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CAPITULO IV

DIREITO E TEMPO

Dimensão temporal das fontes, em especial a lei e os seus desvalores

Qualquer OJ assente no predomínio da experiência legislativa renova-se através da revogação das leis anteriores (7/1
CC) pelas leis posteriores (12/1 CC).

Mas as leis posteriores:

 As leis posteriores podem não chegar a revogar as anteriores, quando não cumpram determinados requisitos:
1. Existência;
2. Eficácia;
3. Validade.

Uma lei pode não dispor apenas para o futuro, vendo os seus efeitos projetados também no passado, neste caso é
uma lei retroativa.

Quando procuramos a norma aplicável a um caso concreto temos de:

1. Se o ato legislativo é valido e eficaz;


2. Se a norma incide sobre aquele caso concreto, no sentido de o mesmo se incluir no seu âmbito de aplicação
temporal;

Para se poder dizer que existe um determinado ato legislativo (lei), este tem de satisfazer um determinado número
de requisitos essenciais:

A. Requisitos de validade
1. Requisitos de validade quanto aos casos de inexistência por determinação da CRP

Então quanto ao facto de se o ato legislativo é valido e eficaz:

 Atos normativos voluntários


 Promulgação das leis e dos decretos de lei;
 Assinatura das resoluções da AR que aprovem acordos internacionais e dos decretos do governo de
aprovação desses acordos (134/b e 137 CRP)

 Promulgação

A CRP faz depender no seu art. 137 a existência de um ato normativo da respetiva promulgação. É através da
promulgação que o PR atesta a qualificação de um ato em face dos diferentes tipos de atos constitucionais dela
carecidos, verificando o cumprimento dos requisitos constitucionalmente exigidos quanto á competência, maioria e

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conteúdo. Sem promulgação o ato não existe. Destina-se a promulgação a assegurar que o mesmo cumpre os
requisitos de validade previstos na CRP.

 Referenda ministerial

Existem atos do PR que carecem de referenda ministerial, e são eles:

 No âmbito da competência quanto aos outros órgãos:


 Nomeação e exoneração dos membros do governo, sob proposta do PM;
 Dissolução das assembleias legislativas das regiões autónomas;
 Nomeação e exoneração, ouvido o governo, dos representantes da república para as regiões
autónomas;
 Nomeação e exoneração, sob proposta do governo, do PR do tribunal de contas e do procurador-geral
da República;
 Nomeação e exoneração, sob proposta do governo, do CEMGFA, Chefes de Estado-Maior dos 3 ramos
(ouvido o CEMGFA), ARTº. 133/h/j/l/m/p e 140.
 No âmbito da competência de atos próprio:
 Promulgação das leis, decretos-leis e decretos regulamentares, assinatura das resoluções da AR que
aprovem acordos internacionais e restantes decretos do governo;
 Declaração do estado de sítio pu de estado de emergência;
 Indulto ou comutação das penas, ouvido o governo, ARTSº. 134/b/d/f e 140.
 No âmbito das relações internacionais:
 Nomeação de embaixadores e dos enviados extraordinários, sob proposta do governo, a acreditação
dos representantes diplomáticos estrangeiros;
 Ratificação dos tratados internacionais, depois de aprovados;
 Declaração de guerra em caso de agressão efetiva ou de iminente e feitura de paz, sob proposta do
governo, ouvido o concelho de estado e mediante autorização da AR, ARTSº. 135/a/a/c e 140.

A referenda ministerial tem a função de qualificar um ato como correspondente ás categorias previstas na CRP.
Exprime também um princípio de colaboração entre 2 órgãos: o governo e o PR.

Diferente é a promulgação, esta é livre, enquanto que a referenda é obrigatória, só podendo ser recusada nos casos
em que faltem requisitos constitucionais para a existência dos atos em causa.

2. Requisitos de validade quanto aos casos de inexistência por natureza

Art. 286/3 CRP estabelece que o PR não pode recusar a promulgação da lei de revisão.

