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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO

ISADORA ROSADO GOMES GONDIM

DO PALCO AO SET DE FILMAGEM: REFLEXÕES


METODOLÓGICAS SOBRE ATUAÇÃO NO TEATRO E NO CINEMA A
PARTIR DE STANISLAVSKI, ADLER E MEISNER

NATAL/RN
2018
2

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes – DEART

Gondim, Isadora Rosado Gomes.


Do palco ao set de filmagem : reflexoes metodológicas sobre
atuação no teatro e no cinema a partir de Stanislavski, Adler e
Meisner / Isadora Rosado Gomes Gondim. - 2018.
35 f.: il.

TCC (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Licenciatura em
Teatro, Natal, 2018.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Melissa dos Santos Lopes.

1. Atuação. 2. Teatro. 3. Cinema. 4. Preparação. 5.


Stanislavski, Konstantin, 1863-1938. 6. Meisner, Sanford, 1905-
1997. 7. Adler, Stella, 1901-1992. I. Lopes, Melissa dos Santos.
II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792.02

Elaborado por Isadora Rosado Gomes Gondim - CRB-X


3

ISADORA ROSADO GOMES GONDIM

DO PALCO AO SET DE FILMAGEM: REFLEXÕES


METODOLÓGICAS SOBRE ATUAÇÃO NO TEATROE NO CINEMA A
PARTIR DE STANISLAVSKI, ADLER E MEISNER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito para obtenção do título
de licenciado.

Orientadora: Profa. Dra. Melissa dos


Santos Lopes

NATAL/RN
2018
4

ISADORA ROSADO GOMES GONDIM

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado junto ao curso de Licenciatura


em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a
obtenção do título de Licenciado em Teatro, e considerado aprovado com a nota
final ____________ atribuída pela banca examinadora constituída pelo (a) professor
(a) orientador (a) e membros abaixo mencionados.

Data: ___/___/___ Banca examinadora:

__________________________________________
Prof. Dr. Melissa dos Santos Lopes
Orientador

___________________________________________
Márcia Lohss

_______________________________________________
George Rocha Holanda – Especialista em Cinema/UFRN

NATAL/RN
2018
5

Dedico este trabalho, primeiramente,


a Deus, por interceder para que a arte
fosse meu caminho. À minha família,
que me apoia, e investe em mim. Aos
meus amigos, que acreditam e torcem
por mim, de todo o coração. Em especial,
à minha avó Elza, que sempre quis fazer
da vida, um espetáculo.
6

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo o esforço que fizeram e fazem para que eu seja feliz.

À Fernanda e Pedro, donos do meu mais sincero amor, por me permitirem ser
uma criança pelo máximo de tempo possível.

À minha maravilhosa avó Elza, e ao meu lindo avô João, por me ensinar a
cantarolar pelos cantos e a me emocionar e rir com as coisas mais simples.

Aos meus professores do curso de teatro, por toda a paciência, pelos


aprendizados que trocamos entre nós, por tudo que recebi e guardei de cada um.

Às minhas amigas Luiza Gurgel, Fernanda Cunha e Ana Clara Veras, que já
eram artistas antes de mim e me mostraram que eu também podia (e devia) ser.

À José Neto Barbosa, a quem posso chamar de mestre, por ter me ensinado
tanto, me dado tantas oportunidades, e me mostrado o teatro através dos seus
olhos.

À minha querida orientadora, Melissa Lopes, por ter me dado um voto de


confiança.

Aos meus colegas de turma, que desejo imensamente conseguir encontrar


nos teatros da vida.

Ao Grupo Galpão, por um trem chamado desejo.

Ao brilhante Heath Ledger, que mesmo não estando mais nesse mundo, é
minha fonte mais viva de inspiração.
7

Do palco ao set de filmagem: Reflexões metodológicas sobre


atuação no teatro e no cinema a partir de Stanislavski, Adler e
Meisner

Autora: Isadora Gondim1

Orientadora: Profa. Dra. Melissa dos Santos Lopes2

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo refletir acerca do trabalho da(o) atriz(ator), a
partir das linguagens, teatral e audiovisual. O texto tem como
inspiração, minhas primeiras experiências de atuação, durante o processo de
formação no curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Pretendo traçar um caminho tendo o teatro como o ponto
de partida para o cinema, e a verdade cênica como objetivo final. Como mote, o
recorte de algumas metodologias voltadas para a preparação de atores, a saber, do
ator e encenador-pedagogo russo, Constantin Stanislavski (1863-1938), da atriz
americana, Stella Adler (1901-1992), do ator russo, Michael Chekhov (1891-1955) e
do ator e professor de atuação norte americano, Sanford Meisner (1905-1997). A
escrita deste trabalho de conclusão de curso tem como fim colaborar com o trabalho
de atrizes/atores que atuam tanto no Teatro como no Cinema.

Palavras-chave: Atuação, Teatro, Cinema, Preparação, Formação, Stanislavski,


Meisner, Stella Adler, Michael Chekhov

1
É aluna concluinte do Curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2
Melissa Lopes é atriz e professora no Curso de Licenciatura em Teatro e na Pós Graduação em Artes Cênicas e
orientadora desse trabalho de conclusão de curso.
8

ABSTRACT:

This article aims to reflect on the work of the actress (actor), from the theatrical and
audiovisual languages. The text is inspired by my first experience of acting during the
process of degree course in Theater in Federal University of Rio Grande do Norte
(UFRN). I intend to draw a path with the theater as starting point for cinema, and
scenic truth as the ultimate goal. The main subject, being the cut of some
methodologies headed to the preparation of actors, future known, by the russian
actor and director, Constantin Stanislavski (1863-1938), by the american actress
Stella Adler (1901-1992), by the russian actor Michael Chekhov (1891-1955) and by
the american actor and acting professor Sanford Meisner (1905-1997). The writing of
this undergraduate thesis aims to collaborate with the work of actresses/actors who
act both in Theater and Cinema.

Keywords: Acting, Theater, Cinema, Work, Stanislavski, Meisner, Stella Adler,


Michael Chekhov
9

SER OU NÃO SER?

O que é ser atriz/ator?

Ser atriz... ser ator, é ser um momento efêmero como uma explosão, um fogo
de artifício, uma curva, um gol, um piscar de olhos. É com essa rapidez que um
personagem vem e vai, seja entre o palco e a coxia, ou entre as palavras de
comando: “ação” e “corta”. Interpretar é viver em um eterno jogo de perguntas e
respostas, onde tudo é inventado, mas são histórias que os atores nunca se cansam
de contar. O público, ao entrar para uma peça ou em um filme, assume também um
papel: de se permitir ser totalmente levado pelo que vê e sente. E assim, a arte se
concretiza por meio de duas linguagens fantásticas: o teatro e o cinema.

Existe um senso comum estabelecido que alega que teatro e cinema são
completamente diferentes, geralmente acompanhado das frases “teatro é mais,
cinema é menos”, ou até mesmo “uma peça é aqui e agora, um filme é onde e
quando você quiser”. A proposta deste artigo é debater este assunto sob a
perspectiva da atriz e do ator, na busca por desmistificar conceitos já existentes e
propor outras possibilidades de abordar a preparação destes artistas.

Em determinados momentos, o texto há de seguir um caminho mais pessoal,


tendo em vista que a motivação e base utilizada para a composição deste trabalho
são certas experiências de atuação que tive durante o processo de me descobrir
como atriz, incluindo não somente a formação universitária, mas outras atividades
extracurriculares realizadas durante o mesmo período.

