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Pablo Victor Marquine da Fonseca
pablomarquine@gmail.com
Heitor Marques Marangoni – UnB
heitor.hmm@gmail.com
Resumo: Através do processo da imagética musical é possível escutar a música mentalmente sem tocar
no instrumento. A literatura aponta que este processo é relevante para o músico durante o preparo para a
performance. Este artigo visa apresentar alguns elementos que podem ser úteis para a construção e
utilização deste processo durante o preparo para a performance pública da Sonata 1942 do compositor
brasileiro Cláudio Santoro. Foi utilizada também uma análise musical dos elementos para construção de
agrupamentos que facilitaram a compreensão musical para assim construir uma ideia sonora fluente e
também para memorização. A imaginação dos movimentos junto com os sons facilitou a concepção da
execução como um todo, integrando os movimentos com o resultado sonoro desejado.
Palavraschave: Imagética; Claudio Santoro; Sonata 1942.
Musical Imagery applied to the Sonata 1942 for solo piano of Claudio Santoro
Abstract: Through the musical imagery process it is possible mentally listen to music without touching
the instrument. The literature suggests that this process is relevant to the musician during the preparation
for the performance. This article presents some elements that may be useful for the construction and use
of this process during preparation for public performance of the Sonata 1942 of brazilian composer
Claudio Santoro. It was also used musical analysis of elements to build clusters that facilitated the
musical understanding so as to build a fluent sound idea and also to memorize. The imagination of
movements with the sounds facilitated the design of running as a whole, integrating the movement to the
desired acoustic result.
Key words: Imagery; Claudio Santoro; Sonata 1942
INTRODUÇÃO
A imagética mental consiste na “habilidade que envolve a utilização de todos os
sentidos para criar ou recriar uma experiência na mente” (Abernethy, Kippers, Hanrahan,
Pandy, Mcmanus & Mackinnon, 2013, p. 306). Apesar da palavra imagética parecer estar
relacionada a um fenômeno visual, já que deriva da palavra imagem, ela é o termo utilizado
para descrever esta simulação mental em qualquer modalidade sensorial, seja ela visual,
auditiva, motora, olfativa ou gustativa, que podem ocorrer de forma isolada ou combinada.
A imagética musical compreende a um processo multimodal que engloba, de modo
combinado ou isolado, tanto a escuta interna da música (imagética auditiva) como os
elementos não auditivos relacionados à execução musical, tais como as sensações internas dos
movimentos relacionados à execução (imagética motora) e a visualização interna das mãos no
instrumento e/ou de cenas, objetos ou paisagens relacionadas à ideia interpretativa da obra
(imagética visual) (Keller, 2012). Seashore (1938) destaca uma maior importância dos
aspectos auditivos na imagética musical e considera esta habilidade como a essência da mente
musical, possibilitando ao músico criar e simular a experiência musical através da
manipulação das diversas estruturas sonoras através do ouvido mental. Desta forma, através
desse processo, os músicos podem construir um ideal sonoro que contenha as nuanças
interpretativas desejadas, como timing, dinâmica, agógica, qualidade de som, articulação,
dentre outros elementos técnicos e expressivos como uma forma de guiar a execução.
Renomados professores de piano, como por exemplo, Gieseking e Leimer (1972),
destacam a importância da escuta interna para adquirir uma técnica e interpretação sólidas, o
renomado professor de piano Neuhauss (1971), que teve como alunos grandes pianistas como
Sviatoslav Richter e Emil Gilels, destaca a importância do intérprete construir este ideal
sonoro1 da obra contendo os elementos interpretativos para guiar a execução. Kocthevtsky
(1967), por exemplo, destaca que a virtuosidade é adquirida não por causa do conhecimento
da forma dos movimentos, mas pela habilidade prática de antecipálos de acordo com cada
caso. Isto consiste na conexão entre a imaginação musical interna dos movimentos, as
sensações musculares e a escuta crítica e cuidadosa dos resultados. Kocthevtsky (1967)
também aborda a ideia do agrupamento mental que se baseia na estrutura do teclado, do
dedilhado e desenho da linha musical que pode ser útil para memorizar, aperfeiçoar a
execução e facilitar o aprendizado.