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Mas imaginemos que AR aprova uma lei de revisão constitucional sob proposta do Governo, contra o disposto no
285/1 CRP nos termos do qual a iniciativa de revisão compete aos deputados. Neste caso o PR não esta obrigado a
promulgar a lei de revisão que não tenha origem no próprio parlamento através dos seus deputados.

Se não há lei constitucional, o PR não esta obrigado a promulgar a lei constitucional existente.

3. Requisitos de validade quanto aos atos administrativos

Os requisitos de validade podem ser avaliados em relação aos atos administrativos, art 161 e ss CPA, e me relação a
negócios jurídicos de direito privado, 286 CC.

 Atos normativos inválidos

o os atos normativos inválidos são nulos. a nulidade consiste mais grave da invalidade, impede a
produção de qqr feitos pelo ato que afeta e pode ser declarada em qualquer momento por qualquer
tribunal, a pedido de qualquer interessado.
o a anulabilidade consiste no vício menos grave da invalidade, só impede a produção de efeitos depois
de ser declarada a pedido dos interessados a favor dos quais vício é estabelecido, o que deve ser feito
dentro de um determinado prazo, considerando-se sanada decurso desse prazo.

 nulidade atípica
 inconstitucionalidade: desconformidade do ato com a CRP.
 Ilegalidade: e a desconformidade do ato legislativo com o disposto numa lei de valor reforçado. A violação de
um ato legislativo por parte de um regulamento administrativo

Os regulamentos administrativos que violem a CRP ou a lei são nulos e podem ser impugnados a todos o tempo com
esse fundamento.

Já os regulamentos que enformem ilegalidade formal ou procedimental do qual não resulta a sua inconstitucionalidade
são anuláveis, 144 CPA, só podem ser impugnados no prazo de 6 meses, prazo esse dentro do qual também a
administração os poderá anular oficiosamente.

B) Requisitos de eficácia

A eficácia Depende da publicação no jornal oficial, 119/2 CRP e 5/1 CC. o ato ineficaz não produz efeitos. a não
publicação ausência do próprio ato.

2. entrada em vigor das leis


fala-se de início e fim de vigência, mas pode suceder que uma lei continue a produzir efeitos depois do seu fim de
vigência. Os tribunais podem aplicar, e aplicam, leis cujo fim de vigência já ocorreu, por revogação. De igual modo,

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pode acontecer que uma lei produza efeitos antes da sua entrada em vigor, bastando para o efeito que lhe seja
atribuída eficácia retroativa.

o Entrada em vigor

a) Eficácia jurídica, produção de efeitos.

 Entrada em vigor e publicação. Artigo 5.º, n.º 1, CC, a lei só se torna obrigatória depois de publicação no jornal
oficial;
 119/2 CRP: só e eficaz depois de publicado.
 Artigo 1.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada pela lei n.º 43/2011, de 24 de Agosto: determina a
eficia jurídica dos atos a que se refere esta lei, depende da sua publicação no diário da república.
 O artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 74/98 determina que o início de vigência dos atos legislativos não pode, em caso
algum, verificar-se no próprio dia da publicação. Só se for uma lei ordinária, esta pode ser derrogada por
diploma de nível equivalente, que determine a aplicação imediata. Isso pode acontecer em dois tipos de casos:
1. situações de inadiável urgência (medidas em casos de calamidade pública);
2. evitar o prejuízo ou frustração dos objetivos da lei (se a lei determina a suspensão da compra de divisa
estrangeira, o período de vacatio permitiria a procura intensa de divisas, possivelmente com fins
especulativos).
 A vacatio legis. Artigo 2.º, n.º 2, L74/98 entram em vigor no 5.º dia após publicação, nos termos do artigo 279.º
e 296.º CC.
o Técnicas de vacatio:

- Data fixa, regras do artigo 279.º para o cômputo do termo.

«Data da publicação» e «data da distribuição»: uma distinção ultrapassada?

