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A oficina
Entrando na oficina, o cenário que encontrei foi o mais amigável e mais “divertido” de se trabalhar,
esse cenário foi comum nas diferentes marcas. Não vou aprofundar muito, mas sabemos que no
mundo existe preconceito com pessoas que desempenham trabalhos chamados de “braçais”. E com
o pessoal de dentro da oficina (mecânicos, funileiros, etc.), isso ocorre.
Tanto pelo lado dos consultores técnicos como por parte dos vendedores. Infelizmente existe uma
discriminação bem acentuada, com algumas poucas exceções. Foi aí que encontrei mais pessoas
dispostas e com boa vontade em ajudar (sem estar querendo algo em troca).
Claro que nem tudo é perfeito, mas em uma oficina de concessionária de maior porte, em geral terá
um ou dois talvez “chefes de oficina”, que possuem teoricamente o maior conhecimento. Terão
também mecânicos com “conhecimento mediano” (desempenham bem suas funções, sabem montar,
desmontar, mas sem aprofundar na engenharia) e vários (senão muitos) mecânicos “juniores”.
O trabalho dentro da oficina não é fácil, muitas vezes deve-se fazer milagre para cumprir os
prazos. Então, as revisões normalmente são executadas pelo pessoal de menor experiência, e os
serviços mais complexos pelo pessoal de maior experiência.
Não é comum os mecânicos de menor experiência ficarem desassistidos e tendo que tomar decisões
precipitadas por pressão dos consultores técnicos. Dentre os erros comuns estão aperto excessivo
dos parafusos de rodas pelo uso da pistola pneumática, apertos feitos no motor sem o uso de
torquímetro, não apagar os erros de injeção, etc….
Taxa de rebate
No que consiste a tal taxa de rebate? É utilizar um desconto que poderia ser dado para o cliente,
para bancar o juro do banco. Exemplificando: O carro “x” custa R$ 50.000, e pode ser vendido na
condição de entrada de 60% + 24x sem juros. Claro, que existe a tarifa de abertura de crédito e
taxinhas ocultas (que no final resultariam em aproximadamente R$ 2.000), mas vamos fantasiar que
o mundo é perfeito e arredondando o valor, então a conta seria R$30.000 + 24x de R$ 833.
Trazendo a conta para o mundo real, utilizando uma taxa real viável e bem otimista para pessoas
comuns (taxa vendida na concessionária, não entra nesta conta se a pessoa quiser utilizar seu
próprio banco) que é algo em torno de 1,7%, os R$ 20.000 financiados irão transformar-se em R$
24.500 (sendo otimista) pelo menos.
Traduzindo, neste caso o valor do desconto no carro poderia facilmente ser de R$ 4.500,00, no caso
de uma compra à vista, ou utilizando o financiamento do seu banco (banco o qual você tem conta),
este último caso explicarei abaixo. Isto é uma tática para o negócio parecer vantajoso, e para não
nivelar o preço do carro por baixo, pois é sabido que depois que o preço baixa, dificilmente
consegue-se “recuperar” o patamar anterior sem tem que alterar o modelo, então este é o meio de
“mascarar” o valor sem de fato alterar o preço para baixo.
Ao contrário do que muitos pensam, as concessionárias não gostam de vender à vista. Em outras
palavras, falar para o vendedor a frase “pagando à vista, qual o desconto que terei?”, pode ter
certeza que não chegará na melhor negociação possível. Não se esqueçam, a loja SEMPRE vai
receber a vista. O financiamento que o cliente faz, é com o banco, e o banco paga à vista a loja. Não
importa para a concessionária, por onde vem o dinheiro se diretamente da conta bancária do cliente
ou se oriundo de um financiamento.
É muito mais fácil barganhar preço utilizando o financiamento “normal” vendido pela
concessionária (não os financiamentos promocionais que mencionei anteriormente). Explicando, a
concessionária, além do lucro sobre o veículo vendido, ela recebe comissão dos bancos e
seguradoras para vender os serviços, no caso dos bancos, por vender financiamentos.
Taxa de retorno
E aqui entra a já conhecida por alguns e por outros nem tanto, chamada “taxa de retorno”, que
basicamente consiste na escolha, por parte do vendedor, da comissão que a concessionária (e ele)
receberá do banco por ter vendido o financiamento.
