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Contribuição para o estudo do Moderno

Teatro Brasileiro:
A presença italiana

Maria de Lourdes Rabetti

Orientadora: Profª. Janice Theodoro da Silva

Tese de doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de


Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Banca: Profa. Dra. Janice Theodoro da Silva (orientadora) (HISTORIA/USP)


Prof. Roberto Tessari (ISA/Università di Pisa (UNIPI)
Prof. Dr. Décio de Almeida Prado (ECA/USP)
Prof. Dr. Sábato Magaldi (ECA/USP)
Prof. Dr. Arnaldo Contier (HISTÓRIA/USP)

Volume I

São Paulo, 1988


2

Esta tese é dedicada a Roberto Tessari

AGRADECIMENTOS

Este trabalho teve a colaboração de diversas pessoas que me ensinaram e me


ajudaram na realização das etapas de pesquisa documental, teórica e de organização
final do texto. O meu sincero agradecimento a elas, algumas das quais pude conhecer
intensamente e admirar.
A pesquisa foi financiada por verbas públicas e agradeço às instituições que me
apoiaram: ao CNPq, ao Ministério degli Affari Esteri e à FUNDACEN, que me
ofereceram bolsas de estudo.
Só foi possível realizar este trabalho com o apoio dos colegas da C.A.L. e da UNI-
RIO e no espaço afetivo e intelectual da orientação de Janice Theodoro da Silva. A estas
pessoas, o meu agradecimento especial.
3

INTRODUÇÃO

O objetivo central que orientou o presente trabalho foi o de contribuir para o estudo
da “modernização” do teatro brasileiro, analisando as características que foram tomadas
em consideração pelos agentes da renovação e observando, de modo particular, a
contribuição italiana através dos teatrólogos italianos que dela participaram.
Por sua vez, o desenvolvimento da pesquisa, para atender tal objetivo, permitiu seu
desdobramento em questões que remetem:
 à uma possível rediscussão em torno do processo de implantação do teatro
“moderno” no Brasil;
 ao estudo do quadro de formação dos teatrólogos italianos que se
estabeleceram no Brasil num período por nós caracterizado apenas como uma
das etapas da “modernização”;
 à verificação de alguns eventos demarcados pela presença italiana na
montagem do “moderno” teatro brasileiro.

A questão do chamado “moderno” teatro brasileiro 1

Ao entender o que já se convencionou chamar de moderno teatro brasileiro como


sendo o resultado de um processo paulatino de implantação de propostas de renovação
teatral, procuramos recuperar os momentos mais significativos deste movimento, tanto
através de sua emergência em atividades teatrais concretas, assim como, através dos
ensaios críticos dos pensadores nele envolvidos. Ao fazê-lo, captamos e discutimos os
elementos especificamente teatrais, assim como sua inserção num quadro de propostas
culturais mais amplas.
Este encaminhamento permite revelar que o projeto de renovação por um largo
período, que denominamos primeira etapa, entendeu a modernização como ruptura da
tradição teatral brasileira (mesmo em alguns momentos em que se revestiu de um cunho
mais nacionalista), e também como adequação de nossa produção aos modelos
europeus.
4

A questão da “italianidade”

Além da constatação de uma contribuição italiana para o teatro brasileiro moderno


que, quase sempre, se limita a observar a presença dos agentes teatrais no Brasil,
colocados no quadro geral das premissas renovadoras, o presente estudo procura
entender a participação italiana através das linhas de formação destes agentes teatrais,
buscando a matriz que estaria na base da formação do mesmos, saindo do quadro da
biografia (que tende reduzir a presença italiana à “origem” dos agentes) e tentando
detectar possíveis singularidades nesta contribuição especifica.
O estudo da formação teatral destes italianos e o conseqüente estabelecimento de
sua matriz cultural só foram possíveis através do acesso a uma extensa documentação
encontrada na Itália, com auxílio do Prof. Renato Tessari.
Entendendo o processo de modernização teatral como um conjunto de tentativas e
realizações sucessivas, cada vez mais simultâneas e sistemáticas, de ruptura com nossa
tradição teatral, imediatamente anterior, ditada sobretudo pela presença e pelo
virtuosismo do grande ator, e de adequação às diversas linguagens artísticas modernas,
pode-se observar que a conquista foi, de um modo geral, a da implantação de um teatro
mais realista e psicológico, para o qual a contribuição italiana foi particularmente eficaz
pois, em sua especificidade, soube melhor indicar aqueles pontos a serem destruídos,
construídos ou reformulados.
No entanto, para além destas linhas gerais, o que se pode observar, num primeiro
ciclo de realizações italianas no Brasil, foi a emergência de espetáculos onde uma alta
dosagem de teatralismo procurou quase sempre conciliar a experiência de uma tradição
de espetacularidade com a exigência de um novo teatro recortado pela reflexão e pela
experimentação.
5

PARTE I

A MODERNIZAÇÃO TEATRAL NO BRASIL:


LINHAS MESTRAS DE UM PROJETO

1. O TEATRO E O MODERNISMO
2. O TEATRO E O FOLCLORE
3. A MODERNIDADE EXPERIMENTADA
4. A MODERNIDADE INSTITUCIONALIZADA
6

A MODERNIZAÇÃO TEATRAL NO BRASIL: LINHAS MESTRAS DE UM PROJETO

1. O TEATRO E O MODERNISMO

Os estudos atualmente disponíveis para a história do moderno teatro brasileiro 2 tem


como ponto comum as referências que o localizaram no período que parte do final dos
anos 30, percorre a década de 40, culminando com a emergência dos primeiros
resultados evidentes deste processo chamado de renovação na primeira metade dos
anos 50. Neste arco de tempo observam nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo a
nossa modernização teatral.
Procurando amenizar uma perspectiva que tende a ver este período do nosso teatro
como revelador de uma série de tentativas isoladas e heróicas e procurando entender a
modernização teatral como processo histórico-cultural, analisamos o período,
distribuindo-o por etapas que se iniciam no contexto do nosso chamado “modernismo”
artístico e atingem um momento de revisão do próprio movimento na segunda metade
dos anos 50 e início dos anos 60. Participando das ambigüidades presentes no quadro
geral de nossa produção cultural — continuamente embebida na questão que se coloca
entre o nacionalismo e a adequação ao modelo externo 3 — o teatro moderno, se muitas
vezes seguiu os referenciais apontados pelas outras artes, por sua natureza específica
trouxe indagações particulares à questão da modernidade no Brasil.
Dos anos que giram em torno da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo,
ao final dos anos 30, o teatro não toma lugar relevante no quadro geral das
transformações artísticas. A partir de então, e cada vez mais envolvido por um projeto
de experimentação, emerge como um primo pobre que não apenas reclama por seus
direitos, mas procura obter a melhor parte.
As avaliações a respeito da “ausência” do teatro nos saraus de 13, 15, 17 de
fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, tendem a encontrar diferentes
explicações para tal fato mas, na base, partiram quase sempre dos mesmo pressupostos.
Se, para Gustavo Doria no panorama geral da cultura brasileira o teatro não contava.
Era um elemento espúrio, não merecedor das atenções dos que militavam nos diversos
outros setores, para Abadie Faria Rosa, primeiro diretor do SNT, criado em 1937, no
Brasil nunca houve teatro. É um gênero de literatura só compatível com os países que
já atingiram a sua maturidade mental. Houve apenas entre nós arte de representar.4
Estas considerações, já em tempos posteriores podem mostrar a separação entre
representação e literatura dramática. Tendo em mente que quase sempre e em outros
7

contextos a literatura pôde oferecer a garantia artística do teatro, naquela época o


teatro, para nós, nem mesmo enquanto gênero literário contava muito.
Já Sábato Magaldi avança a discussão ao considerar que infelizmente, só o teatro
desconheceu o fluxo renovador, e foi a única arte ausente das comemorações da
Semana, e avalia que a exigência do trabalho coletivo, no espetáculo, com o concurso
obrigatório do autor, intérprete e público, afastou o palco da inquietação e da
pesquisa.5
Talvez, a este ponto, caiba verificar uma possível dimensão espetacular contida no
próprio “ato demolidor” de 22. De fato, as manifestações artísticas reunidas na Semana,
não apenas ocupam a caixa cênica e as escadarias do Teatro Municipal, como
adquirem, ao olhos de “atores e público”, uma conotação verdadeiramente espetacular:
Como tive coragem para participar daquela batalha! É certo que com
minhas experiências artísticas há muito que venho escandalizando a
intelectualidade do meu país, porém, expostas em livros e artigos, como que
essas experiências não se realizam in anima nobile. Não estou de corpo
presente, e isto abranda o choque da estupidez. Mas como tive coragem
para dizer versos diante de uma vaia tão barulhenta que eu não escutava no
palco o que Paulo Prado me gritava na primeira fila das poltronas?...
Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do
Teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?
E se agüentei o tranco, foi porque estava delirando. O entusiasmo dos
outros me embebedava, não o meu. Por mim teria cedido. Digo que teria
cedido, mas apenas nessa apresentação espetacular que foi a Semana de
Arte Moderna.6
Parece, portanto, que entender a debilidade da atividade teatral — vista aqui
autonomamente e não como suporte para as outras artes — como causadora de sua
ausência na Semana de 22 é, de alguma forma, esquecer que esta teve, sobretudo, um
caráter destruidor. As proposições efetiva ou se diluíram na “performance” teatral, ou
se realizaram concretamente a partir de então. A análise desta “destruição” feita
inclusive pelo próprio Mário de Andrade 7 — levou em conta, sobretudo, a atitude
demolidora dos modernistas frente ao “passadismo” acadêmico, entendido como
postura e produção artística centrada na imitação.
Neste sentido, não seria a “má qualidade” do nosso teatro a explicar a sua ausência.
Bastaria pensar, por exemplo, na dramaturgia de Coelho Neto, um dos alvos preferidos
dos modernos. Segundo Ruggero Jacobbi, que confronta Coelho Neto e os modernistas,
aquele era:

Um escritor de colete, de monóculo, de cartola; e foi principalmente


contra ele que explodiu a onda dos “modernistas”, a partir de 1922. Eles
tinham os olhos no futurismo, em Apollinaire, no cubismo; mas
8

reivindicavam para a literatura nacional o direito de ser indígena e


cafona.8
Como se vê, “ausente” da Semana, o teatro já se constituía, ao menos em nível de
dramaturgia, em alvo bastante fecundo para o intuito demolidor. A questão, portanto,
permanece e, ao nosso ver, remete ao problema do estatuto artístico que o nosso teatro
ainda não adquirira para os modernistas. Não esteve “ausente” da Semana porque sua
tradição era de má qualidade quando colocado em cena, ou excessivamente acadêmico
enquanto literatura: lhe faltava a dimensão de arte. O gênero literário dramático,
sempre tido como “menor” pela maior parte dos nossos escritores, se configurou, quase
sempre, como atividade de apêndice. Enquanto tal, não pudera ainda servir de garantia
para a entrada do teatro em nosso patrimônio artístico, cultural. Em termos artísticos,
não era nem mesmo “eterno”, quanto mais moderno...
Vale notar que somente quando surgiu uma visão mais ampla, que o entendeu em
sua dimensão de espetáculo, o teatro pôde obter tal estatuto. Enquanto entre nós foi
visto apenas como literatura, mantendo-se como gênero menor para os olhos
acadêmicos ou para o olhar renovador, prestando apenas como pretexto para o trabalho
do ator, ou, ainda, em alguns casos, quando procurou inovar, teve que permanecer na
gaveta.9
O teatro, enquanto literatura dramática, continuaria ausente do modernismo
primitivista. No entanto, esta linha de busca da modernidade ao efetuar o “desrecalque”
através da valorização e da pesquisa de nossas origens, colocou novas questões e abriu
outras possibilidades para o enfrentamento do moderno pelo nosso teatro. Neste
âmbito, de fato, o problema teatral colocava um dado bastante particular em meio à
oposição “monóculo x indígena ou cafona”.
Quando sai do quadro da destruição ao passadismo e empreende a descoberta do
autóctone, a proposta modernista se depara com o problema da escritura como limite à
antropofagia, que se transforma em agravante radical para o caso do teatro. Em termos
gerais, pode-se dizer que estas proposições procuraram resolver esse impasse, e nesse
sentido são vistas as tentativas nativistas em música e a sua utilização como suporte
métrico e estilísticos para a transformação autóctone em escritura poética e literária.
Porém, a “nota” que, em 51, Raul Bopp fazia à sua Cobra Norato, já indicava uma visão
dos limites:

Tarsila, na sua simplicidade, semeava idéias.... — Vamos descer à pré-


história. Trazer alguma coisa desse fundo imenso, atávico. Catar os anais
totêmicos. Remexer raízes da raça, com um pensamento de psicanálise...
Fazer um Brasil à nossa semelhança, de encadeamentos profundos...10
9

Se, com lúcida clareza, Bopp propunha uma efetiva antropofagia que expusesse
raízes mais profundas que aquelas, por exemplo, etiquetadas como “costumes
nacionais” (e que em âmbito teatral mandaria aos ares qualquer comédia de costumes),
só parcialmente via os limites desta empresa, quando diz que:

A arca antropofágica encalhou em São Paulo, com esse material a


bordo. Urubu foi ver se as águas já tinham baixado. Não voltou mais.
Houve imprevistos na descida. Planos de reação e renovação ficaram num
deixa-estar ou acomodar-se em variantes cosmopolitas. A experiência
brasileira do grupo perdeu o seu significado inicial. E a antropofagia ficou
nisso, provavelmente anotada no obituário de uma época.11
Ao que indicam os estudos, ao contrário, a antropofagia comportava desde o
momento de partida a variante cosmopolita. Esta, intrínseca à operação de recuperação,
se revelava como tradução (reelaboração) de toda uma mitologia popular que pretende
tornar-se razão12. E, dentro dessa ambigüidade de fundo, talvez se possa compreender a
continuidade da ausência de pesquisa especificamente teatral. Se os “dramalhões” de
Coelho Neto seguramente não encontravam lugar dentro de uma possível literatura
dramática moderna, uma alternativa que girasse em torno de uma “ridicularidade”
citadina ou caipira não poderia satisfazer ao primitivismo de grande porte. Este, por
outro lado, ao se defrontar com o “fundo imenso, ancestral” encontrava o impasse
diante da questão do texto. Se a música não apenas era recuperada enquanto tal mas,
inclusive, servia de base à uma métrica da escritura literária, o gestual experimentado no
ritual “totêmico” ou nas “festas populares” deixava de ser automaticamente original
quando traduzido em texto dramático. Restou ao teatro a dimensão “espetacular” do
ritmo coreografado, no conjunto da “festa” ou “ritual”.
As ambições primitivistas do movimento modernista, de qualquer forma não se
reduziram apenas a alguns dos intelectuais promotores da Semana. Transformaram-se
em possibilidade de “empenho” e fonte de “gozo cultural” que envolveram os altos
representantes da tradicional elite paulista. E será este o quadro possibilitador da lenta
configuração do teatro como elemento, ainda altamente diluído, de um folclore
oferecido em espetáculo urbano.

2. O TEATRO E O FOLCLORE

Seguindo as memórias de Alfredo Mesquita, pode-se notar como a instância teatral,


no conjunto folclorístico, era mais ou menos entrevista, mas quase sempre omitida em
sua especificidade:
10

... 1916: nessa época, tendo feito uma viagem de pesquisas folclóricas
(pois é, já naquele tempo...) pelo nordeste, resolveu Afonso Arinos de Mello
Franco, intelectual mineiro radicado em São Paulo, organizar uma
representação de amadores, aproveitando assim o material coligido. Foi a
célebre “Reisada” — festa de reis à antiga moda brasileira — interpretada
por moças e moços da sociedade paulistana no nosso Teatro Municipal, sob
o patrocínio da benemérita Sociedade de Cultura Artística em seus
primeiros anos de atividade cultural... Houve eu sei uma época em que se
organizaram diversos “Multirões”, como se chamavam, representações
caipiras com cantos e danças regionais paulistas, inspiradas talvez no gosto
pelo “caipirismo” lançado definitivamente por Monteiro Lobato. Tais festas
não tiveram porém maior interesse ou repercussão.13
A célebre “Reisada”, como festa popular colhida na sua dimensão de “cantos e
danças”, foi “representada” no Municipal que, com o Santana, eram os únicos edifícios
teatrais disponíveis naquele momento. A Sociedade de Cultura Artística, fundada em
1912 por Nestor Pestana, somente em 1950 construirá sua sala de espetáculo, com dois
auditórios.
Ainda para o ano de 1936, Mesquita fala de uma outra “representação”, quase do
mesmo tipo, idealizada por ele mesmo (incentivado por parentes e amigos) e realizada,
agora, não apenas por jovens da sociedade paulistana mas também por “amadores”,
mesmo que entre estes houvesse aqueles que ouviam suas histórias nas fazendas. O
espetáculo, como se verá, é caracterizado como “fantasia em 3 atos” e a descrição da
representação traz à luz alguns elementos introduzidos no aparato cênico, tendentes a
fortalecer o caráter “espetacular” do evento:

“Noite de São Paulo”, fantasia em três atos, passada numa fazenda do


interior do nosso estado; com cantos e danças tipicamente nossas, músicas
de Dinorah Carvalho, cenário de José Wast Rodrigues, palavras para as
canções de Guilherme de Almeida, com um 2° ato passado no “tempo dos
escravos”, isto é, nos fins do século XIX, entrando em cena um troley
puxado por burros de verdade, havendo um samba dançado pelos negros,
mais uma quadrilha em que tomava parte toda trupe de amadores... Com
essa evocação dos tempos idos consegui tirar lágrimas às senhoras idosas
que, assistindo ao espetáculo, lembraram-se comovidas, dos seus tempos de
“Sinhazinhas”... Nessa representação subiu pela primeira vez ao palco
Abílio Pereira de Almeida... O espetáculo, levado em benefício do
Preventório Santa Clara, de Campos do Jordão e, em seguida, para os
sócios da Sociedade de Cultura Artística, teve seu êxito.14
É possível aqui, através destas passagens que reportamos, individuar um
deslocamento bastante significativo. Como foi dito, num primeiro momento, a “cultura
primitiva” era valorizada através de um processo de muitas contradições. Mesmo
quando resultava dos trabalhos de um grupo mais restrito de intelectuais, já sofria da
ambigüidade intrínseca a uma pesquisa que ia da busca do “autenticamente primitivo”
11

ao empenho de atualização. O resultado era sempre mediado pelo “experimental”. Num


segundo momento, a matéria folclórica, colocada num espaço adequado ao seu possível
caráter “representativo” e investida de uma sociabilidade mais ampla, continua a
comportar o atributo de empenho social (e, sendo espetáculos beneficentes tornam o
fato ainda mais evidente) mas, se acresce do sentido de “diversão”. “Divertimento”
muito particular, que faz da matéria representada e do espaço que a contém, “um lugar
de reconhecimento”. Os agentes deste processo, que chamamos de deslocamento,
pertencem a um grupo social que, atravessando um momento muito específico, não se
satisfaz mais com o convívio das fontes “autóctones” ou caipiras e com os espaços
tradicionalmente propícios aos encontros de identificação e reafirmação do status e
prestígio.15 Se, já em 1921, Mário de Andrade dizia não ter jamais querido tentar um
primitivismo oblíquo e insincero porque sabia que seriam sempre os primitivos de uma
nova era, a questão teatral somente mais tarde conseguirá resolver esta contradição, e
através de um teatro “tanto nacional quanto culto”. E será, ainda uma vez, Alfredo
Mesquita a sintetizá-la, falando, não casualmente, da contribuição dos “elementos
estrangeiros” para o fato de São Paulo, 1950, já contar com “teatro” e um “teatro
brasileiro de verdade”:

Que se mantenha acesa a chama sagrada e havemos de vencer os


obstáculos ainda a transpor para atingir o nosso ideal: um teatro brasileiro
autônomo, caracteristicamente nacional, um teatro enfim que se possa
colocar ao lado dos de qualquer país culto e civilizado. 16
E, em seguida aos momentos mais significativos daqueles fatos teatrais em
consideração pela elite paulista, adquire importância particular — mesmo sem perder
sua angulação pitoresca — em 1947, a montagem do texto de Franco Zampari realizada
em teatro especialmente construído para essa finalidade, nos jardins da família
Assunção:

Franco Zampari, italiano de nascimento, era até então grande


industrial radicado em nossa terra e que, graças à sua competência e
eficiência, ganhava “miões”, como dizia minha bisavó, levando a melhor
das vidas (a “Dolce Vita”, mal comparando...) que se podia levar até então
em São Paulo. Gostava do teatro, interessava-se por todas as suas
manifestações, chegando a escrever uma peça, “A mulher de braços
alçados”, levada por um grupo de grã-finos seus amigos, sob a direção de
Abílio Pereira de Almeida, em elegante teatro armado especialmente no
parque da residência da protagonista, Sra. Fifi Lebre Assunção. 17
Como se pode observar, ocorre aqui uma história do teatro moderno centrada numa
pesquisa que não exclui o deleite, a autocontemplação. Pouco a pouco, o teatro vai se
configurando também como atividade que reverte em prestígio. Da fase primordial
12

folclórica àquela em que começa a se afirmar sobre a necessidade de um texto


dramático, o trabalho teatral moderno é sempre realizado dentro do círculo “dos moços
e das moças da sociedade paulistana”, paulatinamente agregados aos quadros burgueses.
Da “fantasia” saudosista das fazendas aristocráticas ao espetáculo folclórico oferecido
em representação urbana, a cidade moderna entra no compasso do drama burguês.

3. A MODERNIDADE EXPERIMENTADA

A partir do momento em que a atividade teatral começa a buscar uma definição


mais ampla, que escapava ao âmbito dos tradicionais círculos e espaço de prestígio
(mas, justamente porque saía deles, tinha garantida sua distinção), verifica-se a
emergência daqueles grupos amadores que irão se constituir nos elementos de passagem
do “teatro folclore” para o “teatro instituição urbana”, sempre dentro do trajeto
modernizador. E lamenta-se, neste caso, que para estes grupos não se utilize o termo
diletantes, que ajudaria a captar sua origem e o caráter social (estético) de seu trabalho
teatral. Mas, se o abandono da palavra dilettanti pode representar a perda da
contribuição filológica para reafirmar, por trás dos nomes, as ligações que estes grupos
possuíam com aquela tradição sobre a qual até agora nos detivemos e, assim, sua
inserção no quadro “de passagem”; a utilização do termo amadores pode indicar a
possível existência de uma prática centrada mais na “experimentação” que no trabalho
“profissional”. 18
Será ainda a voz do participante Mesquita a evidenciar o papel central e de
passagem que estes grupos de amadores assumiram no contexto da atividade teatral em
São Paulo, até o momento da criação do Teatro Brasileiro de Comédia, em 1948, e que
foi concebido, como se sabe, com sede destinada a acolher os amadores “dispersos”:

Desse grupo de amadores devia nascer logo em seguida o “Grupo de


Teatro Experimental”, que dirigi de 42 a 48..., onde se formou Abílio
Pereira de Almeida... Durante a minha direção ensaiei e apresentei uns dez
ou doze espetáculos, com peças de Aristófanes, Shakespeare, Molière,
Musset, Lenormand, Sutton Vane, Tennessee Williams e, de acordo com o
nosso programa, de Carlos Lacerda, Abílio Pereira de Almeida e de outros.
Desse grupo saíram, não só o citado Abílio, como vários artistas que foram
ultimamente para o Rio e outros que integraram o elenco “Teatro
Brasileiro de Comédia”, como Carlos Vergueiro, Maurício Barroso,
Marina Freire Franco, Nídia Pincherle.19
Antes de entrar na discussão da etapa “amadora” da modernização teatral amparada
na seleção de alguns dados mais significativos, convém talvez lembrar que não se
13

pretende aqui traçar um panorama de todas as tentativas de renovação empreendidas


pelos amadores. Foram escolhidas algumas passagens, relativas a determinados grupos,
consideradas significativas para o entendimento da renovação como projeto cultural de
longa duração que, muitas vezes, encontrou barreiras e escolheu caminhos determinados
pela realidade mais ampla.
Para ficar ainda na estrada do amadorismo paulista cabe destacar o surgimento do
Grupo Universitário de Teatro pois, na direção que se encaminha para uma visão cada
vez mais ampla (e moderna) do teatro brasileiro, não pode se esquecido o papel que a
Universidade de São Paulo desempenha como elemento possibilitador da “atualização”
que também o teatro irá almejar.
A absorção do teatro pela Universidade, no entanto, espelhará uma lentidão que
pode denunciar uma certa expectativa em relação à sua real configuração como arte.
Nesse sentido, surge em 1943, e sob a iniciativa de Décio de Almeida Prado, o GUT,
que, ligado à Faculdade de Filosofia, se apresenta com a necessidade de dupla
atribuição: de um lado, deve servir como organismo de divulgação de um movimento em
busca de fundos para pesquisa universitária e, paralelamente, constituir um centro
permanente de interesse pelo teatro, renovando-lhe o repertório e envolvendo-o no
espírito universitário.20
De qualquer forma, já em 1948, a Universidade acolherá, física e
institucionalmente, a Escola de Arte Dramática, criada anteriormente por Alfredo
Mesquita e que, até então, tivera diferentes sedes e nenhum “patrono” tão definido
como o será, agora, Jacques Copeau.
No entanto, ainda em 1938, surgia no Rio de Janeiro, o Teatro de Estudante do
Brasil, criado por Paschoal Carlos Magno, quando de seu retorno ao país, após uma de
suas experiências diplomáticas. A escolha do nome do grupo (e de seus componentes),
ao nosso ver, já indicava o compasso da modernidade:

Faço questão de ressaltar que nunca pretendi que o movimento se


chamasse “teatro universitário”, porque teatro não pertence a nenhuma
classe. O erro dos teatros universitários que vieram depois é que nenhum
deles era realmente universitário, mas sim abusavam do nome. “Teatro do
Estudante” era para mim alguma coisa que abrangia estudantes de escolas
superiores, secundárias, normais e aceitava qualquer pessoa que quisesse
fazer teatro e fosse menor de trinta anos. Eram todos estudantes... de
teatro.21
Ao “desvincular” seu grupo da universidade (e no entanto, a integração de Sérgio
Cardoso ao grupo, em 1948, onde no papel de Hamlet marcou sua entrada definitiva
para o teatro, fazendo-o abandonar, um ano antes de se formar, a Faculdade de Direito,
14

parece ser o exemplo mais significativo de que o Teatro do Estudante manteve uma
relação com a mesma), Paschoal o aproxima daquele “amor a arte teatral”, que opõe
estudo à venda do produto. A referência à idade, por sua vez, procura afastar os
“jovens” dos “velhos” profissionais.
Todavia, será a própria figura de Paschoal Carlos Magno a se apresentar de modo
muito particular diante das posturas de mudanças que até então procuramos discutir.
Tendo atuado no mundo artístico como autor de romance e de peças de teatro, passa a
entremear sua atividade diplomática no Governo Vargas com a direção do grupo TEB.
De alguma forma, o entrelaçamento destas atividades se traduz em características
significativas, que carregam sua contribuição para a visão modernizadora:

Em Londres, Paschoal entrou no teatro. Escreveu peças, mas não é isso


que o fez popular. Abriu o apartamento de diplomata, numa época de
intensa austeridade dos ingleses, a atores famosos, John Gielgud, Beatrix
Lehman, Laurence Olivier, etc., alguns homossexuais. Teve um grande caso
de amor com o bissexual Michael Redgrave... Jovem bonito, cheio de
charme, apelidaram-no de The Brazillian Bombshell, o apelido de Carmem
Miranda em Hollywood. Sucesso absoluto.22
Autor de teatro e diretor de um grupo teatral moderno, Paschoal apresenta uma
postura “irreverente” devido talvez à sua proximidade “diplomática” com o poder.
Nessa medida também pode ser compreendida a proposta de quem, engajado na
modernidade, dizia querer somente plantar uma bandeira, numa sociedade miserável
como a nossa, não importa se mal executada.23 Também frente ao poder, nosso
embaixador teatral adotava uma posição “realista”, em resposta à prática populista de
Vargas e num quadro de “representação” que envolve a todos:

A (sua) promoção funcionava. Paschoal conseguiu hospedagem


gratuita a todos os governadores dos Estados que visitaríamos. Verbas do
Ministério do Trabalho para que em cada cidade fizéssemos espetáculos
aos operários, com entrada livre. E fomos a Getúlio Vargas, pedir
transporte... Getúlio entrou com a aura que marca toda pessoa que os
meios de comunicação nos implantam na retina. De charuto na mão,
sorridente, atento a si próprio apenas, projetando uma imagem que parece
dirigida a nós, mas que em verdade é o auto-reflexo do poder... Paschoal
pediu dois aviões, um que carregasse a parafernália cênica, outro, o elenco.
Getúlio deu um, comentando: “Levei o avião a Teresina. Você vai levar
Sófocles”. Estava certo quanto ao avião.24
E, nesta viagem modernizadora de 1952 (a Manaus, Belém, Fortaleza, Natal, João
Pessoa, Tersina, São Luís e Recife), o Teatro do Estudante procurava levar sua
contribuição basicamente através de um repertório culturalmente qualificado: Sófocles,
Eurípedes, Shakespeare, Ibsen, Gil Vicente e Martins Penna. Na resposta dos
governadores estaduais, pode-se notar, para além de uma “desolada” situação cultural,
15

observada por Paulo Francis, o reflexo de um claro acordo à regra geral de uma política,
ela própria, travestida em espetáculo:

Numa recepção ao grupo do governador do Amazonas... o líder,


entusiasmado, disse a Paschoal: “Parabéns. Agora Édipo, essas coisas
estrangeiras, não surpreendem. Maravilhoso é o ‘nosso’ (sic) Romeu e
Julieta. Portanto se o petróleo não é nosso, ou talvez nem exista, ao menos
nacionalizamos Shakespeare.25
No percurso renovador se insere, assim, uma instância de travestimento que parece
apontar o próprio populismo como prática de “representação” (não apenas política...).
Não é porém intuito deste trabalho estender considerações nessa direção. O que aqui se
procura é perceber o “travestimento” como componente de uma atuação teatral que se
empenha em textos considerados “artísticos” e “culturais”, mas se assenta numa prática
de teatro coletiva, ela própria, ainda não totalmente reajustada. Como se vê, a colocação
feita por Sábato Magaldi para o teatro da Semana de 22 (já citada) ainda é apropriada
aos anos mais recentes.
A “bandeira” de Paschoal, na verdade, é quase virada ao avesso justamente porque
era mal costurada, diante dos critérios que a realidade impunha e que o próprio
movimento de mudanças andava elaborando. E é sempre Paulo Francis que, ao oferecer
uma descrição (interna do grupo), permite visualizar, na defasagem que ocorre entre os
limites da atuação concreta e o projeto de atualização, a instauração de uma segunda
ordem de “representação” (= travestimento) no espaço do teatro moderno.

Durante seis meses ensaiamos naquela base. Alguma coisa saiu... Tudo
feito em cena é rigorosamente marcado, quase ao mínimo gesto. Não há
improvisações. E seis meses de horas de convívio diário, somos criaturas
condicionáveis, produziram “interpretações”. O fato de que raramente
tinham algo a ver com as intenções dos autores, ou que não seguissem a
gradação e modulações que os diretores de verdade conduzem, nada disso
impedia que o espetáculo corresse, baseado no talento (ou falta) de cada
um, e que existisse entre nós uma familiaridade em cena que ao olho
destreinado sugerisse ensemble... Nada funcionava. Cenógrafos e
figurinistas sofreram mutilações de projetos. Trajes de outras peças eram
“adaptados” às novas produções. Meu Ulisses em Hécuba, para citar um
exemplo, tinha couro e outros petrechos autênticos sobre o saiote preto e
branco. Na prática, restou o saiote, que me fazia parece uma moça do
Botafogo (logo de que clube), uma baliza, talvez. Romeu vestia a roupa de
Oberon... Marcello se revelou uma presença poderosa em cena... À la
Procópio e geração, começou a inventar situações inexistente na peça.
Algumas eram engraçadas, outras não. Ambas são impermissíveis, em
teatro sério, logo permissíveis no Teatro do Estudante.26
Insistimos em olhar, até este momento, as descrições (bastante opinativas) de Paulo
Francis porque, como elemento participante do grupo, pode apresentar uma visão
16

bastante insinuada no próprio projeto de modernização. De fato, acompanhando seus


textos notamos que seu sarcasmo trafega entre uma posição “irreverente”, que o
aproximaria de Paschoal, e uma alternativa que ele denomina “teatro sério”,
compreendendo não apenas um textos dramático qualificado, mas ensemble, direção,
organização cenográfica e de figurinos, cuidadosamente planejados e realizados. Aos
olhos do renovador, a viagem modernizadora do TEB não se distinguia suficientemente
daquelas que ocorriam como prática constante dos mambembeiros da “velha guarda
profissional”. E, por outro lado, ao encenar Shakespeare, na representação de 52, o
Teatro do Estudante o “nacionalizava demais” pois, a cada montagem, fazia
transparecer, sob a capa de um autor de indiscutível prestígio cultural, a nudez de uma
atuação muito próxima de uma realidade limitada que remetia a uma consciência do
“atraso”. “Uma só bandeira” (leia-se, autor dramático) não era suficiente.
Dois anos após a estréia do TEB, a mesma cidade do Rio de Janeiro veria, a 15 de
janeiro de 1940, no Teatro Ginástico, o início das apresentações dos espetáculos
montados pelo grupo amador Os Comediantes, cujas origens remontam, como se sabe,
às discussões surgidas já em 1938 no convívio artístico propiciado pela Associação do
Artistas Brasileiros, dirigida por Celso Kelly.
O espaço de tempo que transcorre entre os primeiros sinais de emergência (ainda na
AAB) e as estréias dos espetáculos revela o surgimento de um grupo teatral que coloca
a necessidade de discussão e definição de um bloco de propostas, indo da escolha do
nome do novo conjunto às opções de repertório e ao esclarecimento de uma proposta
cultural.
Já a escolha do nome para o grupo, feita por Santa Rosa, após alguns dias de
reflexão, aproxima o mesmo de uma proposta renovadora que se constitui numa
indicação bastante interessante. Veicula, em primeiro lugar, uma nova visão para o
trabalho do ator que, modernamente, deve interpretar uma gama variada de
personagens, diferente do velho ator que, em última instância, aos olhos da renovação,
só representava a si mesmo:

Era preciso que exprimisse o meu real desejo; que cada elemento
reunisse o conjunto de qualidades necessárias para encarnar qualquer
personagem. Acho que foi num dicionário ou revista italiana na qual havia
um artigo do meu amigo Mário da Silva que encontrei a definição
específica, diferenciando ator de comediante.27
É comum encontrar referências que procuram associar Santa Rosa (e com ele Os
Comediantes) ao pensamento de Copeau e Jouvet, dois encenadores vistos pelos
renovadores como defensores da idéia de ensemble no teatro. Ao nosso ver, esta
17

associação já está dada aqui, na própria escolha do nome do grupo e, no entanto,


vinculada diretamente à questão do trabalho do ator. O fato que se deve ter em mente
em primeiro lugar é que o período entre-guerras viu renascer o interesse em torno do
Paradoxe sur le comédien, de Diderot e, no quadro desta retomada, destacaram-se
justamente as figuras de Copeau e Jouvet. Do primeiro aparecem as Réflexions d’un
comédien sur le “Paradoxe de Diderot”, que seriam publicadas como prefácio a uma
nova edição da obra, em 1929. Em 1938 surgem as Réflexions du comédien de Louis
Jouvet.28
Para além de uma exata recuperação das fontes, o que se quer aqui observar é a
introdução da questão do ator — segundo o modelo externo, moderno — para
configurar, de uma forma cada vez mais sofisticada, a entrada do nosso teatro para a
modernidade.
No entanto, em 1938, fazer advir o nome de um grupo, tendo em vista uma proposta
renovadora para o trabalho do ator não significa ter os olhos voltados apenas para as
vanguardas européias. O projeto veicula uma tentativa de efetiva ruptura como uma
“arte de representar” que naquela época ainda se fazia presente. O “representar a si
próprio” é prática dominante de toda uma geração de atores que, no Brasil, se localiza
no quadro das companhias profissionais que dominam os anos 20 e 30, coexistindo —
e, muitas vezes, tentando uma proximidade — com o projeto modernizador
contemporâneo e subsequente.29 A presença iluminada do “grande ator”, destacado
sobre o palco, é veículo dominante na relação espetáculo/público, se sobrepõe de forma
cada vez mais sistemática a idéia de “conjunto”.
De qualquer forma, pode-se dizer que a perspectiva de adequação aos modelos
externos é acrescida, aqui, de um novo componente. O modelo que até então era
baseado dominantemente no aspecto do texto teatral, com Os Comediantes, se enriquece
através da presença incisiva do encenador. Gustavo Doria, um dos fundadores, associa a
opção pelo “mestre do Cartel” como um modelo que indicava a “necessidade de escola”
que permeava o grupo:

Dizia Santa Rosa (no que era totalmente apoiado por Luiza Barreto
Leite e por outros) que sem traçarmos os rumos de um teatro que nos
levasse a uma escola paralela, muito pouco aproveitamento teria o nosso
trabalho. Por isso a idéia de cursos paralelos, alguns começados, mas sem
continuidade, passou a integrar o espírito da iniciativa.30
A liderança do cenógrafo Santa Rosa, nesta fase inicial do grupo, é evidente e
também sua especialização poderia aproximá-lo de Copeau e Jouvet, os criadores do
“dispositivo cênico fixo”, num mesmo ideal de “despojamento” e “funcionabilidade”
18

que possibilitaria em Santa Rosa a criação de “cenários com poucos elementos”, apenas
“sugestivos”.31
Se a observação atenta ao significado da presença de Santa Rosa (como elemento
criador de um grupo moderno e como cenógrafo) contribui para o seu resgate para a
história do nosso teatro moderno, é preciso notar que Os Comediantes entrariam para
essa mesma história sobretudo com a montagem, 1943, de Vestido de noiva, de Nelson
Rodrigues. Tal “acontecimento” é lembrado também pela presença de um autor teatral
brasileiro, então iniciante mas finalmente “moderno”, e pela efetiva presença de um
encenador: Nelson Rodrigues e Ziembinski, duas figuras marcantes e decisivas para os
novos trajetos da modernidade.
Não é o caso aqui de retomarmos as discussões, bastante numerosas e
diversificadas, em torno da dramaturgia rodrigueana. 32 Para a questão da modernidade,
tal como aqui vem sendo enfocada, bastaria lembrar as palavras de Ruggero Jacobbi:

O grito de independência da nova dramaturgia foi, em 1943, “Vestido


de noiva”, de Nelson Rodrigues... A gíria, a interjeição, o insulto, as
elipses, as metáforas, em uma língua brasileira que não é mais o
português, chegam ao teatro com Nelson Rodrigues, vinte anos depois que
com Mário de Andrade tinham chegado à poesia.33
Para além desta escritura dramatúrgica, tão nacional quanto moderna, Os
Comediantes introduzem uma relação bastante peculiar entre o autor e o “condutor” da
montagem, exaustivamente descrita no documento que o próprio Nelson Rodrigues nos
deixaria, ao relatar “o ensaio geral” e a noite de estréia de Vestido de noiva.34 Nota-se
algo mais que uma montagem bem apurada: Nelson Rodrigues assiste a uma “leitura
cênica” de seu próprio texto.35
Como se pode observar, Ziembinski não era um “leitor fiel”, mas não era também,
como o velho ator “virtuose”, um histrião pois, mesmo quando colocava suas mãos
sobre o texto, aos olhos da modernidade, não o fazia para si próprio, mas em nome do
“espetáculo”: era um encenador moderno.
Desta forma, Ziembinski representa para a história do teatro brasileiro a intervenção
daquele segundo componente necessário à entrada do teatro no mundo cultural
moderno, dado pela passagem do tesouro tradicionalmente artístico da literatura
dramática para o caldeirão de uma “organizada” colocação em cena, através da qual se
transforma em espetáculo e, assim, se constitui em obra de arte, autônoma.
Porém, a recém-chegada figura do encenador era chamada a atuar ainda numa outra
vertente, aquela da “coordenação” que, vista sob o ângulo interno do trabalho teatral,
19

traz consigo a noção de disciplina como requisito necessário a um trabalho “seriamente”


organizado em diversos aspectos.
Somente quando o espetáculo torna-se fiel a si mesmo, retrato de uma linha de
concepção que orienta e que é anteriormente estudada, consegue fazer conotar para o
teatro — para além da evidência de um texto de bom nível— a instância de uma arte
autônoma, que permite sua entrada para o mundo da modernidade.
Neste trajeto, portanto, o projeto renovador pôde, em 1943, observar a límpida e
marcante concretização da combinação efetiva (mesmo que não duradoura) de várias
proposições que, ora sob um aspecto, ora sob outro, já vinham sendo paulatinamente
experimentadas no decorrer de um largo período da nosso história.
É assim que Nelson Rodrigues no desabafo nervoso do depoimento sobre “o ensaio
geral” e sobre a estréia de Vestido de noiva — e um tanto descuidado nas lembranças, se
pensarmos na dramaturgia oswaldiana — podia dizer:

Ah, o meu processo de ações simultâneas, em tempos diferentes não


tinha função no Brasil. O nosso teatro era ainda Leopodo Fróes. Sim, ainda
usava o colete, as polainas e o sotaque lisboeta de Leopoldo Fróes. E
ninguém perdoaria a desfaçatez de uma tragédia sem “linguagem nobre”.
Ao entrar em casa eu não acreditava mais em mim. E me perguntava,
inconsolável: Como é que eu fui meter gíria numa tragédia?36
Por sua vez, também é pertinente a consideração feita por Luiza Barreto Leite, ao
dizer de nosso encenador que:

Ziembinski, começando por rescrever o “Vestido de noiva”, de Nelson


Rodrigues, transformando a confusa “comédia de costumes” carioca em
obra de arte expressionista, iniciou a atual era das reformulações de
textos.37
Na confluência destas variantes, a postura crítica renovadora também, já em 1944,
realizava, através de Álvaro Lins, a síntese definidora de um novo conceito de teatro
como arte resultante da coordenação perfeita de vários elementos. E, deparando-se com
sua emergência na montagem de Vestido de noiva, credenciava nosso teatro como
moderno:

A arte cênica é talvez a única arte que não tem caráter individual. Um
autor isolado nada significa, porque uma peça que só suporta a leitura, e
não a representação, já perdeu o seu caráter de teatro... Pois o que
caracteriza o teatro é a fusão da arte literária com a arte da arquitetura
cênica. Faz-se do teatro com o autor, o ator, o público, o diretor, o
cenógrafo, e mais o ritmo, as cores, a música, toda uma arquitetura
cênica... Foi dessa força de colaboração e de conjunto, dessa unidade
dentro da variedade de pessoas e de condições que Os Comediantes
extraíram a sua capacidade teatral.38
20

4. A MODERNIDADE INSTITUCIONALIZADA

Por volta da metade dos anos 40, portanto, as tentativas de inovação teatral —
embora ainda esporádicas — adquirem uma relevância bastante significativa. A ponto
de provocar experiências de mudanças inclusive na chamada “velha guarda dos
profissionais”. Modelar deste percurso “profissional” em direção ao teatro moderno será
o caminho da Companhia Dulcina-Odilon, do Rio de Janeiro. Embora já tivesse
apresentado alguns indícios neste sentido, durante o trabalho com Oduvaldo Vianna em
1934 — que dirigira a companhia em várias montagens da temporada deste ano e para a
atriz escrevera Amor — será por volta da metade dos anos 40 que Dulcina procurará dar
os passos mais incisivos em direção ao que então se entendia por teatro moderno. Em
1944, portanto logo após a estréia de Vestido de noiva, a Companhia Dulcina-Odilon
apresenta no Teatro Municipal do Rio de Janeiro a sua denominada Estação para
Intelectuais, sobre tudo em função dos textos que compreendiam: César e Cleópatra e
Joana D’Arc, de Shaw; Anfitrião 38, de Girardoux. Contudo, 1945, numa Temporada
Oficial, ocorrida com subvenção do Ministro Capanema, a companhia apresenta no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a montagem de Chuva (Rain, de John Cotton e
Clemence Randolph, adaptação do texto de Domerset Maugham, com tradução de
Genolino Amado).
Esta montagem, de fato, irá se constituir (pela origem textual da peça, pelo trabalho
da atriz — já então “diretora artística” da companhia — e pelos cenários que “faziam
chover o tempo todo sobre o palco) num verdadeiro carro de batalha da companhia em
seu enfrentamento na luta pela entrada no espaço do teatro moderno.
É verdade que observações e louvores às suas conquistas de ensemble e
aprimoramento no aparato cênico, coordenados pela diretora artística da companhia,
continuaram sendo feitas. No entanto, justamente para a questão da direção teatral,
entendida num sentido cada vez mais amplo, Dulcina permanecerá, para o olhar
modernizador, num arco de autodidatismo cujos limites serão assim delineados por
Anhembi:

