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BELO HORIZONTE – MG
2016
1
IGOR CAMPOS VIANA
BELO HORIZONTE – MG
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Direito e Ciências do Estado
____________________________________________________
Prof. Dr. Rodolfo Viana Pereira
Orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Andityas Soares de Moura Costa Matos
____________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
BELO HORIZONTE – MG
2016
Para Jéssica, a flor de jabuticaba mais bela.
O que quer dizer
Paulo Leminski
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
1 REVISITANDO O MARCO TEÓRICO 9
2 MÉTODO 17
3 NASCEDOURO: O JUNHO BRASILEIRO 20
4 PRINCÍPIOS FUNDANTES DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL 23
4.1 PRINCÍPIO DA CONSTRUÇÃO POPULAR DIRETA 24
4.2 PRINCÍPIO DA HORIZONTALIDADE 26
5 A ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL NA PRÁTICA 30
5.1 PRIMEIRA SESSÃO 30
5.2 SEGUNDA SESSÃO 33
5.3 TERCEIRA SESSÃO 35
5.4 QUARTA SESSÃO 35
5.5 OCUPAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL 36
5.6 REUNIÃO COM O GOVERNADOR ANASTASIA E DEMAIS AÇÕES 39
CONCLUSÃO: SERÁ A APH DE FATO PROFANADORA? 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44
APÊNDICE 48
ANEXO I 58
ANEXO II 59
A EXPERIÊNCIA DA ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL EM BELO
HORIZONTE: SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO COMUM DA
POLÍTICA1
INTRODUÇÃO
1
A presente monografia é resultado de releituras, práticas e adequações desenvolvidas a partir da
pesquisa realizada no âmbito do Programa de Iniciação Científica Voluntária da UFMG sob a orientação
do Professor Dr. Rodolfo Viana Pereira, durante o período de fevereiro de 2014 a janeiro de 2015,
intitulada “A Experiência da Assembleia Popular Horizontal em Belo Horizonte ”.
7
atinge níveis alarmantes. Grande parte da população vive à margem desse sistema
político posto e não se vê representada pelo aparato institucional do poder, talvez
porque a própria lógica da representação não lhe diga respeito. Vivemos o tempo da
democracia direta do capital, as decisões políticas tornaram-se reféns dos mandos e
desmandos do poder econômico e a democracia liberal sobrevive por quanto o
capitalismo global puder dela servir-se (SANTOS, 2013).
Nesse contexto, os movimentos de junho demonstram um forte caráter
instituinte. As respostas governamentais tais como: fóruns de deliberação de políticas
públicas, conselhos municipais e orçamento participativo, todas baseadas em uma
lógica de controle enquanto elemento justificador da democracia e fundante da
constituição moderna (PEREIRA, 2010, pp. 5 -36)2, não mais dão conta de suprir as
necessidades destes novos movimentos populares. Faz-se necessário pensar processos
realmente autônomos e autogestacionais de construção do poder e é exatamente neste
cenário que surge em Belo Horizonte a Assembleia Popular Horizontal (APH).
Talvez um dos maiores legados das manifestações de junho para a capital
mineira tenha sido o surgimento desse espaço de encontro e articulação dos indivíduos e
coletivos entorno das pautas públicas da cidade. A APH constitui-se um espaço e não
um movimento que tenha pautas pré-definidas, assim, a semântica desse locus político
encontra-se em constante disputa. As falas de dois de seus integrantes, que serão agora
apresentadas, representam de forma clara esta disputa de horizontes de sentidos que se
desenvolveu no seio da assembleia desde o seu início, servindo, portanto, de eixo de
análise para todo o trabalho:
2
Em seu livro Direito constitucional democrático: controle e participação como elementos fundantes e
garantidores da constitucionalidade, o professor Rodolfo Viana Pereira nos apresenta uma complexa
teoria de fundamentação e reinterpretação do controle enquanto elemento legitimador da democracia
constitucional, senão vejamos: “Em síntese, pode-se afirmar que a função democrática de legitimação
realiza-se, sobretudo, através do controle constitucional em sua dimensão fundante, ou seja, enquanto
sistema que tem por objetivo controlar as condições de existência normativa de uma determinada
comunidade política através da criação de procedimentos e regras habilitadoras da gestão e da tomada de
decisão em assuntos de relevância pública. Por outro lado, nota-se que a função democrática de controle
afirma-se, nomeadamente, através da reposição de sua compatibilidade normativa em face de tais
procedimentos e regras habilitadoras”. (PEREIRA, 2010, pp. 33)
8
Fala 2: É um espaço de exercício da democracia (...) a partir da
participação na APH nós aprendemos a intervir melhor junto à
Câmara de Vereadores, Deputados, a questionar melhor o papel do
executivo e as suas normas, então esse é um exercício fundamental.
(ALCÂNTARA, 2014)
Da mesma forma que a religio não mais observada, mas jogada, abre
a porta para o uso, assim também as potências da economia, do
direito e da política, desativadas em jogo, tornam-se a porta de uma
nova felicidade. (Giorgio Agamben)
3
A presente monografia apresenta de forma concisa seu marco teórico enquanto verdadeira lente de
leitura dos fenômenos sociais observados. Ressalta-se que não se desconsidera as diversas possibilidades
teóricas distintas de leitura, nem as inter-relações existentes entre o presente marco teórico e as diferentes
chaves de leitura possíveis. Entretanto, delimita-se, diante à vasta literatura existente, a análise das
profanações enquanto aparato teórico interessante para o objetivo do trabalho e sua relação com as
compreensões do “estado de exceção” e do “Estado Democrático de Direito” subjacentes às diversas falas
dos integrantes da APH. Buscou-se recorrer às fontes originais dos pensamentos, o que por sua própria
complexidade nos exigiu diversas citações diretas para trabalharmos de modo fidedigno as ideias dos
autores, que ao longo da monografia são recuperadas e reconstruídas na análise dos casos concretos.
9
Através da profanação pode se resistir a tudo, inventar uma nova política, uma nova
economia, um novo direito, enfim uma nova comunidade.
Agamben resgata a ideia romana sobre a profanação, profanar seria restituir o
que antes tornou-se sagrado para o uso comum. Sagrado era quilo que pertencia aos
deuses, ou seja, era separado do livre uso dos homens. A religião por meio de seus
rituais de consagração – sacrifícios - separava, subtraia do uso comum os objetos,
animais, lugares e pessoas, transferindo-os para a esfera do sagrado. Entretanto, o
caminho inverso também era possível, uma das formas mais comuns era o “contágio
profano”, o próprio ato de tocar a coisa sagrada era capaz de resgatá-la ao uso comum.
Dessa forma, Agamben busca o conceito de religio não em religare, mas em
relegere, a religião não se baseia na ligação entre o humano e o divino, mas justamente
na manutenção de sua separação. Por isso que para o jusfilósofo italiano o que se opõe à
religião não seria a incredulidade, mas sim a “negligência”, que seria “uma atitude livre
e distraída – ou seja, desvinculada da religio das normas – diante das coisas e do seu
uso, diante das formas de separação e de seu significado. ” (AGAMBEN, 2007, p. 66).
Assim, profanar é antes de tudo negligenciar o que está posto, não o esquecendo, mas
dando-lhe um novo sentido, um novo uso.
