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Coleção Educação Pós-crítica Tomaz Tadeu da Silva (Org.

)
Coordenadores: Tomaz Tadeu da Silva Autores: Tomaz Tadeu da Silva, Mario Díaz,
e Pablo Gentili Nikolas Rose, Jorge Larrosa, Martha Lourenço Vieira,
- Gênero, sexualidade e educação Thomas S. Popkewitz, Valerie Walkerdine
Guacira Lopes Louro
- Liberdades reguladas - A pedagogia construtivista
e outras formas de governo do eu
Tomaz Tadeu da Silva (org.)

LIBERDADES
REGULADAS
A pedagogia construtivista e outras
formas de governo do eu_

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Liberdades reguladas : a pedagogia construtivista e outras formas de


governo do eu / Tomaz Tadeu da Silva (org.). -Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.

Vários autores.
ISBN 85-326-1980-0

1. Construtivismo (Educação) 2. Intersubjetividade 3. Liberdade


4. Psicologia educacional 5. Subjetividade I. Silva, Tomaz Tadeu da.

98-0275 CDD-370.15
"'EDITORA
Índices para catálogo sistemático:
Y VOZES
1. Construtivismo: Psicologia educacional 370.15 Petrópolis
2. Pedagogia construtivista: Psicologia educacional 370.15 1998

...
3 riores que elas expressam. Também têm-se feito tentativas para
alterar a pessoa visível através de uma ação exercida sobre esse
0rov'e-niando a alma: a for-mayão do (;V pr-iVddo
invisível mundo interior. Pode parecer que pensamentos, senti­
NIKOLAS ROSE
mentos e ações constituem o próprio tecido e constituição do
mais íntimo eu, mas eles são socialmente organizados e adminis­
trados nos mínimos detalhes.
A administração do eu contemporâneo é diferente, entretan­
Não creio que se deva considerar o "Estado moderno" como uma to, ao menos sob três aspectos. Em primeiro lugar, as capacida­
entidade que se desenvolveu à parte dos indivíduos, ignorando o des pessoais e subjetivas dos cidadãos têm sido incorporadas aos
que eles são e até mesmo sua existência, mas, ao contrário, como objetivos e aspirações dos poderes públicos. Isso não constitui
uma estrutura muito elaborada, à qual os indivíduos podem ser apenas um nexo ao nível de uma abstrata especulação política.
integrados, sob uma condição: que se dê à sua individual�ade Constitui também um nexo ao nível de estratégias sociais e políti­
_
uma nova forma e que se a submeta ú um con;unto de mecanismos cas e de instituições e técnicas de administração e regulação.
específicos (Michel Foucault, 1982). Embora seja exagerado argumentar que aqueles que nos gover­
nam constroem agora suas ações totalmente ou em grande parte
em termos das vidas interiores dos cidadãos, a subjetividade faz
parte dos cálculos das forças políticas no que diz respeito ao esta­
do da nação, às possibilidades e aos problemas enfrentados pelo
país, às prioridades e às políticas. Os governos e os partidos de to­
N ções,
ossas vidas íntimas, nossos sentimentos, desejos e aspira­
parecem quintes�encialmente pessoais. Vivendo num
dos os matizes políticos têm formulado políticas, movimentado
toda uma maquinaria, estabelecido burocracias e promovido ini­
tempo em que somos rod�ados por mensagens sobre problemas ciativas para regular a conduta dos cidadãos através de uma ação
públicos que parecem avassaladores (guerra, fome, injustiça, po­ sobre suas capacidades e propensões mentais.
breza, doença, terrorismo), nossos estados mentais, nossas expe­
As manifestações mais óbvias têm sido o complexo dirigido à
riências subjetivas e nossas relações íntimas aparecem como,
criança: o sistema de bem-estar infantil, a escola, o sistema jurídi­
talvez, o único lugar onde podemos localizar nossos verdadeiros co juvenil e a educação e vigilância dos pais. Mas a regulação das
eus privados. Essa crença parece, sem dúvida, muito confortá­ capacidades subjetivas tem-se infiltrado de forma ampla e pro­
vel. Mas ela é profundamente enganadora.
funda em nossa existência social. Quando ministros, altos funcio­
Nossas personalidades, subjetividades e "relacionamentos" nários e relatórios oficiais se preocupam com a eficiênc�a militar
não são questões privadas, se isso significa dizer que elas não são e pensam em ajustar o homem ao posto de trabalho, quando
objeto de poder. Ao contrário, elas são intensivamente governa­ constroem a produtividade industrial em termos da motivação e
das. Talvez elas sempre o tenham sido. Convenções sociais, vigi­ satisfações do trabalhador, ou quando definem como um proble­
lância comunitária, normas legais, obrigações familiares e ma o crescimento do divórcio, formulando-o em termos das ten­
religiosas exerceram um intenso poder sobre a alma humana em sões psicológicas do casamento, significa que a "alma" do cidadão
épocas passadas e em outras culturas. A conduta, a fala e a emo­ entrou de forma direta no discurso político e na prática do gover­
ção têm sido examinadas e avaliadas em termos dos estados inte- no.