Ninguém negará a Dulcina de Morais um enorme talento de intérprete;


falta-lhe, porém, escola — “handicap” que nem mesmo o seu entranhado
amor pelo teatro é capaz de suprir... Não poderia, entretanto, ser
classificada com inteira justiça ao lado de um Celi ou Ziembinski. Para
tanto seria necessário que sua personalidade artística tivesse amadurecido
em outro clima; em algum país menos gigantesco e menos adormecido que
21

o Brasil, onde não fosse obrigatório para os bem intencionados remar


contra a corrente, dia após dia, anos após anos. Mas isso não é culpa de
Dulcina e se todos os velhos atores desta terra tivessem a sua fibra e a sua
elevação de propósitos, a velha guarda de nossos profissionais não teria
desaparecido, nem sequer teria sido ultrapassada.39
Estamos, porém, no início de uma nova década. Também para o teatro se colocava
uma espécie de “consciência catastrófica do atraso”, que se traduziu, num primeiro
momento, pela escolha de implantar aqui o que até então costumava-se colher
40
diretamente no exterior. Se até então o teatro moderno importara basicamente os
textos “altamente qualificados”, a partir de agora a importação de encenadores dar-se-á
de maneira sistemática. Em 1948, de fato, surgem em São Paulo a Escola de Arte
Dramática, fundada por Alfredo Mesquita e o Teatro Brasileiro de Comédia, criado por
Franco Zampari, italiano que já há tempos trabalhava nas Indústrias Matarazzo.
É lugar comum indicar o surgimento do TBC como um “divisor de águas”, como a
possibilidade de efetiva implantação da nossa modernidade teatral. Aos olhos deste
trabalho, o TBC representa o fruto (bastante amadurecido, é certo) de um processo
histórico teatral longo e muitas vezes ambíguo. Surge, em 1948, como resultado, por um
lado, do trajeto das pesquisas amadoras (sua sede, se viu, estava destinada a reunir
grupos amadores) e, por outro, como estrutura possibilitadora de acolhimento de
diretores estrangeiros. Através do TBC, o teatro moderno atinge a sua etapa
“institucional”: pressupõe uma estrutura organizadora e econômica que se traduz numa
continuidade de trabalho possibilitadora de uma atuação do nosso teatro moderno como
linguagem estruturada, articulada naqueles pontos de referência até então observados de
modo esparso ou esporádico.
Se nos recordamos das constantes lutas por verbas que acompanharam o trajeto dos
grupos amadores e atentamos para o fato de o TBC surgir dentro de uma Sociedade
(Sociedade Brasileira de Comédia, que pouco depois criará a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz) percebemos melhor o significado da “maturação”:
representa a “vitória” da modernidade, em sua dimensão institucional.
Esta perspectiva de entendimento, ao nosso ver, possibilita discutir, sob outros
parâmetros, a postura “comercial” que o TBC contrabalançaria à sua investida
“artística” e “moderna”. O fato é que, na maior parte dos países europeus, os chamados
“teatros de arte” (ou “teatros estáveis) tenderam a se institucionalizar como “teatros
públicos”. A modernidade teatral, para poder também criar o seu público teve que
subsistir com o apoio do Estado.
22

Se pensarmos que até hoje no Brasil a questão do “teatro público” ainda está por se
resolver, podemos imaginar a fragilidade da instituição do TBC, tanto como fundação
sem fins lucrativos, ou como grupo empresarial/artístico com sócios quotistas, que
segundo o próprio Zampari, jamais recebeu subvenção estatal. 41 Portanto, a tão
discutida questão, da política de revezamento de repertório empreendida pelo TBC,
mais do que o estreito “comercialismo” (em “estilo velha guarda”, dirão os seguidores
da modernização imediatamente subsequentes), pode denunciar, ou os limites da
modernidade de nosso próprio Estado, que talvez ainda hoje encare como tarefa não
prioritária a implantação do teatro como “serviço público”, ou a fragilidade de um
mercado ainda incipiente para acolher o nosso teatro moderno.
Em sua dimensão efetivamente institucionalizada (o que não significa exclusão de
ambigüidades presentes durante todo o processo), a modernidade teatral empreendida
pelo TBC, por toda uma primeira etapa (de 48 ao início dos anos 60), se traduziu, por
um lado, na chamada “profissionalização” dos envolvidos neste trajeto e que se refletiu
numa verdadeira inversão de valores na relação que se estabeleceria, a partir de então,
entre os “amadores” e os “profissionais”; por outro lado, desenvolveu uma política
sistemática de importação: dramatúrgica, de encenadores e de cenógrafos. E vieram os
italianos.
A partir destes fatos, o caminho da modernidade deverá incorporar alguns
componentes ditados pela presença italiana. Quais são eles e de que forma se cruzam
com os parâmetros até então estabelecidos é o que se pretende analisar nas próximas
páginas.
23

PARTE II

A FORMAÇÃO TEATRAL DOS ITALIANOS: SILVIO D’AMICO

1. INTRODUÇÃO
2. MEMÓRIA DOS DISCÍPULOS
3. A ESTÉTICA DE SILVIO D’AMICO: O TEATRO COMO ARTE
3.1 PALAVRAS DE FÉ E PROPAGANDA
3.2 O DRAMA COMO POESIA
3.3 A REPRESENTAÇÃO ENTRE “VARIAÇÃO E FIDELIDADE”
4. A POÉTICA TEATRAL DE SILVIO D’AMICO: LEITORES FIÉIS COMO ARTESÃOS DO
ESPÍRITO

4.1 O DIRETOR: FUNÇÕES E LIMITES DO RECÉM-CHEGADO


4.2 O ATOR: A SUPERAÇÃO DA “INTERPRETAÇÃO VIRTUOSA”
4.3 ALGUMAS INDICAÇÕES SOBRE CENOGRAFIA: A QUESTÃO DA

“VISUALIDADE”
24

1. INTRODUÇÃO

A finalidade desta parte da pesquisa, realizada parcialmente na Itália 42, é analisar o


período de formação dos italianos que estiveram no Brasil a partir do final dos anos 40,
integrando-se ao projeto modernizador de nosso teatro.
O motivo de um trabalho desta natureza provém:
1) da importância que as atividades teatrais dos italianos assumiram no final dos
anos 40 até o inicio dos anos 60 no Brasil. Esta importância foi observada e
destacada tanto através da memória dos participantes do processo (italianos e
brasileiros), como nos estudos mais recentes sobre o moderno teatro brasileiro;
2) da constatação da ausência no Brasil de hoje de estudos centrados na
compreensão do significado desta contribuição e da necessidade de uma
documentação adequada para tal finalidade;
3) e, principalmente, da necessidade de entender, como etapa fundamental, as
determinantes da formação italiana destes homens, às quais, certamente, sofreram
modificações ao entrar em contato com a realidade teatral brasileira.
Partindo destes pressupostos, devia-se levar em conta a amplitude do argumento.
Tratava-se de verificar a etapa da formação de vários indivíduos (Adolfo Celi, Ruggero
Jacobbi, Aldo Calvo, Gianni Ratto, Flaminio Bollini, Luciano Salce, Alberto D’Aversa,
Basano Vaccarini e Tulio Costa), num período — entre os anos 20 e 40 — de
importantes mudanças na realidade teatral italiana, como: a fundação da Accademia
Nazionale d’Arte Drammatica, em 1936; o surgimento das primeiras companhias
dispostas a fazer um teatro de “tipo novo”, como, por exemplo, aquelas dirigidas por
Visconti e pelo jovem Strehler; as tentativas de inovação desenvolvidas pelas
instituições fascistas abertas a atividade teatral, principalmente pelo “ardor juvenil”,
dentro dos Teatros-GUF (Gioventù Universitària Fascista); o aparecimento das
manifestações teatrais da Bienal de Veneza e do Maggio Fiorentino e, finalmente, a
possibilidade de realização de uma das mais significativas propostas de Silvio
D’Amico: o surgimento dos teatros estáveis sob a gestão pública.
À possibilidade que se apresentava de fazer uma reconstrução biográfica de cada
protagonista, preferiu-se uma escolha diversa, mesmo que nas entrevistas ou nos
questionários, tenha-se procurado, sempre que foi possível, obter informações de âmbito
mais estritamente individual. Buscou-se, particularmente:
1) estabelecer e analisar uma matriz determinante na formação dos agentes
teatrais italianos: aquela fornecida justamente pelo papel de Silvio D’Amico;
25

2) recolher e transpor para o próprio texto um documentação, a mais ampla


possível, que levasse em consideração os principais conceitos envolvidos no
estabelecimento de uma linha de formação.43
Quanto ao papel determinante de Silvio D’Amico para o período em questão, cabe
ressaltar que este já é aceito como regra pelos estudiosos de teatro italiano. A sua
presença teatral como mestre e homem de luta que atravessa duas guerras mundiais
pode ser avaliada através de uma enorme e variada produção:
1) como cronista de importantes jornais e revistas especializadas, em Roma, de
1914 até sua morte (1955). Os jornais para os quais colaborou com maior
continuidade foram: L’Idea Nazionale (de 1914 a 1925), La Tribuna (de 1926 a
1941), Il Tempo (de 1948 a 1955). Lembra-se ainda da sua participação na fundação
e direção da revista Scenario (de 1932 a 1936);
2) como um dos escritores dos ensaios teatrais mais significativos que surgiram
naqueles anos: Maschere (1921), Il tramonto del grande attore (1929), La crise del
teatro (1931), Invito al teatro (1935), Il teatro non deve morire (1945), Enciclopedia
del teatro (1954), cujo início se deu sob sua iniciativa e colaboração, a
importantíssima Storia del teatral drammatico (1941), o capítulo “Dal capocomico al
regista”, em Cinquant’anni di teatro in Italia (1954), Palcoscenico del dopoguerra
(1953), onde, mesmo quando se utiliza das crônicas já publicadas quase sempre as
reelabora;
3) como idealizador, fundador, presidente e professor da Accademia Nazionale
d’Arte Drammatica, em 1936;
4) como participante ativo nos debates e nos congressos teatrais mais
significativos, nacionais e estrangeiros.
Diante da evidência de seu papel fundamental e, tendo em vista o objetivo desta
pesquisa, procurou-se extrair de seus textos (em confronto principalmente com o
testemunho dos seus discípulos) aqueles elementos que permitiram a composição de
uma estética e de uma poética damiceanas.
A escolha recaiu sobre os aspectos considerados mais significativos para a
recuperação dos elementos específicos na contribuição para o moderno teatro brasileiro
através dos já citados agentes teatrais: desde uma visão mais ampla do teatro (o seu
pensamento estético) até as questões mais concretas ligadas ao fazer teatral, para as
quais D’Amico apresentava uma proposta poética a ser seguida: texto, diretor, ator e
cenografia.
26

Com base neste “recorte” são deixadas de lado, sem um exame em profundidade,
outras questões fundamentais de seu pensamento como, por exemplo, a relação entre o
Teatro e o Estado ou a relação entre o Teatro de Arte e o Teatro Estável. Mesmo
levando em conta a importância destes elementos, objetivamente eles não participam da
nossa proposta. Além do mais, é preciso frisar que a reconstituição integral do
pensamento e das práticas damiceanas, em suas diversas derivações, requer um trabalho
de equipe, centrado principalmente na análise do teatro italiano.
No caso do presente trabalho, acredita-se que o estudo realizado pode contribuir
para a compreensão da presença italiana no processo de montagem do moderno teatro
brasileiro. Por sua vez, não parece inútil a tentativa de composição dos diversos
elementos relativos à estética e a poética de Silvio D’Amico, como mais um auxílio
para o estudo do chamado “teatro della parola”, dominante na Itália na primeira metade
deste século.
As palavras de Ruggero Jacobbi, apresentadas em forma de “tese” em Saint
Vincent, em 1972, comprovam que as derivações deste tipo de teatro constituem-se
numa fecunda linha a ser examinada nas relações entre o teatro italiano e o brasileiro
daquela época:

Tese n° 11) Não Terceiro Mundo, mas Segunda Europa... De outra


forma deveremos deplorar que o negro africano venha à ONU de roupa e
não despido (e, na verdade, ele opera uma síntese, isto é, veste-se a sua
maneira); que as novas culturas se desenvolvem através do aprendizado de
línguas estrangeiras (mas aqui também ocorre o fecundo e progressivo
enxerto em matrizes autóctones);... tais deplorações são próprias dos
estetas, dos nostálgicos ainda ligados à idéia rousseauniana do bom
selvagem (entre estes, em “ultimíssima” análise, incluo também, de bom
grado, Levi-Strauss). Mas, para usar um exemplo que conheço melhor,
nenhum sul-americano inteligente e patriota tem vontade de renegar todo
esforço de atualização, de assimilação, de revisão crítica da cultura
européia que constitui justamente a sua história, a sua libertação, a sua
conquista de independência, a sua descoberta dos próprios métodos através
dos quais recupera sua originalidade. O nudismo pode ser um gesto de
libertação para aquele que sempre se vestiu, mas para quem sempre esteve
nu (e nu foi mantido à força pelos opressores) a libertação começa no dia
em que veste os sapatos, e, quem dera, a gravata. Penso nisto, com
freqüência: um dia ou outro, quando tivermos abolido todo “humanismo”
das nossas escolas, virão da Nigéria, do Ghana, do Paraguai, nos ensinar o
latim, a métrica de Petrarca e o direito romano. Porque eles terão sabido
ler, digamos, Petrarca, de um modo virgem e novo, de um modo útil
também ao homem de hoje, sem superestruturas acadêmicas e terão
descoberto a sua grandeza; enquanto que nós não o sabemos ler mais. 44
27

2. A MEMÓRIA DOS DISCÍPULOS

Para nós é muito simples responder, porque o nosso mestre de todos


nós, foi Silvio D’Amico, que nos indicou tudo aquilo que devíamos fazer. É
certo que sem Silvio D’Amico o teatro italiano teria sido profundamente
diverso. Nós devemos a D’Amico justamente os esquemas operativos sobre
os quais, depois, nos movimentos... E praticamente, mesmo aqueles que não
freqüentaram a Academia que D’Amico presidia, dirigia — por exemplo,
nem eu, nem Strehler, nem Grassi freqüentávamos a Academia — se
reconhecerem todos como alunos seus. (Ivo Chiesa)

Silvio D’Amico, como Brecht, é um dos mestres do teatro fundamentais


para minha vida... Dele recebi, na minha juventude, a indicação do Teatro
de Arte, da necessidade da direção teatral. (Paolo Grassi)

O grande papel (de D’Amico) foi o de defender a direção, de defender


os jovens e de lutar contra os vícios e os defeitos dos que insistiram em
continuar num certo tipo de velho de teatro... Ele defendia o texto, a
integridade do texto, o estudo do texto. (Adolfo Celi)

O mestre que deixou a marca mais profunda em mim e nos meus


companheiros de curso foi Silvio D’Amico... Teve sobre nós, eu diria, uma
influência de caráter ético-profissional. Certamente foi dele que recebemos
uma idéia de teatro, do nosso ofício, não religiosa ou mística, mas com
certeza fortemente vocacional. Entendia a profissão como se pertencemos a
uma família particular e privilegiada, a uma seita... Incidentalmente, diria
que as ligações de D’Amico não se limitavam simplesmente a fornecer
noções de história do teatro. Ele ilustrava os grandes discursos do teatro
contemporâneo. Freqüentemente nos falava de Copeau, de Baty, do Théâtre
du Cartel (Vittorio Gassman)

O que importa é que a cenografia italiana moderna deve muito mais à


Bragaglia que à D’Amico, em termos criativos. (Gianni Ratto)

Porém, um dia, o discreto e pacato diretor D’Amico permitiu que


Pandolfi encenasse “A ópera dos três vinténs”, em plena guerra: um
espetáculo que foi o documento mais importante da resistência italiana no
Teatro Valle de Roma... Como se vê, o teatro italiano colaborou, como
Brecht, na luta contra o fascismo. (Alberto D’Aversa)

As crônicas de D’Amico (mais de quatro mil) são o espelho de quarenta


anos de teatro durante os quais este teatro mudou de cara, partindo
justamente de algumas idéias que... D’Amico já exprimia (pelo menos)
desde 1918... como Schweick, através de duas guerras mundiais, D’Amico
salvaguardou a congregação do teatro numa terceira guerra mundial,
ainda mais insidiosa... (Geraldo Guerrieri)
Introduzimos a discussão do papel de Silvio D’Amico na formação de uma geração
que cresceu à sombra da guerra e do fascismo com opiniões de seus próprios discípulos,
não tanto pela necessidade de uma constatação, a esta altura totalmente consolidada, ou
28

de sua importância mas, sobretudo, para individualizar as diversas atividades do mestre


que propiciaram a percepção desta influência pela memória.
Por outro lado, os documentos permitem, no fluxo da memória dos agentes que
determinaram a configuração do moderno teatro italiano (e, de alguma forma,
auxiliaram o brasileiro), a verificação de possíveis dimensões ideológicas que,
certamente, uma relação “mestre-alunos" pode instaurar.
Como linha de princípio, a figura de D’Amico se apresenta como a do “mestre” que
inspirou todos os “mecanismos operativos” do moderno teatro italiano e, também, como
a do “homem de luta” (polemista) diante da crise deste mesmo teatro. E, de fato, os dois
aspectos de sua atividade sempre se misturaram e percorrem a história desses anos. E,
mesmo hoje, lendo seus textos ou observando sua participação nos congressos e debates
ocorridos naquele período, o tom que ainda sobressai é dado pelo cruzamento de duas
condições: a necessidade de atualização, que pressupõe conhecimento teórico, disciplina
educacional, estabelecimento de um corpo de preceitos que sirva como ponto de
referência à problemática teatral e, por outro lado, a constante chamada de atenção para
a situação teatral imediata.
Somando o papel de “mestre” ao de “homem de luta”, Silvio D’Amico realizou uma
produção que permanece como ponto de referência determinante para os anos da
“formação”.
Não há sentido algum em isolar alguns aspectos de sua obra, a não ser para efeito da
pesquisa. Pode-se dizer, é claro, que na produção teórica e prática de D’Amico, a
questão teatral é o resultado de uma linha de princípio, de uma visão que constitui a sua
base, mas que aparece privilegiada ora sob um ângulo, ora sob outro, em função da
conjuntura e do cruzamento das duas características indicadas. Esta ordem de
problemas, que poderia evidenciar a própria riqueza de sua obra, mesmo dificultando a
análise, não impediu a definição de certas linhas de pensamento que são, na verdade, as
determinantes.

3. A ESTÉTICA DE SILVIO D’AMICO: O TEATRO COMO ARTE

3.1 Palavras de fé e propaganda

O texto de base, paradigmático, para a discussão em torno da visão ético-estética de


D’Amico é Il tramonto del grande attore, publicado em 1929, privilegiado, não só por
ser um de seus primeiros ensaios publicados, mas também pelo fato da questão estética
29

(jamais separada de seu fundo ético-religioso) ser colocada aqui como tentativa de um
discurso autônomo, inclusive na distribuição do próprio livro. 45 A base da discussão
teatral não é considerada como sendo estritamente filosófica. O problema de fundo, a
mola da discussão, é a crise do teatro em seus vínculos, como a questão do “grande
ator” tratada concretamente nos capítulos sobre a Duse, Zacconi, Dondini, Emma
Gramática, Ruggero Ruggeri e outros. A tarefa de “atualização” não é esquecida e está
presente nos capítulos sobre Copeau, Tairov, Baty dentre outros.
Porém, em meio a estes ensaios mais “pragmáticos”, aparece o texto L’attore e la
grazia (O ator e graça), onde o objetivo teórico, a procura de uma definição estética e a
proposta/finalidade religiosa abrem espaço para uma possibilidade de leitura,
particularmente rica, na tentativa de especificar a visão estética e ética de D’Amico.
Vejamos sua definição de teatro, neste texto:

Uma forma de arte, pudica, por sua própria natureza, onde o autor não
se confessa diretamente mas, se tem alguma coisa a dizer, o faz através de
sentimentos e ações de suas criaturas, é todavia, supérstite.(p. 10)
O ponto fundamental que determina o trajeto de D’Amico tem origem numa visão
de teatro totalmente associada à idéia de drama. O problema que tomará para si será
sempre aquele de um teatro dramático, de um teatro de prosa e para defendê-lo não
hesitará nem mesmo diante da necessidade de fazer apelo à outras formas espetaculares.
O “pudor” reservado ao autor da obra de arte dramática, que não se confessa
diretamente, orientará suas posições diante dos problemas teatrais imediatos com os
quais deverá se defrontar.
A “crise do teatro”, por exemplo, não se devia a uma falta de inclinação ou
incapacidade italiana para o drama mas, era sempre, uma “crise da cena”. 46 Para ele, o
texto não será o aspecto a exigir intervenções práticas, apesar da insistência da política
fascista na “italianidade” do repertório.47
Ainda em 1945, D’Amico fazia referência explícita a uma “crise de dramaturgia” 48
e os textos que apontam a problemática da crise teatral se detêm sobretudo na questão
dos autores dramáticos privados de intérpretes.49 Na prática, D’Amico tem diante de si
autores contemporâneos do porte de um Gabriele D’Annunzio a anunciar o retorno da
poesia ao teatro, ou de um Luigi Pirandello.50 Teoricamente, contudo, coloca-se a
possibilidade de discussão sobre os limites para o estímulo “externo” à criação
dramatúrgica. Se para D’Amico certamente “uma escola de poetas é impensável”, 51 seu
projeto para a criação de um Instituto Nacional do Teatro Dramático, apresentado em
março de 1931 ao ministro Bottai, não descuida da preocupação com novos autores. De
30

fato, junto à proposta de oferecer um curso de interpretação, um de direção e de


propiciar vínculos com uma escola autônoma de cenografia, também aparece clara e
decisiva a disposição do Studio Eleonora Duse em se constituir como teatro
experimental para ensaios de autores novos. Pretendendo agir em estreito acordo com
a Società degli Autori, D’Amico propõe a criação de uma comissão de leitura para
trabalhos enviados cujos pareceres, segundo ele, poderiam ser publicados no Boletim do
Instituto, sem excluir a possibilidade de representação do novo trabalho dramatúrgico,
sob decisão do diretor do Instituto, num dos dois grandes teatros que o projeto já
indicava. 52
No decorrer dos anos sucessivos, não faltarão a D’Amico as oportunidades para
enfrentar o problema da “italianidade” do repertório, da direção e da própria
interpretação. Porém uma reflexão será constante e já vinha sendo esboçada desde 1923,
quando se coloca a necessidade de uma repertório artístico que não bastava ser
italiano.53 E esta colocação será mais fortemente formulada diante do problema crucial
da obrigação de “italianidade” no repertório das filodramáticas dirigidas pela O.N.D.,
que considerava ser a questão mais grave para o teatro do ano XIV (1936). O fato, por
exemplo, das vinte filodramáticas escolhidas, entre mais de duas mil, para participarem
da competição terem que apresentar um repertório de quinze trabalhos italianos, e de
que, dentre estes, o Júri obrigatoriamente teria que indicar um diferente para cada uma
representar no Teatro Argentina, impunha a Silvio D’Amico uma discussão
particularizada sobre problemas bem mais graves do que aqueles vistos pela maioria das
pessoas. Estes se limitavam à justa dificuldade, ou mesmo à impossibilidade do Júri
diante da extensão da tarefa. O que inquietava D’Amico era que, devendo conciliar três
exigências (que as obras fossem italianas, que tivessem o máximo de dignidade artística
e que fossem adaptadas tanto aos intérpretes como ao público), os diretores recorressem
a insistentes remontagens. 54 A insistência nestas representações, muitas vezes ironizadas
por D’Amico como reexumações, dava a medida de um negativo parâmetro
quantitativo.
Em síntese, pode-se dizer que a visão de D’Amico sobre a política fascista da
“italianidade” do repertório, mesmo nos momentos que exigiam uma resposta mais
pragmática, não se iludia com a possibilidade da fabricação de novos autores através de
incentivos e nem se contentava com as constantes remontagens dos autores já
estabelecidos, simplesmente pelo fato de serem italianos. Como dizia: não se avalia a
arte com cifras, e sim com julgamentos corajosos de mérito. Protejamos, pois, a
italianidade, mas não quantitativamente: qualitativamente.55
31

Os vários projetos de reforma teatral elaborados no mesmo período demonstram


que o problema do repertório era parte integrante de todas as avaliações feitas a respeito
da crise do teatro e que esta não se resolveria unicamente com o programa de
italianidade.
O projeto de Lamberto Picasso, em fevereiro de 1924, faz a seguinte proposta em
relação ao repertório: um repertório que, mesmo contendo exumações de comédias
italianas e estrangeiras inéditas na Itália, de comédias musicais e de fábulas, visará
sobretudo a uma cuidadosa e selecionada representação de trabalhos novos, de modo a
se transformar numa síntese completa, uma “revista interpretada” de todo o vasto
movimento do teatro mundial.56 No mesmo mês de fevereiro de 1924, os conselheiros
Luigi Chiarelli e Umberto Fracchia apresentavam, à convite da Presidência do Consiglio
Nazionale del Teatro (Conselho Nacional do Teatro), um “relato” com as linhas gerais
de uma radical reforma no teatro de prosa na Itália. Depois de uma longa exposição
dos motivos da crise e de uma série de propostas, concluíam que um Ente Nazionale del
Teatro, apresentando-se com um programa mínimo baseado nos princípios até aqui
expostos e desenvolvido em seus aspectos particulares teria todas as razões para pedir
ao Estado a concessão de poderes excepcionais, de favores e de proteção moral
(p.250). Este documento, feito por conselheiros sob pedido, propunha-se a orientar os
possíveis projetos e afirmava à respeito do repertório que: O autor italiano, hoje em dia,
trabalha sabendo:

1. não poderá representar com dignidade, ou melhor, não poderá


representar de fato uma comédia com dois ou mais papéis importantes ou
com numerosos personagens que não sejam simples figurantes; 2. não pode
fazer nenhuma previsão do efeito sobre o público e da realização da sua
visão sobre a montagem cênica, nem exigir nada, neste sentido, à sua
fantasia; 3. a comédia será representada ao público numa montagem
“aproximada”, depois de dez ou quinze ensaios no máximo, isto quando
não são apenas quatro ou cinco, e que o seu sucesso dependerá do ponto.57
Em 1932, Mussolini respondia às propostas de criação de um novo teatro, de modo
taxativo:

Nada de novo teatro... Acreditar que novas e modernas implantações


consigam salvar o teatro de prosa é cair no freqüente erro de natureza
nitidamente mecânico-positivista, materialista. É a eterna confusão entre o
extrínseco e o intrínseco. Os autores com suas criações e não os
maquinistas é que vão salvar o teatro, chamando de volta o público...58
A resposta de Mussolini interessa aqui devido à sua referência direta aos autores
como solucionadores da crise, como salvadores do teatro italiano. E, pouco tempo
depois, Mussolini falou sobre o apoio que o governo poderia dar a este elemento de
32

“ordem intrínseca”, justamente no discurso comemorativo do centenário da Società


Italiana degli Autori ed Editori, em 1933:

Nós fizemos uma boa lei, uma lei que funciona, que responde ao seu
objetivo. É inútil, porém, elogiá-la a cada instante. Ela tutela os direitos,
mas não cria os autores. Nenhuma lei pode criar o engenho, e menos ainda
o gênio, que está para o engenho assim como o arquiteto está para o
servente de pedreiro. O gênio, produto espontâneo da criação, tão raro
quanto maravilhoso, nasce à distância de séculos e aparece quase sempre
na primavera dos povos... A vida oferece aspectos complexos de
acontecimentos, de lutas, de dores, de alegrias. E jamais, em nenhuma
outra época como a nossa, ela ofereceu todos os elementos que podem
concorrer para excitar o “pathos” de um escritor... A lei, portanto, não
basta. Não basta que os autores italianos sejam enquadrados num sindicato
e tenham uma tutela adequada. É necessário que eles, sob qualquer forma
de arte e de pensamento, se manifestem, verdadeira e profundamente,
intérpretes do nosso tempo que é aquele da Revolução Fascista. O Estado
não pode criar uma literatura própria. Mas pode e deve tutelar os autores,
e, sobretudo, honrar o engenho, favorecendo a sua afirmação... a obra
teatral... Deve agitar as grandes paixões coletivas, ser inspirada num
sentido de vida e de profunda humanidade, levar à cena aquilo que
realmente conta na vida do espírito e nos acontecimentos dos homens.
Chega do famigerado “triângulo” que até agora vem nos obcecando. O
número das complicações triangulares, a esta altura, já se esgotou. Façam
com que as paixões coletivas tenham expressão dramática e então verão as
platéias apinhadas.59
Como se vê, regulamentando os direitos autorais, indicando os caminhos para as
subvenções e para a política geral de apoio, respondendo aos projetos de reforma teatral
ou interferindo diretamente nas filodramáticas coordenadas pela O.N.D., o governo
fascista procurava impor um caminho unívoco na produção teatral do país e que, bem
ou mal, percorreu toda a década de 30.60 Inclusive no exterior o teatro tentou responder
às propostas do programa em questão, e, neste sentido, devem ser revistas as freqüentes
tounées efetuadas por Pirandello e Bragaglia.
Em dezembro de 1937, à espera da abertura da primeira temporada do Teatro delle
Arti, Bragaglia aceitava dirigir a companhia Ricci-Adani na América do Sul. E, a 5 de
julho do mesmo ano, escrevia a seguinte carta de São Paulo:

...Aqui muito sucesso. A receita não está nada mal. No Rio de Janeiro
será ainda melhor. Aqui os italianos são de classe baixa. No Rio teremos os
brasileiros ricos. Muito cansaço! Uma novidade por dia. Cinco horas
diárias de ensaio... Além disso, eu ainda tenho as conferências, as
entrevistas, as visitas oficiais... Pode assegurar a de Pirro o pleno sucesso
da expedição. Agimos sobre os brasileiros através da encenação. Entendem
mal as palavras: mas as luzes, as cenas, etc., são a atração As mudanças de
cenário em cena aberta então, nem se fala, ficam maravilhados (trouxe
comigo as minhas roldanas de borracha). Hinos... As autoridades italianas
estão exultantes. Os patrícios orgulhosos e felizes.61
33

A tournée prosseguia para a Argentina e em Buenos Aires, segundo outra carta do


próprio Bragaglia, apesar da “expedição” teatral não apagar os efeitos maiores da guerra
italiana na Etiópia, o programa de italianidade não diminuía os seus esforços, mesmo
apresentando realizações que não se limitavam ao repertório italiano:

Aqui existe uma antipatia feroz pelos italianos, e os argentinos não são
comunistas, mas sim pacifistas a ponto de odiar os fascistas porque são
guerreiros. A antipatia se reflete na freqüência ao teatro. Enxergam
finalidade de propaganda em toda parte. O “Ragno” foi considerado como
propaganda... fascistas (os coitados pouco compreendem). Os italianos
dispostos a gastar seis pezzi por poltrona são raros. A nossa assinatura é
bem valiosa (fizemos a mais vasta assinatura feita até hoje mas, 70% se
referem a amigos argentinos meus ou amigos dos amigos...). Agora quero
fazer uma espécie de jornadas teatrais fascistas para esses italianos filhos
da puta que só falam argentino. Porém, as autoridades me ajudam pouco
ou em nada. Telegrafei a de Pirro. Preciso de apoio. Aqui se dorme.
No dia 14 farei a Comemoração de Pirandello solenemente e depois
representarei “Tutti per bene”. Federzoni virá. Hoje mesmo abri a Mostra
de croquis do Sindicato. Todos os jornais deram a notícia. São 103 cenas
que encomendei (e paguei) aos inscritos no Sindicato: cenas das minhas
comédias. O sucesso artístico é aqui também grandíssimo...62

Diante das propostas de “expedições de italianidade” organizadas por de Pirro (que


entre outras atividades, dirigia com D’Amico a revista Scenario), D’Amico, sem jamais
esquecer a importância econômica das tournées, 63 mantinha a questão submissa ao seu
ponto de vista prevalentemente “artístico”, até mesmo em matéria de propaganda no
exterior:

De resto, que outra propaganda o Estado pede aos seus teatros


musicais, aos artistas líricos e aos diretores de orquestras quando os
favorece e sustenta em seus giros pelo mundo, onde eles não exportam nada
mais que arte italiana, ou seja, a alma da Itália? Até interpretando obras
estrangeiras um italiano pode, às vezes, fazer obra de italianidade.
Conforme líamos num comovente artigo de Alfred Kerr sobre Eleonora
Duse há meses atrás: a qual, segundo o crítico alemão, mesmo
interpretando Ibsen, o autor mais nórdico, mais tragicamente hostil, mais
duramente estranho à alma mediterrânea, conseguia revelar a eles, ela
mesma e a sua própria italianidade, sem nenhuma preconceituosa traição:
a Duse, tanto quanto a Ristori, de acordo com a célebre frase de Camillo
Cavour, embaixatriz da arte italiana.64
D’Amico, superando a noção de italianidade identificada no teatro com a ênfase em
autores nacionais, leva mais longe a questão do repertório. Procura demonstrar que a
superação da chamada crise está ligada a uma “solução totalitária” que repele o
“comercialismo” de certos capocomici e denuncia os limites do protecionismo
reivindicado pelos autores italianos. A solução, segundo D’Amico, depende de um
34

critério elaborado segundo o ponto de vista da arte; somente assim consegue-se


abranger as várias componentes que devem ser levadas em consideração e apenas nessa
medida se soluciona o problema.
No entanto, as solicitações do contexto imediato cada vez mais fecham o cerco em
torno da italianidade que, como foi visto, poderia adquirir conotação bastante genérica.
Situações conjunturais fazem com que as exigências do nacionalismo associadas
àquelas do consenso tragam a questão do “teatro de tese” à ordem do dia. 65 Do ponto de
vista deste trabalho, a questão é relevante na medida em que permite a D’Amico a
possibilidade de estender sua discussão para aquela parte referente à produção, à
construção do texto dramático. Neste sentido poderá ser observada como uma linha
central de pensamento que percorre seus textos (também no sentido diacrônico)
descartando tanto o “teatro de tese” como conceito de “arte pela arte” e chegando a
atribuir ao autor a tarefa muito especial de “produzir poesia”:

Do ponto de vista da arte, o poeta genial pode fazer tudo o que deseja,
com o assunto que quiser e a qualquer momento, mesmo naquele de mais
acesa polêmica. A “tese” em si nem cria, nem exclui a poesia e nada
impede que a “tese” possa se referir a eventos do momento, a problemas
extra-artísticos, nos quais tanto o público quanto o poeta se achem
firmemente envolvidos e comprometidos até o pescoço.66
Esta postura, longe de levar D’Amico a uma proposta estreita de realismo ou
verossimilhança, não se confunde nem mesmo com a representação de “temas
obrigatórios”:

E a evasão e o esquecimento que são requeridos à parte, como lembra


Reinhardt, são menos obtidos quando evitamos materialmente um
determinado assunto, do que quando o sublimamos, projetando-o
idealmente, da realidade contingente para o quadro do eterno: suprema
tarefa da arte verdadeira.67
Nas páginas de Scenario, em novembro de 1933, Silvio D’Amico tentando
responder à pergunta Teatro di propaganda? (que dá nome ao artigo), lançava as bases
teóricas desta espécie de “neoliberalismo” que não esquece o cotidiano. Na medida em
que ele o projetava idealmente também se dava conta de que o seu momento concreto
necessitava igualmente de tomadas de posição. Com esta consciência, um ano após o
Congresso Volta, D’Amico conclui sua colocação sobre o teatro de propaganda,
achando uma saída que permite confirmar sua negação da arte “pura” ao estender o
conceito de “teatro de tese” à inúmeras comédias, a começar pela Divina:

Mas para esses autores a “tese” não foi proposta de fora, com um
decreto ou uma circular: ela surge de dentro deles. Todos os artistas,
pondo-se a escrever, o fizeram porque tinham algo a dizer; e este algo,
35

freqüentemente era uma idéia na qual acreditavam firmemente, para a qual


queriam conquistar o consenso de outros homens: mas isto derivava de uma
fé íntima, de um sentimento irrefreável e não de uma prescrição externa.
Perguntaram uma vez a Luigi Pirandello: “Na arte, se pode fazer um teatro
de propaganda?” e ele respondeu: ”Sim, mas não precisa ser de
propósito”.(p. 323)
Como se vê, D’Amico determina o encontro entre duas categorias: “fé íntima” por
parte do autor dramático — que não exclui o desejo de alcançar o consenso dos outros
— e a construção de uma obra que, sendo arte verdadeira, “sublima” e “projeta” o
temporal no eterno. E será a partir desta particular possibilidade de encontro que
D’Amico conferirá ao teatro (enquanto drama) o espaço de uma arte pudica. Esta
submersão da questão da “tese” no mar da interioridade espiritual do poeta, esta
insistência no conceito de intimidade da poesia dramática e que, como se viu, tiveram
início já em 1929 em sua discussão teórica contida no ensaio sobre o Il tramonto del
grande attore, adquirem seu campo de prova mais significativo, no Congresso de 1934.
Sua exposição sobre Il teatro e lo Stato (O teatro e o Estado) foi feita na oitava sessão e
antes de entrar no centro da questão, o crítico aproveita a oportunidade para colocar as
suas opiniões sobre o que anteriormente fora discutido, sem perder a ocasião para
inverter alguns caminhos já delineados. O avanço das diversas formas de produção e
dos novos meios de divulgação cultural — junto ao papel que o Estado vinha adquirindo
diante deste processo — estava no centro dos debates.68 O encaminhamento desta
discussão para a questão do teatro como uma “forma espetacular”(dentre tantas outras)
foi uma seqüência natural. E D’Amico procurará trazê-la novamente para o seu
“verdadeiro” lugar:

Ora, tendo chegado a este ponto, isto é, tendo estendido e difundido o


conceito de “Teatro” até fazê-lo coincidir com o mundo e com a vida, não é
de se espantar que tal conceito tenha acabado por se volatizar e, diríamos,
desaparecer... Quando tudo é teatro, adeus Teatro. (p. 315)
Do mesmo modo pelo qual havia invertido a questão da crise, propondo uma
“solução totalitária” (que desse conta dos vários elementos do problema), D’Amico
agora inverte a situação a favor de uma escolha específica sem a qual, segundo ele,
corria-se o risco de deixar escapar o próprio teatro em discussão. E tudo isso é
realizado, sem fazer uso (explícito) de reprovações:

Quanto a nós, sem recorrer a nenhuma exclusão ou excomunhão, sem


negar a legitimidade de qualquer espetáculo, inclinando-nos, pelo contrário
à altíssima função daquilo que, na realidade, são os ritos civis, nacionais
ou propriamente religiosos, sem refutar tampouco os espetáculos mais
exteriorizados, ou frívolos, ou rudes, considerando-os como deleite
refinado, passatempo ligeiro ou mero documento humano, queremos e
36

devemos lembrar claramente que a tarefa para a qual os mais ilustres


autores, diretores e estudiosos do mundo, que se encontram agora ideal ou
materialmente reunidos nesta sala, é a de examinar os destinos do teatro
“dramático”.(p. 315)
Como foi dito, para D’Amico a questão era encontrar o lugar “justo” do teatro
dramático diante de outras formas de espetáculo e, além disso, procurar justificar o seu
lugar nas diversas relações entre o Estado e a produção cultural em geral. Frente as
inúmeras colocações e discussões a respeito de um “teatro de massa”, de uma nova
arquitetura teatral, D’Amico especifica porque o centro da questão, na verdade, deve
recair sobre a “cena dramática”, isto é:

(numa) instituição que, na história da humanidade, assumiu inúmeras


formas mas, sempre redutíveis, essencialmente, a um idêntico fato: a
comunhão de uma multidão com a representação viva de uma obra de
poesia dramática.(p. 316)
Garantida, através do teatro, a possibilidade de obter uma interação com a “massa”,
confirmada a existência de inúmeras formas (mesmo não sendo todas basilares);
D’Amico tenta legitimar o empenho que aquela instância de “poesia dramática” (e que é
essencial) pode ter diante dos apelos (se não totalmente “acidentais”, certamente não
principais) exteriores ao drama, tanto na relação com o mundo das outras formas de
“espetáculo”, como na conexão com a política cultural ou com as manifestações
“religiosas” (mesmo que para estas últimas a questão seja mais delicada para ele).
D’Amico procura na síntese dialética entre o primordial e o circunstancial,
identificar uma possível relação entre conteúdo (sempre idêntico) e formas
“historicamente” diferentes, da qual surge uma “solução” (para o drama) que mistura
estética e moral e permite pedir ao Estado uma intervenção ética, para a vida de uma
instituição profundamente ética. Para chegar a isso, não se intimida diante das
possíveis facilidades a oferecer em troca de um lugar para o teatro. Ao contrário,
utilizando justamente o exemplo da “história teatral”, D’Amico eleva o teatro ao nível
de agrupamento e de comunhão, justamente porque este se detém sempre, e em última
instância, naquilo que é “eterno”:

No fundo, para nós que acreditamos na palavra e na sua vida imortal,


por mais que seja sedutor e colorido, nada é mais efêmero que o espetáculo
puro; que o espetáculo que se esgota em si mesmo: mascarada de três
horas, trapos e papelão que se tornam resplandecentes por um encanto tão
fugaz e que, logo após a passageira ilusão, perdem a cor e se esvaziam,
murcham e retornam ao nada; imagem piedosa e tremenda da humana e
mundana transitoriedade e vaidade. O que procuramos no espetáculo
“dramático”, para além de sua formas, noite após noite, renascidas e
renovadas, é o elemento duradouro permanente e, de certo modo, eterno. É
37

o texto do poeta, do qual, há anos, há séculos, há milênios, um público após


o outro e uma geração após a outra procura se aproximar, cada um e cada
uma da maneira que sabem, e podem, com seus meios, através da sua visão
peculiar e de seu próprio gosto; mas sempre com o objetivo final de, a cada
vez, alcançar a fonte sempre igual, uma variedade e, no entanto sempre
idêntica vitalidade.(p. 316)
A este ponto estão dados os dois eixos fundamentais da questão dramática, tal como
é encarada por D’Amico: num ponto ideal, o texto do poeta; no outro, a “multidão”
agrupada em torno de uma “palavra de fé”. Em meio a eles é que deve ser verificada a
propaganda, a “tese” (proposital), a espetacularidade por si própria. Descartadas as
condições transitórias e externas e também reconhecendo que é difícil encontrar aquele
puro abandono à poesia que solicita apenas poesia..., D’Amico enfrenta o problema da
transmissão do texto à multidão, de um ponto de vista interno à própria questão teatral.
Conforme foi visto no trecho que introduz este capítulo, para D’Amico persiste uma
arte pudica por sua própria natureza. Acredita-se já ter sido demonstrado de que forma
D’Amico desenvolveu este princípio, colocando uma visão de teatro sua na discussão
das relações com as “exigências externas”: enfrentando a “crise” do teatro, o programa
de “italianidade” e os outros meios (ou formas) de produção cultural (e que no fundo,
são as questões fundamentais do relacionamento do teatro com o contexto do período). 69
Se, a partir de agora, começarmos a observar a questão damiceana do “pudor” não
pelo ângulo das vinculações conjunturais do teatro com a realidade externa, mas a partir
de uma leitura interna do próprio texto, este trecho citado já apresenta as primeiras
inquietações. Em princípio, D’Amico poderia tomar o drama, do conjunto da produção
literária, como um ponto de referência exemplar daquilo que restaria da exposição do
autor, numa obra que deve ser “sincera”. O drama permitiria ao autor da obra uma
“confissão indireta” através de “outra criatura”.
É fácil prever que este fazer poesia com sentimentos e ações dos outros se
transformaria rapidamente em algo mais que um gênero literário sob o domínio do autor
(completamente diferente de uma “leitura solitária”, o “drama vivo” deveria aspirar à
comunhão com a multidão).
Não parece ser casual o fato de D’Amico inserir o conceito de teatro como arte de
natureza pudica no discurso sobre a sinceridade romântica. Ao contrário, para ele, o
despir-se, o desnudar-se do criador artístico diante da comunhão com a multidão (que,
supondo consenso, comporta o confronto com o “eu”) permanece como pedra angular.
E isso adquire maior peso, é claro, no tratamento do autor dramático, que cai na
armadilha no momento mesmo em que acredita não estar se exibindo ao utilizar “outros
38

de si”. Realizar a comunhão com a multidão através de uma obra dramática pressupõe
não só a possibilidade de se esconder atrás de outros (as suas próprias criaturas), mas
também a permissão para que eles “encarnem” (em criaturas já não tão suas).
No interior do discurso teatral pode-se dizer que a “batalha” e a “maestria” de
D’Amico desenvolver-se-ão sempre em acordo com o princípio de recuperar para o
autor dramático (que é essencialmente um poeta) as vestes deste duplo despir-se. E será
com o intuito de “resolver” esta contradição que D’Amico exigirá dos “intérpretes
necessários” (diretores, atores, cenógrafos) a máxima “fidelidade”.