Desde muito pequena sinto um desejo de ser artista. Nunca tive aptidão para
pintura e escultura, por exemplo, mas de uma maneira muito deleitosa, quase
mágica, pude ser atravessada pela música, pela dança, pela literatura, pelo teatro e
mais recentemente, pelo cinema. O teatro e o cinema, no entanto, chamaram
atenção especialmente, numa visão profissional. Independentemente do que
estivesse fazendo, sempre quis me expressar usando mais do que palavras,
comunicar, passar uma mensagem, tocar o ser humano de alguma forma. Ao
mesmo tempo, de tão grande que era meu deslumbre ao ver na tela uma atriz que
me fizesse morrer de rir ou chorar, comecei a despertar um interesse singular por
essa profissão e a dizer para mim mesma: “quero ser atriz quando crescer”.
10

O curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Federal do Rio Grande


do Norte me apareceu quase que como minha única opção. Era uma possibilidade
de escolha conturbada, por ser acompanhada de vários preconceitos dados às
artes, mesmo sendo considerada hoje como área de conhecimento do ensino
superior.

No último ano do ensino médio, todos são reféns da pressão de ter que tomar
uma decisão para a carreira profissional e entrar na universidade. Querer o Teatro
me fazia parecer um desajuste em relação aos outros. Eu não conseguia fazer com
que as pessoas entendessem que era tão certo e respeitável quanto Medicina,
Direito ou Engenharia. Por essa razão, numa iniciativa da própria coordenação, com
consentimento da minha família, fui proibida de permanecer em quaisquer atividades
artísticas do ano letivo, e afastada do grupo de teatro da escola.

A concordância dos meus pais com essas deliberações se dava única e


exclusivamente por medo de me deixar seguir um caminho que pudesse
comprometer meu futuro, sobretudo financeiro. Porém, naquele momento, era uma
alternativa viável, palpável, e que eu desejava muito. Então, fiz um acordo com eles
de cursar paralelamente uma universidade particular, que neste caso durou apenas
um ano e meio.

Já na UFRN, foram quatro anos bastante intensos, formando-me professora


artista, dividindo-me em estágios obrigatórios, aulas de cunho pedagógico, de
atuação, expressão corporal e vocal, encenação, tecnologias da cena, história do
teatro, produção, entre outras.

Por ser um curso voltado para a formação de professores em teatro, a matriz


curricular, infelizmente, não se expande para o audiovisual, em nenhuma de suas
áreas de execução. Para outros cursos do Departamento de Artes, no entanto,
existem disciplinas de cinema que compreendem principalmente seus fundamentos.
Logo, o aluno de teatro que quer se envolver com audiovisual, deve fazê-lo por
iniciativa independente.

Como eu percebia que meu interesse era grande por esta linguagem passei a
me inquietar cada vez mais com esta lacuna e me perguntar o que era necessário
para me tornar também uma atriz de audiovisual. Por conta própria, comecei a
11

frequentar as aulas do Departamento de Comunicação para, assim encontrar a


mesma autonomia que já sentia no teatro.

Os cursos de Rádio & Tv, Audiovisual e Publicidade da UFRN possuem várias


disciplinas que preconizam o trabalho com o vídeo, sob diversas óticas. Por meio
destas, o curta-metragem surge como uma boa oportunidade de entender e
aprender metodologias para exercitar o que eu pensava ser um novo tipo de
atuação.

Minha curiosidade pela atuação para a câmera surge principalmente por ter
sido espectadora, em primeiro lugar. Sou daquelas pessoas que entra na sala de
cinema e esquece absolutamente tudo que está lá fora para se envolver em cada
minuto de filme. Naturalmente, era mais tocada pelos filmes em que os atores
prendiam minha atenção inteiramente, pelo que talvez pudesse ser considerado uma
boa atuação, e me retirava da sala de cinema em êxtase, precisando me “recuperar”
de algo, que eu nunca soube ao certo o que era. Então, a chama da curiosidade ia
queimando cada vez mais para descobrir como se fazia aquilo. Como era possível
que eu me emocionasse tanto, com uma coisa que eu sabia que nem sequer tinha
acontecido e só era estritamente planejada para ser filmada.

Nesse caminho, tive oportunidade de trabalhar como atriz em


aproximadamente dez curtas universitários, e a partir do conhecimento e segurança
que fui ganhando com eles, outras portas se abriram no mercado audiovisual da
cidade, me permitindo fazer experimentações também em videoclipe, websérie,
propaganda publicitária, reportagem, entre outros. É claro que vale salientar que
todas essas conquistas são frutos diretos da minha trajetória no teatro.

O estudo para elaboração deste artigo confirma que a (o) atriz (ator) que
passou pelo teatro encontra alguns pontos em comum com o que é exigido no
cinema. Isto ficou mais claro, quando procurei teorias de atuação para cinema e me
deparei com várias técnicas que derivavam do Sistema de Constantin Stanislavski
(1863-1938), grande ator e encenador russo.

No documentário dirigido por Stevan Riley, “Listen To Me Marlon3”, são


retratadas curiosidades sobre Marlon Brando (1924-2004) e sua carreira. Nascido

3
https://www.imdb.com/title/tt4145178/videoplayer/vi1177399321
12

em Omaha, Nebraska, o ator americano foi indicado oito vezes ao Oscar, dos quais
dois venceu como melhor ator4. Para além da vida de celebridade, era um artista
muito competente em seu ofício, e ficou eternizado como um grande ícone do
cinema. Era aprendiz de Stella Adler5, e influenciado por seus ensinamentos, se
concentrava muito em uma atuação que fosse verdadeira. Ele afirmava que os seres
humanos desenvolvem a técnica de atuação desde a infância, e usava o exemplo de
quando jogamos nosso prato de comida no chão só para chamar a atenção da
nossa mãe. Nas palavras do ator norte americano: “Todos atuam, mas algumas
pessoas são pagas por isso”. Complemento a reflexão da seguinte maneira, essa
verdade a que se refere o ator é o que Stanislavski procurou e desenvolveu ao longo
de toda a sua investigação. Quando se decide ser atriz/ator, começamos cedo e
seguimos esta busca de ser verdadeiro até o fim de nossas vidas. É uma
investigação contínua.

A arte de interpretar é, acima de tudo, um exercício de se perceber e se


reconhecer no outro. Ser atriz/ator é poder ser “outros”, é se permitir ser diferentes
personagens, mesmo que esse ator não se identifique com suas características.
Representar, no palco ou na tela, é contar e viver histórias singulares.

Para isso, antes de qualquer material que colabore com a criação, os atores
precisam mergulhar em si mesmos e estarem atentos à realidade em que estão
inseridos. Caso contrário, nenhuma técnica de atuação será suficiente. É preciso
estar disposto a vivenciar e experimentar a realidade, em outro nível. Estar aberto
aos encontros.

Encontro.

Troca.

O ator troca com o seu público, bem como com seu parceiro de cena, com
quem o dirige, com quem o ilumina, com quem escreve sua história, com quem está
por detrás da câmera ou em outra função do set de filmagem. É uma relação direta e
de cumplicidade tão bonita, que de alguma forma une cada um que fez parte
daquele momento específico em que a cena acontece.

4
Sindicato de Ladrões (1954), de Elia Kazan e O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola.
5
Vou abordar o trabalho de Stella Adler mais adiante.
13

Atitude e comprometimento são fundamentais para que haja conexão entre os


artistas que estão na cena. Para que o público acredite no que está à sua frente, o
ator já deve acreditar antes. Alguns papéis serão mais desafiadores e difíceis de
interpretar, devido a sua complexidade. Mas, ser verdadeiro naquilo que se propõe a
fazer, independe da personagem.