O trabalho com a imagética musical de uma obra musical corresponde a um processo
de interação entre vários elementos, como as habilidades auditivas do músico, a familiaridade
com a grafia musical, a experiência musical e artística acumulada, a habilidade técnica com o
instrumento, o conhecimento estético e a capacidade imaginativa. Apesar da liberdade da
nossa capacidade imaginativa, o intérprete tem certas limitações estabelecidas pelo texto
musical, de modo que, os detalhes expressivos contidos na partitura podem fornecer
elementos que guiem este processo da imagética musical. Durante o momento da execução,
esta imagética também pode ser influenciada pelo som obtido pelo instrumento e influenciar o
modo de tocar, gerando um ciclo contínuo, caracterizando assim, o processo dinâmico da
imagética musical (Repp, 2001).
Visto a relevância da imagética musical para a performance musical, este artigo
pretende apresentar algumas possibilidades de utilizar este processo no preparo da Sonata
1942 do compositor Claudio Franco de Sá Santoro (19191989). Como os intérpretes podem
ter infinitas maneiras de utilizar este processo, este artigo não visa esgotar sobre o assunto e
nem de rotular que as maneiras apresentadas seriam as únicas, mas sim apontar algumas
estratégias que possam ser pensadas, contribuindo assim, tanto para a área do ensino musical,
Neuhauss denomina como Imagem Artística esse ideal sonoro.
1
onde alunos poderão utilizar estas ideias e ampliálas, professores, para abordarem nas aulas,
pelos próprios intérpretes e também para a formulação de hipóteses de pesquisa em música
para investigar, por exemplo, quais estratégias proporcionam maior rendimento.
PROCEDIMENTOS DE IMAGÉTICA A PARTIR DA ANÁLISE ESTRUTURAL
O principal objetivo da análise estrutural da Sonata 19422 foi dividir as seções
temáticas, para assim criar um planejamento interpretativo que será impreterivelmente
essencial no estudo mental e físico. O os diversos trechos foram repetidos mentalmente várias
vezes, por meio de uma imagem mental auditiva que foi constantemente manipulada e
elaborada, para que, desta forma, a ideia musical tenha sido apreendida. Desta forma, foi
evidenciado que, após que uma imagem mental auditiva já formada e com intenções definidas
tornou o processo de execução física mais profícua, e mais substancial na memorização e
intencionalidade musical reduzindo assim as dificuldades outrora encontradas sem a
utilização desse processo. O conhecimento sobre técnica composicional e as informações
contidas no texto musical tais como estruturas motívicas, temas, elementos de periodicidade
como cadências, frases, mostraramse relevantes ao intérprete antes mesmo de sua execução,
possibilitando criar uma imagem auditiva coerente com o texto musical.
O COMPOSITOR E A OBRA
Claudio Franco de Sá Santoro (19191989) foi um compositor prolífico e de gênio
particular criativo, e que teve em sua vida composicional 6 (seis) períodos estético
composicionais (Mendes, 2009) que exemplificam a relação de influências estéticas e
influências ideológicas (Abbagnano, 2007) em seu discurso musical: a primeira fase orientada
pelo Serialismo dodecafônico (19391946); Período de Transição entre a idiomática serial e
nacionalista, (19461948); Nacionalismo (19491960), que abarca a pesquisa de um léxico
musical nacional e de influências neoclássicas; Retorno ao Serialismo (19601966); Avant
Garde (19661977), período que abarca obras aleatórias e eletroacústicas; Período de
Maturidade (19791989), que contém uma síntese de todo o discurso musical e influências
estéticas dos períodos precedentes.