3.2 O drama como poesia

Antes de entrar na análise dos “intérpretes fiéis” convém verificar, em D’Amico,


como se desdobra a questão da defesa do teatro da palavra sob os parâmetros do pudor e
da poesia. O ponto de partida para conferir ao drama uma natureza pudica é dado pelo
apelo à classicidade por excelência, em contraposição às pretensões românticas, onde
autor dramático se libera e contempla do alto. E o faz para realizar uma obra artística
que, sendo “autônoma” (insubordinada ao contigente), permite a ilusão de uma vida
concluída. É importante verificar também que D’Amico se utiliza inclusive da
encenação do drama, como prova da expressão da intimidade do autor, em comparação
até mesmo com a narração. E assim, no Tramonto, ele diz que esta arte “sintética” cria
um “mundo”:

Um mundo não apenas descrito, já que na narração, mesmo a mais


aparamente objetiva, se escuta demais a voz do narrador; mas sem dúvida
colocado em ato, como se respirasse por virtude sua, íntima, por si.
Esta insistente defesa do drama sob o ângulo do “pudor”, onde o autor se esconde
atrás de outras criaturas para exprimir outro de si, que é comum e eterno, realizando
assim uma obra tão íntima que respira por si própria e onde a palavra é soberana,
corresponde a necessidade damiceana de comprovar o estatuto artístico do teatro.70
Consequentemente para ele, a garantia deste posto exige o apelo à poesia e a defesa da
palavra, no mínimo, como soberana — o que pressupõe a existência de servos.
Acontece que nesta direção, pelo menos duas ameaças são percebidas por D’Amico: em
primeiro lugar, sua defesa do teatro como arte vinculada à poesia se alimenta
diretamente das posições estético-teatrais de Benedetto Croce, e o discurso contido no
Tramonto é a confirmação imediata deste fato; de outro lado, a ameaça vem do próprio
movimento teatral em seus mais recentes desdobramentos gerados pela direção moderna
39

(de Craig a Bragaglia, a Max Reinhardt), e pela persistente continuidade da presença


sobretudo em terras italianas, do grande ator mattatore.71
Vejamos, portanto, sempre a partir do texto do Tramonto, e apoiados por outros
documentos, como se desenvolve a defesa da “poeticidade” do texto dramático (a sua
condição de arte), verificando a teoria de Croce, que aqui é considerada com eixo
fundamental das reflexões de D’Amico:

Para salvá-lo deste adjetivo (arte inferior) interveio, é verdade, a


Estética de Croce. Mas a que preço! Suprimindo também o substantivo.
Substancialmente, o teatro, para Croce, não é uma arte nem inferior nem
superior, por esta cândida razão: porque não existe: A forma dialógica da
literatura dramática é apenas um acidente exterior, estranho à sua essência
lírica, que é aquela que conta. Quando é arte é poesia e nada mais que
poesia.(p. 12)
Este não é o lugar oportuno para discutir em profundidade a estética ou a filosofia
crociana, mas verificar apenas alguns de seus aspectos levados em consideração por
D’Amico. Neste sentido, a firmeza com que é atribuída a Croce a desconsideração do
teatro como arte merece um olhar mais atento, não tanto para estabelecer uma condição
de veracidade, mas porque se considera que a leitura damiceana de Croce alimenta
radicalmente a sua visão de teatro. Assim, o acompanhamento desta leitura pretende
apenas extrair os elementos que interessam aos objetivos do presente trabalho.
Como ponto de partida D’Amico esclarece que a base de sua discussão não é
“filosófica” e que a sua estética não é “pura”. Estas indicações deixam entrever que, já
em 1929, aparecem os primeiros sintomas de um discurso estabelecido por D’Amico e
seus discípulos no início da década de 40, cujo “tom” é dado pelo “prestar contas” de
um determinado caminho escolhido. Neste quadro, o encontro entre a estética teatral e a
posição moral (a escolha de uma atuação, em geral) aparece claramente:

“Preccavimus omnes” disse Benedetto Croce nos primeiríssimos dias


da liberação; e queria se referir, filosoficamente se não de forma cristã, à
contribuição daqueles que participantes, inclusive por força de uma
sociedade, foram também induzidos fatalmente aos vícios daquela
sociedade. Os “fascistas invertidos” de hoje em dia, a ouvi-los, pedem a
cabeça de todos aqueles que aceitaram, naqueles vinte e dois anos, uma
subvenção qualquer (mas qual ator, qual artista italiano pode exercitar a
sua arte fora das empresas subvencionadas?); ou então daqueles que um
trabalho qualquer os tenha obrigado a consultar um ministro; ou um
encargo qualquer, quem sabe, até gratuito. E em vez disso, a questão é
outra... é uma questão de qualidade, de espírito; um fato moral.72
E mesmo se neste texto a intenção principal é a de oferecer um panorama a
posteriori. A questão da qualidade aparece de forma generalizada, ou melhor,
moralizada: se o exercício da arte pode significar trazer uma contribuição ao “vício”
40

(ou aceitar a contribuição do “viciado”), a arte “pura” permitiria ser identificada com o
absenteísmo.
Naqueles anos, o espaço ético estava estreitamente ligado ao estético, e a escolha —
em nível teatral — recaía sobre D’Amico. Estes fatos são confirmados pelas palavras de
Ruggero Jacobbi ao referir-se justamente ao movimento hermetista do qual participou,
delineando um discurso sobre o significado da estética crociana diante da história
daquele período, e que, aliás, é o mesmo que dominantemente nos chega até hoje.
Jacobbi entrevê no hermetismo: a defesa da autonomia da arte contra um mundo que,
como o fascista, deseja vê-la totalmente heterônima; a defesa espiritualista de uma
moralidade, zelosamente interior em meio a uma sociedade plenamente imoral, tal
como é justamente a fascista”. Buscando radicalizar o discurso, falando justamente de
um movimento “hermético”, Jacobbi considera, ao recordar o “radicalismo” dos
tempos, que era bastante difícil... não sujar as mãos de vez em quando. E a síntese
ético-estética é realizada.

De resto, deve-se dizer que, naquele arco de tempo, só aos crocianos e


a certos católicos foi possível manter aquela pureza ascética; foi possível
porque foi mais fácil. Esses, olhando para o eterno ou para o passado-
liberdade, exorcizavam a tentação de descer às praças, no presente,
naquele único presente oferecido; de interferir no cotidiano, de
comensurar-se com os outros. Viviam, beatos, na elegia da transcendência
ou na espera de uma “giolittiana” reconstrução. 73
Deixando agora a questão dos laços entre a ética e a estética, com bases na
mediação entre o fazer artístico e a realidade mais ampla, é preciso ver sob quais
parâmetros a estética de Croce aparece a D’Amico, “límpida e simplificadora” e quais
são os pontos que comprometem, segundo D’Amico, a existência do teatro enquanto
arte.
O texto utilizado por D’Amico para discutir a estética crociana em confronto com o
teatro é Ariosto, Shakespeare e Corneille, publicado em 1920, onde o autor recolhe três
ensaios a partir da necessidade de estudar três tipos diversos de arte: provar de fato
como com os mesmos princípios se obtém a inteligência das mais diversas e quase
opostas formas artísticas.74
Neste ensaio Croce procura estabelecer um método de crítica de arte que se afirme
sobre uma “estética nova”. Uma “estética nova” que, ao contrário da “antiga” — onde
o conceito central era aquele da harmonia cósmica identificada também como beleza ou
beleza absoluta — elabore uma nova teoria que conceba a arte como intuição lírica ou
expressão. Deve-se notar que esta passagem de uma estética antiga à uma nova é de
41

fundamental importância para Croce, na medida em que, fazendo emergir um conceito


transcendente de arte, atuação de pura beleza, procura colocar em relevo um “novo”
conceito de arte que, atravessada pelo sujeito-poeta — e é poeta porque é artista, ou
seja, dá forma artística — liga-se ao sentimento. É assim, segundo Croce, que se joga
fora a errônea interpretação da arte pura, da arte pela arte. Porém é necessário dizer, que
as restrições de Croce são sempre feitas a uma determinada teoria da arte pela arte:
aquela vista como teoria do mero deleite da imaginação, ou da indiferente reprodução
objetiva das coisas. Pode-se sempre concluir que Croce não escapa desta vertente
quando faz da sua estética uma teoria que presume o “espírito universal”. A conclusão,
no entanto, mesmo que verdadeira, não pode nos impedir de seguir seu pensamento sem
o risco de nos fazer jogar fora elementos que permanecem fundamentais pelo
imediatismo das condenações, que são quase sempre insuficiente, no espaço da crítica,
para efetivamente tirar de campo aquelas questões que continuam a nos incomodar.
Pode-se dizer que a estética crociana, ulteriormente, não respondia às inúmeras
exigências que eram feitas ao trabalho teórico do seu tempo, não saindo jamais de um
espiritualismo imanente. Não se deve esquecer porém a importância que ela teve numa
relação indireta com estas exigências, através da tarefa realizada no combate à pesquisa
filologística das fontes e da matéria que se emaranha no arbítrio e se choca contra o
impossível. Assim, quando o objeto da crítica de Croce é a pessoa poética de
Shakespeare, o ataque à “má filologia” encontra um alvo excepcional porque, mesmo
que assim seja entendida toda a filologia do século XIX, o grande corpo da filologia
shakespeariana desaparece em conjeturas suspensas no ar e, como tais, sem nenhum
interesse diante da falta ou, pelo menos, da distorção dos “documentos”. (p. 80)

O fato essencial é que Croce não condena o corpo da filologia shakespeariana só


porque está impossibilitada de análise empírica, nem somente porque conseguindo ou
não o fim da biografia se distrai da tarefa verdadeira e própria da crítica de arte, mas
também porque emprega depois a biografia, imaginária ou real que seja, para turvar e
alterar a visão artística (p. 82). Basicamente, a pesquisa biográfica superficial é para
Croce a filologia no mal sentido, ou filologismo. Existe posteriormente, uma outra, não
errada, merecedora de reconhecimentos, que cuida com sentimento de arte do texto
possivelmente genuíno das obras de Shakespeare, interpretando seu léxico e as
referências históricas (p. 82). Para Croce, nem mesmo as referências históricas devem
ser consideradas exteriores à obra, pois a vibração poética não conduz à vibração
prática por que a relação entre as duas não é determinística, de causa e efeito, mas
42

criativa, da matéria à forma, e por isso incomensurável (p.79). Por sua vez, ele faz uma
consideração mais totalizante ao afirmar que:

a poesia, afinal, também deve ser interpretada historicamente, mas com


aquela história que lhe é intrínseca e própria e não com uma história
estranha a ela, com a qual não possui senão o relacionamento que o homem
tem como aquilo que ele transcura, afasta e joga fora porque lhe faz mal e
não lhe serve, ou, o que dá no mesmo, porque já lhe serviu tanto quanto
bastava (p.85).
Dos tópicos que procuramos colocar em relevo decompondo e recompondo algumas
linhas de pensamento crociano, resulta agora o que parece ser o principal aspecto de sua
estética, tal como ela aparece neste ensaio e que se traduz num apelo à uma crítica
intrínseca à própria obra de arte. Da crítica ao “filologismo” de uso indiscriminado dos
documentos à crítica da análise histórica (externa à obra de arte), Croce chega à
proposição da autonomia desta. Para a pesquisa importa verificar que não existem
grandes conflitos, neste aspecto, com as considerações damiceanas das primeiras
páginas do texto em análise, onde foi dado um maior crédito, na tentativa de mediação
entre obra artística (drama) e contexto social (contigente), para aquilo que no drama é
sempre idêntico e à essência, que é eterna.
Quando se sai do campo da estética em geral e se entra no terreno específico da
poesia, a discussão envereda por caminhos já não tão próximos. O tema da “poesia”
neste texto de Croce, não pode ser visto fora do quadro de passagem da estética da arte
como pura beleza à estética da arte atravessada pelo sujeito poético: o poeta é poeta
porque é artista, ou seja, dá forma artística ao sentimento e o artista não seria artista
se não fosse poeta, ou seja, se não tivesse um sentimento a ser elaborado (p. 25-26).
Partindo deste pressuposto, a crítica de arte buscará caracterizar não mais um modelo de
beleza extrínseco mas os “motivos mentais” que determinam a figura poética e que são
justamente os sentimentos: a verdadeira matéria da arte... não são as coisas mas os
sentimentos do poeta, e estes determinam e explicam aqueles, ou seja, como e porque
razão ele se volta para aquelas coisas e não para outras, àquelas coisas mais do que à
outras (p. 31). Portanto, existe sempre uma passagem do “mundo das coisas” ao mundo
dos sentimentos e a forma dessa passagem (que é sempre criação) é determinada pelos
sentimentos e não vice-versa. Permanece um grave problema: a possibilidade de
leitura/interpretação da obra de arte assim determinada. De fato, se compete ao crítico
de arte verificar a característica da atitude espiritual do poeta, ou seja, o seu sentimento
poético, pode-se chegar à condição de impossibilidade de tradução da obra e, portanto,
43

da impossibilidade da crítica. Com esta referência é que se compreende o ataque de


D’Amico a uma “estética simplificadora” porque:

É evidente que estabelecida a “intradutibilidade” de uma obra de arte,


tanto através de uma ou outra língua como através de uma outra
personalidade (que aqui seria a do artista dramático), adeus possibilidade
de interpretação. Mas então, precisamos ser lógicos e ir até as últimas
conseqüências. Tudo isto conduz à impossibilidade de outra forma de
interpretação que é a crítica.(p. 13)
Croce, no entanto, não está desatento a esta ordem de problemas. Procurando para a
obra de arte um lugar não determinado por circunstâncias externas e não correspondente
a um modelo de beleza pura, mas produto dos “sentimentos” e, considerando que estes
não surgem senão a partir de certos pressupostos mentais, a função do “leitor” será
sempre a de ir ao encontro destes pressupostos. Porém, como esses sentimentos não são
um conceito, ou pensamento ou filosofema, a “leitura” comporta certos limites que
determinam a sua especificidade e não a sua total impossibilidade:

Os limites intransponíveis de toda característica crítica, que a esta


altura já deveriam ser conhecidos, são dados pela impossibilidade de
transformar em termos lógicos, a plenitude de uma poesia ou de outra obra
artística, porque é claro que, se esta tradução fosse possível, a arte seria
impossível. (p. 91)
Procurando a especificidade da obra de arte, Croce descuida da necessidade de
definir um método particular (e os seus limites), e pode-se afirmar que é nesse embate
crociano diante da real possibilidade de inteligibilidade da obra de arte (o dever da
crítica), que se encontram, neste texto, as suas colocações mais significativas referentes
ao teatro. Justamente porque permanece a questão da “passagem” dos “pressupostos”
para a “poesia”, através da “criação” do poetas, procurar encontrá-los consiste sempre
em “inventá-la”. Em outros termos, significa sempre pensar e tirar conclusões por
nossa conta, através dos estímulos das imagens do poeta e, por ilusão psicológica,
colocar as nossas perguntas e respostas na sua boca. (p. 94)
A esta altura chega-se às considerações que certamente seriam contrárias à
impostação de D’Amico. Num primeiro momento é colocada em discussão a
possibilidade de uma leitura “lógica” da poesia. E, seguramente, a procura damiceana
das “palavras de fé” que atraíam a multidão para o teatro não pode deixar de rejeitar as
implicações “irracionais” sugeridas por Croce que especifica:

A pesquisa da qual falamos não concerne ao caráter superficial, mas


aquele profundo, não à camada congelada e solidificada, mas o fluxo que
corre debaixo dela e que os outros chamariam o inconsciente, em relação
as consciente. Os pressupostos são os filosofemas que cada indivíduo
44

carrega consigo, acolhendo-os do tempo e da tradição e formulando novos,


pelas próprias observações e reflexões, e que, para as obras da poesia,
colocam a condição remota daquela postura psicológica da qual são
gerados os fantasmas poéticos. (p. 95)
D’Amico, que atribui a Croce a consideração de que arte é poesia e nada mais que
poesia: como a “Ilíade” (Ilíada), como “I Promessi Sposi” (Os noivos), como as
“Ricordanze” (Recordações)”, diz que a contraposição crociana entre lirismo e forma
dramática excluiria o teatro do campo artístico. Para D’Amico, esta é uma conseqüência
imediata da estética de Croce. Vejamos o texto crociano utilizado por D’Amico:

Aqui se exalta a “totalidade” shakespeariana, onde “uma paixão serve


como denominador geral à figura principal, e a figura principal, por sua
vez, se torna denominador geral do drama”: “totalidade” que é claramente
sinônimo do caráter lírico, constituindo a poesia de toda a poesia até das
chamadas épicas e dramáticas, ou seja, narrativas ou dialogadas. (p. 170)
De acordo com este trecho, o mais explícito do livro para o assunto em questão,
Croce ao tratar de um autor que faz poesia de toda “poesia” porque a totalidade tem
origem no caráter lírico, não nega o conceito de poesia ao diálogo. O fato é que Croce
mais uma vez examinando a crítica tradicional, refuta aquilo que ele chama de “crítica
retórica”, que procede através do conceito de “gêneros” literários. Porque esta, que num
primeiro momento “afastou” Shakespeare porque este não obedecia aos gêneros (crítica
francesa) e depois o reconciliou com o gênero, entendido segundo a poética aristotélica,
via Lessing, pondo-se a louvá-lo como o “gênio do drama”, o Homero do gênero
dramático (Gervinius), ainda está procurando o que há de “próprio e singular” no seu
“tratamento” ao “drama”... E é com a atenção voltada à esta “divisão de análise” que se
estende ao objeto artístico sempre “total” rejeitado por Croce, não tanto o “drama” mas
apenas a idéia de “gênero”. Dentro deste quadro deve ser entendida a frase: e isto não se
achará jamais, porque no mundo da poesia não existe o ‘gênero dramático’, mas
sempre e unicamente ‘poesia’ (p. 186). Não preocupado absolutamente em negar a
“poeticidade” do drama e inserindo-a num arco de lirismo que a compreenda, Croce
chega a uma idealização da crítica estética que nega a

...pesquisa sobre a técnica de Shakespeare porque o conceito de técnica


deve ser, de fato, banido da crítica estética, já este se adapta unicamente
aos processos práticos da manifestação que, para a poesia, seriam a
educação da voz de quem a declama ou a fabricação do papel e dos sinais
tipográficos com os quais é impressa. Não há em Shakespeare um segredo
de ofício que possa ser comunicado, um papel que (como se pretendeu)
possa ser ensinado e aprendido e, no melhor dos casos, técnica vale como
sinônimo de forma artística e, por este caminho, volta-se ao dilema já
apontado (pp. 168-69).
45

Croce fechará o seu ensaio sobre Shakespeare e sobre a crítica shakespeariana


afirmando que apesar de toda a crítica deve-se sempre assumir a existência de um
abismo intransponível entre Shakespeare e nós. Pois, Shakespeare continua a viver a
sua própria história somente naqueles espíritos que perpetuamente refazem aquela
história que foi verdadeiramente sua, lendo com mente ingênua e coração participante
as suas poesias (p. 204). Na realidade Croce já havia preanunciado está espécie de
necessária “ingenuidade” e “participação”. Segundo ele, o objetivo da crítica não
deveria ser tanto o de dar “inteligência” à poesia quanto o de partilhá-la; e para o caso
shakespeariano, ele evoca um tempo em que Shakespeare era bem menos investigado,
apalpado e esmiuçado, e lido em edições bem menos corrigidas e críticas, o que então,
permitiu uma espécie de aproximação íntima, menos técnica, mais espiritual.
Com a discussão sobre técnica, chega-se ao terceiro momento considerado como
fonte de um outro possível desencontro entre D’Amico e Croce. Como foi visto, Croce,
ao apelar para uma aproximação íntima da obra poética criava um vácuo entre obra de
poesia e o “ofício” do artista que a interpreta. Até aqui Croce não negou e nem procurou
atribuir qualquer caráter artístico a este espaço do “ofício”. Mas a enunciação deste
“vácuo” já é motivo de discussão para D’Amico que, como foi visto, tem como linha
mestra a proposição de uma legítima continuidade entre o texto (artístico) do autor de
um gênero dramático e os intérpretes. E, no Tramonto, introduzindo a discussão sobre
técnica, D’Amico sintetiza desta forma as questões colocadas por Croce:

Como se vê, aqui se recai, nada mais nada menos, que na questão
fundamental, diante da qual o pensamento moderno se debate
continuamente: o problema do conhecimento. Mas este não é um livro de
filosofia; e nós não estamos discutindo “sub specie aeternitates”.
Afastando-nos dos princípios nos quais a nossa época está se precipitando,
podemos nos contentar aqui com a observação empírica. (p. 14)
O caminho porém não será tão fácil para D’Amico que, de uma parte, retira seus
princípios de uma fonte não muito diferente da crociana e, por outro lado, se encontra
numa posição a partir da qual procura conciliar a possibilidade de fruição da “palavra
poética” sem deixar escapar a “auréola” da obra de arte. Como se verá no trecho a
seguir, o embate é significativo e D’Amico traz uma importante contribuição para a
discussão teatral. A solução damiceana consistirá na submissão da técnica a parâmetros
tão precisos quanto necessário à permanência, à manutenção da integridade do texto
escrito e à conseqüente sustentação da condição artística do teatro. Para tal fim propõe
um sistema de mediação entre texto e representação que justifica a existência desta
última, na medida em que permite — e só neste caso — a leitura do primeiro:
46

Para os fins da estética pura basta que a representação cênica seja


indicada. A execução de uma ou de outra é necessidade prática. Mas não —
distingue o esteta — necessidade verdadeira, se você não sabe ler música é
(a necessidade) da execução musical, da qual o executante é apenas um
“leitor”, uma espécie de decifrador técnico que supre a tua ignorância das
notas. Se você, ao contrário sabe ler a palavra impressa, você não tem
necessidade do intérprete cênico e “Hamlet”, você o lê, sem intrusos entre
você e o autor. (p. 12)
Porém, a representação, para D’Amico, não será somente uma decifração: a
passagem — mesmo sendo sempre “fiel” — comporta modificações:

Ai de mim, é preciso ter coragem para considerar a orquestra de


noventa membros dirigidos por Toscanini como um decifrador técnico, um
meio de transmissão mecânico e passivo, como a imprensa o é para a
palavra. Se cada execução é, pelo menos, um acréscimo, este acréscimo
existe tanto na Música quanto no Drama: e se o “Hamlet” interpretado por
Ruggeri consta de Shakespeare mais Ruggeri, a Quinta regida por
Toscanini consta de Beethoven mais Toscanini e mais os noventa membros
da orquestra. (p. 12)
Permanecendo por enquanto na discussão da técnica, vista aqui por D’Amico
apenas em suas relações com o teatro enquanto arte (estendendo-se, depois, aos
intérpretes do texto: diretores, atores e cenógrafos), pode-se observar que a questão
atravessa uma problemática cultural muito vasta e muito característica da época. Já foi
feita a referência ao tom das discussões estabelecidas no Congresso Volta. Vale
recordar o texto em que Walter Benjamin, justamente em 1936, se dedicava aos
problemas da reprodutibilidade técnica da obra de arte.75 O avanço da tecnologia a
serviço da arte motivava, como se vê, não apenas discussões acaloradas, como também
ensaios mais contundentes, também para o âmbito teatral.
Num momento tão delicado, que não pode dissociar a arte teatral do componente da
representação e da reprodução, permeado pela permanência do acesso da massa à obra
de arte, a indicação damiceana será a de estender o significado artístico (com todo o
contexto ideológico que nestas condições ele comporta) também à técnica de
representação. O caminho dará lugar à ambigüidades que se revelam justamente através
de uma proposição, nem sempre conciliável, entre a necessidade de manter uma posição
que afirma a superioridade da palavra escrita (que é plena de poesia) e a resposta às
exigências de seu oferecimento em fruição. Pode-se dizer que em tempos de “sociedade
de massa”, Silvio D’Amico assume para Itália a tarefa de achar uma posição justa para
um teatro que, permanecendo no quadro da “cultura/ fé/ poesia/ intimidade”, consiga
subsistir estabelecendo relações com a sociedade de consumo de bens culturais. Neste
sentido, a sua polêmica contra os chamados “pequenos teatros” traz indicações
47

significativas. Num artigo de 1927, discutindo com os Indipendenti, D’Amico


estabelece uma proposta bastante clara de relacionamento entre o artista dramático e a
“massa”:

Seríamos cegos se negássemos a tarefa que cumpriram, nestes últimos


decênios, os “pequenos teatros” da Europa, mas eles não foram um
objetivo, foram um meio. É compreensível que um artista, seja ele poeta,
ator ou “régisseur”, tendo alguma coisa de insólito a dizer, comece
experimentando com um público mínimo de iniciados; mas assim que ele
alcança o seu consenso, ele trilha naturalmente os caminhos do grande
teatro, apresentando-se ao grande público: sem a comunhão com este
último não existe teatro, um artista dramático que não seja consagrado pela
multidão não é um artista dramático... se preferem os termos culinários que
Bragaglia não desdenha podemos prová-los: o teatro experimental é
aperitivo, é antepasto, é sanduíche, é ostra; o grande teatro é o almoço com
macarrão, dois pratos, doce, fruta, café e licores.76
Como se vê, o relacionamento com o público se transforma na nova medida de
“consagração” e, além do mais, se torna condição da existência artística do texto do
autor. Importante ainda é que tais laços entre texto dramático — representação e público
— na esfera de arte teatral escolhida por D’Amico, serão, anos mais tarde, mencionados
por Jacobbi como frutos da própria sociedade italiana:

Como vocês sabem, foi devido à tradição italiana (humanista, literária


e, nos piores casos acadêmica) que D’Amico venceu a sua batalha. Não
contou apenas na maior coerência de sua teses, ou a sua habilidade
diplomática, a sua tenacidade na ação; o fato decisivo é que o ambiente era
particularmente receptivo à poética do espetáculo condicionado (pelo
texto).77

3.3 A Representação entre Variações e Fidelidade

No desenvolvimento desta consideração sobre a técnica da representação, no campo


da “leitura” de um texto para a multidão é que se chega ao verdadeiro confronto entre
Croce e D’Amico: na realidade, este é, de fato, o único e fundamental desencontro. O
impasse em que se encontra D’Amico e que resulta em ambigüidade, é o de achar um
lugar adequado para esta “atuação” teatral, que escape ao rude campo de pura técnica
decifradora — com o conseqüente risco da perda do estatuto artístico — mas que
permaneça depositário fiel da palavra escrita. E justamente as afirmações de Croce
sobre a “representação” podem trazer para este impasse as conseqüências rejeitadas por
D’Amico. De fato, Croce vai discutir a questão da representação teatral justamente ao
admitir a “distância” entre “Shakespeare e nós” (que significativamente dá título à
última parte do ensaio sobre Shakespeare):
48

Nesta última parte não seria inoportuno advertir que as estórias que
foram e são cuidadosamente levantadas a partir das interpretações teatrais
dos dramas também permanecem estranhas à Shakespeare; porque as
representações teatrais não são interpretações, como se diz e se crê, mas
variações, ou seja, criações de novas obras de arte por meio dos atores, que
sempre contribuem com a sua maneira particular de sentir e não há jamais
um “tertium comparationis” numa suposta interpretação autêntica e
objetiva e para elas vale o mesmo que valem para as músicas e para as
pinturas sugeridas pelo drama. (p. 201)
Do texto, integralmente citado por D’Amico, não se pode concluir pela defesa de
uma inexistência do teatro e nem mesmo a não consideração da representação como
arte. E, o que é importante, o trecho de Croce longe de se fechar em “base filosófica”,
estabelecia vínculos com a realidade teatral do momento que poderiam desembocar em
alternativas diferentes daquelas propostas por D’Amico. Como efeito, negando (como o
fez com outras pesquisas sobre Shakespeare) às representações teatrais a possibilidade
de chegar ao “verdadeiro e próprio” Shakespeare, Croce considerou estas atividades
como instâncias de criação artística, não porque fossem fiéis ao texto poético. As
representações teatrais são criações de “novas obras de arte” porque são mediadas pelos
atores que são, de fato, artistas, devido à sua maneira “particular de sentir”. A condição
artística, portanto, é estabelecida por parâmetros de “variações” e não de “fidelidade”.
Descartar a possibilidade de fidelidade ao texto e encarar a prática dos atores como
criação, através do sentimento e não da leitura, é a chave para o possível anti-
croceanismo de D’Amico que, fazendo apelo ao empirismo contra aquilo que a ele se
apresenta como “pura filosofia”, afirma:

Aqui podemos nos contentar com a observação empírica para a qual


em terreno prático é suficiente distinguir duas espécies de atores ou, mais
genericamente, de artistas da cena: aqueles que tendem a considerar o
texto do autor como um pretexto, um indício de onde extrairão “uma outra
obra”, totalmente pessoal; e aqueles que se empenham em transmitir ao
espectador, com a maior fidelidade possível, tudo o que autor quis dizer.
(p.14)
Mas este empirismo procurará achar o ponto de contato entre a consideração teórica
de que cada representação é traição (ou de que os atores são criadores) e a tradição
teatral italiana ainda marcadamente presente naquele momento. E será a percepção
destes sinais de confluência, entre uma “nova estética” e certa tradição teatral que
insiste em se fazer presente, que irá configurar o genuíno sentido de “batalha e
maestria” de D’Amico. E, da mesma forma, o confronto em nível estético se enlaça aos
sintomas imediatos, pois segundo ele, a “nova estética” tem defensores que:
49

Não percebem que ela conduz diretamente à apologia dos velhos


histriões, dos superestimados atores da commedia dell’arte; à restauração
de sua mentalidade, perpetuada em grande parte por tantos atores, os
quais, mais ou menos conscientes, continuam a considerar a obra dos
poetas nada mais que um “canovaccio” a ser bordado, um esquema a ser
embelezado, caprichosa e mesmo genialmente, com a sua bravura e o seu
virtuosismo. (p. 17)78
É neste sentido que poderão ser compreendidos todos os artigos, todas as polêmicas
que durante aqueles anos D’Amico empreende em defesa do “Teatro degli Autori”
(Teatro dos Autores), contrapondo-se ao que ele chamava de

... toda uma estética de Benedetto Croce à Gordon Graig e até aos Sei
personaggi (Seis personagens) pirandellianos, a qual diz que o que conta,
para o palco, são os atores e que uma cena à serviço dos autores é uma
“ilusão”79; e à verdade... que na Itália por hábito secular, vai-se ao teatro
para ouvir não o autor, mas o ator, o virtuoso.80
Ainda em 1944 D’Amico mantinha este fio condutor de sua visão, o que pode ser
demonstrado pela síntese situação do teatro dramático que, ao mesmo tempo que
introduz a coletânea de alguns de seus artigos publicados até 1943, funciona como um
momento de “confirmação” de suas idéias:

Justamente interpretações das quais eu estava mais ávido, justamente


as que eu aguardava com maior expectativa, por conhecer o texto de
memória, eram aquelas das quais eu saía cada vez mais desiludido. E não
tanto pela inauguração técnica de certo aparato cênico... quanto pelas
descaradas traições dos atores ao espírito dos trabalhos representados...
Desde aquela época, tanto os teóricos da estética pura quanto os
pragmáticos do palco davam-me a entender, fartamente, que as minhas
reações eram de um ignorante e presunçoso; que a representação teatral
não é, e não pode ser, uma fiel “tradução” cênica dos sonhos do poeta, é
fatalmente “uma outra coisa”; que no teatro não devemos procurar o
autor, que se encontra no livro, mas devemos nos contentar em encontrar o
ator que, no palco, é como o legítimo patrão em sua casa. Eu respondia:
sofismas. As obras de literatura dramática são, ideais e praticamente,
destinadas àquela forma de divulgação que é a cena.81
Como se vê a representação continua a ser o prolongamento necessário da obra
teatral, mas só na medida em que o poeta dramático escreve uma obra que é incompleta
justamente porque escrevendo para o teatro contou expressamente com isso (com a sua
representação). O poeta dramático, portanto, faz do drama uma forma muito particular
da obra aberta diante da qual o intérprete deve agir no sentido do esforço e da persuasão
(mesmo que, em parte, ilusória) da fidelidade.
E é partindo desta concepção da representação como serva e instrumento dos
autores dramáticos que D’Amico articulará o seu discurso em torno dos componentes
50

necessários para efetuar este tipo de atuação, tão mais artística quanto mais
aproximativa.82
Neste sentido se compreende a necessidade real de defender a existência do teatro
como “gênero dramático”: ele, diante das outras obras de arte, possui uma autonomia
que não se perde na continuidade representativa. O “drama” para D’Amico se constitui
numa “obra aberta” na qual o autor, prevendo a leitura possível, determina a sua
“colocação em prática”:

As obras de literatura dramática são, ideais e praticamente, destinadas


àquela forma de divulgação que é a cena: a qual infelizmente pode diminuí-
las, mas pode também potencializá-las; pode deixar muitas partes na
sombra, mas outras tantas pode e deve trazer à luz com aquela verdadeira e
própria integração com a qual o dramaturgo, escrevendo para o teatro,
expressamente contou.83
Nesta brilhante síntese do que é na realidade a sua visão determinante, D’Amico
consegue encontrar a posição para o “drama vivente” de acordo com o seu pensamento
estético. Com isto, segundo ele, seria rechaçada, em nível teórico, a proposta crociana
de uma arte pura. Ao mesmo tempo, D’Amico estende ao ofício (à prática) as regras de
um compromisso de fidelidade que procuram garantir a manutenção deste drama no
âmbito artístico mesmo que vivente.
A partir de agora, então, deve-se analisar a maneira como esta proposta se viabiliza
diante dos confrontos com a realidade cotidiana do ofício, através de discussões sobre
direção, atores e cenografia. No entanto e para concluir esta primeira seqüência de
considerações mais generalizadas sobre a arte teatral, lembrarmos que o seu apelo ao
empirismo não poderia se furtar jamais às considerações éticas inerentes à sua visão.
Com efeito, encerrando a primeira parte de considerações estéticas do Tramonto assim
finaliza D’Amico:

Contentemo-nos portanto em insistir, no terreno da realidade cotidiana,


no fato que a interpretação cênica para uma obra dramática é uma
necessidade prática ou, pelo menos, uma prática conveniente: como para a
música. E se a personalidade do intérprete é fatalmente diferente daquela
do poeta, não há nada a fazer senão buscar a mais afim, ou a menos
discordante; e recomendar à intuição, ao estudo, à disciplina do ator:
“reduzir-se” ao seu personagem (como justamente queria de seus atores, a
despeito de Pirandello filósofo, o Pirandello diretor de companhia); afogar-
se nele. Restará uma disparidade mínima: mas isto restará sempre. E
ocorrerá, como no crítico, como em qualquer intérprete, involuntariamente.
(p. 19)
Para concluir vale lembrar as palavras com que introduzimos esta discussão: não se
pretendeu exaurir a questão estética de Silvio D’Amico. A tentativa de encontrar um fio
51

condutor que percorresse a sua obra foi encarada como uma alternativa às freqüentes
considerações sobre a sua figura tida, ora como o paladino do teatro de direção, ora
como o defensor do “teatro da palavra, ora como proponente do teatro de Estado. Estas
considerações, que geralmente não denegam esta linha de pensamento, tendem a diluir
as suas proposições em compartimentos estanques.
A intenção, portanto, não era a de efetuar uma “redução” na riqueza de uma obra
tão vasta e diacronicamente dispersa como é aquela deixada por Silvio D’Amico. Tentar
delinear o conjunto fundamental de considerações por detrás das diversas ramificações
não é necessariamente um empenho de retórica inútil, ao contrário, deve servir também
para uma observação mais atenta ao universo das coisas dadas por resolvidas e que (não
somente, mas também por isto) continuam a influenciar as linhas do atual teatro
italiano. Neste sentido, pode-se dizer que a presença de Silvio D’Amico no teatro atual
continua a nos impor reflexões fundamentais, tanto para o intuito de levá-la adiante
quanto para o objetivo de propor-lhe uma alternativa.

4. A POÉTICA TEATRAL DE SILVIO D’AMICO: LEITORES FIÉIS COMO ARTESÃOS DO ESPÍRITO

4.1 O Diretor: funções e limites do “recém-chegado”

Como foi dito, o capítulo do Tramonto, cujas passagens até aqui foram discutidas
para a tentativa de estabelecimento da estética de Silvio D’Amico, tem por título O ator
e a encenação. E aqui, justamente após as considerações estéticas mais gerais centradas
na questão do autor dramático, D’Amico estende o seu apelo de ordem empírica aos
intérpretes da obra:

O teatro de ontem confiava no cômico, que, mesmo quando era diretor,


buscava seus meios de expressão na dicção e na mímica próprias e nas de
seus atores. Hoje ao contrário, por um fenômeno análogo, àquele que no
teatro lírico substitui o “bel canto” pela orquestra, o virtuosismo pessoal
cedeu lugar ao gosto pelo conjunto: o indivíduo ao grupo.
A primeira observação (positiva) sobre o “recém-chegado” está ligada a idéia do
gosto pelo conjunto que substitui o virtuosismo pessoal (considerado aqui apenas como
atributo do ator). Tendo em mente a denúncia feita por D’Amico à “deformação do
texto” provocada pela tradicional interpretação italiana, baseada no ator virtuoso, pode-
se compreender a esperança depositada na figura do diretor, convidado a ser o grande
fiduciário do novo teatro. Esta idéia explicitada por D’Amico em 1929, no Tramonto,
não era recente. Na verdade, as sua crônicas anteriores e o seu projeto para o Instituto
52

Nazionale del Teatro permitem verificar alterações que o próprio conceito vinha
sofrendo diante da realidade da cena italiana, inclusive através de suas relações com a
cena internacional e permite observar sobretudo que, mesmo sofrendo algumas
mudanças, a figura do diretor para D’Amico teve sempre a tarefa de garantir a leitura
mais perfeita possível do texto dramático.
Em 1923, mencionando uma “data histórica” nas páginas de L’Idea Nazionale,84
D’Amico fazia um balanço das tentativas italianas de fazer um teatro de arte e destacava
as que comportavam, além de outras propostas (certamente a do “repertório artístico”
estava sempre presente), um projeto de montagem moderna (o Teatro degli Italiani), de
direção subtraída aos atores, de “companhias de complexo” (Niccodemi), de direção
plena e absoluta por parte de uma pessoa que não seja o ator (Ars Italica), etc. Como
se vê, a idéia de conjunto em D’Amico não é nunca tomada isoladamente, o que poderia
sugerir uma proeminência da figura do diretor sobre a do autor em nome da superação
da própria crise do teatro.
Este conjunto, que não deverá se transformar numa nova forma de virtuosismo,
será para D’Amico apenas uma das características de empenho de leitura fiel, já que
permitiria um controle maior da figura do grande ator o qual, não somente trai o autor
ao tentar um “belo desempenho”, mas também ao escolher o próprio repertório em
função da reafirmação do seu virtuosismo. E é assim que D’Amico, ao falar da arte de
Ruggero Ruggeri no capítulo II (Arte Italiana) do mesmo Tramonto, demonstra que
mais uma vez, o repertório de textos dramáticos precisa de mudanças:

Este nosso “ator moderno” por definição... parece ignorar a existência


do criador do Teatro Moderno, Ibsen. Ele se obstina, como o ator
mambembe mais provinciano, a não botar os pés para fora da tradicional
província franco-italiana, cara ao extinto século XIX. Assim ignora Wilde...
Shaw... Tchekov... Sarment... Vildrac... Jean-Jacques Bernard... Amiel...
Molnar. (pp.104-5)
A figura do diretor, portanto, associa-se à necessidade de uma leitura que, por uma
parte, leve em conta a utilização de um repertório de arte (clássico ou moderno) que
envolva a todos no objetivo de transmitir a idéia do autor e, por outro lado, garanta a
permanência deste repertório em âmbito artístico, inclusive durante a representação,
sobrepondo o gosto pelo conjunto ao belo desempenho.
D’Amico demonstrará que essas tentativas foram realizadas no decorrer da história
teatral italiana ainda quando nem se pensava na idéia de direção. Nas crônicas dos anos
20 já discorria sobre aquela almejada execução de conjunto, aquela fidelidade de
tradução cênica e sobre algumas montagens que surpreendiam pela raridade com que
53

ocorriam. Em 1929, no Tramonto, ele não esquece, por exemplo da excepcionalidade da


companhia de Virgilio Tali:

O primeiro artigo do seu credo (de Virgilio Tali), como quase sempre
acontece na vida e na arte, era o ovo de Colombo: para representar um
drama não basta um ator, são necessário tantos atores quantos foram os
personagens: digamos atores não figurantes dispostos de qualquer forma
em torno de um divo monologante; é necessário ainda que a virtude destes
atores individuais seja coordenada e afinada a uma visão de conjunto.
(p.136)
Do belo desempenho ao personagem; do divo à visão de conjunto; da escolha do
repertório em função do ator mambembe tradicional à escolha de repertório em função
da arte; da existência do capocômico artesanal e bem intencionado à proposta de um
coordenador e diretor que seja um “homem de cultura”; esses serão os caminhos
percorridos por D’Amico, tendo sempre como meta a busca de fidelidade centrada no
primado da palavra do autor.
O que importa ressaltar, no entanto, é que esta visão já comporta a idéia de uma
opção por um determinado tipo de direção e não somente a necessidade, genérica, de
introduzir a direção na Itália: tanto para fazer desaparecer a tradição do virtuosismo
mattatore, como para permitir a atualização frente as novas experiências européias. E
será nesta espécie de espaço “vazio” existente na Itália e criado pela ausência de
diretores, pela recusa em aderir imediatamente aos exemplos europeus e pela tendência
virtual em confundir “montagem” com “produção cênica” que irá se configurar a
escolha de D’Amico. O que se quer lembrar é que a ênfase dada à figura de D’Amico
como introdutor da direção na Itália tende a esquecer o fato de que a sua visão já
comportava uma escolha, tanto interna como internacionalmente. Certamente o próprio
D’Amico permitirá essa abordagem que ressalta a idéia geral de introdutor em
detrimento da sua visão pessoal de direção, naqueles anos em que não existia na Itália a
palavra direção85 e também durante o debate filológico promovido pela revista
Scenario, de 1932, em torno das palavras “direção” e “diretor”,86 que ele concluía com
as seguintes palavras: Agora só nos resta augurar que ao verbo corresponda a
realidade, e auspiciar o nascimento de uma direção italiana e de diretores italianos.87
Esta ênfase na questão da ausência do diretor italiano fará com que D’Amico entre,
mais uma vez, no debate sobre a italianidade que, como já foi visto, permeava a questão
do repertório. Também para o caso da direção a luta pela italianidade é vista sob um
ângulo muito particular, pois a defesa apenas das corajosas tentativas dos atores
capocômicos não bastariam, principalmente porque teriam servido para confirmar certa
54

tendência “já observada” em confundir direção com grandiosidade de produção.