30 31
Em segundo lugar, a administração da subjetividade tem-se Os poderes multiplicadores desses "engenheiros da alma huma­
tornado uma tarefa central da organização moderna. As organiza­ na" parecem expressar algo profundamente novo nas relações de
ções vieram preencher o espaço entre as vidas "privadas" dos ci­ autoridade sobre o eu.
dadãos e as preocupações "públicas" dos governantes. Essas novas formas de pensar e agir não dizem respeito ape­
Escritórios, fábricas, companhias aéreas, faculdades, hospitais, nas às autoridades. Elas afetam cada um/a de nós, nossas crenças
prisões, exércitos e escolas, todos envolvem a administração cal­ pessoais, desejos e aspirações: em outras palavras, nossa ética. As
culada das forças e potências humanas, em busca dos objetivos novas linguagens empregadas na construção, compreensão e
da instituição. Muitos ingredientes entram claramente na admi­ avaliação de nós mesmos e dos outros têm transformado as for­
nistração da vida organizacional. Mas, numa maior ou menor me­ mas pelas quais interagimos com nossos chefes, empregadores,
dida, chefes, comandantes militares, educadores, etc., são agora colegas de trabalho, maridos, esposas, amantes, mães, pais, fi­
obrigados a cuidar da subjetividade do empregado, do soldado lhos/as e amigos/as. Nossos mundos mentais têm sido reconstruí­
ou do aluno, ao tentar alcançar seus objetivos. Quando, por dos: nossas formas de pensar e falar sobre nossos sentimentos
exemplo, o exército busca minimizar a indisciplina e a tensão das pessoais, nossas esperanças secretas, nossas ambições e decep­
tropas e aumentar sua eficácia guerreira, através da distribuição ções. Nossas técnicas para administrar nossas emoções têm sido
racional dos indivíduos pelas diferentes atividades, à luz de um remoldadas. A própria idéia que temos de nós mesmos tem sido
conhecimento de sua inteligência, personalidade ou capacidade, revolucionada. Nós nos tornamos seres intensamente subjetivos.
é porque a subjetividade humana tornou-se um elemento-chave Os estudos contidos no livro (Governing the soul, Routledge)
do poder militar. Quando os empresários buscam aumentar a do qual este ensaio constitui a introdução tentam descrever algu­
produtividade e a harmonia, ao adaptar práticas de trabalho à luz mas das formas pelas quais veio a se atribuir um papel central,
de considerações sobre dinâmica de grupo, é porque a intersub­ nas sociedades modernas, a esses aspectos subjetivos das vidas
jetivid�tde se tornou central �ara a autoridade gerencial. Isto é, a dos indivíduos, à medida que eles conduzem suas trocas com o
vida organizacional adquiriu um matiz psicológico. mundo, com outros e consigo mesmos. As investigações que fiz
Em terceiro lugar, temos presenciado o nascimento de uma tentam descrever as condições no interior das quais redes de po­
nova forma àe expertise, uma expertise da subjetividade. Tem der tomaram forma, as esperanças e os medos que estão por de­
surgido e se multiplicado uma família inteira de novos grupos trás delas, as novas formas de pensar e agir que elas introduziram
profissionais, cada um afirmando seu virtuosismo no que diz res­ em nossa realidade. Minha abordagem difere daquelas que se
peito ao eu, ao classificar e medir a psique, ao predizer suas vicis­ 1
têm tornado mais influentes na literatura sociológica recente.
situdes, ao diagnosticar as causas de seus problemas e ao Essa literatura caracteriza-se por seu uso de um conjunto limita­
prescrever remédios. Não apenas psicólogos - psicólogos clíni­ do de tropos interpretativos e críticos: o empreendimento moral
cos, ocupacionais, educacionais - mas também trabalhadores do de grupos profissionais; a medicalização dos problemas sociais; a
serviço social, gerenciadores pessoais, pessoas encarregadas de ampliação do controle social; a natureza ideológica das asserções
acompanhar condenados em liberdade condicional, conselhei­ epistemológicas; os interesses sociais dos cientistas; as ciências
ros e terapeutas de diferentes escolas e orientações têm baseado psicológicas como legitimadoras da dominação. Este paradigma
sua reivindicação do direito à autoridade e legitimidade social na da" sociocrítica", se me perdoam o termo, assinala algo importan­
sua capacidade de compreender os aspectos psicológicos da pes­ te sobre o surgimento desse novo conhecimento e dessas novas
soa e de agir sobre eles, ou de aconselhar outros sobre o que fazer. técnicas. Mas considero limitada, sob diversos e importantes as-
32 33
sentime n­
estão imbuídos corr
pectos, essa perspectiva sobre as rel ações entre as ciências psico­ tornam válidas na medida em que 6).