Vamos então refletir sobre a noção de “verdade cênica”, da qual tanto se fala
nos processos de criação e que é igualmente importante para a interpretação que
ocorre tanto no teatro, quanto no audiovisual. A verdade cênica pode ser alcançada
através de um conjunto de fatores que compõem o trabalho do ator.

DO PALCO

Na incessante busca pelo conhecimento, é da nossa natureza tentar


encontrar respostas em conceitos. Todavia, seria fácil e confortável para os atores
apenas pensar de forma categorizada estas definições e obter todas essas
respostas tendo feito apenas perguntas que requerem respostas como sim ou não.
Acontece que a arte teatral é muito mais complexa do que isso. Por isso, é
importante compreender as reflexões a seguir, por meio dos questionamentos e não
através de conclusões.

Portanto, o trajeto deste texto parte das dúvidas. Como convencer o


espectador de que a personagem que estamos representando é real dentro daquele
contexto ficcional que está inserido? E como indicar um caminho para que isso
aconteça se cada experiência de criação de um papel é diferente para cada ator? É
possível pensar em caminhos concomitantes para a atuação que é direcionada para
o palco ou para a câmera?

Não existe uma única resposta para cada uma destas questões, pois há
semelhanças e diferenças nestas duas linguagens que podem ser discutidas. E,
podemos partir da ideia de que nenhuma arte substitui a outra. Pelo contrário,
ambas se complementam.
14

Para entrar na discussão da técnica que permeia a execução da arte do ator,


me utilizo do legado deixado por Constantin Stanislavski (1863-1938), grande
precursor e influenciador das teorias de teatro que ainda hoje nos servem de
referência. Stanislavski foi, acima de tudo, um grande artista nascido na Rússia do
século XIX, dono de uma vida e obra extremamente significativa. Embora tenha
vindo de uma família abastada que dava condições financeiras para que ele fizesse
teatro, o ator e encenador-pedagogo viveu um momento de muitas transformações
sociais e culturais na Rússia6, que naturalmente repercutiram com certa urgência na
renovação das artes. Entre êxitos e insucessos, reuniu suas experiências de
apreciação, atuação e direção na tentativa de abandonar um teatro de
superficialidades, em troca de um teatro mais consistente. No qual, todos os
elementos do espetáculo se integrassem, ética e disciplinadamente, de forma
harmoniosa e através de muito estudo.

Juntamente com Vladimir Nemirovitch Dántchenko7, com quem compartilhava


as mesmas inquietações, fundou o Teatro de Arte de Moscou, em outubro de 1898.
Dentro do TAM, colocam em prática seus estudos, revolucionam a cena russa e
apresentam com clareza a elaboração de um Sistema que procura indicar caminhos
para se pensar a preparação dos atores tendo como base uma sólida
fundamentação teórica e prática.

É interessante perceber que o mestre não parte de uma determinada escola


já existente, mas ao contrário, desenvolve exercícios e experimentações, que ao
lado de jovens entusiastas, como ele próprio, estão disponíveis para descobrir esse
novo modo de fazer teatro.

Para ele, o princípio de estudos para qualquer artista deve ser,


indubitavelmente, a própria vida e a natureza. O Método do mestre russo é o
primeiro e único que se baseia no entendimento da natureza humana. “Assim
chegamos a concretizar o principal objetivo do teatro que se toma tão claro na
definição de Stanislavski: “A ARTE DRAMÁTICA É A CAPACIDADE DE
REPRESENTAR A VIDA DO ESPÍRITO HUMANO. EM PÚBLICO E EM FORMA

6
Dessas transformações, vale ressaltar a vanguarda russa como uma série de movimentos artísticos e culturais
que ocorreram na Rússia (em que o Teatro e o cinema russo estavam em evidência) aproximadamente entre as
décadas de 1890 e 1930, especialmente durante a primeira fase da Revolução Russa.
7 Natural da Geórgia, mas estabelece sua vida na Rússia. Além de co-fundador do Teatro de Arte de Moscou

com Constantin Stanislavski, foi ator, diretor de teatro, escritor, dramaturgo e pedagogo.
15

ESTÉTICA. Como podem constatar, não há nisso a mínima limitação; todo e


qualquer estilo de teatro é aceitável, contanto que contenha a vida do espírito
humano”. (KUSNET: 1985, p. 10)

Surgia, de fato, a necessidade de um novo ator, que conseguisse sustentar


essa carga física e emocional, desvinculando-se de certas características vigentes
entre os séculos XIX e XX, como o espetáculo declamativo elaborado sobre e para a
figura do “grande ator” da época, com teatralidade excessiva, clichês teatrais, a
forma pela forma (sem impulso), e “falta de vida” na interpretação.

Antes da existência do Método, a explicação que se dava para o trabalho bem


sucedido dos atores, era que estavam sujeitos a momentos de inspiração quase
divina. Várias conceituações poéticas e até místicas eram usadas para justificar
estas boas atuações. Mas e quando o ator/a atriz não era acometido por tamanha
inspiração? Como sustentar essa veracidade frente à plateia? Que mecanismos
utilizar para assegurar um mínimo de qualidade àquela atuação?

Provocado por estes questionamentos, Stanislavski desenvolve a Lei de


Forças Motivas e o Sistema de Análise Ativa, que dá algumas pistas para os atores
desenvolverem seus processos criativos. No caso deste texto, pretendo abordar
alguns elementos que estão presentes em sua metodologia, tais como, “ação física”,
“se imaginário”, “circunstâncias propostas”, “imaginação”, “objetivos”, “atenção
cênica”, “relaxamento de músculos”, “fé cênica” e “memória emotiva”. Acredito que
estes elementos são importantes para discutir a atuação no teatro e no audiovisual.

Em grau nenhum, minhas considerações substituem as concepções que


encontramos em seus livros. Além disso, tem-se visto nos últimos anos surgirem um
bom número de livros que se propõem a esclarecer, analisar ou reiterar os
ensinamentos Stanislavskianos. Recomendo-os como leitura, contudo, afirmo que
nada mais apropriado para entender o encenador russo do que ler os escritos do
próprio. Neste artigo, mesmo discorrendo de forma extremamente resumida, não
busco sintetizar o método, apenas apontar alguns princípios que julguei mais
significativos para a minha reflexão acerca do objeto de estudo que escolhi.

Primeiramente, a Ação Física. Muito mais do que um simples movimento ou


gesto natural e insignificante, a ação física é uma ação preenchida de intenção,
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simultaneamente interna e externa, que carrega significado e sempre tem uma


justificativa, que se encontra na peça ou no próprio papel desempenhado pelo ator.
A ação física é contínua, precisa, obediente à lógica, se atrela à algum objetivo ou
desejo, cria a vida física da personagem em uma sequência criativa. “O ponto
principal das ações físicas não está nelas mesmas, enquanto tais, mas sim no que
elas evocam: condições, circunstâncias propostas, sentimentos”. (STANISLAVSKI,
1997, p.3)

O mágico “SE”, transporta o ator do plano da vida real para o universo fictício
em que a história se passa. Nesse caso, o ator se envolve inteiramente com este
imaginário e recria sobre ele. Deste modo, desenvolve as ações internas e externas
de uma maneira orgânica porque assume e aceita as questões da personagem.