A paródia e o jogo seriam duas formas possíveis de profanação, pois eles
podem conceder à coisa um uso completamente incongruente com o seu uso sagrado,
seja por meio de um novo mito (narrativa sagrada) ou de um novo rito (concretização da
narrativa), quebrando a unidade do sagrado. A criança que brinca com um objeto
sagrado – das mais diversas esferas, seja religiosa, política ou econômica - negligencia a
sua sacralidade concedendo-lhe um novo uso, um uso de potencialidade profana,
transformando-lhe em brinquedo. Assim como o gato que brinca com um novelo de lã
como se um rato fosse, utiliza-se de suas habilidades predatórias para um novo fim, sua
recreação. Dessa forma, concluímos que tanto uma nova ação pode ressignificar um
objeto sacralizado, como um novo objeto pode ressignificar uma ação sacralizada.
Andityas Matos, importante interlocutor de Giorgio Agamben no campo da Filosofia do
Direito no Brasil, em seu livro Filosofia radical e utopia: inapropriabilidade, an-
arquia, a-nomia, também nos chama a atenção para a feição lúdica da profanação:
10
originária do sentido, assumindo sua feição contrafática e até mesmo
lúdica. Para exemplificar tal projeto, pode-se evocar a ideia de
profanação do direito proposta por Agamben. Profanar significa retirar
da esfera do sagrado aquilo que lá foi abandonado, reintegrá-lo ao
mundo dos gestos humanos para que, no caso do direito, a violência
fundadora não se converta – como hoje acontece de maneira imediata
– em violência fundamental. Um direito desativado de sua função
violenta, entregue ao gesto, sobrevivente na dimensão do jogo ou do
estudo – como no Novo Advogado (De Neue Advokat) de Kafka -, é
um direito pronto para assumir sua tarefa revolucionária,
reconvertendo – sempre de maneira precária – dever-ser em ser, ideal
em real, jamais o contrário. (MATOS, 2014, pp. 36-37)
11
procedimentalista do Estado Democrático de Direito (HABERMAS, 1998, pp. 469-
532).
Giorgio Agamben inicia o primeiro capítulo do seu livro Estado de Exceção,
publicado originalmente em 2003, recuperando as discussões existentes sobre o
paradigma da exceção no direito moderno. Ocupante de um incômodo e instável lugar
entre uma questão jurídica e uma questão de fato, a exceção apresenta-se como a “forma
legal daquilo que não pode ter forma legal” (AGAMBEN, 2004, p. 12), pois não pode
ser compreendido meramente no plano do direito. Este seria um instituto que guarda
uma estreita relação com a guerra civil, a insurreição e a resistência como pôde-se
observar ao longo da história. Agamben chama a atenção para alguns exemplos neste
capítulo: o Decreto para a proteção do povo e do Estado de 28 de fevereiro de 1933
que suspendia garantias fundamentais do cidadão na Constituição de Weimar para
assegurar a segurança do povo alemão contra a ameaça comunista, permanecendo em
vigor pelos 12 anos do Terceiro Reich; a promulgação da “military order” em 13 de
novembro de 2001 nos Estados Unidos; o “USA Patriot Act”4 de 26 de outubro de 2001
e a própria manutenção de Guantánamo, exemplos claros de suspensões das garantias
fundamentais dos indivíduos, justificadas pela ideia da segurança nacional, são
demonstrações de como a exceção – no limiar entre democracia e absolutismo – vem
tornando-se uma técnica contemporânea de governo. Conforme o próprio autor:
4
Substituído em 2 de junho de 2015 pelo USA Freedom Act.
12
indeterminassem. A exceção caracteriza-se pela suspensão da norma e instauração de
uma zona de anomia, o que não significa abolição da norma, nem a destituição de
qualquer relação com a ordem jurídica, tratando-se, pois, de uma questão de limites do
próprio ordenamento jurídico. O autor retomará esta ideia da zona de
indeterminabilidade5 na discussão do espaço ocupado pela ideia da necessidade no
direito:
Por fim, Agamben conclui o seu capítulo sobre “O estado de exceção como
paradigma de governo” discordando da ideia de que o estado exceção ou necessidade
significasse uma lacuna normativa, ou seja, interna ao próprio ordenamento jurídico.
Pelo contrário, o autor defende a ideia de uma “abertura de lacuna fictícia” que não diz
respeito à lei, mas à sua possibilidade de aplicação, ou seja, à sua relação com a
realidade, apresentando-se como possibilidade de salvaguardar a existência da norma e
de sua aplicabilidade nas situações de normalidade. Seria uma “fratura essencial” ao
direito que existe justamente para garantir sua perenidade. Entre o estabelecimento da
norma e sua aplicação encontra-se o estado de exceção, área de suspenção da aplicação,
mas de manutenção da lei enquanto norma em vigor.
5
Importante ressaltar que o autor também retoma esta ideia de indeterminabilidade ao final do livro
através dos conceitos de auctoritas (elemento anômico e metajurídico que remete às prerrogativas do
Senado Romano no direito público e à propriedade do auctor no direito privado) e potestas (elemento
normativo e jurídico em sentido estrito que remete ao poder juridicamente regulamentado dos
magistrados e do povo). Partindo da concepção de que o sistema jurídico do ocidente é estruturado por
esses dois elementos, o autor nos diz que “O Estado de Exceção é o dispositivo que deve, em última
instância, articular e manter juntos os dois aspectos da máquina jurídico-política, instituindo umlimiar de
indecidibilidade entre anomia e nomos, entre vida e direito, entre autorictas e postesta. ” (AGAMBEN,
2004, p. 130)
13
Já Jürgen Habermas parte de uma compreensão completamente distinta da
função do Direito para construir sua teoria do paradigma procedimentalista do Estado
Democrático de Direito. Em seu livro Direito e democracia: entre facticidade e
validade, publicado originalmente em 1992, Habermas sustenta a tese de que o direito
se torna um importante medium de legitimação do poder na modernidade. A sociedade
moderna passa por um processo de secularização das suas estruturas estatais e de
refundação da legitimidade do poder, antes residente na tradição, no sagrado e na
autoridade, passa a residir em um direito que seja radicalmente democrático. Partindo
de uma compreensão pós-metafísica, o autor defende uma legitimidade do poder
discursivamente construída de forma inter-relacional e que respeita a perspectiva dos
agentes diretamente inseridos na dinâmica de produção da sua própria normatividade.
No capítulo sobre os “Paradigmas do Direito”, Habermas recupera a
compreensão da lógica de produção do direito que não se encerra no locus estatal, mas
possui uma intensa relação de comunicação entre as esferas pública e privada,
alimentando-se das comunicações de uma esfera pública política “não transmitida por
herança e enraizada nos núcleos privados do mundo da vida através de instituições da
sociedade civil” (HABERMAS, 2003, p. 146). A esfera pública não mais é
compreendida com espaço exclusivo do Estado, mas sim como um amplo espaço social
de construção política que se relaciona dinamicamente com a esfera privada, que
também não mais é compreendida enquanto espaço exclusivo da família e do mercado,
mas como um amplo espaço de organização da sociedade civil em suas mais diversas
facetas, movimentos e associações (CATTONI DE OLIVEIRA, 2014, pp. 34-38).
Assim, cabe ao direito criar procedimentos democráticos de institucionalização da
formação da vontade e da opinião dos atores sociais através das várias formas de
comunicação, considerando o igual respeito e consideração entre os participantes como
nos ensina Habermas:
14
direito, ou seja, em síntese: sua racionalidade resulta do tratamento
igual das pessoas jurídicas protegidas em sua integridade. Essa
consequência se expressa juridicamente através da exigência de
igualdade de tratamento, a qual inclui a igualdade de aplicação do
direito, isto é, a igualdade das pessoas perante a lei; mas equivale
também ao princípio amplo da igualdade do conteúdo do direito,
segundo a qual aquilo que é igual sob aspectos relevantes deve ser
tratado de modo igual e aquilo que não é igual deve ser tratado de
modo não-igual. Por isso Alexy interpreta a proposição da igualdade
no sentido de uma regra do peso da argumentação (para discursos de
fundamentação e de aplicação). Os argumentos ou são por si mesmo
de natureza normativa ou se apoiam noutros argumentos normativos.
