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Falsos relativistas

ESCRI TO POR OLAVO DE CARVALHO

Durante anos o relativismo serviu de navio quebra-gelo para demolir as resistências a


propostas que, por sua vez, nada tinham de relativistas, que eram, ao contrário, as mais
absolutistas e intransigentes que se pode imaginar.

Um dos vícios mentais mais deploráveis, e mais comuns entre conservadores e liberais, é o de
reduzir os debates públicos a discussões puramente acadêmicas, em que as “idéias” são
enfocadas pelo seu conteúdo teórico tão-somente, fora dos esquemas políticos que as
geraram. Assim, por exemplo, homens fiéis a valores e princípios tradicionais – filosóficos ou
religiosos – já produziram milhares de refutações cabais do “relativismo”, mas nem por isso
lograram deter o avanço das propostas político-sociais que vêm protegidas sob salvaguardas
relativistas. Quanto mais vitoriosos no campo acadêmico, mais perdedores se tornam na luta
política.
É que acadêmicos e ativistas não falam a mesma linguagem. Os primeiros não compreendem
a linguagem dos segundos, mas estes compreendem a daqueles perfeitamente bem e a usam
como uma camisa-de-força para aprisioná-los no campo das idéias puras, para que não
percebam que, no quadro de uma estratégia política, uma idéia qualquer pode ter um
significado prático inverso ao do seu conteúdo teórico. Este serve apenas como o pano
vermelho com que o toureiro desvia a investida do touro.
As idéias dos ativistas quase nunca significam o que dizem. Por baixo do seu conteúdo
ostensivo escondem um objetivo estratégico que, no plano histórico, virá a constituir o seu
único conteúdo efetivo quando o jogo dialético das idéias e das ações tiver atingido seu
resultado.
Assim, por exemplo, durante anos o relativismo serviu de navio quebra-gelo para demolir as
resistências a propostas que, por sua vez, nada tinham de relativistas, que eram, ao contrário,
as mais absolutistas e intransigentes que se pode imaginar.
Note-se que é impossível discutir o relativismo em teoria sem subscrevê-lo ao menos em parte
e implicitamente: toda idéia que é aceita como objeto de refutação lógica adquire, ipso facto, o
estatuto de doutrina intelectualmente respeitável, digna de atenção acadêmica. Bombardear o
mundo acadêmico com um constante assalto relativista aos princípios e valores pode não
persuadir ninguém a endossar o relativismo doutrinal, mas habitua todo mundo a praticar, com
relação a ele, aquela quota de relativismo imprescindível a qualquer discussão. Com alguns
anos desse tratamento, o mais dogmático dos tradicionalistas está amestrado para entrar no
debate com menos disposição de vencê-lo que de provar que é “tolerante” e “aberto” – um
compromisso do qual seu oponente está automaticamente dispensado.
Em vez de discutir o relativismo, é preciso exigir do relativista as provas de que adere a essa
doutrina com sinceridade, de que concede aos dois lados o atenuante relativista em vez de
usá-lo somente como arma provisória para diluir as resistências do adversário e em seguida
impor a ele alguma exigência absolutista e intolerante, imunizada a priori contra qualquer
cobrança relativista.
Qualquer um pode perceber que gayzistas, feministas, abortistas e tutti quanti nunca teriam
espaço na sociedade se este não tivesse sido aberto antecipadamente pela invasão relativista,
mas que, na mesma medida, entram em campo livres de qualquer obrigação relativista e
armados do mais rígido absolutismo. Você conhece algum gayzista, feminista ou abortista
disposto a concordar que as exigências do seu grupo têm um valor apenas relativo, que as
crenças de seus adversários têm uma parcela de razão e devem ser tão respeitadas quanto as
dele? Já viu algum deles reconhecer ao menos em tese o direito de combater suas propostas
sem medo de represálias? No entanto, nenhum deles teria tido sequer a chance de ser ouvido
com atenção e respeito se a vanguarda relativista não tivesse antes minado a intransigência
dos seus adversários. Servem-se do relativismo como de uma gazua: quando a porta está
arrombada, mudam instantaneamente de conversa e tratam de condenar como crime qualquer
tentativa de relativizar a autoridade das suas exigências.
Para dizer a verdade, raramente ou nunca se vê um relativista genuíno, sincero, que continue
relativista quando isto já não convém à sua política, ou que conceda ao adversário as mesmas
salvaguardas relativistas sob as quais se abriga. Praticamente todo relativismo em circulação
hoje em dia é falso, é pura armadilha.
É estúpido perder tempo discutindo o conteúdo abstrato de uma teoria na qual seu porta-voz
mesmo não acredita, de uma teoria que ele simplesmente emprega como ferramenta provisória
para abrir caminho para um projeto político inteiramente diverso e até oposto. Se uma teoria é
apenas camuflagem, é óbvio que ela não tem nenhum conteúdo em si mesma, que seu único
sentido real é a proposta na qual pretende desembocar tão logo o adversário abra a guarda.
Nesses casos, a coisa inteligente a fazer é recusar peremptoriamente o debate nos termos em
que o espertalhão o coloca e, em vez disso, desmascarar logo a proposta política subjacente,
junto com o ardil que a prepara e camufla.

É claro que a passagem do rodeio relativista à exigência totalitária não é repentina, mas
sempre gradual e, idealmente, insensível. Mas, quando o processo se completa, é tarde para
denunciar retroativamente a desconversa relativista que o preparou.

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