azer (M eyer, 198
lógi cas, as profissões psicológicas e a organização do poder tos subjetivos de significativ o pr
nto e as técnicas psicológicas
p olítico. A sociocrítica vê o conhecime o façam, mas
A sociocrítica dá a entender que esse conhecimento da vida com o sustentando
relações de poder. Talvez eles
uel e implicado por
essa
damental do que aq
subjetiva é, num imp ortante sentido, falso o u defici ente; talvez, seu p apel é m ais fun n vos
rar o
form a de pensar deixa de cap�
os
precisamente por ser falso é que pode ter um papel em sistemas afirm ação . Poi s essa est ­
das conexo�s que
uzem, o ineditismo �
de dominação . I sto é, o conhecimento é avaliado em termos epis­ efeit os que eles prod
t id ades e os pr oJ etos das vi­
belecem entre as aspiraçõ es das au or
temológicos. Minha pr eocupação é diferente. Não é com a v erda­
novos alin h amentos entre , �
s
de em alg um sentido filo sófico, mas com as formas pe las quais das in div iduai s. Eles forjam res e a eti-
as de poder e os val o
sistemas de verdade são estabelecidos, as formas pelas quais sistemas d e ju stificação e as técnic
.
enu nciados verdadei ros são produzi dos e avali ados, com o "apa­ ca das sociedades democráticas
ue as origens e o s êxi
tos desse
rato" de verdade - os conceitos, regras, autoridades, procedi­ A sociocrítica ten de a sugerir q
mentos, métodos e técni cas através dos quais as verdades são sas técnicas podem
ser explicad?s em termos
conh ecimento e des ma
estado. Eu vejo as cmsas �e. for
efetivadas. Minha preocupação é com os novos regimes de ver­
da função que exercem para o lar
termos de estado, prefe � � nn a
dade instalados pelo conhecimento da subjetividade, as novas
diferente. Em vez de falar em
no, no sentido no qua,l .eu utihzo
o
formas de dizer coisas plausíveis sobre outros seres humanos e em term os de "governo" . Gover
s de um sujeito pohtt
co calcul �-
sobre nó s mesmos, o novo li cenciamento daqueles que podem
term o não se refer e nem às açõe os e de adm1-
anism os burocrátic
falar a verdade � daqueles que estão sujeitos a ela, as novas for ­ dor n�m às operações dos mec sso, uma �erta
desc reve, em vez �i-
mas de pensar o que po de ser feito a eles e a nós. ni s�ração de pessoal. O termo
fins sociais e p ohtl�o� atr aves �
a
A sociocrítica implica que as ciências psicológicas e seus pra­ forma de buscar a realização de e­
calcul ada, sobre as forças, atI�1d,r
des e i
ti cantes são social mente eficazes na medida em que participam ação, de u ma maneira Durante
tituem um_ a _ po p ula ç a? .
do processo de dominaçã o da subjetividade dos indivíduos. A lações dos indivíduos que cons Eu r pa e da
rio s nac10nai s da
o
subjetivi dade, aqui, aparece como um datum essencial; as socie­ m�, �1os XIX e XX, os territó -
zados por progr amas pa.ra a ad
dades devem ser avaliadas de acordo com a medida na qual a re­ América do N orte se tornaram cru gu ­
vida social a fim de prod�z.lf se
primem ou a respeitam. Gostaria de colocar a questão de forma ministração e reconstrução da nta b1h d e e
ara a riqueza,_ '.e
d

inversa. Como a própria subjetividade se tornou, sob seus dife­ rança par a a prgpriedade e p
o, virtude pública, tr
anqu 1hdade e at e m e
�­
rentes disfarces e concepções, a medida dos sistemas políticos e eficiência da produçã
se tornou um recu rso na admi-
das relações de poder? A s relações entre o pode r e a subjetivida­ mo felicidade. E a subjetividade
.
