Sie sind auf Seite 1von 13

A criação de um novo partido através da ação de Leonel Brizola: discursos de O

Globo

Marcelo Marcon1

Introdução

Os estudos referentes ao regime militar no Brasil crescem na medida em que


fontes passam a tornar-se disponíveis para pesquisa, visto ao curto período em que este
se findou. No mesmo contexto, crescem o uso de fontes de imprensa para o estudo da
história, em especial no âmbito político, o qual seu processo de renovação (REMOND,
2003) elege a imprensa como uma das fontes históricas relevantes.
O golpe militar de 1964 trouxe consigo profundas mudanças na sociedade
brasileira, alterando entre tantos ambientes, o cenário político-partidário. O Ato
Institucional 2 (AI2), de 1966, instaurou o bipartidarismo, sendo criado o partido de
situação, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o de oposição, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). Assim, os partidos políticos brasileiros foram extintos,
dando lugar a dois blocos partidários que perdurariam até o ano de 1979, quando o
então presidente João Figueiredo, no contexto da abertura política, decretou o fim do
bipartidarismo e a volta dos partidos.
No mesmo ano, e também por ocasião da abertura política, ocorreu a anistia aos
presos políticos exilados desde 1964. Entre outros políticos, Leonel Brizola retorna de
um exílio de mais de 15 anos, e logo busca cercar-se de alianças para a recriação do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O período que abrange os anos de 1979 e 1982 foi
marcado pela criação dos partidos políticos para concorrer às eleições de 1982, para
governadores de estado, deputados, senadores, prefeitos e vereadores.
Brizola volta de forma diferente de quando parte para o exílio em 1964. Naquele
momento, encontrava-se no auge de sua carreira política, tendo recentemente sido
governador do estado do Rio Grande do Sul e líder da Legalidade, movimento que
defendeu a posse de João Goulart como presidente da República, quando da renúncia de
Jânio Quadros em 1961.

1
Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. Graduado em História também pela UPF. E-
mail: marcelomarcon90@hotmail.com
Ao voltar, Brizola encontra inúmeras dificuldades para se estabelecer
politicamente, como em conseguir aliados para a recriação do Partido Trabalhista
Brasileiro, e principalmente por perder o domínio da sigla, para Ivete Vargas. A decisão
do governo atuou no sentido de enfraquecer politicamente o ex-governador do Rio
Grande do Sul. Perdida a sigla PTB, Brizola partiu para a criação de um novo partido: o
Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Neste contexto, vários jornais retrataram a movimentação política de Brizola.
Nesta pesquisa, temos o objetivo de reconstruir os momentos que levaram à fundação
do Partido Democrático Trabalhista (PDT), privilegiando a narrativa da imprensa como
fonte principal. Para tanto, elegemos o jornal O Globo, o qual pode situar-se como
opositor ao ideário trabalhista. O discurso do jornal é formado através da concepção
ideológica de seus proprietários, editores e colunistas, e, portanto, torna-se relevante
como alvo de análise pela influência que exerce no pensamento político da população
em um período complexo da história brasileira.
Assim, com o objetivo de compreender a forma como o jornal O Globo forma
seu discurso em relação a ação de Brizola no período 1979-1982, passaremos a discutir
este assunto.

1. O retorno de Brizola do exílio: discursos de O Globo

O jornal O Globo foi fundado no ano de 1925, por Irineu Marinho, que falece
poucos dias após seu lançamento, herdando o periódico seu filho Roberto Marinho, que
assume a direção do jornal no ano de 1931. O Globo comemorou o golpe militar de
1964, afirmando que com a fuga de Goulart e a posse de Mazzilli na presidência a
“democracia estaria ressurgindo”:

Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os


patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias de opinião
sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e
a ordem. Graças a decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes
a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a
hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que
insistia em arrastá-los para rumos contrários a sua vocação e tradições (O
GLOBO, 02 de abril de 1964).
A posição do jornal não foi isolada, outros veículos de comunicação importantes
da época também apoiaram o golpe. O Globo atualmente afirma que o apoio foi um
erro, com uma nota no site do jornal que diz que naquele período, justificava-se a
intervenção militar “pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente
João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar
uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas”2.
A partir do processo de abertura política e crise econômica do governo militar, e
com a anistia e revogação do AI5, O Globo permanece com um discurso que
acompanha o do governo, mesmo que concordando com o reestabelecimento da
democracia, não deixa de apoiá-lo, acompanhando o seu discurso e posicionando-se
contrário as manifestações populares que pediam o fim do regime.
Brizola, com o golpe militar em 1964, exila-se no Uruguai, onde permanece até
o ano de 1977, quando é expulso e parte para os Estados Unidos, retornando ao Brasil
por ocasião da Lei da Anistia, no dia 06 de setembro de 1979. A data escolhida por
Brizola é emblemática, ele chega ao país as 17h15min do dia 06 de setembro de 1979,
véspera da comemoração da independência.
Para Sento-Sé, é difícil não supor que a escolha da data não era isenta de alguma
intencionalidade no plano simbólico, sendo que Brizola, com esta atitude, busca
“contrapor àqueles que o alijaram da vida política em nome da defesa de valores como
patriotismo e fidelidade ao interesse nacional, com seu próprio patriotismo e seu próprio
compromisso com os interesses da nação” (1998, p.86).
No dia 11 de setembro de 1979, O Globo publicou uma matéria afirmando que
Brizola teria desistido de comícios que realizaria em Porto Alegre, com um tom em que
expressa que o ex-governador não conseguiria sua força política de volta.
Na mesma reportagem, o jornal traz uma forte crítica do então deputado Newton
Cardoso (MDB – MG) a Brizola, dizendo que:

“É o Carlos Lacerda dos novos tempos” – e criticou –o por ter voltado para o
Brasil “para dividir e não para somar”. –Brizola, disse o deputado mineiro –
está fazendo o Jogo do Governo, e poderia ter ficado, por isso mesmo, uns
30 anos no exílio, já que depois de 15 anos mostrou não ter aprendido nada.
Para Newton Cardoso, “ele não trouxe nenhuma mensagem, não conseguir
reunir quase ninguém para seu comício, e por isso mesmo não pode ser
líder”. –Pessoalmente, disse, não me considero líder, mas se grito nas minhas

2
A nota do jornal pode ser acessada no site: http://memoria.oglobo.globo.com/erros-e-acusacoes-
falsas/apoio-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-12695226.
bases, reúno de uma hora pra outra mais de cinco mil pessoas (O GLOBO, 11
de setembro de 1979).

O Globo busca mostrar críticas ao ex-governador, evidenciando os problemas


que ele encontrou e a dificuldade em reconquistar sua popularidade. Também enfatiza
que mesmo na oposição, como no caso do deputado Newton Cardoso, havia críticos a
Brizola. De fato, o nome de Brizola nunca foi consenso e, por sua postura forte, possuía
inúmeros desafetos.
O jornal traz ainda as declarações do então sub-secretário da Presidência da
República, Alexandre Garcia3, que afirmou que “a volta do Brizola não desestabiliza
nem São Borja”, e de outra fonte ministerial, a qual o jornal não revela o nome, e que
teria dito que houve muito barulho antes, pelo nada de agora” (O GLOBO, 11 de
setembro de 1979).
O Globo continua a apresentar notícias que mostrem o enfraquecimento do
poder de Brizola pós-exílio. Na edição do dia 14 de setembro de 1979, o jornal traz uma
entrevista com o ex-vice-governador da Guanabara e ex-deputado Eloy Dutra,
entitulada “Eloy Dutra acha que o PTB já está enterrado”.

