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DIREITO PENAL

GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018


Organizado por Valdir Monteiro Oliveira Júnior

Sumário
1. CIÊNCIAS CRIMINAIS ......................................................................................................................................... 4
2A. Criminologia: paradigmas etiológico e da reação social, do conflito e do consenso. Teorias
criminológicas contemporâneas. ..................................................................................................................... 4
5C. Discricionariedade e seletividade das agências penais do sistema de justiça e de segurança pública. .. 12
1A. Dogmática jurídico-penal: teorias contemporâneas. .............................................................................. 14
11B. Direito penal negocial. ........................................................................................................................... 19
3A. Políticas Criminais e Políticas de Segurança Pública: Tendências Contemporâneas. .............................. 24
2.PRINCÍPIOS....................................................................................................................................................... 28
4A. Princípios do Direito Penal ....................................................................................................................... 28
3.NORMA PENAL ................................................................................................................................................ 34
8A. Princípios de interpretação e aplicação da lei penal. Concurso aparente de normas. ........................... 34
5A. Lei penal no tempo. ................................................................................................................................. 36
6A. Aplicação da lei penal no espaço. ............................................................................................................ 38
7A. Limites da aplicação da lei penal em relação às pessoas. ....................................................................... 40
4.FATO TÍPICO..................................................................................................................................................... 44
9A. Teoria do crime ........................................................................................................................................ 44
10A. Teoria da conduta. ................................................................................................................................. 56
11A. Causalidade e imputação objetiva. ........................................................................................................ 57
12A. Teoria do Tipo Doloso ............................................................................................................................ 63
13A. Teoria do Tipo Culposo .......................................................................................................................... 64
14A. Teoria do tipo omissivo .......................................................................................................................... 68
17A. Teoria do Erro. ....................................................................................................................................... 69
18A. Etapas da realização do crime ............................................................................................................... 71
5. ILICITUDE ........................................................................................................................................................ 72
15A. Ilicitude penal......................................................................................................................................... 72
6.CULPABILIDADE ............................................................................................................................................... 74
16A. Culpabilidade. ........................................................................................................................................ 74
7.CONCURSO DE PESSOAS .................................................................................................................................. 76
19A. Concurso de Pessoas.............................................................................................................................. 76
8.PENAS .............................................................................................................................................................. 79
7B. Penas no direito brasileiro. Justiça restaurativa. ..................................................................................... 79
20A. Teoria da Pena ....................................................................................................................................... 82
1B. Aplicação da pena. ................................................................................................................................... 83
2B. Concurso de crimes. ................................................................................................................................. 86

1
3B. Efeitos da Condenação. Direitos da Vítima .............................................................................................. 88
9.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE........................................................................................................................... 91
4B. Extinção da punibilidade .......................................................................................................................... 91
5B. Prescrição Penal ....................................................................................................................................... 93
1.CRIMES CONTRA A PESSOA ............................................................................................................................. 98
1C. Crimes de homicídio, de lesões corporais e de periclitação da vida e da saúde. .................................... 98
3C. Crimes contra a honra. ........................................................................................................................... 102
2C. Crimes contra a liberdade pessoal. ........................................................................................................ 106
4C. Crimes contra a inviolabilidade do domicílio, de correspondência, dos segredos e de interceptação de
comunicações............................................................................................................................................... 109
2.CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO .................................................................................................................. 115
6C. Crimes contra o patrimônio: roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, esbulho possessório e
dano ............................................................................................................................................................. 116
9B. Crimes contra o patrimônio: apropriação indébita e receptação. ........................................................ 120
12B. Crimes contra o patrimônio: esbulho possessório, apropriação indébita e receptação ..................... 123
7C. Crimes contra o patrimônio: estelionato e outras fraudes de competência da Justiça Federal. .......... 124
3.CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL .............................................................................................. 130
9B. Crimes contra a propriedade intelectual. .............................................................................................. 130
4.CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................................... 132
10B. Crimes contra a organização do trabalho (Art. 197 a 207 do CP). ....................................................... 132
5.TRÁFICO DE PESSOAS .................................................................................................................................... 135
8C. Tráfico de Pessoas e Redução à Condição Análoga de Escravo. ............................................................ 135
6.CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA ............................................................................................... 139
19C. Crimes contra a incolumidade pública: crimes de perigo comum e contra a segurança dos meios de
comunicação e transporte e outros serviços públicos................................................................................. 139
20C. Crimes contra a saúde pública e os relacionados à remoção e transplante de órgãos. ...................... 143
7.CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA ................................................................................................................... 146
16C. Crimes contra a paz pública. ................................................................................................................ 147
8.CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA ..................................................................................................................... 148
12C. Crimes contra a fé pública. .................................................................................................................. 148
9.CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................. 153
9C. Crimes contra a administração pública praticados por funcionário público ......................................... 153
10C. Crimes contra a administração pública praticados por particular. ...................................................... 155
11C. Crimes contra a administração da Justiça. ........................................................................................... 160
10.DIREITO PENAL ECONÔMICO ...................................................................................................................... 166
16B. Crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. ............................................... 166
15C. Crimes de lavagem de dinheiro............................................................................................................ 168
14C. Crimes contra o sistema financeiro e contra o mercado de capitais ................................................... 170
13C. Crimes contra a ordem tributária e previdência social. ....................................................................... 177

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11.CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE .......................................................................................................... 184
15B. Crimes contra o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural................................................... 184
12.DROGAS ....................................................................................................................................................... 187
14B. Crimes de tráfico ilícito e uso indevido de drogas. .............................................................................. 187
13.CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO E CRIMES CONTRA ÍNDIOS ........................................................ 190
8B. Direito penal, indígenas e comunidades tradicionais. ........................................................................... 190
18C. Crimes de preconceito e discriminação. .............................................................................................. 193
14.CRIMES LICITATÓRIOS ................................................................................................................................. 199
17C. Crimes nas licitações públicas e crimes contra finanças públicas........................................................ 199
15.TORTURA ..................................................................................................................................................... 203
17B. Crimes de tortura ................................................................................................................................. 203
16.ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ..................................................................................................................... 204
16C. Organizações criminosas. ..................................................................................................................... 204
17.CRIMES POLÍTICOS, MILITARES E TERRORISMO .......................................................................................... 206
6B. Crimes Políticos e Crimes Militares. Terrorismo. ................................................................................... 206
18.CRIMES CIBERNÉTICOS ................................................................................................................................ 212
19B. Crimes cibernéticos. Pornografia infantil............................................................................................. 212
19.CORRUPÇÃO E REPRESSÃO PENAL NO DIREITO INTERNACIONAL .............................................................. 216
18B. Crimes de corrupção ............................................................................................................................ 216
20B. Aspectos relativos à repressão penal contidas em convenções internacionais sobre corrupção,
organizações criminosas, tráfico de pessoas, tráfico de armas, terrorismo e escravidão ........................... 218
20.ESTATUTO DO DESARMAMENTO. ............................................................................................................... 225
13B. Crimes previstos na Lei n. 10.826/2003. .............................................................................................. 226

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DIREITO PENAL GERAL

1. CIÊNCIAS CRIMINAIS
1.1 Criminologia: paradigmas etiológico e da reação social, do conflito e do consenso. Teorias criminológicas
contemporâneas. (2.a)
1.2 Discricionariedade e seletividade das agências penais do sistema de justiça e de segurança pública. (5.c)
1.3 Dogmática jurı ́dico-penal: teorias contemporâneas. (1.a)
1.4 Direito penal negocial. (11.b)
1.5 Políticas criminais e políticas de Segurança Pública: tendências contemporâneas (3.a)

2A. Criminologia: paradigmas etiológico e da reação social, do conflito e do consenso. Teorias criminológicas
contemporâneas.

Por Thales Cavalcanti Coelho (a partir de material elaborado por Leyza Ferreira Domingues)

1. Criminologia:
1.1. Conceito: em uma concepção moderna, criminologia é o conjunto de conhecimentos sobre o
delito como fenômeno social, abrangendo os processos de elaborar as leis, de infringi-las e de reagir à infração.
Estuda o surgimento, a dinâmica e as variáveis do crime, contemplando-o como fenômeno individual e como
problema social.
1.2. Origem: não há consenso na doutrina sobre o exato momento do surgimento da criminologia. A
maioria dos autores afirma que isso se dá a partir da Escola Positiva italiana, considerada o marco do estudo
científico da disciplina. De todo modo, esse contexto histórico é marcado pela chamada “disputas de escolas”.
O advento do iluminismo influenciou tanto os clássicos quanto os positivistas na busca de um método
criminológico. Enquanto a "escola clássica", nos ideais da razão pura, focou seus olhares no crime, com base
em um método lógico-dedutivo, a "escola positiva", com uma visão empírica-indutiva, fincou suas reflexões
nos autores desse fenômeno, isto é, no criminoso.
1.3. Método: é pautada no empirismo e na interdisciplinaridade. A criminologia é uma ciência plural,
que recebe influência e contribuição de diversas outras ciências, como a psicologia, a sociologia, a antropologia
etc.
1.4. Objetos: o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. A criminologia não se restringe ao
estudo empírico do crime e do criminoso, mas também da vítima e dos mecanismos de reação/controle social,
buscando uma compreensão global da delinquência e de suas formas de prevenção.
1.4.1. Delito: para a Criminologia, o conceito de delito no Direito Penal é insuficiente, pois
alguns critérios são necessários para que se reconheçam nos fatos típicos condições para serem
compreendidos coletivamente como crimes. São eles: incidência massiva na população (p. ex., molestar baleia
com palito de sorvete foi um caso pontual no RJ, porém ensejou criminalização da conduta de "molestar
cetáceo"; Lei n. 7.643/1.987); incidência aflitiva (chamar couro sintético de couro é crime, cf. a Lei n
4.888/1.965, embora não machuque ninguém); persistência espaço-temporal (roubar o brucutu do fusca para
seguir a moda Jovem Guarda foi uma tendência passageira; os tipos penais da Lei Geral da Copa, p. ex., a
falsificação de símbolo oficial da FIFA, tiveram vigência até 31/12/2014, cf. Lei n. 12.663/2.012); inequívoco
consenso quanto à efetividade da intervenção (criminalizar o uso de álcool não é a melhor saída, conquanto
ele gere danos).
1.4.2. Delinquente: é um ser histórico, real e complexo. Embora seja, na maior parte das vezes,
um ser absolutamente normal, pode estar sujeito às influências do meio, mas não aos determinismos em si. A
percepção do criminoso pode ser analisada a partir das diferentes concepções criminológicas, a saber: (i)
criminoso como ente biológico (criminoso nato; cf. Lombroso); (ii) criminoso como ente sociológico (refere-
se à maioria das escolas do consenso, isto é, o criminoso é aquele que, por determinantes sociais e culturais,
é levado à prática do crime); (iii) criminoso como ente jurídico (a lei é que identifica o criminoso; cf. labelling
approach); e (iv) criminoso como ente político (vertente crítica que ressalta os interesses políticos em se
criminalizar ou não uma conduta, exercendo o direito penal funções ocultas, a exemplo da criminalização de
movimentos sociais).

4
1.4.3. Vítima: o estudo aprofundado da vítima aparece após a 2ª Guerra Mundial. Estudos
vitimológicos propiciam a análise da problemática da assistência jurídica, moral, psicológica e terapêutica,
especialmente nos casos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, crimes que deixam marcas e causam
traumas. A vitimização primária corresponde aos danos à vítima decorrentes do crime. A vitimização
secundária (revitimização ou sobrevitimização) é um derivativo das relações entre a vítima primária e o Estado,
diante do aparato repressivo, que a trata não como sujeito de direito, mas como simples objeto de
investigação. Corresponde ao sofrimento adicional causado à vítima primária pelas instâncias formais de
controle, no decorrer do processo de registro e apuração do crime, dada a dinâmica do sistema de justiça
criminal (burocratização do sistema, falta de sensibilidade dos operadores do direito etc.). Já a vitimização
terciária representa os custos suportados pela vítima em face da ausência de receptividade da sociedade, que
não a acolhe e, em alguns casos, a estigmatiza (ex.: vítima de estupro, de violência doméstica), considerando-
se, ademais, a falta de amparo dos órgãos públicos (além das instâncias de controle), o que incentiva a vítima
a não denunciar o fato às autoridades (cifra negra).
1.4.4. Controle social do delito: consiste no conjunto de mecanismos e sanções sociais que
pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas comunitários. Pode ser: (i) controle social informal,
que passa pelas instâncias da sociedade civil (família, escola, empresa, opinião pública, grupos de pressão,
clubes, etc.); e (ii) controle social formal, com atuação do aparelho do Estado, mediante a polícia, a justiça, o
exército, o Ministério Público, a administração penitenciária e seus consectários, como o controle legal, penal,
etc. O direito penal, junto com outros instrumentos de controle mediante sanções, faz parte do controle social
primário, ao passo que o controle social secundário trata da internalização das normas e dos modelos de
comportamento social adequados sem recorrer à sanção ou a algum prêmio (ex.: o sistema educativo)1.

2. Escolas Criminológicas:
2.1. Escola Clássica: reúne diversas teorias desenvolvidas na Europa no séc. XVIII e meados do séc. XIX,
com destaque para a dogmática criminológica desenvolvida a partir de Francesco Carrara e seus seguidores,
com a edição do Programa de Direito Criminal, em 1.859. As ideias precursoras dos clássicos, contudo,
remontam a Cesare Beccaria, autor da obra "Dos delitos e das Penas" (1.764), considerado, por alguns, o
primeiro pensador da criminologia. Tem como principais postulados: (i) o delito como objeto de estudo
primordial, consistindo aquele na violação do direito como exigência racional; (ii) a crítica da prática penal e
penitenciária do antigo regime; (iii) a adoção do método lógico-dedutivo (abstrato); (iii) a fundamentação da
punibilidade no livre-arbítrio (inerente ao ser humano, que é racional e detentor de vontade livre e consciente)
e na imputabilidade moral (culpa moral do delinquente); (iv) a pena como reparação do dano causado pela
violação do contrato social; e (v) a pena como um instrumento de restabelecimento da ordem, com fim
retributivo e dissuasório (prevenção geral). Buscou estabelecer limites ao jus puniendi do Estado, bem como
proteger a liberdade individual, mediante a adoção dos princípios de humanidade, legalidade e utilidade. Seus
principais expoentes são: Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Feuerbach.
2.2. Escola Positiva: surgiu, em contraponto ao pensamento clássico, no final do século XIX na Europa,
cujo marco inicial se deu com a publicação do livro “O homem delinquente” de Cesare Lombroso, em 1.876.
Representam esse pensamento criminológico: a escola sociológica francesa (Gabriel Tarde), a Escola Social na
Alemanha (Franz Von Liszt) e, especialmente, a Escola Positiva na Itália (Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Raffaele
Garofalo). Tem como principais postulados: (i) o reconhecimento do delito como fenômeno natural e social,
sujeito à influência de fatores biológicos, físicos e sociais (determinismo), que exige estudo da criminalidade
pelo método empírico-indutivo; (ii) a consideração da criminalidade como uma realidade ontológica pré-
constituída à reação social e ao direito penal; (iii) a compreensão da responsabilidade penal enquanto
responsabilidade social (já que o criminoso vive em sociedade), tendo por base a periculosidade; e (iv) a pena

1
Obs.: O sistema penal subterrâneo (cf. Zaffaroni) é configurado pelo exercício do poder punitivo à margem do poder jurídico,
mediante práticas ilegais ou por meio de normativas questionáveis, com um elevado grau de discricionariedade e arbítrio, exercidas
pelas agências de controle. Apesar de proibidos pelo sistema penal aparente, no subterrâneo se situam procedimentos e práticas
diferenciadas destinadas às classes subalternas (pessoas vulneráveis à criminalização no âmbito da seletividade do sistema penal),
institucionalizando-se a execução sumária, os desaparecimentos forçados e a prática da tortura, em meio a outras diversas formas de
violência e ilegalidades.

5
como um instrumento de defesa social, com vistas à recuperação do criminoso, consistindo em medida de
intervenção curativa e reeducativa.
2.2.1. Cesare Lombroso (fase antropológica): considerado o pai da antropologia criminal,
afirmava que o crime é um fenômeno biológico e não um ente jurídico (como sustentavam os clássicos).
Examinou características fisionômicas de criminosos e as comparou com dados estatísticos de criminalidade
para traçar um perfil do "homem delinquente". Com isso, trouxe um viés científico para a teoria do criminoso
nato, com a utilização de estudos multidisciplinares para abordar conceitos como: o "atavismo", a "não
evolução" e a "degeneração", que estariam presentes nos criminosos natos. Embora Lombroso não tenha
afastado os fatores exógenos da gênese criminal, entendia que eram apenas aspectos motivadores dos fatores
endógenos. Desse modo, o clima, a vida social e outros fatores externos apenas desencadeariam a propulsão
interna para o delito, considerando o viés antropológico de seus estudos (do determinismo biológico).
2.2.2. Enrico Ferri (fase sociológica): com perspectiva mais abrangente, voltada às ciências
sociais (positivismo sociológico), entendia que o fenômeno da criminalidade decorria de fatores
antropológicos, físicos e sociais. Acentuou, assim, a relevância de fatores exógenos (socioeconômicos e
culturais) como causa da delinquência, além dos fatores endógenos, procurando corrigir a postura unilateral
de Lombroso. Negou o livre-arbítrio como a base da imputabilidade (como sustentavam os clássicos). Segundo
sua concepção, a responsabilidade moral seria substituída por uma responsabilidade social, já que a razão de
punir é a defesa social. A prevenção geral seria, portanto, mais eficaz do que a repressão.
2.2.3. Raffaele Garofalo (fase jurídica): afirmava que o crime sempre estava no indivíduo, e
que era a revelação de uma natureza degenerada, seja por causas antigas ou recentes. Garofalo criou o
conceito de temibilidade ou periculosidade, que seria o propulsor do delinquente. Era preciso, assim, conceber
outra forma de intervenção penal, isto é, a medida de segurança. Tentou estabelecer também um conceito de
delito natural, que, para ele, seria a violação dos sentimentos altruísticos de piedade e probidade.

3. Teorias macrossociológicas: criminologia do conflito e do consenso


A chamada Sociologia Criminal surge no século XX, em meio à crise europeia, com o desenvolvimento
da fenomenologia, quando os estudos sobre os impactos dos ambientes sociais e urbanos conquistaram
espaço, e, no âmbito da criminologia, influenciaram a análise do meio social como uma das possíveis causas
da criminalidade. Com a evolução do estudo sobre a sociologia criminal, principalmente nos EUA, o foco da
criminologia, que antes era o indivíduo ou pequenos grupos de indivíduos, passa a ser o estudo da
macrocriminalidade, isto é, uma abordagem dos fatores que levam a sociedade como um todo a praticar ou
não infrações criminais. Nesse sentido, as teorias macrossociológicas passam a analisar a “sociedade
criminógena", com uma perspectiva predominantemente sociológica em oposição ao pensamento
biopsicológico da escola positiva italiana.
As teorias macrossociológicas são estudadas a partir de uma divisão bipartida, sob enfoques
consensuais ou de conflito, considerando a forma como cada sociólogo percebe a composição da sociedade.
Segundo Sérgio Salomão Shecaira, pode-se agrupar duas visões principais da macrossociologia que
influenciaram o pensamento criminológico: (i) uma primeira visão, referente às teorias do consenso, de corte
funcionalista, também denominadas de teorias da integração; (ii) uma segunda visão, argumentativa, relativa
às teorias do conflito. A Escola de Chicago, a teoria da associação diferencial, a teoria da anomia e a teoria da
subcultura delinquente podem ser consideradas teorias do consenso, ao passo que a teoria do labelling
approach (interacionista, da reação social ou etiquetamento) e a teoria crítica são teorias do conflito.
Para as teorias do consenso, a finalidade da sociedade é atingida quando há um perfeito
funcionamento de suas instituições, de forma que os indivíduos associam objetivos comuns a todos os
cidadãos, aceitando as regras vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes. São tais valores que
definem a identidade do "sistema" e asseguram, em última instância, a coesão social. A sociedade é concebida
em termos de se excluir a hipótese de conflito estruturalmente gerado. O poder é exercido em nome, no
interesse e com o apoio de todos. Em síntese, a sociedade se mantém graças ao consenso de todos os membros
acerca de determinados valores comuns. Assim, para as teorias do consenso, o crime representa um desvio
social das regras de convivência da sociedade. São teorias conservadoras porque tentam legitimar o status
quo, conferindo legitimidade às regras (funcionalismo). Sob várias formas, os mesmos elementos de
estabilidade, integração, coordenação funcional e consenso reaparecem em todos enfoques funcionalista-

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estruturalistas do estudo da estrutura social.
Para as teorias do conflito, por outro lado, a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e
na coerção, na dominação por alguns e na sujeição de outros. Ignora-se a existência de acordos em torno de
valores de que depende o próprio estabelecimento da força. Para essa corrente de pensamento, toda
sociedade se mantém graças à coação que alguns de seus membros exercem sobre os outros. Em linhas gerais,
este sistema conflitual determina, em sede de Direito Penal, um planejamento seletivo de produção de normas
(criminalização primária) que é voltado para assegurar o triunfo da classe dominadora. Essas teorias partem
de uma visão marxista da sociedade, no sentido de que as regras são impostas por determinadas classes
dominantes para as classes dominadas, constrangidas a obedecer tais regras. A classe dominada torna-se
alienada ao entender que essas regras são legítimas, quando na verdade são regras impostas.
Em síntese, enquanto as teorias do consenso buscam responder: “por que as pessoas cometem
crimes?”, as teorias do conflito tentam entender “por que determinadas classes de pessoas são criminalizadas,
são selecionadas pelo sistema penal em detrimento de outras?”. Note-se que as teorias do conflito retiram o
foco do criminoso para analisar diretamente as agências de controle, o que leva a uma mudança paradigmática
no estudo criminológico.

4. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social:


Os movimentos e escolas criminológicas estiveram muito centrados no binômio criminalidade e
criminalização. A primeira perspectiva, de tradição determinista, aglomerou distintas teorias explicativas da
criminalidade, modelos micro ou macrocriminológicos - centrados no homem delinquente ou na estrutura
socioeconômica, respectivamente -, os quais, por mais dicotômicos na orientação ideológica, mantiveram a
mesma metodologia e a mesma finalidade: realizar o diagnóstico da causa da delinquência e sugerir o
prognóstico para contenção. Destarte, até a década de 1.960, as teorias exploratórias da criminalidade eram
causais, com base no paradigma etiológico, o que só se modifica a partir da mudança paradigmática promovida
pelo labelling approach, que desloca o foco de análise aos processos de criminalização e o funcionamento das
agências punitivas.
4.1. Paradigma etiológico: define a criminologia como ciência causal-explicativa da criminalidade,
concebida como um fenômeno natural, causalmente determinado. Assim, a criminologia assume a tarefa de
explicar as causas da criminalidade de acordo com um método científico e com auxílio das estatísticas criminais
oficiais, a fim de prescrever os remédios para combatê-la em defesa da sociedade. Considera que a
criminalidade é uma realidade ontológica, pré-constituída ao Direito Penal, e, nesse sentido, refere-se a um
modelo consensual de sociedade (monismo social), segundo o qual não se problematiza o sistema penal, mas
sim os indivíduos, diferenciados, que o violam. Assim, as representações do determinismo, criminalidade
ontológica, periculosidade, anormalidade, tratamento e ressocialização se complementam num círculo
fechado que conforma uma percepção da criminalidade enraizada nas agências do sistema penal e no senso
comum2.
Críticas ao paradigma etiológico (criminologia tradicional): ao focar os estudos nas condutas dos
criminalizados, deixa de fora a análise do sistema penal, aceitando a ideologia veiculada por ele, assim
convertendo-se em uma ideologia de justificação do sistema penal e do controle social de que esse faz parte.
Nesse sentido, a criminologia tradicional exclui de seu objeto de estudo a análise e a crítica do poder
criminalizante (processo de criminalização), e, ao proceder unicamente ao estudo dos criminalizados, só
observa as pessoas selecionadas (em prisões e manicômios). Por essa razão, Shecaira afirma que o método da
criminologia tradicional não é verdadeiramente científico, e sim "semicientífico".
4.2. Paradigma da reação social (do controle ou da definição): a criminologia da reação social busca
superar a criminologia centrada na conduta criminalizada, a partir do reconhecimento de que sem

2
Ela Wiecko: "desde o século XIX, a Criminologia adotava o paradigma etiológico, de matriz positivista calcada nas ciências naturais,
pretendendo ser uma ciência causal explicativa da criminalidade. Esta, hoje conhecida como Criminologia tradicional, aceita o crime
e a criminalidade como entidades ontológicas pré-constituídas ao Direito Penal e sua grande indagação gira em tomo das causas do
crime. As respostas, de modo geral, são agrupadas em biológicas, psicológicas, antropológicas, sociológicas e multifatoriais. Todas,
porém, se inserem no contexto da ideologia da defesa social e veem o criminoso como uma pessoa que é diferente das outras e que
necessita ser ressocializada ou reeducada".

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criminalização não há crime. Sob essa perspectiva, quando esse pensamento criminológico critica o poder
criminalizante e o direito penal, pergunta-se pelo sentido ideológico da punição, o que vai situá-la no campo
comum da política criminal (política). Com isso, é quebrado o isolamento que existia entre a criminologia, o
direito penal e a política criminal. Essa mudança paradigmática se deu no âmbito da criminologia
contemporânea com a introdução do labelling approach, que, modelado pelo interacionismo simbólico e pela
etnometodologia (construtivismo social), parte dos conceitos de conduta desviada e de reação social, como
termos interdependentes, para formular sua tese central: a de que o desvio e a criminalidade não constituem
uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída à reação social e penal, mas
uma condição (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social,
isto é, de processos formais e informais de definição e seleção.
Para Alessandro Baratta, são características essenciais dessa nova criminologia inspirada no paradigma
da reação social: (i) o conhecimento de que não é possível considerar a criminalidade como um dado pré-
constituído às definições legais de certos comportamentos e de certos sujeitos; (ii) a consideração do crime
como um comportamento definido pelo direito; e (iii) o repúdio do determinismo e da consideração do
delinquente como um indivíduo diferente.
Baratta sustenta que a compreensão dos processos de criminalização, aliada a pesquisas empíricas
sobre a realidade do sistema penal, levam à conclusão de que não se pode mais defender o “mito da igualdade
do Direito Penal”, um dos pilares da ideologia da defesa social, como se o Direito Penal funcionasse igualmente
para todos e qualquer pessoa da sociedade tivesse as mesmas chances de ser selecionado pelo sistema penal.
Ele aborda a desigualdade substancial do sistema penal em contraponto à igualdade formal. Evidencia-se que
o sistema penal não protege de forma universal, mas seletiva os bens jurídicos declarados. Destarte, o
desenvolvimento do paradigma da reação social revelou a seletividade do sistema penal e a “flexibilidade” dos
processos de criminalização, conforme o perfil dos sujeitos submetidos ao controle penal.

5. Teorias criminológicas contemporâneas: existem diferentes classificações, conforme a divisão


metodológica adotada por cada autor. No entanto, a maioria classifica as teorias criminológicas
contemporâneas a partir da perspectiva macrossociológica, que envolve a análise das teorias do consenso e
do conflito. Apresenta-se, a seguir, um resumo dessas principais teorias, com destaque ainda para algumas
vertentes pós-modernas.
5.1. Teorias do consenso (paradigma etiológico: perspectiva macrossociológica da sociedade
criminógena):
5.1.1. Escola de Chicago (principais expoentes: William Thomas, Robert Park, Ernest Burgess,
Clifford R. Shaw e Henry D. Mckay): é considerada fundamental no estudo da criminalidade urbana. Tem como
base as noções de: (i) desorganização social (teoria ecológica); e (ii) identificação de distintas áreas de
delinquência (teoria espacial). Destaca-se a utilização do método da observação participante ("social surveys";
questionário direto), aplicado nas pesquisas em larga escala, aliado a estudos biográficos de casos individuais
(carreiras delinquentes). Vale-se do método qualitativo de investigação. Alerta para a necessidade de
conhecimento da realidade social antes de se estabelecer uma política criminal adequada à intervenção
estatal, com foco na prevenção voltada à comunidade local.
Uma de suas vertentes, a teoria ecológica (desorganização social), vê a grande cidade como unidade
ecológica responsável pela delinquência, traçando um paralelo entre o crescimento da cidade e da
criminalidade. Funda-se na desorganização do desenvolvimento urbano e na falta de controle social, com
deterioração da família, da escola, perda das raízes, etc. Tal desordem social, aliada à falta de controle, permite
romper os laços de solidariedade, o que gera a violência e o aumento da criminalidade. Refere-se à influência
negativa do ambiente desordenado sobre a conduta humana. Por isso, considera-se que o controle social
informal é relevante para construir essa coesão dos valores.
Por sua vez, a teoria espacial busca prevenir o crime mediante nova arquitetura do espaço público,
propondo medidas de intervenções urbanas, tais como programas comunitários para prevenção da
criminalidade em áreas definidas, projetos de recreação e lazer, reurbanização de bairros pobres, assim como
programas voltados à modificação da situação socioeconômica das crianças. É uma teoria espacial, pois refere-
se à concentração geográfica da criminalidade em determinadas zonas urbanas (zonas de delinquência ou
zonas concêntricas - Burgess).

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Críticas: as teorias da Escola de Chicago (i) superam a etiologia individual dos positivistas, mas mantêm
a relação de causalidade entre os fatores ecológicos e a delinquência (um determinismo ecológico); (ii)
desconsideram a cifra negra da criminalidade, pois partem de dados oficiais, limitados a certas áreas; (iii) não
explicam delitos que se situam fora das “zonas de delinquência”, como os crimes financeiros, os ambientais e
o narcotráfico em grande escala; e (iv) não questionam o conceito de delito.
5.1.2. Teoria da anomia (principais expoentes: Émile Durkheim e Robert K. Merton):
compreende o delito como um fato social (determinismo sociológico) e normal (não patológico), partindo da
premissa de que sempre haverá alguém que não reconhece a autoridade da norma. Entende que, dentro de
certos limites, o delito é funcional para a sociedade, como um fator do funcionamento regular da vida social.
Nesse contexto, o anormal referir-se-ia ao desequilíbrio, calcado tanto na diminuição quanto no aumento
brusco da criminalidade. Anomia é a expressão da quebra das regras vigentes em uma dada sociedade
(desordem), decorrente da perda das referências coletivas normativas, que leva ao enfraquecimento da
solidariedade social. Nos ambientes anômicos é que o comportamento delituoso se torna propício.
Críticas: (i) parte do pressuposto de um consenso coletivo original (“contrato social”), sem questionar
a imposição desses valores pelos grupos que detém o poder e que simplificam, assim, as divergências em
benefício de seus interesses; e (ii) não consegue explicar por que certos sujeitos que estão em situações sociais
desvantajosas não delinquem, tampouco por que não se criminaliza e persegue a criminalidade dos poderosos
na mesma proporção em que se faz com relação aos desprovidos.
5.1.3. Teoria da subcultura delinquente (principais expoentes: Albert Cohen, Richard Cloward
e Lloyd Ohlin, Walter B. Miller): pressupõe que não existiriam metas universalmente válidas para a sociedade
em geral, dada a existência de uma pluralidade cultural, com diversos sistemas de valores divergentes em
torno dos quais se organizam os grupos desviados. Sustenta que os valores predominantes da sociedade
tradicional colidem com os valores de determinados grupos minoritários, o que faz surgir os conceitos de
subcultura e contracultura. Na subcultura, conquanto aceitos certos valores predominantes da sociedade
tradicional, são expressos sentimentos e valores próprios do grupo. Os comportamentos tradicionais são
reproduzidos com “sinal invertido” (ex.: gangues e skinreads). A contracultura, por sua vez, caracteriza-se por
valores e comportamentos que contradizem (desafiam) a sociedade tradicional (ex.: movimento hippie).
Para essa teoria, o bando delinquente surge como resultado da estrutura de classes sociais e de um
conflito cultural entre os valores sociais dominantes e os valores de certos grupos sociais minoritários.
Portanto, a conduta delitiva não seria produto de desorganização (como proposto pela Escola de Chicago) ou
da ausência de valores sociais (como proposto pela teoria da anomia), mas sim o reflexo e a expressão de
outros sistemas de normas e valores: o crime é sinônimo de protesto e status no grupo. A subcultura
delinquente caracteriza-se por três fatores: (i) o não utilitarismo da ação (muitos crimes não possuem
motivação); (ii) a malícia da conduta (prazer em desconsertar e em prejudicar o outro); e (iii) o negativismo da
conduta (negação aos padrões da sociedade, mediante regras opostas legitimadas pelo grupo). Em razão disso,
as atividades delituosas não são planejadas (são flexíveis), tampouco apresentam objetivos ou metas de longo
prazo.
Crítica: não consegue oferecer explicação generalizada para a criminalidade, supervalorando algumas
conclusões válidas, em princípio, apenas para certas manifestações da delinquência juvenil nos grandes
centros urbanos.
5.1.4. Teoria da associação diferencial (principal expoente: Edwin Sutherland): para essa
teoria, o delito é o resultado de um processo de aprendizagem, que advém das interações sociais. O homem
aprende a conduta desviada e associa-se com referência nela. Aprende não só condutas as delitivas, mas os
próprios valores criminais, as técnicas para cometer o delito e os mecanismos subjetivos de racionalização ou
justificação do comportamento desviado. O processo de comunicação é determinante para prática delitiva. O
delinquente surge quando as condições favoráveis ao delito superam as desfavoráveis. Portanto, o crime não
consiste apenas em uma inadaptação de pessoas de classes menos desfavorecidas.
Essa teoria originou-se dos estudos de Edwin Sutherland em face do quadro social que vivia os EUA
na década de 1.930, a partir da investigação da criminalidade oculta e aparente, e o tratamento diferenciado
dado entre criminosos da classe alta e baixa. Afirmava o autor que a criminalidade econômica era subestimada
e a da classe baixa supervalorizada. Ele é reconhecido pelo conceito de “crime de colarinho branco” (white-
collar crime).

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Críticas: (i) desconsidera a incidência dos fatores individuais de personalidade, pois o crime pode ser
impulsivo ou espontâneo, alheio a qualquer processo de aprendizagem; (ii) há uma certa simplificação na
reconstrução (muito mecânica) do processo de aprendizagem, já que não considera aptidões individuais, nem
explica o porquê de sua interpretação estar dirigida unicamente aos modelos de comportamento criminal e às
orientações de valores desviados; (iii) não se explica a razão pela qual, em iguais condições, uma pessoa cede
à influência do modelo desviante, e outra, nas mesmas circunstâncias, não.
5.2. Teorias do conflito (paradigma da reação social):
5.2.1. Labelling aproach (principais expoentes: Howard Becker, Charles Lemert, Goffman,
Chapman, Turk): o movimento criminológico do labelling approach, surgido nos anos 1.960, é o verdadeiro
marco das teorias do conflito. Representa o abandono do paradigma etiológico-determinista, com a
substituição de um modelo estático e monolítico de análise social por uma perspectiva dinâmica e contínua.
As questões centrais do pensamento criminológico, a partir de então, deixam de se referir ao crime e ao
criminoso, e voltam sua base de reflexão ao sistema de controle social e suas consequências (processos de
criminalização).
O labelling, ao contrário do que previa o modelo tradicional, nega a qualidade ontológica do delito,
que passa a ser visto como o resultado de uma reação social (natureza definitorial do delito). O controle social,
segundo essa concepção, cria a criminalidade. A reação social atua como um fator preexistente e constituinte
do desvio. O criminoso só se distingue dos demais indivíduos devido à rotulação que recebe. A partir daí
passou-se a perceber que o fenômeno delitivo se constrói socialmente pautado nos processos de definição
(criação de normas penais = criminalização primária) e seleção (aplicação das normas penais pelas agências
formais de controle = criminalização secundária). São elementos básicos do controle social penal: (i) o
comportamento seletivo e diferenciador, ou seja, discriminatório; (ii) a função criadora da criminalidade; e (iii)
a sequela danosa e estigmatizante que deriva da ação do sistema penal (seu efeito criminógeno).
Diante desse cenário, é preciso diferenciar a vulnerabilidade que antecede a intervenção do sistema
penal da vulnerabilidade que a sucede. A primeira está relacionada à desviação primária, que advém de
fatores sociais, culturais e psicológicos (contexto multifatorial) que, por si só, não conduz a uma mudança da
atitude do indivíduo perante a sociedade e a si mesmo. Por outro lado, a análise da vulnerabilidade no contexto
da reação social encaminha ao estudo da desviação secundária, que representa o efeito criminógeno advindo
da intervenção do sistema penal, a partir da estigmatização do indivíduo como desviado, que passa adotar o
papel de criminoso que lhe foi atribuído (etiqueta) e a se comportar como tal, formando modelos mais firmes
de conduta desviada (carreiras criminosas). Ao interacionismo simbólico não interessa tanto analisar as causas
do comportamento delitivo (desviação primária), tendo em vista que põe especial ênfase na desviação
secundária, quanto ao significado que tem o delito para seu autor, os efeitos do etiquetamento sobre ele
(estigmatização) e sua posterior admissão do status criminoso (role engulfment).
5.2.2. Teoria Crítica (principais expoentes: Taylor, Walton e Young; Alessandro Baratta;
Quinney, Massimo Pavarini, Georg Rusche e Otto Kirchheimer): o movimento da criminologia crítica
representa uma radicalização política dos delineamentos teóricos do labelling approach, contextualizando-os
política e historicamente em relações de poder, a partir das bases do sistema capitalista. Essa vertente, com
viés marxista - no sentido de uma teoria materialista, isto é, econômico-política - direcionou suas críticas para
o funcionamento do controle social, como sustentáculo das estruturas de poder capitalista, desconstruindo o
discurso penal oficial da igualdade dos processos de criminalização.
Para Ela Wiecko, a contribuição mais importante dessa teoria foi a de demonstrar que o sistema penal
reproduz a desigualdade própria da sociedade capitalista. Na criminalização primária, na criminalização
secundária e na execução da pena ou das medidas de segurança, a criminalidade é distribuída desigualmente
segundo a hierarquia dos interesses estabelecida no sistema socioeconômico e conforme a desigualdade social
entre os indivíduos. Isso evidencia não só a seletividade do sistema penal, mas também a “flexibilidade” dos
processos de criminalização, de acordo com o perfil dos sujeitos submetidos ao controle penal.
Para essa vertente criminológica, existe no sistema penal um código ideológico social (second code),
que regula a aplicação das normas pelas instâncias oficiais, e serve de filtro na seletividade dos mais vulneráveis
ao sistema. Diante disso, torna-se necessário identificar esses discursos ideológicos criminais, sobretudo
porque servem para reproduzir estruturas de poder que nem sempre são visíveis, mas simbólicas. Para essa
teoria, o direito não é uma ciência, e sim uma ideologia, que só será entendida pela análise a partir de um

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método histórico-dialético.
Nessa linha de pensamento, o homem não teria o livre-arbítrio que lhe atribuem, pois está submetido
a um vetor econômico que lhe é insuperável e que acaba por produzir não só o crime em particular, mas
também a criminalidade como um fenômeno global. A criminologia crítica radical, por suas expressões mais
extremas, levou a uma crise dentro do pensamento criminológico, por considerar a criminalidade como um
problema insolúvel dentro da sociedade capitalista, pois entende ser necessário chegar a uma transformação
mais profunda de toda a sociedade. E, por essa razão, ficou também conhecida como teoria idealista ou
idealismo de esquerda. É de se ressaltar que no âmbito da criminologia crítica diferentes enfoques foram
abordados, não sendo possível falar em uma única perspectiva crítica.

6. Criminologia pós-moderna: as criminologias hodiernas abandonam modelos totalizadores, representados


pelas grandes narrativas sobre o crime, o criminoso, os processos de criminalização e os mecanismos de
controle social. Se um dos principais legados do paradigma do etiquetamento foi o de que o delito não constitui
uma unidade (delito natural), mas representa um processo em que inúmeras variáveis (vulnerabilidades)
operam facilitando a criminalização, incabível pensar em uma teoria geral que pretenda oferecer um sistema
homogêneo de interpretação voltado a finalidades resolutivas. Uma criminologia única significaria, em última
análise, a redução totalitária das diferenças a uma unidade de referência criminológica. Se existe uma
infinidade de condutas que deve ser analisada em sua especificidade e contexto, deve-se fomentar a
coexistência, muitas vezes tensa, de inúmeras perspectivas teóricas que auxiliem em sua compreensão. A atual
fragmentação da criminologia – percebida por inúmeros teóricos como problemática em si mesma, pois
impossibilitaria a formação de um pensamento unitário, coerente e orgânico – é, no ponto de vista de Salo de
Carvalho, a própria virtude da criminologia contemporânea.
6.1. Criminologia feminista: no final da década de 1.970 e início dos anos 1.980, com base em
postulados críticos, apresentam-se diferentes perspectivas voltadas a uma criminologia feminista. Nada
obstante as diferentes concepções, de modo geral, o paradigma feminista traz indagações a respeito de como
o sistema de justiça criminal atua sobre a mulher, e, com um viés macrossociológico de interpretação,
considera os processos de criminalização e vitimização das mulheres a partir de sua opressão como grupo, no
marco de um quadro global da sociedade capitalista e patriarcal, de modo a evidenciar os estereótipos sexistas
que alimentam as teorias tradicionais, em face de questões de gênero até então excluídas da análise
criminológica. Busca, assim, romper com a lógica androcêntrica, que define o funcionamento das estruturas
de controle punitivo. Mostra como o sistema penal é sexista, e como reproduz a desigualdade entre homens
e mulheres, mesmo quando, aparentemente, suas regras estão formalmente destinadas a proteger as
mulheres (Ela Wiecko).
Relevante notar a posição periférica das mulheres no sistema de controle social, sobretudo quando
vítimas, que faz evidenciar, no âmbito da justiça criminal, a vitimização secundária (sobrevitimização), quanto
ao desrespeito dos direitos e garantias fundamentais dentro e fora do processo penal. Os second codes, isto
é, os códigos ocultos, que revelam posições incompatíveis com a perspectiva de gênero, são realçados não
somente pelo discurso judicial, que se utiliza de certas palavras ou confere relevância a determinados aspectos,
mas também em face de omissões, sobre uma perspectiva de invisibilidade das vítimas. Para Wiecko,
incorporar a perspectiva de gênero no sistema de justiça implica não só pensar como qualquer decisão vai
afetar as mulheres, mas também a presença de mulheres e o exercício de poder por elas no sistema de justiça.
É uma tarefa complexa, com múltiplos campos de atuação.
Segundo Vera Regina Andrade, a mulher torna-se vítima da violência institucional plurifacetada do
sistema, que expressa e reproduz, por sua vez, dois grandes tipos de violência estrutural da sociedade: a
violência estrutural das relações sociais capitalistas (que é a desigualdade de classes) e a violência das relações
patriarcais (traduzidas na desigualdade de gênero) recriando estereótipos inerentes a estas duas formas de
desigualdade, o que é particularmente visível no campo da moral sexual. A autora afirma que a passagem da
mulher, como vítima, pelo sistema de controle social formal implica reviver toda uma cultura de discriminação,
humilhação e estereotipia, já disseminada no âmbito do controle social informal pela ideologia capitalista e
patriarcal. Assim, o sistema penal atua como um fator de dispersão e estratégia excludente, recriando as
desigualdades e preconceitos sociais.
Por fim, Salo de Carvalho assere que o sistema penal centrado no “homem” invariavelmente produziu

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o que a criminologia feminista identificou como dupla violência contra a mulher. Primeiro, invisibiliza ou
subvaloriza as violências de gênero, ou seja, as violências decorrentes normalmente das relações afetivo-
familiares e que ocorrem no ambiente doméstico, como a grande parte dos casos de homicídios, lesões
corporais, ameaças, injúrias, estupros, sequestros e cárceres privados nos quais as mulheres são vítimas. E,
quando a mulher é sujeito ativo do delito, a criminologia feminista evidenciou o conjunto de metarregras
(second codes) que produzem o aumento da punição ou o agravamento das formas de execução das penas
exclusivamente em decorrência da condição de gênero.
6.2. Criminologia queer: Salo de Carvalho aponta que a crítica criminológica recepcionou várias
perspectivas teóricas entrelaçadas com o ativismo político em defesa dos direitos humanos, que se desdobrou
em específicas linhas de pesquisa: p. ex., a criminologia feminista, a criminologia negra, a criminologia
ambienta, etc. Assim, uma intersecção com a teoria queer pode criar novos e renovados campos de reflexão,
dentre os quais a criminologia queer, que também pode expressar-se como criminologia estranha/excêntrica
ou homossexual/gay. Essa vertente teórica é marcada por uma pluralidade de perspectivas, identificadas com
o ativismo político dos movimentos LGBTs, mas que dialoga com a teoria feminista, estudos culturais,
sociologia da sexualidade, psicologia social e o direito (queer legal theory).
As teorias queer procuram desestabilizar algumas zonas de conforto culturais criadas pelo
heterossexismo, que se estabelecem historicamente como dispositivos de regulação e controle social, como:
a polarização entre homens e mulheres e a institucionalização da heteronormatividade compulsória. O
heterossexismo denota a discriminação e a opressão baseada em uma distinção feita a propósito da orientação
sexual. Conforme Salo de Carvalho, a naturalização da norma heterossexual, ao aprisionar as subjetividades
no binarismo hetero/homossexual, cria automaticamente mecanismos de saber e de poder nos quais a
diferença é exposta como um “desvio” ou uma “anomalia”. Definido o comportamento ou o modo de ser
desviante a partir da regra heterossexual, o controle social formal é instrumentalizado nos processos de
criminalização e de patologização da diferença.
Ademais, para além dessa violência institucional, a lógica heteronormativa potencializa inúmeras
outras formas de violências (simbólicas e interindividuais), nas quais a diversidade sexual é vitimizada
(homofobia). Esse complexo processo de legitimação da violência heterossexista pode ser decomposto em três
níveis: (i) o primeiro, da violência simbólica (cultura homofóbica), a partir da construção social de discursos de
inferiorização da diversidade sexual e de orientação de gênero; (ii) o segundo, da violência das instituições
(homofobia de Estado), com a criminalização e a patologização das identidades não-heterossexuais; e (iii) o
terceiro, da violência interpessoal (homofobia individual), presente nos crimes de ódio, nos quais a tentativa
de anulação da diversidade ocorre através de atos brutos de violência (violência real).

5C. Discricionariedade e seletividade das agências penais do sistema de justiça e de segurança pública.

Por Thales Cavalcanti Coelho


Elaborado a partir de excertos extraídos da tese de doutorado da examinadora
(CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. O Controle Penal nos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 7.492, de 16.06.86). UFSC, 1.996.

Desde o século XIX até o início da década de 1.970, a Criminologia adotava o paradigma etiológico, de
matriz positivista calcada nas ciências naturais, pretendendo ser uma ciência causal explicativa da
criminalidade. Essa Criminologia, hoje conhecida como Criminologia tradicional, aceita o crime e a
criminalidade como entidades ontológicas pré-constituídas ao Direito Penal e sua grande indagação gira em
torno das causas do crime. As respostas, de modo geral, são agrupadas em biológicas, psicológicas,
antropológicas, sociológicas e multifatoriais. Todas, porém, se inserem no contexto da ideologia da defesa
social e veem o criminoso como uma pessoa que é diferente das outras e que necessita ser ressocializada ou
reeducada.
Esse paradigma, ainda prestigiado na Europa e na América Latina, "está tão profundamente enraizado
no senso comum que uma concepção que dele se afaste corre o risco de, a todo momento, passar por uma
renúncia a combater situações e ações socialmente negativas" (Alessandro Baratta). A Criminologia que surge
nos Estados Unidos, contudo, rompe no plano metodológico e epistemológico com a Criminologia tradicional,
pois abandona o paradigma etiológico-determinista, em que a abordagem da conduta desviada segue um

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modelo estático e descontínuo, e o substitui pelo paradigma da reação social, cujo modelo é dinâmico e
contínuo. O objeto da investigação criminológica deixa de ser o crime, o criminoso e a criminalidade, como
entidades pré-constituídas, voltando-se ao modo pelo qual elas são constituídas na sociedade.
O novo paradigma tem como fontes as correntes da sociologia norte-americana do "interacionismo
simbólico" e da "sociologia fenomenológica", segundo as quais a sociedade não é uma realidade que pode ser
conhecida como algo em si, objetivo, mas tão só como produto de uma construção social, a que se chega
através de um processo de definições e de tipificações por parte dos indivíduos e de grupos. Assim, estudar a
realidade social (como, por exemplo, a conduta desviada) significa essencialmente estudar esses processos
partindo daqueles aplicados a simples comportamentos e chegando até construções mais complexas, como a
própria concepção de ordem social.
Este novo saber criminológico teve início com o labeling approach, cujo nome provém de sua tese
central: a criminalidade não é um atributo ontológico de uma determinada conduta, mas o resultado da reação
que a coletividade teve diante dessa conduta. Se não há reação, a pessoa não é um criminoso, o crime inexiste.
Essa posição, que em síntese afirma ser a criminalidade aquilo que a lei define como fato punível, é
compartilhada por todas as correntes que se incluem na chamada Criminologia Interacionista, cujo tema
central é o estudo do processo de interação social, através do qual um indivíduo é "etiquetado" ou "rotulado"
como criminoso.
O processo de atribuição de tal qualidade é um processo de etiquetamento ou de estigmatização
realizado pela Polícia, pelo Ministério Público e pelo Judiciário. O criminoso se distingue do homem normal tão
somente pela estigmatização que sofre. Segundo Winfried Hassemer, a teoria do etiquetamento se apoia na
evidência, revelada pela cifra negra ou criminalidade oculta, segundo a qual não existe uma fronteira definida
entre criminosos e não criminosos, desconhecendo-se a dimensão real da criminalidade e suas formas de
aparição. Incorpora, ainda, o resultado de reflexões sobre a realização concreta do Direito, tais como o papel
criador do juiz e o caráter invisível da esfera interna do crime.
Deslocando o problema criminológico do plano da ação para o da reação social, a investigação
privilegia o estudo do controle social e, em particular, do processo de definição (criminalização primária) e
seleção (criminalização secundária), procurando responder às seguintes indagações: quais os critérios pelos
quais certas pessoas, e só elas, recebem o status de criminoso? Quais as consequências desse status? Para a
primeira pergunta, desenvolve a identificação e análise dos mecanismos de seleção que fazem a criminalização
primária e secundária das condutas, bem como os mecanismos da execução da pena ou da medida de
segurança. Para a segunda pergunta, estuda o impacto da adstrição do "status" de criminoso sobre a dinâmica
de formação da identidade.
Contemporaneamente ao surgimento do labeling approach, são desenvolvidas abordagens marxistas
dos problemas do crime e do seu controle, conhecidas sob a denominação de Criminologia Radical (Estados
Unidos) e Nova (Europa). O sentido prático das proposições teóricas da Criminologia Radical norte-americana
e da Criminologia Nova europeia (ou Criminologia Crítica) consiste em indicar, concretamente, no interesse de
quem, contra quem e de que modo é exercido o controle social, pelo sistema de justiça criminal, nas
sociedades de classes.
Assim, a distribuição seletiva da criminalidade constitui tema comum e central das teorias
criminológicas fundadas no paradigma da reação social. Para algumas, a seleção chega a ser encarada como
"justiça de classe", devido ao predomínio acentuado das classes dominadas nas estatísticas oficiais da
criminalidade. Não obstante, todas elas atribuem relevo decisivo aos mecanismos de seleção, constituídos por
operadores genéricos que imprimem sentido ao exercício da discricionariedade real das instâncias formais de
controle e permitem explicar a regularidade na presença desproporcionada de membros dos estratos mais
desfavorecidos nas estatísticas oficiais da criminalidade.
A seleção é um fato inquestionável, tanto na criminalização primária quanto na secundária. Nesta
última, os estudos evidenciam que a variável independente mais importante é a posição ocupada pelos
indivíduos na escala social. Assim, as probabilidades maiores de ser selecionado como criminoso são daquelas
pessoas com posição precária no mercado de trabalho (desemprego, subemprego, falta de qualificação
profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar - características das classes mais baixas, que, na
Criminologia positivista e em boa parte da Criminologia liberal contemporânea, são estudadas como causas da
criminalidade. No Brasil, o próprio Censo Penitenciário publicado pelo Ministério da Justiça no ano de 1.994

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admitiu expressamente a seletividade do sistema penal, pois à época 95% dos presos eram pobres e 75,85%
só dispunham da assistência jurídica gratuita.
Em uma interpretação macrossociológica, a seletividade decorre da desigualdade que advém da
estrutura das sociedades capitalistas. O controle jurídico-penal revela a contradição básica entre a igualdade
formal dos sujeitos de direito e a desigualdade substancial dos indivíduos, que se manifesta nas probabilidades
de alguém ser definido e controlado como desviado. O "status" conferido a certos indivíduos por parte
daqueles que detêm o poder de criar e de aplicar a lei penal é distribuído desigualmente e está ligado à
estratificação e à estrutura antagônica da sociedade.
Nesse contexto, a recepção alemã do labeling approach desenvolve a ideia da criminalidade como um
"bem negativo" distribuído desigualmente segundo a hierarquia de interesses fixada no sistema
socioeconômico e segundo a desigualdade social entre os indivíduos. Essa distribuição setorial provém dos
acordos e ajustes sociais que são típicos da composição classista do modo de produção capitalista. O
incremento das taxas de criminalidade registrada e a total dissonância entre a programação normativa
declarada e aquela cumprida pelo controle jurídico penal são comumente interpretadas como fracasso desse
controle. Entretanto, a persistência das mesmas instituições, estratégias e sanções há mais de um século,
sugere a resposta inversa.
Em síntese, o controle social - que tem como uma de suas facetas o controle jurídico-penal, exercido
pelas agências penais de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público) e de segurança pública (Polícia,
Administração Penitenciária) -, desde uma perspectiva criminológica de reação social, revela-se altamente
discriminatório e seletivo. Nessa linha, enquanto estudos empíricos demonstram o caráter majoritário e
ubíquo do comportamento delituoso, o rótulo de criminoso se manifesta como um "bem negativo" que os
mecanismos de controle social repartem de acordo com o mesmo critério de distribuição de "bens positivos"
(fama, riqueza, poder etc.), isto é, o "status" e o papel social das pessoas.
Desse modo, as "chances" e os "riscos" de ser rotulado como delinquente não dependem tanto da
conduta executada (delito), quanto da posição do indivíduo na pirâmide social ("status"). Ademais, os
processos de criminalização respondem ao estímulo da visibilidade diferencial da conduta desviada em uma
sociedade concreta, guiando-se mais pela sintomatologia do conflito do que por sua etiologia. Por essas razões,
por exemplo, até pouco tempo atrás reinava a impunidade de crimes contra o sistema financeiro nacional,
pautada tanto pela resistência do Poder Legislativo à criminalização primária, quanto do Poder Executivo à
efetiva fiscalização das instituições financeiras, essas em grande medida detentoras do poder econômico e
sustentadoras do poder político no país - o que demonstra que o controle penal, embora necessário a uma
sociedade, não é aplicado de forma democrática.

1A. Dogmática jurídico-penal: teorias contemporâneas.

Felipe da Mota Pazzola

A dogmática jurídico-penal é a “ciência que estuda, sistematiza e busca aprimorar as disposições legais e a
opinião cientifica no campo do Direito penal” (Luiz Flavio Gomes), objetivando estabelecer limites e garantias,
evitando arbitrariedades na atividade estatal de punir. Ou seja, confere racionalidade ao sistema penal: “a
elaboração categorial e a integração dos diversos conceitos jurídico - penais em um sistema, características
dos estudos dogmáticos, proporcionam – seja qual for o método ou concepção dogmática da qual se parta –
uma segurança jurídica de outro modo inexistente” (Jesus-Maria Silva Sanchez).

Dogmática Penal Criminologia Política Criminal


Sistematiza fatos humanos que Estuda o crime, o criminoso, a Preocupa-se com as estratégias e
serão definidos/rotulados como vítima e o comportamento da meios de controle sociais da
infrações penais, anunciando os sociedade (controle social). É criminalidade.
critérios para as sanções. uma ciência empírica.
Crime enquanto norma Crime enquanto fato Crime enquanto valor

No âmbito da dogmática jurídico-penal, destacam-se as teorias do delito, que conceituam e estruturam o

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crime sob diversas perspectivas. Teoria do crime é o conjunto de etapas necessárias para concretização do do
crime (“caminho necessário para o crime”). No Brasil, prevalecem as teorias tripartites, as quais compreendem
o crime como conduta típica, ilícita e culpável, sendo que a imputabilidade é pressuposto para aplicação da
pena, e não elemento do delito (está fora do conceito do crime). A regra é que com o crime apareça, ao mesmo
tempo, o direito de punir do Estado. Todavia, excepcionalmente, a lei vai exigir alguma condição para punir,
são as condições objetivas de punibilidade (exemplo: art. 7º §2º CP).

Principais teorias que se propuseram a elaborar ou aperfeiçoar a visão dogmática do delito: 1) causal-
naturalista ou clássica; 2) neokantista ou neoclássica; 3) finalista; 4) funcionalistas (sob diferentes critérios:
teleológico-funcional de Roxin, funcionalista sistêmico de Jakobs, funcionalista do controle social de Hassemer,
reducionista de Zaffaroni, etc.). Uma forma de compreender de forma ampla essas várias teorias é imaginar
um movimento pendular que se aproxima de elementos descritivos/empíricos/ontológicos (1 - clássica e 3 -
finalista) ou de elementos normativos/valorativos/deontológico (2 – neoclássica e 4 – funcionalistas). Além
disso, é preciso destacar que os conceitos de ação/conduta não necessariamente mudam com as teorias do
crime: o sistema neoclássico manteve a ação causal do sistema clássica; o sistema finalista inovou com o
conceito de ação final (fazendo com que o dolo saísse da culpabilidade e passasse a integrar a tipicidade); e os
vários critérios funcionalistas não necessariamente representam um novo conceito de conduta - embora Roxin
tente conciliar o ontológico com o valorativo, utilizando definido a ação como manifestação da personalidade,
ao passo que Jackobs, sob um perspectiva puramente normativista, entende que, para o Direito Penal, não
existe ação pré-jurídica, sendo que a conduta seria a “evitável não evitação do resultado”.

Imputabilidade como
Tipicidade Ilicitude pressuposto
Culpabilidade (psicológica)
* Dolo
Teoria
* Culpa
Clássica
Obs: Imputabilidade, por
(Cariz
Conduta + Nexo + Excludentes de ser um elemento
Ontológico)
Resultado Ilicitudes valorativo, era um
pressuposto, e não
propriamente um
elemento.
Culpabilidade (psicológica-
Tipicidade Ilicitude
normativa)
* Imputabilidade (não há
Excludentes de mais a preocupação de se
Teoria Ilicitudes contar com elementos
Neoclásica Obs.: Na teoria valorativos)
(Cariz Conduta + Nexo + dos elementos * Dolos Malus: dolo +
Axiológico) Resultado negativos do tipo, consciência da ilicitude
há uma junção (elemento valorativo)
entre tipicidade e * Culpa
ilicitude * Exigibilidade de Conduta
Diversa
Tipicidade Ilicitude Culpabilidade (normativa)
* Conduta + Nexo + * Imputabilidade
Teoria
Resultado *Potencial consciência da
Finalista Excludentes de
* Dolo (passa a ser ilicitude (a consciência da
(Cariz Ilicitudes
natural, sem cor, por ilicitude, é separada do
Ontológico)
não estar mais acoplado dolo, passando a ser a
à consciência da potencial)

15
ilicitude) *Exigibilidade de Conduta
* Culpa Diversa
Obs: o dolo vai para o
tipo em virtude da
própria ação final, o
deslocamento da culpa
acaba acompanhando
esse raciocínio
Tipicidade Ilicitude Reponsabilidade
*Ação + Nexo (Causal e
Nexo Jurídico) +
Culpabilidade:
Resultado
*Imputabilidade
*Dolo
*Potencial consciência da
Teoria *Culpa
ilicitude
Funcionalista Obs: a teoria de
Excludentes de Necessidade da Pena:
de Roxin imputação objetiva
Ilicitudes *Exigibilidade de Conduta
(Cariz preconiza a necessidade
Diversa é melhor
Axiológico) de nexo jurídico,
trabalhada enquanto
trabalhando com a
mecanismo de prevenção e
criação de um risco
função do próprio Direito
desaprovado e
Penal
realização do risco no
resultado

Para maior aprofundamento das várias teorias, vide ponto 9.a. De toda forma, resumidamente sob o viés da
dogmática, tem-se que:

1) A teoria Causal-Naturalista (Franz Von Liszt e Beling) parte de uma influência positivista, formalista e
naturalista, decorrente do método científico das ciências naturais (dedutivo), pretendendo uma divisão
bipartida do delito: uma parte objetiva (tipicidade e antijuridicidade) e outra subjetiva (culpabilidade:
imputabilidade e dolo/culpa).

2) A teoria Neokantista (Mezger) propôs agregar elementos normativos à estruturação analítica anterior,
partindo de um enfoque deontológico (e não ontológico), de modo que a definição dos conceitos depende
muito mais do sujeito que interpreta o objeto do objeto em si mesmo, ou seja, de acordo com Silva Sanchez,
houve o deslocamento do método explicativo (próprio das ciências naturais) para o método compreensivo
(próprio das ciências humanas); à época da filosofia neokantiana (meados do século XIX até o inicio do século
XX), também se desenvolveu a teoria dos elementos negativos do tipo (Frank e Radbruch), segundo a qual o
tipo penal já contém a antijuridicidade, compondo-se de duas partes - uma positiva (realização dos elementos
do tipo, no sentido tradicional) e uma negativa, que corresponde à ausência de causas de justificação -, a
tipicidade seria a própria essência da antijuridicidade (ratio essendi).

3) A Teoria Finalista (Hans Welzel) buscou frear o subjetivismo próprio da teoria neokantista, de modo a
estabelecer um conceito prévio de ação com base em estruturas logico-objetivas (as principais são a ação final
e o “livre arbítrio” presente na culpabilidade), evitando que o legislador/juiz exercite o poder de definir os
conceitos a partir de valores escolhidos de forma absoluta ou ilimitada. Parte de um enfoque ontológico, o
sujeito que interpreta o fenômeno apenas identifica as estruturas logico-objetivas da realidade e, a partir daí,
conclui qual é a regulação jurídica que se deve dar aos diferentes problemas penais (Silva-Sanchez).

4) A Teoria Social da ação (Johannes Wessels e Hans-Heinrich Jescheck), esta teoria acrescenta uma nova
dimensão: a relevância ou transcendência social da ação. “A conduta seria o comportamento humano

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voluntário psiquicamente dirigido a um fim socialmente reprovável”. Buscou conferir nova definição ao
conceito de conduta, de modo a incorporar elemento negativo implícito no tipo. Em um exame concreto, se a
conduta tem adequação social, deixa de ser típica. Embora tenha conseguido abarcar ação e omissão (uma vez
que esta precisa necessariamente depende de valoração), padeceu de excessiva vagueza ante a indefinição do
que seja transcendência ou relevância social, além de antecipar etapas valorativas que só seriam realizadas na
tipicidade (o que tornaria desnessária a própria teoria).

5) A Teoria Significativa da Ação (Vives Antón), seguindo os pensamentos de Wittgenstein (filosofia da


linguagem) e Habermas (teoria da ação comunicativa), identifica a ação como o 'sentido de um substrato
normativo'. De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, “essa concepção tem a pretensão de traçar uma nova
perspectiva dos conceitos e significados básicos do Direito Penal. Essa proposta de sistema penal repousa nos
princípios do liberalismo político e tem como pilares dois conceitos essenciais: ação e norma, unidos em sua
construção pela ideia fundamental de 'liberdade de ação'”. Para a os defensores da Teoria Significativa da Ação
(Vives Antón, Zugaldía Espinar e Paulo César Busato), não existiria um conceito ôntico-ontológico de conduta,
não havendo a possibilidade de um conceito de conduta humana válido para todas as diferentes espécies de
ações que o ser humano pode realizar. A ação humana seria relevante para o Direito Penal quando relacionada
a determinado tipo penal. A ação deve ser entendida a partir de seu significado, é necessário que seja
compreendida e interpretada conforme as normas. Não haveria um conceito ontológico (essência) e universal
(padrão) de ação, pois a norma é pressuposto que a define o que é ação.

6) As Teorias Funcionalistas são voltadas a um novo enfoque de sistematização e interpretação dos conceitos
de acordo com a função do Direito Penal. Como característica comum, há uma superação do método
dedutivo-abstrato para uma espécie de sistema aberto, em que se combinam considerações tópicas (voltadas
ao caso concreto) e abstratas (no campo da valoração). O sistema aberto de interpretação/estruturação do
crime permite: a combinação necessária de elementos externos ao Direito Penal, como a Política Criminal
(Roxin), ou perspectivas de cunho sociológico, como a teoria luhmaniana dos sistemas (Jakobs). Há um
afastamento da compreensão ontológica, de forma radical (Jakobs) ou moderada (Roxin), para dar ênfase à
atividade valorativa do sujeito, que estaria limitada não pelas categorias imanentes ao ser, mas por valores e
princípios de politica-criminal, direitos humanos e Estado Social e Democrático de Direito (Roxin), ou por um
fim de estabilização do sistema (Jakobs). Roxin, no entanto, mantém os limites do sentido ordinário de
linguagem, elementos de ordem ontológica, mas sempre sob a orientação politico- criminal. Jakobs, de sua
parte, absolutiza o funcionalismo. Nas palavras de Silva Sanchez e LFG, a referência a valorações politico-
criminais é a única forma de racionalizar o sistema penal (coibir relativismos e arbitrariedades do
legislador/julgador; reduzir a intervenção penal e sua intensidade aos limites necessários), diante das
inseguranças que os conceitos ontológicos produzem em uma sociedade plural e pluricultural. Um dos pontos
mais relevantes do funcionalismo é a integração de uma tipicidade material ao modelo já conhecido
(formal+subjetivo). Nesta categoria, há o aporte de princípios e teorias, a exemplo da teoria da imputação
objetiva (Roxin e Jakobs) e da tipicidade conglobante (Zaffaroni).

6.A) ROXIN. CONCEITO TELEOLÓGICO-FUNCIONAL, funcionalista-teleológico ou racionalfinal. Ênfase nos fins


e princípios da Politica-Criminal (rompe-se a barreira entre Direito Penal e Politica-Criminal) e nas funções de
prevenção geral e especial negativas, sendo que a estruturação da teoria do crime deve ter por fim a proteção
de bem jurídicos (não por outra razão, a teoria se estrutura sob elementos como a tipicidade material,
imputação objetiva, e a necessidade da pena para proteção do bem jurídico). O crime é dividido em
tipicidade, antijuridicidade e responsabilidade (culpabilidade + necessidade). Incide uma série de princípios de
Politica-Criminal e direitos humanos, que funcionam como guia da atividade valorativa/interpretativa, como o
princípio da intervenção mínima, a função da norma sob interpretação (prevenção geral de lesões ao bem
jurídico), além de uma teoria da imputação objetiva. Pela teoria da imputação objetiva, considerando que o
Direito Penal tem a função de proteger bens jurídicos, além da causalidade física, é necessária a causalidade
jurídica (criação de risco proibido + realização desse risco no resultado), raciocínio que precede a análise do
aspecto subjetivo da tipicidade (dolo/culpa). Por fim, a responsabilidade, que é formada pela culpabilidade,
além de necessidade concreta da pena para fins de prevenção do delito, aspecto individualizante da resposta

17
penal (fim de prevenção especial).

6.B) JAKOBS. CONCEITO FUNCIONALISTA SISTÊMICO. Para Jakobs, delito é toda violação da norma,
disfuncional as expectativas sociais de convivência. Delito e a frustração das expectativas normativas. Trabalha
com a ideia de papéis sociais, sendo que o Direito Penal haveria de atuar quando violada a confiança diante
do descumprimento de tais papéis. Há um radicalismo no aspecto valoratismo/axiológico, pois o intérprete
poderia moldar o sistema jurídico, inclusive desconsiderando garantias e a própria realidade, desde que isso
sirva à função do Direito do Penal. Pena seria a confirmação da vigência da norma. O Direito Penal existiria,
assim, para proteger a norma e, apenas por via indireta, os bens jurídicos. Seria um instrumento de
estabilização do sistema. Verifica-se, pois, uma ênfase na função de prevenção geral positiva da pena, no
simbolismo da intervenção penal para garantir um sentimento de preservação das normas e valores sociais.
Parte da teoria luhmaniana dos sistemas, em que a presença dos riscos (da convivência em sociedade e do
progresso) exige um mecanismo de estabilização, que seria o sentimento geral de eficácia das normas jurídicas
regulatórias. Jakobs divide o crime em tipicidade (formal, material e subjetiva), antijuridicidade e
culpabilidade. Na tipicidade material, utiliza-se da teoria da imputação objetiva com enfoque na representação
de funções, de papéis na sociedade, e no principio da confiança, o que reflete sua preocupação com os
sistemas e microssistemas. No campo da culpabilidade, propõe um exame da conduta de modo atrelado à
finalidade preventiva geral: culpável é o agente que tenha alternativa de comportamento, mas não se motivou
pelo respeito à norma. A principal crítica que se faz a essa teoria é de que pode servir a um Estado totalitário,
porque não se questiona o conteúdo das normas, os valores sociais a que se prestam. O sistema dogmático
não conta com valores e princípios orientadores e limitadores. O que vale é a estabilização do sistema, e não
a proteção da dignidade do ser humano, das garantias e direitos fundamentais do homem. Trata-se de um
modelo mais sociológico que dogmático-jurídico. A crítica foi agravada quando Jakobs passou a defender a
existência de dois Direitos Penais, um para o cidadão, com garantias; outro para o inimigo, sem garantias.

6.C) HASSEMER. CONCEITO FUNCIONALISTA DO CONTROLE SOCIAL. Direito Penal é meio formal de controle
social, para manutenção de determinada ordem social. Delito é a conduta desviada e pena é reação social
formal, sob garantias de Estado Democrático de Direito. O Direito Penal existe para cumprir essas funções
garantistas.

6.D) ZAFFARONI. FUNCIONALISMO REDUCIONISTA OU CONTENCIONISTA. Função do Direito Penal é reduzir


a violência do Estado de polícia, assim como sua seletividade inerente. Também tem a função de tornar o
poder punitivo menos irracional. Agrega à tipicidade a teoria da tipicidade conglobante, de forma que a
tipicidade penal seria formada pela tipicidade legal (ou formal) + tipicidade conglobante (antinormatividade,
violação da norma subjacente ao tipo). A antinormatividade exige uma interpretação sistematizada, de modo
a excluir a tipicidade de condutas que, embora descritas num tipo penal, são fomentadas por outras normas
jurídicas. Paulo Queiroz critica a coerência e necessidade de dita teoria, sob o argumento de que, em verdade,
não há sequer tipicidade formal nos casos citados por Zaffaroni, porque, mesmo num juízo de subsunção é
preciso fazer uso de uma interpretação sistematizada e teleológica, há uma exclusão justificada pelo estrito
cumprimento de dever legal, pois não ocorre a criação de um risco proibido.

6.E) LUIZ FLAVIO GOMES. Crime envolve tipicidade e antijuridicidade, sendo a culpabilidade um dos
fundamentos da pena. Ademais, somente há efetividade na norma quando há exigência de ameaça de pena
(punibilidade), que transforma o crime em fato punível. Dá especial ênfase ao princípio da ofensividade na
análise da tipicidade material, já que comunga da definição de delito como ofensa a bem jurídico relevante.
Propõe a exclusão da culpabilidade/punibilidade do conceito de crime para aperfeiçoar algumas questões
práticas: na receptação, haveria de se falar em crime anterior mesmo quando o furto fora praticado por menor;
quem auxilia filho a furtar o pai participaria de crime, só não estaria alcançado pela escusa absolutória; quem
auxilia embaixador estrangeiro a matar pessoa do país acreditante pratica crime, só não estaria alcançado pela
imunidade. Em outras palavras, a diferença é que, para uns, o crime não tera efetividade.

6.F) PAULO QUEIROZ. CONCEITO MONISTA-FUNCIONAL. Não haveria razão para a autonomia das etapas do

18
crime (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade), pois não passam de momentos, níveis ou graus de apuração
do caráter criminoso do fato. Defende o entrelacamento de tipicidade, ilicitude e culpabilidade: “a
exigibilidade de uma conduta diversa (conforme o direito) não é uma análise posterior, nem estranha à
verificação do injusto penal, nem é exclusividade da culpabilidade, visto que é contemporânea da própria
intervenção jurídico-penal, por ser uma consequência logica da natureza instrumental (ou funcional ou
preventiva) do direito penal. Mais ainda: é a exigibilidade, em face da normal motivabilidade, que determina,
em última análise, a atipicidade do fato (mas não só ela, pois contam, também, critérios de conveniência
politicocriminal) e a justificação de certos comportamentos (causas de exclusão de ilicitude)”. O autor explica
que diversas causas de exclusão de conduta, de atipicidade ou antijuridicidade se fundamentam na mesma
questão: norma penal carece do poder de motivar no caso concreto (a exemplo da coação física irresistível,
conduta sem dolo ou culpa, legitima defesa, etc.). Assim, a exigibilidade está presente em todos os outros
critérios, sendo o que se chama de culpabilidade mais um termo para designar casos em que o legislador
considera desnecessária a pena. A transferência de uma causa de justificação de um requisito ao outro não
tem qualquer repercussão prática, mas somente sistemática, como ocorreu com o dolo e a culpa (transferidos
para a tipicidade), como ocorre com o consentimento do ofendido que e, para alguns (Roxin), causa de
exclusão da tipicidade e, para muitos outros, de antijuridicidade. Trata-se, pois, de interpretação que, por ser
essencialmente subjetiva, gera divergências de toda espécie. Propõe que a teoria dos elementos negativos
do tipo seja revista “para compreender: a) a realização de todos os elementos do tipo; b) a ausência de
causas de justificação; e c) a ausência de causas de exclusão de culpabilidade”.

Contemporaneamente, é também importante apontar as contribuições de Ulrich Beck acerca da “sociedade


de riscos”, a qual se encontra ocupada pelo gerenciamento dos riscos criados em virtude do desenvolvimento
tecnológico, das transformações econômicas e sociais. Há, portanto, uma expansão do Direito Penal. Nesse
contexto, emerge uma nova dogmática que finda por aumentar o espectro de atuação penal com novos bens
jurídicos, principalmente difusos (meio ambiente, ordem econômica, ordem financeira, etc.), além da
necessidade de utilização de mecanismos próprios de combate à nova criminalidade: técnicas de imputação
de responsabilidade que antecipam a esfera de punibilidade a fases anteriores da conduta nas quais ainda não
há efetiva lesão ao bem tutelado (por exemplo, crime de preparação de atos terroristas); tipos penais de perigo
abstrato (modernamente, entende-se que a verificação do perigo ocorre “ex ante”, enquanto a conduta é
realizada / ao contrário do perigo concreto, no qual essa análise é realizada “ex post”, ou seja, após a realização
da conduta, verifica se houve perigo ao bem); utilização de normas penais em branco, etc.
Nessa nova dogmática, considerando que as teorias vigentes não apresentariam soluções satisfatórias ao
fenômeno, há duas propostas que se destacam: Direito de Intervenção (Hassemer) e o Direito Penal de Duas
Velocidades (Jesús-Maria Silva Sanchez):

1) Direito de Intervenção (Hassemer): o poder punitivo estatal deveria se limitar à estrutura clássica
do Direito Penal (perigo concreto + bens jurídicos individuais), ao passo que os problemas oriundos
da moderna socieade de risco seriam enfrentados pelo Direito de Intervenção, espécie de Direito
Administrativo Sancionador, que teria garantia menores, porém sanções também menores.

2) Direito Penal de Duas Velocidades (Jesús-Maria Silva Sanchez): haveria dois grandes blocos de
delitos/espectro de atuação do Direito Penal, que demandariam duas soluções (Direito Penal
Nuclear e Direito Penal Periférico). O Direito Penal Nuclear englobaria as infrações combatidas por
penas de prisão, enquanto que o Direito Penal Periférico seria apenado com outras espécies de
sanção penal. No Direito Penal Periférico, campo de atuação dos novos bens jurídicos e problemas
da modernidade, por suas próprias características (bens e danos difusos), seria possível maior
flexibilidade no que tange às garantias e aos critérios de imputação, o que seria contrabalanceado
por sanções menos drásticas.

11B. Direito penal negocial.

André Luís Mendes

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Atualizado em 02/09/18

I. Noções preliminares (conceituais)

• Negócio penal sob a perspectiva ampla (Suxberger): compreende os instrumentos de resposta para os
conflitos penais, como acordos despenalizadores para infrações de menor gravidade (transação penal e
suspensão condicional do processo), medidas de delação ou colaboração premiada, destinadas a facilitar a
produção probatória, possibilitando uma resposta mais rápida e efetiva, e o uso da barganha penal, que implica
a possibilidade de negociar uma pena menor, com assunção da culpa pelo fato e a evitação de todo o caminho
da instrução processual.
• Negócio penal sob as perspectivas instrumental e gerencial (Suxberger): Nos países de civil law, a introdução
de modelos de justiça penal negociada coincide com o período de expansão do direito penal que se inicia na
segunda metade século XX, a partir do crescimento da tutela penal em relação a bens jurídicos que, até então,
eram tratados unicamente nas searas cível e administrativa (negócio penal sob a perspectiva instrumental).
Tal contexto fez surgir o desafio de gerenciar conflitos, com foco em soluções mais eficientes e pragmáticas,
que permitissem a redução do custo financeiro do aparato estatal de justiça criminal, antecipando fases e,
portanto, diminuindo algumas atividades de persecução penal e atos processuais (negócio penal sob a
perspectiva gerencial).
Nesse contexto é que, em ordenamentos caracterizados pela adoção do sistema da civil law, surge a Justiça
consensual como alternativa ao sistema jurídico-penal, abrindo espaço, no campo penal e processual penal,
para negociação entre as partes. E, como opção político-criminal, vai-se abandonando a ideia de processo
penal puramente conflituoso e adotando bases de um processo penal mais consensual.

II. Evolução do tema no direito brasileiro (Vladimir Aras)

• Consenso na instância penal (bases iniciais): O consenso no processo penal remonta a 1988, quando a
Constituição da República deu as linhas gerais para que a Lei 9.099/95 viesse regular a composição civil (art.
74), a transação penal (arts. 72 e 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).
Posteriormente, veio a colaboração premiada como acordo, o que foi possível já com a edição da Lei 9.807/99
(Lei de Proteção às Testemunhas). No formato de delação, os primeiros acordos foram firmados no Brasil a
partir de dezembro de 2003, no caso Banestado.
As linhas estabelecidas pela prática forense, associadas às previsões embrionárias de colaboração premiadas
até então existentes na legislação (Código Penal, art. 159, § 4º; Crimes contra o Sistema Financeiro – Lei
7.492/86, art. 25, § 2º; Crimes contra a Ordem Tributária – Lei 8.137/90, art. 16, parágrafo único; Lei dos Crimes
Hediondos – Lei 8.072/90, art. 8º, parágrafo único; Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei 9.613/98, art. 1º, § 5º; Lei
de Drogas – Lei 11.343/2006, art. 41), foram levadas em conta pelo Congresso Nacional, quando aprovou a Lei
12.850/13, que regula em mais detalhes o procedimento consensual como meio especial de obtenção de
provas para o enfrentamento de organizações criminosas e crimes transnacionais.

• Consenso na instância civil: Antes de sua expansão no campo do direito público, o consenso ganhou mais
espaço no processo civil, que dele sempre se beneficiou. Com a edição da Lei 7.347/1985 (ACP), alterada pelo
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), tornou-se comum a formalização pelo Ministério Público
de termos de ajustamento de conduta (TAC), para solução de conflitos em torno de direitos individuais
indisponíveis, coletivos e difusos (art. 5, § 6°).
Notou-se já aí um protagonismo do Ministério Público brasileiro na solução de conflitos por meios
extrajudiciais.

• Consenso na instância administrativa: Simultaneamente, na instância administrativa, deu-se similar


expansão. Primeiro, vieram os acordos de leniência da Lei 10.149/00, que alterou a Lei 8.884/94 (Lei
Antitruste). Mais tarde, o modelo de leniência administrativa se consolidou no sistema brasileiro de defesa
da concorrência, com a Lei 12.529/11, sob a responsabilidade do CADE.
Logo em seguida, sobreveio a Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção Empresarial), que dá às advocacias de Estado

20
(como a AGU e as Procuradorias dos Estados) e aos órgãos de controle interno (como a CGU e as controladorias
estaduais e municipais, onde existam) das unidades federadas a possibilidade de formalizar acordos de
leniência em matéria anticorrupção.
A Lei 13.129/15 e a Lei 13.140/15 ampliaram ainda mais a diretriz consensual no direito público brasileiro, na
medida em que permitiram a utilização da autocomposição e da arbitragem pela Administração Pública, em
harmonia com a principiologia do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15).
Desde a década anterior, quando entraram em vigor as primeiras leis de delação premiada, já se discutia a
possibilidade de transação em casos de improbidade administrativa. O debate ficou por muito tempo
interditado em função da vedação presente no §1º do art. 17 da Lei 8.429/1992 (LIA).
Com a deflagração do caso Lava Jato em março de 2014, com a evidente imbricação de temas penais e não
penais de corrupção, tornou-se urgente a implantação de soluções negociadas também em casos de
improbidade administrativa.
Réus colaboradores, que se beneficiariam da nova Lei 12.850/13 resistiriam, com razão, a formalizar acordos
penais, dado o risco de serem acionados por improbidade administrativa na esfera cível, com evidentes
repercussões sobre pessoas jurídicas a eles vinculadas que estivessem também envolvidas em atos de
improbidade.
Uma das iniciativas adotadas foi a revogação do referido §1º pela Medida Provisória nº 703, de 2015, que,
todavia, logo depois perdeu sua eficácia.
A partir de uma abordagem principiológica, da inspiração no direito comparado e no direito internacional e da
adoção de critérios de razoabilidade da atuação do Estado, os primeiros acordos de leniência foram então
formalizados pelo MPF em Curitiba, no contexto do caso Lava Jato.
Tais TACs para improbidade passaram a ser homologados pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF,
que, na sequência, aprovou sua Orientação 7/2017 sobre acordos de leniência.
Este quadro impulsionou a adoção desse modelo consensual no âmbito judicial, que se conecta com a leniência
administrativa, tanto da Lei 12.529/2011 quanto da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial), na qual
os acordos de leniência são manejados pela AGU e pela CGU. A leniência processual do Ministério Público se
coloca tanto no contexto da LIA (1992) quanto no da LACE (2013).

• Novo marco da justiça consensual: acordos de não-persecução penal. Faltava um passo fundamental nessa
evolução: a adoção de acordos penais fora dos marcos da transação penal (o menos – por focar em
contravenções e infrações de menor potencial ofensivo) e da colaboração premiada (o mais – por se direcionar
à produção probatória contra terceiro, no contexto de crimes graves).
Apesar da paulatina adoção de práticas de Justiça Restaurativa no Brasil (forma de autocomposição),
estimuladas pela Resolução 118/2014-CNMP e pela Resolução 225/2016-CNJ, o sistema de justiça criminal
brasileiro ainda carecia de acordos de simples confissão penal, formalizados antes do início do processo penal,
mas sob controle judicial, destinados ao ajustamento da lide ou do conflito penal sem processo “tradicional”,
mediante simples assunção de obrigações civis de fazer, não fazer ou dar.
Diante da necessidade de superar o modelo característico do princípio da obrigatoriedade da ação penal, foi
regulado, por meio da Resolução 181/2017-CNMP, alterada pela Resolução 183/2018-CNMP, o acordo de não-
persecução penal, de cunho bilateral, fundado no art. 129, I, da CRFB/88, no art. 28 do CPP, no art. 3º do CPP
(c/c o art. 3º do CPP) e noutros dispositivos legais e convencionais que lhes dão seus fundamentos de
constitucionalidade e legalidade.
Foram propostas ADIs, uma de iniciativa da OAB e outra de autoria da AMB, contra a Resolução 181/2017, o
que pode ser sinal de reação de setores do Judiciário à justiça consensual e, mais do que isto, ao modelo
acusatório de processo penal.

III. Requisitos gerais (positivos e negativos) dos acordos de não-persecução penal

Requisitos positivos. De acordo com o art. 18 da Resolução 181/2017, na redação dada pela Resolução
183/2018, o acordo de não-persecução penal poderá ser proposto quando, (a) cominada pena mínima inferior
a 4 anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis) e (b) o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça a pessoa, (c) o investigado tiver confessado formal e circunstancialmente a sua

21
prática, na presença de defensor, (d) e assumir o cumprimento das seguintes condições, alternativa ou
cumulativamente:
• reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;
• renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto
ou proveito do crime;
• prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada
ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público;
• pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou
de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada
preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes
aos aparentemente lesados pelo delito;
• cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a
infração penal aparentemente praticada.

Requisitos negativos. Não será cabível a proposta nos casos em que:


• for cabível a transação penal, nos termos da lei;
• o dano causado for superior a vinte salários mínimos ou a parâmetro econômico diverso definido pelo
respectivo órgão de revisão, nos termos da regulamentação local;
• o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei 9.099/95;
• o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal;
(Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)
• o delito for hediondo ou equiparado e nos casos de incidência da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha);
• a celebração do acordo não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do
crime;
• trate-se de delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina.

Firmado o acordo pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor, a vítima será
comunicada e os autos serão submetidos à apreciação judicial. Se o juiz considerar o acordo cabível e as
condições adequadas e suficientes, devolverá os autos ao Ministério Público para sua implementação. Se o
juiz, todavia, considerar incabível o acordo, bem como inadequadas ou insuficientes as condições celebradas,
fará remessa dos autos ao procurador-geral ou órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos
termos da legislação vigente.

IV. Constitucionalidade do acordo de não-persecução penal

A despeito das ADIs ajuizadas, a constitucionalidade da Resolução 181/2017, na compreensão da 2ªCCR/MPF


(cf. Nota Técnica Conjunta PGR/SRI 102/2018, Voto 2958/2018, v.g.), embasa-se, em meio a outros suportes,
nos seguintes fundamentos:
• Acordo penal e Direito comparado. Apesar de originalmente o acordo penal não integrar o modelo clássico
de processo penal dos sistemas fundados no civil law, a ideia de acordo entre a acusação e o acusado é
incentivada em países da Europa Continental, a exemplo da Alemanha, Itália, Portugal e Espanha. Na
Alemanha, por exemplo, a possibilidade de acordo surgiu mesmo sem previsão em lei, em decorrência de
práticas informais dos promotores, que constataram a incapacidade do sistema processar todos os casos; essa
prática de celebrar acordos, posteriormente, acabou sendo chancelada pela Suprema Corte alemã que
conheceu a sua constitucionalidade, ainda que sem previsão em lei.
• Compatibilidade do instituto com o entendimento da CEDH. A Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso
Natsvlishvili and Togonidze v. Georgia (2004), reafirmou a legalidade e defendeu a utilidade dos acordos no
processo penal e a simplificação processual para o direito penal; confirmou a ideia de que a negociação entre
as partes do processo penal, além de oferecer importantes benefícios de finalização mais rápida de processos
criminais e de aliviar a carga de trabalho dos Tribunais, também pode ser, se aplicada corretamente, uma
ferramenta bem sucedida no combate à corrupção e ao crime organizado e pode contribuir para a redução do
número de condenações e, consequentemente, para o número de presos; asseverou que a renúncia a direitos

22
processuais, não é problema em si mesmo, uma vez que a legislação não impede uma pessoa de renunciar a
essas garantias, se realizada em decorrência de sua própria vontade. No entanto, estabeleceu que a renúncia
deve ser sempre acompanhada de garantias mínimas proporcionais à sua importância; e recomendou regras
mínimas de observância para a validade do acordo, a exemplo do controle adequado do caso por um juiz; do
acompanhamento da defesa técnica em todos os atos de negociação; e da necessidade do reconhecimento da
culpabilidade do acusado ser voluntária e livre de qualquer pressão.
• Opção política criminal legítima, no cenário brasileiro, a cargo do Ministério Público. Se o MP detém o
monopólio da ação penal pública, por expressa disposição constitucional (CRFB/88, art. 129, I), também possui
o poder discricionário de negociar ajustes em troca da não deflagração da ação penal. Com efeito, a política
criminal não está presente apenas no momento inicial da política adotada pelos chefes do Poder Executivo,
mas também nas demandas que deságuam no Poder Judiciário. Nesse sentido, o membro do MP, quando
cotidianamente elege as diretrizes político-criminais de sua atuação, acaba por decidir os rumos
interpretativos de cada impulso da justiça criminal. E é nesse contexto que o acordo penal ganha relevo, vez
que a adoção de instituto que visa a tornar a justiça criminal mais célere e direcionada a investigações que
envolvam crimes mais graves e complexos traz resultados substanciais ao funcionamento do sistema criminal
como um todo.
• Prestígio aos princípios constitucionais da eficiência, da proporcionalidade, da celeridade e da igualdade.
A diretriz totalitária de que todo e qualquer delito deve ser levado a julgamento se esgarçou e mostrou-se
economicamente inviável e inviabilizadora das ideias de justiça e eficiência da persecução criminal. Essa
percepção fez surgir o moderno movimento que estabelece critérios de oportunidade da ação penal
(“prosecutorial discretion” –discricionariedade regrada), em ordem a permitir que o Ministério Público deixe
de perseguir judicialmente certas infrações, especialmente as de pequeno e médio potencial ofensivo. Nesse
sentido, como bússola orientadora do agir do Ministério Público nas democracias e nas sociedades de risco,
emerge o princípio da oportunidade, que se acha fundado: (i) “em razões de igualdade, pois corrige as
desigualdades do processo de seleção”; (ii) “em razões de eficácia, dado que permite excluir causas carentes
de importância, que impedem que o sistema penal se ocupe de assuntos mais graves”; (iii) “em razões
derivadas da atual concepção de pena [teorias da prevenção geral e especial, que vinculam a aplicação da pena
às necessidades sociais e à sua utilidade], já que o princípio da legalidade entendido em sentido estrito
(excludente da oportunidade), somente conjuga uma teoria retributivista de pena” (Barja de Quiroga).
• Medida de caráter político-criminal consonante, inclusive, com o estado de coisas inconstitucional do
sistema prisional. De fato, a par de resguardar a persecução penal em juízo efetivamente para crimes mais
graves, a solução institucional vai ao encontro da determinação veiculada na ADPF 347 (MC), que reconheceu
o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro.
• O acordo de não-persecução penal, inclusive por figurar como instituto benéfico, dispensa a observância
à estrita legalidade. O acordo não amplia o poder punitivo do Estado. Ao contrário: trata-se de instituto que
beneficia o implicado que, além da diminuição da pena, não experimentará qualquer sentença penal
condenatória contra si proferida. A extensão de institutos penais benéficos, a propósito, é prática comum na
dogmática penal brasileira, bastando lembrar o que ocorre, por exemplo, com o pagamento de cheque sem
fundos antes do recebimento da denuncia (Enunciado 554-STF).
• A Resolução 181/2017, de qualquer modo, figura como ato normativo primário. O STF já reconheceu que
as resoluções do CNJ – e, por simetria lógica, as do CNMP – ostentam caráter normativo primário (STF, ADC
12). Desse modo, o CNJ e o CNMP, no exercício de suas atribuições administrativas, ostentam o poder de
expedir atos regulamentares. Esses, por sua vez, são atos de comando abstrato que dirigem aos seus
destinatários comandos e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão (STF, MS 27621).
Nessa linha, à semelhança das audiências de custódia – disciplinadas por resolução do CNJ, inclusive com
fixação de prazos e condições para apresentação de presos à audiência –, embora careça de legislação
específica, a normativa deve ser compreendida como ato primário, notadamente por propor regulamentar e
aplicar diretamente dispositivos constitucionais intrinsecamente relacionados à atuação do MP e decorrentes
do sistema acusatório instituído pela Constituição da República.
• A autorização para a celebração de acordo não consubstancia, ademais, norma de direito processual. Isso
porque se limita a disciplinar questões prévias ao processo penal e externas ao exercício da jurisdição. Da
mesma forma que a transação penal (que guarda semelhanças com o acordo) é compreendida como uma fase

23
administrativa em que não há sequer acusado e o processo jurisdicional não se iniciou, o acordo há de ser
concebido no âmbito meramente administrativo do PIC do Ministério Público. Logo, a regulamentação do
acordo por Resolução não constitui invasão da competência legislativa da União para tratar de matéria
processual (CRFB/88, art. 22, I).
• Normatização em conformidade com as garantais e os princípios constitucionais. Não há obrigatoridade
legal para que o investigado adira ao acordo. Assim, suas garantias permanecem preservadas e, por
consequência, não há que se cogitar em ofensa: (a) ao princípio do juiz natural: a atividade negocial ou de
barganha não é da competência do juiz, mas sim atribuição do MP, de (não) exercício da ação penal
(consectário do art. 129, I, da CRFB/88); ademais, o juiz natural participará do procedimento negocial, uma vez
que lhe cabe homologar o ajuste entre o MP e o investigado; (b) ao princípio do contraditório e da ampla
defesa: o acusado não está renunciando ao direito de defesa, mas o exercendo, segundo a sua autonomia de
vontade, escolhendo não se submeter a um processo judicial em prol de benefícios previamente ajustados (há,
portanto, escolha da via de defesa mais adequada a sua situação); (c) à garantia contra a autoincriminação: na
medida em que, se o réu não desejar exercer o seu direito ao silêncio ou a ele renunciar, poderá negociar sua
confissão e ser “recompensado” pelo sistema criminal, por meio dos institutos da colaboração premiada e da
confissão espontânea e dos acordos penais.

3A. Políticas Criminais e Políticas de Segurança Pública: Tendências Contemporâneas.

Mariana Barreto
Obras consultadas: Graal 28CPR. (https://www.politize.com.br/seguranca-publica-brasileira-entenda/), acesso em 08.10.18
Legislação: Lei 13.675/18.

1-Política criminal: é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta
de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos
aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do
infrator. É a forma de resposta ao crime, criada pela sociedade com o intuito de punir de maneira adequada o
indivíduo que infringe as leis. A política criminal deve atuar de maneira preventiva e repressiva, seja na
elaboração legislativa ou da aplicação e execução da disposição normativa.
Uma política criminal racional deverá ser norteada pelo princípio da proporcionalidade, com intervenção
mínima, e utilizando o direito penal como última ratio. Nela há observância aos Direitos Humanos em sua
máxima amplitude, a preservação das garantias fundamentais, a preocupação com as vítimas, com vistas à
reparação do dano quando for efetivamente possível e proteção dos seus direitos violados, em observância
ao Princípio da Proibição da Proteção Deficiente, afim de que se possam concretizar os anseios compatíveis
aos ditames do Estado Democrático de Direto, através do combate à criminalidade de forma equilibrada.

2-Tipos de Política Criminal:


a) Política criminal de emergência: Este novo paradigma político-criminal tem como consequência a luta
contra o terrorismo e o processo de estigmatização aos imigrantes. É o fator que justifica e legitima o uso do
direito penal de terceira velocidade, ou seja, na sua forma mais endurecida. A Política Criminal de Emergência
toma como parâmetro situações fáticas isoladas e de grande repercussão social, as quais formalizaram
movimentos político-criminais, como o Lei e Ordem, também conhecido como neorrealismo de direita.
b) Política criminal Lei e Ordem (Law and Order): Esse movimento credita o aumento da criminalidade ao
tratamento excessivamente benigno que a lei dedica ao criminoso. A violência somente pode ser reprimida
pelo recrudescimento do sistema penal, com a edição de leis mais severas e imposição de penas privativas de
liberdade mais longas e, até, pena de morte. São seus postulados: a) a pena retoma o caráter de castigo e
retribuição que apresentava no seu início histórico; b) crimes graves requerem punições severas (longa
privação de liberdade ou morte), a serem cumpridas em estabelecimentos penais de segurança máxima, em
regime especial de severidade; c) resposta imediata ao crime, com ampliação da prisão provisória; d) a
execução da pena deve ficar a cargo, quase que exclusivamente, da autoridade penitenciária, restringindo-se
o controle judicial. Essa Política Criminal encontra sua melhor expressão no movimento "Tolerância Zero"
adotado pelo prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, e que "defende a luta contra a grande violência criminal

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através de uma repressão severa e da perseguição à pequena delinquência e aos comportamentos incivis que
seriam seus sinais anunciadores" (WACQUANT, 2000:111).
c) Nova Defesa Social: caracteriza-se por: a) Constante exame crítico das instituições vigentes, com vistas a
sua atualização e melhoria e, em sendo necessárias, sua reforma ou abolição; b) Visão multidisciplinar,
vinculando-se a todos os ramos do saber humano, que possam contribuir para uma completa visualização do
fenômeno criminal; c) Instituição de um sistema de política criminal garantidor dos direitos humanos e
promovedor dos valores essenciais da humanidade. Além desses postulados básicos, a Nova Defesa Social
prega a proteção à vítima e aos grupos marginalizados. Repudia a pena de morte e o uso indiscriminado da
pena privativa de liberdade. Prega a descriminalização dos delitos leves e a criminalização dos crimes contra a
economia, contra os interesses difusos e da chamada criminalidade estatal (abuso de poder, corrupção etc.).
Reconhece a falência da pena enquanto meio ressocializador. "A atividade socializadora consiste na colocação,
à disposição do condenado, do maior número possível de condições que permitam a este, voluntariamente,
não voltar a delinquir." (ARAUJO Jr., 1991:70)
d) Nova Criminologia: Combate o aumento da criminalidade com recrudescimento do tratamento que a lei
dedica ao criminoso. A violência somente pode ser reprimida com a edição de leis mais severas e imposição
de penas privativas de liberdade mais longas e, até, pena de morte. São seus postulados: a) a pena retoma o
caráter de castigo e retribuição que apresentava no seu início histórico; b) crimes graves requerem punições
severas (longa privação de liberdade ou morte), a serem cumpridas em estabelecimentos penais de segurança
máxima, em regime especial de severidade; c) resposta imediata ao crime, com ampliação da prisão provisória;
d) a execução da pena deve ficar a cargo, quase que exclusivamente, da autoridade penitenciária, restringindo-
se o controle judicial.
Hodiernamente no Brasil, pode-se afirmar a ingerência de dois movimentos de política criminal: o modelo
que permite a expansão do direito penal, ou seja, os movimentos de neocriminalização e endurecimento
penal; bem como o movimento minimalista, o qual, por sua vez, compreende o direito penal como sendo um
instrumento de ultima ratio.

3-PolÍtica Criminal no Direito penal econômico:


a. Abordagem criminológica ao direito penal econômico: Em oposição à teoria do delinquente clássico,
Sutherland desenvolveu a Teoria da Associação Diferencial, que se fundamenta na premissa de que o
“comportamento criminoso é consequência de um processo que se desenvolve no meio de um grupo social”,
tendo como principal elemento a aprendizagem. Nessa linha de raciocínio, como desdobramento da teoria
anterior, Sutherland desenvolveu a Teoria do criminoso do colarinho-branco (White-collar crime), como
sendo aquele “cometido por uma pessoa de respeitabilidade e status social elevado, no curso de sua ocupação
profissional”. A doutrina acrescenta ainda os seguintes elementos: a) danosidade social (com vitimização
difusa); b) impunidade da conduta; c) ausência de notoriedade do fato. Hoje, segundo Gueiros, a delinquência
econômica atinge todas as camadas sociais, embora mais intensa nos estratos superiores, com maior poder
aquisitivo. Gueiros, então, arremata que “o original criminoso do colarinho branco não se considera criminoso”
e também não é visto como tal pela comunidade científica e pelos práticos da justiça criminal que, por vezes,
demonstram terem dificuldades em identificar tais ações como efetivamente merecedoras de reprovação
penal. Com isso, produzem teses deslegitimadoras, que acarretam impunidade.
b. Abordagem Dogmática ao Direito Penal Econômico: Gueiros sustenta que há uma autonomia relativa do
Direito Penal Econômico em relação ao Direito Penal Nuclear (tradicional), em razão de peculiaridades daquele
em face deste último, tais como: a) bens jurídicos supraindividuais ou coletivos e correspondente utilização de
delitos de perigo abstrato; b) técnicas especiais de tipificação (leis penais em branco e elementos normativos
do tipo) e erro de proibição; c) critérios específicos de autoria e participação nos crimes empresariais; d)
responsabilidade penal da pessoa jurídica; e) escolha da sanção adequada ao delinquente econômico. O
conceito de direito penal econômico é controvertido. Gueiros filia-se a corrente segundo a qual o Direito Penal
Econômico segue a “disjuntiva ampla e estrita.” Em sentido estrito, é “a infração jurídico-penal que lesiona ou
põe em perigo a ordem econômica entendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na
economia de um país”. Em sentido amplo, compreende todo o processo econômico. No mais, segundo Luis
Arroyo Zapateiro, citado por Gueiros, as infrações no direito econômico, em observância ao princípio da ultima
ratio, devem assegurar: a) A capacidade de intervenção financeira do Estado frente à diminuição fraudulenta

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de seus ingressos fiscais e de seguridade social, bem como a obtenção e desfrute, sem fraudes, de suas
subvenções e prestações; b) As regras, estabelecidas por disposições legais, de comportamento dos agentes
econômicos nos mercados e; c) Os bens e direitos específicos da participação dos indivíduos como agentes da
vida econômica.
c. Abordagem político-criminal: Há três correntes (Deslegitimadora, intermediária e legitimadora). A primeira,
oriunda da Escola de Frankfurt e fundada num discurso reducionista, sustenta que a expansão do direito penal
implica sacrifício de garantias essenciais do Estado de Direito, de modo que muitos a associam com o
garantismo penal de Ferrajoli. Referida corrente possui muitos adeptos no Brasil, que se esmeram em criar
teses a favor do alto empresariado, banqueiros e os homens de negócios para afastar a aplicação da lei penal.
Já a posição intermediária, ou modelo dual, desenvolvida por Jesús-María Silva Sánchez (direito penal de duas
velocidades), afirma que a expansão do direito penal decorre, “também, de profundas transformações
vinculadas às expectativas que amplas camadas sociais têm em relação ao papel que cabe ao Direito Penal”,
ou seja, mais proteção. Com isso, formam-se dois blocos do direito penal. No primeiro, para o criminoso
clássico, aplicar-se-iam penas privativas de liberdade, enquanto no segundo, no qual se insere o direito penal
econômico, aplicar-se-iam penas de multa e restritivas de direito. A posição legitimadora, perfilhada por
Gueiros, especialmente no direito penal econômico, decorre da modernização do direito penal, que deve
abranger o “enfrentamento de grandes questões econômicas”, de natureza difusa, da sociedade moderna,
de modo a reprimir as condutas criminosas de “camadas mais elevadas” da sociedade.

4-Políticas de segurança pública: mecanismos e estratégias de controle social e enfrentamento da violência e


da criminalidade, racionalizando as ferramentas da punição. São elaborados os mecanismos e as estratégias
de enfrentamento da violência e da criminalidade que afetam o meio social. Política de segurança pública é
expressão referente às atividades tipicamente policiais, correspondendo à atuação policial strictu sensu, ao
passo que política pública de segurança engloba as diversas ações, governamentais ou não-governamentais,
que sofrem ou causam impacto no problema da criminalidade e da violência. Na política de segurança pública
estão incluídas atuações policiais e políticas sociais – ações preventivas e repressivas, portanto, conjugadas ou
não –, desde que voltadas especificamente para fins de manutenção da ordem pública.
4.1.Classificação: didaticamente tomam-se situações extremas, admitindo-se soluções intermediárias do tipo
política de segurança pública regional.
A) Minimalistas: a atuação estatal é fortemente focada em um ou poucos tipos de ações estatais de
controle da criminalidade. Exemplo dessa política é a que enfatiza e se basta na ação policial, ou que entende
que as expectativas de manutenção da ordem pública são satisfeitas com a introdução de penas mais severas,
ou; Maximalistas: é aquela que enfatiza a adoção de combinações de tipos de ações estatais, sem afastar a
possibilidade de conjugação com ações privadas. Nela a ação policial é importante, mas não suficiente,
devendo estar harmonizada com outras atividades.
B) Gerais (abrangentes): prevendo uma mesma estratégia sobre todo um território, ou; Locais: ações
particularizadas de acordo com as necessidades de manutenção da ordem pú- blica regional ou local.
C) Distributivas: implicam intervenções estatais de baixo grau de conflito, uma vez que um grande
número de indivíduos se beneficia sem custos aparentes. Ex. formação profissional de jovens de baixa renda
como forma de afastá-los da marginalidade, ou; Redistributivas: foca o deslocamento de recursos de toda
ordem para beneficiar certas camadas sociais ou grupos da sociedade, gerando descontentamento revelado
na polarização e costumeiro conflito do processo político. Tal ocorre, por exemplo, quando se decide pela
intensificação de melhorias urbanas gerais em certas localidades, provocando a contrariedade em outras.
D) Reguladoras: trabalham com ordens e proibições, decretos e portarias. Frequentemente seus
objetivos são evitar comportamentos considerados negativos, ou; Constitutivas (estruturadoras):
relacionadas à criação, modificação e modelação de instituições, bem como a determinação e configuração
dos processos de negociação, de cooperação e de consulta entre os atores políticos.
E) Preventivas ou reativas: política de segurança pública preventiva primária aquela elaborada com o
objetivo de manter a criminalidade em nível condizente com a estabilidade social. Caso ocorra o desequilíbrio,
faz-se então presente a política de segurança pública reativa, que, por sua vez, se subdivide em: repressiva,
que visa retornar a criminalidade ao patamar desejado; e preventiva secundária, que evita que os índices de
criminalidade novamente ultrapassem o nível de estabilidade. Certo é que a política de segurança pública

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reativa não é necessariamente repressiva, enquanto a preventiva secundária resulta de situações de
desequilíbrio anterior. Na secundária, são previstos mecanismos de atuação especial sobre as causas do
desequilíbrio preexistente, de forma tal que a criminalidade fica contida no desejado. A preventiva secundária
decorre do fato que o desequilíbrio social provoca desequilíbrio na criminalidade tanto quanto a criminalidade
provoca desequilíbrio social.
F) Estruturais: visa alcançar ou manter a ordem pública mediante ações sobre macroestruturas
socioeconômicas. Essa política estrutural tem como característica normalmente observada demandar longo
prazo para operar efeitos, que tendem a ser duradouros ou; Tópicas (superficiais): ocasiões de pronta-
resposta à variação indesejada da criminalidade, sendo utilizada notadamente quando concebida ordem
pública como oposto de desordem, nas ocasiões em que a criminalidade dá sinais de desequilíbrio. Neste caso,
os resultados são colhidos no curto prazo, mas seus efeitos normalmente não perduram além do tempo
necessário ao reequilíbrio da criminalidade.
G) Multissetoriais: o Estado elabora diretrizes que dependem de ações distribuídas por diversos
segmentos, públicos ou privados (– educação, família, sistema prisional, etc), podem estar envolvidos de forma
tal que atuem separada ou concatenadamente ou; Específicas: ações acentuadas num único setor ou se vale
da atuação destacada de um único órgão.
H) Contínua: é aquela que especifica atuações ao longo do tempo, ou seja, considera a variável do tempo;
Emergencial: não é aquela feita às pressas, mas sim elaborada com antecedência, prevendo instrumentos de
pronta ação em determinado momento, quando necessário for, para restabelecer a ordem pública. Neste caso,
trata-se de mecanismos de recuperação, alcance ou manutenção da ordem. É uma política para
implementação em curto espaço de tempo e com efeitos imediatos (política de segurança pública de
mecanismos emergenciais).

4.2 A Política de Segurança Pública no Brasil:


A Constituição Federal traz poucas disposições quanto a matéria, muito em razão da transição de um
regime de exceção para o regime democrático.
As políticas de segurança pública no Brasil têm sido, em regra, pensadas e implementadas de forma
fragmentada e pouco planejada. No sistema federativo brasileiro, as competências estatais estão divididas
entre diferentes esferas de governo, diferenciadas entre si no que se refere às suas instituições, seus recursos
financeiros, humanos e políticos, e sua relação com a sociedade civil. Isso torna o tema da segurança pública
ainda mais complexo. A distribuição de poder entre os níveis de governo e o tipo de relação estabelecida entre
eles são decisivos para a definição das ações que serão adotadas na área de segurança pública, determinando
desde seus conteúdos até a maneira e momento oportunos de executá-las.
Desde 2003, a política de segurança pública em âmbito nacional vem avançando muito através de diversas
reformulações. Inicialmente, os esforços se concentraram na implementação do Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP). A experiência das políticas públicas da área da saúde serve de exemplo para a segurança, que
passa a integrar as ações federais, estaduais e municipais, preservando a autonomia federativa assegurada na
Constituição Federal e atribuindo coerência sistêmica às políticas da área.
Para a consolidação desse novo paradigma no País, o governo federal deu início, em 2007, ao Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Em sua estrutura, o Pronasci apresenta-se como
uma política de segurança pública, baseada em princípios democráticos, interdisciplinares e humanitários,
tendo em vista a participação da sociedade na construção de uma cultura de paz, a médio e a longo prazo.
Adota um conjunto de medidas que objetivam a imediata diminuição da violência e da criminalidade, por meio
da implementação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em áreas urbanas consideradas de elevados
índices de criminalidade e violência.
Entre os itens priorizados, estão: o desarmamento, a participação social, os conselhos comunitários de
segurança, a importância dos municípios como gestores da política de segurança pública, o policiamento
comunitário, a valorização profissional, o enfrentamento do preconceito, o acesso à justiça, a priorização das
penas e medidas alternativas, a cultura de paz e o fortalecimento do SUSP e do Pronasci.
Os valores consensuais em pauta – que o Pronasci endossa e enfatiza – são os seguintes: direitos humanos
e eficiência policial não se opõem; pelo contrário, são mutuamente necessários, pois não há eficiência policial
sem respeito aos direitos humanos, assim como a vigência desses direitos depende da garantia oferecida, em

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última instância, pela eficiência policial. Tampouco é pertinente opor prevenção à repressão qualificada;
ambas as modalidades de ação do Estado são legítimas e úteis, dependendo do contexto. A polícia cumpre
papel histórico fundamental na construção da democracia, cabendo-lhe proteger direitos e liberdades. Nesse
sentido, empregar a força comedida, proporcional ao risco representado pela resistência alheia à autoridade
policial, impedindo a agressão ou qualquer ato lesivo a terceiros, não significa reprimir a liberdade de quem
perpetra a violência, mas preservar direitos e liberdades das vítimas potenciais. Assim, aprimoramento do
aparelho policial e aperfeiçoamento da educação pública não devem constituir objetos alternativos e
excludentes de investimento estatal. Não se edifica uma sociedade democrática sem igualdade no acesso à
Justiça, a qual depende da qualidade e da orientação das polícias (e das demais instituições do sistema de
Justiça criminal) e da equidade no acesso à educação.
O Pronasci baseia-se em intervenções articuladas com estados e municípios e tem o mérito de valorizar a
contribuição dos municípios para a segurança pública, rompendo os preconceitos restritivos, oriundos de uma
leitura limitada do artigo 144 da Constituição – contribuição que não se esgota na criação de Guardas Civis;
mas estende-se também à implantação de políticas sociais preventivas.
Como é de conhecimento e se pode perceber, a segurança pública no Brasil consiste em um problema
grave. Na teoria, pensar em segurança envolve os órgãos policiais e o Corpo de Bombeiros, além do Ministério
da Justiça, controle de fronteiras e sistema carcerário, por exemplo. Na prática, e no nosso recorte de
segurança pública nas ruas, o termo é reduzido e diretamente associado à Polícia Militar. Mas a segurança
pública é exercida por todos os agentes do art. 144, CF.
As políticas de segurança pública no Brasil devem ser intersetoriais, com a implementação de políticas
públicas que englobam o investimento não só em policiamento, mas também em esporte, lazer, educação,
saúde e acesso ao trabalho, por exemplo. Tudo está conectado e, portanto, não se diminui a violência nas
cidades sem que haja ações de melhoria na qualidade de vida dos principais atores que a promovem. A
violência no Brasil ocorre em todas as classes sociais, logo, as políticas públicas e a ação do Estado devem
envolver desde os bairros de elite, até as comunidades mais vulneráveis.
Neste diapasão, em 2018 foi promulgada a Lei 13.675 que prevê a criação do Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP) acima referido. O SUSP objetiva a integração dos órgãos nacionais de segurança, como as
polícias, secretarias estaduais de segurança e guardas municipais, para que atuem de forma cooperativa e
sistêmica. O SUSP tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos
órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais
e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de
forma cooperativa, sistêmica e harmônica. São integrantes estratégicos do SUSP: a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos e os Conselhos de Segurança
Pública e Defesa Social dos três entes federados. São integrantes operacionais do SUSP: polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais, órgãos
do sistema penitenciário, institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação, Secretaria Nacional
de Segurança Pública (Senasp), Secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres, Secretaria Nacional
de Proteção e Defesa Civil (Sedec), Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (Senad), agentes de trânsito,
guarda portuária.
Além disso, esta lei também institui a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), que
propõe a ação conjunta da sociedade e dos órgãos de segurança e defesa social da União, Estados, Distrito
Federal e municípios.