Ou seja, vive com máxima sinceridade como se o fosse e acredita na cena


como a realidade que o cerca, porém, não entra em um estado de alucinação.
Embora o ator envolva seu corpo e sua mente na cena, ele não está sendo
misticamente substituído pela personagem. Ao contrário, o ator não deixa de ser ele
mesmo, apenas utiliza esse “se” como alavanca criativa, sem perder a capacidade
de observar e criticar sua obra artística.

As Circunstâncias Propostas constituem o enredo da obra, os fatos, o tempo,


o lugar, as condições de vida, os cenários, a iluminação, os trajes e adereços, a
sonoplastia, bem como a interpretação do diretor (e do próprio ator) daquela
realidade. Enfim, a encenação como um todo. Segundo Stanislavski “[o mágico se] é
um ponto de partida, as circunstâncias dadas são o desenvolvimento.”
(STANISLAVSKI, 1997, p. 47) Este, se dará primordialmente através das perguntas
QUEM, ONDE, O QUÊ, QUANDO, COMO, POR QUÊ, PARA QUÊ?

A autora e diretora de teatro Viola Spolin8, no livro “Improvisação para o


Teatro”, aponta a importância de se basear e trabalhar em cima do “quem”, “onde” e
“o quê” para desvendar possibilidades de personagem, lugar e atividade. Ela
certifica que uma improvisação de cena de qualidade sujeita-se a essa estrutura, ao
propor exercícios em que o material emerge dos próprios jogadores, que

8
Viola Spolin desenvolveu grande parte de suas pesquisas em Teatro, a partir do Sistema elaborado pelo
encenador russo. Autora e diretora de teatro, é considerada por muitos como a fundadora norte-americana do
teatro improvisacional.
17

coletivamente entram em um processo de solucionar um problema (a cena), junto


com as técnicas que estiverem desenvolvendo. Da mesma forma acontece tendo um
texto já escrito, que dará a informação dos relacionamentos existentes (quem) e dos
espaços (onde) sobre os quais se dão os acontecimentos (o quê), e a partir desse
esqueleto, o ator poderá criar.

A Imaginação para o ator não se distancia do real significado da palavra uma


vez que se permite viver a ficção, mas em acontecimentos artísticos. Incitado pelos
propósitos de sua personagem, se coloca concretamente ao que está proposto e/ou
sugerido nas circunstâncias propostas.

Para iniciar o processo de criação, o ator precisa de sua imaginação desperta.


Para isso, é interessante que ele esteja aberto aos estímulos do autor, do diretor, do
cenógrafo, do iluminador, do sonoplasta e outros atores e atrizes que compartilham
da mesma experiência cênica. Ademais, para se criar uma personagem, o ator
também pode contar com a ajuda de imagens visuais ou sonoras, e até outros
estímulos sensitivos, como sons, música, imagens, realização do trabalho em um
espaço diferente da sala de ensaio.

A personagem, quando criada pelo dramaturgo, geralmente vem cercada de


circunstâncias propostas e objetivos. Estes por sua vez, correspondem ao que a
personagem deseja obter numa determinada cena ou no enredo como um todo, e
servem de mote principal para a elaboração das ações físicas. Todas estas etapas
desencadeiam os obstáculos e/ou conflito da trama. A atriz/o ator movido por estes
aspectos da personagem exercita a sua imaginação e ao se colocar no lugar neste
novo papel desenvolve o repertório físico e emocional a partir deles.

Tendo desenvolvido esse repertório, o próximo passo é se aprofundar na vida


interior da personagem, o subtexto ou monólogo Interior, são as entrelinhas do texto.
É o que de fato está passando na cabeça da personagem enquanto pronuncia sua
fala, mas que fica subentendido pelo comportamento do corpo e do olhar. Para
chegar ao monólogo interior, o intérprete precisa da compreensão do “mágico se”,
dos seus objetivos e das circunstâncias propostas. Resumindo, o subtexto é um
mecanismo espontâneo onde o ator determina não seu pensamento pessoal, mas o
da personagem antes, depois e durante as falas do texto. Vale ressaltar que esse
18

recurso é muito utilizado pelos atores não somente no teatro, mas também no
cinema. “Se o texto de uma obra dramatúrgica é criação exclusiva do dramaturgo, o
"Monólogo Interior" é obra exclusiva do ator que assume o papel.” (KUSNET, 1985,
p. 71)

Eu, Vivi, de Alexandre Beethoven. 2017. Foto: Pam Lisboa

Fonte: Arquivo pessoal

Acima, uma foto do curta-metragem “Eu, Vivi”, do diretor Alexandre


Beethoven. Neste filme, utilizei bastante do recurso do monólogo interior
(Stanislavski) que desenvolvi para a personagem. Porque o roteiro não era muito
detalhado e praticamente não tinha falas, apenas um direcionamento de ações.
Desse modo, era preciso passar todos os sentimentos de Vivi através do corpo e
principalmente do olhar. Para este fim, desenvolvi em forma de subtexto quais eram
os pensamentos que perturbavam a mente dela e que a levariam à cometer suicídio,
ponto principal da trama.

A partir da criação e aprofundamento da personagem, o próximo desafio é


estar presente em cena, conseguindo equilibrar todos os elementos anteriormente
citados. Para este fim, a Atenção Cênica, referente aos denominados círculos de
atenção, direcionará o olhar e as ações do ator, que estabelece uma redoma
imaginária de concentração em volta de si mesmo. É algo que o ator pode muito
mais sentir do que simplesmente enxergar com os seus olhos. Estar atento em cena
quer dizer estar com os sentidos ativados e em estado de prontidão para quaisquer
exigências que lhe sejam feitas. O uso dos círculos de atenção, além de sua
19

funcionalidade no trabalho preparatório, pode, por vezes, salvar o ator em uma cena
aberta. A Atenção Cênica junto aos círculos de atenção levam o ator ao contato e
comunicação com o ambiente, isto é, com todos os elementos do espetáculo.

Em seu artigo “A atenção em A preparação do ator de Stanislávski”, o ator e


pesquisador, Leonel Carneiro nos esclarece:

(...) Ele propõe que o círculo de atenção pode ser


subdividido em três partes, segundo sua área de
abrangência. O pequeno círculo consiste em uma
focalização (que pode ser feita através de uma luz ou do
olhar focalizado) de um pequeno espaço fora de seu corpo,
do qual seu corpo é geralmente o centro. Este é o círculo da
solidão, pois quando não se vê o espectador, tem-se a
sensação de que se está só em seu próprio quarto. O
círculo médio é uma focalização em uma área bem ampla,
onde não se pode atentar para todas as coisas ao mesmo
tempo. O olhar tem que percorrer o espaço em busca de
identificar sua delimitação. A grande área iluminada pelo
foco de luz (no caso do exercício que utilizava focos de luz)
já traz a impressão de que não se está só. O círculo grande
é o maior de todos. As suas dimensões dependem do
alcance da vista. Portanto num local aberto como uma praia,
esse círculo só teria como delimitação física o horizonte.
(CARNEIRO:2012)

Jerzy Grotowski, encenador polonês, usava uma metáfora que dizia que o
ator deveria ser como um pássaro que ao mesmo tempo, que bica, observa. Eu
acredito que essa imagem reflete aquilo que Stanislavski defendia sobre o estado de
atenção cênica que o ator precisa ter durante sua atuação.