de não estão, nessa p erspectiva, confinadas às relações de cons­ nistração dos problemas da nação
cham ou Michel Fo
ucault, se
trangimento ou de repressão da liberdade do indivíduo . Na A gover namentalidade, como a
as as nossas formas modernas
de
verdade, as características distintivas do conhecimento e da ex­ tornou o terreno comum de tod t ª: t ar ­
em que el as cons : �
o m
pertise m odernas da psique têm a ver com seu papel na estimula­ racion alidade política, na medida �
de supervisão e ma
x1m�zaç � - ao a
çã o da s ubje tividade , pr om o v e n do a a ut o -in s p e çã o e a fas dos governantes em termos a e o
autoconsciênci a, m oldando desejos, buscando maximizar as ca­
cul adas das força s da
sociedade. A govern_amentahd ��
es, pr ocedimentos
, anal is e se
pacidades intelectuais . Elas são fundamentais para a produção "conjunto formado pelas instituiçõ
de indivíduos que estejam "livres para escolher ", cujas vidas se

34 35
um se�or _da
reflexões, os cálculos e as táticas, que permitem o exercício dessa vernar uma população é necessário isolá-la como
cessos propnos
forma muito específica, embora complexa, "de poder e que tem realida de, identificar certas car acterísticas e pro
veis, dizív�is,
como seu alvo a pop ulação" (Foucault, 1979a, p. 20). Para todos os dela, fazer com que seus traços se tornem ob servá
q as exphc�­
escrevíveis, explicá-los de acordo com certos e s uem
sistemas de domínio no Ocidente desde, aproximadamente, o sé­
encarnam aqm­
culo XVIII, a população ap arece como o terreno do governo par tivos. O governo depende, pois, de verdades que
calculável e
excellence. Não o exercício da soberania- embora ela ainda exer­ lo que deve ser governado, que o tornam pensável,
ça seu papel. Nem a administração da vida de uma nação como se praticável.
conheci­
ela fosse uma família, embora a própria famíli a seja um instru­ E m segundo lugar, governar uma popul ação exige
a se fazer cálc ulos sobre uma p �
­
mento vital de domínio, mas a regulação dos processos próprios mento de um tipo diferente. Par
d q l p p l ç
da população, as leis que modulam s ua riq ueza, longevidade e pulação é n ecessário enfatizar certos traços
u a ao
a u
� a o

sua c apa cidade para iniciar guerras e se engaj ar n o trab alho, e as­ cálc lo, e exige infor aç ao sobre eles.
como o material bruto d o u m
; exige a trans­
sim p or diante. Em vez de ver o estado como estendendo seu do­ O conhecimento aqui adquire urn:.forma bem física
n sci mento, um_a
mínio por tog a a sociedade por meio de u ma ampliação de seu formação de certos fenômenos - tais como um a

aparato de controle, precisamos, pois, pensar em termos da "go­ morte, um c asament o, uma doen
ça, o nú mero de pessoas que vi­
, sua diet a, ri­
vernamentalização do estado" - uma transformação das raciona­ vem nesta ou naquela casa, seus tipos de trabalho
ulo lític?
lidades e das tecnologias para o exercício do domínio político. queza ou pobreza - em materiais sobre os quais o cálc ?.?
ssos de �nscn­
C om a entrada da população no pensamento político, o go­ possa trabalhar. Isto é, o cálculo depende de pr�c� ,
e tradu ze o und em tr ços m�tenm s : �elaton �s es­
verno toma com o seu objeto fenômenos tais como nú mero de su­ ção", q u m m o a
n umeras.
jeitos, suas idades, sua longevidade, seu estado de saúde e tipos critos, fr!.apas, gráficos e, de forma proem inente,
- e exigia
de morte, seus hábitos e vícios, suas taxas de reprodução. As A invenção de programas de governo dependia de
avam a popu­
ações e cálc ul os das autoridades são dirigidas p ara novas tarefas: - urna " aval anche de números impressos", que torn
s que eram_ du�á­
como maximiz ar as forças da população e de cada indivíduo no laçfo calculável, ao transformá-la em inscriçõ e
,
escntonos
seu interior, como minimizar seus problemas, como organizá-los veis e transportáveis, que podiam ser acumul adas nos
as, compara ­
da forma mais eficaz. O nascimento e a história dos saberes sobre dos funcionários, que podiam ser somadas, subtraíd
s de in scrição era
a subjetividade e a intersubjetividade estão intrinsecamente' li­ das e contrast adas. O termo dado a essas prátic a
o pelos séculos
gados a programas que, a fim de governar os sujeitos, descobri­ "estatística". Do século XVII em diante, passand
eçou a trans­
ra1� que precisam conhecê-los. As questões colocadas pela XVIII e XIX, a estatística-a ciência do estado- com
e se tornava
governament alidade delimitam o território sobre o qual as ciên­ crever os atributos da população de uma forma tal qu
rnantes.