“A volta de Brizola não tem a menor importância. Não é um homem


definido, nem autêntico. Retorna ao país querendo voltar ao passado e fundar
o PTB, que já morreu e está enterrado. Se Brizola deseja prestar algum
serviço, seria melhor se filiar ao MDB e esquecer essa tolice de pegar a carta
de Getúlio Vargas e tentar ressucitar o PTB”, afirmou ontem ao GLOBO o
ex-vice-governador da Guanabara e ex-deputado Eloy Dutra. Para ele, Leonel
Brizola “saltou no Brasil com uma lata de melado numa das mãos e uma
bomba de hidrogênio a outra: se continuar indefinido, não conseguirá eleger-
se vereador em Vacaria”. [...]-Brizola esperava 40 mil pessoas para vê-lo
falar, e acabaram aparecendo umas três mil pessoas. O homem é esse, não
tem nada de carismático, de salvador da pátria. Hoje, acredito que esteja
voltando mais lido e sofrivelmente identificado com os problemas brasileiros.
Mas continua pensando no PTB de 15 anos atrás(O GLOBO, 14 de setembro
de 1979).

Dessa forma, o jornal continua a trazer declarações fortemente críticas a Brizola,


que atuam no sentido de demonstrar o seu enfraquecimento político. Quando
perguntado sobre que tipo de contribuição Leonel Brizola poderia acrescentar no
processo de abertura política, Eloy responde: “Ficar calado, não dizer besteira. Fazer a
política dele calado, no sentido de não agitar. Na minha opinião, essa história de voltar

3
Após seu cargo no governo militar, Alexandre Garcia foi contratado pela Rede Globo, como jornalista,
onde continua até hoje.
ao passado e fundar o PTB é uma tolice, porque o PTB morreu e está enterrado,”(O
GLOBO, 14 de setembro de 1979).
De acordo com Patrick Charaudeau,

É na estigmatização da origem do mal que é preciso inscrever também as


estratégias de desqualificação do adversário, sendo este um dos polos
constitutivos do discurso político. As estratégias de desqualificação são
utilizadas com a ajuda de diferentes procedimentos discursivos. [...] O sujeito
político que combate um adversário deve rejeitar os valores opostos aos
preconizados por este, mostrando uma boa argumentação e fraqueza ao
perigo dessas ideias. Mas uma argumentação muito pesada, complexa ou sutil
corre o risco de não ser compreendida pela massa dos cidadãos. É por isso
que, frequentemente, em política, a argumentação se reduz a esse
procedimento de ataques ad hominem, que questiona a probidade do
adversário, suas contradições, sua incapacidade de manter promessas, suas
alianças nefastas e sua dependência diante da ideologia de seu partido
(CHARAUDEAU, 2015, p. 92).

É dessa forma que atua o discurso do jornal O Globo em relação ao retorno de


Brizola, na tentativa de desqualifica-lo. Principalmente, questiona a sua probidade, sua
ideologia política, suas alianças e sua incapacidade em construir projetos políticos,
ignorando o fato de ter sido exilado por 15 anos, interrompendo o auge de sua carreira.
Assim, O Globo busca minimizar a influência de Brizola na futura recomposição
partidária, principalmente com as declarações de outros políticos citadas acima. Este
pensamento perdura na perda da sigla para Ivete Vargas, na criação do PDT, e na
campanha para eleição ao governo do Rio de Janeiro, alterando apenas quando da virada
nas pesquisas eleitorais favoráveis à Brizola.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, seu novo território político, Brizola rejeita a
possibilidade de ingresso no MDB, firma sua posição à esquerda do espectro político,
afirma a incompatibilidade do ideário trabalhista com o marxismo, e mostra boa
assimilação da agenda social democrata europeia, com menções as minorias, as
mulheres, aos negros, e as populações indígenas (SENTO-SÉ, 1999, p.88).