Eles podem ser tidos como bons argumentos ou como argumentos
“que possuem peso”, quando “contam” entre as condições do discurso
e são aceitáveis em última instância, pelo público dos cidadãos
enquanto autores da ordem jurídica. O direito legítimo fecha, pois, o
círculo entre autonomia pública dos cidadãos, os quais têm que decidir
(em última instância) e enquanto autores da ordem jurídica, iguais em
direito, sobre os critérios de igualdade de tratamento. (HABERMAS,
2003, pp. 153-154)
15
participantes da prática de auto-organização de uma sociedade de
parceiros do direito, livres e iguais, têm que pressupor implicitamente.
A ideia de uma sociedade justa implica a promessa de emancipação e
de dignidade humana. Pois o aspecto distributivo da igualdade de
status e de tratamento, garantido pelo direito, resulta do sentido
universalista do direito, que deve garantir a liberdade e a integridade
de cada um. Por isso, na sua respectiva comunidade jurídica, ninguém
é livre enquanto a sua liberdade implicar a opressão do outro. Pois a
distribuição simétrica dos direitos resulta do reconhecimento de todos
como membros livres e iguais. Esse aspecto do respeito igual alimenta
a pretensão dos sujeitos a iguais direitos. O erro do paradigma jurídico
liberal consiste em reduzir a justiça a uma distribuição igual de
direitos, isto é, em assimilar direitos a bens que podem ser possuídos e
distribuídos. No entanto, os direitos não são bens coletivos
consumíveis comunitariamente, pois só podemos “gozá-los”
exercitando-os. Ao passo que a autodeterminação individual constitui-
se através do exercício de direitos que se deduzem de normas
produzidas legitimamente. Por isso a distribuição equitativa de
direitos subjetivos não pode ser dissociada da autonomia pública dos
cidadãos, a ser exercitada em comum, na medida em que participam
da prática de legislação. (HABERMAS, 2003, p. 159)
2 MÉTODO
6
Entidade representativa do corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Fundada em 1908, possui uma história de intensa participação na construção política do país,
destacando-se na campanha o “Petróleo é Nosso” e na luta contra a ditadura empresarial-militar no Brasil.
18
a) a existência de um problema coletivo (de uma instituição,
associação, empresa, comunidade, etc.); b) o envolvimento solidário e
dialógico de todos os participantes; c) a participação na investigação
como sujeitos e não só como informantes (GUSTIN e DIAS, 2013, p.
90).
7
http://aph-bh.wikidot.com/. Acesso em 04/07/2016.
19
semântica pessoal da APH nas narrativas de alguns de seus integrantes mais antigos. Os
três entrevistados foram selecionados pelo critério objetivo de estarem presentes desde a
primeira reunião da APH e pelo critério subjetivo da observação daqueles que eram os
integrantes mais envolvidos na construção do espaço. Todos entrevistados foram
informados dos objetivos da pesquisa e consentiram em fornecer seus relatos. Após a
transcrição dos áudios, as entrevistas redigidas foram enviadas aos entrevistados, que
consentiram expressamente com sua publicação, ressaltando que um deles solicitou a
utilização de um codinome.
As entrevistas foram realizadas no dia 17/06/2014 em Belo Horizonte durante a
manifestação contra a Copa do Mundo convocada pela Assembleia Popular Horizontal
na Savassi, momento em que ocorria o jogo entre as seleções da Bélgica e Argélia no
Mineirão. As três perguntas básicas da entrevista foram: 1) O que é a Assembleia
Popular Horizontal (APH)? 2) Quando surgiu a ideia de organizar uma APH em Belo
Horizonte? 3) Como a APH continuou os trabalhos após as manifestações de junho de
2013?. Outras perguntas ocorreram ao longo de cada entrevista conforme as respostas
dos entrevistados e as instigações que surgiam no pesquisador. Vale notar que as
entrevistas semiestruturadas também trouxeram o elemento da análise intersubjetiva
para o artigo, uma vez que as narrativas coletadas foram muito distintas, afirmando a
tese da APH como um espaço, um espaço de construção de semânticas em disputa e um
espaço de potencial profanador. Todas as entrevistas na íntegra seguem no apêndice
desta monografia.
20
de temas mais específicos como a Proposta de Emenda Constitucional 37/2011 8 e a
retirada do deputado federal Marco Feliciano (PSC/SP) da presidência da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Vale destacar que o “junho brasileiro” não é um movimento isolado do
contexto internacional de manifestações de ruas, que para o sociólogo Rudá Ricci e para
o antropólogo Patrick Arley é responsável por inaugurar o século XXI no mundo
(RICCI e ARLEY, 2014, pp. 81-84). Nesse contexto inserimos movimentos como a
Revolução das Panelas na Islândia (2008), o “Occupy” nos Estados Unidos (2011), os
Indignados na Espanha (2011) e a Primavera Árabe que se inicia no final de 2010 e se
espalha pelo Magrebe africano e por países do Oriente Médio.
No Brasil, as manifestações se iniciam9 no dia 3 de junho na cidade de São
Paulo, supostamente em decorrência do aumento de vinte centavos no preço da
passagem do ônibus e do metrô. A princípio foram convocadas pelo MPL (Movimento
Passe Livre), mas em pouco tempo extrapolaram a sua pauta sobre mobilidade urbana e
ganharam proporções maiores e mais difusas, marcadas por uma forte carga de
insatisfação política, insurgiram-se em diversas regiões e cidades do Brasil.
Em Belo Horizonte, no dia 13 de junho, uma concentração convocada pelas
redes sociais na Praça Sete de Setembro, região central da cidade, reúne por volta de 7
(sete) mil manifestantes, conforme dados da Polícia Militar de Minas Gerais, marcando
o início das mobilizações de junho na capital mineira. Belo Horizonte de maneira
especial, apesar das disputas concretas, manteve um eixo organizacional das
manifestações formado por forças sociais que se auto definem como a esquerda do
espectro político nacional como: as Brigadas Populares, o Comitê de Atingidos pela
Copa (COPAC), o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB), a Liga
Estratégica Revolucionária (LER-QI), o Coletivo Margarida Alves, o Instituto Helena
Greco de Direitos Humanos e Cidadania, o SindUTE, a Assembleia Nacional dos
Estudantes Livres (ANEL), além de partidos como o PSOL, PCR, PSTU e PCB (RICCI
e ARLEY, 2014, pp. 131-132).
8
Proposta que visava acrescentar o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência
para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.
9
Adota-se um marco temporal formal para os eventos das chamadas manifestações junho, mas é claro
que essas manifestações têm acúmulos de anos anteriores de construção, que podem nos remeter ao
Fórum Mundial Social realizado em Porto Alegre em 2005 que constitui o Movimento Passe Livre (MPL)
ou à “Revolta do Buzu”, que se desenrolou em agosto de 2003 em Salvador.