cias psicológicas, seus sistemas conceituais, suas invenções téc­ possível que eles entrassem nos cálculos dos gove _ �s
h a 1taçao ,
nicas, modos de explicação e formas de experti.se viriam a exercer pessoas na terra, suas idades, seu� l ocais e formas de �
udo i sso era
um papel-chave. seu emprego, seus nascimentos, doenças e mortes- t
formadas em
Duas características do governo são de importânci a particu­ anotado e transcrito. Essas informações eram tran s
p l ção ingover­
números e reunidas em pontos centrais; uma p o u a
l ar para se compreender o papel que ·essas ciências têm e"xercido
argumentos
no processo de vinculação entre, de um lado, a vida subjetiva e nável adquiria urna forma que podia ser utilizada em
intersubjetiva e, de outro, os sistemas de poder político. Em pri­ políticos e em decisões administrativas.
meiro lugar, o governo depende do conhecimento. Par�l se go-
36 37
A transformação da população em números que podiam ser todos os dispositivos psicológicos de inscrição (Foucault, 1977,
utilizados nos debates e cálculos políticos e administrativos se es­ pp. 184-92). O exame combinou o exercício da vigilância, a apli­
tenderia, no século XIX, para novos campos. As sociedades esta­ cação do julgamento normalizador e a técnica da inscrição mate­
tísticas, na Grã-Bretanha, iriam compilar gráficos e tabelas de rial, a fim de produzir traços calculáveis de individualidade. Os
arranjos domésticos, tipos de emprego, dieta e graus de pobreza mecanismos examinadores das ciências psicológicas -dos quais
5
e necessidade. Seriam construídas topografias morais da popu­ o diagnóstico psiquiátrico e o teste de inteligência são dois para­
lação, mapeando o pauperismo, a delinqüência, o crime e a insa­ digmas -forneceram, cada um deles, um mecanismo para trans­
nidade, ao longo do espaço e do tempo, e extraindo todo o tipo de formar a subjetividade num pensamento que tivesse uma força
conclusões sobre as cambiantes taxas de patologia, suas causas e calculadora. O exame não apenas torna a individualidade huma­
as medidas necessárias para remediá-las. As capacidades dos su­ na visível, ele a localiza numa rede de escrita, transcrevendo os
jeitos estavam, sob uma nova forma, se tornando pertinentes e atributos e suas variações em formas codificadas, possibilitando
disponíveis para o governo. que eles sejam acumulados, somados, normalizados, que se tire
A situação de dependência do governo relativamente ao co­ sua média e que sejam normalizados - em suma, documentados.
nhecimento, nesses dois sentidos, possibilita-nos apreciar o pa­ Essa documentação da psique humana possibilitou que os ele­
pel que a Psicologia, a Psiquiatria e as ciências "psi" têm exercido mentos de qualquer vida individual que fossem pertinentes para
no interior de sistemas de poder nos quais os sujeitos humanos as autoridades fossem reunidos num dossiê, guardados num ar­
têm-se tornado enredados. Os sistemas conceituais criados nas quivo ou transmitidos para um lugar central, onde os traços dos
ciências "humartas", as linguagens de análise e explicação que indivíduos pudessem ser comparados, avaliados e julgados. Os
elas constituíram, forneceram os meios pelos quais a subjetivida­ traços podem ser amalgamados num conhecimento das caracte­
de e a intersubjetividade humanas puderam começar a fazer par­ rísticas psicológicas da população como um todo, o qual pode,
te dos cálculos das autoridades. Por um lado, as características por sua vez, ser utilizado para calibrar o indivíduo relativamente
subjetivas da vida humana podem se tornar elementos no interi­ àquela população. As inscrições psicológicas da individualidade
or de compreensões da economia, da organização, da prisão, da permitem que o governo opere sobre a subjetividade. A avalia­
escola, da fábrica e do mercado de trabalho. Por outro, a próp_ria ção psicológica não é meramente um momento de um projeto
psique humana se tornou um domínio possível para o governo epistemológico, um episódio na história do conhecimento: ao
sistemático, em busca de fins sócio-políticos. Educar, curar, re­ tornar a subjetividade calculável, elas tornam as pessoas sujeitas
formai� punir - são, sem dúvida, velhos imperativos. Mas os no­ a que se façam coisas com elas-e que façam coisas a elas próprias
vos v?:abulários fornecidos pelas ciências da psique - em nome de suas capacidades subjetivas.