2. Criação do Partido Democrático Trabalhista: discursos de O Globo

No contexto de criação do Partido Democrático Trabalhista, a ação de Leonel


Brizola foi fundamental, em um período em que seu discurso e ação política sofrem
mudanças. Assim, a concepção da ação de Leonel Brizola neste período deve ser
identificada diferentemente de sua ação anterior ao exílio.
Para Sento-Sé, a imagem de Brizola em 1979 pode ser lida de duas formas, a
primeira é a dos contrários à sua volta, por entenderem que ele era o inimigo número
um do regime militar e assim, o maior responsável pela instabilidade política que levara
ao golpe de 1964; e a segunda é a imagem de que justamente, por ser tão odiado pelos
militares, ele seria o legítimo representante da luta contra a ditadura (SENTO-SÉ, 1999,
p. 56).
É a partir dessa segunda imagem que Brizola, a partir de sua volta do exílio, é
visto por muitos, e por si próprio, como herdeiro da sigla PTB e do trabalhismo de
Getúlio Vargas. Ainda no exílio, Brizola e os demais trabalhistas promovem encontros
com outros grupos exilados, sendo o principal deles o encontro de Lisboa. Ocorrido nos
dias 15, 16 e 17 de junho de 1979, o evento que reuniu cerca de 150 pessoas, tinha por
objetivo criar um novo partido trabalhista no Brasil, tendo Brizola como líder (SENTO-
SÉ, 1999, p.79).
O documento oficial do encontro, a Carta de Lisboa, apresenta forte teor
nacionalista e trabalhista, convocando os trabalhadores do país a unirem-se em torno do
partido, destacando as conquistas dos movimentos estudantis, prometendo a defesa dos
oprimidos e marginalizados, e citando Getúlio Vargas como inspiração maior na
constituição do partido (CHACON, 1985, p.667).
Ao voltar do exílio, instalando-se no Rio de Janeiro, Brizola passa a consultar
nomes para a consolidação do partido, como Amaral Peixoto e Luís Inácio Lula da
Silva, mas distante de Ivete Vargas, com quem a partir de então passa a disputar a posse
da legenda trabalhista.
Para FC Leite Filho,

Brizola, no entanto, talvez não tenha imaginado o grau de requinte que


chegara o regime, para, através dos mecanismos formalmente democráticos,
barrar sua ascensão ao poder no Brasil. O PTB, aquele que ele dera como
reorganizado no encontro de Lisboa, ocorrido três meses antes de seu retorno
ao Brasil, tinha sido até ali um partido praticamente descartado pelos
agrupamentos mais influentes na política, na grande maioria concentrados no
MDB. Este, sim , se transformara na grande máquina de votos, como
comprovaram a avalanche eleitoral de 1974 e os sucessos nas eleições
seguintes (2008, p.383).

Para Sento-Sé, se Brizola contava com uma memória política nacional que o
caracterizava como herdeiro do último PTB, Ivete tinha a seu favor o trânsito fácil no
governo federal e a amizade com o general Golbery. A estratégia de Brizola passou
então a ser de trazer nomes importantes para o novo partido, o que para este autor foi
difícil, principalmente porque muitos que estavam no MDB preferiram continuar no
partido, então PMDB, e outros a aderir ao PCB, cujas relações com o PTB e com
Brizola nunca foram fáceis (1999, p.90).
Segundo Sento-Sé,

A luta pela sigla do PTB tem, a partir de então, seus momentos mais
dramáticos, com algumas cenas pitorescas. Ela começara no início do ano,
quando a cisão entre o grupo de Brizola e de Ivete se transformou em
hostilidade aberta [...] Às 13 horas do dia 2 de fevereiro de 1980, assim que o
supremo abre suas portas, três deputados dão entrada no pedido formal do
registro do partido, apresentando todos os documentos necessários e a lista
dos componentes da Comissão Nacional Provisória do partido, inscrevendo
Leonel Brizola como o primeiro nome da mesma. Meia hora depois,
representantes do grupo de Ivete fazem o mesmo pedido, instaurando-se,
desse modo, uma luta judicial que se estenderia por quatro meses, ocupando
ao longo desse período espaço privilegiado entre os jornais (1999, p. 94).