A polémica à luz da Lei n.º 6/83, de 29 de julho. A publicação em papel do jornal oficial colocava o problema de saber
como tratar os casos em que o DR era distribuído depois da publicação. Havia dois tipos de problemas: qual a data a
considerar para efeitos de início de vigência; como tratar os casos em que a distribuição não era uniforme. Com a
supressão da versão em papel estes problemas acabaram.

Artigo 2.º, n.º 4, versão inicial: «Os prazos referidos nos números anteriores contam-se a partir do dia imediato ao da
publicação do diploma, ou da sua efetiva distribuição, se esta tiver sido posterior»; versão atual: «O prazo referido no
n.º 2 conta -se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional -
Casa da Moeda, S. A.». Por outro lado, deixou de existir um registo da distribuição, que constava da versão inicial do
artigo 18.º da Lei n.º 74/98.

 Art 5/1 l74/98:

As retificações:

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Âmbito, prazo e retroatividade: «1 — As retificações são admissíveis exclusivamente para correção de lapsos
gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correção de erros materiais provenientes de
divergências entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1.ª série do Diário da República e são
feitas mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, publicada na mesma série.

ART 5/2 L 74/98— As declarações de retificação devem ser publicadas até 60 dias após a publicação do texto retificado.

Art 5/3 L 74/98— A não observância do prazo previsto no número anterior determina a nulidade do ato de retificação.
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Art 5/4 L74/98 — As declarações de retificação reportam os efeitos à data da entrada em vigor do texto retificado.»

cessação de vigência

4. Cessação da vigência da lei

As leis podem cessão a sua vigência em razão de:

a) Modalidades: revogação, caducidade, desuso e costume contra legem.


o Revogação

Conceito:

Consiste na cessação da vigência ou eficácia, duma lei em virtude de entrada em vigor duma outra lei que com ela se
mostre incompatível. Exprime o princípio segundo o qual lex posteriori priori derrogat.

Fundamento:

O fundamento do fenómeno revogatório encontra a sua expressão na revisão da CRP. Pois de outra forma seria
contrário ao princípio democrático e ao princípio da justiça entre gerações, reservar as pessoas com direito de voto
no momento em que a constituição foi aprovada o poder de determinar o seu conteúdo para gerações vindouras
temos que distinguir dois aspetos:

1. Prende-se com a identificação dos princípios que justificam a renovação das normas dum ordenamento
jurídico com base na revogação (princípio da soberana democrática e justiça entre gerações)

Este aspeto foi expresso por:

- Hobbes que afirmou que o legislador não é aquele por cuja autoridade as leis pela primeira vez foram feitas, mas
aquele por cuja autoridade elas continuam a ser leis.

- Rosseau afirma que não é pelas leis que o estado subsiste, mas pelo poder legislativo. A lei de ontem não obriga
hoje, mas do silencio presume-se o consentimento tácito e entende-se que o soberano confirma incessantemente as
leis que não abroga, podendo faze-lo tudo o que declarou querer uma vez, quere-o sempre, a menos que o revogue.

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2. o fundamento da revogação não é diretamente a vontade do atual legislador, mas a regra comum ao legislador
atual e a todos que o antecederam no mesmo ordenamento, segundo o qual as leis aprovadas validamente por cada
um deles continua em vigor ate ser validamente revogada. Ou seja, quando um legislador individual morre, a sua
obra legislativa perdura. A mesma encontra fundamento numa regra geram que gerações sucessivas da sociedade
continuam a respeitar em relação a cada legislador seja quando for que este tenha vivido.

 Lex posterior priori derogat.

Fundamento do princípio: sistema político centralizado assente na existência de um poder legislativo autónomo;

limites do princípio: a lei revogatória deverá ter, pelo menos, a mesma hierarquia da lei revogada. Nessa medida,
existe uma interdependência entre os princípios lex posterior derogat legi priori e lex superior derogat legi inferiori.

 Critério de aferição da lei posterior

A lei mais recente é aquela que é publicada mais tarde e entra em vigor mais tarde.

Data da publicação, normalmente coincidente com a data da entrada em vigor.