_
poss1b1Iitaram que as aspirações do governo fossem articuladas As inovações no conhecimento têm, pois, sido fundamentais
em termos de uma administração das profundezas da alma hu­ pará os processos pelos quais o sujeito humano tem sido introdu­
mana que estivesse baseada em seu conhecimento. zido em redes de governo. Novas linguagens têm sido inventadas
As ciências psicológicas exerceram outro papel-chave, pois para falar sobre a subjetividade humana e sua pertinência políti­
elas f�rneceram os meios para a inscrição das propriedades, ca, novos sistemas conceituais têm sido formulados para calcular
energias e capacidades da alma humana. Elas possibilitaram que as capacidades e a conduta humanas e novos dispositivos têm
as forças humanas fossem transformadas em materiais que podi­ sido construídos para inscrever e calibrar a psique humana e
am fornecer a base para o cálculo. O exame formou o modelo para identificar suas patologias e normalidades. Essas formas de co-
38 39
nhecer têm tornado possível reunir "tecnologias humanas": con­ vejamos esses eventos como implementação de um programa co­
juntos de forças, mecanismos e relações que possibilitam a ação a erente e racionalmente inventado para assegurar a dominação de
partir de um centro de cálculo - um departameno governamen­ classe. Como sugeriu Michel Foucault, precisamos instalar o aca­
tal, um escritório gerencial, um centro de operação do exército - so em seu lugar correto na história. Têm-se, freqüentemente, fei­
6
sobre as vidas subjetivas de homens, mulheres e crianças. to inovações para lidar não com grandes ameaças à ordem
As tecnologias humanas envolvem a organização calculada política, mas com problemas que são locais, "menores" ou até
de forças e capacidades humanas, juntamente com outras forças mesmo marginais. Programas para reforçar ou mudar as formas
(naturais, biológicas, mecânicas) e artefatos (máquinas, armas) pelas quais as autoridades devem pensar sobre (ou lidar com)
em redes operacionais de poder. Numa tal composição, reúnem­ este ou aquele problema têm às vezes partido do aparato político
se elementos que podem parecer, à primeira vista, pertencer a central, mas, mais caracteristicamente, eles têm sido formulados
diferentes ordens de realidade: planejamentos arquitetônicos, por outras forças e alianças: membros do clero, filantropos, médi­
equipamentos e dispositivos técnicos, profissionais, burocracias, cos, policiais, advogados, juízes, psiquiatras, criminologistas, fe­
métodos de cálculo, inscrições, procedimentos de recuperação, ministas, servidores sociais, acadêmicos, pesquisadores, chefes,
etc. Assim, o conhecimento teórico torna a alma pensável em ter­ trabalhadores, pais. A efetivação desses programas tem envolvi­
mos de uma Psicologia, uma inteligência, uma personalidade e, do, às vezes, legislação e tem, algumas vezes, implicado a instala­
portanto, possibilita que certos tipos de ação sejam vinculados a ção de novos ramos do aparato político, mas tem sido também o
certos tipos de efeito. As técnicas, do layout de edifícios à estru­ trabalho de instituições de caridade, fundações, fundos, organi­
tura de cronogramas, organizam os humanos no espaço e no tem­ zações de empregadores, sindicatos, igrejas e associações profis­
po a fim de alcançar certos resultados. Relações de hierarquia, sionais. As inovações feitas têm surgido, às vezes, de invenções
desde a idade até certificados e diplomas educacionais, localizam radicalmente novas, mas, outras vezes, têm envolvido a utiliza­
os indivíduos em cadeias de lealdade e dependência, capacitan­ ção ad hoc, a combinação e a ampliação de quadros explicatórios
do alguns para dirigir outros e obrigando outros a obedecer. Pro­ e de técnicas existentes. Inovações esporádicas como essas têm,
cedimentos de motivação, desde obrigações morais até sistemas com freqüência, dado em nada, têm fracassado ou têm sido aban­
de pagamento, dirigem a conduta das crianças, trabalhadores e donadas ou superadas por outras. Outras têm florescido, têm-se
soldados para certos fins. Mecanismos de recuperação ·e terapia espalhado para outros locais e problemas e se estabelecido como
fornecem os meios pelos quais as técnicas auto-regulatórias po­ redes duráveis e estáveis de pensamento e ação. E a partir dessas
dem se� remoldadas de acordo com os princípios da teoria psico­ pequenas histórias adquiriu forma um padrão mais amplo em
lógica. A medida que as redes se formam, que os mecanismos de cuja rede nós todos, homens e mulheres modernos, nos tornamos
transmissão, as traduções e as conexões conectam as aspirações enredados.
políticas com modos de ação sobre as pessoas, estabelecem-se Assim, as ciências psicológicas estão intimamente envolvi­
tecnologias da subjetividade que permitem que as estratégias do das com programas, cálculos e técnicas para o governo da alma. O
poder se infiltrem nos interstícios da alma humana. desenvolvimento, no século XX, das ciências psicológicas abriu
Essas tecnologias ramificantes da subjetividade têm tido novas dimensões para nosso pensamento. Simultaneamente, ele
conseqüências radicais para a vida econômica, para a existência tornou possível novas técnicas de estruturar nossa realidade,
social e para a cultura política. Mas isto não exige que nós locali­ para produzir os fenômenos e os efeitos que podem agora ser
zemos sua origem ou princípios de explicação no estado ou que imaginados. A tradução da psique humana à esfera do conheci-
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mento e ao âmbito da tecnologia toma possível governar a subje­ por suas normas e das atrações exercidas pelas imagens da vida e
tividade de acordo com normas e critérios que baseiam sua do eu que ela nos oferece.