Sobre o registro, O Globo, do dia 03 de janeiro de 1980, traz uma extensa


matéria, com o título de “Após vigília, PTB de Brizola pede registro”:

Após 61 horas de vigília, muitos sanduíches e litros de chimarrão, três


deputados brizolistas – Lidovino Panton (RS), Getúlio Dias (RS), e Murilo
Mendes (AL) – requereram ontem, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o
registro do Partido Trabalhista Brasileiro. O pedido de registro, protocolado
com o número 0000001, foi entregue as 13h02, imediatamente após a
abertura do expediente. Ao todo, o plantão petebista na varanda do TSE
consumiu 61 horas: até a madrugada de ontem, ele era mantido por
estudantes e assessores parlamentares, que comemoraram a passagem do ano
com sanduíches e refrigerantes – sem champanhe, insistiram todos, porque o
PTB “é um partido de trabalhadores”. O objetivo do plantão era evitar que a
ex-deputada Ivete Vargas chegasse antes com seu requerimento de pedido de
um outro PTB(O GLOBO, 03 de janeiro de 1980).

No dia seguinte, 04 de janeiro de 1980, O Globo publica o seguinte editorial,


com o título de À saúde do PTB:

Numa vigília que demorou 61 horas, dirigentes do PTB fizeram plantão a


porta do TSE e assim garantiram primazia no registro da sigla partidária. A
maratona atravessou a passagem do ano, comemorada com refrigerantes mas
sem champanhe porque, explicaram zelosamente os participantes, “o PTB é o
partido dos trabalhadores”. Pois não haveria desdouro se espoucassem
algumas garrafas, que certamente podiam financiar. O melhor partido dos
trabalhadores, tenham certeza os próceros petebistas, não é aquele que
desdenha a champanha, mas sim o que luta para coloca-lo ao alcance dos
trabalhadores (O GLOBO, 04 de janeiro de 1980).

Percebemos, dessa forma, que o jornal posiciona-se favorável ao grupo de Ivete


Vargas, ao criticar deliberadamente o grupo de Brizola, criticando o tempo em que os
partidários de Brizola permanecem na frente do TSE para registrar o partido e,
principalmente, pela recusa a champanhes na virada do ano, acusando os dirigentes de
uma falsa defesa aos trabalhadores.
A decisão ocorre apenas no dia 13 de maio, quando o Tribunal Superior Eleitoral
decide que a sigla PTB deveria ficar com o grupo de Ivete Vargas. Ao receber a notícia,
Brizola afirma que “eles destruíram o PTB mas não irão nos calar”, e que era vítima “da
sabotagem de seus inimigos e dos inimigos do povo”(KUNH, 2004, p.96). Para Thomas
Skidmore, o novo PTB, agora sob comando de Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio
Vargas, “era uma pálida cópia do seu antecessor de antes de 1964 e suas perspectivas
não pareciam ser de longa sobrevivência, embora contasse com alguns bolsões de apoio
disseminados através do país”(SKIDMORE, 2004, p.429).
A partir de então, Brizola mobiliza-se para a criação de um novo partido.
Segundo FC Leite Filho,

Não era hora de chorar o leite derramado. Brizola arregaçou as mangas e


empenhou-se na ativação do novo partido, afinal fundado oficialmente uma
semana depois da perda do PTB. [...] Nos dias 16 e 17 de maio, depois de
uma breve polêmica em torna da nova sigla, os trabalhistas reunidos em
encontro nacional decidiram criar o PDT, Partido Democrático Trabalhista.
Finalmente, em 26 de maio agora em encontro realizado na sede da ABI,
Associação Brasileira de Imprensa, os trabalhistas formalizaram a fundação
do PDT, com a aprovação do programa, do manifesto e dos estatutos da nova
agremiação, que passou a ser dirigida por uma comissão executiva de 11
membros: Leonel Brizola, presidente, Doutel de Andrade, vice-presidente,
ficando os outros cargos com Waldir Pires, Darcy Ribeiro e José Frejat e
outros trabalhistas históricos. Em 29 de agosto de 1981, na Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, durante as homenagens que lhe
presta pelo 20° aniversário da Legalidade, os pedetistas lançam seu nome
como candidato a Presidente na eleição presidencial de 1984(LEITE FILHO,
2008, p.388).