21
Nesse contexto, o COPAC-BH, formado em 2010 pelo Encontro de
Comunidades de Resistência10, decide, em uma de suas reuniões realizadas no Território
Livre José Carlos da Mata Machado na Faculdade de Direito da UFMG, convocar para
o dia 15 de junho o seu tradicional evento “copelada” seguido de uma reunião para
discutir o aumento do preço da passagem de ônibus em Belo Horizonte. O evento
ocorreria na Praça da Savassi, região centro-sul da cidade, durante a primeira partida da
Copa das Confederações, jogo ocorrido em Brasília entre as seleções do Brasil e do
Japão. A “copelada” visava ocupar os espaços públicos da cidade com partidas de
futebol abertas à participação popular, criticando o caráter economicamente excludente
da realização de megaeventos não acessíveis a maior parcela da população brasileira. O
surpreendente foi que o evento reuniu um público muito maior do que o esperado,
transformando-se em um ato que resolveu caminhar em direção à Praça da Estação onde
acontecia a Fun Fest- BH11. O ato, contando com milhares de pessoas (OMMAR, 2014)
postou-se contra a lógica de exceção e segregação dos megaeventos.
No dia 16 de junho, um dia após o ato em frente à Fun Fest-BH, em uma
reunião integrada, convocada pelo COPAC, realizada na sede do SindUTE com a
presença dos diversos coletivos de esquerda de Belo Horizonte (ROCHA, 2014),
discutiu-se a necessidade de uma maior articulação desses movimentos. Tendo em vista
a repressão policial que já era intensa em todo o país e a necessidade de discutir as
temáticas políticas da cidade de forma conjunta, foi problematizada a urgência do
estabelecimento de uma agenda coletiva de deliberação. Assim, os grupos anarquistas e
autonomistas apresentaram a proposta de convocar uma assembleia geral aberta, ampla
e em espaços públicos, a exemplo das que ocorreram na Espanha e nos Estados Unidos
em 2011. A proposta foi aprovada na reunião e a 1ª Assembleia Popular Horizontal de
Belo Horizonte foi convocada para o dia 18 de junho, às 18 horas, debaixo do Viaduto
Santa Tereza, região conhecida como “baixo centro”.
Na manifestação do dia 17 de junho, mais de 30 mil pessoas vão às ruas, a
concentração iniciou-se às 10h na Praça Sete de Setembro e uma marcha partiu ao longo
da tarde rumo ao Mineirão, estádio onde ocorria o jogo da Copa das Confederações
10
Organizado pelas Brigadas Populares, Projeto Pólos de Cidadania e Movimento da População de Rua e
núcleos de sem teto.
11
Evento oficial da organização da Copa do Mundo no Brasil para que as pessoas pudessem assistir às
partidas através de telões, além de contarem com shows musicais.
22
entre as seleções da Nigéria e do Taiti. Os integrantes dos coletivos participantes da
reunião do dia anterior no Sind-UTE aproveitaram o ato para divulgarem a Assembleia
Popular Horizontal, utilizando de carros de som e panfletos, convidaram todos os
manifestantes a participarem. Um cordão de isolamento foi formado pela polícia militar
na Avenida Antônio Carlos, próximo à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
impedindo a marcha de se aproximar do perímetro de segurança estabelecido pela
Fédération Internationale de Football Assciation (FIFA), o que ocasionou o primeiro
grande confronto entre policiais e manifestantes na capital mineira 12.
É no dia 18 de junho, terça-feira, debaixo do Viaduto Santa Tereza, que ocorre,
com a participação de mais de 500 pessoas, a primeira reunião 13 da Assembleia Popular
Horizontal em Belo Horizonte, a cidade foi pioneira durante as manifestações a utilizar
deste modelo de reunião popular auto gestacional que posteriormente espalha-se pelas
demais capitais brasileiras. Este talvez tenha sido um dos maiores legados das
manifestações de junho, um “empoderamento” e emancipação popular frente às
discussões sobre as políticas públicas das cidades, um ganho de consciência do cidadão
em relação a sua importância diante à participação e controle do espaço público. A
experiência da APH encontra-se latente na historicidade belo-horizontina, tendo sido
convocada por diversas vezes após junho de 2013 e constituindo-se um aparato
organizacional sempre disponível para os movimentos sociais.
Somos todos líderes de sua luta, de sua própria voz. (Frase repetida
pelos membros da APH)
12
Relatos sobre as manifestações em Belo Horizonte no dia 17 de junho podem ser encontrados no blog
de Rudá Ricci disponível em ou em: http://rudaricci.blogspot.com.br/. Acesso em 09 de julho de 2014.
13
As atas das primeiras reuniões da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte encontram-se em
anexo ao artigo.
14
Busca-se neste capítulo realizar uma reconstrução normativa da Assembleia Popular Horizontal de Belo
Horizonte a partir da observação participante, das entrevistas colhidas e das próprias informações
divulgadas no site da APH.
23
(psicológica). Na dimensão objetiva encontramos aspectos procedimentais que
estruturam e promovem a concretização desses princípios, já na dimensão subjetiva
discutimos a importância da ação do sujeito na sua consecução de modo a efetivá-los.
Vale destacar que esses princípios não são assimilados de forma pacífica, senão em uma
concretude de contradições e aprendizados, assim, servem de norte para a condução das
reuniões.
24
regulada pelas tradicionais corporações comunicativas televisiva e jornalística - de
informações relativas à vida pública do país, impulsionando a organização popular e a
concretização de ações nas ruas e praças da cidade. À semelhança das redes virtuais, a
assembleia organizou-se de forma rizomática através da ramificação e multiplicação em
diversos grupos de trabalho, permitindo uma maior dinamização da ação popular e o
alcance dos mais diversos públicos.
Já a dimensão subjetiva do princípio da construção popular direta pressupõe
outros dois elementos: a empatia coletiva e a não discriminação.
A construção direta não depende apenas de mecanismos objetivos que a
estimulem, mas também de um interesse por uma construção coletiva transformadora da
realidade social. Vários integrantes da APH participaram de diversas reuniões sem
nunca se manifestarem verbalmente ou assumirem qualquer tarefa proposta em
assembleia. Nesse sentido, entendemos que as estruturas criam possibilidades e
estímulos, mas a concretização da participação e da ação direta irá sempre depender
também da formação de um sentimento de empatia coletiva que impulsione a ocupação
de um locus ativo na construção do espaço público da cidade. A potência de ação do
indivíduo é um elemento fundamental na construção da sua própria história, que estará
sempre aberta às diferentes possibilidades de construções sociais.
Ademais, toda participação que se pretende popular e emancipadora não pode
ser discriminatória. A discriminação impede a própria formação de uma empatia
coletiva que se dá através da valorização da diversidade enquanto possibilidade de
emancipação e integração social harmônica. Nesse sentido, Paulo Rocha, integrante da
APH entrevistado, afirma a importância do elemento da não discriminação:
25
pela APH. A participação no espaço assembleário também contribui para a construção
de uma consciência social aberta à pluralidade de projetos de vida e inclusiva em
relação à diversidade presente na comunidade. A diversidade não é apenas respeitada,
mas admirada e impulsionada enquanto diferentes possibilidades de realização humana
que enriquecem ainda mais a experiência da própria assembleia.
Assim, entendemos que a construção popular direta se realiza através de
elementos estruturais e subjetivos que permitam o livre acesso; a visibilidade
rizomática; a formação de um sentimento de coletividade e a admiração à diversidade,
elementos que encaminham para ações de transformação concretas da realidade social.
Não apenas a construção, mas a própria ação da APH se manifestava de forma direta ao
convocar e realizar as diversas marchas e ocupações na cidade. Esses apontamentos nos
remetem à centralidade do desejo de criação de uma democracia radical que
contribuísse para o processo de emancipação popular sintetizada no canto da APH:
“Poder! Poder! Poder para o povo. E o poder do povo, vai fazer um mundo novo! ”.