2.PRINCÍPIOS
2.1Princı ́pios do direito penal. (4.a)

4A. Princípios do Direito Penal

William Souza

1. Princípio da dignidade da pessoa humana ou da humanidade: deduzido da dignidade da pessoa humana


como fundamento do Estado Democrático de Direito. Para Cirino (2014), esse princípio proíbe infligir penas

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cruéis, de morte, perpétuas, de trabalho forçado, assim também a execução cruel das penas legais ao cidadão
(proibição de condições indignas e desumanas dos presídios etc.). Abarca também a garantia da integridade
física e moral do ser humano preso. Lembrar das audiências de custódia, estado de coisas inconstitucional do
sist. penitenciário e o descontingenciamento do respectivo fundo, por determinação do STF.
2. Princípio da Legalidade (ou Reserva Legal): está inscrito no art. 5º, XXXIX, da CF/1988, bem como no art. 1º,
do Código Penal. Traduzido na máxima “nullum crimen, nulla poena sine lege” tem sua origem(semente)
histórica na Magna Carta Inglesa de 1215 em cláusula que impunha uma evidente limitação ao poder estatal
em favor da liberdade individual, condicionando-o à existência de lei anterior. Na sistemática moderna,
segundo Nilo Batista, o Princípio da Legalidade surge com o Estado Moderno, no início do Estado Liberal, por
influência das obras de Beccaria, Feuerbach. O princípio surge na Constituição dos Estados da Virgínia e de
Maryland, em 1776. Depois, nas Declarações dos Direitos do homem e do cidadão de 1789, mas só no Século
XIX com Feuerbach foi concebido como se apresenta hoje. Primeiro Código Penal a contemplá-lo: CP da
Bavária, em 1813, depois Prússia e Alemanha (Cirino, 2014). Sua positivação está no artigo 5º, XXXIX, da
CRFB/88, com a seguinte redação: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”. Encontrado em todos os sistemas jurídicos existentes no mundo – em Códigos Penais e em
Constituições –, bem como na Declaração Universal dos Direitos do Homem; na 3ª Convenção de Genebra e
em seus Protocolos Adicionais, além de vários tratados para a proteção de direitos humanos. A ideia nuclear
do princípio é a limitação material e formal do poder de punir do Estado. O princípio é o mais importante
instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito. (Legalidade =
reserva legal + anterioridade).
2.1. Desdobramentos do princípio: a lei penal deve ser previa(anterioridade), escrita (costume não
criminaliza condutas, é mero vetor Interpretativo), estrita (não pode ser ampliada por analogia) e certa
(clareza e objetividade). Obs.: há autores que aditam como requisito a lei ser “necessária”, em atenção ao
princípio da intervenção mínima.
2.2. Consequências para a dogmática penal: A) Proibição da analogia como método de criminalização ou de
punição de condutas (não é admitida a analogia in malam partem). B) Proibição da utilização do costume para
fundamentar ou agravar a pena C) Proibição da retroatividade da lei penal; D) Proibição de
incriminações/sanções vagas e indeterminadas.
2.3. Medidas provisórias e a legislação penal: STF entendeu que o princípio da legalidade tem como objetivo
servir de garantia do cidadão. Logo, MP não pode dispor sobre criminalização de condutas, mas pode veicular
normas benéficas ao réu.
2.4. Retroatividade de leis de interpretação autêntica: Admitida a aplicação a fatos anteriores, mas a lei deve
ser meramente interpretativa, ou seja, destinar-se exclusivamente a esclarecer um conceito de uma lei
anterior.
2.5. Normas penais incompletas: tipo aberto (complemento valorativo [pelo juiz], ex. tipo culposo - para não
ofender o Princípio da Legalidade, a redação típica tem que trazer o mínimo de determinação); NPB
(complemento normativo – próprias = complemento por norma diferente de lei (ex. portaria); impróprias =
complemento por outra lei). NPB própria - A doutrina entende que é constitucional, pois o núcleo da
proibição (verbo + parte essencial da descrição+sanção) está previsto no tipo penal. A remissão ao executivo
é excepcional e se dá por razões de técnica legislativa. O Executivo só esclarece o requisito do tipo.
Taxatividade da lei penal: encerra a ideia de que a descrição legal pelo legislativo, para atender ao
princípio da legalidade, deve ser exaustiva, sob pena de inflar a atuação do judiciário, na medida em que irá
ditar o que é criminoso, além de aplicar a interpretação e eventualmente impor a sanção. Estabelece as
margens penais às quais está vinculado o julgador. Interpretação extensiva in malam partem: há
divergência doutrinária: entendimento majoritário afirma a possibilidade, pois a interpretação faz apenas um
esclarecimento do que o legislador já previu. A minoria afirma que a interpretação extensiva precisa ser in
bonam partem, como Nilo Batista.
2.6. Legalidade Formal: Obediência ao DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. Se há a obediência a legalidade formal
a LEI É VIGENTE. Legalidade Material: Respeito OS DIREITOS E GARANTIAS DO CIDADÃO. Se há
obediência a legalidade material a LEI É VÁLIDA. Logo, nem sempre uma Lei Vigente é Valida e vice-versa. O
STF aplicou tal assertiva em face do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072 em relação ao regime integral fechado e declarou
que o artigo era vigente, mas não era válido, pois não respeitou direitos e garantias do cidadão.

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3. Princípio da Intervenção Mínima: limita o uso do Direito Penal (como forma subsidiária, ultima ratio) à
proteção dos bens jurídicos mais caros à sociedade. Daí se extraem 3 subprincípios: 1- subsidiariedade: o DP
só deve ser utilizado quando outros ramos do Direito forem insuficientes; 2- fragmentariedade: o DP é
fragmentário, protege alguns bens jurídicos de algumas condutas, i.e., a proteção ao bem jurídico não será
integral/homogênea, será fragmentária. Apenas as violações mais graves (substantivamente) invocam o DP,
restando a proteção aos casos de violação menos grave aos demais ramos do direito. Um BJ pode ser protegido
por diversos ramos, sendo o direito penal responsável por proteger um fragmento mais essencial, o seu núcleo
intangível; 3-exclusiva proteção do bem jurídico: impede que o Estado use o DP na proteção de bens ilegítimos
(ex. uma religião especif., criação de tipo qualificado para homicídio de ex-BBB etc.).
4. Princípio da insignificância – pós 2ª GM, Roxin sistematizou: se ocorreu uma lesão ínfima ao bem jurídico
tutelado, carece o fato de relevância penal. Princípio aplicável apenas no exame da tipicidade material, pois
exige critério valorativo. Requisitos(tautológicos) objetivos STF/STJ: Mínima ofensividade da conduta do
agente; inexpressividade da lesão jurídica provocada, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e
nenhuma periculosidade social da ação. Requisitos diversos: 1- STF: Reincidência não impede a
aplicação, depende do caso concreto (há controvérsia STF/STJ); 2- STJ: No crime de descaminho, não ser
criminoso habitual + valor dos tributos ≤ R$ 20.000,00; 3- STF: Condenação com trânsito em julgado: não
impede reconhecimento da insignificância; 4- STJ/STF- Ato infracional: aplicam o princípio. OBS:
Insignificância ≠ Irrelevância penal do fato (esse princípio não é aplicado no STF, há um julgado apenas no
STJ). Na Irrelevância penal do fato, o fato foi típico, ilícito e culpável – mas se verifica que não há necessidade
da pena (analisado abaixo). OBS 2: Insignificância ≠ furto de pequeno valor: insignificância é
baseado no valor econômico e nos fatores que possam impedir a aplicação do princípio: o valor sentimental
do bem, as condições pessoais do agente, as circunstâncias do delito e suas consequências. Diferenças:
insignificante = atipicidade material; furto de pequeno valor = furto privilegiado (Art. 155 § 2º), (réu primário
e objeto de pequeno valor -para a doutrina um salário mínimo.
4.1. Crimes em que a jurisprudência admite: 1 – Crime de descaminho e crimes contra a ordem tributária
(valor dos tributos ≤ R$ 20.000,00) – Enunciado 49 (2ª CCR-MPF): ressalva para reiteração do descaminho em
até 5 anos. STJ: reiteração inviabiliza, exceto se socialmente recomendável.; 2- furto simples valor ≤ 10% salário
mínimo; 3- crimes ambientais; 4- exercício da profissão de flanelinha sem registro na DRT;
4.2. Crimes em que a jurisprudência rejeita: crimes com violência (lesão corporal, roubo); furto qualificado;
tráfico de entorpecentes; crimes contra a fé pública em geral – detalhe: moeda falsa (Enunciado 60 (2ª CCR-
MPF): admite arquivamento quando o caso indica ausência de dolo, desconhecimento da falsidade e for
improvável provar o contrário); contrabando; estelionato contra: FGTS(alta reprovabilidade, conduta contra
programa que beneficia os trabalhadores – ver enunciado 58 da 2ª CCR), INSS (não estimular conduta que
aumenta o déficit da previdência; seguro-desemprego: interesse público- ver enunciado 68 da 2ª CCR);
violação de direito autoral(venda de dvds piratas); posse/porte de arma/munição (regra geral- perigo
abstrato); tráfico internacional de arma de fogo/munição; delitos com violência doméstica (STJ/Súmula 589 -
É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no
âmbito das relações domésticas); provedor clandestino de internet sem fio; instalação clandestina de estação
de radiofrequência(segurança e estabilidade do sist.. telecomunicações); crimes militares (preservação da
autoridade/herarquia/disciplina-BJ inestimáveis para instituições militares).
4.3. Crimes em que há divergência na jurisprudência: transmitir sinal de internet via rádio, como se fosse um
provedor de internet, sem autorização da ANATEL – Para o STJ, é o crime do art. 183, L. 9472/94, ao qual não
cabe insignificância (Súmula 606 - Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina
de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997);
para o STF é atípico (info883); crimes cometidos por prefeitos (STJ precedentes inadmitem, STF tem
precedente admitindo); apropriação indébita previdenciária – STJ admite (até 20.000,00), STF não admite BJ=
subsistência da previdência social; posse de drogas para consumo pessoal – STJ inadmite, STF já admitiu;
crimes contra a administração pública – STJ não admite (Súmula 599 - O princípio da insignificância é inaplicável
aos crimes contra a administração pública), STF há decisões admitindo a outros crimes além de descaminho;
manter rádio comunitária clandestina – STJ inadmite, STF em tese é possível dep. caso concreto (potência do
transmissor da rádio).
5. Princípio da adequação social: criado por Welzel, para o qual condutas conformadas socialmente carecem

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de tipicidade material: apontador do jogo do bicho – a sociedade já incorporou esse comportamento, só que
ainda o fato é crime no nosso código penal. A crítica reside na imprecisão do princípio. Discute-se se afasta a
tipicidade ou a antijuridicidade; Welzel, em sua última posição, defendeu tal princípio apenas como um
“princípio geral de interpretação”. Tribunais não aceitam: Súmula/STJ en. nº 502 “Presentes a materialidade e
a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda
CDs e DVDs piratas”. Assim, não se pode alegar que tal conduta deixou de ser crime por conta do princípio da
adequação social.
Princípios relacionados com o fato
6. Princípio da lesividade ou da ofensividade: Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é
indispensável que haja lesão ou perigo de lesão relevante e intolerável a um BJ penalmente protegido. Para a
doutrina majoritária, os princípios são sinônimos e decorrem da exigência de que normas penais tenham por
objetivo proteger bens jurídicos. Bitencourt faz distinção: p. lesividade coaduna com a necessidade da
existência de BJ, mas ofensividade exige efetiva lesão ao BJ e, nesse quadro, encaixa sua visão da insignificância
como ausência de ofensividade.
Para Cirino(2014) o princípio proíbe a cominação, a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança
em casos de lesões irrelevantes contra bens jurídicos protegidos na lei penal e encerra duas dimensões: a
qualitativa (natureza do BJ lesionado) e a quantitativa (extensão da lesão ao BJ). Do ponto de vista qualitativo,
o princípio impede criminalização excludente ou redutora das liberdades constitucionais (de pensamento, de
consciência e de crença, de convicções filosóficas e políticas etc). Do ponto de vista quantitativo exclui a
criminalização de lesões irrelevantes de bens jurídicos (expressão positiva do princípio da insignificância em
DP).
7. Princípio da Materialização do fato: Não se pode punir pensamento, opinião e o modo de vida de uma
pessoa. Só condutas humanas voluntárias.
Princípios relacionados com o agente
8. Princípio da responsabilidade pessoal ou Intranscendência: previsto no art. 5º, XLV da CF. Preconiza que
somente o condenado, e mais ninguém, poderá responder pelo fato praticado, pois a pena não pode passar
da pessoa do condenado. Para Cirino (2014), vincular o fato punível às ideias de tipo de injusto e de
culpabilidade implica duas garantias fundamentais: limita a responsabilidade penal aos autores e partícipes do
tipo de injusto, com proibição constitucional de extensão da pena além da pessoa do condenado (art. 5°, XLV,
CR); e limita a responsabilidade penal aos seres humanos, com exclusão conceitual da pessoa jurídica(para o
autor a responsabilidade penal da pessoa jurídica é inconstitucional). Além de tais limites, o autor aponta que
o princípio tem objeto e fundamento constitucionais. Assim, o objeto da responsabilidade penal pessoal é o
tipo de injusto (como realização concreta do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege); e o fundamento
da responsabilidade penal pessoal é a culpabilidade (como expressão do princípio nulla poena sine culpa -
derivado do art. 5º, LVII, CR, que institui a presunção de inocência). OBS.: A morte extingue
apenas a pena de multa. No caso da perda de bens e valores, como é consequência automática da sentença,
no momento em que é prolatada, não se considera seja ela estendida a seus sucessores – Ver art. 5º. A
obrigação de reparar o dano tem natureza cível. Ferrajoli diz que as penas pecuniárias e a de multa deveriam
ser abolidas, já que um terceiro pode pagá-la. Se o condenado não paga a multa converte em pena de prisão?
Não. Há um julgado no STJ admitindo a conversão em favor do réu, para fins de detração. Com base nesse
princípio, Cirino considera inconstitucional a punição criminal das pessoas jurídicas: responsabilidade penal
limita-se “aos seres humanos de carne e osso”.
9. Princípio da Culpabilidade: parte da ideia de que cada um responde por seus atos, pois a responsabilização
penal é subjetiva. A culpabilidade somente é penalmente relevante quando o agente, por sua própria conduta,
tenha dado causa a um resultado criminoso. Tem 3 sentidos: (i) fundamento da pena; (ii) elemento de medição
da pena, sendo um limite para toda punição (é o parâmetro para a pena, pois não deve ser proporcional à
culpa do agente); (iii) obsta a responsabilidade objetiva. Culpabilidade pressupõe um tipo de injusto (princípio
da legalidade), com seu objeto de referência. Somente a prática do injusto pode sofrer reprovação criminal.
Só responde quem podia se motivar de acordo com a norma e se comportar conforme o direito.
10. Princípio da responsabilidade subjetiva: veda a responsabilização penal objetiva. O agente só pode ser
por fato decorrente de dolo ou culpa.
11. Princípio da igualdade: trata-se de igualdade material. Deve ser observado pelo legislador, pelo juiz e pelos

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órgãos de execução penal. (Ex. obrigatoriedade de estabelecimento especial para mulher cumprir pena, idoso
etc; inconstitucionalidade do regime integralmente fechado);
12. Princípio da presunção de inocência (art. 5º LVII,CF): “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”. STF fala em presunção de não culpa, CADH em presunção de
inocência (art 8º).Conceito: direito de não ser declarado culpado, senão ao término do devido processo legal,
em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa(ampla defesa) e
para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação(contraditório). Desdobramentos:
cabe à acusação provar a responsabilidade do réu; condenação deve derivar de juízo de certeza – “in dubio
pro reo”. Tribunais: STJ/En. Sum. 444: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso
para agravar a pena-base. STF segue a mesma ideia. STF SV 11 (uso de algemas); STF- posicionamento quanto
à execução provisória da pena após segunda instância.
Princípios relacionados com a pena
13. Princípio da individualização da pena: decorre do p. pessoalidade e abarca cominação ( 1ª fase de
individualização, feita pelo legislador que seleciona , valora condutas e comina-lhes penas de acordo com a
importância do bem a ser tutelado, aplicação(1ª fase – juiz convicto da condenação aplica método trifásico do
CP) e execução (individualizar na execução consiste em dar a cada apenado as oportunidades para a sua
reinserção social.)
14. Princípio da proibição de pena indigna: veda a imposição de pena ofensiva à dignidade (art. 5º, item 1,
CADH).
15. Princípio da humanização das penas: veda a imposição de pena cruel, desumana e degradante (art. 5º,
item 2, CADH).
16. Princípio da Vedação da dupla punição pelo mesmo fato ou ne bis in idem: ninguém pode ser processado,
condenado, nem executado duas vezes pelo mesmo fato. Há discussão quanto à reincidência; o STF entendeu
em 2013 que é constitucional. STJ: admite que condenação anterior, após período de depuração de 5 anos
após a extinção da pena, seja considerada como maus antecedentes; o STF não. Súmula 241 - A reincidência
penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância
judicial. Súmula 220 - A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva. STF: constitucional
o uso da reincidência como agravante.
17. Princípio da Proporcionalidade: Abarca três outros princípios: o princípio da adequação e o princípio da
necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade, do ponto de vista da adequação e
da necessidade dos meios em relação aos fins propostos, já o da proporcionalidade em sentido estrito tem por
objeto a otimização das possibilidades jurídicas, ao nível da criminalização primária e da criminalização
secundária, do ponto de vista da proporcionalidade dos meios (pena criminal) em relação aos fins propostos
(proteção de bens jurídicos). Os primeiros implicam em verificar, se a pena criminal é um meio adequado
(entre outros) para o fim de proteger um bem jurídico, e o sendo, se seria o meio necessário (considerada a
subsidiariedade do DP). Confirmadas a adequação e a necessidade, caberia sujeitar a um juízo de
proporcionalidade estrita da pena criminal cominada e/ou aplicada em relação à natureza e extensão da lesão
abstrata e/ou concreta do BJ. Assim, o princípio da proporcionalidade proíbe penas excessivas ou
desproporcionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do fato punível, lesivas da função
de retribuição equivalente do crime atribuída às penas criminais. Cirino(2014) aponta que o
princípio da proporcionalidade desdobra-se em uma dimensão abstrata e uma dimensão concreta, com as
seguintes consequências: proporcionalidade abstrata dirige-se ao legislador- limita a criminalização primária:
exclui lesões insignificantes de bens jurídicos e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza
e extensão do dano social produzido pelo crime; proporcionalidade concreta dirige-se ao Juiz: permite
equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária, em relação à aplicação e execução da
pena criminal. Tendo em conta que a aplicação e a execução das penas criminais mostram a enorme
desproporção da relação custo/benefício entre crime e pena, além dos custos sociais específicos para o
condenado, sua família e para a sociedade, sugere que tal face do princípio é vocacionada a fundamentar
critérios compensatórios das desigualdades sociais da criminalização secundária (com vistas a neutralizar ou
de reduzir a seletividade social), aplicáveis pelo Juiz no momento do juízo de reprovação do crime e de
aplicação da pena, em especial no âmbito das circunstâncias judiciais (art. 59, CP) e legais (circunstâncias
agravantes e atenuantes genéricas) de aplicação da lei penal, incluindo a otimização do emprego dos

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substitutivos penais e dos regimes de execução da pena, com generosa ampliação das hipóteses de regime
aberto etc.
17.1. Proporcionalidade como Proibição de Proteção Deficiente: Há diferenciação entre o princípio da
proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente
(Untermassverbot). No primeiro caso, funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das
intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos
direitos fundamentais como imperativos de tutela (Claus-Wilhelm Canaris) imprime ao princípio uma estrutura
diferenciada. Assim, o ato não será adequado caso não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não
será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito
fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim
legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção. A concepção do
princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente relaciona-se com a ideia
contemporânea de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face
das investidas do Poder Público (direito fundamental como direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht),
mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des
Staats).
O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo
e material, que levem a alcançar – atendendo à contraposição de bens jurídicos – a uma proteção adequada,
e como tal, efetiva (princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente). A ideia é a de que
a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da
proporcionalidade. Assim, a norma penal, como tradução do dever de proteção, deve situar-se entre o limite
máximo da intervenção legislativa penal dado pelo princípio da proprocionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e o limite mínimo da intervenção legislativa penal dado pelo princípio da proprocionalidade
como proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot). Adota-se, com isso, uma nova forma de controle
da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal, mais organizada sistematicamente e até
mesmo mais profunda do que as práticas anteriores, de confrontação direta entre o dispositivo legal e cada
um dos diversos direitos e garatnias fundamentais. A esta nova técnica chama-se “modelo exigente de controle
de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade”.
Nesse contexto, cabe destacar que o examinador Douglas Fischer cunhou a expressão “garantismo penal
integral” para evidenciar que o garantismo à luz da hermenêutica constitucional (e seus reflexos no Direito
Penal e Processual Penal) tutela não só os direitos individuais dos acusados, investigados ou processados na
esfera criminal, devendo valorar todos os direitos e deveres previstos na Constituição Federal. Isso porque os
direitos fundamentais não preveem apenas uma proibição de intervenção (proibição de excesso,
übermassverbot), mas também uma vedação à omissão (proibição da proteção deficiente, proibição da
proteção insuficiente, untermassverbot).
Dessa forma, o garantismo penal integral ou proporcional (ou binocular) é aquele que assegura os direitos do
acusado, não permitindo violações arbitrárias, desnecessárias ou desproporcionais, e, por outro lado, assegura
a tutela de outros bens jurídicos relevantes para a sociedade, em consonância com as duas vertentes do
princípio da proporcionalidade, incluindo a proibição do excesso (übermassverbot) e a proibição da proteção
deficiente (proibição da ineficiência, proibição da proteção insuficiente e untermassverbot). Assim, divide o
garantismo em: A) negativo: visa frear o poder punitivo do Estado, ou seja, refere-se à proibição de excesso.
Trata-se de um modelo normativo que obedece à estrita legalidade voltado a minimizar a violência e maximizar
a liberdade, impondo limites à função punitiva do Estado. B) positivo: visa fomentar a eficiente intervenção
estatal, ou seja, refere-se à proibição da intervenção estatal insuficiente (deficiente), bem como evitar a
impunidade. Assegura a proteção aos bens jurídicos de alta relevância social.
Tendi isso em conta, o autor desenvolve, ainda, o conceito de garantismo monocular hiperbólico: “Qualquer
pretensão à prevalência indiscriminada de direitos fundamentos individuais implica – ao menos para nós –
uma teoria que denominamos de garantismo (penal) monocular: evidencia-se desproporcionalmente
(hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais
individuais dos cidadãos, o que, como visto, nunca foi e não é o propósito do garantismo (penal) integral
(FISCHER, 2015, p. 74).

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3.NORMA PENAL
3.1 Princı ́pios de interpretação e aplicação da lei penal. Concurso aparente de normas. (8.a)
3.2 Lei penal no tempo. (5.a)
3.3 Aplicação da lei penal no espaço. (6.a)
3.4 Limites de aplicação da lei penal em relação às pessoas. (7.a)

8A. Princípios de interpretação e aplicação da lei penal. Concurso aparente de normas.

William Chaves Souza


Legislação básica: art. 5º, XXXIX e XL, da CF; arts. 1º e 12 do CP; art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica.

1. Interpretação: O Direito Penal não exige método particular de interpretação, sendo aplicável a ele
a interpretação jurídica geral, desde que observados os limites do princípio da legalidade. Há de se relevar,
contudo que a norma penal incriminadora é olhada sob prisma restritivo, sempre em favor do réu
In dubio pro reo é principio característico do campo das provas, e não da lei penal, segundo o qual
havendo dúvida o juiz deve absolver o acusado. Excepcionalmente, porém, na análise das provas, vigora o in
dubio pro societate: a) momento do oferecimento da denuncia (se há duvidas quanto à autoria, o processo é
o instrumento para sanar a dúvida); no momento da sentença de pronuncia (havendo duvida se pronuncia ou
não, deve pronunciar); julgamento de revisão criminal (na dúvida, a sociedade).
Classificação: I) Quanto às fontes: a) Autêntica ou legislativa. É, em princípio obrigatória,
especialmente quando proveniente de outra lei, chamada de norma interpretativa. Se a interpretação é
inserida no próprio texto legal, diz-se que ela é contextual. A lei interpretativa pode ser aplicada
retroativamente se apenas aclarar o sentido e o alcance do dispositivo interpretado. Todavia, caso inove, só
poderá retroagir se tiver natureza benéfica. b) Jurisprudencial. É por meio dela que a lei se encontra com o
fato concreto e com a realidade da vida. c) Doutrinária. Se há uniformização do entendimento entre os
doutrinadores, pode ser chamada de communis opinio doctorum. II) Quanto aos meios: a) Gramatical
(literal/filológica): Fixa-se no significado das palavras contidas no texto legal. Tratando-se de termos jurídicos,
deve-se dar preferência à linguagem técnica. Costuma-se atribuir o menor grau hierárquico a esse meio de
interpretação. No processo interpretativo, não se pode olvidar que, ante o princípio da taxatividade, no Direito
Penal o sentido literal das palavras exerce função de garantia e, por isso, nunca pode ser ignorado (nullum
crime sine lege). b) Histórica. O ideal é entrelaçar tal método com a interpretação teleológica. c) Sistemática
ou lógico-sistemática. Busca-se situar a norma no conjunto geral do sistema que a engloba, para justificar sua
razão de ser, garantindo-se, assim, a unidade conceitual de todo o ordenamento. d) Teleológica: O interprete
perquiri a intenção objetivada na Lei. e) Progressiva (ou evolutiva): busca o significado legal de acordo com o
progresso da ciência. Exemplo: Muitos entendem que a Lei Maria da Penha deve amparar o transexual.
III) Quanto aos resultados: a) Declarativa. O texto não é ampliado nem restringido, correspondendo
exatamente a seu real significado. b) Restritiva. O alcance do texto interpretado é reduzido ou limitado,
partindo-se do pressuposto de que “a lei diz mais do que quer”. c) Extensiva. Considerando que o sentido da
norma fica aquém de sua expressão literal, amplia-se o sentido ou alcance da lei examinada. Ex.: o art. 159
abrange a extorsão mediante cárcere privado. IV

2. Aplicação: Analogia: Ponto de relevo quanto à aplicação da norma penal, a analogia é um método
de integração do sistema jurídico (colmatação de lacunas), que pressupõe a ausência de lei que discipline
especificamente uma situação, o que reclama a extensão de uma norma jurídica a um caso não previsto, sob
o fundamento de que “onde há a mesma razão deveria ser aplicada a mesma disposição legal”. Pode ser
chamada de analogia legis (aplica-se uma norma legal a determinado fato não contemplado no texto de lei)
ou analogia juris (aplicam-se os princípios gerais do direito). A analogia in malam partem é vedada no direito
penal por violar o princípio da legalidade. A seu tempo, a analogia in bonam partem pode ser realizada, com
exceção dos casos em que a norma é excepcional ou se a lacuna é intencional do legislador. A analogia não se
confunde com: a) interpretação extensiva, pois esta esclarece algo que, a princípio, não parecia estar na lei,
mas nela já está contido em potência (ultrapassa o núcleo inquestionável de sentido sem criar algo novo); b)
interpretação analógica, que é uma técnica legislativa na qual o legislador elenca hipóteses concretas e,

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posteriormente, utiliza uma cláusula geral (ex. CP, art. 121, º 2º, III - com emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum).

3. Concurso aparente de normas: Conflito ou concurso aparente de normas é a circunstância em que


duas ou mais normas penais incriminadoras regulam, em tese, o mesmo caso concreto, sendo que apenas uma
efetivamente deverá ser aplicada. Muito se critica a expressão “concurso aparente de normas”, eis que não
ocorre um concurso, mas a primazia ou exclusividade na aplicação de um dispositivo legal a certo fato. O que
se observa, então, não é um concurso, mas a unidade do ordenamento jurídico penal. Vale ressaltar que
concurso ou conflito aparente de normas não se confunde com o efetivo concurso de crimes (concurso
material, forma, crime continuado), no qual verdadeiramente há vulneração de mais de um bem jurídico, seja
da mesma espécie ou distintos. Do mesmo modo, não se confunde com crime complexo (ou composto), que
é aquele cujas elementares que o integram são fatos que, por si mesmos, constituem crimes autônomos,
vulnerando, portanto, mais de um bem jurídico. Como é o exemplo do crime de roubo, o qual constitui crime
de furto e lesão corporal ou ameaça.
3.1. Critérios de Solução de Conflito Aparente de Normas: Na ausência de disposição legal expressa,
a doutrina apresenta critérios para a solução do conflito aparente de normas, com base nos princípios da
especialidade, subsidiariedade, consunção (ou absorção) e, para alguns autores, alternatividade (Gueiros
discorda, pois entende que se trata de critério para aplicação de uma única norma que contemple mais de um
verbo típico).
Nesse mister, o intérprete deve utilizar os seguintes princípios: a) especialidade (art. 12 do CP): uma
norma penal é considerada especial, em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos desta,
acrescidos de mais alguns, denominados especializantes. Tal relação de especialidade existe entre os tipos
derivados e o tipo básico e nas hipóteses em que determinada lei descreve como crime único dois pressupostos
fáticos de crimes distintos (ex.: o crime de roubo é o crime de furto praticado mediante violência ou grave
ameaça). A norma especial exclui a geral, independentemente da época em que foram promulgadas e da
quantidade da sanção penal prevista em cada uma delas. O princípio em apreço evita o bis in idem e pode ser
estabelecido in abstracto. Ainda, por ser o de maior rigor científico, é o mais adotado pela doutrina. b)
alternatividade: aplica-se aos casos em que dois tipos contêm elementos incompatíveis entre si, excluindo-se
mutuamente. Ex.: furto e apropriação indébita. Muitos autores consideram esse princípio desnecessário. c)
subsidiariedade: há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas se elas descrevem graus de
violação de um mesmo bem jurídico, de modo que a norma subsidiária é afastada pela aplicação da norma
principal. Se a pena do tipo principal é excluída, a do tipo subsidiário apresenta-se como “soldado de reserva”
(expressão de Nelson Hungria). Portanto, aqui não ocorre a exclusão entre normas gerais e especiais, mas
entre normas primárias e secundárias. Vale dizer, a não subsunção do fato à norma que mais diretamente o
tutela, não importa em atipicidade, pois a norma auxiliar (subsidiária) poderá ser aplicada. É a aplicação do lex
primaria derogat legi subsidiariae. A subsidiariedade pode ser expressa (ex.: art. 132 do CP) ou tácita, e sua
constatação pressupõe o exame do fato in concreto; Há duas espécies de subsidiariedade: expressa, que é
quando a natureza subsidiária vem prevista no próprio preceito secundário, por intermédio da expressão “se
o fato não constitui crime mais grave”; e tácita, que é quando cabe ao intérprete analisar, no exame do caso
concreto, se o fato se adequa ao tipo de maior ou menor gravidade. d) consunção (ou absorção): o fato
previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta,
desde que os delitos tenham ocorrido no mesmo contexto fático. Assim, apesar de, em regra, o homicídio
absorver o delito de porte ilegal de arma, não haverá consunção se, por exemplo, após o agente perambular
a noite inteira com um revólver pela rua, ele encontrar uma vítima e matá-la. Pela diversidade de momento
consumativo e contexto, tratar-se-á de concurso de crimes. O crime consumado absorve o tentado, e o de
perigo é absorvido pelo crime de dano. Consoante parte da doutrina, nem a diferença de bens jurídicos
tutelados nem a disparidade de sanções cominadas impedem a consunção. Nesse sentido, o STJ admite que o
crime de estelionato absorva o delito de falsificação de documento. Para o STF, o falso não resta absorvido
pelo crime tributário nos casos em que o documento falso continua passível de gerar lesões jurídicas (HC
91469, j. 20/5/8; HC 83115, j. 4/5/4). Note-se, ainda, que o princípio da consunção não se esgota na solução
de “conflitos aparentes de normas”, porquanto abrange situações em que há pluralidade de fatos. Com efeito,
deve-se considerar absorvido pela figura principal tudo aquilo que, enquanto ação (anterior ou posterior), seja

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concebido como necessário, bem como tudo o que, dentro do sentido de uma figura, constitua o que
normalmente acontece. Destarte, incide o princípio em comento quando há: 1) crime progressivo (tem-se a
incursão obrigatória pela infração penal menos grave – não se pode matar sem ferir); 2) progressão criminosa;
3) fatos impuníveis: a) anteriores (são absorvidos pelo tipo principal, que pode ser praticado sem violação da
lei penal menos grave; b) concomitantes (ex.: ferimentos leves suportados pela mulher vítima de estupro); c)
posteriores (ex.: quem falsifica documento e o usa apenas responde pelo falso – art. 297 do CP).
Jurisprudência: DIREITO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE DANO COMETIDO CONTRA O
PATRIMÔNIO DO DF. 1. A conduta de destruir, inutilizar ou deteriorar o patrimônio do Distrito Federal não
configura, por si só, o crime de dano qualificado, subsumindo-se, em tese, à modalidade simples do delito. 2.
Com efeito, é inadmissível a realização de analogia in malam partem a fim de ampliar o rol contido no art. 163,
III, do CP, cujo teor impõe punição mais severa para o dano “cometido contra o patrimônio da União, Estados,
Municípios, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista”. 3. Assim, na falta
de previsão do Distrito Federal no referido preceito legal, impõe-se a desclassificação da conduta analisada
para o crime de dano simples, nada obstante a mens legis do tipo, relativa à necessidade de proteção ao
patrimônio público, e a discrepância em considerar o prejuízo aos bens distritais menos gravoso do que o
causado aos demais entes elencados no dispositivo criminal. HC 154.051-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 4/12/2012.
STF- HC121.652/SC-2014-info 743: Não é possível que crime tipificado no CP seja absorvido por
contravenção.

QUESTÕES DE PROVA:
1) O que vem a ser concurso aparente de normas e quais princípios vigentes?
2) Explique o que é princípio da especialidade.
3) Há outros princípios que regem o concurso aparente de normas?
4) É correto afirmar que a norma penal deve ser interpretada restritivamente?
5) O que é o princípio da interpretação analógica? É a mesma coisa que analogia?

5A. Lei penal no tempo.

Paulo Henrique Cardozo, agosto de 2018.


Fontes: Rogério Sanches – Manual de Direito Penal, Parte Geral (2016);
Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo – Direito Penal, Parte Geral (Sinopse, 2017);
Pacelli e Callegari – Manual de Direito Penal, Parte Geral (2017).
Legislação básica: CRFB/88 e Código Penal.

Saber o tempo do crime é fundamental para definir a lei aplicável e constatar a imputabilidade do agente. Três
teorias destacam-se sobre o tema: a) teoria da atividade: considera o crime praticado no momento da ação ou
omissão (adotada pelo CP – art. 4º); b) teoria do resultado: considera o momento da produção do resultado;
c) teoria mista: considera o crime praticado tanto no momento da conduta como no do resultado.
No tocante à vigência da lei penal, em regra, segue-se o tempus regit actum, os atos praticados na vigência de
uma lei são por ela regidos. Excepcionalmente, é possível ocorrer a extra-atividade da lei penal. O art. 5º, XL,
da CRFB/88 prevê a irretroatividade como regra, admitindo, contudo, a retroatividade para beneficiar o agente
(assim como prevê o art. 2º do CP). A respeito do conflito de leis no tempo, é possível haver os seguintes
cenários:
1) Lei nova mais grave (novatio legis in pejus – lex gravior): não retroage. Os fatos praticados antes de sua
vigência serão regidos pela lei revogada, que possuirá ultra-atividade. Ex.: aumento de 2 para 3 anos do prazo
prescricional de crimes com pena máxima inferior a 1 ano. Obs.: em caso de crime permanente ou continuado,
se a lei mais grave sobrevém enquanto não cessada a continuidade ou a permanência, aplica-se aquela,
conforme súmula 711 do STF.
2) Lei nova mais benéfica (novatio legis in mellius – lex mitior): retroage para beneficiar o agente, aplicando-
se aos fatos ocorridos antes de sua vigência. A análise da lei mais benéfica ocorre no caso concreto. Alberto
Silva Franco entende viável a aplicação da lei mais benéfica, ainda que durante o período de vacatio legis;
todavia, o STJ é contra. Antes do trânsito em julgado, o juiz competente para o julgamento da ação aplicará a

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lei nova; após, tal medida será realizada pelo juiz da execução (súmula 611 do STF).
Para Pacelli e Callegari, em caso de lei de conteúdo misto (processual e penal), se não houver subordinação
lógica entre ambas, não haverá problema em se atribuir efeitos retroativos às disposições penais mais
benéficas e manter a regra dos efeitos imediatos à parte processual. Ademais, os autores sustentam a
possibilidade de retroatividade benéfica da jurisprudência do STF, desde que se trate de entendimento
consolidado; para tanto, poderá ser utilizada a revisão criminal ou o HC, se não depender de instrução
probatória.
Combinação de leis penais (lex tertia) – há divergência doutrinária. A) Para uma primeira corrente (Nelson
Hungria, Fragoso), não é possível, pois não há amparo no ordenamento jurídico e o juiz estaria legislando.
Entendimento majoritário. Súmula 501 do STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343, desde que o
resultado da incidência das disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação
da Lei n. 6.368, sendo vedada a combinação de leis”. B) Para outra corrente (Rogério Greco, Bittencourt, LFG),
é possível a combinação, ocorrendo ultra-atividade e retroatividade benéficas.
3) Abolitio criminis: Se a lei nova deixa de considerar o fato como crime, o agente não pode ser punido. Se a
lei nova for posterior ao trânsito em julgado, cessam a execução e os efeitos penais da sentença condenatória
(permanecem os efeitos extrapenais, tal como a obrigação de reparar o dano). Embora haja quem sustente
ser causa extintiva de tipicidade, o CP, no art. 107, III, dispôs ser causa extintiva da punibilidade. Obs.: abolitio
criminis temporária – situação ocorrida com o Estatuto do Desarmamento, que estabeleceu um prazo para
entrega ou regularização de armas de fogo, durante o qual não incidia o crime de posse de arma de fogo.
4) Lei nova incriminadora: não pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes de sua vigência (art. 1º do CP e 5º,
XXXIX, da CRFB/88). Ex.: o art. 311-A do CP (fraude em certames de interesse público) só pode incidir a partir
de 16/12/2011.
5) Continuidade normativo-típica – mantém-se o caráter proibido da conduta, mas há o deslocamento do
conteúdo criminoso para outro tipo penal. Ex.: revogação do art. 214 do CP (atentado violento ao pudor) pela
Lei n. 12.015/09, com enquadramento das condutas como estupro (art. 213 do CP).
Lei intermediária – vigente depois da prática do fato, mas revogada antes do esgotamento das consequências
jurídicas da infração penal. Prevalece a lei mais benéfica. A lei intermediária, portanto, pode ser retroativa em
relação à lei anterior e ultra-ativa em relação à lei posterior.
Lei excepcional e lei temporária – a lei excepcional possui vigência durante circunstância transitória de
anormalidade (ex.: guerra, calamidade pública), enquanto perdura a situação. A lei temporária possui vigência
previamente determinada (ex.: Lei n. 12.663/12, para proteger o patrimônio da FIFA). De acordo com o art. 3º
do CP, aplicam-se tais leis ao fato praticado durante sua vigência, ainda que decorrido o prazo de duração ou
cessada a circunstância determinante. São leis autorrevogáveis que permitem a ultra-atividade gravosa.
Zaffaroni e Pierangeli questionam a constitucionalidade; a doutrina majoritária entende constitucional a
previsão.
Lei penal em branco e alteração do complemento normativo – 1ª corrente (Paulo José da Costa Jr.): retroage
sempre, desde que mais benéfica; 2ª corrente (Frederico Marques): nunca retroage; 3ª corrente (Mirabete):
só importa a variação para a aplicação retroativa se provocar real modificação da figura abstrata do direito
penal; 4ª corrente (Alberto Silva Franco e STF – predominante): alteração de complemento de norma penal
em branco homogênea sempre tem efeitos retroativos; para a norma penal em branco heterogênea, se o
complemento não possuir natureza excepcional, ocorrerá abolitio criminis no caso de sua revogação. Por outro
lado, havendo caráter temporário ou excepcional, aplica-se a ultra-atividade.
Conflito aparente de leis penais – aparentemente, há subsunção a mais de uma norma; todavia, apenas uma
delas prevalecerá, evitando bis in idem. Quatro princípios determinam a questão:
1) Princípio da especialidade: havendo conflito entre tipo penal genérico e tipo penal específico, prevalece o
específico, por conter todos os elementos do genérico, mais a especialidade (ex.: tipo simples e tipo
qualificado).
2) Princípio da subsidiariedade: o tipo subsidiário contém crime autônomo, com pena menos grave que outro
tipo penal, denominado norma primária. O tipo subsidiário é o “soldado de reserva” (Nelson Hungria), aplicável
quando não incidir a norma primária. Pode haver subsidiariedade expressa (“se o fato não constituir crime
mais grave”, p. ex. art. 132 do CP – perigo para a vida ou saúde de outrem), ou tácita, quando as elementares
de um tipo estão contidas como elementares ou circunstâncias acidentais de outro tipo (ex.: a ameaça – art.

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147 do CP – integra o crime de constrangimento ilegal – art. 146 do CP).
3) Princípio da consunção: consiste na absorção de um delito por outro. Para isso, deve haver uma relação de
meio e fim entre os delitos, ou um deve ser fase necessária do outro. É possível a absorção do crime mais grave
(ex.: falsidade de documento público absorvida pelo estelionato, consoante súmula 17 do STJ). Possibilidades:
3.1) Crime progressivo – o agente, desde o início, quer alcançar o resultado mais grave, violando o bem jurídico
de forma crescente. Ex.: para praticar homicídio, precisa passar pela lesão. A violação anterior fica absorvida.
3.2) Progressão criminosa – o agente produz o resultado inicialmente pretendido, mas resolve, substituindo
seu dolo, progredir na violação do bem jurídico, produzindo resultado mais grave. Ex.: pratica lesão corporal,
mas depois resolve matar a vítima. O fato inicial fica absorvido.
3.3) Crime-meio e crime-fim – o primeiro, praticado como meio para atingir outra finalidade, é consumido pelo
crime-fim. Ex.: falso e estelionato, nos termos da súmula 17 do STJ.
3.4) Fato posterior impunível – quando o fato posterior se referir ao mesmo bem jurídico e à mesma vítima,
ficará absorvido pelo crime anterior, que já lesionou o bem jurídico. Ex.: destruir a coisa furtada; o dano é
absorvido.
4) Princípio da alternatividade: aplica-se aos tipos mistos alternativos. Mesmo havendo mais de um verbo no
mesmo tipo, consuma-se apenas um delito, ainda que praticadas diversas condutas no mesmo contexto. Aqui
o conflito é dentro de uma mesma norma.

6A. Aplicação da lei penal no espaço.

William Souza

Legislação: Os princípios e normas de direito público interno, em especial os arts. 5° a 8° do CP.


Nesse ponto busca-se relacionar a aplicabilidade da lei penal brasileira em razão do lugar em que o crime é
praticado. Pretende-se evitar que ocorram lacunas de impunidade de ilícitos que atinjam bens jurídicos
tutelados, direta ou indiretamente, pelo ordenamento jurídico brasileiro. Por essa mesma razão, a
generalidade dos Estados adota também critérios de incidência para as suas respectivas leis penais.
1. A regra é aplicar o princípio da territorialidade pelo qual aplica-se a lei brasileira aos fatos puníveis praticados
no território nacional, independentemente da nacionalidade da vítima, agente ou do bem jurídico lesado, com
base na soberania do Estado. Regra geral no Brasil (art. 5º do CP): territorialidade relativa ou mitigada, por
permitir a aplicação de convenções, tratados e regras de direito internacional, de forma a autorizar a incidência
de lei estrangeira a um crime praticado em território nacional (ex.: crime praticado por embaixador
estrangeiro). O território nacional compreende: Espaço da terra entre as fronteiras; Mar territorial; Espaço
aéreo correspondente (acima da terra e do mar territorial); Navios ou aeronaves públicas ou a serviço do
governo brasileiro onde quer que se encontrem (ex. navio da Marinha); Avião particular a serviço do governo
brasileiro; Navios ou aeronaves particulares, com bandeira brasileira, que estejam no alto mar e espaço aéreo
correspondente (ex. se o navio estiver no mar territorial norteamericano é território dos EUA e a recíproca é
verdadeira, ie, um navio norte-americano no mar territorial brasileiro é considerado território brasileiro. Em
matéria de competência, a única coisa que a territorialidade responde é se o juiz brasileiro possui jurisdição
sobre determinado fato. Embaixada: não é território nacional. Invioláveis em função de outras
garantias. Direito de passagem inocente: Nos termos da lei 8617/93, se o crime for praticado, por
exemplo, a bordo de um navio privado que esteja em trânsito no mar territorial brasileiro e que neste não
venha a atracar ou tenha atracado, isso não invoca a jurisdição brasileira. Segundo a doutrina, vale também
para as aeronaves. Navio. Jurisprudência. Competência JF: “A competência da Justiça Federal para
julgamento de crimes cometidos a bordo de navio somente se justifica para embarcações de grande porte
ancoradas em porto brasileiro e em situação de deslocamento internacional ou apta a fazê-lo”. (STJ, CC
118.503, j. 22.04.2015).
2. A extraterritorialidade é exceção, i.e., a aplicação da lei brasileira fora do território brasileiro. Previsão no
art. 7º, CP. Esta se divide em incondicionada (art. 7º,I) e condicionada (art. 7º,II, e §3º) e tem diretivas de
aplicação nos seguintes princípios: (a) Princípio da nacionalidade: a extraterritorialidade se justifica quando o
crime é praticado por um nacional que esteja fora do país, ou ainda, contra um nacional que esteja fora do
país: ou o nacional é o sujeito ativo ou ele é a vítima do crime no estrangeiro. O código penal acolheu esse

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princípio nas suas duas vertentes, tanto a nacionalidade ativa, quanto a nacionalidade passiva
(hipercondicionada); (b) Princípio da defesa/real/da proteção: Alguns bens jurídicos que sejam muito
importantes para nosso país devem ser especialmente protegidos, mesmo quando lesados fora do país. Em
virtude da especial importância do bem jurídico para o país, a extraterritorialidade se justifica quando uma
conduta lesar tais bens, ainda que fora do território nacional. Mas não é apenas em função de o bem jurídico
tutelado ser nacional que se explica a territorialidade, mas da sua fundamentalidade (art. 7º, inc. I, a, b, c do
CP); (c) Princípio da universalidade, justiça mundial, justiça universal ou cosmopolita: A ideia original por
trás da concepção de justiça universal é o intuito de combate à impunidade por meio de permissão a todos os
países agirem na persecução de todos os crimes. A concepção atual de justiça universal é bem mais restrita,
pois aplicável somente aos crimes que tenham uma repercussão internacional, gerando uma situação de
perigo relevante para muitos países (exemplo: apoderamento ilícito de aeronaves, dano a cabos submarinos),
contanto que haja previsão expressa de tais hipóteses em tratados ou convenções internacionais. É
característico da cooperação jurídica internacional (art. 7º, II, a). A competência firma-se por prevenção, sendo
caso de extraterritorialidade condicionada, em regra). Exceção: Lei 9455/97, art. 2º (Crimes de tortura: “O
disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a
vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”). Para alguns autores, a
segunda parte do dispositivo citado “ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira” trata de
extraterritorialidade condicionada, seja porque exige a presença do agente em território nacional, seja porque
o art. 12 da Convenção Contra a Tortura (ONU) e o art. 5º da Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir
a Tortura determinam que a lei somente seja aplicada caso não haja extradição. No caso de genocídio
perpetrado por brasileiro ou domiciliado no Brasil, a extraterritorialidade é incondicionada (não se aplicam as
exigências do § 2º do art. 7º). Abrange a hipótese do genocídio (art. 7º, I, d) e delitos previstos em Tratados ou
Convenções subscritas pelo Brasil, nas quais o país se obriga a efetuar a punição – exe.: tráfico de drogas,
pirataria, tráfico de mulheres, tortura; (d) Princípio da representação (do pavilhão ou bandeira): aplica-se a
lei brasileira aos crimes cometidos em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, quando estiverem em território estrangeiro e aí não sejam punidas art. 7º, II, c do CP. É princípio
subsidiário, aplicável apenas quando o governo estrangeiro não demonstre interesse em punir o criminoso.

2.1. Extraterr. Incondicionada: inspiradas no princípio da defesa ou real ou da proteção - (art. 7º, inc. I, a, b, c
e d, CP);.Obs.: há autores que fundamentam a hipótese da alínea “d” no princípio da justiça universal, mas
prevalece o entendimento da especial importância para o Brasil. Previsão do §1º do artigo 7º
do CP: Admite o processo aqui no Brasil independente de o processo no exterior ter resultado em absolvição
ou condenação. Doutrina aponta que em caso de absolvição no estrangeiro não é aplicável, pois colide com o
artigo 8º,item 4 do Pacto São José da Costa Rica (supralegal). Todavia, em caso de condenação ou cumprimento
de pena no estrangeiro a persecução aqui não configura bis in idem por força do artigo 8° do CP, que prevê
compensação de pena já cumprida.
2.2. Extraterr. Condicionada (CP,art. 7º, inc. II,a,b,c): a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a
reprimir – P. justiça universal; b) praticados por brasileiro – P. nacionalidade ativa; c) praticados em aeronaves
ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados – P. representação. Condições concorrentes previstas no §2º do artigo 7º do CP:
Condições de procedibilidade + condições especiais de punibilidade. Procedibilidade: que o agente entre no
território nacional. Especiais de punibilidade: que o fato seja punível também no país em que foi praticado,
esteja o crime incluído entre aqueles que a lei brasileira admite a extradição, não tenha sido o agente absolvido
no estrangeiro ou não tenha aí cumprido a pena (só impede o processo no Brasil o cumprimento integral da
pena no exterior), não tenha sido o agente perdoado no estrangeiro ou não esteja extinta a punibilidade por
qualquer outro motivo, segundo a lei mais favorável.
Condições previstas do §3º do artigo 7º do CP § 3º: consagra o princípio da nacionalidade passiva.
Hipercondicionada: adiciona mais 2 condições de procedibilidade, que concorrem com as do §2º: a) não pedida
ou negada a extradição; b) haver requisição do Ministro da Justiça para que se instaure inquérito/processo.
3. Lugar do crime: teoria adotada pelo CP (art. 6º) é a teoria pura da ubiquidade, mista ou unitária, pela qual
lugar do crime pode ser o da ação, do resultado ou do lugar do bem jurídico atingido (Cezar Roberto Bitencourt)
- visa resolver conflitos de jurisdição e de adoção de teorias, no caso concreto, bem como aplicar

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“compensação” de penas caso o agente venha a ser condenado, por exemplo, no estrangeiro e depois no Brasil
(CP: art. 8º). Outras teorias: teoria da ação ou da atividade(local onde a conduta típica criminosa foi realizada);
teoria do resultado ou do evento(onde os resultados se concretizam, onde o evento se consuma); teoria da
intenção(onde o agente tinha intenção que o resultado de sua ação se concretizasse); teoria do efeito
intermédio ou do efeito mais próximo (onde a “energia” movimentada pela atuação do agente atinge a vítima
ou bem jurídico); teoria da ação à distância ou longa mão (local do ato executivo); teoria limitada da ubiquidade
(local da ação ou do resultado). A vantagem da teoria da ubiquidade é alcançar o crime à distância e evitar o
conflito negativo de jurisdição. O inconveniente da teoria da ubiquidade é a possibilidade de bis in idem, pois
dois países julgarão o mesmo fato. O art. 8º do CP resolve esse problema ao cuidar das situações em que
incorrer bis in idem.
Classificação de crimes quanto ao local: a) Crimes à distância: percorre territórios de dois Estados soberanos
(ex: enviar carta-bomba do Brasil para explodir na Itália) ->Gera conflito internacional de jurisdição (a lei penal
de qual Estado será aplicada) > aplica o art. 6º. do CP - local do crime – Teoria da ubiquidade(mista): lugar da
ação/omissão ou lugar do resultado (produzido ou “produziria”). b) Crimes em trânsito: crime percorre
territórios de mais de dois países >Gera conflito internacional de jurisdição> aplica o art. 6º. do CP. c)
Crimes plurilocais: crime percorre dois ou mais territórios do mesmo país > conflito interno de competência >
Aplica-se o art. 70. do CPP.
4. Pena cumprida no estrangeiro - Art. 8º, CP: Extraterritorialidade incondicionada – aplica-se o §1º do artigo
7º: compensação se penas iguais (desconto por detração normal); se penas diferentes o juiz deve fazer uma
atenuação (ex. multa no estrangeiro e privativa de liberdade aqui). Extraterritorialidade condicionada: também
é aplicável o art. 8º.

7A. Limites da aplicação da lei penal em relação às pessoas.

William Chaves Souza

1. Imunidade diplomática: Conceito: Consiste na prerrogativa de Direito Público Internacional de que


desfrutam os representantes diplomáticos estrangeiros e seus familiares que com ele vivam em território
nacional diverso de seu país de origem. A imunidade diplomática apresenta-se como medida de respeito, na
ordem internacional, entre os diversos órgãos estatais estrangeiros, observado o princípio da reciprocidade.
São restrições impostas ao princípio da territorialidade temperada. As imunidades dos diplomatas são amplas
(aplicam-se a qualquer tipo de crime, inclusive homicídios, agressões, etc.). Espécies: Segundo Regis
Prado, dividem-se em: (i) inviolabilidades (imunidade material): a pessoa do diplomata, inclusive sua família,
residência e pertences, são invioláveis, não podendo sofrer nenhuma forma de detenção ou prisão; (ii)
imunidade de jurisdição penal e civil (imunidade formal, para o processo): o agente diplomático deve ser
processado e julgado no Estado que representa, o que é extensível à sua família e aos membros do corpo
diplomático (art. 37, §§1º, 2º e 3º da CVRD). Não está obrigado a comparecer a qualquer juízo ou tribunal do
país acreditado para testemunhar ou prestar informações (art. 31 da CVRD). OBS 1: Como visto, as imunidades
(material e formal) são extensíveis à família do diplomata, desde que esta tenha sido incluída na lista
diplomática e seus membros não sejam nacionais do Estado acreditado. O pessoal de serviços da missão
diplomática, custeado pelo Estado acreditante, só goza de imunidade penal no que concerne a seus atos de
ofício. Criados particulares, pagos pelo próprio diplomata, não têm qualquer imunidade. A natureza jurídica
desse privilégio é de causa pessoal de exclusão de pena. A imunidade pode ser renunciada pelo Estado
acreditante, mas não pelo próprio agente diplomático. OBS 2: Os funcionários da ONU e de outras
organizações internacionais (OEA), quando em missão no território nacional, também gozam de imunidade
(art. 105 da Carta da ONU).

2. Imunidade penal relativa dos agentes consulares: Segundo a Convenção de Viena sobre Relações
Consulares de 1963 (Decreto 61078/67), a inviolabilidade física e a imunidade de jurisdição dos cônsules
apenas se aplicam aos seus atos de oficio (p. ex.: crimes relacionados à função consular – outorga fraudulenta
de passaporte). Segundo REZEK, o privilégio não se estende a membros da família do cônsul nem às suas
instalações residenciais. A prisão preventiva é permitida, desde que autorizada por juiz e em caso de crime

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grave. No julgamento do HC n. 81.158-RJ, o STF, em 2002, confirmou a legalidade da prisão preventiva do
cônsul de Israel.

3. Imunidade de Chefes e ex-Chefes de Estado e Ministro das Relações Exteriores: Os Chefes de


Estado se beneficiam de imunidade cível e penal, extensiva a sua família e comitiva, inclusive em viagens
particulares ou de férias. Tal imunidade abrange, a princípio, ex-Chefe de Estado. Entretanto, há uma tendência
mundial de querer se responsabilizar ex-Chefe de Estado quando tiver cometido grave violação aos direitos
humanos, crimes de guerra, contra a paz e os crimes contra humanidade, em razão do princípio da justiça
universal. Precedente: Conforme decidiu a CIJ no caso da Rep. Dem. do Congo vs Bélgica, o Ministro das
Relações Exteriores possui imunidade racione personae absoluta, não podendo lhe ser aplicado o referido
princípio da justiça universal no enforcement indireto.

4. Imunidade em relação ao direito interno: a) Presidente: O Presidente da República goza de


imunidades formais em relação à prisão e à ação penal durante o exercício do mandato presidencial. Isto
significa que, com relação à prisão, somente poderá ser preso sobrevindo sentença penal condenatória. O
parágrafo 3º, do artigo 86,CF, veda a aplicação de qualquer modalidade de prisão provisória ao Presidente da
República, mesmo em flagrante delito por crime inafiançável. No tocante à ação penal, somente poderá ser
processado após autorização – juízo de admissibilidade – da Câmara dos Deputados por 2/3 dos votos de seus
membros (2/3 de 513 deputados). Tratando-se de crime comum, o Procurador Geral da República oferecerá
denúncia ao Supremo Tribunal Federal que oficiará a Câmara para autorizar a ação penal. Autorizada a ação e
recebida a denúncia, o Presidente ficará afastado de suas funções pelo prazo máximo de 180 dias. No entanto,
em se tratando de crime de responsabilidade, previstos na lei 1.079/50, a denúncia será oferecida por qualquer
cidadão à Câmara dos Deputados que autorizará o processo perante o Senado Federal. Admitida a ação pela
Câmara, o Senado é obrigado a processar o Presidente. É o denominado processo de impeachment. Por fim,
a Constituição Federal ainda prevê o princípio da irresponsabilidade penal do Presidente da República
enquanto estiver exercendo mandato presidencial (portanto, a imunidade é temporária) às: a) infrações penais
cometidas do início do exercício do mandato; b) infrações penais cometidas durante o exercício do mandato,
mas que não guardam correlação com suas funções. A prescrição penal permanecerá suspensa enquanto
perdurar o mandato. b) Governadores e Prefeitos: aparentemente, não há extensão de qualquer
imunidade. Só há prerrogativa de foro: governadores são julgados no STJ em crimes comuns e de
responsabilidade próprios, e os prefeitos no TJ. Por crimes de responsabilidade impróprios, são julgados,
respectivamente, na AL e Câmara de Vereadores. O STF julgou, no caso do ex-Governador do DF, José Roberto
Arruda, que não há imunidade para prisão. Assim, a tendência parece ser de não extensão dos demais
benefícios. STF: “é vedado às unidades federativas instituírem normas que condicionem a instauração de ação
penal contra governador, por crime comum, à previa autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior
Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive
afastamento do cargo”. STF/Súm. 702: A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se
aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao
respectivo tribunal de segundo grau.

5. Imunidade parlamentar: Há 6 correntes sobre a sua natureza jurídica: a) excludente de crime


(Pontes de Miranda); b) excludente de pena (Aníbal Bruno); c) causa de incapacidade penal por razões políticas
(Frederico Marques); d) causa de irresponsabilidade (Magalhaes Noronha); e) causa que se opõe à formação
do crime (Basileu Garcia); f) atipicidade (STF) – logo, se estende ao partícipe. Prerrogativas irrenunciáveis,
de Direito público interno e de cunho personalíssimo, inerentes ao exercício do mandato parlamentar (visam
garantir a liberdade deste exercício).
Para os parlamentares federais, a CF/88 prevê duas espécies: (A) imunidade absoluta, material,
inviolabilidade (art. 53, caput): protege os parlamentares em suas opiniões, palavras e votos (decorre do
regime democrático), desde que relacionados às suas funções, mesmo que a manifestação se dê fora do
recinto do Congresso Nacional. Prevalece ainda que se trate de ofensa subversiva que constitua crime contra
a segurança nacional (art. 26 da Lei 7170/1983). Limite: nexo funcional. O STF tem considerado que a natureza
jurídica da inviolabilidade é de causa de atipicidade. Há divergência doutrinária sobre esse ponto; (B)

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imunidade relativa ou formal: quatro situações: (b.1) para a prisão (freedom from arrest - art. 53, §2º) – desde
a expedição do diploma, os parlamentares não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável,
hipótese em que os autos deverão ser remetidos à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria (votação
aberta), resolva sobre a prisão. O STF já decidiu que essa regra não se aplica na hipótese de prisão fixada por
sentença transitada em julgado, mas se aplica em caso de prisão cautelar (Plenário, por maioria, julgou
parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade na qual se pedia interpretação conforme à
Constituição para que a aplicação das medidas cautelares, quando impostas a parlamentares, fossem
submetidas à deliberação da respectiva casa legislativa em 24 horas. Primeiramente, a Corte assentou que o
Poder Judiciário dispõe de competência para impor, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se
refere o art. 319 do CPP. [...] Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, também por votação majoritária,
deliberou encaminhar, para os fins a que se refere art. 53, § 2º, da CF, a decisão que houver aplicado medida
cautelar sempre que a execução desta impossibilitar direta ou indiretamente o exercício regular do mandato
legislativo. (ADI 5.526,). Prisao civil(alimentos): não admitida, só podem ser executados por penhora
(b.2) quanto ao foro: art. 53, §1º, CF: julgados pelo STF desde a diplomação: se estava sendo
processado em 1ª instância, o processo sobe para o STF, e voltará ao fim do mandato, caso não finalizado ou
não reeleito; vereadores: Constituição Estadual pode prever foro por prerrogativa para vereadores ( aplica-se
a Súmula Vinculante 45 do STF, segundo a qual “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece
sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual). b3)
quanto ao processo (art. 53, §§3º, 4º e 5º) – a partir da EC 35/2001, o STF passou a ter poderes para receber
denúncia contra parlamentar, por crime praticado após a diplomação, independentemente de prévia licença
da casa respectiva; recebida a denúncia, o STF dará ciência à respectiva Casa, que, por iniciativa de partido
político nela representado e pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá, até a decisão final do
processo penal, sustar o seu andamento. Essa ciência à Casa respectiva não é necessária em relação à denúncia
por crime praticado pelo parlamentar antes da diplomação; em relação a esses crimes, não poderá haver
sustação do processo por decisão da Casa. Suspendendo o processo, também suspende a prescrição. b4)
produção de provas: 53,§6º: “inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados”, tal não se estende ao
parlamentar réu ou investigado, apenas na condição de testemunha.
OBS 1: Suplentes e imunidades: As imunidades parlamentares não se aplicam aos suplentes. Elas se
aplicam aos Deputados Estaduais (art. 27, §1º da CF/88). Segundo se extrai do art. 29, VIII da CF/88, os
vereadores possuem imunidade material no exercício de seu mandato e na circunscrição do Município, mas
não possuem imunidade formal (nem para o processo, nem para prisão).
OBS 2: Afastamento e imunidades: As imunidades parlamentares não se mantêm durante o
afastamento do parlamentar do exercício de suas funções (embora o foro por prerrogativa de função se
mantenha), para o exercício, por exemplo, do cargo de Ministro, Secretário de Estado ou de Município e
encerram-se com o término do mandato.
OBS3. Manifestações STF: HC 115.397: "o mandato parlamentar não implica, por si só, imunidade. Há
de apreciar-se o nexo entre as ideias expressadas e as atribuições próprias à representação do povo brasileiro".
Pet 5.705: A liberdade de opinião e manifestação do parlamentar, ratione muneris, impõe contornos
à imunidade material, nos limites estritamente necessários à defesa do mandato contra o arbítrio, à luz do
princípio republicano que norteia a CF. A imunidade parlamentar material, estabelecida para fins de proteção
republicana ao livre exercício do mandato, não confere aos parlamentares o direito de empregar expediente
fraudulento, artificioso ou ardiloso, voltado a alterar a verdade da informação, com o fim de desqualificar ou
imputar fato desonroso à reputação de terceiros. Pet 5.714 AgR: A verbalização da representação
parlamentar não contempla ofensas pessoais, via achincalhamentos ou licenciosidade da fala. Placita, contudo,
modelo de expressão não protocolar, ou mesmo desabrido, em manifestações muitas vezes ácidas, jocosas,
mordazes, ou até impiedosas, em que o vernáculo contundente, ainda que acaso deplorável no patamar de
respeito mútuo a que se aspira em uma sociedade civilizada, embala a exposição do ponto de vista do orador.
Sum. 245: A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa. (só se aplica para
imunidade relativa);

QUESTÕES DE PROVA:
Limites da aplicação da lei penal em relação às pessoas. Fale sobre o tema.

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Discorri longamente sobre aplicação da lei penal a pessoas físicas e jurídicas. Ele ouviu com
atenção, mas depois quis saber, fora desse tema, se havia exclusão da aplicação da lei penal a
certas pessoas no CP. Queria ouvir sobre escusas absolutórias, me perguntou o que eram, e em
que casos era prevista.
Escusas absolutórias: são causas excludentes da punibilidade previstas no CP:(crimes
patrimoniais sem violência) Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes
previstos neste título, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; [181,I -
abrange união estável( analogia in bonam partem, também homoafetiva), separação de fato]; II
- de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Favorecimento pessoal: Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de
crime a que é cominada pena de reclusão:[...]§ 2º - Se quem presta o auxílio é ascendente,
descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena.
Escusas relativas: não há exclusão da pena, mas cria-se condição especial de procedibilidade
“representação da vítima”: Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime
previsto neste título é cometido em prejuízo: I - do cônjuge desquitado ou judicialmente
separado; II - de irmão, legítimo ou ilegítimo; III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Não aplicação das escusas: Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:
I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou
violência à pessoa; II - ao estranho que participa do crime; III – se o crime é praticado contra
pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Na Lei Maria da Penha: (Maria Berenice
Dias) não admite aplicação de escusas no crime em âmbito doméstico (art. 7º, IV, Lei Maria da
Penha). Rogério Sanches discorda, pois não há previsão expressa no 183, CP, como há para o
idoso. Além disso, haveria ruptura desproporcional com a isonomia, uma vez que a esposa que
subtrai o marido poderia gozar da escusa e este não poderia, se agente.

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4.FATO TÍPICO
4.1 Teoria do crime. (9.a)
4.2 Teoria da conduta. (10.a)
4.3 Causalidade e imputação objetiva. (11.a)
4.4 Teoria do tipo doloso. (12.a)
4.5 Teoria do tipo culposo. (13.a)
4.6 Teoria do tipo omissivo. (14.a)
4.7 Teoria do erro. (17.a)
4.8 Etapas da realização do crime. (18.a)

9A. Teoria do crime

Andressa Pillon

-Conceito de crime:
a) critério material (leva em conta a relevância do mal causado ao bem jurídico) – crime é toda ação ou omissão
humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados;
b) critério legal (é o fornecido pelo legislador) – (Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena
de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;
contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente);
c) critério analítico, formal ou dogmático – teoria tripartida (crime é fato típico, ilícito e culpável) ou teoria
bipartida (crime é fato típico e ilícito; a culpabilidade é pressuposto de aplicação da pena).
-Sujeito ativo: é toda pessoa que realiza direta ou indiretamente a conduta criminosa, seja isoladamente ou
em concurso.
Obs: Pessoa jurídica- CF/88 admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem
econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente, autorizando o legislador
ordinário a cominar penas compatíveis com a sua natureza, independentemente da responsabilidade
individual dos seus dirigentes (arts. 173, §5º, e 225, §3º). Há 4 correntes acerca da responsabilidade da PJ:
1(minoritária na doutrina)= a CF não previu a responsabilidade penal da PJ; 2(majoritária na doutrina)= a ideia
de responsabilidade da PJ é incompatível com a teoria do crime adotada no Brasil; 3(posição atual do STJ e
STF): é possível a responsabilidade penal da PJ, ainda que não haja responsabilidade da PF, pois a CF não
condiciona; 4(posição antiga do STJ): é possível a responsabilidade penal da PJ, desde que em conjunto com a
PF -teoria da dupla imputação.
-Sujeito passivo: é o titular do bem jurídico protegido pela lei penal violada por meio da conduta criminosa.
OBS.: crimes vagos – sujeito passivo indeterminado (caiu na segunda fase do 29 cpr= relacionar crimes vagos
com a justiça restaurativa).

Para o conceito tripartite: crime é fato típico + ilícito + culpável.


O fato típico é formado por: conduta típica + nexo de causalidade + resultado.

1) Conduta:
-Teorias da conduta- Teoria clássica/causalista/naturalista (adotada no CP Militar): dolo e culpa fazem parte
da culpabilidade. dolo normativo/dolus malus/
Teoria finalista (adotada pelo CP): dolo e culpa fazem parte da conduta (dentro da tipicidade). Dolo
neutro/nAtural/ dolus bonus. A conduta é um comportamento humano voluntário + psiquicamente dirigido a
um fim. Os finalistas adotam a teoria normativa pura da culpabilidade- a culpabilidade está dissociada de
qualquer elemento psicológico.
Teoria social: conduta é o comportamento humano com transcendência social > o agente deve realizar todos
os elementos do tipo e ter a intenção de produzir resultado socialmente relevante.
-Causas de exclusão da conduta: caso fortuito, força maior, involuntariedade, coação física irresistível (se for
resistível, é atenuante). Obs- coação moral irresistível- causa de exclusão da culpabilidade.

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-Condutas omissivas:
Teorias do tipo omissivo- a)Teoria naturalística: a omissão é fenômeno causal que pode ser constatado no
mundo fático. B) Teoria normativa (ADOTADA PELO CP): a omissão é um indiferente penal, salvo quando a
lei prevê expressamente.
-crimes omissivos próprios: a norma impõe o dever de agir no próprio tipo;
- crimes omissivos impróprios: o agente descumpre dever jurídico de agir definido pelo art. 13, §2º, do CP.
Obs: prova oral- Crimes omissivos. Modalidades, exemplos. Como funciona
a imputação, modalidades de garante. Se pode haver crime omissivo culposo.
Obs: prova oral- Crimes omissivos. O que é o garantidor? Pode concurso de
pessoas? Pode tentativa?

-Conduta dolosa:
A)Teoria do tipo doloso Vide ponto 12.a

-Conduta culposa: Teoria do tipo culposo


A) considerações gerais: O tipo culposo tem de estar expressamente previsto na lei (excepcionalidade do crime
culposo), conforme determina o art. 18, parágrafo único, do CP. O elemento decisivo da ilicitude do fato
culposo reside no desvalor da ação e não do resultado. Isso permitiu a elaboração da estrutura do crime
culposo. Está previsto no art. 18, II, do CP
B) conceito: Culpa é a conduta voluntária que realiza um fato ilícito não querido pelo agente, mas que foi por
ele previsto (culpa consciente) ou lhe era previsível (culpa inconsciente) e que podia ser evitado se o agente
atuasse com o devido cuidado. OBS: De acordo com a maioria, trata-se de elemento psicológico-normativo
implícito na conduta
C) Elementos da conduta culposa: 1) Conduta humana voluntária e lícita: Ação ou omissão. A vontade do
agente limita-se à realização da conduta, e não à produção do resultado. Não obstante, o agente causa o
resultado porque atuou sem observar as normas de atenção, cuidado ou diligência impostas pela vida de
relação, tendo-se em vista as circunstâncias do fato concreto. 2) Violação de um dever de cuidado objetivo:
O agente atua em desacordo com o que esperado pela lei e pela sociedade (se atuasse com prudência e
discernimento, evitaria o evento). A violação desse dever pode manifestar-se de várias formas (modalidades
de culpa), que são a imprudência, negligência e a imperícia; 3) Resultado involuntário: Haverá, pois, crime
culposo quando o agente não deseja e nem assume o risco de produzir o resultado criminoso previsível, mas,
ainda assim, o produz. A inevitabilidade do resultado exclui a própria tipicidade, visto que a inobservância do
cuidado devido deve ser causa do resultado em caso de crime culposo.
Obs:Em regra, o crime culposo é material (exige resultado naturalístico). Existe delito culposo não material,
isto é, sem resultado naturalístico? Excepcionalmente, sim. Ex.: Lei 11.343/2006, art. 38. Prescrever ou
ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar. Na modalidade “prescrever”, o crime se consuma com a
entrega da receita (ainda que o paciente não venha a adquirir/utilizar a droga). 4) Nexo entre conduta e
resultado; 5) Previsibilidade: é exigível o cuidado objetivo quando o resultado era previsível para uma pessoa
razoável e prudente (homo medius), nas condições em que o agente atuou (previsibilidade objetiva). Todavia,
para estabelecer a culpa, ou seja, reprovabilidade pessoal, é necessária a previsibilidade para o agente, nas
circunstâncias concretas em que atuou e tendo-se em vista suas condições pessoais (previsibilidade subjetiva).
A previsibilidade objetiva, todavia, é o limite mínimo da ilicitude nos crimes culposos. Portanto, apesar de
típico e antijurídico o fato, o autor pode ser desculpado ante a imprevisibilidade subjetiva, ou, em outras
palavras, o direito não lhe podia exigir, naquelas circunstâncias, um comportamento diverso. ATENÇÃO:
Previsibilidade (possibilidade de conhecer o perigo) não se confunde com previsão (o agente conhece o
perigo). Na culpa consciente, o agente tem previsão. A previsibilidade é só para a culpa inconsciente. 6)
Tipicidade: CP, art. 18, par. único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto
como crime, se não quando o pratica dolosamente. Deve haver previsão legal da culpa para a existência do

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crime culposo.
D) Espécies de culpa: há duas espécies de culpa: 1) Culpa consciente ou culpa com previsão: prevê o resultado,
mas acredita que pode evitar; 2) Culpa inconsciente ou culpa com previsibilidade:não prevê algo que é
previsível. 3)Culpa própria é aquela em que o agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado.4)
Culpa imprópria ou Culpa por extensão ou por assimilação ou por equiparação: A culpa imprópria é uma
conduta dolosa à qual a lei reservou a pena de um crime culposo, pelo fato de a pena do crime culposo ser
mais branda do que a do crime doloso. Aqui, o agente supõe agir licitamente porque imagina, por erro, existir
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Apesar de a conduta ser dolosa, o agente responde
por culpa (CP, art. 20, par. 1º, segunda parte). A estrutura do crime é dolosa, porém é punido como se culposo
fosse por razões de política criminal. Atenção: Por isso, a culpa imprópria, excepcionalmente, admite tentativa.
OBS 1: Dolo eventual e culpa consciente: em ambos os casos, o agente prevê o resultado. No dolo eventual,
o indivíduo não se importa com o resultado. Já na culpa consciente, o autor da infração penal não acredita que
o resultado pode advir. Para diferenciá-los, é possível recorrer a “fórmula de frank” (deve-se fazer a seguinte
pergunta: se o resultado fosse certo, iria continuar? Se positivo – dolo eventual. Se negativos- Culpa
consciente).
OBS 3: O que é culpa in re ipsa (também chamada de culpa presumida)? Tratava-se de
modalidade de culpa admitida pela legislação penal antes do Código Penal de 1940. Consistia na simples
inobservância de uma disposição regulamentar. CUIDADO: Hoje, a culpa não mais se presume; deve ser
comprovada.
OBS 4: O Direito Penal não admite compensação de culpas, diferentemente do Direito Civil. Havendo
concorrência de culpas, isto é, cada um violando o seu dever de cuidado, haverá a punição isolada de cada
autor (autoria colateral). Da mesma forma, eventual culpa concorrente da vítima, não exclui a do agente. Só
há a exclusão quando ocorrer a culpa exclusiva da vítima. Somente a culpa exclusiva da vítima isenta o agente
de responsabilidade penal.
OBS 5: A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para
a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).
OBS 6: Racha: Em regra é dolo eventual (STJ). No entanto, nos casos concretos, é possível dolo eventual ou
culpa consciente, de acordo com as circunstâncias.
Obs 7: Crime preterdoloso ou preintencional: É o crime agravado pelo resultado (CP, art. 19). Dolo no
antecedente + culpa no consequente. Cuida-se, assim, de espécie de crime qualificado pelo resultado. No crime
preterdoloso, o agente comete crime distinto do que havia projetado cometer, advindo resultado mais grave
decorrente da negligência em sentido amplo. É uma figura híbrida. ATENÇÃO: Quando o resultado mais grave
advém de caso fortuito ou força maior, não se imputa ao agente a qualificadora.

2) Nexo de causalidade /Relação de causalidade


Conceito: é o vínculo entre a conduta e o resultado.
Teoria da equivalência dos antecedentes ou das condições (REGRA DO CP > art. 13, caput, CP)- é causa todo
fato que concorre para o resultado. Para evitar o regresso ao infinito, deve-se utilizar o processo hipotético
de eliminação.
Teoria da causalidade adequada ( exceção no CP > art. 13, §1º, CP )- causa é todo fato necessário e adequado
ao resultado.
Teoria da imputação objetiva- Conceito: Busca limitar a responsabilidade penal pelo fato. Exige, além do
vínculo entre conduta e resultado (nexo físico/causalidade), o nexo causal normativo. . Aplicável
exclusivamente aos crimes materiais. Não há previsão legal. É proposta doutrinária e já foi utilizada pelo STJ.
É mais favorável ao réu.
Obs: prova oral - Imputação objetiva, elementos negativos do tipo.
Obs: prova oral- Dê um exemplo de modificação que a teoria da imputação
objetiva trouxe àquilo que tradicionalmente se estuda em
direito penal. Ela exclui a imputação de causalidade ou a
considera insuficiente?

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O nexo causal normativo é formado pelos seguintes elementos (Roxin):
a) Criação/ aumento do risco no resultado, b) concretização do resultado, c) resultado previsto no tipo.
Obs- para Roxin, na ausência de um deles, não haveria crime.
Portanto, para essa Teoria, para existir o nexo causal é necessário que o agente tenha criado um risco proibido
(Risco criado deve ser proibido pelo direito) ou aumentado um já existente.

Exclusão do risco proibido: comportamento exclusivo da vítima, contribuições socialmente neutras,


comportamentos socialmente adequados, proibição de regresso.
Realização ou aumento do risco > exclusão: lesão sem relação com o risco proibido, danos tardios, danos
causados a outros resultantes do choque causado pelo fato criminoso
realizado, ações perigosas de salvamento, comportamento indevido posterior de um terceiro.

Obs: para Jakobs, é preciso basear-se no: risco permitido, no princípio da confiança, na proibição de regresso
e na capacidade da vítima.

Concausas: é a convergência de uma causa externa à vontade do autor, que modifica o resultado.
-absolutamente independentes (preexistente, concomitante, superveniente): rompem o nexo de causalidade
-relativamente independentes: em regra, não rompem o nexo de causalidade e o agente responde pelo
resultado. Exceção – concausa superveniente que por si só produziu o resultado: rompe o nexo de causalidade
(aplicação da teoria da causalidade adequada).

3) Resultado
- resultado naturalistico/material: crime material (o resultado é independente), crime formal (o resultado é
dispensável), crime de mera conduta (a norma não prevê um resultado).
-resultado normativo/jurídico-lesão/perigo de lesão: crime de perigo abstrato (o resultado é presumido), crime
de perigo concreto (deve ser demonstrado o risco de lesão), crime de dano (exigem efetiva lesão).
Obs: prova oral- Classificação dos crimes que tem relação com o nexo
causal? Material, formal e mera conduta.

4) Tipicidade
-tipicidade formal= adequação típica
-tipicidade material= é a lesão/ perigo de lesão ao bem jurídico
-Teorias-
*teoria indiciária: a tipicidade acarreta a presunção de ilicitude. As excludentes de ilicitude devem ser
demonstradas pela defesa.
*teoria dos elementos negativos do tipo: a tipicidade não acarreta presunção de ilicitude. Tipicidade e ilicitude
devem ser provados pela acusação.
Obs: prova oral- Imputação objetiva, elementos negativos do tipo.
*teoria da tipicidade conglobante (zaffaroni): deve haver violação de todo ordenamento jurídico e não apenas
da lei penal. Tipo penal = tipicidade legal + tipicidade conglobante.

-Tipo e tipicidade penal.


Tipo ≠ tipicidade penal ≠ juízo de tipicidade. Tipo é o modelo genérico e abstrato, formulado pela lei penal,
descritivo da conduta criminosa ou da conduta permitida. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo
agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal, ou seja, é a operação de ajusto do fato à norma.
Juízo de tipicidade consiste em analisar se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para
qualificá-la como infração penal.
Obs: prova oral 28 cpr- perguntas sobre teorias da conduta. Diferença entre tipo e tipicidade.
-Partes no tipo: (i) título– o legislador explicita o bem jurídico protegido, facilitando a hermenêutica; ii)
preceito primário – descrição da conduta proibida ou descrição de uma conduta que exclui a ilicitude (iii)
preceito secundário – parte sancionadora.
-Funções do tipo penal: garantia, fundamentadora, indiciária de ilicitude, diferenciadora do erro e seletiva.

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-Adequação típica imediata: Somente se verifica se o fato amolda-se ao tipo descrito na norma, sem
necessidade de concurso de qualquer outra norma. Sujeição direta à lei penal incriminadora.
-Adequação típica mediata: Embora a conduta não se amolde imediatamente na norma prevista na lei pena,
em razão da norma de extensão, que amplia a incidência de tal norma típica, permite a tipicidade da conduta.
É o caso da tentativa e do concurso de agentes.
-Elementos do tipo: a) elementos objetivos: não dizem respeito à vontade do agente, podendo ser (i)
descritivos (captáveis pela verificação sensorial (ex. matar); exprimem juízo de certeza) ou (ii) normativos
(desvendáveis por juízos de valoração cultural (ex. ato obsceno) ou jurídica (ex. cheque); tais elementos tem a
finalidade de se amoldarem às circunstâncias, à época, ao lugar etc); b) elementos subjetivos: relacionam-se
à vontade ou à intenção do agente; podem ser específicos se denotam alguma finalidade especial (ex. para
satisfazer interesse próprio ou alheio)- dolo específico, ou seja, o especial fim de agir, que amplia o aspecto
subjetivo do tipo, mas não integra o dolo e nem com ele se confunde.
c) elementos modais: expressam no tipo penal condições específicas de tempo, local ou modo de execução,
indispensáveis para caracterização do crime (ex. infanticídio); não são aceitos de modo unânime na doutrina.
-Classificação: a) tipo fechado – constituído apenas de elementos descritivos b) tipo aberto- contém muitos
elementos subjetivos; c) tipo básico – é a conduta nuclear com os seus indispensáveis complementos; em regra
está previsto no caput; exceção: o excesso de exação está previsto no § 1 do art. 316; d) tipo derivado –
complementa um tipo básico, implicando em maior reprovação social (tipo qualificado); e) tipo simples – via
de regra, contém apenas um verbo, uma única conduta; f) tipo misto – há mais de um verbo no tipo, podendo
ser tipo misto alternativo ou tipo misto cumulativo g) tipo formal – descrição de uma conduta feita pelo
legislador, juízo de subsunção; h) tipo material – real ofensa a bem jurídico tutelado pelo tipo formal; i) tipo
remetido – construção típica complexa, fazendo referência a outros tipos, j) tipo normal – prevê apenas
elementos objetivos; k) tipo anormal – prevê elementos objetivos e subjetivos, l) tipo congruente – há perfeita
sintonia entre o ato praticado e a vontade do agente; é o crime consumado; m) tipo incongruente – não há
sintonia citada. N) Tipos incriminadores e permissivos: os tipos podem ser incriminadores (síntese legal da
conduta criminosa) ou permissivos/justificadores (situação em que a lei considera lícita a conduta de um fato
típico, são as causas de exclusão da ilicitude). Os tipos incriminadores são formados pelo núcleo (verbo), pelos
elementos e pelas circunstâncias. As circunstâncias são presentes nas figuras qualificadas ou privilegiadas.
-Exclusão da tipicidade: As excludentes legais estão dispersas pelo CP e como exemplo temos (i) o crime
impossível (art. 17); (ii) intervenção médico-cirúrgica e impedimento de suicídio (art. 146, § 3º); (iii) retratação
no crime de falso testemunho (art. 342, § 2º). Ao lado dessas tem-se as excludentes supralegais, que são: a)
tipicidade conglobante como corretivo da tipicidade legal: a norma proibitiva que dá lugar ao tipo não está
isolada, mas permanece junto com outras normas também proibitivas, formando uma ordem normativa, onde
não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou fomenta; b) princípio da insignificância: c)
princípio da adequação social: Não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora
tipificado em lei, não afrontar o sentimento social de justiça; d) princípio da confiança: baseia-se na premissa
de que se deve esperar das pessoas
comportamentos responsáveis; e) risco permitido: não se confunde com as causas excludentes da
antijuridicidade; f) consentimento do ofendido: é causa de exclusão da tipicidade, mas só pode ser reconhecida
quando envolver direitos disponíveis; ASSIS TOLEDO exige como requisitos para seu reconhecimento: livre
manifestação de vontade de ofendido capaz, congruência entre o consentimento e o ocorrido. (Prova objetiva
MPF-29cpr: consentimento válido do ofendido exclui o crime de tráfico de pessoas -Art.149-A).

- Erro de tipo:
A) Erro de tipo: .1 essencial - recai sobre circunstância que configura elemento essencial do tipo; falsa
percepção da realidade sobre um elemento do crime. Pode ocorrer nos crimes omissivos impróprios, por ex.
quando o agente desconhece sua posição de garantidor. Quando inevitável (não deriva de culpa), afasta o dolo
e a culpa, excluindo a tipicidade; quando evitável (provem da culpa do agente) também exclui o dolo, mas
permite a punição a título de culpa. 2. acidental – recai sobre dados diversos dos elementos constitutivos do
tipo penal (ou seja, sobre as circunstancias e fatores irrelevantes da figura típica. A infração penal subsiste.
Ocorre nas seguintes situações: (i) erro sobre a pessoa – art. 20, §3º, CP; (ii) erro sobre o objeto; (iii) erro sobre
as qualificadoras: o agente responde apenas pelo crime efetivamente praticado; (iv) erro sobre o nexo causal

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(aberratio causae)- o sujeito, acreditando ter produzido o resultado, pratica nova conduta com finalidade
diversa e ao final se constata que foi esta ultima que produziu o resultado; é irrelevante para o direito penal;
o dolo é geral e envolve todo o desenrolar da ação tipica; (v) erro na execução (aberratio ictus) – art. 73, CP –
o agente não se engana quanto à pessoa que desejava atacar, mas age de modo desastrado, errando seu alvo,
ou por acidente, acaba acertando pessoa diversa. Espécies: (a) com unidade simples: o agente atinge apenas
a pessoa diversa da desejada, sendo punido cf. art. 20, §3º; (b) com unidade complexa: atinge a pessoa
inicialmente desejada e, culposamente, outra pessoa; aplica-se a regra do concurso formal próprio. Caso haja
dolo direto ou mesmo eventual em relação às demais pessoas atingidas, aplica-se a regra do concurso formal
impróprio; (vi) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis- art. 74, CP): o agente desejava cometer um
crime, mas, por erro na execução, acaba por cometer outro. Espécies: (a) com unidade simples: o agente atinge
somente bem jurídico diverso do pretendido, respondendo por culpa, se o fato for previsto como crime
culposo. Entretanto, se o resultado previsto como crime culposo for menos grave ou se o crime não tiver
modalidade culposa, deve-se desprezar a regra do art. 74, segundo parte da doutrina. (b) com unidade
complexa: atinge o bem jurídico desejado e, culposamente, outro bem; aplica-se a regra do concurso formal
próprio. Caso haja dolo direto ou mesmo eventual em relação aos demais bens atingidos, aplica-se a regra do
concurso formal impróprio.
B) Erro de tipo (o Erro recai sobre os elementos ou dados agregados ao tipo; o agente não sabe o que faz) x
Erro de proibição (o Erro recai sobre a ilicitude da conduta praticada; o agente sabe exatamente o que faz,
porém ignora o caráter ilícito do seu ato).
C) Erro de tipo essencial (o agente pratica um tipo penal sem querer; o agente imagina estar agindo licitamente
e ignora a presença de uma elementar; se inevitável -exclui o dolo e a culpa, se evitável – exclui o dolo, mas
pune a culpa se previsto como crime) x delito putativo por Erro de tipo/delito de alucinação (o agente pratica
um fato atípico sem querer; o Gente imagina estar agindo ilicitamente e ignora a ausência de elementar; trata-
se de um crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto material).
D) Erro de subsunção: o agente decifra equivocadamente o sentido jurídico do seu comportamento. O Erro
recai sobre conceitos jurídicos. Não afasta a responsabilidade penal do agente.
E) Erro provocado por terceiro: tem como consequência a punição do agente provocador na condição de autor
mediato. O agente provocado (autor imediato), em regra, não responderá pelo crime. No entanto, se ele agir
com dolo/culpa, pode responder

Tentativa
-Conceito: é o início da execução de um crime que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do
agente.
-Natureza jurídica: é causa obrigatória de diminuição de pena.
-Teorias: (I) subjetiva, voluntarística ou monista: o sujeito é punido pela sua intenção. O que importa é o
desvalor da ação, sendo irrelevante o desvalor do resultado. Ex: crimes de atentado ou de empreendimento-
não distingue a pena de tentativa e consumação, (II) sintomática: sustenta a punição em razão da
periculosidade subjetiva (perigo revelado pelo agente). Concentra-se na análise da periculosidade. Não se
aplica (direito penal do autor).
(III) objetiva realística ou naturalística(REGRA DO CP) > a tentativa é punida em face do perigo proporcionado
ao bem jurídico tutelado pela lei penal; a tentativa deve receber punição inferior à do crime consumado, pois
o bem jurídico não foi atingido integralmente. (Iv) SUBJETIVO-OBJETIVA (TEORIA DA IMPRESSÃO):
Fundamento da punição e representado pela junção da avaliação da vontade criminosa com um princípio de
risco ao bem jurídico protegido.
- CRITÉRIO PARA REDUÇÃO DE PENA: Como critério de fixação, deve-se levar em consideração a proximidade
da consumação, caso em que o bem jurídico terá maior exposição a perigo. Quanto mais próximo o agente
chegar da consumação, menor será a redução, e vice-versa. Assim, na tentativa branca (incruenta) a redução
sempre será maior do que na vermelha (cruenta). Tal critério é fruto de uma construção jurisprudencial. A
jurisprudência do STJ adota critério de diminuição do crime tentado de forma inversamente proporcional à
aproximação do resultado representado: quanto maior o iter criminis percorrido pelo agente, menor será a
fração da causa de diminuição. STJ. 02/08/2016.
-Não admitem tentativa: crimes culposos, preterdolosos, unissubsistentes (-ATENÇÃO: Os crimes

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plurissubsistentes são aqueles que admitem fracionamento na fase de execução. Admitem que o agente
pratique vários atos para conseguir produzir o resultado. Ex.: o agente desfere várias facadas na vítima para
matá-la. Nestes crimes poderá ocorrer tanto a tentativa imperfeita quanto a perfeita. Por outro lado, os crimes
unissubsistentes se consumam com apenas um ato, não admitindo fracionamento da execução. Nesse caso,
ao praticar o ato o crime estará consumado, de sorte que, segundo predomina na doutrina, é incompatível
com a tentativa), omissivos próprios, de perigo abstrato, condicionados, subordinados a condição objetiva de
punibilidade, de atentado ou de empreendimento, habituais, crimes-obstáculo e contravenções.
-Classificação: a) tentativa acabada ou tentativa perfeita ou crime falho: esgota a fase executória mas não
alcança o momento consumativo; a redução da pena será de até 1/3 (um terço); b) tentativa inacabada ou
imperfeita: ocorre quando se inicia a execução, mas não se esgota a fase executória por alguma circunstância
alheia a vontade do agente; a redução máxima será de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), conforme o
desenvolvimento da fase executória; c) tentativa branca ou incruenta: o objeto material não é atingido; ela
pode ocorrer na tentativa perfeita e na imperfeita, mas será melhor visualizada na perfeita.
Obs: prova oral- O que vc acha do legislador equiparar a tentativa ao crime consumado?

Crime impossível ou tentativa inidônea ou tentativa inadequada ou quase crime ou crime oco:
-Natureza jurídica: é causa de exclusão da tipicidade.
-Teorias: (I) Teoria objetiva: quando a conduta não tem potencialidade para lesar o bem jurídico, seja em
razão do meio empregado, seja pelas condições do objeto material, não se configura a tentativa; se subdivide
em teoria objetiva pura (não se caracteriza a tentativa no caso de inidoneidade, seja absoluta ou relativa) e
teoria objetiva temperada ou intermediária (ADOTADA PELO CP:Art.17 > se os meios/objetos forem
absolutamente inidôneos a produzir o resultado, o crime é impossível-atipicidade; se a inidoneidade for
relativa, há tentativa). Obs: A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui
óbice para a
tipificação do crime de furto.STF. 1a Turma. HC 111278/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Luiz Roberto Barroso, julgado em 10/4/2018 (Info 897).Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por
monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só,
não torna impossı ́vel a configuração do crime de furto.
(II) Teoria subjetiva: não importa se o meio/objeto são absoluta/relativamente ineficazes. Para que haja
crime, basta que a pessoa tenha agido com vontade de praticar a infração penal III) Teoria sintomática: se
preocupa com a periculosidade do autor, de modo que em qualquer caso (inidoneidade absoluta ou relativa)
deverá ser aplicada medida de segurança.
-Crime impossível ≠ crime putativo: crime impossível (erro recai sobre a idoneidade do meio ou objeto); crime
putativo é aquele em que o agente, embora acredite praticar um fato típico, realiza um indiferente penal, seja
pelo fato de a conduta não encontrar previsão legal (crime putativo por erro de proibição), seja pela ausência
de elementar do tipo (crime putativo por erro de tipo), seja por ter sido induzido à prática do crime, ao mesmo
tempo em que
foram adotadas providencias eficazes para impedir sua consumação (crime putativo por obra do agente
provocador).
Obs: prova oral- Quais são as hipóteses de crime impossível?

Consumação
Conceito: diz-se o crime consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (art.
14, I, CP). Não se deve confundir a consumação formal com a consumação material ou exaurimento, quando
outros resultados lesivos ocorrem - o autor alcançar o objetivo pretendido, além do resultado consumativo.

Desistência voluntária e arrependimento eficaz/resipiscência/tentativa qualificada/ponte de ouro


Conceito: são formas de tentativa abandonada; a consumação não ocorre em razão da vontade do agente. Só
responde pelos atos já praticados.
Natureza jurídica: três correntes: (I) causa pessoal de extinção da punibilidade (HUNGRIA, ZAFFARONI, ANÍBAL
BRUNO); (II) causa de exclusão da culpabilidade (WELZEL, ROXIN); (III) causa de exclusão da tipicidade,
subsistindo apenas a tipicidade dos atos já praticados (JOSÉ

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FREDERICO MARQUES, FRAGOSO e JURISPRUDÊNCIA-predominante).
Requisitos comuns: voluntariedade (≠ espontaneidade) + eficácia( não -consumação; é necessário que a
atuação do agente seja capaz de evitar a produção do resultado. Se, embora o agente tenha buscado impedir
sua ocorrência, ainda assim o resultado se verificou, subsiste a sua responsabilidade pelo crime consumado.)
+ início da execução. COMUNICABILIDADE - Havendo desistência voluntária ou arrependimento eficaz, caso
adotada a corrente de que se trata de hipótese de exclusão da tipicidade, o partícipe não responde pelo crime
inicialmente executado, uma vez que a sua conduta acessória, segundo a teoria da acessoriedade limitada,
somente será punida se ocorrer uma conduta típica e ilícita. Por outro lado, caso fosse adotada a corrente de
que se trata de exclusão da punibilidade, o partícipe responderia.
Distinção: no arrependimento eficaz, o sujeito esgota a execução, mas neutraliza o resultado; na desistência
voluntária, o sujeito pode prosseguir, mas não o faz, porque desiste.
Obs: O instituto do arrependimento eficaz e da desistência voluntária somente são aplicáveis a delito que não
tenha sido consumado. STJ. 02/02/2016.
Diferença entre tentativa e DV e AP: tentativa- iniciada a execução de um delito, a consumação não ocorre
por circunstâncias alheias à vontade do agente.Incidirá uma causa de diminuição de pena (1/3 a 2/3). DV e AP-
Iniciada a execução de um delito, a consumação não
devido à vontade do agente. O agente responderá SOMENTE PELOS ATOS JÁ PRATICADOS.
DV: É compatível com a tentativa imperfeita ou inacabada, compreendida como aquela em que não se
esgotaram os meios de execução que o autor tinha a seu alcance. Não é admitida nos crimes unissubsistentes,
já que a conduta não pode ser fracionada. Obs: FÓRMULA DE FRANK (DV: “posso prosseguir, mas não quero”;
tentativa: “quero prosseguir, mas não posso”).
-AE: É compatível com a tentativa perfeita ou acabada, na qual o agente esgota os meios de execução que se
encontravam à sua disposição. É compatível apenas com os crimes materiais. Os crimes de mera conduta e os
crimes formais, segundo predomina na doutrina, não admitem arrependimento eficaz, uma vez que, ao
esgotar a execução, ocorre a consumação com a simples prática da conduta, independentemente de qualquer
resultado.

Arrependimento posterior/ponte de prata


Natureza jurídica: é causa pessoal e obrigatória de diminuição de pena (variando o índice de redução da pena
em função da maior ou menor celeridade no ressarcimento do prejuízo à vítima. STJ. 04/02/2016)
Requisitos : crime praticado sem violência à pessoa ou grave ameaça (Se houver a reparação do dano em
crimes cometidos com violência ou grave ameaça, incidirá uma circunstância atenuante genérica (CP, art. 65,
III, b) e não arrependimento posterior), voluntariamente e até o recebimento da denúncia ou queixa( após
este marco, aplica-se a atenuante genérica do art. 65, III, b, parte final, do CP), restitui a coisa ou repara o dano
provocado com a sua conduta ( deve ser voluntária, pessoal e integral; Natureza objetiva da reparação do
dano: comunica-se a coautores e partícipes; Prevalece na doutrina que a reparação deve ser integral, salvo se
a vítima aceitar a reparação parcial. Existem decisões do STF no sentido que a reparação pode ser parcial, o
que irá interferir no quantum da redução (HC 98658/PR, j. 9.11.2010. OBS: Apesar de o STF já ter aceitado a
reparação parcial, o STJ, em 2016, sustentou que deve ser integral: A causa de diminuição de pena relativa ao
artigo 16 do Código Penal (arrependimento posterior) somente tem aplicação se houver a integral reparação
do dano ou a restituição da coisa antes do recebimento da denúncia, variando o índice de redução da pena em
função da maior ou menor celeridade no ressarcimento do prejuízo à vítima. STJ. 04/02/2016.). Incide no caso
de reparação do dano moral.
- O arrependimento posterior alcança qualquer crime que com ele seja compatível, e não apenas os delitos
contra o patrimônio. Basta, em termos genéricos, que exista um “dano” causado em razão da conduta
penalmente ilícita. É o caso, por exemplo, do crime de peculato doloso, em suas diversas modalidades (CP, art.
312). Cuida-se de crime contra a Administração Pública que admite o arrependimento posterior. No entanto,
atenção: Não se aplica o instituto do arrependimento posterior ao crime de moeda falsa. A vítima é a
coletividade como um todo, e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação. 18/11/14
(Info 554).
- O arrependimento posterior (art. 16 do CP), por possuir natureza objetiva, deve ser estendido aos corréus.
7/11/2013 (Info 531).

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-diferença entre arrependimento posterior e arrependimento eficaz:
AP: CAUSA OBRIGATÓRIA DE DIMINUIÇÃO DE PENA; Aplica-se apenas aos crimes sem violência e grave
ameaça. Pode ser aplicado aos crimes formais e de mera conduta. Simples causa de diminuição de pena – de
1/3 a 2/3. Pressupõe a produção do resultado.
AE: CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE; Aplica-se também aos crimes com violência e grave Ameaça; Não se
aplica aos crimes formais nem de mera conduta; Não responde pelo resultado visado, mas somente pelos atos
até então praticados; anterior à consumação.
- OUTRAS HIPÓTESES DE REPARAÇÃO DO DANO: Em alguns casos específicos de reparação não se aplica o art.
16 (causa de redução de pena a incidir na terceira fase de aplicação da pena). Exemplos:
• Art. 312, § 3.º, do Código Penal: no peculato culposo, a reparação do dano, se anterior à sentença irrecorrível,
extingue a punibilidade, e, se lhe for posterior, reduz de metade a pena
imposta.
• Art. 65, III, b: Circunstância atenuante a ser considerada na segunda fase de aplicação da pena. Aplica-se
somente se não preenchidos os requisitos do art. 16.
• Súmula 554 do STF: “O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da
denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”. Ou seja, se o pagamento se der antes do recebimento
da denúncia, extingue-se a punibilidade.
• Extinção da punibilidade: pagamento do tributo (art. 83, § 4°, da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei
12.382/11).
• Juizados Especiais Criminais: A composição dos danos civis entre o autor do fato e o ofendido, em se tratando
de crimes de ação penal privada ou ação penal pública condicionada à representação, acarreta na renúncia ao
direito de queixa ou de representação, com a consequente extinção da punibilidade (Lei 9.099/1995, art. 74,
parágrafo único).
• Apropriação indébita previdenciária: No crime tipificado pelo art. 168-A do Código Penal, dispõe seu § 2.º:
“É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e
efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência
social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal”.

15.a. Ilicitude. 16.a. Culpabilidade 17.a. Teoria do erro


tripartite: crime é fato típico + ilícito + culpável.
O fato típico é formado por: conduta típica + nexo de causalidade + resultado (já vimos acima) .

Ilicitude:
-CONCEITO: Ilicitude é a contrariedade entre a conduta e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor
a perigo de lesão bens jurídicos.
-TERMINOLOGIA: a) Antijuridicidade e ilicitude: Em regra, a doutrina utiliza antijuridicidade e ilicitude como
expressões equivalentes. b) Antijuridicidade e antinormatividade: Welzel distingue antijuridicidade (para que
haja antijuridicidade, é preciso cotejar o fato com o conjunto das normas proibitivas e permissivas) de
antinormatividade(é a contradição do fato realizado para com a norma proibitiva do tipo penal pertinente). c)
Antijuridicidade e tipicidade conglobante: Para Zaffaroni a tipicidade penal pressupõe a tipicidade legal,
exigindo, porém, que a conduta seja antinormativa (teoria da tipicidade conglobante). d) Ilicitude e injusto
penal: Segundo Zaffaroni, ilicitude(é a contrariedade do fato típico à norma-aspecto objetivo) é diferente de
injusto penal (é a conduta típica e antijurídica, envolvendo a compreensão social acerca da justiça-aspecto
subjetivo).
- CLASSIFICAÇÕES: a) Ilicitude Formal X Material: formal (contradição entre a conduta e o ordenamento
jurídico); material (revela-se no caráter antissocial do comportamento- injusto). Obs: Na doutrina, prevalece o
caráter formal, apesar de somente a concepção
material autorizar a criação de causas supralegais de exclusão. Para a concepção unitária, a ilicitude é uma só
(não cabendo essa separação); b) Ilicitude Objetiva X Ilicitude Subjetiva: objetiva (basta a contrariedade do
fato típico ao ordenamento); subjetiva (exige a capacidade de conhecimento do agente acerca da ilicitude de
sua conduta). Em nosso sistema penal a ilicitude é objetiva (Cleber Masson, pag. 349); c) Ilicitude Genérica X

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Ilicitude Específica: A genérica(se posiciona externamente ao tipo incriminador); a específica( funciona como
elemento normativo do tipo). Cezar Roberto Bittencourt, diversamente, emprega as expressões
antijuridicidade genérica e específica para distinguir a ilicitude penal e a extrapenal (p. 296).
- TEORIAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TIPICIDADE E ILICITUDE: a) Teoria da autonomia ou da absoluta
independência/teoria dos elementos negativos do tipo:tipicidade não acarreta presunção de ilicitude.
Tipicidade e ilicitude devem ser provadas pela acusação; b) Ratio cognoscendi ou teoria indiciária( é a que
prevalece na doutrina): A tipicidade presume a ilicitude. O ônus de prova da causa de exclusão da ilicitude é
da defesa c) Teoria da absoluta dependência ou da ratio essendi: a ilicitude é a essência da tipicidade. O fato
só é típico se também ilícito (tipo total do injusto). OBS: não se confunde com a tipicidade conglobante (que
admite a existência da ilicitude e não trabalha com a ratio essendi).
- CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (DESCRIMINANTES/JUSTIFICANTES): são encontradas tanto na parte
geral do CP (art. 23), quanto na parte especial (ex. aborto, injúria e difamação, constrangimento ilegal, violação
de domicílio e furto de coisa comum) e, ainda, em leis específicas (possibilidade de serviço postal abrir carta
com conteúdo suspeito, legítima defesa do domínio, abatimento de animal para saciar a fome). A doutrina
cita, ainda, como causa suprelegal de exclusão da antijuridicidade o consentimento do ofendido.
* LEGÍTIMA DEFESA: agressão atual ou iminente e injusta ; direito próprio ou alheio; meios necessários,
empregados com moderação; conhecimento da agressão e vontade de defesa.
*ESTADO DE NECESSIDADE: perigo atual e inevitável; direito próprio ou alheio; não provocado pela vontade
do agente; inexistência do dever de enfrentar o perigo; ciência da situação fática
e vontade de salvar. CP adotou a teoria unitária(exclui a ilicitude quando o bem protegido é de valor igual ou
superior). O CPM adotou a teoria diferenciadora: estado de necessidade exculpante- exclui a culpabilidade,
pela inexigibilidade de conduta diversa, quando o bem protegido for de valor igual ou menor que o bem
sacrificado; estado de necessidade justificante- exclui a ilicitude e ocorre quando o bem protegido for de valor
maior que o bem sacrificado.
*ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER: cumprimento nos limites impostos pela norma (pressupõe que o
executor seja agente público), conhecimento do dever e vontade de cumpri-lo
*EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO: Atuação efetiva no exercício regular de direito, conhecimento do direito e
vontade de exercitá-lo
* CONSENTIMENTO DO OFENDIDO: capacidade para consentir, anterioridade do consentimento, atuação nos
limites do consentido, ciência do consenso e vontade de atuar

- OBSERVAÇÕES:
1) Para a teoria da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de
um direito são excludentes da tipicidade.
2) Ofendículas: Trata-se de aparato preordenado para a defesa do patrimônio. Há divergência quanto à sua
natureza jurídica: 1ª corrente: legítima defesa preordenada (Magalhães Noronha, Frederico Marques); 2ª
corrente: exercício regular de direito (Bettiol; Aníbal Bruno); 3ª corrente (Prevalece): enquanto a ofendícula
não é acionado é exercício regular de direito, mas uma vez acionado passa a ter natureza de legítima defesa;
4ª corrente: diferencia ofendícula da defesa mecânica predisposta. A ofendícula é um aparato visível,
configurando exercício regular de direito. Já a defesa mecânica predisposta é um aparato oculto e se acionado
configura legítima defesa.
3) Excesso nas causas justificantes:
Espécies: I – Excesso crasso: o agente desde o princípio já atua completamente fora dos limites legais. É um
excesso absurdo; II – Excesso extensivo ou excesso na causa: o agente reage antes da efetiva agressão, futura,
mas esperada. Não exclui a ilicitude, mas pode excluir a culpabilidade (pela inexigibilidade de conduta diversa);
III – Excesso intensivo: o agente, que inicialmente agia dentro do direito, mas intensifica a ação justificada e
ultrapassa os limites permitidos. Se o excesso foi doloso, responde por dolo; se culposo, por culpa; IV – Excesso
acidental: o agente, ao reagir moderadamente, por força de acidente, causa lesão além da reação moderada
(hipótese de caso fortuito ou força maior). OBS: a doutrina admite o excesso sem dolo e sem culpa, quando é
caso de excesso exculpante (erro inevitável), tendo sido previsto no art. 45 do CPM. Fora do CPM atua como
causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
4) DESCRIMINANTES PUTATIVAS: erro do agente quanto à existência de uma causa excludente de ilicitude.

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Espécies: Teorias do erro
1) Se houver equívoco quanto à existência ou limite da discriminante: O agente sabe o que faz e imagina que
está autorizado a agir. Trata-se de erro de proibição indireto ou erro de permissão-exclui a culpabilidade;
2) O agente engana-se quanto aos pressupostos fáticos do evento: Aqui, há duas correntes: 2.1) Teoria
Extremada da Culpabilidade: a hipótese é de erro de proibição (se inevitável, isenta o agente de pena; se
evitável, diminui a pena).-teoria unitária de erro
2.2) Teoria Limitada da Culpabilidade: o caso é de erro de tipo (se inevitável exclui dolo e culpa; se evitável
pune-se a título de culpa)-Prevalece que o CP adotou essa teoria, com base nos seguintes fundamentos: A) a
expressão isento de pena também é consequência da exclusão de dolo e culpa, fruto do erro de tipo inevitável;
B) na localização topográfica a descriminante putativa sobre pressupostos fáticos está prevista no §1º do art.
20 do CP que trata do erro de tipo. C) A exposição de motivos do CP é clara em dizer que foi adotada a teoria
limitada da culpabilidade.
Obs: resumo- 1.Teorias da culpabilidade com impacto na teoria do erro: teorias extremada e limitada da
culpabilidade - ambas situam o dolo no tipo e a consciência da ilicitude na culpabilidade (base finalista);
adotam o erro de tipo como excludente do dolo (art. 20, CP), e admitem, quando for o caso, o crime culposo;
defendem o erro de proibição inevitável como causa de exclusão da culpabilidade. A diferença entre elas diz
respeito às discriminantes putativas, assim: (i) para a t. extremada, todo erro que recaia sobre uma causa de
justificação é erro de proibição (erro de proibição indireto ou erro de permissão), c/ as conseqüências dele
decorrentes; (ii) para a t. limitada, o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação
é erro de tipo (erro de tipo permissivo); e o erro que recai sobre a existência ou
abrangência da causa de justificação, é erro de proibição. O CPB adotou a teoria limitada da culpabilidade,
segundo o item 19 da exposição de motivos.

CULPABILIDADE. Vide ponto 16.a

19.a. Concurso de pessoas


-conceito: Concurso de pessoas é a colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização de
um crime ou de uma contravenção penal. A cooperação pode ocorrer desde a elaboração intelectual até a
consumação do delito. Tanto pode referir-se a autoria (coautoria) ou a participação (coparticipação).
-Crime unissubjetivos e plurissubjetivo: No crime unissubjetivos, o tipo penal exige apenas uma pessoa para
que ele seja realizado, que é a regra, podendo haver eventualmente o concurso de pessoas. No crime
plurissubjetivo (também chamado de crime de concurso necessário), a figura típica exige pluralidade de
pessoas para sua configuração. Aqui não há aplicação da regra do concurso de pessoas do artigo 20, CP uma
vez que a pluralidade é elemento necessário do tipo. Ex: Art. 288, 288-A e 137 do CP. Nos crimes de concurso
necessário, a pluralidade de pessoas é um requisito penal. Nesse caso, a adequação típica é direta. No crime
unissubjetivos, basta uma única pessoa para sua realização, mas poderá haver convergência de agentes. Nesse
caso, será preciso aplicar uma norma de extensão (art. 29 do CP), que consagra a teoria monista no concurso
de pessoas, porque nem sempre se perceberá quem realizou o comportamento típico.
-Teoria sobre o Concurso de Pessoas: a) TEORIA MONISTA: determina que todo aquele que concorre para o
crime responde pelas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade (art. 29, CP). Não faz qualquer
distinção entre autor e partícipe, instigação e cumplicidade. Guarda profunda relação com a teoria da
equivalência dos antecedentes causais, constituindo-se a infração produto da conduta de cada um,
independentemente do ato praticado, desde que tenha alguma relevância causal para o resultado. É a regra
no CP.
. b) TEORIA DUALISTA: para essa teoria há dois crimes - os coautores incorrem num crime (realizam a atividade
principal) e os partícipes (desenvolvem uma atividade secundária), noutro. Não foi adotada em nosso
ordenamento.
C)TEORIA PLURALISTA:. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso. Previsto no
CP no crime de aborto praticado por terceiro com o consentimento da gestante e no crime de corrupção.
- Teorias de autor e participe:
A) Teoria unitária: não diferencia autor e partícipe.
B) Teoria diferenciadora: diferencia autor e partícipe.

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B.1) Teoria objetivo-formal: autor é quem realiza o núcleo do tipo(Prevalece) . Obs: Quanto ao partícipe,
prevalece a aplicação da teoria da acessoriedade limitada (o fato precisa ser típico e ilícito).
Obs: Crime próprio: admite coautoria, participação e autoria mediata.
Crime de mão-própria: admite apenas participação (#CUIDADO: não confundir com o culposo,
que admite apenas coautoria).
C) Teoria do domínio do fato: autor é aquele que tem o controle finalístico. É quem executa uma tarefa
essencial para a ocorrência do delito. Se deixar de praticar sua conduta, o delito não acontece da forma
planejada. É quem controla finalisticamente o fato, ou seja, quem decide a sua forma de execução, seu início,
cessação e demais condições. Partícipe é quem executa tarefa não essencial (secundária/ acessória). Será
aquele que, embora colabore dolosamente para o alcance do resultado, não exerce domínio sobre a ação.
Obs: Tem o controle final do fato: *aquele que por sua vontade executa o núcleo do tipo (autor propriamente
dito); *aquele que planeja o crime para ser executado por outras pessoas (autor intelectual); * aquele que se
vale de um não culpável ou de uma pessoa que age sem dolo ou culpa para executar o tipo (autor mediato).
Obs: tem aplicação apenas nos crimes dolosos.
Obs: STF- essa teoria não permite que a mera posição de um agente na escala hierárquica sirva para
demonstrar ou reforçar o dolo da conduta. Só se aplica essa teoria se o réu detinha ou deveria ter
conhecimento dos fatos. Para o STF, para aplicar essa teoria, deve apontar indícios convergentes no sentido
de que o presidente da empresa não só tinha conhecimento do crime, como dirigiu finalisticamente a atuação
dos demais acusados. (A teoria do domínio do fato não permite que a mera posição de um agente na escala
hierárquica sirva para demonstrar ou reforçar o dolo da conduta. Do mesmo modo, também não permite a
condenação de um agente com base em conjecturas. Assim, não é porque houve irregularidade em uma
licitação estadual que o Governador tenha que ser condenado criminalmente por isso. STF. 2ª Turma. AP
975/AL, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/10/2017 (Info 880).
Compatibilidade entre a agravante do art. 62, I, do CP e a condição de mandante do delito. A
incidência da agravante do art. 62, I, do Código Penal é compatível com a autoria intelectual do delito
(mandante). No entanto, o mandante do crime somente deverá ser punido com a agravante se, no caso
concreto, houver elementos que sirvam para caracterizar a situação descrita pelo inciso I do art. 62, ou seja, é
necessário que fique demonstrado que ele promoveu, organizou o crime ou dirigiu a atividade dos demais
agentes. Em outras palavras, o mandante poderá́ responder pela agravante do inciso I do art. 62 do CP, mas
isso nem sempre acontecerá, dependendo das circunstâncias do caso concreto. (Info 580, STJ).
O reconhecimento da qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" (inciso I do § 2o do
art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário não qualifica automaticamente o delito
em relação ao mandante, nada obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha
levado a empreitar o óbito alheio seja torpe. (Info 575, STJ).
Obs: concurso 29cpr MPF objetiva- a teoria do domínio do fato permite considerar autor quem realiza uma
parte necessária da execução do plano global, mesmo que não constitua um ato típico em sentido estrito.
-Requisitos:
> Pluralidade de agentes
> Relevância das condutas
> Liame subjetivo (consciência de que estão reunidos – é diferente de acordo prévio)
> Identidade de infração
Obs: NÃO confunda (29 cpr MPF- prova subjetiva)
*Requisitos para prática de Associação Criminosa (Art. 288 do CP):- 3 ou mais pessoas; - finalidade de cometer
crimes.
*Requisitos para a prática de associação criminosa na Lei de Drogas (Art.35 da Lei 11.343/06):
- 2 ou mais pessoas; -finalidade de cometer crimes de tráfico (Art. 33, caput e §1º), maquinário (Art. 34) e
financiamento (Art. 35).
*A associação de pessoas para fins de organização criminosa ou associação criminosa: exige PERMANÊNCIA E
estabilidade. O que diferencia os crimes de organização criminosa e associação criminosa efetivamente é a
ordenação da estrutura e a divisão de tarefas.
Obs: prova oral: Qual a aplicação da teoria do domínio do fato nos crimes praticados pelas organizações
criminosas.

55
- Particular pode responder por crime funcional (crime próprio)? Prova 29 cpr MPF-prova objetiva
* particular sozinho não pode praticar crime funcional. No entanto, ele poderá praticar em concurso de
pessoas (art. 30- não se comunicam as circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando elementar).
O fato de ser funcionário público é elementar do crime de peculato. O particular tem que saber que a pessoa
é funcionário público, sob pena de responsabilidade objetiva.
*de acordo com a doutrina mais recente, com relação aos crimes próprios: -considerá-los como crimes de
infração de dever, permite a melhor delimitação entre autores e partícipes; - somente um intraneus
(funcionário público) pode ser autor de concussão, ainda que não tenha o domínio do fato; -Roxin: pode haver
coautoria quando um dever está configurado a várias pessoas, como por exemplo, na vigilância de internos de
uma prisão.
* extraneus (particular) não pode ser autor de peculato-desvio. Ele só pode ser coautor/partícipe, pois o
particular não pode praticar um crime de peculato sozinho.
* peculato culposo: não há concurso de pessoas. Se consuma no momento da prática do crime doloso pelo
terceiro.

10A. Teoria da conduta.