O manifesto de criação do PDT cita que o partido inspira-se na carta-testamento


de Getúlio Vargas, além da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas e da
Carta de Lisboa (CHACON, 1985, 673). Segundo o Manifesto, o PDT é um partido
“que defende a Democracia, o Nacionalismo e o Socialismo”, intitulando-se um partido
nacional e popular:

Hoje, quando a consciência nacional reclama, cada vez mais firmemente, a


restauração da soberania popular e a reconstrução democrática do País, o
PDT propõe um projeto alternativo de sociedade para o Brasil. Projeto que é
o resultado de uma longa experiência histórica da classe trabalhadora e da
análise dos acertos e dos erros cometidos no passado. Para realizar nosso
projeto criamos um partido que se rege por princípios democráticos, por
militância ativa e permanente e que rejeita ser uma simples sigla eleitoral.
Faremos do PDT um partido de massas, vivo, moderno, com intensa vida
partidária – a nossa maior contribuição para o Brasil pluralista que
almejamos (CHACON, 1985, p.673).

O manifesto aponta o partido como o “verdadeiro herdeiro do trabalhismo”,


sendo muito parecido com a Carta de Lisboa, de modo que para o PDT, o encontro em
Lisboa foi o fundador do partido, embora naquele momento Brizola estivesse certo que
estava recriando o PTB.
Sobre o Partido Trabalhista Brasileiro, sob o comando de Ivete Vargas seu
manifesto prometia amparo aos trabalhadores, afirmando que o partido “é uma ação
política de natureza essencialmente dinâmica, democrática e
democratizadora(CHACON, 1985, p.648)”. Sobre o PTB, “é difícil caracterizá-lo como
um partido de oposição, pois, em sua prática, pouco se assemelhou ao antigo, a não ser
na voracidade por cargos públicos” (BILHÃO, 2003, p. 98).

3. O PDT e o novo projeto trabalhista de Leonel Brizola

Após a criação do PDT, Brizola empenha-se na consolidação do novo partido,


que segundo João Trajano Sento-Sé, adotou um discurso de reinvenção do trabalhismo,
favorecido por ele jamais ter sido formalizado como doutrina política. Sob o comando
de Vargas, “o trabalhismo competiu pela liderança das classes trabalhadoras com os
comunistas, postulando, de maneira genérica, a coincidência de interesses entre capital e
trabalho no processo de desenvolvimento da sociedade brasileira” (SENTO-SÉ, 1999,
p.100).
De acordo com Lucília de Almeida Neves,
O trabalhismo brasileiro, que teve no PTB sua mais relevante forma de
organização pós-45, não era, entretanto, homogêneo. Havia diferentes
correntes no interior do partido. Uma análise consistente da doutrina que
inspirou a organização do partido e da integração dessas correntes à
agremiação possibilita uma melhor compreensão da diversidade que lhe era
inerente. Mas possibilita, sobretudo, constatar que apesar da existência de
concepções diversificadas, havia um eixo, uma estrutura dorsal nacionalista,
distributivista e desenvolvimentista, que fez com que o trabalhismo se
constituísse, inegavelmente, em um projeto para o país. Um projeto integrado
à dinâmica de um tempo como já afirmado, que se caracterizou por uma
euforia transformadora. Na verdade, desde a sua fundação, o Partido
Trabalhista Brasileiro registrou a existência de tendências ideológicas,
políticas e de facções que em alguns contextos se confrontaram, e em outros
se articularam ao longo da história petebista. Algumas delas se dissolveram
com o tempo, outras não alcançaram maior projeção e influência; todavia,
duas (a getulista e a reformista) foram marcantes ao longo da história do
PTB, tendo inclusive ressurgido, ainda que bastante descaracterizadas, na
década de 80, cerca de 20 anos após a extinção do partido pelo regime
militar. Tais tendências, em 1980, foram reeditadas através do PDT de
Leonel Brizola e do novo PTB de Ivete Vargas. A longevidade dessas
tendências, que traduziram, antes de 1964, um projeto para o Brasil, fizeram
história nos anos 50 e 60, e cujos resquícios e fragmentos sobreviveram a
vinte anos de autoritarismo, sugere que precisam ser melhor identificadas e
analisadas(FERREIRA, 2001, p.177).