Certamente alguns exemplos estrangeiros também teriam contribuído para tal viés, mas
estes D’Amico nunca adotou inteiramente. Sem dúvida alguma, o momento
significativo mais revelador sobre a impostação de D’Amico para a questão da direção
italiana é dado pela presença dos diretores estrangeiros, Copeau e Reinhardt, nas
representação ao aberto do Maggio Fiorentino (Maio florentino), cujas influências
(práticas teóricas) sobre a realidade do teatro italiano serão analisadas no artigo Per una
regia italiana (Por uma direção italiana) na revista Scenario, em outubro de 1933.
Porém, não se pode apreender a sua visão de direção só a partir deste texto e esquecer o
significado que esta função de diretor já vinha assumindo para D’Amico há algum
tempo, pois, a insistente defesa da presença estrangeira que se encontra neste texto pode
nos induzir a atribuir a D’Amico uma genérica necessidade de introduzir a direção na
Itália a qualquer custo. O que seria equivocado: trata-se, mais uma vez, de uma escolha.
Também no texto do Tramonto se observa a insistência sobre a ausência da figura
do diretor na Itália:

Há trinta ou quarenta anos atrás quando na Europa se falava em teatro


dramático, entendia-se Salvini, Rossi, Novelli, Duse, Benhardt, Guerrero,
Guitry: atores. Hoje se entende Stanislawski, Reinhardt, Appia, Craig,
Copeau, Pitoëff, Tairov, Piscator: “metteurs-en-scène”... a triste moral é
esta: entre os nomes dos grandes atores europeus no fim do século passado
a maior parte era de italianos; entre os nomes dos “metteurs-en-scène” de
hoje não há nem mesmo um italiano. Mais ainda, na Itália não se encontrou
nem mesmo um vocábulo para designar a sua tarefa. Agora tentou-se
desenterrar um temo grego “coràgo”; nós preferimos dizer “mestre de
cena”. (p. 20 e pp. 28-9)
Fica claro que a tarefa executada pelos diretores estrangeiros é identificada
totalmente com a necessidade de substituição dos grandes atores. A Itália como
depositária teatral somente destes, se ressente inclusive da falta de um vocábulo. Mas o
apelo à “questão filológica” não poderia retardar a busca de uma alternativa real. O fato
é que, sem esquecer do empenho, tanto daqueles bem intencionados capocômicos, como
de determinados grandes atores — empenhos que D’Amico sempre ressaltou — os
projetos que naquela época eram apresentados com a intenção de resolver “a crise
teatral” também demonstraram que, inclusive, as propostas de solução para este
problema começam a pressupor a necessidade da presença de um diretor.
Percorrendo, portanto, os projetos elaborados nestes anos nota-se como num
primeiro momento a função do diretor associa-se a idéia de cuidados necessários com os
preparativos da montagem e da arte cênica:
55

As condições especiais de instabilidade com que se defrontam as


companhias não permitem aos capocômicos, individualmente, prover com
decoro e sentido artístico dos preparativos cênicos dos trabalhos em geral,
e de um modo especial, a montagem de espetáculos de caráter excepcional
para os quais é necessário criar uma atmosfera correspondente aos valores
espirituais dos personagens. Este contraste entre a reprodução do ambiente
e a interpretação da obra de arte é justamente o que freqüentemente impede
o público de compreender certos trabalhos que, desta forma, chegam a ele
tão extrema e estupidamente incompletos.88
Neste projeto, o encargo de trabalhos deste gênero era confiado a uma direção geral
que mantendo a destinação artística estabelecida pelo programa, assumirá, de modo
mais absoluto, todas as atividades e responsabilidades artísticas.89
Também já no comentado projeto de reforma teatral dos conselheiros Luigi
Chiarelli e Umberto Fracchia, a figura do diretor artístico aparece como um componente
necessário ao teatro estável e a mais indicada para substituir o capocômico. A
importância do documento advém do fato dele ilustrar com clareza o caminho de
passagem visto como necessário) entre as tradicionais formas artesanais (as regras do
repertório capocômicale) e o estabelecimento de critérios “técnico-artísticos” (como
conjunto de base pertencente a um “homem de cultura”). Desta forma, a função de
diretor se apresenta ligada à necessidade de técnicos especializados e de intelectuais:

Formar-se-á uma nova categoria de técnicos especialistas com os quais


não estarão mais identificadas, como acontece agora, as funções de diretor
e ator, mas serão exclusivamente diretores de teatro, isto é, de companhias,
isto é, de espetáculos. Verificar-se-á assim, gradualmente, o advento de
intelectuais na direção técnico-artística do teatro de prosa que dentre
outros, o Conselheiro Doutor D’Amico propõe com tanto ardor há tantos
anos.90
Mesmo que a definição de tais técnicos especialistas seja feita de maneira ainda
genérica — subordinando ao diretor tanto o teatro, quanto a companhia e o espetáculo
— ela já separa as funções do ator e do diretor.
Em outubro do mesmo ano de 1924 foi constituído com o apoio do governo o
Teatro d’Arte di Roma (resultado da fusão dos projetos que se elaboravam neste
período) e Pirandello foi chamado para dirigi-lo. Também aqui, o ato constitutivo da
sociedade anônima do Teatro d’Arte e os treze artigos do estatuto não especificam a
função de um diretor, ao mesmo tempo em que atribuem um amplo e variado quadro de
atuação a Pirandello. O artigo segundo do estatuto do Teatro de Arte de Roma dizia
serem de competência de Pirandello as seguintes funções obrigatórias: a) escolha do
repertório; b) direção geral das montagens cênicas; c) direção da Companhia do
Teatro; d) escolha do pessoal artístico.91
56

Para além da ausência de uma atribuição específica à função de diretor, estes


projetos de reforma e o próprio estabelecimento do Teatro de Arte de Pirandello
permitem observar como as posições artísticas em torno de um endereçamento cultural
para o teatro, nos anos 20 e 30, já levavam em conta a necessidade de uma companhia
estável sob uma direção artística culturalmente qualificada para superar o antigo
repertório burguês.
No entanto, também aqui, em nível de direção artística de uma companhia de Teatro
de Arte, a qualificação pode servir ao programa de italianidade. O apelo a uma produção
e “decoração” justas — componentes de um teatro artístico — era adequado aos fins da
propaganda. Mas não se trata, mais uma vez, da criação de um repertório de textos
necessariamente italianos, mas sim de uma companhia artística que produziria — com
qualidade — na Itália.
Isto pode ser confirmado, aliás, pelos constantes apelos de Pirandello para a
realização integral — senão do projeto, pelo menos dos acordos internacionais — das
promessas de intervenção do governo para obter auxílio financeiro do industriais. Em
29 de março de 1925, alguns dias antes da inauguração do Teatro, Pirandello escrevia a
Mussolini:

Me permito fazer considerar a V.E., que nós sentimos cair sobre a


nossa iniciativa a expectativa de todo o mundo. A consciência deste fato e a
responsabilidade de usar vestes quase oficiais, pois o nosso teatro é
considerado por nós e no estrangeiro como o Teatro de Estado italiano, nos
obrigaram a nos expor com seiscentos e quatorze mil liras (264 mil a mais
que previsto) para elevar cada elemento — teatro, companhia e montagens
cênicas — a uma condição de dignidade e probidade artística que nos
permitissem resistir ao peso de tanta responsabilidade e ao choque de uma
expectativa assim tão grande. Nenhum tostão foi gasto com embelezamentos
luxuosos, para satisfazer amores-próprios ou veleidades de pompas
exteriores...; mas assim, hoje podemos dizer que demos à Roma um teatro
que do ponto de vista de ambiente e estruturas técnicas pode fazer inveja a
qualquer capital estrangeira e a este ato foi dado um conjunto de atores que
consentem... a interpretação de qualquer trabalho, sem limites de gênero. 92
Nesta que seria uma das primeiras (entre tantas) cartas de Pirandello destinadas a
obter dinheiro para cobrir as sua antecipações, destaca-se não somente a idéia de
dignidade e probidade artística do espetáculo mas também o desejo de fazer um teatro
que pode se tornar propaganda (pode fazer inveja a qualquer capital estrangeira). E, o
que é mais importante, fica claro que dignidade e probidade se obtém com um bom
nível (nenhum excesso) de montagens cênicas, devido à adequação das “estruturas
técnicas” guiadas por um diretor artístico.
57

Ao lado destas propostas que colocavam, cada vez mais, em primeiro plano a
questão da qualidade artística das “montagens cênicas” — atribuindo um amplo
espectro de atuação para a figura do diretor — D’Amico se defrontava também com as
marcantes atividades experimentais de Bragaglia. Estas atividades, antes mesmo de
encontrarem espaço no Teatro degli Indipendenti, já haviam colaborado para a
discussão em torno do recém-chegado diretor, visto como o coordenador da
montagem. 93 Neste teatro, segundo Bragaglia, poderiam tentar a realização de um
programa efetivo que introduziria a moderna direção no teatro, uma interpretação
antiacadêmica e a “cenotécnica cromática”. Não retomamos a discussão a respeito da
importância da presença do “corego sublime” no teatro italiano deste período, 94
utilizamos apenas alguns trechos de dois memoriais que ele apresentou a Mussolini
porque consideramos que neste ponto se encontra a síntese de sua idéia de um “teatro
moderno” absolutamente ligado a necessidade de implementação de “técnicas
modernas” e de estabilidade do teatro sob a guia do “régisseur”.
No primeiro memorial, Bragaglia enumera as condições para a fabricação de um
teatro com palco modelo, que conceda a técnica moderna à representação e confira
possibilidade de renovação à composição teatral e ao maravilhoso no espetáculo.95 O
elemento mais significativo ressaltado por Bragaglia, no entanto, é dado pela
necessidade de adequação aos tempos modernos: a plataforma giratória, os palcos,
móveis, como condições da “multiplicidade da ação”, necessidade criada pelo cinema.
Partindo deste princípio, Bragaglia consegue iniciar uma espécie de inversão na
proposta de renovação:

E para renovar o teatro (para poder existir, por exemplo, um teatro


italiano) é preciso dar aos autores o meio da renovação. Este só pode ser
técnico. As situações literárias da comédia são sempre as mesmas, assim
como são imutáveis as paixões. Para reformar o drama deve-se reformar o
palco: este é o ovo de Colombo.96
Preocupado como estava, tanto em obter os favores do “mecenatismo” de
Mussolini, quanto com rumos da modernização na Itália, Bragaglia continua
defendendo sua experiência teatral: Basta dizer que esta é conhecida no exterior
somente pela obra modestíssima do abaixo-assinado “régisseur” e escritor.97
Quatro anos depois, no dia 22 de maio de 1928, Bragaglia apresentará a Mussolini
um segundo projeto pedindo ao governo a condição de estabilidade no uso Teatro
Argentina e mais uma vez Bragaglia estabelece um discurso muito particular, mesmo
continuando a perseguir “aspirações artísticas” para o teatro:
58

Com a premissa que a arte dramática vai de roldão pelas insustentáveis


condições impostas pelas ferrovias e pelos proprietários de teatros, é
evidente que uma companhia livres dos cânones de locação, e estável,
possuiria resistência suficiente para ter uma séria vitalidade (isso sem
mencionar o fato que, artisticamente, a formação estável é a única que
torna possível a perfeição cênica.98
O projeto de Guildo Salvini de 1927 para o Teatro de Milão tem uma enorme
importância em relação a análise das várias experiências feitas nos anos precedentes à
instauração do “debate filológico” (e que, como já se disse, se inseria no contexto da
chegada dos diretores estrangeiros à Itália) pela lucidez com a qual individua a “nova
figura”. O princípio é que:

Os dois eixos de qualquer empreendimento teatral sempre foram os


atores e o repertório. Afirmo que uma comédia medíocre, sem nenhum ator
célebre, mas bem preparada, estudada, em suma, montada com aquele
cuidado escrupuloso que hoje em dia é indispensável... sempre apresentará
um ângulo qualquer interessante.99
Afora este apriorismo da “encenação”, que pela primeira vez na Itália é colocado de
maneira tão nítida, o projeto de Salvini contém uma descrição original do trabalho do
régisseur:

Foi dito e com razão, que o teatro é o czarismo e que, portanto, o


Diretor Geral deve ser o juiz absoluto; mas para conduzir e dirigir um
organismo tão complexo como esse, ele terá ao seu lado dois preciosos
conselheiros um para a parte econômica, o outro para a parte artística, isto
é, para o estudo e a pesquisa do repertório e para a atribuição dos papéis,
levando em conta as necessárias dotações dos vários atores, para a
exigência dos ensaios e das “tournées”. Escolhida a produção, o Diretor
Geral a confia a um dos “Régisseurs”, enquanto o leitor, de acordo com o
Diretor Geral e o “Régisseur” escolhido, distribui os papéis e prepara o
material de reclame. Depois que o “Régisseur” tiver estudado a peça com o
tempo que julgar necessário, e tiver entrado em acordo com o Arquiteto
para a encenação, este último apresenta e explica os esboços ao Diretor
Geral que submete o orçamento ao Diretor Administrativo. O Secretário
escolhe então o Diretor de Cena e o Ponto, que devem acompanhar os
ensaios e as apresentações do trabalho escolhido e entregar definitivamente
ao “régisseur” o seu pessoal para começar os ensaios. 100
Evidentemente, a grande preocupação “hierárquica” na organização do teatro não
pode esconder a “nitidez” de um projeto quanto à especificação da figura do régisseur,
em relação tanto ao diretor artístico como à cenotécnica e ao diretor de cena. Deve-se
lembrar inclusive que a proposta prevê quatro régisseurs que teriam que acompanhar
“três companhias”, com possíveis deslocamentos de uma companhia para outra.
A esta altura se pode concluir que a temática “direção” já estava presente — e não
só esporadicamente como poderia parecer — antes que a revista Scenario abrisse um
59

espaço para uma discussão mais contínua e ainda antes da proclamada italianidade
(também do régisseur) para o teatro italiano. A evolução da discussão nos permite
entrever, sobretudo, um processo bastante diversificado, o que é comum em momentos
de estabelecimento de projetos ou de tentativas de experimentação.
Certamente Silvio D’Amico nos projetos do Instituto Nazionale del Teatro
Drammatico prevê um Diretor Geral do Instituto, gozando de plena confiança do
Governo... tendo ‘poderes absolutos’ no campo artístico, partindo de uma avaliação de
que na cena de prosa os autores dramáticos estão “privados de intérpretes” (ou seja,
de atores, cenógrafos e régisseurs), prevê também a constituição de duas companhias,
cada uma com o seu diretor, mas cujo corpo orgânico (atores e atrizes principais e
diretores) será composto pelo Diretor Geral que, no entanto, terá os seus conselheiros
imediatos e colaboradores artísticos obviamente nos dois diretores de companhias.
Esta possível “definição” da figura do diretor e a sua submissão ao Diretor Geral no
corpo do projeto (à parte o fato que o próprio projeto se apresenta com a proposta de
traduzir para a realidade, ao menos por etapa, as idéias... expostas no ensaio “La crisi
del teatro”), representa, na verdade, o deslocamento das propostas de direção do
interior da prática teatral para uma verdadeira “escola de diretores”. De acordo com o
projeto, o Instituto Nazionale deveria possuir um studio (teatrinho experimental e, ao
mesmo tempo, Teatro Escola). Aproveitando a Sala Eleonora Duse da escola da Reale
Accademia Santa Cecilia, o novo studio, em relação à direção, deveria significar e
constituir através dos cursos oferecidos um “ninho” dos “diretores italianos”, ao
possibilitar com “montagens” dos “alunos” a experimentação de encenações (com
especial atenção para os novos autores).101
Acompanhando a evolução do pensamento de D’Amico percebe-se que a figura do
diretor vai assumir, entre outras, a tarefa de “incutir” no ator o espírito que deverá
mover a peça, e pode-se entender o âmbito desta indicação mais precisa se nos
lembrarmos de seu princípio de que cada obra requer a sua própria encenação. Quanto à
direção, sem dúvida, é preciso ultrapassar a soleira do “ofício”. E é com esta visão que
se compreende a insistência — no Tramonto, particularmente no capítulo O ator e a
encenação — em uma “Escola Nova”, para um “Mestre Moderno”: não a escola
prevista com “bancos e quadro negro” mas: Um autêntico conservatório dramático,
onde os alunos capazes possam aprender não só a executar, mas também a dirigir;
onde eduquem a inteligência, a sensibilidade, o gosto de extrair de um texto a ação
teatral, e a sua colocação em relevo, trabalhando-a bem dando-lhe um bom
acabamento. (p. 37). Como se vê tanto a sensibilidade quanto a inteligência precisam de
60

uma educação para poderem “extrair”, colocar “em relevo” e assim aprimorar a ação
teatral de um texto.
Os atributos específicos do diretor, quanto à interpretação dos atores, não são
detalhados por D’Amico. Claro que alguns requisitos são citados na exposição sobre as
teorias dos reformadores da técnica cênica, que também são teóricos e escreveram
ensaios e livros inteiros. Vale mencionar que o modo como D’Amico “descreve” estas
teorias no Tramonto, pode, por sua vez, fazer supor que as palavras sejam suas.
Contudo, no Tramonto a meta, fundamental para enfrentar o problema da direção
consiste em advertir que a representação continua a ser — mesmo depois das teorias que
ele expôs e cujos limites e contribuições ele denunciou — “a serva e o instrumento”, e
que cada obra requer a sua encenação. Curiosamente, D’Amico falará mais
extensamente sobre o que ele define como os dois modos de ensino da interpretação
(ainda no âmbito da profissão e não de formação sistemática) no texto dedicado a
Virgilio Tali:

Para citar um grande exemplo típico, um (modo) é o de Ermete Novelli:


o enorme filho da arte que, se não fossem os limites do seu físico, poderia
efetivamente interpretar qualquer papel pois sabe intuir, captar, imitar,
refazer tudo e todos, e que por isso ensina a cada ator seu, grande ou
pequeno, a sua relativa parte, ao recitá-la ele mesmo. Seus atores, então se
esmerarão em imitá-lo, e com seus meios, inteligentemente ou feito
papagaios. Mas para um diretor há também um outro método: o de estudar,
um por um, seus próprios atores, com as suas possibilidades, as suas
virtudes e os seus defeitos, procurando suscitar em cada um, as energias
adequadas para interpretar a obra cênica; sem propor a ele qualquer
modelo belo e pronto, mas incutindo neles, de dentro, o espírito que deverá
movê-los, cada um a seu modo. (p. 135)
O texto damiceano datado de 1933, quase contemporâneo à presença de Copeau e
Reinhardt no Maggio Fiorentino, é um excelente documento não só para esclarecer a
defesa da direção e de uma certa italianidade, mas sobretudo porque oferece a D’Amico
a possibilidade de relacionar suas idéias sobre o teatro della parola com as questões:
direção, direção italiana e interpretação:

De fato, nós não consideramos ideal o sistema de chamar diretores


estrangeiros para os atores italianos pois, na maioria dos casos, eles
ignoram ou mal conhecem a nossa língua e de qualquer modo nunca podem
“ensinar a dizer uma frase”...
... Assim, pode-se recorrer ao diretor estrangeiro ou porque o seu valor
é tão excepcional que o algo a mais que ele traz compensa amplamente as
suas impossibilidades lingüísticas, ou porque, ai de mim!, existe deficiência
de nossos diretores.. O diretor não é um poeta que não se pode inventar
com um “fiat”... Por um lado, trata-se de recolher, na tradição oral e não
nos livros, o espírito e a técnica da nossa interpretação italiana no que ela
61

tem de adaptável ao gosto moderno (e, de qualquer forma, é claro que nós
não suportaremos nem a interpretação áspera e impetuosa dos atores
alemães, nem a interpretação retórica dos artistas dramáticos franceses; e,
com o tempo, nem mesmo o especial marionetismo de alguns russos). Por
outro lado, trata-se de se atualizar, com o que foi e está sendo feito fora
daqui para separar o assimilável e rejeitar o resto.102
O texto reaviva a questão da ausência do elemento italiano já notada em 1929 no
ensaio do Tramonto: O problema é compreender que ainda não se revelou entre nós, o
Antoine, o Stanislawski, o Reinhardt, o Copeau, capaz de transformar a nossa técnica
cênica, segundo as exigências dos tempos (p. 29). A importância do discurso sobre o
diretor formulado em 1933, nos permite individuar, junto ao espaço deixado livre para o
empréstimo estrangeiro (há normas estéticas e disciplinares que são ótimas para todos),
o apelo à direção nacional como um requisito para o teatro de prosa que deverá
permanecer sempre na esfera da “palavra”. Uma proposta de teatro que deve fazer da
representação o momento de transmissão da palavra do poeta a uma multidão coloca,
consequentemente, a questão da “linguagem” no primeiro plano do trabalho do diretor.
O problema, porém, não se limita ao fato do diretor poder ou não ensinar a dizer uma
frase. D’Amico fala aqui de uma “técnica de interpretação” que o diretor deve recolher
na sua tradição oral e não nos livros. Esta procura, porém, se distingue da pura e
simples busca arqueológica: trata-se de um trabalho de adaptação ao gosto moderno.
Observando a evolução da discussão damiceana em torno da caracterização do
diretor fica claro que sua visão atribui a esta figura uma exigência de preparação
sistemática. Não é o caso, para ele, de achar em meio a um país “histriônico” como a
Itália um homem “genial”, que conheça o repertório da literatura dramática (clássica ou
moderna), saiba ler estas obras, saiba impor coordenadamente os espetáculos que serão
seus retratos, os mais fiéis possíveis, saiba recolher na tradição oral o espírito da
interpretação italiana adaptando-a ao gosto moderno. Trata-se de criar os meios para a
formação deste “mestre”.
A ocasião para a criação dos meios de formação será oferecida a D’Amico (e como
resultado de uma luta fundamentalmente sua) nos anos 1935/1936, com as leis que
instituem a Regia Accademia Nazionale D’Arte Drammatica e que estabelecem, além
do curso de formação de atores, o de formação de diretores. Nesta sede, os discursos e a
prática concreta de D’Amico servirão, não só como confirmação das idéias já expostas,
mas também como espaço possível de esclarecimento a respeito de sua visão, assim
como das reais possibilidades de colocá-la em prática:
62

Foi menos simples idealizar e dispor a organização do outro setor da


Academia, a escola para diretores; da qual nunca tivemos precedentes na
Itália, e que, mesmo na teoria das escolas estrangeiras, é ainda disciplina
não totalmente acertada. Ainda que um dos nossos princípios fundamentais,
como veremos seja que o diretor deve saber representar, os primeiros dotes
que ele terá de possuir são, no entanto, de natureza intelectual... Quanto à
cultura... não se pode transigir; o mínimo exigido é o certificado de entrada
na universidade; quem não o possuir terá que passar por um exame
equivalente em cinco matérias: Literatura (não língua) grega, latina,
italiana, História Política e História da Arte... Na prática, oito décimos dos
alunos matriculados já são formados na universidade. Desta forma, a
Academia, sendo oficialmente reconhecida entre os institutos superiores,
assume, nesta área, num certo sentido, um caráter pós-universitário. 103
Tendo em mente que estes eram os pré-requisitos exigidos, fica claro que a
formação sistemática, mesmo colocando uma alternativa ao homem “genial”,
pressupunha uma rigorosa seleção no âmbito da preparação intelectual. Além do mais,
para D’Amico a alternativa da formação sistemática através do acesso à escola nunca
teve o sentido de maior ou menor “democratização” no acesso à profissão. Pelo
contrário, à situação causal do homem “virtuoso”, “genial”, que poderia ser encontrado
em meio aos artesãos, filhos da arte, a instrução escolar, depois da seleção “cultural”,
pretendia oferecer uma consciência dos meios técnicos:

Pode-se ter toda preparação cultural possível e a mais refinada


sensibilidade estética; e no entanto não ter, no sentido prático, as
faculdades necessárias para saber exprimir, com uma técnica cênica, as
mais belas idéias deste mundo. Procura-se encontrar a solução deste árduo
problema, do jeito que se pode... Entrega-se a eles (aos candidatos
diretores) um tema para desenvolver, com oito dias de antecedência: com
que critérios você montaria um destes trabalhos à vossa escolha? 104
Neste sentido, além de uma preparação cultural, se exigia, como se pode observar,
uma faculdade de expressão em técnica cênica. E, o que é mais importante, durante a
seleção já é definida a supremacia da “técnica cênica” pressuposta como qualidade
prévia à formação do futuro diretor: Para cada candidato, este exame dura uma boa
hora; ele expõe verbalmente o que pensa do trabalho que escolheu, a interpretação que
gostaria de dar, e se conseguir, os meios técnicos que pensa em usar para traduzi-lo em
ação.105
Sempre se poderá dizer que estas indicações teriam sido outras tantas colocações
teóricas de D’Amico e que a escola era uma realidade ampla, formada não só pelas
idéias do diretor e professor de história do teatro, mas também pelos outros professores
de interpretação, de direção, etc. Esta avaliação, no entanto, nos leva a esquecer o papel
do “mestre” D’Amico em seu sentido mais amplo que, como se viu, ultrapassa os
limites da academia. Dentro desta, contudo, a função diretiva das suas idéias pode ser
63

confirmada por documentos contendo indicações, tanto para os mestres como para os
atores e diretores que dali saíram. O próprio desenvolvimento do curso de direção
denota a constância das indicações de D’Amico. A orientação inicial era a de que o
diretor precisaria saber interpretar e para isso teria de freqüentar o curso de
interpretação junto aos alunos-atores. Em seguida, a justificativa se amplia na medida
em que se atribui ao diretor a tarefa de ensinar a interpretar:

... e, de fato, todos os grandes diretores foram, ou são, na prática ou em


potencial, atores. Atores medíocres, talvez; atores ruins, em outros casos,
mas sempre versados na técnica de interpretação; de outro modo, como
poderiam ensinar, e esta é a primeira de suas tarefas — o Teatro
Dramático é palavra — a interpretar? Como poderiam coordenar e entoar,
na harmonia que o conjunto do espetáculo exige, as virtudes individuais? 106
Mas, sem dúvida, será na explicação dos objetivos do curso de direção que
D’Amico poderá sintetizar as suas idéias neste campo, confirmando mais uma vez o
significado da academia como um espaço de realização das suas considerações
elaboradas já há muito tempo. Neste sentido, a Accademia D’Arte Drammatica é a
comprovação da vitória numa das batalhas travadas pelo “mestre”:

Pegar um ator já senhor do seu corpo e seus nervos, da sua mímica e


da sua voz; e como dissemos, servindo-se dele como um colaborador e não
como um instrumento, colocando-se ao seu lado não como déspota mas
como conselheiro, induzi-lo assumir uma nova alma, a alma do personagem
a ser representado; e fazê-lo exprimir na palavra e no gesto; e depois
ajustar, coordenar todos os personagens num quadro de conjunto, num
ritmo, num clima, numa visão que o diretor obteve estudando
profundamente o drama para transportá-lo à viva materialidade dos palcos
— admitamos, não é tarefa para principiantes. De fato, grande é a fadiga
dos alunos de direção que alternam as suas lições teóricas com os pequenos
exercícios práticos, servindo-se precisamente dos seus companheiros atores
que disciplinarmente se colocam à sua disposição. Estes exercícios
começam com improvisações de cena mínimas... (inventar uma cena muda...
ou inventar o desdobramento, mudo ou falado, de um assunto)..., se começa
daqui... E, na realidade, é nestes diálogos — no princípio, como eu disse,
improvisados, mas pouco a pouco arrematados com os mínimos cuidados,
que podem exigir horas e mais horas de ensaios de uma ação de quarenta
ou cinqüenta segundos — que o aluno-diretor e junto a ele os alunos-atores,
adquirem aos poucos o gosto de encenar a vida sem apagá-la, ao contrário,
potencializando-a na preciosa moldura da arte. E é daqui que
gradativamente se passa à composição das verdadeiras cenas e depois, a
atos inteiros; e enfim — após um longo e paciente estudo preparatório das
obras de arte através de livros de história e de crítica, de coleções de
gravuras e, quem sabe, de visitas a museus — aos dramas clássicos ou
contemporâneos completos.107
Encerramos o percurso através da estrada de D’Amico, paladino da direção
italiana, com este trecho que representa e sintetiza, no âmbito da preparação para a
64

direção, uma espécie de emblema do próprio percurso do teatro rumo à modernidade:


das improvisações à preparação sistemática, da cena muda (gestual) aos “dramas
completos”, num trabalho de sugestão (e não de modelos prontos) aos atores e
coordenação de todos os elementos que concorrem para exprimir a palavra do poeta. Em
primeiro lugar, como se procurou demonstrar através do desenvolvimento das
colocações de D’Amico, tratava-se sempre, prioritariamente, de chamar à cena um
elemento capaz de estabelecer um contato cultural com o repertório de arte que, ao “lê-
lo” fielmente, fosse capaz de empreender uma representação com dignidade artística.
Neste sentido, sua atenção sempre recaiu numa técnica de interpretação, numa
coordenação do conjunto e num cuidado com o aparato cênico, vistos como meios de
pesquisa em função do “Teatro da Palavra”. O deslocamento da atenção da
interpretação do ator enquanto tal (virtuoso ou mattatore) para a interpretação como
meio de leitura fiel ao texto dramático, através do ensino do diretor, consequentemente
colocaria em relevo o seu empenho poético. Que, sob a “maestria” de D’Amico, a
orientação para a poeticidade do espetáculo — através da descoberta ou da afirmação
desta dimensão, sobretudo da palavra — tenha sido o fio condutor dos professores de
direção em seus ensinamentos aos jovens alunos-diretores, nos mostram, tanto o
“método” de Guido Salvini para uma leitura musical do texto, como as indicações de
Orazio Costa:

Com Costa veio o gosto pela palavra, pela musicalidade da palavra,


pela ressonância da palavra. Talvez fosse uma coisa mais aprofundada,
mais íntima, mais requintada, mais purificada. Não digo mais intelectual
mas, mais refinada, como ressonância do inconsciente. A procura do
inconsciente dentro da musicalidade da palavra, a aproximação da palavra
ao movimento... Nós começamos a fazer os coros. E, depois dos coros, a
sugestão que a palavra pode dar ao movimento de imitação, quase mímico.
Que, porém, não é mímica, é um fato rítmico... Posso ter até a presunção de
dizer que eu utilizei estes sistemas mais que ele próprio. A prova está nas
“Antígonas”(de Sófocles e de Anouilh) que montei no TBC.108
Esta lição de Orazio Costa já fora aproveitada pelo ex-aluno-diretor Adolfo Celi em
sua montagem de I giorni della vita de William Saroyan:

(Com este trabalho) descobri a minha realidade, a minha humanidade


poética, num texto que adorei... Naquela época eu senti verdadeiramente a
possibilidade de poder juntar uma participação emotiva aquele tipo de
poesia de Soroyan; a possibilidade de realizar aquilo com um certo tempo,
com a melancolia... Era mais sério ainda que o neo-realismo italiano. Para
mim, era uma humanidade poética que só depois foi feita em teatro... (O
Costa) me deu a verdadeira possibilidade de ampliar a palavra por dentro,
descobrir a palavra por dentro. Todos os elementos da palavra... Poder
65

encontrar o microcosmo dentro da palavra: com as assonâncias, com


musicalidade, com eco.109
O testemunho de um diretor saído da Academia foi usado como citação porque
declara a importância de Costa, inclusive para seus trabalhos realizados no Brasil,
fazendo uma referência explícita ao significado do uso dos coros nas suas Antígones.
Assim, sempre com a intenção de reconstituir os pontos fundamentais da formação dos
teatrólogos que vieram depois para o Brasil, pode-se constatar como, no campo da
direção as considerações de D’Amico foram as determinantes; e não só em nível de
formação teórica mas também prática, através da Academia. E as suas indicações aos
professores da escola ainda em 1951 demonstram que, também sob o aspecto da
direção, é mantida a sua visão fundamental de teatro:

O princípio fundamental de toda a atividade da Academia é que o


objetivo do diretor e de seus colaboradores (atores, cenógrafos, figurinistas
e a eventual presença de bailarinos, músicos, etc.) é a interpretação de um
texto: assim, o conseqüente respeito, sempre ao espírito, e, no máximo
possível, à letra daquele texto; sem excluir de forma alguma a oportunidade
de um corte qualquer, que às vezes é aconselhável por vários motivos; mas
sempre excluindo acréscimo e deformações. O diretor é aquele que dirige e
ajusta um grupo de intérpretes decididos a transportar a palavra de um
autor da vida ideal da página para aquela concreta da cena. No teatro
dramático o soberano é o Verbo.110
E o verbo feito de carne, como se sabe, remete sempre ao espírito que o determina.
A leitura e o drama transformado em poesia representada serão as tarefas do “novo
homem” convocado mais a espiritualizar a ação que a potencializar a presença física do
ator ou material da cena.

4.2 O ator — a superação da “interpretação virtuosa”

No conjunto da obra de D’Amico não existe um verdadeiro manual da nova


interpretação, um organismo especificamente destinado ao ensinamento de regras
precisas para o uso dos atores que deveriam abandonar a tradicional linha mattatoriale
com o seu repertório de gestos e dicção ditados pela tradição. Lendo as suas crônicas de
teatro e os dois ensaios, mais diretamente contratados na discussão da interpretação dos
atores italianos, aparecem sobretudo as suas indicações sobre vícios e excessos do velho
estilo de interpretar e o seu cuidado em sugerir — sem criar um corpus sistemático —
uma impostação que se “destaque” do virtuosismo tradicional.
D’Amico sabia que este era um problema de grande porte e mesmo se não assumia
toda a responsabilidade pelas indicações da nova interpretação italiana, nunca cessou de
66

se referir ao perigo do vazio que seria criado se a necessidade da nova estrada não fosse
vislumbrada:

Hoje em dia abolimos, senão dos contratos pelo menos de fato, as


chamadas “partes”. Dizem que isso foi uma conquista. Mas também é
verdade que com esta abolição coincide a impossibilidade de representar,
praticamente, todo o teatro dos séculos passados; incluindo, que fique bem
claro, todo o século XIX. Porém, em compensação, quase não temos, de
fato, intérpretes do teatro contemporâneo... No exterior, a verdade é que,
mesmo que os grandes intérpretes sejam raros, os teatros se salvam com
belíssimas execuções de conjunto, com uma encenação perfeita, com um
estilo.111
Nestas palavras D’Amico traça as linhas fundamentais em que baseia o seu discurso
sobre a interpretação italiana: do abandono das regras tradicionais (para o trabalho com
o personagem), da necessidade de acordo com o repertório contemporâneo (os textos de
autores modernos exigem intérpretes de um novo estilo), à contribuição da direção para
a criação de um estilo de interpretação.
Porém, antes de seguir estas linhas que sublimamos, é preciso advertir que mesmo
se D’Amico não assume diretamente a tarefa de ser o mestre da nova interpretação
italiana, as suas crônicas e os seus ensaios têm uma meta maior que a pura liquidação do
grande ator tradicional. Sem mencionar a própria Academia, cujo objetivo de formação
de novos atores era prioritário, estes ensaios e o conjunto de suas crônicas são
testemunhos da grande dificuldade que representava a possível proteção do patrimônio
secular da tradição interpretativa italiana, rejeitando aquilo que para ele seriam apenas
suas deteriorações: Não obstante, nós persistimos na crença de que, na nossa raça, as
virtudes miméticas pelas quais ela ficou famosa não podem ser apagadas; e que todo o
problema é de voltar a descobri-las, disciplinando-as e forjando um estilo para elas.112
Estas palavras são ainda da mesma crônica de 1926 e se pode dizer, com certeza,
que D’Amico acabou por tomar uma grande responsabilidade na tentativa de
contribuição para a definição de um “novo estilo” para o repertório interpretativo
tradicional. Isto, como já foi dito, não de forma sistemática e regrada, mas com as suas
indicações cotidianas sobre as interpretações que assistia e comentava nas “estréias” das
apresentações; nos ensaios que escrevia sobre a interpretação do grande ator italiano e
nas indicações aos professores da Academia de Roma depois de 1936.
Para D’Amico, no entanto, a questão do estilo interpretativo não estará ligada
apenas à realidade da direção, mas também à fidelidade ao texto e à personalidade do
ator. O problema da fidelidade ao autor, portanto, se encontrava a meio caminho entre a
possibilidade de tomar a obra como um pretexto para “grande parte” dos mattatores e a
67

necessidade de forjar um estilo de interpretação individual. A existência deste problema


damiceano pode ser vista em duas considerações à respeito de interpretações de
Shakespeare:
Na companhia italiana do “mattatore” de regra só existe ele: ergo, no
“Mercador di Venezia”(O mercador de Veneza) só aparecerá Shylock.
Pouco importa que se trate de Shakespeare: o seu poema será considerado,
como todos os trabalhos teatrais deste mundo, grandes ou pequenos, nada
mais que um “canovaccio” para dele se extrair um extraordinário
caractere a ser utilizado pelo nosso maior cômico. 113

A não ser que para executar Shakespeare, sejam suficientes os critérios


do chamado bom gosto moderno? Refinamento é sinônimo de poesia?
Fidelidade à letra é a mesma coisa que fidelidade ao espírito?114
Forjar o estilo, por parte de um ator, comporta certamente sua inserção na categoria
dos artistas. Mas aqui também existe uma distância que separa a “criação” do grande
ator tradicional daquela criação de um estilo por parte do grande ator moderno, que
mantém sempre seu componente pessoal nos personagens que vai interpretando. O
testemunho desta diferença entre o mattatore e o intérprete, mesmo que ambos sejam
criadores, pode ser encontrada nestas palavras de D’Amico:

E, neste sentido, é verdade que o grande ator não executa, mas “cria”,
cria (infelizmente) um único tipo seu imutável, mais ou menos verdadeiro e
humano, ao qual adapta todos os personagens que pouco a pouco vai
representando. Disto advém a escolha dos repertórios, todos semelhantes e
todos monstruosos, de nossas principais “celebridades” cômicas e
trágicas.115
Daí provém a discussão de D’Amico sobre a inverdade da qualificação do grande
ator como “proteiforme”. A criação do intérprete moderno será diferente; ele deverá
criar em relação ao autor uma interpretação que sedimenta-se numa “passividade”, não
escondendo por trás da variedade da escolha do repertório a criação de um estilo a partir
de suas características pessoais. Para a observação da discussão damiceana em torno
desta segunda categoria de artistas escolhemos suas considerações sobre Guitry e Maria
Melato, que parecem se constituir em modelos da visão do mestre:

Sobretudo no que interessa para a arte da interpretação cênica, base


necessária do nosso teatro, presente e futuro, a resolução da velha questão
sobre o fato de existir ou não a possibilidade de um ator “intérprete”, de
um ator que, além de entender, seja capaz de, num certo sentido, se anular
e se renovar a cada vez na sucessiva encarnação dos inumeráveis
caracteres que vai assumindo: ou se a fisionomia e os traços peculiares de
um artista não são canceláveis, de modo que não lhe seja possível senão
tornar os personagens mais afins a um tipo próprio, criado a pretexto deles,
mas independente deles próprios. Questão fundamental que, de resto, basta
acenar para entender a sua solução. É evidente que também Guitry, sendo
68

um artista, isto é, tendo uma personalidade, pertence a esta segunda


categoria. Mas sem dúvida, pelo que conhecemos, nesta categoria ele é
excelente.116
Pode-se perceber, nestas palavras, as diferenças que existem para D’Amico entre: a
criação “mattatoriale”, que no fundo executa um tipo que é sempre igual a si mesmo, e
vai adequando a esse tipo os diversos personagens, e a criação do intérprete moderno,
que compreende a obra de cada poeta, interpreta com fidelidade (de espírito mais do que
à letra), apresentando assim, no decorrer de sua carreira, uma variedade de
interpretações que, apesar de tudo, não traem a existência de um estilo pessoal. E será
justamente de acordo com este segundo sentido que D’Amico extrairá a sua definição
de interpretação, afirmando sobre Maria Melato:

Sim, Maria Melato estuda como interpretar, ou seja, como se


transformar, se adaptar às várias pessoas que é chamada a criar, como
subordinar as suas qualidades às necessidades do quadro cênico, como
descobrir e realizar as intenções de cada autor. É uma “passividade” sua,
inata, que deve ser louvada sem reservas. Do trágico horror do quarto ato
da “Gioconda”; dos gritos e sussurros indistintos e estupendos de
“Anfissa”; de todas as notas do pranto feminino do qual ela conhece a
inteira gama, testemunhamos a sua decisão até a singela modéstia de
“Nicoletta” no Goldoni de Ferrara; a vimos também infundir uma doce
humanidade no contrafeito acento exótico da protagonista dos
“Transatlantici” (Transatlântico), constringir a sua cabeleira morena na
peruca branca da adorável velhinha de “Cosi é, se vi pare” (Assim é se lhe
parece), vestir os hábitos masculinos de “Donna Romantica”(Dama
Romântica), fechar-se na paixão taciturna de “Marionette, che passione!”
(Marionetes, que paixão!).117
Como se verá, o próprio fato de utilizar um repertório “moderno”, que inclui um
trabalho de interpretação de “personagens” e não de reprodução de um tipo, já era um
motivo de elogio para uma atriz que, diante disso, obrigatoriamente deve estudar para
entender as intenções do autor e deve, necessariamente, mudar a cada vez que tiver que
se adaptar às várias personalidade. Em contraposição ao espaço permitido pelos velhos
tipos, o ator moderno terá a possibilidade de se tornar o intérprete de pessoas e assim
passar a criar, ao variar de acordo com a individualidade de cada pessoa-personagem.
Mas, isso não basta. Pode acontecer que o componente pessoal do ator o acompanhe,
mesmo ao mudar de personagem. E este problema será enfrentado várias vezes por
D’Amico que, ainda sobre Maria Melato afirmava em seguida: Maria Melato tem uma
máscara; tem uma voz; e tem uma vaga e atormentada sensibilidade feminina... Por ser
dotada de meios tão vastos, fica muito difícil para ela conseguir se despojar deles, e
usá-los com extrema moderação. 118
69

Apenas nos textos destinados, em primeira instância, a chamar a atenção dos atores
para a necessária pesquisa de um estilo pessoal, é que a questão de sobrepujar o espírito
do autor com os atributos pessoais adquire menor peso. Porém, o determinismo da
fidelidade do ator no pensamento damiceano estará presente no próprio Tramonto, onde
D’Amico afirmará a respeito de Vera Vergani:

Canastrões e divos só pensam em afirmar violentamente, às custas do


autor, o que chamam de personalidade própria. Vera Vergani pensa muito
pouco nisso. Parece que, por excesso de dedicação e de humildade, tenha
renunciado a revelar-se a si própria. Interpreta tudo bem... Mas,
freqüentemente, nas suas fidelíssimas interpretações, pouco se percebe a
diferença entre o que ela gosta demais e o que gosta de menos. Se os outros
são prepotentes, em detrimento do pobre autor, Vera Vergani é muito
remissiva, e diríamos, passiva. Ser ator significa manifestar a si mesmo nos
limites traçados pelo poeta dramático. Vera Vergani, observadora
escrupulosa daqueles limites, ainda se manifesta de modo fraco demais
dentro deles.(p. 143)
E no mesmo artigo, D’Amico adverte para as repercussões que poderão trazer estas
suas palavras, aparentemente contraditórias: Mas vejam o que é a insatisfação dos
críticos. Quando nos encontramos diante da diligência e da bravura de uma ótima
atriz, acabamos por pedir a ela que seja um pouquinho infiel, e que, às vezes, interprete
mal.(p. 144)
Que a busca de um estilo para o ator (que se encontraria mais uma vez entre as
variações e fidelidade) não era um trabalho de fácil resolução, inclusive teórica,
D’Amico sabia muito bem e já ao introduzir o seu ensaio Maschere ia dizendo que a
crítica não pode criar e nem fecundar uma arte nova. Que também por parte dos atores
interessados nas mudanças, a dificuldade fosse bastante significativa por se tratar de um
momento de cortes e de condenações ao repertório interpretativo tradicional em suas
derivações extravagantes, as próprias crônicas de D’Amico também podem confirmar.
Observando as considerações que ele faz sobre a interpretação de Emma Gramatica, por
exemplo, nota-se as advertências às “escolhas” do ator na composição do personagem,
que geralmente recaem nos aspectos mais sintonizados com o seu temperamento
individual. Todavia, esta tendência natural deve ser cuidada no sentido de servir
totalmente ao personagem.
No entanto, o fato mais significativo é que, o trabalho com um repertório moderno,
que segundo D’Amico oferece ao ator o trabalho com personagens e não com tipos
genéricos, pode estabelecer com o ator um tipo de relacionamento de “afinidade
natural” onde, a descoberta de uma “caracterização” adequada (tanto para o personagem
quanto para o ator) pode contribuir com sinais “definitivos” para a carreira do intérprete
70

que, erradamente, são confundidos com um estilo pessoal do ator e, por sua vez,
restringem o espaço da necessária “variabilidade”. Falando ainda mais sobre Emma
Gramatica, D’Amico afirma:

Mas a sua satisfação com estas tonalidades e com estes abandonos


(maior ainda do que costuma acontecer com quase todos os outros atores),
acabou por conferir à sua dicção um arrastar doloroso sempre igual que,
com o tempo, se torna monótono. Pior ainda: a ela também ocorreu, como
a tantos outros (Novelli com o seu “Burbero benéfico”, Zacconi com o seu
pseudo “Osvaldo, Ruggeri com “Aligi”), de encontrar-se numa caricatura
cênica que, por natural afinidade com as suas qualidades pessoais,
positivas e negativas, deixou marcas indeléveis na sua interpretação. Este
personagem, infelizmente, foi Lisa, a pequena florista de “Pigmalione”, no
qual Emma Gramatica encontrou precisamente a razão daquelas suas notas
infantilmente arrastadas, chegando às raias de um “veríssimo”
desagradável... Por hábito, infelizmente, derivaram aquelas feias cadências
entediadas, por vezes, negativamente meridionais, que raramente não
desfiguram o seu elóquio de modo tão desagradável.119
A “resolução” deste delicado problema (da criação de um estilo de interpretação
que traduza o espírito do autor e a personalidade do intérprete) será transferida, como se
verá, para a competência do diretor, mesmo que as propostas de D’Amico não excluam
totalmente o que ele chama de uso e disciplina da tradicional virtude mimética por parte
dos atores italianos. Deve-se dizer, no entanto, que a figura de uma grande atriz é que
vai oferecer a D’Amico a definição de um possível modelo de interpretação do ponto de
vista da fidelidade: Eleonora Duse.
Também aqui o problema do estabelecimento de um “modelo” de interpretação para
os atores não é de fácil solução e suas considerações acabam quase sempre em
sugestões subordinadas a uma total admiração.120 E este será o caso de Eleonora Duse.
A base de suas inúmeras observações sobre esta possível “atriz-modelo” está assentada
no princípio do seu trabalho partir sempre de sua pressuposta anulação.
A histórica “resposta” que a Duse teria dado à Sarah Bernhardt (que na tournée pela
Itália em 1922, sustentava que Eleonora jamais criara personagem algum), é usada com
freqüência por D’Amico, que a reproduz na introdução aos comentários dos seus
espetáculos e também no Tramonto, em parte especialmente dedicada à atriz:

Mas “eu rejeito”, escreveu, escreveu uma vez a Duse, com palavras que
deveriam ser gravadas em todos os palcos italianos, “ser a virtuosa que se
gaba de suas habilidades; desprezo colocar o meu sucesso pessoal acima
da obra; porque o intérprete de uma obra atualmente, deve ser apenas um
colaborador fiel, atento, esforçando-se para transmitir ao público a criação
de um poeta sem deformá-la. Disseram que em meu repertório não criei
nenhum novo personagem. Este é o meu maior elogio.(pp. 45-6)
71

Esta retomada das palavras de Duse (que, segundo ele, deveriam talvez ser inscritas
em todos os teatros) é feita por D’Amico já em 1922. Comentando a sua interpretação
nos Spettri (Os espectros), de Ibsen, cuja crítica, como sempre, é introduzida com
considerações em torno do texto (das mais teóricas, históricas até as descrições da
trama), D’Amico em seguida comenta a apresentação, fazendo observações sobre a
interpretação dos atores. O fato é que neste comentário específico ao discorrer sobre a
Duse, D’Amico passa da discussão do drama para a interpretação imediatamente: Até
aqui falamos da Helena de Ibsen. Portanto falamos de Eleonora Duse.121
E será ainda justamente dentro do circuito ibseniano que D’Amico conferirá à Duse
o papel de “mestra”, propondo aos demais atores jovens que queiram se sedimentar com
Ibsen, estudar a dicção de Duse. É neste sentido que se pode compreender a
“variedade” do ator com um estilo pessoal verificado na composição de cada
personagem, mesmo dentro de um repertório limitado. Mais adiante se verá como esta
proposta conduzirá à visão de interpretações adequadas a cada ator. Por enquanto, deve-
se analisar o que é considerado por D’Amico como a marca registrada de Duse,
intérprete de Ibsen. Assegurando fidelidade ao autor, num percurso de variações que
constituem precisamente o seu estilo (possivelmente a ser transformado num modelo a
ser seguido), D’Amico prossegue o seu discurso:

O que naturalmente não quer dizer que a Duse não tenha uma
personalidade sua, magnífica, inesquecível. Ah, meu Deus! A Duse é, para
a glória da arte e consolo nosso, a Duse. Mas esta personalidade, ela
manifesta como deve fazer um intérprete, através dos autores interpretados,
não se sobrepondo a eles. O que é, além do mais, para um ator, o único e
verdadeiro modo de criar. Assim Helena Alving não é a dolorosa mãe
burguesa da “Porta Chiusa” (Porta fechada), não é a piedosa mãe popular
de “Cosi sai” (Assim seja).122
Assim se nota que o interprete moderno não associa o seu nome ao de uma
personagem (a acusação de Sarah Bernhardt) mas a um autor e cujo o espírito se
mantém fiel, ao mesmo tempo em que, variando a cada personagem, contribui com a
sua marca pessoal. Certamente este seria o caso de um exemplo ideal, que para
D’Amico é a Duse. Para os outros casos, inclusive para os atores que possuem dotes
geniais, só resta a composição atenta que não faça prevalecer o “temperamento
individual”, tanto no abuso quanto no aniquilamento total, mesmo que uma
característica pessoal permaneça sempre como pano de fundo de cada interpretação.
Vejamos agora uma descrição de D’Amico sobre a arte da Duse, intérprete de
Ibsen, para poder examinar mais concretamente este exemplo de conjugação da
presença da personalidade do ator com a fidelidade ao texto. Ao mesmo tempo, a
72

descrição da interpretação-modelo da Duse nos permite verificar mais detalhadamente


as suas possíveis indicações para a proposta de uma nova interpretação. Em maio de
1921, depois de uma longa ausência, a Duse volta à cena como La donna del mare (A
dama do mar), de Ibsen.123 Os comentários de D’Amico são plenos de sugestões sobre
dicção e gestual. Vejamos, primeiramente, suas observações sobre dicção:
Como falava? Ah, isto é difícil, é impossível repetir. E quem não a
ouviu, não conseguirá imaginar, mesmo com todas as comparações e todos
os apelos às atrizes mais conhecidas que a imitaram e a imitam. Falava...
como todas as mulheres falam na vida e como nenhuma fala: com uma
verdade tão simples e fresca, que o seu elóquio parecia o mais fácil e
natural do mundo. Não era arte, mas vida, vida de todos os dias; e todavia
aquelas suas frases, que tomadas uma a uma parecem — apesar de pouco a
pouco construírem o drama — tão comuns e quase indiferentes, eram uma
melodia de tons ligeiros, fugazes, aéreos; sopros de um espírito exalando,
em tênue canto, uma inquietude sem repouso; ansiando por um infinito,
indizível bem.
Por um momento se pode recordar a conhecida frase da boa
empregada de um nosso grande e querido ator vêneto que, tendo ido,
apenas uma vez, assistir a interpretação de seu patrão, e interrogado sobre
a impressão que tivera, respondeu: —Nenhuma impressão. Ele fala como se
estivesse em casa! Elogio tão grande quanto instintivo porque, da ribalta,
para dar a impressão da mais pura verdade, é necessária uma arte quase
sobre-humana... Aquele que se mantiver a escutá-la, mesmo que por
algumas cenas apenas, deixará de perceber que, pouco a pouco, de sua leve
e pudica agilidade de tons, se compõe toda uma terna música espiritual.
Todas as palavras mais simples, no seu elóquio, revelam uma por uma
aquilo de essencial que nelas está adormecido e juntas se elevam num novo
significado arcano.
A Duse fala com muita leveza: na aparência com o tom familiar que na
vida serve também às confissões mais graves e solenes: na verdade, com
aquela sutil, misteriosa harmonia de palavras se elevando em direção ao
infinito. E nós, ouvindo-a, nos damos conta extasiados que nenhum áspero
“chiaro-scuri”, nenhum acento taciturno, nenhum grito poderia conseguir,
com a sua violência exterior, uma parte mínima do divino efeito musical
que preenche a nossa alma quando o conto termina.
Ela dava realmente às suas frases, num contínuo e suave abandono de
si mesma, um sentido indeterminado, vago, longínquo, marinheiro. O
imenso público dominical seguiu aquela sua voz aérea, mesmo nos matizes
mais tênues, aparentemente, sempre com a atenção máxima e que, no
entanto, crescia de ato em ato até chegar ao espasmo.124
A “dicção”, alicerce da nova maneira de interpretar, é uma questão essencial para
D’Amico, na medida em que ele a associa diretamente à sua visão da palavra com base
no teatro de poesia. Mas, aqui também, em nível do trabalho dos atores, D’Amico
procura esclarecer sua defesa de uma “dicção poética”.
Assim como, em nível do texto dramático, sua crítica ao idealismo e ao naturalismo
“verista” dos últimos anos havia proposto uma espécie de realidade sintetizada em
73

poesia, agora, para o ator, ele solicita o abandono da dicção “verista” (que despedaça a
palavra em ímpetos exagerados, quando não a anulava transformando-a em balbucios).
Mas este espaço abandonado não é preenchido por D’Amico com uma proposta de
interpretação lírica que poderia distanciar a fala teatral daquele de “todos os dias”. Para
este tipo de problema sobressaem as suas indicações sobre as possibilidades oferecidas
por um autor como Ibsen que elabora uma poesia trágica através da linguagem falada
comum.125 Por sua vez, suas avaliações da interpretação de Ruggero Ruggeri, por
exemplo, permite que nos afastemos de um possível entendimento equivocado sobre sua
defesa da dicção poética. De fato, D’Amico dirá que Ruggero Ruggeri sofreu demais a
influência de uma formação no que ele chama de teatro viciado de hendecassílabos.126
Em Ruggero, por exemplo, a interpretação do personagem Aligi, da Figlia di Iorio (A
filha de Iorio) de D’Annunzio, se mantém em todas as suas atuações posteriores:

Sofreu a influência do chamado teatro de poesia, cantado em versos: e


todos sabem o que significou para a sua personalidade ter dito centenas de
vezes a cantilena de “Aligi”. A sua aristocrática leveza, o seu natural
horror ao histrionismo, a sua predileção pelos meios simples, compuseram
o seu gesto numa sobriedade às vezes um pouco lânguida, às vezes
elegantemente estilizada.127
As crônicas e os ensaios sobre a figura de Ruggeri demonstram que a defesa de um
teatro poético por parte de D’Amico não se confunde com uma proposta de drama
versificado, ou com uma interpretação em hendecassílabos. A sua admiração por
Ruggeri, devido ao fato dele ter elaborado uma formação própria, um estilo diverso do
tradicional, não omite uma crítica à permanência das intenções declamatórias. No
ensaio Maschere, de 1914, o texto Os faladores de versos aparece num apêndice em que
ele procura delimitar as fronteiras entre poesia lírica e dramática, música e poesia, em
clara polêmica com as propostas que tendem a transportar o teatro, não só os vícios dos
“faladores de versos” mas também o próprio modelo de interpretação estilizada e
declamada da poesia lírica.
Como se vê, aqui também, o trabalho do ator deve encontrar uma dicção que
consiga cumprir esta elevação do cotidiano a um espírito poético e que não deve ser
confundida com o imediatismo presente, tanto das propostas do drama versificado,
quando nas declamações estilizadas.
Com a Duse e com Ibsen, portanto, D’Amico percebe o espaço ideal para a
interpretação moderna. Se para a Duse interpretar um poeta somente a dicção era
suficiente e exuberante; se ela possuía o dom de extrair da palavra a sua mais secreta e
perfumada essência, de elevar cada vocábulo a uma significação lírica (pp. 47-8); por
74

sua vez, com Ibsen não se declama e, pelo menos aparentemente, não se canta. Se fala.
Mas, na realidade, um canto se exprime, ou quer se exprimir, através daquelas
palavras ‘prosaicas’.128
Com a intenção de conceber uma proposta de interpretação (não tanto em forma de
regras, como já foi dito, mas através de insistentes indicações e sugestões), a reflexão
central de D’Amico se desenvolve em torno de uma dicção poética que não deve se
confundir, graças a criação de um espaço delimitado, nem com a declamação lírica e
muito menos com o “verismo” naturalista, com o qual vinham se identificando os
últimos exemplares da geração dos grandes atores. Na tentativa de definir o lugar
conferido por D’Amico à dicção poética, distante da pura declamação lírica, em versos
ou não, concluímos por uma espécie de proposta de “realismo” interpretativo que
estabelece uma relação evocativa com esta realidade, num modo de interpretar que toma
do cotidiano somente aquilo que pode adquirir um valor humano mais geral.
Foi dito anteriormente que este momento de mudanças nas propostas em torno do
repertório interpretativo italiano — com maior ênfase em retirar do que em construir um
novo conjunto de regras e instrumentos — deveria apresentar inúmeros incômodos aos
atores. Neste sentido, os testemunhos deixados sobre o grande ator “realista” Zacconi
são de grande importância. O texto de D’Amico que comenta, por exemplo, a tentativa
de passagem de um estilo para o outro, é rico de sugestões:

Ermete Zacconi, como todos sabem, de perfeito falador de prosa que foi
há um tempo, se tornou cada vez mais exagerado e empolado... É inclusive
insuportável como falador de versos que ele recita a seu modo realístico,
sem abandonos líricos e nem métricos... Zacconi acreditou realizar a poesia
do drama recitando em versos. Ai de mim! Não obstante os versos, falava
em prosa. Pensava em prosa. Cometia o seu delito em prosa; se
desesperava em prosa. Mas, como estava vestido daquele modo e passeava
entre aqueles cenários e torneava as frases com aqueles hendecassílabos,
tudo isso terminava por parecer uma armadura pseudo-poética, ultra
entediante, que pesava como uma ferrugem de falsidade sobre a obra e sua
execução; quê sensação de sufocamento! ... toda essa angústia, todo esse
pavor, todo esse trágico horror, ficaram descoloridos e dissolvidos nas
mesmices acinzentadas dos versos pálidos, declamados com fraca e
monótona acentuação, sem raio algum de poesia.129
Tendo delimitado o espaço da proposta de interpretação poética damiceana, resta
verificar sua possível persistência no trajeto de seus discípulos. Não parece casual o fato
de Ruggero Jacobbi, justamente ao falar da interpretação brasileira, fazer referências à
contribuição do “realismo à italiana” em contraposição à tradição declamatória de
influência francesa e ao “verismo” exageradamente naturalista de nossos virtuosos
atores das pochades:
75

Agora, o realismo à italiana que nós estávamos fabricando, tentando


fazer... Como outros o fizeram na Itália, não o fizemos no Brasil mas,
absorvendo outros fatores nacionais brasileiros... Isto teve como resultado
uma maneira de ser... Mas, naquele momento, tinha uma grande força
porque permitia fazer os clássicos sem declamação, realisticamente. Não há
nada que seja mais infenso ao brasileiro que a declamação. Declamador
vira logo, no Brasil, membro do Clube das Vitórias-Régias de Boa
Memória... Podia-se fazer os clássicos sem declamação, sem solenidade...
Podia-se fazer o teatro de “boulevard” sem repetir sempre os mesmos
cacoetes pois você, procurando uma realidade, não pode refazer
continuamente o mesmo repertório de gestos convencionais. Permitia,
sobretudo, fazer textos (como, por exemplo, os textos americanos da época)
de grande realismo (Tennessee Williams, Arthur Miller e mesmo, depois
deles, Tchekov), de uma maneira não convencional.130
E Adolfo Celi — que em suas recordações da época de formação insiste na
importância da influência, na Itália, do realismo poético do cinema americano,
emergente naqueles anos — também oferece a lembrança de um trabalho seu com um
ator brasileiro, preocupado centralmente em trazer de volta à realidade uma forma de
interpretar carregada de “lirismo excessivo”:

Com Sérgio Cardoso fiz um trabalho incrível. O trabalho que ele


realizou na interpretação do “pai” nos “Seis personagens” foi também
uma coisa maravilhosa. Ele era muito apegado, fechado mesmo, num
trabalho que havia feito em “Hamlet” Era algo lírico-absurdo. Lembra um
pouco o que hoje faz Carmelo Bene, com outros parâmetros... Tudo fora da
realidade. Tudo centrado na vocalidade. Tudo fora... E eu tive que trazê-lo
a esta realidade.131
A insistência em descaracterizar esse “lirismo excessivo” trazendo a interpretação
de volta à realidade corria o risco de se deparar com o espaço ainda aberto e ocupado
pelos exemplares daquele “realismo científico”, como dizia D’Amico, e contra o qual as
suas crônicas e seus ensaios são exemplares. Ao confrontar a realidade do teatro italiano
dominada pela tradição do grande ator, cuja interpretação tendia para uma intensificação
das qualidades técnicas (mímica, dicção, fisionomia, gesto), com aquilo que ele
propunha como “versatilidade” associada a uma preparação cultural em nível de
repertório e estudo dos vários personagens, os textos de D’Amico são um reflexo
crítico, sobretudo, de uma interpretação que deveria ser combatida. No que diz respeito
especificamente à dicção, são lembradas as suas críticas freqüentes à degeneração deste
excesso de técnica quando aplicado ao repertório naturalista. As suas críticas, neste
sentido, partem das acusações aos “cortes” feitos a trechos inteiros do texto, à alteração
das sílabas, à dicção convulsiva, às invenções (cacos) improvisadas que podem suscitar
o aplauso da platéia mas que alteram completamente o sentido do drama.
76

Mas certamente D’Amico conhece os elogios feitos ao “colorido”, a toda a gama de


tonalidades da palavra estendidas ao trabalho interpretativo, por toda a duração da
representação e que são incumbências do ator, ao levar o seu personagem do início ao
fim do drama. A composição da dicção do personagem deve ser adequada à “tonalidade
geral”. Através de uma espécie de diluição (na medida em que faz parte de um todo que
tem um ritmo próprio), a dicção percorre um trajeto progressivo exigindo a atenção à
revelação do drama e não se esgota no próprio personagem. Nestes parâmetros, não tem
mais sentido as mudanças rápidas de contraste imediatos, com passagens de tons feitas
numa só frase e que revelam imediatamente o virtuosismo do ator em detrimento do
desenvolvimento progressivo, dramático, do personagem. Contra a evidência dos
contrastes exteriores está a dramaticidade do subentendido.

Assim como buscamos captar a visão de Silvio D’Amico em relação à voz no


trabalho do ator, faremos o mesmo com a descrição damiceana de uma “interpretação
ideal”, como é a de Eleonora Duse, para procurar extrair as suas sugestões a respeito do
gestual, sem deixar de relacionar as considerações específicas ali contidas com outros
exemplos que se encontram em suas crônicas e em seus ensaios mais significativos
sobre a arte do ator.

Ela, absolutamente, se negou a destacar qualquer golpe de cena, a


contrastar por meio de fortes “chiaro-scuri” as luzes e as sombras. Ela
realiza a integração cênica quase que exclusivamente através da fiel dicção
das palavras do poeta. Basta, para a sua arte, pronunciar estas palavras,
para que o drama se exprima através delas.
Diante desta narração Ellida tem um sobressalto: — reconheceu o seu
noivo no marinheiro, a si mesma na mulher infiel. Pensem no que é que
qualquer atriz julgaria dever retirar disso para realizar, cenicamente, uma
forte reação, para criar a primeira, essencial, impressão no público
daquelas que na nossa vida civil, mesmo nos momentos de máxima
comoção, não ocorrem ou ocorrem de maneira bastante atenuada, mas que
todos, no teatro, aceitamos por uma daquelas convenções... pois bem, A
Duse sobressalta-se com tanta suavidade! Como, justamente, acontece na
vida. E, no entanto, aquele seu ligeiro aceno, aquele seu lento levantar-se,
aquela sua mudança de assunto, absorvida pela terrível idéia nova, nos
tocam e nos fazem tremer infinitamente mais do que qualquer careta de
rostos congestionados.
Cenas que outro qualquer marcaria com sinais bem nítidos e
destacados. A Duse vê o incógnito aparecer e desaparecer como um sonho.
É o seu pesadelo. O seu pensamento — como a maré, diz Wangel — vai e
vem num fluxo e refluxo perpétuo... Durante todo o ato ela não faz senão se
debater em vão, nesta ondulação entre o fascínio e, ao mesmo tempo, o
medo do desconhecido. É um tremor ansioso, mas que se exprime em frases
esmaecidas e ligeiras. 132
77

Certamente, o que se coloca em relevo através do gestual ideal do ator é a revelação


de um drama interior, feita predominantemente através de evocações e sugestões, e não
mediante a utilização do gestual da evidência. E, em primeiro lugar, a dicção e o gesto
submetidos à expressão de uma problemática espiritual (determinada pela estória do
personagem ou do drama) e não servindo como instrumentos aptos a demonstrar as
capacidades técnicas, tomadas em sentido tradicional.
Também a pesquisa de um novo repertório de gestos deve refazer tanto a tradição
lírica quanto a tradição dos cômicos histriões. Na busca de uma interpretação que se
posicione frente a estes dois repertórios, os textos de Silvio D’Amico, mesmo em nível
de simples sugestões ao gestual dos atores, não descuidam os comentários mais
rigorosos àquela parte que deveria ser definitivamente abandonada. Como já foi
mencionado, trata-se de encontrar os possíveis espaços para o estabelecimento de novas
propostas criativas diante de tantas considerações negativas sobre a persistência de uma
tradição que estava se degenerando. No conjunto dos seus textos se destaca a proposta
de uma “naturalidade” de comportamento gestual que remete aquele falar de todos os
dias, já assinalado para a dicção. Esta naturalidade, mesmo não definida com clareza, é
contraposta, por D’Amico, à estilização da interpretação lírica e ao convencionalismo
do repertório cômico. Vejamos, a título de exemplo, duas referências basilares: uma a
Novelli (com duas interpretações de Shakespeare) e uma a Ruggeri (também sobre
Shakespeare).
A primeira crônica sobre o trabalho de Novelli que trata de O mercador de Veneza
apresenta dois momentos importantes. Primeiro nos descreve a interpretação de Novelli
do personagem Shylock, analisando, passo à passo, o gestual interpretativo. Ao final,
resulta que, sem dúvida alguma, não se pode avaliar, isoladamente, os recursos técnicos
deste grande ator:

Maquiagem, figurino, atitudes, fala, tudo é perfeito em Novelli quando


encarna Shylock. A mobilidade da sua máscara facial talvez não seja
explorada por ele de maneira mais variada e potente, que nesta
interpretação. Os seus olhares se tornam, a cada momento, cúpidos,
desdenhosos, duvidosos, suspeitosos, submissos, vis, astutos, ásperos,
selvagens. Aquelas duas rugas que lhe correm das narinas até os ângulos
da boca, na sua careta mais habitual, ele consegue imprimi-las profunda e
duramente, até conseguir dar um pavoroso sentido de terror judaico. E
consegue curvar sua alta estatura até conseguir fazer de sua pessoa uma
pobre e abjeta coisa rastejante, se agacha nos degraus de sua casa ou do
tribunal como um monte de farrapos, se abate por terra, gemendo e
imprecando como se tivesse sido abalado e infringido no íntimo de seu ser.
Também o seu raivoso arrastar dos “erres” confere a toda a sua linguagem
um quê de rouca vontade inimiga, vingativa... Tudo isto prova que Novelli
78

intuiu e estudou milagrosamente. Porém não chega a realizá-lo com a


devida fidelidade aos sinais com os quais Shakespeare o fixou... No entanto,
o núcleo do papel, Novelli o reconstitui à sua maneira... E também aqui
parece confiar, pelo menos em parte, nos “achados” mais ou menos
imediatos e na chamada improvisação. Há, de fato, cenas inteiras desta sua
interpretação que ele realiza quase sem palavras, com murmúrios, com
resmungos, com estrépitos e rugidos surdos.133
Em primeira instância, se destaca na descrição a crítica a uma interpretação que não
deve ser confundida com a que freqüentemente utiliza todos e tantos signos gestuais,
colhidos na citada tradição “mimética” dos atores italianos e destinada à sobreposição
da realidade. Apesar de tudo, para D’Amico, Shylock está diante de nós. D’Amico nos
diz que Novelli intuiu e estudou.134 O que prevalece nesta crônica não são as críticas à
utilização desta técnica minuciosa, detalhada, que se estende às múltiplas variações,
inclusive faciais e que quase sempre tendem a reforçar na interpretação a demonstração
do virtuosismo do ator. Mesmo oferecendo uma atenta descrição do repertório gestual, o
essencial da crônica de D’Amico, neste caso, é a demonstração de como o repertório de
gestos de um “tipo” ou de uma “máscara”, construídos com muita exatidão, fica
descabido quando aplicado a contextos não adequados, como seria a interpretação de
um personagem do drama moderno:

Mas, no entanto, a conseqüência de tudo isso é que o caráter de


Shylock, mesmo evidente, permanece num certo sentido “imóvel”: ali onde
Shakespeare, que não é Ésquilo, não fez dele uma estátua falante, mas o
colocou muito bem em ação, elaborando-o dramaticamente... Ora estas
explicações e gradações psicológicas, esta progressiva “revelação” do seu
caráter, cena a cena, esta ascensão de Shylock até o ápice de sua ira e esta
queda na derrota, Novelli não nos dá na dinâmica do personagem.135
As crônicas de D’Amico que atestam as preocupações em chamar atenção para o
fato que um personagem não deve ser mostrado por inteiro desde o primeiro ato mas
que, pelo contrário, tem uma estória que se desenvolve dramaticamente, sendo revelado
pouco a pouco em toda a sua grandeza, são inumeráveis. Certamente, os trabalhos de
interpretações de personagens shakespearianos, onde a identificação entre o
desenvolvimento do drama e do personagem adquire valor muito evidente, constituem
momentos mais propícios para a defesa de uma proposta de interpretação que deve levar
em conta diversos componentes. Neste sentido, as considerações de D’Amico
ultrapassam uma crítica simplista que atenta somente para as traições ao texto original e
oferecem descrições e comentários detalhados para a atuação de cada ator com respeito
a cada drama. Nesta medida, ele nos faz observar que a apresentação total do
personagem, desde a primeira cena, coloca em relevo o aspecto do interesse material da
intriga, fazendo ocorrer em menor escala o “interesse psicológico” que se revela
79

necessariamente pouco a pouco e em relação a outros personagens. Ao invés de mostrar


as características do personagem — o que, quase sempre, se confunde com
demonstração de dotes pessoais — a interpretação do ator deveria significar uma
gradual revelação de uma dramaticidade interior, um valor maior, quanto mais o ator
conseguisse sintetizá-la numa naturalidade que não deveria ser nem esquematização
(digna apenas das caricaturas exteriores, sem explicações de intimidade psicológica),
nem reprodução naturalista do real (pois, o convencionalismo teatral tende a fracionar o
“realismo interpretativo” em detalhes e minúcias que não correspondem à busca de uma
síntese evocativa, de uma essência que é poética).
Neste sentido as observações de D’Amico sobre a arte de Guitry são, como no caso
de Duse, bastante paradigmáticas como a descrição de uma interpretação “alternativa”
ao repertório gestual tradicional:

Já quase velho, talvez um pouco demais, no primeiro ato, mostra e


agrava a veloz decadência física e moral cena à cena, num crescendo de
profunda piedade. O abandono às ilusões e depois o abandono das ilusões,
a dilaceração íntima, o aviltamento, a ira e a loucura nele se sucedem,
dando ao artista a oportunidade de revelar tesouros de psicologia viva... E
seguimos somente ele, o artista, não executor, mas verdadeiramente
criador, no tipo que ele forja. E, mais ainda que no tipo, nos sentimentos
que ele exprime: com simplicidade de meios, espontaneidade de elóquio,
naturalidade de acentos, sobriedade de mímica, não muito freqüentes, é
certo, entre os velhos atores franceses: e, ao mesmo tempo, com um
acabamento desconhecido dos nossos atores. Aquilo que Ermete Novelli —
que teve também extraordinárias qualidades de mímico senão de intérprete
— exprimiria com uma grande careta no seu vivaz jogo de todos os
músculos faciais, Guitry o exprime com um leve fechamento de pálpebras,
com uma tênue contração dos lábios mobilíssimos. Ele tem, junto à arte do
falar simples, a arte de fazer compreender o não dito: a arte da pausa.136
Certamente esta sobriedade mímica sublinhada e comparada não significa
absolutamente “palidez”. pelo contrário, D’Amico, ao observar a criação de Guitry e de
toda a companhia faz notar a capacidade da verdadeira criação interpretativa que
acentua e preenche de significados as criaturas originalmente “angulosas” de Bernstein.
E demonstra, ao comentar um outro trabalho de Guitry, que a natural sobriedade não
deve vir em detrimento de possíveis variações:

Como corriam claras, incisivas e sonoras as frases da bela língua


latina, na móvel e nobre boca, como a fisionomia passava por toda
gradação de cada sentimento, num jogo tão variado quanto sóbrio e
espontâneo; como a grande pessoa se portava com aparente inconsciência,
com majestade patrícia!137
Nesta tentativa de encontrar em D’Amico as possíveis indicações para a nova
interpretação dos atores, confirmamos que o conjunto de suas crônicas e de seus ensaios
80

constituiu-se fundamentalmente num trabalho de “luta” contra os vícios interpretativos


de um repertório transmitido pela tradição e não tanto num trabalho de “mestre”
empenhado em elaborar um corpus de regras alternativas, um repertório, em suma,
daquela que deveria vir a ser a interpretação do ator moderno. Trabalho que, como já
dissemos, ele mesmo não se propôs a fazer no conjunto destes textos. O que se pode
destacar, no entanto, é que as suas crônicas (e os seus ensaios dedicados à interpretação
dos atores, recolhidos tanto nas Maschere como no Tramonto, são quase sempre
reelaborações das crônicas em forma mais sistemática) seja na condenação aos vícios
daquela parte interpretativa que deveria ser “tolhida” porque era excessiva, seja nos
elogios àquelas interpretações “sóbrias e graduais”, que abrem um leque de sugestões
bastante significativas para aquelas formas de interpretação consideradas modernas.
Num primeiro momento, algumas considerações parecem indicar realmente, apenas,
a constatação da necessidade de estabelecer algumas mudanças, mais do que servir
como linhas-mestras a serem seguidas por parte dos atores. As suas indicações a
respeito da necessidade de criação de um estilo por parte do ator sofrem alterações no
conjunto de suas crônicas, que falam inicialmente na necessidade de compor um “estilo
individual” que se associe à marca da personalidade do ator, presente nas variações
exigidas pelos personagens, sem exceder ao texto e sem se anular demais. É ditado
comum, falar que a boa interpretação do ator está sempre vinculada a uma necessária
“afinidade” entre ator e personagem e, neste sentido, se compreendem as asserções de
D’Amico em relação a escolha do repertório e a personalidade do ator. Tanto os elogios
como as críticas às tentativas de mudanças por parte de determinados atores mostram
que, por um longo período, estes foram os critérios que guiariam seus comentários.
Num segundo momento, as suas considerações se transformaram em verdadeiras
sugestões para a definição de um estilo por parte das companhias e não mais dos atores.
Em suas numerosas avaliações dos trabalhos teatrais das companhias nacionais e
estrangeiras, D’Amico constata a ausência, naquela época, dos “grandes intérpretes”,
mas ali onde existem os cuidados com a montagem e com um estilo, o teatro se salva e
para este caso ele se pergunta como pedir um estilo à companhia italiana que, com os
mesmos atores hoje interpreta De Flers, amanhã levanta Hamlet e depois de amanhã
138
D’Annunzio. A resposta mais sistemática parece ser dada num artigo escrito em
Paris, onde D’Amico participava de um Congresso em que a discussão sobre a mise-en-
scène teria dado o tom dominante:

Isto é: desaparecidas quase que por completo as personalidades dos


chamados grandes atores, o teatro moderno se transformou; a antiga
81

província dos “mattatori” tornou-se o reino dos “metteurs-en-scène”... E


voltaremos portanto a discutir pela trigésima vez, se for necessário se é
verdade que o “metteur-en-scène”, sucedendo-se ao “mattatore”, ameaça
se tornar um déspota mais feroz que aquele de ontem (para nos alarmar
basta conhecer, não diríamos, os extremistas Craig e Tairov, mas os
moderados, Pitoëff e Baty)... É necessário, ao contrário, encontrá-lo entre
nós. Mas por isso, justamente, precisamos de quem os ache. Não é possível
acreditar que na Itália, a matéria prima, ou seja a virtude mímica de uma
raça que nesse campo conservou a supremacia por mais de dois milênios,
agora tenha se exaurido e desaparecido de repente por um capricho da
natureza... O que nos falta não é material — homem; é o senso moderno, é
a escola inteligente, é o estilo.139
As frases com que D’Amico responde à polêmica aberta pelo velho ator Zacconi —
que se encontra numa situação “incômoda” nos anos 30 — confirmam que, para ele a
figura do diretor aparece, pouco a pouco, mesmo que de modo não tão claro e explícito,
como sendo a indicação da estrada da nova interpretação: colhendo esta rica tradição
sob uma forma estilística com qual deve preencher suas encenações. Em 1930, o velho
ator Zacconi, preocupado com o aparecimento de um novo “ordenador”, escreve um
artigo onde ressalta na defesa do grande ator, a sua morte, ocorrida após o surgimento
do “mestre de cena”, que em nome do espetáculo, esquece os atores. Através dele, o
teatro tornou-se um salão, um museu, uma galeria cheia de coisas preciosas, belas,
refinadas. Mas está vazio.140
A resposta de D’Amico importa aqui justamente porque já delineia melhor a
incumbência fundamental do diretor, inclusive em relação à interpretação:

“Encenação” (de colocar em cena) não significa nada mais que o


complexo da interpretação cênica; cuja base continua sendo a
interpretação, servida pelo aparato cênico, pelas luzes, e por todo o resto.
De Antoine à Stanislawski, de Craig à Copeau, de Pitoëff à Tairov, todos os
diretores modernos ou provêm da fileira dos atores ou, pelo menos, são
técnicos da dicção e do gesto. Um mestre de cena deve ser, em primeiro
lugar, um mestre de interpretação; e, depois, de tudo o que ocorre para a
interpretação. 141
Como se vê, seu discurso tende a se esclarecer. Emerge a idéia que este “recolher” a
genial mas desordenada tradição interpretativa, sob a disciplina de um estilo, é
incumbência de um técnico, que se tornou, a esta altura, uma presença muito concreta e
específica: o “sentido moderno” não basta, é preciso o material humano. Para
demonstrar a imperiosa necessidade desta presença na Itália, D’Amico não se recusa a
utilizar exemplos bastante contundentes, diante de uma realidade italiana que parece se
manter inquietante mas sempre “atrasada”; e assim continua a sua resposta a Zacconi:

Fusão de competência que hoje, na Itália, é um fenômeno quase


desconhecido. E que todavia, por mais que se deseje apenas um princípio
82

de reorganização da nossa desengonçadíssima cena, é necessário


pretender: à qualquer custo. Existe talvez ainda nos dias de hoje, ano de
1930 depois de Cristo e nono do Regime, alguém que acredite na
insuperável indisciplina dos italianos? A uma sua incapacidade radical
para se submeter a um chefe?142
Dissemos que D’Amico, nas vestes de cronista, não pretendia desempenhar a
função de “mestre” da nova interpretação. Foi constatado como as suas crônicas abriram
espaços bastante sugestivos nesta direção, sobretudo, atribuindo ao diretor a
incumbência de ser o verdadeiro mestre da nova interpretação. O fato é que, no âmbito
de sua Accademia Nazionale D’Arte Drammatica, através das indicações que fazia aos
professores da escola, podem ser colhidos, finalmente, os momentos mais precisos da
sua visão que, neste local, encontrava um espaço efetivamente adequado para uma
formulação mais sistemática e também para a experiência formadora do “novo mestre”.
Já em 1929 no Tramonto, quando falava da importância de uma escola, mesmo que
destinada só para atores, e comentava as realizações do Consevatórie de Musique et de
Déclamation em Paris, dizia que este servia pouco às finalidades do teatro de prosa
(pois a) ‘declamação’: o vocábulo que Firmin Gémier propôs, em vão, abolir, revela
todo o programa. No Conservatório de Paris não se formam atores modernos; são
ensinados simplesmente, segundo os antigos critérios, a dicção e o gesto.
Se tivermos em mente as palavras que norteiam e impostação de uma escola ‘ideal’
(que não era ainda a de Santa Cecília) e que, para D’Amico, tornar-se-ia realidade com
a fundação da Academia apenas em 1936, poderemos entender melhor o peso que as
suas indicações aos professores adquiriam neste momento:

A Escola de Santa Cecília é, ou ao menos deve ser, um Teatro-Escola.


Ela não se contenta em ensinar, abstratamente, a dicção. E no entanto, é
autônoma do Conservatório de Música, e deve ter um líder seu, um
professor que dê e lá aos outros professores, todos subordinados e afinados
a ele. (p. 34)
Nesta medida, ao procurar estabelecer a independência entre o drama e a música,
D’Amico rejeita a artificialidade de uma escola retórica, que poderia permanecer no
âmbito do ensino tradicional da interpretação de estilos e, num momento em que a
própria realidade italiana externa a esta escola absorvia os alunos num outro “estilo”
geralmente ultrapassado, como por exemplo o das pochades, que os fazia desaprender
tudo o que havia apreendido de bom. D’Amico propõe, além do mais, um “Teatro-
Escola” guiado por um mestre, especificamente capaz de cuidar dos problemas
dramáticos e que perceba os laços existentes entre a formação (no sentido de uma
preparação geral, tanto mais ampla quanto mais profunda) e as necessidades de
83

renovação da realidade teatral do momento. Deve-se dizer que, anos depois as sua
considerações em relação ao problema do “desaprendizado” no contato com a oferta de
trabalho serão sempre norteadas pela percepção de uma Itália ainda sem um Teatro
Novo, estável.
A impostação de D’Amico sobre a proposta de um ensino ‘não abstrato’ não se
atém somente à questão das relações entre escola e realidade, mas dirige-se à própria
especificação da formação técnica do ator, que não deve permanecer no âmbito da
dicção e do gesto:

O ensino começa aqui também pela pronuncia, pela silabação, e, ainda


do gesto, pela postura (ao que os programas oficiais gostariam de
acrescentar, justamente para dar aos jovens o hábito da desenvoltura e da
postura rítmica, lições de dança, no sentido mais austero da palavra, e,
para os homens, esgrima). Depois se passa a interpretar e a compor cenas.
E aqui, acompanhando o ensinamento técnico com o cultural, ocorre ou
deve ocorrer que o professor de História do Teatro... faça entender aos
alunos, pouco a pouco, a significação, a atmosfera, o clima daquilo que
eles apreendem da arte dos autores.(p. 35)
Nesta passagem parece esclarecida aquela sua posição — tão insistente nas crônicas
— a respeito da necessária presença de alguma coisa que precede e determina a justeza
do operar tecnicamente a interpretação; para D’Amico, é preciso “entender” a
significação da silabação e do gesto. E no espaço efetivo de uma escola de atores, esta
tarefa é de competência do professor de história do espetáculo, o qual representa a
ponte de ligação entre a “composição” feita pelos atores e a significação, atmosfera e
clima apreendida na arte dos autores.
O fato mais relevante é que, ao criar um momento de aprendizado tão significativo
na passagem do texto à interpretação (com a inserção da necessidade de aprender o
significado através do entendimento do autor, como pressupostos para a atuação dos
gestos e da dicção), D’Amico estabelece um deslocamento radical em relação ao
repertório interpretativo tradicional. Frente aquele, transmitido de geração à geração,
“externamente”, “à força de formulários” e regularizado pelo ofício dos filhos da arte,
D’Amico abre espaço para o aprendizado de um repertório interpretativo mais adequado
à dramaturgia moderna, cuja interpretação exige uma leitura aprofundada e diferente
para cada autor.
E a importância desta tarefa que D’Amico atribui à escola é confirmada pela
observação dos critérios dos exames finais, quando: Diante de uma comissão artística, a
banca interroga os candidatos sobre os motivos das entonações e dos jogos mímicos
84

que utilizaram nesta ou naquela cena; justamente para que se possa perceber que o
aluno não é um papagaio, mas sente e compreende. (p. 36)
A título de síntese, pode-se afirmar que o conjunto dos textos damiceanos — das
crônicas avaliadoras dos trabalhos dos atores às formulações mais sistemáticas sobre a
formação no espaço da escola — revela uma importante vertente de sua visão em
relação à questão da interpretação moderna: diante de uma tradição interpretativa que se
tornava cada vez menos “genial” era preciso saber colher os elementos mais
significativos para — sob a égide de um diretor ou de uma escola — “reorganizá-los”,
ou nos quadros de um “estilo de montagem” ou sob os parâmetros que os observam
como elementos não definidores mas, muitas vezes, necessários à formação sistemáticas
de um ator moderno. Os depositários desta tarefa de “reenquadramento” serão, como se
pode observar, os diretores e as escolas.
E, como os diretores e as escolas estrangeiras serão os maiores exemplares nesse
momento, o empreendimento damiceano para uma proposta de formação da
interpretação moderna adquirirá um caráter de tarefa de atualização. Sob esse aspecto, o
trajeto de Jacques Copeau — diretor e fundador de um teatro-escola — tornar-se-á o
exemplo dominante nas considerações damiceanas. Já no Tramonto, na parte dedicada à
“Arte Européia”, D’Amico escreve um capítulo dedicado a esta escola, onde transcreve
um colóquio com o mestre francês e reproduz a apreciação contida em seus dois artigos
escritos para a apresentação do Copiaus du Vieux Colombier, em Turim, em março de
1929:

Não ter jamais assistido um espetáculo do Vieux Colombier,


confessamos, é um dos arrependimentos da nossa vida... Com certeza a
iniciativa de Jacques Copeau representa, na história da cena francesa, o
que se fez de melhor, pelo menos desde o Théâtre Libre: a primeira e
fecundíssima tentativa de reação, tanto ao teatro de “boulevard” e
comercial, como ao retórico e acadêmico;... A reação do Vieux Colombier
também foi, como todas em nosso século, num sentido “antiverista”.
(p.221)
Certamente o Vieux Colombier representava o pólo positivo frente ao negativo do
grand-guignol, do qual D’Amico sempre atacara a “degeneração cientificista” e o
“realismo patológico”. O fato é que, nesse momento, Copeau poderia representar para
D’Amico, através de seu retiro no campo, um espécie de liquidação. E é com esta
preocupação que D’Amico se apresenta ao colóquio para indagar sobre algo que muito
o preocupava.
Se pensarmos na afirmação damiceana indicativa da necessidade de um “teatro
ideal” que pudesse representar uma alternativa aquele desaprendizado oferecido pela
85

realidade teatral aos alunos saídos da escola, poderemos perceber a importância que as
palavras de Copeau poderiam adquirir para ele: O Vieux Colombier fechou porque
serviu a seu propósito. Eu não o criei para passar da exceção à “regra”, da heresia à
“ortodoxia”; eu não havia começado, como se costuma fazer, da oposição para depois
chegar ao “poder”, isto é, aos teatros oficiais subvencionados ou não. (pp. 222-23)
D’Amico vinha de uma série de propostas insistentes sobre a necessidade de uma
formação mais especializada dos atores em contraposição à transmissão dos
ensinamentos feita no âmbito “estreito” da vida artística, e, de sua parte, Copeau se
achava num momento de discussão sobre o próprio significado que uma escola poderia
ter em comparação à vida. Neste sentido, deve ser vista a resposta de Copeau à pergunta
sobre a necessidade de trazer uma contribuição à renovação:
Mas esta minha obra de professor não poderia ser como a que eu
queria: porque uma educação completa do ator exige que toda a sua vida
seja dedicada à arte, e eu não podia reter os meus alunos comigo senão por
algumas horas. Era preciso que eu tivesse todos ali sempre juntos a mim,
numa espécie de colégio com presença permanente, ou comunidade
artística...
— Um Conservatório num lugarejo?
— Pelo amor de Deus, não falemos de Conservatório! No
Conservatório não se educam atores e sim papagaios. O professor
interpreta diante deles uma passagem dramática, e os alunos se esforçam
por imitá-los: é tudo. O meu método é muito diferente. Depois de ter
escolhido os meus alunos, eu me esforço para favorecer o livre
desenvolvimento de suas personalidades através de uma educação
completa, física e espiritual...
— Você me disse que esta educação cuida do físico.
— Sim, mas não no sentido vulgar... O que importa é a mobilidade,
a desenvoltura, a agilidade, a capacidade expressiva...
— E como começa a instruí-los na recitação?
— Mas eu, absolutamente, não começo pela recitação e sim pela
educação física: ginástica pura e simples, depois dança; depois, ação
dramática muda. Assim eles aprendem a se comportar segundo os
sentimentos humanos mais elementares...
— Jogos de fisionomia?
— Não só de fisionomia: da pessoa inteira! E digo mais: que para
educá-los a que se exprimam totalmente, freqüentemente faço com que
exercitem com uma máscara no rosto...
— Mas quando começam a recitar?
— Você quer dizer: começam a falar. Bem mais tarde:... com
leituras de trechos clássicos, escolhidos aqui e ali... Mas é um ensinamento
livre, agradável, vivido com alegria. São eles que compõem as primeiras
ceninhas, improvisando-as, como brincadeiras.
— Portanto, volta às origens? Farsas áticas, mimos sicilianos e
latinos, commedia dell’arte?
— Justamente: eu procuro levá-los de volta ao contato com as
forças virgens das quais nasceram o drama trágico e o cômico.(pp. 223-25)
86

O relacionamento de D’Amico com Copeau oferece uma oportunidade singular para


verificar a impostação crítica do conclamado trabalho damiceano de atualização. Os
textos que se originaram desta relação nos dão a oportunidade de acompanhar os passos
de D’Amico na direção da formação de uma escola de interpretação na Itália e
demonstram como esta atualização não foi uma tentativa de colocar a Itália em dia com
a Europa, mas sim, principalmente, uma intenção de descobrir alguns elementos que
pudessem contribuir para reforçar ou aperfeiçoar uma visão centralmente edificada
sobre a problemática determinada pela realidade teatral italiana. Neste trabalho crítico
de atualização, com respeito à questão que está sendo examinada, é exemplar o relato
que D’Amico fará do já comentado colóquio, quando escreve o artigo da crônica dos
espetáculos dos Copiaus em Turim:
Como todos os mestres de cena hoje, Copeau está persuadido de uma
verdade tão elementar, quanto, praticamente, desconhecida: que só uma
escola pode fornecer, ao novo teatro, os instrumentos que ele precisa para
sobreviver. A questão toda está em entender o significado desta palavra
suspeita e difamada, “escola”. Como os russos, Jacques Copeau a
compreende — e já procuramos explicar isso — no sentido mais
alegremente austero: de disciplina física e espiritual...
Antes mesmo de interpretar, a comunidade de Pernand, evidentemente
congregada pelo programa de servir “Domino in laetitia”, pensa em
‘viver’... E depois se passeia ao aberto, dedica-se à ginástica, cuida-se do
movimento físico da pessoa: e aqui entram em campo a rítmica, a dança, a
música, o canto. Os jovens se divertem a executar pequenas ações mudas e,
com o tempo, também a compor breves “roteiros improvisados”...
Numa escola de interpretação tão singular, a aprendizagem da
recitação, no sentido tradicional do vocábulo, ou seja da dicção, começa
tardíssimo. E não com as cenas dramáticas de sempre, onde o aluno
poderia ser tentado a repetir as entonações teatrais comuns; mas com
leituras de trechos clássicos escolhidos aqui e ali. Só no final, ao ensinar
aos seus discípulos a História do Teatro, é que o mestre lhes propõe, pouco
a pouco, a dicção de cenas dos autores que está ilustrando a eles. Em
conclusão, o objetivo supremo de Copeau é aquele pelo qual tanto e em
vão, ansiou a última Duse — a qual foi, e todos sabem, grande admiradora
do Vieux Colombier: “descanastrar” o ator, substituir à rotina do velho
ator histrião a energia fresca, feliz, nativa e, ao mesmo tempo, consciente.
Daqui a predileção pelo mimo, pela farsa e pela nossa Commedia dell’Arte,
não como formulário e ofício, mas enquanto improvisação virgem e
alegre.143
A atualização crítica no âmbito da interpretação e da formação escolar sistemática
se fará, portanto, através de uma atenção constante à figura de Copeau e às necessidades
da específica realidade italiana. A evolução deste “relacionamento crítico”, sob esta
dupla angulação, transparece nos textos sucessivos de D’Amico. Em 1935, ano do
decreto-lei que suprime a escola de Santa Cecília para criar a Regia Accademia d’Arte
87

Drammatica damiceana, D’Amico escreve um artigo com as propostas da moderna


escola de arte cênica e que irá se constituir num texto-base para as suas formulações
posteriores:
A arte não se ensina; ensina-se a técnica. Nem seria imaginável,
digamos, uma escola de poetas. Mas uma escola de atores não só é
pensavel, como existe, e sempre existiu... Escola, como se sabe, sempre em
plena atividade: pois, dos russos aos americanos, de Craig a Tairov, de
Reinhardt a Copeau, o modelo ideal do ator é. Ainda hoje, sob muitos
aspectos (não todos) o ator italiano cômico dell’arte. Artista que, como
explicamos longamente em outro lugar, era só num certo sentido
improvisador; e justamente por isso não era absolutamente improvisado. O
ator não se improvisa: se faz, através de uma diligente, paciente, amorosa
obra de aperfeiçoamento... Há depois, bem entendido, o grande ator, o que
se faz sozinho...
“A escola do ator é o palco”. Está certo; mas que palco?... Hoje, filhos
da arte não existem mais. Um bom ator italiano de quarenta anos, que seja
filho de atores, como era a regras na nossa cena até o final do século
passado, é uma exceção. Hoje os atores modernos provêm, na Itália, das
filodramáticas; no estrangeiro, das escolas. E logo nos perguntamos: o que
valem as escolas estrangeiras?144
E o balanço que D’Amico faz das duas escolas estrangeiras que analisa (o
Conservatório de Paris e o Seminário de Viena de Reinhardt), estendendo as conclusões
a “muitíssimas outras escolas”, ressalta, mais uma vez, a importância de se encontrar
um caminho que crie uma aproximação mais real entre escola e “vida”:

Ora, nós queremos afirmar que, na nossa opinião, o caminho certo é


outro. Se a escola dos atores quer ser aquilo que deve ser é preciso que ela
procure parecer, o máximo possível, com o que era a nossa “família de
arte”. Na qual todos, inclusive aqueles que depois chegaram à grande
tragédia, à grande poesia, à grande arte, começaram do a-b-c do ofício e
dos papeizinhos. Começaram do “servo que não fala” para chegar a
Hamlet.145
E a respeito da base técnica desta proposição inteiramente damiceana de ensino
vital, as suas palavras são claríssimas:

Retorno aos treinamentos da Commedia dell’Arte, está ótimo.