Ao mesmo tempo que é necessário esse estado de atenção é importante que


o ator esteja atento a outro elemento, o Relaxamento dos Músculos. Este princípio é
fundamental quando pensamos como estar tenso em cena pode prejudicar os
recursos vocais e os movimentos. No livro Manual do Ator (1989), Stanislavski nos
orienta a exercitar o controle das tensões musculares e buscar sempre a liberdade
dos músculos, até tornar-se um hábito natural. O relaxamento deve prevalecer sobre
a contração, sobretudo nos momentos fisicamente mais intensos das ações da
personagem.
20

A performance física do(a) ator(atriz) em cena, um corpo ativo, presente e


latente contribui diretamente para que não somente a plateia, mas o próprio artista
acredite no que está fazendo. Para tanto, existe a chamada Fé Cênica e o Senso da
Verdade, elementos que justificam as atitudes e ações que se desenvolvem na cena
com os próprios “se” e as circunstâncias dadas.

Um ator deve acreditar no que está fazendo e no que ocorre à sua volta,
adquirindo a fé cênica na realidade de sua existência sobre a qual alicerça seu
processo criativo. Diferente de uma fé real e espiritual, a verdade cênica é “aquilo
que não existe, mas que poderia existir” (KUSNET: 1985,9) graças ao plano
ficcional.

O senso da verdade corresponde a tudo em que podemos nos apoiar, seja o


material que é dado pelo texto dramatúrgico até as relações que estabelecemos com
nossos colegas de cena. Mas, para lidar com as informações, o ator deve libertar ao
máximo sua imaginação e buscar convencer a plateia do que é dito e feito no palco.

Outro elemento que é muito discutido no Sistema e bastante usado no Actor’s


Studio9 é a memória emotiva, que de certa forma, corre paralelo à memória sensorial
e representa uma grande ferramenta para somar à ideia de Fé Cênica. Trata-se de
um conceito um tanto complexo, pois consente tomar as emoções da realidade e
transferi-las ao papel que representa. Enquanto a memória das sensações está
ligada aos sentidos, a emotiva consiste em reviver emoções já vividas em algum
momento, se sujeitando à intensidade desconhecida que acompanhará. É como um
material emocional disposto dentro do indivíduo que existe em consequência das
experiências vivenciadas pelo ator, que pode ser acessado durante a cena.

Por se tratar de um dos poucos elementos que provoca bastante distorção,


devido às más interpretações dos seguidores de Stanislavski, é importante ressaltar
que há uma série de contradições sobre a memória emotiva partindo das seguintes
premissas: vivenciar a mesma memória várias vezes não resulta na emoção sempre
igual; o ator é capaz de interpretar um sentimento tendo somente entendimento
sobre ele, sem necessariamente tê-lo sentido com exatidão.

9
Atualmente é uma Associação de atores profissionais, diretores de teatro e roteiristas situado em Manhattan,
na cidade de Nova York.
21

Na imagem abaixo, apresento a performance “enquanto FALO”, registrada no


Dia Internacional da Mulher, em que eu fazia uma cena que simbolizava um estupro.
Era um experimento cênico que trazia a representação de violências contra a
mulher, no qual minha investigação partia dos princípios do “se” imaginário, uma vez
que nunca sofri um abuso sexual. Antes de começar a apresentação, eu e minha
parceira de cena segurávamos as mãos e trazíamos uma para a outra, relatos de
alguns casos sofridos por mulheres. Além de algumas experiências pessoais. Isso
instaurava em nós um estado de tensão físico e psicológico que trazia a emoção
necessária para a performance.

Autor(a) desconhecido. 2016. Fonte: Arquivo pessoal

Quando eu cursei a disciplina de Atuação I10, ministrada pela Profa. Ms. Carla
Martins11, um dos exemplos que foi estudado foi à personagem Medéia, de
Eurípedes. Na tragédia grega, o ápice emocional de Medeia se dá quando ela mata
seus filhos, enquanto a de Jasão é encontrar as crianças mortas pelas mãos da
própria mãe. Suponhamos que uma atriz e um ator que nunca tiveram filhos estejam
montando essa peça. Será que eles são completamente incapazes de interpretar

10
Ementa: A atuação naturalista partindo da perspectiva de Stanislavski e seus desdobramentos nas principais
correntes de teatro do século XX.
11
Carla Martins é atriz, preparadora corporal e coreógrafa formada em Interpretação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e pela Escola Técnica de Teatro Martins Pena. Mestre em Artes Cênicas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4402038U8> Acesso em: 5 de
novembro de 2018.
22

essas personagens, porque nunca tiveram filhos nem oportunidade de realmente


matá-los? Ou a compreensão da emoção é suficiente para a criação de um processo
que alcance o mesmo ápice? É possível chegar a uma verdade cênica emocionante
sem necessariamente reviver uma memória inúmeras vezes?

Ao longo de seus estudos, Stanislavski reviu a aplicação da Memória Emotiva


em seus processos criativos, direcionando uma atenção para o que ele chamou de
um estado psicofísico. Nessa nova ideia, o ator ainda precisa expressar-se
igualmente, porém não mais por estados emotivos e abstratos, mas pelo que tem de
mais concreto – suas ações físicas. São elas que desencadeiam as emoções e
mudanças de estado e não mais as memórias pessoais.

De forma geral e na perspectiva deste texto, consideremos que o conjunto


das técnicas, ou o método das ações psicofísicas, é um caminho para criar a
emoção que os atores desejam para suas personagens. Nesse sentido, o ator não
deve organizar seu papel baseado em suas emoções, uma vez que estas
independem de sua vontade.

“As ações físicas que nascem do trabalho devem ser


memorizadas e codificadas, não apenas de maneira formal,
mas de tal forma que possibilite, a cada apresentação, o
ator reentrar em contato com a mesma vida e energia do
momento em que a ação nasceu. Isso é possível se
codificarmos cada microtensão, impulso, ritmo e
organicidade de cada ação, não na mente, mas na
musculatura. Afinal, tanto Grotowski quanto Stanislavski nos
falam de uma “memória do músculo”. (BURNIER apud
FERRACINI, 1994, p.117).

O sistema de Stanislavski não é uma fórmula, o próprio autor sugere que seu
estudo não seja encarado como uma cartilha. Para dar início as suas
experimentações, Stanislavski acompanhava o trabalho de alguns artistas geniais de
seu tempo. Ao assisti-los ficava intrigado ao perceber que, boa parte destes
resultados não tinha uma compreensão clara de quem estava em cena, mas ao
contrário, uma forte intuição.

O ator e encenador russo sabia que não é possível ter domínio sobre esses
instantes que acontecem de forma espontânea. E, movido por esta dificuldade de
23

algo que não é palpável, desenvolveu uma série de exercícios com o objetivo de
entender possíveis pontos de partida e direcionamentos que tornassem o trabalho
dos atores, mais natural e verossímil. Graças à sua dedicação, o método extrapola
os limites do palco e se populariza também no cinema.

AO SET DE FILMAGEM

Os estudos de Constantin Stanislavski chamaram a atenção de muitos atores


americanos do século XX. Entre eles, Stella Adler, a única a estudar diretamente
com o próprio mestre, a partir do método. Adler repassou essa abordagem a Lee
Strasberg, que como ela, também era ator e diretor do Group Theatre de Nova
Iorque, um grupo de estudos da década de 30 que posteriormente, se tornou escola
de formação de atores. Desse grupo, também faziam parte nomes como, Elia
Kazan, Robert Lewis e Sanford Meisner12.