O funcionamento da taxa de retorno é o seguinte, na hora de calcular o financiamento, normalmente
o vendedor tem diversas tabelas com números que não fazem muito sentido para quem é leigo no
assunto, mas basicamente as linhas são os prazos e as colunas o percentual de retorno (comissão),
algumas concessionárias colocam essas tabelas dentro de pastas para disfarçar, mas basicamente é,
quanto maior a taxa de retorno aplicada, mais o cliente pagará de juros e mais a concessionária (e o
vendedor) receberá de comissão.
Normalmente vão de escalas de 0 a 12 (ou 10 dependendo do banco), e cada escala significa uma
“comissão” de 1,2% sobre o total financiado. Não importa o prazo, por sinal em prazos menores os
juros mensais mais altos.
Ou seja, em uma conta fácil, imagine um financiamento de R$ 10.000, aplicando uma tabela “3”
(facílima de aplicar), a comissão seria de R$ 360 (sobre este valor, depende do acordo existente na
concessionária, mas em média o vendedor teria direito entre 8% a 20%).
Parece pouco, mas a maioria financia valores superiores e normalmente utiliza-se tabelas entre 4 a
6. No caso de R$ 30.000 financiado com uma tabela “5”, teríamos R$ 1.800 extras no
financiamento. Ou seja, se você comprar um carro de R$ 40.000, “ganhar” um desconto de R$
2.000 e financiar R$ 30.000, o banco está feliz pelos juros que você vai pagar, e a concessionária
mais ainda pois vendeu o carro pelo preço cheio. Afinal os R$ 2.000 que ela deu de desconto, ela
recuperou com o banco. E o cliente super satisfeito pois “arrancou” 5% de desconto no preço do
carro.
Este é um caso bem comum, fora as situações onde a concessionária recebe mais ainda do que o
desconto que fora concedido. E para acontecer isso é muito simples. Basta o cliente pedir para o
vendedor calcular diferentes prazos, em diferentes bancos, na salada de números o cliente acaba
concentrando-se na parcela, então no jogo de números o vendedor dá o bote, passando uma parcela
mais baixa mas com um percentual de retorno maior. O “golpe” é simples, utiliza-se um prazo
imediatamente superior e duas “tabelas” mais altas, a prestação dilui e como o prazo é maior, o
cliente leigo, não consegue perceber o aumento do juros aplicado já que a prestação está menor.
Quando o vendedor informa que é “indiferente” com relação ao fato que o cliente vai verificar com
o gerente do banco do qual ele é cliente se consegue taxas melhor, ele está mentindo, pois é algo a
menos que está vendendo. E isso, prejudica a negociação, pois entra no mesmo cenário do “vou
pagar à vista”.
Os números
Então, simulando uma venda de um carro de R$ 65.000, vendido sem ágio (no cenário 0.3% que é
bastante comum quando as vendas esfriam) tendo o cliente financiado metade do valor em uma
tabela “4” (calculando um valor de 20% que o vendedor receberá do retorno), e gastando R$ 3.000
em acessórios (digamos uma central multimídia).
Pelo carro vendido, terá recebido R$ 195. Pelo financiamento de R$ 32.500 recebe-se no exemplo
citado R$312. Já pelos acessório, vamos pensar que o custo tenha sido de 50%, gerando um lucro de
R$1.500 neste caso rende para o vendedor R$ 300.
Chegamos em uma excelente venda onde o vendedor recebeu ao todo R$ 807, claro que isso pode
variar, usei um percentual ruim, junto com um médio aliado à um excelente. Claro que não é o caso
da maioria das vendas, pois é importante frisar que são poucos clientes que gastam muito com
acessórios, mas lembre que aquela película que o vendedor “lhe deu de brinde”, mas que
estranhamente não consta no valor do carro mas que você ignora por ser tão pouco, rendeu uns
trocados para o vendedor (se lançar como R$ 200 resulta em R$ 20 supondo um custo de 50%) que
somando cada veículo vendido com o “brinde”, acaba fazendo-se um “troco” considerável.
Resumindo existem várias formas de o vendedor “engordar” sua renda jogando os
números. Traduzindo é possível construir um bom salário como vendedor de carros, alcançando
valores consideravelmente superiores aos de muitos profissionais de nível superior completo e bem
alocados no mercado.
Mas isso cobra um preço, na verdade “alguns preços”. Primeiro é que deve-se trabalhar muito (nada
menos que 60 horas por semana, e estar SEMPRE disponível no telefone celular, seja no dia de
folga, em algum feriado, fora do horário normal de expediente). Segundo ponto, é a sazonalidade do
mercado. Neste caso em períodos normais ou de vendas em alta, tudo é “lindo e maravilhoso”, mas
quando o mercado entra em crise ou ainda se o “carro chefe” da marca começa a deixar de ser
desejado pelos consumidores, o inferno começa a “chamar”.
