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Durante uma turnê do espetáculo A serpente, participei de um debate, em Recife, no

qual alguém me perguntou por que Nelson Rodrigues não trabalhava com temas
políticos. Pego de surpreso pela pergunta, logo percebi que o que o sujeito queria era
acusar Nelson de reacionário. Então, respondi que os temas que Nelson trabalhava
eram profundamente políticos, na medida em que o dramaturgo lidava
fundamentalmente com aquilo que move o homem em direção às outras pessoas: o
desejo.

Esse diálogo me levou a buscar um conceito de política que justificasse minha


resposta. É que, naquele momento, para mim (assim como para o sujeito que me fez a
pergunta), a palavra ‘POLÍTICA’ se restringia à atividade partidária ou a um
posicionamento em relação ao governo. Assim, ao responder, eu intuía alguma coisa
que não conseguia entender completamente: o que o desejo teria a ver com ‘ POLÍTICA’?
Em que medida esta dimensão íntima poderia interferir nas relações políticas?

Política é uma palavra que se refere às ações públicas, às relações entre indivíduos que
visam à vida em coletividade; que procuram uma relação em sociedade. E o primeiro
núcleo social ao qual pertencemos é a família. É neste primeiro núcleo que nos damos
conta de que é necessário respeitar normas de conduta e de relacionamento. É ali que
percebemos que os desejos devem ser controlados em função do bom funcionamento
daquela pequena sociedade. E, se os limites dentro deste núcleo forem respeitados, se
os desejos individuais passarem por um filtro que seleciona aqueles que podem vir à
tona, os que podem ou não podem ser revelados, então a sociedade será preservada e,
provavelmente, a cidade em torno daquela família também poderá receber estes
indivíduos e colocar esta família em relação com outras famílias.

Entretanto, Nelson não trata do bom relacionamento familiar. Uma família saudável
não é um bom ingrediente para a construção teatral. É numa fala do Peixoto, de
Bonitinha, mas ordinária, que Nelson sintetiza a boa fonte dramática:

PEIXOTO – Toda a família tem um momento, um momento em que começa a


apodrecer. Percebeu? Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo.
E lá um dia, aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um
cunhado louco.1

É sobre esta idéia que Nelson vai construir sua obra. Sobre o desejo que se sobrepõe à
contenção, à ordem. É a desmedida grega adaptada à nossa época cristã pós Freud. É
o desejo, entendido como algo irrefreável que se constitui em erro trágico que leva ao
desequilíbrio e, conseqüentemente, à desgraça do indivíduo frente ao núcleo social. É
quando a família começa a apodrecer que a tragédia rodriguiana se inicia.

Em Teatro desagradável2, Nelson denomina desagradáveis peças como Álbum de


família e Anjo negro (classificadas por Sábato Magaldi como míticas). Ambas tratam da

1
Teatro completo. Volume 4 – tragédias cariocas II. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2004.
2
Texto que Nelson escreveu sobre sua obra, publicado no primeiro número da revista Dionysos, editada
pelo então Serviço Nacional de Teatro em outubro de 1949 e republicado, em 1998, na revista Folhetim nº 7
editada pelo Teatro do Pequeno Gesto.
transgressão a uma ordem social comum. Criam, inclusive, uma atmosfera surreal na
intenção de dar concretude teatral, realidade ao drama. Nelson as chama de peças
desagradáveis “porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir
o tifo e a malária na platéia”3. Portanto, longe de querer fazer da podridão familiar um
exemplo retórico e moral, ela aqui é uma ação que nos leva a refletir sobre os limites
do desejo e sobre o prazer da transgressão.

Mas, se nestas peças desagradáveis a idéia de política se mostra um tanto obscura


porque a dissolução familiar é colocada num âmbito restrito, numa dimensão que não
ultrapassa um pequeno núcleo social, em O beijo no asfalto, vejo a questão do desejo
colocada, com muita clareza, numa dimensão obviamente política. É a história de um
gesto que, se não tivesse sido testemunhado por um repórter, jamais se colocaria em
tensão com toda a cidade; nunca passaria de uma atitude individual, privada, de foro
íntimo. Mas o repórter não apenas viu como também interpretou o beijo dado em um
moribundo. E, ao ganhar as manchetes do jornal, aquele beijo mobiliza toda a cidade e
destrói o indivíduo que tenta justificar de alguma forma aquela atitude que, no
princípio, não passava de um gesto de piedade, mas se tornou transgressora aos olhos
da opinião pública porque saiu da dimensão íntima para se tornar uma atitude fora dos
padrões éticos da cidade.4

Assim, retorno àquela questão do pernambucano que me fez buscar, agora, sete anos
depois, uma dimensão política na obra de Nelson: toda intimidade tornada ação é
política porque leva o indivíduo a uma decisão em relação a outro indivíduo e interfere
no destino tanto daquele que age quanto na vida de todos em torno dele. A tragédia
rodriguiana é, portanto, política porque insere o indivíduo na dimensão do limite entre
o desejo e a preservação de valores éticos e morais. E a família em Nelson é o lugar
onde este limite adquire visibilidade.

Antonio Guedes
julho de 2005

3
In Teatro desagradável.
4
Se o espaço permitisse, falaria ainda de Boca de ouro, que apresenta uma figura mitológica que é
construída através de um relato que varia de acordo com o estado de ânimo de D. Guigui e dimensiona a
influência do bicheiro no âmbito da cidade.

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