O método ou sistema de Stanislavski é constantemente confundido com o


método proposto por Lee Strasberg durante seu tempo na direção do Actor’s Studio,
durante os anos 50. Apesar das semelhanças, Strasberg foca excessivamente seus
exercícios na memória emotiva. A ideia era situar o ator no papel guiando-se por sua
interpretação emocional mais em resposta a personagem e à situação, do que ser
fiel ao texto dado. Isto é, fazia os atores experienciarem vivências pessoais em suas
interpretações, técnica já considerada menos efetiva por Stanislavski, pois havia
constatado que após um período vivenciando a mesma memória, ela não causaria
mais a mesma emoção no ator.

Quando me utilizo do advérbio de tempo “já” nesta frase acima, tento lembrar
o fato de que Stanislavski era um estudioso que elaborava, experimentava e
documentava suas teorias. Por isso, é muito comum perceber em seus textos que
dentre seus erros e acertos, o autor reviu muitas vezes a sua teoria e questionava
algumas de suas primeiras conclusões. É tanto que dizem, que os principais livros

12
Elia Kazan, cineasta greco-americano, célebre pelos A Streetcar Named Desire (1951) e On the Waterfront
(1954); Robert Lewis, americano fundador do Actors Studio, foi ator, diretor, escritor e professor. Sanford
Meisner, ator e professor, fundador da Técnica Meisner.
24

de Stanislavski devem ser lido juntos, um após o outro, para se conceber


perfeitamente todas as intercorrências.13

A partir do Group Theatre e do Actor’s Studio, um grande número de atores


passou a ser adepto do método de atuação. Entre eles, nomes muito famosos na
atualidade, pelos quais tenho muita admiração: Marlon Brando, Maryl Streep, Al
Pacino, Marilyn Monroe, Robert DeNiro, Jamie Foxx, Heath Ledger, Daniel Day
Lewis e vários outros.

Quando falo sobre o método de atuação, ainda refiro-me ao método de


Stanislavski, pioneiro na conjectura de um processo racional e lógico para o ator.
Depois dele, discípulos seus apresentaram obras subsequentes com suas
respectivas interpretações do método e direcionadas para novas realidades
artísticas. É válido ressaltar três vertentes de estudo para o trabalho do ator
advindas do método: A técnica Adler, de Stella Adler, baseada em exercícios de
imaginação e criação de circunstâncias; o sistema de Chekhov, de Michael
Chekhov, baseado em exercícios físicos e imaginativos, direcionados
especificamente aos atores e a técnica Meisner, de Sanford Meisner, baseada em
exercícios de repetição, sobre a qual discorrerei de forma mais específica nesse
texto.

Ao citar uma atuação mais naturalista, a que geralmente está atrelada aos
roteiros cinematográficos, abordo na verdade a interação que esta linguagem
estética propõe entre ficção e realidade.

Com base na leitura de Stella Adler em seu livro, “Técnica da Representação


Teatral”, percebo que ela trabalha fortemente com imaginação, o que é
extremamente válido tanto para o teatro quanto para o cinema. É possível se utilizar
de experiências da sua própria vida para entender parte de uma história, ou pelo que
uma personagem está passando em um determinado ponto da trama.

Todavia, ao interpretar uma personagem muito diferente de nós mesmos, não


é preciso que as experiências sejam compatíveis, pois a nossa imaginação está

13
A questão da tradução destas publicações também é bastante polêmica, porque no caso da tradução em
português ela foi feita a partir do livro em inglês e hoje é sabido que a versão americana difere em vários
aspectos da versão original em russo. É importante compreender como esses ensinamentos se desdobram, no
sentido de que, naturalmente, o teatro apresenta Stanislavski, mas nem sempre é fácil ter acesso ao que seus
escritos originalmente querem dizer.
25

disponível para construir esta vida interior/exterior. Assim, o ator cria por meio do
imaginário, um passado, presente e futuro que pertence apenas a esta personagem
de ficção.

Para Stella, o ator deve fazer o seu “dever de casa”: treinar a mente a
sempre, analisar o seu roteiro, pesquisar sobre ele, estuda-lo da forma mais
aprofundada possível, para assim entender tudo que há de ser compreendido sobre
sua personagem e aquela história.

Pode-se começar criando uma conexão com o lugar onde está, construir
relacionamentos passados, memórias, experiências. Ao interpretar a história dessa
personagem, você entende o que ela passou e dá a plateia os detalhes para os
quais somente os espectadores são capazes de se atentar. Criar esses detalhes,
fazer escolhas, ensaiar e trabalhar com seu parceiro/parceira de cena, permite que
novas informações sobre a personagem comecem a aparecer: atitudes,
comportamentos, gestos, modos de falar, de pensar. Através do trabalho que é feito,
a partir do texto e com a imaginação criativa, começa-se a revelar ideias sobre a
história e sobre o que o autor deseja que o ator/a atriz e a plateia compreendam
sobre aquele determinado papel.

Para Stella Adler, atuar é fazer. No palco, cada ação tem que ter uma
justificativa, isto é, que o ator ou a atriz saiba exatamente o porquê da realização de
cada ação. A atriz e professora americana almejava que o ator estivesse sempre
comprometido com os elementos do acontecimento teatral. Assim, como com seu
próprio crescimento como indivíduo, pois tanto a formação artística quanto a
formação humana caminham juntas, a partir de novas experiências e diferentes
perspectivas.

A imaginação é essencial ao trabalho dos atores porque vão haver várias


situações que esses nunca viveram, mas que vão precisar interpretar como se
tivessem vivido. A partir do vídeo “Stella Adler Acting Method & Technique” pude
observar algumas questões sobre a interpretação de uma determinada personagem.
No exemplo utilizado, ao fazer “Hamlet”, o ator não terá pleno conhecimento das
emoções do Hamlet original de Shakespeare, mas poderá se perguntar “como
Hamlet agiria naquela situação?” ou “o que faria o meu Hamlet?”. Qualquer ator que
cria uma personagem, será único, pois cada um é dono de uma imaginação própria,
26

de diferentes experiências de vida que permeiam seu trabalho e conferem


autenticidade ao seu papel.

No livro “Para o Ator”, de Michael Chekhov, ele apresenta uma técnica


concebida pensando na realidade dos atores ocidentais de sempre ter pouquíssimo
tempo para se dedicar às suas produções. Assim é o caso do Cinema, em que o
ator dispõe de apenas alguns dias para preparar a concepção da personagem, ou
mesmo da televisão, onde os roteiros dos episódios costumam ser entregues
apenas algumas horas antes da gravação.

Chekhov levanta essa diferença de tempo de preparação desde Stanislavski,


comparando com o Teatro de Arte de Moscou, onde gastavam-se mais de oito
meses de ensaio para atingir uma boa preparação física e psicológica dos atores.

O ator russo propõe cinco princípios orientadores, e destes citarei dois que
considero imprescindíveis para a atuação voltada para a câmera: o trabalho
psicofísico e a criação de uma atmosfera.

O primeiro essencialmente quer dizer que para criar, o ator deve sempre
buscar uma conexão corpo-mente e jamais dissociá-los. A chamada atmosfera é
como o estado de espírito criado pelos atores para aquele momento de dedicação. É
um fenômeno externo que predomina sobre o coletivo, mas não retira a
individualidade das ações e dos sentimentos de cada ator. Quando uma atmosfera é
perfeitamente criada, o espectador mergulha no universo proposto pela obra e assim
permanece até que as luzes acendam.