autoridade num conhecimento esotérico mas objetivo. Os cidadãos de uma democracia liberal devem se regular a si
Os conhecimentos psicológicos certamente atacaram pro­ próprios; os mecanismos de governo constróem-nos como parti­
blemas que surgiram em circunstâncias sociais específicas, mas cipantes ativos em suas vidas. Não se pensa mais que o sujeito po­
essas circunstâncias não predestinam ou determinam, sozinhas, lítico seja motivado meramente por um cálculo de prazeres e de
os tipos de solução que propõem. Sistemas conceituais, filosofias dores. O indivíduo não é mais, naquilo que concerne às autorida­
explicatórias e convenções sobre prova e evidência exerceram des, meramente o possuidor de capacidades físicas a serem orga­
seus próprios efeitos, interagindo com (e transformando) os pro­ nizadas e dominadas através da inculcação de padrões morais e
blemas e questões iniciais, alimentando o debate social, com suas hábitos comportamentais. Seja na casa, no exército, ou na fábrica,
linguagens de classificação, discussão e avaliação. Obviamente, o cidadão está ativamente pensando, desejando, sentindo e fa­
como muitos analistas têm reconhecido, a disciplina da Psicolo­ zendo, relacionando-se com outros em termos dessas forças psi­
gia está longe de ser homogênea: ela está dividida por escolas ri­ cológicas e afetado pelas relações que os outros têm com ele.
vais e alimentada por conflitos entre modelos explicatórios Esse sujeito cidadão não deve ser dominado no interesse do po­
incompatíveis, tácita ou explicitamente assentados em bases filo­ der, mas deve ser educado e persuadido a entrar numa espécie de
sóficas opostas. Essa diversidade e heterogeneidade da Psicolo­ aliança entre objetivos e ambições pessoais e objetivos ou ativi­
gia têm sido uma das chaves para sua contínua inventividade dades institucionalmente ou socialmente valorizadas. Os cida­
conceituai e sua·aplicabilidade social generalizada. Longe de so­ dãos moldam suas vidas através das escolhas que fazem sobre a
lapar suas asserções de verdade, ela tem permitido uma frutífera vida familiar, o trabalho, o lazer, o estilo de vida, bem como sobre
diferenciação em seus pontos de aplicação, possibilitando que a personalidade e sua expressão. O governo age através de uma
ela opere com uma diversidade de contextos e de estratégias para "ação à distância" sobre essas escolhas, forjando uma simetria en­
o governo da subjetividade - diferentes formas de articular o po­ tre as tentativas dos indivíduos para fazercom que a vida valha a
der social com a alma humana. pena para eles e os valores políticos de consumo, rentabilidade,
A expertise da subjetividade tem-se tornado fundamental eficiência e ordem social. Isto é, o governo contemporâneo opera
para nossas formas contemporâneas de sermos governados e de infiltrando, sutil e minuciosamente, as ambições do processo de
governarmos a nós próprios. Mas não porque os experts conspi­ regulação no interior mesmo de nossa existência e experiência
ram com o estado para iludir, controlar e condicionar os sujeitos. como sujeitos.
A política democrática liberal coloca limites às intervenções co­ As tecnologias da subjetividade existem, pois, numa espécie
ercivas diretas sobre as vidas individuais através do poder do es­ de relação simbiótica com aquilo que poderíamos chamar de
tado; o governo da subjetividade exige, pois, que as autoridades "técnicas do eu": as formas pelas quais nós somos capacitados,
ajam sobre as escolhas, os desejos e a conduta dos indivíduos de através das linguagens, dos critérios e técnicas que nos são ofere­
uma forma indireta. A expertise fornece essa distância essencial cidos, para agir sobre nossos corpos, almas, pensamentos e con:
entre o aparato formal da lei, das cortes e da polícia e a moldagem duta a fim de obter felicidade, sabedoria, riqueza e realização.'
das atividades dos cidadãos. Ela obtém seu efeito não através da Através da auto-inspeção, da autoproblematização, do automoni­
ameaça da violência ou do constrangimento físico, mas através da toramento e da confissão, avaliamos a nós mesmos de acordo com
persuasão inerente às suas verdades, das ansiedades estimuladas critérios que nos s�10 fornecidos por outros. Através da auto-recu-
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FOUCAULT, Discipline and Punish: The Birth ofthe Priscm. Londres: Allen Lane,
peração, da terapia, de técnicas de alteração do corpo e da remol­ 1977.
dagem calculada da fala e da emoção, ajustamo-nos por meio das FOUCAULT, M. "On governmentality". Ideology and Consciousness, 6, 1979a: 5-
técnicas propostas pelos experts da alma. O governo da alma de­ 22.