26
característica das organizações horizontais do século XXI e essa foi uma grande
preocupação de seus integrantes desde sua origem:
27
Ela é horizontal porque você não precisa de lastro, não precisa de
representatividade, de participar de outro grupo, não importa se é a
primeira vez que você está ali ou a décima primeira, ou a trigésima
quinta, o tempo de fala e o respeito pela fala é soberano dentro da
assembleia, por isso entendemos que é necessário sempre rever a
metodologia para que não se caia em vícios que prejudiquem a
horizontalidade. (ROCHA, 2014)
28
A autogestão é o elemento que permite e materializa uma construção
verdadeiramente autônoma da APH. Remete diretamente ao caráter instituinte da
assembleia que é constantemente gerenciada pelos seus integrantes, não se
subordinando ao interesse de nenhuma instituição externa de poder. Através das
decisões tomadas seja nas reuniões gerais, seja nos grupos de trabalho, os indivíduos
que a compõe determinam seu destino coletivo e ao mesmo tempo se autodeterminam.
Pelo elemento da autogestão a assembleia é inteiramente autofinanciada, não admitindo
qualquer forma de financiamento externo e se posicionando criticamente à atual
subordinação da política ao poder do capital. A autogestão resgata a política para o
espaço comum, o espaço de todos, profanando a lógica da atual organização
institucional da política representativa, sacralizada e afastada do espaço realmente
público.
Assim, entendemos que a horizontalidade se realiza através de elementos
estruturais e subjetivos que permitam metodologias experimentais de incentivo ao poder
popular na construção diária da assembleia, requerendo o respeito à autonomia de seus
integrantes – enquanto reconhecimento destes – e exigindo a autogestão do espaço que
não deve se subordinar aos interesses de instituições externas. A horizontalidade,
princípio fundante da APH, intercruza diversas das falas de seus integrantes, mostrando-
se presente em todas reuniões, sendo invocada, inclusive, para lançar luz às próprias
contradições concretas da assembleia. “Horizontalidade” é uma palavra que contém
toda potência de radicalidade desse espaço e que não deve ser compreendida pela ótica
do mero individualismo, mas sim pela ótica do reconhecimento do outro em suas
singularidades que possibilitam a construção de um real espaço comum da política.
Símbolo dessa compreensão é a frase repetida como mantra pelos seus integrantes:
“Somos todos líderes de sua luta, de sua própria voz”.
29
5 A ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL NA PRÁTICA
1. Agenda
Quinta, 20/06, Ocupação Praça Sete às 17h em integração
aos atos espalhados pelo Brasil.
Sábado, 22/06, Concentração Praça Sete às 10h em
mobilização pelo jogo da Copa.
Domingo, 23/06, Segunda Assembleia Popular dos
manifestantes de Belo Horizonte às 15h.
2. Definição do Copac como CANAL DE REFERÊNCIA do
movimento para conseguirmos a unidade.
Após discussão foi consenso que a atuação do Comitê
Popular dos Atingidos pela Copa seria responsável por
convocar os eventos nas redes sociais das marchas e
30
ocupações aprovadas em Assembleia, para assim não
pulverizar os atos e dissipar a já grande mobilização.
Destaca-se que todas as ações e discussões são coletivas,
horizontais e envolvem diversos indivíduos e movimentos
presentes nas Assembleias.
3. Formação de GRUPOS HORIZONTAIS E PERMANENTES
de articulação.
COMUNICAÇÃO: estudantes e profissionais da área de
artes e design responsáveis por orientar a produção de
material (faixas, cartazes e bandeiras) para nossas
marchas e ocupações.
- SAÚDE: estudantes e profissionais da área da saúde
responsáveis por orientar o preparo dos manifestantes
para marchas e ocupações e a minimização da violência
policial contra a população (gases de efeito moral e
lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha, dentre
outras formas).
- JURÍDICO: estudantes e profissionais da área do direito
responsáveis por orientar e defender juridicamente todos
os manifestantes antes, durante e depois que qualquer ato.
Principalmente na busca e defesa dos presos políticos.
Interessados em voluntariar nesses grupos e em outros
possíveis devem procurar o Copac para melhor
entendimento.
4. EXIGIR da Prefeitura Municipal a redução da tarifa do
transporte “público”, a instalação do Passe Livre Estudantil e
auditoria dos contratos do transporte público, lutando pela
TARIFA ZERO.
5. Não deixar o movimento diluir caso alguma demanda inicial
seja aceita pela Prefeitura, tendo em vista o uso deste artifício
por parte do Poder Executivo de várias cidades tentando
minimizar a voz das ruas. (ASSEMBLEIA POPULAR
HORIZONTAL, 2016)
Além das pautas imediatas, aquela sessão discutiu temas municipais, regionais
e nacionais de resistências populares e avanços da democracia direta. Também foram
temas de pauta: a ampliação das linhas metroviárias em Belo Horizonte; a organização
de uma virada cultural com movimentos como o Duelo de MCs 15, Praia da Estação16,
15
Evento de arte urbana e difusão da cultura Hip Hop que ocorre desde 2007 debaixo do Viaduto Santa
Tereza em Belo Horizonte com a disputa musical-artística entre os MCs.
16
Movimento de ocupação da Praça da Estação e utilização de suas fontes de água para se banhar,
transformando a praça central da capital mineira em uma verdadeira “praia” ocupada por pessoas com
trajes de banho, vendedores ambulantes e às vezes até carros pipa que refrescam os presentes. Surgiu em
2010 em reação ao decreto nº 13.798 de 09 de dezembro de 2009 do prefeito Márcio Lacerda (PSB)
proibindo a realização de eventos de qualquer natureza no local pela dificuldade em limitar o número de
pessoas e garantir a segurança pública decorrente da concentração, além da possibilidade de depredação
do patrimônio público. Este decreto acabou sendo revogado em 04 de maio de 2010 e a “praia da estação”
tornou-se um evento cultural marcante da cidade.
31
Copelada 17e o Sarau Vira-Lata18; a revogação da Lei Geral da Copa e a transparência e
a auditoria imediata dos recursos públicos destinados às obras da Copa do Mundo de
2014.
Como proposto pela APH, o ato do final da tarde de quinta-feira, dia 20 de
junho, reuniu na região do hipercentro da capital mineira mais de 20 mil manifestantes
que seguiram em protesto rumo à Câmara dos Vereadores e retornaram por volta das 22
horas à Praça Sete. A força dos atos tornava-se cada vez maior por todo o Brasil, o ato
seguinte convocado pela APH para o sábado, dia 22 de junho, foi a maior manifestação
realizada em Belo Horizonte, reunindo mais de 100 mil manifestantes segundo
estimativa da Polícia Militar de Minas Gerais. A manifestação parte do centro e segue
em direção ao Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão) onde ocorria o jogo da
Copa das Confederações entre as seleções do Japão e do México. Este ato é marcado
pela extrema violência da polícia militar que havia preparado um cerco na avenida
Abrahão Caram nas proximidades do Mineirão e repele a manifestação através de
cassetetes, balas de borracha e diversas bombas de gás lacrimogênio. Ao tentar escapar
do local, muitos manifestantes se depararam com a Força Nacional “acampada” dentro
das cercas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e são duramente
reprimidos. A partir de então o tema da violência policial ganha ainda mais centralidade
nas manifestações.