Um exemplo interessante para a ilustrar o conceito de atmosfera é o próprio


set de filmagem. Durante a gravação de uma produção audiovisual, diferente do
teatro, as cenas estão passíveis de correções, quando se repete a tomada. Isso não
significa que o ator não precisa decorar o texto, ou que pode não manter a
concentração. Em ambos é preciso ter autonomia sobre a atuação, sabendo as
palavras do texto e o que elas querem dizer, para se conseguir esse estado de
suspensão. O ator não pode esquecer que o set de filmagem é também um palco,
onde a equipe de produção é a plateia que te assiste, ao vivo e em cores. A cena
está sendo feita para que a câmera consiga captar sua verdade, mas as pessoas em
volta também precisam ser convencidas dela.
27

Gosto também de entender a preparação de elenco da produção audiovisual


e a sala de ensaio do grupo de teatro como espaços destinados para a instauração
dessa atmosfera. Estar em coletivo nesses processos permite que cada ator também
se enxergue fora do seu próprio mundo e valorize suas relações, dentro e fora da
cena. É mais uma prova de que uma vez existente, essa sintonia é transferida e
sentida da tela ou do palco para o público.

Assim como Stella Adler e Michael Chekhov, o ator e professor de atuação


Sanford Meisner elabora seu método a partir de seu conhecimento sobre as práticas
desenvolvidas por Stanislavski, a qual ele nomeou de Técnica Meisner. Essa técnica
é baseada em exercícios específicos de repetição e optei por traze-lo para este
trabalho de conclusão de curso, porque além do Sistema Stanislavski, este foi outro
método que pude vivenciar na prática. Em 2018, participei de um Núcleo de Estudos
para o Audiovisual, organizado pela produtora Trama. Iniciativa do ator e produtor
Marcílio Amorim14 e da atriz e preparadora de elenco Márcia Lohss15.

A partir destas vivências práticas e de textos que li, pude compreender que
para Meisner, o grande problema do ator era pensar demais durante a cena e ouvir
de menos o que estava acontecendo no momento presente. Incomodava-o que o
ator fosse tão autoconsciente a ponto de não conseguir se concentrar no outro e no
que estava fazendo no instante do aqui/agora.

Para isso, ele desenvolveu a partir de exercícios, um novo modo de estimular


a atenção dos atores. Ao invés de focar em si próprio, o ator coloca a atenção no
que o outro está fazendo e a partir daí estabelece uma relação de jogo. Esta
dinâmica se dá de forma tão espontânea que não dá tempo de pensar ou julgar o
que está fazendo, mas simplesmente viver aquilo que está acontecendo durante o
jogo.

Este exercício de escuta ocorre por meio da repetição em que, ao invés de


me preocupar em propor, eu me deixo afetar pelo outro e vice-versa. Nesse sentido,
os dois estão propondo, mas motivados pelo que cada um está vivendo no presente.
Não é preciso tornar o exercício interessante, nem muito menos induzir a outra

14
Pernambucano, formado em Jornalismo pela UFRN (2005), trabalha em Natal-RN como produtor de elenco
pelas agências Elenco Mosh e Trama Produção.
15
Atriz, Diretora e Preparadora de Elenco, formada em Teatro na Escola de Artes Dramáticas de Hamburgo
(2003) e em Comunicação Social pela UFRN (2014).
28

pessoa a fazer qualquer coisa. O que você faz não depende de você, depende do
seu parceiro, portanto é um processo de retroalimentação.

O exercício funciona da seguinte forma: duas pessoas, “A” e “B”, frente a


frente, focam seu olhar uma na outra e começam de maneira muito simples
identificando na outra pessoa características visíveis e incontestáveis, como artigos
de roupa, por exemplo. Assim, se “A” disser, “sua camisa é azul”, “B” repetiria
camisa azul, e por diante, camisa azul, camisa azul, camisa azul, camisa azul,
camisa azul, até que por decorrência do próprio jogo, a repetição se transforme. Por
exemplo, depois de repetir inúmeras vezes “sua camisa é azul”, quem realmente
estiver usando a camisa, pode alterar a frase para “minha camisa é azul”.

A partir deste ponto, a base de repetição do exercício já está clara e, portanto,


há espaço para que as impressões sobre o outro sejam inclusas nas próximas
rodadas. Assim, o ator “A” observa algo que lhe é interessante sobre o ator “B” e se
manifesta através de um comentário. Se a camisa azul pertence ao ator “B”, a
repetição se torna mais lógica quando ele pode responder “sim, minha camisa é
azul”. Isso acontece porque aos poucos o comportamento de quem está jogando
inevitavelmente vai alternando, e um começa a fazer mudanças por meio do que viu
no outro.

Como o exercício da repetição parte de impulsos dos atores, às vezes o jogo


pode tomar vários rumos inesperados, como reação de riso, de provocação,
interrogação, inquietação causada pela repetição contínua, e que deve ser
expressado de algum jeito. É um momento em que a concentração já se expande
para o comportamento do outro, que o ator identifica, não ignora e dialoga com,
deixando-se acometer. Afinal, como na vida, o comportamento que a pessoa
demonstra comunica mais verdadeiramente do que as palavras que saem da sua
boca.

Um exercício de repetição pode ter inúmeras variações e nunca será igual ao


outro, tendo em vista que depende por completo das pessoas que estão no jogo e
do que elas dizem. Repetir incessantemente deixa o ator ansioso porque ele está
sendo impedido de pensar, se desconectando da parte lógica do seu cérebro – a
que sempre quer acertar e impressionar o espectador – em detrimento de aprender
a ouvir seus impulsos visando uma atuação mais natural.
29

Para Meisner, o sucesso dos seus exercícios se dá quando os atores vivem


os momentos, um de cada vez; não vivem no passado; vivem honestamente; não se
ligam ao resultado; aproveitam a jornada e ouvem, acima de tudo.

“Então o que você deveria estar fazendo? Você precisa


estar ouvindo e quer saber? Quanto mais você estiver
ouvindo, menos você estará se preparando, controlando. O
sucesso do jogo vem de realmente ouvir e tomar pra si o
que você recebe. Quanto mais você puder fazer isso, mais
você confiará que uma palavra sairá, de fato, de sua boca e,
com essa palavra, você contará a história.”
(SILVERBERG,1979, p.9 -Tradução minha16)

Acredito que, principalmente pelo mundo em que vivemos, o ser humano tem
a tendência de não escutar o outro e de racionalizar excessivamente. Partindo do
princípio do quão coletiva são as artes com que trabalho, exercitar a escuta e o
diálogo e conseguir que o grupo esteja numa mesma sintonia são tarefas árduas
mas infalíveis para um bom filme, ou uma boa peça. Me identifico com a Técnica
Meisner, no que diz respeito ao valor dado a essa percepção da escuta para chegar
a uma execução de qualidade e desencadeamento de emoções.

Eminentemente, escolho me aprofundar em Meisner, pela curiosidade que o


seu tipo de trabalho me desperta. Como havia comentado, tive uma breve
oportunidade de entender um pouco da Técnica quando fiz parte do Núcleo de
Estudos para Audiovisual. O núcleo era, na verdade, uma chance de juntar um
grupo de atores potiguares, vindos do teatro, que estão se arriscando no cinema,
para conhecer e estudar algumas técnicas mais voltadas para essa linguagem. Na
cidade de Natal, não existe esse tipo de “escola”, e por isso e para isso - buscando
também continuar suas investigações e crescer seu trabalho de atriz, diretora e

16
Do original: “What then must you be doing? You mut be listening and, you know what? The more
you are listening the less you will be preparing, controlling. The success of this game
comes from really listening and taking what you get. The more you can do this, the more
you will trust that a word will in Fact come our of your mouth and that with that word,
you will tell the storv.” (SILVERBERG, 1979, p.9)
30

preparadora de elenco - que Márcia Lohss se propõe a desenvolver essa


experiência conosco.