Preparação técnica, ginástica e inclusive acrobacia; exercícios de dança e
de mímica; conhecimentos (porque muitos dos nossos atores da commedia
dell’arte, o que se esquece com freqüência, foram cultos e letrados) também
culturais, necessários especialmente aos futuros diretores; todas essas
coisas são ótimas. Mas depois, e antes de mais nada, é preciso que os
alunos aprendam a interpretar. E é preciso que aprendam não só dos seus
mestres mas ainda (como faziam os filhos da arte) com os seus mestres...
Moral: a escola deve, o máximo possível, coincidir com o teatro, e com a
sua vida.146
Em 1938, quando a escola já funcionava há algum tempo e quando o seu convite a
Copeau para ensinar direção foi “vetado por Mussolini”, 147 D’Amico retoma de modo
88

veemente os conceitos expressos no texto de base precedente. Além da interessante


comparação feita entre o “frescor” do ator italiano e o “estilo” do ator estrangeiro, o
texto damiceano coloca em relevo o método de Copeau, comparando-o ao processo
interpretativo gerado por diretores teatrais e que resultava quase sempre do despotismo
deste. Copeau, ao contrário, o promove a partir do interior do ator, da sua intimidade. O
seu dogma é o respeito à autonomia do ator, e esta autonomia, tanto para Copeau como
para D’Amico, estava garantida pela “interiorização”. E, aqui, é importante ressaltar que
D’Amico sublinha, neste texto, a precedência russa do Teatro d’Arte de Moscou no
fazer prevalecer a “interiorização” ao invés da “exteriorização e do balé”. Basta
examinar as suas palavras a respeito do curso para alunos-atores de Copeau:
Compreende, antes de tudo, alguns ensinamentos físicos: ginástica
rítmica, dança, esgrima... canto, ginástica e inclusive acrobacia, eram as
bases sobre as quais se apoiavam (como quase todos os atores
profissionais, no Oriente e no Ocidente) os nossos cômicos dell’arte, e às
quais hoje se voltaram para as escolas eslavas...
Porém, mesmo sem se propor este programa máximo, do ator que sabe
fazer tudo, e reconhecendo que ao nosso ator “de prosa” ocorrerá
raramente, talvez nunca, a ocasião de dançar, ou de lutar em cena, ou
coisas semelhantes, permanece o fato essencial que a esgrima, a ginástica e
a dança a ele são necessárias para outra finalidade: a de conferir ao seu
corpo uma desenvoltura, uma presteza, uma elegância como primeiros
fundamentos para a conquista do desejado “estilo”...
Mas o ensinamento fundamental ao aluno ator é naturalmente o da
recitação. Inicia-se pela educação da respiração e da impostação da voz,
para passar aos defeitos da pronúncia...
E a dicção de diálogos e cenas, por onde começá-la? Do difícil ou do
fácil? Do verso ou da prosa? Dos clássicos ou dos contemporâneos?...
Creio que os dois ensinamentos possam e devam ser simultâneos; de um
lado, verso e prosa clássica, de outro, o rápido e corrente diálogo
contemporâneo. Assim, um integra e corrige o outro; estilo e frescor (eu
diria: improvisação) não se excluem, mas completam um ao outro. A estes
dois ensinamentos, que essencialmente dizem respeito à dicção, junta-se, ao
mesmo tempo, um terceiro, pelo qual os alunos aprendem a estudar um
personagem, uma cena, um trabalho, entendendo o sentido e espírito de
dentro, mediante uma verdadeira análise raciocinada.148
Como se pode notar, o longo do caminho percorrido por D’Amico na pesquisa de
um “estilo de interpretação” — representando uma visão conciliadora entre a
atualização crítica e a tradição teatral italiana, que deveria ser “resguardada”, e “revê-la”
significava para ele, justamente, o modo de lhe conferir este “estilo — vai se
clarificando, tanto na sua escolha, como em seus conteúdos técnicos para o seu sucesso.
Ao lado da disciplina principalmente que é a dicção, suporte do teatro da palavra e
mesmo tendo pesos menores também aparecem aqui, como fundamentos da
interpretação, aquelas disciplinas vistas como necessárias, não pela sua exterioridade,
89

mas pelo significado que ajudam a imprimir ao gestual. De qualquer modo, permanece
indelével a sua visão positiva sobre a real possibilidade de uma escola para atores
conseguir imprimir um “estilo” a seus alunos e, sobre esta questão, D’Amico se refere
ao que se deve esperar dos jovens atores:

Não uma genialidade sem composição e aproximativa, que se pode


aplaudir razoavelmente numa filodramática, mas uma gramática, e quem
sabe, uma retórica, tendentes, porém, a um estilo. É melhor que os alunos
de uma escola pequem por excesso de cuidados, que por falta; é menos pior
(não digo que seja bom, olha lá) que rocem a afetação — coisa que poderão
corrigir — a parecerem desleixados e vulgares — coisa totalmente
inadmissível. Repetimos pela enésima vez: um estilo. Na realidade, os
alunos são exercitados em todos os estilos. 149
A este ponto, é interessante observar o testemunho de um aluno-ator da academia,
Vittorio Gassman, colega, aliás, de alguns dos jovens diretores que vieram para o Brasil:

Foi uma equipe didática muito adequada para ensinar a gramática do


ofício, aquela dos meus anos da Academia, entre 1941 e 1943. Aprendi
muita coisa, não há dúvida. Sobretudo a necessidade de se criar uma
bagagem de regras. Aprendi que o talento é uma condição indispensável,
fundamental, mas não suficiente. Para exprimi-lo em toda a gama de suas
possibilidades, é necessário um exercício contínuo, um treino... Eu e meus
companheiros de curso aprendemos. A dicção, por exemplo. O fato de o
italiano não ter cinco vogais apenas, mas pelo menos sete, porque existem
os o e os e abertos e fechados... Por exemplo, me lembro de uma
observação muito sugestiva de Costa: dizia que entre “porpora” (púrpura),
“tortora” (rolinha) e “forfora” (caspa) há algo mais que uma simples
mudança de consoantes. Preparando-nos, assim, para a consideração da
parte emblemática, simbólica, da linguagem. Ou seja, para a relação
correlata, mas freqüentemente também contrastante, que existe entre o
valor puramente comunicativo da palavra e o valor expressivo... Lembro
também das primeiras regras sobre o gesto. Sobre a oportunidade, por
exemplo, de usar, quando se está de perfil, de preferência a perna e o braço
que estão para dentro, mais afastados da ribalta.150
A estas lembranças das lições da Academia, ocorridas na entrevista em 1982, o
mesmo entrevistador observava que nessas escolas, mais que um estilo, se oferecia uma
gramática que tenderia a reproduzir um tratado teatral do século XVIII, e o ator
acrescentava:

Eu diria que não. São convenções, se quiser, que deveriam se tornar


automáticas, como são automáticos os gestos que você faz guiando um
automóvel. Você pode variar aqueles gestos, assim como pode transgredir
estas normas, mas conscientemente... Se pode e se deve ironizar sobre os
eventuais excessos formalistas da parte gramatical, digamos assim, da
nossa profissão. Mas ignorá-la é pior. O teatro italiano é rico de
inspiração, de fantasia, goza de uma grande liberdade de inflexões, devido
ao uso de dialetos; mas sofre, como dizer?, de uma certa inexatidão de
base, que torna menos coloridos os jogos da variação.151
90

Certamente, desde sua fundação na metade dos anos 30, a nova instituição
acadêmica destinada a formar os atores para renovar a cena italiana, sofreria várias
críticas, às quais D’Amico respondia, por exemplo em 1949, com as seguintes palavras:

Não creio que nenhuma Escola de Arte italiana, nenhum instituto de


Belas Artes e nenhum Conservatório de Música tivesse jamais suscitado na
Itália tantas discussões, críticas e polêmicas quanto esta nossa única escola
de teatro do governo. Dela pode-se dizer tudo; mas não que a sua presença
não se tenha feito sentir.152
Neste artigo se destaca o que D’Amico chama de necessidade de informar a
respeito da natureza da escola e que depois retomará, através de discursos que
confirmarão definitivamente a sua visão sobre a necessidade da formação do ator (junto
aquela do diretor sobre a qual se falou antes), e sobre a centralidade que adquire, no
conjunto do repertório técnico, a questão da palavra. Para finalizar esta retomada dos
textos damiceanos sobre a questão da interpretação e para demonstrar a persistência de
uma linha mestra de pensamento, tomamos suas palavras de 1951: Uma das tantas
fábulas espelhadas pelos difamadores da nossa Academia é que nela nos ocupamos em
atulhar de “cognições intelectuais” o crânio dos nossos alunos, esquecendo que na
base da arte do ator está o artesanato, o ofício.153
Respondendo à acusação com a descrição do número de horas dedicadas à “prática”
(30 semanais) em proporção às “teóricas” (2 a 3 semanais), D’Amico passa a dar
informações através de sugestões aos vários professores. Além de reforçar a utilidade da
ginástica, dança e esgrima, reafirma que aquela é a base de tudo: a dicção (considerando
este termo no seu sentido mais completo: da respiração à emissão da voz... à pronuncia
correta, à articulação clara, para afinal, passo a passo, à verdadeira e adequada
recitação). E prossegue num verdadeiro relato das lições da dicção (a inteligibilidade de
quem fala não é questão de volume mas de silabação), com atenção especial para a
necessidade de evitar, em relação às entonações, certas cadências amaneiradas,
herança ruim dos formulários da antiga recitação. O documento, como se pode
observar, mesmo se prendendo a certos detalhes dos aspectos mais essenciais da sua
visão da interpretação do ator, se constitui, em 1951, na confirmação da visão cujos
desdobramentos procuramos delinear através de suas relações com a prática teatral do
tempo, com a tradição interpretativa italiana e com a, sempre presente, “atualização
crítica” frente às experiências que se faziam no exterior. Vale lembrar que a viagem de
estudos à escolas estrangeiras, que os alunos formados em direção faziam ao final do
curso, é mais um desdobramento evidente desta sua visão.
91

Mais uma vez ao percorrer a documentação sincronicamente disposta ao longo de


aproximadamente trinta anos de produção, parece ter sido possível extrair da vasta obra
damiceana aquelas linhas de pensamento — a respeito do trabalho do ator — que se
traduziram em “sugestões” e ensinamentos e que foram as determinantes para o
“período de formação”. Também por este motivo, parece justo concluir este percurso
com as palavras “essenciais” de D’Amico sobre a arte do ator: A meta essencial que
almeja a nossa Academia — substituir o ator-cigano de outros tempos por um tipo de
artista modernamente consciente de uma alta missão — pode ser artística, cultural e
ética, ao mesmo tempo.154
A esta altura e para confirmar a permanência da impostação damiceana, na agora
Accademia Nazionale D’Arte Drammatica “Silvio D’Amico”, lembramos a presença de
Ruggero Jacobbi, nomeado seu diretor entre 1974 e 1981. Isto importa, sobretudo, pelo
papel de “professor” que Jacobbi assumiria na Itália, quando em 1962 voltando do
Brasil, passou a dirigir a Scuola D’Arte Drammatica del Piccolo Teatro de Milano.
Deve-se dizer também no Brasil, onde permaneceu por aproximadamente quatorze anos,
Jacobbi, por tantos aspectos concernentes à sua contribuição para a construção do
chamado moderno teatro brasileiro, é considerado um “mestre”, numa correspondência
bastante próxima à posição que, na Itália, se pode atribuir a Silvio D’Amico. “Mestre”
que proporcionou os seus ensinamentos através das suas crônicas em numerosos jornais,
por meio de suas direções teatrais, como professor na Escola de Arte Dramática de São
Paulo, na Fundação Brasileira de Teatro, no Rio de Janeiro, e, excepcionalmente,
criando e dirigindo, junto à Universidade do Rio Grande do Sul, o Instituto dos Estudos
Teatrais, em 1958. E é justamente a partir dessa relação estabelecida entre Jacobbi e o
“ensino de teatro”, que o documento onde ele faz uma espécie de “balanço” do projeto
da Academia, em 1969, adquire valor significativo:
1. Para o teatro de Silvio D’Amico — aquele do qual ele falava, aquele
pelo qual combateu, aquele que, ao final, triunfou, aquele que hoje está
morrendo — o projeto, o mecanismo da academia era muito bom, aliás era
perfeitamente racional... Os sucessores de D’Amico, encontrando uma
estrutura bela e pronta, e que bem ou mal havia dado os seus frutos,
deixaram de considerá-la como algo aberto, suscetível ao desenvolvimento,
perenemente “in progress”, pelo contrário, a encaravam como um esquema
imutável... paralelamente o teatro mudava...
2. As fórmulas até hoje existentes eram fundadas sobre uma concepção
do teatro como interpretação de textos escritos, alcance de níveis culturais,
“cicilização” da palavra e da figura de acordo com uma série de valores
preestabelecidos. A fórmula “interpretativa” (D’Amico), psicodinâmica
(Fersen), culturalista (Piccolo Teatro), e que diz respeito a esta última,
coloco também um “mea culpa!”, levam a três figuras atualmente
92

anacrônicas: o ator “fiel” (aos sagrados textos, e em definitivo ao diretor),


o ator “pessoalíssimo” (no ímpeto, nas manias, nos fascínios, na
sinceridade, talvez freudiana), ator “cidadão” (exemplar, sempre: no
empenho político, nas leituras ordenadas, na atualização teórica, na
dedicação a um povo imaginário). O primeiro está destinado ao
profissionalismo da dublagem e da TV, com carro na porta, jaqueta, fumo
de Londres e voz impostada; o segundo ao gênio e desregramentos,
amizades perigosas, tentação da droga, “blouson noir” e misticismo, e
termina quase sempre no cinema; o terceiro se resistir, empalidecendo
pacientemente nos corredores dos teatros estáveis, desafogando uma
resídua vocação humanitária em tétricas excursões invernais dedicadas a
um público de crianças imbecilizadas pelo “Carosello”(programa de TV)
ou de operários desconfiados ou distraídos.155
Para o objetivo específico desta pesquisa vale a pena entender o sentido deste mea
culpa de Ruggero Jacobbi, que o remete direta e claramente às atividades teatrais
ocorridas nos anos imediatamente anteriores à instauração da democracia na Itália.
Nestes anos de guerra, de resistência e das primeiras experiências de “re-fundação”, de
“reconstrução” em campo teatral, torna-se dominante o projeto de formação de
“grupos”. Em Milão particularmente, destaca-se no campo teatral a atividade que se
desenvolve por meio de Strehler, Grassi, Mario Landi e também Ruggero Jacobbi. 156
Membro participante dos movimentos que desembocarão na formação do Piccolo
Teatro di Milano, ao final de 1947, Jacobbi através das sua declarações jamais cessou de
sublinhar estes laços. Parte para o Brasil em 1946 e aqui também, em 1949, associará a
montagem do Nick Bar (The time of your life, de Saroyan, direção de Adolfo Celi), a
uma lembrança de Milão, de um bar na via Brera, onde seu “grupo” se encontrava. O
seu retorno à Itália estará ligado a este vínculo fundamental: Fomos e seremos três, dirá
Grassi em uma carta-resposta a Jacobbi imediatamente antes de seu retorno à Itália. De
regresso a Milão, Jacobbi, no início dos anos 60, assumirá a direção de dois dos três
espetáculos da “Mostra Italiana n°1”, sob a coordenação do Piccolo Teatro, destinada à
valorização de autores jovens.
A “Mostra” programada para a comemoração dos quinze anos do Piccolo, contará
com a participação ativa de Jacobbi na direção de Il re dagli occhi di conchiglia (O rei
dos olhos de concha), de Luigi Sarzano e Una corda per il figlio di Abele (Uma corda
para o filho de Abel), de Anton Gaetano Parodi. Lendo as palavras dos programas, num
texto que se repete para todos os espetáculos da Mostra, os propósitos perseguidos por
esta resenha (se o aniversário nos faz sentir mais velhos, a Mostra nos faz sentir,
improvisadamente mais jovens) vão desde o projeto de continuidade (Mostra n°1), ao
desdobramento do Piccolo Teatro em atividades paralelas (grande espaço para os
elementos jovens e sobretudo as pessoas — atores e técnicos — que absorveram no seu
93

trabalho o modo de ser e o estilo do Piccolo Teatro) e, finalmente, a uma iniciativa não
comercial (política de preços com a intenção de colocar em contato os novos autores
com as platéias socialmente amplas e diferenciadas, mas particularmente jovens e
empenhadas). Em suma, a intenção fundamental foi a de valorizar os textos italianos,
podemos perceber pelas afirmações finais do texto do programa:

Vamos propor, com humildade de artesão, esta contribuição à


valorização da “matéria-prima” do fenômeno teatral: a palavra, o
pensamento, a poesia, coisas delicadíssimas que devem ser estimuladas e
amparadas com paciente amor, para que surjam os textos, sem os quais
qualquer atividade dramática é escrita sobre a água.157
Em 1962, por sua vez, Jacobbi já dirigia a Scuola D’Arte Drammatica del Piccolo
Teatro, destinada à formação de atores, com duração de dois anos. Lá, por quatro anos,
não somente dirigiu a escola, mas ensinou teoria e história do teatro. Ainda em 1965,
num artigo destinado a fornecer informações sobre esta escola, se confirma a sua visão
particular sobre o ato de fazer teatro como dimensão da poesia, que se desdobrou no
estabelecimento da prioridade da palavra na “preparação do ator”:
Chegamos à fase atual sublinhando sempre dois conceitos fundamentais
que, de resto, se associam profundamente à “poética” do Piccolo Teatro:
a) proeminência do texto poético e dramático, portanto, formação de
“intérpretes” de textos (nós não usamos jamais, na escola, as palavras
“criador”, “criativo”, “criação”, referindo à direção ou à interpretação);
b) necessidade de formação “cultural” além de técnica, de uma cultura que
seja o assumir responsabilidades éticas, civis e coletivas.158
Certamente, é possível observar agora que os propósitos do velho mestre Silvio
D’Amico, no que se refere à preparação do ator, encontram espaço de confirmação
numa “poética do texto” e que se reconhece imediatamente na “poética do diretor”
oferecida por Giorgio Strehler no Piccolo Teatro de Milão. De fato, assim termina o
artigo de Jacobbi:

Apesar disso, continuamos a existir e a desenfornar atores todos os


anos; não só isso, mas mesmo não tendo cursos de direção, conseguimos
dar a Strehler alguns assistentes de qualidade, que hoje se preparam para
serem diretores; e formamos intérpretes para o Piccolo e para outras
companhias estáveis ou privadas. 159

4.3 Algumas Indicações Sobre Cenografia: A questão da “visualidade”

As sugestões de D’Amico para os elementos cenográficos, arquitetura teatral e


figurinos ocupam uma parte significativa dos seus discursos. No que diz respeito ao
objetivo desta pesquisa, serão examinadas as considerações sobre os argumentos no
94

espaço de suas crônicas em revista e jornais. Neste caso se enquadram os seus artigos
sobre os Pequenos Teatros, o Teatro ao Aberto, o Teatro da Cor, a Arquitetura dos
Teatros Modernos, escritos no decorrer de um longo período de tempo. Fora deste
âmbito, um momento oportuno para este gênero de discurso será fornecido pelo já
citado Congresso Volta para o Teatro, onde um dos cinco temas da discussão, como já
foi dito, era dedicado à Arquitetura dos Teatros. Teatros de massa e pequenos teatros.
O outro momento importante que se abre às considerações damiceanas sobre este
aspecto do teatro, decorre da sua visão do “Teatro da Palavra” em relação à questão da
direção. De fato, neste espaço, a discussão é colocada por D’Amico de uma forma
bastante significativa na medida em que denuncia certas “deformações” geradas pelos
diretores que faziam prevalecer a “visualidade” sobre a palavra.
No comentário aos espetáculos assistidos na Itália e no exterior, as crônicas quase
nunca omitem a questão da cenografia. Adquirem valor as considerações sobre o
necessário “acabamento” do espetáculo. Este “acabamento”, por um longo período, foi
considerado como critério de diferenciação entre as montagens nacionais e estrangeiras
e, por vezes, estreitamente ligado à presença do trabalho do diretor como prática comum
em outros países. A exigência do acabamento, segundo D’Amico, não se esgota no
“apuro” de um espetáculo, mas está ligada a uma idéia de repertório cenográfico em
posse da companhia teatral. Em 1918, falava a respeito da ausência de um repertório
cenográfico nas companhias:

E não há uma que carregue consigo um maquinário e uma mobília,


decorosos e suficiente, ao menos para a modesta variedade de seu limitado
repertório: são vistas de peça em peça, seja “La signora delle camelie” (A
dama das camélias), ou “La fiammata, La locandiera” (A estalajadeira), ou
“La casa in ordine” (Uma casa em ordem), as mesmas paredes de papelão
adornadas em “liberty”, os mesmos assentos de ante-sala e as mesmas
mesinhas cobertas com um tapete para torná-las elegantes, os mesmos
jardins com a lua que arde intermitentemente, onde as plantas pintadas se
alternam em belo contraste com os bambus verdadeiros em vasos. Não
falemos das inovações, coisas velhíssimas em todos países e desconhecidas
entre nós...160
Neste mesmo artigo D’Amico insistia na necessidade de uma “verdadeira crítica” à
interpretação cênica e acabava por recordar os vários aspectos, passíveis de crítica, do
espetáculo. Dois aspectos se destacam: o da inexistência de um repertório cenográfico
variável segundo a montagem e a necessidade de utilizar as inovações em cenografia.
Nos anos 20, dentro do quadro geral das companhias que têm a necessidade de um
repertório cenográfico, as críticas, em geral negativas, fazem ressalvas às companhias
de Niccodemi:
95

Muito admirável a moldura cênica: como todos sabem, a companhia


Niccodemi não tem quem a supere em matéria de “boudoirs”, cortinas
claras e toldos escuros, móveis elegantes, lâmpadas veladas, veludos e
brocados, todas as coisas que para os trabalhos deste gênero são
encantadoras. 161
De fato, nesta crônica, D’Amico revela que a companhia de Niccodemi leva em
conta aqueles elementos cenográficos (e também de repertório) que bastavam para uma
companhia deste porte. Para ele, Niccodemi fez “uma escolha” atenta às possibilidades
da companhia e assim conseguiu, com uma “definição de limites”, agir adequadamente.
É o bom senso de Niccodemi que está sendo valorizado, e este é também o sentido das
palavras todas as coisas que para os trabalhos deste gênero são encantadoras, com
referência a um discreto aparato cenográfico a serviço de um texto de Jacques Natason.
A companhia de Niccodemi é, para D’Amico, um exemplo de companhia modesta,
que faz bem aquilo que pode fazer. No Tramonto, é dedicado a ela, um pequeno estudo
onde as palavras de D’Amico sintetizam a proposta cenográfica para uma companhia
pequena, que não se propõe a executar planos ambiciosos:

Nada de Teatro Estável, nada de “teatro de arte”, nada de revoluções


técnicas; não uma trincheira de vanguarda, comandada por um “metteur-
en-scène” vanguardista; mas, ainda uma companhia mambembe, guiada
por um “capocômico”. No entanto, quê limpeza, quê porte, quê garbo, quê
cuidado.(p. 148)
Nesta perspectiva, aparece a possibilidade de um acabamento relacionado a um
repertório, onde o aspecto da “limpeza e manutenção” se sobressai ao da variedade.
E é assim que diante das propostas de “inovação” mal feitas, a companhia de
Niccodemi representa para D’Amico a resposta justa e exemplar para as modestas
companhias mambembes na Itália:

A companhia de Niccodemi foi, sobretudo, a companhia dos atores que


se vestem com graça, que tomam banho, que cuidam das unhas, e se movem
com evidente elegância em ambientes “confortáveis”: ou seja, entre móveis
de 1500, lâmpadas atenuadas, cortinas de brocado, divãs com almofadas
abundantes.(p. 141)
As companhias empregavam um repertório que exigia, na verdade, soluções
completamente diferentes em termos de cenários e figurinos. As montagens das peças
de Shakespeare e Goldoni, por exemplo, são momentos que oferecem a D’Amico a
possibilidade de discussão (crítica e sugestões) sobre a técnica da mudança de cena ou
dos quadros. Já em 1916, falava sobre a já citada montagem de O mercador de Veneza,
por parte de Novelli e criticava o seu “critério realista”, ao usar, contrariamente ao
necessário procedimento shakespeariano, a cena única, fixa: Este “fundo” foi
96

distribuído em quatro atos ao invés de cinco. Um pobre critério de realismo, herdado


da comédia francesa de cinqüenta anos atrás suprimiu o procedimento shakespeariano
original, que é o de mudança de cena à vista.162
Uma solução para este problema implícito na cenografia de Shakespeare parece ser
positivamente percebido por D’Amico no trabalho de Caramba, em 1921:

Quanto ao aparato cênico, não reproduziremos aqui as eternas


discussões sobre a encenação de Shakespeare. A dificuldade substancial
desta montagem é uma só: a de mudar de cena, de um quadro para outro,
instantaneamente, de modo a dar o sentido de fluente continuidade do ato,
sem interromper, nem mesmo por um minuto, o encantamento da ficção
cênica. Para fazer isso, os estetas contemporâneos propuseram, inclusive, o
retorno aos famosos “letreiros” shakespearianos não levando em conta que
Shakespeare recorria a eles somente por necessidade, mas que com certeza,
se pudesse, teria utilizado um aparato cênico moderno. O nosso fantasioso
e incansável experimentador Caramba, que nas montagens de Ruggeri e de
Chiantoni havia adotado o sistema das cortinas em cor neutra, onde se
abrem, em movimentos bem rápidos, espirais para sugerir os extremos,
certamente percebeu que também aquelas mínimas mutações interrompem a
ação dramática com alguns segundos de obscuridade: e desta vez aceitou
as mudança de cena à vista. Até que não se possa dispor de um palco
giratório, este é o melhor método.163
Importantíssimo este trecho que permite mostrar a visão de D’Amico, sempre fiel às
necessidades do texto dramático: trata-se, no caso, de uma experiência shakespeariana.
Por sua vez, D’Amico nos fez verificar que a sua proposta de cenografia leva em conta
as inovações (o palco giratório, por exemplo) que não se justificam por si mesmas. Ao
contrário, determinada pela visão do poeta (o próprio Shakespeare as teria usado,
segundo suas palavras), a cenografia é sempre justificada pela necessidade de
manutenção da ilusão (não naturalista) que deve ser sugerida pela montagem.
E é ainda através da companhia de Niccodemi, criada em 1921 (e onde o diretor,
segundo D’Amico, queria instituir um espaço “de elegância e refinamento”, tanto na
escolha das obras a serem representadas quanto no estilo dos atores e na delicadeza
das montagens), que D’Amico fará notar a sua admiração pelas tentativas de
estabelecimento de um repertório shakespeariano por parte das novas companhias que
estão surgindo mas, ao mesmo tempo, lembrava a dificuldade de encenações
shakespearianas devido à falta de “meios” por parte destes empreendimentos ainda
jovens.

Fomos até o teatro Argentina com certas preocupações. Este


florescimento de montagens shakespearianas, excelente nas intenções, não
pode deixar de se revelar, na prática, perigoso, devido aos escassos meios
(especialmente humanos) de que hoje dispõem as nossas companhias. 164
97

Para o espetáculo Romeu e Julieta, no mesmo mês, pela companhia Niccodemi,


mesmo lembrando, ao final da crônica, que este não é o primeiro passo de uma empresa
nova, D’Amico formulava a sua visão que associa autor e cenografia da seguinte
maneira:

Mas em substância, o que menos nos persuadiu foi a visão que


Niccodemi teve do drama de Shakespeare, e da qual os seus atores e os seus
cenógrafos foram os intérpretes. Niccodemi fez submergir este drama numa
penumbra de sonho doentio, quase maeterlinckiano; circundou-o de
cenários de fábula, onde Angoletta tirou partido dos vermelhos tijolos de
Verona em quadros sintéticos, de particular personalidade pictórica;
pintou-o com tons vermelhos e violetas; atenuou grande parte dos tons com
delicados toques lamentosos; cuidou dos efeitos com suaves detalhes, desde
a cena do primeiro ato onde se dança na casa dos Capuletos (vaguíssima,
mas não de acordo com a acenada por Shakespeare e desenvolvida com
uma inverossimilhança ainda maior que a do texto), até a composição do
último ato, representado sob um lento dobre de sinos em luto e sob um
murmúrio submisso de preces. Nós sempre imaginamos este drama, e os
seus amantes e a sua Verona, plenos de um sol divino, e de calor, de luz, de
fragor, de sonoras lutas de ímpetos, de glória, de lágrimas ardentes e de
gigantes desesperações. E sabemos muito bem, por tê-lo lido, que assim o
imaginou Shakespeare... Aplaudidos e chamados de volta à cena muitas
vezes foram também todos os outros junto ao cenógrafo Angoletta. Para
nós, além das causas mecânicas para as quais chamamos a atenção, e
algumas pequenas incertezas (as luzes, por exemplo), difíceis de evitar no
nervosismo da estréia, parece que esta apresentação tenha sido prejudicada
sobretudo pela ausência de ímpeto, de calor e de fé.165
Além da benevolência de D’Amico diante de uma nova companhia que se coloca
como alternativa à "canastrice imperante”, sobressai não apenas uma visão de
cenografia fiel (também ela “serva do texto” — e aqui, o apelo à criação da atmosfera
do drama ao lado da verossimilhança é a exigência mais evidente), mas também uma
visão que procura integrar elementos cenográficos (ambiente e luzes) e atores num
trabalho de interpretação de um drama que possui seu “clima” próprio (o qual
cenograficamente pode ser interpretado com “tons” de cores). Não se trata de realizar a
verossimilhança que remete à Verona; abre-se a possibilidade de interpretar
cenograficamente a própria visão shakespeariana da cidade, permeada por um “clima” e
por “tonalidades” que são poéticas. Tudo isso em favor da manutenção da ilusão.
Além das montagens dos trabalhos de Shakespeare, as suas crônicas sobre as
representações de Goldoni oferecem um outro importante espaço para a verificar as suas
contribuições em relação à cenografia utilizada no período. Se, para Shakespeare, a sua
atenção recaía sobre o problema das mudanças de cenário e fazia com que sugerisse
maneiras e técnicas (as “inovações) para auxiliar a fidelidade poética na sua dupla
98

necessidade de verossimilhança e ilusão; para Goldoni, os seus textos, além de


comportarem a discussão da técnica de mudança à vista, procuram situar o componente
“espetacular” na composição do aparato cênico.
Já em 1918, no comentário sobre La locandiera, montada pela Companhia Tali,
D’Amico advertia:

O que dizer sobre a encenação? Cada ato se desenvolveu com seu único
cenário, enquanto é sabido que se deve mudar de sede várias vezes, de uma
sala à outra. Não só a rubrica mas também o texto o requerem
expressamente. Não nos agrada tampouco a pretensa suntuosidade dos
ambientes: preferimos um Goldoni representado como no seu tempo, com
cenas fixas, e um modesto cenário móvel no fundo. Vimos também cadeiras,
divãs, um “buffet” que não eram evidentemente da época.166
Respeitando o conceito de verossimilhança, sobressai em D’Amico a necessária
fidelidade ao texto que tem uma ambientação própria, mesmo quando não está inscrita
expressamente nas rubricas. A sua atenção, por outras vezes, será dirigida diretamente
aos figurinos; em qualquer caso, não importará jamais uma exigência de “exumação
arqueológica”, mas procurará precisar uma constante necessidade de um mínimo de
conhecimento sobre a história dos figurinos, que deve ser sempre respeitada.
O início da década de 30 dará a D’Amico a possibilidade de verificar vários
espetáculos nacionais e estrangeiros. Ainda antes da ocasião fornecida pelo Maggio
Fiorentino, já em maio de 1930, D’Amico observando em Roma os espetáculos do
“Kamernyj Teatr” de Moscou, dirigidos por Tairov, podia fazer oportunas comparações
entre o aparato cênico de uma companhia estrangeira (haverá depois uma questão
específica sobre a “cenografia russa”) e o das italianas. Introduzia desta maneira o seu
artigo destinado à apreciação do Il negro de O’Neill:

Se há um tipo de espetáculo difícil de “ser transportado”


materialmente, não diríamos de Moscou para Roma, mas de um palco para
o outro, é com certeza este com o qual Tairov nos presenteou sábado à
noite: interpretação cênica concebida para a capacidade não só dos atores,
mas dos aparatos cenográficos e baterias de luzes que pressupõem um
ambiente aparelhado de modo especial e operadores particularmente
preparados. Os maquinistas do Valle, na angústia do velho palco romano,
se tornaram improvisadamente soldados voluntários do novo líder e fizeram
o melhor que podiam, a maioria das vezes adequando-se bastante bem às
insólitas necessidades: quando falharam (e isto aconteceu em diversos
momentos, ai de mim! Inclusive decisivos), o público inteligente supriu com
a fantasia aceitando como acabado aquilo que a ele chegava como apenas
sugerido. Mas mesmo com estas inevitáveis diminuições, o espetáculo foi,
tudo somado, encantador: o mais mágico e moderno dentre os três
representados em Roma, pelo milagroso mestre de cena.167
99

Além da válida informação sobre a situação do aparato cênico das companhias


italianas e algumas indicações sobre a companhia comandada por Tairov, o discurso se
aprofunda em particularidades à respeito dos quadros “sintéticos” e da oposição entre
cenários pintados e construção cenográfica:

A situação fundamental do drama aparecia já inteira no contraste


inicial das duas estradas, construídas e não pintadas em perspectiva, com
uma espécie de síntese violenta: a dos negros em penosa subida, às vezes
percorridas por carregadores cansados como escravos; a dos brancos
dominada pelo estrepitoso “elevated” (a ferrovia aérea), e por breves
momentos iluminada pelos faróis dos automóveis. As breves esperas entre
um quadro e o outro, geralmente tão fastidiosas dando a interrupção do
encanto cênico, foram habilmente cobertas por um outro contraste, entre
afoitas canções brancas e a amarguradas canções negras, que mantinham,
na sucessão de vários episódios, uma fluente continuidade.168
A discussão que D’Amico desenvolve sobre as opções “cenário pintado” ou
“construção cênica” se amplia em seus comentários sobre as montagens de Goldoni. A
questão da tradição pictórica italiana e a influência das teorias construtivistas não são
novas e emprestam elementos fundamentais para a cenografia da época. As crônicas de
D’Amico se referem a elas, relacionando-as geralmente à questão cenográfica específica
mas, sobretudo, àquela outra, para ele mais importante: a impossibilidade da supremacia
da cenografia sobre o “Teatro da Palavra”. Em 1925, D’Amico comentava o trabalho do
cenógrafo Oppo junto ao Teatro d’Arte di Pirandello:

Estupendo o cenário, não pintado, mas solidamente construído por


Oppo, no primeiro ato e no terceiro, sugestivamente variado pelos jogos de
luzes. O cenário do segundo ato, sugerido pelas cortinas de sempre, e
sempre num espaço muito pequeno, nos agradou bem menos.169
Mas a ocasião da montagem de La locandiera (Mirandolina) dirigida por Salvini
para a companhia de Tatiana Pvlova, é que vai oferecer, no início da década de 30 e
ainda da primeira manifestação teatral Maggio Fiorentino, momentos de rica discussão
cenográfica (por parte de Salvini e de D’Amico):

Daqui também a cenografia, confiada por Salvini a Giorgio Abkhasi,


cenografia que, não se tendo conhecimento em Florença de um belo 1700,
se inspira num barroco florentino de 1600; e segue quase todas as
mudanças de lugar requeridas por Goldoni, que, infelizmente, são
reduzidas, ou mais freqüentemente abolidas, por um péssimo hábito
nosso.170
Reafirmando mais uma vez a sua visão exigente de respeito ao autor (e quanto a
Goldoni, a questão se torna radical pois, para D’Amico, trata-se do autor que deu à
Commedia dell’Arte uma “forma definitiva” e, para as suas montagens, bastava
respeitar integralmente as indicações do próprio Goldoni), D’Amico articula o seu
100

discurso sobre a preparação de uma encenação, relacionando espetáculo-elementos


cenográficos-tendência da direção moderna:

Este (descuidando de muitos corolários engenhosos e vários apelos de


pequenos achados geniais) são os critérios do nosso “metteur-en-scène”.
Mas a esta altura se conhece bem a sorte da maioria das teorias dos
modernos mestres de cena: destinadas a fazer bonito no papel, mas também
freqüentemente a se tornarem irreconhecíveis, senão irrecuperáveis no
palco. Onde é que foi parar, ontem à noite, a “toscanidade” de “La
locandiera”? Na cenografia, belíssima e delicadíssima, e que num quadro
nos mostrou até mesmo, ao longe, a cúpula de Brunelleschi. Mas o caráter
geral da representação foi dado por outra coisa completamente diferente,
isto é, por um esplendor reluzente e alegremente fantasioso, de luzes e
cores.171
A posição damiceana frente à marcante “visualidade”, que vinha se impondo às
representações teatrais estrangeiras, durante os anos 30, pelos novos mestres da cena,
não era, contudo, um fato novo. As suas discussões sobre a “teatralidade” de Bragaglia
e sobre certas derivações “espetaculares” dos mestres de cena estrangeiros aparecem de
modo sistemático já no texto do Tramonto. A discussão sobre as extrapolações dos
diretores já se inicia com a contraposição que ele aqui estabelece entre visualidade e
pudor:

A maior parte dos “metteurs-en-scène” por teatro entende espetáculo:


e então é claro que sejam eles os patrões, e é também evidente que
prevalece, cada vez mais acentuada, a “visão” (espetáculo, de spectare)
sobre a palavra, “sur le mot”. Para nós, ao contrário, o que preme é o
drama, ao qual subordinamos visão, dicção e todo o resto. (p. 27)
E ele prossegue fazendo um síntese das mais recentes experiências de direção, dos
“moderados” aos “radicais”: de Craig (o teatro surgira somente no dia em que tudo o
que lhe ocorre — roteiro, palcos, cores, mímica e eventualmente música — sair de um
só cérebro, o do mestre da cena. E os atores? Craig resolveu a dificuldade: vai fabricá-
los em madeira, ou seja, empregará a marionete) Ricciardi (o qual no seu “Teatro da
Cor”, infelizmente experimentado no Argentina de Roma, tendia a substituir as cenas
atuais por sua “cor plástica”, que deveria existir por si própria, ser um novo
personagem do drama: não mais comentando ou fortalecendo liricamente, como outros
predicam, a obra do poeta, mas só servindo-se dela (ele também) como um pretexto,
para compor belas sinfonias de luzes, a serem oferecidas para o prazer do espectador).
É interessante observar que D’Amico constata a supremacia da “visualidade” na
encenação justamente no momento histórico de reação aos exageros da cenografia
naturalista.
101