Sob o comando de Brizola, o discurso trabalhista remete um vínculo com o


passado, em que ele intitula-se como continuador da obra de Getúlio Vargas, o que o
PTB de Ivete não consegue fazer, segundo Sento-Sé, pela falta de um líder presente e
carismático como acontece com o PDT de Brizola. Nessa perspectiva, Sento-Sé entende
que o trabalhismo transforma-se em brizolismo, remodelando seu discurso para a
criação de um projeto civilizador e de regeneração nacional (1999, p. 109).
É interessante trazer ao debate a posição de Sento-Sé sobre a incorporação de
elementos da socialdemocracia ao trabalhismo brasileiro. Para grupos ligados a Brizola,
esse conceito tinha diferentes significados. Para o primeiro, que defendia a posição
nacional democrática, o socialismo democrático “representava reformas econômicas
profundas, distribuição de renda e aprofundamento na luta de emancipação nacional
contra o imperialismo” (1999, p.184).
Para esse grupo, Brizola deveria ser uma espécie de Fidel Castro brasileiro,
levando o país a um modelo socialista próximo ao cubano, o que não era objetivo do ex-
governador. O segundo grupo era o chamado Grupo de Lisboa, que tinham contato com
o eurocomunismo e a socialdemocracia europeia. Defendiam um sistema liberal
democrático no Brasil. “O trabalhismo brizolista, segundo essa versão, deveria estar
bem próximo das experiências socialdemocratas europeias” (SENTO-SÉ, 1999, p.184).
O terceiro grupo reunia os trabalhistas históricos, muitos ainda ligados a Jango, e
que tinham certo receio a Brizola. “Defendiam a revitalização do trabalhismo e
gostavam da abordagem que o identificava como caminho brasileiro para o socialismo”,
embora não fossem necessariamente socialistas (SENTO-SÉ, 1999, p.184).
Mais tarde, incorpora-se um quarto grupo, já após a fundação do PDT. Eram
chamados de prestistas, que adentraram o PDT após o rompimento de Prestes com o
PCB. Estes, mais radicais, acreditavam que Brizola partilhava dos ideais comunistas, e
o definiam como a maior liderança popular surgida no Brasil (SENTO-SÉ, 1999,
p.184).
Todas essas diferentes visões sobre o trabalhismo, reunidas em grupos que
possuíam Brizola como referência, dificulta o processo de entendimento entre o partido.
Desse modo, nenhum grupo chega a expressar maioria ou adquirir vantagem em relação
a outro.
O jornal O Globo continua a minimizar a importância de Brizola, considerando o
PDT como um partido pequeno. O jornal só muda seu discurso quando Brizola passa a
liderar as pesquisas para eleição ao governo do Rio de Janeiro em 1982. Sobre essa
eleição, cabe ressaltar que Brizola entra na disputa com baixa expectativa de sucesso.
Em uma pesquisa do Ibope do dia 20 de agosto, Brizola aparece em 4°lugar, com
apenas 10% das preferências de voto, atrás de Miro Teixeira (PMDB), Sandra
Cavalcante (PTB) e Moreira Franco (PDS). A estratégia de Brizola passa então ser a de
intensificar o seu discurso, colocando-se como o grande oposicionista, chegando a
afirmar: “Sou o candidato para desmascarar o falso oposicionismo desses candidatos;
candidatos que são o diabo, o demônio e o satanás, para que o inferno ganhe sempre.
Falta-lhes legitimidade, exatamente o que me sobra” (SENTO-SÉ, 1999, p. 222).
Brizola tenta convencer, dessa forma, que ele era o único candidato
verdadeiramente de oposição, utilizando-se de expressões como o diabo, o demônio e o
satanás para representar os três candidatos que estavam a sua frente naquele momento.
Com esse discurso cada vez mais agressivo, Brizola consegue consolidar-se como líder
oposicionista, passando a liderança das pesquisas, em 15 de outubro estava com 44%
das intenções de voto na capital do estado, contra 14 % de Sandra; 13% de Moreira e
13% de Miro. Brizola também liderava nas periferias e em todas as faixas de renda
analisadas (A, B, C e D), e perdia para Moreira e Miro apenas no interior do estado.
Na reta final da campanha, a popularidade de Brizola crescia e seu nome
ganhava força e adesão popular. Para Sento Sé,