Conta rápida para entender o raciocínio, partindo como exemplo uma concessionária que venda em
média com mercado aquecido 150 carros mês e que tenha 10 vendedores, resulta numa média de 15
carros para cada vendedor (claro se todos tiverem a mesma produtividade o que é impossível), e por
algum motivo que pode ser uma mudança de cotas de importação, crise nos EUA, uma obra na
cidade que atrapalhe o trânsito de acesso à loja, facilmente pode ter sua média reduzida
abruptamente para 100 carros, o que resulta em 10 carros por vendedor.
Para a loja não é um problema, pois como expliquei a venda de carros é a operação de lucro, então
uma redução nas vendas por alguns meses não vai “fechar a loja” (a menos que tenha problemas de
administração), mas a vida do vendedor vai sofrer um impacto, principalmente por que no momento
de “recessão”, menos financiamentos são vendidos. E então começa uma linha tênue, onde cada
venda de cada carro torna-se uma mistura de desespero e alívio momentâneo (se concretizada a
venda).
O dilema moral
Neste ponto é bom e ruim para o consumidor, pois o vendedor queimará todas as margens, fará de
tudo para vender, inclusive será induzido a mentir, omitir informações buscando sem escrúpulos
forçar o fechamento de uma negociação. Isto é a parte crítica, onde realmente o profissional tem que
ter estômago para ter paz consigo mesmo. Eu não tive.
Não critico nem condeno os vendedores que “não estão nem aí” em forçar uma negociação, o
problema é que o sistema induz a isso, as concessionárias estimulam a competição entre os
vendedores, e adotam a filosofia do “se estás ganhando pouco é por que não está se esforçando”,
gerentes e diretores incentivam a “desonestidade”, a preocupação é que o cliente não precisa estar
satisfeito, mas pensar que está satisfeito com a compra por achar ter feito um excelente negócio, isto
é visto como algo “natural”.
Claro que não concordo que a pessoa, no caso o vendedor, deva se render ao sistema, mas para
participar dessa brincadeira e levar isso de fato como carreira, em algum momento obrigatoriamente
terá que “enganar” algum cliente, senão as contas pessoais não poderão ser pagas!
E antes que venha algum argumento, do tipo “juntar dinheiro” nas épocas boas, o mercado é muito
dinâmico, e existem muitas marcas e modelos atualmente disponíveis no mercado (por mais que o
nível seja baixo), então pensando-se que se tem que guardar o dinheiro imaginando que o mês
seguinte pode ser ruim, entra-se num ciclo onde se trabalha muito, ganha-se bem, mas não dá para
“curtir” o mesmo com tranquilidade. O problema não é um ou dois meses ruins, mas uma sequência
de meses ruins, e isso acontece sem dar indícios, quando menos espera-se.
Depois da experiência que tive em diferentes marcas, posso classificar o mercado de automóveis
como um meio “podre”. Infelizmente, ética não tem valor algum neste meio. Como falei, trata-se de
emprego que resulta em uma boa rentabilidade mas que pode literalmente enlouquecer quem foi
criado prezando princípios éticos.
Mas não pode-se condenar quem trabalha, pois realmente a remuneração é de fato muito atrativa e
querendo ou não o mundo é feito por predadores e presas, e não existe sentido “deixar de colocar
comida para dentro de casa” por achar que está fazendo algo não ético, pois afinal a lei e as
autoridades permitem que isso seja feito, que o mercado proceda deste jeito.
Mudam as marcas, o CNPJ, mas as regras do jogo no final das contas são as
mesmas. Complementando, antes que algum vendedor sinta-se ofendido, não sou vendedor
frustrado, apenas quis expor para os leitores NA os “bastidores” do que acontece em muitas
concessionárias e qual é a realidade das negociações nas vendas de veículos, pois temos muitos
comentários de consumidores, alguns vendedores, mas nunca vi um relato sobre o que “acontece”
dentro de muitas concessionárias as quais são “endeusadas” como “templos” de carros 0km.
Acho que não preciso responder a pergunta: “O que levou-me a sair do ramo?”
A propósito, ganhei dinheiro sim, mas prefiro minha vida atual com um salário razoável,
trabalhando 40 horas por semana, com qualidade de vida e paz de espírito. O bom é que aprendi
como comprar carro e o quão atento preciso ser ao levar para as revisões.
Fonte: www.notíciasautomotivas.com.br