Segundo o comunicado oficial da reitoria da UFMG (ANEXO I) publicado
somente no dia 23 de junho, posteriormente ao ato, o Reitor Clélio Campolina e a Vice-
Reitora Rocksane Norton dizem que:
17
Ato de ocupação recreativa dos espaços públicos da cidade surgido na época da Copa das
Confederações em 2013 coma realização de partidas de futebol abertas à participação popular, criticando
o caráter economicamente excludente da realização de megaeventos não acessíveis a maior parcela da
população brasileira.
18
Movimento fundado em 2011 com o objetivo de disseminar poesia para todos cidadãos através da
valorização e reconhecimento da arte literária marginal. Os saraus são realizados em diversas praças
periféricas de Belo Horizonte.
32
Em entendimentos com os ministérios da Educação, da Justiça e da
Defesa e com o governo do Estado de Minas Gerais, ficou acertado
que UFMG abrigaria efetivos da Força Nacional de Segurança Pública
no campus Pampulha. Essa decisão atende os preceitos legais antes
mencionados e busca preservar a segurança pessoal e patrimonial na
UFMG, que é um bem público coletivo de toda a sociedade.
33
1. Transporte (REVOGAÇÃO DO AUMENTO, PASSE LIVRE,
TARIFA ZERO);
2. Copa e megaeventos (MENOS DINHEIRO PARA A COPA E
MAIS DINHEIRO PARA SAÚDE E EDUCAÇÃO);
3. Abaixo a Repressão Policial! (FORA A FORÇA DE
SEGURANÇA NACIONAL);
4. Fora Feliciano! (ASSEMBLEIA POPULAR HORIZONTAL,
2016).
Destaca-se que logo após esta reunião que também contou com a participação
do Reitor da UFMG, Clélio Campolina, foi decidida a retirada dos efetivos da Força
Nacional de Segurança Pública do campus universitário. Essa decisão representou um
símbolo claro da vitória da ação direta dos alunos que iniciaram uma ocupação da
reitoria ainda pela manhã daquele dia e da própria APH que tinha nesta uma de suas
pautas de ação política contra a violência policial. Vários integrantes da APH, muitos
deles do GT de Segurança Pública, passaram a defender o fim da polícia militar e a
identificar nesta instituição o caráter opressor do Direito, responsável – nessa
comprrensão – pela manutenção da segregação social e exploração do trabalhador.
Assim, ao defenderem o fim da polícia militar, muitos expressavam o desejo de
extinguir a própria estrutura jurídica de organização social que seria co-responsável
34
pela manutenção da dominação do capital, desvelando, portanto, através da violência
policial o “estado de exceção” que vivemos.
35
por estabelecer quatro funções rotativas na assembleia: coordenação; redação da ata;
controle do tempo; e realização das inscrições. Estas funções seriam sorteadas a cada
reunião caso houvesse mais de quatro candidatos e quem estivesse compondo a mesa
“não teria direito à fala para evitar qualquer tipo de manipulação” (ASSEMBLEIA
POPULAR HORIZONTAL, 2016). Naquela reunião houve 25 candidatos dos quais
foram sorteados 4 para comporem a mesa. Também é nesta reunião que se define um
novo ato para o sábado, dia 29 de junho, na Câmara Municipal às 7 horas da manhã com
os eixos de manifestação centrados no transporte e na repressão policial.
36
tratarem da demanda do transporte coletivo público ecoada nas manifestações de junho
de 2013. Já na segunda-feira, dia 1º de julho, é realizada a quinta sessão da APH que
destacou por consenso dez delegados populares para serem porta-vozes das
reivindicações imediatas aprovadas naquela sessão. Então no dia 03 de julho de 2013 a
APH divulga uma nota publicitando o agendamento da reunião com o prefeito:
O resultado desta reunião não agradou os integrantes da APH, pois não houve
avanço concreto em nenhuma das pautas apresentadas ao prefeito. Márcio Lacerda
insistia em aguardar o andamento dos trabalhos da empresa Ernest & Young que presta
serviços de auditoria e fora contratada para auditar os contratos celebrados com
empresas concessionárias de transporte público e as informações prestadas. Fruto desta
reunião foi um documento assinado por todos os presentes nos seguintes termos:
37
de 2013) e do PIS COFINS (vigente desde maio de 2013):
38
julho. A ocupação permaneceu durante a sexta-feira e foi convocada uma nova sessão
da assembleia para o dia 06 de junho às 17 horas.
Esta reunião do sábado, dia 06 de junho, deliberou pela desocupação da câmara
no dia seguinte que seria acompanhada pela atividade de vários movimentos culturais
da cidade. Assim, no domingo, dia 07 de junho, os manifestantes, em clima de
confraternização, desocuparam o prédio da câmara acompanhados pelos blocos de rua
da cidade: Pena de Pavão de Krishna e Chama o Síndico. A passeata seguiu até o centro
da capital mineira onde se dispersou em segurança, evitando qualquer perseguição pela
polícia militar.
39
para a mudança do nome do viaduto José de Alencar para Douglas Henrique, jovem
morto naquel viaduto durante as manifestações (ROCHA, 2013).
Atualmente a Assembleia Popular Horizontal continua seus trabalhos,
passando por momentos de maior e de menor mobilização, mas com certeza hoje
pertence àquilo que podemos chamar de historicidade do belo-horizontino, como um
espaço de articulação dos movimentos sociais para a emancipação social e profanação
política. Destacamos sete eventos que contaram com a importante participação da APH:
1) a ocupação da Prefeitura em final de julho de 2013 pelos movimentos de reforma
urbana como as comuniddades: Dandara, Eliana Silva, Camilo Torres, Irmã Dorothy,
Vila Cafezal, Rosa Leão, Guarani Kaiowá e Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e
Favelas (MLB) e Brigadas Populares; 2) formação do Tarifa Zero, oriundo do Grupo de
Trabalho em Mobilidade Urbana da APH, tornou-se um importante movimento de luta
por novos pradigmas de transporte público na capital mineira; 3) construção do Espaço
Comum Luiz Estrela em outubro de 2013 no local do antigo casarão abandonado pelo
governo do estado no bairro Santa Efigênia, agora regido por princípios da autogestão e
construção coletiva; 4) o movimento Viaduto Ocupado em fevereiro de 2014, quando da
interdição arbitrária pela Prefeitura de Belo Horizonte do Viaduto Santa Tereza para
fins de revitalização sem a consulta popular; 5) o movimento Resiste Izidora,
importante ocupação urbana da região metropolitana de Belo Horizonte que encontra-se
em frenquente situação de iminente despejo; 6) a nova ocupação da Câmara Munipal
em setembro de 2015 para discussão de temas relativos ao transporte público na cidade
e os elevados preços das tarifas e 7) por fim, a Marcha Antifacista de BH, autônoma,
popular, apartidária e anti-capitalista, realizada em 30 de abril de 2016.
40
democracia e representação são extremamente distintas. A primeira é oriunda da
antiguidade greco-romana, antes mesmo da era cristã. Já a segunda é fruto das
revoluções liberais do século XVIII, das quais destacam-se a Revolução Americana e
Francesa. Apesar de conceitos distintos, a democracia se consagra na modernidade por
meio da representação e por isso mesmo seria retirada do livre uso dos homens.
Profanar esta estrutura política posta significa negligenciar os espaços e as
regras políticas sacralizados concedendo-lhes um novo uso. A institucionalidade,
símbolo da separação do poder político que é reservado a alguns e retirado do uso
comum, não deve ser levada a sério, mas sim parodiada (AGAMBEN, 2007, pp. 37-48).
Nesse sentido, como afirmar ser a APH uma organização de fato profanadora? Qual dos
entrevistados teria razão: Ommar ao dizer que a APH é um espaço de atuação para a
retirada do poder institucional ou Alcântara que vê na assembleia um espaço de
aprendizado democrático e de constante interação com o poder instituído?