O objetivo se estendia também à uma preparação desse grupo para lidar com
a câmera mais confortavelmente, em testes de elenco e gravações. Eu, por
exemplo, costumava ficar extremamente nervosa e insegura ao fazer testes, e isso
me travava e atrapalhava muito – e já deve ter me custado alguns papéis. A
insegurança de que falo, fazia com que as palavras decoradas fugissem da minha
cabeça, minhas pernas tremessem, e eu não conseguisse colocar em prática
quaisquer pequenas ações que tivesse pensado previamente para preencher aquele
texto. Quando fiz o trabalho de Meisner no Núcleo, ressignifiquei a sensação trazida
pelo exercício de repetição. Aprendi a conscientemente me desligar da atmosfera de
tensão instaurada pelos testes de elenco e de certa forma, subverti a insegurança.

Por essa razão, penso que a escolha da Técnica Meisner para este fim, foi
uma decisão bastante apropriada, justamente pela proposta concreta de exercitar a
escuta, se desprendendo do resultado. Racionalizando menos, e fazendo mais.
Depois dessas poucas vivências, eu já comecei a me sentir muito mais
independente de certos vícios, e por mais que ainda haja muito treinamento a ser
feito dentro da abordagem, já consigo compreender o que ela pretende, e já estou
em busca disso para os meus próximos trabalhos de atriz. É libertador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Se você não estiver ardendo, não poderá inflamar ninguém".


Serguei Iessienin (Poeta russo, 1895-1925)

A qualidade fundamental do ator, sobre a qual quis chamar a atenção, é


convencer sua plateia da realidade em que ele está inserido. Portanto, o teatro só é
teatro se estabelece uma relação com quem assiste, e assim também é com o
cinema. O ator e a atriz, que brincam seriamente, nunca perdem o prazer em
desempenhar a sua arte, mesmo quando vive em cena os maiores problemas da
vida humana. O espectador entra no jogo, e por mais difícil que seja raciocinar
31

quando está seduzido pela peça ou filme, sente a ação e reage a sua maneira sobre
o que está assistindo.

Todos esses estudos, técnicas, teorias e exercícios para o trabalho de


atuação, são para encontrar a sensibilidade necessária para criar uma boa cena e
através dela contar uma história, que precisa ser partilhada. A linguagem teatral e
cinematográfica permitem que as pessoas sejam tocadas de uma forma que
transcenda os limites narrativos. Para mim, ser atriz é ser um instrumento dessa
expressividade. É comunicar, passar uma mensagem, ser parte de uma arte que
transforma todos os que participam dela.

É por todo e qualquer tipo de transformações possíveis que eu escolho


pensar, fazer e amar o teatro e o cinema. O teatro é exercício de doação. Não há
nada no mundo que se compare com a sensação de subir no palco, inteiro, se
conectar com seu público e para ele dar tudo que se tem pra dar. Assim como para
o seu colega de cena, para a sua equipe. O corpo vibra, os sentidos se aguçam, os
olhos brilham, a respiração acelera e por um tempo, todo mundo fica em suspensão.

O audiovisual é exercício de paciência. É um processo longo e detalhado, em


que se passa muito tempo, desde a formação da equipe até a exibição do filme. O
ator, quando grava, está em um momento de sua vida e quando assiste, está em
outro. Enquanto isso, se aprofunda em processos que exigem muito estudo e
cuidado. Fazer um bom filme é um trabalho muito profundo que deve conectar todas
as partes da maquinaria para funcionarem como um só.

Parando para pensar, é incrível que as pessoas deem seu dinheiro suado
para entrar numa sala escura onde sentam e ou olham para um palco iluminado com
gente em cima, andando de um lado para o outro, ou para uma tela cristalizada na
qual as imagens se movem e falam. A sala escura e silenciosa existe para deixar o
espectador mergulhado em sua fantasia. Os atores, ali na frente, podem fazer todas
as coisas que você quer fazer, dizer todas as coisas que você quer falar, beijar como
você gostaria, ser corajoso de uma maneira que você quer ser. O público
simplesmente tem a oportunidade de se entregar.

Eu escolho atuação como campo de trabalho pela intensidade dos processos.


Treinar o nosso corpo para responder de maneira verdadeira, no aqui e agora da
32

cena, aos estímulos imaginários que um roteiro ou uma peça nos propõem; ser outra
pessoa por alguns minutos, para comunicar, transmitir algo significativo, transformar,
transportar, tocar e arrepiar quem assiste e estimular visões críticas. O teatro e o
cinema, de fato, se aprendem na experiência de fazer. Mas nada se aprende nem se
realiza sem acompanhar uma reflexão rigorosa e exigente.

Essas reflexões metodológicas que escrevo para os atores ou os que


pretendem um dia serem atores, são um exemplo da generosidade da qual o teatro
me imbuiu. Eu quis compartilhar o que eu descobri e aprendi, para que outras/outros
amantes do teatro e cinema também possam compreender que atuar vai muito além
de simplesmente decorar e dizer um texto. Para atuar você precisa ser. Fazer, com
coragem e confiança.

Durante todos os anos estudando no curso de Licenciatura em Teatro, nas


experiências externas à universidade que tive oportunidade de participar e
especificamente no curto tempo que passei no Núcleo de Estudos para o
Audiovisual, eu aprendi novos ensinamentos, com diferentes pessoas.

Hoje entendo que, sempre existirão desafios e que por isso, precisarei buscar
mais informações, mais estudos e práticas. O importante é estar disponível para o
que vier, principalmente em se tratando de arte.

Costuma-se dizer que existem vários métodos de atuação. E, toda essa


reflexão me faz pensar que não existe um melhor ou mais correto, e sim aquele que
encaixa melhor em um determinado projeto. Independentemente da linguagem,
existem técnicas, metodologias que pessoas anteriores a nós se esforçaram muito
para descobrir, testar e registrar. Uma vez que temos acesso a isso, que motivo
existiria para não se querer conhecer o máximo de maneiras para se chegar a bons
momentos de cena?

Com o conhecimento, e só através dele, é que se pode ter certeza de qual


metodologia se adapta mais a cada artista. Treinar o seu corpo, se apropriar da
técnica escolhida e se doar inteiramente são o grande trunfo da atuação. Este artigo
apresenta este lugar do intérprete não apenas como profissão, mas como um lugar
de inquietação permanente, que transforma cada personagem numa oportunidade
de pesquisar e aprofundar os estudos. E, ainda, de se colocar no processo de saber
33

o que eu quero dizer. Porque existem tantas coisas para serem ditas por tanta
gente.

Nas palavras de Stanislavski, a arte do ator é feita para o homem, pelo


homem e sobre o homem. A vida é um ensaio, uma improvisação, um recriar diário.

Eu quis que esse artigo fosse um depoimento significativo da minha paixão


pela atuação. Um incentivo a fazer e ver teatro, a produzir e assistir cinema. Um ato
de fé na arte, criado por uma atriz que não se contentou em voar sobre o palco e
bateu as asas até o set de filmagem. E que espera a partir de agora alçar novos
voos.
34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasileira, 2002. 192 p. Tradução de Marcelo Mello; prefácio de Marlon Brando.

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Bertrand Brasil, 2002. 378 p. Tradução de Sônia Coutinho.

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FERRRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do


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Cênicas, 1985. 151 p.

MEISNER, Sanford. On Acting. Estados Unidos: A Vintage Original, 1987. 267 p.


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