Admito, com o naturalismo no teatro, que o fim supremo da arte fosse a


reprodução da famosa “tranche de vie”, também chegara a ele, por
conseqüência, o amor ao cenário fotográfico, com as portas verdadeiras, as
janelas verdadeiras, os móveis verdadeiros. Justamente no “Stabile”
romano para “La flotta degli emigranti” (A frota dos emigrantes), onde a
cena reproduzia o hall de um grande hotel, foram pedir os móveis do Grand
Hôtel emprestados; e no “Stabile” de Milão parece que se chegou ao “non
plus ultra” lavando ao palco, numa cena que representava um salão, um
carpaccio autêntico. Daí, pelo menos nos países onde o teatro é levado a
sério, o fastígio e a reação; que tomou os mais diversos caminhos. (p. 23)
Ao sintetizar os “radicalismos” advindos desta reação, D’Amico nos dá um quadro
exemplar das suas opiniões sobre as experiências cenográficas do momento:

Alguns disseram: luzes, fausto, magnificência; e acabaram nas operetas


e nos “music-halls”. Outros, como Reinhardt freqüentemente se jogaram na
acrobacia fantasiosa: palcos giratórios, ambientes de “mille e una notte”,
mecanismos e truques assombrosos. Outros como Baskt, reafirmada a
afinidade entre cenografia e arquitetura, se entregaram às descomunais
construções arquitetônicas. Outros, como o genebrino Appia e o
severíssimo Jacques Copeau, predicaram, em modo calvinista, a renúncia e
a austeridade, e adotaram as cenas “sugeridas”: uso e abuso de fundos
com cortinas neutras e poucos móveis e ambientes indicados
elementarmente, à fantasia do espectador se deixou a tarefa de colaborar,
de completar, de inventar o resto. Outros como Piscator, chamaram em
auxílio o Cinema. Outros, enfim, especialmente russos como Tairov,
assumiram o ofício de “metteur-en-scène”, inclusive como o de um
“refazedor” ex-novo do drama.(pp.23-24)
E a conclusão de Silvio D’Amico mais uma vez nos demonstra — também para o
aspecto cenográfico — o determinismo do seu pensamento ligado ao “Teatro da
Palavra”:

Quem tem razão? Todos e ninguém... Ou se reconhece nestes


“metteurs-en-scène” um caráter de livres criadores: e então, toda teoria é
boa; e aqueles que tendem ao espetáculo visual dissolverão o texto na
cenografia e no balé: eterno fenômeno registrado na Grécia, em Roma, em
Bizâncio, e em todos os períodos em que houve no teatro a decadência da
palavra, isto é, do drama, e a obra dos poetas serviu como libreto para os
mimos. (p. 24)
No entanto, o início dos anos 30 será um período particularmente privilegiado para
a considerações damiceana sobre a “visualidade” do espetáculo. D’Amico poderá
comentar, por exemplo, a montagem do Servitore (O servidor), de Goldoni, feita no
Teatro Quirino por Reinhardt (Companhia do Deutsches Theater de Berlim), discutindo
mais uma vez a técnica da mudança de cena, vinculada agora a uma “nova” montagem,
feita por um “mestre de cena” que, claramente experimenta a “visualidade”. Seu
comentário repetirá as afirmações sobre a “completude” de Goldoni:
102

E queremos dizer que, se a essência da reforma teatral do advogado


veneziano consistiu em transformar a Commedia dell’Arte — estilizada nas
máscaras improvisadoras — em comédia humana, e ao escavar no fundo
das enrijecidas máscaras, transformando-as de fantoches em homens e
mulheres vivos... no “Servitore di due padroni”, Goldoni não fez nada
diferente.172
E partindo destes princípios, D’Amico dirá (e depois disso iria lembrar) ao fazer a
comparação com a histórica montagem do mesmo texto junto ao Piccolo Teatro, na
direção de Strehler):

Mas Reinhardt, então, procurou neste texto o antigo “scenario” da


Commedia dell’Arte. Aproveitou para nos dar, não o espírito do Goldoni
maior e de suas obras-primas, à cuja categoria este gracioso “Servitore di
due padroni” evidentemente não pertence, mas uma espécie de
quintessência da Commedia dell’Arte pré-goldoniana.173
E que este tipo de “traição” ao espírito goldoniano pudesse ser feito, não só em
nível de interpretação, mas também nos aspectos visuais do espetáculo, nos demonstram
suas próprias palavras:

Uma Commedia dell’Arte sem mais as grandes improvisações nem as


desconcertantes inconveniências, mas estilizada na parodística moldura de
pequeno cenários em biombos que se montam e desmontam na presença do
público... Há entre estes pequenos cenário um “externo”, um fundo que
representa Veneza, mas um pouco também, diríamos, Nápoles, ou seja, toda
a Itália de uma certa convenção que é cara aos estrangeiros. 174
Em 1933, fazendo a crítica do espetáculo La vedova scaltra (A viúva astuciosa) pela
Companhia de Marta Abba (direção do russo Strenkowski, cenografia de Nicola
Benois), D’Amico lembra Reinhardt e fala desta espécie de típico procedimento
estrangeiro, especialmente russo, ao refazer Goldoni:

Deixemos de lado o abusado exemplo de Reinhardt... Mas se conhecem,


ao menos pela fama, as arbitrárias, e mais ou menos geniais, deformações
daquela que ainda no ano passado, em Paris, Lugné-Poe definia “La
locandiera di Goldonoff”. Aos diretores estrangeiros — especialmente os
russos, de Stanislawski a Pitoëff: do Goldoni de Copeau, confessamos não
saber nada — acontece, olhando o 1700 teatral italiano, aquilo que ocorre
na China aos europeus, aos quais as fisionomias dos chineses parecem ser
sempre as mesmas; em Goldoni, em Gozzi, e nos “scenari” da comédia
improvisada, eles (os estrangeiros) acreditavam ver as mesmas máscaras;
e colocando-as em cena, efundem-se nas mesmas caricaturas, viravoltas,
acrobacias, cambalhotas para os três tipos de espetáculo, reduzidos a um
só. Ora, seria injusto dizer que Strenkovski, o diretor russo que encenou
esta “vedova scaltra”, tenha exagerado neste sentido. Ao enquadrá-lo, com
a cenografia e os intermezzi, ele se lembrou, sobretudo, do balé russo. Os
pequenos cenários foram confiados a Benois... E nas mudanças de cena —
feitas em parte com o sistema dos periatas triangulares giratórios —
103

recorreu ao método de Reinhardt no citado “Servitore”, onde eram


executadas à vista do público entre breves danças.175
E com esta ordem de considerações cenográficas D’Amico observa as
manifestações do primeiro Maggio Fiorentino que contou, dentre outros, com a
presença de Reinhardt e Copeau. Para uma visão da importância que este tipo de
manifestação adquiriu, por abrir caminho a novas experiências teatrais (e a
experimentação com o espaço cênico foi aqui um aspecto fundamental), se reproduz
uma citação recolhida no Catálogo da Mostra, ocorrida em Florença, nos meses de maio
a outubro de 1979:

Era verdade, não há dúvida, que o Maggio Musicale Fiorentino fosse


representado à inteligência decisória do partido fascista com a fina flor de
uma cultura nacional, que tinha a necessidade, tendo chegado ao poder, de
retomar os diálogos internacionais... No que nos diz respeito devemos dizer
também que na formulação “cultural-ideológica” deste primeiro Maggio se
nota claramente, além da já citada vontade de renovação “oficial”, uma
necessidade mais sutil de acolher nesta renovação, não uma, mas todas as
tendência culturais, oficializadas da cena européia do momento.176
O que interessa para a nossa discussão em âmbito cenográfico teatral é que, o
Maggio Fiorentino representou, especialmente pelas “escolhas” dos primeiros
espetáculos, uma possibilidade de reafirmação do tradicional estilo pictórico
(particularmente para as apresentações líricas), sem deixar de abrir espaço às inovações
trazidas pelos trabalhos dos arquitetos e cenógrafos:

Ambos espetáculos (Nabuco e Vestale) são concebidos por um diretor


de sólida tradição clássica, um habilíssimo “routinier” Carl Ebert, que
auxiliado por Guido Salvini, esse também “retour de Turim”, estará no
comando desta partida florentina. O espetáculo, de um arquiteto-cenógrafo
(Aschieri), foi então seguido pelo espetáculo de um pintor-cenógrafo, com
fortes simpatias de tipo estrutural-arquitetônico (Casorati), e, enfim, pela
estréia teatral de um pintor, já de vasta e merecidíssima fama, senão de
vívidos beneméritos políticos, Mario Sironi, chamado para a representação
de “Lucrezia Borgia” de Donizetti. Uma escolha, julgamos, acertadíssima,
mesmo tendo sido colocada em discussão, a ponto de se tornar sinônimo do
erro pictórico do novo festival. As cenas sironianas, de fato, são o
testemunho mais evidente e mais elevado de um modo de fazer teatro não
“estrutural” mas fortemente ligado à definição de espaço-luz. Um modo
certamente pictórico mas, também ele, de inesquecível efeito cênico.177
No entanto, junto à tendência pictórica fundamental, há experiências que permitem
individuar, segundo Monti, a abertura do Maggio a manifestação de novo tipo:

Chega-se assim ao grande final que vê ativos, de frente, os dois mais


famosos diretores “de prosa” do momento, Copeau e Reinhardt,
representantes, cada um deles, de um modo divertidíssimo de fazer teatro,
um empenhado no fechado espaço “quatrocentista” do convento de Santa
104

Croce, em calibrar poses ascéticas e em despojar de movimentos a


“Leggenda di Santa Uliva” (Lenda de Santa Uliva), o outro enviado à
descoberta de um glorioso local teatral, o jardim de Boboli, onde individua,
num prado em frente à Meridiana, um espaço (depois tornado de praxe)
onde fazer explodir os fogos de artifício do “Sogno” (sonho)
shakespeariano, renovado pela sua precedente montagem vienense.178
E será este tipo de experimentação a permitir, ainda segundo Monti, uma “linha
compósita” da nova possibilidade espetacular aberta pelo Maggio:

Mais que uma linha, pode-se falar de equilíbrio engenhosíssimo que se


faz espelho das maiores tendências cenográficas européias (mesmo se com
alguns anos de atraso), sem desdenhar tampouco o tradicionalismo de alto
nível.179
Junto à possibilidade de afirmação de uma nova elaboração do espaço cênico
(vejam-se os lugares naturais/teatrais de Reinhardt e de Copeau), centrado numa
qualidade pictórica de alto nível e ditado sobretudo pela tradição lírica, o Maggio
também tenderá a colocar em destaque cada vez maior o trabalho de direção (Salvini,
Strehler, Visconti).
As palavras de Monti atestam, em todo caso, que a discussão no âmbito
arquitetônico e cenográfico, naqueles anos, encontrava um campo de confirmação e
confronto no espaço e nas manifestações do Maggio:

Sabe-se que os teóricos daquele momento (e muitos de hoje também),


refrescados pela requalificação teórica ao espaço cênico como estrutura, e
empenhados na problemática da ligação entre corpo e cena (como
necessária confluência e interseção de volumes homólogos, olhavam com
horror a idéia da cena-pintura. De Appia à Craig, à Tairov ao
construtivismo em geral, até as experiências dadaistas e futurista, o
problema da espacialidade teatral ou participava decisivamente na
colocação em crise da própria idéia do espaço pictórico, ou a deixava de
lado, a ignorava, recorrendo à historicidade do conceito de implante
cênico, e citando os antigos, de Vitrúvio aos anteriores. 180
No que se refere às considerações de Silvio D’Amico a respeito deste evento
histórico, é importante colocar em evidência as suas confirmações sobre Reinhardt e a
sua aproximação à Copeau (as duas maneiras de fazer teatro naquele Maggio):

A montagem de Reinhardt está para o poema de Shakespeare, mais ou


menos como as ilustrações, digamos, de Gustavo Doré estão para o “Don
Chisciotte” (Don Quixote), ou para o “Orlando furioso”... Mas Reinhardt,
além e antes da interpretação do drama, nos deu uma espécie de
transposição visível do poema. Ao mundo da lenda e àquele das fadas, ele
se propôs a nos introduzir sobretudo através dos olhos; e consegui
admiravelmente, com sugestões sutis e com uma espécie de simples
magnitude.181
105

A título de confronto, a respeito da concepção do espaço cênico de Reinhardt (com


assistência de Salvini), podem ser vistas as informações do Regiebuch, analisado por
Anna Pinazzi, ainda no mesmo catálogo:

A cena se divide em três espaços cênicos: 1° superior, de onde vêm as


estradas principais e onde está situada a orquestra (invisível); 2° médio,
com declives ervosos comunicantes; 3° inferior (espaço cênico principal),
com árvores e arbustos, amplo e em semicírculo, ao qual se tem acesso de
cima, de baixo, pela direita, pela esquerda. No meio, uma escada. 182
D’Amico falará desta escolha “teatral” do espaço de Boboli (o espetáculo não se
desenvolve no jardim enquanto tal... sai do teatro, mas o lugar ao aberto influi mais
que o outro, como fundo, como moldura, dirá Pinazzi) nos seguintes termos:

Escolheu um declive do jardim de Boboli, e o transformou num sonho.


Colocando o público numa ampla plataforma construída entre o “Vivaio” e
a altíssima escadaria com diversos patamares que levam ao “Cavaliere”,
assumiu, sem dúvida, como fundo, esta escadaria, que à direita e à
esquerda é flanqueada por declives ervosos e pequenos bosques de
arbustos. No primeiro plano, duas grandes árvores de ramas gigantescas
tornaram-se os bastidores e as luzes fizeram o resto.183
Mas o espetáculo de Copeau, apresentado no Chiostro di Santa Croce de
Brunelleschi, será o que suscitará a aprovação mais entusiasta de D’Amico: realmente,
o diretor trabalhando com matéria tão deliciosa (Rappresentazione di Santa Uliva —
composição anônima que não pode ser anterior ao início do século XVI), mas
teatralmente informe, teve que recriá-la rápido e o fez conciliando, numa síntese de
indescritível genialidade, a fidelidade ao espírito do texto com o gosto mais
refinadamente moderno: digno, ao mesmo tempo, de um grande mestre de direção e de
um poeta. Quanto ao cenário criado pelo “jovem e geométrico” cenógrafo de Vieux
Colombier, Barsacq, D’Amico fará um comentário que nos permite individuar a síntese,
para ele possível, entre o respeito ao espírito do texto e o uso dos “refinamentos
modernos”:

Já que Santa Uliva, como todos os dramas medievais, tem por cenário
não um lugar, mas o mundo... Jacques Copeau deveria conservar muito
bem a característica medieval das “mansões”; todas oferecidas
simultaneamente ao olhar do público. Mas, ao invés de criar estas mansões
diante do costumeiro fundo de duas dimensões, Copeau tirou partido do
incomparável ambiente do elevado pátio de Brunelleschi. Ou seja, reunindo
os espectadores sob os pórticos, colocou a cena no meio do claustro; pediu
ao jovem e geométrico cenógrafo do Vieux Colombier, Barsacq, para
construir uma plataforma ao redor da cisterna que está no centro...; e
juntou esta plataforma, através de algumas passarelas, a outras quatro
plataformas menores, colocadas nos quatro ângulos, nuas mas, momento a
106

momento, capazes de se transformarem, com o auxílio de sugestões


mínimas, em todos os lugares da terra.184
As descrições de D’Amico são bastante amplas, tanto para o espetáculo de
Reinhardt quanto para o de Copeau. Trouxemos para a nossa análise as passagens
ilustrativas da discussão do trabalho cenográfico relacionado ao trabalho do diretor e ao
espírito do texto.
As considerações feitas até aqui nos permitem entender que a visão de D’Amico
sobre a criação do espaço cenográfico, além de subordinar este trabalho aos estudos
feitos pelo diretor, não estabelecem nenhum tipo de privilégio, nem para o estilo
pictórico, nem para o arquitetônico. O que se pode apreender como postura damiceana
fundamental é, mais uma vez a prioridade do texto dramático e a não concessão ao
fascínio da visualidade. A respeito desta última questão, vale lembrar que a constante
crítica de D’Amico às experiências do “tetro teatral” de Bragaglia se constitui num
outro marco definitivo para a afirmação desta visão, assim traduzida no Tramonto:

Se o teatro tiver que voltar a ser teatral, ninguém deve esperar que isto
possa ocorrer graças aos cenários, às máquinas, ou mesmo àquele
prodigiosos e imaterial subsídio à cena que são as luzes. Também a
“teatralidade”, palavra ruidosa e impudica, é num certo sentido algo que
provém de um fato íntimo, espiritual; de um modo de ver e de exprimir com
a palavra, as coisas.185
Da longa discussão estabelecida por D’Amico contra a “teatralidade de Bragaglia”,
tiramos partido apenas de um aspecto, isto é, daquele que remonta a visão do “teatro da
palavra” estreitamente relacionado ao “pudor” em seus claros desdobramentos para a
questão cenográfica. Se examinarmos, por exemplo, o capítulo do Tramonto dedicado
ao “Teatrinho de Bragaglia”, observaremos a visão damiceana a respeito dos pequenos
teatros no início dos anos 30:

Mas o que dizer dos nossos “pequenos teatros” que entraram na moda,
por algum tempo, há quatro ou cinco anos atrás? Publico despencando
sobre os microscópicos palcos, nenhum auxílio àquela ilusão, da qual, bem
ou mal, o teatro vive; papel e estopa que confessaram ser papel e estopa;
mesas que rangem com o andar dos atores; cortina que, ao abrir, fica no
meio.(p. 152)
Como já foi dito, somente ao final dos anos 40 e início dos anos 50, diante do
assentamento cívico de vários pequenos teatros (Stabile di Genova, di Torino,
encabeçados pelo notório e “cívico” Piccolo Teatro de Milano, de Paolo Grassi e
Giorgio Strehler) é que D’Amico conseguirá, efetivamente, sobrepor à sua visão de
teatro para uma multidão em torno de uma palavra de fé, a gradual aceitação dos
pequenos teatros, empenhados sim, mas num “humanismo cívico” que se estende no
107

início, cuidadosamente, ao espaço da cidade, visto como “limite” de necessária


“reconstrução” política, econômica, social e cultural.
No entanto, até o momento de entrada em cena deste verdadeiro movimento de
reconstrução através dos pequenos teatros — que, em suas bases fundamentais,
aglutinavam as propostas lentamente elaboradas por D’Amico e que, anteriormente,
como se viu, tiveram alguns momentos de experimentação — o que D’Amico pode
observar, em nível destas experiências, são sobretudo desvios de experimentação
tendentes a um “teatralismo espetacular”.
E a proposta damiceana para a manutenção da ilusão se transformaria apenas em
motivo de crítica aqueles pequenos teatros que permitiam “ver como é feito”, mas se
estende ao pólo oposto, isto é, às ambições “naturalistas” do grande “teatro ao aberto”.
Num famoso texto de 1935, e republicado várias vezes, O teatro se faz com papelão,
D’Amico discute a questão da ilusão em âmbito cenográfico nos seguintes termos:

É absolutamente impossível que um diretor, ou simplesmente um


empresário de nossos dias, não notem o contraste que existe entre um
monumento histórico, que exprime o espírito de uma certa época, e um
drama que não exprime de fato aquela idade, e sim o modo como poeta a
viu, a sentiu, a interpretou e a transfigurou?186
Admitida a “transfiguração” da realidade por parte do poeta dramático, o trabalho
cenográfico, impontado sob a orientação do diretor (ou empresário) é um ofício que
comporta, o mais fielmente possível, esta espécie de “atmosfera de ilusão”, que ocorre
através do estabelecimento de uma convenção:

Assim, o público que vem ao teatro não solicita realidade, mas teatro,
ou seja, ficção... por desgraça, ou melhor, por sorte, o maior dos pintores
só pode utilizar, da melhor forma possível, apenas as cores; e uma
cenografia não pode ser feita senão com tecido e papelão. Quem não
entende isto não vá ao teatro.187
Nesta opção, que exclui o “mostrar como é feito” (que tanto pode ser o resultado da
procura do virtuosismo, como da falta de acabamento) e também o abandono total da
convenção, D’Amico, ao mesmo tempo que nega “materialidade” e “verismo”, insiste
no eterno “pudor”, o que, inclusive anos depois, irá permitir que ele aplique suas
propostas de apelo à “intimidade da poesia”, em contrapartida às despesas econômicas
que tanto a chamada “visualidade” do espetáculo, como o “estro dos diretores” traziam
ao teatro.
As crônicas de Silvio D’Amico nos anos 40, sobretudo a respeito das direções de
Luchino Visconti, são exemplares desta sua impostação sobre a “visualidade” do
espetáculo:
108

O fenômeno Luchino Visconti é um fenômeno importante neste nosso


pós-guerra. Poderíamos relembrar, para o caso, o fenômeno Pavlova do
outro pós-guerra. Mas este é muito mais nosso, pertence com muito mais
incidência aos nossos costumes. No conjunto da reação comum, por parte
de nossos melhores artistas, contra o velho superficialismo e a “routine”
canastrona, Visconti assume o papel mais evidente e escandaloso; mesmo
em seu patente ecletismo parece, freqüentemente, (“Matrimonio di
Figaro”— As bodas de Fígaro — “Rosalinda” e este “Oreste”) para a
prevalência de uma agitada e faustosa coreografia da palavra. Como voltar
a dizer a ele que nós preferimos, de longa data, uma outro arte, aquela a
que ele mesmo acendeu, nos “Parenti terribili” (Parentes terríveis) e em
“Antígone”?188
Estamos em 1949 e D’Amico não pode evitar o confronto com esse filão de
propostas teatrais que, de uma forma ou de outra, redimensionam a palavra no âmbito
de um espetáculo moderno. E, nesse sentido, as montagens de Luchino Visconti, pelo
peso que adquirem neste período da história teatral italiana, são alvo de constantes
“reparos”, necessários à persistente visão damiceana. Em 1952, ao comentar a histórica
montagem de Tre sorelle (As três irmãs), D’Amico dirá que o “temperamento” de
Visconti não é aquele dos que crêem na auto-suficiência do verbo no teatro.189
Por sua vez, é interessante observar como em época de “reconstrução” italiana,
D’Amico, ao manter a mesma linha de defesa, estabelece uma relação entre economia
de recursos teatrais e economia de despesas por parte de companhias que estão em
constantes solicitações de subvenção.
O “teatro della parola” damiceano, neste momento crucial de reorganização da
sociedade italiana ainda uma vez, crivado pela ética da contenção e do não dispendio,
pode se constituir no maior ponto de referência, ao lado do Piccolo Teatro di Milano,
fundado em 1947.190
Quanto ao aspecto puramente cenográfico, pode-se dizer que a “espiritualização”,
ao ser colocada sobre aqueles meios mais materiais e concretos do espetáculo, parece
poder assinalar um ponto culminante da proposta damiceana. O teatro feito verbo
adquire, nesta direção, um sentido que ultrapassa o âmbito da palavra em senso estrito,
desdobrando-a inclusive sobre elementos cenográficos que devem, estes sim, escapar de
um imediatismo visual para atingir um plano mais sutil de significação.
A este ponto, tendo em mente o objetivo deste trabalho, não se pode deixar de fazer
referência às primeiras experimentações de Gianni Ratto, que acompanhou os
acontecimentos teatrais milaneses, junto ao grupo de Grassi e Strehler, tendo sido
cenógrafo do Piccolo, desde a sua fundação, até sua partida para o Brasil, em 1954,
onde até pouco tempo atrás trabalhou como cenógrafo e diretor.
109

As de Ratto com o “teatro della parola”, no entanto, devem ser examinadas sob
parâmetros particulares: A lição mais importante que recebi foi a de Gordon Craig, que,
por acaso, morava em Gênova... Craig e Appia foram incontestavelmente os grandes
condutores; todo um conceito de iluminação dramaticamente interpretada deve-se a
este último.191
As primeiras pontuação de Gianni Ratto sobre a necessidade de interpretação da
cenografia provêm de seus textos dos anos 40, publicados em revistas como
Palcoscenico, Spettacolo-Viaconsolare e Sipario. Ainda em 1947, Ratto, denunciando a
ausência de uma crítica cenográfica, escreve o seguinte texto:

Todo um esforço empregado para recriar um ambiente, para construir


o invólucro que deve já conter, justificando as figuras humanas
pertencentes a um mundo que deverá estar declarado já quando o pano se
abre, no momento de suspense criado pelo acender do palco e pelo apagar
das luzes da sala, é assim ignorado como se fosse uma coisa já dada, tal
como a poltrona em que se senta, indiscutível e prevista e sobre a qual não
vale a pena desperdiçar palavras e considerações. 192
No mesmo ano, em julho, na revista Sipario, Gianni Ratto formulará de maneira
mais explícita, o conceito de uma cenografia plena de significações, a serem
interpretadas:

A cenografia, justamente devido a seu aparente caráter de


exterioridade, não suscita um interesse excessivo; e o pouco que é devido,
mais do que a qualquer outra coisa, a uma aparência miraculosa que, mais
que em resultados formalmente exagerados, encontra a sua razão de ser em
modos que remetem ao ilusionismo funambulesco.193
E será ao combater não só a “aparente” exterioridade mas também os “mirabolantes
funambolismos” que Ratto definirá o seu “ambiente” como personagem.

Nos ocorreu, mais uma vez, repetir que identificamos o trabalho do


cenógrafo com o do ator, que é obrigado a se identificar na figura física e
moral de um personagem que será, de vez em vez, é obvio, diferente do
precedente.194
Necessariamente, a cenografia-personagem exigirá uma relação que vai além da
simplesmente sensível, pois:

Ao falar de “interpretação” do ambiente, nos preocupamos em extrair


deste “lugar” a ser traduzido (num processo que é ao mesmo tempo
recriador, crítico e estético), tanto as intenções secretas do autor do texto
quanto as intenções declaradas do autor do espetáculo.195
Como se pode notar, na concepção de Gianni Ratto — distante tanto da “cenografia
decorativa” ou do pano de fundo, como da cenografia excessivamente preciosista e
virtuosa por si mesma — a proposta do diretor intervém diretamente. De fato, anos
110

depois, ao falar de sua experiência junto ao Piccolo, expressará uma espécie de


necessário esclarecimento ao dizer que tudo o que eu fazia era discutido, analisado,
criticado, destruído, recriado, através de longos e exaustivos debates com Strehler, que
eu considerava, e continuo a considerar, como meu mestre.196
Mesmo sem esquecer o fato que Ratto considera os anos passados na Itália, antes
de vir ao Brasil, como um período experimental sem definições estéticas,197 não parece
inexato vincular estas suas considerações (teóricas e práticas), que associam a
cenografia à direção e a um tipo particular de interpretação, àquelas bases comuns da
formação dos italianos que vieram para o Brasil. Para o seu caso particular, o
desenvolvimento paralelo de um trabalho em direção e em cenografia é o sinal mais
evidente.

1
As aspas procuram chamar atenção para uma leitura habitual do termo que o associa a um juízo de valor
positivo. Também neste sentido, como será visto, foi utilizado pelos envolvidos na chamada
modernização teatral e permanece ainda hoje como termo referencial para o “bom” teatro. Desta forma,
talvez a presente pesquisa possa auxiliar nesta discussão. Esclarecido o quadro do problema, daqui por
diante, as aspas serão dispensadas.
2
Destacamos: DORIA, Gustavo A. Moderno teatro brasileiro. Rio de Janeiro: SNT-MEC, 1975;
MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. Rio de Janeiro: SNT-MEC, s/d; PRADO, Décio de
Almeida. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: EDUSP-Perspectiva, 1988.
3
Ver, sobretudo: MELLO E SOUZA, Antonio C. de. “ Literatura e cultura de 1900 a 1945”. IN:
Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1973; “Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade”.
IN: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970; “Literatura e subdesenvolvimento”. IN: Argumento,
Revista Mensal de Cultura. São Paulo: Paz e Terra, ano 1, n° 1, outubro de 1973; LAFETÁ, João L.
1930: A crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
4
Cf. Araújo, Henrique Oscar da S. O teatro e a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Rio de Janeiro:
Ed. Autor, 1985, pp. 13 e 14, respectivamente.
5
MAGALDI, Sábato. Op.cit., p. 182. É interessante notar como o autor já insinua uma espécie de
defasagem teatral no conjunto das artes ao notar que o nosso teatro não atingira nem mesmo o
“naturalismo”: Não seria mesmo verossímil que a prática de uma comédia sentimental, muitas vezes
rasteira e padronizada nos efeitos a alcançar sobre a platéia, se sensibilizasse com a audácia de uma
pintura, que abandonava a paisagem e o retrato fotográficos, e a poesia, que expunha ao ridículo a
preocupação formalista da rima rica.
6
ANDRADE, Mário de. “O movimento modernista”. IN: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo,
Martins, 1974(5), pp. 231-232.
7
ANDRADE, Mário de. Aspectos da literatura brasileira, op.cit., principalmente “A elegia de abril”
(1941) e “O movimento modernista” (1942).
8
JACOBBI, Ruggero. Teatro in Brasile. Bologna: Capelli, 1961, p. 81.
9
Penso que, talvez sob certa angulação, pode ser visto com maior clareza o posicionamento dos
inovadores frente à obra de Gastão Tojeiro, Onde canta o sabiá (1912) e de Joracy Camargo, Deus lhe
pague (1932). Por outro lado, o limite da inovação apenas dramática/literária retardaria as encenações das
obras de Oswald de Andrade: O rei da vela (1933), O homem e o cavalo (1934) e A morta (1937).
10
BOPP, Raul. “ Notas”. IN: Cobra Norato e outros poemas. Rio de Janeiro: Bloch, 1951, p. 76.
11
Idem, p. 77.
12
JACOBBI, Ruggero. Lirici brasiliani dal modernismo ad oggi. Milano: Sansoni, 1960.
13
MESQUITA, Alfredo. “Origens do teatro paulista”. IN: Dionysos, Rio de Janeiro, MEC-SNT, n° 25,
setembro de 1980, pp. 33-34.
14
Idem, pp. 34-35.
15
Não se considera necessária retomar aqui toda discussão em torno da vinculação dos modernizadores
com a aristocracia paulista. A mais bela síntese deste quadro é feita pelo próprio Mário de Andrade
111

quando, em 1942, ao fazer um balanço do modernismo conclui: o aristocratismo me puniu, in “O


movimento modernista”, op.cit. p. 252.
16
MESQUITA, Alfredo. “Notas para a História do Teatro em São Paulo”. IN: Revista dos Tribunais. São
Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., 1951, p. 6. Estas “notas” se constituem em
artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo, em fevereiro e março de 1950.
17
MESQUITA, Alfredo. “Origens do teatro paulista”, op.cit. , p. 39.
18
Que toda uma etapa da renovação será impulsionada pelos grupos amadores, já foi dito. O que se quer
frisar aqui é que, aos olhos destes mesmos grupos e dos teóricos inovadores do período, a modernidade
teatral esteve sempre associada a um “amor à arte” que se traduzia em seu estudo e não na sua venda,
como fazia a “velha guarda profissional”.
19
MESQUITA, Alfredo. “Origens do teatro paulista”, op.cit. , p. 35. O relato de Alfredo Mesquita sobre
o próprio nascimento do GTE é, aliás, bastante significativo para o problema que se está levantando: Foi
ali (na Livraria Jaraguá, fundada também por ele e por Roberto Meira) que, nesse mesmo ano (1942),
Pussy Smallbones, filha do Cônsul inglês em São Paulo e diretora do grupo dos English Players, sugeriu
que fundássemos nossos dois grupos (o nosso ainda não tinha nome) num só. É que a turminha dos
nossos “fiéis”, como diria M.me. Verdurin, que interpretara minhas três fantasias, criara gosto pela
coisa mostrando-se ansiosa por continuar a representar... Convoquei os membros de um e de outro
grupo, mais alguns interessados pelo assunto. Organizaram-se reuniões, à noite, na sala de chá da
Jaraguá. Debateu-se o assunto, elegeu-se a diretoria, definiram-se diretrizes, elaborou-se um programa,
deu-se o nome ao movimento: Grupo de Teatro Experimental, sugestão de Almeida Salles, eleito seu
primeiro presidente.
20
A 21 de outubro de 1943, O Estado de São Paulo apresenta uma “nota” sobre o GUT, dizendo que este
grupo é bem uma expressão do momento que ora atravessamos, pois foi fundado com o propósito de
colaborar na obra magnífica dos “Fundos Universitários de Pesquisa para Defesa Nacional”... A nota é
transcrita in Dionysos, n° 25, op.cit., p. 70. Sobre o papel da Universidade de São Paulo em seu
desempenho de atualização cultural remete-se ao texto de MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da
cultura brasileira (1933-1974). Tese de Livre-Docência, Departamento de História, USP, São Paulo,
mimeo., 1975.
21
CARLOS MAGNO, Paschoal. “O Teatro do Estudante”. IN: Dionysos, Rio de Janeiro, MEC-SNT, n°
23, setembro de 1978, pp.3-4.
22
FRANCIS, Paulo. O afeto que se encerra. Memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p.
98.
23
Idem, p. 110.
24
Idem, p. 102.
25
Idem, p. 107. A “nacionalização” de Shakespeare tem aqui sentido duplo. Refere-se, inicialmente, à
primeira versão brasileira da peça, de Onestaldo Pennafort, à qual, as críticas a Romeu e Julieta, sempre
conferiam um peso de nacionalidade. Num segundo momento, como se verá, o parâmetro da
nacionalização em Romeu e Julieta será elaborado, aos olhos de Paulo Francis, pelas péssimas condições
de sua montagem ou, ao menos, de sua representação à essa época.
26
Idem, pp. 101 e 107.
27
Cf. BERSANTE, Cássio E. Santa Rosa em cena. Rio de Janeiro: MEC-INACEN, 1985, p. 40.
28
Ver as considerações delineadas por Gustavo Doria e Paulo Francis, op. cit.
29
Para uma discussão em torno da figura do “grande ator” da chamada Geração Trianon remetemos ao
nosso ensaio Dulcina de Morais e a modernização do teatro brasileiro. Rio de Janeiro, mimeo., 1984.
30
DORIA, Gustavo, op.cit., p. 74. Para uma melhor observação da questão escolar em Copeau,
remetemos ao texto: CRUCIANI, Fabrizio. Jacques Copeau o le aporie del teatro moderno. Roma:
Bulzoni, 1971.
31
BARSANTE, Cássio E. Santa Rosa em cena, op. cit. O autor, através de citações e comentários, no
corpo do texto e nas ilustrações, participa desta constante referência ao despojamento da cenografia de
Santa Rosa. Se observarmos as ilustrações dos croquis do “dispositivo cênico fixo” (in Jacques Copeau,
op. cit.) e algumas das fotos dos cenários de Santa Rosa (também in Dionysos, Rio de Janeiro, MEC-
SNT, n° 22, dezembro, 1975), as associações tornam-se imediatas.
32
LINS, Ronaldo L. O teatro de Nelson Rodrigues. Uma realidade em agonia. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1979(2); SÜSSEKIND, Flora. Nelson Rodrigues e o fundo falso. Rio de Janeiro: MEC-SNT, 1977;
LOPES, Ângela L. Le tragique dans le thêàtre de Nelson Rodrigues. Tese de doutoramento. Paris I, 1985;
MAGALDI, Sábato. Nelson Rodrigues: dramaturgia e encenações. São Paulo: EDUSP/ Perspectiva,
1987.
33
JACOBBI, Ruggero. Teatro in Brasile, op. cit., p. 88.
34
RODRIGUES, Nelson. “O ensaio geral”. IN: Dionysos, n° 22, op. cit., pp. 51-56.
112

35
Paulo Autran chega a fazer referência a um colocar as mãos sobre o texto, em sentido radical, dizendo
que Ziembinski modificou o roteiro inicial da peça... sugeriu a transformação das cenas, a criação de
inúmeros detalhes... IN: “Entrevista”. Dionysos, n° 25, op. cit., p. 171.
36
RODRIGUES, Nelson. “O ensaio geral”. IN: Dionysos, n° 22, op. cit., p. 52.
37
LEITE, Luiza B. “A fase heróica”. IN: Dionysos, n° 22, op. cit., p. 42.
38
LINS, Álvaro. “Algumas notas sobre Os Comediantes”. IN: Dionysos, n° 22, op. cit., p. 62. Quando
redigimos esta primeira parte do nosso trabalho, em 1983, talvez apressadamente tenhamos atribuído um
pioneirismo demasiado à crítica renovadora de Álvaro Lins. Atualmente podemos remeter ao trabalho de:
LARA, Cecília. De Pirandello a Piolin. Alcântara Machado e o teatro no modernismo. Rio de Janeiro:
MEC-INACEN, 1987.
39
MENDONÇA, Paulo. “A doce inimiga”, in “Teatro em 30 dias”. IN: Revista Anhembi, n° 27, São
Paulo, fevereiro de 1953, pp. 529-530.
40
CÂNDIDO, Antônio. “Literatura e subdesenvolvimento”. IN: Argumento. Revista Mensal de Cultura.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, Ano I, n° 1, outubro de 1973. Na fase de consciência amena do atraso,
correspondente à ideologia de “país novo”; e na fase da consciência catastrófica de atraso,
correspondente à noção de “país subdesenvolvido”, pp. 9-10. Em 1953, o Teatro de Arena da cidade de
São Paulo surgia disposto a um olhar mais frontal para a nossa “realidade subdesenvolvida”.
41
Ainda hoje se debate sobre as referências verdadeiramente empresariais do TBC. Segundo Yan
Michalski, em conversa pessoal em maio de 1988, os membros da sociedade poderiam ser considerados
como sócios quotistas de uma empresa teatral moderna e, pelo menos uma vez, o TBC teria recebido
subvenção oficial do Governo do Estado para as montagens teatrais comemorativas do IV Centenário da
cidade. Segundo: GUZIC, Alberto. TBC: crônica de um sonho. O Teatro Brasileiro de Comédia. 1948-
1964. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 13. Para levantar os fundos destinados à instalação da sala de
espetáculos e o capital necessário ao seu funcionamento, Zampari e Cicillo Matarazzo criaram a
Sociedade Brasileira de Comédia, entidade sem fins lucrativos para a qual convidaram duzentas figuras
da sociedade paulista.
42
Sob a orientação do Professor Roberto Tessari, junto ao Istituto di Storia dell’Arte dell”Università degli
Studi di Pisa, durante o período acadêmico 80-81, 81-82 e 82-83, e, em parte, subvencionada pela bolsa
usufruída através do acordo entre o Ministero degli Affari Esteri e o Ministério das Relações Exteriores.
43
Quanto à parte documental, junto às citações incluídas no texto, às quais se recorreu insistentemente,
foi criada a possibilidade de recuperar para o Brasil outra grande parte da documentação utilizada na
pesquisa, através de um Auxílio Técnico do CNPq, que permanece à disposição dos interessados no
arquivo do CENACEN, Rio de Janeiro, abrindo espaço para pesquisas futuras.
44
JACOBBI, Ruggero. “Le tesi di Saint Vincent”. IN: Le rondini di Spoleto. Svizzera: Munt Press, 1977,
pp. 151-152.
45
D’AMICO, Silvio. Il tramonto del grande attore. Milano: Mondadori, 1929. Todas as citações ao texto
de D’Amico, indicadas apenas pelas páginas referem-se a esta edição. Não parece necessário retomar aqui
as discussões a respeito da importância que esta obra tem desde período de sua publicação até hoje. Ela
apresenta-se como ponto de referência fundamental — particularmente por tratar-se de uma “teorização”
em forma de ensaio e não mais de crítica jornalística — que procura clarear as afirmações anteriores do
autor, espalhadas diacronicamente em jornais e revistas. É impossível não visualizar aqui uma espécie de
“esclarecimento” em relação à polêmica em torno do “desaparecimento do grande ator”, pelo qual, não
poucas vezes a obra em questão foi considerada responsável. Segundo D’Amico este “declínio” decorre
da “necessidade dos tempos” e não de uma decisão pessoal. Nos parece significativo, de qualquer forma,
que alguns anos antes (1919) tenha surgido Il tramonto del litterato, de Luigi Russo, destinado a uma
miscelânea em louvor a Croce.
46
Em 1941, num folheto dedicado à Reggia Accademia D’Arte Drammatica di Roma, Firenze, Le
Monnier, D’Amico continuava a dizer que o fato coincide exatamente com outro, que a Itália perdeu no
campo da cena — se fala aqui da cena, não do drama — um primado que durou séculos. (p. 8)
47
A questão da “italianidade” será um ponto fundamental da política cultural adotada em relação ao
teatro. Dentro dela, a questão do autor foi essencial e ia desde a figura do escritor até a temática do texto.
Neste sentido a proposta de D’Amico tentará provocar um deslocamento: o nível “artístico” (do texto e da
representação) seria sempre a melhor forma de propaganda: esta não precisava ser “proposital”. A
propaganda que o teatro poderia fazer da Itália seria conseqüência do bom teatro, feito no país. O projeto
da italianidade da legislação fascista em relação aos autores era determinado: pela preocupação com a
regulamentação dos direitos dos autores (a primeira providência do regime, em 1925, ditava as disposição
sobre os direitos do autor que, entre outras coisas, retirava da Società Italiana degli Autori e Editori
(Sociedade Italiana de Autores e Editores) os direitos dobre as obras caídas no domínio público para
repassá-las ao domínio do Estado; pela obrigação da representação de autores italianos nas
filodramáticas, submetidas ao controle direto do governo, através do Dopolavoro; pela política de favores
estabelecida em âmbito cultural (e podem ser observadas, por exemplo, as relações com Pirandello e
113