Responsável: Ícaro Gomes Coelho


Método: Atualização do Graal Alternativo do 28º CPR, com acréscimo de informações e marcações para otimizar a leitura. Quanto aos conceitos de
institutos, foram feitos acréscimos (não supressões) pontuais para tentar esclarecer definições consideradas muito abstratas e/ou difíceis de assimilar.

O conceito de delito é uno, sendo a ação e a omissão formas de conduta idôneas à sua realização e que têm
estruturas diversas. Constituem o primeiro nível do conceito de delito, ao qual se agregam os juízos de
tipicidade, de ilicitude e de culpabilidade (conceito analítico de delito). Segundo Luiz Régis Prado, na moderna
ciência do Direito Penal coexistem, primordialmente, as seguintes teorias doutrinárias sobre o conceito de
ação e de omissão.
Teorias Causais
a) Teoria causal-naturalística Expoentes: Liszt e Beling. Ação é o movimento corporal voluntário que
causa uma modificação no mundo exterior. Compõe-se de vontade, movimento corporal e resultado. O ponto
central dessa concepção radica na causalidade, de ordem puramente objetiva (não admite valoração), fruto
do positivismo filosófico em que causa é o que permite deduzir o efeito (conceito naturalístico). A ação se
exaure na simples produção do resultado.
Críticas: não abrange os crimes omissivos ao dizer que conduta é ação, não aborda elementos subjetivos do
tipo.
b) Teoria causal-valorativa: conduta humana como atuação da vontade no mundo exterior. Principais
expoentes: E. Mezger e W. Sauer. Inspira-se na filosofia neokantiana, trazendo um conceito valorativo de ação.
Críticas: é contraditória ao reconhecer elementos normativos e subjetivos do tipo, mas, ao mesmo tempo,
considerar no juízo de antijuridicidade a face externa do fato e no juízo de culpabilidade a interna.
1. Teoria Social Expoentes: Johannes Wessels e Eb. Schmidt. Define-se conduta como fenômeno social.
Ação é a manifestação externa da vontade com relevância social, ou, simplesmente, “o comportamento
humano socialmente relevante” (Jescheck, citado por Luiz Regis Prado). O que importa é a significação social
da conduta humana do ponto de vista da sociedade.
Crítica: excessivamente abstrata a expressão “fato socialmente relevante”.
2. Teoria Finalista Expoente: Welzel. A ação humana consiste no exercício de uma atividade finalista. Sua
especificidade está na finalidade, isto é, o atuar orientado conscientemente a um objetivo previamente
determinado. O que caracteriza a conduta humana vem a ser a sua dirigibilidade – finalidade. O conceito
finalista de ação, lastreado na concepção do homem como um ser responsável, implica considerar a conduta
finalista como única forma específica de conduta humana. A omissão consiste na não realização de uma
determinada ação finalista que o agente podia realizar em uma situação concreta. Trata-se de um conceito
limitativo, enquanto falta de capacidade ou de possibilidade concreta de ação.
Críticas: a teoria finalista não explica os crimes culposos, e é frágil nos crimes omissivos. Aborda apenas o
desvalor da conduta, ignorando o desvalor do resultado.

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Teorias Funcionalistas
a) Teoria personalista da ação Expoente: Claus Roxin. Trabalha com conceitos políticos-criminais e a ação
é conceituada como manifestação da personalidade, isto é, “tudo o que pode ser atribuído a uma pessoa,
como centro de atos anímico-espirituais” (Roxin, citado por Luiz Regis Prado). A ação, entendida
funcionalmente como exteriorização da personalidade, constitui um elemento básico e geral que abrange
todas as formas de conduta delitiva (supraconceito). A ação omissiva (não ação) é concebida, em princípio,
como a falta de atuação corporal – uma pessoa inconsciente não pode realizar nada, tampouco pode omitir
algo. Outra peculiaridade dessa doutrina é o critério funcional da teoria da imputação objetiva e a extensão da
culpabilidade a uma nova categoria sistemática, a responsabilidade (culpabilidade/necessidade preventiva da
pena).
Crítica (Luiz Régis Prado): a combinação de dados ônticos (realidade da vida/personalidade humana) e juízos
normativo-sociais não tem o condão de invalidar a distinção lógico-estrutural existente entre ação e omissão,
impossibilitadora da edificação de um conceito unitário.
b) Teoria da evitabilidade individual Expoente: Günther Jakobs. Substitui-se aqui a finalidade pela
evitabilidade e se configura a ação como a realização de um resultado individualmente evitável. Tem por
finalidade conseguir obter um conceito onímodo (ilimitado) de comportamento, fundado na diferença de
resultado: ação como “causação evitável do resultado” (Jakobs citado por Luiz Regis Prado) e omissão “como
não evitamento de um resultado que se pode evitar. Conduta é o evitamento de uma diferença de resultado”.
Estabelece-se quem deve ser punido para a estabilidade normativa: o agente é punido porque agiu de modo
contrário à norma e culpavelmente. A culpabilidade é fundamentada e medida pelo critério da prevenção geral
e a pena tem uma função simbólica de restaurar a confiança e a fidelidade ao Direito.
Crítica: a noção de culpabilidade é prejulgada ou antecipada pelo conceito de ação proposto por Jakobs.
3. Teoria da ação significativa: Seguindo os pensamentos de Wittgenstein (filosofia da linguagem) e
Habermas (teoria da ação comunicativa), Vives Antón formulou o conceito significativo de ação
(“identificando-a com o 'sentido de um substrato normativo'”), que apresenta uma nova interpretação
conceitual e aponta na direção de um novo paradigma para o conceito de conduta penalmente relevante.
Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt, “essa concepção tem a pretensão de traçar uma nova perspectiva
dos conceitos e significados básicos do Direito Penal. Essa proposta de sistema penal repousa nos princípios
do liberalismo político e tem como pilares dois conceitos essenciais: ação e norma, unidos em sua construção
pela ideia fundamental de 'liberdade de ação' [“a liberdade de ação à qual refere Vives é simplesmente aquela
que permite identificar a ação como obra pessoal e não do acaso”. Renuncia-se a um conceito ontológico,
como algo que ocorre, que as pessoas fazem e que constitui o substrato do valorado pelas normas. Por
conseguinte, para que se possa avaliar se existe ação não é necessário o socorro de parâmetros psicofísicos,
mediante o recurso da experiência.”] A ação deve ser entendida de forma diferente, não como “o que as
pessoas fazem”, mas como o significado do que fazem, isto é, como um sentido. Todas as ações não são meros
acontecimentos, mas têm um sentido (significado), e, por isso, não basta descrevê-las, é necessário entendê-
las, ou seja, interpretá-las. Diante dos fatos, que podem explicar-se segundo as leis físicas, químicas, biológicas
ou matemáticas, as ações humanas hão de ser interpretadas segundo as regras ou normas.

Ausência de conduta Segundo Rogério Greco, a ação regida pela vontade é sempre uma ação final, isto é,
dirigida à consecução de um fim (adesão à teoria finalista). Se não houver vontade dirigida a uma finalidade
qualquer, não se pode falar em conduta (rechaço das teorias causais). Se o agente não atua dolosa ou
culposamente, não há ação, como ocorre nos casos de: • força irresistível (pode ser proveniente da natureza
ou da ação de terceiro), • movimentos reflexos, • estados de inconsciência.

11A. Causalidade e imputação objetiva.

William Souza

1. Responsabilidade jurídico-penal pelo resultado: Tipicidade é um conceito que está relacionado a outro
conceito, que é o conceito de tipo. Tipicidade é adequação do fato ao tipo, sendo este a descrição legal da
ação criminosa. Nos tipos penais materiais, ao contrário dos tipos de mera conduta (que não descrevem

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resultado) a descrição da ação penal criminosa inclui um resultado (modificação do mundo externo) como
produto necessário desta ação. A relação de causa e efeito que deve haver entre ação e resultado está implícita
na descrição do tipo. Estuda-se a responsabilidade jurídico-penal pelo resultado porque nos tipos penais que
exigem resultado para que haja consumação (tipos materiais) é preciso discutir se a ação realizada pelo sujeito
foi o fator determinante da produção daquele resultado. Se não for, o sujeito responde apenas por tentativa.
Quando se realiza uma conduta, esta pode gerar uma série de resultados, mas o tipo penal só vai selecionar
aquele que interessar para ele.
A relação de causalidade está dentro de um tema, um pouco maior, que é o da responsabilidade jurídico-penal.
Esta tem dois núcleos: 1- Teorias de relação de causalidade física ou material: exige que entre a ação e o
resultado haja relação de causalidade física; 2- Teoria da Imputação: trata-se de juízo de valor. Faz-se
valoração das ações. Ideia de agregar juízos de valor ao estudo da responsabilidade jurídico-penal pelo
resultado não é nova, mas foi consideravelmente desenvolvida a partir do funcionalismo. O Finalismo estava
muito agregado a estruturas lógico-reais, sendo que de causalidade era uma dessas estruturas. Ou seja, estava
muito agregado às ideias que só estruturas da natureza poderiam fornecer soluções, o que impedia
desenvolvimento da teoria da imputação. A partir do funcionalismo, quando foram rompidas estas amarras, o
desenvolvimento de juízos de valor para discutir a conveniência político-criminal de punir em certos casos deu
impulso à etapa da imputação.
2. Relação de causalidade física: 1- Teoria da conditio sine qua non (Von Buri) (ou Teoria da equivalência
dos antecedentes causais ou Teoria equivalência das condições): É a teoria adotada pelo Código Penal. Diz
que causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Logo, é causa de um resultado todas
as condições que colaboram para a sua produção independentemente de sua maior ou menor proximidade ou
grau de importância. Por toda a condição ser importante, elas se equivalem. Como decidir qual condição é
importante: usa-se o processo hipotético de eliminação de Thyrén que requer que se apague em mente,
hipoteticamente, aquele antecedente que se está pesquisando. Se, ao suprimi-lo, o resultado também
desaparecer, significa que aquele antecedente é a causa física do resultado. No entanto, se suprimir o
antecedente e o resultado não aparecer, não há causalidade física entre o antecedente pesquisado e o
resultado. Quando busca-se verificar se um antecedente é causa do resultado produzido, deve-se estudar o
resultado exatamente como ele ocorreu, com todas as suas circunstâncias. Crítica à teoria: permite considerar
como causa eventos extremamente remotos, em uma regressão ad infinitum. Usar a teoria da conditio pura e
simplesmente, como lastro para responsabilidade jurídico-penal pelo resultado é absurdo.
Nesta questão, há controvérsia entre as soluções propostas pelo finalismo e pelo funcionalismo. No finalismo,
o tipo objetivo, que é a descrição da parte externa da conduta (e não suas intenções), era formado
exclusivamente por ação + nexo causal + resultado. Então, para o finalismo, prima facie, o ato de fabricar uma
faca era conduta típica do homicídio praticado com aquela faca. Em um segundo momento, na hora de estudar
as intenções, se limitava isso usando dolo ou culpa (causalidade subjetiva). Daí, se quem fabricou a faca não
agiu com dolo e culpa, sua conduta seria atípica.
Para os funcionalistas, o problema do regresso ad infinitum não é adequadamente pelos finalistas, pois limitar
a responsabilidade jurídico penal com o uso de dolo e culpa mantém os problemas ínsitos à “culpa”: o critério
de culpa possui defeitos, é problemático para realizar esta limitação. Além disto, a ideia de previsibilidade é
muito vaga. Confundiam violação da norma primária imperativa com violação da norma primária valorativa.
Aliás, abandonaram quase que inteiramente esse último aspecto da norma penal. Nem cuidaram da necessária
ofensa ao bem jurídico nem tampouco da imputação objetiva desse resultado ao seu agente. Centralizaram
suas atenções na causação. Os finalistas deram pouca relevância para a imputação (ou atribuição) do fato ao
seu agente (como obra dele).
Assim, no funcionalismo de Roxin, esta limitação do regresso ad infinitum é feita na segunda fase da
responsabilização jurídico-penal pelo resultado, ou seja, na etapa da imputação. No funcionalismoe com a
teoria da imputação, o tipo objetivo ganhou dois novos elementos, que são: a) criação de um risco
desaprovado; b) realização do risco no resultado. Desse modo, nesta segunda fase engloba: ação + nexo causal
+ resultado + criação de um risco desaprovado + realização do risco no resultado.
2.1. Superveniência causal: É sabido que no art. 13, caput, do CP, foi adotada a Teoria da Equivalência, porém,
reconhecendo suas limitações, nos parágrafos do referido artigo estão as hipóteses irrespondíveis pela
conditio sine qua non. Vale dizer, a exclusão do nexo de causalidade quando sobrevém concausa que se situe

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fora do desdobramento normal do curso causal. No que se refere às causas imprevisíveis, o §1º, do art. 13, do
CP, diz que a superveniência de causa relativamente independente rompe a imputação quando, por si só,
produziu o resultado. Vale mencionar que os cursos de causas concorrentes, também denominadas concausas,
podem ser antecedentes, concomitantes ou supervenientes. Ou ainda, por outra ótica, com relação à origem,
podem ser absoluta ou relativamente independentes da causa original. Somente as concausas absolutamente
independentes rompem o nexo causal. As concausas relativamente independentes não rompem porque é
relativamente dependente da causa originária.
Quando uma causa absolutamente independente gera o resultado, este não é atribuído à conduta do agente
de causa concorrente, que responderá apenas pela tentativa.
1] absolutamente independente preexistente: 2] absolutamente independente concomitante:

3] absolutamente independente superveniente:

Quando causa relativamente independente (“relativamente” indica que as causas não produzem resultado
sozinhas, mas que existe entre elas associação; todas elas são em conjunto causas do resultado como regra)
concorre para o resultado, a regra é a de que o resultado seja atribuído também à conduta do agente,
respondendo este pelo delito em sua forma consumada, salvo no caso da causa relativamente independente
que, por si só, produzir o resultado.
4] relativamente independente preexistente: 5] relativamente independente concomitante:

Observe-se que as concausas relativamente independentes supervenientes são tratadas pelo art. 13, § 1º, CP
(adicionado em 1984). O dispositivo não trabalha mais com relação de causa e efeito física – que é trabalhada
no artigo 13, caput. O parágrafo 1º já trata de imputação. Luis Greco diz que § 1º é a janela de entrada da
teoria da imputação no código penal, mostrando que a teoria da imputação é compatível com o CP. Nos casos
de causa superveniente relativamente independente há relação de causalidade física. Não haverá imputação
em alguns casos: quando a causa superveniente por si só produzir resultado. Se as causas são relativamente
independes, significa que se associam, e aí em todas e para todas haverá causalidade física. Contudo, apesar
da causalidade física, se sua causa (a que está pesquisando), se associar a outra superveniente, em alguns

59
casos apesar da causalidade física, o Código Penal permite que se exclua a imputação.
6] relativamente independente superveniente: há 2 casos:
I – aquela que “por si só” produziu o resultado: o resultado II – aquela que não por si só produziu o resultado: o resultado está na
(causa efetiva) sai da linha de desdobramento causal normal linha de desdobramento causal normal da causa concorrente
da causa concorrente (resultado = evento imprevisível). A (resultado = evento previsível). A causa concorrente é adequada ao
segunda causa, que é a superveniente, produz o resultado sem resultado. O resultado deve ser atribuído à causa concorrente. a
a contribuição da primeira no momento do fato. Ex: vítima de segunda causa se associa à primeira “no momento do fato” e contribui
tiro que morre em acidente da ambulância. Autor do tiro resp. para o resultado. Ex.: vítima de tiro que morre por imperícia em
por tentativa. (Doutrina clássica: T. causalidade adequada). cirurgia. Autor do tiro resp. por crime consumado. (Doutrina clássica:
(Funcionalismo: exclui imputação). T. sine qua non). (Funcionalismo: haverá imputação).

3. Teoria da causalidade adequada (von Kries, von Bar): causa é a condição necessária e adequada a
determinar a produção do evento. São levadas em consideração apenas as circunstâncias que, além de
indispensáveis, sejam idôneas à causa do evento. Tal idoneidade se baseia em um juízo de probabilidade, de
regularidade estatística. Em suma, esta teoria distingue as consequências normais das consequências anormais
ou extraordinárias, excluindo destas últimas o nexo causal. Desta feita, elimina-se o problema do regressus ad
infinitum e dos cursos causais extravagantes, haja vista que para esta corrente causa é a condição mais
adequada ao resultado. Aqui, então, utiliza-se o juízo de prognose objetivo-posterior, ou seja, o juiz deve se
colocar, objetivamente, na posição de alguém que estivesse de posse das informações disponíveis sobre certo
episódio. A crítica a esta teoria é que ela se baseia em conceito de possibilidade, porém não existe a
possibilidade do evento, mas sim onde existe a realidade de um evento. OBS: De certa forma, o §1º, do art.
13, do CP acolheu esta teoria, nas hipóteses de cursos causais extravagantes ou aventureiros.

Antes do funcionalismo a doutrina já tinha percebido que relação de causalidade física era insuficiente. Ou
seja, a teoria da conditio sine qua non não era bastante para resolver os problemas chamados de cursos causais
extraordinários, aberrações imprevisíveis, como o autor dar tiro na vítima e ela morrer de incêndio no hospital,
mas não do tiro. A pura aplicação da conditio sine qua non levava a resultados errados. O código penal
brasileiro tentou remediar com o § 1º do artigo 13. Na doutrina desenvolveu-se teoria intermediária: teoria da
causalidade adequada. Esta tentou inserir juízos de valor dentro da própria ideia de causalidade. Foi o maior
erro da teoria: tentou remediar um problema e criou outro, porque passou a confundir dois planos de análise.
O primeiro plano de análise é causalidade física, que existe na natureza. Na natureza não existe juízo de valor.
Esta teoria é confusa porque mistura os dois planos equivocadamente.

Para a causalidade adequada, causa não é somente a ideia de causalidade física. Causa, em sentido jurídico, é
somente aquela adequada, ou seja, não é só aquela que produz o resultado, mas aquela adequada a produzir
um resultado. Há juízo de valor na palavra “adequada”. Dentro da ideia de “adequação” a teoria trabalha a de
previsibilidade. Assim, são excluídas, ou seja, não são causas, aquelas condições ou aqueles antecedentes que
só por uma casualidade produziram resultado, ou seja, que foram imprevisíveis. É considerada adequada uma
condição quando ela eleva a possibilidade de produção de um resultado de maneira relevante; quando não é
improvável (remete à ideia de previsibilidade, probabilidade) que o comportamento traga consigo tal
resultado. Outro defeito: trabalha com conceitos muito vagos, na hora de serem precisados geram muita
divergência. A teoria é interessante, parte de importante constatação que precisamos fazer juízo de valor para
discutir responsabilidade jurídico-penal do resultado, que a teoria da conditio é insuficiente, mas a proposta
em si não funcionou. De qualquer forma, foi uma semente da teoria da imputação.

4. Teoria da relevância: causa é a condição relevante para o resultado. Luís Greco afirma que só o que é
objetivamente previsível é relevante. Não é relevante, por exemplo, a conduta daquele que joga um balde
d’água em uma represa completamente cheia, fazendo com que se rompa o dique.

5. Teoria da imputação objetiva: A teoria da imputação de Claus Roxin está ligada à diretriz valorativa do
funcionalismo do autor, que afirma que função e missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos. Assim,

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insere dois novos elementos ao tipo objetivo: 1. A criação de um risco. Relação de risco é juízo de valor que a
teoria encerra; 2. Realização de um risco no resultado. Tipo objetivo= ação + nexo causal + resultado + criação
de um risco desaprovado e realização do risco no resultado.

Hoje não basta que se dê causa física ao resultado. Para que conduta seja típica, e até para que haja tentativa,
é necessário que se enxergue nesta conduta a criação de risco desaprovado. Além disso, é necessário que esse
risco se materialize, se realize no resultado, para que haja crime consumado. No estudo da criação de risco
desaprovado, se chegarmos à conclusão que conduta sequer é criadora de um risco, ela será atípica. Discute-
se a própria tipicidade. Portanto, se a conduta sequer coloca o BJ em risco, o Direito Penal não pode cuidar
dela, pois é atípica. Se a conduta cria risco, mas este não se materializar no resultado, agente responde por
tentativa. Assim, o DP só pode proibir ações ex ante perigosas. A análise da criação do risco pela conduta deve
ser ex ante (enquanto a conduta é realizada), levando-se em conta os conhecimentos do observador objetivo,
bem como os conhecimentos especiais de que o autor eventualmente disponha. Esse observador prudente
analisa a conduta enquanto ela é realizada, e para verificar se é arriscada, tem acesso a tudo que está
acontecendo e a eventuais conhecimentos especiais do agente.

5.1. Criação de um risco A primeira etapa da teoria da imputação se subdivide em três. Os três grupos de casos
em que a doutrina afirma que não há criação de risco e, portanto, conduta é atípica: a) risco juridicamente
irrelevante - o risco desaprovado, tem que ser significativo. portanto, a conduta que cria risco irrelevante/
insignificante é atípica; b) diminuição do risco – aqui a conduta diminuir o risco de outro fato que está em
curso. Para que haja diminuição de risco, tem de atuar na mesma linha de risco. Não vale criar novo risco para
impedir o primeiro. Exemplo: pedra está caindo na cabeça da pessoa. Ao invés de empurrar a pedra, o sujeito
empurra a pessoa. Então, cria-se nova linha de risco. A pessoa cai e quebra a perna. Neste caso, a conduta do
agente é típica de lesão corporal. Só não responde porque haverá estado de necessidade. Não pode atuar ao
mesmo tempo outro risco. Empurrar a vítima para que a pedra não caia em cima dela é criação de um outro
risco. A diminuição do risco sempre se avalia ex ante, ou seja, enquanto conduta é realizada; e c) risco
permitido - autor cria um risco juridicamente relevante, que, porém, é permitido, a conduta é atípica (ex.: em
meios de transporte, indústria, tratamentos médicos nos limites da lex artis).

5.2. Realização ou materialização do risco no resultado: se houve criação de risco, deve-se seguir análise para
descobrir se o agente responde por tentativa ou crime consumado. Na segunda etapa, para avaliar se o risco
criado se materializou no resultado, a análise é ex post (depois do resultado). Há 3 casos a considerar: a)
conduta com nexo de risco; b)comportamento alternativo conforme o direito; e c) aumento do risco permitido.

Usa-se a ideia de
a)nexo de risco: o resultado deve pertencer àquela classe de resultados que a norma de determinação
pretendia evitar. Resultados alheios ao fim de proteção da norma não são imputáveis. Deve-se indagar sobre
o fim de proteção da norma de cuidado, no sentido de saber o motivo da proibição da conduta e quais são os
resultados normalmente associados a este tipo de conduta. Exemplo em que não há nexo de risco: Sujeito
dirigindo em excesso de velocidade freou bruscamente e com isso senhora que queria atravessar tomou um
susto, teve ataque cardíaco e morreu. O agente cria risco desaprovado, mas resultado, morte pelo susto, não
pertence à classe de resultados que legislador quis evitar quando proibiu excesso de velocidade. Quis evitar
todos os resultados decorrentes do descontrole do automóvel. Morte pelo susto está entre os demais,
imprevisíveis, que estão fora do nexo de risco. Há crime meramente por culpa.
b) Comportamento alternativo conforme o direito (exceção ao nexo de risco): Exemplo: sujeito está dirigindo
na estrada Niterói – Manilha. Auto estrada onde velocidade permitida é de 100 km/h. Em determinado dia,
motorista está dirigindo a 110 km/h e um pedestre completamente embriagado atravessa a rodovia e é
atropelado pelo motorista. Pela teoria da imputação, dirigir em excesso da velocidade é conduta criadora de
risco desaprovado. Na segunda etapa da teoria, ao analisar o nexo de risco, vê-se que o resultado pertence à
classe de resultados normalmente associada à conduta perigosa (atropelamentos relacionados à excesso de
velocidade). Porém, há análise diferencial neste caso: perícia mostra que vítima se colocou na frente do carro
de forma tão abrupta que mesmo se veículo estivesse abaixo do limite de velocidade permitido o motorista

61
não teria conseguido frear a tempo de evitar o resultado. Pela teoria de Roxin, exclui-se a imputação se um
comportamento alternativo, conforme o direito, também não teria conseguido evitar o resultado. Resumindo:
Se nem cria o risco = conduta é atípica. Se cria risco + o crime é doloso = há pelo menos tentativa. Se cria risco
+ crime é doloso + risco se materializa no resultado, há crime consumado. No exemplo dado, se houvesse a
imputação, o crime seria culposo.
b.1)Crimes culposos: em crime culposo, se há criação de risco desaprovado, isso ainda não gera tentativa
porque não existe tentativa em crime culposo. Há, pelo menos, situação de perigo que pode ser crime de
perigo caso haja uma correspondência típica. Na verificação da materialização do risco no resultado é que se
descobre se há crime culposo ou não. No crime culposo precisa haver as duas etapas da teoria da imputação,
pois não há tentativa. Nesses dois casos em que risco não se materializa no resultado – não há nexo de risco
ou há situação em que comportamento alternativo conforme ao direito não teria evitado resultado - o sujeito
não responde por crime culposo. Pode ser que haja crime de perigo, como no código de trânsito (direção
perigosa, mas não crime culposo). A primeira etapa da teoria da imputação, se confirmada, gera tentativa em
crimes dolosos, em que se admite tentativa. Para o crime culposo exige-se verificação das duas etapas da teoria
da imputação.
c) Aumento do risco permitido: Aqui, trata-se de como proceder na hipótese de dúvida sobre se o
comportamento correto realmente evitaria o resultado. Ex.: exames de sangue para detectar vírus do HIV. A
detecção do vírus tem probabilidade de erro, por causa do período janela (window period). Supondo risco é
de 2% da pessoa que recebe sangue em transfusão ser contaminada, tem-se margem de risco permitida. Caso
uma clínica falcatrua, para economizar, não faça os exames de HIV e, com isso, o risco de contaminação do
recebedor aumente de 2% para 30%. Em eventual ação penal, a alegação de que não há certeza que realizar
exame de HIV realmente evitaria resultado deixa clara a dúvida se comportamento alternativo conforme o
direito evitaria o resultado. 2 correntes trabalham o aumento do risco:
I - Teoria da evitabilidade (Juarez Tavares): não há possibilidade de imputar este resultado ao agente. Esta
corrente trabalha com a ideia do in dubio pro reo. Crítica: permitiria às pessoas que trabalham com condutas
arriscadas que extrapolassem risco permitido e depois usassem a dúvida como escudo.
II- Teoria do aumento do risco (Roxin/Luis Greco): se opõe à teoria da evitabilidade. Não cabe aqui princípio
do in dubio pro reo porque há a certeza de que o sujeito aumentou risco que era tolerado, ultrapassando o
risco permitido. Essa certeza sobre o aumento considerável do risco permitido é suficiente para a condenação.

6. Imputação segundo Günther Jakobs (Teoria dos papéis): fundamenta-se no argumento de que cada um de
nós exerce determinado papel na sociedade. Para a responsabilização penal deve-se aferir quem não exerceu
ou exerceu de maneira deficiente seu papel na sociedade. A partir daí, Jakobs traça quatro instituições jurídico-
penais sobre as quais desenvolve a teoria da imputação objetiva: a) risco permitido: O risco inerente à
configuração social deve ser tolerado como risco permitido. Assim, se cada um se comporta de acordo com
um papel que lhe foi atribuído pela sociedade, mesmo que crie risco de lesão ou perigo de lesão aos bens de
terceira pessoa, se o risco se mantiver dentro dos padrões aceitos pela sociedade, advindo da conduta algum
resultado lesivo, o mesmo será imputado ao acaso. b) princípio da confiança: As pessoas que convivem numa
sociedade devem confiar umas nas outras. Confiar que cada uma cumpra seu papel, observe seus deveres e
obrigações, evitando danos. É o que nos permite, por exemplo, atravessar um cruzamento quando o sinal está
verde, confiando que o motorista da outra pista irá parar perante o sinal vermelho. Não se imputarão os
resultados a quem obrou confiando em que outros se manterão dentro dos limites do perigo permitido. c)
proibição do regresso: Se determinada pessoa atuar de acordo com os limites de seu papel, sua conduta,
mesmo contribuindo para o sucesso da infração penal, não poderá ser incriminada. Ex: Padeiro que, mesmo
sabendo que certo cliente comprou um pão para envenená-lo e servi-lo a um desafeto, não responderá pela
morte, pois a atividade de vender pães consiste no seu papel de padeiro. d) competência (capacidade) da
vítima: Jakobs agrupa duas situações que merecem destaque. A primeira diz respeito ao consentimento do
ofendido; a segunda, às chamadas ações a próprio risco. Esta última se refere a infrações dos deveres de
autoproteção. Assim, aquele que se dispõe a praticar esportes radicais, sabe que corre o risco de se lesionar,
não podendo tal fato ser atribuído a seu instrutor, que agiu de acordo com sua capacidade, observando seu
dever de cuidado.

62
7. Omissão como causa do resultado: A omissão também poderá ser considerada causa do resultado,
conforme dispõe o caput do art. 13 do CP. Para tanto, o omitente deve ter o dever jurídico de impedir, ou pelo
menos tentar impedir, o resultado lesivo. Nos termos do § 2º do art. 13 do CP, a omissão é penalmente
relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. A lei penal exige, portanto, o dever de
agir e o poder agir. Os crimes omissivos podem ser: a) Crimes omissivos próprios, puros ou simples, segundo
Mirabete “são os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei
determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer
resultado naturalístico. Para a existência do crime basta que o autor se omita quando deve agir”. Ex: Omissão
de socorro, art. 135 do CP. São normas mandamentais. b) Crimes omissivos impróprios, comissivos por omissão
ou omissivos qualificados são aqueles em que, por sua configuração, é preciso que o agente possua um dever
de agir para evitar o resultado (há a previsão de um resultado que deve ser evitado – nexo de evitação). Este
dever é atribuído por lei a pessoas com qualidades específicas, que são chamadas garantidores ou garantes,
os quais estão elencadas no § 2º do art. 13 do CP (tipicidade indireta/mediata, pois depende da conjugação da
norma incriminadora comissiva + art. 13, §2º). Esta espécie de crime omissivo admite tanto a inação dolosa
quanto a inação culposa como meio para se atribuir o resultado ao agente. Ex: salva vidas que negligentemente
é tardio no socorro. Encontram-se na posição de garantidor: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção
ou vigilância (Ex: a obrigação dos pais em relação a seus filhos); b) de outra forma, assumiu a responsabilidade
de impedir o resultado (Ex: alguém em uma praia que se disponibiliza a vigiar o filho de um pai enquanto este
dá um mergulho no mar). c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (Ex:
aquele que, num acampamento, depois de acender o fogo para fazer sua comida, não o apaga posteriormente,
permitindo que se inicie um incêndio). Há divergência doutrinária sobre a necessidade de o comportamento
anterior se dar ao menos culposamente (Luiz Regis Prado) ou se necessita ser um ilícito (Juarez Cirino) ou se
não precisa nem de dolo nem de culpa (Bitencourt), bastando que o agente tenha com sua ação proporcionado
alguma situação de risco para o resultado.

8. Classificação de crimes quanto ao resultado descrito no tipo:


a) Crimes de mera conduta: O tipo penal de alguns crimes não descreve nenhum resultado, como é o caso da
violação de domicílio.
b) Crimes formais: tipo penal descreve uma conduta e até descreve um resultado, mas este resultado é
desnecessário para que ocorra consumação;
c) Crimes materiais: aqueles em que há descrição de conduta, descrição do resultado e o resultado tem que
acontecer para que haja consumação do crime.

12A. Teoria do Tipo Doloso

Andressa Pillon

A)Teoria do tipo doloso


*teoria da vontade: dolo é vontade da conduta e do resultado (dolo direto). Adotada pelo CP.
*teoria do consentimento: dolo é vontade da conduta, mas assume o risco do resultado (dolo eventual).
Adotada pelo CP.
*teoria da representação: dolo é previsão do resultado.
B) ESPÉCIES DE DOLO
-> Dolo direto: teoria da vontade- dolo é vontade consciente de querer praticar a infração.
→ Dolo direto de primeiro grau: O agente quer o resultado como fim de sua ação. A sua
vontade é dirigida à realização do fato típico.
→ Dolo direto de segundo grau: Aqui abrange os efeitos colaterais necessários ao fim
proposto, ou ao meio escolhido.
- > Dolo indireto/indeterminado:
→ Dolo eventual: O agente não quer diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível e
até provável a sua realização. Assume o risco, portanto, do resultado. Teoria do consentimento: o agente prevê
pluralidade de resultados, dirigindo sua conduta para realizar um determinado evento, mas assume o risco de

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provocar outro.
-> Dolo alternativo: o agente prevê uma pluralidade de resultados, dirigindo sua conduta para perfazer
qualquer deles com a mesma intensidade de vontade.
-> Dolo antecedente/concomitante/subsequente: o dolo que importa e tipifica a conduta é o dolo
concomitante, que existe no momento da ação/omissão. No entanto, por força da teoria da actio libera in
causa, excepcionalmente o dolo antecedente será considerado para a tipificação de determinada conduta.
-> Dolo de propósito: é a vontade e consciência refletida, pensada, premeditada.
-> Dolo de ímpetro: é o repentino. Para parte da doutrina, pode corresponder a uma privilegiadora.
-> Dolo normativo/ híbrido/ valorado: teoria causalista- o dolo pressupõe consciência + vontade+ consciência
atual da ilicitude (o dolo faz parte da culpabilidade).
-> Dolo natural/neutro/desvalorado: teoria finalista- o dolo pressupõe apenas consciência + vontade (o dolo
faz parte do tipo).
C) O dolo como elemento subjetivo geral
C.1) Aspecto cognitivo do dolo: É a consciência, que deve ser efetiva e atual. Deve se ter
consciência da representação dos elementos integradores do tipo penal, bem como a previsão de todos os
elementos essenciais do tipo, sejam descritivos ou normativos.
C.2) Aspecto volitivo do dolo: Aqui se pressupõe a previsão fática (aspecto cognitivo), abrangendo a conduta,
o resultado e o nexo causal. Segundo Ihering, a vontade se constitui no fato e com o fato.

13A. Teoria do Tipo Culposo

Renata Souza
Materiais consultados: MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral – vol. 1. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2018;
Graal do 28º CPR; Aulas de Rogério Sanches do curso Carreira Jurídica 2015 - CERS;
Comentários de julgados do Dizer o Direito.

 Introdução:
“Dentro de uma concepção finalista, culpa é o elemento normativo da conduta, pois a sua aferição depende
da valoração do caso concreto. (...) Os crimes culposos, em regra, são previstos por tipos penais abertos, pois
a lei não diz expressamente no que consiste o comportamento culposo, reservando tal missão ao magistrado
na apreciação da lide posta à sua análise. Geralmente, o tipo penal descreve a modalidade dolosa, e, quando
a ele também atribui variante culposa menciona expressamente a fórmula 'se o crime é culposo'.” – MASSON,
p. 307.

 Fundamento da punibilidade da culpa:


Antigamente, vários autores posicionavam-se pela inutilidade da aplicação de pena a delitos culposos. No
entanto, atualmente, não há mais discussão sobre o assunto, uma vez que o interesse público impõe
consequências penais àqueles que agem culposamente, com o propósito de proteção de bens jurídicos
considerados indispensáveis à vida em sociedade. Contudo, os crimes culposos são apenados de maneira mais
amena do que os dolosos, ante o menor desvalor da conduta.

 Conceito de crime culposo:


Segundo a doutrina, o crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um evento ilícito não
querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível (culpa inconsciente) ou excepcionalmente previsto
(culpa consciente) e que poderia ser evitado se houvesse o emprego da cautela necessária.

 Elementos do crime culposo:


1) Conduta humana voluntária: ação ou omissão. A vontade do agente limita-se à realização da conduta, e
não à produção do resultado. No caso de culpa, a vontade é dirigida a outros fins. Não obstante, o agente
causa o resultado porque atuou sem observar as normas de atenção, cuidado ou diligência impostas pela vida
de relação, tendo-se em vista as circunstâncias do fato concreto. Na culpa, a conduta é penalmente lícita ou,
quando ilícita, não se destina à produção do resultado naturalístico integrante do crime culposo.
2) Violação do dever objetivo de cuidado: o agente atua em desacordo com o que é esperado pela lei e pela

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sociedade (se atuasse com prudência e discernimento, evitaria o evento). A violação desse dever pode se
manifestar de várias formas (modalidades de culpa), que são a imprudência, a negligência e a imperícia.
- Imprudência: “É a forma positiva da culpa (in agendo), consistente na atuação do agente sem observância
das cautelas necessárias. É a ação intempestiva e irrefletida. Tem forma ativa. Desenvolve-se sempre de modo
paralelo à ação, ou seja, surge e se manifesta enquanto o seu autor pratica a conduta.” – MASSON, p. 310.
Exemplo: dirigir com excesso de velocidade.
- Negligência: “É a inação, a modalidade negativa da culpa (in omitendo), consistente na omissão em relação à
conduta que se devia praticar. Negligenciar é omitir a ação cuidadosa que as circunstâncias exigem. Ocorre
previamente ao início da conduta. É o caso do agente que deixa a arma de fogo municiada em local acessível
a menor de idade, inabilitado para manuseá-la, que dela se apodera, vindo a matar alguém.” – MASSON, p.
311.
- Imperícia: “É também chamada de culpa profissional, pois somente pode ser praticada no exercício de arte,
profissão ou ofício. Sempre ocorre no âmbito de uma função na qual o agente, em que pese esteja autorizado
a desempenhá-la, não possui conhecimentos práticos ou teóricos para fazê-la a contento.” – MASSON, p. 311.
Exemplo: médico, realizando um parto, causa a morte da gestante. Não se pode confundir a imperícia com o
erro profissional. O erro profissional decorre da falibilidade das regras científicas, excluindo a culpa; o agente
conhece e observa as regras da sua atividade, mas, mesmo assim, o resultado ocorre, pois a ciência ainda não
se encontra capacitada para o enfrentamento, com sucesso, do problema apresentado.
3) Resultado involuntário: haverá crime culposo quando o agente não deseja e nem assume o risco de produzir
o resultado criminoso previsível, mas, ainda assim, o produz. Se, ao contrário, houver a inobservância de um
dever objetivo de cuidado, mas não ocorrer a produção de um resultado criminoso, não advirá crime culposo.
A inevitabilidade do resultado exclui a própria tipicidade, visto que a inobservância do cuidado devido deve
ser causa do resultado em caso de crime culposo. Em regra, o crime culposo é material (exige resultado
naturalístico). Pergunta de concurso: Existe delito culposo não material, isto é, sem resultado naturalístico?
Excepcionalmente, sim. Ex.: Lei 11.343/2006, art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que
delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar. Na modalidade “prescrever”, o crime se consuma com a entrega da receita (ainda que o
paciente não venha a adquirir/utilizar a droga).
4) Nexo causal: é a relação de causa e efeito entre a conduta voluntária perigosa e o resultado involuntário.
5) Tipicidade: como a tipicidade é elemento do fato típico em todos os delitos, deve estar presente, também,
para a configuração de um crime culposo. Trata-se do juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo
sujeito no mundo real e a descrição típica da lei penal.
6) Previsibilidade objetiva: “É a possibilidade de uma pessoa comum, com inteligência mediana, prever o
resultado. Esse indivíduo comum, de atenção, diligência e perspicácia normais à generalidade das pessoas é o
que se convencionou chamar de homem médio (homo medius) (...) Fala-se, também, em homem standard.
Existe a previsibilidade do resultado quando, mediante um juízo de valor, se conclui que o homem médio, nas
condições em que se encontrava o agente, teria antevisto o resultado produzido (...) Daí falar-se em
previsibilidade objetiva, por levar em conta o fato concreto e um elemento padrão para a sua aferição, e não
o agente.” – MASSON, p. 314. E a previsibilidade subjetiva? A previsibilidade subjetiva não é elemento do crime
culposo? Não. A previsibilidade subjetiva deve ser entendida como a possibilidade de conhecimento do perigo
analisada sob o prisma subjetivo do autor (e não do homem médio), levando em consideração seus dotes
intelectuais, sociais e culturais. A previsibilidade subjetiva não é elemento da culpa, mas questão a ser
analisada no juízo da culpabilidade.
7) Ausência de previsão: como regra geral, o agente não prevê o resultado objetivamente previsível. Contudo,
excepcionalmente, há previsão do resultado; trata-se da culpa consciente.

 Espécies de culpa:
a) Culpa consciente ou com previsão ou ex lascivia: o agente prevê o resultado objetivamente previsível, mas
acredita sinceramente que ele não ocorrerá, supondo poder evitá-lo com suas habilidades ou com a sorte.
Aqui, o agente, mais do que previsibilidade, tem previsão, porém o resultado continua involuntário.
Representa o estágio mais avançado da culpa, aproximando-se do dolo eventual, contudo dele se
diferenciando. Na culpa consciente, embora saiba ser possível o resultado, o agente não quer que ele ocorra

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e nem assume o risco de produzi-lo. Por outro lado, no dolo eventual, o sujeito não somente prevê o resultado,
como, igualmente, o aceita como uma das alternativas possíveis.
b) Culpa inconsciente ou sem previsão ou ex ignorantia: o agente não prevê o resultado que, entretanto, era
objetivamente previsível. Nesse caso, qualquer pessoa de diligência mediana teria condições de prever o risco.

c) Culpa própria ou propriamente dita: na culpa própria, o agente não quer e não assume o risco de produzir
o resultado, mas acaba lhe dando causa por imprudência, negligência ou imperícia. Na verdade, a culpa própria
nada mais é do que um gênero do qual são espécies a culpa consciente e a culpa inconsciente. A culpa própria
é aquela em que se tem conduta voluntária + resultado involuntário.
d) Culpa imprópria ou por equiparação ou assimilação ou extensão: a culpa imprópria é aquela em que o
agente, por erro evitável, imagina certa situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude (é uma hipótese
de descriminante putativa). O agente provoca intencionalmente determinado resultado típico, mas responde
por culpa, por razões de política criminal (art. 20, § 1º, 2ª parte, CP). Art. 20 – (...) § 1º - É isento de pena quem,
por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Na culpa
imprópria, a estrutura do crime é dolosa, mas o agente é punido por culpa por razões de política criminal. De
fato, na culpa imprópria, tem-se conduta voluntária + resultado voluntário. Como a estrutura do crime é
dolosa, a culpa imprópria admite tentativa. É a única espécie de culpa que admite tentativa.
e) Culpa presumida ou in re ipsa: foi uma espécie de culpa admitida pela legislação penal anterior ao Código
de 1940, consistente na simples inobservância de uma disposição regulamentar. Foi abolida por se tratar de
verdadeira responsabilidade penal objetiva. Não se presume a culpa, que deve ser provada por quem alega a
sua ocorrência.
f) Culpa mediata ou indireta: “Cuida-se da espécie que se verifica quando o agente produz o resultado
naturalístico indiretamente a título de culpa. É o caso, por exemplo, da vítima que acabara de ser torturada no
interior de um veículo, parado no acostamento de movimentada via pública. Quando conseguiu fugir, ela
buscou atravessar a pista, foi atropelada e morreu. O agente responde pela tortura e também pelo resultado
morte, provocado indiretamente por sua atuação culposa, pois lhe era objetivamente previsível a fuga da
pessoa torturada na direção da via pública. É preciso destacar que a culpa mediata punível consiste em fato
com relação estreita e realmente eficiente no tocante à causação do resultado naturalístico, não se podendo
confundi-la com a mera condição ou ocasião do ocorrido.” – MASSON, p. 318.

 Caráter excepcional do crime culposo:


O art. 18, parágrafo único, do CP, traz o princípio da excepcionalidade do crime culposo: “Salvo os casos
expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente.”. Destarte, a modalidade culposa de um delito deve ser expressamente prevista em lei. Não
havendo tal previsão, a punição se dá apenas a título de dolo.

 Graus de culpa:
Antigamente, buscou-se diferenciar a culpa, tendo em vista a sua intensidade. em graus: grave, leve e
levíssima. No entanto, o Direito Penal brasileiro não aceita a classificação da culpa em graus. O art. 59, caput,
do CP, não traz os graus de culpa como circunstâncias judiciais a serem a analisadas na dosimetria da pena.

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 Compensação de culpas:
A compensação de culpas não é admitida no Direito Penal. Destarte, não se anula a culpa do agente pela culpa
da vítima, que pode funcionar, todavia, como circunstância judicial favorável ao acusado, quando da
dosimetria da pena (art. 59, caput, do CP). É preciso pontuar, ainda, que, embora não exista compensação de
culpas no Direito Penal, a culpa exclusiva da vítima exclui a culpa do agente.

 Concorrência de culpas:
“É o que se verifica quando duas ou mais pessoas concorrem, contribuem, culposamente, para a produção de
um resultado naturalístico. Todos os envolvidos que tiveram atuação culposa respondem pelo resultado
produzido. Fundamenta-se essa posição na teoria da conditio sine qua non, acolhida pelo art. 13, caput, do
Código Penal (...) E, como é fácil perceber, se o resultado foi provocado pela pluralidade de condutas culposas,
por ele respondem aqueles que as realizaram.” – MASSON, p. 321.

 Exclusão da culpa:
A culpa é excluída nas seguintes hipóteses:
1) Caso fortuito e força maior: inserem-se entre os fatos imprevisíveis, que não se submetem à vontade de
ninguém. Logo, o resultado daí advindo não pode fundamentar a punição por culpa.
2) Erro profissional: a culpa pelo resultado não pode ser atribuída ao agente, mas à própria ciência, que ainda
não se encontra apta a enfrentar determinadas situações.
3) Princípio da confiança: o dever objetivo de cuidado se estabelece sobre todos os indivíduos e, por isso, pode-
se confiar que todos procedam de forma a permitir a pacífica convivência em sociedade. Consequentemente,
se alguém age nos limites do dever de cuidado, confiando que os demais procedam da mesma forma, não
responde por eventual resultado lesivo involuntário em que se veja envolvido. Exemplo: motorista que conduz
seu veículo com a atenção necessária, em velocidade compatível, pode confiar que o pedestre atravesse a via
na faixa de segurança e no momento apropriado; se o pedestre repentinamente atravessou a via, cruzando o
caminho do automóvel, que o atropela, o condutor não responde por culpa.
4) Risco tolerado: o comportamento humano, no geral, atrai certa carga de risco que, se não tolerada,
impossibilitaria a prática de atividades cotidianas básicas e tornaria proibitivo o desenvolvimento pessoal e o
progresso científico e tecnológico. Quanto mais essenciais forem determinados comportamentos, maior
deverá ser a tolerância em relação aos riscos que trazem às relações humanas, afastando-se,
consequentemente, qualquer reprovação que pudesse limitar a sua adoção.

 Crime preterdoloso ou preterintencional:


O crime preterdoloso está anunciado no art. 19, do CP. Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a
pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. O preterdolo é uma das espécies
de crime agravado ou qualificado pelo resultado. Em geral, a doutrina lembra de quatro tipos de crimes
agravados ou qualificados pelo resultado: 1) Crime doloso agravado/qualificado pelo dolo (ex.: homicídio
qualificado); 2) Crime culposo agravado/qualificado pela culpa (ex.: incêndio culposo qualificado pela morte
culposa); 3) Crime culposo agravado/qualificado pelo dolo (ex.: homicídio culposo qualificado pela omissão de
socorro); 4) Crime doloso agravado/qualificado pela culpa (ex.: lesão corporal seguida de morte) – é o
preterdolo. O preterdolo nada mais é do que dolo no antecedente e culpa no consequente. No crime
preterdoloso, o agente pratica delito distinto do que havia projetado cometer, advindo da conduta dolosa
resultado culposo mais grave do que o projetado.
Elementos do crime preterdoloso: a) Conduta dolosa visando determinado resultado – ex: lesão corporal; b)
Provocação de resultado culposo mais grave que o desejado – ex: morte; c) Nexo causal entre conduta e
resultado; e d) Tipicidade: não se pune crime preterdoloso sem previsão legal – ex: art. 129, § 3º, do CP (lesão
corporal seguida de morte).
Importante salientar que, no crime preterdoloso, o resultado deve ser culposo. Assim, se o resultado for
decorrente de caso fortuito ou força maior, não pode ser imputado ao agente, sob pena de responsabilidade
penal objetiva.

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 Jurisprudência: dolo eventual x culpa consciente:
- A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a
afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC,
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017) (Info 623).
- Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa
consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com
resultado morte. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017)
(Info 623).

14A. Teoria do tipo omissivo

Elaborado por Matheus de Andrade Bueno

Conceito. É a não realização (não fazer) de determinada conduta valiosa (comportamento ideal) a que o agente
estava juridicamente obrigado e que lhe era possível concretizar. Nos crimes omissivos, bens jurídicos são
protegidos com a proibição de abstenção de condutas valiosas, sendo que o agente infringe um tipo
mandamental, não fazendo o que a lei determina. A norma mandamental, que determina um fazer, pode
decorrer: do próprio tipo penal (crime omissivo próprio) ou de cláusula geral (crime omissivo impróprio).
Tipo proibitivo X mandamental. Proibitivo: descreve conduta desvaliosa; é violado por ação (agente realiza o
que o tipo proíbe). Mandamental: descreve conduta valiosa; é violado por omissão (o agente não realiza o que
o tipo manda).
Crime omissivo próprio ou puro. Próprio tipo penal descreve a omissão (ex.: crime de omissão e socorro -
art.135, CP. São delitos nos quais existe dever genérico de agir/de proteção (que não é observado pelo
destinatário da norma), conduta que pode ser praticada por qualquer pessoa. O dever é dirigido a todos
indistintamente (dever de solidariedade). A conduta omissiva está descrita em tipo penal incriminador próprio.
Para que se configure, basta a sua desobediência, sendo irrelevante a ocorrência do resultado naturalístico.
O resultado serve para fixação da pena, podendo gerar também majorante ou qualificadora (ex.: omissão de
socorro com resultado morte ou lesão grave). Prescinde a análise do nexo causal, pois a simples abstenção
configura o crime. Casos em que incidem majorantes e qualificadoras, a apreciação da causalidade é
imprescindível, devendo-se indagar se a ação omitida seria capaz de evitar o resultado.
Crime omissivo impróprio ou impuro (comissivo por omissão). Cláusula geral descreve o deveres específicos
de agir (art. 13, § 2º, CP: a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar
o resultado. O dever de agir incumbe a quem: tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de
outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; com seu comportamento anterior, criou o
risco da ocorrência do resultado). É esse específico dever jurídico, titularizado apenas por determinadas
pessoas (garantidores), que faz da sua abstenção comportamento relevante para o direito penal. Não basta
a simples abstenção de comportamento. Não basta apenas a inobservância do dever de agir, sendo
indispensável a ocorrência do resultado naturalístico que o garantidor deveria impedir. Ao contrário do crime
omissivo próprio, no crime omissivo impróprio o tipo infringido (ex.: o art. 121 que seria c/c o art. 13, p. 2º)
pelo omitente descreve conduta comissiva. Incide um tipo penal comissivo impropriamente praticado por
omissão (ex: mãe que deixa de amamentar o filho pratica o verbo ”matar”). A omissão imprópria é causa do
resultado naturalístico, sendo imprescindível a análise do nexo causal entre omissão e resultado.
crime omissivo próprio crime omissivo impróprio
Dever genérico de agir (que atinge todos Dever jurídico especial de agir para evitar o resultado
indistintamente)
Omissão descrita no tipo penal Omissão descrita em cláusula geral (art. 13, p.2º, CP)
mandamental
Não há personagens próprios Pressupondo dever específico, atinge o garantidor
Agente responde por crime omissivo Agente reponde por crime comissivo praticado por
omissão

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Subsunção direta entre fato (omissão) e norma Subsunção indireta entre fato (omissão) e norma (tipo
(tipo descreve omissão) descreve ação), aplicando a norma de extensão causal
(cláusula geral)
Garantidor. Art. 13, § 2º, CP: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (dever legal de
cuidado, podendo ser lei de natureza não penal – ex.: dever de alimento decorrente do poder familiar;
obrigações de ordem moral ou religiosa não são consideradas); b) de outra forma, assumiu a responsabilidade
de impedir o resultado (hipóteses em que o dever não decorre de lei, mas da assunção voluntária do encargo
de zelar pelo bem jurídico tutelado; Francisco de Assis Toledo: posição de garante surge por ato voluntário, a
titulo oneroso ou não, como promessa, veiculação publicitária ou contratualmente, captando a confiança dos
possíveis afetados perigosos – ex.: guia, salva-vidas, enfermeiro, médico de plantão em hospitais,
organizadores de competições esportivas); c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado (no âmbito social, o agente produz o perigo, devendo se empenhar para que o resultado danoso
não ocorra; é irrelevante que a atuação perigosa causadora do resultado seja lícita ou ilícita, culposa ou dolosa,
punível ou não punível, devendo sempre o agente responder por sua produção caso haja a incidência de uma
das hipóteses legais). Heleno Cláudio Fragoso: (a) somente uma interpretação restritiva do art. 13, p. 2º, “c”,
poderá levar a uma aplicação equânime da lei; (b) deve ser aplicado o dispositivo apenas quando a lei não
disciplinar o fato concreto em dispositivo específico; (c) a solução mais indicada para sua aplicação é: nos
crimes dolosos impróprios, deve o agente não observar o dever de agir (com a consciência de que age assim)
e com o objetivo de alcançar ou assumir o risco de produzir o resultado criminoso que poderia ter sido
impedido por sua intervenção; (d) se o agente tem a consciência de que não observa o dever de agir, mas o
resultado não era querido ou aceito (apenas possível), deverá responder pelo crime culposo, se previsto em
lei. Fragoso: (a) nas 3 hipóteses do art. 13, p. 2º, a lei pressupõe a possibilidade de ação por parte do agente;
(b) se na atuação concreta sua atuação era fisicamente impossível, não há se falar em omissão penalmente
relevante; (c) assim, deve o agente: ter conhecimento da situação causadora do perigo, ter consciência de
sua posição de garantidor e ter possibilidade física de impedir a ocorrência do resultado. Para Fragoso, o rol
do art. 13, p. 2º é taxativo, não podendo ser ampliado por se tratar de norma de extensão de caráter
incriminador (vedada a analogia in malam partem). Fragoso: (a) sendo inadmissível a responsabilidade penal
objetiva, os pressupostos de fato que configuram a posição de garantidor são elementos do tipo, devendo
estar cobertos pelo dolo; (b) o agente deve ter consciência da posição de garantidor da não superveniência
do resultado; (c) o erro a tal respeito é erro de tipo e exclui o dolo (ex.: garantidor ignora ser seu filho a pessoa
que corre perigo, responde por omissão de socorro, não por homicídio na forma de garantidor); (d) erro sobre
o próprio dever de impedir o resultado que resulta na posição de garantidor é irrelevante, porque o
desconhecimento da lei é inescusável.

17A. Teoria do Erro.

Rafael Martins da Silva 29/09/18

I. Teorias da Culpabilidade com impacto na teoria do erro: teorias extremada e limitada da culpabilidade

 ambas situam o dolo no tipo e a consciência da ilicitude na culpabilidade (base finalista); adotam o
erro de tipo como excludente do dolo (art. 20, CP), e admitem, quando for o caso, o crime culposo;
defendem o erro e proibição inevitável como causa de exclusão da culpabilidade. A diferença entre
elas diz respeito às discriminantes putativas, assim:
(i) para a teoria extremada, todo erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição (erro de
proibição indireto ou erro de permissão), c/ as conseqüências dele decorrentes; (ii) para a t. limitada, o erro
que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação é erro de tipo (erro de tipo permissivo);
e o erro que recai sobre a existência ou abrangência da causa de justificação, é erro de proibição. O CPB adotou
a teoria limitada da culpabilidade, segundo o item 19 da exposição de motivos.

II. Erro de tipo

69
O agente não tem consciência do que está praticando. Erra sobre elementos de fato. Art. 20, caput, do CP: “O
erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo,
se previsto em lei.”
Consequência: exclui o dolo, permitindo, no máximo, a punição a título de culpa. Não há elemento intelectivo
(conhecimento).
2.1 essencial - recai sobre circunstância que configura elemento essencial do tipo; falsa percepção da realidade
sobre um elemento do crime. Pode ocorrer nos crimes omissivos impróprios, por ex. quando o agente
desconhece sua posição de garantidor. Quando inevitável (não deriva de culpa), afasta o dolo e a culpa,
excluindo a tipicidade; quando evitável (provem da culpa do agente) também exclui o dolo, mas permite a
punição a título de culpa.
2.2 acidental – recai sobre dados diversos dos elementos constitutivos do tipo penal (ou seja, sobre as
circunstancias e fatores irrelevantes da figura típica. A infração penal subsiste. Ocorre nas seguintes situações:
(i) erro sobre a pessoa – art. 20, §3º, CP;
(ii) erro sobre o objeto;
(iii) erro sobre as qualificadoras: o agente responde apenas pelo crime efetivamente praticado;
(iv) erro sobre o nexo causal (aberratio causae)- o sujeito, acreditando ter produzido o resultado, pratica nova
conduta com finalidade diversa e ao final se constata que foi esta ultima que produziu o resultado; é irrelevante
para o direito penal; o dolo é geral e envolve todo o desenrolar da ação típica;
(v) erro na execução (aberratio ictus) – art. 73, CP – o agente não se engana quanto à pessoa que desejava
atacar, mas age de modo desastrado, errando seu alvo, ou por acidente, acaba acertando pessoa diversa.
Espécies: (a) com unidade simples: o agente atinge apenas a pessoa diversa da desejada, sendo punido cf. art.
20, §3º; (b) com unidade complexa: atinge a pessoa inicialmente desejada e, culposamente, outra pessoa;
aplica-se a regra do concurso formal próprio. Caso haja dolo direto ou mesmo eventual em relação às demais
pessoas atingidas, aplica-se a regra do concurso formal impróprio;
(vi) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis- art. 74, CP): o agente desejava cometer um crime,
mas, por erro na execução, acaba por cometer outro. Espécies: (a) com unidade simples: o agente atinge
somente bem jurídico diverso do pretendido, respondendo por culpa, se o fato for previsto como crime
culposo. Entretanto, se o resultado previsto como crime culposo for menos grave ou se o crime não tiver
modalidade culposa, deve-se desprezar a regra do art. 74, segundo parte da doutrina. (b) com unidade
complexa: atinge o bem jurídico desejado e, culposamente, outro bem; aplica-se a regra do concurso formal
próprio. Caso haja dolo direto ou mesmo eventual em relação aos demais bens atingidos, aplica-se a regra do
concurso formal impróprio.

III – Erro de proibição

O agente supõe, por erro, ser licita sua conduta, quando, na realidade, é ilícita; o objeto do erro não é a lei,
nem o fato, mas a contrariedade do fato em relação à lei, ou a sua ilicitude. Quando inevitável, exclui a
culpabilidade; somente é justificável diante da impossibilidade de o agente alcançar a ilicitude de seu
comportamento. Quando evitável, a punição se impõe, mas com pena reduzida. 3.1 Espécies de erro de tipo:
a) direto – o agente engana- se a respeito da norma proibitiva, por que não a conhece, ou a interpreta mal.
Também pode ocorrer nos crimes culposos; b) mandamental – recai sobre uma norma mandamental, implícita
nos crimes omissivos, próprios ou impróprios; c) indireto (erro de permissão) – descriminantes putativas por
erro de proibição: o agente conhece o caráter ilícito do fato, mas, no caso concreto, acredita erroneamente
estar presente uma causa de exclusão da ilicitude, ou se equivoca quanto aos seus limites.

Erro relativo aos pressupostos fáticos de uma causa de justificação: a depender da teoria da culpabilidade
adotada (limitada ou extremada), será erro de tipo ou erro de proibição. No CP, é tratado como erro de tipo
permissivo: se for escusável, isenta de pena; se for inescusável, permite a punição por crime culposo, se
previsto (art. 20, §1º – culpa imprópria).

Erro sobre elementos normativos especiais da ilicitude: são representados por expressões como
“indevidamente”, “sem justa causa”, que são elementos sui generis do fato típico. Há divergência doutrinária

70
sobre se é erro de tipo ou de proibição, filiando-se Bitencourt (2011, p. 451) à primeira corrente.
Para Roxin o erro será de tipo se estiver relacionado com os pressupostos fáticos da valoração, mas será de
proibição se for da valoração em si mesma.

Erro de proibição culturalmente condicionado (Zaffaroni). Espécies: (i) erro de compreensão: não é exigível
do agente a possibilidade de entender a antijuridicidade do fato, no sentido de internalizar as normas. Nesse
caso, há erro de proibição invencível. Aplica-se, em alguns casos, à situação penal dos índios; (ii) A consciência
dissidente, por si só, não afasta a culpabilidade, mas haverá situações em que mesmo a pessoa tendo
conhecimento da proibição e da ausência de permissão legal, não será possível dela exigir a sua interiorização;
(iii) justificativa putativa: é caso de erro de tipo. Um indígena vê o não índio como inimigo, o que pode justificar
atitudes contrarias ao direito.

18A. Etapas da realização do crime

Andressa Pillon

-Conceito: o iter criminis ou itinerário do crime significa o conjunto de etapas que se sucedem
cronologicamente no desenvolvimento do delito. Tal discussão se atém ao crime doloso, pois na culpa não há
que se falar em cogitação ou vontade de produzir o resultado.
- Análise do Iter Criminis pelas “Fases do Crime”
Fase Interna: (cogitação). Dado o princípio da alteridade, a atitude meramente interna do agente não pode
ser incriminada, razão pela qual não se pune a cogitação.
Fase Externa Preparatória: A fase externa inicia-se com a preparação. O CP, em regra, não admite a punição
da preparação. No entanto, o legislador por vezes transforma esses atos, que seriam “meramente
preparatórios”, em tipos penais autônomos (v.g. petrechos para falsificação de moeda, quadrilha ou bando,
etc.). Novidade-crimes obstáculos -lei do terrorismo.
Fase Externa Executória: após os atos preparatórios, dá-se início à fase da execução, na qual começa a
realização da conduta designada pelo núcleo do tipo penal. A conduta aqui já é punível, pode ocorrer:
consumação (art. 14, I); uma tentativa de crime, caso não haja consumação por circunstâncias alheias à
vontade do agente (art. 14, li); a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz, caso não ocorra a
consumação por ato voluntário do agente (art. 15)
Fase Externa da Consumação: por fim, a fase da consumação, o momento de conclusão do delito, reunindo
todos os elementos do tipo penal.
Fase Externa do Exaurimento: alguns autores como Rogério Greco acrescentam ainda a fase
de exaurimento, que ocorreria apenas em alguns tipos de infrações penais. Significa a produção de resultado
lesivo a bem jurídico após o delito já estar consumado.
ATENÇÃO: Não se deve confundir consumação do crime com o seu exaurimento (esgotamento). O crime pode
estar consumado sem que tenha produzido o resultado desejado pelo agente. O conceito de crime consumado
(art. 14, I) deve ser entendido como consumação em um sentido técnico/formal, pois alguns crimes podem se
consumar mesmo que não ocorra o resultado perseguido pelo agente. Exemplo: o crime de extorsão mediante
sequestro (art. 159) se consuma com a conduta de sequestrar a vítima com o fim específico descrito no tipo
(recebimento da vantagem). O efetivo recebimento da vantagem como condição ou preço do resgate
(resultado naturalístico) será mero exaurimento/ esgotamento.
- a partir de que momento surge a pretensão punitiva? A) Teoria subjetiva: a partir dos atos de preparação
(não é aplicada no Brasil) B) Teoria objetivo-formal: a partir da realização do núcleo do tipo (prevalece). C)
Teoria objetivo-material: a partir da conduta imediatamente anterior ao tipo (não é aplicada no Brasil) D)
Teoria da hostilidade ao bem jurídico: só haverá início da execução quando o bem jurídico for ofendido ou
exposto a perigo concreto. Sustenta serem atos executórios apenas os idôneos e unívocos para atingir o
resultado típico (NÃO É APLICADA NO BRASI) E) Teoria objetiva-individual: haverá início da execução com a
prática do verbo nuclear do tipo e de ato imediatamente anterior a ele, segundo o critério subjetivo e individual
do agente (tem a ver com o dolo do agente). Defende que os atos executórios não são apenas os que dão início
a ação típica, atacando o bem jurídico, mas também os praticados imediatamente antes, desde que se tenha

71
prova do plano concreto do autor (ADOTADA EM ALGUNS JULGADOS PELO STJ).

Obs: prova oral- Etapas da realização do crime.

5. ILICITUDE
5.1 Ilicitude penal. (15.a)

15A. Ilicitude penal.

Responsável: Ícaro Gomes Coelho


Método: Método: Atualização do Graal Alternativo do 28º CPR, com acréscimo de informações e marcações para otimizar a leitura. Quanto aos
conceitos de institutos, foram feitos acréscimos (não supressões) pontuais para tentar esclarecer definições consideradas muito abstratas e/ou
difíceis de assimilar.

CONCEITO: Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor
a perigo de lesão bens jurídicos. É a conduta típica não justificada. TERMINOLOGIA: a) Antijuridicidade e
ilicitude: A rigor, antijuridicidade e ilicitude são expressões equivalentes. A opção entre uma ou outra
expressão varia de autor para autor, de escola para escola. b) Antijuridicidade e antinormatividade: Welzel
distingue antijuridicidade de antinormatividade. A antinormatividade é a contradição do fato realizado para
com a norma proibitiva do tipo penal pertinente. A realização da conduta típica acarreta sua
antinormatividade. Mas, para que haja antijuridicidade, é preciso cotejar o fato com o conjunto das normas
proibitivas e permissivas (ordenamento como um todo). c) Antijuridicidade e tipicidade conglobante: Para
Zaffaroni a tipicidade penal pressupõe a tipicidade legal, exigindo, porém, que a conduta seja antinormativa.
É a chamada teoria da tipicidade conglobante. d) Ilicitude e injusto penal: Segundo Zaffaroni, ilicitude é
diferente de injusto penal. A ilicitude é apenas uma característica do injusto. O injusto, por sua vez, é a conduta
típica e antijurídica, envolvendo a compreensão social acerca da justiça (conceito que envolve aspectos
subjetivos). Já a ilicitude é a contrariedade do fato típico à norma (aspecto objetivo). É por essa razão que a
antijuridicidade da conduta típica é determinada por um critério negativo, qual seja, a ausência de causas de
justificação. Mais adiante, veremos que tal entendimento influencia na divisão entre ilicitude objetiva e
ilicitude subjetiva. CLASSIFICAÇÕES: a) Ilicitude Formal X Material: A ilicitude formal é a mera contradição
entre a conduta e o ordenamento jurídico. Já a ilicitude material revela-se no caráter antissocial do
comportamento (conteúdo material do injusto). Na doutrina, prevalece o caráter formal, apesar de somente
a concepção material autorizar a criação de causas supralegais de exclusão. Há, ainda, uma concepção unitária
(surgida na Alemanha e defendida por Bettiol e Francisco de Assis Toledo), segundo a qual a ilicitude é uma só
(não cabendo a separação vista antes, já que para ser ilícito o comportamento precisa lesionar bens jurídicos);
b) Ilicitude Objetiva X Ilicitude Subjetiva: Na ilicitude objetiva, basta a contrariedade do fato típico ao
ordenamento. As notas pessoais do agente (ex.: imputabilidade) não afetam a ilicitude e devem ser analisadas
posteriormente. Já a ilicitude subjetiva exige a capacidade de conhecimento do agente acerca da ilicitude de
sua conduta (Ex: imputabilidade). Em nosso sistema penal a ilicitude é objetiva (Cleber Masson, pag. 349); c)
Ilicitude Genérica X Ilicitude Específica: A genérica é a que se posiciona externamente ao tipo incriminador,
enquanto que a específica é a que funciona como elemento normativo do tipo (o tipo tem em seu interior
elementos de ilicitude). Cezar Roberto Bittencourt, diversamente, emprega as expressões antijuridicidade
genérica e específica para distinguir a ilicitude penal e a extrapenal (p. 296). TEORIAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
TIPICIDADE E ILICITUDE: existem as seguintes teorias: a) Teoria da autonomia ou da absoluta independência:
não há relação entre tipicidade e ilicitude; b) Ratio cognoscendi ou teoria da indiciariedade (é a que prevalece
na doutrina). A tipicidade presume a ilicitude. Esta é afastada somente diante de prova em sentido contrário.
O ônus de prova da causa de exclusão da ilicitude é da defesa (aqui, não se aplica o in dubio pro reo); c) Teoria
da absoluta dependência ou da ratio essendi: a ilicitude é a essência da tipicidade. O fato só é típico se também
ilícito (tipo total do injusto). OBS: não se confunde com a tipicidade conglobante (que admite a existência da
ilicitude e não trabalha com a ratio essendi). CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
(DESCRIMINANTES/JUSTIFICANTES): são encontradas tanto na parte geral do CP (art. 23), quanto na parte
especial (ex.: aborto, injúria e difamação, constrangimento ilegal, violação de domicílio e furto de coisa
comum) e, ainda, em leis específicas (possibilidade de serviço postal abrir carta com conteúdo suspeito,

72
legítima defesa do domínio, abatimento de animal para saciar a fome). A doutrina cita, ainda, como causa
supralegal de exclusão da antijuridicidade o consentimento do ofendido.
REQUISITOS OBJETIVOS SUBJETIVOS
LEGÍTIMA DEFESA - Agressão atual ou iminente e - Conhecimento da
injusta; agressão e ânimo de defesa
- Direito próprio ou alheio;
- Meios necessários empregados
com moderação.
ESTADO DE - Perigo atual e inevitável; - Ciência da situação fática e
NECESSIDADE - Direito próprio ou alheio; ânimo de salvamento
- Não provocado pela vontade do
agente;
- Inexistência do dever de enfrentar
o perigo.
ESTRITO CUMPRIMENTO - Cumprimento nos limites - Conhecimento do dever e
DO DEVER impostos pela norma (pressupõe vontade de cumpri-lo
LEGAL que o executor seja agente público)
EXERCÍCIOREGULAR - Atuação efetiva no exercício - Conhecimento do direito e
DE DIREITO regular de direito. vontade de exercitá-lo
CONSENTIMENTO - Capacidade para consentir; - Ciência do consenso e vontade
DO OFENDIDO - Anterioridade do consentimento; de atuar
- Atuação nos limites do que fora
consentido
VIOLÊNCIA POLICIAL, ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E LEGÍTIMA DEFESA: A questão do estrito
cumprimento do dever legal é mais saliente, no Brasil, quando conjugada com a questão da violência policial,
até porque não existe entre nós, em regra, um suposto dever legal de matar traficantes, bandidos etc. É por
isso que a doutrina prefere enfrentar a questão do confronto policial com resultado de morte de suspeitos,
bem assim os chamados autos de resistência, não dentro da teoria do estrito cumprimento do dever legal,
mas, sim, sob os parâmetros da legítima defesa. Atenção: a violência policial é lida a partir da teoria da
criminologia crítica, não como estrito cumprimento do dever legal nem como legítima defesa, mas sim como
um projeto genocida do Estado Penal brasileiro, no qual há legitimidade estatal para o extermínio dos jovens
negros pobres, tendo em vista sua dispensabilidade aparente do processo produtivo na atual fase do
capitalismo neoliberal [cuidado ao abordar o tema criminologia com Ela Wiecko, uma vez que ela é estudiosa
do assunto, sendo adepta das teorias do conflito]. OBSERVAÇÕES: 1) Impende observar que, para a teoria da
tipicidade conglobante, o estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de um direito são
excludentes da tipicidade, pois são considerados atos normativos (determinados por lei). 2) Ofendículas: Trata-
se de aparato preordenado para a defesa do patrimônio. Há divergência quanto à sua natureza jurídica: 1ª
corrente: legítima defesa preordenada (Magalhães Noronha, Frederico Marques); 2ª corrente: exercício
regular de direito (Bettiol; Aníbal Bruno); 3ª corrente (Prevalece): enquanto a ofendícula não é acionada é
exercício regular de direito, mas uma vez acionada passa a ter natureza de legítima defesa; 4ª corrente:
diferencia ofendícula da defesa mecânica predisposta. A ofendícula é um aparato visível, configurando
exercício regular de direito. Já a defesa mecânica predisposta é um aparato oculto e se acionado configura
legítima defesa. 3) Excesso nas causas justificantes: A questão do excesso se verifica nas hipóteses em que,
embora agindo, inicialmente, acobertado por uma justificante, o agente extrapola a autorização legal, lesando
desarrazoadamente bem jurídico alheio. Espécies: I – Excesso crasso: o agente desde o princípio já atua
completamente fora dos limites legais. É um excesso absurdo; II – Excesso extensivo ou excesso na causa: o
agente reage antes da efetiva agressão, futura, mas esperada. Não exclui a ilicitude (que exige agressão atual
ou iminente), mas pode excluir a culpabilidade (pela inexigibilidade de conduta diversa); III – Excesso intensivo:
o agente, que inicialmente agia dentro do direito, mas intensifica a ação justificada e ultrapassa os limites
permitidos. Se o excesso foi doloso, responde por dolo; se culposo, por culpa; IV – Excesso acidental: o agente,
ao reagir moderadamente, por força de acidente, causa lesão além da reação moderada (hipótese de caso

73
fortuito ou força maior). OBS: a doutrina admite o excesso sem dolo e sem culpa, quando é caso de excesso
exculpante (erro inevitável), tendo sido previsto no art. 45 do CPM. Fora do CPM atua como causa supralegal
de exclusão da culpabilidade.
DESCRIMINANTES PUTATIVAS: São excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes em uma
determinada situação, quando, na realidade, não estão. Apesar de as descriminantes significarem excludentes
de ilicitude, quando associadas à situação de putatividade, como se verá, excluirão ora a tipicidade, ora a
culpabilidade. Espécies: 1) Imaginar situação justificante em razão de erro quanto à existência ou limite da
discriminante: Não há qualquer equívoco em relação à situação de fato. O agente sabe o que faz e imagina que
está autorizado a agir. Trata-se de erro de proibição indireto ou erro de permissão; 2) O agente engana-se
quanto aos pressupostos fáticos do evento: Aqui, há duas correntes: 2.1) Teoria Extremada da Culpabilidade:
a hipótese é de erro de proibição (se inevitável, isenta o agente de pena; se evitável, diminui a pena). 2.2)
Teoria Limitada da Culpabilidade: o caso é de erro de tipo (se inevitável exclui dolo e culpa; se evitável pune-
se a título de culpa). O art. 20, §1º, do CP na primeira parte repete o que diz a extremada, e na segunda a
limitada. Assim, para LFG o citado artigo adotou uma teoria extremada sui generis, punindo erro evitável não
com mera diminuição de pena, mas a título de culpa por razões de política criminal. Pega emprestada a
consequência da limitada. Todavia, prevalece o entendimento de que o CP adotou a teoria limitada, com base
nos seguintes fundamentos: A) a expressão isento de pena também é consequência da exclusão de dolo e
culpa, fruto do erro de tipo inevitável; B) na localização topográfica a descriminante putativa sobre
pressupostos fáticos está prevista no §1º do art. 20 do CP que trata do erro de tipo. C) A exposição de motivos
do CP é clara em dizer que foi adotada a teoria limitada da culpabilidade.

6.CULPABILIDADE
6.1 Culpabilidade. (16.a)

16A. Culpabilidade.

Andressa Pillon

Culpabilidade possui três sentidos: (a) elemento do crime, o qual, por sua vez, é pressuposto da sanção penal;
(b) elemento de medição da pena; (c) conceito contrário à responsabilidade objetiva.

-Teorias da culpabilidade: a) Teoria psicológica: a culpabilidade é formada pela imputabilidade e dolo


normativo (dolo e culpa fazem parte da culpabilidade); b) Teoria normativa: a culpabilidade é formada pela
imputabilidade + dolo normativo + exigibilidade de conduta diversa; c) Teoria normativa pura: culpabilidade
é imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Se subdivide em- teoria
extremada (as descriminantes putativas são sempre erro de proibição -teoria unitária do erro) e teoria
limitada (descriminantes putativas por erro de fato=erro de tipo permissivo e descriminantes putativas por
erro de direito/limites= erro de proibição indireto).
Obs: Teoria funcional da culpabilidade (Jakobs): deve-se buscar na culpabilidade, se a pena é ou não
necessária. Tipo total da culpabilidade = tipo positivo da culpabilidade e tipo negativo da culpabilidade.
Obs: Teoria da coculpabilidade(Zaffaroni): é o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela não
inserção social do agente, que gera menor grau de autodeterminação. Para as pessoas marginalizadas pela
família, sociedade e Estado, o caminho do crime é mais propício. No Brasil, não possui aceitação no STJ e STF
como causa de exclusão da culpabilidade, mas existem decisões reconhecendo como atenuante genérica.
Teoria da coculpabilidade às avessas: deve haver maior reprovação para as pessoas de elevado poder
econômico. Pode ser utilizada na pena-base como circunstância judicial desfavorável.
Obs: prova oral- evolução das teorias da culpabilidade.
Obs: prova oral- Culpabilidade faz parte do conceito de crime? (Ela é tripartite, mesmo acarretando mais
responsabilidade por MP provar o crime, mas na prática as denúncias são oferecidas somente com base na
tipicidade e na ilicitude, deixa a culpabilidade pra provar depois).
- Elementos da culpabilidade: (a) imputabilidade: É a capacidade de livre autodeterminação. É o conjunto de
condições pessoais que dão ao agente a faculdade de atuar de modo distinto, permitindo, assim, que lhe seja

74
atribuída juridicamente a responsabilidade pelo injusto típico. CP adotou o critério Biopsicológico; (b)
potencial conhecimento da ilicitude do fato: exige um juízo geral acerca do caráter ilícito do fato, e a
possibilidade de se atingir esse juízo, mediante um simples e exigível esforço da consciência (consciência
profana do injusto); (c) exigibilidade de conduta diversa ou de obediência ao direito: possibilidade concreta
de o autor, capaz de culpabilidade, adotar sua decisão de acordo com o conhecimento do injusto.
Obs: Imputabilidade do índio: o simples fato de ser índio não exclui nem diminui sua imputabilidade
(ZAFFARONI e PIERANGELI, p. 559; posição da examinadora Ela Wiecko). Para o índio ser inimputável, exige-se
a presença das dirimentes de doença mental (art. 26, caput), de menoridade (art. 27) ou de embriaguez
completa e involuntária (art. 28, §1º), tal como para qualquer pessoa. Portanto, a imputabilidade não afasta a
culpabilidade do índio, a qual pode ser afastada por outra causa, como o erro culturalmente condicionado
(posição da examinadora Ela Wiecko).
- Excludentes da culpabilidade:
1) causas de inimputabilidade: (a) menoridade; (b) doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou
retardado (art. 26, caput): inclui problemas de ordem toxicológica, a embriaguez patológica, os estados
emocionais patológicos e surtos psicóticos; se tal estado biológico apenas reduzir a
consciência/autodeterminação do agente, haverá a haverá culpabilidade diminuída, com redução da pena (art.
26, p. único). A maioria da doutrina ainda situa os silvícolas como inimputáveis por desenvolvimento mental
retardado, mas esse entendimento não subsiste diante no atual paradigma da plurietnicidade, de modo que,
conforme defende ELA WIECKO: “a inimputabilidade dos indígenas segue as regras gerais aplicáveis a todas
as pessoas maiores de 18 anos. Todavia, é possível excluir a culpabilidade pelo reconhecimento do erro de
proibição ou da inexigibilidade da conduta diversa”; (c) embriaguez completa acidental (art. 28, §1º, CP) - em
razão de caso fortuito ou força maior, o agente perde integralmente a capacidade de entendimento e de
autodeterminação; se for acidental e incompleta, haverá culpabilidade diminuída, com pena reduzida (art. 28,
§2º).
Para o CP (art. 28, II), não são causas de inimputabilidade: a embriaguez não acidental (dolosa ou culposa) e a
embriaguez preordenada (art. 62, II, L), em razão da adoção da teoria da actio libera in causa, segundo a qual
se considera como marco da imputabilidade o período anterior à embriaguez, em que o agente
espontaneamente decidiu consumir bebida alcoólica, ainda que, no momento do fato, ele esteja inconsciente.
A doutrina critica a aplicação dessa tese à embriaguez não acidental, que levaria à responsabilização objetiva,
entendo-a aplicável apenas à embriaguez preordenada.
2) inexigibilidade de conduta diversa: caracteriza-se quando o agente pratica conduta típica e ilícita, mas não
pode ser culpado, pois, naquelas circunstâncias, não lhe poderia ser exigida dirigibilidade normativa, um
comportamento conforme o Direito. No CP: (a) coação moral irresistível - se for resistível, incide atenuante
genérica para o coagido e agravante para o coator; (b) obediência hierárquica a ordem não manifestamente
ilegal – segundo a doutrina tradicional, requer uma relação de direito público. Bitencourt critica (2011, p. 423
e 424), defendendo sua incidência nas relações de direito privado. Se o subordinado cumprir ordem
manifestamente ilegal, tanto ele quanto o seu superior são puníveis, em concurso.
3) causas de exclusão da potencial consciência da ilicitude: erro de proibição escusável (art. 21-CP). o agente
supõe, por erro, ser licita sua conduta, quando, na realidade, é ilícita; o objeto
do erro não é a lei, nem o fato, mas a contrariedade do fato em relação à lei, ou a sua ilicitude. Quando
inevitável, exclui a culpabilidade; somente é justificável diante da impossibilidade de o agente alcançar a
ilicitude de seu comportamento. Quando evitável, a punição se impõe, mas com pena reduzida.
. 3.1 Espécies de erro de proibição: a) direto – o agente engana-se a respeito da norma proibitiva, por que não
a conhece, ou a interpreta mal. Também pode ocorrer nos crimes culposos; b) mandamental – recai sobre
uma norma mandamental, implícita nos crimes omissivos, próprios ou impróprios; c) indireto (erro de
permissão) – descriminantes putativas por erro de proibição: o agente conhece o caráter ilícito do fato, mas,
no caso concreto, acredita erroneamente estar presente uma causa de exclusão da ilicitude, ou se equivoca
quanto aos seus limites.
-Erro de proibição culturalmente condicionado (Zaffaroni). Espécies: (i) erro de compreensão:
não é exigível do agente a possibilidade de entender a antijuridicidade do fato, no sentido de internalizar as
normas. Nesse caso, há erro de proibição invencível. Aplica-se, em alguns casos, à situação penal dos índios;
(ii) A consciência dissidente, por si só, não afasta a culpabilidade, mas haverá situações em que mesmo a

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pessoa tendo conhecimento da proibição e da ausência de permissão legal, não será possível dela exigir a sua
interiorização; (iii) justificativa putativa: écaso de erro de tipo. Um indígena vê o não índio como inimigo, o que
pode justificar atitudes contrarias ao direito.
- causas supralegais de exclusão da culpabilidade: desobediência civil e conflito de deveres.

7.CONCURSO DE PESSOAS
7.1 Concurso de pessoas. (19.a)

19A. Concurso de Pessoas

Ana Paula Guañabens

1. Considerações iniciais:
Conceito de concurso de pessoas: colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização
de um crime ou contravenção.
A teoria do concurso de pessoas surgiu para solucionar os problemas envolvendo os crimes
monossubjetivos ou de concurso eventual.
Crimes monossubjetivos (concurso eventual): são aqueles que podem ser praticados por uma única
pessoa. Eventualmente pode se valer da ajuda de outras pessoas e, neste caso, há concurso eventual de
pessoas.
Crimes plurissubjetivos (concurso necessário): só podem ser praticados em concurso com outras pessoas
– número plural de agentes. Subdividem-se em:1) de condutas paralelas: as várias condutas auxiliam-se
mutuamente. Ex.: quadrilha ou bando (art. 288, CP); 2) de condutas contrapostas: as condutas voltam-se
umas contra as outras. Ex.: rixa (art. 137); 3) de condutas convergentes: as condutas se encontram para
um fim comum. Ex.: o antigo adultério (antigo art. 240); bigamia.

2. Conceitos de autor:
2.1 Conceito unitário ou subjetivo (monista): não diferencia autor e partícipe - é todo aquele que der causa
ao resultado, qualquer contribuição para o resultado. Para equiparar autor e partícipe, fundamenta-
se na teoria da conditio sine qua non. Esse conceito é adotado para os crimes culposos. Teoria adotada
pelo CP;
2.2 Conceito extensivo de autor: objetiva distinguir entre autor e partícipe (a maioria dos manuais traz
que não distingue autor de partícipe, mas objetiva distinguir). A distinção se dá no plano subjetivo: é
autor quem enxerga o fato como próprio e partícipe quem enxerga como alheio. Crítica: quem pratica
o núcleo do tipo pode ser considerado partícipe. Outra crítica é o modo impreciso de tentar distinguir.
2.3 Conceito restritivo: distingue autor e partícipe no plano objetivo, ou seja, na forma de contribuição
objetiva de cada um. Subdivide-se em:
a) Teoria formal-objetiva: autor é quem realiza o núcleo (verbo) do tipo. Crítica: 1) organizações
criminosas - numa organização criminosa há a figura do chefe e dos executores. Pela teoria formal
objetiva, só seriam autores os executores. O chefe, que organiza e domina todo acontecimento seria
partícipe; 2) autoria mediata - a autoria mediata é uma espécie de autoria. O conceito de autor deve
ser capaz de explicar também a autoria mediata, senão não serve. Na autoria mediata, o “homem de
trás” atua sobre o instrumento, que normalmente é alguém impunível. O instrumento (quem mata) é
quem age, e não o “homem de trás”. A teoria formal objetiva não sabe explicar o porquê o “homem
de trás” é autor.
b) Teoria subjetivo-objetiva ou Teoria do domínio do fato:
Atenção: No julgamento da AP 470 – Mensalão -, o STF deixou claro ser a teoria do domínio do fato a
atualmente adotada no Brasil.

76
Autor é quem domina o “SE” e o “COMO” da ação delitiva, ou seja, “se” o delito será realizado e
“como” será realizado, controla a continuidade ou a paralisação da ação típica. Assim, é possível
abranger aquele que “não coloca a mão na massa” mas que pode determinar todos os comandos para
a prática do delito.
É chamada de teoria subjetivo-objetiva porque além de determinar o “se” e o “como”, ele deve ter
consciência disso. Tem o domínio do fato o autor que se encontra na situação real, por ele percebida,
de deixar correr, deter ou interromper, a ação típica. É adotada apenas para os crimes dolosos por
ação.

3. Espécies de autoria (todas têm como base a teoria do domínio do fato):

3.1 Autoria direta ou individual: realização pessoal da ação típica, com detenção exclusiva do domínio do
fato.
3.2 Autoria mediata: aqui há dois personagens, o autor mediato e o instrumento, o qual, via de regra, não
é punível. Mas, atenção, o fato de o instrumento não ser punível não é sua característica principal, pois há
casos, excepcionais, em que o instrumento é sim punível. O que caracteriza a autoria mediata? A utilização
pelo autor mediato de uma pessoa ou instrumento cuja relação é baseada na subordinação, há uma relação
vertical. “O homem de trás” se vale de características deste instrumento para manter a subordinação. Outra
característica essencial é que o instrumento aja, pois se houver ausência de conduta, haverá autoria direta,
isto é, o instrumento é utilizado como massa mecânica, sem agir.
3.2.1 Hipóteses de autoria mediata: a subordinação pode ocorrer por ERRO, COAÇÃO OU APARELHOS
ORGANIZADOS DE PODER:
a) Instrumento que atua sem a parte objetiva do tipo (o instrumento realiza uma ação atípica para ele,
porém, típica para o autor mediato).
b) Instrumento que atua sem a parte subjetiva do tipo (dolo ou elemento subjetivo especial): hipótese
de erro determinado por terceiro – art. 20, §2º, CP;
Atenção: Há casos em que o instrumento poderá ser punido. Se o erro for vencível, o instrumento
responderá pelo crime na modalidade culposa, se houver.
c) Instrumento atua sem ilicitude. (situação artificial de legitima defesa, por ex);
d) Instrumento atua sem culpabilidade. (sujeito que se vale de um inimputável, da coação moral
irresistível, da obediência hierárquica. O homem de trás será sempre autor mediato).

e) Instrumento responsável (o instrumento atua dolosamente): hipótese criada por Roxin.- refere-se aos
aparelhos organizados de poder, em que há alta hierarquia, com relação de subordinação e as pessoas
da base são fungíveis (facilmente substituídas por outra), não importando quem esteja na base, desde
que se pratique o crime, não há coautoria, mas sim, autoria mediata. Não é qualquer organização
criminosa, possuem requisitos mais específicos, quais sejam:

1- estrutura hierarquizada rígida: estratos de uma pirâmide – tão rígida que demonstre que uma
ordem de um superior jamais será desobedecida – relacionamento vertical;
2- fungibilidade do instrumento: aquele que está na base da pirâmide é fungível, ou seja, facilmente
substituído por outro. Essa fungibilidade é importante para se ter certeza que a ordem será
cumprida, sendo dispensável o convencimento dos membros;
3- organização destinada ao cometimento de crimes: não se aplica, por exemplo a empresa, que em
sua maioria, pratica ações lícitas, ainda que cometa crimes. Alguns autores sustentam que o
aparelho deve ser desligado da ordem jurídica, optando como um todo pela via criminosa (esse
requisito é discutível para muitos, pois é possível existir dentro do poder, nada impedindo que
esteja incrustado no aparelho estatal, como as práticas de tortura na ditadura, estados totalitários
em geral. Uma minoria, inclusive, aceita sua presença dentro de empresas). Prevalece que pode
ser uma organização fora do Estado, ex: PCC; como pode estar dentro do Estado: sistema Nazista.

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Tratamento do tema: instrumento responsável (na visão da doutrina):
1ª corrente (Jescheck): seria coautoria, pois neste caso o domínio do fato é compartilhado por ambos.
Haveria resolução comum para o cometimento do fato, decorrente da simples participação na
organização. Crítica: afirma-se que os integrantes (base e topo) sequer se conhecem, sendo difícil
afirmar que há uma resolução comum (compartimentalização – característica dos aparelhos
organizados de poder, em que o vértice da pirâmide não se comunica com os outros estrados da
mesma, mas somente com o segundo escalão, com o fim de proteger o chefe do aparelho da
responsabilização penal). Na coautoria as pessoas se relacionam na horizontal, fato não encontrado
nos aparelhos organizados de poder em que as pessoas se relacionam na vertical. E as pessoas da base
(executor) são fungíveis, se não há execução do crime, estas serão substituídas. Ademais, a coautoria
exige um elemento subjetivo: resolução comum para o fato (planejamento conjunto).
2ª corrente (Roxin): seria autoria mediata. Não há, nestes casos, um dos elementos da coautoria,
consistente na resolução comum para o cometimento do fato (muitas vezes o mandante e o executor
sequer se conhecem). O comportamento do instrumento é coordenado na vertical. O chefe do
aparelho possui o domínio do fato através do domínio do aparelho. Importante: essa 2ª corrente é
muito utilizada nos julgamentos do TPI. Também foi utilizada pela Suprema Corte no Peru para o
julgamento do ex-presidente Fujimore.
3.3 Autoria coletiva ou coautoria: várias pessoas dominam o fato em conjunto. O conceito de coautoria vai
depender do conceito de autor que se utilize.
3.3.1 Teoria formal-objetiva (autor é quem realiza o núcleo do tipo): coautor será quem realizar um pedaço
do núcleo do tipo, que realiza algum fato típico;
3.3.2 Teoria do domínio do fato (autor é quem tem o controle do SE e do COMO): se o domínio do fato for
compartilhado, existirá coautoria. Basta que o coautor realize uma parte essencial do plano, possuindo o
domínio do fato, que será nesse caso comum;
3.4 Coautoria sucessiva: é o ingresso de um terceiro durante a ação criminosa. Essa autoria também, como
toda coautoria exige resolução comum para o fato (liame subjetivo). Até que momento deve ocorrer este
ingresso? Regra geral: até a consumação! Se ele ingressa depois da consumação não há coautoria. Para parte
da doutrina (Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos), nos crimes formais, em que há consumação e exaurimento,
considera-se que o ingresso do coautor pode ocorrer até o exaurimento. Exemplo: corrupção: o sujeito solicita
(o que faz consumar o crime) e o recebimento é mero exaurimento.
3.5 Autoria colateral: não há o liame subjetivo. Os agentes atuam separadamente, não há uma obra em
comum. Autoria colateral incerta = nela há uma autoria colateral (as pessoas atuando de forma independente),
o resultado se produz, mas ninguém sabe qual dos dois produziu o resultado. A solução é que ambos
respondem por tentativa. A regra aqui é estender o resultado mais favorável para todos – é o que se deve
decorar!
4. Participação: o conceito de participação é feito por exclusão. E se houver vários participantes (gênero)?
1º - identifica-se o autor pela teoria do domínio do fato; 2º - o que sobrar é partícipe, que é todo aquele que
se limita a dar um contributo para a realização do delito, sem deter o controle da realização do crime. Para
que o partícipe seja punido, basta que a conduta do autor principal seja típica e ilícita, não sendo necessário
que ela seja culpável e punível – teoria da acessoriedade limitada (art. 29, CP – monismo no injusto que é o
mesmo para todos e pluralismo na culpabilidade). Consequência: qualquer causa que exclua a tipicidade ou
ilicitude da conduta do autor, afetará o partícipe, comunicando com este. Obs: é possível participação num
crime cometido por inimputável? É possível, desde que ele detenha o domínio do fato. Atenção: só existe
participação dolosa em crime doloso. Falar em participação significa falar de dolo. Duplo dolo do partícipe:
dolo de contribuir com a conduta do autor e dolo de ver a consumação do crime – no caso de flagrante
preparado, se o crime ocorrer, o agente preparador responde por culpa, pois não há dolo na consumação.
É possível a participação sucessiva? Sim, não é necessária uma resolução comum, como na coautoria. Por isso,
pode ser possível o ingresso na empreitada criminosa e auxílio nesta sem que o autor principal saiba.
5 Cumplicidade em ações neutras (participação de um crime por meio da relação de ações cotidianas,
normais, e por isso ditas neutras). Existem ações neutras puníveis e impuníveis, a serem identificadas de
acordo com os seguintes critérios: Critério do Roxin: o autor distingue inicialmente as situações em que o
partícipe sabe que está auxiliando em um crime, daquelas situações em que ele apenas suspeita da intenção

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do autor principal. Na 1ª hipótese, a contribuição será punível se a ação principal tiver, em si, natureza delitiva.
Também haverá punição quando a ação do autor for em si legal, mas sua utilidade para o autor se esgotar no
facilitar ou possibilitar a prática de um crime – também há sentido delitivo. Não haverá sentido delitivo quando
a contribuição se referir a uma ação legal, que por si só é útil para o autor, mas que ele, por decisão autônoma,
usa para a prática de um crime. Na 2ª hipótese, é possível usar o princípio da confiança, quando cabível (não
cabe dúvida diante de indícios concretos de que a pessoa está inclinada à prática de crimes). Nestes casos, a
ação perde seu caráter cotidiano, e deve ser encarada como uma solidarização com o autor. Critério do Luis
Greco: a idoneidade da proibição - trata-se de critério menos rigoroso. Somente se admitiria punição por
participação dessa forma se a punição for idônea para proteção do bem jurídico. Critério de Jakobs: teoria dos
papéis - se a pessoa está dentro do seu papel, não haverá punição.

8.PENAS
8.1 Penas no direito brasileiro. Justiça restaurativa. (7.b)
8.2 Teoria da pena. (20.a)
8.3 Aplicação da pena. (1.b)
8.4 Concursos de crimes. (2.b)
8.5 Efeitos da condenação. Direito penal das vı ́timas. (3.b)

7B. Penas no direito brasileiro. Justiça restaurativa.

Por Thales Cavalcanti Coelho

1. Penas no direito brasileiro


Para "Teoria da Pena", conferir ponto "20.A.".
Para "Aplicação da Pena", conferir ponto "1.B".

2. Justiça restaurativa

2.1. Origem
Nas décadas de 1.960 e 1.970, nos Estados Unidos, vivenciou-se a crise do ideal ressocializador e da
ideia de tratamento através da pena privativa de liberdade, crise essa que desencadeou, na década seguinte,
o desenvolvimento de ideias de restituição penal e de reconciliação com a vítima e com a sociedade. Nesse
contexto, surgiu o movimento reparador, propondo uma mudança de orientação no Direito Penal, que
passasse a focá-lo na vítima do delito.
Nessa mesma época, eclodiram as teorias criminológicas de reação social (notadamente o labeling
approach e a teoria crítica), críticas à forma como o fenômeno criminal era encarado pela criminologia
tradicional. Tais teorias influenciam o surgimento, no campo da dogmática penal, de ideias abolicionistas,
calcadas na compreensão de que o direito penal não se presta a evitar delitos, tampouco a ajudar o ofensor e
a vítima.
Pode-se dizer, portanto, que a Justiça restaurativa é fruto de uma conjuntura complexa, tendo
recebido influência de diversos movimentos, dentre os quais, notadamente, o abolicionismo (ao contestar as
instituições repressivas e apontar seus efeitos deletérios) e a vitimologia (ao ressignificar o papel da vítima no
fenômeno criminal).
Assim, em face do fracasso do ideal ressocializador da pena privativa de liberdade e da necessidade de
atenção aos interesses das vítimas, os valores, processos e práticas restaurativas - presentes desde longa data
nos procedimentos de justiça comunitária de povos do Ocidente e do Oriente - voltam a atrair o interesse de
pesquisadores, como o precursor JOHN BRAITHWAITE, enquanto um possível caminho para a reversão da
situação de ineficiência e de altos custos, tanto financeiros, quanto humanos, do sistema de justiça tradicional.

2.2. Conceito
A Justiça restaurativa pode ser definida como "o processo pelo qual todas as partes que têm interesse
em determinada ofensa juntam-se para resolvê-la coletivamente e para tratar de suas implicações futuras"

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(TONY MARSHALL). Também pode ser compreendida como "uma aproximação que privilegia toda forma de
ação, individual ou coletiva, visando à correção das consequências vivenciadas por ocasião de uma infração, à
resolução de um conflito ou à reconciliação das partes ligadas ao conflito" (MYLÉNE JACCOUD).
Trata-se a Justiça restaurativa, em suma, de um modelo de atuação centrado no tripé "agressor, vítima
e comunidade", no qual o crime deixa de ser encarado apenas como violação da lei, passando a ser considerado
como um fenômeno que provoca danos em toda a sociedade. Logo, a partir dessa nova relação, não mais se
concebe como função do Estado identificar os danos e punir seu autor, de modo que os passos necessários
para a resolução do conflito passam a ser demandados dos próprios envolvidos.

2.3. Características
Como visto, a Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o
infrator - e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime -, como
sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos
traumas e das perdas causados pelo crime.
Cuida-se, destarte, de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar
preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso do ritual solene do Judiciário, nele intervindo um ou
mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, de conciliação e de transação
para se alcançar o resultado restaurativo - ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais
e coletivas das partes e lograr a reintegração social da vítima e do infrator.
Para HOWARD ZEHR, o crime representa uma violação nas relações entre infrator, vítima e
comunidade, cumprindo, por isso, à Justiça, identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação
e do trauma causado e que deve ser restaurado. Nesse sentido, incumbe à Justiça oportunizar e encorajar as
pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a
Justiça, avaliada segundo a sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito
sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura - ou seja, um
resultado individual e socialmente terapêutico -, seja alcançado.
O modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados definidos, mas pressupõe a
concordância de ambas as partes (réu e vítima), concordância essa que pode ser revogada unilateralmente.
Além disso, os acordos devem ser razoáveis e as obrigações propostas devem atender ao princípio da
proporcionalidade. A aceitação do programa não deve, em qualquer hipótese, ser usada como indício ou prova
no processo penal, seja o original, seja outro não a ele relacionado.
Ademais, a Justiça Restaurativa é conhecida como uma técnica de solução de conflitos que privilegia a
criatividade e a sensibilidade no trato das pessoas envolvidas com a prática delitiva, com a colocação da vítima
e do ofensor no centro do processo. Sendo assim, a Justiça Restaurativa se baseia em um paradigma não
punitivo.

2.4. Modelos de práticas restaurativas


Não existe um modelo único de prática restaurativa, sendo inúmeros, na verdade, os procedimentos
que podem ser adotados visando a atingir a restauração entre as partes. Em qualquer deles, contudo, mostra-
se importante assegurar que as partes dialoguem, pois é por meio das conversas que os envolvidos irão
adquirir consciência social, refletir sobre os seus atos e possivelmente se tornar aptos para assumir
responsabilidades.

2.4.1. Mediação entre vítima e ofensor


A diferença entre mediação e restauração é tênue e a tendência é que esses conceitos se confundam
cada vez mais, visto que, atualmente, ambas atuam em áreas que ultrapassam a seara criminal. No entanto, o
campo de atuação da justiça restaurativa é mais amplo, pois outros processos que não a mediação - como as
conferências comunitárias -, podem ser aplicados para a resolução do conflito.
De qualquer modo, a mediação é, atualmente, o modelo mais utilizado como via restauradora. Sua
utilização está diretamente atrelada à ideia de diminuir os mitos e as barreiras naturais que são construídas
entre vítimas e agressores, estereótipos esses que, em grande parte das vezes, são manifestadamente
acentuados na justiça criminal tradicional. Por meio do incentivo ao diálogo, as ações mediadoras têm como

80
objetivo aproximar os protagonistas do delito, explicitando quais as razões que antecederam suas atitudes.
Além disso, busca-se uma melhor compreensão da realidade social de cada uma das partes, que na maioria
das vezes é desconhecida. Entretanto, não se trata de uma interação fácil de proporcionar, sendo
necessário o acompanhamento constante de profissionais do direito ou de mediadores.
Basicamente, a mediação vítima-ofensor é um processo, um conjunto de atos organizados, que visa a
estimular a interação e o diálogo entre as partes para atingir uma finalidade. Na clássica formatação, a vítima
e o agressor se encontram em um local seguro, na presença de um mediador, ou facilitador. Todavia, antes
desse primeiro contato, é essencial que o terceiro imparcial promova reuniões com ambas as partes,
separadamente. Trata-se de um procedimento necessário, porque são nessas conversas que o facilitador
avaliará a viabilidade do encontro conjunto e explicará como ele irá prosseguir.
Em um momento seguinte ocorre a reunião entre todos os envolvidos. Nessa ocasião, por meio do
dialogo, a vítima pode buscar respostas acerca dos motivos que levaram o agressor ao crime. Aquele, por sua
vez, pode compreender o mal que provocou e, inclusive, assumir a responsabilidade pelo dano causado.
Depois do intercâmbio de informações e sentimentos, ambos acordam uma maneira de reparar o dano, seja
de forma material ou simbólica.
Recentemente, tem-se observado novas composições de mediação que não necessariamente incluem
o tripé clássico vítima, agressor e facilitador. Nos casos em que não é aconselhável, ou nos quais uma das
partes não quer se encontrar diretamente com a outra, pode ser realizada a mediação indireta. Trata-se de
uma variante na qual apenas o mediador promove discussões com a vítima e com o agressor, em locais
separados, sem efetuar o encontro entre os dois. Igualmente, observa-se que, em muitas situações, tanto a
vítima quanto o ofensor se sentem mais amparados se acompanhados por familiares ou amigos, buscando,
assim, um apoio maior. Finalmente, uma possibilidade quando as partes não desejam se defrontar é promover
encontros entre vítimas e ofensores de crimes diversos, em processos substitutivos.
Em tese, o processo de mediação pode ser encaminhado por advogados, policiais e juízes. Além disso,
é viável que ele se inicie em qualquer momento processual, de tal maneira que pode ser aplicado antes da
ação penal, antes do processo, depois da instrução e antes da sentença condenatória. Por fim, a mediação é a
dinâmica mais utilizada na Justiça restaurativa devido a sua flexibilidade de inserção no processo e à
possibilidade de promover a interação entre vítima e agressor por meio do diálogo.

2.4.2. Círculos restaurativos


A dinâmica de promoção de círculos restaurativos é mais nova e menos difundida do que os encontros
mediadores. Entretanto, experiências piloto demonstram que o procedimento pode ser altamente eficaz.
Em linhas gerais, os círculos consistem em encontros promovidos entre a vítima, o agressor, amigos
próximos e familiares de ambos, além da própria comunidade e de profissionais ligados ao sistema judiciário,
com o objetivo de apoiar e buscar a compreensão tanto da vítima quanto do ofensor a partir de um viés
reintegrativo.
Sua utilização pode abarcar crimes cometidos por adultos, por jovens infratores, dentro das escolas,
dentro da comunidade e nos casos que demandam a proteção de crianças e adolescentes. Contudo, os círculos,
assim como a própria Justiça restaurativa, não se restringem ao âmbito penal, de modo que tal dinâmica
também pode ser usada em conflitos de vizinhos ou entre familiares e em ambientes escolares, além de outras
situações que não necessariamente constituam uma infração penal.

2.5. Justiça restaurativa no Brasil


No Brasil, a resposta para o crime também tem sofrido o influxo das ideias restaurativas, voltadas a
uma solução cada vez menos retributiva (meramente punitiva) e mais construtiva (reparadora), ligada à
reaproximação das partes envolvidas, para que seja restabelecido o cenário anterior ao delito (de paz e higidez
das relações sociais).
Embora não represente o ideal mais puro de Justiça restaurativa, a Lei n° 9.099/1.995 é, segundo a
doutrina, um marco inicial das práticas e valores restaurativos no campo legislativo, ao viabilizar uma nova
forma de interação em torno do crime, aproximando ofendido e infrator na busca da reparação do dano. A Lei
n° 11.719/2.008 (que alterou o CPP) confirmou essa tendência, a partir do momento em que passou a permitir
ao Juiz, na sentença condenatória, fixar valor mínimo indenizatório à vítima.

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No entanto, é com a Resolução n. 225/2.016 do Conselho Nacional de Justiça que o tema ganha, de
fato, reconhecimento normativo no país, a partir da formulação de uma política nacional de Justiça
restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, orientada pelos princípios da corresponsabilidade, da reparação
dos danos, do atendimento às necessidades de todos os envolvidos, da informalidade, da voluntariedade, da
imparcialidade, da participação, do empoderamento, da consensualidade, da confidencialidade, da celeridade
e da urbanidade (art. 2º), e focada na satisfação das necessidades de todos os envolvidos, na responsabilização
ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e no
empoderamento da comunidade, com destaque para a necessidade de reparação do dano e da recomposição
do tecido social rompido pelo conflito e suas implicações para o futuro (art. 1º, III).
É de se ressaltar, por fim, que a Resolução n. 225/2.016 do CNJ teve declarada inspiração nas
Resoluções n. 26/1.999 ("Desenvolvimento e implementação das medidas de mediação e Justiça restaurativa
na Justiça criminal"), n. 14/2.000 ("Princípios básicos para a utilização de programas restaurativos em matérias
criminais") e n. 12/2.002 ("Princípios básicos para a utilização de programas de Justiça restaurativa em matéria
criminal"), todas do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, principais documentos
internacionais acerca da matéria.

20A. Teoria da Pena

Vanessa Andrade

A função e a razão de ser da pena encontram-se umbilicalmente vinculadas a função e a razão de ser
do Direito Penal, como instrumento excepcional e subsidiário de controle social, visando a proteger bens
considerados essenciais a vida harmônica em sociedade. Há diversas teorias acerca dos fins da pena:
Teoria absoluta (ou retribucionista): a punição como vingança (seja como satisfação devida a vítima,
seja como uma exigência decorrente de sentimento de indignação da sociedade) assume um caráter absoluto,
sem função social qualquer. Na filosofia encontra apoio em Hegel e Kant, para quem retribuição e justiça são
inseparáveis, sendo a lei penal um imperativo categórico, e em Hegel, ao defender que o delito é a negação do
direito e a pena é a negação desta negação. Essa teoria assegura a proporcionalidade, pois pune de acordo com
a gravidade do delito (“olho por olho, dente por dente”, já que a Lei de Talião é um exemplo de sua aplicação).
Crítica: A concepção da pena como retribuição é ínsita ao sentimento de vingança, uma das reações menos
nobres do ser humano, sendo até mesmo considerada como qualificadora em alguns crimes (ex. homicídio
qualificado pelo motivo torpe). A vingança é algo personalíssimo, ligado a um sentimento da vítima e de seus
familiares, não podendo ser um sentimento do Estado. Também, a retribuição é insustentável diante da
finalidade do Direito Penal em tutelar a vida harmônica em sociedade, não sendo lógico compensar ou suprimir
um mal (o delito) causando outro mal adicional (o sofrimento da pena). Essa teoria, sinteticamente, procura
explicar a pena simplesmente como a imposição de um mal àquele que causou um prejuízo à sociedade por
meio de uma conduta criminosa. Não tem finalidade ressocializadora, pois há a seguinte ideia: “Ao mal do
crime, o mal da pena”. A função é meramente retributiva.
Teoria relativa: a principal meta é a prevenção. Interessa menos a punição e mais a não realização de
mais crimes futuramente. A prevenção geral (dirigida a toda a sociedade) pode ser negativa (em que se busca
dissuadir na prática do crime os membros da sociedade que ainda não delinquiram) ou positiva (tem por
escopo reafirmar a existência, vigência e eficácia do direito penal; ou seja, a intenção é reafirmar a efetividade
do sistema). A prevenção especial (direcionada ao agente criminoso) pode ser negativa (buscando intimidá-lo,
de modo a que não venha mais a tornar a delinquir – evita a reincidência) ou positiva (capacitar o agente a ter
meios de se realizar fora do crime – ressocialização).
Teoria da pena como prevenção especial: A prevenção especial pode atuar de três formas:
assegurando, com a prisão, a comunidade diante dos delinquentes; intimidando o autor, por meio da pena,
para que não cometa futuros delitos; e preservando-o da reincidência mediante a sua correção. Tem-se a ideia
de ressocialização. Crítica: Contudo, o efeito mais grave em se adotar exclusivamente a teoria da prevenção
especial é que ela levaria a penas sem limite de duração, já que estaria o condenado preso “o tempo necessário
ate que estivesse ressocializado”, o que é algo subjetivo e de difícil avaliação sem a pessoa ser posta em
liberdade. Todo ser humano tem o direito de ser diferente, arcando, evidentemente, com as consequências de

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sua opção, sendo por isso que a ressocialização deve ser obtida mediante estímulo ao condenado, oferecendo-
lhe benefícios como o da progressão e do livramento condicional, e não como algo forçado, obrigatório.
Teoria da pena como prevenção geral: A pena não deve atuar especificamente sobre o condenado,
mas genericamente sobre a sociedade. A lei deve intimidar a todos os cidadãos, ainda que a pena deva ser
executada a quem infringiu a lei penal. Tem-se, assim, a dúplice vertente da prevenção geral: uma negativa,
isto e, servindo de contra-estímulo, de inibição do impulso violador de bens jurídicos protegidos pela lei penal;
outra positiva, reafirmando-se a sociedade os seus valores, mediante a efetividade do sistema penal, o que
tem um efeito pedagógico, um efeito de conferir à população a necessária confiança no Poder Judiciário e nas
suas instituições, e um efeito pacificador, já que a aplicação da lei penal a quem cometeu crimes tranquiliza a
consciência jurídica geral. Crítica: É teoria irracional e antijurídica, porque se vale de um homem como
instrumento para a sua simbolização, o usa como um meio e não como um fim em si, “coisifica” um homem,
desconhece-lhe abertamente o caráter de pessoa, com o que viola o principio fundamental em que se
assentam os Direitos Humanos.
Teoria Mista (ou teoria unitária, ou teoria unificadora): O legislador de 1894 (posição do CP e da LEP)
adotou a denominada teoria unitária, atribuindo a pena tríplice função: de retribuição, de prevenção especial
e de prevenção geral, sendo o art. 59 do CP expresso em afirmar que a pena será estabelecida pelo juiz
“conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.

Teoria dialética da pena (ou Teoria Unificadora Dialética): proposta por Roxin, defende que em cada
momento (ou fase) devem prevalecer determinados fins da pena: a) Momento da cominação da pena:
prevalece a prevenção geral, limitada pelos princípios da subsidiariedade e da culpabilidade; b) Momento da
imposição da pena: prevalecem, em igualdade de condições, as teorias da prevenção geral e da prevenção
especial, limitadas pelo princípio da culpabilidade; c) Momento da execução da pena: é regida pela prevenção
especial, principalmente no seu aspecto positivo. A ideia de retribuição só é levada em consideração por Roxin
como limite imposto à prevenção pela culpabilidade.
As diversas discussões que estão sendo travadas sobre o direito penal traz como substrato a pena, em
especial a privativa de liberdade, e os muitos efeitos que elas causam naquele sobre quem ela recai. A esse
respeito, tem ganhado espaço a Teoria do Abolicionismo Penal, que preconiza uma ampla descriminalização e
despenalização, já que a realidade estaria demonstrando a falência dos sistemas penais, pois cresce
continuamente os níveis de reincidência); por outro lado, a Teoria das janelas quebradas advoga o inverso do
abolicionismo, pois intenta um maior rigor aos mínimos delitos, tendo raízes em experimentos no campo da
psicologia social norte americana, que inspirou a política da “tolerância zero” em Nova York, ou seja, defende
que o que desmotiva a prática do crime é a certeza da punição e não, necessariamente, penas elevadas. Por
seu turno, a Justiça Restaurativa (ver ponto 7.b) busca ultrapassar o enfoque do Direito Penal na pena e, dessa
forma, colocando em contato vítima (ou seu representante) e ofensor, solidificar uma efetiva reparação e
superação do mal causado pelo crime.

1B. Aplicação da pena.

Responsável: Ícaro Gomes Coelho


Método: Atualização do Graal Alternativo do 28º CPR, com novos julgados, acréscimo de informações e marcações para otimizar a leitura.

