sullivan 2010 – e ainda em contraste a
esses cenários distópicos, o objetivo deste ensaio é refletir sobre as suas (igualmente
importantes) implicações de potência positiva.

não desempenhou apenas um papel periférico, mas constituiu uma de suas maiores
forças motrizes. E nesse aspecto, isso formou um lado do que Reynols chamou de
“interface droga/techno”, fazendo referência à abertura progressiva da cultura através
da experimentação neuro-tecnológica e a festa rave como um enclave do modernismo
– um componente cultural que Nick Srnicek e Alex Williams recentemente
caracterizaram como uma modernidade alternativa – dentro de uma emergente
paisagem cultural pós-moderna (ver Srnicek and Williams 2013, Fishwer and Reynolds
2010).

Assim, se Adorno e Horkheimer argumentaram que a modernidade falhou em cumprir


as promessas do Iluminismo, eu argumento que as trajetórias que levam a uma
modernidade alternativa devem ser construídas através de um empenho renovado,
com o legado do Iluminismo (quer seja construído como “tanatrópico” ou 2.0). Suas
implicações especulativas fundamentais – experimentação neurobiológica, sistemas
tecnológicos complexos, modelos impessoais da razão, exploração cósmica, e assim
por diante – abrigam a possibilidade da abertura progressiva do homem para o
desconhecido. A seguir, termino este ensaio com algumas observações iniciais sobre
este grande projeto especulativo.

Conclusão: Futuros Prometeicos

Em seu trabalho recente sobre a hiperestesia da cultura popular, Simon Reynolds


relaciona o declínio da exploração modernista do mal-estar pós-moderno, com o
desaparecimento das questões relacionadas ao futuro na agenda cultural (Reynolds
2012). Enquanto a cultura rave (e outras sub-culturas musicais do século vinte que a
antecederam) esteve permeada pela noção de um desdobramento através de um eixo
alastrado – um tipo de corrida para o futuro dirigida por navegação tecnológica e
cognitiva utilizando o som como meio – o que falta na cultura hoje, de acordo com
Reynols, é qualquer mínima noção significativa de futuro. Ao invés disso, a cultura
popular hoje é dirigida pelo que Reynolds chamou de retromania: Uma obsessão com
o seu próprio passado imediato na forma de remakes, reedições, pastiche e nostalgia.
E, assim como Mark Fisher apontou (novamente seguindo Jameson), esta
desaceleração cultural generalizada deve ser entendida como um sintoma da ordem
neoliberal atual. O Capitalismo não só assumiu para si a noção de modernidade, como
também a de futuro – e mesmo assim é incapaz de emitir qualquer coisa além de
mudanças mínimas que inclusive, em última análise, precisam estar caracterizadas
como status quo mundano (Fisher 2009). O resultado é uma esquerda política
paralisada pelos alicerces do presente e incapaz de sequer imaginar um futuro além
das premissas da ordem neoliberal. Ao invés disso, o que temos são alternâncias em
organicismo, áreas localizadas de justiça e igualdade e lamentações a respeito da
decadência de nossa humanidade diante do capitalismo cibernético. Esta é agora a
posição padrão não apenas entre os vários grupos anticapitalistas, como na tradição
da teoria crítica, que pode ser encontrada na Escola de Frankfurt, como também na
ordem do dia de muitas das críticas pós-modernas. E é por essa razão que este
ensaio deve estar situado nessa junção específica, já que acredito que hoje o
necessário é uma reinvenção radical da crítica que uma vez mais toma o dictum
marxista da teoria crítica como meio para mudar o mundo. Na verdade, nas últimas
décadas, parece que este aspecto prospectivo da crítica foi gradualmente
desaparecendo e sendo substituído por um desejo de voltar, de restaurar o que fomos
um dia. No entanto, minha argumentação é que o objetivo principal da crítica hoje
deve ser especular sobre o que podemos nos tornar; ou seja, operar a partir da
perspectiva do futuro, ao invés do passado. É nesse contexto que a integração
especulativa da imagem científica aparece como fonte decisiva para uma teoria crítica
moderna, já que possibilita pensar com um componente crucial para orientar-se para o
futuro, na forma de uma reconsideração maior sobre o que significa ser humano. E por
essa razão que isso precisa ser entendido como parte do que Brassier (2013) definiu
como reabilitação do prometeísmo iluminista, como meio para o auto-domínio e a
participação ativa de coletivos no refazer da humanidade e do mundo. Longe de ser o
perigoso totalitarismo do qual é acusado, o Prometeísmo deve ser, no entanto,
entendido como um programa especulativo necessário para a reorientação da
humanidade para um futuro qua o desconhecido. Enquanto que muitas das ambições
deste grandioso projeto certamente necessitam abranger muito mais do que
meramente o cultural, eu concluo este ensaio com algumas observações sobre a
cultura, já que ela está no centro de minha própria pesquisa.