Bragaglia, documentada por ALBERTI, Alberto Cesare. Il teatro nel fascismo. Roma: Bulzoni, 1974;
pelo controle sobre os autores representados nos teatros universitários organizados nos GUF (em relação
aos teatros universitários parece ressaltar, mais que a obrigatoriedade restritiva a autores italianos, a
italianidade preservada dos “traidores”:... proibidos os ingleses, montávamos os irlandeses, Adolfo Celi,
in Entrevista, Roma, 20 de dezembro de 1982, introduzida no Apêndice do presente trabalho); pela
política de incentivo aos jovens autores italianos que cria, em 1928, prêmios de encorajamento a autores,
entidades e institutos que tenham realizado ou promovido obras de particular valor para a cultura ou
indústria (RD, 26 de abril de 1928). Procurou-se dar apenas um quadro genérico da intervenção fascista
na questão do autor, com o objetivo de sintetizar uma linha que percorre a “regulamentação dos direitos”,
a constrição, o controle e os incentivos. Para uma visão mais detalhada sobre a legislação teatral no
período fascista ver: CLARI, F. & PALMIERI, O. P. Il teatro di prosa nel periodo fascista.
Documentazione relativa alla tesi. Torino, mimeo, 1972.
48
Neste ano, D’Amico introduzia uma coletânea de artigos seus com um texto que, fazendo uma
prestação de constas das suas atividades anteriores — em relação a situação do teatro dramático —
traçava um rico, e raro ao seu tempo, panorama das relações entre o Estado e o teatro nos anos do
fascismo. E é dentro deste panorama que D’Amico dirá: Que outra arte, na Itália, desceu a um nível tão
baixo assim? Enumerem em suas mentes os nomes dos músicos italianos mais seriamente cotados na
atualidade, na pátria e no estrangeiro; pensem nos nossos melhores literatos, nos nossos pintores,
escultores e arquitetos mais seguidos e discutidos; e depois contem quantos são nomes dos dramaturgos
italianos, vivos e ativos, que podem acompanhar os demais, decorosamente. Não podemos dizer que não
existem; digamos que os dedos de uma só mão são muitos para contá-los. “Situazione del teatro
drammatico”. IN: Il teatro non deve morire. Roma: Eden, 1945, p. 60.
49
D’AMICO, S. Progetto per la creazione di un Istituto Nazionale del Teatro Drammatico. Um exemplar
do projeto foi encontrado no Museo dell’attore di Genova, sem paginação. Uma cópia encontra-se
atualmente no setor de Documentação do CENACEN. Do ensaio La crise del teatro. Roma: Crítica
Fascista Ed., 1930; ao artigo “Soluzione totalitaria”. IN: Il Giornale d’Italia, 23 de abril de 1942, observa-
se a afirmação do pensamento de D’Amico sobre a crise do teatro, a partir dos mesmos pressupostos
básicos. O primeiro se coloca como documento de base anexado ao projeto de reforma do Istituto
Nazionale del Teatro Drammatico e o último “toma emprestado” o primeiro para testemunhar a existência
de uma luta de doze anos. No que se refere aos elementos em crise, sob o aspecto do teatro dramático,
ambos apontam uma crise de “repertório”. A idéia de incentivo aos autores jovens será levada em
consideração nos dois textos, mas o acento recai sempre sobre o momento da escolha e da representação e
não na ausência de dramaturgos.
50
Ver os seus estudos sobre D’Annunzio e Pirandello in Storia del teatro drammatico. Milano: Rizzoli,
1941.
51
Esta visão de uma impossibilidade de ensinar “fazer poesia”, ou seja, de uma escola para autores
dramáticos será sempre retomada nos discursos sobre a Academia, escola para diretores e atores), por ele
fundada em 1936, em Roma. Assim afirmava em 1938: Diz-se que a arte não ensina. Talvez, mas ensina-
se a técnica. Uma escola de poetas é, certamente, impensável..., “Poeta nascitur, ora tor fit”, in
“Preparazione alla scena moderna”. IN: Revista Italianna del Dramma, n° 3, 15 de maio de 1938, p. 2. O
assunto é retomado praticamente nos mesmos termos no opúsculo La regia Accademia d’Arte
Drammatica di Roma, op. cit., p. 7.
52
O projeto assim afirma: Mas o “Studio Eleonora Duse” não deve abrigar apenas um teatro-escola
para ensaio dos alunos de interpretação, de cenografia e de “régie”. Ele deve servir, como já se
apontou, como teatro experimental, para a experimentação de novos autores: e aqui, temos a intenção de
agir em estreito acordo com a Società degli Autori (p. 107). Deve-se mencionar também o acordo com a
Società degli Autori não se dava somente por intermédio da criação de uma comissão. O projeto, no item
“Financiamento”, pedia à Società uma modesta contribuição, que interessa aos autores, para a criação
de um teatro experimental no “Studio Eleonora Duse” (algumas milhares de lira de dotação para as
sumárias montagens dos trabalhos previamente selecionados e para remunerar a Comissão de Leitura;
nós em troca disso, lhes forneceremos nada menos que os atores, p. 114). É interessante notar que no
pedido de auxílio financeiro à Corporazione dello Spettacolo (que tem dentre várias finalidades, aquela
de subvencionar empreendimentos como o nosso, p. 114), D’Amico solicitava que parte destas somas (L.
320.000 no primeiro ano, L. 1.650.000 nos anos sucessivos) a Corporazione obtivesse do Estado,
pedindo-lhe a restituição para o teatro da receita que o Tesouro Público retira da taxa do chamado
Domínio de Estado, aplicada às execuções teatrais de obras caídas no domínio público (p. 114). In
D’AMICO, S. Progetto per la creazione di un Istituto Nazionale del Teatro Drammatico, op. cit.
53
D’AMICO, S. “L’on. Mussolini, per un teatro d’arte”. IN: L’Idea Nazionale, 31 de maio de 1923.
54
D’AMICO, S. “Il problema del repertorio. Dalle filodrammatiche ale compagnie/ Dall’Accademia al
teatro”. IN: La Tribuna, 07 de dezembro de 1995.
114

55
D’AMICO, S. “Italianità del repertorio”. IN: La Tribuna, 03 de outubro de 1929. Reproduzido in Il
teatro non deve morire, op. cit.
56
ALBERTI, A. C. op.cit., p. 128.
57
CHIARELLI, L. & FRACCHIA, J. “Per una radicale riforma del teatro di prosa”, em 09 de fevereiro
de 1924, op.cit., p. 241.
58
Citado por CANNISTRARO, P. V. “Il teatro nel facismo”. IN: Scena, jun./set. de 1976, p. 30. Segundo
ALBERTI, A. C. Op.cit., p. 66, a resposta era dada ao Ministero delle Coporazioni, que anteriormente
havia comunicado a proposta, do Istituto Nazionale del Teatro Drammatico, de criar dois teatros
modernos, em Milão e em Roma. De acordo com as informações fornecidas na p. 427 da
Documentazione..., op.cit, a resposta fora dirigida a Bottai quando este desenvolveu a proposta ulterior de
construir um novo e moderno teatro em Roma, que teria sido projetado por Piacentini.
59
“Mussolini parla agli scrittori”. IN: Nuova Antologia, n° 3, maio-junho de 1933, pp. 187-193.
Reproduzido in CLARI, F. & PALMIERI, O. P. op.cit, p. 421.
60
Para uma observação da intervenção do fascismo nas filodramáticas (em 1927 a OND começou a
“coordenar” as associações locais) e para uma visão mais ampla das relações entre fascismo e a política
geral da formação de “consenso e cultura de massa”, veja-se o estudo de GRAZIA, V. Consenso e
cultura di massa nell’Itália fascista. Roma: Bari, 1981, especialmente o capítulo VI. Vale dizer, contudo,
que a autora estabelece duas etapas fundamentais da política de intervenção fascista na produção cultural.
Num primeiro momento, os objetivos estão direcionados para uma política de recreação, de lazer,
destinada, de acordo com o modelo taylorista, à organização e ao aumento de produtividade. Num
segundo momento é associada inclusive à política imperialista e aos primeiros sintomas de desajustes do
regime, afirmando uma política cultural produtora de consenso e plena de nacionalismo.
61
BRAGAGLIA, A. G. Carta escrita a di Marzo, em São Paulo, a 05 de junho de 1937. Reproduzida in
ALBERTI, A. C. Op.cit, pp. 282-283.
62
BRAGAGLIA, A. G. Carta escrita a di Marzo, em São Paulo, a 02 de julho de 1937. Reproduzida in
ALBERTI, A. C. Op.cit, p. 283.
63
Inclusive no projeto de criação do Instituto tomava consciência da importância econômica das tournées:
E atividades não menos rendosas podem ser esperadas das “tournées” ao estrangeiro (especialmente na
América do Sul), in “Progetto...”, op.cit.
64
D’AMICO, S. “Il teatro e lo Stato”. Conferência apresentada durante a discussão do 5° tema: “Il teatro
di Stato. Esperienzi delle organizzazioni esistenti - Necessità – Programmi – Scambi”, do “Convegno di
Lettere” Il Teatro Drammatico, de 08 a 14 de outubro de 1934 – XII, Roma, Reale Accademia d’Itália,
1935 – XIII, p. 324.
65
Na mesma conferência, D’Amico discorre sobre a diferença entre teatro “de propaganda” e teatro “de
tese”. Fica claro (ao longo do discurso que falava tanto no teatro da “República dos Sovietes”, como
também no teatro do Estado Nazista) que, para D’Amico, é sempre possível que o nível artístico do teatro
seja uma propaganda do país de origem, mas é uma coisa completamente diferente querer entender como
sendo de tese o teatro que tivesse que mostrar a bondade da ideologia e da prática do regime e a
iniquidade de seus adversários. Idem, p. 322.
66
D’AMICO, S. “Teatro di propaganda?”. IN: Scenario, novembro de 1933. Reproduzido in Il teatro non
deve morire, op.cit., 166.
67
Idem, p. 166. Comentário à uma entrevista de Max Reinhardt sobre o assunto.
68
O Congresso se desenvolvia a partir de cinco temas: 1. Condições do Teatro Dramático em Confronto
com Outras Formas de Espetáculo; 2. Arquitetura dos Teatros: Teatro de Massa e Teatrinhos; 3.
Cenotécnica e Cenografia; 4. O Espetáculo na Vida Moral dos Povos; 5. O Teatro de Estado.
Experiências das Organizações existentes. Necessidades – Programas – Intercâmbios. Sem entrar aqui na
discussão sobre a importância do Congresso (que por si só mereceria uma análise mais aprofundada), vale
mencionar à título de confirmação apenas alguns trechos do discurso de abertura do Presidente do
Congresso, Luigi Pirandello. Enumerando uma série de eventos, Pirandello conclui pela sede cotidiana
de espetáculos que o povo agora sente e a partir deste quadro prossegue: já que, se é verdade que o teatro
não pode morrer, também não é menos verdadeiro que ele precisa ser defendido, ou melhor, ser colocado
em condições de se defender, também por si mesmo, justamente na concorrência com outros espetáculos
que: ou já têm sustentações valorosas, grandes subsídios e dotações da parte do Estado ou de outras
entidades públicas como, por exemplo, o teatro lírico; ou têm o favor do momento, como parte, novos
estádios; ou são espetáculos novos que, pela enorme vantagem de sua reprodução mecânica e a
conseqüente facilidade de suas apresentações podem ser repetidos inclusive mais de uma vez por dia em
vastíssimas salas...(p. 20).
69
D’AMICO, S. Invito al teatro. Morcelliana: Brescia, 1935, p. 87. Reproduzido in Il teatro non deve
morire, op.cit. pp.164-165.
70
O repertório de textos qualificados norteará todo movimento europeu dos Teatros de Arte das primeiras
décadas do século XX.
115

71
Mattatore segundo a Enciclopedia dello Spettacolo (Garzanti): mattatore é o ator que predomina em
absoluto num espetáculo em detrimento dos demais intérpretes. Pode-se dizer, sinteticamente, que aos
olhos de D’Amico a perda da genialidade do grande ator romântico fez dominar a realidade ditada pela
figura negativa do ator mattatore. A questão do mattatore, como se vê, se insere na problemática do
tradiocional virtuosismo do ator italiano, frente à qual D’Amico não irá se omitir.
72
D’AMICO, S. Situazione del teatro drammatico, op.cit, p.80.
73
JACOBBI, Ruggero. Campo di marte trent’anni dopo, 1938-1968. Firenze: Vallechi, 1969, p. 34.
74
CROCE, B. Ariosto, Shakespeare e Corneille. Bari-Laterza, 1950, 4ª edição. Todas as citações referem-
se a esta edição. Foram examinadas as edições de 1920 e 1929, e em relação a ela Croce, em 1950, não
realizou nenhuma alteração significativa. As citações utilizadas também não apresentam mudanças de
terminologia e se nota que, por vezes, Croce retoma as edição de 1920 certas palavras substituídas na
edição de 1929. Lembramos que a 2ª edição contém um apêndice sobre a poesia de Racine (apreciação do
livro de Vossler sobre Racine). Quanto aos “débitos” da crítica teatral em relação a Croce, ver: BONINO,
Gustavo Davico. Gramsci e il teatro. Torino: Einaudi, 1972; ele visualiza uma escalation de Croce na sua
fúria contra o teatro. Para este autor os ensaios contidos em Ariosto, Shakespeare e Corneille seriam a
obra de redução, em base crítica, do teatro à pura partitura literária para ser lido (e avaliado como um
simples “texto” e em base teórica os ensaios seriam obras), aviltamento do teatro reduzido a uma
subespécie da oratória, a um entretenimento (redução e aviltamento que seriam explicitados por Croce
nas sínteses da maturidade). O grande estímulo da nossa verificação dos texto de Croce a partir dos
pressupostos damiceanos foi exatamente a afirmação contundente de Bonino de que a verdade é que
contra a supremacia do método croceano, que durou meio século, inclusive no campo dos estudos
teatrais, nenhuma outra metodologia entrou em campo: aconteceu o oposto com os estudos literários
(pp.28-29).
75
BENJAMIN, Walter. L’opera d’arte nell’epoca della sua riproducibilità tecnica. Torino: Einaudi,
1966. Dentre os esforços de reflexão empenhados em decifrar as novas relações entre a produção cultural
e os meios de produção colocados à disposição pelo progresso técnico — que poderiam mudar o próprio
conceito de arte — ressalta a Escola de Frankfurt na qual o texto de Benjamin representa um momento
muito particular: procurou descobrir as possibilidades positivas que a reprodução técnica da obra de arte
contrapõe à “aura” (aristocrática) da obra única. Devem ser vistos, posteriormente, por exemplo, os
esforços sucessivos de Adorno para denunciar o nascimento de uma “aura” de um novo tipo nos produtos
artísticos, que atravessados pela indústria cultural e pela sociedade de massa tornam-se “reificados”.
76
D’AMICO, S. “Teatro di Stato e teatro sperimentale” (Marinetti e d’Errico agli Indipendenti). IN: La
Tribuna, 01 de fevereiro de 1927.
77
JACOBBI, R. “Le tesi di Saint-Vincent”, op.cit, p. 143.
78
Estamos tocando aqui numa área tão fundamental quanto delicada e ligada à historiografia do teatro
italiano: as relações que os estudiosos da história do teatro estabelecem com a tradição dos atores da
commedia dell’arte. Mesmo sem dedicar uma atenção exaustiva ao assunto, não se pode abandonar uma
questão que — de alguma forma, parodiando a própria história teatral — insiste em se fazer presente,
perpassando também as proposições de D’Amico. Os critérios por ele elaborados em prol de um
“moderno teatro italiano” apresentam vínculos com este verdadeiro subterrâneo cultural e que podem ser
traduzidos nas fórmulas: teatro estável contra teatro “vagabundo”; fidelidade ao texto contra livre criação
dos atores; educação técnica sistemática contra “os filhos da arte”. Neste sentido as formulações que ele e
a sua época tentam dar a um fenômeno de cultura teatral de mais longa duração e que, sob novas vestes,
exige medidas diferentes. Para as perspectivas que a obra abre nesta direção veja-se: TESSARI, Roberto.
Commedia dell’Arte: la maschera e l’ombra. Milano: Musia, 1981. Deve-se também dizer que a
possibilidade de freqüentar os seus cursos no Istituto de Storia dell’Arte dell’Univesità degli Studi di Pisa
(80-81 e 81-82), sobre constelações mitológicas em torno da figura do ator, foi fundamental para esta
verificação teórica e metodológica.
79
D’AMICO, S. “Per un teatro degli autori”. IN: Revista Italiana del drama, março de 1937.
Reproduzido in Il teatro non deve morire, op.cit, p. 175-76.
80
D’AMICO, S. “Per un teatro degli autori ossia: per un teatro d’arte”. IN: L’Idea Nazionale, 09 de
agosto de 1924. Reproduzido in Il teatro non deve morire, op.cit, p. 171.
81
D’AMICO, S. “Situazione del teatro drammatico”, op.cit, pp. 16-18.
82
Esta dependência da representação já havia sido discutida em sua introdução ao ensaio Maschere.
Reafirmando a necessidade do conhecimento do texto e da importância cultural do crítico teatral,
D’Amico diz que assim como justa ou injustamente as obras dramáticas são difundidas e conhecidas
através da ribalta, as questões culturais; e como tais podem interessar a qualquer tipo de público,
inclusive ao público intelectual. De fato se não de direito, a arte dramática existe “em função” da
interpretação cênica; esta teve uma importância, uma influência decisiva sobre aquela; não só a técnica,
mas a própria concepção do poeta trágico e cômico está e sempre esteve na dependência direta dos
modos de execução da sua obra. IN: Maschere, Roma: Mondadori, 1921, p.10
116

83
D’AMICO, S. “Situazione del teatro drammatico”, op.cit, p. 18.
84
D’AMICO, S. “L’on. Mussolini, per un teatro d’arte”, op.cit.
85
D’AMICO, S. “Situazione del teatro drammatico”, op.cit, p. 20.
86
A lembrança do “debate filológico” ocorre, por exemplo, no ensaio Dal capocomico al regista, inserido
no livro Cinquant’anni di teatro in Itália, sob os cuidados Centro di Ricerche Teatrali. Roma: Basletti,
1954. O artigo “Varo di due vocabuli” , do filólogo Bruno Migliorini é reproduzido integralmente nas
páginas 188-89, do segundo volume das Cronache del teatro, de Silvio D’Amico: PALMIERI, E.
Ferdinando & D’AMICO, Sandro (org.). Bari: Laterza, 1963 (Vol. I); 1964 (Vol. II).
87
D’AMICO, S. “Compleanno di due vocabuli”. IN: Scenario, 1937. A citação encontra-se na tese La
revista teatrale “Scenario” negli anni della direzione D’Amico, de Chiara Angelini, Pisa, mimeo, 1982,
p. 140. Além de uma ampla exposição sobre o “debate” encontra-se aí uma excelente discussão sobre as
práticas de direção iniciadas com o Maggio Fiorentino, 1933 (presença de Reinhardt e Copeau), com a
Biennale de Venezia, em 1934, através da organização de um Festival de Teatro Dramático.
88
“Projeto de Lamberto Picasso”, op.cit, p. 127.
89
Idem, p. 128.
90
CHIARELLI, L. & FRACCHIA, J. “Per una radicale riforma del teatro di prosa”, op.cit, p. 240.
91
ALBERTI. Op.cit, p. 313.
92
“Lettera di Pirandello a Mussolini”. IN: ALBERTI. Op.cit., p. 130.
93
ALBERTI. Op.cit., p. 315. Neste mesmo ensaio o autor fala da teorização de Bragaglia sobre Ricciardi
em suas primeiras experiências com a “luz psicológica”, p. 94.
94
O uso da expressão “corego sublime” é freqüente nas referências a Anton-Giulio Bragaglia tomada em
empréstimo do título do artigo: CALENDOLI, Giovanni. Maske und kothurn, 1966. Helft – IV. Para uma
visão mais profunda sobre a presença teatral bragagliana veja-se: ALBERTI, A. C. Poetica teatrale e
bibliografia di Anton-Giulio Bragaglia. Roma: Bulzoni, 1978.
95
“Memoriale di Bragaglia a Mussolini”. IN: ALBERTI. Op.cit, p. 225.
96
Idem, p. 225.
97
Idem, p. 226. ALBERTI faz importantes considerações a respeito do “determinismo do régisseur”,
sobre os textos representados no teatro de Bragaglia, sobretudo através das montagens dos textos de
Cornélio di Marzio: Naturalmente, sendo quase que programática, nos Independenti, a reação a um texto
literário não nascido sobre as tábuas do palco, Bragaglia, como aliás havia tentado e tentará em todas
as outras obras encenadas no experimental, procurará “ordenar” também o texto di Marzio diretamente
durante as provas (p. 67). Uma caracterização de Bragaglia-diretor não tão centrada nos aspectos do
aparato cênico, mas sobretudo vinculada à questão do “controle do grande ator” é oferecida por uma
recordação de Ruggero Jacobbi que trabalhou com Bragaglia no Teatro delle Belle Arti, dirigindo para
esta Companhia, em sua última temporada (dezembro, 1942), La donna romantica e il medico
omeopatico, de Riccardo de Castelvecchio: eu disse adeus a ele em dezembro de 1946. Eu partia para
América do Sul com uma companhia dramática italiana: Bragaglia me deu de presente um chicote. — O
que é isso? Perguntei. — O centro antiborbonico. Eu sorria embaraçado, não entendia e ele explicou: —
é o que eu usava quando tinha companhia com Borboni. E com a companhia Borboni ele havia levado à
América do Sul, pensava que agora, a primeira companhia italiana que no pós-guerra se dirigia à
América do Sul deveria levar aquele troféu: o cetro antiborbonico, símbolo do poder do diretor. (grifo
meu). IN: JACOBBI, R. Teatro da ieri a domani. Firenze: La Nuova Italia, 1972, p. 97.
98
“Memoriale di Bragaglia alla Presidenza del Consiglio”. Roma, 22 de maio de 1928. IN: ALBERTI.
Op.cit., p. 233.
99
SALVINI, Guido. Projeto para “Il Teatro di Milano”, publicado na Fiera Litteraria, em dezembro de
1927. Reproduzido in Documentazione relativa alla tesi, op.cit., pp. 258-67. Sobre as contribuições de
Guido Salvini à direção italiana — através de seus artigos na Revista Scenario — ver tese: ANGELINI,
C. Op.cit. É interessante lembrar a experiência da “direção lírica” de Salvini, tanto no Teatro di Torino,
como nos espetáculos do Maggio Fiorentino e nos espetáculos do imediato pós-guerra (que contaram com
a presença de Adolfo Celi) pela relação que estabelece com o texto dramático, visto como “partitura”;
também em seus ensinamentos de direção junto à Academia Nacional de Arte Dramática. IN: Entrevista
com Adolfo Celi, op. cit.
100
Idem.
101
D’AMICO, S. “Progetto per la creazione...”, op.cit.
102
D’AMICO, S. “Per una regia italiana”, op.cit.
103
D’AMICO, S. “Preparazione alla scena moderna”, op.cit, p. 19.
104
Idem, p. 20.
105
Idem, ibidem.
106
Idem, p. 21.
107
Idem, pp.21-23.
117

108
CELI, Adolfo. Entrevista, op.cit. Sobre os ensinamentos de Guido Salvini, Celi fala ainda: Ele possuía
um método gráfico para estudar o texto como uma linguagem musical. Conseguia, com isso, uma
linguagem convencional que nos transmitia e nos permitia, depois, ensinar aos atores... O texto se
transformava numa partitura mesmo, com os sinais: “vibratos", “interrupção”, “força”, “violência”,
“sibilantes”, “doce”. Todos os nossos textos, naquela época, eram desenhados dessa forma graficamente
divertida.
109
Idem. Celi realmente ficara fascinado pelo texto em questão, pela “realidade poética” que ele
apresentava aos seus olhos. Com este, realiza sua prova final de direção na Academia e, ainda pouco
depois, o encena novamente em Milão, com Vitorio De Sica no elenco.
110
D’AMICO, S. “Intruzioni ai maestri dell’Accademia Nazionale D’Arte Drammatica”. IN: Estrato del
Notiziario della Scuola e della Cultura, n° 23-24, 2ª quinzena de dezembro de 1951. Roma: Istituto
Poligrafico dello Stato, 1951, p. 7.
111
D’AMICO, S. “Decadenza dell’Arte Drammatica”. IN: La Tribuna, 28 de setembro de 1926.
Reproduzido in Cronache del teatro, op.cit, v. I, p. 536.
112
Idem, p. 538.
113
D’AMICO, S. “Shylock (Novelli)”, 1916. Reproduzido na coletânea “Shakespeare”. IN: Maschere,
op.cit., pp. 60-61.
114
D’AMICO, S. “Romeo e Giulietta, al Valle”. IN: L’Idea Nazionale, 06 de março de 1921.
Reproduzido na coletânea “Repprezentazioni shakespeariane”. IN: Cronache del teatro, op. cit., vol. I, p.
225.
115
D’AMICO, S. “Ermete Novelli, comico dell’arte”, 1914. Reproduzido in Maschere, op.cit., p. 20.
116
D’AMICO, S. “Samson, di Bernstein”, 1915. Reproduzido na coletânea “Lucien Guitry”. IN:
Maschere, op.cit., p. 158.
117
D’AMICO, S. “Maria Melato”, 1919. Reproduzido in Maschere, op.cit., pp. 165-66.
118
Idem, p. 166.
119
D’AMICO, S. “Rebecca, Hedda, Nora (Emma Gramatica)”, 1920. Reproduzido na coletânea “Ibsen”.
IN: Maschere, op.cit., p. 113.
120
Sobre sua dificuldade em descrever ou comentar a arte do ator, D’Amico não temia explicitar: a
verdade é que poucas tarefas são tão desesperadoras como esta de reportar, por escrito, a arte de uma
grande atriz; restituir aquele sentido de suave embriaguez ao qual, graças a ela, nos sentimos
subjugados; comunicar novamente ao leitor, com palavras impressas, a magia das palavras ouvidas, dos
gestos contemplados, do prodígio respirado na atmosfera. Falando de Ludmilla Pitöeff, na crônica
“Mademoiselle Bourrat, al Valle”. IN: La Tribuna, 17 de março de 1927. Reproduzido in Cronache del
teatro, op. cit., vol. I, p. 576.
121
D’AMICO, S. “Eleonora Duse e gli ‘Spettri’, al Costanzi”. IN: L’Idea Nazionale, 06 de dezembro de
1922. Reproduzido in Cronache del teatro, op. cit., vol. I, p. 372.
122
Idem, p. 373.
123
Sob o título “Il ritorno trionfale della Duse com ‘La donna del mare’ di Ibsen”, os organizadores das
Cronache del teatro, op. cit., vol. I, pp. 241-52, ainda que não integralmente para o primeiro caso,
reproduzem as duas crônicas de D’Amico escritas em Turim e publicadas in L’Idea Nazionale, 07 e 10
de maio de 1921.
124
Idem, pp. 245-52.
125
Idem, p.246. A importância que D’Amico atribui a Ibsen como ponto de referência para uma
interpretação moderna é fundamental. Por várias vezes, encontramos sua indicação para o endereçamento
a Ibsen a todos os atores que almejam a entrada num quadro de modernidade: devem se exercitar em
Ibsen porque ele cria “personagens” e não máscaras; envolve o cotidiano em poesia através de diálogos e
não de versos. Sem esquecer, que é de 1921, o ensaio de D’Amico intitulado Ibsen. Milano: Treves.
126
Sobre sua posição a respeito do “teatro em versos” ver o ensaio: “I dicitori di versi”, 1914.
Reproduzido in Maschere, op.cit., pp. 191-219. Lembramos também a sua notável crônica de 13 de maio
de 1920 sobre “L’amorosa follia de Domenico Tumiati, al Costanzi” — montada pela companhia de
Annibale Ninche e Gualtie Tumiati — toda escrita, inclusive a crônica, em hendecassílabos. Publicada in
L’Idea Nazionale. Reproduzida in Cronache del teatro, op. cit., vol. I, pp. 196-97.
127
D’AMICO, S. “Hamlet (Ruggeri)”, 1918. Reproduzido na coletânea “Shakespeare”. IN: Maschere,
op.cit., p. 82.
128
Ver nota 123, p. 246-47.
129
D’AMICO, S. “Macbeth (Zacconi)”, 1916. Reproduzido na coletânea “Shakespeare”. IN: Maschere,
op.cit., pp. 99-101.
130
JACOBBI, Ruggero. “Entrevista”. Roma, 13 de dezembro de 1981. Introduzida em Apêndice ao final
do presente trabalho.
131
CELI, Adolfo. “Entrevista”, op. cit. Nesta entrevista encontram-se inúmeras colocações de Celi que
podemos associar a esta espécie de “realismo de base emocional”. Em relação aos seus efeitos sobre o
118

público, Celi dirá, por exemplo, ao comentar a sua encenação de Entre quatro paredes, de Sartre, em
1950 no TBC, que buscara obter este “efeito” através de “violências humanas e não surreais”. Sobre a
“poeticidade humana” que diz acompanhar seu ideário teatral por toda a sua carreira faz referências ainda
tanto à sua experiência na montagem de Piccola Cità (Nossa cidade), de T. Wilder, em 1939 junto ao
GUF de Mesina, como à forte influência do cinema realista americano nos anos de sua formação (o que,
aliás, ele deixa transparecer em seus artigos publicados em Roma Fascista, em Roma, no início dos anos
40). Considera, por exemplo, a montagem de I giorni della vita (Os dias da vida), de W. Saroyan, como
espaço de “verificação” desta possibilidade da dimensão poética do realismo em campo teatral. Para
uma análise mais aprofundada das “inovações” (início do teatro de direção e relações entre teatro e
poesia) realizadas no espaço experimentador do GUF, vide o artigo: MELDOLESI, Claudio. “Atti di fede
e polemiche al tramonto dei teatri –GUF”. IN: Revista Bibliotèca Teatrale. Roma: Bulzoni, 1978 &
Fundamenti del teatro italiano. La gerazione dei registi. Firenze: Sansoni, 1984.
132
Ver nota 123, p. 249-51.
133
D’AMICO, S. “Shylock (Novelli)”, 1916. Reproduzido na coletânea “Shakespeare”. IN: Maschere,
op.cit., pp. 64-66.
134
Para estudar o tipo israelita de Shylock ele passava os dias inteiros num botequim veneziano; mas o
hebreu do botequim lhe oferecia algumas linhas do vulto; a pessoa não era completa. E então, em
Trieste, Ermete Novelli gastou dinheiro e mais dinheiro, a comprar, todos os dias, dos hebreus poloneses,
cedro do Líbano, e em tal quantidade que poderia fazer uma montanha. Nem mesmo aí encontrou todas
as formas exteriores de seu caráter; eram meias-tintas e tintas preciosas, nada além disso. Mas em
Ferrara encontrou a cara, o gesto e a postura que lhe serviam. Um café sórdido e oleoso era freqüentado
por um mercador. Todos os dias Novelli ia tomar café naquele local tenebroso; mas conversava com o
seu mercador e observava suas mais detalhadas características de comportamento e fisionomia. Certa
vez deixou escapar o nome Shylock, o mercador não apareceu mais: mas já havia posado o quanto era
necessário. IN: Maschere, op.cit., p. 63.
135
D’AMICO, S. “Shylock (Novelli)”, op.cit., pp. 67-69.
136
D’AMICO, S. “La griffe, di Bernstein”, 1915. Reproduzido na coletânea “Lucien Guitry”. IN:
Maschere, op.cit., pp. 150-51.
137
D’AMICO, S. “L’Emigré, di Bourget”, 1915. Reproduzido na coletânea “Lucien Guitry”. IN:
Maschere, op.cit., p. 156.
138
D’AMICO, S. “Decadenza dell’arte drammatica”, op.cit., pp. 536-37.
139
D’AMICO, S. “La messinscena”. IN: La Tribuna, 16 de julho de 1927. Reproduzido in Cronache del
teatro, op. cit., vol. I, p. 581.
140
ZACCONI, Ermete. “Ermete Zacconi difende il ‘grande attore’ contro coloro che lo vorrebbero già
morto e sepolto”. IN: Gazzetta del Popolo, 04 de dezembro de 1930. O artigo (o primeiro entre dois
escritos em “polêmica” com D’Amico) é reproduzido junto à resposta de D’Amico e sob o título
“Polemica sul grande attore”, in Cronache del teatro, op. cit., vol. II, p. 123.
141
D’AMICO, S. “Silvio D’Amico risponde a Ermete Zacconi”. IN: Gazzetta del Popolo, 18 de
dezembro de 1930. Reproduzido in Cronache del teatro, op. cit., p. 127.
142
Idem, p. 127. É interessante lembrar que a associação do homem-diretor, em campo teatral, com a
figura do homem-déspota, repressor em campo político-social, feita de modo tão claro nesta passagem (e
já sugerida por Zacconi), poderia ter deixado alguma marca na memória dos anos fascistas,
particularmente no imediato pós-guerra. Será o mesmo D’Amico, em sua famosa “prestação de contas”
sobre as atividades teatrais do “vintênio”, a mencionar em 1945, na já citada “Situazione del teatro
drammatico”, a permanência da “mentalidade fascista” através de “intransigências”, dentre as quais cita:
numa reunião de artista do espetáculo, se falou seriamente em abolir os diretores porque a direção é
uma invenção fascista (p. 79). GRAZIA, Victoria de. Consenso e cultura di massa..., op. cit., ao procurar
analisar os ditames da política fascista em campo cultural, chama a atenção para uma possibilidade de
associação deste tipo: As funções teriam sido precisadas com clareza, ao mesmo tempo que o diretor
artístico teria sido investido de plena autoridade para acabar, de uma vez por todas, com a tirania de
atores e atrizes (p. 193). Sempre no âmbito desta curiosa comparação, a vida teatral, de qualquer modo,
poderia oferecer a sua contrapartida. São ainda de Victoria de Grazia as palavras sobre o “diretor social”
Achille Starace: Nomeado no dia 7 de dezembro de 1931, Secretário Nacional do PNF, Starace
conservou a direção da OND e continuou a demonstrar o seu interesse pessoal na organização: os
críticos de então se divertiam e ao mesmo tempo se apavoravam com o orgulho com que o novo chefe do
partido proclamou a si mesmo como “o empresário da maior empresa teatral existente na Itália e talvez
no mundo”. O circo criado por Starace, desaprovado tanto pelos “revolucionários históricos”, como
pelos tecnocratas, não era um exercício coreográfico: o regime tornava-se encenação, como já dissera
Bottai. (p. 62)
119

143
D’AMICO, S. “Il Vieux Colombier”. IN: La Tribuna, 22 de março de 1929. Reproduzido junto com
outro artigo na coletânea “Le recite torinesi de Jacques Copeau”, in Cronache del teatro, op.cit, v. II, pp.
24-26.
144
D’AMICO, S. “Per una scuola moderna d’arte scenica”. IN: La Tribuna, 29 de março de 1935.
Reproduzido in Cronache del teatro, op.cit, v. II, pp. 318-20.
145
Idem, p. 321.
146
Idem, p.322.
147
FIOCCO, Achille. “La missione teatrale di Silvio D’Amico”. IN: Teatro italiano da ieri a oggi.
Bologna: Capelli, 1958, p. 186.
148
D’AMICO, S. “Preparazione alla scena moderna”. Op.cit, pp. 17-18.
149
Idem, p. 24.
150
LUCIGNANI, Luciano. Gassman. Intervista sul teatro. Roma-Bari: Laterza, 1982, pp. 8-9.
151
Idem, p. 10.
152
D’AMICO, S. “La scuola degli attore”. IN: Sipario, n° 33, janeiro de 1949, p. 12.
153
D’AMICO, S. “Intruzioni ai maestri...”. Op.cit, p. 3.
154
Idem, p. 8.
155
JACOBBI, Ruggero. “Utopia di una scuola di teatro”. IN: Le rondine di spoleto, op.cit., pp. 132-33.
156
Para uma visão mais particularizada a respeito da “fermentação político-cultural” ocorrida em Milão,
no imediato pós-guerra, vide: POZZI, Emilio. Paolo Grassi. Quarenta anos de palco. Milano: Mursia,
1977 & MELDOLESI, C. Op. cit.
157
Programa da peça Il re dagli occhi di conchiglia, de Luigi Sarzano, com direção de Ruggero Jacobbi;
Teatro delle Arti, Milano, abril de 1962.
158
JACOBBI, Ruggero. “La scuolo D’Arte Drammatica del Piccolo Teatro”. IN: Quaderni del Vetro.
Roma: Il Vetro, 1965, p. 87.
159
Idem, p. 88.
160
D’AMICO, S. “La critica e l’interpretazione scenica” . IN: La Gazzetta di Torino, 31 de julho e 01 de
agosto de 1918. Reproduzido in Cronache del teatro, op. cit., vol. I, pp. 94-95.
161
D’AMICO, S. “L’adolescente di Jacques Natanson, al Valle”. IN: La Tribuna, 2 de outubro de 1927.
Reproduzido, in Cronache del teatro, op.cit, v. I, p. 586.
162
D’AMICO, S. “Shylock (Novelli)”, op.cit., pp. 67-69.
163
D’AMICO, S. “Le gaie spose de Windsor, all’Argentina”. IN: L’Idea Nazionale, 01 de março de 1921.
Reproduzido na coletânea “Repprezentazioni shakespeariane”. IN: Cronache del teatro, op. cit., vol. I, p.
223. A companhia responsável pela montagem era a “Comoedia”, dirigida por Luigi Chiarelli
(comediógrafo) e Armando Falconi (ator). Caramba é o pseudônimo de Luigi Sempelli, cenógrafo e
figurinista, sempre lembrado por D’Amico. De 1921 à sua morte, em 1936, foi “diretor cênico” das
montagens do Scala de Milão.
164
Idem, p. 219.
165
D’AMICO, S. “Romeo e Giulietta al Valle”. IN: L’Idea Nazionale, 06 de março de 1921. Reproduzido
na coletânea “Repprezentazioni shakespeariane”. IN: Cronache del teatro, op. cit., vol. I, pp. 230-231.
166
D’AMICO, S. “La locandiera, Compagnia Tali”, 1918. Reproduzido in Maschere, op.cit., p. 146.
167
D’AMICO, S. “Il negro di Eugene O’Neill, al Valle”. IN: La Tribuna, 06 de maio de 1930.
Reproduzido, in Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 79.
168
Idem, p. 82.
169
D’AMICO, S. “Il calzolaio di Messina di Alessandro De Stefani, all Odescalchi”. IN: L’Idea
Nazionale, 14 de abril de 1925. Reproduzido in Cronache del teatro, op.cit., vol. I, p. 501. Oppo Cipriano
Efisio, além de pintor, era crítico de arte, co-editor da revista La Fiera Letteraria, tendo ocupado vários
cargos políticos nos maiores órgãos culturais durante o regime fascista. Para uma visão mais
particularizada, vide o catálogo Visualità del “Maggio”. Bozetti, figurini e spettacoli, Firenze: De Luca,
1979. Como diz o catálogo, Oppo, além de trabalhar no “Maio”, desenvolveu a maior parte de sua
atividade no Teatro Odescalchi, em Roma, sede do Teatro de Arte de Pirandello. Na época da
inauguração, aliás, Silvio D’Amico através da crônicas aos espetáculos construtivos da primeira
temporada, fará interessantes descrições e comentários sobre a cenografia e a arquitetura do teatro.
Esclarece, aproveitando o caráter artístico do evento, sua visão “atual” sobre os pequenos teatros. No
comentário ao espetáculo La sagra del signore (L’Idea Nazionale, 04 de maio de 1925, in Cronache del
teatro, op. cit., vol. I, p. 490.) diz que a sua “medíocre simpatia” para com os pequenos teatros e, ao
contrário, sua insistente preferência para a renovação dos grandes, não se aplica, agora, ao Teatro D’Arte,
pois aqui a sala transformada, com genial austeridade, por Virgilio Marchi, é pequena e íntima e
pequeno é o palco; não estamos porém na presença dos amadores de sempre, voluntariosos e incertos de
suas encenações aproximativas e de seus inadequados repertórios. Esta reformulada visão positiva, para
alguns pequenos teatros irá se repetir, anos depois, diante da criação do Piccolo Teatro di Milano. A
retomada dos piccoli teatri (“de arte”) no pós-guerra, levará D’Amico de uma anterior “medíocre
120

simpatia”, para uma clara e entusiasmada proposta de “Muitos Pequenos Teatros” ( título de um artigo de
14 de fevereiro de 1949). Sem dúvida alguma, o que mais pesara nesta “revisão” fora a política de
continuidade e aprimoramento de um trabalho assentado num repertório de alta qualidade, levada adiante,
de modo quase sempre sistemático, por estes pequenos teatros, sendo “exemplar”, sob este aspecto,
aquele Piccolo Teatro da cidade de Milão — pequeno é modo de dizer, pois tem quinhentos lugares:
(idem). Num artigo de 16 de dezembro de 1953, intitulado “Verità sui piccoli teatri”, D’Amico justifica
sua mudança de opinião demonstrando que, na verdade, há uma diferença entre os “antigos” pequenos
teatros e aqueles que, agora, na Itália, passam à ofensiva, sem improvisações, sem analfabetismo de
cena, não mais nos porões ou nos sótãos ou mesmo nas cantinas. (No conjunto de textos damiceanos
sobre “Teatro e Estado”, localizado no Museo dell’Attore di Genova).
170
D’AMICO, S. “Messincena della Locandiera”. IN: La Tribuna, 14 de janeiro de 1932. Reproduzido, in
Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 184.
171
Idem, p. 184. A discussão a respeito das teorizações feitas pelos “mestres de cena” já era delineada por
D’Amico no ensaio Tramonto. Trata-se aqui do fato que Salvini havia escrito um ensaio “Introduzione
alla Locandiera”, publicado no Ambrosiano, a 07 de dezembro de 1931. Os organizadores das Cronache,
junto ao texto de D’Amico, reproduzem, em parte, o texto de Salvini, junto ao texto solicitado por
D’Amico a Georges Pitoëff, sobre o mesmo assunto e publicado in Scenario, em fevereiro de 1932. Pelas
importantes aproximações que, naquele momento, estabelece entre nós “vis cômica” teatral e
“procedimentos cinematográficos”, retomamos algumas passagens do texto de Pitoëff: “Da
Estalajadeira”, o humor cômico me parecia essencial: comunicá-lo aos espectadores era portanto o meu
objetivo específico (refere-se à sua montagem de 1931, em Paris). Diante do desenvolvimento recente das
várias artes teatrais, nós, homens da cena dramática, nos encontramos em condições particularmente
desvantajosas e inferiores, sobretudo quando se trata de libertar e expressar um vis cômica. Pensem no
cinema ou em suas expressões humorísticas: nove entre dez delas se baseiam na possibilidade do ator se
movimentar ilimitadamente no espaço, de se enquadrar em ambientes continuamente mutáveis... O ator
dramático, ao contrário, é obrigado a se mover em ambientes quase fixos. Cabe, portanto, ao
“régisseur” cogitar para eles a cenografia, as mais ricas e articuladas possíveis, que lhe consintam a
maior “plasticidade”, que o ajudam a dar, a cada obra, aquele relevo indispensável para ser
compreendidas pelas platéias (pp. 182-83). A este ponto, pode-se imaginar como certas tendências de
direção andavam distantes da proposta damiceana sobre a cenografia, vista como “moldura para palavra”.
Sob este aspecto contudo, sua visão permanecerá fiel a si mesma e até nos anos do pós-guerra, se traduzia
em críticas contundentes a certas tendências para o luxo para o exagero esboçadas por alguns diretores.
172
D’AMICO, S. “Reinhardt al Euirino col Servitore disue padroni”. IN: La Tribuna, 29 de abril de 1932.
Reproduzido in Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 201.
173
Idem, Ibidem.
174
Idem, p. 202.
175
D’AMICO, S. “La vedova scaltra di Goldoni, al Velle”. IN: La Tribuna, 12 de janeiro de 1933.
Reproduzido, in Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 225-226.
176
MONTI, Raffaelle, in Visualità del “Maggio”. Bozetti, figurini e spettacoli, Firenze: De Luca, 1979,
p. 10.
177
Idem, Ibidem.
178
Idem, p. 11.
179
Idem, Ibidem.
180
Idem, Ibidem.
181
D’AMICO, S. “Shakespeare nel Giardino di Boboli”. IN: La Tribuna, 02 de junho de 1933.
Reproduzido, in Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 243.
182
“Regiebuch do espetáculo”, citado no texto sobre Max Reinhardt, de Anna Pinazzi, in Visualità del
“Maggio”, op.cit, 239.
183
D’AMICO, S. “Shakespeare nel Giardino di Boboli, op.cit.
184
D’AMICO, S. “Santa Uliva a Santa Croce”. IN: La Tribuna, 07 de julho de 1933. Reproduzido, in
Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 252.
185
P. 28. Para uma observação mais detalhada da emergência dos pequenos teatros italianos no final da
década de 40 e início dos anos 50, lembra-se, principalmente, Claudio Meldolesi, op. cit.
186
D’AMICO, S. “Il teatro si fà col cartone”. IN: La Tribuna, 29 de março de 1935. Reproduzido, in
Cronache del teatro, op.cit, vol. II, p. 336. Vale lembrar que o termo “cartone” tem sentido figurativo: di
cartone = falso.
187
Idem, pp. 337-338.
188
D’AMICO, S. “Singolare riesumazione al Quirino-Alfieri barocco. Lo stile del nostro fiero tragico
risulta camuffato”. IN: Il Tempo, 10 de abril de 1949. Reproduzido in Luchino Visconti – Il mio teatro.
Caterina D’AMICO DE CARVALHO & Reno RENZI (org.). Bologna: Cappelli, 1979, p. 152.
121

189
D’AMICO, S. “Recensione radiofonica”. IN: Il Tempo, 24 de dezembro de 1952. Reproduzido in
Luchino Visconti, op.cit, p. 222.
190
Num folheto dedicado a um histórico das atividades da “L’Accademia Nazionale D’Arte
Drammatica”, sem data e de circulação interna, encontramos esta referência: Em 1947, em Milão, dois
animados e geniais artistas, Paolo Grassi e Giorgio Strehler, autodidatas, mas abertamente se remetendo
aos mesmos princípios de arte cênica proposta pela Academia Romana, fundaram uma refinada e
admirada companhia estável, a do Piccolo Teatro da Cidade de Milão, recolhendo a maior parte de seus
elementos entre os ex-alunos da Academia, p. 6. Este folheto chegou às nossas mãos graças à atenção da
Senhora De Lucca, secretária da Academia em 1981, a quem registramos nosso agradecimento.
191
RATTO, Gianni. Questionário, novembro de 1981. Reproduzido em Apêndice.
192
RATTO, Gianni. “Invito alla critica della scenografia”, in Palcoscenico, março de 1947, p. 44.
193
RATTO, Gianni. “Anche l’ambiente é personaggio”, in Sipario, julho de 1947, p. 10.
194
Idem, ibidem.
195
Idem, p. 11.
196
RATTO, Gianni. Questionário, novembro de 1981. Reproduzido em Apêndice.
197
Idem.

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