Ao longo de sua carreira, Santoro compôs um total 6 (seis) sonatas. A Sonata 1942 e a
Sonata nº1 pertencem à primeira fase de sua vida composicional, a qual foi influenciada pelos
posicionamentos filosóficos de vanguarda contidos nos programas estéticos do grupo Música
Viva, liderado por Hans Joachim Koellreuter, e inflenciada pela adesão ao serialismo
A partitura da Sonata 1942 utilizada para o presente estudo foi uma edição inédita editada por Pablo Marquine,
2
mestrando do PPG “Música em Contexto”, e foi estreada em Brasília no dia 08/07/2015, edição feita a partir do
manuscrito disponibilizado no Acervo da Família de Claudio Santoro em Brasília.
dodecafônico como representação de uma ideologia estética de vanguarda, ante ao
nacionalismo feito na primeira fase do Modernismo Brasileiro (Kater, 2009).
Concomitante aos elementos do texto musical, o conhecimento de fatores sócio
culturais3 foram úteis para guiar a construção de uma imagem mental, já que podem suprir
informações não expressas diretamente na partitura e também evidenciar elementos subjetivos
e objetivos acerca das influências estéticas para definir e construir um caráter interpretativo e
coerente com a identidade musical da obra.
A Sonata 1942 pode ser seccionada em três movimentos principais: Lento (Primeiro
Movimento), Alegre Brincando e Gracioso (Segundo Movimento) e Muito Lento (Terceiro
Movimento). Aqui podese compreender a consciência da forma sonata em relação a
manipulação dos contrastes, mas o compositor usa de forma particular a estrutura formal e
também a aplicação da linguagem serial dodecafônica.
Fig.1 Série Original (O0) utiliza na Sonata 1942 e nas Invenções a duas vozes
Como exemplo no primeiro movimento, a caracterização temática se dá por
agrupamentos da série, ou seja, os agrupamentos das notas de uma determinada série, seja o
original, sua transposição, sua inversão ou retrogradação evidenciam um caráter temático.
Primeiro tema do Primeiro Movimento:
Fig.2. Análise. Agrupamento temático A1 da Série Original. C. 17
3
O conhecimento da linguagem serial dodecafônica, sua constituição estética e o uso que Santoro faz dela para
proferir seu discurso musical tem enorme preponderância para a compreensão do intérprete, já que o uso de
acidentes terá ação somente para a nota em que são inscritos, não constintuindo ação sobre as demais do
compasso. Santoro redige uma nota informativa logo na primeira página da partitura e utiliza acidentes de
precaução para corroborar essa estruturação no discurso musical.
A divisão temática do primeiro movimento da Sonata 1942 pode ser compreendido
desta forma: Agrupamento Temático I (17); Agrupamento Temático II (816); Transição (17
21), Coda (2225), Cadência (2629). Esses temas não são como temas propriamente ditos
com base na estrutura clássica do forma AllegroSonata, com caráter definitivo, imutável e
reforçados pela sua reapresentação na reexposição; dos compassos 3054, o discurso musical
assemelhase a uma reexposição, o agrupamento temático AI só é reconhecível pela
ordenação da série original: tudo o mais que o definia como tema não é mais apresentado.
Temse a impressão de um constante desenvolvimento.
Fig.3. Edição. Primeiro Movimento, compassos (3033) Agrupamento temático A1’,
reapresentação desenvolvida.
Fig.4. Quadro da Estrutura Formal do Primeiro Movimento da Sonata 1942. Seções utilizadas
para aplicação dos procedimentos de imagética4
4
O preenchimento do arco no quadro acima corresponde às seções estruturais onde foram utilizados os
procedimentos de imagética.
APLICAÇÃO DOS PROCESSOS DE IMAGÉTICA MOTORA E AUDITIVA À OBRA
Após a pesquisa sobre o contexto sóciohistórico, às influências estéticas e análise
estrutural da obra, os processos de imagética foram aplicados às seções temáticas analisadas
que continham em seu discurso musical uma ideia de periodicidade e exposição/conclusão
temática. Foramse utilizados basicamente a imagética auditiva (escuta interna dos sons)
guiada pela estrutura temática das notas e agógica adequada e a imagética motora (sensação
interna dos movimentos) sentindo e visualizando as mãos juntas ou separadas no trecho
temático escolhido, facilitando a concepção de gestos musicais relacionados ao fraseado, de
forma conjunta à intenção musical e resultado auditivo desejado. Dessa forma, foi possível
memorizar não somente o conteúdo das notas, mas todas as informações como dinâmica,
elementos de expressividade, mudanças de andamento e particularidades de interpretação.