Contra as máquinas federal e estadual, Brizola contava com sua


impressionante performance pessoal e um grupo de militantes extremamente
coeso e combativo. A esta altura, surge um movimento que se tornaria
famoso: a Brizolândia. Na estação Central do Brasil, em bairros do subúrbio
e nas principais praças do centro da cidade ocorrem conflitos entre militantes
que apoiam Brizola e cabos eleitorais de candidatos de outros partidos. Os
confrontos físicos eram o correspondente de rua entre os candidatos,
marcados por agressões verbais e acusações recíprocas (1999, p.227).

Em meio a esses conflitos, Brizola firma-se como favorito e enfim, consegue


eleger-se governador do Rio de Janeiro, com uma vitória apertada, sendo 34,19% dos
votos para Brizola; 30,60% de Moreira Franco e 21,45% de Miro Teixeira(SENTO-SÉ,
1999, p.227). Assim, segundo Sento-Sé, Brizola confirmava ser o líder capaz de
conduzir um partido de massas ao poder.

Considerações Finais

O jornal O Globo, durante o período do regime militar brasileiro, permanece


com um discurso favorável ao governo e crítico aos seus opositores. Com a volta de
Brizola do exílio de 1979, um dos principais líderes políticos de oposição, o jornal passa
a criar notícias que induzam ao leitor que o ex-governador estava perdendo todos os
seus aliados, e que não tinha mais nenhuma força política.
O jornal atua como um meio de comunicação ligado ao regime e que não
desejava que Brizola retomasse seu prestígio político, e, portanto, elabora matérias e
entrevistas que possam levar ao leitor a desacreditar na figura política de Brizola. Da
mesma forma, os militares buscavam enfraquecer politicamente o ex-governador,
entregando a sigla PTB para Ivete Vargas.
O ex-governador gaúcho, Leonel Brizola, após 15 anos de exílio, enfrenta
grandes dificuldades na retomada de sua carreira política, e não consegue voltar ao
posto de grande líder, que alcançara no período anterior ao golpe de 1964. No entanto,
ele continua a buscar seu espaço, e após uma grande virada, consegue eleger-se
governador do Rio de Janeiro, em 1982.

REFERÊNCIAS

ACERVO DO JORNAL O GLOBO. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com


ARÊAS, João Braga. Batalhas de O Globo (1989-2002): O neoliberalismo em questão.
Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.
BILHÃO. Isabel (org.). Visões do Brasil: realidade e perspectivas. Caxias do Sul:
EDUCS, 2003.

CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus
programas. 2.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015.


FAUSTO, Boris. História do Brasil.12 ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo,
2004.
FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
FILHO, FC Leite. El caudillo: Leonel Brizola: um perfil biográfico. São Paulo:
Aquariana, 2008.
KUHN, Dione. Brizola: da legalidade ao exílio. Porto Alegre: RBS, 2004.
REMOND, René. Por uma história política. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
SENTO-SÉ, João Trajano. Brizolismo: estetização da política e carisma. Rio de Janeiro,
Editora FGV, 1999.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo a Tancredo (1964-1985). 8. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2004.

Das könnte Ihnen auch gefallen