1. Aplicação da pena. Cuida-se de ato discricionário juridicamente vinculado. É regida pelo princípio da
individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88). A orientação dada por tal princípio ocorre em três momentos
distintos: (i) individualização legislativa: processo através do qual são selecionados os fatos puníveis e
cominadas as sanções respectivas, estabelecendo os limites e os critérios de fixação da pena; (ii)
individualização judicial: elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que concretiza a individualização
legislativa que cominou abstratamente as sanções penais, consistindo na aplicação da pena; e (iii)
individualização executória: é a que ocorre durante o cumprimento da pena.
Adota-se, no Brasil, o critério trifásico de aplicação da pena (art. 68 do CP), de Nélson Hungria. Entretanto,
para a pena de multa adotou-se o sistema bifásico (art. 49 do CP); fixa-se inicialmente o número de dias multa
e, após, calcula-se o valor de cada dia-multa. A aplicação da pena é feita em três fases distintas e sucessivas:

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1ª) pena-base, a partir das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP; 2ª) pena-provisória, fase em que incidem
as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes); e 3ª) pena definitiva, em que se consideram as causas de
aumento e de diminuição. Em um primeiro momento são analisadas as elementares e as circunstâncias do
crime, a fim de que se chegue à adequação típica. As elementares são componentes do tipo penal, enquanto
as circunstâncias são moduladoras da aplicação da pena, e são acidentais, isto é, podem ou não existir na
configuração da conduta típica.
A forma mais segura para distinguir se determinado fator previsto em lei constitui-se em elementar ou
circunstância se faz pelo critério da exclusão. Se a sua retirada resultar na atipicidade do fato ou na
desclassificação para outro delito, trata- se de elementar. Mas se subsistir o mesmo crime, alterando-se
somente a quantidade de pena, cuida-se de circunstância. As circunstâncias, que não constituem e nem
qualificam o crime, são conhecidas na doutrina como circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e causas de
aumento e de diminuição da pena.
Seguem algumas regras inerentes ao critério trifásico: a) na pena-base, o juiz deve navegar dentro dos limites
legais cominados à infração penal, isto é, não pode ultrapassar o patamar mínimo nem o patamar máximo
correspondente ao crime; b) se estiverem presentes agravantes e atenuantes genéricas, a pena não pode ser
elevada além do máximo abstratamente cominado nem reduzida aquém do mínimo legal; c) as causas de
aumento e de diminuição são aplicáveis em relação à reprimenda resultante da segunda fase, e não sobre a
pena-base. Havendo causas de aumento/diminuição, a pena pode ser definitivamente fixada acima ou abaixo
dos limites máximos e mínimos fixados pelo legislador; d) na ausência de agravantes e/ou atenuantes
genéricas e também de causas de aumento/diminuição, a pena-base resultará como definitiva.
2. Código Penal e leis especiais. 1ª Fase: Análise das circunstâncias judiciais. O art. 59 CP prevê 8 (oito)
circunstâncias que devem ser levadas em conta pelo magistrado quando da fixação da pena-base: 1)
culpabilidade: grau de reprovação da conduta. Não se confunde com a culpabilidade como “fundamento da
pena”, ou seja, aquela que compõe a estrutura do crime (exigibilidade de conduta diversa, imputabilidade e
potencial consciência da ilicitude). Deve ser examinada com base na maior ou menor censurabilidade do
comportamento do agente. Quanto mais intenso for o dolo, maior será a censura; 2) antecedentes: fatos
anteriores praticados pelo réu. A noção do que sejam antecedentes vem sendo construída pela jurisprudência,
devendo ser entendido como tal aquelas condenações definitivas por fatos praticados antes daquele objeto
da aplicação da pena. Ademais, os antecedentes assumem caráter subsidiário em relação à reincidência
(agravante da segunda fase de aplicação da pena). O STJ editou a sumula 444 com o seguinte teor: “É vedada
a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.” Segundo esse
entendimento, somente será antecedente a condenação anterior que não servir para a reincidência. Nesse
sentido: STF: Condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo decurso do prazo de
5 anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, embora afastem os efeitos da reincidência, não impedem a
configuração de maus antecedentes” (STF, 1ª Turma, ARE 925.136 AgR/DF, j. 02/09/2016); STJ: Nos termos da
jurisprudência desta Corte, condenações anteriores ao prazo depurador de 5 (cinco) anos, malgrado não
possam ser valoradas na segunda fase da dosimetria como reincidência, constituem motivação idônea para a
exasperação da pena-base a título de maus antecedentes. Precedentes” (HC 392.279/RJ, STJ, 5ª Turma, j.
13/06/2017); OBS.: Em virtude da relevância do tema e da controvérsia que o cerca, o STF reconheceu a
repercussão geral, ainda pendente de julgamento (RE 593.818 RG/SC).
3) personalidade: síntese das qualidades morais e sociais do agente. Perfil subjetivo do réu; 4) conduta social:
comportamento do agente em seu meio social, na família, no emprego. Estilo de vida; 5) motivos
determinantes: fonte propulsora da vontade criminosa. Podem ser imorais/antissociais ou morais/sociais. Só
cabe quando a motivação não caracterizar qualificadora, causa de diminuição etc.; 6) circunstâncias do crime:
forma e natureza da ação, meios utilizados, tempo, lugar e forma de execução; 7) consequências do crime:
analisa- se a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa. Exemplo: matar um arrimo de família;
8) comportamento da vítima: serve apenas para melhorar a situação do réu. Leva em conta estudos de
vitimologia. É comum no estelionato. Analisa-se se a vítima, de algum modo, contribuiu para o crime.
2ª Fase: Circunstâncias legais: agravantes e atenuantes genéricas. Agravantes: art. 61 e 62 (rol taxativo).
Atenuantes: art. 65 e 66 (rol exemplificativo). O CP não estabelece a quantidade de aumento ou diminuição
das agravantes e atenuantes. Todavia, utiliza-se na prática forense a fração de 1/6 (um sexto). Ao final dessa
fase, chega-se à pena provisória. Na segunda fase não é possível ultrapassar os limites da pena (mínima e

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máxima) previamente estabelecidos no tipo penal. Dentre as atenuantes inominadas (art. 66 do CP), encontra-
se a coculpabilidade (tese sustentada por Zaffaroni e Pierangeli), que é a situação em que o agente (em regra,
pobre e marginalizado) deve ser punido de modo mais brando pelo motivo de a ele não terem sido conferidas,
pela sociedade e pelo Estado todas as oportunidades para o seu desenvolvimento como ser humano. Tal tese
não é aceita nos tribunais superiores brasileiros, apesar de alguns tribunais de justiça e juízes de primeiro grau
a aplicarem pontualmente. Observar, ainda, a tese da coculpabilidade às avessas, segundo a qual devem ser
punidas com mais rigor (a pena deve ser agravada) aquelas pessoas que tiveram amplas oportunidades
durante a vida, mas decidiram enveredar para condutas criminosas.
Quando houver duas qualificadoras, uma deverá ser valorada como tal e a outra deverá ser considerada como
agravante genérica, desde que elencada tal circunstância, caso contrário deverá ser avaliada como
circunstância judicial.
3ª Fase: Causas de aumento e de diminuição da pena. São também chamadas de majorantes e minorantes.
São estabelecidas em quantidades fixas (metade, dobro, triplo) ou variáveis (ex. um a dois terços). Dividem-se
em genéricas (parte geral do CP) e específicas (parte especial do CP e leis extravagantes). Em caso de concurso,
v. art. 68, parágrafo único. Concluída a dosimetria da pena, a etapa seguinte consiste em determinar o regime
inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: fechado, semiaberto ou aberto. No caso de crime
hediondo, o regime inicial será, necessariamente, o fechado. Após, o magistrado deve analisar eventual
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa. E se não for
cabível a substituição, mas a pena for igual ou inferior a 2 (dois) anos, exige-se manifestação fundamentada
acerca da pertinência ou não da suspensão condicional da pena (sursis), se presentes os requisitos legais.
Leis especiais: nenhuma lei esparsa consagra um modo especial de dosimetria da pena, aplicando-se, por
inteiro, as previsões do CP. Todavia, o art. 42 da Lei 11.343/2006 estabelece que o juiz considerará, com
preponderância sobre o art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da substância ou do produto (OBS.: Pureza
da droga é irrelevante na dosimetria da pena - STF. 2ª Turma. HC 132909/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado
em 15/3/2016. Info 818), a personalidade e a conduta social do agente. Há, ainda, agravantes e atenuantes
previstas em outras leis.
3. Casuística. Súmulas STF: 718: e 719. Súmulas STJ: 231; 440; 443; e 444.
Para o STJ, a agravante da reincidência pode ser compensada com a atenuante da confissão espontânea (AgRg
no HC 365.525/SP, DJe 06/10/2017), desde que o réu não seja multireincidente (HC 346.941/SP, DJe
27/09/2017).
Já a 2ª Turma do STF diverge deste entendimento: “A teor do disposto no art. 67 do Código Penal, a
circunstância agravante da reincidência, como preponderante, prevalece sobre a confissão.” (STF. 2ª Turma.
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 18/03/2014). OBS.: Discussão sobre compensação entre
reincidência e confissão espontânea tem natureza infraconstitucional, segundo o STF no RE 983765/DF,
Relator Min. Luís Roberto Barroso, decisão proferida em 24/11/2016, ou seja, provavelmente a divergência
entre STJ e STF sobre este assunto será perpetuada pelo simples fato de o STF ter dito que não há matéria
constitucional relacionada ao tema que permita ao Tribunal a análise do assunto (apesar de tê-lo feito em
março de 2014).
A atenuante da menoridade relativa prepondera sobre qualquer outra circunstância, inclusive sobre a
reincidência (STJ, HC 162.216). Não configura bis in idem a utilização de condenações anteriores com trânsito
em julgado, para caracterizar os maus antecedentes e a reincidência, desde que uma delas seja utilizada para
exasperar a pena-base e a outra na segunda fase da dosimetria (STJ, HC 167.459). O critério de
acréscimo/diminuição na segunda fase é discricionário, cabendo ao juiz estabelecer um valor proporcional e
razoável, observado o caso concreto; o patamar de 1/6, embora erigido pela jurisprudência e doutrina como
fração média razoável e proporcional, não é necessariamente o máximo a ser acrescido (STJ, HC 179.964). O
quantum de redução pela circunstância atenuante deve observar os princípios da proporcionalidade,
razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e prevenção ao crime (STJ, HC 141.273). A atenuante da
confissão espontânea é inaplicável às hipóteses em que o agente é preso em flagrante (STF, HC 102.002). Se a
confissão espontânea do acusado foi utilizada para corroborar o acervo provatório, embasando a condenação,
é obrigatória a atenuação da pena, ainda que tenha havido retratação em juízo (STJ, HC 161.194)

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2B. Concurso de crimes.

Caio Hideki Kusaba 28/09/18

A doutrina apresenta alguns princípios reguladores do concurso de crimes:

1) Princípio do cúmulo material: preconiza que as penas referentes aos vários delitos devem ser
calculadas em separado e, em seguida, somadas. Cuida-se de uma operação meramente aritmética (quot
delicta tot poenae) sendo justamente por isso criticada pela doutrina ante o seu excessivo rigor. A despeito do
seu rigor, o sistema do cúmulo material foi adotado, entre nós, para regular o concurso material (art. 69 do
CP), o concurso formal impróprio (art. 70, parte final, do CP) e o cumprimento da pena de multa (art. 72 do
CP).

2) Princípio do cúmulo jurídico: desenvolvido por Mittermayer, determina que o aumento de pena
relativa aos vários delitos ocorra de maneira mais geométrica do que aritmética, ou seja, com a aplicação de
sanção mais severa do que a prevista para cada infração isoladamente, mas sem chegar ao somatório global,
de forma a abranger a gravidade dos fatos perpetrados. Esse sistema não é mais previsto na legislação
brasileira, conquanto tenha sido adotado pelo CP/1890.

3) Princípio da absorção (que se assemelha ao princípio que, com a mesma denominação, regula o
concurso aparente de norma): aplica-se a sanção de um só dos delitos, em regra a mais grave, que absorve
as penas dos demais. O princípio da absorção foi, em parte, adotado pelo Código para regular o erro na
execução e o resultado diverso do pretendido, consoante o disposto na primeira parte dos arts. 73 e 74,
desprezando-se a punição pertinente à tentativa do delito pretendido pelo agente.

4) Princípio da exasperação: determina a aplicação da pena de um dos delitos, se idênticas, ou a mais


grave, se diversas, aumentada em certa quantidade, sendo que a intensidade do aumento varia em escala
proporcional ao número dos delitos perpetrados pelo agente. A doutrina considera esse o melhor dos
sistemas, pois permite ao magistrado quantificar a pena de forma mais adequada à quantidade dos fatos, mas
sem atingir ou ultrapassar o rigor do cúmulo material. Cumpre registrar que o sistema da exasperação foi
adotado para regular o concurso formal próprio (art. 70, 1ª parte, do CP), o crime continuado (art. 71, do CP),
e o erro na execução e o resultado diverso do pretendido (arts. 73 e 74, parte final, do CP), quando também
ocorrer o resultado que fora objetivado pelo agente.

5) Princípio do cumprimento unificado e progressivo da pena: importa na projeção do princípio da


individualização da pena na sua fase executiva. Com efeito, mesmo que o agente possua diversas condenações,
fato é que no momento em que iniciar a execução penal todas as penas devem ser unificadas perante o Juízo
da Execução Penal. Essa é a mens legis do art. 1º da LEP, secundado pelo art. 75, § 1º, do CP e art. 111 da LEP.

Obs.: com relação ao postulado da vedação da pena de caráter perpétuo, de base constitucional (art.
5º, XLVII, “b”, da CF/1988), tem-se que, independentemente do sistema porventura adotado – cúmulo
material, exasperação, absorção etc. –, o tempo de cumprimento efetivo de pena ou das penas unificadas,
não poderá ultrapassar o teto máximo que, no Brasil, é de 30 anos (art. 75, caput).

Tratando especificamente das modalidades de concurso de crimes previstas no Direito Brasileiro,


temos as seguintes:

1) Concurso material (art. 69 do CP): ocorre quando o agente, mediante 2 ou mais condutas, dolosas
ou culposas, pratica 2 ou mais crimes, idênticos (concurso homogêneo) ou não (concurso heterogêneo).
Requisitos: Pluralidade de Condutas e Pluralidade de Crimes. OBS: É possível, portanto, concurso
material entre crimes distintos, v.g., comissivos e omissivos, dolosos e culposos, consumados e tentados etc.
Critério de aplicação da pena: cúmulo material, ou seja, as penas são aplicadas cumulativamente. No

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caso de condenação a penas de reclusão e detenção, executa-se primeiro a reclusão. Se uma pena for privativa
de liberdade + restritiva de direitos, a situação é diferente. Veja: conforme dispõe o art. 69, §1º, se o juiz não
consegue suspender a pena privativa de liberdade para um dos crimes, não poderá aplicar a pena restritiva de
direitos aos demais, que deverá ser convertida. Por fim, aplicadas duas penas restritivas de direitos, informa o
§2º que o condenado as cumprirá simultaneamente, se compatíveis, e sucessivamente, se incompatíveis.
Obs.: a) suspensão condicional do processo: A suspensão condicional do processo somente é
admissível quando, no concurso material, a somatória das penas mínimas cominadas não suplanta 1 ano (STF).
b) Na prescrição, cada crime prescreve isoladamente (art. 119 do CP), não se considerando o concurso de
crimes. Até então, cuida-se da única situação em que as penas não são somadas. c) Quando os crimes são
objeto de processos diversos, aplica-se o art. 69, III, “a”, da LEP, ou seja, essa norma dispõe que o juiz da
execução tem a competência para somar ou unificar as penas.

2) Concurso formal ou ideal (art. 70 do CP): ocorre quando o agente, mediante 1 só conduta, pratica
2 ou mais crimes, idênticos (concurso homogêneo) ou não (concurso heterogêneo).
Requisitos: Unidade de conduta e pluralidade de crimes.
Classificação: a) Próprio (ou perfeito): quando os crimes forem resultantes de 1 único desígnio (pena
aplicada pelo critério da exasperação, mas será aplicado o cúmulo material se mais benéfico ao acusado); b)
Impróprio (ou imperfeito): se forem dolosos, provenientes de desígnios autônomos (pena aplicada pelo
critério do cúmulo material).
Obs.: é possível o concurso formal, desde que se trate de concurso formal próprio.
Teorias: a) Subjetiva: exige-se unidade de desígnios na conduta do agente para a configuração do
concurso formal; b) Objetiva: bastam a unidade de conduta e a pluralidade de resultados. É a teoria acolhida
pelo CP, já que o concurso formal imperfeito foi admitido como figura diversa.
Critérios para aplicação da pena: A) Concurso formal próprio: escolhe-se qualquer uma das penas, se
idênticas, ou a mais grave e aplica-se o aumento, na terceira fase de aplicação da pena, de 1/6 a 1/2 (sistema
da exasperação). Segundo o STF, leva-se em conta o número de infrações penais praticadas. Obs.: se a regra
do concurso formal próprio/perfeito (que foi criado em benefício do réu) acabar sendo mais prejudicial que o
concurso material, resolve-se a situação aplicando a regra do concurso material (art. 70, p.ú. - CÚMULO
MATERIAL BENÉFICO). B) Concurso formal impróprio: no caso do concurso formal impróprio, afasta-se o
sistema da exasperação, aplicando-se o sistema da cumulação de penas.
3) Crime continuado (art. 71 do CP): ocorre quando o agente pratica 2 ou mais crimes da mesma
espécie, mediante 2 ou mais condutas, os quais, pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e
outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros.
Pressupostos ou requisitos: (1) pluralidade de condutas; (2) pluralidade de delitos da mesma espécie
(podem ser tipos penais diferentes, mas que tutelem o mesmo bem jurídico – obs.: o STJ decidiu que não cabe
continuidade delitiva entre roubo e extorsão); e (3) homogeneidade das circunstâncias. Obs.: a doutrina
considera pertinente o crime continuado entre infrações perpetradas dentro do espaço de um mês ou nos
limites geográficos de um município. Entretanto, para outros, como, por exemplo, o crime de apropriação
indébita previdenciária (art. 168-A do CP), que se pratica “mês a mês”, e empresarialmente, pode-se
reconhecer o crime continuado entre comportamentos desenvolvidos ao longo de meses (ou anos) ou entre a
sede e a filial da empresa situadas em municípios distintos.
Classificação: a) Comum (ou simples): quando presentes os requisitos (71, caput); b) Específico (ou
qualificado): quando, além dos requisitos mencionados, tratar-se de crimes dolosos, praticados com violência
ou grave ameaça à pessoa e contra vítimas diferentes (71, p.ú.). No crime continuado qualificado, são seus
requisitos: os mesmos do continuado genérico; crimes dolosos; praticados contra vítimas diferentes;
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.
Critério de aplicação da pena: exasperação (no continuado comum aumenta-se a pena do crime mais
grave de 1/6 a 1/3 e no continuado específico de 1/6 até o triplo).
O STJ entende que, em regra, a escolha da quantidade de aumento de pena deve levar em
consideração o número de infrações praticadas pelo agente. Porém, nem sempre será fácil trazer para os autos
o número exato de crimes que foram praticados, especialmente quando se trata de delitos sexuais. É o caso,
por exemplo, de um padrasto que mora há meses ou anos com a sua enteada e contra ela pratica

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constantemente estupro de vulnerável. Nessas hipóteses, mesmo não havendo a informação do número exato
de crimes que foram cometidos, o juiz poderá aumentar a pena acima de 1/6 e, dependendo do período de
tempo, até chegar ao patamar máximo. Assim, constatando-se a ocorrência de diversos crimes sexuais durante
longo período de tempo, é possível o aumento da pena pela continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3
(art. 71 do CP), ainda que sem a quantificação exata do número de eventos criminosos.
Natureza jurídica: a) Teoria da unidade real: os vários delitos consistem num único crime; b) Teoria
da ficção jurídica: há vários delitos, mas a lei presume a existência de apenas 1, para efeito de aplicação da
pena (adotada pelo CP); c) Teoria mista: é um terceiro delito.
Teorias sobre a unidade de desígnios: a) Puramente objetiva: o crime continuado fica caracterizado
quando presentes as mesmas condições objetivas de tempo, lugar, modo de execução etc.,
independentemente de ser aferido o caráter unitário do dolo; b) Objetivo-subjetiva: para haver crime
continuado, é necessário, além das condições objetivas, que o agente deseje praticar um crime como se fosse
continuação de outro, como se existisse um autêntico dolo global (posição dominante na doutrina e
jurisprudência).
Obs.: a) STF Súmula nº 723: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado,
se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano;
b) : Não se aplica o crime continuado para penas de multa (art. 72 do CP).
Atenção: havendo crime continuado e crime formal no mesmo caso concreto, conforme já decidido
pelo STF, a regra do concurso formal foi concebida em favor do réu e só há de ser aplicada quando
efetivamente lhe trouxer proveito. Desta maneira, havendo, entre os crimes, nexo de continuidade delitiva e
concurso formal, apenas um aumento de pena – o do crime continuado – deve prevalecer.

QUESTÕES DE PROVA: O que é o critério da exasperação? E da cumulação? E da cumulação jurídica? É possível


continuidade delitiva de concurso formal?

3B. Efeitos da Condenação. Direitos da Vítima

Carime Medrado Ribeiro

I. Efeitos da condenação
Condenação é o ato exclusivo do Poder Judiciário que, representado por um de seus membros e depois de
obedecido o devido processo legal, aplica em sentença uma pena ao agente culpável reconhecido como
responsável por um fato típico e ilícito. Nesse sentido, efeitos da condenação são todas as consequências que,
direta ou indiretamente, atingem a pessoa do condenado por sentença penal transitada em julgado. Não
importa qual tenha sido a sanção penal aplicada nessa sentença penal condenatória. Então, pode ser uma pena
privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Obs. Medida de segurança: aplicada ao inimputável, a
sentença é absolutória (absolvição imprópria), logo, não se pode falar em efeitos da condenação; aplicada ao
semi-imputável, a sentença é condenatória, por isso, haverá efeitos da condenação.

EFEITOS GENÉRICOS da Condenação: a) Tornar certa a obrigação de indenizar. A sentença penal condenatória
pode ser executada no civil (é título executivo judicial), desde que em face do réu (e não do responsável civil)
ou de seus herdeiros nos limites da herança (não é pena criminal, logo, não se aplica o princópio da
pessoalidade). Entretanto, a vítima não precisa aguardar o desfecho na esfera penal, o qual somente impedirá
eventual condenação civil se houver absolvição por inexistência material do fato, não participação do autor no
crime ou reconhecimento de excludente de ilicitude. Caso o ofendido seja pobre, compete, a princípio
(enquanto não estruturada a Defensoria Pública), ao MP a propositura da ação civil ex delicto. A Lei nº
11.719/2008 passou a possibilitar a fixação, já na sentença penal, de um valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP), o que já existia em leis esparsas, como na Lei 9605/98 (art.
20) e no CTB (art. 297). Obs. Mesmo com abolitio criminis ou anistia após a sentença transitada em julgado,
este efeito da condenação não desaparecerá. b) Perda em favor da União dos Instrumentos e Produtos do
Crime. Como o dispositivo dispõe sobre instrumentos “do crime”, não haveria que se falar em perda dos
instrumentos destinados à prática de contravenção penal. Entretanto, a jurisprudência majoritária dá

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interpretação extensiva à expressão “crime” para abranger as contravenções penais (HC 87.971-SP, STJ, DJ
14/02/2000). Uso de veículo para praticar crime doloso. Se o indivíduo utiliza o automóvel para praticar crime
doloso, o veículo não deverá ser perdido em favor da União, pois o seu uso não constitui fato ilícito. Haveria
possibilidade de impor a inabilitação do condutor para dirigi-lo (efeito específico da condenação – art. 92, III).
Previsão específica na Lei de Lavagem de Capitais. A Lei de Lavagem de Dinheiro tem previsão específica no
seu art. 7º, I. Instrumentos do crime. São os objetos utilizados na execução do delito e produto do crime é
qualquer proveito auferido, direta ou indiretamente, com a conduta delituosa. Somente haverá a perda dos
instrumentos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, não podendo ser
prejudicados o lesado ou o terceiro de boa-fé. Destinação ao FUNPEN. Trata-se de verdadeiro confisco,
autorizado constitucionalmente (art. 5º, XLVI, b), cujos bens serão destinados ao Funpen, conforme art. 2º,
IV, da LC 79/94. A ação de sequestro somente pode recair sobre tais bens confiscáveis (art. 125 do CPP). Perda
dos instrumentos e Crimes Ambientais. O art. 25 da Lei nº 9605/98 prevê a liberação dos animais apreendidos
ao seu habitat ou a zoológicos e a doação dos produtos perecíveis ou madeiras a instituições científicas,
hospitais e outras com fins beneficentes. Os instrumentos deverão ser vendidos, garantida a sua
descaracterização por meio da reciclagem. Perda dos Instrumentos e Lei de Armas. O art. 25 da Lei 10.826/03
determina o encaminhamento das armas de fogo apreendidas ao Comando do Exército para destruição ou
doação. Perda dos Instrumentos e Lei de Drogas. A Lei nº 11.343/06 prevê que os valores perdidos em favor
da União deverão ser revertidos diretamente ao Fundo Nacional Antidrogas (inclusive os imóveis expropriados
por força do art. 243 da CF), devendo as drogas serem destruídas (arts. 63 e 72). Prevê ainda o confisco de
meios de transporte, quando usados na prática dos crimes ali previstos, ainda que lícitos. Expropriação de
glebas utilizadas para o plantio de psicotrópicos. Lembrar que o art. 243 da Constituição também prevê a
expropriação de glebas utilizadas no plantio de psicotrópicos. A expropriação deve recair sobre todo o imóvel,
não apenas sobre a área utilizada para o plantio. Produtos do Crime. São as coisas adquiridas diretamente com
o crime (coisa roubada), ou mediante sucessiva especificação (jóia feita com o ouro roubado), ou conseguidas
mediante alienação (dinheiro da venda do objeto roubado) ou criadas com o crime (moeda falsa). Também se
inclui no confisco qualquer outro bem ou valor que importe proveito, desde que tenha sido auferido pelo
agente (e não por terceiros) com a prática do crime. Ex: o preço deste, os bens economicamente apreciáveis
dados ou prometidos ao agente para que cometa o crime, a contraprestação que corresponde à prestação da
atividade criminosa, a retribuição desta. Vantagem direta x Vantagem indireta do crime. Cleber Masson
diferencia os institutos de outra forma: produto seria a vantagem direta obtida pelo agente com a prática do
crime, enquanto proveito seria a vantagem indireta do crime, resultante de especificação ou alienação do
produto do crime, bem como o preço do crime. O confisco evita que o condenado obtenha qualquer vantagem
com a prática de sua infração penal. Efeito automático? Embora tratado como efeito automático, Rogério
Greco entende que o juiz deverá fundamentar a sua decisão adequadamente ao fato, apontando, por exemplo,
os motivos que o levaram a presumir que o apartamento adquirido pelo agente fora fruto da subtração dos
valores por ele levada a efeito, que o saldo existente em sua conta bancária deveu-se à subtração dos valores
por ele realizada, etc. Direito do lesado ou terceiro de boa-fé. Por ser medida extrema, o confisco deve ser
tratado com cautela e motivação. Ressalva-se aqui também o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. Bens
não encontrados ou localizados no exterior. § 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes
ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. §
2º Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens
ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda (art. 91 do CP). A
redação dos parágrafos é bastante genérica, de sorte a abranger qualquer espécie patrimonial. Trata-se de
instituto já previsto em tratados internacionais como as Convenções de Palermo (art. 12, 1, a) e Mérida (art.
31, 1, a), além da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de entorpecentes (art. 5º, 1, a). c)
Suspensão dos direitos políticos enquanto perdurar os efeitos da condenação criminal.

Os EFEITOS ESPECÍFICOS não são automáticos, pois devem ser motivadamente declarados na sentença. Têm
por objetivo reforçar a proteção dos bens jurídicos violados e prevenção da reiteração (afasta a situação
criminógena). Eles não se confundem com as penas de interdição temporária de direitos (subespécie da
restritiva de direito), que são consequências diretas (e não reflexas) do crime e permanecem pelo mesmo
tempo da pena privativa que substituem. Os efeitos específicos são permanentes. Espécies: a) Perda do Cargo,

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função pública ou mandato eletivo. Hipóteses: a.1) Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo
igual ou superior a um ano, por crime praticado contra a Administração Pública. Além da pena superior a 1
ano, é preciso comprovar que a infração foi praticada com abuso de poder ou violação de dever inerente ao
cargo/função, independentemente de estar no rol dos crimes funcionais (arts. 312 a 347 do CP). Quando
houver a condenação à pena de multa ou quando houver a substituição da pena por restritiva de direitos, não
será possível a imposição deste efeito da condenação. Para Bitencourt, só há a perda da função por meio da
qual foi praticado o crime, e não de qualquer cargo, por isso, o funcionário não ficará impedido de ser investido
em outra atividade pública. a.2) Condenação superior a quatro anos, por qualquer outro crime. Aqui não é
preciso o liame entre a infração e a Administração Pública., bastando a pena superior a quatro anos (maior
desvalor do resultado). A Lei de Lavagem de Dinheiro prevê a interdição do exercício do cargo público ou a de
diretor/conselheiro das pessoas jurídicas utilizadas no crime em questão pelo dobro da pena privativa de
liberdade (art. 7º, II). O art. 15, III, da CF prevê a suspensão dos direitos políticos pela condenação criminal
transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos. A condenação pelo crime de tortura acarreta,
automaticamente, a perda do cargo/função/emprego público pelo dobro do prazo da pena (art. 1º, §5º, da
Lei 9.455/97). No mesmo sentido, os crimes previstos na Lei de Licitações, mesmo que tentados, sujeitam os
seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou
mandato eletivo (art. 83, Lei 8.666/93). b) Incapacidade para o Exercício de Pátrio Poder, Tutela ou Curatela.
Aplicável em caso de prática de crime doloso contra filho, tutelado ou curatelado, cuja pena abstratamente
cominada seja de reclusão (mesmo que não venha ser aplicada no caso concreto). Não alcança crimes contra
a assistência familiar. Não alcança os crimes contra a assistência familiar, pois não cominam pena de reclusão,
com exceção do art. 245, §§ 1º e 2º, do CP. Se reabilitado, poderá ter novamente o poder familiar em relação
a outros filhos/tutelados/curatelados, mas não em face da vítima (art. 93, §ú, CP). c) Inabilitação para dirigir
veículo, utilizado em crime doloso. Não se confunde com a proibição temporária – pena restritiva – aplicável
para os crimes culposos no trânsito (art. 47, III, do CP) e nem com a pena principal (isolada ou cumulativamente
imposta com outras sanções) prevista pelo CTB, qual seja, a suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir, a qual terá a duração de dois meses a cinco anos (arts. 292/293). d) Inabilitação
do empresário nos delitos falimentares. A condenação por crimes da falência tem por efeito secundário a
inabilitação para o exercício da atividade empresarial, direta ou indiretamente, além do impedimento para o
exercício de cargo ou função em conselho de administração ou diretoria das sociedades sujeitas à referida lei.
Tal efeito não é automático e perdurará por até 5 anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo,
cessar antes pela reabilitação penal. e) Suspensão dos Direitos Políticos (art. 15, III CR). Decorrência da
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. Esse efeito é automático,
prescindindo de motivação expressa na sentença condenatória, e a suspensão abrange os direitos políticos
de natureza ativa e passiva. Súmula 9 do TSE: A suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação
criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação
ou prova de reparação dos danos.

CEI MPF ORAL 2015  Os efeitos extrapenais da decisão condenatória de agente político podem alcançar novo
mandato de modo a afasta-lo do cargo atual? NÃO. Os efeitos extrapenais da decisão condenatória de agente
político (prefeito) não podem alcançar novo mandato de modo a afastá-lo do cargo atual. A perda do cargo,
como efeito da condenação, pode significar a cassação da aposentadoria? NÃO. A cassação da aposentadoria
não é consectário lógico da condenação penal. Os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP devem
ser interpretados restritivamente. A perda do cargo público, como efeito da condenação penal, é automática
ou deve ser fundamentada na sentença? A perda não é automática, devendo ser motivadamente declarados
na sentença, conforme artigo 92, único do CP. Há alguma exceção? SIM, nos crimes previstos na lei de tortura,
na qual a perda do cargo é automática (art. 1º, § 5º)

II. Direitos das Vítimas


Origem: a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e de Abuso de Poder
(Resolução 40/34), adotada em 29/11/1985 pela Assembleia Geral ONU, veio a coroar o resultado de anos de
esforços desenvolvidos no sentido de ver reconhecidos os direitos das vítimas, resultantes dos estudos sobre
a situação das vítimas ao longo dos Congressos de Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente

90
organizados pela ONU desde 1955, incluindo todos os eventos preparatórios organizados em função destes. A
Resolução 40/34 da AG da ONU reconhece a necessidade de adoção de medidas, tanto a nível nacional como
internacional, para garantir o reconhecimento dos direitos das vítimas da criminalidade e de abuso de poder,
sem que disto decorra prejuízo aos direitos dos suspeitos/condenados. A Declaração objetiva auxiliar os
Estados e organismos envolvidos na busca pela justiça para as vítimas, elencando uma série de ações a serem
adotadas pelos Estados-membros. Outro foco da Resolução 40/34 é a adoção de medidas para desenvolver
atividades de formação na área de direitos humanos, organização de pesquisa voltada à prevenção da
vitimização e promoção de ações voltadas à divulgação e aplicação da Declaração. A Declaração tem por
objetivo compelir os Estados a tomar medidas para garantir às vítimas os direitos contidos em seus dispositivos
(respeito à sua dignidade, o amplo direito à informação, o direito à proteção integral, o direito à restituição,
ao ressarcimento e à reparação dos danos porventura sofridos e, em determinadas condições, à indenização
paga pelo Estado).

Conceito de Vítima: pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente
um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma perda material ou um
grave atentado aos seus direitos fundamentais, como consequência de atos/omissões violadores das leis
penais em vigor num Estado, incluindo as que proíbem o abuso de poder. O termo vítima inclui também,
conforme o caso, a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido um
prejuízo ao intervirem para prestar assistência às vítimas em situação de carência ou para impedir a
vitimização.

Medidas a serem adotadas: a) medidas nas áreas da assistência social, saúde, educação, economia e prevenção
da criminalidade, além de ajuda para vítimas carentes; b) Incentivo dos esforços coletivos e de participação do
cidadão na prevenção do crime; c) Mudanças na legislação e nas práticas existentes visando proibir atos
contrários às normas internacionalmente reconhecidas no âmbito dos direitos do homem e de outros abusos
de poder; d) Estabelecimento e reforço dos meios necessários à investigação, à persecução e à condenação
dos culpados da prática de crimes; e) Colaboração internacional na investigação e persecução penal.

Direitos das Vítimas: a) Acesso à Justiça e Tratamento Equitativo; b) Obrigação de restituição e de reparação;
c) Indenização; d) Serviços

9.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
9.1 Extinção da punibilidade. (4.b)
9.2 Prescrição Penal. (5.b)

4B. Extinção da punibilidade

Responsável: Adriano Lanna


Obras consultadas: Tratado de Direito Penal, vol. 1 (Cezar Bitencourt);
Direito Penal, Parte Geral (Artur Gueiros e Carlos Japiassú);
Manual de Direito Penal, Parte Geral (Rogério Sanches);
Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos (Caio Paiva e Thimotie Aragon Heemann).

Extinção da punibilidade
A punibilidade compreende tanto a pretensão de punir (ius puniendi), que surge com a prática do fato típico,
antijurídico e culpável e vai até o trânsito em julgado da sentença condenatória; como a pretensão executória
(ius punitionis), que se verifica após a sentença definitiva e vai até o cumprimento de todas as obrigações
penais do apenado. Após a prática do fato delituoso, podem ocorrer causas que impedem a aplicação ou a
execução da sanção respectivas. Tais causas são chamadas de causas de extinção da punibilidade e vêm
previstas, exemplificativamente, no art. 107 do CP, sendo certo haver outras causas espalhadas pelo CP e pela
legislação extraordinária.
Não se pode confundir as causas extintivas da punibilidade com as causas de exclusão da punibilidade nem
com as condições objetivas de punibilidade. Nas causas extintivas, o direito de punir nasce, mas desaparece

91
em razão de fato/evento superveniente; nas causas de exclusão da punibilidade, o direito de punir sequer
nasce, levando em conta, em regra, determinadas condições pessoais do agente, como ocorre com as escusas
absolutórias (art. 181, I, do CP); por fim, as condições objetivas de punibilidade suspendem o direito de punir
até o advento de um fato/evento futuro e incerto, não abrangido pelo dolo do agente, pressuposto para a
concretização da punibilidade (ex.: o ingresso do agente no território nacional, conforme art. 7º, § 2º, a, do
CP; a sentença declaratória de falência, concessória de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial,
de acordo com o art. 180, da Lei 11.101/05; segundo alguns Ministros, o lançamento definitivo do crédito
tributário, nos crimes materiais contra a ordem tributária).
Vejamos as causas de extinção da punibilidade.
a) Morte do agente: trata-se de dispositivo que se vincula ao postulado constitucional da personalidade da
pena (art. 5º, XLV, CR). Apesar de tal postulado, tal dispositivo constitucional permite a extensão aos herdeiros,
até o limite da herança, da obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens. Para que haja
execução em face do monte legado, no entanto, é necessário que a morte ocorra apenas após o trânsito em
julgado da sentença condenatória.
Para a ocorrência da extinção da punibilidade em decorrência da morte do agente, deve-se exigir a juntada da
certidão de óbito (art. 62, CPP). O STJ entende que, extinta a punibilidade do agente e constatando-se que a
certidão de óbito que ensejou tal decisão judicial é falsa, não há que se falar em coisa julgada material nem
em vedação do bis in idem, eis que se trata do que a Corte IDH chamou de coisa julgada aparente ou
fraudulenta (Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile).
b) Anistia: trata-se do ato de vontade da lei (competência do Congresso Nacional) que implica o esquecimento
do crime, retirando a punição de certos fatos (e não de certas pessoas) que eram considerados delituosos.
Cuida-se de causa de extinção da punibilidade que faz desaparecer todas as consequências penais do fato
(não afeta os efeitos extrapenais). Ela pode ocorrer antes ou depois do trânsito em julgado (anistia própria ou
imprópria); ser condicionada ou incondicionada; ampla/geral ou parcial, beneficiando, neste último caso,
apenas certas categorias de agentes (primários, maiores de 70 anos, etc.). Não é possível a concessão de anistia
aos crimes hediondos e os crimes a estes equiparados (art. 5º, XLIII, CR).
c) Indulto e graça: indulto e graça (também chamada de indulto individual) são atos de clemência ou de
indulgência privativos do Presidente da República (art. 84, XII, CR – com possibilidade de delegação aos
Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado Geral da União), baseados em
situações de cunho humanitário (graça) ou com base em fins político-penitenciários (como o indulto de Natal).
Eles extinguem apenas o efeito principal do crime (pena), não atingindo os efeitos penais secundários (ex.:
reincidência; impedimento da concessão de alguns substitutivos penais como a transação; etc.) nem os efeitos
de natureza cível. Apesar do silêncio constitucional em relação ao indulto, entende-se que tanto este quanto
a graça não podem ser concedidos aos crimes hediondos e aos crimes a estes equiparados (art. 5º, XLIII, CR).
d) Abolitio criminis: ocorre quando há descriminalização de conduta penalmente típica, ou seja, revogação
integral de uma determinada figura delitiva, não subsistindo quaisquer efeitos de natureza penal. Não se
afeta, no entanto, os efeitos extrapenais.
e) Prescrição: é a extinção do direito de punir pelo seu não exercício durante determinado lapso de tempo.
Remete-se o leitor ao ponto 5.b., onde o tema é tratado com maior profundidade.
f) Decadência: é a perda do direito de representação ou de oferecimento de queixa, respectivamente, na ação
penal pública condicionada à manifestação de vontade do lesado ou nas hipóteses de ação penal privada. O
prazo para o exercício deste direito é, em regra, de 06 meses, contados do dia em que veio a saber quem é o
autor do crime.
g) Perempção: é a perda do direito de prosseguir na ação em virtude da inércia, desinteresse ou emulação de
seu titular. Na esfera penal, ocorre na ação penal privada quando: a) o querelante deixa de promover o
andamento do processo durante 30 dias; b) falecendo o querelante ou sobrevindo a sua incapacidade, não
comparecer em juízo para prosseguir no feito dentro do prazo de 60 dias qualquer das pessoas a quem couber
fazê-lo; c) o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva
estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; e d) sendo o querelante
pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.
h) Renúncia ao direito de queixa/de representação: em certas hipóteses, pode o ofendido renunciar, expressa
ou tacitamente, ao exercício do direito de queixa nos crimes de ação penal privada. Diplomas legais mais

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recentes (art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95e art. 16 da Lei 11.340/06) têm admitido a possibilidade de
renúncia também para o direito de representação.
i) Perdão do ofendido: o perdão do ofendido pode ocorrer expressa ou tacitamente, extra ou intraprocessual,
após o oferecimento da queixa e até o trânsito em julgado, ao contrário dos casos de renúncia, que é anterior
à deflagração da queixa. Além disso, enquanto a renúncia é unilateral, o perdão do ofendido é bilateral, não
surtindo efeitos na hipótese de recusa do querelado.
j) Retratação do agente: por razões de política legislativa, a retratação do agente, quando idônea e oportuna,
produz a extinção da punibilidade nos delitos contra a honra, no falso testemunho ou na falsa perícia, bem
como, para alguns, no caso do peculato culposo.
k) Perdão judicial: consiste na possibilidade de o juiz deixar de aplicar a pena nas hipóteses expressamente
previstas na lei (como no caso da colaboração premiada – Lei 12.850/12). Dispõe a Súmula 18 do STJ: “A
sentença concessiva de perdão judicial é declaratória de extinção de punibilidade, não subsistindo qualquer
efeito condenatório”.
l) Comutação da pena: ao lado da graça e do indulto, é possível a comutação da pena, que é a redução de
parte da pena privativa de liberdade, geralmente em percentual fixo
m) Extinção e suspensão da punibilidade nos crimes previdenciários e tributários: extingue-se a punibilidade
dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90 e nos arts. 168-A e 337-A do CP se a pessoa jurídica
efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios
(art. 9º da Lei 10.684/03), ainda que este pagamento ocorra após o trânsito em julgado.
Também há extinção da punibilidade se a pessoa jurídica adira ao parcelamento tributário antes do
recebimento da denúncia criminal e efetue o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive
acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento (art. 83, da Lei 9.430/96).
Aponte-se que: a) o STJ modificou seu posicionamento em relação ao crime de descaminho (Informativo 555,
do STJ), não mais lhe aplicando a extinção da punibilidade, por entender que se trata de crime formal; b) o STJ
também não aplica tal causa de extinção de punibilidade no caso de pagamento da multa tributária decorrente
do crime previsto no art. 1º, V, da Lei 8.137/90.
n) Acordo de leniência: é possível a celebração do acordo de leniência quando a empresa for a primeira a se
qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; ela cessar seu envolvimento na infração; a
Superintendência-Geral não dispor de provas suficientes para assegurar sua condenação ou da pessoa física;
ela confessar sua participação e cooperar com as investigações, resultando tal colaboração na identificação
dos demais envolvidos na infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem a infração.
Este acordo acarreta a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia, com
relação ao beneficiário da leniência, pelos crimes tipificados na Lei 8.137/90, e nos demais crimes diretamente
relacionados à prática de cartel. Cumprido o acordo, extingue-se automaticamente a punibilidade de tais
crimes, desde que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse
conhecimento prévio da infração noticiada.

5B. Prescrição Penal

Luís Eduardo Pimentel

I. Conceito
O direito de punir, de titularidade exclusiva do Estado, encontra limites penais, processuais e temporais. Nesse
último aspecto, entra em cena o instituto da prescrição, que consiste na perda da pretensão punitiva ou da
pretensão executória em face da inércia do Estado durante determinado lapso temporal legalmente previsto.

II. Natureza jurídica


É causa de extinção da punibilidade (artigo 107, inciso IV, 1ª figura, do Código Penal).

III. Características
A prescrição é matéria de ordem pública, que pode e deve ser reconhecida de ofício, em qualquer
tempo e grau de jurisdição, ou mediante requerimento das partes. Para o cômputo do prazo prescricional,

93
inclui-se o dia do começo e se exclui o dia do final (artigo 10 do Código Penal). Ademais, os prazos prescricionais
são improrrogáveis.

IV. Imprescritibilidade penal


A regra geral consiste no reconhecimento da prescrição a todas as modalidades de infrações penais,
inclusive aos crimes hediondos e equiparados. No entanto, a CR/88 determina a imprescritibilidade de dois
grupos de crimes, quais sejam:
a) Racismo (art. 5º, inciso XLII, da CR/88);
b) Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático (art.
5º, inciso XLIV, da CR/88).
Prevalece, na doutrina, o entendimento de que a legislação ordinária não pode criar outras hipóteses de
imprescritibilidade penal além daquelas duas exceções constitucionais. No entanto, o STF, no RE 460.971/RS,
entendeu que a CR/88 não impede que o legislador ordinário crie outras hipóteses excludentes da prescrição.
Súmula 415, do STJ: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena
cominada”. O enunciado sumular veda a suspensão da prescrição por tempo indefinido, o que poderia
configurar uma situação de imprescritibilidade.
Art. 29 do Decreto n.º 4.388/2002 (responsável pela promulgação no Brasil do Estatuto de Roma do TPI): “Os
crimes de competência do Tribunal não prescrevem”.

V. Espécies de prescrição

- Prescrição da pretensão punitiva – propriamente dita;


– superveniente ou intercorrente;
– retroativa.
OBS: A prescrição da pretensão punitiva, em qualquer uma de suas modalidades, obsta o exercício da ação
penal, na fase administrativa ou judicial. O seu reconhecimento afasta todos os efeitos de eventual sentença
condenatória, principais ou secundários, penais ou extrapenais (não gera reincidência ou mau antecedente,
tampouco será título executivo no juízo cível).

- Prescrição da pretensão executória.


OBS: A prescrição da pretensão executória extingue somente a pena (efeito principal), mantendo-se intocáveis
todos os efeitos secundários da condenação, penais e extrapenais
(gera reincidência, maus antecedentes e título executivo no campo civil).

VI. Prescrição da pena privativa de liberdade

a) Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita (prescrição da ação penal)


Disciplinada no artigo 109, caput, do CP. Como aqui não há o trânsito em julgado para nenhuma das partes,
nada impede a fixação da pena no máximo legal. Por isso, a prescrição da ação penal deve considerar o máximo
da pena privativa de liberdade cominada ao delito.
Atualmente, os prazos prescricionais do Código Penal variam entre três anos (máximo da PPL cominada ao
delito inferior a um ano) e vinte anos (máximo da PPL cominada ao delito superior a doze anos), havendo
outros prazos entre tais limites mínimo e máximo.
OBS1: O prazo prescricional de dois anos foi extinto, para as penas privativas de liberdade, pela Lei n.º
12.234/10. Tal prazo, contudo, subsiste em três hipóteses: 1) Pena de multa, quando for a única cominada ou
aplicada (art. 114, I, do CP); 2) Para o crime previsto no artigo 28, da Lei n.º 11.343/06 (artigo 30 da Lei de
Drogas); 3) Artigo 125, VI, CPM.
OBS2: Como a PPL é calculada por um sistema trifásico, cada uma das fases pode ou não influenciar no prazo
de prescrição da pretensão punitiva. 1ª fase (circunstâncias judiciais) – não influenciam no cálculo da
prescrição; 2ª fase (agravantes e atenuantes) – em regra, não interferem, ressalvada a menoridade relativa
(18 a 21 anos na data do fato) e a senilidade (mais de 70 anos na data da sentença), que reduzem pela metade
a prescrição; 3ª fase (majorantes e minorantes) – influenciam no cálculo, sendo considerada a causa que mais

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aumenta (no caso da majorante) e a que menos diminui (no caso da minorante) a pena.
O termo inicial é regulado pelo artigo 111 do CP, da seguinte forma: I) Regra geral: data em que o crime se
consumou (teoria do resultado); II) Exceção 1: no caso de tentativa, data em que praticado o último ato de
execução; III) Exceção 2: no crime permanente, data em que cessa a permanência; IV) Exceção 3: nos crimes
de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, data em que o fato se tornar
conhecido por autoridade pública que tenha poderes para apurar, processar ou punir. V) Exceção 4: nos crimes
contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, o termo inicial da prescrição corresponde aos 18 anos
completos da vítima (novidade trazida pela Lei Joanna Maranhão).
As causas interruptivas, definidas no art. 117, I a IV, do CP, significam que, verificada a causa legalmente
prevista, o intervalo temporal volta ao seu início, desprezando-se o tempo até então ultrapassado. São elas:
recebimento da denúncia ou da queixa (publicação em cartório); decisão de pronúncia; decisão confirmatória
da pronúncia (data da sessão de julgamento do recurso); publicação da sentença ou do acórdão condenatórios
recorríveis (publicação em cartório ou sessão de julgamento).
OBS: Para a doutrina majoritária, o STJ e a 2ª Turma do STF, somente se pode taxar de condenatório o acórdão
quando a sentença de primeiro grau foi absolutória. No entanto, para a 1ª Turma do STF, o acórdão
confirmatório da sentença implica a interrupção da prescrição.
OBS2: Há comunicabilidade das causas interruptivas da prescrição no concurso de pessoas e nos crimes
conexos que sejam objeto do mesmo processo (art. 117, § 1º, do CP).
As causas impeditivas estão disciplinadas no art. 116, I e II, do CP (questão prejudicial não resolvida em outro
processo e enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro). Embora se fale em “causas impeditivas”, as
aludidas regras se aplicam ao impedimento (obsta o início da prescrição) e à suspensão (suspende o curso da
prescrição).
OBS: O rol das causas impeditivas e suspensivas é taxativo, não comportando aplicação analógica, já que se
trata de matéria prejudicial ao réu.
OBS2: Causas impeditivas e suspensivas previstas fora do Código Penal: art. 89, § 6º, da Lei n.º 9.099/95; arts.
366 e 368 do CPP; art. 53, § 5º, da CR/88; acordo de leniência nos crimes contra a ordem econômica;
parcelamento do débito tributário.

b) Prescrição da pretensão punitiva superveniente, intercorrente ou subsequente

É a modalidade de prescrição da pretensão punitiva que se verifica entre a publicação da sentença (ou acórdão)
condenatória (o) recorrível e seu trânsito em julgado para a defesa. É posterior à sentença. Depende do
trânsito em julgado para a acusação no tocante à pena imposta. É calculada com base na pena concreta
(Súmula 146 do STF). O seu termo inicial é a publicação da sentença condenatória recorrível, condicionada ao
trânsito em julgado para a acusação. Para o STJ, a aludida prescrição pode ser reconhecida pelo Tribunal ou
pelo Juízo de primeira instância (por se tratar de matéria de ordem pública).

c) Prescrição da pretensão punitiva retroativa

É calculada com base na pena concreta (art. 110, § 1º, CP e Súmula 146, STF). O seu termo inicial é a publicação
da sentença ou do acórdão condenatório, condicionada ao trânsito em julgado para a acusação, sendo
contada para trás. A Lei n.º 12.234/2010 promoveu a extinção parcial da prescrição retroativa, não se podendo
mais reconhecê-la na fase investigatória, entre a data do fato e o oferecimento da inicial acusatória. O
reconhecimento pode se dar pelo Tribunal ou pelo Juízo de primeiro grau (matéria de ordem pública – STJ).

d) Prescrição da pretensão executória (prescrição da condenação)

É a perda, em face da omissão do Estado durante determinado prazo legalmente previsto, do direito e do
dever de executar uma pena definitivamente aplicada pelo Judiciário.
É calculada com base na pena concreta, fixada na sentença ou no acórdão, pois já existe trânsito em julgado
da condenação para a acusação e para a defesa. Na hipótese de reincidência, o prazo prescricional aumenta-
se de um terço (Súmula 220 do STJ e art. 110, caput, do CP). Nos casos de fuga ou revogação do livramento

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condicional, a prescrição é regulada pelo que resta da pena (“pena cumprida é pena extinta” – art. 113 do CP).
O termo inicial é contado a partir de três critérios, consagrados no art. 112 do CP.
I) Do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. A PPE depende do trânsito em
julgado para as duas partes, mas, a partir do momento em que isso ocorre, seu termo inicial retroage ao
trânsito em julgado para a acusação (nota-se que isso é muito vantajoso para o réu). OBS: Importante! A 1ª
Turma do STF, em julgado de 2018 (RE 696.533/SC), manifestou o entendimento de que, nessa hipótese, o
início da contagem do prazo prescricional somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. Se
o Estado não pode executar a pena (ex.: está pendente uma apelação da defesa), não deve ser instaurado o
prazo da prescrição da pretensão executória. É preciso fazer uma interpretação sistemática do art. 112, I, do
CP. Vale ressaltar que, com a admissão da execução provisória da pena, o termo inicial da PPE será a data do
julgamento do processo em 2ª instância.
II) Do dia da revogação da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional.
III) Do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
Ex. Fuga do condenado.
Causas interruptivas. Início do cumprimento da pena, continuação do cumprimento da pena e
reincidência (art. 117, V e VI, do CP). OBS: Aqui se trata da reincidência subsequente, posterior à condenação
transitada em julgado, e não da reincidência antecedente, que aumenta em 1/3 o prazo da PPE. Na
subsequente, ora tratada, opera-se a interrupção com a prática do crime, embora condicionada ao trânsito
em julgado da condenação.
O art. 117, § 1º, primeira parte, do CP, impõe a incomunicabilidade das causas interruptivas da PPE, o que se
justifica por sua natureza personalíssima, intransmissível aos coautores e partícipes da infração penal.
Causa impeditiva. Prevista no art. 116, p. único, do CP. Se o Estado ainda não pode exigir do condenado o
cumprimento da pena, porque ele está preso por outro motivo, não seria justo impossibilitá-lo de exercer, no
futuro, o seu direito de punir.

e) Prescrição virtual, projetada, antecipada, prognostical ou retroativa em perspectiva

Trata-se de construção doutrinária e jurisprudencial. Decreta-se a extinção da punibilidade com fundamento


na perspectiva de que, mesmo na hipótese de eventual condenação, inevitavelmente ocorrerá a prescrição
retroativa. Relevante parcela da doutrina é favorável à tese por dois motivos: ausência de interesse de agir e
economia processual.
No entanto, o STF e o STJ não admitem essa espécie de prescrição (conferir Súmula 438, do STJ). OBS: O
Ministério Público Federal, por meio da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, editou o Enunciado 28, nos
seguintes termos: “Inadmissível o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição, considerando
a pena em perspectiva, por ferir os primados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da
presunção de inocência”.

VII. Prescrição das penas restritivas de direitos


As PRD’s, por serem substitutivas das PPL’s, seguem os mesmos prazos das penas substituídas (art. 109, p.
único, CP). Para o STF, a mera substituição da PPL pela PRD de caráter reparatório (prestação pecuniária) não
altera a natureza da reprimenda, cujo prazo prescricional permanece atrelado à PPL.

VIII. Prescrição das medidas de segurança


As medidas de segurança, aplicadas aos inimputáveis ou aos semi-imputáveis, submetem-se à
prescrição, nos seguintes termos:
a) Semi-imputáveis: segue a sistemática inerente às penas privativas de liberdade, levando em conta a
pena diminuída da condenação.
b) Inimputáveis: para o STF e o STJ, em posição consolidada, podem ocorrer ambas as espécies de
prescrição (da pretensão punitiva e da pretensão executória), calculando-se as duas em conformidade com a
pena máxima em abstrato. Aqui não há pena concreta como parâmetro.

IX. Prescrição e absorção de penas

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O art. 118 do CP estabelece que “as penas mais leves prescrevem com as mais graves”. A comparação
é a seguinte: a pena privativa de liberdade é a mais grave, enquanto mais leves são as reprimendas restritivas
de direitos e a sanção de multa.

X. Prescrição no concurso de crimes


a) Concurso material e formal impróprio (imperfeito): análise sobre a pena de cada delito, isoladamente,
e não sobre a pena final.
b) Concurso formal próprio (perfeito) e crime continuado: o juiz considera só a pena inicial, sem o
aumento decorrente.
OBS: Conferir o artigo 119, do CP, e a Súmula 497, do STF.

XI. Prescrição da pena de multa

Prevista no artigo 114 do Código Penal, o prazo prescricional da pena de multa desdobra-se nos
seguintes aspectos:
a) Pretensão punitiva.
a.1) pena de multa é a única cominada ou aplicada: 2 anos;
a.2) pena de multa cominada ou aplicada alternativa ou cumulativamente: prescreve no mesmo tempo da
pena privativa de liberdade.
b) Pretensão executória. Constitui dívida ativa da Fazenda Pública.
1ª corrente: 5 anos de prescrição (dívida de valor);
2ª corrente: 2 anos (multa é a única pena imposta) ou mesmo prazo da pena privativa de liberdade
(se aplicadas em conjunto).

XII. Prescrição na legislação penal especial

Aplicam-se as regras do Código Penal a todas as leis especiais que não tratem especificamente da
prescrição, o que se extrai do artigo 12 do CP.
a) Lei de Drogas: para a conduta prevista no art. 28, a prescrição ocorre em 2 anos (art. 30);
b) Código Penal Militar: para a pena de morte, o prazo prescricional é de 30 anos (art. 125, I, do CP
Militar);
c) Estatuto da Criança e do Adolescente: a prescrição é aplicável às medidas socioeducativas (Súmula 338
do STJ), calculando-a com base na pena máxima em abstrato cominada ao crime ou contravenção penal
correspondente ao ato infracional, reduzida pela metade pelo fato de se tratar de pessoa menor de 21 anos.

XIII. Falta grave na LEP e prescrição de infração disciplinar

Em face da ausência de norma específica na LEP, é constitucional o entendimento pelo qual é de 3


anos o prazo prescricional para a aplicação da sanção disciplinar em razão da prática de falta grave (menor
prazo prescricional do CP). Em caso de fuga do condenado, o termo inicial da prescrição é a data da recaptura
(como se fosse um crime permanente).

Súmulas do STF: 146, 497 e 592.


Súmulas do STJ: 191, 220, 338 e 438.

97
DIREITO PENAL E LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

1.CRIMES CONTRA A PESSOA


1.1 Crimes de homicı ́dio, de lesõ es corporais e da periclitação da vida e da saúde. (1.c)
1.2 Crimes contra a honra. (3.c)
1.3 Crimes contra a liberdade pessoal. (2.c)
1.4 Crimes contra a inviolabilidade do domicı ́lio, de correspondência, dos segredos e de interceptação de
comunicaçõ es. (4.c)

1C. Crimes de homicídio, de lesões corporais e de periclitação da vida e da saúde.

Felipe da Mota Pazzola

Homicídio: classificação: crime comum; material; de forma livre; comissivo (em regra); instantâneo; de dano;
unissubjetivo; plurissubsistente.

Homicídio simples: reclusão (6 a 20 anos). Privilegiado (redução de pena de 1/6 a 1/3): motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vitima.

Qualificado (reclusão de 12 a 30 anos): I - motivo torpe (inclusive paga ou promessa de recompensa); II - motivo
fútil; III - veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar
perigo comum; IV - a traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne
impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime; VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes
do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela,
ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

Causa de aumento no homicídio doloso: 1) (1/3): praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos;
2) (1/3 até 1/2): praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por
grupo de extermínio.

Feminicídio (qualificadora): VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Considera-se que
há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II -
menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Causa de aumento no feminicídio (1/3): I - durante a
gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos ou com
deficiência; III na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Culposo: (detenção, de 1 a 3 anos): a pena é aumentada de 1/3 se o crime resulta de inobservância de regra
técnica de profissão, arte ou oficio, ou se deixar de prestar imediato socorro à vitima, não procura diminuir as
consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. O juiz poderá deixar de aplicar a pena, se
as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária.

Sujeito passivo: pessoa que tenha rompido o saco amniótico (ser humano nascido). É indiferente que tenha
respirado ou não (Cezar R. Bitencourt). André Estefam: a partir do nascimento, das primeiras contrações
expulsivas em que feto começa o procedimento de saída, ou com a primeira incisão médica, na cesariana.

Sujeito passivo especial: se for vítima o Presidente da Republica, do Senado, Câmara ou STF, será crime contra
a Segurança Publica (Lei 7.170/83), e não homicídio. Materialidade do homicídio: e crime que deixa vestígios;
na ausência do cadáver, admitem-se outras provas, tais como o exame indireto (ex: pericia no local, nas roupas,
carro) e testemunho (caso de Elisa Samudio e do ex-goleiro Bruno). Gêmeo siamês ou xifópago (gêmeos
‘grudados’): haverá dois crimes de homicídio doloso, ainda que deseje só a morte de um, pois será o caso de

98
dolo necessário de 2º grau (consequências necessárias): concurso material.

O homicídio privilegiado qualificado (homicídio híbrido) é admitido, diante de qualificadoras de índole


objetiva (inc. III e IV), e não é hediondo, para a doutrina e a jurisprudência majoritária. Assim, pode haver
crime com causa de diminuição de pena concorrente com qualificadoras de natureza objetiva, mas não com
as subjetivas. Responderá com diminuição da pena (Damásio E. de Jesus e Claudio H. Fragoso).

Relevante valor social ou moral. Relevante valor social: que tem motivação e interesse coletivos, de todos em
geral. Ex.: homicídio por amor a pátria, amor paterno. Relevante valor moral: quando diz respeito a interesse
particular. Ex: eutanásia. Há duas formas de eutanásia: ativa e passiva. Ativa pode ser direta e ativa indireta.
Como diz André Estefam, todas exigem consentimento do doente, tácito ou real. Eutanásia ativa direta: há
processo causal que o leva a morte. Ou seja, iria morrer, mas ainda estava bem. Excepcionalmente, pode haver
inexigibilidade de conduta diversa supralegal, se estiver sob dor constante e insuportável, já desenganada
pelos médicos. Eutanásia ativa indireta (paliativa): estava morrendo e sua morte e abreviada. Ex.: drogas são
ministradas para aliviar a dor insuportável. Neste caso, a morte não é desejada, mas e previsível. Pode ser
invocado estado de necessidade. Dignidade da pessoa humana. Eutanásia passiva ou ortotanásia: interrupção
do tratamento médico (desligar os aparelhos), processo causal mórbido já iniciado. Já estava praticamente
morto. Pode haver a morte lícita se paciente, em plena consciência, solicitar sua morte.

Emoção violenta: transitória perturbação da afetividade, ocasionada repentinamente, afetando o equilíbrio.


Não se confunde com a atenuante genérica do art. 65, III, c do CP. Na atenuante genérica, deve estar sob
influência de emoção, não se exigindo requisito temporal. No 121, §1º, deve haver domínio de violenta
emoção e a conduta deve ser logo apos a provocação da vitima. Requisitos: emoção violenta + injusta
provocação da vitima + sucessão imediata (imediatidade, breve espaço de tempo). Paixão: é a emoção em
estado crônico, duradouro. Ex.: ódio, fanatismo, ciúme, ambição. Logo, a paixão vem da emoção. Para fins
penais, se equiparam. A provocação da vitima deve ser injusta, mas não necessariamente ilegal. Se for uma
agressão injusta contra o agente, pode haver legítima defesa. A provocação pode ser contra terceiro ou até
animal. Concurso de pessoas: as circunstancias são incomunicáveis entre os concorrentes. Logo, se sou
injustamente provocado pela vitima e, sob violenta emoção, mato o provocador, um amigo meu, que não
tenha sido provocado nem sentido a intensa emoção, não se aproveitara da privilegiadora, que me beneficiara.
A redução da pena, pelo STF, é obrigatória.

Homicídio qualificado: a premeditação não constitui qualificadora. O homicídio qualificado é hediondo em


qualquer de suas modalidades.

a) Qualificado pela motivação:


a.1) motivo torpe: moralmente reprovável, desprezível. Repugnante. Ciúme não é necessariamente torpe ou
fútil. Dolo eventual é compatível com torpe e fútil. Cupidez é a ganancia. Um crime privilegiado não pode ser,
ao mesmo tempo, torpe (STJ). Pode haver homicídio com dolo eventual que e qualificado pela torpeza;
a.2) mediante paga ou promessa de recompensa. Exige-se acordo prévio. Prevalece na doutrina que a
recompensa ou paga devam ser de natureza econômica.
a.3) Motivo fútil motivo insignificante, banal.
O STF tem afastado a possibilidade de homicídio qualificado com dolo eventual, sustentando que e manifesta
a incompatibilidade entre o dolo eventual, que “implica numa mera aceitação de um resultado possível – e a
qualificadora do recurso que impossibilita a defesa da vitima, a qual reclama um preordenamento do agente
a conduta criminosa” (STF, HC 86.163).
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de
homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar. Isso se dá porque o
feminicídio é uma qualificadora de ordem OBJETIVA - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência
doméstica e familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará
adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito (STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel.
Min. Nefi Cordeiro).

99
Vinganca não é motivo fútil, mas pode vir a ser torpe ou, dependendo, até mesmo privilegiador. Vingança e
ciúme podem ser privilegiado ou torpe ou fútil, a depender do caso concreto. Motivo não pode ser ao mesmo
tempo torpe e fútil (STJ). O dolo eventual é compatível com o motivo fútil. Ausência de motivo não significa
motivo fútil. Homicídio sem motivo é simples (posição de Cesar R. Bitencourt). Para F. Capez, é torpe. Ausência
de motivos, para André Estefam, não caracteriza fútil (ou torpe). A rigor, não há crime algum que possa ser
cometido por absoluta ausência de motivação.
Crime conexivo (V): crime para assegurar execução de outro e para garantir ocultação, impunidade ou
vantagem. Pelo art. 108 do CP, nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto
aos outros, a agravação da pena resultante da conexão. No homicídio praticado para assegurar a execução de
outro crime, a extinção da punibilidade com relação a este crime não impede o reconhecimento da
qualificadora.

b) qualificado pelos meios (III). Emprego de veneno: é indispensável que a vitima desconheça a circunstancia
de estar sendo envenenada (meio insidioso = falso, hipócrita); substancia teoricamente inócua pode ser
veneno, como o açúcar para o diabético. Veneno e substancia química, animal ou vegetal. Emprego de fogo
ou explosivo: podem se constituir meio cruel ou de que pode resultar perigo comum. Emprego de asfixia: pode
ser mecânica (ex: enforcamento, afogamento) ou tóxica (uso de gás). Tortura: se o agente quer matar alguém
através de dor intensa ou com sofrimento, e homicídio qualificado com tortura. Se o agente quer torturar e,
por excesso nos meios a pessoa vem a morrer, ocorro crime de tortura com resultado morte (Lei 9.455/97). Se
a pessoa quer torturar e, durante a conduta ou após, quer matar e mata: ocorrem dois crimes em concurso
material (tortura e homicídio) para alguns ou progressão criminosa para outros, se no mesmo contexto fático.
Meio cruel: é o brutal, sem piedade, sofrimento desnecessário. Meio que pode resultar em perigo comum é
aquele que pode atingir um numero indefinido ou indeterminado de pessoas. Isso é diferente dos crimes de
perigo comum (Titulo VIII, Capitulo I do CP). Depende do elemento subjetivo, ou seja, da vontade do agente
em matar ou em só causar perigo comum. Nada impede que haja concurso formal entre crime de perigo
comum, desde que o meio escolhido, além de atingir a vitima, crie também perigo concreto para numero
indeterminado de pessoas.

c) qualificado pelo modo de execução: são incompatíveis o dolo eventual e a qualificadora da traição,
emboscada, dissimulação, etc. A traição: ataque sorrateiro, inesperado. Traição pode ser física ou moral
(quebra de confiança). Surpresa é diferente de traição porque nesta há quebra da lealdade, confiança. Na
surpresa, o ataque é inesperado. Há quem entenda que desentendimentos anteriores impedem surpresa. A
superioridade de armas ou agentes não qualifica, por si só, mas e possível qualificar se há evidente
desproporção no numero de pessoas que dificulta a defesa. Júri pode redefinir a classificação dada pela
pronúncia, mudando a qualificadora da traição pela surpresa. Emboscada: tocaia, a espreita, com ocultação
premeditada. Se a vitima teve tempo de fugir, não incide a qualificadora. Mediante dissimulação: é a ocultação
da intenção hostil.
Latrocínio e roubo em concurso com homicídio doloso (André Estefam): o elemento subjetivo será
fundamental. Se houver a consumação do roubo e, após, no mesmo contexto fático, tentar matar a vitima
(‘animus necandi’), há roubo cumulado com tentativa de homicídio (STF). Se pretender roubar, consumando-
se subtração e da violência resulta lesão grave, havendo intenção de matar, há três correntes: tentativa de
latrocínio (André Estefam); roubo agravado por lesão grave; STF: roubo consumado com tentativa de
homicídio, em concurso material. Logo, para o STF, se não houve morte como resultado da violência, mas
apenas lesão grave em uma das vitimas, há homicídio tentado em concurso material com roubo, indo para júri
(HC 91.585).

D) Qualificadoras pelos fins (V): para assegurar execução, ocultação ou impunidade ou vantagem em relação
a outro crime.

Homicídio Culposo (§ 3º). Homicídio culposo com causa de aumento de pena (§4º): tera causa de aumento de
pena o homicídio se resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou oficio: é diferente da
imperícia. Na imperícia, o profissional não tem a capacidade técnica que deveria ter. Na inobservância, o

100
profissional tem a capacidade técnica que deveria ter, mas não a emprega ou a emprega mal. Se medico foi
desidioso no curso de medicina e, depois de formado, em ato cirúrgico que poderia realizar por ter habilitação
para tanto, erra e causa morte do paciente: caso de imperícia. Se pessoa que não é medica faz cirurgia e mata
paciente: imprudência ou ate dolo eventual. Se médico não foi desidioso em sua formação e realmente detém
conhecimento da técnica, mas não a observa, vindo o paciente a morrer: isso e inobservância regulamentar
(§4º). Se médico capaz na sua formação, observando as normas técnicas, vem a causar a morte, é erro
profissional que não enseja responsabilização penal, haja vista as limitações da ciência. Omissão de socorro:
aplicável nos casos em que o agente, após ferir culposamente a vitima, sem risco pessoal, não lhe presta
assistência, vindo ela a falecer (não responderá pela omissão de socorro do art. 135, mas por homicídio
culposo qualificado pela omissão de socorro). Perdão Judicial (§ 5º): as consequências podem ser físicas ou
morais. Aplicáveis só a crime culposo.

Casuística da embriaguez no trânsito (o simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a
presunção de que tenha havido dolo eventual - STJ, INFO 623): em morte no trânsito com embriaguez, só se
aplica a teoria da actio libera in causa na embriaguez preordenada. Não se deve generalizar que qualquer
homicídio na direção embriagada de veiculo seja doloso, salvo nos casos de embriaguez de preordenada. A
diferença entre dolo eventual e culpa consciente esta no elemento volitivo do tipo penal. E isso se faz pela
observação de todas as circunstancias objetivas do caso, sem adentrar na psique do agente. O racha é caso de
dolo eventual se houver morte ou lesão. No mesmo sentido, o STF entendeu que dirigir embriagado na
contramão configura dolo eventual: “existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a
influência de álcool, além de fazê-lo na contramão” (1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio).

LESÃO CORPORAL - Art. 129 - Ofender a integridade corporal (qualquer alteração anatômica prejudicial ao
corpo humano) ou a saúde (perturbações fisiológicas). É crime comum, doloso (animus laedendi ou animus
vulnerandi), culposo ou preterdoloso (nas suas diversas figuras), comissivo ou omissivo, material, instantâneo
e de resultado. Qualificadas: grave, gravíssima, seguida de morte. Nas modalidades simples e culposa são
crimes de menor potencial ofensivo. Majoradas: 1) violência doméstica na grave, gravíssima e seguida de
morte; 2) cometida contra pessoa com deficiência na violência doméstica; 3) Se a lesão for praticada contra
autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e
da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge,
companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. Há causa supralegal de
exclusão da ilicitude por consentimento do ofendido, no caso de lesão corporal leve (ex.: tatuagem, piercing,
artes marciais) (Masson, p. 90). Lesões em atividades desportivas e esterilização de sexo configuram exercício
regular de direito (Masson, p. 91-103). A cirurgia de troca de sexo é caso de atipicidade material, em face da
melhoria da qualidade de vida do paciente e do propósito terapêutico de adequar a genitália ao sexo psíquico
(Resolução nº 1.652/CFM [Nucci, p. 673]). Os crimes afetos à Lei nº 11.340/2006 (lei Maria da Penha) são de
ação penal pública incondicionada (STF, ADI nº 4424). Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129,
§ 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão somente em razão de o crime não
ter ocorrido no ambiente familiar (STJ.RHC 50.026-PA).

São hediondas a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e a lesão corporal seguida de
morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício
da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro
grau, em razão dessa condição.

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE – Reúne crimes de perigo individual, concreto ou abstrato. A estrutura
de alguns destes ilícitos prevê resultado preterdoloso, no caso de lesão corporal grave/gravíssima ou de morte,
seja como majorante (arts. 135 e 135-A), seja como qualificadora (arts. 133, 134 e 136); caso haja dolo de
incorrer nos artigos 121 e 129, §§ 1º e 2º, estes dois tipos penais prevalecem, por força do princípio da
consunção. Os crimes em questão são: perigo de contágio venéreo (art. 130), perigo de contágio de moléstia
grave (art. 131), perigo para a saúde ou vida de outrem (art. 132), abandono de incapaz (art. 133), exposição

101
ou abandono de recém-nascido (art. 134), omissão de socorro (art. 135) condicionamento de atendimento
médico-hospitalar emergencial (art. 135-a) e maus-tratos (art. 136).

PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO: Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado.

PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE: Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de
que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio.

PERIGO PARA A SAÚDE OU VIDA DE OUTREM: Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.

ABANDONO DE INCAPAZ: Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e,
por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.

EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO: Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra


própria.

OMISSÃO DE SOCORRO: Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança
abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL: Exigir cheque-caução, nota


promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial.

MAUS-TRATOS: Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim
de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis,
quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.

3C. Crimes contra a honra.

André Bica
Legislação: arts. 138 ao 145 do CP.

Honra: é “o complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social
e estima própria” (Noronha). É bem jurídico disponível. Honra objetiva: é a reputação do indivíduo, conceito
que os demais membros da sociedade têm a respeito do indivíduo. Honra subjetiva: é o juízo que cada um tem
de si, o sentimento da própria dignidade ou decoro. Há críticas à distinção (Bittencourt, 2011a, 315).

Bem jurídico tutelado: honra objetiva na calúnia e na difamação; honra subjetiva na injúria.

Sujeito ativo: qualquer pessoa. ATENÇÃO: os advogados, em razão do disposto no art. 7º, §2º do EOAB, não
estão imunes ao delito de calúnia, pertencendo ao raio da inviolabilidade profissional penal a difamação e a
injúria, desde que cometidas no exercício regular de suas atividades.

Sujeito passivo: qualquer pessoa física, inclusive, inimputáveis e “desonrados”. Quanto aos inimputáveis: no
caso de injúria, é indispensável, porém, que tenham a capacidade de entender o caráter ofensivo da conduta do
sujeito ativo (Bittencourt, 2011a, p. 347). Quanto às pessoas jurídicas: majoritariamente, entende-se que
podem ser sujeito passivo de difamação, mas não podem ser sujeito passivo de injúria, já que não possuem
honra subjetiva (nesse caso, os titulares da pessoa jurídica podem ter a honra lesada). Já quanto ao crime de
calúnia, há quem entenda que não podem ser sujeito passivo, pois “alguém” é necessariamente pessoa natural,
e há quem entenda que, no que diz respeito aos crimes contra a ordem econômica e o sistema financeiro, a

102
economia popular e o meio ambiente, podem sê-lo, cf. art. 225, §3º, e 173, §5º, CR (Bitencourt, 2011a, p. 319).
Com relação à punição da calúnia contra os mortos (art. 138, §2º, CP): argumenta-se que o que se tutela é a
honra dos parentes vivos (Bittencourt, 2011a, p. 323).

Tipo subjetivo: dolo. Exige-se, ainda, elemento subjetivo especial, consistente no propósito de ofender
(animus calumniandi, animus diffamandi, animus injuriandi). Quanto à calúnia, a figura do parágrafo 1º, art. 138,
somente admite dolo direto.

Classificação: crimes formais, comuns, instantâneos, comissivos (admite-se a injúria mediante omissão),
dolosos, unissubsistentes quando praticados verbalmente e plurissubsistentes quando praticados por escrito.
Trata-se de delitos circunstanciados, pois, excluída a calúnia, as expressões ofensivas são sempre relativas,
variando com o tempo, o lugar e as circunstâncias (uma expressão pode ser considerada injuriosa numa região
e não em outra).

Tipo objetivo:

a) Calúnia: É uma espécie de difamação qualificada. 1ª figura típica: Imputar, falsamente, fato definido como
crime (caput). O fato tem que ser determinado, concreto, específico, embora não se exijam detalhes
minuciosos. A falsidade pode referir-se tanto ao fato em si como à autoria. OBS.1: A imputação falsa de
contravenção não constitui calúnia, mas pode constituir difamação. OBS.2: discute-se se seria possível a
imputação verdadeira constituir crime quando não se admite exceção da verdade. OBS 3: A imputação
caluniosa pode ser equívoca ou implícita, bem como reflexa. 2ª figura típica: propalar ou divulgar a calúnia
(§1º). Não é necessário que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento da imputação. OBS:
Configura-se o crime mesmo quando se divulga a quem já tem conhecimento da calúnia, pois ela servirá de
reforço na convicção do terceiro.
Diferenças entre calúnia e denunciação caluniosa: na 1ª, protege-se a honra objetiva, na 2ª, a correta
administração da justiça. Para a calúnia, basta a imputação falsa de um fato definido como crime; para fins de
configuração da denunciação caluniosa, deve ocorrer uma imputação de crime a alguém que o agente sabe
inocente, sendo fundamental que o seu comportamento dê causa à instauração de investigação policial, de
processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa. Por fim, o animus calumniandi não se confunde com a finalidade específica da denunciação
caluniosa de prejudicar a vítima, atribuindo-lhe a prática de crime que pode ter consequências com a Justiça.

b) Difamação: Imputar fato desonroso, ofensivo à reputação de alguém, desde que não seja criminoso. O fato
há de ser determinado, específico e concreto. OBS 1: Há crime ainda que o fato imputado seja verdadeiro,
desde que desabonador, ou seja, não é admitida (em regra) a exceção da verdade na difamação, salvo no caso
de funcionário público em razão da função. OBS 2: A propalação ou divulgação não foi prevista expressamente.
Contudo, entende-se que se trata de outra difamação. OBS 3: Discute-se sobre a admissibilidade da exceção
de notoriedade para o reconhecimento da difamação. Segundo Bittencourt e Rogério Greco, quando o CP
proíbe a exceção da verdade está englobando a exceção da notoriedade. OBS 4: Admite-se a difamação
implícita.

c) Injúria: Ofender a dignidade, auto estima, aquilo que a pessoa pensa de si mesma ou decoro de alguém, ou
seja, sua honra subjetiva. Não há imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos sobre a vítima. OBS
1: A injúria pode ser equívoca ou implícita, bem como reflexa. OBS 2: Na provocação e retorsão previstas no
§1°, pode haver a concessão de perdão judicial para o provocado ou primeiro injuriado (retorsão imediata).
OBS 3: Se for empregada violência ou vias de fato, com caráter aviltante, configurar-se-á injúria real (forma
qualificada). As penas da violência são aplicadas cumulativamente. Se houver vias de fato, a contravenção fica
absorvida pela injúria real. OBS4: Se o agente tiver o propósito discriminatório, poderá se configurar injúria
preconceituosa (forma qualificada). Exige-se o elemento subjetivo especial, consistente no especial fim de
discriminar (Bittencourt, 2011a, p. 363).

103
Injúria preconceito ≠ Racismo: A injúria qualificada pelo preconceito está no art. 140, §3º, e não está ligada
apenas à questão de cor, pois qualifica-se a injúria pelo preconceito a utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, é dirigida a pessoa
determinada, sendo prescritível e afiançável (?). O crime de racismo está previsto na Lei 7.716/89. Trata de
discriminação de grupo, sendo imprescritível e inafiançável (CF, art. 5ª, XLII) OBS: não se aplica o perdão judicial
à injúria qualificada pelo preconceito, tendo em vista que atinge um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil (Art. 3º, IV, CR). Além disso, o perdão judicial vem no §1º, logo, antes da injúria racial,
demonstrando pela sua posição topográfica que não se aplica.

Não é pacífica a afirmação de que o crime de injúria qualificada pelo preconceito é prescritível, haja vista que o
STJ decidiu recentemente que a injúria racial deve ser considerada imprescritível - AREsp 686.965/DF: “a questão
da imprescritibilidade do delito de injúria racial foi reconhecida [pelo tribunal] ao entendimento de que esse
crime, por também traduzir preconceito de cor, atitude que conspira no sentido da segregação, veio a somar-se
àqueles outros, definidos na Lei 7.716/89, cujo rol não é taxativo”. A tese também foi encampada pela PGR em
parecer de março de 2018 (154248/DF).

Visão panorâmica:

1-Imputar fato definido como crime, sabidamente falso.


Art.138 Calúnia 2-Admite prova da verdade (em regra).
3- Admite prova da notoriedade.
1-Imputar fato desonroso, em regra, não importando se verdadeiro ou falso. Honra objetiva
2-Admite exceção da verdade somente quando praticado o crime contra (reputação)
Art.139 Difamação
funcionário público no exercício de suas funções.
3-Não admite prova da notoriedade (há controvérsia doutrinária).
Honra subjetiva
1- Atribuir qualidade negativa.
Art.140 Injúria (dignidade ou
2- Não admite exceção da verdade nem prova da notoriedade.
decoro)

Consumação: a) Calúnia e difamação: consumam-se quando alguém que não é o sujeito passivo toma
conhecimento da imputação (falsa), não sendo necessário que fique ciente uma pluralidade de pessoas. b)
Injúria: consuma-se quando a ofensa irrogada chega ao conhecimento do ofendido.

Consentimento do ofendido: figura como causa de justificação, excluindo a ilicitude da conduta (Prado, 2010,
p. 228); exclui a tipicidade (Bittencourt, 2011a, p. 316); torna atípica a conduta se anterior ou contemporâneo à
ofensa, mas, se posterior, pode significar apenas a renúncia ao direito de queixa ou o perdão (Pierangeli, 2007).
Para ser eficaz o consentimento precisa ser expresso e outorgado por sujeito passivo capaz de consentir. Não
é válido o consentimento outorgado pelos representantes legais do menor ou incapaz (Prado, 2010, p. 228).

Exceção da verdade: possibilidade de o sujeito ativo provar a veracidade do fato imputado, através de
procedimento especial. É uma forma de defesa indireta que deve ser solucionada antes da decisão da causa
ser proferida. Quanto ao ponto, o CP brasileiro adotou o sistema misto (em oposição ao sistema ilimitado), pois
não admite indiscriminadamente a exceção da verdade. Na calúnia, admite-a como regra (excepcionada
quando o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível no caso de crime de ação privada; quando o fato
for imputado a presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; e se o ofendido foi absolvido do crime
por sentença irrecorrível), e na difamação, como exceção (somente quando o s.p. for funcionário público no
exercício das funções). Na injúria não é admitida, eis que não se imputa fato. Atenção para a hipótese de ter o
excepto tiver prerrogativa de foro (art. 85 CPP).

Exceção de notoriedade: Capez afirma que o art. 523 do CPP não faz menção apenas à exceção de verdade, mas
também à da notoriedade do fato imputado. Para Capez, consiste esta na oportunidade facultada ao réu de
demonstrar que suas afirmações são do domínio público, admitindo-se a exceção de notoriedade tanto no crime

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de calúnia quanto no delito de difamação. De outro lado, para Greco, o art. 523 do CPP prevê a figura da exceção
de notoriedade do fato, cujo objetivo é demonstrar que, para o agente, o fato que atribuía à vítima era
verdadeiro, atuando, portanto, em erro de tipo.

Concurso de crimes: tem-se admitido a continuidade delitiva entre os delitos contra a honra. Um mesmo ato
comunicativo pode configurar calúnia e injúria e difamação (STJ RHC 41.527)

Disposições comuns:

a) Formas Majoradas: aumento de 1/3 se o crime é cometido:


1) contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
2) contra funcionário público, em razão de suas funções;
3) na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação;
4) contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria;
5) aplica-se a pena em dobro se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa.

b) Hipóteses de exclusão do crime de calúnia e difamação (causas de exclusão da pena, da antijuridicidade ou


da tipicidade, conforme o entendimento):
1) ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
2) opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar
ou difamar;
3) conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no
cumprimento de dever do ofício.

c) Possibilidade de retratação antes da sentença nos crimes de calúnia e difamação: causa de extinção da
punibilidade (art. 107, VI, CP);

d) Pedido de explicações: Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se
julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá
satisfatórias, responde pela ofensa. (art. 144 CP).

e) Ação penal: de regra é exclusivamente privada. Será, porém, pública condicionada quando:
a) praticada contra Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (condicionada a
requisição do MJ);
b) praticada contra funcionário público, em razão de suas funções (condicionada à representação do
ofendido);
c) tratar-se de injúria preconceituosa (§ 3º), segundo a nova redação do parágrafo único do art. 145 (Lei n.
12.033/2009). E, finalmente, a ação penal será pública incondicionada (arts. 140, § 2º, e 145,caput, 2ª parte)
quando, na injúria real, da violência resultar lesão corporal.

OBS: Súmula 714 do STF: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público,
condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em
razão do exercício de suas funções.

Previsão de crimes contra a honra em leis especiais: Código Penal Militar, Código Eleitoral, Lei de Segurança
Nacional, Código Brasileiro das Telecomunicações. Havia previsão na Lei de Imprensa de tais crimes, mas a
ADPF 130 considerou tal lei não recepcionada pela Constituição.

Jurisprudência:

1-A imunidade material de parlamentar (art. 53, “caput”, da CF/88) quanto a crimes contra a honra só alcança
as supostas ofensas irrogadas fora do Parlamento quando guardarem conexão com o exercício da atividade

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parlamentar. STF recebeu denuncia por contra deputado que, em seu blog pessoal, que certo Delegado de
Polícia teria praticado fato definido como prevaricação. Ressaltou que a imunidade parlamentar material (art.
53 da CF/88) só é absoluta quando as afirmações de um parlamentar sobre qualquer assunto ocorrem dentro
do Congresso Nacional. No entendimento da Ministra, fora do parlamento é necessário que as afirmações
tenham relação direta com o exercício do mandato. Na hipótese, o STF entendeu que as declarações do
Deputado não tinham relação direta com o exercício de seu mandato. STF. 1ª Turma. Inq 3672/RJ, Rel. Min.
Rosa Weber, julgado em 14/10/2014 (Info 763).

2-A manifestação do advogado em juízo para defender seu cliente não configura crime de calúnia se emitida
sem a intenção de ofender a honra. STJ. 3ª Seção. Rcl 15.574-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
9/4/2014 (Info 539).

3-Crimes contra a honra praticados pelas redes sociais da internet: competência da JUSTIÇA ESTADUAL (regra
geral) STJ. CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/4/2012. Competência territorial é
do juízo do local onde as informações são alimentadas, sendo irrelevante o local do provedor. CC 136.700, 3a
Seção,2015.

4-É possível que se impute de forma concomitante a prática dos crimes de calúnia, de difamação e de injúria
ao agente que divulga em uma única carta dizeres aptos a configurar os referidos delitos, sobretudo no caso
em que os trechos utilizados para caracterizar o crime de calúnia forem diversos dos empregados para
demonstrar a prática do crime de difamação. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe
11/3/2015 (Informativo 557 STJ).

5-Compete à Justiça Comum Estadual, e não à Eleitoral, processar e julgar injúria cometida no âmbito
doméstico e desvinculada, direta ou indiretamente, de propaganda eleitoral, embora motivada por
divergência política às vésperas da eleição. STJ. 3ª Seção. CC 134.005-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
11/6/2014 (Infos 543 e 545)

6-Declarações de particular que ofendem a honra de outro particular deverão ser julgadas na Justiça Estadual,
mesmo que feitas perante órgão federal. STJ. 3ª Seção. CC 148.350-PI, Rel. Min. Felix Fischer, 9/11/2016 (Info
593).

7-(TESES DA PGR) Não tem atribuição o Ministério Público para oferecer denúncia contra deputado federal na
hipótese de representação encaminhada por terceiro que descreve ter o parlamentar referido-se a pessoa
determinada, utilizando o termo “negro gordo”, pois não caracteriza crime de racismo, mas possível prática
de injúria racial ou preconceituosa, cuja ação penal é condicionada à representação do ofendido. (NF 016710)

8-Difamação pode ser praticada mediante a publicação de vídeo no qual o discurso da vítima seja editado STF.
1ª Turma. Pet 5705/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/9/2017 (Info 876).

9-Queixa-crime deverá demonstrar o elemento subjetivo do agente. STJ. Corte Especial. AP 724-DF, Rel. Min.
Og Fernandes, julgado em 20/8/2014 (Info 547).

2C. Crimes contra a liberdade pessoal.

Felipe da Mota Pazzola

Os crimes desta seção (Dos crimes contra a liberdade pessoal) são ditos subsidiários, ou seja, são
“reservas” de outros crimes, punidos apenas quando não associados à prática de crimes mais graves, como
estupro, extorsão, roubo.
1. Constrangimento ilegal: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou

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a fazer o que ela não manda. As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do
crime, reúnem-se mais de 3 pessoas, ou há emprego de armas. Além das penas cominadas, aplicam-se as
correspondentes à violência. Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou
cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo
de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio (são causas de exclusão da tipicidade e não da
antijuridicidade).
Sujeito ativo: Qualquer pessoal (crime comum). OBS: Se for praticado por funcionário público no
exercício da função, é crime do art. 350 do CP (exercício arbitrário ou abuso de poder, que foi derrogado pela
lei de abuso de autoridade) ou abuso de autoridade (Lei 4.898/65). Havendo essas outras formas criminosas, o
crime de constrangimento será absorvido. Sujeito passivo: deve ter discernimento e poder de decisão sobre
seus atos. Assim, crianças pequenas, pessoas embriagadas e loucos não podem ser vítimas. Se for
constrangimento contra presidente da República, do STF, Senado e Câmara, é crime contra a Segurança
Nacional (Lei 7.170/83, art. 28).
Tipicidade objetiva (conduta): constranger: é coagir sem que lei imponha, de forma moral (psíquica,
e não fisicamente), para que faça ou deixe de fazer algo que a lei não proíbe ou manda; a pretensão do sujeito
ativo tem que ser ilegítima, sob pena de virar a ser crime de exercício arbitrário das próprias razões. Meios: a)
violência (vis corporalis): uso de força física; b) grave ameaça (vis compulsiva): a ameaça tem que ser séria e
grave. Para Damásio de Jesus, a ameaça pode ser em relação algo justo – ex: constranger alguém sob pena de
demissão do emprego. Mas para outra parte da doutrina, o mal prenunciado tem que ser injusto (Celso
Delmanto); c) outros meios capazes de reduzir a capacidade de resistência (é a chamada violência imprópria).
Ex.: droga, álcool, hipnose. A omissão pode ser forma de conduta. Aníbal Bruno exemplifica o caso do não
fornecimento de alimentação ao doente visando a conseguir dele determinado comportamento.
Consumação e tentativa: quando a vítima, constrangida, deixa de fazer algo ou o faz contra sua
vontade. É crime plurissubsistente, cabendo a tentativa.
Causa de aumento de pena: O §1° dispõe que a pena será aumentada se houver o emprego de arma
(em sentido impróprio - doutrina majoritária). É imprescindível que seja o instrumento efetivamente usado na
execução do delito, não bastando o seu porte ostensivo, em que pese corrente em sentido contrário. OBS: E se
a arma for de brinquedo? A doutrina majoritária entende que não haverá a causa de aumento, tendo em vista,
inclusive, a revogação da súmula 174, STJ.
Concurso de crimes: Além das penas cominadas ao crime de constrangimento ilegal, aplicam-se as
correspondentes à violência (§ 2º). Apesar de no presente caso o agente, com uma só conduta, praticar dois
crimes (constrangimento ilegal e lesão corporal), prevalece o entendimento segundo o qual a redação do
parágrafo em estudo não deixa dúvidas de que o concurso será material (art. 69 do CP).
Exclusão do crime: O § 3º traz hipótese em que o agente não cometerá o crime em estudo. A doutrina
diverge sobre a natureza jurídica do dispositivo, caracterizando, para uns, causa de atipicidade, para outros,
antijuridicidade.
Código de Defesa do Consumidor: Será tipificado no art. 71 da Lei 8.078/90 o comportamento daquele
que utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas,
incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente,
a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.
Lei de Tortura: Constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da
vítima ou de terceira pessoa ou para provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de
discriminação racial ou religiosa (Lei 9.455/97).
Estatuto do Idoso: o art. 107 do Estatuto pune com pena de reclusão de 2 a 5 anos aquele que coage,
de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração.
Casuística: agente em fuga que obriga motorista a levá-lo a outro lugar: é constrangimento ilegal e não
sequestro, haja vista o elemento subjetivo no caso. Ameaça (147) X constrangimento (146): na ameaça, o medo
é o próprio fim do agente, enquanto no constrangimento ilegal a ameaça é um dos meios. Emprego de armas:
há divergência na doutrina se o conceito de armas engloba só as armas fabricadas para fins bélicos ou todos
os instrumentos com potencialidade lesiva. Prevalece esta última (todos os instrumentos com potencial
lesivo).

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2. Ameaça: Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio
simbólico, de causar- lhe mal injusto e grave.
Somente se procede mediante representação. Também é crime subsidiário, ou seja, existem outras
formas delituosas em que a ameaça é elemento do tipo (faz parte do crime), como roubo, extorsão, sequestro.
Diferença entre constrangimento ilegal e ameaça: na ameaça, o prenúncio deve ser sobre mal injusto
e grave; no constrangimento ilegal, o mal pode ser simplesmente grave, podendo ser justo (opinião de
Fernando Capez). A outra diferença é o elemento subjetivo: na ameaça, o agente visa a amedrontar a vítima;
no constrangimento, ao fazer ou deixar de fazer em desacordo à lei. O mal prenunciado pode ser de algo a ser
efetivado no futuro ou imediatamente (posição de Damásio de Jesus).
Crime de execução livre: escrito, gesto, palavra, pessoa interposta, desenho. A ameaça deve ser séria
e idônea, capaz de intimidar. Portanto não será ameaça se o mal não for crível, não configurando ameaça a
expressão "farei o mundo cair sobre sua cabeça", diante da sua óbvia impossibilidade natural. Contudo, deve
ser alertado que um mal, aparentemente impossível, pode exprimir uma ameaça velada, como, por exemplo,
dizer ao ofendido: "Tiro o seu couro na unha".
Tipo Subjetivo: Pune-se a vontade consciente de amedrontar a vítima, manifestando idônea intenção
maléfica, mesmo que não seja o desígnio do agente cumprir o mal anunciado.
Consumação e tentativa: crime formal (de consumação antecipada), ou seja, haverá consumação
independentemente da obtenção do resultado material, no caso, o efetivo temor. Então, se consuma quando
o sujeito passivo toma conhecimento, sendo irrelevante que fique com medo. Tentativa: admite-se, na forma
escrita ou por interposta pessoa. O fato da pessoa não estar calma, sem possibilidade de reflexão, não torna
atípica a ameaça.
Sujeito passivo: vítima certa, determinada e capaz de entender a ameaça. Menores de idade núbil,
loucos, sob efeito de droga e pessoas indeterminadas não podem ser vítimas. Ameaça contra o presidente da
República, do Senado, da Câmara ou do STF: é crime contra a Segurança Nacional (Lei 7.170/83). Rogério
Sanches sustenta que, em face destas pessoas, a ameaça, para ser crime contra a Segurança Nacional, há de
ter cunho político. Prevalece que não se exige a presença do sujeito passivo.
Casuística: ameaça e porte ilegal de arma: há concurso material de crimes; ameaça contra várias
pessoas no mesmo contexto fático: concurso formal de crimes. Ação penal pública condicionada à
representação.
Jurisprudência: STJ - REsp 1259012/DF 16/02/2012 RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES DE AMEAÇA
E DE LESÃO CORPORAL PERPETRADOS NO ÂMBITO DOMÉSTICO OU FAMILIAR. ART. 16 DA LEI N.º 11.340/2006.
(...) O entendimento desta Corte Superior de Justiça é firmado no sentido de que a audiência preliminar prevista
no art. 16 da Lei n.º 11.340/06 deve ser realizada se a vítima demonstrar, por qualquer meio, interesse em
retratar-se de eventual representação antes do recebimento da denúncia.
Jurisprudência: TJDFT – Acórdão 383860 do proc. 20081010005994 apj – 22/09/2009. 1. O crime de
ameaça é de natureza formal, consumando-se no momento em que a vítima é alcançada pela promessa,
manifestada pelo agente de forma verbal, por escrito ou gesto, de que estará sujeito a mal injusto e grave,
incutindo-lhe fundado temor, não reclamando sua caracterização a produção de qualquer resultado material
efetivo. 2. É certo que nos crimes de ameaça, assim como em todos os delitos que ocorrem normalmente em
locais escondidos, longe dos olhares alheios, a palavra da vítima se reveste de grande valor, máxime quando
encontra amparo nas demais provas dos autos, bem como na confissão extrajudicial do denunciado.
Ameaça espiritual serve para configurar crime de extorsão: “Em decisão unânime, a 6ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a ameaça de emprego de forças espirituais para constranger
alguém a entregar dinheiro é apta a caracterizar o crime de extorsão, ainda que não tenha havido violência
física ou outro tipo de ameaça. O caso aconteceu em São Paulo. De acordo com o processo, a vítima contratou
os serviços da acusada para realizar trabalhos espirituais de cura. A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio
de atos de curandeirismo, obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil. Tempos depois, quando a vítima
passou a se recusar a dar mais dinheiro, a mulher teria começado a ameaçá-la. De acordo com a denúncia, ela
pediu R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra seus filhos.”
3. Sequestro e cárcere privado: Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere
privado.
Tipo objetivo: dolo, vontade livre e consciente de privar a liberdade, sem um fim especial.

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Havendo um especial, poderá ser a forma qualificada do inciso V, redução à condição análoga de escravo,
extorsão mediante sequestro etc.).
Bem jurídico tutelado: liberdade de ir, vir e ficar (liberdade de movimento).
Sujeito ativo: Qualquer pessoa. OBS: Se praticado por funcionário público, é crime de abuso de autoridade
(princípio da especialidade).
Sujeito passivo: Qualquer pessoa. OBS: O consentimento da vítima exclui o crime, desde que
consciente e válido. OBS: Sequestro ou cárcere privado com fundamento político contra presidente da
República, SF, CD e STF: crime contra Segurança Nacional (art. 28 da Lei 7.170/83).
Tipicidade objetiva: privar total ou parcialmente a liberdade de alguém por sequestro ou cárcere.
É crime de execução livre, podendo ser praticado mediante violência, grave ameaça ou mesmo fraude (induzir
a vítima em erro). Pode ser praticado por ação (afastar a vítima do lugar em que vive para outro) ou omissão
(médico que não concede alta para paciente já curado).
Consumação e tentativa: com a privação da liberdade. Crime permanente: consumação se prolonga
no tempo. Tempo de privação: há duas correntes: 1ª É irrelevante o tempo de privação, havendo crime desde
o momento em que a vítima teve subtraído seu direito de locomoção; 2ª Exige-se um tempo juridicamente
relevante, sendo a privação momentânea mera tentativa. Admite-se a tentativa.
Forma qualificada: §1º se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior
de 60 anos; se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; se a privação
da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias; se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; se o
crime é praticado com fins libidinosos. Maior forma qualificada (§2º): Se resulta à vítima, em razão de maus-
tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral.
Formas do parágrafo primeiro: são qualificadoras (novo preceito secundário mínimo e máximo
maiores). A forma qualificada do inciso V (“se o crime é praticado com fins libidinosos”) substituiu o crime de
rapto (arts. 219 e 220). Não houve, com isso, abolitio criminis, pois a lei não aboliu a conduta (ultratividade da
lei penal mais benéfica). Portanto, o antigo art. 219 (raptar mulher honesta, mediante violência ou grave
ameaça, para fim libidinoso) deixou de existir, mas parte de sua conduta foi transferida para o art. 148.
Sequestro X Cárcere: sequestro é a forma geral. Cárcere é espécie de sequestro. No sequestro, a
privação da liberdade não implica confinamento (ex: manter numa chácara ou sítio). No cárcere privado, a
privação da liberdade ocorre em recinto fechado (quarto, sala). O elemento comum é a restrição à liberdade
da vítima.

Tráfico de Pessoas e Redução à condição análoga à de escravo – VER PONTO 8.C

4C. Crimes contra a inviolabilidade do domicílio, de correspondência, dos segredos e de interceptação de


comunicações.

William Chaves Souza

1 - Violação de domicílio (art. 150 CP): a inviolabilidade domiciliar é direito fundamental do homem,
segundo enuncia a CF no art. 5°, XI:''A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial"..; cabe transação penal e sursis processual;
1.1 – BJ tutelado = liberdade privada e doméstica do indivíduo.
1.2 – Elementos do Tipo: a) ação nuclear: de ação múltipla, baseado no entrar ou permanecer em
residência alheia ou suas dependências, contra a vontade de quem a ocupa. Permanecer: já se encontrava no
recinto e se recusa a sair. Se praticado mediante violência ou arma, incidirá a qualificadora do §1º. b)
Elementos normativos: Clandestinidade: sem que o morador perceba; Astúcia: usa de artifício para induzir o
morador em erro e cconsentir; Ostensividade: entrada/permanência contra a anuência (tácita ou expressa) do
morador. c) Objeto material: “em casa alheia ou em suas dependências”. §4º esclarece o termo casa (I-
qualquer compartimento habitado, II- aposento ocupado por habitação coletiva, III- Compartimento não
aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. O §5º limita o conceito: não considera como
casa: I- hospedaria, estalagem, ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo aposento

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ocupado por habitação coletiva ;e II- taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero. Conceito de casa é
amplo (§ 4º): qualquer compartimento habitado; aposento ocupado de habitação coletiva; compartimento
não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Residência com família e pais: os pais são
os titulares do direito de proibição, pois os filhos lhe são subordinados. Numa família, os titulares do direito
de exclusão ou admissão são marido e mulher: a colisão de decisões será resolvida pela prevalência da vontade
dos pais, mesmo que o imóvel seja de propriedade do filho menor; mas se a casa pertencer ao filho maior, a
preferência é deste. Filhos também têm direito de admitir terceiros nas dependências. Pai pode entrar no
quarto do filho e não haverá crime se for contra a vontade dele. Patrão tem direito de entrar no quarto da
empregada doméstica. Residência com comunidade residente: também há subordinação. Ex:
pensionato, colégio, convento, mosteiro. Pais, reitor, pároco, diretor serão os sujeitos passivos. Na ausência
deles, o direito passa aos subordinados. Mesmo no regime de subordinação, os dependentes ou subordinados
têm direito sobre suas dependências exclusivas (quarto da freira dentro do convento). Habitação comum em
regime de igualdade: república de estudantes, todos os moradores são titulares de admitir e excluir alguém,
assim como marido e mulher vivem em regime de igualdade. O conflito de vontades é solucionado pela
aplicação do princípio melior est conditio prohibentis, prevalecendo a decisão daquele que proibiu.
Edifícios: cada morador (proprietário ou inquilino) pode dissentir da entrada ou permanência de
estranhos na sua unidade de apartamento ou nas áreas sociais (comuns), desde que, neste caso, não proíba
outro morador, com igual autonomia. Para áreas comuns: em princípio, cada um dos moradores é titular do
direito de exclusão-admissão do estranho a esses lugares. Se divergem, aplica-se ainda o princípio do melior
est conditio prohibentis, sempre que a proibição corresponda a um interesse jurídico do opositor (não por
mero capricho, despeito etc.) e não prejudique interesse equivalente ou maior daquele que permite; Casa
alheia desabitada: é atípico. Casa alheia ausentes os moradores: há crime, pois é habitada. Escritório ou
local de trabalho de advogado segue Lei 8.906/94: Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de
crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade
de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão,
específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer
hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado
averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
(Incluído pela Lei nº 11.767, de 2008) § 7o A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes
do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela
prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
1.3. Sujeitos: a)ativo: qualquer pessoa (comum)até mesmo proprietário locador; b) passivo: morador;
ocupante de quarto de hotel/motel; ocupante de trailer (motor home) - se veículo estiver parado e servindo
de casa, pois se em movimento (trânsito), não há a proteção domiciliar (tema controvertido); empregados da
casa: têm direito de recusar a entrada ou permanência de pessoas estranhas em seus aposentos, mas tal
direito não pode ser exercido contra o proprietário da casa. (entende-se haver o crime se o empregado permite
a entrada de estranhos em seu cômodo contra a vontade do empregador, dono da casa).
1.4. Elemento Subjetivo: dolo. deve saber que está agindo contra a vontade do morador, e que se
trata de residência alheia, se o agente ingressar achando que é a sua, há erro de tipo.
1.5. Consumação e tentativa: crime de mera conduta. Se o agente entra, o crime é instantâneo.
Quando a conduta é de permanecer, é crime permanente, pois o momento consumativo perdura no tempo.
Para a doutrina, possível a tentativa.
1.6. Formas: Simples – caput; Qualificada - prevista no §1º: se o crime ocorre durante a noite ; em
lugar ermo; com emprego de violência; com emprego de arma; ou por duas ou mais pessoas; Causa de
aumento de pena- §2º: revogado tacitamente.
1.7. Causas de exclusão da ilicitude: §3º, causas que afastam a ilicitude: a) Durante o dia, com
observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou diligencia (inc. I): estrito cumprimento do dever
legal, carece de mandado judicial. À noite, mesmo com mandado, tem de ter a permissão do morador para
adentrar. b) A qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na
iminência de o ser (inc. II): outro caso de estrito cumprimento do dever legal e está prevista também na CF, no
art. 5º, XI. Na hipótese de o crime ter iminência de ser praticado, a invasão de domicílio está acobertada pela
exclusão da ilicitude, para prestar socorro, previsto no referido inciso da CF. A CF., em seu artigo

110
5º, XI, enumera outras causas: a) Em caso de desastre: trata-se de estado de necessidade; b) Para prestar
socorro: estado de necessidade. A essas causas de exclusão somam-se as causas gerais do art.
23 do Código Penal.
1.8. Concurso de Crimes: O crime é subsidiário, sempre que servir de meio para execução de outro
crime, o crime-meio é absorvido pelo crime-fim. Porém se for utilizado para o cometimento de crime menos
grave, como uma contravenção, o agente responderá pelo crime em estudo.
1.9. Ação Penal: pública incondicionada. infração de menor potencial ofensivo, incide a disposição da
lei 9.099/95 no caput (pena: detenção de 1 a 3 meses, ou multa) e no caput combinado com o §2º (aumento
de 1/3) Por ser crime de menor potencial ofensivo, está submetido ao procedimento dos juizados especiais
criminais, tanto das justiças estaduais como da federal.

2. Violação de correspondência: (art. 151, CP): O caput do art. 151 foi tacitamente revogado pelo art.
40 da Lei 6.538/78, que trata das infrações contra o serviço postal e o serviço de telegrama: "Devassar
indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena - detenção, até 6 (seis) meses,
ou pagamento não excedente a 20 (vinte) dias-multa". Comentários serão com base no artigo revogador.
2.1. BJ = a inviolabilidade da correspondência (art.. 5°, XII, da Constituição Federal prescreve a
inviolabilidade).
2.2. Sujeitos do delito: a) ativo: Trata-se de crime comum, não se exigindo qualquer condição (ou
qualidade) especial do agente. Se praticado por funcionário público é abuso de autoridade (art. 3°, c, da Lei
4.898/65); b) passivos: remetente (pessoa que manifesta o pensamento) e o destinatário (aquele que recebe
o pensamento exposto no escrito), ambos igualmente prejudicados pela violação da carta (crime de dupla
subjetividade passiva). Parte da doutrina, principalmente a alemã, sustenta que na correspondência, enquanto
não chegar às mãos do destinatário, existe um único sujeito passivo, que é o remetente.
2.3. Elementos do tipo: a) Conduta: por qualquer meio (abertura do invólucro, uso da luz etc.),
devassar (toma conhecimento), indevidamente, o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem.
b) objeto material: Correspondência = comunicação pessoa a pessoa, compreende não apenas a carta,
mas bilhete, cartão, telegrama, fonograma etc. Por não constituírem pensamento de pessoa a pessoa, observa
MIRABETE que ficaram excluídos do conceito de correspondência não só os livros, revistas, estampas etc.,
como qualquer outro tipo de comunicação, como a de uma fita eletromagnética gravada, cartas ou bilhetes
por outro meio que não a via postal etc. c) Elemento normativo: que violação seja indevida, i.e., sem
autorização de quem de direito. A correspondência deve estar fechada. Estando aberta, não há prática
criminosa, pois clara a falta de interesse em manter o conteúdo sigiloso. d) Elemento Subjetivo: dolo. O tipo
não prevê conduta culposa. Há erro de tipo se acha que é o destinatário. Casos específicos: marido
que, indevidamente, lê correspondência dirigida à sua mulher (ou vice-versa), segundo respeitável doutrina,
não pratica o crime em estudo, considerando a comunhão de interesses (Damásio/HUNGRIA);
MIRABETE/ANIBAL BRUNO discordam; pais devassam correspondência destinada aos filhos: o crime depende
da existência ou não do poder familiar. (Nucci) - se maiores, civilmente capazes, ainda morando com os pais,
não há o menor cabimento em sustentar a possibilidade de violação da correspondência a eles destinada.

2.4. Exclusão da ilicitude: hipóteses em que há autorização legal para a violação da correspondência:
a) a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005 - art. 22, III, d): autoriza a abertura, pelo síndico,
de correspondência endereçada ao falido, desde que presente interesse da massa; b) pode haver também
violação pelo diretor da prisão em relação à correspondência remetida ao preso, desde que motivadamente;
c) o art. 240, § 1 °,f, do CPP autoriza a abertura pela autoridade policial ou judicial "quando haja suspeita de
que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato"; d) o curador também está autorizado
a tomar conhecimento do conteúdo de correspondência endereçada ao interditado por incapacidade absoluta;
e) pode haver devassa de correspondência pelos pais ou tutor em relação aos menores sob o poder familiar
ou tutela; f) o art. 10 da Lei 6.538/78 dispõe: "Art. 10. Não constitui violação do sigilo da correspondência
postal a abertura de carta: I - endereçada a homônimo, no mesmo endereço; II - que apresente indícios de
conter objeto sujeito a pagamento de tributos; III - que apresente indícios de conter valor não declarado,
objeto ou substância de expedição, uso ou entrega proibidos; IV- que deva ser inutilizada, na forma prevista
em regulamento, em virtude de impossibilidade de sua entrega e restituição. P.U. Nos casos dos incisos II e III

111
a abertura será feita obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário". STF: I -
consagrou o entendimento de que o princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações (art. 5°, XII,
da CF) não é absoluto, podendo o interesse público, excepcionalmente, sobrepor-se para evitar que os direitos
e garantias fundamentais sejam utilizados para acobertar condutas criminosas. II-A busca e apreensão das
cartas amorosas foi realizada em procedimento autorizado por decisão judicial, nos termos do art. 240, § 1°, f,
do Código de Processo Penal".
2.5. Consumação e tentativa: crime material, consuma-se no momento em que o agente toma
conhecimento do conteúdo da correspondência, ainda que parcialmente, não se exigindo a abertura do
envelope ou o rompimento de lacre de segurança. Indiferente, ainda, é o idioma da comunicação.
Plurissubsistente. O iter criminis admite fracionamento, possível, pois, a tentativa (ex. a correspondência, mas
não toma conhecimento de seu conteúdo por circunstâncias alheias à sua vontade).
2.6. Ação penal: pública condicionada a representação.

3. Sonegação ou destruição de correspondência (art. 151, §1º, I): tacitamente revogada pelo mesmo
art. 40, § 1º da Lei 6.538/78, cuja análise segue: aqui o agente (qualquer pessoa), dolosa e indevidamente, se
apossa de correspondência alheia (embora não fechada) e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói (fim
específico), ferindo os interesses do remetente e do destinatário (crime de dupla subjetividade passiva). Basta,
simplesmente, ocultar a correspondência ou destruí-la. Entende a maioria ser o crime formal: aperfeiçoa-se
com o simples apossamento. Se o agente praticar o apossamento e, antes de destruí-la ou sonegá-la, tomar
conhecimento de seu conteúdo, o crime de violação é tido como mero exaurimento do primeiro, que já se
consumou em momento anterior. Admite tentativa. Importante ressaltar que a sonegação ou a destruição
pode constituir crime mais grave, como a supressão de documento, que está no art. 305, CP.
3.1. BJ: liberdade individual de pensamento; para Bitencourt é liberdade de correspondência.
3.2. Elementos do tipo: a) Objeto material: correspondência aberta ou fechada. Se a correspondência
em si tem valor econômico, a destruição implicará crime de dano, e a sonegação caracterizará furto. Se por
acaso tivermos destruição de um documento público, ou seja, alguém se apossa de um envelope que tinha
outro destinatário e o destrói. Qual seria o crime? Furto, dano, violação de correspondência ou todos? Dano!
Por quê? Consome os outros crimes. Princípio da consunção. Em princípio, é correspondência. A intenção é de
devassa. Devassado o envelope, descobre-se que há um documento público, que é logo destruído. Isso é dano.
Rasgar é cometer crime de dano em relação à vítima, que é a conduta mais grave. Isso tem caído em provas.
OBS.: pode-se cometer o crime se o sujeito acha que o dono da correspondência está em flagrante delito.
Quem abre pode dispor de indícios, mas é preciso uma autoridade pública com esse fim. O faxineiro do
Ministério Público não tem autorização para isso, obviamente. Mas o estagiário? Se acha que alguém está
cometendo algo, então subtrai a correspondência achando que o sujeito está em flagrante delito, ele só poderá
legitimamente fazê-lo se tiver poderes investidos pelo Estado para isso. E se está no lixo: já foi disposta. Não
há mais nada envolvendo aquele documento, nem fazendo com que não se torne público. Na pior das
hipóteses há erro de tipo. Para que se tenha violação, necessariamente algum meio deve ter sido empregado,
antes, no esforço de impedir a publicidade do conteúdo daquela correspondência. b) Elemento
normativo: apossamento indevido, sem autorização. Se há consentimento do destinatário ou remetente, ou
há autorização pelo ordenamento jurídico, não há o crime. C) Elemento subjetivo: dolo, vontade e
consciência de se apossar ilegitimamente da correspondência alheia com o fim de sonegá-la ou destruí-la. Tem
dolo específico. Não é admitido o dolo eventual. Não admite modalidade culposa.
3.3. Tipo de crime: Crime de ação livre, pois o tipo penal não prescreve qualquer conduta.
3.4. Sujeitos a) ativo: qualquer pessoa, exceto, claro, o remetente e o destinatário. b) passivo:
remetente e destinatário.
3.5. Consumação: é crime formal, que se consuma no momento em que o agente se apossa da
correspondência com o fim de sonegá-la ou destruí-la. Não é necessário que haja a sonegação ou a destruição.
Note a ação nuclear: apossar-se, com o fim de destruí-la. Bitencourt discorda: para ele a consumação ocorre
com a sonegação ou destruição. Tentativa: é admissível.
3.6. Ação penal: pública condicionada a representação.

4. Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica (art. 151, §1º, II):

112
4.1. BJ: liberdade de comunicação do pensamento.
4.2. Elementos do tipo: a) objetos materiais: comunicação telegráfica, que é o telégrafo; a
radioelétrica, que é o rádio e a televisão; e a telefônica. b) Elemento normativo: “Indevidamente” significa
sem autorização legal. c) ações nucleares: divulgar é levar a conhecimento público o conteúdo da
informação, transmitir: é dar ciência, notificar alguém, e utilizar: usar o conteúdo para algum fim. c)
Elemento subjetivo: dolo; não há modalidade culposa.
4.3. Sujeitos: a) ativo: crime comum: qualquer pessoa, exceto remetente ou o destinatário. b) passivo:
aqui há, novamente, dupla subjetividade passiva, pois tanto o remetente e destinatário podem ser sujeitos
passivos, como nos casos anteriores.
4.4. Consumação: com a divulgação ou transmissão são feitas de forma indevida (elemento normativo)
ou quando a utilização é feita de forma abusiva. De acordo com este inciso, o simples conhecimento do
conteúdo não configura crime. Tentativa: é admissível.
4.5. Revogação: Há discussão doutrinária acerca da revogação do inciso pela parte final do art. 10 da
Lei 9296/1996 (Interceptação Telefônica). Capez entende que não. Em relação a conversações telefônicas, o
tipo penal ainda pode ser aplicado para quem, por exemplo, ouve conversa alheia em extensão telefônica e
divulga seu conteúdo. Atualmente, entretanto, constitui crime, bem mais gravemente apenado (reclusão, de
dois a quatro anos, e multa) “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática,
ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei” (art. 10, da
Lei n. 9.296/96), para a qual o agente comente o delito, independentemente da futura divulgação do conteúdo.
Além disso, como as gravações feitas de forma autorizada devem ser mantidas em sigilo, nos termos do art.
8º da Lei n. 9.296/96, quem tomar conhecimento de seu conteúdo e der divulgação cometerá também o delito,
em sua parte final. Ex.: funcionário de Distrito Policial que passa o conteúdo das gravações a órgãos da
imprensa.
4.6. Inciso III do § 1º: incorre na mesma pena “quem impede a comunicação ou a conversação referidas
no número anterior”. Aqui, pune-se a conduta de impedir a comunicação entre duas pessoas. De acordo com
o art. 72 da Lei 4117, “A autoridade que impedir ou embaraçar a liberdade da radiodifusão ou da televisão fora
dos casos autorizados em lei, incidirá no que couber, na sanção do artigo 322 do Código Penal”. Capez e
corrente majoritária entendem que o inciso não foi revogado pela Lei 9.296/96 também porque esta trata
apenas da interceptação telefônica. Para que se incida no inciso III, deve haver o dolo de impedir a
comunicação. Pune-se tanto a conduta daquele que impede a comunicação quanto daquele que impede a
continuação da comunicação já iniciada. É de menor potencial, logo competentes os Juizados Especiais.

5. Inciso art. 151, § 1º, IV: também incorre na mesma pena quem “instala ou utiliza estação ou
aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal”. É crime de ação múltipla, mais de um verbo:
instalar ou utilizar. Se o agente pratica um dos verbos, o crime está cometido. O inciso foi tacitamente
revogado pelo art. 70 da Lei 4117: “Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos,
aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem
observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos. Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para
os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho
ilegal”.É crime formal, consuma mesmo sem haver dano a terceiro, mas se houver, a pena aumenta de metade.
Relacionado a ele há o artigo, da Lei 9472: “Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de
telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e
multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente,
concorrer para o crime”.

6. Correspondência comercial (art. 152, CP): abusar da condição de sócio ou empregado de


estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir
correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo: somente se procede mediante representação.

7. Divulgação de segredo (art. 153): divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento
particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa
produzir dano a outrem; neste caso, somente se procede mediante representação. O tipo penal em análise,

113
portanto, diz respeito apenas ao segredo escrito. Se não houver um segredo ou se não existir a potencialidade
de provocar dano, a divulgação é atípica. Assim, a divulgação de segredo que lhe foi confidenciado oralmente
não constitui crime, salvo se constituir violação de sigilo decorrente de dever profissional (art. 154) —
sacerdote que ouve confissão e a divulga — ou crime contra a honra — moça que conta em segredo para uma
amiga que teve relação sexual com dois homens ao mesmo tempo e esta conta o que ouviu para inúmeras
pessoas, cometendo, assim, crime de difamação. A divulgação de segredo contido em documento público
pode, eventualmente, caracterizar crime de violação de sigilo funcional, quando praticado por funcionário
público (art. 325). Sujeito ativo: Somente o destinatário ou o detentor do documento particular ou de
correspondência confidencial pode cometer o presente crime. O destinatário sempre terá a posse legítima do
documento, indevidamente divulgando o seu conteúdo. O detentor, antes de divulgar o conteúdo do
documento ou correspondência, precisa violá-lo (art. 15 1 do CP). Tal conduta pretérita ficará absorvida pelo
crime do art. 153 do CP. Cumpre dizer que o tipo não diferencia o detentor possuidor legítimo ou ilegítimo,
ambos incorrendo no mesmo crime. Sujeito passivo: pode ser o destinatário ou terceira pessoa interessada
na conservação do segredo. Consumação: No momento da divulgação do segredo, independentemente da
produção de qualquer dano. Trata-se, pois, de crime formal. Justa causa: É imprescindível que a divulgação se
dê sem justa causa (contrária ao direito). Havendo justa causa para a divulgação de segredo, o fato é atípico.
7.1. Art. 153, § 1º-A: “Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas
em lei, contidas ou não nos sistemas de informação ou banco de dados da Administração Pública”: modalidade
qualificada introduzida no Código Penal pela Lei n. 9.983/2000. Refere-se a outro tipo de informação sigilosa
ou reservada, ou seja, aquelas que sejam assim definidas expressamente em lei. Trata-se, pois, de norma penal
em branco a ser complementada por outras leis. A conduta típica é a mesma da modalidade simples, divulgar
sem justa causa. Divulgação de informações sigilosas da Administração Pública: Trata-se de crime comum,
figurando como vítima o Estado. Não exige, para a consumação do crime, que a indevida divulgação do segredo
possa causar dano a outrem, bastando a sua mera revelação.

8. Violação do segredo profissional (art. 154): revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem
ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Crime é sujeito à representação. Não se confunde com o crime do art. 325 (violação de sigilo profissional:
Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a
revelação), crime praticado por funcionário público contra a administração pública em geral. Exige-se vínculo
entre o agente do crime e a vítima, de modo que o segredo tenha sido revelado por alguém que o soube pela
vítima em razão do ofício. Ex: tutor, curador. Ofício abrange serviços manuais ou mecânicos (empregadas
domésticas). Tem que existir potencialidade lesiva, sob pena de vir a ser mero crime contra a honra (difamação,
por exemplo). É crime formal (consuma-se com a revelação), instantâneo, próprio quanto ao sujeito ativo,
comum quanto ao passivo. Excepcionalmente cabe a tentativa, se conduta for plurissubsistente. Se o agente
toma conhecimento do segredo em razão de função pública, a revelação constitui crime especial previsto no
art. 325 do Código Penal.

9. Invasão de dispositivo informático (154-A, CP - Lei 12.737/2012): vulgarmente conhecida como Lei
Carolina Dieckman, em razão de episódio de vazamento de fotos íntimas da atriz.
154-A, caput: Consiste no fato de o agente “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não
à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter,
adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou
instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”.
9.1. BJ: inviolabilidade da intimidade e da vida privada (CF, art. 5º, X).
9.2. Elementos do tipo: a) Objeto material: (I) os dados e as informações armazenadas em dispositivo
informático da vítima e que tenham sido obtidas, adulteradas ou destruídas em razão da conduta criminosa
do agente; (II) o próprio dispositivo informático da vítima na hipótese de o agente instalar vulnerabilidades
para obter vantagem ilícita. b) Elementos normativos: (I) Alheio – é necessário que o dispositivo informático
seja alheio, ou seja, de outrem, de terceiro; (II) Sem autorização – é necessário que a violação (indevida ou
não) de mecanismo de segurança não tenha sido precedida de autorização expressa ou tácita do titular do
dispositivo. Assim, se não for alheio (próprio ou coisa abandonada [res derelicta]), ou se há autorização do

114
titular, não há crime, por atipicidade. OBS.: dados ou informações foram utilizados pelo legislador como
sinônimos e de forma ampla para significar tudo aquilo que a vítima possa armazenar em um dispositivo
informático; dispositivo informático significa qualquer hardware (parte sólida de um dispositivo informático
específico ou assemelhado) capaz de armazenar dados e informações (exemplos: computadores, discos
externos, smartphones, celulares comuns, pendrives etc.). c) Elemento subjetivo: dolo. Exigem-se, ainda,
os elementos subjetivos específicos (finalidades específicas) representados pelas expressões “com o fim de
obter, adulterar ou destruir dados ou informações” e “para obter vantagem ilícita”. Assim, se ausentes essas
finalidades específicas, ou se outra for a intenção do agente, o fato é atípico em relação ao delito em estudo.
O tipo não admite modalidade culposa.
9.3. Sujeitos do delito: a) ativo: é crime comum, pode ser qualquer pessoa; b) passivo: é a pessoa que
pode sofrer dano material ou moral em conseqüência da indevida obtenção, adulteração ou destruição de
dados e informações em razão da invasão de dispositivo informático, ou decorrente da instalação de
vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, seja seu titular ou até mesmo um terceiro.
9.4. Conduta: a) invadir: é de forma vinculada, assim, somente pode ser praticado mediante violação
indevida de mecanismo de segurança, se não há mecanismo de segurança, é atípíco. Autorização dada a
técnico para burlar sistema de segurança = violação necessária, logo atípico. Se o técnico de informática
obtiver, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita da vítima, há doutrina
que entende configurado o crime. b) instalar: é de forma livre, ie, pode ser cometido por qualquer meio
de execução. Assim, há crime independentemente de ter o agente invadido ou não o dispositivo informático
alheio, caso nele instale vulnerabilidades, com a finalidade específica de obter vantagem ilícita.
9.5. Consumação e tentativa: "invasão" é crime formal: consuma-se no momento em que o agente
invade o dispositivo informático da vítima, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, ou instala
vulnerabilidades, tornando-o sujeito a violações. A efetiva obtenção, adulteração ou destruição de dados ou
informações da vítima, constitui exaurimento do crime. É crime instantâneo. A tentativa é possível por se
tratar de crime plurissubsistente.
9.6. Figuras equiparadas (154-A, §1º): produzir (fabricar, originar, fazer aparecer), oferecer (expor,
exibir ou propor para que seja aceito), distribuir (dar, entregar, transmitir), vender (alienar, dispor ou ceder
por certo preço) e difundir (transmitir, espalhar, propagar), tendo como objeto material algum dispositivo ou
programa de computador com o intuito de permitir a invasão de dispositivo informático alheio e praticar as
mesmas condutas previstas no caput.
9.7. Figuras típicas qualificadas: a) da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações
eletrônicas privadas (email, SMS), segredos comerciais ou industriais (fórmulas, desenhos etc), informações
sigilosas (definidas em lei = NPB). OBS.: violação de sigilo bancário ou de instituição financeira (Lei
7.492/86, art. 18), o crime é mais grave (reclusão, de um a quatro anos, e multa) e, assim, o agente responde
por esse e não pelo delito de invasão de dispositivo informático qualificado; b) ou o controle remoto não
autorizado do dispositivo invadido. São expressamente subsidiárias, pois a lei, após descrever a sanção penal,
impõe: “se a conduta não constitui crime mais grave”.
9.8. Aumento de pena: a) sobre as figuras simples e equiparada: 1/6 a 1/3 se da invasão resulta
prejuízo econômico (perda material ou financeira); prejuízo meramente moral, não dá causa a esse aumento.
b) sobre as figuras qualificadas: B1) § 4º: 1/3 a 2/3 se houver divulgação (propagação, tornar público
ou notório), comercialização (atividade relacionada à intermediação ou venda) ou transmissão (transferência)
a terceiros, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. B2) § 5º: 1/3 a 1/2 se praticado contra: (i)
Presidente da República, governadores e prefeitos; (ii) Presidente do Supremo Tribunal Federal; (iii) Presidente
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembléia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do
Distrito Federal ou de Câmara Municipal; (iv) Dirigente máximo da administração direta e indireta, federal,
estadual, municipal ou do Distrito Federal.
9.9. Ação penal: regra = pública condicionada à representação. Exceção = pública incondicionada (CP,
art. 154-B): cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União,
Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.

2.CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO


2.1 Crimes contra o patrimô nio: roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, esbulho possessório e dano.

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(6.c)
2.2 Crimes contra o patrimô nio: apropriação indébita e receptação. (9.b)
2.3 Crimes contra o patrimônio: esbulho possessório, apropriação indébita e receptação (12.b)
2.4 Crimes contra o patrimô nio: estelionato e outras fraudes de competência da Justiça Federal. (7.c)

6C. Crimes contra o patrimônio: roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, esbulho possessório e dano

André Bica

1) Art. 157: Roubo.


Tipo Objetivo. Subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, “mediante violência ou grave ameaça a
pessoa” (violência própria), “ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência” (violência imprópria) (roubo próprio) “ou quando a violência ou ameaça é exercida após a
subtração, para assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiros” (roubo
impróprio) – OBS: a subtração, mediante violência ou grave ameaça, para assegurar a utilização transitória do
bem (“roubo de uso”), para a grande maioria da doutrina e para o STF, tipifica o crime de roubo.
Consumação e Tentativa. Consumação: a) roubo próprio: STF e STJ adotam a Teoria da Amotio ou
Apprehensio, segundo a qual o crime se consuma no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva,
ainda que não seja mansa e pacífica e/ou haja perseguição, sendo prescindível que o objeto do crime saia da
esfera de vigilância da vítima (Súmula 582 STJ).
Contrectatio Amotio (apprehensio) Ablatio Ilatio
Para que o O crime se consuma quando a Consuma-se quando Para que o crime se
crime se coisa subtraída passa para o poder o agente consegue consuma, é necessário que
consuma basta do agente, mesmo que não haja levar a coisa, tirando- a coisa seja levada para o
o agente tocar posse mansa e pacífica e mesmo a da esfera local desejado pelo agente
na coisa. que a posse dure curto espaço de patrimonial do e mantida a salvo.
tempo. proprietário.
Não é necessário que o bem saia
da esfera patrimonial da vítima.
b) roubo impróprio: a consumação se dá com o emprego da violência ou grave ameaça à pessoa, logo depois
de subtraída a coisa.
Causas de aumento de pena e tipos derivados.
O §2º traz as hipóteses do roubo circunstanciado, em que a pena é aumentada de ⅓ à metade (Conforme
súmula 443/STJ, o aumento deve ser fundamentado, não podendo considerar apenas o número de
majorantes). São elas:
II - Concurso de pessoas3; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal
circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. VI – se a subtração
for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação,
montagem ou emprego. O inciso VI foi adicionado pela lei 13.654/2018.
A Lei 13.654/2018 (definida por Vladimir Aras como “mais um espasmo penal”) alterou o Código Penal com a
finalidade de tornar mais grave a resposta penal para os crimes de furto (art. 155) e roubo (art.157) de
explosivos ou cometidos com uso de artefatos ou substâncias desta natureza. (para mais detalhes, ver
resumo no Dizer o Direito e artigo no Blog do Vlad), tendo acrescentou um novo parágrafo ao art. 157 prevendo
duas novas hipóteses de roubo circunstanciado, com aumento de pena em ⅔:
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo

3
No concurso de duas ou mais pessoas, se um dos agentes for menor de 18 anos, o agente maior responderá pelo roubo majorado em
concurso com o crime de corrupção de menores. STF e STJ admitem, ou seja, não configura bis in idem o concurso material entre o
crime de roubo em concurso de pessoas e o crime de associação ou organização criminosa, pois os bens jurídicos tutelados são distintos.

116
que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
O roubo com emprego de arma de fogo deixou de ser previsto no inciso I do § 2º, mas continua a ser punido,
agora no inciso I do § 2º-A. Desse modo, quanto à arma de fogo não houve abolitio criminis, mas sim
continuidade normativo-típica. Já o roubo com arma branca, que anteriormente se amoldava ao art. 157, §2o,
I, deixou de ser previsto como roubo circunstanciado, passando a se enquadrar na figura do caput do art.
157.
Alguns MPs estaduais sustentam a inconstitucionalidade formal da alteração legislativa. No entanto, o STJ não
acolhe essa orientação e vem readequando a pena nas hipóteses de roubo com arma branca. No mesmo
sentido, a orientação 35 da 2a CCR, ORIENTA que enquanto houver dúvida sobre a constitucionalidade ou não
da alteração legislativa, que sejam consideradas, na fixação da pena-base (art. 59 do CP), as circunstâncias do
uso de arma branca.

ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA


Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018 (atualmente)
Tanto a arma de fogo como a arma branca eram causas de Apenas o emprego de arma de fogo é causa de
aumento de pena. aumento de pena.
O emprego de arma branca não é causa de
aumento de pena.
O emprego de arma (seja de fogo, seja branca) era punido O emprego de arma de fogo é punido com um
com um aumento de 1/3 a 1/2 da pena. aumento de 2/3 da pena.

Abolitio criminis promovida pela Lei 13.654/2018 no roubo


O emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo com a modificação operada pela Lei
nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal.
Diante disso, constata-se que houve abolitio criminis, devendo a Lei nº 13.654/2018 ser aplicada
retroativamente para excluir a referida causa de aumento da pena imposta aos réus condenados por roubo
majorado pelo emprego de arma branca.
Trata-se da aplicação da novatio legis in mellius, prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal.
STJ. 5ª Turma. REsp 1519860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018 (Info 626).
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.249.427/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018.

Sobre o emprego de arma de fogo, segundo a jurisprudência, não há necessidade de apreensão e perícia na
arma, se for possível confirmar o emprego desta. Outrossim, não incide o aumento se a arma for de brinquedo,
pois a Súmula 174, STJ, foi cancelada.
Roubo qualificado pelo resultado: o §3º traz a figura do crime qualificado pelo resultado, que, se for a morte,
caracteriza o latrocínio (crime hediondo). A Lei 13.654/2018 aumentou a pena para o crime de roubo
qualificado pela lesão corporal grave, que passou de 5 a15 para 7 a 18 anos. Entende-se que a violência deve
ser dolosa e durante o roubo, ao passo que o resultado morte pode ser doloso ou culposo. Lembrar da Súmula
610/STF (“Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração
de bens da vítima”).
OBS: Latrocínio e pluralidade de mortes: há duas situações possíveis: 1) Se o agente deseja subtrair patrimônio
único e causa pluralidade de mortes: haverá um só crime de latrocínio. O fato de ter havido mais de uma morte
servirá para agravar a pena na 1ª fase da dosimetria, com base nas consequências do crime, circunstância
judicial prevista no artigo 59, CP. 2) Se o agente deseja subtrair pluralidade de patrimônios e causa pluralidade
de mortes: haverá pluralidade de latrocínio cometidos em concurso formal.
Enunciado nº 71 – 2ª CCR
É cabível o arquivamento de investigação que apura crime de furto ou roubo (CP, art. 155 ou 157) quando,
após investigação mínima, não restarem evidenciados elementos suficientes da autoria delitiva, situação
demonstrada com a reunião das seguintes condições: inexistência de suspeitos, de testemunha, de elementos
técnicos formadores de convicção (fragmentos papiloscópicos, imagens, vestígios biológicos, etc) e de outras
diligências capazes de modificar o panorama probatório atual.
Aprovado na 145ª Sessão de Coordenação, de 26/02/2018.

117
Inexistência de continuidade delitiva entre roubo e extorsão
Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso
porque, os referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas.
STJ. 5ª Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018.
STF. 1ª Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
24/4/2018 (Info 899).
LATROCÍNIO
Agente que participou do roubo pode responder por latrocínio ainda que o disparo que matou a vítima tenha
sido efetuado pelo corréu
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/2/2017 (Info 855).

2) Art. 158: Extorsão.


Tipo Objetivo. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer, deixar de fazer ou tolerar
que se faça algo, com o intuito de obter indevida vantagem econômica. A extorsão qualificada pela morte é
crime hediondo, mas o sequestro relâmpago qualificado pela morte (158,§3º) não é hediondo pois não consta
do rol.
 STJ, REsp 1.207.155-RS, 2013: O STJ decidiu que a extorsão pode ser feita mediante ameaça
de causar um prejuízo econômico. Assim, não se exige que a ameaça se dirija apenas contra
a integridade física ou moral da vítima. No caso concreto julgado, o agente estava com o
carro da vítima e exigiu que ela fizesse o pagamento a ele de determinada quantia em
dinheiro. Caso o pedido não fosse atendido, ele prometeu destruir o veículo. Dessa forma,
o STJ decidiu que pode configurar o crime de extorsão a exigência de pagamento em troca
da devolução do veículo furtado, sob a ameaça de destruição do bem.
 A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita pelo agente de causar um "mal
espiritual" na vítima REsp 1.299.021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
14/2/2017 (Info 598).
Incide a majorante do § 1º do art. 158 do CP (aumento de 1/3 à metade no caso de concurso de pessoas ou
emprego de arma) no caso da extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima (§ 3º).
Essa causa de aumento prevista no § 1º do art. 158 do CP pode ser aplicada tanto para a extorsão simples
(caput do art. 158) como também para o caso de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima (§
3º).STJ. 5ª Turma. REsp 1.353.693-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/9/2016 (Info 590).
Consumação e Tentativa. Trata-se de crime formal, consumando-se com o emprego da violência ou grave
ameaça, independentemente de obtenção da indevida vantagem (Súmula 96/STJ), e instantâneo. A obtenção
da vantagem é mero exaurimento, que só interessa para a fixação da pena. Cabe a tentativa.
Obs: Golpe do falso sequestro via celular configura crime de extorsão e o o juízo competente é o do local onde
estava a pessoa que recebeu os telefonemas.
OBS: Extorsão ≠ Roubo ≠ Concussão: Diferencia-se do roubo pelo fato de, neste último, a conduta da vítima é
irrelevante para a subtração da coisa, enquanto que, na extorsão, a participação da vítima é essencial para a
obtenção da vantagem (PRADO, 2010, p. 332). A extorsão não admite violência imprópria, ao contrário do
roubo. Não se admite continuidade delitiva entre roubo e extorsão já que não são delitos da mesma espécie,
pois previstos em tipos penais diversos, bem como seus modos de execução são distintos (STF, HC 67181 e STJ,
REsp 437157). Distingue-se da concussão, pois nesta o agente é funcionário público que, sem usar violência à
pessoa ou grave ameaça, exige vantagem indevida em razão de sua função.
Causa de aumento de pena e tipos derivados.: No §1º, há causa de aumento de pena pelo concurso de pessoas
ou emprego de arma. Extorsão qualificada: No §2º, prevê-se a hipótese de crime qualificado pelo resultado
lesão corporal grave ou morte (que somente se caracteriza se a extorsão é pratica mediante violência, não,
pois, mediante grave ameaça). OBS: se houver morte é crime hediondo.
Sequestro relâmpago: no §3º, prevê-se o denominado “sequestro-relâmpago”, muito comumente praticado
quando a vítima, que tem sua liberdade restringida, é levada para um caixa-eletrônico e forçada a fornecer a
senha do cartão para que o agente efetue saques em sua conta corrente. Distingue-se do roubo majorado do
art. 157, § 2º, V, pois aqui não há subtração, exigindo-se efetiva colaboração da vítima para a obtenção da
vantagem.

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3) Art. 159: Extorsão mediante Sequestro
Tipo Objetivo. Sequestrar pessoa com o fim de para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate. É considerado hediondo em todas as suas modalidades.
Consumação e Tentativa. É crime formal, consumando-se com a privação da liberdade da vítima,
independentemente da obtenção da vantagem. É crime permanente, admitindo flagrante a qualquer tempo
da privação,começando a correr a prescrição somente depois da liberdade da vítima.
Tipos derivados e causa de redução da pena. Qualificação pelo resultado: No §1º, há a modalidade qualificada,
quando o sequestro durar mais de 24 horas (trata-se de hipótese de “crime a prazo”, uma vez que sua
existência se condiciona ao transcurso de determinado prazo legalmente previsto); se a vítima é menor de 18
anos ou maior de 60 (a idade da vítima se afere por prova documental, bem como deve ser alcançada pelo
dolo do agente, sob pena de erro de tipo quanto à qualificadora); ou se o crime é praticado por quadrilha ou
bando (controvérsia doutrinária se a qualificadora subsiste pós L. 12.850/2013).
Qualificação pelo resultado: Nos §§2º e 3º, há previsão do crime qualificado pelo resultado lesão corporal
grave ou morte da vítima (Há uma diferença em relação ao latrocínio e a extorsão simples qualificada pelo
resultado, pois aqui o resultado qualificador emana do “fato”, e não necessariamente “da violência” tal como
exigido naquelas outras figuras).
Delação premiada: Por fim, no §4º, há hipótese de causa especial de redução de pena, a delação premiada,
espécie de sanção premial. Requisitos: concurso de pessoas, que um dos agentes denuncie e que
efetivamente facilite a liberação do sequestrado. OBS: Delação premiada e pagamento do sequestro: o
pagamento ou não do resgate não se insere dentre os requisitos da delação premiada. Portanto,
independentemente da diminuição patrimonial, presentes os requisitos acima apontados, é imperiosa a
redução de pena prevista no dispositivo em comento.

4) Art. 160: Extorsão Indireta.


Tipo objetivo: exigir ou receber, como garantia de dívida, documento que pode ensejar procedimento
criminal contra a vítima ou terceiro. Trata-se de crime comum, doloso (acrescido do elemento subjetivo
específico consistente no “dolo de aproveitamento”), formal na hipótese de exigir e material na hipótese de
receber, e instantâneo. “Para a configuração do delito de extorsão indireta é necessário que o documento
exigido ou recebido pelo credor se preste à instauração de procedimento criminal viável contra o devedor, o
que não ocorre com o cheque pré-datado dado em garantia de dívida, porquanto a sua emissão, em tais
condições, não constitui crime” (STJ, RT 657/351 e RSTJ 7/426). Pode haver concurso material com o crime de
denunciação caluniosa previsto no art. 339 do CP.

5) ESBULHO POSSESSÓRIO (art. 161, §1º, II).


Art. 161, § 1º - Na mesma pena incorre quem:
II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno
ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
Observação inicial: o conceito penal de esbulho possessório é diverso e mais restrito do que o civil. Para que
haja esbulho possessório no campo penal é necessário que a invasão tenha por fim o esbulho, e seja praticada,
em terreno ou imóvel alheio, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou, ainda, em concurso de pessoas.
A turbação da posse, sem o propósito de desalojamento, é conduta atípica. Crime formal, não precisa
concretizar o esbulho, que seria mero exaurimento.
Bem jurídico tutelado: A propriedade e posse legítima do imóvel. Masson acrescenta que são tuteladas
igualmente a integridade física e liberdade individual do sujeito passivo. Obs.: Se o bem é objeto de
financiamento do Sistema Financeiro de Habitação há o esbulho possessório previsto na lei especial (art. 9º da
Lei 5741/71), sendo que, segundo o STJ, não haverá atração da competência federal uma vez que não se
verifica a afetação de bens, serviços ou interesses da União ou da Caixa Econômica (CC 28.707/SP de 2005).
Se o esbulho for cometido contra terras da União, dos Estados e dos Municípios, ou de órgãos ou entidades
federais, estaduais ou municipais, destinadas à Reforma Agrária, aplica-se a lei 4.947/66.
Ação penal: Se a propriedade é particular e não há emprego de violência contra pessoa (é indiferente a
ameaça), a ação penal é de iniciativa privada (queixa-crime). A ação, porém, será pública incondicionada,

119
ocorrendo qualquer das hipóteses contrárias.

6) Art. 163: Dano


Tipo Objetivo. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia (art. 163, CP). O dano pode ser total ou parcial. O
objeto material do crime é a coisa alheia (bens móveis ou imóveis, públicos ou privados).
Consumação e Tentativa. O crime se consuma com a efetiva destruição, inutilização ou deterioração da coisa
alheia (trata-se de crime material). Admite-se a tentativa. Como é delito que deixa vestígios de ordem material
(crime não transeunte), a materialidade do fato depende de prova pericial, mas, desaparecidos os vestígios,
admite-se suprimento por outros meios de prova, notadamente a testemunhal (STJ, HC 148599 de 15/12/12).
Distinções quanto ao objeto material: 1) se for animal silvestre, doméstico ou domesticado, nativo ou exótico,
incide o crime específico do art. 32 da Lei 9605/98; 2) se for documento (público ou particular), afastada a
hipótese em que a conduta for cometida unicamente com o propósito de prejudicar o patrimônio da vítima,
poderão ocorrer os crimes previstos no arts. 305, 356, 336, 337, todos do CP, ou ainda aquele previsto no art.
3º, inc. I, parte final, da Lei 8137/90; 3) ato de "pichação" atualmente se encontra tipificado no art. 65 da Lei
9.605/98 (crimes contra o meio ambiente); 4) Destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente
protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca,
instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, configura crime do art.
62 da Lei 9.605/98; 5) Deteriorar objetos destinados ao culto religioso gera o crime do art. 208 do CP; 6)
Danificar sepultura configura o crime do art. 210 do CP; 7) Dano sobre documento (público ou particular), em
benefício próprio ou alheio ou em prejuízo de terceiro, se ajusta ao disposto no art. 305 do CP; 8) O dano
praticado por militar se subsume ao art. 259 do Dec.-lei 1.001/69 (Código Penal Militar).
Formas Qualificadas. Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação
pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;
(Redação dada pela Lei nº 13.531, de 2017)
IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: Pena - detenção, de seis meses a três
anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
STJ, 2013: A qualificadora não inclui o DF, autarquias, empresas públicas, permissionárias, etc., pois não elas
não foram incluídas no tipo penal incriminador, logo não é possível analogia in malam partem. Com a Lei
13.531/2017, passa a ser possível a incidência da qualificadora no caso de dano contra o patrimônio do DF,
autarquias e empresas públicas, observada a irretroatividade da lex gravior.
Ação Penal: Os crimes do art. 163, caput (dano simples) e inciso IV do parágrafo único (dano qualificado por
motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima) e do art. 164 (introdução ou abandono de animais
em propriedade alheia) são de ação penal privada (art. 167).

Destruição de acessões feitas em terras indígenas pode configurar dano qualificado (bens da União). STF. 2a
Turma. Inq 3670/RR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/9/2014 (Info 760).

9B. Crimes contra o patrimônio: apropriação indébita e receptação.

Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 08/09/18

Apropriação indébita (art. 168, CP)

Conceito: a nota característica do crime é a existência de uma situação de quebra de confiança, pois a vítima
voluntariamente entrega uma coisa móvel ao agente, e este, após encontrar-se na sua posse ou detenção,
inverte seu ânimo no tocante ao bem, passando a comportar-se como seu proprietário. Objetividade jurídica:
é o patrimônio, relativamente à propriedade e à posse legítima de bens móveis. Objeto material: é a coisa
alheia móvel. Para o STJ, é possível a apropriação indébita de coisas fungíveis (ex.: dinheiro). Requisitos: 1º)
entrega voluntária do bem pela vítima; 2º) posse ou detenção desvigiada; 3º) boa-fé do agente ao tempo do

120
recebimento do bem; 4º) modificação posterior no comportamento do agente. Sujeito ativo: qualquer pessoa,
com exceção do proprietário, pois a lei fala em coisa “alheia” móvel. OBS: Se o agente é funcionário público e
se apropria de coisa alheia móvel de que tem a posse em razão do cargo, o crime é de peculato-apropriação
(art. 312, caput, 1ª parte, CP). Sujeito passivo: é a pessoa física ou jurídica que suporta o prejuízo. Elemento
subjetivo: é o dolo (não se admite a modalidade culposa). Apropriação indébita x Estelionato: na apropriação
indébita o dolo é subsequente ou sucessivo; no estelionato o dolo é antecedente. Consumação: trata-se de
crime material, que se consuma no momento em que o agente inverte seu ânimo em relação à coisa alheia
móvel (passa a se comportar como proprietário). Tentativa: é possível na apropriação indébita propriamente
dita, mas não naquela por negativa de restituição. Ação penal: pública incondicionada. Competência: em regra,
da Justiça Estadual, sendo da Justiça Federal se a conduta for praticada em detrimento de bens, serviços ou
interesses da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Causas de aumento de pena: art. 168,
§ 1º, CP. Aumento da reprimenda no patamar de um terço.

Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP) – CRIME IMPORTANTE PARA O MPF

Introdução: Cléber Masson e José Paulo Baltazar Júnior criticam o uso da expressão “apropriação indébita
previdenciária”, uma vez que o crime em questão é substancialmente diverso da apropriação indébita do art.
168 do CP, anteriormente estudada. Trata-se, na verdade, de delito contra a Previdência Social, e não contra
o patrimônio. Objetividade jurídica: a lei penal tutela a previdência social (art. 201, CR/88). Objeto material: é
a contribuição previdenciária arrecadada e não recolhida. Núcleo do tipo: “deixar de repassar” (crime omissivo
próprio ou puro). Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum), não mais se exigindo que o autor do crime
seja o “administrador da empresa”. Sujeito passivo: é a União Federal, que por meio da Receita Federal
arrecada e fiscaliza as contribuições previdenciárias. Elemento subjetivo: é o dolo genérico (não se admite a
forma culposa). Consumação: prevalece na doutrina o entendimento de que o delito é formal, consumando-
se com a ausência do repasse das contribuições, independentemente de resultado naturalístico (lesão à
União). No entanto, o Plenário do STF já decidiu tratar-se de crime material, que exige lesão aos cofres
públicos. Tentativa: não é possível, por se tratar de crime omissivo próprio (unissubsistente). Ação penal:
pública incondicionada. Competência: Justiça Federal (art. 109, IV, CR/88). Dificuldades financeiras: muitas
vezes a omissão no recolhimento é motivada por dificuldades financeiras do sujeito ativo. Caso comprovada
essa situação no caso concreto, a jurisprudência admite a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de
conduta diversa. Figuras equiparadas: § 1º. Extinção da punibilidade: o pagamento somente acarreta a
extinção da punibilidade quando abranger a totalidade do débito, incluindo juros e correção monetária. O
pagamento integral do tributo (inclusive contribuições previdenciárias) extingue a punibilidade a qualquer
tempo (art. 9º, § 2º, Lei 10.684/03). Perdão judicial e aplicação isolada da multa: § 3º. A hipótese do inciso I
não mais se aplica, em decorrência da regra mais benéfica contida no supracitado art. 9º, § 2º, da Lei
10.684/03. O inciso II também é de raríssima utilidade prática, pois os requisitos ali contidos abrem ensejo
para a aplicação do princípio da insignificância, causa supralegal de exclusão da tipicidade indiscutivelmente
mais benéfica ao réu. Novidade trazida pela Lei 13.606/2018: § 4º. Impossibilidade de perdão judicial e de
aplicação isolada da multa quando o valor das contribuições previdenciárias excede ao estabelecido,
administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. Prévio esgotamento
da via administrativa: a conclusão do processo administrativo é condição de procedibilidade para o exercício
da ação penal. Sem isso, não há justa causa para a ação penal (Súmula Vinculante 24 – aplicável a todos os
crimes materiais de natureza tributária). Princípio da insignificância: é possível a sua aplicação, quando o
débito tributário federal não ultrapassar R$ 20.000,00 (o STJ, em 2018, no REsp 1.709.029/MG, curvou-se ao
entendimento já adotado pelo STF). “Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de
descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a
teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130,
ambas do Ministério da Fazenda. STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado
em 28/02/2018 (recurso repetitivo)”. Conferir Enunciado 49 da CCR Criminal do MPF.

Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza (art. 169, CP)

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Objetividade jurídica: é o patrimônio, relativamente à propriedade e à posse de coisas móveis. Objeto material:
é a coisa móvel vinda ao poder do agente por erro, caso fortuito ou força da natureza. Sujeito ativo: qualquer
pessoa. Sujeito passivo: é o titular da coisa desviada ou perdida. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação:
crime material, que se consuma no momento em que o agente se apropria da coisa alheia móvel. Tentativa: é
possível. Ação penal: pública incondicionada. Figuras equiparadas: art. 169, p. único.

OBS: Aos crimes de apropriação indébita, estudados acima, aplica-se o disposto no artigo 155, § 2º, do CP
(benefício ao réu primário, que se apropriou de valor pequeno).

Receptação (art. 180, CP) – pontos comuns a todas as espécies de receptação

Objetividade jurídica: o bem jurídico penalmente protegido é o patrimônio. Ação penal: pública incondicionada
(tanto na receptação dolosa quanto na culposa).

Receptação própria (art. 180, caput, primeira parte, CP)

Introdução: a receptação é um crime acessório, de fusão ou parasitário, pois não tem existência autônoma,
reclamando a prática de um crime (interpretação restrita) anterior. Autonomia da receptação: o art. 180, § 4º,
do CP, contém uma norma explicativa aplicável a todas as modalidades de receptação. A autonomia da
receptação é relativa, pois, não obstante seja irrelevante comprovar a identidade ou a responsabilidade penal
do autor do fato criminoso anterior, é indispensável a prova da existência material do delito. Ademais, a
extinção da punibilidade do crime anterior, qualquer que seja a sua causa, não impede a caracterização do
delito de receptação e a punição do responsável. Receptação de receptação: é possível. Objeto material: é a
coisa produto de crime. OBS: A palavra “alheia” é uma elementar implícita do crime de receptação. Núcleos
do tipo: adquirir, receber, transportar, conduzir e ocultar (tipo misto alternativo). Sujeito ativo: qualquer
pessoa, com exceção do autor do crime antecedente. Sujeito passivo: a mesma vítima do crime antecedente.
Elemento subjetivo: é o dolo direto (não há espaço para o dolo eventual). Consumação: é crime material, que
se consuma no instante em que o sujeito adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta coisa produto de crime.
Tentativa: é possível.

Receptação imprópria (art. 180, caput, parte final, CP)

Núcleo do tipo: influir (influenciar, convencer alguém). Consumação: crime formal, que se consuma com a
prática de atos idôneos de mediação. Tentativa: não é possível (crime unissubsistente). OBS: Analisamos só os
pontos que a diferenciam da receptação própria.

Receptação qualificada pelo exercício de atividade comercial ou industrial (art. 180, § 1º, CP)

Introdução: a pena é mais elevada porque o agente se vale do seu trabalho para cometer a receptação. Núcleos
do tipo: tipo misto alternativo. Sujeito ativo: crime próprio, que só pode ser praticado pelo comerciante ou
industriário. Elemento subjetivo: há divergência. Para Cléber Masson e para o STF, a expressão “deve saber”
abrange o dolo eventual e o dolo direto.

Receptação privilegiada (art. 180, § 5º, parte final, CP)

Aplica-se à receptação dolosa o disposto no art. 155, § 2º, do CP. Admite-se, portanto, a receptação
privilegiada (receptação mínima). Requisitos: a) primariedade do agente; b) pequeno valor da coisa receptada.
Para a corrente majoritária na doutrina, o privilégio incide tanto na figura simples (caput) como na modalidade
qualificada (§1º) do crime.

Causa de aumento de pena (art. 180, § 6º, CP)

122
Aplica-se em dobro a pena prevista no caput (receptação simples) quando o bem integra o patrimônio da
União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de
economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos (nova redação dada pela Lei 13.531, de
07/12/2017).

Receptação culposa (art. 180, § 3º, CP)

Introdução: a receptação é o único crime contra o patrimônio, previsto no CP, punido a título de dolo e também
de culpa. Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima em abstrato não ultrapassa
o limite de dois anos). A receptação culposa está contida em um tipo penal fechado, que aponta
expressamente as formas pelas quais a culpa pode se manifestar (indícios da origem criminosa do bem).
Núcleos do tipo: “adquirir” e “receber”. São três os indícios que fazem presumir a origem criminosa da coisa:
a) a natureza da coisa; b) a desproporção entre o valor e o preço; c) a condição de quem a oferece. Perdão
judicial: encontra-se previsto no art. 180, § 5º, primeira parte, do CP, e incide unicamente na receptação
culposa. A primariedade do agente e as circunstâncias favoráveis do crime são os requisitos cumulativos
necessários para a benesse. É direito subjetivo do réu.

12B. Crimes contra o patrimônio: esbulho possessório, apropriação indébita e receptação

Eric Márcio Fantin


Obras consultadas: Código Penal para Consursos; Cunha, Rogério Sanches; 9ª Edição; Editora Juspodivm; 2016.

Alteração de limites
Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para
apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem:
Esbulho possessório
II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno
ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.
§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

“Esbulho possessório: tratando-se de crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O proprietário
do terreno ocupado por terceiros não comere o delito. Assim, sempre que o proprietário reivindicar por suas
próprias mãos a posse do que lhe pertence, fora dos casos em que a lei civil autoriza essa recuperação, pode
ele incidir nas penas do crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Nesse sentido: RT
481/329.
Sujeito passivo é aquele que detém a posse legitima do imóvel invadido (abrangendo o possuidor indireto, RT
515/381). A lei exige para o esbulho, na hipótese do art. 161, § 1°, II, atos de invasão, de entrada hostil no
imóvel, por quatro pessoas, já que o dispositivo reclama que o agente tenha o concurso de mais de duas
pessoas (ele, agente, e mais três).
ATENÇÃO: neste crime o concurso de agentes não é circunstância agravante ou qualificadora do crime, servindo
apenas como elementar indicativa do modus operandi escolhido pelo agente para vencer a resistência do
possuidor. Consuma-se com a invasão (violenta ou mediante o concurso de mais de duas pessoas). Havendo,
na prática do esbulho, alteração de limites, esta ficará absorvida. Tratando-se de delito plurissubsistente,
admite-se a tentativa.
ATENÇÃO: se o esbulho for cometido contra imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, aplica-se
a Lei 5.741/71. Se o esbulho for cometido contra terras da União, dos Estados e dos Munidpios, ou de órgãos
ou entidades federais, estaduais ou municipais, destinadas à Reforma Agrária, aplica-se a lei 4.947/66.
Concurso material (§ 2°): haverá concurso material se da violência empregada se configurar qualquer dos
delitos contra a pessoa.” (pág. 521 da obra consultada) (grifei)

123
Quanto aos crimes de receptação e apropriação indébita, remete-se o leitor ao item 9.b, eis que idêntico.

7C. Crimes contra o patrimônio: estelionato e outras fraudes de competência da Justiça Federal.

André Bica

Art. 171: Estelionato


Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém
em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Bem jurídico tutelado: é o patrimônio (secundariamente, é protegida a boa-fé: a confiança mútua nos
relacionamentos patrimoniais individuais). Sujeito ativo: qualquer pessoa. Crime comum. Sujeito passivo:
Qualquer pessoa que sofra lesão patrimonial ou que foi enganada pela ação fraudulenta empreendida pelo
agente. A vítima deve ser capaz, pois se exige a capacidade de ser iludida. Vítima incapaz: o crime é o do art.
173 do CP (abuso de incapazes). A vítima deve ser certa e determinada. No caso de vítima incerta: crime contra
a economia popular - Lei nº 1.521/51 (ex: Adulteração de balança e de taxímetro). “O sujeito passivo do delito
de estelionato pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica. Mas a pessoa que é iludida ou mantida em erro
ou enganada pode ser diversa da que sofre a lesão patrimonial” (STF – Ext. 1029). Elementos estruturais:
fraude + vantagem ilícita + prejuízo alheio. A) Fraude: Artifício: uso de objetos ou aparatos aptos a enganar;
Ardil: é a conversa enganosa (lábia); Qualquer outro meio: é o caso do silêncio, muito utilizado para manter a
vítima em erro, caracterizando-se, portanto, como um instrumento a possibilitar a utilização da interpretação
analógica. A fraude, contudo, tem que ser apta a enganar. Em se tratando de fraude grosseira, haverá crime
impossível. Fraude (torpeza) bilateral: prevalece que constitui estelionato, pois a lei não exige boa-fé da
vítima. Fraude civil: mero inadimplemento contratual, quando não há o propósito ab initio da frustração do
equivalente econômico. Estelionato Judiciário: ação judicial como meio para a prática do crime. Há 3 posições
acerca do tema: i) considera que tal fato se consubstancia (independentemente se realizada unilateral ou
bilateralmente) como um meio fraudulento e, portanto, como um fato apto a caracterizar-se como crime de
estelionato; ii) fato atípico; iii) caracteriza a mencionada conduta como crime contra fé pública (art. 304 do
CP). STJ: prevalece se tratar de uma conduta atípica (HC 136083). Súmula 17/STJ: “quando o falso se exaure
no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Princípio da insignificância: tem
aplicação no referido tipo penal quando se cuidar de conduta contra particular; sucede, porém, que quando
se tratar de conduta a causar danos ao patrimônio público, predomina o entendimento pela inaplicabilidade
do instituto (STJ, RHC 21670/PR). B) Obter indevida vantagem: Prevalece que a vantagem deve ser
necessariamente econômica (bem jurídico tutelado é o patrimônio). Se a vantagem for devida, ou seja, lícita,
o agente comete o crime de exercido arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). A fraude em certames
de interesse público (concurso público avaliação ou exame públicos, processo seletivo para ingresso no ensino
superior ou exame ou processo seletivo previstos em lei) pode configurar o crime previsto no art. 311-A, criado
pela Lei 12.550/11. C) Prejuízo alheio: deve ser econômico. STF (Inq. 1145): cola eletrônica não configura
estelionato (seja porque não há vítima determinada; seja porque não há prejuízo material). Pode vir a
configurar o crime de Fraude em certames de interesse público, previsto no Art. 311-A.
Elemento subjetivo: O crime é punido a título de dolo, com especial fim de agir, qual seja, obter vantagem
indevida.
Consumação e tentativa: crime material e de duplo resultado: consuma-se com a obtenção da indevida
vantagem somada ao prejuízo. Faltando a obtenção da vantagem ou o prejuízo, há tentativa.
ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL– COMPETÊNCIA TERRITORIAL: a 3ª seção do STJ alterou seu entendimento,
passando a entender que, nos casos em que a vantagem ilícita ocorre em local distinto do prejuízo à vítima, o
crime de estelionato se consuma no local EM QUE OCORRE EFETIVO PREJUÍZO À VÍTIMA.
A Terceira Seção fixou seu posicionamento, firmando compreensão no sentido de que "O delito de
estelionato consuma-se no local em que ocorre o efetivo prejuízo à vítima, ou seja, na localidade da agência
onde a vítima possuía a conta bancária" Conflito de Competência 142934/PR; CC 143.621/PR
Idoneidade do meio iludente: Seja qual for o meio empregado, só haverá o crime de estelionato quando aquele
for apto a iludir o ofendido, de acordo com suas características pessoais e segundo o caso concreto. Súmula

124
73 do STJ: “A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato,
de competência da Justiça Estadual”. A fraude extremamente grosseira, inapta a iludir qualquer um, configura
fato atípico, sendo hipótese de crime impossível.
Estelionato previdenciário: Há enorme discussão doutrinária sobre a consumação do estelionato em que o
recebimento da vantagem se dá em prestações (benefício previdenciário de prestação continuada), tendo a
jurisoprudência do STF e STJ o seguinte entendimento:
No caso dos estelionatos previdenciários, em que há prestação continuada, pacificou-se na jurisprudência o
entendimento de que o crime é:
a) Permanente para o segurado, prolongando-se a consumação no tempo, iniciando-se o fluxo do
prazo prescricional apenas com a cessão da permanência.
b) Instantâneo de efeitos permanentes, consumando-se com o recebimento da primeira parcela,
para o servidor ou terceiro não beneficiário que tomar parte na fraude, sendo esse o marco inicial
do prazo prescricional.
c) Quando o benefício foi devidamente concedido, mas as prestações passaram a ser sacadas
indevidamente após o óbito do beneficiário, haverá crime continuado.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS. MORTE DO BENEFICIÁRIO.
SAQUES MENSAIS COM O CARTÃO MAGNÉTICO. CONTINUIDADE DELITIVA. SÚMULA 568/STJ. RECURSO
DESPROVIDO.
1. A orientação deste Superior Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão recorrido: a cada
oportunidade em que o agente faz uso de cartão magnético de terceiro para receber, de forma indevida,
benefício de segurado já falecido, pratica nova fraude e lesão ao patrimônio da autarquia, em situação na
qual deve ser reconhecida, se preenchidos os requisitos do art. 71 do CP, a continuidade delitiva, e não o crime
único (ut, AgRg no REsp 1466641/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 15/05/2017
(AgRg no REsp 1680331/RN, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
12/09/2017)
Enunciado nº 53
A prescrição do crime de estelionato previdenciário, em detrimento do INSS, cometido mediante saques
indevidos de benefícios previdenciários após o óbito do segurado, ocorre em doze anos a contar da data do
último saque, extingue a punibilidade e autoriza o arquivamento da investigação pelo MPF. Aprovado na 78ª
Sessão de Coordenação, de 31/03/2014.
Enunciado nº 68
É cabível o arquivamento de procedimento investigatório em relação a crime de estelionato em detrimento do
INSS cometido mediante saques indevidos de benefícios previdenciários após o óbito do segurado quando
constatadas(a) a realização de saques por meio de cartão magnético, (b) a inexistência de renovação da senha,
(c) a inexistência de procurador ou representante legal cadastrado na data do óbito e (d) a falta de registro
visual, cumulativamente, a demonstrar o esgotamento das diligências investigatórias razoavelmente exigíveis
ou a inexistência de linha investigatória potencialmente idônea. Aprovado na 118ª Sessão de Coordenação, de
19/09/2016.
Sobre o tema consta também:
Orientação nº 02 - Destinação de prestações penais pecuniárias, estabelecidas como pena restritiva de direito
pela prática dos crimes de estelionato previdenciário e de sonegação de contribuição previdenciária, a
agências do INSS, para melhoria do serviço de atendimento ao segurado.
Orientação nº 04 - Tratamento a notícia-crime de conduta prescrita ou sem comprovação de dolo no saque
de até três benefícios previdenciários, encaminhada pelo INSS em cumprimento ao item 9.1.2 do Acórdão
2.812/2009 - TCU - Plenário.
Orientação nº 27 - Como proceder nos casos de investigação dos crimes de estelionato na obtenção de seguro
desemprego
Orientação nº 28 - Orienta os membros do MPF a como se proceder nos casos de investigação dos crimes de
estelionato previdenciário:
(...) 8. Caso se trate de saque após o óbito do titular do benefício, verificar se o saque se deu em menos de
três competências, caso em que incide a Orientação nº 4 da 2ª CCR. No caso de saque pós-óbito que não se
enquadre na Orientação nº 4, os esforços devem se direcionar à apuração da autoria do delito, determinando

125
a oitiva de familiares ou procuradores do falecido para identificar quem efetuou os saques;
Obs: os enunciados e orientações acima foram objeto da questão 94 do 29º CPR.
Concurso aparente de normas
Estelionato e devolução da vantagem indevida antes do recebimento da denúncia
A causa especial de extinção de punibilidade prevista no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/2003, relativamente
ao pagamento integral do crédito tributário, não se aplica ao delito de estelionato (CP, art. 171). O fato de o
agente ter pago integralmente o prejuízo trará algum benefício penal?
SIM. O agente poderá ter direito de receber o benefício do arrependimento posterior, tendo sua pena reduzida
de 1/3 a 2/3 (art. 18 do CP).
STF. 2ª Turma. RHC 126917/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 25/8/2015 (Info 796). STJ. 6ª Turma. REsp
1.380.672-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 24/3/2015 (Info 559)
COMPETÊNCIA
Tentativa de resgate de precatório federal creditado em favor de particular
Compete à Justiça Estadual (e não à Justiça Federal) processar e julgar tentativa de estelionato (art. 171, caput,
c/c o art. 14, II, do CP) consistente em tentar receber, mediante fraude, em agência do Banco do Brasil, valores
relativos a precatório federal creditado em favor de particular. STJ. 3ª Seção. CC 133.187-DF, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, julgado em 14/10/2015 (Info 571).
Estelionato X furto mediante fraude: “No crime de estelionato no estelionato há entrega espontânea da coisa
pela vítima em razão da fraude, enquanto no furto qualificado pela fraude o artifício malicioso é empregado
para reduzir a vigilância ou a atenção da vítima, permitindo a subtração pelo agente.” (STJ).
Estelionato X Curandeirismo mediante remuneração (art. 284, § Único/CP): a falsa promessa de cura de
problemas (físicos, psicológicos, amorosos, etc.) pode, dependendo do caso, caracterizar curandeirismo ou
estelionato. O curandeiro acredita ser capaz, com sua atividade, de resolver os problemas da vítima, sendo os
‘trabalhos’ desenvolvidos para cura dos males de quem o procurava, através de ‘passes’, ‘despachos’, etc.,
exigindo-se, portanto, a habitualidade da conduta. Ainda que cobre pelos “serviços” prestados, o curandeiro
tem a crença de solucionar o mal que acomete o ofendido. De outro lado o estelionatário sabe ser o meio
fraudulento por ele utilizado inidôneo a resolver as necessidades da vítima, aproveitando-se da sua
vulnerabilidade para obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio. Como o estelionato é crime de forma livre, o
agente pode se valer inclusive de atividades inerentes ao curandeirismo para enganar a vítima, mediante falsa
promessa de livrá-la dos seus malefícios. OBS: Ela Wiecko considera o curandeirismo e o charlatanismo
figuras típicas inconstitucionais, pois violadoras de direitos culturais e da liberdade de consciência e crença.
Estelionato X furto de energia elétrica: o furto de energia elétrica ocorrerá se o agente captar a energia, antes
que ela passe pelo relógio medidor. No caso de consumidor de energia elétrica da empresa concessionária que
altere o relógio de medição, haverá estelionato.
Reparação do dano no estelionato: a) antes do recebimento da denúncia – causa geral de diminuição de pena
(art. 16 CP, arrependimento posterior); b) depois do recebimento da denúncia e antes da sentença –
circunstância atenuante genérica (art. 65, III, “d”).
Estelionato X falsificação de documentos: o crime de estelionato, pela sua natureza, pode vir acompanhado
pelo ato de falsificação de documentos. Discute-se se há (ou não) concurso de delitos, havendo três
posicionamentos: i) STJ: protegendo bens jurídicos diversos, o agente responde pelos dois crimes (estelionato
e falso), em concurso material (art. 69 do CP), considerando a pluralidade de condutas produzindo vários
resultados: Contudo, "quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este
absorvido" (súmula 17, STJ); ii) STF: há concurso formal, havendo uma única conduta dividida em dois atos.
Note-se, contudo, que o Pleno já se manifestou pela possibilidade de absorção do falso pelo estelionato
quando a potencialidade lesiva daquele se exaure no estelionato; iii) O crime de falso absorve o estelionato,
se o documento for público, já que a pena do falsum é mais severa (princípio da absorção).
Figura privilegiada (§1º ): Se o criminoso for primário e o prejuízo da vítima de pequeno valor, o juiz deve
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa.
Subtipos de estelionato (§2º):
A) Disposição de coisa alheia como própria (§2º, I).
Os verbos componentes do núcleo são: vender, permutar, dar em pagamento, locar ou dar em garantia, tendo

126
como objeto coisa alheia (móvel ou imóvel) como própria. O agente deve ter consciência de que atua no
sentido de dispor de coisa alheia. A consumação deve ser estudada em função do verbo componente do núcleo
do tipo. A tentativa é admissível. - Pratica este delito quem furta um bem e, em seguida, vende-o como
próprio? Prevalece que o estelionato é um post-factum impunível (princípio da consunção) do furto. Mas
atente: há minoria entendendo que o agente responde pelos dois crimes em concurso material (furto e
estelionato), em razão de haver duas vítimas: a do furto e a enganada.
Foi reconhecido o crime em questão no arrendamento irregular em favor de terceiros de terras indígenas,
que constituem patrimônio da União, inalienável e indisponível, sujeitas à exploração apenas pelos próprios
índios.
B) Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria (§2º, II).
Somente o dono da coisa pode figurar como sujeito ativo. Na condição de sujeito passivo encontramos, de
modo geral, a pessoa que sofre a lesão patrimonial. A doutrina, especificando, diz ser vítima aquele que recebe
a coisa inalienável, gravada ou litigiosa, ou, ainda, a pessoa que recebe a propriedade anteriormente
prometida a terceiro, ou a este próprio. Em qualquer das condutas, é indispensável que o agente iluda a vítima
sobre a condição da coisa (‘silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias’). Como no inciso I, a enumeração
deste também é taxativa; assim, por exemplo, a doação de coisa alheia não é crime. A inalienabilidade pode
ser legal, convencional ou testamentária. O ônus pode ser legal ou contratual. Para que a coisa seja litigiosa é
necessário que ele seja objeto de demanda judicial. O objeto material é a coisa (móvel ou imóvel) própria
alienável, gravada de ônus ou litigiosa. Consuma-se o crime no momento em que o agente obtém a vantagem
ilícita, momento este que coincide com a produção do prejuízo alheio. A tentativa é admissível.
C) Defraudação de penhor (§2º, III).
Figura como agente o devedor que tem a posse do objeto empenhado e como sujeito passivo o credo
pignoratício. A ação física importa o comportamento de defraudar (tomar com engano ou fraudulentamente,
usar com astúcia), indicando a lei as maneiras pelas quais o agente deve atingir o seu objeto: mediante
alienação (venda, troca, doação) não consentida pelo credor, ou “por outro modo” (desvio, consumo,
inutilização etc.) sempre sem a garantia do credor. O objeto material do delito deve estar na posse do devedor.
O elemento subjetivo é o dolo. O momento consumativo coincide com o ato defraudador, em qualquer das
modalidades previstas.
D) Fraude na entrega de coisa (§2º, IV). Sujeito ativo é aquele que tem a obrigação jurídica de efetuar a entrega
da coisa. Sujeito passivo é a pessoa que tem o direito de receber mencionada coisa. A ação física se perfaz com
o comportamento de defraudar (desfalcar, adulterar, trocar fraudulentamente) substância, qualidade ou
quantidade de coisa que deve entregar a alguém. Pressupõe, assim, uma relação jurídica entre os sujeitos do
delito, envolvendo a obrigação do agente de entregar alguma coisa à vítima. A relação, pois, deve ser de caráter
obrigacional. O elemento subjetivo do delito é o dolo, envolvendo a intenção do agente de iludir a vítima. O
momento consumativo coincide com a entrega efetiva da coisa defraudada, de modo que o recebimento da
coisa (móvel ou imóvel) pela vítima traduz o sucesso da fraude empregada pelo agente. A tentativa é
admissível, na hipótese do destinatário que, iludido, consegue descobrir a fraude e recusa o recebimento da
coisa.
E) Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (§2º, V). O patrimônio do segurador é o objeto
da proteção penal. Figura com sujeito ativo o segurado ou outra pessoa que venha a atuar a seu mando. Sujeito
passivo é o segurador, seja pessoa física ou pessoa jurídica. Tipo misto alternativo: a ação física do delito é
representada pelas ações daquele que destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria; ou lesa o próprio
corpo ou saúde; ou agrava as consequências da lesão ou doença, objetivando a indenização ou valor do seguro.
“É imprescindível que o dano seja idôneo para o recebimento de indenização ou valor de seguro, caso
contrário, haverá crime impossível (art. 17 do CP)”. O beneficiário pode ser o próprio agente ou terceira
pessoa. Este subtipo apresenta característica diversa da modalidade fundamental de estelionato: não exige
que haja efetiva lesão patrimonial a ser suportada pelo sujeito passivo. Assim, o emprego do meio fraudulento
já caracteriza o crime que, por isso, é formal ou de consumação antecipada. A lesão do próprio corpo não
tipifica o crime de lesão corporal (princípio da alteridade). Pode, no entanto, dependendo do fim colimado,
dar margem ao reconhecimento do subtipo de estelionato em estudo. O elemento subjetivo é o dolo, com o
fim especial de agir. O momento consumativo coincide com o momento da prática das ações, pois o crime é
formal e independe de efetivo resultado. A tentativa é admissível.

127
F) Fraude no pagamento por meio de cheque: O delito se configura quando ocorre pagamento por meio de
cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado. O agente emite o cheque sabendo-o
desprovido de fundos. A conta deve estar ativa; se o caso for de pagamento com cheque de conta encerrada,
teremos o crime de estelionato simples (caput). Assim, também este se configurará se houver a emissão de
cheque sem fundos com nome falso, ou em conta de que não é titular. Tais delitos admitem participação; esta
ocorre na hipótese de aval simultâneo à emissão. A existência de fundos disponíveis é verificada no momento
da apresentação do cheque para pagamento (art. 4º, §1º da Lei do cheque). Quem entrega cheque sem
fundos, emitido por outrem, ciente da insuficiência, mas ocultando do recebedor, deve responder pela figura
do caput do art. 171 do CP, pois não o emitiu (neste sentido: STF). A ação nuclear é emitir (pôr em circulação)
e/ou frustrar (enganar, iludir a expectativa de alguma coisa) o pagamento. Elemento subjetivo é o dolo,
comportamento livre e voluntário no sentido de emitir cheque para pronto pagamento, sabendo não existir
fundos para sua cobertura ou, tendo fundos, sabendo serem insuficientes. O momento consumativo coincide
com a recusa do pagamento do cheque pelo estabelecimento bancário. O crime de estelionato, na modalidade
em estudo, é crime material, que importa conduta e resultado, com o desenvolvimento de um processo
executivo. É admissível a tentativa, pois é possível o fracionamento do iter criminis. É imprescindível a má-fé,
nos termos da Súmula 246 do STF: “comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão
de cheque sem fundos”. Por isso, a emissão de cheque pós-datado (que perde sua natureza de ordem de
pagamento à vista, adquirindo a natureza de promessa de pagamento) sem fundos, em regra, não configura
crime, podendo, eventualmente, configurar estelionato na modalidade fundamental, se demonstrado o dolo
do agente em obter vantagem ilícita em prejuízo alheio no momento da emissão fraudulenta do cheque.
Súmula 554 do STF. O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da
denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal. Competência: foro do local da recusa (Súmulas 244 do
STJ e 521 do STF) pelo Banco sacado. Cheque falsificado: foro do local da obtenção da vantagem ilícita (Súmula
48 do STJ). OBS: Pratica crime quem dá sem cheque sem fundo para pagar dívidas de jogo? NÃO. Cheque sem
fundo para pagar dívidas de jogo ou aposta não é crime, pois essas dívidas são inexigíveis, nos termos do art.
814 do CC. Assinatura falsa: A conduta do agente que falsifica a assinatura do titular da conta-corrente não se
subsume ao inciso VI, mas à forma básica do caput, ocorrendo o mesmo no caso em que titular emite o cheque
estando a conta já encerrada. Nestas hipóteses, não se aplicam as súmulas 521 e 554 do STF. Reparação do
dano: Na modalidade de emissão de cheques sem fundos, a reparação do dano antes do recebimento da inicial
obsta a instauração da ação penal (Súmula 554 do STF, a contrario sensu), não se aplicando o instituto do
arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP. Também está sumulado o entendimento de competir ao
juízo da Comarca em que houve a recusa do cheque por insuficiência de fundos, processar e julgar o delito
(Súmulas 521 STF e 244 STJ). Apesar de as duas súmulas do Tribunal Supremo não fazer referência à
modalidade de frustrar o pagamento de cheque, não enxergamos razão para o tratamento desigual,
merecendo, portanto, ser também abrangida pelos entendimentos acima pacificados.
Causa de aumento de pena (§3º): aumento de 1/3 se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito
públicoou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. A razão do aumento é que
nesses casos há lesão do patrimônio de diversas vítimas, afetando o próprio interesse social ou o interesse
particular de numerosas vítimas. Com o aumento de 1/3 deixa de caber suspensão condicional do processo.
Incide nos crimes contra o INSS e a Caixa Econômica Federal (instituição de economia popular). Não incide nos
crimes contra o Banco do Brasil. Correios: divergência.
Súmula 554 STF: “O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia,
não obsta ao prosseguimento da ação penal”. A Súmula 554 do STF não se aplica ao estelionato no seu tipo
fundamental (art. 171, caput). Assim, não configura óbice ao prosseguimento da ação penal – mas sim causa
de diminuição de pena (art. 16 do CP) – o ressarcimento integral e voluntário, antes do recebimento da
denúncia, do dano decorrente de estelionato praticado mediante a emissão de cheque furtado sem provisão
de fundos. [STJ, HC 280.089-SP]
Causa de aumento de pena (§4º) - Estelionato contra idoso (adicionado pela lei 13.228/2015)
§ 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. A majorante do § 4º é aplicável não
apenas para a modalidade fundamental do estelionato (caput) como também para as figuras equiparadas
do § 2º do art. 171, e é indispensável que o agente conheça a condição de idoso da vítima.
Art. 172: Duplicata Simulada: Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria

128
vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. Objetividade jurídica: Protege-se tanto o
patrimônio particular quanto a boa-fé, que deve integrar as relações mercantis (espécie de delinquência
empresarial). Sujeito Ativo: Apenas aquele que emite o falso título. Os demais endossantes e o avalista,
sozinhos, não podem figurar no polo ativo, vez que endossar ou avalizar o título não se enquadra na ação
nuclear típica emitir (possível que sejam partícipes). Sujeito Passivo: Poderá ser o sacado (se aceita o título
emitido de boa-fé) ou o tomador. STJ: se a pessoa emite uma duplicata, mas não foi vendida mercadoria
nenhuma nem prestado nenhum serviço [duplicata fria], haverá o crime do art. 172 do CP, pois o agente emitiu
duplicata que não corresponde à efetiva transação comercial. Crime próprio: somente pode ser praticado pelo
comerciante que coloca em circulação a fatura, duplicata ou nota de serviço, sem a correspondência com a
mercadoria vendida ou com o serviço prestado. Crime formal, que se consuma com a simples emissão da
fatura, duplicata ou nota de prestação de serviços. Tipo Subjetivo: Consiste na vontade consciente de emitir o
título, dispensando a demonstração, da intenção do agente em descontá-lo. O tipo não prevê modalidade
culposa. Tentativa: a doutrina diverge. Para uns, a conduta criminosa pode ser fracionada, admitindo-se o
conatus. Para outros, o crime é unissubsistente, não se admitindo a tentativa. Forma equiparada (parágrafo
único): O empresário que emite duplicata deve manter, obrigatoriamente, no estabelecimento comercial, um
livro especial chamado "Registro de duplicatas". Pune-se quem falsificar (inserção de dados inexatos) ou
adulterar (modificação dos dados já existentes) este livro. Se após o registro, o agente emitir a fraudulenta
duplicata, a conduta do parágrafo único será absorvida pelo delito previsto no caput (antefactum impunível).
Trata-se portanto de um "tipo de passagem", que será consumido (absorvido) pelo delito fim. Todavia, se,
emitida a duplicata, a falsificação ou a adulteração for praticada por pessoa diversa do emitente, ocorrerão
crimes autônomos.
Art. 173: Abuso de Incapazes. O abuso consiste em o agente valer-se da necessidade, paixão ou inexperiência
da vítima (tem que ser menor, alienado ou débil mental) e convencê-la a praticar um ato que possa produzir
efeito em seu próprio prejuízo ou de terceiro. Se o terceiro também teve prejuízo ele também será sujeito
passivo. Menor emancipado não poderá figurar como sujeito passivo. Difere do estelionato porque não é
cometido mediante fraude e é crime formal, que se consuma com a prática de ato pela vítima, sem que seja
necessário o auferimento de vantagem pelo agente ou por terceiro (exaurimento). O ato suscetível de produzir
efeito jurídico significa a prática de qualquer conduta suficiente para gerar efeitos danosos ao patrimônio da
vitima.
Art. 174: Induzimento à especulação. Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da
simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação
com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa. A lei visa proteger o
patrimônio destas pessoas, que são mais facilmente ludibriadas. Para configurar o crime é necessário que o
agente, para obter lucro para si ou para outrem, valha-se dessas condições para convencê-la a praticar um ato
(jogo, aposta, especulação com títulos ou mercadorias) que saiba lhe ser ruinoso. Crime comum, formal de
forma vinculada e que exige dolo específico.
Art. 175: Fraude no comércio. Para a maioria da doutrina, o art. 175 do CP foi revogado tanto pela Lei 8.078/90
(CDC) quanto pela Lei 8.137/90 (Crimes contra as relações de consumo).
Art. 176: Outras fraudes. Constituem figuras privilegiadas de estelionato. Tomar refeição em restaurante,
alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento.
Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a
pena.
Art. 177: Fraudes e abusos na fundação ou administração de S/A’s
Subsidiariedade expressa: Os crimes descritos apresentam caráter subsidiário, característica esta que se
depreende do fato de a própria lei, ao dispor sobre a pena (reclusão, de um a quatro anos, e multa), declarar
que a punição terá lugar “se o fato não constitui crime contra a economia popular” (Lei nº 1.521/51). De modo
geral, pode-se dizer que o objeto jurídico desses delitos concerne ao interesse de ordem patrimonial dos
titulares das ações, visando a incriminação a evitar que esse tipo de sociedade venha a ser fraudulentamente
fundado e administrado. Em segundo plano, procurando resguardar o interesse patrimonial dos acionistas, a
norma, impondo pena ao seu descumprimento, tutela a autenticidade das informações a respeito da fundação
e administração dessas entidades, protegendo o capital social e imprimindo a exigência da atividade correta
de seus administradores.

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Fraude na fundação de sociedade por ações (“caput”): Sujeito ativo será a pessoa que promove a fundação;
sujeito passivo, qualquer pessoa. A ação física compreende a conduta do agente no sentido de promover a
fundação de sociedade por ações, fazendo afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando
fraudulentamente fato a ela relativo. Essa informação deve estar relacionada a fato relevante, com
possibilidade de produzir dano. O meio de que se serve o agente é o prospecto (documento que apresenta as
bases da sociedade, a razão de sua constituição, sua finalidade, o valor do capital social, a forma de subscrição
das ações, etc.) ou comunicação ao público ou à assembleia. Crime informado pelo dolo encontra o momento
consumativo com a afirmação falsa ou a ocultação fraudulenta, ações perfeitas, ainda que não se verifique
prejuízo efetivo. A tentativa é admissível. A ação penal é pública incondicionada.
Art. 178: Emissão irregular de conhecimento de depósito ou warrant.Crime próprio, formal, doloso e de
forma livre. Mais uma fraude envolvendo a emissão de título de crédito. Conhecimento de depósito ou warrant
são títulos armazeneiros, que são emitidos pelas empresas de Armazéns Gerais e entregues ao depositante,
que com eles fica habilitado a negociar as mercadorias em depósito, passando assim a circular, não as
mercadorias, mas os títulos que as representam.
Lei penal em branco: preceito primário deve ser complementado pelo Dec. 1.102/1903.
Art. 179: Fraude à execução. Objetividade jurídica: Tutela-se o patrimônio do credor. Secundariamente, busca-
se proteger a autoridade das decisões judiciais. Sujeito Ativo: É o devedor não empresário (se empresário, o
crime será o do art. 168 da Lei 11.101/2005). Pode ocorrer, especialmente na modalidade de desvio, que
terceiro interessado em determinado bem a ser executado empregue, sozinho, a fraude, insciente o devedor,
hipótese em que responderá pelo delito em estudo. Sujeito Passivo: Será o credor. Conduta: Pune-se a conduta
daquele que fraudar a execução, por ação ou omissão. A fraude pode se dar de cinco formas: alienando,
desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas.
OBS: Não há consenso sobre se a fraude configuradora do crime pode ocorrer a qualquer tempo ou se
pressupõe processo civil já está instaurado (em fase de execução ou cognitiva).
OBS: É imperioso que a conduta empreendida pelo devedor o deixe sem patrimônio suficiente para garantir a
execução fraudada. Desse modo, nem sempre a alienação do bem anteriormente oferecido em garantia pelo
devedor configura o crime. Remanescendo-lhe outro, apto a cumprir o mesmo papel, não se pode falar em
fraude, porquanto não obstada a pretensão do credor. Tipo Subjetivo: Consiste no dolo de fraudar a execução,
com a consciência e especial vontade de prejudicar o autor/credor. Consumação e tentativa: Consuma-se no
momento em que o agente emprega a fraude. A tentativa é admissível.Ação penal: Somente se procede
mediante queixa. (parágrafo único). Exceção: quando o exequente for a Fazenda Pública: ação penal pública
incondicionada: art. 24, §2º, do CPP.

3.CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL


3.1 Crimes contra a propriedade intelectual. (9.b)

9B. Crimes contra a propriedade intelectual.

Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 08/09/18

CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Delimitação: O CP não trata de todos os crimes contra a propriedade imaterial, pois a Lei 9.279/96 (Lei de
Propriedade Industrial), em seu Título V, passou a tratar dos crimes contra a propriedade industrial, revogando
as disposições do CP referentes aos crimes contra o privilégio de invenção, crimes contra as marcas de indústria
e comércio e crimes de concorrência desleal. Por outro lado, a violação de direitos autorais de autor de
programas de computador (softwares) é tratada pela Lei 9.609/98 (Lei do Software, artigo 12).
Redução do âmbito de abrangência da tipicidade (art. 184, § 4º, do CP): “O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se
aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em
conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou
fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.”
Competência: Em regra, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes contra a propriedade intelectual,

130
quando não praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas. Não opera o deslocamento da competência para a Justiça Federal a
circunstância de que os produtos teriam sido adquiridos no exterior. No caso de conexão entre crime de
violação de direito autoral e descaminho, aplica-se a Súmula 122 do STJ: “Compete à Justiça Federal o processo
e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual...”
Questões processuais previstas no CPP: o CPP traz, nos arts. 524 a 530-I, o procedimento para o processo e
julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial.

Violação de direito autoral (art. 184, CP) – pontos comuns a todas as modalidades

Introdução: trata-se de lei penal em branco homogênea, cujo preceito primário é complementado pela Lei
9.610/98. Os direitos autorais são bens móveis, patrimoniais ou morais. Objetividade jurídica: é a propriedade
imaterial, compreendida como a relação jurídica entre o autor e sua obra. Objeto material: é a obra literária,
artística ou científica atingida pela conduta criminosa.

Tipo fundamental ou modalidade simples (art. 184, caput, CP)

Núcleo do tipo: violar (crime de forma livre). Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: o autor da obra
literária, artística ou científica, seus herdeiros ou sucessores, ou ainda qualquer outra pessoa titular dos
direitos autorais. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma com a
efetiva violação dos direitos autorais, sendo desnecessária a causação de prejuízo para a vítima. Tentativa: é
possível. Causas de exclusão da tipicidade: os arts. 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98 apresentam diversas limitações
aos direitos autorais, caracterizando autênticas causas excludentes da tipicidade. Lei 9.099/99: infração penal
de menor potencial ofensivo. Ação penal: em regra, privada (art. 186, I, CP). Será pública incondicionada nas
hipóteses do art. 186, III, CP.

Reprodução não autorizada (art. 184, § 1º, CP)

Objeto material: é a obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma. Elemento subjetivo: é o dolo,
aliado a um especial fim de agir, consistente no “intuito de lucro direto ou indireto”. Sujeito passivo: é o autor,
artista intérprete ou executante, produtor ou quem os represente. Elemento normativo do tipo: “sem
autorização expressa”. Ação penal: pública incondicionada (art. 186, II, CP).

Guarda e comércio de reprodução não autorizada (art. 184, § 2º, CP)

Núcleo do tipo: essa figura qualificada aloja oito núcleos (tipo misto alternativo). Objeto material: é o original
ou a cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito autoral. Consumação: crime
formal e permanente. Ação penal: pública incondicionada (art. 186, II, CP).
OBS: Essencial a leitura das Súmulas 502 e 574, ambas do STJ.
Oferecimento público não autorizado (art. 184, § 3º, CP)

Essa qualificadora incrimina a violação de direitos autorais consistente no oferecimento ao público, mediante
cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra
ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda,
com intuito de lucro direto ou indireto. A ação penal é pública condicionada à representação (art. 186, IV, CP).

Violação de direito de autor de programa de computador (art. 12, caput, Lei 9.609/98)

Bem jurídico: propriedade intelectual do autor de programa de computador. O conceito de programa de


computador vem previsto no art. 1º da Lei 9.609/98. Tipo subjetivo. É o dolo. Sujeito ativo: qualquer pessoa.
Sujeito passivo: é qualificado (Guilherme Nucci), só podendo ser o autor de programa de computador, bem
como seus herdeiros e sucessores, até o limite fixado em lei, ou seja, 50 anos (art. 2º, § 1º, da Lei 9.609/98).

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Reprodução não autorizada com finalidade comercial (art. 12, § 1º, da Lei 9.609/98): consiste na utilização
do núcleo base da modalidade simples do caput associado a uma maneira especial de empreendê-lo, isto é,
mediante reprodução, agregada ao especial fim de agir que consiste na finalidade de comércio.

Comércio ou guarda de programa original ou cópia não autorizado (art. 12, § 2º, da Lei 9.609/98): exige
especial fim de agir consistente na finalidade de comércio.

Exclusões, limitações e exceções à proteção aos direitos de autor de programa de computador: previstos nos
incisos do art. 6º da Lei nº 9.609/98. Na esteira do entendimento da doutrina majoritária, as hipóteses
configuram causas de atipicidade.

Ação Penal (art. 12, § 3º, da Lei 9.609/98): a regra é a ação penal privada, exceto nos casos expressamente
previstos no § 3º do art. 12, quando se procederá por ação penal pública incondicionada.

4.CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


4.1 Crimes contra a organização do trabalho. (10.b)

10B. Crimes contra a organização do trabalho (Art. 197 a 207 do CP).

Bruno Silva Domingos


Bibliografia consultada: PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código penal. 8 ed. São Paulo: RT, 2013 e GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte
especial, vol. III. 7 ed. Niterói: Impetus, 2010.

Competência: Embora a CF (art. 109, VI) sugira serem todos os crimes contra a organização do trabalho de
competência da Justiça Federal, tradicionalmente o STF e o STJ fazem importante distinção. Entende-se que o
art. 109, VI, da Carta deve ser conjugado com o 109, IV. Apenas quando as condutas delituosas ofenderem o
sistema de órgãos e instituições federais destinadas a preservar coletivamente o trabalho é que haverá
competência da Justiça Federal. Quando ocorrer a violação de direitos individuais de trabalhadores apenas,
haverá competência da Justiça Estadual. Sobre o tema veja-se: CC 131319/SP, Rel. Newton Trisotto, 3ª Seção,
DJe 11/9/2015; CC 135924/SP, Rel. Néfi Cordeiro, 3ª Seção, DJe 22/10/2014.

Características comuns dos crimes contra a organização do trabalho: i) protegem a organização do trabalho; ii)
todos são crimes sujeitos a ação penal pública incondicionada; iii) quando a violência é meio para a prática de
algum delito contra a liberdade do trabalho, não há absorção dela (art. 197, 198, 199, 200 e 203). Considerando
que são mais de 11 tipos diferentes, cumpre examinar apenas os mais relevantes. Muitos deles admitem a
aplicação de transação penal, suspensão condicional do processo ou mesmo a realização de acordos de não
persecução penal, haja vista o máximo de pena cominada.

Atentado contra a liberdade de trabalho - Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I – exercer ou não arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou
em determinados dias; II – a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou
paralisação de atividade econômica. Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Bem jurídico tutelado: liberdade de trabalho. Sujeito ativo: crime comum. Sujeito passivo: qualquer pessoa e,
no caso do inciso II, primeira parte, o proprietário do estabelecimento. É uma forma especial em relação ao
constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Somente pode ser praticado a título de dolo. A consumação ocorre
com o efetivo exercício ou suspensão da atividade econômica ou com o desempenho do labor pelo sujeito
passivo em período em que ele não deveria trabalhar. Competência do JECRIM.

Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta - Art. 198. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não

132
adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola. Pena - detenção, de um mês a um ano, e
multa, além da pena correspondente à violência.
Bem jurídico tutelado: liberdade de trabalho e a normalidade das relações de trabalho (delito pluriofensivo).
Sujeito ativo: crime comum. Sujeito passivo: qualquer pessoa que sofra a coação para celebrar contrato de
trabalho ou a boicotagem violenta. A pessoa jurídica pode ser vítima apenas na modalidade boicotagem
violenta. É tipo misto cumulativo. Somente pode ser praticado a título de dolo. A consumação ocorre quando
a vítima, constrangida por violência ou grave ameaça, celebra contrato de trabalho ou, na segunda figura,
quando a vítima, em virtude do constrangimento, não fornece a outrem ou não adquire matéria-prima ou
produto industrial ou agrícola. Também é uma forma de constrangimento ilegal. Competência do JECRIM.

Atentado contra a liberdade de associação - Art. 199. Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional. Pena -
detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Bem jurídico tutelado: liberdade de associação profissional ou sindical. Sujeito ativo: crime comum. Sujeito
passivo: qualquer pessoa que sofra a coação para participar de sindicado ou associação profissional. O que se
pune aqui é a coação exercida para participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação
profissional. Somente pode ser praticado a título de dolo. A consumação ocorre quando a gente impede ou
obtém a participação do sujeito passo em associação ou sindicado (crime de resultado). A tentativa é
admissível. Competência do JECRIM.

Paralisação de trabalho seguida de violência ou perturbação da ordem - Art. 200. Participar de suspensão ou
abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa: Pena - detenção, de um
mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Para que se considere
coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.
Bem jurídico tutelado: a liberdade de trabalho. Sujeito ativo: crime próprio, sendo o agente participante da
greve ou do lockout. Prevalece o entendimento de que a figura inclui tanto a greve dos empregados (abandono
coletivo) quanto o lockout (suspensão), realizado pelos empregadores. O núcleo participar exige pluralidade
de pessoas (delito plurissubjetivo), sendo necessária a participação de, ao menos, três pessoas quando em
greve e, quanto a empregadores, ao menos 2. A violência é elemento do tipo penal, sendo atípica a greve ou
lockout sem violência. A consumação ocorre com a prática de violência no curso da greve ou lockout, não sendo
necessário que todos participem da violência. Competência do JECRIM.

Paralisação de trabalho de interesse coletivo – Art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de
trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Pena - detenção, de seis
meses a dois anos, e multa.
Bem jurídico tutelado: o interesse da coletividade na prestação continuada de serviços essenciais. Para parte
significativa da doutrina esta figura penal não foi recepcionada pela CRFB/88, a qual consagra o direito de
greve. Nesta linha Cezar Roberto Bitencourt. Em sentido oposto entendendo que a norma poderá ser aplicada
nos casos de greve nos serviços públicos essenciais definidos na Lei n. 7783/89 (art. 10) tem-se o magistério
de Nucci citado por Rogério Greco. Sujeito ativo: crime próprio, sendo eles os participantes da greve ou lockout.
Sujeito passivo é a coletividade. Somente pode ser praticado a título de dolo. A consumação ocorre quando há
a suspensão ou abandono coletivo do trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de
interesse coletivo., sendo delito plurissubsistente. A tentativa é admissível. Competência do JECRIM.

Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola – Art. 202 - Invadir ou ocupar estabelecimento
industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com
o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispôr. Pena - detenção, de seis
meses a dois anos, e multa.
Bem jurídico tutelado: a organização do trabalho. Sujeito ativo: pode ser o trabalhador ou qualquer pessoa que
contribua pra realizar uma das condutas coibidas. Embora não seja de concurso necessário, dificilmente será
cometida por uma única pessoa. Sujeito passivo: são o proprietário do estabelecimento e a coletividade. Tipo
objetivo: são duas condutas incriminadas – a invasão ou ocupação com o intuito de impedir ou embaraçar o

133
curso normal do trabalho ou, com o mesmo fim, danificar estabelecimento ou coisas nele existentes. É possível
que o delito seja praticado mediante fraude, a qual se dá mediante simulação de erro, acidente, defeito em
máquinas etc. Somente pode ser praticado a título de dolo. A consumação ocorre quando há a efetiva invasão
ou ocupação do estabelecimento (1a figura) e no momento em que se danifica ou se dispõe do estabelecimento
ou de coisas nele existentes (2a figura). É possível a tentativa. A competência é do Juízo comum e cabe
suspensão condicional do processo.

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista – Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito
assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, § 1º Na mesma pena
incorre quem: I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para
impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar
de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou
contratuais. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa,
gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
Bem jurídico tutelado: direitos previstos na legislação trabalhista. Sujeito ativo: crime comum que pode ser
cometido por qualquer pessoa. Sujeito passivo: o Estado e a pessoa que sofreu a frustração do direito. O delito
consiste em empregar fraude ou violência para frustrar (iludir, impedir, privar) os direitos trabalhistas previstos
na CLT, leis trabalhistas e na CF. Trata-se de norma penal em branco. O delito somente pode ser cometido por
fraude ou violência física, não configurando a simples ameaça (caput). Também se consuma com a obrigação
(violência física) ou coação (física ou moral) a usar mercadorias e determinado estabelecimento para
impossibilitar o desligamento do serviço em razão de dívida (fim especial de agir). Por fim, a última figura prevê
a prática de impedir alguém de se desligar de serviço mediante coação pela retenção de documentos pessoais
ou contratuais. Somente pode ser praticado por dolo. A consumação ocorre com a frustração do direito
trabalhista (delito de resultado - 1a figura), quando o agente obriga ou coage a vítima a suar mercadorias de
determinado estabelecimento ou quando a vítima é impedida de se desligar do serviço (também delito de
resultado). É admissível a tentativa. Competência do JECRIM se ausente a causa de aumento do § 2º.

Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho – Art. 204 – Frustrar, mediante fraude ou violência,
obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da
pena correspondente à violência.
Bem jurídico tutelado: o interesse na nacionalização do trabalho, garantindo ao trabalhador brasileiro melhores
condições em relação aos estrangeiros. Sujeito ativo: é geralmente o empregador, mas é possível que sejam
terceiros, sendo crime comum. Sujeito passivo é o Estado. Tipo objetivo: o delito consiste em frustrar, mediante
fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho, não configurando o crime a mera
ameaça. É norma penal em branco. A complementação acerca da nacionalização do trabalho está disciplinada
nos art. 352 e 371 da CLT. O crime somente se configura com o dolo. A consumação ocorre com a efetiva
frustração da obrigação legal referente à nacionalização (delito de resultado). A tentativa é admissível.
Competência do JECRIM.

Exercício de atividade com infração de decisão administrativa – Art. 205 - Exercer atividade, de que está
impedido por decisão administrativa: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
Bem jurídico tutelado: o interesse na execução de decisões administrativas relativas ao exercício de atividades.
Sujeito ativo: crime próprio, somente poderá ser cometido por aquele que está impedido de exercer
determinada atividade. Sujeito passivo é o Estado. Tipo objetivo: a conduta compreende o exercício de
atividade que se está impedido por decisão administrativa. Atividade é profissão lícita aprovada pelo Ministério
do Trabalho. Decisão administrativa deve ser oriunda do órgão competente. Somente pode ser cometido por
dolo. Consumação: ocorre com o exercício da atividade em caráter habitual (delito habitual). Impossível a
tentativa. Competência do JECRIM.

Aliciamento para o fim de emigração – Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-
los para território estrangeiro. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Bem jurídico tutelado: o interesse público na permanência dos trabalhadores no país. Sujeito ativo: crime

134
comum. Sujeito passivo: o Estado e, secundariamente, os trabalhadores aliciados. Tipo objetivo: a conduta
consiste em recrutar (atrair, aliciar) trabalhadores (expressão mais ampla que empregados), mediante fraude
(ardil) a fim de levá-los para território estrangeiro. Luiz Régis Prado entende a partir de interpretação
sistemática que o tipo exige (“trabalhadores”) a existência de pelo menos três deles, não bastando apenas 2.
O delito somente poderá ser cometido por fraude, não estando abrangida a violência. O tipo somente poderá
ser praticado por dolo. A consumação ocorre com o recrutamento fraudulento, sendo desnecessária a efetiva
saída do país. É admissível a tentativa. Cabe suspensão condicional do processo.

Aliciamento de trabalhadores de um local para o outro do território nacional – Art. 207 – Aliciar
trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena - detenção de
um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de
execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do
trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. § 2º A pena é aumentada
de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de
deficiência física ou mental.
Bem jurídico tutelado: evitar o êxodo de trabalhadores no território nacional. Sujeito ativo: crime comum
cometido pelos chamados “gatos” ou recrutadores. Ocorre muitas vezes em contexto relacionado ao trabalho
escravo. Sujeito passivo: o Estado e os trabalhadores aliciados ou recrutados. Tipo objetivo: são três condutas
incriminadas i) aliciar (atrair, recrutar, seduzir) trabalhadores com o fim de levá-los de uma para outra
localidade do território nacional; ii) recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho
mediante fraude ou cobrança de quantia do trabalhador; iii) recrutar trabalhadores fora da localidade de
execução do trabalho não assegurando condições de retorno ao local de origem. Para a configuração do crime
é necessário que haja ao menos 3 trabalhadores aliciados. Busca-se evitar que o trabalhador seja ludibriado.
O tipo subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com o aliciamento (caput) ou com o recrutamento (§ 1º, 1a
figura). Por sua vez, a 2a figura ocore quando o agente nega assistência para que o trabalhador retorne à origem.
É admissível a tentativa. É cabível a suspensão condicional do processo.

5.TRÁFICO DE PESSOAS
5.1 Tráfico de pessoas e redução a condição análoga à de escravo. (8.c)

8C. Tráfico de Pessoas e Redução à Condição Análoga de Escravo.

Atualizado por Felipe Fróes em 26/08/2018


FONTES: Material do grupo MPF LEVADO À SÉRIO; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. CRIMES FEDERAIS (11 Ed, 2017);
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo;
CASTRO, Henrique Hoffman Monteiro de. Lei de Tráfico de Pessoas traz avanços e causa perplexidade. Conjur. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-out-11/academia-policia-lei-trafico-pessoas-traz-avancos-causa-perplexidade, publicado em 11/10/2016.
CUNHA, Rogério Sanches. ARAÚJO, Fábio Roque. Crimes Federais. 4. ed. Juspodivm, 2016; Santo Graal 28CPR.

A) TRÁFICO DE PESSOAS (ART. 149-A DO CP).


Em artigo sobre o tema, Ela Wiecko menciona três fases do controle jurídico internacional em matéria de
tráfico de pessoas e prostituição. 1) Preocupação inicial é com o tráfico de negros, em 1814. Em 1904 é
firmado um primeiro tratado cuidando do tráfico de mulheres brancas, para prostituição (para proteger
mulheres europeias, principalmente do leste europeu). Em seguida, outros tratados são assinados para incluir
o tráfico de mulheres crianças (à época chamadas de “menores”), já no âmbito da Liga das Nações. Por fim,
incluiu-se a proteção contra o tráfico de quaisquer crianças, homens ou mulheres. A regra geral é de que o
consentimento de mulheres maiores excluía a infração de tráfico até uma Convenção de 1933 que vedou tal
consentimento. 2) Com a substituição da Liga das Nações pela ONU, é assinada a Convenção para Repressão
do Tráfico de Pessoas e Lenocínio, com expressa anulação e substituição das normas anteriores. Mantém-se
que o consentimento não escusa o crime de tráfico nem de exploração da prostituição, haja vista a necessidade
de “valorizar a dignidade e o valor da pessoa humana, como bens afetados pelo tráfico, o qual põe em perigo
o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade”. 3) Inicia-se com o Protocolo de Palermo.
Quatro aspectos se destacam na terceira fase em relação às fases anteriores: a) Pessoas protegidas. As

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vítimas que eram, inicialmente, só as mulheres brancas, depois mulheres e crianças, são agora os seres
humanos, mantida a preocupação especial com mulheres e crianças. b) Tratamento das vítimas. Antes ficavam
em situação ambígua, como se fossem criminosas. Agora são tratadas como pessoas que sofreram graves
abusos, obrigando os Estados a criar serviços de assistência e mecanismos de denúncia. c) Finalidade do tráfico.
Até a Convenção de repressão ao Lenocínio (1949) coibia-se o tráfico para fins de prostituição. A Convenção
interamericana sobre tráfico de Menores (Dec 2740/1998) amplia e passa a combater o tráfico com propósitos
ilícitos, o que é reproduzido no Protocolo de Palermo: coíbe-se o tráfico para qualquer forma de exploração,
por exemplo, sexual (gênero no qual se incluem não apenas a prostituição forçada, mas também o turismo
sexual, a pornografia infantil, a escravidão sexual e o casamento forçado), do trabalho ou para remoção de
órgãos. d) Efeitos do consentimento da vítima (tratado mais abaixo).
Embora o Brasil fosse signatário do Protocolo de Palermo (Decreto 5.071/2004), a lei interna punia o tráfico
de pessoas apenas quanto à exploração sexual, conforme os artigos 231 e 231-A do CP (tráfico internacional e
interno para fins de exploração sexual). Esses tipos foram revogados pela Lei 13.344/2016, que introduziu no
CP o artigo 149-A, o qual agora abrange não apenas as condutas praticadas com fim de exploração sexual, mas
também para trabalho análogo ao de escravo, remoção de órgãos, servidão ou adoção ilegal. Assim, a nova lei
não promoveu abolitio criminis, havendo na verdade o fenômeno da continuidade típico-normativa.
Baltazar aponta que o Protocolo de Palermo prevê três elementos para que seja reconhecido o tráfico de
pessoas (excluindo-se o segundo quando a vítima é criança): 1) ação (recrutar; transportar; transferir; alojar;
acolher); 2) meios (coação física ou moral; rapto; fraude; engano; abuso de autoridade ou de situação de
vulnerabilidade; mediante pagamentos ou benefícios); 3) fins (exploração sexual; exploração do trabalho;
tráfico de órgãos; tráfico de crianças).
O autor ressalta, ainda, o aspecto transnacional do delito. Assim, as novas disposições da Lei 13.344/2016
trazem uma exceção à regra da extraterritorialidade para aplicação da lei penal brasileira (não são exigidas as
condicionantes do art. 7º, § 3º, do CP), devendo ser aplicadas para vítima brasileira ou estrangeira quando o
crime for cometido em território nacional e no exterior contra vítima brasileira.
Especificamente sobre o tipo penal, a doutrina aponta que o bem jurídico protegido é a dignidade da pessoa
humana ameaçada ou atingida pelo tráfico, bem como a liberdade pessoal e sexual. Sujeito ativo é qualquer
pessoa, tratando-se de crime comum. Sujeito passivo direto é a vítima (que pode ser homem, mulher ou
criança, havendo causa de aumento de pena nessa última hipótese) e indireto é a sociedade. É irrelevante que
a pessoa já se dedicasse à prostituição anteriormente. O tipo é de conduta mista, constituído de 08 verbos
nucleares (inclusive, alguns sinônimos), punindo-se o agente que agenciar (negociar, comerciar), aliciar (atrair,
persuadir), recrutar (chamar pessoas), transportar (levar de um lugar para outro), transferir (mudar de um
lugar para outro), comprar (adquirir a preço de dinheiro), alojar (acomodar) ou acolher (receber, aceitar,
abrigar) pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remover-lhe
órgãos, tecidos ou partes do corpo, submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo, submetê-la a
qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual. Não se trata de crime habitual, bastando para
sua caracterização que apenas uma vítima seja submetida à ação do agente.
Quanto aos meios para a prática do delito, o tipo penal exige a ocorrência de grave ameaça, violência, coação,
fraude ou abuso. Assim, em tese, se as condutas não forem executadas mediante uma dessas formas, o fato
será atípico, ou seja, o consentimento válido excluiria a própria tipicidade. Nesse ponto, ainda há polêmica
na doutrina. A examinadora discorda e afirma que “configurada a finalidade de exploração de uma pessoa,
há violação à dignidade da pessoa humana”, não podendo o Estado “chancelar o consentimento”. A redação
do Protocolo de Palermo é ambígua. Entretanto, presume-se presumido o dissenso: a) se obtido o
consentimento mediante ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, sequestro ou cárcere privado,
fraude, engano (art. 3º, alínea “a” do Protocolo de Palermo) ; b) se o agente traficante abusou de autoridade
para conquistar o assentimento da vítima; c) se o ofendido que aprovou o seu comércio for vulnerável (cujo
conceito não deve ser o extraído o art. 217-A, CP, mas sim do art. 225, parágrafo único, CP “menor de 18 anos”,
alinhando-se ao conceito internacional); d) se o ofendido aquiesceu em troca de entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios (nesse ponto, a doutrina entende que essa condição tornará difícil, ou impossível,
um caso prático envolvendo consentimento relevante do ofendido).
Contraditoriamente, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 5.948/2006),
que tem por finalidade estabelecer princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de

136
pessoas e de atenção às vítimas, conforme as normas e instrumentos nacionais e internacionais de direitos
humanos e a legislação pátria, prevê, em seu art. 2, §7º, que “o consentimento dado pela vítima é irrelevante
para a configuração de tráfico de pessoas”. No mesmo sentido, no Guia de Referência para o Ministério
Público Federal quanto a Migração e Tráfico Internacional de Pessoas afirma-se que “o caminho adotado pela
PNETP no pertinente ao consentimento da vítima ser irrelevante para qualquer tipo de exploração, sem
distinção de qualquer natureza, parte da premissa de que em toda situação de tráfico permeia o engano, o
erro, o abuso, a coação e todas as demais previsões, visto que, se ausentes tais vícios da vontade, poderá se
configurar outra infração, mas não o tráfico”.
Quanto aos fins do delito, é relevante o debate trazido por Baltazar quanto à exploração sexual. Sobre o tema,
o autor aponta três correntes de pensamento: abolicionista, individualista e regulatória. A postura
abolicionista ou neo-abolicionista prega a abolição ou proibição total da prostituição e criminalização para
todos os envolvidos, incluído o cliente. Variante dessa posição defende a descriminalização, em especial para
o trabalhador sexual, que não deve ser tratado como criminoso, mas como vítima, mantendo a criminalização
do cliente, encarando a prostituição, consentida ou não, como uma forma de violência e exploração da mulher.
A posição individualista tem como fundamento a liberdade individual, sustentando que as práticas sexuais
consentidas entre adultos estão na esfera da intimidade do indivíduo e devem ficar livre da intervenção do
estado, pouco importando se a prática se dá mediante pagamento. A perspectiva regulatória pretende a
regulamentação da prostituição, argumentando que a criminalização da conduta marginaliza aqueles que mais
precisam de proteção, além de criar oportunidades para corrupção e dificultar o acesso dos trabalhadores
sexuais aos serviços de saúde e segurança pública.
O tipo subjetivo é o dolo, consubstanciado na vontade de praticar as condutas para atingir uma das finalidades
acima descritas. Trata-se de crime instantâneo e formal (consuma-se com a mera prática de um dos verbos
descritos, independente da efetiva concretização da finalidade).
Baltazar aponta as seguintes hipóteses de concurso: a) aparente – favorecimento da prostituição (art. 288 do
CP) é absorvido por consunção; b) remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo (art. 10 da Lei 9434/1997) –
somente se aplica o crime de tráfico se houver grave ameaça, violência etc; c) trabalho em condições análogas
à de escravo e servidão (art. 149 do CP) – somente deixa de prevalecer quando ocorrer a conduta “comprar”;
d) adoção ilegal (art. 239 do ECA) – prevalece o art. 149-A se a finalidade for a adoção ilegal, prostituição ou
exploração sexual, ainda que a vítima seja criança ou adolescente; e) formal – mais de uma vítima levada no
mesmo contexto fático; f) material – agente que lucra com a atividade de prostituição (art. 230 do CP).
Há causa de aumento (1/3) se o agente é funcionário público; se a vítima é criança, adolescente, idoso ou
pessoa com deficiência; se o autor do crime se valer de relação de parentesco e de outras formas de
ascendência derivadas de dependência econômica ou autoridade; se a vítima for retirada do território nacional
(hipótese que atrai a competência da Justiça Federal). Por sua vez, há diminuição (1/3 a 2/3) se o agente é
primário (não reincidente e não integra ORCRIM).
A ação penal é pública incondicionada e tramita em segredo de justiça. Há restrição temporal para obtenção
de livramento condicional (cumprimento de mais de 2/3 da pena). É possível a aplicação dos instrumentos de
investigação próprios da Lei de Crimes Organizados. A Lei 13.344/2016 havia sido inovadora ao incluir
hipótese de “residência permanente” a estrangeiro vítima de tráfico e à sua família. Essa previsão foi mantida
na Lei de Migrações (artigo 30, inciso II, “g”) na modalidade “autorização de residência”.

B) REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 DO CP).


Baltazar afirma que, ao incriminar essa conduta, o Brasil deu cumprimento à obrigação assumida em razão da
Convenção 29 da OIT, de 29.5.56, ratificada em 25.4.57 e promulgada pelo D. 41.721/57. O Brasil também é
signatário da Conf. 105 da OIT, sobre o mesmo tema, aprovada pelo Dec.-Leg. 20/65 e promulgada pelo D.
58.822. Esses compromissos são reforçados pelo artigo 8º, § 1º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, artigo 6º da Convenção Americana de Direitos Humanos e pelo artigo 3º, “a”, do Protocolo de
Palermo.
Ainda sobre o assunto, vale ressaltar a solução amistosa no caso JOSÉ PEREIRA, que tramitou perante a
Comissão IDH (obrigações como (a) criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRE), fortalecimento do MPT, e - principalmente - a obrigação de o Brasil estabelecer a competência da
Justiça Federal para julgamento de crime de redução à condição análoga à de escravo), e a condenação do

137
Brasil no caso FAZENDA BRASIL VERDE, que tramitou perante a Corte IDH.
Trata-se de conduta repudiada por todo o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive sendo causa para
expropriação de imóveis rurais sem o pagamento de indenização (desapropriação-sanção), conforme a
redação do artigo 243 da Constituição dada pela Emenda Constitucional nº 81/2015.
O tipo do art. 149, CP (redução à condição análoga à de escravo) também é denominado pela doutrina de
“plágio” ou “trabalho escravo contemporâneo” (ACR), que significa a sujeição de uma pessoa ao poder
(domínio) de outra. O tipo penal está na Seção que objetiva a proteção da liberdade pessoal, razão pela qual
é tradicional dizer que o bem jurídico tutelado é o status libertatis, os direitos trabalhistas e a dignidade da
pessoa humana.
O sujeito ativo é qualquer pessoa, cuidando-se de crime comum. Em regra, é o empregador e seus prepostos.
BALTAZAR ressalta que já se afirmou ser responsável criminalmente o proprietário da fazenda onde era
explorado o trabalho escravo, tendo auferido proveito econômico com a prática, ainda que não tenha tido
participação pessoal direta na submissão dos trabalhadores a condições desumanas, como, aliás, é usual na
perpetração desse delito. Quanto ao sujeito passivo, PRADO, SANCHES e BALTAZAR afirmam que pode ser
qualquer pessoa, independentemente da existência de contrato de trabalho ou aquiescência formal com as
condições de trabalho. Para ROGÉRIO GRECO, o sujeito passivo é a pessoa vinculada a uma relação de trabalho,
porém, antes da Lei n. 10.803/03 era qualquer pessoa. Se a vítima é criança ou adolescente, incide a causa de
aumento de pena.
O tipo básico pune a escravização, de fato, da criatura humana. Reduzir é subjugar, transformar à força, impelir
a uma situação penosa. Antes da Lei nº 10.803/03 não havia especificação dos meios pelos quais se poderia se
reduzir alguém à condição análoga à de escravo, o que levava à necessária e criticada utilização da analogia.
Atualmente, o crime previsto no caput possui forma vinculada e pode ser cometido (taxativamente) por uma
das seguintes formas: a) submeter a vítima a trabalhos forçados ou jornada exaustiva (caput); b) sujeitar a
vítima a condições degradantes de trabalho (caput); c) restringir, por qualquer meio, a liberdade de locomoção
da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (caput). Deve-se entender por
trabalhos forçados aqueles realizados sem pagamento, em troca de pagamento irrisório ou apenas da
alimentação e mediante coação física ou moral (BALTAZAR). Ainda, para o autor, a jornada exaustiva é aquela
que, para além de meramente superar os limites legais, não deixa ao trabalhador tempo razoável para o
descanso, lazer, convívio com os familiares, prática religiosa e aprimoramento pessoal.
As outras modalidades, figuras “assimiladas” ou derivadas: os incisos I e II do §1º constituem crimes
autônomos (cerceamento de meio de transporte; manutenção de vigilância ostensiva no lugar de trabalho;
apossamento de documentos ou objetos pessoais) e exigem elemento subjetivo especial do injusto (especial
fim de reter as vítimas no local de trabalho).
Caso o meio lançado para a submissão do sujeito passivo seja o sequestro, ficará este crime absorvido pelo
149, CP. Praticando o agente mais de uma conduta, em face da mesma vítima, haverá um único crime (princípio
da alternatividade) (BALTAZAR). Não é necessário a prática de maus-tratos ou de sofrimento ao sujeito passivo
para caracterizar esse crime. A perícia não é necessária para a comprovação da materialidade do delito
(BALTAZAR). Não é necessário que a vítima seja transportada ou transferida de um lugar para outro ou que
permaneça enclausurada (PRADO). Nesse sentido: "Para configurar o delito do art. 149 do Código Penal
(redução a condição análoga à de escravo) NÃO É imprescindível a restrição à liberdade de locomoção dos
trabalhadores. O delito pode ser praticado por meio de outras condutas como no caso em que os
trabalhadores são sujeitados a condições degradantes, subumanas” (STJ, 3ª Seção, CC 127.937-GO, 2014).
Para BITENCOURT e BALTAZAR, o consentimento do ofendido, ainda que validamente manifestado, não afasta
a contrariedade ao ordenamento jurídico. Nesse mesmo sentido, SANCHES e PRADO afirmam que o
consentimento do ofendido é irrelevante, pois não há a exclusão do delito se a própria vítima concorda com a
inteira supressão de sua liberdade pessoal, já que isso importaria em anulação da personalidade. Em sentido
contrário, para NUCCI, pode afastar a configuração do delito, desde que a situação na qual se veja envolvido o
ofendido não ofenda a ética social e os bons costumes.
O tipo subjetivo é doloso, não admitindo forma culposa. No caput exige-se apenas o dolo. Entretanto, no §1º,
II e II, do art. 149, CP traz expressão “com o fim de retê-lo no local de trabalho”, que configura um elemento
subjetivo do tipo (finalidade especial). Consuma-se com a efetiva redução da vítima a condição análoga à de
escravo, por certo período, dispensando-se o sofrimento da vítima, bastando a submissão da vítima ao domínio

138
do agente e a supressão por completo do seu status libertatis. Para BALTAZAR o crime é formal, consumando-
se no momento em que a vítima é reduzida à situação análoga à de escravo, independentemente de proveito
econômico para o agente ou outro resultado material. O delito também é considerado misto alternativo ou de
ação múltipla, consumando-se com a prática de uma das condutas descritas, não se exigindo a concomitância
ou superveniência de todas as modalidades descritas. Na maior parte dos casos, o crime será permanente.
Considerando que o crime é plurissubsistente, a tentativa é perfeitamente admissível, quando por
circunstâncias alheias a sua vontade, não consegue o agente compelir a vítima.
Em virtude da pena cominada (02 a 08 anos e multa, além da pena correspondente à violência), nenhum dos
benefícios da Lei 9.099/95 é admitido. Incidem as seguintes causas de aumento de pena: Art. 149, §2º, I e II,
CP: a) se o crime é cometido contra criança ou adolescente (Atenção: Não abrange o idoso); b) se o crime é
cometido por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (Atenção: não abrange o
preconceito sexual, nem o econômico).
Quanto ao concurso de crimes, BALTAZAR afirma que a existência de mais de uma vítima, no mesmo contexto
de fato, implica concurso formal. Ainda, a redução à condição análoga à de escravo absorve os crimes-meio
caracterizados pela ameaça (CP, art. 147) e fraude. Se o móvel do crime for preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou origem, ocorre a forma majorada do § 1º, II, caso em que restará absorvido o crime do art. 20 da
Lei 7.716/89.
A ação penal pública incondicionada. Quanto à competência, a jurisprudência do STF e do STJ se pacificou no
sentido de que é sempre da Justiça Federal, e atualmente é o que prevalece. Em sentido contrário SANCHES
defende ser competência, em regra, da Justiça Estadual, salvo nos casos em que a denúncia postula
condenação pelo art. 149, CP, juntamente com um dos crimes contra a organização do trabalho. Para
SANCHES, seguindo alguns precedentes do STF, nos casos em que apenas um trabalhador é atingido pela
conduta do agente, não haverá ofensa à organização do trabalho, senão à sua liberdade individual,
competindo, portanto, à Justiça Estadual a apreciação da causa.
Por sua vez, o MPF possui Enunciado da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (Criminal) sobre a questão da
competência: Enunciado n. 41: “Os crimes de redução à condição análoga à de escravo são de atribuição do
Ministério Público Federal” (2010). Ademais, destaca-se a orientação inserta no Roteiro de atuação
institucional: “Embora este crime de redução à condição análoga à de escravo esteja incluído no rol de crimes
contra a liberdade individual, ele também atenta contra a organização do trabalho, segundo a sistemática
adotada no Código Penal brasileiro. Por essa razão, cabe à Justiça Federal processar e julgar esse crime. É
indiscutível a competência federal para essa matéria, conforme recente e firme jurisprudência, inaugurada
pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (...): STF - RE 398.041, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30.11.2006”
(Brasil. Ministério Público Federal. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão. Roteiro de atuação contra a
escravidão contemporânea. Coordenação e Organização de Raquel Elias Ferreira Dodge, Subprocuradora-
Geral da República. Brasília: MPF/2ªCCR, 2012).

6.CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA


6.1 Crimes contra a incolumidade pública: de perigo comum, contra a segurança dos meios de comunicação e
transporte e outros serviços públicos. (19.c)
6.2 Crimes contra a saúde pública e os relacionados à remoção e transplante de órgãos. (20.c)

19C. Crimes contra a incolumidade pública: crimes de perigo comum e contra a segurança dos meios de
comunicação e transporte e outros serviços públicos.

Gilberto Batista Naves Filho 01/10/18

Os crimes de perigo comum estão previstos nos arts. 250 a 259 do CP. Os crimes contra a segurança
dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos estão previstos nos arts. 260 a 266 do CP.
Os dois subgrupos, separados em capítulos distintos, fazem parte do Título VIII, da Parte Especial: Crimes
contra a Incolumidade Pública.
Enquanto o delito de dano consuma-se com a efetiva lesão a um bem juridicamente tutelado, o crime
de perigo contenta-se com a mera probabilidade de dano. Segundo Nucci, a melhor teoria definidora do perigo

139
é a mista ou integrativa, para a qual o perigo é tanto uma hipótese quanto um trecho da realidade.
A finalidade da punição dos crimes de perigo é evitar um mal maior.
ESPIRITUALIZAÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL. Eduardo Gonçalves ensina
(http://www.eduardorgoncalves.com.br/2018/08/espiritualizacao-do-bem-juridico-penal.html): “O QUE SE
ENTENDE POR ESPIRITUALIZAÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL? (...) Claus Roxin ensina que a função do Direito
Penal é a proteção de bens jurídicos (funcionalismo teleológico ou moderado). Nessa esteira, desenvolveu-se
ao longo do tempo a ideia de proteção, no âmbito do direito penal, de bens jurídicos de cunho individual (ex:
vida, liberdade, patrimônio etc.); entretanto, com a sociedade dos riscos (Ulrich Beck) - o progresso tecnológico
necessariamente é acompanhado da produção de novos riscos perante humanidade - e a inegável expansão
do Direito Penal, passou o bem jurídico a se distanciar dos bens individuais, para abarcar bens transindividuais,
como, por exemplo, a ordem econômica e o meio ambiente. É o fenômeno conhecido como espiritualização
do bem jurídico (ou liquefação ou desmaterialização), pois este se dilui num coletivo indeterminado. Grande
parte da doutrina critica tal cenário, inclusive aventando o princípio da lesividade. Outros trazem propostas
inovadoras, como o Direito Penal de Velocidades (Jesús-Maria Silva Sánchez) e o Direito de Intervenção
(Hassemer)”.
Os arts. 250/259 tratam de crimes que oferecem perigo a toda a coletividade (perigo coletivo), não
cingindo seu potencial lesivo a um determinado grupo de pessoas (perigo individual).
O exemplo mais considerável é o incêndio (art. 250), com hipóteses majoradas (§1). Há modalidade
culposa (§2). Cuida-se de crime de perigo concreto, sendo indispensável, para sua consumação, a prova do
risco iminente de dano surgido para outrem, ainda que não seja pessoa determinável.
Incêndio é o fogo intenso que tem forte poder de destruição e de causação de prejuízos. O dolo
consiste na vontade de gerar um risco não tolerado a terceiros. Se a intenção é expor a perigo determinada
pessoa, haverá o tipo do art. 132 (perigo para a vida ou saúde de outrem); se a intenção é atingir determinado
patrimônio, ocorre a conduta do art. 163, §único, II (dano qualificado).
É crime comum, formal (o dano é mero exaurimento), comissivo (excepcionalmente omissivo
impróprio), admitindo tentativa na forma plurissubsistente. O exame pericial é imprescindível, nos termos do
art. 173 do CPP; o bem jurídico é a incolumidade pública.
Distingue-se do art. 41 da Lei 9.605/98, que tutela bem jurídico distinto: mata ou floresta.
Jurisprudência: “(...) 4. No caso, após o término da instrução criminal, foi reconhecida a prática do
crime de incêndio, por ter o ora paciente exposto a perigo o patrimônio das vítimas, sendo desnecessária a
comprovação do risco à higidez física, nos termos do defensivo nas razões da impetração. Em verdade, o art.
250, caput, do CP tipifica a conduta de causar incêndio, expondo a vida, a integralidade física ou o patrimônio
das vítimas a perigo. 5. É exigível para a configuração do crime tão somente o dolo de perigo,
independentemente de qualquer finalidade específica, sendo bastante a consciência da possibilidade de
prejudicar terceiro, assim como a comprovação do efetivo risco de expor a vida, a integralidade física e o
patrimônio do ofendido a perigo. 6. Quanto à causa de aumento do art. 250, § 1º, II, "a", impõe-se a incidência
da referida majorante ainda que a residência não estivesse desocupada no momento da prática delituosa, pois
o texto legal menciona "casa habitada ou destinada a habitação".
(HC 437.468/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe
28/06/2018)

No mesmo capítulo, há o crime de explosão (art. 251). Possui hipóteses majoradas (iguais à de
incêndio) e modalidade culposa. É de perigo concreto – tal qual o crime de incêndio, impondo-se o perigo a
um no indeterminado de pessoas. Não havendo perigo concreto à coletividade, pode estar configurado o art.
28 da Lei de Contravenções Penais.
Crime comum, formal, instantâneo e plurissubsistente. É de forma vinculada, porque o tipo define o
modo de conduta (mediante explosão, arremesso/colocação de engenho de dinamite ou substância análoga),
valendo-se de interpretação analógica. Tutela o mesmo bem que o tipo de incêndio.

OBS: A LEI Nº 13.654, DE 23 DE ABRIL DE 2018 alterou o CP para prever forma qualificada para o crime
de furto (no art. 155, § 4º-A) e causa de aumento de pena no crime de roubo (no art. 157, § 2º-A, II) quando
os crimes são praticados com emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Assim,

140
entende a doutrina que, em razão do princípio da especialidade, não será mais possível o concurso formal
impróprio entre os crimes de roubo ou furto e explosão. Márcio André Lopes Cavalcanti
(https://www.dizerodireito.com.br/2018/04/comentarios-lei-136542018-furto-e-roubo.html) aponta que a
alteração legislativa representou, em verdade, abrandamento da pena possível ao agente que pratica o crime
de furto com o emprego de explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum, vez que a forma
qualificada do furto terá pena abstratamente inferior à que teriam os crimes em concurso formal impróprio
(furto e explosão).

Temos no art. 252 o crime de uso de gás tóxico ou asfixiante. Admite a forma culposa (§único). Crime
comum, formal, instantâneo. Com exceção do tipo do art. 253 e 257, todos crimes de perigo comum são de
perigo concreto (a probabilidade de dano deve ser provada pelo órgão acusatório, em contraposição aos
crimes de perigo abstrato, em que a probabilidade de dano é presumida por lei).
Art. 253 prevê o crime de fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos ou gás
tóxico, ou asfixiante. Crime comum, formal, instantâneo (porém permanente nas modalidades possuir e
transportar), comissivo, de perigo abstrato.