Ao se tomar um tempo suficiente memorizar mentalmente uma informação mental, só
então foi executado fisicamente ao instrumento o determinado trecho sem as dificuldades que
estavam sendo identificadas antes: A imagética auditiva contribuiu, através da escuta interna
das vozes de forma separada ou em diversas combinações, alternada com a escuta interna de
trechos completos, para a compreensão da continuidade das vozes e contrapontos, precisão
rítmica, variações de andamento, identificação temática e fluência do discurso musical.
Quando uma ideia mental estava de certa forma compreendida partiuse para a execução
física, de modo que, em muitos momentos obtive resultados sonoros interessantes que
contribuiram positivamente ao substrato desta imagética musical, eles construída
concomitante à análise do texto musical , das séries dodecafônicas e a análise estrutural
proporcionando então, substância e fundamento interpretativo e epistemológico para a
coerência entre o texto musical e sua interpretação.
Através da imagética motora foi possível diminuir o número de repetições físicas para
aprendizado e ganhos de precisão e velocidade. Na primeira vez o intérprete procurou
visualizar as teclas referentes às notas escritas imaginando a posição das mãos e definindo os
dedilhados mentalmente. Esse processo mental de identificação do dedilhado através da
imaginação motora foi feito em um andamento inferior ao tempo original da obra, imbuído de
sensação sinestésica concomitantemente com a imagem auditiva relacionada ao trecho
trabalhado. Para o intérprete, podese concluir que a imagem sonora guiou a imagem motora,
visto que o resultado principal é a final. Ao testar fisicamente, alguns dedilhados tiveram que
ser alterados para assim, atingir a sonoridade desejada. Ao verificar empriricamente que o
dedilhado de um trecho era coeso e não criava dificuldades técnicas, foi utilizado o processo
de imagética motora para tornar o processo de apreensão da obra mais rápido, que já havia se
mostrado mais profícuo do que somente o estudo físico isolado. Todo este processo de
imagética motora foi feito com a simulação mental em primeira pessoa
As sessões foram imaginadas com as vozes separadas para a memorização e
manipulação destas informações sonoras para se definir uma expressividade coerente com a
idiomática da obra.
A imagética musical do intérprete deu contribuições únicas a interpretação da obra. O
intérprete pode “descobrir” novas possibilidades sonoras e expressivas escutando e
manipulando internamente as ideias musicais, baseado nas suas experiências anteriores, ou até
através de insights próprios. O intérprete escolheu construir uma sonoridade idiossincrática
correspondente e inerente a cada seção identificada e previamente analisada para evidenciar
um contraste interpretativo nas diferentes técnicas e estilos composicionais de Claudio
Santoro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização dos processos de imagética musical para a execução do primeiro
movimento da Sonata 1942 mostrouse relevante. As ferramentas que auxiliaram este
processo foram a estruturação formal apresentada em seções, juntamente com o conhecimento
estético da obra. A imagética motora facilitou a apreensão de dedilhados e movimentos,
juntamente com a acurácia e ganhos em velocidade. A imagética auditiva constituiu na
utilização da série e suas possibilidades de apresentação (original, inversão do original,
retrogradação e inversão da retrogradação) onde as vozes foram imaginadas de forma
separada e juntas, Depois que os trechos estudados foram bem definidos e internalizados
através da imagética musical, o processo de execução física foi muito mais natural profícuo,
otimizando o tempo de aprendizagem de uma obra tão particular e complexa, onde a
experimentação física contribuiu para testar o que estava sendo imaginado e propiciando
novas possibilidades que foram integralizadas a imagem mental da obra, caracterizando um
ciclo contínuo de alternância entre o estudo físico e o mental.
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