Entre o estado de exceção (AGAMBEN, 2004, pp. 9-49) e o Estado
Democrático de Direito (HABERMAS pp. 469-532) a APH foi tecendo sua história, às
vezes negando qualquer possibilidade de legitimidade à institucionalidade posta e
convocando ações diretas de desinstitucionalização do poder, por outras reconhecendo a
legitimidade dos órgãos políticos através dos canais de comunicação instaurados e das
negociações realizadas. Essa é uma tensão constante desde o surgimento da assembleia,
como não poderia ser diferente ao se tratar de um espaço em disputa e aberto às
constantes ressignificações e reinterpretações do mundo da vida e da política do
cotidiano.
Se por vários momentos a APH dialogou e negociou com os setores
governamentais institucionais, seja nas reuniões com o governador, seja nos encontros
com o prefeito e vereadores, contribuindo – em certa medida – para a legitimação, mas
também para a ressignificação dessas instituições, não podemos esquecer que as ações
da assembleia foram muito além. Tomada pela ação direta durante as manifestações e
ocupações, a profanação política ocorria e os ganhos mostravam-se reais. As ruas de
Belo Horizonte foram ressignificadas e tornaram-se – por um breve momento – espaço
comum do poder político, o movimento das ruas era em si instituinte, potência e ato
encontravam-se fora de qualquer normatização jurídica. A APH abriu-se para uma nova
41
construção política: direta e horizontal, possibilitando um “livre uso do mundo” como
se constata nas ideias de Agamben:
42
da Assembleia Popular Horizontal é a prova de que novas formas de política são
possíveis e sua concretização é tarefa que se coloca a esta geração.
43
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45
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47
APÊNDICE
ENTREVISTAS
ENTREVISTADO 1
48
ATIVIDADES: participa do movimento social da Frente Terra e Autonomia 20 (FTA)
com atuação na ocupação Guarani Kaiowá 21. Fez parte do movimento Ocupa BH22 e do
Tarifa Zero23. Participa do espaço da Assembleia Popular Horizontal.
PERGUNTAS:
1) O que é a APH?
A APH é um espaço e não um movimento, um espaço em que as pessoas vão atuar em
comum para retirar o poder das organizações institucionais, instituições burocráticas
como a Câmara e a Assembleia, visamos uma verdadeira democracia direta. O povo
deve se “empoderar” das decisões de participação e não deixar que essa
representatividade dos partidos, que na verdade representam as empresas que os
financiam, decidam sobre suas vidas. Então, a Assembleia Horizontal é uma forma de o
povo tomar o poder para si, se “empoderar”.
20
Conforme seu domínio virtual: “A FTA surge reivindicando sua breve bagagem de esforço de estudo e
prática emancipatória a partir de iniciativas em torno do tema da pedagogia libertária, refletindo seu
amadurecimento quando transversaliza sua orientação de atuação para a luta por moradia de um modo
geral na ocupação, não apenas no nível pedagógico.”. Disponível em <
http://www.frenteterraeautonomia.org/p/a-fta.html>.
21
Ocupação urbana no bairro Ressaca, município de Contagem, Minas Gerais.
22
Movimento político que surgiu em Belo Horizonte em 2013 e se intitula como apartidário e horizontal.
Organiza-se em assembleias para buscar alternativas a um sistema político-econômico que não os
representa. Foi inspirado em vários movimentos que ocorreram no globo no século XXI, como o Occupy
Wall Street.
23
Movimento social que surge do Grupo de Trabalho sobre Mobilidade Urbana da Assembleia Popular
Horizontal e tem como pauta a democratização do transporte público através do seu custeio integral pelos
recursos governamentais.
24
Conforme seu domínio virtual: “A articulação Fora Lacerda! é um movimento livre e apartidário que
reúne entidades, outros movimentos e cidadãos em torno da idéia de contestar a atual gestão da Prefeitura
de Belo Horizonte, em tudo aquilo em que ela está afetando a cidade e a população. Fazem parte dessa
articulação: ASSEAP (Feira Hippie de Belo Horizonte), a AMOREIRO (Associação de Moradores do
Cruzeiro), Rua Musas, IAB-MG (Instituto dos Arquitetos Brasileiros), Movimento Paz na Serra e estamos
49
característica. Esses coletivos foram se organizando de forma horizontal, acumulando
ideias e trocando informações, de repente surgiram as manifestações de junho, aquela
catarse, 150 mil pessoas nas ruas e foi preciso organizar-se. Com todo esse acúmulo de
organizações horizontais de Belo Horizonte, surge a ideia da Assembleia Popular
Horizontal. E na verdade, não houve ninguém que puxasse a APH, o que houve foi uma
necessidade popular de se auto organizar sob uma tendência horizontal, sem lideranças
ou hierarquias, sem nenhum partido puxar nada. Ninguém puxou, se alguém falar que
puxou, ele está errado, pois está descumprindo um princípio da horizontalidade,
ninguém puxa, simplesmente surgiu.
Era previsto que aquele fluxo de 3 a 4 mil pessoas no auge das manifestações iria
diminuir. A APH continuou suas reuniões quinzenais, dando uma parada na época das
férias, mas voltando já no início de 2014 com uma reunião com o Comitê de Atingidos
pela Copa25 (COPAC) e com o Tarifa Zero, além convocarmos o “Viaduto Ocupado”
para discutir as ilegalidades das obras realizadas pela prefeitura de Belo Horizonte no
viaduto Santa Tereza, visando uma gestão coletiva.
Tentou-se fortalecer a metodologia com a descentralização, começou a se articular a
Assembleia Popular do Barreiro e estamos com a ideia de que no pós-Copa a APH-BH
passe a se chamar APH-baixo centro e estimule o surgimento de novas APHs em outros
bairros. A APH-BH nunca teve a pretensão de penetrar em todas as demandas da
cidade, mas foi única assembleia possível naquele momento, entretanto, entendemos a
50
necessidade da descentralização para que cada região e cada bairro possam tratar de
suas especificidades de maneira mais próxima e autônoma.
Não diria pioneira, até mesmo porque as ideias de assembleias não são tão novas assim,
vários são os exemplos até mesmo no mundo. Mas agora veio uma nova onda que vais
ser difícil segurar, porque ninguém mais quer aceitar ser mandado. A hierarquização, o
centralismo democrático e a ideia de que a maioria ganhou então você terá que fazer o
que ela determina vai contra a APH que sempre busca o consenso. Em Belo Horizonte
recentemente teve um encontro das assembleias, com a participação da APH-BH e
quatro assembleias do Rio de Janeiro. As outras assembleias não colocam a
Horizontalidade no nome, mas a adotam como princípio.
ENTREVISTADO 2
51
ATIVIDADES: Se considera autonomista-anarquista. Mestrando em Filosofia da
UFMG. Participou de vários coletivos como o Conjunto Vazio 26 e participa de outras
movimentações da cidade como o COPAC, Tarifa Zero e do Espaço Estilingue 27.
1) O que é a APH?
26
Se auto qualifica como: “um coletivo anticapitalista e não hierárquico/horizontal de anti-arte,
intervenção urbana, performance, negação prática, masturbação teórica e experimentos de estratégias para
charlatanismo crítico”. Disponível em: < https://comjuntovazio.wordpress.com/ >. Acessado em
18/02/2015.
27
Conforme seu domínio virtual: “O Estilingue constitui uma plataforma de interface para convergência
das ações de coletivos autônomos e redes de ação em Belo Horizonte, devotados à inovação tecno-
cultural e à democratização da mídia (para o "arremesso" dessas ações).