Obs: parcialmente revogado em relação a artefatos explosivos pelo Estatuto do Desarmamento, a


citar: “Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito - Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter
sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e
multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:(...) III – possuir, detiver, fabricar ou empregar
artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
(...) V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo
a criança ou adolescente; “

Art. 254 prevê o crime de inundação. É possível a modalidade culposa. Trata-se da conduta de
provocar, dar origem ou produzir alagamento ou enchente. Crime comum, formal, comissivo, instantâneo,
admitindo tentativa na forma plurissubsistente.
Obs: jurisprudência entende que pode ser cometido na modalidade omissiva imprópria. “1. Para que
um agente seja sujeito ativo de delito omissivo, além dos elementos objetivos do próprio tipo penal, necessário
se faz o preenchimento dos elementos contidos no art. 13 do Código Penal: a situação típica ou de perigo para
o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor. 2. Ausente um dos elementos indispensáveis para
caracterizar um agente sujeito ativo de delito omissivo (poder de agir), previstos no art. 13 do Código Penal,
falta justa causa para o prosseguimento da ação penal, em face da atipicidade da conduta.”
(HC 94.543/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO
ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 13/10/2009)

Art. 255 está o crime de perigo de inundação. Crime comum, formal, comissivo, instantâneo, não
admitindo tentativa, pois é fase preparatória do crime de inundação (exceção de tipificação de ato
preparatório).
Art. 256 prevê o crime de desabamento ou desmoronamento. Admite-se a forma
culposa (§único). Crime comum, formal, comissivo, instantâneo, admitindo tentativa na forma
plurissubsistente.
Art. 257 tipifica o crime de subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento. É
indispensável que o instrumento seja especificamente voltado ao combate ao perigo, à prestação de socorro
ou ao salvamento ou manifestamente adequado ao serviço de debelação do perigo ou de salvamento, como
bombas de incêndio, alarmes, extintores, salva-vidas, escadas de emergência, medicamentos etc. Crime
comum, formal, comissivo, instantâneo (permanente na forma ocultar), de perigo comum abstrato, admitindo
tentativa na forma plurissubsistente.
Art. 258 prevê as formas qualificadas do crime de perigo comum, se, das condutas típicas dos arts. 250
a 257, resultar lesão grave ou morte. Ocorrerá, assim, crime preterdoloso: o resultado deve resultar somente

141
de culpa (REsp 945311, em 28.4.08).
O art. 259 incrimina a difusão de doença ou praga que possa causar dano a floresta, plantação ou
animais de utilidade econômica.
Nucci diz que o art. 61 da Lei 9605/98 (Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar
dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas) prevalece sobre o art. 259 do CP, não
somente por ser lei especial, mas também por ser a mais recente. A única alteração com a Lei 9605/98 é a
extinção da forma culposa.
Não há posicionamento consolidado na jurisprudência sobre a tese da revogação.
É crime formal, comum, comissivo e instantâneo, admitindo tentativa.
Já os crimes contra a segurança dos meios de comunicação, transportes e outros serviços públicos são
todos de perigo concreto, à exceção do art. 264, 265 e 266.
O primeiro tipo é o perigo de desastre ferroviário (art. 260, caput). Material rodante são os veículos
ferroviários, que compreendem os de tração, como as locomotivas, e os rebocados, como os carros de
passageiros e vagões de carga. Material de tração é o veículo ferroviário que serve de tração para os demais.
Obra de arte são as estruturas que se repetem
ao longo de uma estrada ou linha férrea, tais como pontes, viadutos, túneis, muros de arrimo e outros.
É possível o concurso com o crime de furto, já que o agente pode retirar, com intuito de lucro, as peças
de linha férrea, assumindo o risco de perigo de desastre ferroviário (dolo eventual). Trata-se de crime formal,
comum, comissivo, instantâneo, admitindo a tentativa. Já o
§1 prevê o desastre ferroviário – crime preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no consequente).
O §2 prevê o crime qualificado pelo resultado (culpa tanto no antecedente como no consequente).
O §3o conceitua o que se entende por estrada de ferro (Para os efeitos deste artigo, entende-se por
estrada de ferro qualquer via de comunicação em que circulem veículos
de tração mecânica, em trilhos ou por meio de cabo aéreo).
Outro tipo importante é o atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo (art.
261), que abriga modalidade (i) preterdolosa, quando resulta naufrágio, submersão ou encalhe da embarcação
ou queda ou destruição da aeronave; modalidade (ii) qualificada, quando praticado o crime com finalidade de
lucro; e modalidade (iii) culposa, que exige a ocorrência de desastre (TRF1, ACR 200041000026424).
Por ser crime de perigo comum, se aplica apenas a transporte coletivo (público ou privado, de pessoas
e coisas).
O tipo não faz menção ao transporte lacustre, aplicando-se o subsidiário art. 262 (“Expor a perigo outro
meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento”), que serve para qualquer meio de
transporte público, porém não abrangidos pelo 260 e 261.
Para todos estes tipos (260-263) há modalidade majorada na ocorrência de lesão corporal (não diz
grave) ou morte.

Caso Legacy: atentado contra a segurança de transporte aéreo, modalidade culposa (art. 261, §3o). O
STJ decidiu que os controladores de voo responderiam perante a Justiça comum e perante a Justiça Militar,
pelo mesmo fato, sem violação ao ne bis in idem.

Jurisprudência: STJ “(...) 1. O mero fato de a União ser competente para explorar, diretamente ou
mediante concessão, autorização ou permissão os serviços de transporte aéreo, ferroviário, aquaviário e
rodoviário não necessariamente induz a competência da Justiça Federal para o julgamento de delitos
envolvendo tais serviços. Precedentes: CC 45.652/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, Terceira Seção, julgado em
22/09/2004, DJ 24/11/2004, p. 227 e RHC 50.054/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em
04/11/2014, DJe 14/11/2014. 2. O delito descrito no art. 261 do CP (atentado contra a segurança de transporte
marítimo, fluvial ou aéreo) constitui um tipo misto alternativo composto por duas condutas diferentes: "expor
a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia" e "praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar
navegação marítima, fluvial ou aérea". O objeto material do delito é a embarcação ou aeronave, e seu objeto
jurídico é a incolumidade pública, voltada, especificamente, para a segurança dos meios de transporte. 3. A
despeito do interesse estadual genérico em garantir a segurança dos usuários de transportes públicos e de
terceiros por eles eventualmente afetados, não é qualquer delito, doloso ou culposo, envolvendo o transporte

142
marítimo, fluvial ou aéreo que atrairá a competência da Justiça Federal, pois esta Corte vem entendendo ser
necessária lesão ou ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União para que se caracterize a competência
da Justiça Federal para julgamento do delito, não bastando, para tanto, ofensa meramente reflexa ou indireta.
4. A primeira das condutas (expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia) pode envolver objeto
material de propriedade de particular ou da União, Estados ou Municípios. Assim sendo, a depender do bem
material atingido, será identificada a ofensa que justifica a fixação da competência da Justiça comum ou da
Justiça Federal. 5. A segunda conduta descrita na norma (praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar
navegação marítima, fluvial ou aérea) pode ser direcionada a objetos pontuais determinados ou ter como
objetivo atingir o próprio sistema. Em se tratando de conduta voltada para dificultar a navegação marítima,
fluvial ou aérea de uma ou mais embarcações ou aeronaves definidas, há que se perquirir tanto a intenção do
agente quanto o potencial de risco a outras embarcações/aeronaves gerado pela conduta, quanto quem é o
proprietário do bem alvo do ilícito, para que se possa averiguar se, no caso concreto, existe interesse da União
no delito. 6. Quando a conduta tiver potencial de afetar ou colocar em risco o sistema de navegação seja
marítima, fluvial ou aérea, ainda que não em todo território nacional, mas colocando em risco uma série de
aeronaves ou embarcações, além de seus passageiros e tripulantes, exsurgirá o interesse da União e a
competência da Justiça Federal para o julgamento do processo.” (CC 145.787/SP, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2016, DJe 17/05/2016)

O art. 264 incrimina o arremesse de projétil. Projétil é qualquer objeto sólido que serve para ser
arremessado, inclusive por arma de fogo. Apesar do tipo exigir que o veículo esteja em movimento, Nucci
entende que abrange o veículo que se encontra parado em um congestionamento, somente não se
configurando o art. 264 quando o veículo estiver estacionado. Trata-se de crime comum, formal, comissivo,
instantâneo, de perigo comum abstrato, admitindo tentativa na forma plurissubsistente.
O parágrafo único prevê o crime qualificado pelo resultado – culpa no consequente (lesão corporal ou
morte).
O art. 265 prevê o crime de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública. Trata-se de
crime comum, formal, comissivo, instantâneo, de perigo abstrato, não se punindo a tentativa por ser crime de
atentado, ou seja, a lei já pune como crime consumado o mero início da execução.
Delmanto e Paulo José da Costa Jr. entendem possível a tentativa no caso, reputando porém de difícil
ocorrência prática.
Já o art. 266 do CP incrimina a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico. Trata-
se de crime comum, formal, comissivo, instantâneo, de perigo comum abstrato, admitindo tentativa na forma
plurissubsistente. Dobra-se a pena do agente quando a interrupção ou perturbação dos serviços ocorrer
durante estado de calamidade pública, tendo em vista a maior reprovabilidade da conduta (parágrafo único).
ATENÇÃO: A conduta de prestar, sem autorização da ANATEL, serviço de provedor de acesso à internet
a terceiros por meio de instalação e funcionamento de equipamentos de radiofrequência configura o crime
previsto no art. 183 da Lei 9.472/97.
STJ, Súmula 606: Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal
de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997.

20C. Crimes contra a saúde pública e os relacionados à remoção e transplante de órgãos.

Sadi Machado 6/9/18

I – CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Sujeito(s) passivo(s): tais crimes têm como sujeitos passivos a coletividade e as pessoas eventualmente
afetadas pelas condutas. É característica desses crimes ultrapassarem a ofensa a determinada pessoa e
classificarem-se como crimes vagos (questão 100 do 29º CPR).

Sujeito(s) ativo(s): são crimes unissubjetivos e, em regra, podem ser praticados por qualquer pessoa (crimes
comuns). Exceções:

143
a) omissão de notificação de doença (art. 269): apenas o médico;
b) medicamento em desacordo com receita médica (art. 280): embora o tipo não restrinja o sujeito ativo,
prevalece o entendimento de que só pode ser praticado pelo médico;
c) exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, na modalidade “excedendo-lhe os limites” (art.
282, segunda parte) – apenas o médico, o dentista ou farmacêutico (crime próprio) – questão 100 do 29º CPR.

Conduta: são crimes plurissubsistentes e a maioria se consuma mediante ação (crimes comissivos). Exceção:
omissão de notificação de doença é crime omissivo próprio. De regra, têm forma livre. Exceções:
a) epidemia (art. 267) – deve ser causada mediante a propagação de germes patogênicos;
b) omissão de notificação de doença (art. 269) – deixar de denunciar mediante notificação à autoridade
pública;
c) curandeirismo (art. 284) – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância,
usando gestos, palavras ou qualquer outro meio, fazendo diagnósticos.

Resultado: são, em regra, crimes formais e de perigo abstrato, ressalvando-se, quanto à epidemia (art. 267), a
modalidade qualificada, que exige resultado morte (crime de dano). Os tipos penais contra a saúde pública
apresentam algumas constantes relativamente à técnica de definição (normas penais em branco,
criminalização de condutas de perigo, qualificação pelo resultado).

Tipo subjetivo: crimes dolosos. Porém, há delitos que exigem elemento subjetivo especial, p. ex.: a)
envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal para fim de distribuição (art. 270);
b) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios com fins comerciais
(art. 272, § 1º-A); c) exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica apenas com o fim de lucro (art.
282, par. Único). Admitem modalidade culposa:
a) epidemia (art. 267, § 2º);
b) envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal (art. 270);
c) corrupção ou poluição de água potável (art. 271);
d) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios (art. 272);
e) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais;
f) outras substâncias nocivas à saúde pública (art. 278);
g) medicamento em desacordo com receita médica (art. 280).

Consumação: em regra, são crimes instantâneos, ressalvando-se a previsão de:


a) crimes permanentes: i) envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal em uma
modalidade do §1º (art. 270); ii) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos
alimentícios em duas das modalidades do §1º-A (art. 272); iii) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração
de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais em duas das modalidades do §1º (art. 273); iv) produto
ou substância nas condições dos dois artigos anteriores em apenas duas das modalidades (art. 276); v)
substância destinada à falsificação em apenas duas das modalidades (art. 277); vi) outras substâncias nocivas
à saúde pública em apenas duas das modalidades (art. 278).

b) Crimes habituais: i) exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282); b) curandeirismo
(art. 284).

Pena:
a) prevê causa de aumento de pena o crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268) – aumento
de 1/3 se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou
enfermeiro.

b) prevêem qualificadora(s) específicas: i) epidemia (art. 267), se do crime resulta morte; ii) exercício ilegal da
medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282), se o crime é praticado com o fim de lucro.
Há uma forma qualificada aplicável a quase todos os crimes do capítulo, decorrente da previsão do art. 258,

144
previsto no capítulo dos crimes de perigo comum, mas aplicável aos capítulo dos crimes contra a saúde pública
em decorrência da previsão do art. 285: Se do crime doloso contra a saúde pública resulta lesão corporal de
natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro.
No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se
a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. Exceção: epidemia (art. 267), pois já tem a
lesão corporal como integrante da conduta típica e a morte como resultado qualificador.

Crimes hediondos:
a) epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º)
b) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais em
todas as suas modalidades dolosas (art. 273).

Distinção entre exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282), charlatanismo (art.
283) e curandeirismo (art. 284):
No exercício ilegal da medicina, o agente entende ser eficaz o tratamento ou meio por ele prescrito, enquanto
no charlatanismo, o agente (ainda que seja médico) conhece a ineficácia do meio por ele inculcado ou
anunciado.
No exercício ilegal da medicina, o agente demonstra aptidões e conhecimentos médicos, embora não seja
autorizado a exercer a medicina, enquanto no curandeirismo, o agente é pessoa ignorante e rude, que se dedica
à cura de moléstias por meios grosseiros (Bitencourt, 2011b, p. 334 e p. 336).

Inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, V, do CP


"O STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de
10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”) por violar a proporcionalidade. Em substituição a ela, deve-se aplicar ao
condenado a pena prevista no caput do art. 33 da Lei n.° 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de
incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º.” (STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-PR, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015 (Info 559)

Venda de substâncias que estão na Portaria SVS/MS 344/98 e princípio da consunção


“Se o agente criou farmácia de fachada para vender produtos falsificados destinados a fins terapêuticos ou
medicinais, ele deverá responder pelo delito do art. 273 do CP (e não por este crime em concurso com tráfico
de drogas), ainda que fique demonstrado que ele também mantinha em depósito e vendia alguns
medicamentos e substâncias consideradas psicotrópicas no Brasil por estarem na Portaria SVS/MS nº 344/1998.
Assim, mesmo tendo sido encontradas algumas substâncias que podem ser classificadas como droga, o crime
do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 ficará absorvido pelo delito do art. 273 do CP, que possui maior abrangência.
Aplica-se aqui o princípio da consunção.” STJ. 6ª Turma. REsp 1537773-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel.
para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/8/2016 (Info 590).

Para a configuração do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º B, I, não se exige perícia, bastando a ausência de
registro na ANVISA, obrigatório na hipótese de insumos destinados a fins terapêuticos ou medicinais. STJ. 5ª
Turma. HC 177972-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.

Crimes do art. 273, §§ 1º e 1ºB do CP: não é necessária perícia


Para a configuração do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º B, I, não se exige perícia, bastando a ausência de
registro na ANVISA, obrigatório na hipótese de insumos destinados a fins terapêuticos ou medicinais. STJ. 5ª
Turma. HC 177972-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.

II – CRIMES RELACIONADOS À REMOÇÃO E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS

A OMS já detectou que cerca de 5% dos órgãos utilizados nas intervenções cirúrgicas tem origem criminosa e
a incidência maior impera nas comunidades e países mais pobres, cujos cidadãos são obrigados a vender seus
órgãos. Destaca-se que o Código Penal prevê a remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano como

145
uma das finalidades visadas pelo tráfico de pessoas (art. 149-A, I). Muitas vezes, tais delitos são antecedidos
por diagnósticos fraudulentos de morte encefálica. A Lei n.º 9.434/97 definiu o conceito de morte, ajustando-
o à falência encefálica e não à vida biológica, regida pelo batimento cardíaco.

O órgão humano é bem extra commercium, insusceptível da realização da conduta típica descrita pelo
legislador penal. Enquanto o crime do art. 211 do Código Penal (destruição, subtração ou ocultação de cadáver)
não exige especial fim de agir, os crimes relacionados à remoção e transplante de órgãos, previstos na Lei
9.434/97 compreendem condutas relacionadas à remoção, compra, venda, transporte, guarda ou distribuição
de órgãos humanos, assim como realização de transplante ou enxerto sabendo que as partes do corpo humano
foram obtidas em desacordo com o dispositivo da lei.

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições
desta Lei
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.
§ 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2.º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto
Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa
§ 3.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido:
I - Incapacidade para o trabalho; II - Enfermidade incurável ;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente;
V - aborto: Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de
200 a 360 dias-multa.

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:


Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem
com a transação.

Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem
ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido
obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.

Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de
entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

7.CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA


7.1 Crimes contra a paz pública. (16.c)

146
16C. Crimes contra a paz pública.

Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 12/09/18

Introdução

A expressão “paz pública” foi utilizada pelo legislador em sua concepção subjetiva, ou seja, como o
sentimento coletivo de paz assegurado pela ordem jurídica. É preciso que na mentalidade das pessoas
permaneça inabalada a consciência de normalidade e entre os deveres do Estado está o de resguardar essa
consciência.

Incitação ao crime (art. 286, CP)

Núcleo do tipo: a incitação deve relacionar-se com a prática de crime determinado. É necessário que a
incitação ao crime atinja um número indeterminado de pessoas (elementar “publicamente”). Sujeito ativo:
qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: é a coletividade (crime vago). Elemento subjetivo: é o dolo.
Consumação: o crime é formal, consumando-se no momento em que o agente, incitando publicamente a
prática de crime, coloca em perigo a paz pública, criando uma sensação de insegurança na coletividade.
Tentativa: é possível caso a conduta seja plurissubsistente. Ação penal: pública incondicionada. Lei 9.099/95:
trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo.

Apologia de crime ou criminoso (art. 287, CP)

Núcleo do tipo: “fazer apologia” no sentido de elogiar, louvar, enaltecer fato criminoso ou autor de crime. A
conduta deve ser praticada em local público, de modo a alcançar pessoas indeterminadas (elementar
“publicamente”). Sujeito ativo: qualquer pessoa. Entretanto, alguns agentes políticos (ex. deputados federais
e senadores) são beneficiados por imunidades, que alcançam o delito em tela. Sujeito passivo: a coletividade.
Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: cuida-se de crime formal. Tentativa: é possível, nas hipóteses em
que a conduta se apresentar como plurissubsistente. Ação penal: pública incondicionada. Lei 9.099/95: trata-
se de infração penal de menor potencial ofensivo.

Associação criminosa (art. 288, CP)

Introdução: em sua redação original, o art. 288 do CP contemplava dois crimes (quadrilha e bando). Com a
entrada em vigor da Lei 12.850/13, o nomen iuris do delito foi alterado para associação criminosa. Núcleo do
tipo: é “associarem-se”, ou seja, reunirem-se três ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes,
independentemente da sua natureza e da pena cominada. Para a doutrina majoritária (ex. Cléber Masson e
Rogério Sanches), o delito deve ser doloso. A união estável e permanente é a nota característica que diferencia
a associação criminosa do mero concurso de pessoas. Sujeito ativo: qualquer pessoa. O crime é plurissubjetivo,
plurilateral ou de concurso necessário. OBS: Incluem-se no número mínimo de três pessoas os inimputáveis e
as pessoas não identificadas. Sujeito passivo: é a coletividade (crime vago). Elemento subjetivo: é o dolo,
acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico), representado pela expressão “para o fim
específico de cometer crimes”. Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma no momento da
convergência de vontades dos agentes, independentemente da realização ulterior do fim visado. Cuida-se de
crime de perigo abstrato e permanente. Tentativa: não é possível. Ação penal: pública incondicionada. Causas
de aumento de pena: associação armada (arma própria ou imprópria) e participação de criança ou adolescente
(menor de 18 anos). Figura qualificada: art. 8º, caput, da Lei 8.072/90. Aplicável unicamente aos agrupamentos
ilícitos constituídos com a finalidade de praticar delitos hediondos ou equiparados, com exceção do tráfico de
drogas, em relação ao qual incide a figura específica do art. 35 da Lei 11.343/06.

Constituição de milícia privada (art. 288-A, CP)

147
Introdução: crime incorporado ao Código Penal pela Lei 12.720/12. A constitucionalidade do dispositivo legal
é questionada pela doutrina, notadamente por configurar um tipo penal aberto, o que violaria o princípio da
reserva legal ou da estrita legalidade. Objeto material: é a organização paramilitar (associação civil,
desvinculada do Estado, armada e com estrutura análoga às instituições militares), a milícia particular
(agrupamento armado e estruturado de civis), o grupo e o esquadrão (estes dois ligados aos grupos de
extermínio). Núcleos do tipo: há cinco verbos nucleares (tipo misto alternativo). União estável e permanente:
é fundamental para a constituição de milícia privada. O acordo deve ser duradouro. A finalidade deve ser a
prática de qualquer dos crimes previstos no Código Penal. Sujeito ativo: qualquer pessoa. É delito
plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário. Diante da omissão normativa, é seguro afirmar que
devem existir ao menos três pessoas. Sujeito passivo: é a coletividade (crime vago). Elemento subjetivo: é o
dolo, acrescido de um especial fim de agir (“com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste
Código”). Consumação: trata-se de crime formal. Tentativa: não é possível. Ação penal: pública
incondicionada.

8.CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA


8.1 Crimes contra a fé pública. (12.c)

12C. Crimes contra a fé pública.

Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 07/09/18

Introdução

A fé pública constitui-se em realidade e interesse que a lei deve proteger, pois sem ela seria impossível
a vida em sociedade. É preciso acreditar na veracidade de certos atos, documentos, sinais e símbolos
empregados nas relações diárias. A violação da fé pública caracteriza o crime de falso. O falso é a contraposição
ao real, ao verdadeiro, ao legítimo.
Os crimes de falso reclamam três requisitos, a saber: a) dolo (não existe nenhum crime de falso punido
a título de culpa); b) imitação da verdade (por meio da alteração ou da imitação da verdade propriamente
dita); c) dano potencial (o dano não precisa ser efetivo e não é, necessariamente, de índole patrimonial).
Os delitos dos arts. 289 a 311 do CP comportam três espécies de falsidade: a) material (ou externa,
incide materialmente sobre a coisa); b) ideológica (os requisitos extrínsecos são autênticos, mas o conteúdo é
falso); c) pessoal (relaciona-se à qualificação pessoal).

Moeda falsa (arts. 289 a 291, CP) – CRIME IMPORTANTE PARA O MPF!

Bens jurídicos protegidos: a fé pública (segurança da sociedade em relação à moeda) e o patrimônio particular
(de forma mediata).
Princípio da insignificância: a orientação dominante é no sentido da inaplicabilidade.
Sujeitos passivos: o Estado e a coletividade.

Tipo básico (art. 289, caput, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Tipo objetivo: falsificar é o gênero, que se dá mediante
fabricação (produção de cédula nova) ou alteração (modificação de moeda existente). Curso legal é o
reconhecimento obrigatório, por força de lei, de determinada moeda (brasileira ou estrangeira). É exigida a
idoneidade da falsificação, que é a aptidão para enganar. A imitação grosseira, perceptível a olho nu, não
caracteriza moeda falsa, mas sim estelionato (Súmula 73 do STJ). Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: no
momento da contrafação, independentemente da introdução em circulação. Concurso de crimes: o tipo é de
conduta múltipla, havendo crime único ainda que praticada mais de uma conduta nuclear. Ação penal: é
pública incondicionada, de competência da Justiça Federal (por afetar a fé pública da União).
OBS: Conferir Enunciado n.º 60 da Câmara Criminal de Coordenação e Revisão do MPF.

148
Formas derivadas (art. 289, § 1º, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa, exceto o autor da falsificação (tipo subsidiário). Tipo objetivo: contempla
inúmeros verbos, todos autoexplicativos. Tipo subjetivo: é o dolo (não há forma culposa e não se exige especial
fim de agir). Consumação: a forma do § 1º é de ação múltipla, consumando-se pela prática de qualquer das
condutas do tipo. O crime é formal e de perigo. A tentativa é de difícil ocorrência. Competência: é da JF, pois
afeta a fé pública da União, competente, por meio do Banco Central, para a emissão de moeda.

Forma privilegiada (art. 289, § 2º, CP)

Sujeito ativo: somente aquele que, de boa-fé, recebeu a moeda falsa. Tipo subjetivo: é o dolo, aliado à vontade
de evitar o prejuízo decorrente do recebimento da moeda de boa-fé. Consumação: com a reintrodução em
circulação. Tentativa: é admissível.

Forma qualificada (art. 289, § 3º, CP)

Sujeito ativo: somente o funcionário público, diretor, gerente ou fiscal de banco de emissão e o órgão
encarregado da emissão e produção de moeda, ou seja, da Casa da Moeda ou do BACEN. Tipo subjetivo: é o
dolo. Consumação: com a mera prática de qualquer das condutas, independentemente de proveito para o
agente ou prejuízo para terceiro.

Crimes assimilados ao de moeda falsa (art. 290, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa (caput) ou funcionário público (parágrafo único). Tipo objetivo: formar (montar
a partir de fragmentos de cédulas verdadeiras), suprimir (apagar o sinal indicativo de inutilização da moeda) e
restituir à circulação. Tipo subjetivo: dolo. Consumação: com a prática de quaisquer das condutas,
independentemente de lucro ou de prejuízo.

Petrechos para falsificação de moeda (art. 291, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa. Tipo objetivo: tipo penal antecipado, devendo ser averiguada a destinação dos
petrechos (a destinação principal deve ser a fabricação de moeda). Tipo subjetivo: dolo. Consumação: prática
de qualquer das condutas (tipo misto alternativo).

Emissão de título ao portador sem permissão legal (art. 292, CP)

Núcleo do tipo: trata-se de lei penal em branco homogênea, pois o tipo penal reclama a emissão de promessa
de pagamento em dinheiro “sem permissão legal”. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado
e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta criminosa. Elemento subjetivo: é o dolo.
Consumação: cuida-se de crime formal, que se consuma com a emissão do título ao portador. Tentativa: é
cabível, em face do caráter plurissubsistente do delito. Ação penal: pública incondicionada. Natureza: infração
penal de menor potencial ofensivo. Competência: Justiça Federal.

Falsificação de títulos e outros papéis públicos (arts. 293 a 295, CP) – entende-se que tais delitos são menos
relevantes para o concurso do MPF. Sugere-se apenas a leitura da lei seca.

Falsificação do selo ou sinal público (art. 296, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica
prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: cuida-se de crime formal, que se consuma no
momento da falsificação. Tentativa: é possível (caráter plurissubsistente do delito). Ação penal: pública

149
incondicionada. Figuras equiparadas: art. 296, § 1º, do CP.

Falsificação de documento público (art. 297, CP)

Objeto material: é o documento público falsificado, no todo ou em parte, ou o documento público verdadeiro
alterado. Documento, no âmbito penal, é o escrito elaborado por pessoa determinada, representativo de uma
declaração de vontade ou da existência de fato, direito ou obrigação, dotado de relevância jurídica e com
eficácia probatória. Documento público é aquele criado pelo funcionário público, nacional ou estrangeiro, no
desempenho das suas atividades, de acordo com as formalidades legais. Falsificação grosseira: exclui o delito
de falso (crime impossível), sem prejuízo do enquadramento da conduta em outro crime. Sujeito ativo:
qualquer pessoa. Se funcionário público, há majorante. Sujeito passivo: o Estado e a pessoa física ou jurídica
prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo comum. Consumação: cuida-se de crime formal, que se consuma
com a falsificação ou alteração. Trata-se, ainda, de crime instantâneo e não transeunte (deixa vestígios
materiais, sendo indispensável o Exame de Corpo de Delito). Tentativa: é possível (caráter plurissubsistente do
delito). Ação penal: pública incondicionada. Competência: em regra, da Justiça Estadual. Todavia, será
competente a Justiça Federal na hipótese do art. 109, IV, da CR/88. Ler a Súmula Vinculante 36. Exemplos de
documentos públicos que atraem a competência da JF: passaporte e autorização para o porte de arma de fogo.
Absorção: o estelionato absorve a falsificação (Súmula 17 do STJ).
OBS: Conferir Enunciado n.º 62 da Câmara Criminal de Coordenação e Revisão do MPF.

Falsificação de documento particular (art. 298, CP)

Objeto material: é o documento particular falsificado, no todo ou em parte, bem como o documento
particular verdadeiro alterado. O conceito é obtido residualmente, pelo critério da exclusão. Sujeito ativo:
qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento
subjetivo: é o dolo. Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma com a falsificação ou a alteração,
independentemente do efetivo uso do documento. Tentativa: é possível (crime plurissubsistente). Ação penal:
pública incondicionada. Lei 9.099/95: em face da pena mínima cominada (um ano), o crime é compatível com
a suspensão condicional do processo, se presentes os demais requisitos.

Falsidade ideológica (art. 299, CP) – “Falso ideal”, “falso moral” ou “falso intelectual”

Introdução: as falsificações de documentos público e particular, anteriormente estudadas, são materiais. No


art. 299, ora estudado, o documento é formalmente verdadeiro, o sujeito tem autorização para criar o
documento, mas o seu conteúdo, a ideia nele lançada, diverge da realidade. Objeto material: é o documento
público ou particular. OBS: Para o STF, não caracteriza o crime em tela a declaração de pobreza inverídica, pois
ela é passível de averiguação ulterior. OBS2: As petições em geral, encartadas em autos de processos judiciais
ou administrativos, não se amoldam ao conceito de documento para fins penais (nas petições, há meras
alegações). Núcleos do tipo: em qualquer das condutas, omissiva ou comissiva, a falsidade deve relacionar-se
a fato juridicamente relevante, compreendido como aquele que, isoladamente ou em conjunto com outros
fatos, apresente significado direto ou indireto para constituir, modificar ou extinguir relação jurídica. Sujeito
ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada.
Elemento subjetivo: é o dolo, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo específico).
Consumação: trata-se de crime formal, que não exige o efetivo uso do documento. Tentativa: é admitida na
modalidade comissiva, mas não na omissiva. Ação penal: pública incondicionada.
Lei 9.099/95: em tese, é possível a suspensão condicional do processo (pena mínima um ano).

Falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300, CP)

Objetividade jurídica: é uma modalidade especial de falsidade ideológica, cometida no exercício da função
pública de autenticação de documentos públicos e privados. Objeto material: é a firma (assinatura de alguém)
ou letra (sinal gráfico representativo de vocábulos da linguagem escrita) falsa. Sujeito ativo: cuida-se de crime

150
próprio ou especial, pois somente pode ser cometido pelo funcionário público dotado de fé pública, ou seja,
com atribuição para o reconhecimento de firma ou letra como verdadeiras. Sujeito passivo: é o Estado e,
mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta. Elemento subjetivo: é o dolo (inclusive o
eventual). Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma no momento em que o funcionário público
reconhece como verdadeira firma ou letra que não o seja. Tentativa: é possível (crime plurissubsistente). Ação
penal: pública incondicionada.

Certidão ou atestado ideologicamente falso (art. 301, CP)

Objeto material: é o atestado (documento que traz em si o testemunho de um fato ou circunstância) ou


certidão (documento em que um funcionário afirma a verdade de um fato ou circunstância) ideologicamente
falso. Sujeito ativo: cuida-se de crime próprio ou especial, que somente pode ser praticado por funcionário
público autorizado a emitir atestados ou certidões. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física
ou jurídica prejudicada pela conduta. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: trata-se de crime formal, que
se consuma no momento em que o agente conclui a certidão ou o atestado e o entrega a outrem. Tentativa:
é possível (caráter plurissubsistente do delito). Ação penal: pública incondicionada.

Falsidade de atestado médico (art. 302, CP)

Objeto material: atestado médico falso. Sujeito ativo: o crime é próprio ou especial (somente pode ser
cometido pelo médico). Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada
pela conduta. Elemento subjetivo: é o dolo. Fim de lucro: se o crime é praticado com finalidade lucrativa,
aplica-se também a pena de multa. Consumação: cuida-se de crime formal, consumando-se no momento em
que o médico entrega o falso atestado. Tentativa: é possível (caráter plurissubsistente do delito). Ação penal:
pública incondicionada.

Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica (art. 303, CP)

Dispositivo legal revogado tacitamente pelo art. 39 da 6.538/1978.

Uso de documento falso (art. 304, CP)

Introdução: cuida-se de crime remetido, pois sua conduta típica se remete aos arts. 297 a 302 do CP. É também
delito acessório (de fusão ou parasitário), pois não tem existência autônoma, reclamando a prática de crime
anterior. Além disso, o art. 304 do CP é norma penal em branco ao avesso, pois o preceito secundário não
estabelece a pena cominada ao delito, sendo necessária a complementação por outras normas penais. Objeto
material: é qualquer dos papeis falsificados ou alterados a que se referem os arts. 297 a 302 do CP. OBS: Não
há uso de documento falso nos seguintes casos: falsificação grosseira; papeis impressos ou datilografados, sem
assinatura; fotocópias não autenticadas. Núcleo do tipo: é imprescindível a efetiva utilização do documento
para o fim a que se destina, judicial ou extrajudicialmente, não bastando seu porte ou a simples posse, pois a
lei não contempla os verbos “portar” e “possuir”. OBS: Não há crime quando o documento falso é encontrado
em poder de alguém, como numa revista policial. CNH: se o indivíduo está na condução de veículo automotor,
está usando a CNH, portanto há crime. Solicitação da autoridade: não afasta o crime, pois não se exige
espontaneidade. Autodefesa: Para o STF, a autodefesa é limitada, não sendo assegurado a ninguém o direito
de se valer de meios ilícitos para a salvaguarda de interesses pessoais. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito
passivo: o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo, direto
ou eventual. Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma com a efetiva utilização dos papeis
falsificados ou alterados. Tentativa: cabível nas hipóteses em que a conduta for composta de diversos atos.
Ação penal: pública incondicionada. Competência: em regra, da Justiça Estadual. Será da Justiça Federal na
hipótese de utilização de documentos federais falsificados ou alterados, e também quando for praticado em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, autarquias e empresas públicas. OBS: Uso de passaporte
falso – competência da JF (Súmula 200 do STJ). OBS2: A extinção da punibilidade do crime antecedente

151
(falsificação de documento público) acarreta a automática extinção da punibilidade do crime posterior (uso de
documento falso)? Em regra, não (art. 108, primeira parte, CP). Mas há duas exceções: anistia e abolitio
criminis, que são veiculadas por lei.
Súmula importante: 546 do STJ.

Supressão de documento (art. 305, CP)

Objeto material: é o documento público ou particular verdadeiro, de que o agente não podia dispor. Sujeito
ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada.
Elemento subjetivo: é o dolo, acrescido de um especial fim de agir (“em benefício próprio ou de outrem” e
“em prejuízo alheio”). Consumação: cuida-se de crime formal, que se consuma com a destruição, supressão
ou ocultação do documento. Tentativa: é possível (caráter plurissubsistente do delito). Ação penal: pública
incondicionada.

Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para


outros fins (art. 306, CP)

Objeto material: é a marca ou sinal empregado pelo poder público no contraste de metal precioso ou na
fiscalização alfandegária. Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: é o Estado e,
mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: cuida-se de
crime formal, que se consuma com a falsificação da marca ou sinal (na modalidade “falsificar”) ou com a efetiva
utilização da marca ou sinal (na variante “usar”). Tentativa: é possível quando o delito se apresentar como
plurissubsistente. Ação penal: pública incondicionada. Figura privilegiada: art. 306, parágrafo único, CP.

Falsa identidade (art. 307, CP)

Objeto material: é a identidade, compreendida como o conjunto de características próprias de determinada


pessoa, capazes de identificá-la e individualizá-la em sociedade (ex.: nome, filiação, idade, estado civil). Núcleo
do tipo: é “atribuir” (imputar), indicativo da atuação positiva (comissiva) do agente, não se caracterizando o
delito quando alguém silencia ou deixa de negar a falsa identidade. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito
passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo,
acrescido de especial fim de agir (“para obter vantagem ou para causar dano”). OBS: Para o STF e para o STJ, a
autodefesa não pode ser invocada para deixar impune tal conduta (Súmula 522 do STJ). Consumação: trata-se
de crime formal, que não exige resultado naturalístico. Tentativa: é possível nas hipóteses em que a falsa
identidade se apresentar como crime plurissubsistente e impossível nos casos em que a conduta se compõe
de um único ato. Ação penal: pública incondicionada. Lei 9.099/95: é infração de menor potencial ofensivo.
Subsidiariedade expressa: em face do que dispõe o preceito secundário do art. 307. O estelionato, o uso de
documento falso e a violação sexual mediante fraude prevalecem sobre a falsa identidade.
Súmula importante: 522 do STJ.

Uso de documento de identidade alheia (art. 308, CP)

Introdução: também é crime expressamente subsidiário. Objeto material: o passaporte, o título de eleitor, a
caderneta de reservista ou qualquer outro documento de identidade alheia (verdadeiro e de natureza pública).
Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica
prejudicada. Elemento subjetivo: na modalidade “usar”, é o dolo. Na modalidade “ceder”, exige-se o dolo e
um especial fim de agir (“para que dele se utilize”). Consumação: na modalidade “usar”, a consumação ocorre
quando o sujeito faz efetivo uso do documento alheio. Na modalidade “ceder”, a consumação ocorre no
momento da tradição do documento, sem que se exija a efetiva utilização do documento. Tentativa: é possível,
em face de sua natureza plurissubsistente. Ação penal: pública incondicionada. Lei 9.099/95: é infração penal
de menor potencial ofensivo.

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Fraude de lei sobre estrangeiros (art. 309, CP)

Objeto material: é o nome (prenome e sobrenome). Sujeito ativo: estrangeiro (crime próprio ou especial).
Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta. Elemento
subjetivo: é o dolo, acrescido de um especial fim de agir (“para entrar ou permanecer no território nacional”).
Consumação: trata-se de crime formal, que se consuma com o efetivo uso, pelo estrangeiro, de nome que não
é seu. Tentativa: é cabível, caso o delito se apresente como plurissubsistente. Ação penal: pública
incondicionada. Parágrafo único: atribuição de falsa qualidade a estrangeiro.

Falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade (art. 310, CP)

Objeto material: é a ação, título ou valor cuja propriedade ou posse é legalmente vedada ao estrangeiro no
Brasil. Sujeito ativo: qualquer pessoa, desde que brasileiro (nato ou naturalizado). Sujeito passivo: é o Estado
e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento subjetivo: é o dolo. Consumação: crime
formal, que se consuma no momento em que o brasileiro se presta a figurar como proprietário ou possuidor
da ação, título ou valor. Tentativa: é possível (caráter plurissubsistente). Ação penal: pública incondicionada.

Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311, CP)

Objeto material: é o número do chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu
componente ou equipamento. Núcleos do tipo: adulterar ou remarcar (tipo misto alternativo). Sujeito ativo:
qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento
subjetivo: é o dolo. Consumação: crime formal, em que pouco importa o resultado naturalístico. Tentativa: é
possível. Ação Penal: pública incondicionada. Art. 311, § 2º, CP: modalidade específica de participação
material, sendo crime próprio ou especial, que só pode ser praticado por funcionário público.

Fraudes em certames de interesse público (art. 311-A, CP)

Objetos materiais: contemplados nos incisos do art. 311-A, revelam a finalidade de alcançar operações
fraudulentas em qualquer modalidade de certame de interesse público. Núcleos do tipo: trata-se de tipo misto
alternativo. OBS: A expressão “conteúdo sigiloso” diz respeito a qualquer informação secreta ao público em
geral e restrita a poucas pessoas. OBS2: A cola eletrônica em certames de interesse público configura o
presente crime, havendo concurso de agentes entre o especialista e o candidato. OBS3: A fraude em processo
seletivo para ingresso no ensino superior, em instituição privada ou pública, caracteriza o crime. Sujeito ativo:
qualquer pessoa. Sujeito passivo: é o Estado e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada. Elemento
subjetivo: é o dolo, direto ou eventual, com especial fim de agir. Consumação: trata-se de crime formal, que
não exige resultado naturalístico. Tentativa: é possível. Ação penal: pública incondicionada. Qualificadora: o
art. 311, § 2º, CP deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo os danos materiais e morais.
Competência: em regra, da Justiça Estadual. Será da competência da Justiça Federal quando praticado em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas entidades autárquicas ou suas empresas públicas.
Ex.: Concurso público promovido pela Caixa Econômica Federal.

9.CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


9.1 Crimes contra a administração pública praticados por funcionário público contra a administração. (9.c)
9.2 Crimes contra a administração pública praticados por particular. (10.c)
9.3 Crimes contra a administração da Justiça. (11.c)

9C. Crimes contra a administração pública praticados por funcionário público

Rafael Martins da Silva

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ASPECTOS GERAIS: Os crimes praticados por funcionário público contra a administração pública também são
conhecidos como crimes funcionais. Esses crimes visam proteger não apenas o patrimônio público mas
também a moralidade e regularidade do funcionamento da Administração Pública, por isso as penas previstas
no Título XI da Parte Especial do Código Penal são maiores que as dos crimes equivalentes em outras partes
do Código.
Ressalte-se que nem todos os crimes funcionais encontram-se no Título XI da Parte Especial do Código Penal,
havendo crimes na Lei 8.137/90, na Lei de crimes ambientais, na Lei de licitações, no Decreto-Lei 201/67
(crimes de responsabilidade dos Prefeitos).

OBJETIVIDADE JURÍDICA: Administração Pública em sentido amplo. Perseguem-se fatos que impedem ou
perturbam o desenvolvimento regular da atividade do Estado e de outros entes públicos. Crimes funcionais
próprios: a função pública é elemento essencial do crime. A ausência da qualidade de funcionário torna a
conduta atípica. Crimes funcionais impróprios: a ausência da qualidade de funcionário público pode configurar
outro crime. Fala-se em atipicidade relativa.

CONCURSO DE PESSOAS: STF e STJ, assim como a maioria da doutrina brasileira, afirmam que os crimes
funcionais admitem coautoria e participação pelo intraneus (outro funcionário público) e pelo extraneus
(particular pratica o crime em conjunto com o funcionário público). Para que o particular responda pelo crime
funcional, é necessário que ele saiba que coopera com o funcionário, sob pena de responsabilidade penal
objetiva.
Todavia, Claus Roxin entende que os crimes funcionais classificam-se como crimes de violação de dever, sendo
considerado autor apenas aquele que viola um dever extrapenal, sendo tal violação um requisito do tipo penal.
Assim, o extraneus somente poderia ser responsabilizado como partícipe, caso pratique ato acessório. Se
aturar diretamente (praticando um dos verbos do tipo) será autor de um crime correspondente (ex.: intraneus
pratica peculato e extraneus apropriação indébita). Seria uma mitigação dos disposto no artigo 30 do Código
Penal e da Teria Monista.

FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PARA FINS PENAIS: pessoa que exerça, a qualquer título, ainda que
transitoriamente e sem remuneração, função pública. Funcionário público por equiparação: Alteração
imposta pela lei 9.983/2000, que ampliou o conceito de modo a contemplar que exerce cargo, emprego ou
função pública em entidade paraestatal ou trabalha para prestadora de serviço contratada ou conveniada
para a execução de atividade típica da administração pública. Tal lei, por ser mais gravosa, não retroage.
ATENÇÃO: o advogado dativo, para o STJ, é funcionário público para fins penais, pois ele faz às vezes da
Defensoria Pública, agindo em razão de um convênio com o Estado e recebendo remuneração deste.
Funcionários das franquias da EBCT: para a doutrina majoritária, não são funcionários públicos. Funcionário
direto da EBCT: são funcionários públicos para fins penais, assim como os médicos do SUS. O §2º do art. 327
prevê uma majorante de pena de 1/3, se os autores do crime forem ocupantes de cargo em comissão, função
de direção ou assessoramento. Cuidado: não há previsão de aumento de pena para ocupante de cargo ou
função em autarquia. Prefeitos, governadores e o Presidente da República incidem no aumento, pois
exercem cargo/função de direção do órgão que representam (STF, Inq. 1769-PA). Sempre que o sujeito ativo
for Prefeito municipal o Código Penal funciona como norma geral, enquanto que o DL 201/67 funciona como
norma especial. Logo, somente se a conduta não estiver prevista no DL 201/67 é que se aplica o CP.

PECULATO: o caput do art. 312 contém duas modalidades, o peculato apropriação e o peculato desvio. O
primeiro tem a significação de apossar-se, assenhorar-se, enquanto o segundo o núcleo é desviar. O Objeto
material é amplo e recai sobre dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Diretor de sindicato pratica
peculato? Art. 552 da CLT faz uma equiparação objetiva. Para a maioria da doutrina, esse artigo não foi
recepcionado pela CF/88, mas STJ discorda. Para doutrina majoritária, a posse deve ser entendida em sentido
amplo, de modo a compreender tanto posse indireta quanto à detenção. É imprescindível o animus de
apoderamento definitivo. Se agente age com animus de uso, há o delito? Se for coisa consumível sim, se for
coisa não consumível não. Mão-de-obra não é coisa, mas serviço. Assim, não existe peculato de mão-de-
154
obra. Mas quando o agente for Prefeito, o peculato de uso é sempre crime, não importando se a coisa é
consumível ou não. Até o uso de mão-de-obra é crime, caso o agente seja Prefeito, por previsão do DL
201/67. Princípio da insignificância: no STF prevalece que cabe, no STJ que não cabe, pois tal crime não
resguarda apenas o aspecto material, mas principalmente a moral administrativa (HC 115.562, DJe
21.06.2010). Peculato-furto: subtrai ou concorre para a subtração. É imprescindível que o agente atue
valendo-se da facilidade proporcionada pela qualidade de ser funcionário. Peculato culposo: A reparação do
dano antes da sentença irrecorrível acarreta extinção da punibilidade. Se posterior, reduz a pena pela
metade. Pratica este crime, por exemplo, o funcionário público incumbido de fiscalizar o serviço. Peculato
mediante erro de outrem: o erro deve ser espontâneo. Se o terceiro errou provocado pelo funcionário
público, o delito será o de estelionato. Peculato Eletrônico: O funcionário não autorizado que pratica o art.
313-A reponde pelo crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Por não ser autorizado, o funcionário será
equiparado ao particular.

CONCUSSÃO: a conduta típica se consubstancia em exigir o agente, por si ou por interposta pessoa, explícita
ou implicitamente, vantagem indevida, abusando da sua autoridade pública como meio de coação. Trata-se
de uma forma especial de extorsão, executada por funcionário público. Se o sujeito ativo for fiscal de rendas,
aplica-se o art. 3º, II, da Lei 8.137/90 (neste caso, temos um crime funcional contra a ordem tributária, e não
contra a Administração Pública. O mesmo ocorre na corrupção passiva). Prevalece que a vantagem pode ser
de qualquer natureza (sexual, moral, econômica etc.). Se a vantagem for devida, o agente poderá praticar
outro crime. Se essa vantagem devida for tributo ou contribuição social, o delito será o de excesso de exação
(art. 316, §1º, do CP). Se a vantagem for qualquer outra, desde que devida, haverá o crime de abuso de
autoridade. Para configurar a concussão, é imprescindível que o agente tenha competência ou atribuição
para concretizar o mal que prometeu, caso contrário estará configurado o crime de extorsão. É preciso,
porém, não confundir exigência com solicitação, porque, no caso de mero pedido, o crime será outro:
corrupção passiva, previsto no art. art. 317 do CP.

CORRUPÇÃO PASSIVA: Verbo: solicitar, receber ou aceitar promessa. Se o funcionário, em razão da vantagem
ou promessa, retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional
tem-se a figura qualificada, em que a pena é aumentada em um terço. Se praticado por influência de outrem,
tem-se a figura privilegiada, que não se confunde com prevaricação pela ausência do elemento subjetivo
“satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. OBS: A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção adota
uma definição ampla de corrupção, de modo a incluir diversos crimes contra a Administração Pública.
Classifica-se como imprópria a corrupção que visa a pratica de ato legítimo, e, como própria, a que tiver por
finalidade a realização de ato injusto.

PREVARICAÇÃO: A prevaricação consiste essencialmente no fato de espontaneamente o funcionário se


desgarrar do sentido de finalidade pública que deve ser a de toda a sua vida funcional, para, no caso, em vez
disto, ter a sua ação norteada para o que se lhe afigure o seu interesse ou lhe pareça condizente com
sentimento seu, pessoal. São três modalidades: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício
ou praticá-lo contra disposição expressa de lei. Imprescindível demonstrar o elemento subjetivo “satisfazer
interesse ou sentimento pessoal), sendo requisito da denúncia. A prevaricação não se confunde com a
corrupção passiva privilegiada (§ 2.° do art. 317): Nesta, o funcionário atende a pedido ou influência de
outrem. Naquela (prevaricação) não há tal pedido ou influência, o agente busca satisfazer interesse ou
sentimento pessoal. Prevaricação imprópria (art. 319-A): vedação de aparelho telefônico, de rádio ou similar
em presídios. Qualquer outro acessório (chips, baterias, carregadores de celular), a princípio, não poderia
ser objeto material, sob pena de haver analogia in malam partem. O STJ, no entanto, já estendeu a
incriminação aos acessórios (HC 154.356/SP, DJe 18/10/2010). Trata-se de crime omissivo próprio, de modo
que não é possível tentativa.

10C. Crimes contra a administração pública praticados por particular.

155
Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 10/09/18

Usurpação de função pública (art. 328, CP)

Bem jurídico protegido: é o regular e normal funcionamento da administração pública. Sujeito ativo: o
particular ou o funcionário, desde que este aja completamente fora de suas atribuições, sem relação com
estas. Sujeito passivo: é o ente público. Tipo objetivo: usurpar significa assumir o exercício da função pública
de forma indevida ou com fraude. Se o indivíduo aufere vantagem, se dá a forma qualificada do crime. Tipo
subjetivo: é o dolo, acrescido do ânimo de usurpar. Consumação: ocorre com a prática de pelo menos um ato
de ofício, sendo desnecessária a ocorrência de dano. Competência: é da Justiça Federal caso seja usurpada a
competência de órgão ou servidor federal (afetação ao serviço da União em tal caso).

Resistência (art. 329, CP)

Sujeito ativo: é crime comum, que pode ser cometido por qualquer pessoa, ainda que não destinatária do ato.
Sujeito passivo: a Administração Pública, além do funcionário que sofre a violência ou ameaça e o 3º que lhe
preste auxílio. Tipo objetivo: o crime consiste em opor-se à execução de ato legal, devendo a resistência ser
concomitante ou anterior à prática do ato. A violência deve ser física e real contra a pessoa que executa o ato
ou quem lhe presta auxílio, não configurando o crime a violência contra a coisa, tampouco a violência
presumida. A ameaça pode ser verbal, gestual ou simbólica. A resistência tem de se voltar contra o servidor,
ou seja, deve ser ativa. A oposição passiva ou não violenta ao ato não configura o crime de resistência. O § 1º
traz a resistência qualificada, que somente será reconhecida quando impedir objetivamente a prática do ato.
Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: é crime formal, em que basta a prática da violência ou ameaça, sendo
dispensável o impedimento à prática do ato, o que somente qualifica o delito. Competência: é da Justiça
Federal caso a resistência seja praticada contra servidor público federal. Tipo especial: art. 69 da Lei 9.605/98.

Desobediência (art. 330, CP)

Sujeito ativo: “é crime de particular”. Há duas posições sobre a possibilidade de ser o crime praticado por
funcionário público no exercício das funções. 1ª) Posição tradicional: por estar o crime no capítulo relativo aos
delitos praticados por “particular” contra a Administração em geral, não pode ser praticado por funcionário;
2ª) Posição do STJ e de Baltazar Júnior: funcionário público pode praticar o crime em tela. Tipo objetivo:
desobedecer é não acatar, não se submeter a ordem (não basta o mero pedido) legal (se a ordem é ilegal, não
há crime) de funcionário público. O crime pode ser praticado de forma omissiva ou comissiva. A desobediência
não se dá em relação à lei, mas à ordem de funcionário com fundamento na lei (um comando concreto). Tipo
subjetivo: é o dolo (vontade livre e consciente de desobedecer). Ilicitude: a recusa em praticar ato de produção
de prova que possa trazer prejuízo não configura o crime de desobediência porque ninguém é obrigado a
produzir prova contra si mesmo. Consumação: o crime é formal, não se exigindo resultado naturalístico. Há
quem entenda que o crime é permanente (prolongando-se enquanto a ordem não for cumprida) e quem
entenda que é instantâneo (consuma-se no momento da ação ou omissão). Competência: é da Justiça Federal
quando a ordem for emanada de servidor público federal. Prisão: tratando-se de crime de menor potencial
ofensivo, não cabe a prisão em flagrante ou mesmo a exigência de fiança se o autor do fato, após a lavratura
do TCO, for encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer (art. 69, p. único, Lei
9.099/95).
OBS: Segundo tranquila orientação da doutrina e da jurisprudência, que destoa da linha tradicional no sentido
da independência entre as instâncias, no caso do crime de desobediência, fica afastada a tipicidade sempre
que houver, para a mesma conduta, previsão de sanção civil, processual ou administrativa, sem ressalva
expressa de que a infração admite, cumulativamente, responsabilização penal. Nesse sentido, encontra-se o
Enunciado 61 da 2ª CCR do MPF: “Para a configuração do crime de desobediência, além do descumprimento
de ordem legal de funcionário público, é necessário que não haja previsão de sanção de natureza civil,
processual civil e administrativa, e que o destinatário da ordem seja advertido de que o seu não cumprimento
caracteriza crime”.

Desacato (art. 331, CP)

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Bem jurídico protegido: a administração pública, em especial a honra de seu agente. Sujeito ativo: há duas
posições. Para a primeira, o desacato pode ser praticado por qualquer pessoa, incluindo o funcionário público
no exercício das funções. Para a segunda, há impossibilidade da prática do crime pelo funcionário. Sujeito
passivo: é o Estado e o funcionário ofendido. Tipo objetivo: desacatar consiste em insultar, ofender, humilhar,
atentando contra a honra do funcionário ou da função pública que exerce, de forma verbal, gestual ou
simbólica. O delito requer relação com o exercício da função. A presença do funcionário é indispensável por
ocasião da ofensa. Tipo subjetivo: é o dolo (vontade livre e consciente de ofender ou desprestigiar a função
pública exercida pela vítima). Ação penal: pública incondicionada, ao contrário do que se dá em relação aos
crimes contra a honra do funcionário público.
OBS: A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem o entendimento consolidado de que as leis
nacionais que criminalizam o desacato violam o artigo 7.2 (liberdade pessoal) e o artigo 13.2 (liberdade de
pensamento e expressão) da Convenção Americana. A tese institucional do MPF também é pela
inconvencionalidade do crime de desacato (“A lei de desacato visa silenciar ideias e opiniões impopulares, inibir
as criticas e reprimir o direito ao debate crítico”). No entanto, atualmente (2018), tanto o STF (2ª Turma. HC
141.949/DF) quanto o STJ (3ª Seção. HC 379.269/MS) entendem que o desacato continua sendo crime.

Tráfico de influência (art. 332, CP)

Bem jurídico protegido: é o prestígio ou a higidez do funcionamento da administração pública. Sujeito ativo:
qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: o ente público para o qual trabalha o funcionário público em
relação ao qual é prometida a influência, o próprio funcionário e o particular a quem se promete a influência
inexistente. Tipo objetivo: o traço marcante é a expressão “a pretexto de”, que denota o fato de que o agente
não detém, efetivamente, a possibilidade de influenciar o funcionário, fazendo uma verdadeira “cortina de
fumaça”, agindo de forma fraudulenta, sem a ciência do funcionário. Tipo subjetivo: é o dolo (vontade livre e
consciente de solicitar, exigir, cobrar ou obter vantagem ou promessa de vantagem). Consumação: crime
formal (sua consumação ocorre com a simples prática de uma das condutas descritas no tipo). Competência:
é da Justiça Federal se o delito for praticado a pretexto de influir em ato a ser praticado por órgão federal ou
servidor público federal.

Corrupção ativa (art. 333, CP)

Noção: a matéria é objeto de preocupação no âmbito internacional, como se extrai do art. 8º, item “a”, da
Convenção de Palermo. Assim como na corrupção passiva, cuida-se de exceção dualista à teoria monista, pois
há um crime para o funcionário público e um para o particular. Sujeito ativo: qualquer pessoa, inclusive o
funcionário público. Sujeito passivo: é o Estado, primordialmente, e o funcionário a quem é oferecida a
vantagem indevida, eventual e secundariamente. Princípio da insignificância: não é aplicável. Tipo subjetivo: é
o dolo (vontade livre e consciente de oferecer ou prometer vantagem indevida ao funcionário, aliado à vontade
livre e consciente de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício). Consumação: o delito é formal,
consumando-se com a mera oferta ou promessa de vantagem indevida por parte do particular,
independentemente da aceitação por parte do funcionário. Competência: é da Justiça Federal em caso de
oferecimento ou promessa de vantagem indevida a funcionário público federal, sendo a competência
territorial do local onde oferecida a vantagem.

Descaminho (art. 334, CP) – CRIME IMPORTANTÍSSIMO PARA O MPF!

Noção: após a alteração promovida pela Lei 13.008/14, o art. 334 do CP passou a tratar exclusivamente do
descaminho, enquanto o contrabando passou a ser disciplinado pelo novel art. 334-A do CP.
Bem jurídico protegido: é a ordem tributária.
Sujeito passivo: é o Estado ou, mais precisamente, a União.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Se o agente for servidor público com a atribuição de reprimir o
descaminho, responde pelo delito do art. 318 do CP (exceção dualista à teoria monista em matéria de
concurso).

157
Tipo objetivo: a conduta do descaminho consiste em iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou
imposto devido pela entrada (imposto de importação), pela saída (imposto de exportação) ou pelo consumo
de mercadoria (imposto sobre produto industrializado). O ICMS não é objeto material do descaminho. Ao
contrário do que se dá na modalidade equiparada (§ 1º), a “destinação comercial” não é relevante para a
caracterização do crime previsto no caput do art. 334 do CP. Em caso de alteração da quota ou da alíquota
incidente, não estará afastado o descaminho praticado no momento em que era devido o tributo, pois a
censura penal se estabelece ao tempo do fato.
Princípio da insignificância: sem dúvida, é possível a sua aplicação. A grande discussão que existia, até o ano
passado, era em relação ao valor considerado insignificante. O STF e o STJ divergiam sobre o tema. Em 2018,
o STJ se curvou ao posicionamento do STF e, atualmente, o valor a ser considerado é de R$ 20.000,00, previsto
no art. 20 da Lei 10.522/02, atualizado pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda. “Incide o princípio
da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não
ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002,
com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STJ. 3ª Seção.
REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo)”. Para
aferição de tal limite, deve ser observado o valor do tributo devido, e não o valor das mercadorias.
Tipo subjetivo: é o dolo (vontade livre e consciente de importar, exportar ou consumir a coisa, sem o
pagamento dos tributos externos devidos).
Consumação: ocorre, em uma de suas modalidades, com o ingresso da mercadoria no território nacional.
Tentativa: é possível.
Distinção: o descaminho é uma infração tributária aduaneira, distinguindo-se dos crimes tributários em geral,
objeto da Lei 8.137/90, por aplicação do princípio da especialidade. Extinção da punibilidade: é dominante na
jurisprudência a tese de que não se aplica a causa de extinção da punibilidade pelo pagamento ao descaminho,
estando superada a Súmula 560 do STF. Isso porque o descaminho protege a regularidade fiscal em relação a
tributos aduaneiros, tendo acentuada função extrafiscal.
Ação penal: pública incondicionada, de competência da Justiça Federal.
Competência territorial: local da apreensão dos bens (Súmula 151 do STJ).
Lançamento definitivo: a ação penal, no crime de descaminho, não está subordinada a questões prejudiciais
de natureza administrativa ou fiscal. Quer dizer, ao contrário do que se dá com os crimes materiais contra a
ordem tributária, não se exige, para a propositura da ação penal por descaminho, a constituição definitiva do
crédito tributário ou lançamento definitivo. Até porque, sendo descaminho, não há lançamento do tributo.

Formas equiparadas de descaminho (art. 334, § 1º, I a IV, CP)

Art. 334, § 1º, I. Navegação de cabotagem é a interna, entre portos do país. O fundamento da incriminação é
o perigo da navegação costeira não autorizada.
Art. 334, § 1º, II. Fato assimilado por lei especial. Ex.: Art. 8º da Lei 4.907/65.
Art. 334, § 1º, III e IV (Receptação). Noção: tais crimes apresentam dupla feição. Caso o agente seja o mesmo
responsável pela introdução das mercadorias no território nacional, a hipótese é de crime progressivo. Se o
agente for diverso, constituem formas específicas de receptação, afastando, por aplicação do princípio da
especialidade, o delito do art. 180 do CP. Tipo objetivo: mercadoria nacional exportada e reintroduzida no país
é mercadoria de procedência estrangeira para os efeitos dos dispositivos em análise. O crime somente se
configura quando o fato ocorrer no exercício de atividade empresarial. Princípio da insignificância: é aplicável.
Tipo subjetivo: é o dolo. Ação penal: pública incondicionada, de competência da Justiça Federal.

Enunciados da 2ª CCR do MPF relacionados ao descaminho: Enunciado 54 (“A atribuição de membro do MPF
para persecução penal do crime de descaminho é definida pelo local onde as mercadorias foram apreendidas,
pois ali consuma-se o crime.”). Enunciado 49 (“Aplica-se o princípio da insignificância penal ao descaminho e
aos crimes tributários federais, quando o valor do débito devido à Fazenda Pública decorrente da conduta
formalmente típica não seja superior a R$ 20.000,00, ressalvada a reiteração na mesma modalidade criminosa,
ocorrida em períodos de até 5 (cinco) anos.”). O Enunciado 40 foi revogado em 09/07/2018.

Contrabando (art. 334-A, CP)

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Noção: o delito consiste na importação ou exportação de mercadoria proibida. O art. 334-A foi introduzido
pela Lei 13.008/14, que aumentou a pena do contrabando (2 a 5 anos de reclusão). Bens jurídicos protegidos:
a saúde pública, a moralidade, a higiene, a ordem e a segurança públicas. Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime
comum). Tipo objetivo: o crime traz norma penal em branco, uma vez que a proibição deve ser buscada em
outras normas legais. A proibição pode ser absoluta (conduta do caput) ou relativa (conduta do § 1º, I).
Princípio da insignificância: para a corrente majoritária, que prevalece nos Tribunais Superiores, é inaplicável
o aludido princípio ao contrabando, tendo em vista que o bem jurídico protegido não é a ordem tributária
como no descaminho, o que inviabiliza tal construção. OBS: No entanto, a 2ª CCR do MPF editou a Orientação
25/2016, em que recomenda a aplicação do princípio em tela quando a quantidade de cigarros apreendidos
não superar 153 maços, “seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar
efetividade à repressão ao contrabando de vulto, ressalvada a reiteração de condutas que cobra a
persecução penal”. Formas equiparadas: art. 334-A, § 1º. Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: não se exige,
para a consumação, que a mercadoria chegue ao destino final visado pelo agente. Ação penal: pública
incondicionada. Competência: da Justiça Federal, definindo-se pelo lugar da apreensão dos bens (Súmula 151
do STJ).

Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335, CP) – dispositivo revogado pelos arts. 93 e
95 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos).

Inutilização de edital ou sinal (art. 336, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa, inclusive funcionário púbico, quando não esteja no exercício da função. Tipo
subjetivo: é o dolo. Consumação: com a prática de qualquer das ações incriminadas, independentemente de
qualquer outro resultado.

Subtração ou inutilização de livro ou documento (art. 337, CP)

Sujeito ativo: qualquer pessoa, inclusive funcionário púbico, quando não esteja no exercício da função.
Consumação: com a simples subtração ou inutilização, independentemente de prejuízo. Tipo subjetivo: é o
dolo.

Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP)

Noção: o tipo ora introduzido constitui forma específica daquele do art. 1º da Lei 8.137/90, distinguindo-se
pelo objeto, que é aqui a contribuição social previdenciária. Exige-se o lançamento definitivo para o
oferecimento da denúncia. Bem jurídico protegido: a previdência social, no aspecto da arrecadação tributária.
Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: a União. Princípio da insignificância: é aplicável,
se o valor devido for inferior a R$ 20.000,00. Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: é crime material, que exige
a efetiva supressão ou redução da contribuição social previdenciária, consumando-se com o lançamento
definitivo. Extinção da punibilidade: forma específica trazida pelo art. 337, § 1º, CP, em que não é exigido o
pagamento, sendo suficiente a mera declaração das importâncias devidas, o que deve ocorrer antes do início
da ação fiscal. Com maior razão, estará extinta a punibilidade em razão do pagamento integral, com
fundamento no art. 69 da Lei 11.941/09. Ademais, suspende-se a punibilidade em caso de parcelamento.
Perdão judicial: faculdade prevista no art. 337-A, § 2º, CP. Ação penal: pública incondicionada. Competência:
Justiça Federal.

Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B, CP)

Bem jurídico protegido: a boa-fé, a regularidade e a transparência nas relações comerciais internacionais.
Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é a pessoa ou empresa, pública ou privada, que sofra prejuízo
em razão da transação comercial irregular, além da comunidade internacional, bem como o Estado
estrangeiro. Tipo subjetivo: é o dolo, aliado à intenção de determinar que o funcionário pratique, omite ou
retarde ato de ofício, como se dá na corrupção ativa, com a ressalva de que o ato aqui deverá ser relacionado

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à transação comercial internacional. Consumação: o delito é formal, consumando-se com a mera oferta ou
promessa de vantagem indevida por parte do particular. Ação penal: pública incondicionada. Competência:
Justiça Federal (crime transnacional que o Brasil se obrigou a reprimir).

Tráfico de influência em transação comercial internacional (art. 337-C, CP)

Bem jurídico protegido: a boa-fé, a regularidade e a transparência nas relações comerciais internacionais.
Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: é a pessoa ou empresa, pública ou privada, que sofra prejuízo
em razão da transação comercial irregular, além da comunidade internacional, bem como o Estado
estrangeiro. Tipo subjetivo: é o dolo, aliado à intenção de obter vantagem, para si ou para terceiro.
Consumação: nas modalidades solicitar, exigir e cobrar, o crime é formal. A modalidade obter é material. Ação
penal: pública incondicionada. Competência: Justiça Federal (crime transnacional que o Brasil se obrigou a
reprimir).

Súmulas relevantes sobre o subponto em tela

Súmula 599, STJ: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.
Para o STJ, os crimes contra a Administração Pública têm como objetivo resguardar não apenas o aspecto
patrimonial, mas principalmente a moral administrativa. Logo, mesmo que o valor do prejuízo seja
insignificante, deverá haver a sanção penal considerando que houve uma afronta à moralidade administrativa.
Exceção: crime de descaminho (art. 334, CP), anteriormente estudado. STF: não concorda com a vedação
absoluta imposta pela referida súmula, havendo julgados da Suprema Corte em que foi admitida a aplicação
do princípio da insignificância em hipóteses além do descaminho.

Súmula 151, STJ: “A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens.”

11C. Crimes contra a administração da Justiça.

Bruno Silva Domingos


Obras consultadas: Santo graal 28º. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 10ª ed. Saraiva.
CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 4ª ed. Editora JusPodivm. 2011. www.stj.jus.br.
Legislação: art. 338 ao art. 359 do Código Penal.

Reingresso de Estrangeiro Expulso – Art. 338


SUJEITO ATIVO: estrangeiro expulso. É delito de próprio (Rogério Sanches), mas há quem diga ser crime de mão
própria.
TIPO OBJETIVO: Reingressar no território nacional. Reingresso significa volta, retorno. A expressão território há
de ser interpretada estritamente, correspondendo ao espaço onde o estado exerce sua soberania, incluindo o
espaço aéreo e o mar territorial. Segundo Damásio, para os fins desse artigo, não se considera o território por
ficção (art. 5º, §1º, do CP – embarcações ou aeronaves nacionais). Mirabete entende ao contrário, aplicando-
se o crime também a tais embarcações ou aeronaves. De acordo com Bitencourt, o crime é instantâneo de
efeitos permanentes, consumando-se no momento em que o agente penetra em qualquer ponto do território
nacional (há precedente no STJ dizendo que é permanente – STJ, CC 40338/RS, DJU 21.03.2005).
TIPO SUBJETIVO: Dolo genérico. Não se admite a forma culposa.
CONSUMAÇÃO: O crime é consumado no momento em que o agente, regularmente expulso do nosso país,
para cá retorna. É preciso haver o reingresso, não configurando o crime a recusa do estrangeiro expulso em
deixar o país. Há entendimento do STJ que enquanto o estrangeiro aqui estiver haverá estado de flagrância,
possibilitando a prisão imediata (CC 40338/RS. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 21/3/2005)
COMPETÊNCIA. Da Justiça Federal, conforme art. 109, X, da CF.

Denunciação caluniosa – Art. 339. Também chamada de calúnia qualificada.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, inclusive servidores públicos.
Poderá ser praticada até por réu/investigado de uma ação/investigação que imputa a terceiro o crime que lhe

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é imputado, desde que o saiba inocente.
TIPO OBJETIVO: Dar causa (provocar) à instauração de investigação policial, de processo judicial, de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-
lhe crime de que o sabe inocente.
TIPO SUBJETIVO: Dolo, somente na sua forma direta, não sendo admissível o dolo eventual. O agente há de ter
consciência clara de que a vítima é inocente. Além deste requisito, é preciso que haja a individualização da
pessoa acusada e a definição dos delitos falsamente imputados. Não se trata de crime complexo (fusão de dois
tipos legais) e sim de crime progressivo (para atingir o resultado pratica-se crime menor que fica absolvido). Ao
contrário da calúnia, não se pune a denunciação caluniosa contra mortos. Embora haja discussão, entende-se
majoritariamente (inclusive o Bitencourt) que é preciso haver o arquivamento do procedimento a que o agente
injustamente deu causa.
CONSUMAÇÃO e TENTATIVA. Com a deflagração das diligências investigativas, dispensando a instauração do
inquérito, ou com a instauração dos demais procedimentos elencados no tipo. É admissível a forma tentada do
crime. Se o agente apenas comunica à autoridade crime ou contravenção que sabe não se ter verificado, mas
não imputa a nenhuma pessoa determinada ou imputa a pessoa fictícia, ocorrerá o crime de comunicação falsa
(art. 340) e não de denunciação caluniosa.
PENA: 2 a 8 anos. Se houver imputação de contravenção, a pena é reduzida pela metade. Se o agente se vale
do anonimato ou nome suposto, há o aumento de 1/6 de pena.

Comunicação falsa de crime ou de contravenção – Art. 340.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
TIPO OBJETIVO: Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime que sabe não ter
ocorrido.
TIPO SUBJETIVO: Somente ocorre com o dolo. A doutrina se divide se há a necessidade de o agente visar a
provocar a ação de autoridade pública (Hungria, Noronha e Mirabete), ou se tal elemento subjetivo é
indiferente (Damásio). É necesssário, tal qual ocorre no art. 339 do CP que o agente saiba que o crime não
ocorreu, não havendo forma culposa ou decorrente de incerteza na mente do sujeito. Se o agente comunica
falsamente o crime visando a obter indenização securitária haverá consunção (Hungria) em face do art. 171,
§2º, V, do CP.

Autoacusação falsa – Art. 341:


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
BEM JURÍDICO TUTELADO: A administração da justiça, evitando que, por fantasia ou para proteger terceiro, o
agente possa dar-se como autor de crime inexistente, ou assumir responsabilidade de delito que não praticou
(autocalúnia). Diferente dos crimes antecedentes (arts. 339 e 340), a autoacusação falsa não pode ser objeto
de contravenção penal, pois o tipo fala somente em crime.
CONSUMAÇÃO: Ocorre quando a autoridade toma conhecimento da autoacusação falsa. Por autoridade
entende-se delegado de polícia, membro do Ministério Público ou juiz. É admissível a tentativa para parte da
doutrina. É possível concurso de crimes se o agente imputa a si falso crime também a terceira pessoa.

Falso testemunho ou falsa perícia. Art. 342.


SUJEITO ATIVO: Testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. Trata-se de crime de mão própria (de
atuação pessoal ou conduta infungível). Admite-se a existência de partícipe nos crimes de mão própria (posição
majoritária no STF), como em alguns casos de advogado que induz testemunha a mentir. No delito de falta
perícia, quando esta for subscrita por mais de um expert, pode haver inclusive coautoria neste crime de mão
própria. Há grande discussão sobre a possibilidade do informante (testemunha não compromissada, arts. 206
e 208 CPP) ser responsabilizado por tal crime.
TIPO OBJETIVO: fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade (crime de ação múltipla), podendo ocorrer
inclusive em juízo arbitral. Se o crime se der em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), a conduta estará
tipificada no art. 4º, II, da Lei 1.579/52.
TIPO SUBJETIVO: Dolo. Não haverá dolo se agente faltar com a verdade em decorrência de um defeito de
percepção da realidade, sem a intenção de enganar (erro ou ignorância). A falsidade não se extrai da

161
comparação entre o depoimento e a realidade dos fatos (teoria objetiva) e sim do contraste do depoimento e
a ciência da testemunha (teoria subjetiva).
CONSUMAÇÃO. No momento que termina o depoimento, lavrando a sua assinatura ou na entrega do laudo,
parecer ou documento, independentemente de efetivo prejuízo à Adm. da Justiça, bastando a potencialidade
do dano (crime formal - STJ, HC 73059/SP, 17.05.07). Em caso de carta precatória, a consumação se dá no local
do depoimento mendaz (STJ, CC 30309/PR, 28.11.01). A tentativa é admissível para os depoimentos escritos e
perícias. Se o perito, contador, tradutor ou interprete solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem, mas
não nega a verdade, incorrerá no crime de corrupção passiva, pois a falsa perícia exige a efetiva afirmação falsa.
CAUSA DE AUMENTO DE PENA (§1º). Quando praticado mediante suborno, para produzir efeitos em processo
penal ou em processo civil em que for parte entidade da Adm. Pub. direta ou indireta. Quem suborna pratica
o crime do art. 343 do CP; se utilizar de violência ou grave ameaça, o delito será o de coação no curso do
processo (art. 344).
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (§2º). Para haver a retratação, não basta confessar o crime, é preciso retirar o que
se afirmou falsamente ou revelar o que ocultou, demonstrando sincero arrependimento. Não pode ser feita a
retratação após a publicação da sentença, ainda que anteriormente ao seu trânsito em julgado (RT 565/312,
602/339, 641/314). A retratação comunica-se aos partícipes, porque “o fato deixa de ser punível” (entretanto,
Bitencourt discorda por entender ser uma circunstância subjetiva, de caráter pessoal).
AÇÃO PENAL. É pública incondicionada, embora haja decisões condicionando o seu ajuizamento ao término do
processo em que se deu o depoimento, em razão da possibilidade da retratação (RT 321/71). Contudo, há
posicionamento em contrário, pois o falso testemunho não se consuma com o fim da oportunidade da
retratação (é crime formal), sendo esta apenas uma causa extintiva da punibilidade (e não excludente do
crime).
PECULIARIDADES: O compromisso de dizer a verdade é irrelevante para a consumação do crime, podendo ser
praticado por informante (STJ 6a Turma. AgRg no HC 190.766/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe
13/09/2013). Nos casos de falso testemunho cometido no plenário do Tribunal do Júri, deverá haver a
quesitação acerca da ocorrência deste crime ao conselho de sentença (STJ 6a Turma. HC 117.411/SP, Rel. Min.
Maria Thereza Moura, DJe 28/09/2009).

Falso testemunho ou falsa perícia. Art. 343


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
CONDUTA: dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos,
tradução ou interpretação. Trata-se de formalidade especial de corrupção ativa com pena menor. É necessário
que haja um procedimento oficial já em andamento.
TIPO SUBJETIVO: Dolo, não admitindo forma culposa. Deve o agente praticar a conduta com a finalidade de
obter dos destinatários da oferta a prática daquelas condutas.
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Trata-se de crime formal como a corrupção, sendo a entrega da vantagem
exaurimento. Se os peritos, testemunhas, contadores, tradutores ou intérpretes obtiverem a vantagem estes
responderão pelo art. 342, §1º, do CP, em exceção à teoria monista do crime. É admissível a tentativa.

Coação no curso do processo. Art. 344


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
TIPO OBJETIVO: Usar (empregar) violência (coação física) ou grave ameaça contra autoridade (juiz, delegado,
membro do MP), parte (vítima ou réu) ou qualquer pessoa que funcione ou é chamada a intervir em processo
judicial, policial, administrativo (escrivão, perito, testemunha, intérprete, jurado etc), ou em juízo arbitral para
satisfazer interesse próprio ou alheio. A reiteração de condutas referentes ao mesmo processo é crime único,
mas deve ser sopesada na fixação da pena. É indispensável a existência de processo em curso.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa. O tipo prevê o fim especial de agir que é favorecer
interesse próprio ou alheio. Se não estiver presente esta finalidade, incidirá outra figura penal.
CONSUMAÇÃO: Com o emprego da violência ou ameaça, sendo crime formal. A produção do resultado é
irrelevante para a consumação. A tentativa é admissível.

162
Exercício arbitrário das próprias razões. Art. 345
SUJEITO ATIVO: Crime comum. Se o agente for servidor púb. poderá ser crime da Lei 4898/65 a depender do
contexto fático.
TIPO OBJETIVO: Fazer justiça com as próprias mãos. Ou seja, a pretexto de satisfazer interesse próprio ou alheio,
o agente emprega os meios necessários (violência, grave ameaça, fraude etc), ignorando o monopólio estatal
de administração da Justiça.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa.
CONSUMAÇÃO: A doutrina majoritária entende que se trata de crime material, exigindo-se a satisfação da
pretensão. Contudo, há entendimento minoritário aduzindo ser crime formal. A tentativa é admissível.
AÇÃO PENAL: Em regra é de ação penal privada, porém será incondicionada se for empregada violência contra
a pessoa.

Fraude processual. Art. 347: Também chamado de estelionato processual.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
TIPO OBJETIVO: A conduta consiste em inovar (modificar) maliciosamente (com fraude) o estado de lugar, coisa
ou pessoa, com o fim de induzir a erro juiz ou perito. Se a inovação se der em processo civil ou adm., haverá a
necessidade de existência do processo. No caso de processo penal, ele não precisa ter iniciado (aplicando-se
as penas em dobro: §ú). Para Bittencourt, embora o ato possa se dar em fase de inquérito, é preciso aguardar
a abertura do processo penal para se falar em fraude processual, pois a inovação tem que se destinar a produzir
efeitos neste último. É preciso que a falsidade seja capaz de iludir, prescindindo, contudo, que o juiz ou perito
sejam efetivamente enganados, havendo necessidade de potencialidade lesiva. É também infração subsidiária,
sendo absorvida quando a finalidade constituir crime mais grave (ex.: fraude a execução ou ocultação de
cadáver, STF, HC 88733, Dj. 17.10.2006). Há discussão sobre a existência de inexigibilidade de conduta diversa
quando o autor do crime inova para esconder vestígios do delito.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa.
CONSUMAÇÃO: Trata-se de crime formal, bastando a prática da conduta. É admissível a tentativa.

Favorecimento pessoal. Art. 348:


SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa (crime comum), inclusive a vítima do delito a que se furta o criminoso.
TIPO OBJETIVO: O auxílio deve ser efetivo. Não responde por este crime o advogado que oculta o paradeiro de
seu cliente, desde que não tenha prestado amparo material para fuga (RJDTACRIM 27/240). Não há crime se o
fugitivo estiver sendo acusado de contravenção ou tiver agido mediante causa excludente da ilicitude, da
culpabilidade, extintiva de punibilidade ou escusa absolutória. Se o criminoso for absolvido por falta de prova,
há dissenso doutrinário se o autor do favorecimento poderá ser condenado. Hungria defende a possibilidade
de condenação.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa. Não importa se o agente acredita ou não que a
perseguição é justa, pois se houver dúvida acerca da existência do fato atribuído ao fugitivo, já haverá dolo
eventual.
CONSUMAÇÃO: Há discussão se o crime é formal (independe do efetivo sucesso do auxílio) ou material
(necessário o sucesso, ainda que momentâneo), prevalecendo esta última posição. Bittencourt defende ser
crime formal.
ESCUSA ABSOLUTÓRIA (§2º): será isento de pena se o agente auxilia ascendente, descendente, cônjuge ou
irmão. Por analogia in bonam partem, inclui-se o companheiro neste rol.

Favorecimento real. Art. 349:


SUJEITO ATIVO: Crime comum, excluindo-se quem foi coautor ou participe do crime antecedente. Se o conluio
se der antes da consumação, haverá concurso de agentes e não este crime. Também não responde por este
crime aquele que foi receptador.
TIPO OBJETIVO: Difere do favorecimento pessoal, porquanto não há auxílio ao criminoso, pois o que se assegura
é a ocultação da coisa, do proveito do crime. Os instrumentos do crime não são sinônimos de proveito do
delito, não podendo ser objeto material deste crime, mas sim do de favorecimento pessoal (se a intenção é
auxiliar a subtrair o agente da ação da autoridade). Difere igualmente da receptação, na qual o agente atua

163
para favorecer a si mesmo ou a terceiro que não o autor do crime anterior, além de não abranger interesses
extrapatrimoniais (ex.: adquire mercadoria furtada para revender). Para Mirabete, Bitencourt e Baltazar Júnior,
não se exige a condenação transitada do crime pressuposto, bastando a certeza de sua ocorrência, que pode
ser provada no próprio processo do presente delito. Entretanto, há quem defenda que a expressão “criminoso”
(e não acusado) indica a necessidade desta condenação, em razão do princípio da presunção de inocência.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa.
CONSUMAÇÃO: Trata-se de crime formal, bastando a prestação do auxílio. É admissível a tentativa, porém de
difícil comprovação.

Entrada de aparelho telefônico em estabelecimento prisional. Art. 349-A.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
TIPO OBJETIVO: O delito consiste em ingressar (fazer entrar), promover (agenciar) intermediar (interceder),
auxiliar (assistir) ou facilitar (ajudar) a entrada de aparelho telefônico ou de comunicação móvel, rádio ou
similar em estabelecimento prisional. É necessária a falta de autorização legal para as condutas descritas no
tipo (elemento normativo).
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo figura culposa.
CONSUMAÇÃO: Trata-se de crime de mera conduta, porquanto a lei não prevê resultado naturalístico. Ressalta-
se que a comissão que elabora o anteprojeto de lei do novo Código Penal aprovou a criminalização do uso de
aparelhos de comunicação pelos detentos dentro de presídios. Isto é, a conduta deixaria de ser apenas uma
falta grave pela LEP, passando a ser também crime.

Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança. Art. 351


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Será crime próprio no §3º e §4º
(servidor púb.).
TIPO OBJETIVO: Promover (realizar) ou facilitar (auxiliar) a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a
medida de segurança. A doutrina dispensa a prévia custódia do preso em delegacia ou penitenciária, bastando
que esteja custodiado pela autoridade. A doutrina aponta a necessidade de a prisão ser legal. O tipo não
abrange o adolescente internado/apreendido.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, porém também é cabível a forma culposa no §4º do tipo penal.
CONSUMAÇÃO: Ocorre quando o preso obtém êxito na fuga, sendo crime material. A tentativa é admissível.

Evasão mediante violência contra a pessoa. Art. 352.


SUJEITO ATIVO. Crime próprio, somente praticado por preso (administrativo, civil ou penal, provisório ou
definitivo) ou o internado.
TIPO OBJETIVO. Para Noronha e Bitencourt, não é preciso o recolhimento do custodiado a estabelecimento,
podendo ser praticado, por exemplo, durante o seu transporte, pois basta que esteja legalmente custodiado.
Hungria discorda, já que entende haver crime de resistência neste último caso (fuga extramuros).
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, consistente na vontade de evadir-se mediante violência.
CONSUMAÇÃO: Ocorre com a efetiva fuga ou com o simples emprego de meios necessários para tanto. É crime
excepcional, punindo-se a tentativa com a mesma pena do crime consumado, não incidindo o art. 14, II, do CP.

Arrebatamento de preso. Art. 353.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, inclusive por servidor público.
TIPO OBJETIVO: O delito consiste em arrebatar (retirar, arrancar com violência) preso para maltratá-lo (para
agredir/linchar). A subtração sem violência, mesmo que para agredir o preso, não configura o delito.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, consistente na vontade de retirar o preso mediante violência para seviciá-lo.
CONSUMAÇÃO: Trata-se de crime formal, sendo admissível a tentativa.

Motim de presos. Art. 354


SUJEITO ATIVO: Crime próprio e plurissubjetivo (ou multitudinário). Somente pode ser cometido por presos em
conjunto. Damásio entende necessários 3 presos, ao passo em que Mirabete exige que haja 4 presos.
TIPO OBJETIVO: Pessoas legalmente presas promovem motim, perturbando a ordem e disciplina do

164
estabelecimento penal. O não acatamento de determinação não caracteriza o crime, mas mera infração
disciplinar.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não havendo forma culposa.
CONSUMAÇÃO: Ocorre com a efetiva infração à ordem ou à disciplina da prisão. É admissível a tentativa

Patrocínio infiel. Art. 355.


SUJEITO ATIVO. Crime próprio, somente praticado por advogado ou procurador judicial (inclusive defensor
público, AGU, PFN, etc.) Não se inclui os promotores ou procuradores de justiça, os quais poderão incidir em
outros crimes. Admite-se a participação de terceiro, tal qual estagiário.
TIPO OBJETIVO. Pode-se dar por ação (ex.: fazer acordo prejudicial ao cliente) ou omissão (ex.: não recorrer,
deixar ocorrer a perempção etc.). A maior parte da doutrina entende não configurar este crime caso o
advogado se aproprie de valores devidos ao cliente ou, sendo dativo, cobre honorários. O abandono da causa
criminal não configura o delito, ficando o advogado sujeito as consequências do art. 265 CPP. O patrocínio infiel
só ocorre em causa judicial (civil, penal, etc.), e não extrajudicial (inquérito policial ou civil, sindicância, mera
consulta etc.). Se o interesse do cliente for ilegítimo, não terá o advogado o dever profissional de defendê-lo.
O consentimento do interessado exclui a própria tipicidade quando se tratar de interesse disponível, o que não
ocorre na causa criminal. Para Mirabete, excluiria a antijuridicidade.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, consistente na vontade de trair o dever funcional e prejudicar o cliente.
CONSUMAÇÃO. Com a ocorrência do efetivo prejuízo ao cliente, ainda que resolúvel. A tentativa é admissível.

Patrocínio simultâneo ou tergiversação. Art. 355, parágrafo único.


SUJEITO ATIVO: Crime próprio, tal qual no patrocínio infiel.
TIPO OBJETIVO: O patrocínio simultâneo ocorrerá quando o advogado concomitantemente zela (ainda que por
interposta pessoa) os interesses das partes contrárias e a tergiversação se dá quando o causídico renuncia ao
mandato de uma parte (ou é por ela dispensado) e passa, em seguida, a representar a outra. Não é necessário
que o patrocínio ocorra no mesmo processo, bastando ser na mesma causa.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não admitindo a figura culposa.
CONSUMAÇÃO: Ao contrário do patrocínio infiel, não há necessidade de efetivo prejuízo, sendo crime formal.
Tentativa é admissível.

Sonegação de papel ou objeto de valor probatório. Art. 356.


SUJEITO ATIVO: Crime próprio, somente praticado por advogado ou procurador judicial.
TIPO OBJETIVO: Há uma forma ativa (inutilização – destruição) e outra passiva (deixar de restituir – sonegar).
A inutilização parcial é possível, desde que atinja parte juridicamente relevante do objeto material tutelado.
Não está abrangido pelo tipo a “destruição jurídica”, como por exemplo causar a prescrição. Os objetos devem
ter sido entregues ao agente por causa da sua qualidade de advogado ou o procurador.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não se admitindo a forma culposa.
CONSUMAÇÃO: Na modalidade inutilizar o delito se consuma quando se perde o valor probatório dos autos,
documento ou objeto. É admissível a tentativa. Na modalidade deixar de restituir, consuma-se quando o
procurador e intimado para devolver e não o faz. É inadmissível a tentativa.
DISTINÇÃO. É forma especial dos delitos tipificados nos arts. 305, 314 e 337 do CP, dos quais se distingue pelo
sujeito ativo.

Exploração de prestígio. Art. 357.


SUJEITO ATIVO: Crime comum, podendo
TIPO OBJETIVO: A contraprestação oferecida pelo agente (influenciar as pessoas descritas no caput) não passa
de uma fraude para obter injusta vantagem. É delito análogo ao tráfico de influência (332 do CP), conhecido
por “venda de fumaça”, contudo se distingue pela condição especial do servidor envolvido (juiz, jurado, órgão
do MP, funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha). É delito especial em relação ao
estelionato (art. 171 do CP), em que o agente deve obter (no presente crime basta solicitar ou receber)
vantagem ilícita mediante qualquer fraude. Se o agente realmente estiver em conluio com o servidor, haverá
outro crime (corrupção passiva). Difere também do crime de advocacia administrativa (art. 321 do CP), o qual

165
é praticado por funcionário público que efetivamente patrocina interesse privado perante a Adm. Pub., valendo
de sua qualidade.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não sendo admissível a figura culposa.
CONSUMAÇÃO: A conduta de solicitar se consuma com o simples pedido (crime formal). Já a ação de receber
se perfaz com o indevido enriquecimento (delito material). É admissível a tentativa.

Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. Art. 359.


SUJEITO ATIVO: Parte da doutrina entende ser crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
Contudo, alguns doutrinadores apontam que somente poderá ser sujeito ativo aquele que estiver privado do
direito por decisão judicial.
TIPO OBJETIVO: O delito consiste em exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, do qual foi
impedido por decisão judicial de cunho penal, não havendo crime se se tratar de decisão civil (STF RTJ 79/401).
É diverso do art. 330 do CP, ao passo em que o art. 359 é especial em face do art. 330 de ordem geral. Na
hipótese de não haver decisão judicial impeditiva, poderá ocorrer outro crime, como o art. 282 do CP e o art.
307 do CTB.
TIPO SUBJETIVO: É o dolo, não sendo admissível a figura culposa.
CONSUMAÇÃO: Ocorre quando o agente contraria a decisão judicial. É admissível a tentativa.

10.DIREITO PENAL ECONÔMICO


10.1 Crimes contra a ordem econô mica e contra as relaçõ es de consumo. (16.b)
10.2 Crimes de lavagem de dinheiro. (15.c)
10.3 Crimes contra o sistema financeiro e contra o mercado de capitais. (14.c)
10.4 Crimes contra a ordem tributária e previdência social. (13.c)

16B. Crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo.

Letícia M. Gonçalves

Noções Gerais: Os crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo estão tipificados
em diversas leis, sendo as principais as seguintes: Lei 8.137/90, Lei 8.176/91, Lei 8.078/90 (CDC) e Lei 1.521/51
(crimes contra a economia popular). Assim, considerando a vasta legislação quanto ao tema, merecem
destaque os seguintes princípios: a) princípio da especialidade, que determina a prevalência da norma especial
sobre a geral; e b) princípio ne bis in idem, que veda mais de uma punição em razão do mesmo fato. I) A Lei
8.137/90 trata dos crimes contra a ordem tributária (arts. 1º a 3º), contra a ordem econômica e as relações de
consumo (arts. 4º a 7º), e todos os crimes são de ação penal pública incondicionada (art. 15). Esta Lei sofreu
alteração pela Lei 12.529/11 (SBDC), que revogou seus artigos 5º e 6º e alterou a redação do art. 4º para deixar
de elencar condutas específicas e contemplar, de modo mais aberto, delitos que antes não eram abrangidos.
Segue a atual redação: “constitui crime contra a ordem econômica: I – abusar do poder econômico, dominando
o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo
de empresas. II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de
preços ou quantidades vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo
de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Pena
- reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.”. A pena de detenção ou reclusão dos crimes contra a ordem
econômica e as relações de consumo prevista na Lei 8.137/90 pode ser convertida em multa, nos termos do
art. 9º, independentemente da quantidade de pena aplicada. II) A Lei 8.176/91 versa sobre os crimes contra a
ordem econômica, trazendo em seu art. 1º delitos relacionados a aquisição, distribuição, revenda e uso
irregular de combustíveis, e no art. 2º delitos contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, envolvendo
a produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencentes à União sem autorização ou em desacordo
com as obrigações do título autorizativo. III) O CDC (Lei 8.078/90) traz disposições penais nos arts. 61 à 80,
elencando outras figuras típicas que constituem crimes contra as relações de consumo. O artigo 61 menciona
expressamente que os crimes contra as relações de consumo ali previstas não excluem o disposto no Código
Penal e nas leis especiais.

166
Crimes contra a Ordem Econômica (art. 4º da Lei 8.137/90 e Lei 8.176/91): a) Sujeito ativo: trata-se
de crime comum no caso do art. 1º da Lei 8.176/91 (adquirir, distribuir e revender combustíveis em desacordo
com as normas) e crime próprio no caso do art. 4º da Lei 8.137 e do art. 2º da Lei 8.176, apenas na modalidade
em que há produção de bens ou exploração de matéria-prima em desacordo com as obrigações do título
autorizativo. Nas modalidades de crime próprio, o sujeito ativo é basicamente, o empresário (excluído o
empregado, pois este não tem poder decisório e, por consequência, não pode ser responsabilizado pelas
condutas tipificadas como crime). Apesar de não haver a menção expressa à figura do empresário, as condutas
tipificadas só podem ser realizadas no exercício da empresa (art. 966, CC); b) Sujeito passivo: empresários
concorrentes prejudicados e, em alguns casos, os consumidores. Em relação à Lei 8.176/91, são a União e as
empresas autorizadas por lei a produzir bens ou explorar matéria-prima a ela pertencentes; c) Programa de
leniência: a Lei 12.529/2011 (SBDC) instituiu um programa de leniência que abrange não apenas os Crimes
contra a Ordem Econômica (art. 87), mas também as infrações administrativas contra a Ordem Econômica (art.
86). Na esfera criminal, o programa de leniência tem como principal consequência a extinção da punibilidade
do agente beneficiário, em caso de cumprimento (parágrafo único do art. 87). Durante o curso do programa
de leniência: (1) o prazo prescricional do crime objeto do programa é suspenso; e (2) não se pode oferecer
denúncia contra o agente beneficiário; d) Causas de aumento de pena de 1/3 até 1/2: ocasionar grave dano
à coletividade; ser o crime cometido por servidor público no exercício de suas funções; ser o crime praticado
em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde (art. 12); e) Todos os
crimes são de ação penal pública (art. 15); f) Confissão espontânea: redução de pena de 1/3 a 2/3 para o
coautor ou partícipe que por meio de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a
trama delituosa (art. 16, parágrafo único). g) Competência: a competência para crimes contra a ordem
econômico-financeira é da Justiça Federal nos casos determinados por lei (art. 109, VI, CF). Com isso, ante a
inexistência de previsão legal de competência federal, esta apenas será competente quando os delitos forem
praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas entidades autárquicas ou empresas
públicas federais (art. 109, IV, CF). h) Possibilidade de conversão em multa: a pena de detenção ou reclusão
dos crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo prevista na Lei 8.137/90 pode ser convertida
em multa, nos termos do art. 9º, independentemente da quantidade de pena aplicada. i) não se admite
punição por culpa nestes crimes
Crimes contra a Economia Popular (Lei 1.521/51): O estudo dos crimes contra a economia popular
integra o Direito Penal Econômico, que tutela bens e interesses relacionados à política econômica estatal. a)
sujeito ativo: proprietário, diretor ou gerente de estabelecimento industrial ou comercial (excluído o
empregado, pois este não tem poder decisório e, por consequência, não pode ser responsabilizado pelas
condutas tipificadas como crime); b) sujeito passivo: a coletividade, que tem seus interesses difusos lesados
(mediata e eventualmente, atinge-se o indivíduo); c) objeto material: a doutrina define como o patrimônio do
povo em geral (número indefinido de pessoas), pois a economia popular é um bem coletivo sujeito a dano
efetivo ou potencial causado pelos gananciosos nas relações econômicas, os quais procuram auferir lucros
exorbitantes e desproporcionais à custa da coletividade. O objeto material é, conforme alguns Tribunais, a
“bolsa do consumidor” (daı ́ a relação existente com a objetividade jurídica tutelada pelo CDC). Inclui-se no
objeto material a livre concorrência (art. 3º da Lei 1.521/51), eleita pela Constituição Federal de 1988 como
um dos princípios da ordem econômica (art. 170, inciso IV), pois integra o patrimônio econômico da
coletividade; d) elemento subjetivo: dolo (vontade consciente e livre) específico de auferir lucros indevidos
em detrimento do povo (obter vantagem ilícita através de fraude). e) tentativa, em regra, é inadmissível, pois
os crimes de que ora se trata são, em sua maioria, formais. Excepcionalmente é possível, como no caso do art.
3º, incisos I e II; e f) As penas cominadas são de detenção e multa.
Crimes contra as Relações de Consumo (art. 7º da Lei 8.137/90 e arts. 61 a 80 do CDC): a) sujeito
ativo: basicamente, o fornecedor (crime próprio). Apesar de não haver a menção expressa à figura do
empresário, as condutas tipificadas só podem ser exercidas por pessoas que estejam nas posições do art. 7º, I
a IX da Lei 8.137/90. b) sujeito passivo: a coletividade de consumidores e, indiretamente, a pessoa física ou
jurídica prejudicada; c) elemento subjetivo: dolo em regra. Há punição por culpa na Lei 8.137/90, art. 7º,
incisos II, III e IX4, reduzindo-se 1/3 da PPL ou 1/5 da multa (art. 7º, parágrafo único). No CDC, admite-se a culpa

4 Art. 7º. (...)

167
excepcionalmente, como nos arts. 63, §2º, e 66, §2º. d) natureza jurídica: controverte a doutrina sobre ser de
perigo abstrato ou concreto, controvérsia que tem reflexo na necessidade ou não de perícia para comprovar
a potencialidade lesiva do produto vencido exposto, por exemplo. O STJ já decidiu pela necessidade de
realização de perícia (AgRg no REsp 1556132/SC): “ARTIGO 7º, INCISO IX, DA LEI 8.137/90. EXPOR À VENDA
MERCADORIA EM CONDIÇÕES IMPROPRIAS AO CONSUMO. PRODUTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO.
MATERIALIDADE. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE. A venda de produtos impróprios ao uso e consumo constitui
delito que deixa vestígios, sendo indispensável, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, a
realização de exame pericial que ateste que a mercadoria efetivamente é imprópria para o consumo, não
bastando, para tanto, mero laudo de constatação”. No mesmo sentido: AgRg no Resp 1.111.736-RS,
17/12/2013 e) Programa de leniência: de acordo com a literalidade do art. 87 da Lei no 12.529/2011 (SBDC),
não é possível realizar programa de leniência em relação aos Crimes contra as Relações de Consumo. Aliás,
este é o entendimento adotado pelo STJ em relação à extensão do revogado art. 35-C da Lei 8.884/94 (RHC
24.499/SP, 20/09/2011).

Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: não obstante o direito brasileiro ser de raízes romano-
germânicas, que negam a possibilidade de sociedade cometer delito penal, ao contrário do direito anglo-saxão,
que a admite, a CF/88 previu duas hipóteses de responsabilização penal da pessoa jurídica: a) crimes
ambientais: art. 225, §3º, CF/88, regulamentado pela Lei 9.605/98 (art. 3º); e b) crimes contra ordem
econômica: o art. 173, §4º, CF/88, aduz que a pessoa jurídica será responsabilizada pelos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, sujeitando-se a punições compatíveis
com sua natureza. Não houve regulamentação deste dispositivo constitucional no sentido de atribuir
responsabilidade penal à pessoa jurídica por crimes contra a ordem econômica, entretanto, parte da doutrina
defende esta possibilidade.

15C. Crimes de lavagem de dinheiro

Vanessa Andrade

A Lei 9.613/98 é fruto de obrigação assumida pelo Brasil, mais especificamente através da Convenção
Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes, que prevê a criação de mecanismos capazes de restringir e confiscar
o produto do crime. Posteriormente, diversos outros diplomas vieram tratar sobre o tema, como, por exemplo,
a Convenção da ONU sobre o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo).
A lavagem de capitais é o ato (ou conjunto de atos) praticado por determinado agente com o objetivo
de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal.
Bem jurídico tutelado (divergência): Interesses violados pelos crimes antecedentes; Ordem econômica;
Administração da Justiça.
Três gerações de leis sobre lavagem: 1ª geração (único crime antecedente era o tráfico); 2ª geração
(rol taxativo de crimes antecedentes; a redação originária da Lei 9.613/98 surgiu já nesta segunda geração); 3ª
geração (rol aberto de crimes antecedentes, quando muito condicionado a gravidade abstrata do crime ou
outros fatores objetivos; as recentes alterações na lei de lavagem, promovidas pela Lei 12.683/12).
Principais alterações promovidas pela Lei 12.683/12: a) supressão do rol taxativo de crimes
antecedentes, que agora poderá ser qualquer infração penal (crimes e contravenções penais); b)
fortalecimento do controle administrativo sobre setores sensíveis à lavagem de capitais (compliance e
accountability); e c) ampliação do rol de medidas cautelares patrimoniais incidentes sobre a lavagem de capitais
e infrações antecedentes, além da regulamentação expressa da alienação antecipada, com o objetivo de
assegurar a preservação do valor dos bens constritos.

II. vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou
que não corresponda à respectiva classificação oficial;
III. misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vende-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de
qualidades desiguais para vende-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os de mais alto custo;
(...)
IX. vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao
consumo.

168
O crime de lavagem de dinheiro dá-se em três fases: I) colocação (placement) – é a separação física do
dinheiro dos autores do crime; é antecedida pela captação e concentração do dinheiro. II) dissimulação
(layering) – nessa fase, multiplicam-se as transações anteriores, através de muitas empresas e contas, de modo
que se perca a trilha do dinheiro (paper trail), constituindo-se na lavagem propriamente dita, que tem por
objetivo fazer com que não se possa identificar a origem ilícita dos valores ou bens. III) integração (integration
ou recycling) – o dinheiro é empregado em negócios lícitos ou compra de bens, dificultando ainda mais a
investigação.
Não se exige a ocorrência das três fases para a consumação do delito. Assim, é possível a consumação
do crime de lavagem mesmo que só perfectibilizada, por exemplo, a fase de colocação. As chamadas fases da
lavagem não são estanques e independentes, mas comunicantes e, até mesmo, superpostas, pois a lavagem é
um processo.
A norma do art. 2° da Lei traz a autonomia do crime de lavagem de dinheiro (há concurso material
entre o crime antecedente, ante a expressa previsão legal). Esta norma, no entanto, deve ser interpretada à luz
do fato de que a existência da uma “infração penal” antecedente é elementar típica do próprio crime de
lavagem (trata-se de crime acessório/derivado/parasitário). Logo: a) esta autonomia é relativa; b) embora não
seja necessário o processo e julgamento da infração penal antecedente em processo autônomo, deverá o órgão
julgador analisar a sua existência como questão prejudicial homogênea; c) deve o órgão julgador, aplicando a
teoria da acessoriedade limitada, encontrar um fato típico e antijurídico antecedente, mesmo que não se
achem seus autores ou partícipes ou que estes sejam isentos de pena ou extinta a punibilidade; d) não é
necessário que o autor da lavagem tenha agido em concurso de agentes nas infrações antecedentes.
A extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos crimes antecedentes não implica o
reconhecimento da atipicidade do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998). Nos termos do
art. 2º, II, § 1º da lei mencionada, para a configuração do delito de lavagem de dinheiro não há necessidade de
prova cabal do crime anterior, mas apenas a demonstração de indícios suficientes de sua existência. Assim
sendo, o crime de lavagem de dinheiro é delito autônomo, independente de condenação ou da existência de
processo por crime antecedente. (STJ, HC 207.936-MG. Info 494).
A tentativa, como crime antecedente, também permite a punição por lavagem, desde que desta
tentativa tenha sido produzido algum produto. Exemplificando, se A recebe um milhão de reais para matar Y,
mas não consegue completar a tarefa, porque a vítima estava de colete, a lavagem posterior deste um milhão
se enquadra no art. 1° da Lei de Lavagem.
Autolavagem (selflaundering): Conforme a opção do legislador brasileiro, pode o autor do crime
antecedente responder por lavagem de dinheiro, dada à diversidade dos bens jurídicos atingidos e à autonomia
deste delito. (REsp 1234097/PR). “A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do
produto do crime antecedente já consumado”. (29 CPR, Q102). A Convenção de Palermo permite que deixe de
se aplicar a autolavagem quando isto implicar ofensa aos princípios fundamentais do direito interno do Estado
parte.
Participação por omissão: seria a conivência no âmbito penal, há divergência se é possível o crime
comissivo por omissão, ou se estar-se-ia diante de uma infração administrativa.
Advogados e Profissionais liberais podem ser coautores ou partícipes (prevalece, no entanto, que o
dever amplo de comunicação ao COAF não se aplica aos advogados, que se submetem a regramento próprio
na OAB, sob pena de se fragilizar o sigilo profissional).
O dolo eventual é admitido, como consignado na exposição de motivos, o que, de resto, pode ser
inferido pela substituição da expressão ‘sabendo serem oriundos’, constante do projeto originário, por
‘provenientes’, constante do caput do art. 1o. Assim, é suficiente que o dolo atinja a existência da infração penal
antecedente, não se exigindo que o lavador conheça especificamente como se deu a conduta anterior. Dentro
do cenário do dolo eventual entra a teoria da cegueira deliberada (instruções da avestruz, willful blindness,
conscious avoidance doctrine), criada ante o fato de ser extremamente comum que o terceiro responsável pela
lavagem de capitais provoque, deliberadamente, evitar a consciência quanto à origem ilícita dos valores por
ele mascarados. Por força desta teoria, aquele que renuncia a adquirir um conhecimento hábil a subsidiar a
imputação dolosa de um crime responde por ele como se tivesse tal conhecimento.
O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido
pelo próprio agente público, seja quando recebido por interposta pessoa. (STF, AP 996/DF) Pratica lavagem de

169
dinheiro o sujeito que recebe propina por meio de depósitos bancários fracionados, em valores que não
atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações.
(STF, AP 996/DF)
A absolvição por falta de provas do crime antecedente tem repercussão na lavagem, pois esta
pressupõe indícios de existência daquele. Para Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de
dinheiro, 2ª edição, pág. 90), “se houver absolvição por inexistência do fato (cpp, art. 386, i), por falta de provas
da existência do fato (cpp, art.386, ii), por não constituir o fato infração penal (cpp, art. 386, iii), ou por haver
circunstâncias que excluam o crime (cpp, art. 386, vi, primeira parte), não será possível a lavagem de dinheiro.
O fato de a infração penal antecedente ter sido praticada no exterior não impede a aplicação da lei
brasileira de lavagem de dinheiro.
Admite-se que a própria lavagem de dinheiro seja considerada o crime antecedente, na chamada
lavagem de lavagem ou lavagem em cadeia, desde que comprovado o crime antecedente da primeira.
O objeto material da lavagem é mais amplo que apenas o dinheiro, abrangendo bens, direitos, ou
valores. Os bens objeto do crime podem ser móveis ou imóveis, estando excluídos aqueles cuja posse constitui
fato ilícito, como drogas ou armas, puníveis como delitos autônomos. Direitos podem ser títulos ou papéis que
representem outros bens.
Segundo o STF, é improcedente a acusação de lavagem de dinheiro tendo como antecedente crime de
organização criminosa cujas condutas tenham sido praticadas antes do advento da Lei 12.850/2013, não
podendo a Convenção de Palermo ser utilizada para suprir a omissão legislativa quanto à definição jurídica de
organização criminosa.
São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal: I - a perda, em favor da União - e dos
Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual -, de todos os bens, direitos e valores relacionados,
direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a
fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - a interdição do exercício de cargo ou função
pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das
pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.
Na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores privados sujeitos a medidas
assecuratórias por solicitação de autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua
alienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito
do lesado ou de terceiro de boa-fé.
De acordo com a política de compliance estabelecida pela redação atual da lei de combate à lavagem
de dinheiro, as pessoas físicas e jurídicas indicadas na legislação devem adotar políticas, procedimentos e
controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender as
determinações dos órgãos de controle.
No crime de que trata o inciso II do § 1° do art. 1º da Lei 9.613/98, as ações de adquirir, receber, guardar
ou ter em depósito constituem elementos nucleares do tipo, que, todavia, se compõe, ainda, pelo elemento
subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando tais ações, atingir o propósito de ocultar
ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de quaisquer dos crimes indicados na
norma incriminadora. (STF, ARE 686707).
É possível a homologação de sentença penal estrangeira que determine o perdimento de imóvel
situado no Brasil em razão de o bem ser produto do crime de lavagem de dinheiro. (STJ, SEC 10.612-FI)
Não há continuidade delitiva entre os crimes do art. 6º da Lei 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional) e os crimes do art. 1º da Lei 9.613/1998 (Lei dos Crimes de "Lavagem" de
Dinheiro), pois os crimes não são da mesma espécie. (STJ, REsp 1.405.989-SP. Info 569).

14C. Crimes contra o sistema financeiro e contra o mercado de capitais

Vanessa Andrade

Bens jurídicos protegidos. a) Principal: higidez do sistema financeiro nacional em sentido amplo (além
do sistema de finanças públicas do Estado, inclui também o mercado privado de capitais, abrangendo o
mercado de seguros, câmbio, consórcios, capitalização ou qualquer outra forma de poupança); b) Secundários:

170
patrimônio dos investidores; Administração Pública; fé pública; saúde financeira da instituição financeira.
Não há necessidade de esgotamento da via administrativa, a qual é independente à penal (STJ, HC
49667). Em se tratando de delito contra o sistema financeiro nacional, não há previsão legal para a suspensão
da ação penal em caso de adesão do agente ao REFIS. É descabida a extensão dos efeitos do artigo 9º da Lei nº
10.684/2003, aos delitos previstos na Lei nº 7.492/86, porquanto tais infrações não guardam qualquer relação
com àquelas de ordem tributária.
Competência: Justiça Federal (art. 109, VI, da CF c/c art. 26 da Lei nº 7.492/86).
Conceito de instituição financeira: pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como
atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação,
intermediação ou administração de valores mobiliários (art. 1º). A parte do artigo que falava em recursos
“próprios” foi vetada. Logo, não se configura “instituição financeira”, para os fins desta lei, quando for caso de
uso de recursos “próprios”. Instituição financeira equiparada (parágrafo único): I - a pessoa jurídica que capte
ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de
terceiros; II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma
eventual. Factoring. As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham atividades de
fomento mercantil, de cunho meramente comercial, em que se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante
preço certo e ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas como instituições financeiras
(STJ, CC 98.062/SP). Embora a factoring não se confunda com instituição financeira nos termos da legislação,
nada impede que determinadas operações realizadas por essas empresas possam ser tipificadas na Lei nº
7.492/86, como na espécie, em que se verificou a prática de atividades típicas de instituições financeiras,
exorbitando-se das atividades próprias do faturamento mercantil (STJ, CC 115.338/PR). Empresas
administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras (súmula 283 STJ). Fundos de pensão ou
entidades fechadas de previdência (Ex: PREVI) são instituições financeiras (STF e STJ). Estado não pode ser
considerado instituição financeira quando emite títulos da dívida pública e os coloca no mercado para obter
dinheiro para os cofres públicos. Agiota: não é instituição financeira, pois não opera com valores de terceiros,
mas sim com recursos próprios; poderá responder por crime de usura (STJ, CC 21.358/PB). Doleiro: é
equiparado a instituição financeira com base no art. 1, II, da Lei 7492. Se o crime não envolver instituição
financeira não se aplica a Lei 7.492/86.
Crimes em espécie:
Art. 2º Imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação, sem autorização
escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor
mobiliário. Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem
imprime, fabrica, divulga, distribui ou faz distribuir prospecto ou material de propaganda relativo aos papéis
referidos neste artigo.
Art. 3º Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira. Pena -
Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Crime de perigo abstrato e de mera conduta. Crime doloso. Crime
configurado: “a mensagem de correio eletrônico foi remetida para vários destinatários, foi tornada pública a
outras instituições financeiras. O texto continha informações potencialmente prejudiciais a uma instituição
financeira. O mercado é sensível a boatos ou notícias infundadas” (TRF3, AC 20006181001250-0/SP, 01/09/03).
Não pratica esse crime a divulgação de informação verídica (ainda que prejudicial à instituição financeira) nem
tampouco a incompleta que não ocasione prejuízo. STF (HC 115397/ES): Deputado Estadual que, ao defender
a privatização de banco estadual, presta declarações supostamente falsas sobre o montante das dívidas dessa
instituição financeira não comete o delito do art. 3º da Lei nº 7.492/86, estando acobertado pela imunidade
material.
Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira. Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e
multa. STF e STJ: Crime habitual impróprio, em que uma só ação tem relevância para configurar o tipo, ainda
que a sua reiteração não configure pluralidade de crimes. STJ: Crime formal e de perigo concreto, bastando
para sua consumação a comprovação da gestão fraudulenta, independentemente da existência ou não da
efetiva lesão ao patrimônio de instituição financeira e prejuízo dos investidores, poupadores ou assemelhados.
Em outras palavras, não é necessária a verificação de um resultado natural externo à conduta do agente,
devendo ser demonstrada a potencialidade do perigo, mas não a sua ocorrência (AgRg no REsp 1133948/RJ).