Uma cultura permeada em ambições Prometeicas tem que se basear no legado do


Iluminismo tanatrópico, e não na sua versão dialética mainstream. Apenas o legado do
Iluminismo tanatrópico proverá o homem com o contexto intelectual apropriado e
orientado para o futuro. Este projeto grandioso, que é contra o relativismo pós-
modernista e o flagrante anti-racionalismo, deve, por um lado, manter o significado
intelectual da imagem científica e por outro lado, os vetores emancipatórios da razão
impessoal (veja acima nota 1). No centro deste posicionamento está a rejeição do que
antes era conhecido como um humanismo ficcional, que constituía o núcleo do
pensamento dialético de Adorno e Horkheimer, e que reapareceu numerosas vezes na
teoria crítica pós-moderna. Em especial, conceitos como niilismo, desilusão e
alienação não devem ser pensados como meras patologias culturais que necessitam
ser superadas, mas como instrumentos especulativos que precisam ser reinventados
através da emancipação de seus confinamentos, dentro de um contexto crítico pós-
moderno. Em realidade, uma cultura que opera de acordo com a versão atual do
prometeísmo iluminista deve tomar esses instrumentos como pontos de partida para
seus intentos nos futuros especulativos, e não como pontos mortos. Segundo o
anterior, a diagnose atual sobre niilismo, alienação e desilusão apoia-se em uma
reificação, agora comum, da imagem manifesta ao custo de sua contraparte científica;
ainda assim, a integração cultural desta última, sob a égide de um programa
prometeico, transformará esses conceitos em suas cabeças ao forçá-las a serem
rompidas e abertas pela perspectiva da racionalidade científica. A esse respeito, é
importante enfatizar uma vez mais, que o mal cognitivo e tecnológico mantido pelo
neoliberalismo não deve ser entendido apenas como um problema de saúde mental,
mas também (como pode ser visto nos trabalhos de Jameson e Reynolds) como um
problema de relacionamento entre a interioridade antrópica e a exterioridade não-
antrópica. Certamente, o mal cognitivo é um problema significativo que requer suas
próprias soluções específicas, pensar ainda sobre as implicações sociais e culturais da
imagem científica como um assunto puramente de saúde mental – que em realidade
parece ser a resposta comum dos filósofos analíticos quando confrontados com
ceticismo e moralismo anticientífico (veja por exemplo Churchland 2007 e Ladyman
2009) – é desrespeitar as amplas ambições prometeicas e papel potencialmente
decisivo dentro de uma maior mudança cultural e cognitiva. O mal tecnológico tem
como base, entre outras coisas, experimentação cognitiva extensiva, que utiliza as
oportunidades especulativas fornecidas pela neuroplasticidade, sistemas tecnológicos
avançados, NBIC (nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e ciência
cognitiva) e assim por diante e que seria realizada com recursos culturais-científicos
tais como interface droga-tech, que nesse caso seria reaproveitada para fins pós-
capitalistas4. De fato, a interface droga-tech não desapareceu realmente da cultura
com o declínio do ethos das festas rave (que ironicamente, também voltaram-se para
o revivalismo e retrospectiva), mas tem sido apropriada pelo capital na forma de
agenda cultural e cognitiva diagnosticada por Rosen e Fisher (isto é, ecstasy e
sistemas de som alienígenas foram substituídos por antidepressivos e mídia social).
Portanto, o que se faz necessário é uma grande reapropriação desses recursos, na
forma de programas culturais que, uma vez mais, iriam elevar as apostas das
ambições cognitivas e culturais ao reorientar a humanidade para as maravilhas da
exterioridade ilimitada.

4. A esse respeito, esse projeto deve também ser pensado como parte de um amplo programa
político, recentemente chamado de “aceleracionismo”. Para melhor acessar o impetus
aceleracionista, e suas ligações principais com o prometeísmo iluminista, ver Srnicek e
Williams 2013, e Williams 2013.

Referências
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Verso Books.
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Copernican Imperative, edited by Damian Veal, 137–88. Falmouth: Urbanomic.
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Reynolds, Simon 2012. Retromania: Pop Culture’s Addiction to Its Own Past. London:
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