O funcionamento do Estilingue pretende propiciar o compartilhamento de recursos e conhecimentos e a
convergência de objetivos e métodos, ampliar a eficácia das ações das pessoas e organizações
participantes. Esses agentes se unem como umaConfederação de Grupos Autônomos interessados na
produção e troca de experiências e conhecimentos e que estejam de acordo com os princípios de
funcionamento do Estilingue. Esses princípios deverão ser atualizados pois o Estilingue deverá aderir
aos princípios dos Grupos e Mídias livres] (assim que eles estiverem mais estabilizados...).”. Disponível
em < https://estilingue.sarava.org/moin >. Acessado em 18/02/2015.
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pessoas diferentes possam falar e não sempre as mesmas habituadas a falarem para
grandes públicos. A proposta é caminhar por duas vias, a auto-organização através dos
GTs, onde as pessoas possam se encontrar debater temas relevantes à cidade e levarem
para a assembleia onde as propostas serão encaminhadas; e a ação direta através de
protestos, ocupações, abaixo-assinados, intervenções midiáticas, pois o espaço da rua
não deve ser perdido, essa é a possibilidade de real transformação.
A ideia da APH veio de uma reunião dos anarquistas, autonomistas e libertários de Belo
Horizonte que se reuniram, um dia antes da primeira manifestação ir em direção ao
Mineirão chamada pelo COPAC. O primeiro ato, que ainda não era uma manifestação,
foi decorrente de uma “Copelada” na Savassi. Os anarquistas e autonomistas de Belo
Horizonte durante esse ato perceberam a necessidade de organizarem, porque o grande
o problema do anarquismo é que ele é muito perecível, as gerações são muito
perecíveis, como ele não tem uma inserção acadêmica e teórica forte, é difícil você
contatar as gerações e constatar os avanços. Percebemos o quanto seria importante que a
gente se reunisse para discutirmos como iríamos participar em bloco dessas
manifestações. Durante essa reunião percebeu-se que era necessário criar um espaço
assembleiário aberto e horizontal no espaço público, por que várias pessoas tinham
conhecimento e contato com outras assembleias que ocorriam pelo mundo, como os
indignados na Espanha, Occupy e a AGP (Ação Global dos Povos). Fui informado que
no dia seguinte haveria uma reunião integrada no Sindi-UTE convocada pelo COPAC,
só eu consegui acordar no dia seguinte para ir à reunião, estavam presentes a galera do
PCR, PSTU, PSOL, Brigadas Populares, COPAC, ANEL, independentes e sindicatos, o
pessoal basicamente me conhecia da época da Praia da Estação que veio de uma ação do
Conjunto Vazio e do Estiligue. A proposta da APH foi feita, de início a galera ficou um
pouco receosa, porque eles achavam que seria pouco organizativo e falaram para ser no
sindicato, mas eu insisti e a galera percebeu que seria uma boa fazer a reunião em um
espaço aberto. Tivemos a assembleia um dia depois do primeiro jogo em Belo
Horizonte, estávamos esperando aproximadamente duzentas pessoas e compareceram
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quase 2 mil, 120 pessoas falaram, deu muito certo apesar de a gente não ter se
preparado de maneira nenhuma. Mas, ao longo do tempo a gente viu como seria
importante pensar a metodologia, porque as assembleias foram cada vez mais tomando
esse aspecto chamativo e na da terceira reunião surgiu a ideia de nos organizarmos em
grupos de trabalho.
Teve o período em julho do qual a assembleia sai muito fortalecida, mas s partir de
então há um refluxo, a participação diminui, como legados temos o GT de Mobilidade
Urbana virou o Tarifa Zero e o GT de Reforma Urbana perdurou. Mesmo com a
redução no número de participantes, APH continuou ocorrendo, porque se descobriu
nela um espaço de interlocução entre os mais diversos movimentos e grupos políticos de
Belo Horizonte. O maior desejo é a descentralização, o fortalecimento das assembleias
de bairro, sempre tendo consciência da dificuldade e desafios da democracia direta.
O voto funciona como a última alternativa, o ideal é sempre buscar o consenso, para
algumas pessoas isso é mais fácil, para outras não, mas eu particularmente penso que
tem posições que são inconciliáveis e eu não tenho que sofrer por isso e ninguém tem
que sofrer por isso, se não tem o consenso tem-se que encaminhar e votar. Entretanto, o
que se deve buscar é o método mais horizontal possível, isso quer dizer que se as
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pessoas sentem que a votação não foi ilegítima elas podem interceder, é claro que isso é
difícil porque entra novamente em uma negociação e é claro que aí entra num ideal
quase habermasiano, que eu detesto, que a gente deve levar em consideração de que
outro está intercedendo não para desmontar uma decisão, mas porque de fato certas
posições não foram levadas a cabo. Por isso a questão da democracia direta e não do
voto puro e simples coloca mais empecilhos do que resoluções e as pessoas devem ter
um voluntarismo muito forte.
ENTRESVISTADO 3
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2) Quando surgiu a ideia de organizar uma APH em Belo Horizonte?
Estava lá na primeira reunião no dia 18 de junho e foi algo muito bonito. Como já
existiam diversos movimentos em Belo Horizonte que já tinham certo diálogo,
percebemos a necessidade do estreitamento desse diálogo para o estabelecimento de
pautas conjuntas, especialmente durante as manifestações de junho, quando milhares de
pessoas foram às ruas, se indignaram, levantaram suas vozes, foi necessário a criação de
um espaço para que elas pudessem dialogar. Assim que surgiu a assembleia, em uma
convocação espontânea nos dias 16 e 17 de junho para sua realização no dia 18, debaixo
do viaduto Santa Tereza, com mais de duas mil pessoas, 130 falas. Contamos também
com o apoio do caminhão de som do Sindi-UTE para que todos pudessem escutar as
falas.
Depois das manifestações ela passou a ter uma regularidade inicialmente semanal e aí
todo domingo nos reuníamos do lado do viaduto, pois o viaduto encontrava-se
interditado. Foram criados 12 Grupos de Trabalho com temáticas específicas como a
moradia, os direitos humanos, a desmilitarização, o meio ambiente, a mobilidade urbana
dentre outros. O GT de mobilidade urbana, talvez o de maior sucesso, transformou-se
no “Tarifa Zero” e o Comitê de Desmilitarização conseguiu fazer vários debates sobre o
tema e colocá-lo na pauta da discussão política da cidade, gerando acúmulos sobre a
violência policial especialmente nas periferias, contra a juventude negra e sobre a
organização da Polícia Militar mineira.
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5) A APH-BH foi pioneira no Brasil ou se inspirou em outras experiências?
Existe, mas ele ficou parado por uma questão de foco e de mobilização, porque
conseguir o numero de pessoas suficientes para tocar um GT e participar de assembleias
que duram duas a três horas de debates é um grande exercício de paciência e de
aprendizado.
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Movimento dos Indignados na Espanha formado após a manifestação de 15 de maio de 2011 que
ocupou a praça “Puerta del Sol” em Madrid.
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ANEXO I
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ANEXO II
ATA DE REUNIÃO REALIZADA EM 25/06/2013 NO PALÁCIO DA
LIBERDADE ENTRE O GOVERNADOR DO ESTADO E MEMBROS DO
COMITÊ POPULAR DOS ATINGIDOS PELA COPA29
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Disponível em http://www.agenciaminas.noticiasantigas.mg.gov.br/media/uploads/2013/06/28/ata.pdf,
acesso em 20/06/2016.
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