171
Crime próprio: somente pode ser praticado pelas pessoas elencadas no art. 25 da LCSFN. STJ, AgRg no REsp
1374090/PR: Possibilidade de gerentes de agência bancária serem sujeitos ativos dos delitos de gestão
fraudulenta e de gestão temerária, desde que na análise do caso concreto esteja configurada a atuação com
uso de poderes próprios de gestão. STJ, HC 285587-SP: A absolvição quanto ao crime de emissão, oferecimento
ou negociação de títulos fraudulentos (art. 7º da Lei nº 7.492/86) não ilide a possibilidade de condenação por
gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86). Consumação: o crime é de mera
conduta, ou para alguns é crime formal. Ou seja, ele se consuma com a simples prática de atos de gestão
fraudulenta ou temerária, ainda que tais atos não acarretem prejuízos a terceiros (STF e STJ). Crime
configurado: a) empréstimos fictícios que não serão pagos (caso do mensalão); b) manter “caixa 2”
(contabilidade paralela); c) apropriação e desvio de recursos de grupos de consórcios ou de recursos dos
próprios consorciados; d) abertura e movimentação de contas-fantasmas, empresas fantasmas, ou mediante a
utilização indevida da razão social da empresas existentes; e) na prática de operações “esquenta-esfria”,
caracterizadas pela realização simultânea de dois negócios de compra e venda dos mesmos ativos, em bolsa
de valores, a fim de provocar lucros para um e prejuízo para outro, ambos os clientes da mesma corretora ou
de corretoras concertadas, em operações day trade, em um negócio simulado (a operação day trade é lícita,
mas a operação esquenta-esfria não).
Art. 4º. Parágrafo único. Se a gestão é temerária. Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
O agente pratica o crime de gestão temerária quando viola deveres impostos por normas jurídicas voltadas aos
administradores de instituições financeiras e que prevêem limites de risco aceitáveis. Está presente o dolo do
delito de gestão temerária na realização, por alguma das pessoas mencionadas no art. 25 da Lei nº 7.492/1986,
de atos que transgridam, voluntária e conscientemente, normas específicas expedidas pela CVM, CMN ou
Bacen (STJ, REsp 1613260-SP). A distinção essencial entre a modalidade do caput e a do parágrafo único reside,
essencialmente, no meio executivo peculiar ao primeiro, fraude, e, estando presente tal elemento, haverá o
afastamento da gestão temerária com a prevalência, pelo princípio da especialidade, da gestão fraudulenta. É
que gerir fraudulentamente é, intrinsecamente, também, temerário. Na gestão temerária, o dolo é eventual
(RHC 6368, j. 12.08.97, STJ), ao contrário da fraudulenta que é direto. Tipo objetivo: praticar atos perigosos,
imprudentes, temerosos, assumir riscos desarrazoado. Parte da doutrina diz que esse tipo penal é vago e
impreciso, portanto inconstitucional por violar o princípio da taxatividade. Mas STF e STJ consideram o tipo
constitucional. Tipo subjetivo: dolo (majoritário), porque a conduta punida é a gestão e não a temeridade.
Minoria que entende que o crime é culposo. STF já decidiu que o crime admite a forma culposa (HC 90.156/PE).
Crime configurado: a) autorização de empréstimo a empresa reconhecidamente inadimplente (REsp 5835); b)
concessão de empréstimos de capital de giro sem garantias suficientes, contrariando as regras de boa
administração bancária; c) conceder créditos sem o devido apego a normas administrativas do BACEN e sem
os elementares cuidados de controle e recuperação das quantias mutuadas, eventualmente inadimplidas (STF,
HC 87440).
Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de dinheiro, título, valor
ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio: Pena - Reclusão,
de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Crime próprio. Inverter arbitrariamente o título da posse, passando a dispor
como proprietário. Pressupõe a posse lícita da coisa, ou seja, a disponibilidade física ou jurídica, fora da esfera
de vigilância de terceiro. A expressão “qualquer outro bem” autoriza interpretação extensiva, analógica. Exige
dolo específico, pois requer a vontade de apossar-se da coisa ou de obter proveito próprio ou alheio. Protege-
se também o patrimônio dos investidores, por isso o STJ o considera em concurso formal com o art. 4º. Crime
instantâneo, consumando-se no momento da inversão da posse ou do desvio.
Art. 5º, Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta
lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização
de quem de direito. É caracterizado pela ausência de autorização do titular do direito ou proprietário dos títulos,
(negociação não autorizada). Segundo Baltazar, ao contrário da modalidade do caput, esta figura não pode ter
por objeto dinheiro, mas apenas direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel, já que o dinheiro, por
ser coisa fungível, não pode ser objeto de negociação não autorizada.
Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a
operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente: Pena - Reclusão, de 2
(dois) a 6 (seis) anos, e multa. Crime formal, que se consuma pela indução ou manutenção em erro a partir da

172
sonegação de informação (modalidade omissiva) ou da prestação de informação (modalidade comissiva).
Admite-se a tentativa desde que a conduta não tenha resultado na indução ou manutenção em erro da vítima.
STJ, REsp 1405989/SP: Não há continuidade delitiva entre os crimes do art. 6º da Lei nº 7.492/86 (Lei dos Crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional) e os crimes do art. 1º da Lei nº 9.613/98 (Lei dos Crimes de "Lavagem"
de Dinheiro), pois os crimes não são da mesma espécie.
Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários: I - falsos ou
falsificados; II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das
constantes do registro ou irregularmente registrados; III - sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da
legislação; IV - sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida: Pena - Reclusão,
de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Crime formal e de perigo abstrato.
Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração
sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de
corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa. Crime formal, pouco importando se o sujeito passivo cede à exigência.
Art. 9º Fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em documento
comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele
deveria constar: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. É forma especial de falsidade ideológica.
Se a conduta do réu tiver por objetivo a fiscalização tributária, então, pelo princípio da especialidade aplica-se
tão-só o art. 1º, II da Lei n. 8.137/90. Delito de mera atividade que independe de qualquer resultado material.
Deve ser aplicada a mesma lógica de que o falso grosseiro não configura o crime, e sim estelionato, conforme
súmula 73, STJ.
Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos
contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos
de valores mobiliários: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Delito comum na modalidade fazer
inserir, e próprio (Baltazar) ou de mão própria (Luiz Regis Prado) na modalidade omitir. Não respondem pelo
crime os auditores independentes externos, que não eram responsáveis pela escrituração ou documentação
da contabilidade da instituição (STJ, HC 125853). Se for para iludir o fisco, será caso do art. 1º, II, da Lei 8.137/90.
Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Trata-se da prática conhecida como “caixa 2”. Aplicável
apenas às instituições financeiras, não abrangendo a manutenção de contabilidade paralela em empresas
comerciais ou industriais. Crime próprio (art. 25). Baltazar: o objeto material deste delito abrange também os
recursos próprios. Conduta de manter: a doutrina tem exigido o requisito da habitualidade, e o caracteriza
como crime permanente. Conduta de movimentar: o crime é instantâneo e de mera conduta. O elemento
subjetivo é o dolo.
Art. 12. Deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de apresentar, ao interventor, liqüidante,
ou síndico, nos prazos e condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou documentos de sua
responsabilidade: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Crime próprio e omissivo puro.
Elemento subjetivo é o dolo. Consuma-se com o término do prazo final para a entrega das informações,
declarações ou documentos.
Art. 13. Desviar (Vetado) bem alcançado pela indisponibilidade legal resultante de intervenção,
liqüidação extrajudicial ou falência de instituição financeira. Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorra o interventor, o liqüidante ou o síndico que se apropriar de bem
abrangido pelo caput deste artigo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio.
Art. 14. Apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência de instituição financeira, declaração de
crédito ou reclamação falsa, ou juntar a elas título falso ou simulado: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito)
anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre o ex-administrador ou falido que reconhecer, como
verdadeiro, crédito que não o seja.
Art. 15. Manifestar-se falsamente o interventor, o liqüidante ou o síndico, (Vetado) à respeito de assunto
relativo a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira: Pena - Reclusão, de 2 (dois)
a 8 (oito) anos, e multa. Modalidade do crime de falsidade ideológica. Crime próprio (Baltazar: é de mão
própria, tendo em vista que a manifestação é personalíssima). Crime de mera conduta (consuma com a simples
manifestação falsa) e de perigo abstrato.

173
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração
(Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena -
Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Crime comum. Crime formal, de mera conduta e de perigo
(abstrato para Tigre Maia e concreto para Regis Prado). Posição majoritária: não se exige reiteração (STJ, HC
42346), bastando a prática de apenas uma operação. Configura este crime até mesmo uma estrutura
rudimentar, não sendo necessário que tenha estrutura de banco. Não se configura com a mera apreensão de
valores em moeda estrangeira, se não há provas do câmbio (TRF4). Distingue-se da agiotagem porquanto nesta
o agente não se enquadra no conceito de instituição financeira, bem como não opera com recursos captados
do mercado, mas sim próprios. O doleiro pode ser enquadrado nesse caso se utilizar recurso de terceiro. STF:
não houve revogação desse artigo pelo art. 27-E da Lei 6404/76, pois protegem bens jurídicos diversos, higidez
do SFN e mercado de valores mobiliários, respectivamente. Assim, o art. 27-E é específico em relação a esse
crime.
Art. 17. Tomar ou receber crédito, na qualidade de qualquer das pessoas mencionadas no art. 25, ou
deferir operações de crédito vedadas, observado o disposto no art. 34 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de
1964: (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017) Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo
único. Incorre na mesma pena quem: I - em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador
da sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro
pagamento, nas condições referidas neste artigo; II - de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber
lucros de instituição financeira. Crime próprio, admite coautoria e participação. Respondem pelo crime o
tomador e o concedente do mútuo. STJ: é indiferente, para a caracterização do delito, a origem do recurso do
empréstimo, mesmo que seja do próprio controlador, de terceiro ou do consorciado. Corrente majoritária:
crime de mera conduta (STJ, REsp 328913/SP), sendo irrelevante o estorno da operação ou o pagamento do
empréstimo. A fraude não é elementar do delito, exceto no inc. II.
Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do
sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício: Pena - Reclusão,
de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Derrogado em parte pelo art. 10 da LC 105/01, porque essa lei é menos
abrangente no conceito de instituição financeira. Crime próprio (tem acesso às informações sigilosas em razão
de seu ofício); o delito previsto no art. 10 da LC 105/01 é comum. A conduta abrange aquele que obtém acesso
aos documentos ou dados sigilosos, cometendo intrusão, e aquele que, tendo tido acesso legítimo aos
documentos ou dados, os divulga indevidamente (STF, Pet 3898, Caso Palocci). Crime formal e de perigo
abstrato.
Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira: Pena - Reclusão, de 2 (dois)
a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em
detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento.
Consumação: assinatura do contrato, sendo desnecessária a existência de efetivo prejuízo para a instituição
financeira, por isso que o agente responderá pelo crime mesmo que comprove haver adimplido todas as
parcelas do financiamento. O recebimento do valor, após a assinatura do contrato, é mero exaurimento (STJ).
Se a fraude é praticada para a obtenção de qualquer tipo de empréstimo, a conduta caracteriza o delito de
estelionato; todavia, se a fraude é destinada ao específico objetivo de obtenção de financiamento se está
diante do crime contra o sistema financeiro nacional (STJ, AgRg no CC 151.973/MG). Enunciado nº 48
2CCR/MPF: É de atribuição do Ministério Público Federal a persecução penal do crime de obtenção fraudulenta
de financiamento em instituição financeira para aquisição de automóvel, tipificado no artigo 19 da Lei nº
7.492/86. Orientação nº 31 2CCR/MPF: A contratação de operação de crédito com garantia de alienação
fiduciária de veículo automotor, escolhido e indicado pelo particular, perante instituição financeira, em nome
de terceiro, sem o conhecimento deste e com a utilização de documentos falsos, é conduta que lesiona
exclusivamente o patrimônio da instituição financeira e se ajusta, em tese, ao tipo penal de estelionato,
previsto no art. 171 do Código Penal, não afetando o Sistema Financeiro Nacional. Não será da atribuição do
Ministério Público Federal a persecução criminal se a instituição financeira prejudicada tiver natureza privada.
Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de
financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo: Pena
- Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Norma penal em branco (complemento por lei ou contrato).
Dolo direto ou eventual. Crime comum e formal. O ressarcimento não afasta o crime.

174
Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio:
Pena - Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o
mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa. Forma específica de falsa
identidade, no caput, e de falsidade ideológica, no parágrafo único. A conduta deve ser praticada no âmbito do
mercado cambial. Crime comum e formal (consumação com a atribuição de falsa identidade). Não se exige a
saída ou ingresso de valores. STJ, REsp 1595546-PR: A utilização de terceiros (“laranjas”) para aquisição de
moeda estrangeira para outrem, ainda que tenham anuído com as operações, se subsome à conduta tipificada
no art. 21 da Lei nº 7.492/86. O bem jurídico resta violado com a dissimulação de esconder a real identidade
do adquirente da moeda estrangeira valendo-se da identidade, ainda que verdadeira, de terceiros.
Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer
título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos
não declarados à repartição federal competente. Exige dolo específico. Crime comum e formal. Protege, em
primeiro lugar, as políticas cambiais e o patrimônio fiscal. A mera troca de moedas (câmbio), sem intenção de
evasão, não é crime. Devem estar presentes os dois pressupostos: a) a operação de câmbio deve ser não
autorizada, ou seja, à margem dos meios oficiais; e b) com o fim de promover a evasão de divisas. Consumação:
não exige a saída efetiva de divisas (STJ, CC 88.159/SP). Há divergência quanto à tipicidade da falta de liquidação
de contrato de câmbio (ex. houve exportação de mercadoria (câmbio), mas não se comprovou o ingresso dos
valores respectivos - Baltazar entende atípica porque só houve a evasão da mercadoria e não de divisas). É
comum ocorrer o crime nas importações superfaturadas (o agente importa bens por valor notoriamente
superior ao real, com o fim de promover a evasão de divisas). Há restrição quanto ao câmbio em espécie,
devendo a entrada e a saída de moeda estrangeira apenas processadas por instituições autorizadas. Quando
há um mercado clandestino, configura-se o chamado dólar-cabo (assim denominado por que as ordens de
pagamentos aos doleiros são realizadas em regra por meios informais). STJ: Nos casos de evasão de divisas
praticada mediante operação do tipo "dólar-cabo", não é possível utilizar o valor de R$ 10 mil como parâmetro
para fins de aplicação do princípio da insignificância. No caso das operações "dólar-cabo" existe uma grande
facilidade na realização de centenas ou até milhares de operações fragmentadas sequenciais. É muito mais
simples do que a transposição física, por diversas vezes, das fronteiras do país com valores inferiores a
R$ 10.000,00. Admitir a atipicidade das operações do tipo "dólar-cabo" com valores inferiores a R$ 10.000,00
é fechar a janela, mas deixar a porta aberta para a saída clandestina de divisas. Parágrafo único. primeira parte:
crime material e instantâneo (consumação: saída da moeda/divisa); já a segunda conduta, constante na parte
final (mantiver), é de mera conduta e permanente. É lei penal em branco. Se houver sonegação de tributos, há
concurso de crimes (TRF4). Há concurso formal entre esse crime e gestão fraudulenta (TRF4). Em caso de
subfaturamento na exportação, não será caso de evasão, por falta de adequação típica (TRF4). Até
R$ 10.000,00, não precisa de declaração (não será crime). Acima, deve haver a Declaração de Porte de Valores
(Resolução 2524/98). Se houver alteração desse limite, não terá efeito retroativo, pois essa norma é temporária
(art. 3º do CP). Toda exportação acima de R$ 10.000,00 exige contrato de câmbio. A entrada de moeda não é
crime (pode ser infração administrativa), conforme já decidiu o STJ e o STF. Entende-se por repartição federal
competente o BACEN, pois cabe a ela o controle da política cambial, e não à RF como entende parcela da
jurisprudência. Segunda parte: é crime autônomo (a demandar descrição própria na denúncia). Por força de
Circulares do BACEN (desde a 3225/04 até a 3342/09), o valor permitido é de até US$ 100.000,00. STJ: não se
poderá cogitar de retroatividade desses limites para os fatos anteriores às respectivas circulares do BACEN,
ante o caráter excepcional dessas normativas, devendo, pois, ser aplicada a regra da ultratividade, segundo a
máxima tempus regit actum. Não é proibido manter valores no exterior, mas consuma-se este crime quando
não há informação sobre eles. Na prática, verifica-se se há omissão e se havia saldo na conta no dia 31/12. Este
delito nem sempre pressupõe o crime prévio de evasão, embora isso geralmente ocorra. O fato tão-só de
manter depósito no exterior, sem autorização, não caracteriza, em concurso material, o crime de lavagem. Um
só modo de agir não pode servir de base para a prática de dois crimes, ou seja, a remessa e a manutenção em
depósito no exterior constitui crime contra o sistema financeiro nacional, mas não há lavagem de dinheiro
nesse só ato. Esta ocorreria se o dinheiro sujo fosse convertido em lícito. STJ, REsp 1535956-RS: Na fixação da
pena do crime de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86), o fato de o delito ter sido
cometido por organização criminosa complexa e bem estrutura pode ser valorado de forma negativa a título

175
de circunstâncias do crime.
Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de
ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos
interesses e valores da ordem econômico-financeira: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Tipo
especial de prevaricação cometido por funcionários encarregados da fiscalização (próprio). Não exige
notificação prévia para o recebimento da denúncia. Objeto material: ato de ofício. Modalidade omissiva: o
crime se consuma com o retardamento ou a omissão; Modalidade comissiva: com a efetiva prática do ato. Não
exige finalidade específica.

Crimes contra o Mercado de Capitais (Lei nº 6.385/76)


O Capítulo VII-B foi acrescentado pela Lei nº 10.303/01 à Lei nº 6.385/76, que dispõe sobre o mercado
de valores mobiliários e cria a CVM, introduzindo no direito penal brasileiro três novos tipos penais, com o fim
de preencher importante lacuna da LCSFN – Lei nº 7.492/86. Os tipos penais (art. 27-C, art. 27-D e art. 27-E)
foram alterados pela Lei nº 13.506/17.
Manipulação do Mercado (Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras
fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor
mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.)
Bem jurídico: regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, ou, mais precisamente, o processo de
formação dos preços, especificamente no mercado secundário, no qual ocorrem ocorrem as negociações dos
títulos entre investidores, após a sua emissão pela companhia e subscrição por investidores, objeto do mercado
primário, do qual se ocupa o tipo penal do art. 7º da LCSFN. Sujeito Ativo: crime comum. Sujeito passivo: é a
coletividade, podendo figurar como vítimas, também, os acionistas minoritários. Tipo objetivo: a conduta é
realizar operações simuladas OU executar “outras manobras fraudulentas” (interpretação analógica). Tipo
subjetivo: Dolo específico. Consumação: com a prática de qualquer das condutas mencionadas,
independentemente da efetiva alteração do funcionamento do mercado, da obtenção de vantagem ou da
causação de prejuízo, uma vez que o delito é formal e de perigo abstrato. Pena: reclusão de 1 a 8 anos, e multa
de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Uso indevido de informação privilegiada (Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha
conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem
indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários.) Incrimina-se a prática
do insider trading, ou seja, a comercialização ilegal de ações de uma companhia envolvendo o uso de
informação não pública, o que viola a ideia de neutralidade de oportunidade nos negócios. Bem jurídico
protegido: integridade, eficiência e regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, que se baseia
na confiança. Antes do advento da Lei nº 13.506/2017, o artigo 27-D estabelecia como um dos elementos
necessários para a configuração do tipo penal a condição de o agente ter o dever de manter sigilo sobre a
informação relevante não divulgada ao mercado. Ou seja, apenas poderiam ser considerados sujeitos ativos do
crime os chamados “insiders primários”, os quais, tendo em vista a posição ou cargo que ocupam, (i) possuem
acesso direto à informação relevante, (ii) têm plenas condições de avaliar e concluir se esta é ou não relevante
e (iii) estão sujeitos a uma obrigação de manter e assegurar o seu sigilo. Com a nova redação conferida pela Lei
nº 13.506/2017, o tipo penal ganhou maior amplitude, tendo o legislador optado por desconsiderar a condição
especial do agente para a configuração do delito de “insider trading”. A partir da nova lei, qualquer pessoa que
tiver acesso à informação privilegiada, utilizando-a em negociação de valores mobiliários, independentemente
de ter ou não o dever legal de sigilo, pode praticar o delito em comento. Assim, o tipo penal passou a ser
aplicado aos chamados “insiders secundários”, os quais consistem naqueles que (i) não possuem acesso direto
à informação relevante, (ii) não estão sujeitos a uma obrigação de manter e assegurar o seu sigilo, uma vez que
não está vinculado à instituição ou companhia que detém a informação, e (iii) podem ou não ter condições de
avaliar e concluir se esta é ou não relevante. Portanto, atualmente, a caracterização de “insider trading” no
âmbito penal requer somente a presença de três elementos: (i) a existência de informação relevante e ainda
não divulgada ao mercado, (ii) a posse de tal informação pelo agente, que pode ser qualquer pessoa, e (iii) a
efetiva utilização da informação na negociação de valores mobiliários com o objetivo de obter vantagem
indevida. Ressalta-se que a pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime valendo-se de
informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo (§2º).

176
Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função. Art. 27-D, § 1o Incorre na mesma pena
quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou
posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de
confiança com o emissor. Referido dispositivo criminaliza a conduta daquele que apenas repassa informação
relevante para terceiro, mesmo não fazendo uso em negociação ou não tendo com o objetivo a obtenção
vantagem, desde que tenha obtido em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários
ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor. Art. 27-E. Exercer, ainda que a
título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo
de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro
cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade
administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, e multa.
Art. 27-F. As multas cominadas para os crimes previstos nos arts. 27-C e 27-D deverão ser aplicadas em
razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente. Parágrafo único. Nos casos de
reincidência, a multa pode ser de até o triplo dos valores fixados neste artigo.

13C. Crimes contra a ordem tributária e previdência social.

Igor Lima Goettenauer de Oliveira

SONEGAÇÃO FISCAL

I. Direito Penal Tributário

Os crimes contra a ordem tributária formam o Direito Penal Tributário, conjunto de normas de natureza penal
que sancionam práticas relacionadas à violação de natureza tributária. Podem ser divididos, didaticamente,
em cinco grupos (BALTAZAR JÚNIOR, 2017):

Crime Tributário Aduaneiro (tem por objeto tributos CP, art. 334 (Descaminho)
externos, decorrentes de exportação ou importação)
Sonegação (condutas fraudulentas) L8.137, art. 1º (sonegação)
L8.137, art. 2º, I, III, IV e V (correlatos)
CP, art. 337-A (sonegação de contribuição
previdenciária)
Apropriação indébita (consiste na omissão do repasse de CP, art. 168-A (apropriação indébita previdenciária)
tributo devido por terceiro, descontado ou cobrado) L8.137, art. 2º, II (apropriação indébita tributária)
Crimes funcionais (próprios de servidores públicos L8.137, art. 3º (extravio, sonegação ou inutilização de
fazendários ou encarregados da repressão a delitos documento, corrupção, concussão e advocacia
aduaneiros) administrativa)
CP, art. 316, §1º (excesso de exação)
CP, art. 318 (facilitação de contrabando ou descaminho)
Falsidades (formas específicas de crimes contra a fé CP, art. 293, I e V (falsificação de papeis públicos)
pública)

II. Sonegação e fraude

O mero inadimplemento de tributo não configura crime. O crime contra a ordem tributária, com exceção da
apropriação indébita, pressupõe, além da inadimplência, algum tipo de fraude (omissão de declaração,
falsidade documenta, simulação etc.). Como o crime pressupõe a fraude, não representa violação à vedação
da prisão por dívida.

177
III. Bem Jurídico

A integridade do erário (TRF4, AC19997.00013749-2), a arrecadação (STJ, CC 96497) ou a ordem


tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos, para a consecução dos seus
fins. Trata-se de bem macrossocial, coletivo. Secundariamente, protegem-se a Administração Pública, a fé
pública, o trabalho e a livre concorrência (o empresário sonegador pode oferecer preços melhores,
caracterizando concorrência desleal).

IV. Sujeito Ativo

a) Crime comum: Doutrina majoritária e jurisprudência entendem ser crime comum. Posição minoritária
defende ser crime próprio do contribuinte ou responsável, nos termos do 121, CTN;
b) Pessoa jurídica: muitas vezes o crime é cometido por meio de pessoa jurídica, mas esta não se pode
penalizá-la por tais crimes, apesar da autorização constitucional (art. 173, §5º, CRFB), por ausência de norma
infralegal.
c) Responsabilidade subjetiva: indícios e dados formais como o contrato e o estatuto que revelam quem
era o administrador, o presidente, o diretor etc., são suficientes para saber quem tem o aparente comendo da
empresa e, conseguentemente, para o oferecimento e recebimento da denúncia. Mas devem ser corroborados
por outras provas (STJ, HC 13.597), exigindo-se, para a condenação, a prova de que tenha poderes de gerência.
STF já decidiu que a falta de poder de mando justifica trancamento da ação penal por falta de justa causa (SF,
HC 88.600-1). Já em caso de pessoa física, é suficiente para a caracterização da autoria a assinatura do
contribuinte nas declarações de renda, ainda que tenha sido elaborada por terceiro, pois àquele cabe o dever
de conferência dos valores.
d) Teoria do Domínio do Fato: muitas fezes, quem pratica a condua de surpimir ou reduzir o tributo
mediante fraude é um empregado. Contudo, em regra, o empregado não será autor, mas sim o
gerente/administrador que deu a ordem, aplicando-se, pois, a teoria do domínio do fato.
e) Participação: é possível participação. O empregado que não sabe estar fraudando documento não
responde como partícipe (item anterior), incorrendo em erro de tipo. Mesmo o empregado que saiba da fraude
pode não ser responsabilizado em razão da coação moral e da inexigibilidade de conduta diversa. Contudo,
funcionários mais qualificados e com grau maior de autonomia podem ser considerados partícpes, como o
contador e o advogado.

V. Sujeito Passivo

Pessoa jurídica titular do direito de cobrar o respectivo tributo, podendo ser a União, o Estado ou o
Município. Se for a União ou autarquia federal, a competência será da Justiça Federal.

VI. Tipo Básico, art. 1º, L8.137/90

a) Condutas: suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer acessório;


b) Objeto: sonegação de tributo, contribuição ou qualquer acessório. Baltazar Júnior defende que o mero
descumprimento de obrigação tributária acessória, ainda que se converta em principal em razão do
descumprimento. Ainda, para se configurar o crime, a tipicidade deve ser dupla: tributária e penal.
c) Tipo subjetivo: todas as condutas são dolosas. Há certa polêmica sobre ser necessário, além do dolo
genérico, especial vontade voltada para a sonegação. Três correntes: 1. Basta dolo genérico (posição de
Baltazar Júnior, com respaldo em julgados do STF e STJ); 2. Necessária a vontade dirigida especialmente a
suprimir ou reduzir tributo (alguns julgados do STJ); 3. Dolo especial de sonegar seria exigido apenas na
segunda figura do art. 1º, I (prestar declaração falsa). Em todos, admite-se dolo eventual.

VII. Lançamento Definitivo e Ação Penal

Súmula Vinculante n. 24: “Não se tipifica o crime material contra a ordem tributária, previsto no art.

178
1º, incisos Ia IV, da L8.137, antes do lançamento definitivo do tributo”. Trata-se de condição objetiva de
punibilidade e, antes do lançamento definitivo, não corre também a prescrição penal. Em regra, nem mesmo
o inquérito policial poderá ser instaurado (STF, RHC 83717), a não ser nos casos em que a instauração do
inquérito policial se revele imprescindível para a própria apuração do débito tributário (STF, HC 95443).
Tampouco pode haver interceptação telefônica. A SV n. 24 não se aplica ao crime do art. 2º, I, da L8.137, por
ser considerado crime formal. Em sentido divergente:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. POSSIBILIDADE DE


PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS COM ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS.
AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS GRAVAÇÕES, PORÉM CONTEÚDO ACESSÍVEL A DEFESA. NÃO
COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. DISPENSÁVEL A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA
INÍCIO DA FASE INVESTIGATÓRIA. PLURALIDADE DE CRIMES INVESTIGADOS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADES. [...]
6. Não há afronta à Súmula Vinculante 24/STF. Embora se exija o lançamento definitivo do crédito tributário
para o início da persecução penal nos crimes de sonegação fiscal, o mesmo entendimento não se aplica à
mera fase investigatória (HC 106.152, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 24/5/2016).
Tampouco há nulidade se a medida cautelar teve como finalidade apurar não só a suposta prática do delito de
sonegação fiscal, mas também de outros crimes, como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e
corrupção. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, HC130596 Agr/SP – 2018)

 CRÍTICAS DE DOUGLAS FISCHER À SV N. 24: Independência entre as instâncias administrativa e judicial;


contraria CRFB, art. 5º, XXXV (inafastabilidade da jurisdição), provas da materialidade do crime não podem
ficar restritas àquelas produzidas na esfera administrativa; prazo para constituição do crédito tributário é
distinto do prazo para prescrição do crime; CP adota a teoria da atividade para definição do tempo do crime;
violão da proporcionalidade, (vedação à proteção deficiente – untermassverbot);

VIII. Extinção do crédito tributário

A extinção do crédito tributário implica falta de condição objetiva de punibilidade. Quanto à prescrição
do crédito tributário, há duas orientações: 1. Não subsistência da ação penal (STJ, HC 86864); 2. Não resulta
em extinção da punibilidade, porque não se trata de quitação, não equivalendo à satisfação do débito
tributário (TRF3, HC 201003000014439)

IX. Princípio da Insignificância

R$ 20.000,00, tanto para o STF, quanto para o STJ. Estes valores são os parâmetros da aplicação da
insignificância para os crimes relacionados aos tributos federais apenas (HC 165003/SP, 2014). Além disso, o
valor a ser considerado para fins de aplicação do princípio da insignificância é aquele fixado no momento da
constituição definitiva do CT (momento da consumação), e não aquele posteriormente alcançado com a
inclusão de juros e multa por ocasião da inscrição do débito em dívida ativa (REsp 1306425/RS, 2014).

X. Extinção da Punibilidade

O parcelamento integral do débito tributário acarreta a extinção da punibilidade, enquanto o pagamento


integral, a qualquer tempo, mesmo após a denúncia ou sentença, extingue a punibilidade (Lei . 11.941/09, arts.
68 e 69)(STJ, HC 362.478-SP, DJ 20/09/2017). Enunciado n. 52, 2ª CCR: O pagamento integral do débito
tributário extingue a punibilidade e autoriza o arquivamento da investigação e da ação penal pelo MPF.

XI. Outras decisões judiciais de interesse:

1) O simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode
levar a crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de ser dispensado ao
menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada

179
responsabilidade criminal objetiva (STJ, Info 543, 2014). 2) A pendência de procedimento administrativo em
que se discuta eventual compensação de débitos tributários não tem o condão de, por si só, suspender o curso
da ação penal, considerando que o CT já está devidamente constituído (REsp 1293633, 2014). 3) Não há crime
se ficar provado cabalmente que a supressão ou redução no recolhimento do tributo decorreu de erro na
interpretação da lei tributária. 4) O Art. 1º da Lei 8.137 é tipo misto alternativo, de modo que, se o agente, no
mesmo contexto fático, praticar as condutas descritas em mais de um dos seus incisos, responderá por crime
único. Também haverá crime único se o agente, mediante uma única conduta, sonegar mais de um tributo. 5)
Nos crimes tributários materiais, o pagamento integral após a condenação, mas antes do trânsito em julgado,
extingue a punibilidade. Após o trânsito em julgado, o pagamento integral não produz este efeito (Info 556,
STJ); 6) 4) As dificuldades financeiras não são aptas a excluir o crime do art. 1º da Lei 8.137/90, pois o tipo
exige o cometimento de fraude (STJ).

DESCAMINHO

I. Conceito e bem jurídico

Consiste na ilusão do pagamento de tributo em operação envolvendo mercadoria permitida,


ofendendo, primordialmente a ordem tributária (Crime Tributário Aduaneiro).

II. Crime Formal e não aplicação da SV 24/STF

Está consolidado o entendimento tanto do STF (HC 121798 / BA - BAHIA, 2018) quanto do STJ (Info
548, 2014) no sentido de se tratar de crime formal. Logo, não se aplica a súmula vinculante n. 24. Contudo, a
decisão administrativa ou judicial favorável ao contribuinte (anulando o auto de infração, o relatório de
perdimento e o processo administrativo fiscal) caracteriza questão prejudicial externa facultativa, que autoriza
a suspensão do processo penal, nos termos do art. 93 do CPP (STJ, Info 552, 2014).

III. Insignificância

Foi superada a divergência entre o STF e o STJ, tendo sido unificado o parâmetro de R$ 20.000,00 em
ambos os tribunais para a aplicação do princípio da insignificância (REsp 1709029/MG, DJ 28.02.2018 – tema
repetitivo 157).

IV. Sujeito ativo

É crime comum. Se o agente for servidor público com atribuição de reprimir o descaminho, responderá
pelo delito do art. 318, CP (exceção à teoria monista do concurso de agentes)

V. Sujeito passivo

É o Estado, sempre afetado pelos crimes contra a ordem tributária. Especificamente, a União,
responsável por recolher os tributos externos (importação e exportação), sendo a competência sempre da JF.

VI. Extinção da punibilidade

Não se aplica a causa de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ao descaminho:

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. PRETENSÃO INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CRIME DE DESCAMINHO. PARCELAMENTO E
PAGAMENTO DO TRIBUTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS REJEITADOS. [...] 2.
É entendimento consolidado nesta Corte de que, Cuidando-se de crime formal, mostra-se irrelevante o
parcelamento e pagamento do tributo, não se inserindo, ademais, o crime de descaminho entre as hipóteses

180
de extinção da punibilidade listadas na Lei n. 10.684/2003. (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 769526 / SP, DJ
27.02.2018)

VII. Jurisprudência

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RITO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. DIREITO
PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESCAMINHO. USO DE DOCUMENTO FALSO. CRIME-MEIO. ABSORÇÃO.
POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (REsp 1378053/PR, DJ 10/08/2016 – Recurso Repetitivo,
tema: 933);

VIII. Enunciados 2ª CCR/MPF

 Enunciado nº 49 Aplica-se o princípio da insignificância penal ao descaminho e aos crimes tributários


federais, quando o valor do débito devido à Fazenda Pública decorrente da conduta formalmente típica não
seja superior a R$ 20.000,00, ressalvada a reiteração na mesma modalidade criminosa, ocorrida em períodos
de até 5 (cinco) anos.
 Enunciado nº 54 A atribuição de membro do MPF para persecução penal do crime de descaminho é
definida pelo local onde as mercadorias foram apreendidas, pois ali consuma-se o crime.

CONTRABANDO

I. Conceito e bem jurídico

É a clandestina importação ou exportação de mercadorias cuja entrada ou saída do país é absoluta ou


relativamente proibida. Os bens jurídicos protegidos são a saúde pública, a moralidade, a higiene, a ordem e a
segurança públicas.

II. Sujeito ativo e sujeito passivo

Aplica-se aqui tido o que já foi dito sobre o sujeito ativo e passivo do crime de descaminho. O elemento
subjetivo é o dolo. É possível a tentativa.

III. Caso especial – Cigarro

Os casos mais frequentes de contrabando são relativos à cigarro, merecendo, portanto, atenção
especial. Quanto ao cigarro produzido no Brasil para exportação, com imunidade tributária, cuja importação é
proibida, a venda no mercado nacional configura contrabando. Se o cigarro for estrangeiro, a posição que
prevalece no STF é de ser também hipótese de contrabando (STF, HC 120550; HC 125847 AgR/PR)

IV. Princípio da Insignificância

Em que pese certa divergência em tribunais inferiores, é pacífico o entendimento tanto do STF, quanto
do STJ, que o princípio da insignificância não se aplica ao crime de contrabando (por todos: STF, HC100367;
STJ, AgRg no AREsp 1238115 / RJ).

 ATENÇÃO: ORIENTAÇÃO N. 25/CCR2: aplicação do princípio da insignificância ao crime de


contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não superar 153 maços.

V. Jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE SIMULACRO DE ARMA DE FOGO. TIPICIDADE.


ARTIGO 26 DA LEI N. 10.826/2003. BEM JURÍDICO TUTELADO. SEGURANÇA E INCOLUMIDADE PÚBLICAS.

181
NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. [...] A importação de arma de brinquedo capaz de ser
confundida com verdadeira configura o delito de contrabando, diante da proibição contida no artigo 26 da
Lei n. 10.826/2003, considerando os riscos à segurança e incolumidade públicas. 3. No crime de contrabando
a tutela jurídica volta-se não apenas ao interesse estatal patrimonial, mas também à segurança e à
incolumidade pública, de modo a afastar a incidência do princípio da insignificância. Precedentes. (STJ – 5ª
Turma, REsp 1727222/PR, DJ 02.08.2018)

PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE


MEDICAMENTO. PEQUENA QUANTIDADE. USO PRÓPRIO. EXCEPCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. EMBARGOS ACOLHIDOS. (STJ, Quinta Turma, EDcl no AgRg no REsp 1708371 / PR, DJ.
24.04.2018)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. CONTRABANDO. MÁQUINAS


CAÇA-NÍQUEIS. PEÇA DE ORIGEM ESTRANGEIRA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DEMONSTRAÇÃO
INSUFICIENTE DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DAS PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF, ARE 966624 AgR / RJ – DJ 07.07.2016)

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

I. Bem Jurídico

O bem jurídico protegido é a previdência social. Indiretamente, também se protege a ordem


econômica, em seu aspecto tributário-arrecadatório, bem como a livre concorrência (Baltazar Júnior). Incluído
pela Lei nº 9.983/2000. Antes eram previstos na Lei nº 8.212/91 (continuidade normativo-típica).

II. Sujeito Ativo

Trata-se de crime comum. O sujeito ativo é o substituto tributário, que tenha por lei obrigação de
recolher a quantia e repassá-la ao INSS (quanto ao RGPS). Mesmo o agente político pode por ele responder,
quando detentor do poder de fato de tomar a decisão de não recolher a contribuição previdenciária (ex.:
prefeito ou governador que deixa de repassar as respectivas contribuições dos servidores comissionados). A
condição de sócio-gerente é um forte indício de autoria, mas deve restar demonstrado o domínio do fato
pelo autor. Deve-se comprovar o pagamento dos salários, presumindo-se a ocorrência do desconto.

III. Tipo Objetivo

a) Conduta: trata-se de crime omisso próprio. Para o STF, é crime omissivo material (Inq 2.537, Plenário,
2008), aplicando-se, pois a SV n. 24. No mesmo sentido: STJ, HC 97789, Quinta Turma, 2009, e HC 128672,
Sexta Turma, 2009. A fraude não é elementar do tipo. A apropriação também não é elementar do tipo,
bastando a omissão no recolhimento da contribuição descontada para que se configure materialmente o delito
(Baltazar Júnior). Também poderão ser objeto do crime as contribuições previdenciárias dos regimes próprios
de previdência (Baltazar Júnior).
b) Tipicidade material e insignificância: A aplicação do princípio da insignificância ao delito em questão
tem sido objeto de divergência nos tribunais. Há decisões do STF aduzem impossível sua aplicação em razão
do bem jurídico lesado ser supraindividual (RHC 132706 AgR/SP, DJ 21.06.2016). No STJ, a aplicação do
princípio da insignificância encontra menos resistência. O patamar é de R$ 10.000,00, por força da
L10.522/02, art. 20, c/c L11.457/07. Juros e multas, bem como parcelas prescritas devem ser
desconsideradas.

IV. Tipo Subjetivo

182
Prevalece na doutrina e na jurisprudência a posição que basta o dolo genérico, dispensando especial
fim de agir (animus rem sibi habendi) de se apropriar de valores destinados à previdência social.

V. Exclusão da culpabilidade por dificuldades financeiras

Admite-se a tese defensiva de omissão no recolhimento por dificuldades financeiras. Trata-se de


exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. A dificuldade deve ser comprovada pela
defesa.

VI. Extinção da punibilidade

O pagamento integral do débito, a qualquer tempo, ainda que após o trânsito em julgado, é causa
extintiva de punibilidade (STF, RHC 128245 / SP, DJ. 23.08.2016). A adesão ao programa de parcelamento, se
feita antes do trânsito em julgado, suspende o andamento do prazo prescricional até sua revogação ou a
posterior extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito (STJ, AgRg no AREsp 774580
(2015/0226727-2 - 04/04/2018)
ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (art. 171, §3º, do CP): o STF e o STJ pacificaram o entendimento de que, se
praticado pelo próprio beneficiário, o crime assume natureza permanente, renovando-se mensalmente,
sendo o termo a quo do prazo prescricional a data da cessação do percebimento indevido do benefício obtido
mediante fraude praticada por ato próprio (art. 111, Inc. III, CP); se praticado por terceiro, o crime assume
a natureza de instantâneo de efeitos permanentes, possuindo como termo a quo do prazo prescricional a
data do pagamento indevido da primeira parcela. (Balazar Júnior). Segundo Sanches, para a configuração do
crime, necessário se faz a presença de três elementos: fraude, vantagem ilícita e prejuízo alheio. É crime de
duplo resultado, só se consumando após a efetiva obtenção da vantagem ilícita, correspondente ao prejuízo
de outrem. Jurisprudência: 1) Se, após a morte do beneficiário, o indivíduo passa a receber mensalmente o
benefício em seu lugar, por meio do cartão magnético do falecido, estará praticando o estelionato
previdenciário em continuidade delitiva. Para o STJ, não há crime único, pois a fraude é novamente praticada
a cada mês. Esta situação é diferente dos casos em que o estelionato é praticado pelo próprio beneficiário e
daqueles em que o não beneficiário insere dados falsos no sistema do INSS visando beneficiar outrem. Nestas
situações, segundo o STF e o STJ, há crime único (STJ, Info 516, 2013 – entendimento segue válido. Vide AgRg
no REsp 1720621, DJ. 19.06.2018). 2) Não extingue a punibilidade do crime de estelionato previdenciário a
devolução à Previdência, antes do recebimento da denúncia, da vantagem percebida ilicitamente, pois o crime
não consta no rol do art. 9º da Lei 10.684/03. Eventualmente, pode configurar arrependimento posterior (STJ,
Info 559, 2015). 4) Não se aplica o princípio da insignificância ao crime em tela (STF, HC 117095). Enunciados
2ª CRR/MPF: Enunciado nº 53: A prescrição do crime de estelionato previdenciário, em detrimento do INSS,
cometido mediante saques indevidos de benefícios previdenciários após o óbito do segurado, ocorre em doze
anos a contar da data do último saque, extingue a punibilidade e autoriza o arquivamento da investigação pelo
MPF. Enunciado nº 68: É cabível o arquivamento de procedimento investigatório em relação a crime de
estelionato em detrimento do INSS cometido mediante saques indevidos de benefícios previdenciários após o
óbito do segurado quando constatadas(a) a realização de saques por meio de cartão magnético, (b) a
inexistência de renovação da senha, (c) a inexistência de procurador ou representante legal cadastrado na data
do óbito e (d) a falta de registro visual, cumulativamente, a demonstrar o esgotamento das diligências
investigatórias razoavelmente exigíveis ou a inexistência de linha investigatória potencialmente idônea.
SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ART. 337-A DO CP): crime material, possuindo o mesmo
tratamento dos crimes do art. 1º da Lei nº 8.137/90. O bem jurídico é a integridade ao erário ou a ordem
tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos. OBS.: ao contrário do art. 168-
A do CP que vincula a causa extintiva de punibilidade ao pagamento, o art. 337-A aduz a mera confissão de
dívida antes do início da ação fiscal. Jurisprudência: Se o agente prestar declarações falsas como meio
necessário para a consumação do crime de sonegação fiscal, a falsidade ficará por este absorvida (princípio da
consunção). Contudo, se o agente for pessoa jurídica, o STJ entende pela não aplicação da consunção, em
virtude da autonomia das condutas (RHC 25.978/SP, 2012).

183
OUTROS CRIMES QUE ENVOLVEM A SEGURIDADE SOCIAL: Falsificação de documento público dos pars. 3º e
4º do art. 297: tratam da inserção ou omissão de dados relativos à Previdência Social. Enquanto o par. 3º trata
de um crime comissivo, o par. 4º versa sobre um crime omissivo. Caso a falsidade tenha sido feita no intuito
de deixar de pagar contribuição previdenciária, ela será absorvida pelo crime de sonegação de contribuição
previdenciária, não se configurando concurso de crimes (RHC 1506/SP, STJ) – Zambitte, p. 475. Inserção de
dados falsos em sistema de informação (art. 313-A): se caracteriza como formal, próprio (só o funcionário
autorizado pode praticá-lo) e comissivo. Crime do art. 313-B: alude à modificação ou alteração não autorizada
de sistema de informações. É crime próprio. A diferença básica deste para o crime do art. 313-A é a ausência
de dolo específico, já que a mera modificação ou alteração dolosa, com qualquer fim, caracteriza o tipo penal.

11.CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE


11.1 Crimes contra o meio ambiente e o patrimô nio cultural. (15.b)

15B. Crimes contra o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.

Gilberto Batista Naves Filho /09/18

DEFINIÇÃO: crime ambiental é qualquer dano ou prejuízo causado aos elementos que compõem o
meio ambiente, i.e., o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, obriga e rege a vida em todas as suas formas, descritos na legislação pertinente.
MANDADO CONSTITUCIONAL DE CRIMINALIZAÇÃO, inclusive para pessoas jurídicas: CF, Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo
para as presentes e futuras gerações.(...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.
CONSIDERAÇÕES GERAIS: com a entrada em vigor da Lei 9.605, de 13/02/98 (Lei dos Crimes
Ambientais), o Brasil deu um grande passo legal na proteção do meio ambiente, pois a nova legislação traz
inovações modernas e surpreendentes na repreensão aos delitos ambientais. Em seus 82 artigos, a referida lei
atualiza a legislação esparsa, revogando muitos dispositivos, bem como apresentando novas penalidades,
reforçando outras existentes e impondo mais agilidade ao julgamento dos crimes, com possibilidade de
aplicação de institutos dos juizados especiais (art. 27 da Lei 9605/98 c/c. Lei 9.099/95).
Observação: a lei estabelece condições especiais para que sejam possíveis a transação penal e a
suspensão condicional do processo.
Lei 9504, “Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de
1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que
trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.
Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes
de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações:
I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá
de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do
§ 1° do mesmo artigo;
(...)
V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de
laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral
do dano.”
Outrossim, a Lei Ambiental possibilita a corresponsabilidade entre as diversas pessoas que tenham
participado do delito, sejam executores ou mandantes, o que inclui a pessoa física do diretor, administrador
ou membro da sociedade com poderes decisórios (art.2o).
O art. 3º da Lei 9504: critérios para a responsabilização penal da pessoa jurídica. Cita-se: “Art. 3º As
pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos

184
casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”
Jurisprudência majoritária dos tribunais superiores entende pela possibilidade de responsabilização
penal da pessoa jurídica INDEPENDE DA RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA FÍSICA (não se aplicando o “sistema
da dupla imputação”)
BEM JURÍDICO: É o meio ambiente entendido como: “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”
(Lei 6.938/81, art. 3o, I). “O bem jurídico protegido pela lei ambiental diz respeito a áreas cujas dimensões e
tipo de vegetação efetivamente integrem um ecossistema.
Nos termos do art. 225 da CF, é bem jurídico difuso, de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade
de vida e deve ser preservado para as presentes e futuras gerações.

COMPETÊNCIA PARA JULGAR CRIMES AMBIENTAIS: Como REGRA Justiça Estadual.


Exceções: existência de interesse direto, específico e imediato da União
Exemplos: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional
que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil.”
STF. Plenário. RE 835558-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/02/2017 (repercussão geral).
Obs: O mero fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA NÃO é suficiente para atrais a
competência da Justiça Federal. “A atribuição do IBAMA de fiscalizar a preservação do meio ambiente também
não atrai a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento de ação penal referente a delitos
ambientais.” (STJ. 3ª Seção. CC 97.372/SP, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em
24/3/2010)
Obs: “Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União. Aquela locução revela proclamação
de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras.” (STJ. 3ª Seção. CC 99.294/RO,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/08/2009).
Obs: competência da Justiça Federal para julgar extração ilegal de recursos minerais (art. 55 da Lei
9605). Bens da União (art. 20, IX, da CF/88). (STJ 3ª Seção. CC 116.447/MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 25/05/2011).

Obs: Enunciado nº 31 da 2º CCR: “O crime ambiental tipificado no art. 50 da Lei n.º 9.605/98, praticado
em faixa de fronteira, é de atribuição do Ministério Público Federal por afetar interesse direto da União”.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: Há duas posições, predominando a que admite a aplicabilidade do


princípio da insignificância. 1a) Admite: A própria LCA aponta em tal sentido, ao admitir a possibilidade do
perdão judicial nos casos do § 2o do art. 29. 2a) Não admite: Os argumentos da corrente contrária, que não
admite a aplicação do princípio da insignificância, são, resumidamente, os seguintes: a) não é possível
mensurar os seus efeitos; b) a Lei 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves, c) cuida-se de
direito indisponível, é essencial à vida e à saúde de todos , viola a reserva legal em matéria penal, previsto na
CF; d) porque se cuida de bem jurídico insuscetível de avaliação econômica, não desestimular os infratores,
gerando, como consequência, a impunidade e desestimulando os Agentes de Fiscalização a cumprirem com
suas obrigações. OBS: STF (HC112563-SC, 2012) e STJ (R:HC 35.122-RS, 2013) admitem, mas exigem criteriosa
apuração de seus requisitos, tendo em vista que o bem jurídico protegido é a natureza.

Em regra, não é aplicável o princípio da insignificância ao delito de pesca ilegal (art. 34 da Lei 9605.
STF. 2ª Turma. RHC 125566/PR e HC 127926/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 26/10/2016 (Info 845).
Exceção: STJ aplicou o princípio da insignificância em caso em que foi detectada a pesca de um único peixe,
devolvido ainda vivo ao rio. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.409.051-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/4/2017).

ESQUELETO DA LEI: Em síntese, a Lei 9605 de 12 de fevereiro de 1998 prevê um capítulo dedicado aos
crimes contra o meio ambiente, apresentando-se subdividido em 05 seções, respectivamente, reservadas: aos
crimes contra fauna (Seção I); aos crimes contra a flora (Seção II); à poluição e outros crimes ambientais (Seção

185
III); aos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (Seção IV) e aos crimes administração
ambiental (Seção V).
FUNDAMENTOS: fundamentos constitucionais para que possam ser estabelecidas sanções penais
ambientais: (segundo CELSO FIORILLO): 1- Obediência aos fundamentos do estado democrático de direito (art.
1°CF); 2- Obediência aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3°CF); 3-Adequação ao
direito criminal constitucional e ao direito penal constitucional como instrumentos de defesa da vida de
brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 5°CF); 4- Obediência e adequação ao direito ambiental
constitucional (art. 225 CF).
PENAS PREVISTAS PARA PESSOAS JURÍDICAS: As penas podem ser aplicadas de forma isolada,
cumulativa ou alternativa (art. 21), são elas: a) multas; b) restritivas de direitos; c) prestação de serviços à
comunidade.
Muito embora no sistema do CP a prestação de serviços à comunidade seja uma modalidade de pena
restritiva de direitos, observa-se que as penas previstas na LCA amoldam-se à natureza das pessoas jurídicas.
OBS: A duração da pena, na omissão da lei, deverá ser limitada à duração da pena privativa de
liberdade que seria aplicável às pessoas físicas. Lei 9605: “Art. 7º As penas restritivas de direitos são
autônomas e substituem as privativas de liberdade quando: (...) Parágrafo único. As penas restritivas de
direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída”.
OBS: A pena imposta à pessoa jurídica deve guardar proporcionalidade com aquela que tenha sido
aplicada ao seu dirigente pelos mesmos fatos, quando existam pessoas físicas processadas pelo crime.
Atenção: As penas restritivas de direitos para pessoas jurídicas são originárias, não substitutivas.
MULTA: O quantitativo da multa será determinado pela gravidade da conduta e a situação financeira
da empresa, por aplicação dos arts. 18 e 6o, III da LCA. TRF1, SER 200137000062988, 4a T, 2009: A pena de
multa não é a única aplicável às pessoas jurídicas (LCA, art. 21), de modo que a prescrição não se dá em dois
anos (CP, art. 114, I), mas no mesmo prazo da pena privativa de liberdade prevista em cada tipo penal, nos
termos do inc. II do art. 114 do CP.
PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: São aplicáveis as seguintes penas restritivas de direitos às pessoas
jurídicas (art. 22):

Pena Critério de Aplicação Duração Duração Máxima


Desobediência às disposições legais
Suspensão parcial ou Prazo máximo da pena
ou regulamentares, relativas à
total das atividades privativa de liberdade
proteção do meio ambiente (§1º)
Quando o estabelecimento, obra ou
atividade estiver funcionando sem a
Interdição temporária de
devida autorização, ou em Prazo máximo da pena
estabelecimento, obra ou
desacordo com a concedida, ou com privativa de liberdade
atividade.
violação de disposição legal ou
regulamentar (§2º).
Proibição de contratar
com o Poder Público,
bem como dele obter Dez anos (§3º)
subsídios, subvenções ou
doações.

Obs: A suspensão parcial ou total e a interdição temporária somente poderão ser aplicadas quando
presentes as situações dos §§ 1o ou 2o do art. 22. A suspensão e a interdição não são limitadas à atividade,
estabelecimento ou obra em situação irregular, que seria uma mera consequência da falta de autorização,
podendo ser adotada até mesmo administrativamente.
OBS: A LCA não prevê requisito específico para a proibição de contratar com o Poder Público, que
poderá, portanto, ser aplicada, cumulativamente com outras penas, na grande maioria dos casos de crimes
ambientais.

186
OBS: Prestação de Serviços à Comunidade: Visa a reduzir o impacto do significativo dano ambiental
originado da destruição da floresta e poderá consistir em (art. 23): I – custeio de programas e de projetos
ambientais; II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III – manutenção de espaços públicos;
IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. OBS: Somente aquelas dos incisos II e III têm,
efetivamente, a natureza de prestação de serviços, pois as modalidades dos incisos I e IV traduzem-se, em
verdade, no pagamento de prestações em dinheiro.
EFEITO DA CONDENAÇÃO: O art. 24 prevê a possibilidade de liquidação forçada da pessoa jurídica
constituída ou utilizada preponderantemente com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime
ambiental, sendo o seu patrimônio considerado instrumento do crime, e, assim, perdido em favor do FUNPEN.
Trata-se aqui de drástico efeito da condenação, aplicável somente em casos extremos, a ser motivadamente
declarado na sentença.
PRESCRIÇÃO: A prescrição em abstrato é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade prevista
para a pessoa física, enquanto a prescrição em concreto é calculada pelo tempo de duração da pena imposta.
OBS: A empresa não se beneficia da redução do prazo prescricional por conta da idade do acusado
pessoa física, que conta mais de 70 anos.
TERMO DE COMPROMISSO (ART. 79-A): “Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos
ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e
fiscalização dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental, ficam
autorizados a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas
ou jurídicas responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores” (art. 79-
A).
Atenção: a jurisprudência vem se orientando no sentido de que a assinatura de termo de compromisso
não afasta a tipicidade penal da conduta (STF, HC 86362/SP, Direito, 1a T., u., 16.10.07), não impedindo,
portanto, a instauração da ação penal, ante a independência entre as esferas penal e administrativa (STJ, HC
82911/MG, 5a T., 5.5.09). Nada impede que o fato seja considerado na dosimetria da pena (TRF4, AC
200472040043356, 25.3.09). Na mesma linha, a prestação pecuniária não se confunde com o valor a ser
aplicado pelo réu em um Plano de Recuperação de Área Degradada, definido em ação civil pública (TRF4, AC
200472010077157, 24.2.10).

Novidade na jurisprudência: O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/98 possui
natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta
delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de perícia.
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em
danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora. Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(STJ. 3ª Seção. EREsp 1.417.279-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/04/2018)

12.DROGAS
12.1 Crimes de tráfico ilı ́cito e uso indevido de drogas. (14.b)

14B. Crimes de tráfico ilícito e uso indevido de drogas.

Elaborado por Matheus de Andrade Bueno

Definição de drogas. Substância que cause dependência e esteja prevista em norma complementar.
Norma penal em branco (depende de complemento normativo) heterogênea (norma infralegal). Portaria
344/98 SVS/Ms. Qualquer alteração do rol da portaria irá repercutir no tipo penal. Se retirar o complemento,
haverá abolitio criminis, alcançando fatos anteriores (é causa de extinção da punibilidade que exclui efeitos
primários e secundários de eventual condenação e é apenas declarada pelo Juiz). Ela não tem efeito
regulatório, como a tabela de preço de efeito temporário (aplicada à lei de economia popular), em que a norma
principal tem a finalidade de dar concretude a este elemento temporal (feita para determinados períodos). Se

187
o complemento é de caráter temporário (não é o caso), aplica-se a ultratividade gravosa, e não se aplica a
retroatividade benéfica (o que não é o caso da Portaria 344/98).
Crimes da Lei 11.343/06. Crimes de perigo abstrato (presumido por lei, não exigindo prova concreta
do perigo), por isso não se aplica o princípio da insignificância. Sujeito ativo. Crimes comuns (praticados por
qualquer um), exceto o art. 38, modalidade prescrever, que é próprio, pois o ato é privativo de médico ou
dentista. Sujeito passivo: coletividade (delito vago). Bem jurídico protegido: Saúde Pública da coletividade
(tutela imediata); saúde individual (tutela mediata).
Art. 28 (porte para uso próprio). STF já reconheceu a despenalização da conduta (RE 430.105) e
caminha para reconhecer a descrimnalização do porte para consumo pessoal (RE 635.659), por razões de
intimidade, vida privada, desproporcionalidade e impedimento de criminalização de autolesão (votos
proferidos nesse sentido dos Min. Gilmar Mendes, Edson Fachin e Barroso – julgamento interrompido).
Sanções cominadas ao porte: a) advertência sobre os efeitos da droga; b) prestação de serviços à
comunidade; c) comparecimento a programa ou curso educativo. Art. 30: prescrição em 2 anos. Aplicam-se
causas interruptivas e suspensivas do CP. Descumprimento injustificado da sanção alternativa (art. 28, §6º):
advertência ou imposição de multa.
Importante: STJ decidiu que condenação anterior por porte não gera reincidência (Respe
1.672.654, julgado em 21.8.2018). Argumentos: a) constitucionalidade duvidosa do tipo; b) contravenção,
que é punida com prisão simples, não gera reincidência.
Art. 33, caput (tráfico). Sujeito passivo: primário é a coletividade (delito vago); secundário são
crianças, adolescentes, pessoas incapazes. Fornecer bebida alcoólica ou substância causadora de dependência
(não inserida na Portaria 344/98) para criança ou adolescente (ex.: cola de sapateiro): art. 243 do ECA
(alterado Lei 13.106/15). Conduta: 18 núcleos (crime plurinuclear). Agente pratica 2 ou mais verbos + mesmo
contexto fático + sucessivamente mais de 1 ação típica = responderá por crime único (ex.: prepara, transporta,
vende e entrega). Princípio da alternatividade. Circunstâncias indicativas de tráfico (art. 52): quantidade e
natureza da substância; o local e condições em que se desenvolveu o crime; circunstâncias da prisão; conduta,
qualificação e antecedentes do agente. Tipo subjetivo: punido a título de dolo (há outra corrente: dolo com
especial fim de agir, para tráfico ilícito de drogas). Tipo objetivo de importar ou exportar: norma especial em
relação ao contrabando; não há previsão da facilitação; se o funcionário facilita responde pelo tráfico, ainda
que como partícipe, com causa de aumento do art. 40, II; crime instantâneo: com a entrada ou saída.
Consumação: prática de qualquer um dos núcleos. Há modalidade permanentes (guardar, manter consigo).
Possibilidade de tentativa (divergência): 1ªC (multiplicidade de núcleos, inviabiliza a tentativa); 2ª C (admite
tentativa, como tentar adquirir). Tráfico provocado: ilegalidade da venda (S.145/STF), legalidade da conduta
“trazer consigo”. 1ª Turma/STF (HC 94240/SP): possibilidade do p. do non olet (incidência de tributação sobre
valores adquiridos com o tráfico).
Art. 33, § 3º (fornecimento para consumo conjunto). Requisitos: oferecimento eventual; sem
objetivo de lucro (elemento subjetivo negativo do tipo: não pode existir, senão configura outro tipo); à pessoa
de seu relacionamento (elemento subjetivo positivo: tem que existir, senão configura outro tipo). Ausência de
qualquer requisito = vai para o caput.
Art. 33, §1º, I (tráfico de matéria prima, insumo ou produto químico destinado a preparação de
droga). Caput Objeto material: droga pronta. §1º,I Objeto material: produtos destinados à preparação da
droga (ex.: éter sulfúrico). Vicente Greco: compreende não só substâncias exclusivamente destinadas à
preparação da droga, mas as que se prestem a outras finalidades (imprescindível perícia). Não há necessidade
de que produtos tenham efeitos farmacológicos da droga a ser produzida. Consuma: prática de qualquer dos
núcleos, dispensando a efetiva preparação da droga. Admite tentativa.
Importante: STF entendeu que importação de pequena quantidade de sementes de maconha não
configura, formal ou materialmente, tráfico ou figuras equiparadas (HC 144.161, Min. Gilmar Mendes,
julgado em 11.9.2018). STJ também já possuía posição minoritária nesse sentido (Respe 1675709), mas
maioria compreendia que configurava o delito (Respe 1733645). Semente não possui THC (substância
elencada na Portaria 344/98) e não é matéria-prima de droga (a planta é). Conselho Institucional do MPF já
decidiu pela configuração de contrabando, com possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância.
MPF expediu recomendação à ANVISA a fim de que seja regulamentada a importação de sementes de
maconha.

188
Art. 33, §1º, II (semear, cultivar ou colher plantas que se constituam em matéria-prima para
preparação de drogas). Caput Objeto material: droga pronta. §1º, II Objeto material: plantas que constituam
matéria-prima. Não importa que já apresentem ou não o princípio ativo. Plantio para tráfico legitima
expropriação-sanção (art. 243/CF): Plenário STF (RE n. 543.974): o art. 243/CF, ao aludir às "glebas de qualquer
região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas", não se refere apenas às áreas
em que estas sejam ilegalmente cultivadas, mas à integralidade das propriedades rurais nas quais tais culturas
sejam localizadas. Cabe ao proprietário o ônus de provar boa-fé e ausência de culpa (inclusive in eligendo e
vigilando quanto à conduta de possuidor - RE 635336 - STF).
Art. 33, §1º, III (utilização de local ou qualquer meio para tráfico). Emprestar imóvel para
o comercio = art. 33,
§1º, III. Emprestar para uso = §2º (Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga).
Art. 33, §4º (tráfico minorado). Incide aos crimes do art. 33, caput, §1º, I, II e III. Não se aplica aos
§2º e 3º. Requisitos (cumulados): primário, bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas, não
integre organização criminosa. Vedação de substituição da privativa de liberdade: suspenso (resolução Senado
5/2012), pois: viola p. da proporcionalidade (desdobramento da individualização da pena) e p. da suficiência
das penas alternativas; não se admite proibições com base na gravidade em abstrato, tirando do juiz a
capacidade de analisar o caso concreto. Presentes os requisitos é direito subjetivo do réu a diminuição da
pena. Redução da pena de 1/6 a 2/3. Quantidade e natureza da droga pode ser sopesada na primeira ou
terceira fases da dosimetria (consideração simultânea acarreta bis in idem, segundo o STF). Proibição da
combinação de leis: posição majoritária do STF e Súmula 501/STJ. Importante: tráfico minorado não configura
tipo equiparado a hediondo (HC 118.533). A condição de “mula’ não afasta, por si só, a causa minorante.
Segundo STJ, inquéritos policiais e ações penais em curso podem ser utilizados para afastar a minorante
(EREsp 1431091).
Art. 34 (tráfico de maquinários). Prevalece que o art. 34 é subsidiário: mesmo contexto fático + é
surpreendido mantendo sob guarda drogas e na posse de maquinário, responde somente pelo art. 33. Objeto
material: não existem aparelhos destinados exclusivamente para fabricação ou transformação da droga
(qualquer instrumento utilizado em laboratório químico pode vir a ser utilizado na produção). Lâmina de
barbear não se destina a tais finalidades, sim separar droga pronta ao uso, não configurando o art. 34.
Jurisprudência exige o exame pericial do instrumento. Privilégio do §4º ao art. 34? 1ªC: aplica-se o §4º por
analogia ao art. 34, não havendo motivos para tratamento diferenciado. 2ªC: não houve omissão involuntária
do legislador (silêncio eloquente); aliás, o art. 34 já é punido com pena menos severa.
Art. 35 (associação criminosa para o tráfico). Caput: reunião estável e permanente de 2 ou mais
pessoas, para praticar o tráfico de drogas, matéria prima ou maquinários. § único: (...) para praticar
financiamento ao tráfico. A expressão “reiteiradamente ou não” está relacionada aos crimes visados pela
associação, não se tratando de característica da própria associação (crime é permanente). Associação é crime
autônomo (independe da prática de qualquer dos crimes referidos na lei). Ocorrendo qualquer dos crimes pela
associação, ocorrerá o concurso material de delitos. Imprescindível o animus associativo, aliado ao fim
específico de traficar drogas, maquinários ou financiar o tráfico. Associação eventual (mero concurso de
agentes) deve ser considerada na 1ª fase da dosimetria. Não é equiparado a hediondo.
Art. 36 (financiamento do tráfico). Pode envolver ou não dinheiro. Tipo objetivo: financiar (sustento
em sentido estrito); custear (abastecer no que for necessário, prover despesas). Tipo subjetivo: dolo (fim
especial). Consumação: com qualquer ato indicando sustento (1ªC prevalece); com a reiteração de atos de
sustento, sendo habitual (2ªC minoritária). Rogério Sanches: financiar e custear indicam comportamento
reiterado; o art.35, sugere que o crime do art. 36 só pode ser praticado reiteradamente; art. 40, VII, traz o
custeio eventual. 3 situações: (1) associados de forma estável e permanente sustentam o tráfico no Morro X =
agentes respondem pelo art. 35 c/c art. 36 (em concurso material); (2) ocasionalmente associados, sustentam
o tráfico no Morro X = respondem pelo art. 36 em concurso de pessoas (circunstância considerada na
dosimetria); (3) majorante (40, VII) seria apenas a quem faz parte do tráfico e se autofinancia.
Art. 37 (informante/colaborador). Conduta: apesar de não expresso na lei, conduta do informante
precisa ser eventual, sem estabelecer qualquer vínculo associativo com os destinatários das informações,
ainda que diante de remuneração. Se permanente e estável, a conduta não tipifica o art. 37, mas a associação
(ART. 35).

189
Art. 38 (prescrever drogas). Único crime culposo da lei. Vicente Greco: antiga lei, o sujeito ativo só
poderia ser médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem (crime próprio); lei nova, o tipo
ampliou seu alcance para abranger todas as pessoas que possam prescrever ou ministrar drogas (veterinário,
nutricionista). Sujeito passivo: primário (coletividade); secundário (paciente). Hipóteses de prescrição: (1)
dose certa + droga certa + paciente errado; (2) droga certa + dose errada; (3) dose certa + droga errada.
Consumação: modalidade prescrever (receitar), com a entrega da receita (crime culposo não material, raro!);
ministrar, com o momento da aplicação. Sofrendo o paciente dano à sua saúde ou morte = concurso formal
com lesão culposa ou homicídio culposo. Crime é culposo, não admite tentativa. Juiz comunicará a condenação
ao Conselho Federal da categoria profissional.
Art. 39 (condução de embarcação ou aeronave após o consumo de drogas). Veículo de
transporte coletivo de passageiros = art. 39. Veículo automotor = art. 306/CTB. Crime de perigo
concreto, não presumido. Consumação: com a condução anormal (perigosa), não bastando o uso da
droga.
Art. 40 (majorantes). Varia de 1/6 a 2/3. Só incide nos crimes dos arts. 33 a 37. Inc. I: tráfico
transnacional (competência da JF); dispensa habitualidade; Transnacionalidade: não precisa atravessar as
fronteiras (entrar ou sair do país), basta que as circunstâncias evidenciem que o agente sairia com a droga do
país (ex.: fazendo check in no aeroporto). Súmula 607/STJ. Inc. II: agente praticar o crime prevalecendo-se de
função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância. Inc. III: não se
exige que o comprador seja detento (HC 138944/, STF), bastando que a aglomeração associado ao presídio
tenha facilitado a comercialização. Mas aglomeração precisa existir (venda de madrugada nas imediações de
escola não enseja causa de aumento – Resp 1719792/STJ). Quanto ao transporte público, a jurisprudência é
vacilante. STJ tem entendido que é necessária a efetiva comercialiação no interior do veículo ( Resp 1591404
– 23.3.17). Inc. IV: crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou
qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva (se a arma é apreendida no flagrante, não sendo utilizada
para intimidação imposto pelo tráfico, não gera majorante do tráfico, mas crime autônomo). Inc. V: tráfico
interestadual, basta a intenção de realizar o tráfico interestadual, não se exigindo efetiva transposição das
fronteiras da unidade da federação (Súmula 587/STJ). Inc. VI: não abrange pessoa idosa. A incidência da causa
de aumento por atingir criança ou adolescente afasta a incidência do delito de corrupção de menores (art.
244-B, ECA – Resp 1622781). Se a prática for de algum outro crime que não admita a causa de aumento, incide
o crime do ECA.
Art. 44 (consequências restritivas para os art.s 33, caput e §1º; 34; 35; 36; 37). Inafiançável;
insuscetível de anistia, graça e indulto (exceto na figura privilegiada). STF: vedação da liberdade provisória com
base na gravidade em abstrato é inconstitucional. Livramento constitucional: cumprimento de 2/3 da pena
(exceto se privilegiado). STF: regime inicial necessariamente fechado viola individualização e o dever de
fundamentação da decisão. Resolução Senado 5/2012: sustou proibição da substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos.
Outras regras. Progressão de regime: 2/5 (primário) e 3/5 (reincidente). S.471/STJ: crime hediondo
anterior a Lei 11464/04, progressão com 1/6. Prisão temporária: 30+30.

13.CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO E CRIMES CONTRA ÍNDIOS


13.1 Direito penal, indı ́genas e comunidades tradicionais. (8.b)
13.2 Crimes de preconceito e discriminação. (18.c)

8B. Direito penal, indígenas e comunidades tradicionais.

André Luís Mendes


Atualizado em 31/08/18

Sobre direito penal e sua ligação com o conceito de comunidades tradicionais ver Ponto 18.C (Crimes de
preconceito e discriminação)

I. Competência penal em questões indígenas

190
Segundo a jurisprudência atual e majoritária, “a competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do
disposto no art. 109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de genocídio, ou
quando, na ocasião ou motivação de outro delito de que seja índio o agente ou a vítima, tenha havido disputa
sobre direitos indígenas, não bastando seja aquele imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e,
tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indígena” (STF, RE 419528/PR e RE 633499-AgR/PR).
Nessa linha, na hipótese de crime em que o indígena for autor ou vítima, o caso deverá, segundo o
entendimento jurisprudencial, ser julgado, em regra, pela Justiça Estadual (STJ, Enunciado 140).
No entanto, a 2ªCCR/MPF pondera que a Súmula 140-STJ não deve ser aplicada de forma indistinta, devendo
a análise de cada caso concreto ser feita de forma individualizada de modo a permitir observar suas
especificidades, para assim delimitar a atribuição para a persecução penal (cf. Voto: 4305/2018). Reconhece,
nesse sentido, que, da interpretação conjugada dos arts. 109, XI, e 231 da CRFB/88, é possível concluir ser da
competência da União processar e julgar não apenas as situações já consolidadas pela jurisprudência (delito
de genocídio e direitos ou interesses coletivos de comunidade indígena), como também outros crimes que
violem a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, inclusive sob a ótica do
indígena individualmente considerado (cf. Votos 4167/2018 e 2594/2018, v.g.). Isso não significa, porém, na
compreensão da 2ªCCR/MPF, que todo crime cometido ou sofrido por indígena justificará a competência
federal, tanto que já reconheceu não ser suficiente, para esse fim, por exemplo, assalto cometido por grupo
de indígenas em rodovia (cf. Voto 2966/2018), ou ameaças ocorridas em ambiente doméstico entre ex-
cônjuges indígenas (cf. Voto 265/2018).
Posição da Dra. Ela Wiecko: por não haver como dissociar a conduta praticada por indígena ou contra
indígenas da dimensão necessariamente coletiva da organização social dos povos e comunidades indígenas,
todo e qualquer crime praticado por ou contra indígena deve ser de competência da JF, que, inclusive, está
mais preparada para garantir o respeito a esses direitos e tradições. Superação da Súmula 140-STJ, editada
antes da CRFB/88. Ademais, as minorias indígenas são um bem jurídico a proteger de responsabilidade da
União (CRFB/88, art. 231), o que atrai, outrossim, a incidência do art. 109, IV, da CRFB/88. Toda essa
compreensão se alinha, inclusive, ao quanto previsto no PLS 156, de 2009, que institui o novo Código de
Processo Penal.

II. Crimes específicos contra os índios

As infrações penais dessa natureza estão tipificadas na Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio – EI), especificamente
em seu art. 58, incisos I a III, sendo todas dolosas e de menor potencial ofensivo.
• Inciso I: tutela a cultura e as tradições indígenas (CRFB/88, art. 231; Convenção 169- OIT, art. 8º; PIDCP, art.
27), criminalizando o escárnio, o vilipêndio ou a perturbação de cerimônias, ritos e costumes.
• Inciso II: utilizar o índio ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para
fins lucrativos. A consumação independe da obtenção efetiva de lucro (Baltazar).
• Inciso III (possui maior pena): veda que se propicie, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação
de bebidas alcoólicas nos grupos tribais ou entre índios “não integrados”. Tese do MPF: se a bebida é um
elemento exógeno à comunidade, e está sendo introduzida por um sujeito alheio a ela, incide a norma penal.
Compatibiliza a proteção à liberdade do índio que por vontade própria, deseja consumir álcool, com a
proteção da comunidade contra agentes que desejam usar a bebida como meio de degradação.
Causas especiais de aumento de pena: São duas hipóteses, previstas no EI, que justificam a majoração da pena
em 1/3, a saber: (a) quando um dos crimes indicados acima for praticado por funcionário ou empregado do
órgão de assistência ao índio (art. 58, parágrafo único); (b) quando a infração – não restrita ao EI (Baltazar) –
for praticada contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio “não integrado” ou
comunidade indígena (art. 59).
Aplicabilidade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) no âmbito indígena: embora não pensada, em sua
origem, para um contexto específico de violência contra mulheres indígenas, mostra-se possível sua aplicação
em tal situação, desde que se atente e respeite às especificidades culturais de cada povo indígena. Por força
da autodeterminação que lhes é assegurada, cabe aos povos indígenas decidir quais aspectos devem ou não
ser preservados de acordo com sua organização social. Isso faz com que os problemas práticos sejam muitos,

191
exigindo soluções as mais diversas, inclusive híbridas (v.g., uso seletivo de ordens normativas que melhor
sirvam a seus interesses). Em conclusão: “caberá às mulheres indígenas definir a compatibilização mais
adequada das ordens normativas visando à superação da violência praticada contra elas por seus
companheiros” (Ela Wiecko).

III. Crimes praticados por índios

Jurisdição Penal Indígena: Em análise do conjunto das disposições da CRFB/88 (art. 231), do Estatuto do Índio
(art. 57), da Convenção 169-OIT (art. 9º), depreende-se que os delitos cometidos pelos próprios membros da
comunidade indígena, ou seja, dentro de sua organização, são punidos conforme os costumes e tradições da
respectiva etnia. O Estado, assim, não deve sobrepor sua punição ao fato anteriormente analisado pelo
sistema penal indígena, sob pena de afronta à organização social, costumes e crenças reconhecidos
constitucionalmente aos povos indígenas. Ao Estado caberá analisar apenas se a sanção indígena se ateve aos
limites dos direitos humanos, não podendo ingressar no mérito, na análise da justiça ou da suficiência da
punição.

Jurisdição Penal Estatal: Quando houver de incidir, o direito penal estatal deverá observar a especial proteção
que o ordenamento jurídico confere aos indígenas por suas peculiaridades culturais, costumes e tradições. Isso
reflete, por lógica, nos seguintes pontos:
• Caracterização do ilícito penal: A inimputabilidade dos indígenas, dentro do paradigma da plurietnicidade,
segue as regras gerais aplicáveis a todas as pessoas maiores de 18 anos; afinal, pertencer a uma cultura com
valores diversos não significa ter desenvolvimento incompleto. Bem por isso tem-se, em geral, que a
punibilidade do comportamento típico de um indígena pode ser abordada tanto do ponto de vista da própria
tipicidade quanto, especialmente, do ponto de vista da culpabilidade, sempre levando em consideração o
contexto étnico, cultural, político e econômico no qual indivíduo se insere ou ao qual inexoravelmente
pertence. Sob essa linha, serão atípicas, em princípio, condutas que estejam de acordo com suas tradições,
costumes e crenças (ex.: pesca, caça, sacrifício ritual de animais, charlatanismo, curandeirismo, etc.). Do
mesmo modo, a não compreensão do índio sobre a ilicitude de suas ações em relação ao sistema de punição
da sociedade não-índia poderá caracterizar a figura do erro de compreensão culturalmente condicionado
(erro de proibição invencível, em certas circunstâncias), de modo a, igualmente, afastar o crime. Naturalmente
que essa relação entre proteção de direitos fundamentais e respeito à diversidade étnica e cultural – a refletir
diretamente sobre a definição social e legal de crime – pode gerar situações tensas e problemáticas (ex.:
prática de infanticídio, cuja caracterização dependerá, entre outros fatores, da concepção adotada pelo grupo
acerca do início da vida).
• Laudo Antropológico: Consiste em prova pericial, produzida por profissional (“tradutor cultural”) que tenha
particular conhecimento da cultura de um povo indígena específico, e que dela elaborará uma descrição, a fim
de que os sujeitos processuais formem convicção acerca do papel desempenhado pelas especificidades
culturais no cometimento do delito. Embora o entendimento prevalente no MPF, já também manifestado
pela examinadora Ela Wiecko em sede doutrinária, seja no sentido da obrigatoriedade da confecção do
mencionado laudo nas ações penais envolvendo indígenas para estabelecer o diálogo intercultural, a
jurisprudência tem adotado posição diversa (necessidade condicionada à existência de dúvida acerca da
condição e capacidade de índio de compreender os atos que praticou).
• Assistência da FUNAI: Embora o regime tutelar previsto no Estatuto do Índio não tenha sido recepcionado
pelos arts. 231 e 232 da CRFB/88 (Enunciado da 6ªCCR/MPF), a FUNAI pode vir a ser assistente da defesa em
ação penal ajuizada em desfavor de indígena. Segundo o STJ, a assistência, além de não ser razão suficiente
para deslocar o processo para a esfera federal, não é uma obrigação, mas uma opção do índio que não pode
ser negada pelo fato de eventualmente residir em área urbana (CC 136.773 e RMS 30675). O STF, por sua vez,
possui julgado mais antigo no sentido de que não cabe assistência da FUNAI em processo penal contra índio,
por ser de natureza civil a tutela cometida constitucionalmente à União, e não criminal (HC 79530, 1999).
• Atenuante prevista no art. 56, caput, do EI: De acordo com a jurisprudência predominante, a mencionada
atenuante somente tem incidência sobre o “indígena não integrado” socialmente, e não sobre aquele já
incorporado à comunhão nacional e no pleno exercício dos seus direitos civis, ainda que conserve usos,

192
costumes e tradições características de sua cultura. Posição do MPF: a expressão “grau de integração do
silvícola”, presente no dispositivo, deve ser entendida como “grau de conhecimento do índio acerca da cultura
predominantemente adotada pela sociedade circundante”; com base nisso, a questionada atenuante possui
incidência obrigatória, sendo que a maior ou menor compreensão do índio acerca da cultura circundante serve
apenas para graduar a atenuante, e não para deixar de aplicá-la.
• Regime de cumprimento de pena: Na imposição de pena a indígena, devem-se priorizar tipos de punição
diversos do encarceramento (Convenção 169-OIT, art. 10). Em conformidade com isso, o Estatuto do Índio
(norma especial em relação ao CP) prevê que as penas privativas de liberdade deverão ser cumpridas, se
possível, em regime de semiliberdade (regime que se aproxima do regime semiaberto do Código Penal), no
local de funcionamento do órgão federal de assistência mais próximo da habitação do condenado (EI, art. 56,
parág. Único). A jurisprudência majoritária, contudo, parte do entendimento de que o “indígena integrado à
sociedade” (nos termos do art. 4º do EI) fica sujeito às leis penais impostas aos cidadãos comuns, ficando
afastada a normatividade do art. 56 do EI. Posição do MPF: (a) a simples condição de indígena determina que
seja imposto o regime de semiliberdade para cumprimento da pena privativa de liberdade (STF, HC 85198),
descabendo a categorização como índio integrado ou não-integrado à sociedade brasileira, vez que não há
perda da identidade étnica pela apropriação de elementos da cultura circundante, como o uso de celular,
domínio da língua portuguesa, grau de escolaridade; (b) como a FUNAI não está equipada para o
acautelamento desses índios, o regime de semiliberdade deve ser compreendido como aquele que mantenha
o índio em contato com sua cultura, o que geralmente será na própria tribo, embora possa não ser, quando
se tratar, por exemplo, de índio habitante da cidade.
• Prisão cautelar: Aplica-se aqui, mutatis mutandis, o que exposto acima. Enquanto a jurisprudência, de um
lado, utiliza o mesmo parâmetro de integração à sociedade do indígena para determinar o cabimento da
privação processual da liberdade, o MPF tende a sustentar, de outro, a aplicação do regime especial em
qualquer caso, até porque, se a condenação definitiva já implica esse regime específico, não se pode aceitar
que uma medida cautelar, de natureza efêmera e acessória, acarrete o encarceramento do indígena em
condições mais gravosas do que aquela.

18C. Crimes de preconceito e discriminação.

André Luís Mendes - 08/09/18

I. CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL DO TEMA

Definição de discurso de ódio (hate speech): são “manifestações de pensamento que ofendam,
ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com base na raça, cor, religião, nacionalidade,
orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou outras características próprias”.
Discurso de ódio (hate speech) e Sistema Internacional dos Direitos Humanos. Embora a liberdade
de expressão seja altamente valorizada no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DUDH, art.
19; PIDCP, art. 19; CEDH, art. 10; CIDH, art. 13), a posição dos instrumentos internacionais de direitos
humanos (cf., v.g., Convenção Internacional contra a Discriminação Racial, art. 4º; PIDCP, arts. 19.3 e 20.2;
CIDH, art. 13.5) e das instituições encarregadas do seu monitoramento é no sentido de que o hate speech
deve ser combatido e punido, e não tolerado em nome da liberdade de expressão (Sarmento).
Discurso de ódio (hate speech) e Direito Constitucional brasileiro. Apesar de a liberdade de expressão
ocupar uma posição extremamente destacada no sistema constitucional brasileiro (CRFB/88, arts. 5º, IV, X e
XIV, e 220, caput, §§ 1º e 2º), o próprio texto constitucional consagrou direitos fundamentais que lhe impõem
restrições e limites (art. 5º, V e X), a par de destacar seu compromisso com a construção da igualdade e com a
luta contra o preconceito (arts. 3º, I, III e IV, e 5º, caput e I). Além disso, estabeleceu expressamente que “a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI), e que “a
prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”
(art. 5º, XLII). Tudo de modo a conduzir, enfim, a uma obrigação constitucional de combate às manifestações
de racismo, preconceito e intolerância.

193
Complexo normativo de combate ao preconceito e à discriminação: Por força dessas obrigações
internacionais e constitucionais (mandados de criminalização), o Estado brasileiro editou várias leis penais (ora
criadoras de novos tipos, ora de agravantes, ora de majorantes) que, em conjunto, formam um complexo
normativo de combate ao preconceito e à discriminação, composto, por exemplo, pelos seguintes
diplomas/dispositivos:
• Lei 7.716/89: que tipifica de forma mais ampla os crimes decorrentes de preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional;
• Lei 7.437/85: foi derrogada pela Lei 7.716/89, de forma a subsistir, apenas, a contravenção penal
praticada mediante “atos resultantes de preconceito de [...] sexo ou de estado civil”;
• Código Penal: (i) art. 140, § 3º: injúria qualificada por elementos de raça, cor, etnia, religião, origem
ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência; (ii) art. 149, § 2º, II: redução à condição análoga à
de escravo por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (majoração na metade da pena); (iii) art.
121, § 2º, VI (feminicídio): que pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de
sexo feminino” (por razões de gênero);
• Lei 9.029/95, art. 2º: que tipifica a exigência de atestados de gravidez e esterilização para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, visando a evitar práticas discriminatórias
contra a mulher na esfera laboral;
• Lei 9.455/97, art. 1º, I, “c”: que traz a previsão da chamada “tortura discriminatória, tortura
preconceituosa ou tortura racismo”, entendida como o constrangimento de alguém com emprego de violência
ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa;
• Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso): prevê crimes contra pessoas maiores de 60 anos, todos de ação
penal pública incondicionada, que não se submetem aos arts. 180 e 181 do CP, tipificando diversas condutas
(vide arts. 96 a 108). Inclusive, aos crimes previstos no Estatuto do Idoso com pena máxima que não ultrapasse
4 anos, aplica-se a Lei 9.099/95, estritamente nos seus aspectos processuais, para dar celeridade ao processo,
sem quaisquer de suas medidas despenalizantes ou benéficas ao réu (STF, ADI 3096 - ajuizada pela PGR).
• Lei 12.984/14: que define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência
humana (HIV) e doentes de AIDS;
• Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), arts. 88 a 91; e Lei 7.853/89, art. 8º (na redação
do EPD): que, juntas, tipificam diversas formas de discriminação contra pessoas deficientes, além de, em certos
dispositivos (arts. 89 a 91 do EPD), preverem crimes específicos cometidos em face de pessoas com deficiência.

Proibição do hate speech como estratégia complementar. A proibição do hate speech, por si só, não
resolverá os problemas de injustiça estrutural e de falta de reconhecimento social que atingem as minorias. É
fundamental para isso implementar, em caráter complementar, ações públicas enérgicas, como as políticas de
ação afirmativa, visando a reduzir as desigualdades que penalizam alguns destes grupos, e desenvolver, em
paralelo, uma cultura de tolerância e valorização da diversidade, através da educação e de campanhas públicas
(Sarmento). Nesse sentido, no Brasil, por força do Decreto 5.397/2005, compete ao Conselho Nacional de
Combate à Discriminação – CNCD acompanhar as políticas públicas de afirmação das minorias e de redução
das intolerâncias.
Visão crítica na esfera penal: ineficácia do aumento da criminalização (Ela Wiecko). Há uma tendência
de pessoas e grupos atingidos e a própria sociedade como um todo buscarem aumentar a criminalização
mediante a criação de novos tipos penais, circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena. Todavia,
isso seria insuficiente e, no mais das vezes, revelaria a própria ineficácia isolada do controle penal e seu
aperfeiçoamento, mormente em casos de discurso de ódio veiculados pela internet (no que aqui se insere,
inclusive, as fake news), mesmo diante do valor simbólico da lei penal e do efeito geral dissuasório que as
sanções penais costumam exercer. Dever-se-ia, assim, buscar promover intervenções não-penais de modo a
criar um contexto desfavorável à veiculação destes insultos e mensagens discriminatórias. Afinal, o Direito
ainda não seria a melhor forma de lidar com o problema, especialmente por partir da concepção tradicional
de sujeito, que detém o controle do discurso e causa a ofensa, quando na verdade o discurso de ódio
transcenderia o indivíduo, refletindo preconceitos e estereótipos compartilhados amplamente nas sociedades
(Judith Butler).
Critérios para a aplicação da lei penal. “As restrições ao direito à liberdade de expressão somente

194
devem ocorrer em hipóteses extremas, nas quais essa limitação seja imprescindível para a proteção de um
outro direito fundamental que com ela entre em colisão. Ponderação e proporcionalidade na aplicação da lei
penal” (2CCR, Voto 145/2018).

II. DIFERENÇAS CONCEITUAIS: PRECONCEITO X DISCRIMINAÇÃO X RACISMO

Embora no ordenamento jurídico brasileiro preconceito, discriminação e racismo se fundam, os três


termos são coisas diferentes por definição (cf. estudos do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação –
NED/MPDFT):
• Preconceito: é “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou
conhecimento dos fatos; ideia preconcebida”. Ou ainda: “julgamento ou opinião formada sem se levar em
conta o fato que os conteste; prejuízo” e “suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças,
credos, religiões” (Aurélio). Traduzindo: uma pessoa preconceituosa tem sentimentos e opiniões sobre
alguém, geralmente intolerantes; é algo abstrato e interior; tem a ver com o modo de compreensão da
realidade.
• Discriminação: é a exteriorização do preconceito e, ao contrário deste (que é estático e refere-se à
atitude interior), consiste em uma atitude dinâmica, levada a efeito por ato concreto que distinga, estabeleça
diferença. Ou seja, uma pessoa pode ser preconceituosa (v.g., preconceito implícito) e, nem por isso, praticar
a discriminação. A vertente negativa da discriminação é vedada, mas admite-se a discriminação positiva
(ações afirmativas).
• Racismo: trata-se de teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que tem como finalidade
consagrar a superioridade de uma pretensa raça, buscando fundamentar práticas discriminatórias e
inferiorizantes em uma pretensa moral ou racionalidade científica (ACR).

Evolução para configuração do ilícito penal. Para efeito de caracterização do racismo penalmente
relevante, “é possível afirmar que o preconceito precede à discriminação, ordenando-a como ação plena de
sentido. A rigor, o preconceito é tanto um estado intelectual quando um estado de ânimo (predisposição para
agir). O preconceito funciona como móvel da ação discriminatória, integrando, ao lado do dolo, o aspecto
subjetivo do juízo de tipicidade dos crimes raciais. Exerce, pois, o papel de elemento motivador da prática
discriminatória, deflagrando-a e saltando de um estado puramente anímico (racismo em estado latente) para
dar vazão ao injusto penal (racismo em ato). Ou seja, o preconceito como algo intrínseco ao agente pode
transformar-se em conduta discriminatória típica e ilícita. Pode dizer que, ausente um desses elementos,
impõe-se o reconhecimento da atipicidade da conduta, ou por deficiência do tipo objetivo (inexistência de
discriminação efetiva ou potencial), ou do tipo subjetivo (inexistência da motivação racista, isto é, do
preconceito)” (cf. TRF4, ACR 0004943-15.2009.404.7108, 2013; e MPDFT/NED).

III. ANÁLISE DO PRINCIPAL INSTRUMENTO INCRIMINADOR: LEI 7.716/89

Raio-X da Lei 7.716/89. A Lei 7.716/89, em seu art. 20, tipifica a conduta de “praticar, induzir ou incitar
a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”; consiste, em outros
termos, “na expressão de superioridade em contraposição à inferioridade de coletividades humanas” (STJ,
REsp 1569850/RN, 2018). Cuida-se tipo subsidiário que incide se não aplicados os tipos dos artigos anteriores
(art. 3º: impedir acesso a cargo; art. 4º: negar emprego; art. 5º, 8º, 9º e 10: negar atendimento em
estabelecimentos diversos; art. 6º: negar inscrição em escola; art. 7º: negar hospedagem; art. 11: negar acesso
a entrada social de edifício; art. 12: negar acesso a transporte; art. 13: negar ingresso nas Forças Armadas; art.
14: negar casamento), ou outros diplomas incriminadores específicos. Tipo qualificado (art. 20, §2º): por
intermédio de meio de comunicação social ou publicação de qualquer natureza – reclusão de 2 a 5 anos e
multa. Tipo subjetivo: exige-se dolo específico (intenção de menosprezar ou discriminar raça ou etnia) (STJ,
REsp 911183/SC, 2008). Efeitos da condenação: (i) efeitos não automáticos (devem ser motivados na
sentença): perda de cargo e suspensão por até 3 meses de estabelecimento (arts. 16 e 18); (ii) efeito
automático: destruição de material apreendido com racismo (art. 20, §4º).

195
Competência: A Justiça Federal é competente, nos termos do art. 109, V, da CRFB/88, quando se tratar
de infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, como é caso do racismo, previsto na
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (STJ, CC 132.984/MG).
Nada obstante, o mero fato de o delito de racismo ter sido praticado pela internet não atrai,
automaticamente, a competência da Justiça Federal e a atribuição do MPF para a persecução penal (2CCR,
Enunciado 50), sendo necessário demonstrar a internacionalidade da conduta e/ou de seus resultados (STJ, CC
145.938/RO). Assim, por exemplo, a competência ratione materiae para processar e julgar o crime de racismo
praticado por brasileiro no exterior será federal (2CCR, Voto 3075/2018).

Regime constitucional punitivo especial do racismo (CRFB/88, art. 5º, XLII). Possui três características:
(a) inafiançabilidade: não será concedida liberdade provisória mediante pagamento de fiança (STF, HC 82424),
o que não impede, porém, a concessão de liberdade provisória sem fiança; (b) imprescritibilidade: cláusula de
imprescritibilidade que tem por fim tornar, “ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da
sociedade nacional à sua prática” (STF, HC 82.424-RS); (c) sujeição à pena de reclusão.
Extensão do regime constitucional punitivo especial à injúria racial. O STJ, desde 2015, por entender
que a injúria racial é modalidade de racismo – vez que aquele que pratica injúria racial adota e promove
estereótipos inferiorizantes, aprofundando o tratamento discriminatório típico da narrativa racista –,
reconhece que a essa espécie de delito deve ser estendido o tratamento constitucional repressivo do racismo
(imprescritibilidade, inafiançabilidade e cominação de pena de reclusão); na compreensão do Tribunal, a Lei
9.459/97, que introduziu o § 3º ao art. 140 do CP, teria, na verdade, se limitado a criar mais um delito no
cenário do racismo (STJ: AREsp 686.965/DF, 2015, e AREsp 734.236/DF, 2018; Nucci). Registre-se, todavia, que
posição diversa já foi externada pelo STF na Ap 395 (mas em 2011).
Inaplicabilidade da insignificância penal no racismo. A dignidade da pessoa humana, a igualdade e,
concomitantemente, o pluralismo, bem como a paz pública não comportam flexibilização, sob pena de
negação integral de tais valores (STJ, REsp 1569850/RN, 2018).

Delimitação conceitual de racismo (ACR). Há duas formas de conceituar racismo: (a) conceito restrito
de racismo: consistiria em preconceito baseado em cor da pele e outros traços fenotípicos, de tal modo a
fazer com que os crimes previstos da Lei 7.716/89 tenham tratamento jurídico desigual: os crimes de
discriminação por razão racial seriam inafiançáveis, imprescritíveis e sujeitos a pena de reclusão (CRFB/88, art.
5º, XLII), enquanto os crimes de discriminação por religião ou procedência nacional não sofreriam tal rigor; (b)
conceito amplo de racismo (adotado pelo STF, no caso Ellwanger): o racismo, na verdade, é realizado contra
grupos humanos com características culturais próprias; assim, o racismo é uma construção social – uma vez
que só há uma raça: a humana –, consistindo em uma prática que visa a inferiorizar, ultrajar e estigmatizar
um determinado agrupamento humano por motivo odioso; sob esse prisma, à vista da inexistência de
diferenças biológicas entre os seres humanos, “a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo
de conteúdo meramente político-social” (STF), a fazer com que o elemento normativo “raça” abranja todo
agrupamento humano que possa ser identificado historicamente, politicamente, socialmente e culturalmente
como distinto dos demais grupos humanos. Nesses termos, todos os seres humanos podem ser vítimas de
racismo, que possui facetas contemporâneas, como a do antissemitismo, xenofobia, islamofobia, entre
outras. Nessa linha, a prática de todo e qualquer tipo de racismo previsto na lei penal, e não somente o oriundo
de discriminação racial, impõe o estatuto constitucional punitivo, a saber: inafiançabilidade, imprescritibilidade
e pena de reclusão.

Diferença entre racismo e injúria racial. Esquematiza-se na seguinte tabela:


Base Legal CP, art. 140, §3º Lei 7.716/89, art. 20
Ofender a dignidade de alguém Praticar, induzir ou incitar a
utilizando raça, cor, etnia, religião, discriminação ou preconceito de
Tipo
origem, condição de idoso, raça, cor, etnia, religião ou
deficiência procedência nacional
Pena Reclusão, 1 a 3 anos + multa Reclusão, 1 a 3 anos + multa

196
Meios de comunicação social ou
Meio que facilite a divulgação;
Consequência de publicação de qualquer natureza;
Causa de aumento, 1/3 (CP, art.
utilização da internet Qualificadora, reclusão, 2 a 5 anos
141).
+ multa (§2º)
Honra subjetiva de pessoa Dignidade humana e igualdade em
Bem Jurídico
determinada relação a uma coletividade
Dolo específico de ofender pessoa Dolo específico de ofender uma
Tipo Subjetivo
determinada coletividade
Ação penal pública de iniciativa Ação penal pública de iniciativa
Ação Penal
condicionada à representação incondicionada

Discriminação por opção de sexual/gênero e homofobia/transfobia. Segundo o STF, “o disposto no


art. 20 da Lei 7.716/1989 tipifica o crime de discriminação ou preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a
religião ou a procedência nacional, não alcançando a decorrente de opção sexual” (Inq 3590/DF, 2014). Nada
obstante, afora a denúncia ofertada no caso acima, há manifestações da PGR (na gestão de Rodrigo Janot),
tanto no MI 4733 (2014) como na ADO 26 (2015), favoráveis ao efeito de se considerar homofobia e transfobia
como crime de racismo e determinar a aplicação do art. 20 da Lei 7.716/89. Segundo sustentado, é possível
aplicar a Lei 7.716/1989 (Lei de Racismo) para todas as formas de homofobia e transfobia, porque tal pedido
repousa na técnica de interpretação conforme a Constituição, em que o STF poderá adotar decisão de perfil
aditivo a partir da legislação existente. A maior discussão do caso é a possibilidade de se aplicar analogia para
criminalizar conduta penal.

Discurso de ódio de menosprezo coletivo. De acordo com o STJ, “ainda que a ‘discriminação étnico-
racial’, tal como definida no art. 1º, parágrafo único, I, Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), somente
seja punível na medida em que tenha por objetivo ou efeito ‘anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada’, a conduta descrita no art.
20, caput e § 2º, da Lei 7.716/89 pune, também, a prática, indução ou incitação de ‘preconceito’, cuja
caracterização não é expressamente delimitada na lei” (STJ, CC 146.983/RJ, 2017, por maioria).

IV. CASUÍSTICA

• Discriminação por religião através da publicação de obras antissemitas. No caso em questão


(Elwanger), entre outras questões, o STF reconheceu que escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo
apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica constitui crime de racismo
sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (Lei 7.716/86, art. 20). Consignou que “o preceito
fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito
individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas” (HC 82424, 2003).
• Manifestações que expressam ideia de superioridade do povo americano em contraposição à
posição inferior do povo brasileiro. Hipótese em que, em voo de Nova York para o Rio de Janeiro, brasileiro
desentendeu-se com dois comissários de bordo, em contexto em que lhe foram dirigidas as seguintes palavras:
“Amanhã vou acordar orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado,
depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro”. O STJ reputou que “a intenção dos réus, em princípio,
não era precisamente depreciar o passageiro (a vítima), mas salientar sua humilhante condição em virtude de
ser brasileiro, i.e., a idéia foi exaltar a superioridade do povo americano em contraposição à posição inferior
do povo brasileiro, atentando-se, dessa maneira, contra a coletividade brasileira. Assim, suas condutas, em
tese, subsumem-se ao tipo legal do art. 20, da Lei nº 7.716/86” (STJ, RHC 19.166/RJ, 2006).
• Discriminação contra indígenas e grupos minoritários, como comunidades ciganas e quilombolas.
Está sujeito às sanções do art. 20 da Lei 7.716/89, igualmente, quem, de um modo geral, não reconhece as
diferenças culturais das diversas etnias que compõem o tecido social e “externa pensamentos pessoais
desairosos e notoriamente etnocêntricos, imbuídos de aversão e menosprezo indistinto a determinado grupo
social que apresenta homogeneidade cultural e linguística” (TRF4, Apn 2001.04.01.071752-7, 2006).

197
• Mensagem postada em rede social incitando e induzindo o preconceito contra afrodescendentes.
Caso concreto em que, na comunidade virtual Orkut “mate um negro, ganhe um brinde”, no fórum
denominado “Qual o brinde?”, inúmeros membros divulgaram ideologia racista e nazista, dentre eles, foi
publicada a resposta do acusado, que denota a prática e incitação à discriminação e ao preconceito de cor e
raça (TRF3, ACR 47814, 2015).
• Manifestações de preconceito contra brasileiros nordestinos/nortistas pós-eleições de 2014. A
ofensa não tem em mira uma raça, etnia, cor ou religião em particular, mas o de revelar preconceito em relação
a um grupo de indivíduos: os nordestinos/nortistas de um modo geral (discurso de ódio de menosprezo
coletivo). A legislação, ao referir-se a “procedência nacional”, não buscou reprimir apenas a xenofobia em
sentido estrito (ou seja, o preconceito contra estrangeiros), mas também incluiu as possíveis vítimas de outras
regiões do próprio país a que pertencem (Wilson Lavorenti e Vladimir Aras). Isso porque há uma “nova
roupagem ao conceito de ‘raça’ que abarca, mediante uma concepção axiológica, a exteriorização de
caracteres homogêneos de certo grupo social. Assim, racismo seria a valoração negativa de nítido cunho
ofensivo desse grupo social por questões sociopolíticas”. O que permite reconhecer, em outros termos, que o
conceito de procedência nacional engloba o local de nascimento do individuo, ainda que dentro do território
nacional (TRF5, ACR 12353, 2017), para fins do art. 20, da Lei 7.716/89.
• Discurso proselitista religioso, em regra, não se enquadra como conduta apta a merecer
reprimenda penal nos termos da Lei 7.716/89, por não ter conteúdo intrinsecamente discriminatório.
Hipótese concreta em que o agente, por meio de publicação em livro, teria incitado a comunidade católica a
empreender resgate religioso direcionado à salvação de adeptos do espiritismo, em atitude que, a despeito de
considerar inferiores os praticantes de fé distinta, o fizera sem sinalização de violência, dominação,
exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais. Ao analisar o caso, o
STF entendeu que, na hipótese de discursos religiosos, a comparação entre crenças e a ocorrência de
explicitações quanto a mais adequada entre elas é da essencialidade da liberdade de expressão religiosa.
Reputou que, apenas nos casos em que o discurso exterioriza dominação, exploração, escravização,
eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do grupo diferente que compreende inferior,
haverá conduta discriminatória e, nessa medida, não protegida constitucionalmente e sujeita, em tese, à
censura penal (STF, RHC 134682, 2016).
• Discurso de ódio contra outras denominações religiosas e seus seguidores. Pastor de uma
determinada igreja evangélica publicou, em seu blog, vídeos e posts de conteúdo religioso nos quais ofendeu
líderes e seguidores de outras crenças religiosas diversas da sua (católica, judaica, espírita, islâmica,
umbandista etc.), pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e
sacerdotes. Ao apreciar o caso, o STF entendeu “haver que se distinguir entre o discurso religioso (que é
centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando
se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a
representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque
ao mesmo direito”. No caso, a conduta do agente não teria consistido apenas na defesa da própria religião,
culto, crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto alheio, em ordem a colocar em risco a liberdade
religiosa daqueles que professam fé diferente (STF, 146303, 2018).
• Jair Bolsonaro e incitação ao crime de estupro. Episódio em que o então Deputado Federal Jair
Bolsonaro, em discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, disse que não estupraria a Deputada Federal
Maria do Rosário pelo fato de ele não merecer ser estuprada, já que seria muito feia. Em outro dia, o deputado
repetiu sua fala durante uma entrevista em seu gabinete, no prédio da Câmara dos Deputados, que foi
veiculada em jornal de grande circulação. A representação dirigida à PGR, com a narrativa fática acima,
sugeria a tipificação do fato no crime do art. 20 da Lei 7.716/89; todavia, provavelmente pelo fato de a
questão de gênero poder gerar discussão, já que não expressa na redação do referido tipo, a PGR ofereceu
denúncia contra o parlamentar afirmando que ele, ao fazer essas declarações, teria incentivado o crime de
estupro, incorrendo, portanto, no delito do art. 286 do CP. O STF, entre outras questões (avaliação da extensão
da imunidade parlamentar e admissibilidade do crime de injúria deduzido em queixa-crime), reconheceu que
a frase do parlamentar tinha potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação
da mulher pela ameaça de uso da violência, pelo que recebeu a acusação penal formulada (STF, Inq 3932/DF
e Pet 5243/DF, 2016).

198
• Ódio racial dirigido, em vídeo infame gravado por brasileira situada no Canadá, a criança negra em
território nacional (caso “Day McCarthy”). Vladimir Aras aponta as seguintes soluções processuais para o caso:
(a) a conduta atribuída à subcelebridade pode ser enquadrada como injúria racial (CP, art. 140, §3º), com a
agravante do art. 61, II, “h”, do CP, pois cometida contra criança; (b) a persecução criminal contra a agressora
pode ocorrer no Brasil desde que cumpridos os requisitos e condições do art. 7º do CP, para a eficácia
extraterritorial da lei penal brasileira (jurisdição extraterritorial brasileira); (c) em sendo a conduta encaixada
na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial5, haveria dois
complicadores: a necessidade de dupla incriminação (ou dupla tipicidade) – em países como os Estados Unidos,
por exemplo, a injúria racial e o hate speech em geral, salvo exceções delimitadas pela Suprema Corte, não são
punidos criminalmente, em função da liberdade de expressão6 – e a entrada da agressora em território
nacional (voluntariamente ou de forma compulsória); (d) se a acusada estiver no Canadá, será muito difícil
obter sua extradição ao Brasil porque este país não é um extradition partner do Canadá – devido à sua tradição
jurídica centrada na common law, o Canadá é um treaty-needed country, não operando só com base em
promessa de reciprocidade, como faz o Brasil –, e os dois países não têm um tratado de extradição válido e em
vigor que se aplique a este tipo de crime; (e) é possível, com base na Lei Extradicional canadense de 1999,
formalizar um acordo ad hoc de extradição para a entrega da agressora ao Brasil, desde que a conduta seja
também crime no Canadá; (f) se a conduta racista for crime no Canadá, a agressora poderá ser processada
naquele país por autoridades locais ou pela a família da vítima, neste caso, inclusive civilmente; (g) se
prevalecer a interpretação de que o crime em questão é territorial (art. 6º do CP), porque no Brasil se
consumou o resultado (local do crime) – o art. 7º do CP só se aplicaria, por esse raciocínio, a crime praticado
inteiramente no exterior –, nenhuma condição deverá ser satisfeita para o início da ação penal até o
julgamento; (h) apesar de Brasil e Canadá não terem um tratado bilateral de extradição válido, há entre os
Estados um tratado de assistência penal em vigor (mutual legal assistance), que serve à cooperação
internacional probatória e que tem na PGR a sua autoridade central; (i) como o crime de injúria racial é
imprescritível, a agressora poderá ser processada e submetida a execução penal no Brasil a qualquer tempo
no futuro, desde que retorne ao País.

14.CRIMES LICITATÓRIOS
14.1Crimes nas licitaçõ es públicas. (17.c)

17C. Crimes nas licitações públicas e crimes contra finanças públicas.

Vanessa Andrade

Crimes nas licitações públicas (Lei nº 8.666/93)


Bem jurídico: A moralidade administrativa, especialmente quanto aos princípios da competitividade e
da isonomia. Sujeito passivo: o ente público e, secundariamente, o servidor e demais licitantes. Sujeito
ativo: é o servidor público (Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce,

5Em análise ao caso, a 2ªCCR/MPF, depois de indicar que a conduta caracterizaria, em tese, o delito contra a honra, de injúria qualificada pelo
preconceito ou injúria racial (CP, art. 140 § 3º), pontuou que, embora se trate de delito com efeitos transnacionais – por conta de o sujeito ativo
encontrar-se no Canadá ou nos EUA –, “o tratado pelo qual o Brasil se comprometeu a punir delitos de racismo, não faz qualquer referência a delitos
contra a honra, nos termos precisos do artigo IV, item ‘a’ da Convenção Internacional de 1965 (promulgada no Brasil pelo Decreto 65.810/1969)”.

6 Nada obstante, em revisão de arquivamento de caso envolvendo jornalista brasileiro que teria, em tese, praticado crime de racismo (Lei 7.716/89, art.
20) nos EUA, em vídeo gravado por terceiro e divulgado via internet, a 2ªCCR/MPF consignou que esse fundamento “não traduz efetivamente a realidade
criminal americana em relação ao delito de racismo, de modo a permitir a interpretação pela ausência de dupla tipicidade. O racismo é, sim,
criminalizado naquele País, principalmente após a promulgação do Ato de Direitos Civis de 1964 que coibiu atos de segregação racial. [...] A Suprema
Corte norte-americana tem-se posicionado em diversos casos concretos sobre a relação entre liberdade de expressão e o discurso de ódio, decidindo,
à luz da Primeira Emenda e de outras fontes do Direito, sobre os efeitos da proteção daquele que profere opiniões ofensivas, bem como do outro
indivíduo ou grupo social que se torna vítima dessas manifestações. [...] A conduta sob análise, teoricamente, poderia não ser compreendida nos Estados
Unidos como ilegal em si, visto que, naquele País os órgãos de persecução vinculam-se ao exame de outros aspectos para a caracterização do contexto
racista, como violência, intencionalidade, probabilidade e iminência da existência de um ato ilegal. [...] Contudo, isso não afasta o requisito da dupla
tipicidade. O fato de a legislação norteamericana utilizar critérios diferentes daqueles aplicados pela lei brasileira, para caracterizar a prática do
delito de racismo, não significa que a conduta não seja criminalizada nos EUA. A exteriorização de ideias preconceituosas é crime naquele País, vez
que um discurso racista pode vir a incitar a violência iminente contra um grupo ou contra um indivíduo, podendo ser razoavelmente interpretado
como ameaça imediata de causar danos, assim como no Brasil. [...]” (Voto 3075/2018, Ata 715).

199
mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público. § 1o Equipara-se a
servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim
consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades
sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.) ou o beneficiário, dependendo do tipo. O prefeito municipal,
como ordenador de despesa, pode ser sujeito ativo do crime, não implicando bis in idem a tipificação também
pelo DL 201/67 (STJ, REsp 504785). Tipo subjetivo. Os crimes tipificados pela Lei nº 8666/93 não admitem a
modalidade culposa, sendo indispensável a comprovação do dolo. A ação penal é pública incondicionada e
independe do resultado de processo perante o TCU. Pena de multa não segue o sistema do CP: deve ser
calculada com base em percentual do valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo
agente, não podendo ser inferior a 2% nem superior a 5% do valor do contrato licitado. Rito: Com a reforma
do CPP, o §4º do art. 394 determinou que as disposições dos arts. 395 a 398 aplicam-se a todos os
procedimentos de primeiro grau, isso cumulado com o art. 108 da Lei 8666/93, tem-se que deve ser
oportunizada a apresentação da defesa escrita antes do interrogatório (art. 396, CPP), devendo o disposto no
art. 104 da Lei de licitações (Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para
apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as
testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir),
ser interpretado sistematicamente a fim de oportunizar a defesa escrita antes do interrogatório. Efeito da
condenação. Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus
autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato
eletivo. - A perda do cargo é efeito da condenação a ser reconhecido independentemente do quantitativo da
pena aplicada e de fundamentação específica, ao contrário do que se dá na disciplina do art. 92 do CP.
Crimes em espécie:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação
da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Crime do caput: próprio (servidor público: art. 84, L8666). Crime do parágrafo único: comum
(contempla o particular que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade,
beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público). Tipo do caput:
Duas formas comissivas: “Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei”. Uma forma
omissiva: “Deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”. Norma penal em
branco: “inaplicável, à hipótese, o constante no art. 3º do Código Penal, se a norma integrativa veio
simplesmente alterar os limites de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstos na Lei 8.666/93, como
complemento desta, e sem alterar o tipo penal ali descrito, uma vez que o fato continua sendo punível,
exatamente como era ao tempo de sua prática. As modificações operadas pela Lei 9.648/98 à Lei 8.666/93, já
no curso do procedimento licitatório em questão, sendo de caráter puramente complementar, isto é, sem
qualquer alteração da figura abstrata descrita no tipo penal, não podem retroagir de forma a beneficiar os réus,
descriminalizando suas condutas, que continuam típicas, uma vez que tentaram, em tese, realizar contrato
público sem prévia licitação.” (STJ, REsp 474.989/RS) Tipo subjetivo: A consumação do crime do art. 89 da Lei
n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a intenção de causar dano ao erário e a efetiva
ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, malgrado ausência de disposições legais acerca dessa elementar.
(STJ, RHC 35.598/SP) Consumação: Crime material (STJ).
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente
da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Sujeito Ativo: Crime comum. Tipo subjetivo: É o dolo, acompanhado da finalidade específica de obter,
para si ou para terceiro, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Consumação: O crime do
art. 90 da Lei n. 8.666/1993 é formal, ou de consumação antecipada, bastando a frustração do caráter
competitivo do procedimento licitatório com o mero ajuste, combinação ou outro expediente finalidade
específica (elemento subjetivo do tipo) de obter vantagem decorrente do objeto de adjudicação, para si ou
para outrem. Despicienda, pois, a efetiva obtenção da vantagem com a adjudicação do objeto licitado para
futura e eventual contratação. (STJ, RHC 52.731/GO). Admite interpretação analógica (“qualquer outro

200
expediente”).
Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à
instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Especialidade em relação ao art. 321 do Código Penal. Sujeito ativo: Crime comum. Tipo objetivo:
Patrocinar é defender ou representar o interesse de alguém, sendo nota característica do delito em questão a
ideia de intermediação do interesse de terceiro. A invalidação do contrato pelo Poder Judiciário do contrato é
condição objetiva de punibilidade do delito em exame, o que autoriza a conclusão de que a invalidação tenha
relação de causa e efeito com irregularidade provocada ou desejada pelo autor do patrocínio. Tipo subjetivo:
É o dolo, com o fim específico de representar um interesse escuso perante a administração.
Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação
contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem
autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda,
pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta
Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que,
tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se
beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.
O tipo subjetivo no injusto do art. 92 da Lei nº 8.666/93 se esgota no dolo, sendo despiciendo qualquer
outro elemento subjetivo diverso. (REsp 702.628/PR). Modificação ilegal do contrato (art. 92, primeira figura):
é crime próprio do servidor que tenha competência para decidir ou influir sobre a modificação do contrato,
bem como para determinar o pagamento, enquanto o particular favorecido responde pelo crime do parágrafo
único. Pagamento antecipado (art. 92, segunda parte): é crime próprio do funcionário que tenha competência
para determinar o pagamento, ou seja, o ordenador de despesas. Ao contrário da primeira figura, não há
previsão de delito específico para o particular, de modo que o particular contratado que tenha sido favorecido
pelo pagamento antecipado responderá, também, pelo crime. Favorecimento do contratado (art. 92, parágrafo
único): crime próprio (pessoa física ou administrador da pessoa jurídica contratada). Tipo subjetivo: é o dolo,
consubstanciado na vontade livre e consciente de concorrer para a alteração contratual, com o fim de obter
vantagem indevida. Consumação: com o favorecimento efetivo do adjudicatário, sendo que a mera modificação
do contrato, sem o efetivo favorecimento, configurará a tentativa. Concurso de crimes: a norma em comento
afasta a incidência do peculato-desvio (CP, art. 312), por aplicação do princípio da especialidade.
Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena
- detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Sujeito ativo: Crime comum. Tipo objetivo: O art. 93 é subsidiário do art. 90. Revogou, juntamente com
o art. 95 da LL, o art. 335 do CP. O objeto aqui é mais amplo, uma vez que o tipo se refere a qualquer
procedimento licitatório, enquanto o delito do CP referia-se apenas à concorrência e à venda em hasta pública.
O delito tipificado no art. 93 da Lei nº 8.666/93 somente se tipifica se as condutas nele previstas forem
praticadas no curso do procedimento licitatório. Se a fraude consiste na concessão de vantagem ao contratado,
após a conclusão da licitação, poderá ocorrer o crime do art. 92. Consumação: Com a mera pertubação ou
fraude, independentemente de efetivo impedimento ou interrupção do procedimento, bem como de prejuízo
para quem quer que seja ou proveito para o agente. Concurso de crimes: são absorvidos pelo crime em exame,
na modalidade fraudar, os delitos tipificados nos arts. 297, 301 e 304 do CP.
Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a
terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.
O sigilo da proposta é ponto essencial para a regularidade da licitação e a preservação do princípio da
competitividade, estando assegurado o sigilo do conteúdo da proposta pelo §3º da Lei 8.666/93. A conduta já
era prevista no art. 326 do CP, revogado pelo artigo em comento. Sujeito ativo: Crime comum. Tipo objetivo:
Trata-se de modalidade específica de violação de sigilo funcional (art. 325, CP). Objeto é qualquer
procedimento licitatório (mais amplo que o antecedente, art. 326 do CP, que era limitado à concorrência
pública). Consumação: com o mero acesso indevido à informação sigilosa, independentemente de sua
divulgação, bem como de prejuízo ou proveito para quem quer que seja.
Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou
oferecimento de vantagem de qualquer tipo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da

201
pena correspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar,
em razão da vantagem oferecida.
Consumação: É crime de atentado, que se consuma com o mero fato de procurar afastar o licitante, de
modo que não há possibilidade de tentativa. Distinção: O crime em questão é especial em relação aos dos arts.
90 e 93, que também se dão por meio de fraude. Pena: É aplicada em concurso material com aquela
correspondente à violência, por expressa disposição legal.
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens
ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: I - elevando arbitrariamente os preços; II - vendendo, como
verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; III - entregando uma mercadoria por outra; IV -
alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; V - tornando, por qualquer modo,
injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos,
e multa.
O tipo penal contido no art. 96 da Lei nº 8.666/93 revela uma lacuna legislativa, não contemplando a
fraudes em licitações que tenham por objeto a prestação de serviços, não sendo possível lhe conferir
interpretação ampliativa ou analógica para abranger conduta não definida como crime. Sujeito Ativo: Crime
próprio (como o crime se dá no momento da execução do contrato, somente poderá ser autor o contratado ou
o administrador da empresa contratada). Consumação: Exige-se o efetivo prejuízo, mas é possível a tentativa.
Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que,
declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.
Sujeito ativo: Tipo do caput: crime próprio (servidor que tenha atribuição de decidir sobre a admissão
à licitação ou sobre a assinatura do contrato). Tipo do parágrafo único: o particular ou responsável pela
empresa que tenha sido declarada inidônea e concorrer ou contratar. Consumação: Crime de mera conduta.
Consuma-se com a mera admissão à licitação ou contratação, independentemente de proveito ou prejuízo
efetivo para quem quer que seja.
Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros
cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito: Pena -
detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Tipo objetivo: O registro está previsto no art. 34 da Lei nº 8.666/93. Não haverá crime quando o
servidor exige o atendimento de formalidades e documentos de forma regular, cumprindo o seu dever legal.
Consumação: A tentativa, na primeira figura (obstar, impedir ou dificultar), é de difícil ocorrência, pois o mero
dificultar poderá configurar o crime. Não se exige a ocorrência de prejuízo efetivo, nem de proveito para o
agente.