FOUCAULT, M. The History of Sexuality, Vc,l. 1: An Introduction. Londres: Allen
pende de nos reconhecermos como, ideal e potencialmente, cer­ Lane, 1979b
to tipo de pessoa, do desconforto gerado por um julgamento FOUCAULT, M. "Omnes et singulatim: towards a criticism of political reason". ln
normativo sobre a distância entre aquilo que somos e aquilo que S. McMurrin (org.). The Tanner Lectures cm Hu111an Values, vul. 2. Utah: Uni­
versity of Utah Press, 1981.
podemos nos tomar e do incitamento oferecido para superar essa FOUCAULT, M. "The subject and power". ln H. Dreyfus e P. Rabinow. Michel
discrepância, desde que sigamos o conselho dos experts na admi­ Foucault: Beyond Structuralism and Hen11eneutics. Brighton: Harvester, 1982.
nistração do eu. (A epígrafe que N. Rose retirou desse texto de Foucault foi traduzida direta­
mente do francês: FOUCAULT, M. Ditsetécrits. 1954-1988. V IV Paris: Galli­
A ironia é que nós acreditamos, ao transformar nossa subjeti­ mard, 1994, p. 230. Nota do tradutor).
vidade no princípio de nossas vidas pessoais, de nossos sistemas FOUCAULT. M. "Technologies of the Self". ln L. Martin, H. Gutman e P. Hutton
(orgs.). Technol,,1gies of the Self. Londres: Tavistock, 1988.
éticos e de nossas avaliações políticas, que estamos, livremente, HACKING, I. "Biopower and the avalanche of printed numbers". Hu111anities in
escolhendo nossa liberdade. Um possível objetivo subjacente a Society, 5 , 1982: 279-95. ,,
uma análise dessas tecnologias da subjetividade é o de contribuir LATOUR. B. "Visualization and cognition: thinking with hands and eyes . ln H.
Kushlick (org.). Knowledge and Society, v. 6. Greenwich: JAI Press, 1987.
para escrever a genealogia dessa liberdade. LAW, J. Power, Action and Belief. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1986...
MEYER, J. "The Self and the Life Course: lnstitutionalization and its Effects . ln
Notas A. Sorensen, E Weinert e L. Sherrod (orgs.). Human Deveúipment and the LJfe
1. Como argumentei em outro local: R�se, 1988. Utilizo argumentos desse Course. Hillsdale: L. Erlbaum, 1986.
PASQUINO, P. "Theatrum politicum. The genealogy of capital - police and the
trabalho naquilo que se segue. state of prosperity". Ideology and Consciowmess, 4, 1978: 41-54.
2. Baseei-me nas idéias de Meyer naquilo que se segue. ROSE, N. "Calculable minds and manageable individuais". History of the Human
3. Michel Foucault nos deu as idéias mais iluminadoras a respeito dessa Scierices, 1, 1988: 179-200.
SCHUMPETER. J. History of Econo111ic Analysis. Nova York: Oxford University
questão. Veja, em particular, Foucault, 1979, especialmente Parte 5; tam­ Press, 1954.
bém seus ensaios "On governmentality" (1979) e "Omnes et singulatim: to­
wards a criticism of political reason" (1981). Para uma discussão da noção
relacionada de "polícia", ver Schumpeter, 1954, e Pasquino, 1978. Este ensaio constitui o capítulo introdutório do livro de Niko­
4. Sobre estatística, veja Pasquino (1978) e Hacking (1982). Sobre inscrição las Rose, Govemíng the soul. The shaping of the prívate self.
e cálculo, veja Latour, 1987. Londres: Routledge, 1989: pp. 1-11. Tradução de Tomaz Tadeu
5. Sobre a história das sociedades estatísticas na Grã-Bretanha, veja da Silva.
Abrams, 1968 e Cullen, 1975.
6. Minha discussão de "tecnologias" baseia-se no trabalho de Bruno La­
tour, Michael Callon, e John Law. Veja suas contribuições em Law, 1986. N ikolas Rose é professor de Sociologia do Goldsmiths College,
7. Veja, especialmente, Foucault, 1988; 1982. Universidade de Londres.

Referências bibliográficas
ABRAMS , P. The Origins ofBritish Society, 1834-1914. Chicago: U niversity of Chi­
cago Press, 1968.
CULLEN, M. J. The Statistical Movement in Early Victorian Britain. Hassocks:
Harvester, 1975.
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