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Universidade Federal de São João del Rei

Departamento de Ciências Sociais


Licenciatura em História

Gabriela Vitória Monteiro da Silva

Resenha do documentário ​O dia em que o Brasil esteve aqui

São João del Rei, Minas Gerais


2019
Resenha do documentário “O dia em que o Brasil esteve aqui”

Na história brasileira é clara a união entre política e futebol1, sendo o momento mais
exemplar da instrumentalização do esporte aos interesses do Estado o período da Ditadura
Militar, de 1964-1985. O que não é tão claro é a exportação dessa união político-futebolística
brasileira para terras haitianas. O documentário ​O dia em que o Brasil esteve aqui​, dirigido
pelo cineasta Caito Ortiz e por João Dornelas, mostra exatamente a passagem da seleção
brasileira pelo Haiti no ano de 2004 em momento de instabilidade de governo e levante civil.
Em um período posterior à deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, cuja
eleição fora fruto de um pleito conturbado em 2000, instaurou-se no Haiti um cenário de
guerra civil. O Conselho de Segurança das Nações Unidas cria, então, uma missão de paz,
sendo “as forças da paz” comandadas pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Em meio
às ações da ONU e dos sujeitos envolvidos na missão de paz, o então presidente, Luiz Inácio
Lula da Silva convida a seleção de futebol brasileira para uma partida contra a seleção
haitiana, em prol das causas diplomáticas. O documentário, cuja estreia data de 2006, se
insere nesse contexto, captando a realidade haitiana, a recepção da seleção brasileira e o jogo
propriamente dito.
De maneira bastante intrigante, o início do longa segue alguns soldados das “forças da
paz” entregando à população haitiana cartões autografados pelos jogadores brasileiros, blusas
em apoio ao Brasil com a cor amarela e bandeiras do país. A comoção que circunda a
presença brasileira e a doação desses objetos é inacreditável, assim como a presença de uma
cultura de exaltação do futebol brasileiro que se estende a figura da nação Brasil como um
todo. O documentário apresenta muito bem a vivacidade e a intensidade dessa relação dos
haitianos para com o Brasil, filmagens da população correndo atrás dos carros do exército
brasileiro, de elementos alusivos ao Brasil pintadas pelas ruas da capital Porto Príncipe e
crianças sorrindo com a bandeira brasileira em mãos ilustram muito bem essa relação
Haiti-Brasil.
Em um segundo momento, há a construção de uma explicação dessa aproximação
entre os países americanos no referente ao futebol, a partir dos relatos de alguns indivíduos,

1
COUTO, E. de F. Da Ditadura à Ditadura: uma história política do futebol brasileiro. Rio de Janeiro:
Editora UFF,. 2014.
mostrando que as seleções brasileiras já corriam pelas mentes haitianas desde a década de
1960, fazendo significar a profundidade e o desenvolvimento dessa afetividade futebolística
estrangeira. Em meio a essa construção principal, vê-se um cenário de infra-estrutura
calamitosa, ruas e casas em estados ruins, ao mesmo passo em que a população aparece
sempre sorrindo e esperançosa, à revelia do cansaço visível em seus rostos.
Um sujeito específico chama a atenção com suas falas muito assertivas e fortes no
transcorrer do documentário, Patrice Dumont, jornalista esportivo, que em determinado
momento diz:
Existe o ​hard power e ​soft power​. O Brasil simboliza o ​soft power.​ O Brasil é a
potência mais perigosa do mundo. Por que ela é capaz, justamente, de aprisionar um
país através do ​soft power​. Quando um exército vem, brutalmente e se impõe, ele
acaba sendo odiado. O Brasil é amado, o Brasil fascina, as praias brasileiras, as
mulheres brasileiras, a música brasileira. A Bossa Nova, o Samba. O Carnaval
Brasileiro. Mesmo o Candomblé brasileiro fascina.
E continua:
Nós consideramos, na nossa análise, que a ONU passou uma lição de casa
para o Brasil: comandar as tropas de paz no Haiti, com o general brasileiro
Heleno. Se essa missão for bem sucedida, é possível que outras virão, e logo
mais, o Brasil se torne um membro permanente.
Essas falas fomentam no espectador a reflexão sobre as razões para que o Brasil (e o
futebol) estivessem em território haitiano naquele momento, conjugando a afetividade que
cerca a ​representação​ do futebol brasileiro e os interesses políticos do Brasil.
Posteriormente, o longa acompanha a chegada dos jogadores brasileiros e a “partida
da paz”. É impressionante assistir ao material feito na “passeata” dos jogadores por Porto
Príncipe em tanques de guerra. A quantidade de haitianos que vão às ruas para ver os
brasileiros beira proporções homéricas... Gente por todos os lados tentando alcançar,
principalmente, as figuras de Ronaldo e Ronaldinho. Ao mesmo tempo, mostra-se os
jogadores haitianos e a sua preparação para a partida, ficando evidente a pressão a qual os
mesmo estavam submetidos e a discrepância entre as condições haitianas e brasileiras para a
preparação esportiva dos times. O jogo acontece sob a áurea de um episódio de magnitudes
estrondosas, as filmagens mostram a mobilização dos haitianos para assistirem ao jogo, seja
de dentro do campo, seja reunidos ao redor de uma pequena televisão. O que se dá é um
placar de 6 x 0 favorável à seleção brasileira.
Por fim, revela-se o descontentamento de parte dos haitianos para com o resultado
do jogo e a forma como o time brasileiro esteve no país. O já citado Patrice Dumont, em uma
de suas falas, compara o Brasil a um amigo rico e o Haiti ao amigo pobre, narrando que a
visita brasileira foi semelhante ao amigo rico visitar a casa do amigo pobre, que não é bela e
padece em alguns aspectos. A visita acontece com embaraço e vergonha, mesmo em face da
relação de amizade, e o amigo rico vai embora da mesma maneira que chegou, sem se atentar
a realidade e demanda do colega marginalizado.
A obra audiovisual possui um valor significativo, tendo em vista que lança luz sobre o
Haiti, um dos países mais desconhecidos ao brasileiro comum, mostrando os percalços
políticos sob a ótica da presença estrangeira de um país influente, à época, instrumentalizando
uma atividade esportiva e se utilizando da memória afetiva e do sentimento de identificação
entre Haiti e Brasil para realizarem jogos diplomáticos e políticos longe das fronteiras
continentais das terras tupiniquins na América do Sul. Revelar essa face predatória das
políticas de “soft power” brasileiras é outro ponto extremamente rico da película. Um ótimo
documentário que merecia maior projeção em cenário nacional.

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