Crimes contra as finanças públicas


Criados pela Lei 10.028/00 no título do CP destinado aos crimes contra a Administração Pública.
Tutelam o bem jurídico finanças públicas, pela observância de normas constantes da Constituição (arts. 163-
169) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – LC 101/00), a qual está baseada em quatro grandes eixos:
planejamento, transparência, controle e responsabilização, todos vinculados ao equilíbrio das contas públicas.
São crimes próprios de funcionários públicos. São crimes dolosos, sem elemento finalístico específico.
Prescindem de efetiva lesão ao erário. São normas penais em branco, por necessitarem, para sua compreensão,
de complementação por normas de Direito Financeiro. Quatro dos crimes são de pequeno potencial ofensivo
(competência dos JECrimF); os outros quatro, de médio potencial ofensivo (nenhuma pena máxima em abstrato
supera quatro anos).
Crimes em espécie: Contratação de operação de crédito (Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar
operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa. Parágrafo único. Incide na mesma
pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo: I – com inobservância de limite,
condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal; II – quando o montante da
dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei.) Inscrição de despesas não empenhadas em
restos a pagar. (Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido
previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei) Assunção de obrigação no último ano do
mandato ou legislatura. (Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos

202
quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício
financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de
disponibilidade de caixa). Ordenação de despesa não autorizada (Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada
por lei). Prestação de garantia graciosa (Art. 359-E. Prestar garantia em operação de crédito sem que tenha
sido constituída contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei). Não
cancelamento de restos a pagar (Art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento
do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei) Aumento de despesa total com
pessoal no último ano do mandato ou legislatura (Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete
aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da
legislatura). Oferta pública ou colocação de títulos no mercado (Art. 359-H. Ordenar, autorizar ou promover a
oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados
por lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia).

15.TORTURA
15.1 Crimes de Tortura. (17.b)

17B. Crimes de tortura

Elaborado por Matheus de Andrade Bueno

Tortura: No CP, a tortura é agravante (61, II, d) ou causa qualificadora (121, §2º, III). O Brasil
subscreveu a Convenção da ONU contra a Tortura de 1984, bem como a Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura, de 1985. È nítida a influência deste último diploma na construção dos tipos da Lei
de Tortura. Há também previsão do crime de tortura no Estatuto de Roma, qualificando como crime contra a
humanidade, imprescritível e passível de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional. Vale ressaltar que nos
tratados internacionais, o crime de tortura é próprio; assim, só pode ser praticado por quem ostenta uma
condição especial: detentor de poder estatal, representante do Estado. Reside aí a principal diferença em
relação à Lei nº 9.455/97, uma vez que, segundo a lei brasileira, a tortura não necessariamente será praticada
por agentes estatais (se for, incidirá causa de aumento). A CF proíbe a tortura ou tratamento desumano ou
degradante (art. 5º, III), equiparando-a a crime hediondo. A lei de tortura não define o que é tortura, mas quais
são os comportamentos que constituem crime de tortura.
Consumação e Tentativa: O crime do inciso I (alíneas a, b e c) se consuma com a provocação do
sofrimento físico ou mental, independentemente da obtenção da finalidade visada - obtenção da informação,
a ação criminosa ou a efetiva discriminação (STJ: CC 102833 e REsp 610395). Prevalece que para haver tortura
(alínea b do inciso I) deve-se buscar do torturado crime, não basta contravenção penal. Neste último caso,
pode responder por lesão corporal, por homicídio, etc. No caso da tortura-discriminação, só há o crime quando
a discriminação se refere à raça ou religião. Homofobia não configura tortura-discriminação, pois esta não
abrange a discriminação sexual, a econômica, ou a social (legalidade estrita).
Art. 1º, II (tortura-castigo): crime é bipróprio! Só pode ser praticado por quem tem autoridade ampla
sobre a vítima. A diferença da tortura para o crime de maus-tratos, do art. 136, do CP, está na intensidade do
sofrimento da vítima e na finalidade. De acordo com o STJ, “enquanto na hipótese de maus-tratos, a finalidade
da conduta é a repreensão de uma indisciplina, na tortura, o propósito é causar o padecimento da vítima”
(RESP 610395, DJ DATA:02/08/2004). Ou seja: na tortura a finalidade é ilícita desde o começo. Nos maus tratos,
a finalidade é lícita, mas a intensidade do animus corrigendi configura o crime.
Qualificadoras pelo resultado: O artigo 1º, §3º traz figuras preterdolosas, qualificadas pelo resultado
lesão grave ou morte (não há dolo no resultado qualificador). Atentar para o dolo: se a intenção do agente,
desde o início, era lesionar ou matar, mediante tortura, incide o CP. Se o agente queria torturar, mas decidiu
matar depois, pode-se falar em progressão criminosa ou concurso de crimes.
Omissão frente à tortura (1º, §2º): pena substancialmente reduzida (possível suspensão condicional
da pena e substituição por pena restritiva de direitos) e regime inicial aberto. Crítica: a autoridade superior
que se omite quando deve evitá-las (apurá-las não, pois é posterior ao resultado) estaria na posição de garante
(art. 13, §2º do CP). Crime próprio, doloso. Não exige resultado para sua consumação (omissivo próprio).

203
Sequestro ou cárcere privado (art.148 do CP) e extorsão mediante sequestro (art.159 do CP): O inciso
III do §4º do art.1º da Lei 9.455/97 prevê causa de aumento de 1/6 a 1/3 para o caso de ser o crime de tortura
cometido mediante sequestro. Somente haverá o crime da lei especial quando a vítima for privada de sua
liberdade para o fim de ser torturada com a presença de um dos elementos objetivos da tortura. Se o
sofrimento físico ou mental for decorrente das condições do cativeiro (a finalidade era o resultado patrimonial
mediante o sequestro, e não causa sofrimento em si), o crime será um daqueles do CP, com agravante
decorrente da tortura (art.61, II, d, do CP). Caso presentes desígnios autônomos para a prática de ambos os
delitos, o caso será de concurso formal impróprio.
Competência: da JF quando o delito for praticado, no exercício das funções, por agente federal, bem
como militar das Forças Armadas (não é crime militar – STF, RE 407721).
Extraterritorialidade da lei brasileira (art.2º): Criou-se mais um caso de extraterritorialidade
incondicionada da lei penal brasileira (especial em relação ao art. 7°, CP) se a vítima for brasileira ou se o
agente se encontrar em local sob jurisdição brasileira. A disciplina legal brasileira dá cumprimento ao disposto
nos arts.5º e 8º, da Convenção contra a Tortura. Isso não atrai, por si só, a competência da JF. Em regra, a
tortura extraterritorial é julgada na Justiça Estadual (STJ, CC 107397).
Penas: Causas de aumento (art.1º, §4º):devem incidir também sobre as formas qualificadas. A
primeira delas diz respeito ao crime cometido por agente público, a qual não incide na modalidade do §2º,
uma vez que se trata de crime próprio de funcionário público, a fim de evitar o bis in idem. Segundo o STJ (HC
362.634), não configura bis in idem a incidência da tortura-castigo com a aplicação concomitante da agravante
do art. 61, II, “f”, CP (crime praticando com prevalência das relações domésticas ou de coabitação) e com a
aplicação da causa de aumento da lei especial pelas características da vítima (crinaça, gestante, idoso ou PCD).
Regime inicial: o regime de cumprimento de pena seria o inicialmente fechado, pelo que dispõe o art.1º, §7º,
da Lei 9.455. Ocorre que o Plenário do STF, em 27/06/2012, em conclusão ao julgamento do HC 111.840, já
entendeu pela inconstitucionalidade do §1º do art.2º da Lei 8.072/90, que estabelece regime inicial fechado
para os crimes hediondos. Substituição de pena: neste ponto, segundo Baltazar, a substituição de PPL por PRD
esbarra no preenchimento de seus requisitos legais, já que é inerente à prática da tortura a violência ou grave
ameaça no modo de execução e, em tais casos, a substituição é vedada textualmente pelo inciso I do art.44 do
CP. Defende-se, porém, a possibilidade de suspensão condicional da pena.
Obs: Embora vedada a fiança (art.1º, §6º), é possível a liberdade provisória sem fiança. Veda-se graça
e a anistia (com interpretação ampliativa para incluir o indulto).
Efeitos da condenação (§5º): o efeito da condenação, que se aplica também ao crime omissivo, é
automático, dispensando declaração ou motivação na sentença (diferente do art. 92, CP, CUIDADO).

16.ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
16.1Organizaçõ es criminosas. (16.c)

16C. Organizações criminosas.

Luís Eduardo Pimentel Vieira Araújo 12/09/18

Organização criminosa (Lei 12.850/13 – LOC)

Conceito legal: previsto no art. 1º, § 1º, da LOC.


a) Associação estruturalmente ordenada (união de pessoas com um objetivo comum, mas de caráter
ilícito, exigindo-se algum grau de permanência ou estabilidade);
b) Pluralidade de agentes (mínimo de quatro pessoas – concurso necessário);
c) Divisão de tarefas (as atividades serão divididas, ainda que informalmente, conforme as aptidões e
especialidades dos membros do grupo);
d) Fim de obtenção de vantagem (de qualquer natureza, não necessariamente econômica);
e) Prática de infrações penais graves ou transnacionais (infrações penais cujas penas máximas sejam
superiores a quatro anos ou sejam de caráter transnacional).

204
OBS: O § 2º do art. 1º estende a aplicação dos dispositivos processuais da LOC a dois casos, ainda que
as infrações referidas não tenham sido cometidas por indivíduos reunidos em uma organização
criminosa (crime transnacional previsto em tratado e organizações terroristas internacionais).

Características acidentais das organizações criminosas: a) Estrutura empresarial; b) Hierarquia; c) Disciplina; d)


Conexão com o Estado; e) Violência; f) Flexibilidade e mobilidade dos agentes; g) Mercado ilícito ou exploração
ilícita de mercados lícitos; h) monopólio ou cartel; i) controle territorial; j) uso de meios tecnológicos
sofisticados; k) Compartimentalização.

Tipo penal básico (art. 2º, caput, LOC)

Noção: o art. 2º tipifica o delito de organização criminosa, dando cumprimento ao compromisso assumido
pelo Brasil ao firmar a Convenção de Palermo. Bem jurídico protegido: é a paz pública e, secundariamente, os
bens jurídicos protegidos pelos crimes visados pela organização. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito
passivo: a coletividade. Tipo subjetivo: é o dolo, não havendo forma culposa. Consumação: o crime é formal,
consumando-se com a mera prática de qualquer das condutas enunciadas. Concurso de crimes: em caso de
efetiva prática de crimes pela organização, haverá concurso material. Agravante: para quem exerce o comando
da organização (art. 2º, § 3º, LOC). Causas de aumento: incidem quando há o emprego de arma de fogo, a
participação de criança ou adolescente, o concurso de funcionário público, a destinação ao exterior do produto
ou proveito da infração, a conexão com outras organizações e a transnacionalidade (art. 2º, §§ 2º e 4º, LOC).
Efeito da condenação: o § 6º do art. 2º da LOC traz um efeito automático da condenação.

Embaraço de investigação (art. 2º, § 1º, LOC)

Sujeito ativo: qualquer pessoa. Tipo objetivo: “impedir” ou “embaraçar” a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa, não podendo ser reconhecido o delito quando a conduta se der na fase da
ação penal. Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: a modalidade impedir traduz a ideia de efetivo
impedimento, com a paralisação ou insucesso da investigação, mas em tais casos o crime já estará consumado
na modalidade embaraçar, de modo que a tentativa é de difícil ocorrência.

Revelação da identidade ou imagem do colaborador (art. 18, LOC)

Sujeito ativo: qualquer pessoa. Tipo objetivo: “revelar a identidade” é fornecer a identificação do colaborador
a terceiro estranho ao processo. As demais condutas são “filmar” ou “fotografar”. Tipo subjetivo: é o dolo.
Consumação: com a mera revelação da identidade.

Falsa colaboração (art. 19, LOC)

Noção: cuida-se de tipo especial de calúnia ou denunciação caluniosa, que visa a evitar a colaboração falsa ou
pilotada, ou seja, a desvirtuação da colaboração premiada. Sujeito ativo: somente o réu colaborador. Tipo
objetivo: exige-se que a imputação se dê em relação a pessoa determinada, e não de forma genérica. Exige-
se, ainda, que o ato seja praticado sob pretexto de colaboração com a justiça. Tipo subjetivo: é o dolo (direto).
Consumação: com a mera imputação ou prestação de informação falsa.

Violação de sigilo de ação controlada ou infiltração (art. 20, LOC)

Sujeito ativo: qualquer pessoa que tenha acesso à informação sigilosa. Tipo objetivo: somente haverá o crime
se a violação envolver sigilo de ação controlada (art. 8º) ou infiltração de agentes (art. 10). Tipo subjetivo: é o
dolo. Consumação: com o mero descumprimento, independentemente de outro resultado.

Recusa ou omissão de dados cadastrais, registros, documentos ou informações (art. 21, LOC)

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Noção: é uma forma especial de desobediência, envolvendo a negativa no fornecimento de dados cadastrais
legalmente requisitados por autoridade judiciária ou diretamente pelo delegado ou membro do MP. Sujeito
ativo: qualquer pessoa. Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: com a mera recusa ou prestação de informação
dolosamente incompleta.

Uso indevido de dados cadastrais (art. 21, parágrafo único, LOC)

Noção: forma especial de violação de sigilo. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Tipo objetivo: somente haverá
crime quando a conduta for praticada de forma indevida, o que constitui elemento normativo do tipo, a ser
aferido no caso concreto. Tipo subjetivo: é o dolo. Consumação: com a mera prática de qualquer das condutas.

OBS: Na prova subjetiva do 29º Concurso do MPF, foi indagada “qual a diferença entre organização criminosa
e associação criminosa?”. Para visualizar melhor as diferenças, segue-se o quadro esquemático elaborado por
Rogério Sanches:

Associação criminosa Organização criminosa


Artigo 288 do Código Penal Artigo 2º da Lei 12.850/13
Pena: reclusão de 1 a 3 anos Pena: reclusão de 3 a 8 anos
Associarem-se 3 ou mais pessoas Associação de 4 ou mais pessoas
Dispensa estrutura ordenada e divisão de Pressupõe estrutura ordenada e divisão de
tarefas tarefas, ainda que informalmente
A busca de vantagem para o grupo é o mais Tem o objetivo de obter vantagem de
comum, porém dispensável qualquer natureza
Para o fim específico de cometer crimes Mediante a prática de infrações penais
(dolosos, não importando o tipo ou a pena) (inclusive contravenções) cujas penas
máximas sejam superiores a 4 anos ou sejam
de caráter transnacional

OBS2: Atenção também ao conceito de organização criminosa trazido pelo art. 2º, “a”, da Convenção de
Palermo: "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum
tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material.

17.CRIMES POLÍTICOS, MILITARES E TERRORISMO


17.1 Crimes polı ́ticos, crimes militares e eleitorais: noçõ es gerais. Terrorismo. (6.b)

6B. Crimes Políticos e Crimes Militares. Terrorismo.

André Luís Mendes


Atualizado em 04/09/18

I. CRIMES POLÍTICOS (Vladimir Aras)

Definição (sem consenso). É todo atentado contra a ordem política da nação, quer externa, quer interna, ou
seja, contra a estrutura e a segurança do Estado (Bento de Faria). Segundo o STF, inexiste um conceito rígido
e absoluto de crime político, tanto que sua conceituação seria um ato político em si mesmo, com toda a
relatividade da política (STF, Ext 1085).
Critérios para definição do crime político. Há três teorias: (a) objetiva: conceitua o crime político segundo a
natureza do bem jurídico tutelado (ex.: a organização político-jurídica do Estado); (b) subjetiva: releva a
finalidade perseguida pelo agente, qualquer que seja a natureza dos bens lesionados; (c) mista: agrega as duas,

206
exigindo que tanto o bem jurídico atacado, como a motivação do agente sejam de índole política (essa última
teoria é a que foi adotada, de acordo com o STF, pelo sistema jurídico brasileiro).
Consequência prática do reconhecimento. A questão tem relevância na ordem jurídica brasileira por dois
motivos: (a) para fins extradicionais, vez que há vedação quando o fato constituir crime político (CRFB/88, art.
5º, LIII); (b) para determinação de competência (federal) para o julgamento de ações penais (CRFB/88, art.
109, IV) e da competência recursal do STF para a apelação criminal (recurso ordinário) (CRFB/88, art. 102, II,
“b”).
Classificação. Podem ser classificados em: (a) puros (ou próprios): aqueles vulneram apenas a organização
política estatal, compreendendo não só os cometidos contra a segurança interna, como os praticados contra
a segurança externa do Estado (STF, Ext 700); (b) complexos ou mistos (ou, ainda, impróprios): aqueles que
lesionam também bens jurídicos tutelados pelo direito penal comum, isto é, ofendem também outros
interesses além da organização política. Segundo o STF, a prática de violência cruenta ou de sangue é
incompatível com o conceito de crime político “puro” (STF, Ext. 417).
Critérios de preponderância ou de principalidade: Para autorizar a cooperação jurídica internacional
(extradição), a Lei de Migração (art. 82, § 1º), na mesma linha do revogado Estatuto do Estrangeiro (art. 77, §
1º), estabelece que poderá haver extradição por crime político (complexo) quando o fato constituir,
principalmente, infração da lei penal comum (critério de preponderância), ou quando o crime comum, conexo
ao delito político, constituir o fato principal (critério de principalidade). Além disso, o STF poderá deixar de
considerar crime político o atentado contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime
contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo (art. 82, § 4º).
Dicotomia conceitual de crimes políticos para fins do direito interno e do direito internacional. Na
Constituição brasileira, “crime político” é um conceito jurídico indeterminado, havendo duas dimensões de
sua inserção: uma interna (para o direito interno – competência); outra externa (para o direito internacional –
âmbito das relações extradicionais). Nesse sentido, “só para o efeito de extradição é que faz sentido” tentar
descaracterizar o “caráter político do crime“ (STF, RE 160.841); o que, em outros termos, permite afirmar que
os crimes listados no art. 82, § 4º, da Lei de Migração poderão ter natureza política, mas, exclusivamente para
fins extradicionais, o STF poderá deixar de considerar essa natureza, tendo em mira os critérios de
preponderância ou de principalidade, de modo a autorizar a entrega de procurados a Estados estrangeiros
(Vladimir Aras).
Crimes violentos em geral. Crimes violentos (homicídios, sequestros) podem ser tratados como políticos se
houver uma fundamentação direta e imediatamente política, num contexto de anormalidade institucional. Por
outro lado, “não configura crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de extradição, homicídio
praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade institucional de
Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a
regime opressivo” (STF, Ext 1085 – caso Cesare Battisti).
Crimes políticos para efeito do direito interno. Os crimes políticos, no direito interno, são aqueles previstos
na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), que, com a CRFB/88, passaram a ser de competência da Justiça
Federal comum (antes eram da competência da Justiça Militar – art. 30 da LSN).
Tipificação no direito interno. Para que uma conduta seja enquadrada em um dos tipos penais previstos na
Lei de Segurança Nacional (LSN), isto é, para que seja considerada crime político exige-se o preenchimento de
requisitos: (a) de ordem objetiva (art. 2º, II c/c art. 1º): lesão real ou potencial a um dos bens jurídicos listados
no art. 1º da Lei nº 7.170/83, quais sejam: a integridade territorial e a soberania nacional; o regime
representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; e a pessoa dos chefes dos Poderes da União;
(b) e de ordem subjetiva (art. 2º, I): o agente deve ter motivação e objetivos políticos em sua conduta (dolo
específico) (STF, RC 1472).

II. CRIMES MILITARES

Crime militar. Nos termos do art. 124 da CRFB/88, crime militar é o que a lei define como tal (definição ratione
legis). A previsão ampla não dá margem, todavia, à fixação arbitrária de jurisdição militar fora do âmbito de
crimes tipicamente militares, com reflexo sobre a organização constitucional de competências (cf. Nota
Técnica 08/2017/PFDC/MPF).

207
Classificação doutrinária dos crimes. A doutrina (cf. Edmundo Lins) costumava classificar os crimes militares
em: (a) crimes propriamente militares, aqueles em que exigidos o caráter militar do agente (ratione personae)
e a qualidade militar do ato analisado (ratione materiae) – isto é, condutas funcionais previstas exclusivamente
no CPM ou por ele regulamentadas/redigidas de forma diferente e própria; e (b) crimes impropriamente
militares, que englobavam os crimes comuns sujeitos ao foro militar – ou seja, aqueles que, embora previstos
também no CPM, contavam com igual definição na lei penal comum –, subdividindo-se em: (b.1) ratione
personae, que têm militares ou assemelhados na condição de sujeito ativo ou de sujeito passivo; (b.2) ratione
temporis, os praticados em tempo de guerra ou situação equiparada; (b.3) ratione loci, tendo em conta o local
da conduta. Com a Lei 13.491/17, parte da doutrina passou a sustentar que a dicotomia antes existente entre
crime militar próprio e crime militar impróprio não mais subsistiria, de tal modo a abrir espaço para três
categorias: (i) crimes militares previstos exclusivamente no CPM (sem paralelo em outros diplomas); (ii) crimes
militares previstos no CPM e com previsão idêntica ou similar em outros diplomas; e (iii) crimes militares sem
previsão no CPM e englobados a partir da legislação penal pela incidência de uma das hipóteses de afetação
do bem jurídico (interesse militar).
Competência da Justiça Militar. Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim
definidos em lei (CRFB/88, art. 124). A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei
1.001/1969): no art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares em tempo de paz; no art. 10 do CPM são
definidos os crimes militares em tempo de guerra. Assim, para verificar se o fato pode ser considerado crime
militar, sendo, portanto, de competência da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses
previstas nos arts. 9º e 10 do CPM.
Justiça Militar da União X Justiça Militar dos Estados. Enquanto o atual art. 124 da CRFB/88 (derivado da
Constituição de 1967, após o Ato Institucional 6/1969) permite que, em tempo de paz, a JMU julgue civis em
determinadas hipóteses, o art. 125 da CRFB/88, que regula a competência da Justiça Militar dos Estados,
estabelece que esta só deve julgar os policiais militares e bombeiros militares (ratione personae) da
respectiva unidade federada, nos crimes militares definidos em lei (ratione materiae).
Tendência de restrição da competência da JMU. Apesar de a JMU poder, em tese, julgar civis pela prática de
crimes militares, há uma tendência “em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e
simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar”
(STF, HC 105256), tendo em vista o caráter excepcional da jurisdição penal militar (caráter anômalo),
especialmente em situação de normalidade democrática. Com base nisso, o STF tem trilhado o entendimento
de que a submissão do civil, em tempo de paz, à Justiça Militar só se legitima quando a conduta delituosa,
observadas as peculiaridades de cada caso, ofender diretamente bens jurídicos de que sejam titulares as Forças
Armadas (STF, ARE 857952-AgR/DF, 2018). A PGR possui entendimento mais restritivo (cf. abaixo). De qualquer
modo, na contramão dessa tendência sobreveio a Lei 13.491/2017.
Primeira alteração promovida pela Lei 13.491/2017: Ampliação do conceito de crime militar impróprio (ou
nova categorização classificatória).
• Antes da Lei: para se enquadrar como crime militar com base no inciso II do art. 9º, a conduta praticada pelo
agente deveria ser obrigatoriamente prevista como crime no Código Penal Militar.
• Depois da Lei: a conduta praticada pelo agente, para ser crime militar com base no inciso II do art. 9º, pode
estar prevista no Código Penal Militar ou na legislação penal “comum” (como tortura, abuso de autoridade,
cibercrimes, associação em organização criminosa, formação de milícia privada etc.).
• Conclusão: A doutrina afirmava que o art. 9º, II, do CPM era um crime militar ratione legis (em razão da lei –
porque previsto no CPM) e ratione personae (em razão da pessoa – porque praticado por sujeito ativo militar
em atividade). Isso agora mudou: o crime militar do art. 9º, II, do CPM deixou de ser ratione legis. Houve,
portanto, a ampliação do conceito de “crime militar” impróprio ou impropriamente militar ou
acidentalmente militar para abranger também infrações penais previstas apenas na legislação penal comum,
o que antes não ocorria.
Segunda alteração promovida pela Lei 13.491/2017: Crimes dolosos contra a vida praticados por militares
contra civil (Justiça Militar da União X Justiça Comum).
• Antes da Lei: REGRA: os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil eram julgados pela
Justiça comum (Tribunal do Júri), com base na antiga redação do parágrafo único do art. 9º do CPM; EXCEÇÃO:
se o militar, no exercício de sua função, praticasse tentativa de homicídio ou homicídio contra vítima civil ao

208
abater aeronave hostil (“Lei do Abate”), a competência seria da Justiça Militar;
• Depois da Lei: REGRA: os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil continuam sendo
julgados pela Justiça comum (Tribunal do Júri), com base, agora, no novo § 1º do art. 9º do CPM; EXCEÇÕES:
Os crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica)
contra civil serão de competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto (CPM, art. 9º, §2º):
(a) do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro
de Estado da Defesa; (b) de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo
que não beligerante [antes da alteração, o STJ possuía precedentes no sentido de que, havendo dúvida se o
militar agiu ou não com a intenção de matar, o processo deveria tramitar na Justiça Comum (e não na Justiça
Militar); agora isso mudou]; ou (c) de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da
ordem (GLO) ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da CF/88 e
na forma do Código Brasileiro de Aeronáutica, da LC 97/99 (dispõe sobre as normas gerais para a organização,
o preparo e o emprego das Forças Armadas), do Código de Processo Penal Militar e do Código Eleitoral. As
exceções são tão grandes que, na prática, excluindo os casos em que o militar não estava no exercício de
suas funções, quase todas as demais irão ser julgadas pela Justiça Militar por se enquadrarem em alguma
das exceções.
• Derrogação implícita do art. 82 do CPPM: O art. 82 do CPPM exclui, peremptoriamente, da competência da
Justiça Militar os crimes dolosos contra a vida. Todavia, este dispositivo foi tacitamente derrogado pela Lei
13.491/2017 (Dizer o Direito).
• Fora do exercício de suas funções: O militar que praticar homicídio fora do exercício de suas funções será
julgado normalmente pela Justiça Comum (Tribunal do Júri).
Competência da Justiça Militar estadual em crimes dolosos contra a vida praticados por militares em face
de civil. Por expressa previsão constitucional (CRFB/88, art. 125, § 4º), os fatos continuam a ser da Justiça
Comum (Tribunal do Júri).
Discussão sobre a (in)constitucionalidade da ampliação da competência da JMU. Para determinado
segmento, (a) a previsão ampliativa da competência da Justiça Militar da União poderia ser considerada
constitucional, por remissão ao art. 124 da CRFB/88, vez que caberia à lei federal definir os crimes militares e,
reflexamente, estipular a competência da JMU. Em sentido contrário, (b) forte setor da doutrina, inclusive a
PGR (ADI 5901), sustenta a inconstitucionalidade da Lei 13.491/2017, (b.1) quer porque o julgamento de
crimes dolosos contra a vida de civis por juízes-auditores ou por estes e colegiados militares representaria
supressão da competência e da soberania do júri (CRFB/88, art. 5º, XXXVIII, ‘d’); (b.2) quer porque a
competência constitucional do júri não poderia ser restringida por lei, já que a CRFB/88 estabelecera um
conjunto mínimo de infrações penais que lhe devem ser submetidas; (b.3) quer porque a própria franquia do
art. 124 não permitiria ao legislador uma definição arbitrária de crime militar, ou seja, haveria limites
imanentes à definição de “crimes militares”; (b.4) quer porque a mesma lógica que expressamente estaria a
impor a competência do tribunal do júri para os crimes dolosos contra a vida praticados por militares dos
Estados contra civis deveria ser transposta aos militares federais, sob pena de afronta injustificada ao princípio
da igualdade.
Saída: Júri na Justiça Militar da União? Para superar a objeção de ofensa ao art. 5º, XXXVIII, da CRFB/88,
chegou-se a cogitar que os julgamentos de militares das Forças Armadas que matem civis poderiam ser
realizados por um júri composto por civis presidido por um juiz-auditor militar na própria JMU, sendo a tribuna
da acusação ocupada membro do MPM. Tal tese chegou a ser aventada no STM, no caso do Complexo da Maré
no Rio de Janeiro, de 2014, quando um fuzileiro naval matou um traficante (civil), mas foi afastada pelo STM
(cf. Aras).
Inconvencionalidade da expansão da competência da Justiça Militar. Segundo os sistemas internacionais de
direitos humanos, a jurisdição militar deve ser restrita, excepcional e de competência funcional. Vale dizer,
a competência da Justiça Militar deve se restringir unicamente aos crimes propriamente militares, tendo em
vista critérios de especialidade (princípio da especialidade): agentes militares que vulneram a hierarquia, a
disciplina militar ou outros valores tipicamente militares (PGR, ADI 5032).
• Precedentes da Corte IDH: A Corte IDH já teve a oportunidade de se pronunciar várias vezes acerca do
alargamento inapropriado e indevido da competência da justiça militar (cf., v.g., caso 19 Comerciantes, caso
Almonacid Arellanos, caso Palamara Iribane vs. Chile, caso Cruz Sánchez e Outros vs. Peru). Inclusive, o Estado

209
brasileiro já foi diretamente condenado a abster-se de utilizar a jurisdição militar para investigar e julgar
militares por crimes cometidos contra civis, notadamente no caso Gomes Lund (cf. Nota Técnica
08/2017/PFDC/MPF) e, mais recentemente, no caso Favela Nova Brasília (PGR), em que determinado que a
investigação seja conduzida por órgão independente e diferente da força pública envolvida.
• Incompatibilidade lógica com o marco normativo internacional: A Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado de Pessoas (Belém, 1994), em seu art. IX, exclui expressamente à jurisdição militar
em casos desta natureza, que normalmente têm civis como vítimas. Se para um crime menos grave (o
desaparecimento forçado) o marco normativo regional veda a fixação da competência da Justiça Militar,
com mais razão deve ser tida por inconvencional qualquer disposição do direito interno brasileiro que
pretenda submeter homicídios dolosos praticados por militares contra civis à competência da Justiça Castrense
(Vladimir Aras e PGR).
Aspectos finais. Para encerrar, seguem alguns temas de possível relevância:
• Crime militar e hediondez: Nenhum dos crimes propriamente militares está no rol dos crimes hediondos.
• Crime militar e insignificância: os requisitos para o reconhecimento da insignificância no crime militar são
mais severos que no direito comum, pois se levam em conta hierarquia e disciplina. Não cabe insignificância
na posse de substância entorpecente (art. 290 do CPM).
• Crime militar e Lei 9.099/95: Revela-se constitucional a vedação legal à suspensão condicional do processo
ao militar processado por crime militar (Lei 9.099/95, art. 90-A); é inconstitucional, todavia, sua vedação ao
civil processado por crime militar (STF, HC 99743/RJ). Dualidade de tratamentos em razão da Lei 13.491/17: as
infrações de menor potencial ofensivo praticadas por militares (nas condições do art. 9º, II, do CPM), antes da
vigência da nova redação, deverão permanecer na justiça criminal comum (Juizados Especiais Criminais),
permitindo que as medidas despenalizadoras sejam veiculadas; as infrações penais praticadas a partir de
16/10/2017, não permitem mais a veiculação de qualquer medida despenalizadora, permitindo o seu processo
e julgamento direto na Justiça Militar.
• Crime militar e reincidência: para efeitos de excluir a reincidência, devem ser considerados apenas os crimes
propriamente militares, pois estes têm índole inteiramente diversa dos previstos na legislação comum,
atentando contra a disciplina e a hierarquia (Fragoso).
• Não recepção parcial do art. 235 do CPM: A criminalização de atos libidinosos praticados por militares em
ambientes sujeitos à administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina
castrenses. Contudo, o tipo penal, ao falar em “pederastia” (prática de sexo entre homens) e em
“homossexual”, acaba sendo discriminatório e ofensivo à liberdade de orientação sexual. Por isso, tais
expressões não foram recepcionadas pela CRFB/88, sendo mantido o restante do dispositivo (STF, ADPF
291/DF – ajuizada pela PGR).
• Competência e estelionato previdenciário militar: Não obstante a matéria se encontre pendente de
julgamento pelo Plenário do STF (HC 112.848/RJ), o entendimento até o momento adotado por ambas as
Turmas não afasta a competência da Justiça Castrense para o julgamento de civil acusado da prática de crime
de estelionato cometido mediante saque de beneficio previdenciário militar após o falecimento do
beneficiário.

III. TERRORISMO

Histórico. Com o fim de dar cumprimento às diversas convenções que conformam um subsistema universal
para a criminalização de todas as formas de terrorismo, bem como às recomendações do Grupo de Ação
Financeira Internacional (GAFI) – organismo intergovernamental que tem se ocupado da promoção de medidas
de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro, ao terrorismo e seu financiamento e à proliferação de armas
de destruição em massa –, o Estado brasileiro, após sucessivas advertências internacionais, no mecanismo de
peer review, editou a Lei 13.260/16, visando a atender as exigências do plano internacional.
Quadro normativo no direito penal interno. Para a corrente doutrinária majoritária (adotada, em obiter
dictum, pela 2ª Turma do STF, no PPE 730/DF, 2014), o delito de terrorismo não era, antes da Lei 13.260/16,
tipificado como crime pela legislação brasileira, sendo o art. 20 da Lei 7.170/83 (LSN) – que tipifica, entre
outras ações, “atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à
manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas” – insuficiente para criminalizar a conduta,

210
por ser vago e elástico.
Para uma corrente minoritária (Vladimir Aras, p. ex.), o terrorismo só veio a ser amplamente tipificado no
Brasil com a Lei 13.260/2016. Isso porque, já no âmbito da LSN, haveria várias condutas passíveis de ser
categorizadas como “terrorismo” (por exemplo, arts. 15, 19 e 20). Assim, para essa concepção, a legislação
antiterror brasileira é formada por um complexo normativo entre a Lei 7.170/1983 e a Lei 13.260/2016, às
quais se acoplam a Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) e Lei 13.170/2016 (Lei de Bloqueio de
Ativos Terroristas).
Natureza jurídica do crime de terrorismo. Tendo em conta a dicotomia conceitual de crimes políticos para fins
do direito interno (no campo da competência) e do direito internacional (no campo da extradição e da
cooperação jurídica em geral) – já referida acima –, o terrorismo pode ser considerado crime político complexo
(Vladimir Aras), fato esse confirmado, inclusive, pela preocupação dos textos convencionais em matéria
antiterrorismo de excluírem a exceção de caráter político do terrorismo. Reforça essa premissa, o fato de o
STF poder deixar de considerar como crime político atentado contra Chefes de Estado ou quaisquer
autoridades, bem assim crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo (Lei de
Migração, art. 82, § 4º). Ademais, o STF já chegou a realçar que o terrorismo não pode ser tido como crime
político para fins extradicionais (STF, Ext 855).
Regime jurídico constitucional decorrente dessa natureza jurídica. De acordo com o sistema normativo
pátrio, (a) embora seja crime político (complexo), devido à expressa reprovação constitucional (CRFB/88, art.
4º, VIII), o terrorismo é crime equiparado a hediondo (CRFB/88, art. 5º, XLIII) e, assim, insuscetível de anistia,
graça e indulto; (b) embora seja crime político, não se aplica ao terrorismo a regra limitativa da extradição
(CRFB/88, art. 5º, LII) e da cooperação em geral, pelo fato de a Constituição repudiar o terrorismo e considerá-
lo hediondo, assim como pelo fato de a legislação brasileira adotar os critérios de preponderância e de
principalidade (Lei de Migração, art. 82, §§ 1º e 2º); (c) o terrorismo é um crime extraditável e passível de
cooperação internacional, conforme tratados internacionais de que o Brasil é parte (cf. Convenção
Interamericana contra o Terrorismo [Barbados, 2002], art. 11; Convenção Internacional para Supressão do
Financiamento do Terrorismo [Nova York, 1999]); (d) como crime político, o terrorismo é de competência da
Justiça Federal (CRFB/88, art. 109, IV), estando a ação penal sujeita a recurso ordinário perante o STF (CRFB/88,
art. 102, II, “b”) (Vladimir Aras).
Definição de terrorismo na Lei 13.260/16. A Lei 13.260/2016 (art. 2º) prevê que o “terrorismo consiste na
prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou
generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Crítica: o tipo
possui duas omissões: (a) a primeira, por não incluir a motivação política entre os possíveis móveis ou
finalidades do agente (Vladimir Aras) – referida motivação não constou da redação final, segundo consta, por
ser muito aberta e por poder dar ensejo à inclusão, em sua abrangência típica, de atos legítimos de protesto;
(b) a segunda, por não incluir a discriminação ou preconceito em razão de orientação sexual (Cleber Masson).
Raio-X da Lei 13.260/16. Em linhas gerais, pode-se dizer que o diploma: (i) conceitua terrorismo e atos de
terrorismo (art. 2º); (ii) tipifica o crime de terrorismo, com penas de 12 a 30 anos (art. 2º, §1º); (iii) cria causa
de excludente de ilicitude relacionado ao direito de protesto e reivindicação (art. 2º, §2º) – a regra destina-
se a proteger movimentos sociais contra a utilização do direito penal para reprimi-los; (iv) tipifica o crime de
associação em organização terrorista, inclusive o auxílio prestado a esse tipo de organização, com penas de 5
a 8 anos reclusão e multa (art. 3º) – por ser espécie OrCrim, a ela se aplica o §2º do art. 52 da LEP (RDD)
(Rogério Sanches); (v) pune atos preparatórios de conduta terrorista (tentativa antecipada), sujeitando o
agente à pena do delito consumado diminuída de um 1/4 a 1/2 (art. 5º) – há críticas por parte da doutrina (cf.
adiante); (vi) tipifica o recrutamento de terroristas e o treinamento de terroristas (art. 5º, §1º); (vii) permite a
aplicação do instituto da desistência voluntária e/ou do arrependimento eficaz (CP, art. 15), mesmo antes de
iniciados os atos preparatórios de terrorismo (art. 10), diferentemente do que prevê a legislação penal
comum (que exige o início dos atos executórios); (viii) tipifica o crime de financiamento do terrorismo, com
pena de 15 a 30 anos (art. 6º); (ix) institui causa especial de aumento de pena (art. 7º), no caso de lesão corporal
grave (1/3) e morte (1/2); (x) prevê a competência federal (art. 11) – há doutrinadores que sustentam a
inconstitucionalidade do dispositivo; (xi) prevê medidas cautelares sobre ativos vinculados a atividades
terroristas e a possibilidade de alienação antecipada de bens bloqueados e de nomeação de administrador

211
provisório (arts. 12 a 14); (xii) admite a cooperação internacional com base em tratados e em promessa de
reciprocidade e estipula regra geral de partilha de ativos (asset sharing) (art. 15); (xiii) determina a aplicação
das regras da Lei 12.850/2013 para a investigação e processo de crimes previstos na Lei Antiterror (art. 16) –
ou seja, a Polícia e o Ministério Público Federal poderão valer-se de infiltração policial, escuta ambiental,
interceptação telefônica, ações controladas, acordos de colaboração premiada e requisição de dados para
investigar esses crimes; (xiv) determina a aplicação da Lei 8.072/1990 aos crimes previstos na Lei Antiterror
(art. 17); (xv) altera a Lei 7.960/1989 para admitir a prisão temporária (30+30) nos crimes da Lei Antiterror
(art. 18).
Crítica ao rol de atos terroristas previstos no § 1º do art. 2º. Não aparecem como atos de terrorismo
atentados à liberdade individual e contra a liberdade sexual, o que pode manter atípica a tomada de reféns
e não submeter ao alcance da lei estupros coletivos quando tenham cunho terrorista, já que o inciso V do art.
2º, §1º só se refere a atentados à vida e à integridade física de pessoa (Vladimir Aras).
Críticas à criminalização de atos preparatórios (tentativa antecipada). Como dito, parte da doutrina critica o
tipo do art. 5º, por ir de encontro com a doutrina tradicional do direito penal de que não se pune atos
preparatórios, e afirma que se trata de clara expressão do Direito Penal do Inimigo. Todavia, outro setor
defende que a medida, dadas as particularidades dessa categoria de criminalidade, encontra-se em
consonância com princípio da proteção efetiva (ou da proibição de proteção deficiente), por ensejar uma
maior proteção social e permitir uma ampla ação preventiva (cf., v.g., Nota Técnica 09/2015-ANPR). De
qualquer modo, é certo que a teoria objetivo-formal foi afastada da Lei 13.260/16 em razão da autorização
expressa de punição dos preparatórios que gravitam em torno do núcleo do tipo, a título de tentativa
antecipada.

18.CRIMES CIBERNÉTICOS
18.1 Crimes cibernéticos. Pornografia infantil. (19.b)

19B. Crimes cibernéticos. Pornografia infantil.

Laiz Mello

I. CRIMES CIBERNÉTICOS

Conceito: A Convenção de Budapeste (tratado internacional firmado em 2001 e não subscrito pelo
Brasil) define cibercrime como: “os atos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade
de sistemas informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados”. Classificação: Os
crimes cibernéticos podem ser classificados em puros ou próprios e impuros ou impróprios. Crimes cibernéticos
próprios são aqueles em que o próprio sistema informatizado e/ou seu conteúdo é atacado pelos agentes
criminosos por meio de programas maliciosos. São exemplos os tipos previstos nos arts. 154-A, 163, 266, 313-
A e 313-B, todos do CP. O bem jurídico tutelado é o dispositivo telemático (computadores, smartphones) e seu
conteúdo. Por sua vez, os crimes cibernéticos impróprios são aqueles em que o dispositivo tecnológico é
utilizado como instrumento para a prática de crimes diversos, tais como, ameaça, calúnia, injúria difamação,
furto mediante fraude. Sujeito ativo e passivo: Qualquer pessoa pode figurar como agente ativo e passivo
destes crimes.

Lugar do crime e competência: Segundo o art. 70 do CPP, o Brasil adota a teoria do resultado, pela qual
a competência é, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração (no caso de tentativa, pelo
lugar em que for praticado o último ato de execução). Todavia, no caso dos crimes cibernéticos, é difícil
determinar com clareza o local da consumação, pois, muitas vezes, caracterizam-se por serem plurilocais,
quando vítima e agente estão em locais distintos, ou quando a execução inicia em um local enquanto sua
consumação ocorre em outro. Por tais motivos, alguns defendem que a competência, nos crimes cibernéticos,
deve ser fixada priorizando a celeridade, economia processual e a busca da verdade real, razão porque indicam
a teoria da ubiquidade como a mais apropriada nesses casos. Segundo entendimento pacífico da
jurisprudência, o fato do delito ter sido cometido pela rede mundial de computadores não atrai, por si só, a

212
competência da Justiça Federal. Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça
Federal, é necessário que se amolde em umas das hipóteses elencadas no art. 109, IV e V, da CF/88. Destaca-
se que: a) Crimes contra a honra praticados pelas redes sociais da internet: competência da JUSTIÇA ESTADUAL,
como regra geral; b) Divulgação, por pessoa residente no Brasil, de imagens pornográficas de crianças e
adolescentes em página da internet: competência da JUSTIÇA FEDERAL (se o agente publicou as fotos no
exterior, esse crime poderá ser julgado pelo Brasil se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do Código
Penal); c) Troca, por e-mail, de imagens pornográficas de crianças entre duas pessoas residentes no Brasil:
competência da JUSTIÇA ESTADUAL.

II. PORNOGRAFIA INFANTIL

Pode ser assim definida toda a representação, por qualquer meio, de um menor, dedicado a
atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou toda a exposição dos órgãos sexuais de uma criança em
filmagens primordialmente dedicadas ao sexo (art. 241-E do ECA). Constitui uma variável dos crimes sexuais
que se perpetua no tempo e que prolonga a situação abusiva enquanto os materiais pornográficos continuem
sendo usados. Essa pornografia pode ser tanto visual – quando expõe o menor em ato sexual explícito, real ou
simulado, ou em uma exibição obscena dos órgãos genitais para o prazer de um usuário, incluindo a produção,
a distribuição e o uso desse material – quanto auditiva – quando estas atividades de exposição privilegiam a
voz do menor7.

Desenhos e imagens virtuais configuram ou não "outra forma de registro que contenha cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente": O "simuladas" é adjetivo que modifica o
substantivo "atividades sexuais", e não "crianças". Assim, a redação do art. 241-E do ECA só tipifica a
disseminação de imagens que sejam, efetivamente, a reprodução de cenas que envolvam a participação real
de menores. Dessa forma, desenhos seriam atípicos. Só registros visuais (imagens) que contenham crianças
reais (não desenhos ou imagens virtuais) caracterizam a prática delituosa8.

O bem jurídico protegido é a dignidade da criança ou adolescente, ou “o respeito à imagem, à


liberdade sexual e ao domínio do corpo da criança e do adolescente”. O sujeito ativo é qualquer pessoa,
cuidando-se de crimes comuns. Já o sujeito passivo é a criança ou adolescente retratada ou filmada, muito
embora não se exija a sua identificação para a caracterização do delito (STJ).

A competência será da JF quando presente o requisito da transnacionalidade e do compromisso


assumido pelo Brasil ao firmar a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 109, V, da CF). Para o
reconhecimento da transnacionalidade, há duas posições diferentes: i) a primeira somente a reconhece
quando, na modalidade dos arts. 241 ou 241-A o acesso às informações publicadas ou divulgadas na internet
em território brasileiro se deu no estrangeiro, ou vice-versa, ou seja, quando verificada efetivamente a
transnacionalidade (assim, por exemplo, quando a operação policial é deflagrada no Brasil, a partir de
investigações realizadas no exterior); ii) para a segunda (BALTAZAR), é suficiente que a publicação se dê por
meio da internet, considerado o caráter internacional da rede mundial de computadores, de modo que seria
suficiente estar o arquivo disponível na “rede mundial de computadores”. O STF decidiu que Compete à Justiça
Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico
envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA), quando praticados por meio da rede

7
Os delitos que tratam da pornografia infantil não devem ser confundidos com a pedofilia, que é um transtorno sexual consistente na atração por
crianças.
8
Roteiro de atuação: crimes cibernéticos / 2. Câmara de coordenação e revisão. – 3.ed. rev. e ampl. – Brasília: MPF, 2016.

213
mundial de computadores (internet). A competência territorial é da Seçao ̃ Judiciária do local onde o réu
publicou as fotos, não importando o Estado onde se localize o servidor do site9.

Infiltração de agentes de polícia na internet para investigar crimes contra a dignidade sexual de
criança e adolescente (Lei nº 13.441/2017): Segundo o art. 190-A do ECA, a infiltração de agentes de polícia
na internet pode ocorrer para investigar os seguintes crimes: arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do
ECA e arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal. Depende de decisão judicial e possui caráter
subsidiário, i. e., só é admitida se não for possível obter provas por outros meios. O requerimento ou a
representação deverá demonstrar: a necessidade da medida; o alcance das tarefas dos policiais; os nomes ou
apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a
identificação dessas pessoas. Prazo de duração: a infiltração não poderá exceder o prazo de 90 dias, sendo
permitidas renovações, desde que demonstrada sua efetiva necessidade. O prazo total da infiltração não
poderá exceder 720 dias (pouco menos de 2 anos). A renovação da infiltração, assim como ocorre com o seu
deferimento inicial, também depende de autorização judicial devidamente fundamentada. Medidas para
ocultar a identidade do policial infiltrado: a fim de garantir o sucesso da infiltração e não ser descoberto, o
policial será obrigado a adotar uma identidade falsa. Excludente de responsabilidade penal: a lei prevê que
não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria
e materialidade dos crimes para os quais é permitida a infiltração (art. 190-C do ECA). Ressalte-se que esse art.
190-C do ECA disse menos do que deveria. Além dos delitos relacionados com a ocultação de sua identidade,
o agente policial também não responderá por outros crimes que ele seja obrigado a cometer para ingressar
ou se manter na organização criminosa e coletar informações sobre o grupo. Excesso punível: o agente policial
infiltrado que deixar de observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos excessos praticados (art.
190-C, parágrafo único do ECA).

Tipos Penais
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito
ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: crime de perigo abstrato, instantâneo e admite tentativa.
Consuma-se com o simples registro, dispensando qualquer divulgação. O consentimento do menor é
irrelevante.

Art. 241. Venda ou exposição à venda: crime comum, formal, doloso, de perigo abstrato, instantâneo na
conduta vender e permanente na conduta expor à venda; admite tentativa.

Art. 241-A10. Divulgação: Crime comum, formal, doloso, comissivo, de perigo abstrato, permanente e admite
tentativa. Segundo a jurisprudência do STJ ao final transcrita, não há necessidade de nudez para configurar o
tipo penal. Trata-se da criminalização da publicação, troca ou divulgação de foto ou vídeo contendo cena
pornográfica ou de sexo explícito de criança ou adolescente por qualquer meio de comunicação, inclusive
pela Internet. Praticará o mesmo delito quem assegurar os meios para o armazenamento desse material em
sites e blogs, permitindo o acesso de internautas às imagens ou vídeos, ou seja, a empresa de Internet que
guarda a pornografia em seus computadores para a pessoa que quer divulgar. Porém, os provedores de
aplicativos de Internet somente podem ser responsabilizados pelo crime se não cancelarem o acesso à
pornografia infantojuvenil, após uma notificação oficial efetuada pelo representante legal da criança ou
adolescente (art. 19 do MCI) e, por óbvio, no caso de uma decisão judicial. A simples existência de imagens ou
vídeos com esse conteúdo disponibilizados na Internet para o acesso por internautas é suficiente para
caracterização do delito, sendo irrelevante o efetivo acesso por usuários. Mais que isso, não se exige, para a
consumação, a demonstração de dano efetivo a alguma criança ou adolescente individualmente
considerado. O crime de divulgar cena de sexo explícito ou pornográfica infantojuvenil estará consumado no

9
STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info
805).
10
Os crimes a seguir foram feitos a partir do Roteiro de atuação: crimes cibernéticos / 2. Câmara de coordenação e revisão. – 3.ed. rev. e ampl. – Brasília:
MPF, 2016 e do livro Crimes Federais do BALTAZAR.

214
instante e no local a partir do qual é permitido o acesso ao público que “navega” na Internet, ou seja, no
endereço do responsável pelo site (endereço real, lugar da publicação)11. É imprescindível que, na denúncia,
esteja descrita, no mínimo, a possibilidade de aquele material estar disponível em algum serviço de Internet
acessível no exterior para firmar a atribuição do Ministério Público Federal na persecução penal, seja porque
no computador periciado foram encontradas provas de transmissão de arquivos, nas redes sociais
internacionais ou em sites de compartilhamento de arquivo12. O dolo é consubstanciado na “vontade livre e
consciente de assegurar, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das
fotografias, cenas ou imagens pornográficas envolvendo crianças e adolescentes”, independentemente de
qualquer outra finalidade13.

Jurisprudência:
Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no
art. 241-A do ECA nas hipóteses em que há a constatação da internacionalidade da conduta e à Justiça
Estadual nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações privadas, como nas
conversas via whatsapp ou por meio de chat na rede social facebook. (STJ - Info 603)

“Não tendo sido identificado o responsável e o local em que ocorrido o ato de publicação de imagens
pedófilo-pornográficas em site de relacionamento de abrangência internacional, competirá ao juízo federal que
primeiro tomar conhecimento do fato apurar o suposto crime de publicação de pornografia envolvendo criança
ou adolescente (art. 241-A do ECA).” (STJ - Info 532)

Art. 241-B. Aquisição, posse ou armazenamento (isto é, se a prova pericial atestar que o sujeito só fazia
download de pornografia infantojuvenil, mas não disponibilizava para terceiros)14: Trata-se da criminalização
da compra, posse ou guarda de material pornográfico envolvendo criança ou adolescente, no computador,
pen-drive, CDs, DVDs, e outros, em casa ou na nuvem (iCloud), mas nesse caso, o armazenamento só será de
competência da Justiça Estadual se o provedor tiver servidor no País. Caso não tenha, o mais comum,
principalmente, em relação aos grandes provedores de aplicativos (todos com servidores no exterior), o
armazenamento será de competência da Justiça Federal. O delito está dirigido aos consumidores do material,
que fomentam o comércio ilícito. O crime do art. 241-B é permanente nas modalidades possuir e armazenar e
instantâneo de efeitos permanentes na modalidade adquirir (BALTAZAR). Armazenamento seguido de
disponibilização: Sobre a disponibilização das mesmas imagens que antes foram armazenadas, há duas
posições. Para a primeira (BALTAZAR), há crime único, devendo ser reconhecida a progressão criminosa e a
absorção do crime do art. 241-B por aquele do art. 241-A. Para a segunda, há concurso material entre os delitos
dos arts. 241-A e 241-B quando o agente armazena e depois divulga ou publica as mesmas imagens15.

Art. 241-C: Criminaliza a montagem de imagem de criança ou adolescente, simulando a sua participação em

11
No caso de troca de arquivos contendo cena de sexo explícito ou pornográfica infantojuvenil nas Redes Peer-to-Peer - P2P (que são programas de
compartilhamento de arquivos, como por exemplo, o E-Mule, E-Donkey, etc.), o investigado publica ou disponibiliza arquivos para que terceiros,
integrantes da mesma Rede P2P, copiem o material pedopornográfico, assim que ele termina de fazer o download daquele material. Como o próprio
caput define, o agente pode transmitir os arquivos, seja em redes sociais, em sites de compartilhamento de arquivos como programas Peer-to-Peer (E-
Mule e outros), por e-mail etc. No mesmo sentido, o agente pode distribuir o material dentro de uma rede própria, em um grupo fechado.
12
Esse entendimento foi finalmente consolidado pelo STF, na Questão de Ordem no RE 628624, de 29.10.2015
13
Não foi aceita a tese do desconhecimento da funcionalidade de compartilhamento de arquivos do programa quando o acusado é estudante do curso
superior de Tecnólogo em redes. Não afasta o dolo, tampouco, o alegado desconhecimento de línguas estrangeiras, que não é impeditivo à utilização de
programas de computador que servem de meio para o delito (BALTAZAR).
14
Excludente de ilicitude: § 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência
das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: I – agente público no exercício de suas funções;
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento
de notícia dos crimes referidos neste parágrafo; III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por
meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
Dever de sigilo: § 3ºAs pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.
15
Permanecendo só o crime do art. 241-B do ECA, em razão do armazenamento ou posse de pornografia infantojuvenil, a pena mínima é de um ano
de reclusão, admitindo suspensão condicional do processo. No entanto, se houver muito material, é possível justificar a recusa de se fazer a proposta
com base na extensão do dano causado.

215
cena de sexo explícito ou pornográfica, adulterando fotografia ou vídeo. Incorre nas mesmas penas quem
comercializar, disponibilizar, adquirir ou guardar fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação
visual montada ou simulada. Ainda que a simulação ou montagem seja facilmente perceptível, é possível a
responsabilização de seu autor, porque a finalidade do delito é zelar pela integridade psíquica e moral da
criança e do adolescente.

Art. 241-D: Observa-se que a lei limitou como vítima de tal crime a criança, justamente para excluir o namoro
na Internet, entre adolescentes. É crime convidar uma criança para relação libidinosa (sexo, beijos, carícias).
Também pratica esse crime quem facilita ou induz a criança a ter acesso à pornografia para estimulá-la a
praticar atos libidinosos, ou seja, a quem mostrar pornografia à criança para criar o interesse sexual e depois
praticar o ato libidinoso; estimula, pede ou constrange a criança a se exibir de forma pornográfica.

Jurisprudência:
“Comprovado que o crime de divulgação de cenas pornográficas envolvendo criança não ultrapassou
as fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação eletrônica entre duas pessoas residentes no
Brasil, a competência para julgar o processo é da Justiça Estadual, considerando que não houve, no caso,
relação de internacionalidade, exigida pelo art. 109, V da CF/88. Precedente do STJ: CC 121.215/PR, julgado
em 12/12/2012.5. A definição legal de pornografia infantil apresentada pelo artigo 241-E do Estatuto da
Criança e do Adolescente não é completa e deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e do
adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA), tratando-se de norma penal
explicativa que contribui para a interpretação dos tipos penais abertos criados pela Lei nº 11.829/2008, sem
contudo restringir-lhes o alcance. 6. É típica a conduta de fotografar cena pornográfica (art. 241-B do ECA) e
de armazenar fotografias de conteúdo pornográfico envolvendo criança ou adolescente (art. 240 do ECA) na
hipótese em que restar incontroversa a finalidade sexual e libidinosa das fotografias, com enfoque nos
órgãos genitais das vítimas - ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em
que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica. 7. Recurso especial improvido.” (REsp
1543267/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe
16/02/2016)

“Crimes de pedofilia e pornografia infantil de caráter transnacional praticados no mesmo contexto dos delitos
de estupro e atentado violento ao pudor, contra as mesmas vítimas, devem ser considerados conexos e julgados
conjuntamente na Justiça Federal” (STF - Info 715)

19.CORRUPÇÃO E REPRESSÃO PENAL NO DIREITO INTERNACIONAL


19.1Crimes de corrupção. (18.b)
19.2 Aspectos relativos a repressão penal contidas em convençõ es internacionais sobre corrupção,
organizaçõ es criminosas, tráfico de pessoas, terrorismo e escravidão. (20.b)

18B. Crimes de corrupção

Vanessa Andrade

A corrupção está intrinsecamente relacionada aos delitos transnacionais, como lavagem de dinheiro,
tráfico de drogas e de pessoas, etc. Deste modo, a prevenção e repressão da corrupção deve ocorrer também
de forma globalizada. Esta atuação conjunta é possibilitada pelos tratados internacionais sobre o tema.
O bem afetado pela corrupção é o patrimônio e a moralidade administrativa. Apesar de haver conexão
imediata com o patrimônio público, as preocupações iniciais com a corrupção se fundamentaram no
patrimônio privado (empresas com atuação no comércio internacional). Assim, foi aprovada a Convenção sobre
Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Comerciais Internacionais (Decreto n. 3678/00). Em
consonância com este acordo internacional, foram tipificadas as condutas de favorecimento a funcionário
público, como preceituam os arts. 337-B, 337- C e 337-D do Código Penal.
O Brasil recebeu, em uma segunda fase de aplicação do referido tratado, recomendação para prever

216
sanções às pessoas jurídicas praticantes do crime de corrupção do funcionário estrangeiro. Saliente-se que, no
projeto do novo Código Penal, há previsão sobre o tema, em atendimento à recomendação.
Posteriormente, foi assinada e ratificada pelo Brasil a Convenção Interamericana contra a Corrupção
(1996 – adotada no âmbito da OEA), por meio do Decreto n. 4410/02. Foi o primeiro instrumento dedicado
especificamente ao combate à corrupção, como resultado da transcendência internacional da corrupção e da
necessidade de viabilizar a cooperação entre países. Isto porque, apesar de ter sido promulgada após a
Convenção sobre Corrupção de Funcionários Públicos, a mesma já existia no contexto internacional.
O único ato previsto na convenção ainda não tipificado como crime pelo ordenamento brasileiro é o
de enriquecimento ilícito. Ainda assim, apesar de não configurar crime, já há repressão da conduta, uma vez
que reconhecida como improbidade administrativa, motivo pelo qual não é possível afirmar descumprimento
ao tratado. De qualquer modo, também no projeto do novo Código Penal, existe previsão deste delito.
Por último, foi promulgada pelo Brasil a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003 -
Convenção de Mérida), por meio do Decreto n. 5687/06. Este instrumento é bem mais detalhado que os
anteriores. O Capítulo III trata das condutas que devem ser reprimidas no âmbito penal. Fala-se da necessidade
de prazos prescricionais dilatados, apreensão e confisco de bens, indenizações, etc. Exemplificativamente, o
tratado prevê as condutas típicas de suborno, seja de funcionário nacional, seja estrangeiro, de peculato, de
tráfico de influência, de abuso de funções, de enriquecimento ilícito, etc. A Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção adota uma definição ampla de corrupção, de modo a incluir diversos crimes contra a
Administração Pública. Estabelece a necessidade de indicar autoridades especificamente para combate à
corrupção. Incentiva ainda não apenas a cooperação entre órgãos públicos, mas entre estes e o setor privado
(art. 35 a 37). O Capítulo IV trata da cooperação internacional, enquanto o capítulo V trata da recuperação de
ativos (art. 51). É a primeira previsão internacional de recuperação total dos ativos e estímulo à criação de uma
cultura anticorrupção.

Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar,
omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena
é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício,
ou o pratica infringindo dever funcional.
Tipo objetivo: oferecer é exibir, expor, apresentar, mostrar, dispor-se a entregar. Prometer é afirmar
entrega futura, comprometendo-se a entregar. É mais difícil a solução, porém, quando o funcionário apenas
solicitou a vantagem, e o particular cedeu. Há posicionamento no sentido de que não poderá ser considerado
autor de corrupção ativa, pois as condutas de oferecer ou prometer pressupõem iniciativa do particular.
Contudo, a solução de considerar o particular nessa circunstância sempre como vítima tem o inconveniente de
deixar impunes situações em que há um conluio, e até uma vantagem para o particular, em prejuízo da
administração ou de outros cidadãos, de modo que não há uma preservação adequada do bem jurídico. Bem
por isso, caracteriza-se a corrupção ativa em caso de oferecimento de “vantagem pecuniária a funcionário
público, em contraproposta ao valor por este solicitado para que deixasse de praticar ato de ofício, consistente
na lavratura de multas relativas a um imóvel de propriedade do paciente” (STF, HC 81303/SP). Ao contrário da
corrupção passiva, que pode ser posterior à prática do ato, a corrupção ativa somente se configura antes desse
momento. É crime formal. Se o funcionário retarda, omite ou pratica o ato com infração do dever funcional,
incide causa de aumento de pena. A Convenção da ONU contra a corrupção também prevê, em seu art. 3º, que
a incidência do tipo independe da produção de dano ou prejuízo patrimonial ao Estado. Concurso material:
possível com o contrabando e frustração do caráter competitivo do procedimento licitatório.

Corrupção Passiva:
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função
ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena –
reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da
vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um

217
ano, ou multa.
Bem jurídico tutelado: andamento regular da administração pública, contra o tráfico do exercício da
função. Sujeito ativo: crime próprio. Admite-se a coautoria ou participação de particular, como, por exemplo,
quando a cobrança é feita por pessoa interposta, que não pertence aos quadros do serviço público, na chamada
corrupção indireta, prática comumente adotada para dificultar a responsabilização penal do funcionário. Caso
o particular tome a iniciativa de oferecer ou prometer a vantagem indevida ao funcionário público, responde
pelo crime de corrupção ativa (CP, art. 333), em exceção dualista à teoria monista. A bilateralidade não é
essencial, basta que o funcionário solicite a vantagem, configurando-se o delito ainda que o particular não o
entregue. STJ: O reconhecimento da inépcia da denúncia em relação ao acusado de corrupção ativa (art. 333
do CP) não induz, por si só, ao trancamento da ação penal em relação ao denunciado, no mesmo processo, por
corrupção passiva (art. 317 do CP). Prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção
passiva e ativa, por estarem previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes, de modo
que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro. Tipo objetivo: há controvérsia acerca da
necessidade de indicação de ato determinado praticado ou a ser praticado pelo funcionário em contrapartida
à vantagem. STF (AP 996/DF): Se um parlamentar recebe vantagens indevidas em troca de sustentação política
a um diretor da Petrobrás, isso significa evidente omissão em sua função de fiscalizar a lisura dos atos do Poder
Executivo. O exercício ilegítimo da atividade parlamentar, mesmo num governo de coalizão, é apto a
caracterizar o crime de corrupção passiva. Esse tipo penal tutela a moralidade administrativa e tem por
finalidade coibir e reprimir a mercancia da função pública, cujo exercício deve ser pautado exclusivamente pelo
interesse público. Se o funcionário, em razão da vantagem ou promessa, retarda ou deixa de praticar qualquer
ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional tem-se a figura qualificada, em que a pena é aumentada
em um terço. Se praticado por influência de outrem, tem-se a figura privilegiada, que não se confunde com
prevaricação pela ausência do elemento subjetivo “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. STJ: A obtenção
de lucro fácil e a cobiça constituem elementares dos tipos de concussão e corrupção passiva (arts. 316 e 317
do CP), sendo indevido utilizá-las para aumentar a pena-base alegando que os “motivos do crime”
(circunstância judicial do art. 59 do CP) seriam desfavoráveis. STJ: O fato de o crime de corrupção passiva ter
sido praticado por Promotor de Justiça no exercício de suas atribuições institucionais pode configurar
circunstância judicial desfavorável na dosimetria da pena. Isso porque esse fato revela maior grau de
reprovabilidade da conduta, a justificar o reconhecimento da acentuada culpabilidade, dadas as específicas
atribuições do promotor de justiça, as quais são distintas e incomuns se equiparadas aos demais servidores
públicos “latu sensu”.

20B. Aspectos relativos à repressão penal contidas em convenções internacionais sobre corrupção,
organizações criminosas, tráfico de pessoas, tráfico de armas, terrorismo e escravidão

Priscila Ianzer Jardim Lucas


Bibliografia: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-
atuacao/publicacoes/docs/16_004_temas_cooperacao_internacional_versao_2_online.pdf ; https://vladimiraras.blog/2013/10/26/a-nova-lei-do-
crime-organizado/ ; http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-
artigos/003_17_coletanea_de_artigos_trafico_de_pessoas.pdf ;
http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/TratadossobreTerrorismo_VersoOnline_final.pdf ; https://nacoesunidas.org/acao/terrorismo/ ;
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-artigos/003_17_coletanea_de_artigos_escravidao_conteporanea.pdf ;

Corrupção. Com o crescimento da percepção generalizada dos efeitos altamente nocivos da corrupção, seja
interna ou transnacional, seja pública ou privada, para a sociedade, para as instituições e para a economia, a
partir da década de 1990 surgiram três instrumentos jurídicos internacionais com a finalidade de preveni-la e
reprimi-la. O Brasil é signatário das três principais convenções internacionais contra corrupção: a) Convenção
Interamericana contra a Corrupção, concluída em Caracas, Venezuela, em 29 de março de 1996, patrocinada
pela OEA e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002, conhecida como Convenção
da OEA contra a Corrupção. A Convenção descreve os atos de corrupção que pretende sejam coibidos, fixando
a obrigação de os Estados adotarem as medidas legislativas necessárias para que possam ser devidamente
objeto de punição. Sob esse aspecto, é possível afirmar que a legislação brasileira é bastante completa, sendo
que o único ato mencionado na Convenção que ainda não é tipificado como crime é o enriquecimento ilícito,
que, porém, é definido como ato de improbidade, pela Lei nº 8.429/1992, estando prevista, portanto, a devida

218
punição pela sua prática, como quer a Convenção; b) Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, França, em
17 de dezembro de 1997, patrocinada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000, conhecida como Convenção da
OCDE contra a Corrupção. Em consonância com este acordo internacional, foram tipificadas as condutas de
favorecimento a funcionário público, como preceituam os arts. 337-B, 337-C e 337-D do Código Penal; e c)
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31
de outubro de 2003, assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.687, de
31 de janeiro de 2006, conhecida como Convenção da ONU contra a Corrupção; é igualmente conhecida no
cenário internacional pela sigla UNCAC (United Nations Convention Against Corruption) ou ainda como
Convenção de Mérida, cidade do México onde foi assinada. Essas convenções têm enorme relevância nos
planos político, sociológico e jurídico, pelos seguintes motivos: a) estabelecem padrões internacionais de
procedimentos e normas destinados à prevenção e à repressão de atos de corrupção; b) servem como guia
para que os países procurem adotar esses padrões; c) induzem os países signatários a aperfeiçoar seus
instrumentos de combate à corrupção; d) estimulam cooperação recíproca entre os países, seja por meio de
mecanismos de assistência técnica, treinamento (capacity building), cooperação jurídica internacional, seja por
vias informais de troca de informações e experiências; e) difundem a percepção da extrema nocividade da
corrupção e, com isso contribuem para despertar a repulsa social a práticas corruptas, por meio da
conscientização da sociedade (awareness raising); e f) promovem envolvimento de instâncias não oficiais,
como organizações não governamentais (ONGs) e parcelas da sociedade civil, no combate à corrupção. Os
foros internacionais são, sobretudo, instâncias impulsionadoras de mudanças, levando os Estados Partes a
promover melhorias nos respectivos sistemas e, consequentemente, elevando o padrão de efetividade no
combate global à corrupção. No Brasil, exemplo recente e elucidativo da influência dos foros internacionais na
condução das políticas internas é a aprovação da chamada Lei da Empresa Limpa (Lei nº 12.846/2013), que
introduz a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos
contra a administração pública nacional ou estrangeira, fechando, dessa maneira, lacuna histórica no
ordenamento jurídico brasileiro. Vale, também, destacar a importância da legislação extrapenal vigente no
Brasil – mormente aquela que veicula a responsabilização pela prática de atos de improbidade (Lei nº
8.429/1992) –, no cumprimento das disposições das convenções internacionais de combate à corrupção. A
responsabilização pela prática de ato de improbidade, nos moldes em que foi promovida no Brasil, reveste-se
de grande originalidade, constituindo rica experiência a ser divulgada nos demais países, no âmbito das
atividades que vêm sendo desenvolvidas no sentido da implementação dos compromissos internacionais.

Organizações Criminosas. A Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional de 2000
(Decreto n. 5014/04) é conhecida também como convenção de Palermo. A aplicação da Convenção é
delimitada pelos artigos 2º e 3º. O primeiro lista uma série de definições necessárias a um entendimento
uníssono do conteúdo da Convenção e o segundo determina o âmbito de aplicação das normas da Convenção.
De tal modo, é fundamental o entendimento de certas definições tais como a de “grupo criminoso organizado”
(item a), “infração grave” (item b), “grupo estruturado” (item c), “bloqueio” ou “apreensão” (item f), “confisco”
(item g) e “entrega vigiada” (item i) para a utilização desta norma de forma mais completa. Destarte, considera-
se aplicável à referida Convenção a investigação, instrução e julgamento das infrações já enunciadas e das
infrações graves (conforme o item b do artigo 2) desde que estas infrações tenham caráter transnacional ou
envolvam um grupo criminoso organizado. Assim, não há um rol exaustivo das infrações objeto de repressão
pelo tratado em análise, pois qualquer infração que se amolde ao conceito de “infração grave” pode ser objeto.
Deste modo, alguns fatores determinam a transnacionalidade do delito, como ser cometido em mais de um
Estado, envolver participação de grupos organizados de mais de um país ou produzir efeitos substanciais em
territórios de entes distintos, entre outros. Analisada a norma internacional que versa sobre o tema, necessária
uma incursão em nosso ordenamento jurídico. Depois de anos de polêmica nas cortes brasileiras, agora temos
o conceito legal de crime organizado, o tipo penal de associação em organização criminosa e o procedimento
para a aplicação da maior parte das chamadas técnicas especiais de investigação (TEI), muitas das quais
instituídas, mas não detalhadas, pela Lei 9.034/1995, antiga lei de organizações criminosas. A nova lei define
organização criminosa, tipifica a associação em organização criminosa, dispõe sobre a investigação criminal de

219
tais crimes, os meios de obtenção da prova, estabelece novas infrações penais correlatas e regula o
procedimento criminal. Além disso, a Lei 12.850/2013 altera os artigos 288 e 342 do Código Penal e revoga a
Lei 9.034/1995. A Lei 12.850/2013 prestar-se-á à persecução de três categorias de condutas ilícitas, duas das
quais não relacionadas diretamente à atuação de entes criminosos de tipo mafioso. A nova lei servirá para a
investigação e repressão de: a) crimes praticados por organizações criminosas, ou seja, por um grupo criminoso
formado por 4 ou mais pessoas, com divisão de tarefas, voltado à obtenção de vantagens de qualquer
natureza, mediante a prática de crimes graves (aqueles cuja pena máxima seja superior a 4 anos) ou o
cometimento de delitos transnacionais. É o principal escopo da lei, averiguar a atuação de organizações
criminosas, prevenir crimes futuros e reprimir condutas que tenham sido praticadas por tais entes de tipo
mafioso; b) delitos transnacionais (crimes à distância), no sentido do art. 109, inciso V, da Constituição de 1988,
independentemente de se tratar de criminalidade organizada; e c) crimes cometidos por entidades terroristas
transnacionais, assim reconhecidas por organizações internacionais das quais o Brasil seja parte. CONCEITO DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. A Lei 9.034/1995, ora revogada, não conceituava as organizações criminosas. Por
muito tempo, estas foram tratadas como se fossem quadrilhas (art. 288 do CP, antes da Lei 12.850/2013). Isto
gerou perplexidade na doutrina e no STF, quando se tinha em mira a antiga redação do art. 1º, inciso VII, da
Lei 9.613/98. Para Vladimir Aras, tínhamos um conceito de organização criminosa (o da Convenção de
Palermo), embora ainda não tivéssemos o respectivo tipo penal. No entanto, o STF afastou a possibilidade de
utilização do conceito convencional, o que contribuiu para manter, no cenário anterior à Lei
12.850/2013, insegurança jurídica no tocante à aplicação de vários dispositivos da legislação brasileira, que se
remetem a essas tais organizações criminosas. É o caso, por exemplo, do: a) §4º do art. 1º da Lei 9.613/1998,
que considera a prática do crime de lavagem de dinheiro por meio de organização criminosa como uma causa
de aumento de pena; b) §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, para o qual a não participação do agente em
organização criminosa autoriza a incidência de causa especial de diminuição de pena no crime de narcotráfico;
c) artigo 52, §2º da Lei 7210/1984, que toma em conta a participação em organização criminosa como fator
conducente à inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado (RDD); d) artigo 1º, §4º, da Lei
Complementar 105/201, que acolhe a existência de organização criminosa como fator justificador para a
quebra de sigilo bancário de suspeitos. Perceba. Antes da Lei 12.850/2013, nos casos acima (e também na
hipótese do antigo inciso VII do art. 1º, da LLD), a suposta falta de um conceito de organização criminosa não
impedia os juízes de aplicar tais regras legais. O problema estava em que cada juiz ou tribunal definia o seu
próprio conceito de organização criminosa. Com a entrada em vigor da Convenção de Palermo (Decreto
5.015/2004), passamos a ter um conceito legal de organização criminosa. Diz o art. 2º da Convenção da ONU
que grupo criminoso organizado é o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e
atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves” ou enunciadas na
Convenção, “com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício
material“. As infrações graves são os crimes cuja pena máxima é igual ou superior a 4 anos de prisão. Tal tese
não vingou no STF. Os ministros aferraram-se à ideia de que a Convenção (UNTOC) não poderia dar um
conceito legal imediatamente aferível. Por outro lado, o STF não levou em conta o fato de que o antigo inciso
VII do art. 1º da Lei 9.613/1998 era simplesmente uma norma penal em branco, que se completava, com
o conceito de crime organizado, inscrito na convenção das Nações Unidas. O crime era o de lavagem de
dinheiro. Este era o tipo penal. Quem o praticava (isto é, o seu agente) era uma organização criminosa. Tal
fenômeno, presente em muitos textos penais do Brasil, é muito facilmente verificável no art. 33 da Lei
11.343/2006, que não determina quais são as substâncias consideradas drogas, para fins de narcotráfico.
Quem o faz é um mero ato infralegal, a Portaria SVS/MS 344/1998. Em 2012, entrou em vigor a Lei
12.694/2012. Este diploma criou os tribunais provisórios de primeira instância para o julgamento de crimes
praticados por organizações criminosas. Para sua formação, que é temporária e precária, é preciso ter presente
um crime praticado por organização criminosa, assim definida pela lei como “a associação, de 3 (três) ou mais
pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja
pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. “ Agora, a Lei
12.850/2013 traz uma novíssima definição de organização criminosa, distinta das que constam da Convenção
de Palermo e da Lei 12.694/2012: §1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com

220
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Evidentemente, há um sensível problema estrutural no conceito da nova LCO, por sua
evidente incompatibilidade com o texto de Palermo, tratado que o Brasil está obrigado a cumprir. Para
Vladimir Aras, há duas incoerências na Lei 12.850/2013: a) a Convenção de Palermo e a Lei 12.694/2012
exigem apenas 3 membros para a existência de uma organização criminosa, ao passo que a Lei 12.850/2013
exige 4 pessoas; b) Palermo e a Lei de 2012 consideram infração penal grave o crime cuja pena máxima
seja igual ou superior a 4 anos de prisão, enquanto a Lei 12.850/2013 trata como graves apenas os crimes com
pena máxima superior a 4 anos de reclusão. Assim, são previsíveis os problemas que advirão da nova Lei
12.850/2013 em cotejo com a Lei 12.694/2012, o que gerará incerteza jurídica e potencial violação a
obrigações assumidas pelo Estado brasileiro diante da comunidade internacional. Para Vladimir Aras, a Lei
12.850/2013 revogou tacitamente o art. 2º da Lei 12.694/2012 e doravante temos apenas um conceito legal
de organização criminosa. Esta solução não é a melhor, porque situa o Brasil em posição de inadimplência em
relação ao artigo 5º da UNTOC, o que reclama revisão legislativa do conceito inscrito no artigo 1º da Lei
12.850/2013, para sua completa adequação convencional.

Tráfico de pessoas. A primeira forma de combate a esse delito deu-se com a condenação à escravidão dos
negros, que eram objeto de comércio por meio de tráfico com destinação a trabalhos forçados em condições
inumanas. A partir de então, no período de 1815 e 1957, cerca de 300 acordos internacionais relacionados à
abolição dessa forma de escravidão foram firmados. A Liga das Nações (predecessor das Nações Unidas) deu
grande relevância ao tema, com a busca da eliminação da escravidão e das práticas a ela relacionadas,
principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Assim, de forma inédita, na Convenção sobre a Escravatura
da Sociedade das Nações (Genebra, 1926), depois reafirmada pela ONU, em 1953, definiu-se a escravidão e
delimitou-se a conduta do tráfico de escravos. Paralelamente a esse tema, também havia a preocupação
internacional com o tráfico de mulheres brancas para fins de prostituição, que não foi objeto da Convenção
sobre a Escravidão de 1926. Primeiramente, em 1904, firmou-se em Paris o Acordo para a Repressão do Tráfico
de Mulheres Brancas, que se tornou Convenção no ano seguinte. No decorrer das três décadas seguintes,
vários tratados sobre o tema foram assinados: a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de
Mulheres Brancas (Paris, 1910), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças
(Genebra, 1921), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra,
1933), o Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças
e à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947) e, por fim, a Convenção
e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949). Em um primeiro
momento, a preocupação era apenas a proteção das mulheres europeias, principalmente as do leste europeu,
sem definir o crime. Com o desenvolver legislativo, a proteção foi se ampliando para além das mulheres,
abarcando as crianças e adolescentes. A Convenção de 1921 incluiu as crianças de ambos os sexos e aumentou
a maioridade para 21 anos completos. Até então, o consentimento de mulheres casadas ou solteiras maiores
gerava exclusão da infração, o que foi alterado na Convenção de 1933. Por fim, com a Convenção de 1949,
colocou-se a dignidade e o valor da pessoa humana como bens jurídicos violados pelo tráfico, além de ser visto
como um crime comum, ou seja, qualquer pessoa pode ser vítima, independentemente do gênero ou idade.
Em 1979, na Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, foi
sentenciada a ineficácia da Convenção de 1949, obrigando os Estados Partes a efetivamente adotar medidas
apropriadas contra todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres. Em 1992, a ONU
desenvolve o Programa de Ação para a Prevenção à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia
Infantil e, em 1996, o Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos para a Prevenção ao Tráfico de
Pessoas e à Exploração da Prostituição, visando buscar maneiras de eliminar todas as formas de assédio sexual,
exploração e tráfico de mulheres. Houve o desenvolvimento do conceito de tráfico, segundo Ela Wiecko (2003),
a Assembleia Geral da ONU, em 1994, passa a definir o tráfico como: Movimento ilícito ou clandestino de
pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, [...] com o fim de forçar mulheres e crianças a
situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes,
organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por
exemplo, o trabalho doméstico falso, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e adoções fraudulentas.

221
A Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing (1995), aprovou uma Plataforma de Ação.
Nela, um dos objetivos fixados em relação à violência contra a mulher consiste na eliminação do tráfico de
mulheres, com a prestação de assistência às vítimas da violência derivada da prostituição e do tráfico. Ademais,
adotou-se o conceito de prostituição forçada como forma de violência, podendo-se, dessa forma, interpretar
que a prostituição livremente exercida não constitui violação aos direitos humanos, alterando o paradigma da
Convenção de 1949. Em 1998, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional definiu, nos crimes internacionais
contra a humanidade e de guerra, as condutas de escravidão sexual e de prostituição forçada. Conjuntamente,
a Convenção Interamericana, no mesmo ano, conceituou o tráfico internacional de pessoas com menos de 18
anos, com meios ilícitos e para propósitos ilícitos, enumerados na própria Convenção. Nesse contexto global,
a Assembleia Geral da ONU buscou elaborar uma convenção internacional contra a criminalidade organizada
transnacional e, então, buscar a criação de instrumento que tratasse de todos os aspectos possíveis relativos
ao tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças. O resultado foi a aprovação do Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Palermo, 2000),
comumente conhecido como Protocolo de Palermo. Esse instrumento trouxe, em seu art. 3º, a definição de
tráfico de pessoas para fins de exploração. É de demasiada importância relembrar que, quando se trata de
crianças e adolescentes (menores de 18 anos), o consentimento é irrelevante para a configuração de tal crime,
diferente no caso de adultos, em que a averiguação de possível consentimento pode gerar uma possível
exclusão de imputação do crime. Ela Wiecko defende a validade do consentimento, afirmando inclusive que
sua desconsideração, no caso da vítima mulher, poder reforçar a discriminação de gênero. Isto porque haveria
desconsideração da liberdade individual da mulher, capaz de tomar suas próprias decisões. Considerando os
instrumentos internacionais previstos até a edição do Protocolo de Palermo, é possível perceber a evolução
histórica e desenvolvimentista que a abordagem de tal tema sofreu. Comparativamente, no que tange aos
objetos de proteção, inicialmente abarcava apenas as mulheres brancas e, em seguida, as mulheres e crianças,
atualmente a proteção abarca todos os seres humanos, com especial preocupação às mulheres e crianças.
Ainda, comparativamente, é importante observar a abordagem acerca da finalidade do tráfico. Até 1949
visava-se coibir o tráfico para fins de prostituição, só então passou a abarcar todos os propósitos ilícitos com
fins de exploração, compreendendo a prostituição, a exploração sexual, a servidão e inúmeras outras. Lei nº
13.344, de 2016. Importante alteração legislativa brasileira ocorreu com o advento da Lei nº 13.344/2016. Os
arts. 13 e 16 dessa lei alteraram o Código Penal Brasileiro, inserindo o art. 149-A, citado a seguir, sob a
tipificação “Tráfico de Pessoas”, ademais, foram revogados os arts. 231 e 231-A que tratavam de tal crime
anteriormente. Dispõe a lei: Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou
acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I – remover-
lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III –
submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV – adoção ilegal; ou V – exploração sexual. Pena – reclusão, de 4
(quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se: I – o crime for cometido
por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; II – o crime for cometido
contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; III – o agente se prevalecer de relações de
parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de
superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou IV – a vítima do tráfico de
pessoas for retirada do território nacional. § 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário
e não integrar organização criminosa. Refletindo sobre tal artigo, trata-se de um tipo de ação múltipla, de
conteúdo variado ou misto alternativo, dispondo de diversos núcleos verbais, que devem ocorrer, mediante
grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, como se observa no texto legal. O crime é comum, sendo
que em determinadas situações, a especial condição do sujeito ativo ou passivo é motivo para aumento de
pena. Há dolo específico, no que tange às finalidades dispostas nos incisos, e não há modalidade culposa. Por
fim, observa-se que a pena é mais gravosa que a prevista na legislação anterior. Dessa forma, o Brasil
finalmente adequa-se à legislação internacional, em especial ao Protocolo de Palermo, ratificado pelo país e
promulgado pelo Decreto nº 5.017/2004, pois, até então, o crime era tipificado apenas para fins de exploração
sexual. Com a edição da nova lei, o Brasil estabelece mecanismos de prevenção e repressão do tráfico de
pessoas, em consonância com o instrumento internacional, passando a punir outras formas de exploração, um
inegável avanço. OBS: Prova objetiva do 29º. Questão 99. Em relação ao tipo penal do tráfico de pessoas,
assinale a assertiva correta: a) o consentimento válido para o exercício da prostituição não exclui o crime

222
(errada); b) a pena cominada absorve a violência utilizada para agenciar, aliciar, recrutar, transportar,
transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa; c) a Lei n. 13.344, de 2016, ao revogar o art. 231 do CP, repetiu
os termos do conceito de tráfico de pessoas, presente no Protocolo Adicional à Convenção de Palermo
(errada); d) a pena é reduzida se o agente for primário e não integrar associação criminosa (errada).

Tráfico de armas. A Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo,
Munições, Explosivos e outros Materiais Correlatos, promulgada pelo Decreto 3229/99, trata da repressão ao
tráfico de armas, com objetivo também de fomentar a cooperação entre os países. O art. I traz algumas
definições, saltando a importância do que é considerado fabricação ilícita (com componentes ou peças
ilicitamente traficados; ou sem licença de uma autoridade governamental competente do Estado Parte onde
se realizar a fabricação ou montagem; ou quando as armas de fogo para as quais se requeira marcação não
forem marcadas no momento de fabricação), para fins de abrangência da convenção em análise. O tráfico
ilícito, por sua vez, relaciona-se com a existência de autorização dos países que exportarão ou importarão as
armas, munições e demais artefatos objeto de controle. O compromisso internacional foi cumprido com a
edição do Estatuto do Desarmamento. Deste modo, o tráfico internacional de armas de fogo foi tratado pelo
diploma n. 10.826/03, especificamente no art. 18. Antes desta previsão, a conduta de traficar armas era
enquadrada no tipo de contrabando. Os tipos são de perigo abstrato. Ainda no contexto internacional, foi
concluído, no âmbito da ONU, o Tratado sobre Comércio de Armas. Em dezembro de 2014, o tratado entrou
em vigor, após a ratificação de 50 países. Em junho de 2018, o Presidente Temer ratificou o
tratado. O instrumento ainda precisa ser promulgado e ratificado para entrar em vigor no Brasil. O Tratado de
Comércio de Armas das Nações Unidas é o primeiro acordo multilateral juridicamente
vinculativo que proíbe os estados de exportar armas convencionais a países quando sabem que essas
armas serão usadas para genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra.

Terrorismo. Embora o uso sistemático do terror como estratégia de ação remonte à antiguidade, sua estreia
na agenda internacional deveu-se a atentados protagonizados por movimentos separatistas, revolucionários,
genocidas e supremacistas nas décadas de 1970 a 1990. Nas palavras de Brian Jenkins, nascia aí o terrorismo
transnacional, em que “os terroristas cruzam fronteiras para atacar, escolhem alvos por suas conexões com
Estados e desviam aviões para outros países”. A manhã de 11 de setembro de 2001 mudaria para sempre esse
cenário. Nenhuma iniciativa com tamanha envergadura simbólica, operacional e letal ocorrera até então, nem
tivera tamanho êxito na difusão de pânico generalizado. A ocasião também trouxe à tona os riscos à segurança
inerentes aos avanços da pós-modernidade, como a instantaneidade dos meios de comunicação, locomoção
e movimentação financeira, a dependência digital e o acesso a armas de destruição em massa. Nos anos que
se seguiram, os atentados em Madri, Londres e Paris, entre tantos que se espalharam mundo afora,
consolidariam a percepção de que o terrorismo representa a maior ameaça à segurança do século XXI. O terror
faz aflorar o pior do ser humano. Seu poder corrosivo independe do investimento realizado e, às vezes, instala-
se sem que tenha havido qualquer ato voluntário: um veículo errante em uma aglomeração urbana pode
bastar para colocar em xeque garantias e avanços humanísticos conquistados ao longo de décadas. Entre 1963
e 2001, por meio de sua Assembleia Geral e da Organização da Associação Civil Internacional, da Organização
Marítima Internacional e da Agência Internacional de Energia Atômica, a ONU patrocinou a celebração de
vários tratados contra atos de força considerados, “independentemente da justiça da causa”, ilegítimos. É o
caso da tomada de reféns, do apoderamento ilícito de aeronaves, da sabotagem a equipamentos de controle
do tráfego aéreo e marítimo, do incêndio de plataformas de petróleo, do manejo de explosivos plásticos, da
agressão a dignitários estrangeiros ou a membros do corpo diplomático, do uso de armas químicas e do
financiamento ao terrorismo. Após o World Trade Center, recrudesceram não apenas as frentes de ação das
Nações Unidas, a exemplo da criação de comitês temáticos, do aparelhamento da UNODC para conduzir a
Estratégia Global Antiterrorismo e, sobretudo, da edição de resoluções obrigatórias pelo Conselho de
Segurança, como o rol de atores globais engajados na luta contra o terror. Após o 11 de setembro, o Conselho
de Segurança estabeleceu seu Comitê Antiterrorismo. Entre diversas funções, o Comitê monitora a
implementação das resoluções 1373 (2001) e 1624 (2005). A Resolução 1373 objetiva impedir o
financiamento do terrorismo, criminalizar a coleta de fundos para este fim e congelar imediatamente os bens
financeiros dos terroristas. Ele também estabeleceu um Comitê de Contraterrorismo para supervisionar a

223
implementação da resolução. É norma de soft law, com efeitos nada soft. Além disso, a resolução determina
que os Estado não devem conceder condição de refugiado aos terroristas, com repercussão na Convenção
Interamericana contra o Terrorismo. Os trágicos acontecimentos de 11 de setembro também revelaram o
perigo potencial das armas de destruição em massa nas mãos de agentes não-estatais. O ataque poderia ter
sido ainda mais devastador se os terroristas tivessem acesso a armas químicas, biológicas e nucleares.
Refletindo estas preocupações, a Assembleia Geral adotou, em 2002, a Resolução 57/83, primeiro texto
contendo medidas para impedir terroristas de conseguirem tais armas e seus meios de lançamento.
Posteriormente, a Assembleia adotou a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo
Nuclear, aberta para assinatura em 2005. O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC),
localizado em Viena (Áustria), conduz o esforço internacional para combater o tráfico de drogas, o crime
organizado e o terrorismo internacional. Ele analisa novas tendências da criminalidade e da justiça, desenvolve
bancos de dados, divulga pesquisas globais, reúne e divulga informações, faz avaliações sobre as necessidades
específicas de cada país e medidas de alerta sobre, por exemplo, o aumento do terrorismo. Em 2002, o UNODC
lançou seu Projeto Global contra o Terrorismo com a provisão de assistência técnica e jurídica aos países para
tornarem-se parte e implementarem os 12 instrumentos contra o terrorismo. Em 2003, o UNODC expandiu
suas atividades de cooperação técnica para fortalecer o regime legal contra o terrorismo. O UNODC também
colabora com a Força-Tarefa de Implementação do Contraterrorismo (CTITF), estabelecida pelo secretário-
geral em 2005 para melhorar a coordenação e coerência com os esforços de combate ao terrorismo do sistema
ONU. Na esfera jurídica, a ONU e seus órgãos – como a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), a
Organização Marítima Internacional (OMI) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) –
desenvolveram uma rede de acordos internacionais que constituem os instrumentos básicos legais contra o
terrorismo. Estes instrumentos incluem convenções sobre crimes cometidos a bordo de aeronaves;
apoderamento ilícito de aeronaves; atos contra a segurança de civis; crimes contra pessoas protegidas
internacionalmente, incluindo diplomáticos; proteção física dos materiais nucleares; e a marcação de
explosivos plásticos para fins de detecção. Além disso, eles incluem protocolos sobre atos de violência em
aeroportos da aviação civil internacional, e sobre os atos contra a segurança de plataformas fixas localizadas
no continente. A Assembleia Geral também concluiu as cinco convenções seguintes: Convenção Internacional
contra a Tomada de Reféns; Convenção sobre a Segurança das Nações Unidas e Pessoal Associado; Convenção
Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas; Convenção Internacional para a Supressão do
Financiamento do Terrorismo; e a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear.
Com a entrada em vigor da Lei nº 13.260/2016, o terrorismo e seu financiamento passaram a ser crimes na
legislação brasileira, o que torna ainda mais importante conhecer e difundir os tratados nessa matéria, para
que o Ministério Público Federal e outros órgãos do Sistema de Justiça Criminal estejam prontos, ao menos no
plano legislativo, para reagir a esta que é a mais grave ameaça deste século.

Escravidão. O termo "escravidão" é tradicionalmente compreendido como submissão de um indivíduo a outro.


A Convenção de Genebra sobre a Escravatura, de 1926, define escravidão como "estado ou condição de um
indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade". Nos dias
atuais, porém, não mais sendo permitida a submissão por meio da propriedade, persiste a escravidão mediante
métodos de coação mais complexos. Como consequência, entende-se por trabalho escravo uma complexidade
de situações, todas atingindo, de algum modo, a liberdade. Trata-se, segundo a nomenclatura internacional,
de trabalho forçado. A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, define o
trabalho forçado como "todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade
e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade". Ambas as convenções representaram intervenções
pontuais importantes para inibir o trabalho forçado e o trabalho escravo contemporâneo. Em 1948, foi firmada
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que em seu art. 4º estabelece: "Ninguém será mantido
em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos”. Em
1956, foi assinada a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das
Instituições e Práticas Análogas à Escravatura da ONU. A convenção estabeleceu definições sobre escravidão,
servidão e tráfico de escravos conforme segue: “Artigo 7º Para os fins da presente Convenção: §1.
"Escravidão", tal como foi definida na Convenção sobre a Escravidão de 1926, é o estado ou a condição de um
indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e "escravo"

224
é o indivíduo em tal estado ou condição. §2. "Pessoa de condição servil" é a que se encontra no estado ou
condição que resulta de alguma das instituições ou práticas mencionadas no artigo primeiro da presente
Convenção. §3. "Tráfico de escravos" significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma
pessoa com a intenção de escravizá-la; todo ato de aquisição de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo
ato de cessão, por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em
geral, todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado.” Em
1957, adveio a Convenção nº 105 da OIT, tratando sobre a abolição do trabalho forçado e definindo que essa
espécie de labor jamais poderia ser utilizada para os fins de desenvolvimento econômico, instrumento de
educação política, discriminação, ou mesmo disciplinamento e punição por greves. Finalmente, em 1969, com
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, foram estabelecidos orientações a serem implementadas
pelos Estados signatários no combate à degradação humana, mediante a proibição da escravidão e da servidão.
Entretanto, apesar dessas intervenções da comunidade internacional, dados coletados pela OIT no período de
2005 a 2012 estimam que 20.9 milhões de pessoas são submetidas a regimes de trabalho forçado no mundo
(OIT, 2012). Meninas e mulheres representam a maior parte dessas estatísticas, aproximando-se de 55% do
total. Os tratados internacionais antes referidos, dos quais o Brasil é signatário, foram recepcionados em nosso
ordenamento, sendo consistentes com a Constituição Federal e o Código Penal, que em seu art. 149, com
redação conferida pela Lei n.º 10.803/2003, descreve a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de
escravo. A nova redação é fruto de atualização legislativa consistente com o prisma de direitos humanos
protegidos internacionalmente, representando um avanço na garantia de direitos fundamentais no Brasil, uma
vez que agora se protege, de modo mais amplo, a liberdade sob o aspecto ético-social, a própria dignidade do
indivíduo, também igualmente elevada ao nível de dogma constitucional. A técnica adotada levou à ampliação
da caracterização do trabalho em condição análoga à de escravo de modo a abarcar o trabalho forçado. Mesmo
após a modificação do art. 149, a liberdade não deixou de ser um de seus bens jurídicos tutelados. O que houve
foi a ampliação da tutela penal, que agora se assenta numa dupla perspectiva, incluindo também a dignidade
da pessoa humana. Nesse quadro, o bem jurídico liberdade continua a ter um papel fundamental, operando
para definir a hipótese do trabalho forçado. Por outro lado, comparando-se o trabalho forçado com o trabalho
degradante, fica evidente que este difere daquele por não ter como alvo direto a liberdade da vítima. O
trabalho degradante tem como tônica o ataque à dignidade do indivíduo e a outros direitos humanos. Caso
dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde contra a República Federativa do Brasil, julgado pela Corte
interamericana de Direitos Humanos em 2016. A decisão, ainda que tardia, tem grande relevância. Os
primeiros registros do caso datam de 1988, ano em que a Comissão Pastoral da Terra reportou o caso à Polícia
Federal. Houve denúncia do MPF em 1997, mas a punibilidade foi reconhecida extinta em razão da prescrição
pela Justiça Federal do Pará em 2008. Os fatos se enquadravam na tipificação de trabalho escravo
contemporâneo na modalidade trabalho escravo por dívidas. As vítimas foram aliciadas por terceiros e levadas
a outras cidades ou estados para exercer emprego. No entanto, uma vez transportadas, era lhes informado
que apenas teriam licença para sair do local assim que quitassem suas dívidas, incluindo despesas com
moradia, alimentação e materiais de trabalho. Havia também o elemento “coação”, de diversas formas, sendo
uma delas a presença de pessoas armadas no local de trabalho, ou o fato de o local ser de difícil acesso,
dificultando uma possível fuga ou o auxílio da comunidade. Além disso, verificou-se que, no trabalho escravo,
outras condutas ilícitas eram praticadas, como o cárcere privado, a violência física, lesões corporais e
irregularidades trabalhistas. A Corte IDH entendeu que o Estado brasileiro tinha o dever de assegurar proteção
aos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde e a obrigação de coibir a violação a seus direitos, e que, no entanto,
não agiu a tempo e modo para evitar as condutas ilícitas. Ademais, não responsabilizou os acusados, nem
reparou as vítimas. Assim, a Corte condenou o Brasil pelas infrações aos arts. 6.1 (proibição a escravidão ou a
servidão e ao tráfico de pessoas), 8.1 (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em prejuízo dos trabalhadores resgatados nos anos de 1997 e
2000. Com a decisão da Corte IDH, problemas que haviam sido encontrados no Caso da Fazenda Brasil Verde,
como a ocorrência da prescrição, foram superados, e pontos acerca da proibição da escravidão foram
reiterados, já que o trabalho escravo é considerado crime contra a humanidade.

20.ESTATUTO DO DESARMAMENTO.
20.1 Crimes previstos na Lei nº 10.826/2003. (13.b)

225
13B. Crimes previstos na Lei n. 10.826/2003.

Bruno Silva Domingos

1. Noções Gerais: Dois grandes grupos de armas são tutelados por duas autoridades administrativas diferentes.
Os armamentos de calibre permitido são regulamentados pela Polícia Federal, a qual utiliza o SINARM como
plataforma de controle. Por sua vez, os armamentos de calibre restrito são regulamentados pelo Exército
Brasileiro, através de seu Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), o qual utiliza a
plataforma SIGMA. A distinção entre estes regimes está estabelecida no Decreto 5123/2004 que regulamenta
o Estatuto do Desarmamento. Por sua vez, a regulamentação acerca de calibres restritos ou permitidos fora
estabelecida pelo R-105 que era anexo ao Decreto n. 3665/2000. Este diploma foi substituído pelo Decreto n.
9493/2018, mantidas em linhas gerais os mesmos conceitos.

Cumpre consignar que os conceitos de registro, transferência, aquisição e porte são distintos. A autorização
para aquisição viabiliza que a pessoa compre a arma no comércio, ou seja, adquira uma nova arma de fogo, a
qual ingressará em circulação. A aquisição, caso seja de armamento de calibre permitido, ocorrerá em loja
mediante autorização do DPF. Por sua vez, se se tratar de calibre restrito, deverá ocorrer a aquisição mediante
autorização do Comando do Exército, através da DFPC. A transferência regulariza a titularidade sobre a arma
de fogo, nas hipóteses em que uma pessoa vende a terceiro uma arma de fogo sob sua posse, ou seja, que já
está no mercado A autorização para aquisição ou para transferência não implica em automática e consequente
autorização para porte, cujo pedido deverá ser formalizado perante a PF e poderá ser deferido ou negado. O
registro da arma de fogo autoriza o proprietário a manter a arma exclusivamente no interior da residência, ou
dependência dessas, ou, ainda, no local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo
estabelecimento ou empresa. O porte confere a prerrogativa de portar arma fora de residência e local de
trabalho de que é titular. Ou seja, a pessoa poderá transitar em vias e logradouros públicos e privados com a
arma de fogo. A autorização de porte de arma de fogo, prevista no artigo 10, §2º, perderá automaticamente
sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de
substâncias químicas ou alucinógenas.

2. Crimes da Lei n. 10.826/03: O referido Estatuto visa a tutelar a segurança pública e a incolumidade pública.
Competência: O fato de haver o controle de armas pelo SINARM/SIGMA, órgãos federais (DPF e EB), não atrai
a competência da Justiça Federal para apreciar os delitos previstos no Estatuto, ainda que a arma seja de uso
restrito (STJ, CC 40393, 10/3/04) ou tiver sido armazenada em quartel, por militar, uma vez que não se cuida
de crime militar (STJ, CC 28251, 28/09/08). Assim, a competência será da Justiça Federal quando for constatado
que a infração foi praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União e suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, ou quando ocorrer outra hipótese prevista no art. 109. É o caso do delito
previsto no art. 18 do Estatuto (tráfico internacional de arma de fogo), que é crime que se inicia no território
nacional e tende à consumação no estrangeiro (ou vice-versa), tendo o Brasil assumido, no plano internacional,
o compromisso de reprimi-lo por meio da Convenção Interamericana de 1997 (decreto 3229/99) e também
por meio do Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico de Armas de fogo e componentes – complementando a
Convenção das NU contra o Crime Organizado, Decreto 5.941/06).

3. Posse irregular de arma de fogo de uso permitido – Art. 12: É crime comum na primeira parte. Na hipótese
de possuir ou manter arma, acessório (carregador, mira telescópica, silenciador, etc) ou munição no local de
trabalho é crime próprio, pois o tipo exige que o agente seja o titular ou responsável pelo estabelecimento ou
empresa. Sujeito passivo é o Estado. Consuma-se o crime no momento em que o agente tem a arma de fogo,
acessório ou munição sob sua disponibilidade. A doutrina é controversa sobre a possibilidade de tentativa
(Nucci admite). Classificação doutrinária: crime de perigo abstrato, doloso, de mera conduta.
Destaque: A abolitio criminis indireta ou descriminalização temporária incide sobre o crime do art. 12, seja de
uso permitido ou restrito, no período compreendido entre 23/12/2003 a 23/10/2005 (Súmula 513, STJ). Com
as prorrogações do termo final, a abolitio se estendeu até 31/12/2009, para possuidores de armamentos

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permitidos.

Jurisprudência correlata: caminhão não pode ser entendido como “lugar de trabalho”. Arma em caminhão será
porte ilegal (art. 14). Veículo é usado profissionalmente, mas não é endereço fixo, ou seja, não é lugar de
trabalho. (REsp 1.219.901-MG, 24/9/2012). Não há como se aplicar a causa especial de aumento de pena
prevista no art. 40, IV, da Lei n. 11.343/2006 em substituição à condenação pelo art. 16 da Lei n. 10.826/2003
quando verificado que o crime de tráfico de drogas e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
são autônomos (HC 154060, 26/11/2012). A mera ocorrência, em uma mesma circunstância, dos delitos de
porte ilegal de arma de fogo e contrabando não enseja a reunião dos processos, pois, na espécie dos autos, um
crime ou sua prova não é elementar do outro, não se vislumbrando a existência da relação de dependência
entre os delitos (24/10/2012 - CC 120630). O mesmo entendimento é aplicado ao caso de ocorrência
simultânea dos delitos de tráfico internacional de drogas e porte ilegal de arma (24/10/2012 - CC 121535). É
desnecessário que haja munição para a configuração do crime do 12 e do 14, sendo típica a conduta de porte
de arma ainda que desmuniciada. A arma de fogo representa um instrumento eficiente para alcançar objetivos
espúrios, uma vez que intimida, constrange, violenta, transformando-se, assim, em um risco objetivo à paz
social. É irrelevante aferir a eficácia da arma para a configuração do tipo penal, que é misto alternativo, em que
se consubstanciam, justamente, as condutas que o legislador entendeu por bem prevenir, seja ela o simples
porte de munição ou mesmo o porte de arma desmuniciada. 21/08/2012 - AgRg no REsp 1326383. Igualmente,
tem se entendido que a posse ou porte de munições é típico, ainda que desprovida de armamento. Em alguns
casos o STJ entendeu pela aplicação do princípio da insignificância, como no porte de 1 ou 2 munições isoladas.
(HC 453.108, Rel. Ministro Reynaldo Soares, DJe 10/08/2018; AgRg no HC 434.453/AL, Rel. Min. Sebastião Reis
Jr., DJe 21/05/2018).

4. Omissão de cautela – Art. 13: O sujeito ativo é o possuidor ou proprietário da arma de fogo, tanto faz se
legal ou ilegalmente. O sujeito passivo é a sociedade. Secundariamente, a integridade do menor, do deficiente
ou do prejudicado pelo emprego indevido da arma de fogo. Consuma-se com o efetivo apoderamento da arma
pelo inimputável. Inadmissível a tentativa por ser crime culposo. Classificação doutrinária: crime culposo,
praticado por negligência, omissivo próprio, de mera conduta, instantâneo e de perigo abstrato. Concurso de
crimes: arma ilegal na mão de menor – há concurso material de crimes (Guilherme Nucci). Crime do parágrafo
único: O delito do parágrafo único do artigo é crime próprio, pois somente podem ser sujeitos ativos os
proprietários ou diretores responsáveis de empresas de segurança e de transporte de valores; doloso, pois é
necessário que o agente tome conhecimento do fato e se omita no dever de comunicá-lo à Polícia Federal e
registrar a ocorrência (o registro e a comunicação podem ser feitos por prepostos). Trata-se de se de crime
omissivo próprio, logo não admite a tentativa. Não confundir esta figura penal com aquela do 242 do ECA que
consiste em entregar, fornecer ou vender arma, munição ou explosivo a criança ou adolescente.

5. Porte Ilegal de arma de fogo de uso permitido – Art. 14: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito
passivo é o Estado. Consuma-se quando o agente realiza um dos verbos (tipo misto alternativo). Em tese, é
possível a tentativa (em algumas condutas), embora seja difícil configurá-la, pois, de regra, o início de um ato
executório de uma conduta já configura a consumação de outra. Trata-se de crime doloso. Até a Lei 11.706/08,
o art. 25 exigia perícia na munição. Após esta lei, que mudou a 10.826, não é mais necessária perícia na
munição. Mas se o crime foi antes desta lei, tem que ter havido perícia (HC-97209). Portar ou ter em depósito
armas de uso permitido e restrito, no mesmo contexto fático, crime único, sem concurso formal. Contudo, a
pluralidade de armas ou munições deve ser valorada como circunstância judicial do art. 59 do CP.

6. Disparo de arma de fogo – Art. 15: É diferente do crime de periclitação da vida (art. 132 do CP), pois, nesse
crime, o disparo ocorre no interior de local habitado, colocando em risco pessoa certa e determinada. Já no
crime de disparo de arma de fogo, o disparo ocorre em local aberto, colocando em risco um número
indeterminado de pessoas. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado. Consumação
e tentativa: com o primeiro disparo da arma de fogo ou o acionamento da munição. A tentativa é cabível.
Classificação doutrinária: crime comum, de perigo abstrato, de mera conduta, doloso. Crime subsidiário: será
o crime do art. 15 se não houver finalidade da prática de outro (ex: tentativa de homicídio). Havendo outra

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finalidade, haverá consunção. A “outra finalidade” pode ser crime mais grave (ex: tentativa de homicídio) ou
menos grave (ex: ameaça). O crime de disparo de arma de fogo apenas absorve o delito de porte ilegal, se
esgotada a potencialidade lesiva. É possível o concurso material, especialmente se em contextos fáticos
distintos.

7. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito – Art. 16: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O
sujeito passivo é o Estado. Classificação doutrinária: crime comum, de perigo abstrato, e de mera conduta,
doloso, comissivo. Condutas equiparadas: descritas nos seis incisos do parágrafo único do artigo. Também cuida
de tipo misto alternativo na forma básica (caput) e em suas figuras análogas. Em tese, é possível a tentativa
(em algumas condutas), embora seja difícil configurá-la, pois, de regra, o início de um ato executório de uma
conduta já configura a consumação de outra. A diferenciação entre armas de calibre permitido e calibre restrito
está contida no Decreto n. 9493/2018, conforme apontado. Em armas curtas (revólveres e pistolas), qualquer
armamento que possua energia cinética superior a 407 joules é calibre restrito (9x19mm, .40 S&W, .45
ACP, .357 Magnum etc). Nas armas longas (de alma ou lisa) a energia deverá ser superior 1355 joules para ser
considerada de calibre restrito (.223 Remington, 5,56x45mm, 7,62x51mm, 7,62x39mm, .308 Winchester etc).

8. Comércio ilegal de arma de fogo – Art. 17: É necessário para a configuração do delito que haja prova da
permanência da atividade comercial, industrial ou prestação de serviços, já que a lei exige que seja “no
exercício”. Consuma-se com a prática de qualquer das condutas (tipo misto alternativo). Admite tentativa,
conquanto de difícil configuração em razão da pluralidade de núcleos de ação típica. É crime próprio, pois o
sujeito exige a condição de comerciante ou industrial, porém pode ser cometido ainda que em caráter informal
em razão de comércio clandestino em residência. É o crime que habitualmente é praticado pelos armeiros que
não detêm autorização específica da Polícia Federal para operar como tal. O sujeito passivo é o Estado. Há dolo
específico, qual seja, “em proveito próprio ou alheio”.

9. Tráfico internacional de arma de fogo – Art. 18: Trata-se de crime comum que pode ser praticado por
qualquer pessoa. Também cuida de tipo misto alternativo, sendo possível a tentativa. É crime especial em
relação aos tipos dos artigos 334 e 318 do CP. Por força do princípio da especialidade, se um funcionário público
favorecer a entrada ou saída de arma de fogo, acessório ou munição deverá responder pelo tipo do Estatuto
do Desarmamento, não se lhe aplicando o artigo 318, CP. Se houver motivação política, poderá ocorrer o crime
do art. 12 da Lei de Segurança Nacional. Não se exige habitualidade, bastando a prática de uma das condutas
para a sua consumação. É crime de mera conduta, não prevendo resultado naturalístico. Neste sentido veja-se
o RESP 392567/PR, Rel. Min. Félix Fischer, DJe 28/04/2017 e o RHC 73.377, Rel. Min. José Ilan Paciornik. DJe
14/11/2016. A doutrina aponta discussão acerca da incidência do crime quanto a peças de reposição de armas
que não são acessórios. Baltazar entende que é atípica a conduta que tenha por objeto peças de reposição,
que não são, propriamente, acessórios, sendo necessário, aqui aperfeiçoar o tipo legal, para incluir,
expressamente, as peças ou partes de armas no objeto destes e dos demais delitos.

10. Jurisprudência correlata aos crimes da Lei n. 10826/2003: 1. O STF julgou a ADI 3112 que tratava do
Estatuto do Desarmamento. O STF entendeu serem inconstitucionais os preceitos que vedavam a concessão
de fiança para as figuras penais dos art. 14 e 15 da Lei n. 10826/2003. Consoante, declarou a
inconstitucionalidade do dispositivo que impedia a concessão de liberdade provisória para as figuras penais
dos art. 16, 17 e 18 do Estatuto. 2. Para fins de condenação por crime de posse ou porte, não é necessário que
a arma seja apreendida e periciada para comprovação da potencialidade lesiva, pois os crimes dos arts. 12, 14
e 16 são crimes de perigo abstrato. Contudo, se a perícia fora realizada e o laudo constatar que a arma não
tinha nenhuma condição de efetuar disparos, não haverá crime, pois o instrumento sequer poderia ser
enquadrado no conceito técnico de arma de fogo (STJ, Info 544, 2014). 3. Pratica o crime do art. 14 o praticante
de tiro desportivo que transporta, municiada, a arma de uso permitido em desacordo com os termos de sua
guia de tráfego, a qual autorizava apenas o transporte da arma desmuniciada (STJ, Info 540, 2014). 4. Mesmo
que o indivíduo possua autorização para portar armas de fogo por conta do cargo que ocupa (ex.: policial civil),
ele deverá obedecer à legislação que rege o tema e fazer o registro da arma no órgão competente. No caso de
armas de uso restrito, o registro deve ser feito no Comando do Exército (art. 3º, parágrafo único) (STF, Info 709,

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2014). 5. O crime de porte não será absorvido se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente a
arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão
somente para praticar o assassinato. Se, contudo, não houver provas de que o réu já portava a arma antes do
homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima, aplica-se o princípio da
consunção. STF. 1ª Turma. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado
em 24/2/2015 (Info 775).

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