 Casos difíceis:
A. lei que é publicada posteriormente em relação a uma outra entre em vigor antes desta última:

neste caso a data relevante tem de ser a da manifestação de vontade dos órgãos de soberania (órgão autor),
correspondente á data de aprovação do diploma e não da data em que a imprensa nacional casa da moeda de
desincumbiu do seu dever. Se a AR, mudando de opinião, aprovar um diploma de sentido oposto aquele que haja
aprovado no dia anterior, a revogação não deixara de se produzir apenas porque o Pr os promulgou no mesmo dia o
INCM publicou diplomas no mesmo dia.

B. Duas leis publicadas na mesma data entram em vigor em datas diferentes. E duas leis publicadas em datas
diferentes entram em vigor na mesma data.:

Neste caso será também pelo critério da data de aprovação pelo órgão legislativo em causa. No caso de diplomas terem
sido aprovados na mesma data, devera prevalecer a data de entrada em vigor.

Caso contrário possibilidade de interpretação ab-rogante e surgimento de uma lacuna de colisão.

 Modalidades
1. Revogação

a. Revogação expressa, é a revogação por indicação;


b. Revogação tacita, por incompatibilidade do novo regime legal com o anterior;

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Estes dois tipos de revogação podem existi simultaneamente.

c. Revogação simples, que se limita a fazer cessar a vigência de disposições anteriores:


d. Revogação por substituição, em que cessação da vigência decorre diretamente de incompatibilidade do novo
regime com o anterior.
e. Revogação individualizada, incide sobre um aspeto circunscrito dum determinado regime jurídico.
f. Revogação global, que abrange todo um ramo de direito ou instituto jurídico, podendo estender-se a
disposições do regime anterior que não sejam incompatíveis com o novo. E atinge leis especiais anteriores.

Ex: 14/1 CP determina que é revogada toda a legislação relativa ás matérias reguladas pelo CCP.

g. Revogação total e parcial

Lei geral não revoga lei especial, salvo no caso de revogação global. Mas a lei especial revoga a lei geral.

 Repristinação

Art. 7/4 CC afasta o fenómeno da repristinação quando esteja em causa a revogação de leis. Pelo contrário o 282/1
CRP consigna que a declaração de inconstitucionalidade ou legalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde
a sua entrada em vigor da norma que ela haja revogado.

A diferença destes regimes consiste no facto de a revogação afetar a eficácia da lei. Enquanto que a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral implica a invalidade da lei constitucional, pois produz efeitos ex tunc,
o que significa que tudo se passa como se a lei deixasse de existir. Logo se a lei deixa de existir, deixa também de
produzir qualquer efeito revogatório em relação a uma lei anterior, que é assim repristinada. Isto não se passa com a
revogação, pois não afeta a validade, mas a sua eficácia da lei revogada.

2. Caducidade

Consiste na cessação da vigência da própria lei:

a. Caducidade por determinação da própria lei, dois casos:


 lei que estabelece o seu próprio prazo de vigência; l
 ei que se destina nos seus próprios termos a ter vigência limitada no tempo, como sucede com a lei
estabelecida para condições especiais resultante de epidemia, ou a lei que estabelece condições especiais de
segurança durante um evento desportivo.
b. O problema da caducidade por desaparecimento das situações abrangidas.

Neste caso, a lei não se destina a vigorar temporariamente e, por essa mesma razão, só muito raramente haverá
caducidade, pois há que considerar a possibilidade de reaparecimento dos pressupostos da lei.

Oliveira Ascensão dá os exemplos da caducidade da lei reguladora do tráfego num porto tornado inutilizável pelo
assoreamento, ou da cessação da lei da caça ao javali, quando este desaparecer. E se

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entretanto ocorrer o desassoreamento do porto ou o reaparecimento do javali?

3.- costume contra legem e desuso

Costume contra legem: A lei pode cessar a sua vigência em virtude de emergência duma norma consuetudinária de
sentido contrário ao despostos na lei.

Desuso: consiste na inobservância da lei, sem que nenhuma outra norma de sinal contrário tenha vindo ocupar o seu
lugar.

8. DOUTRINAS SOBRE SUCESSOES DE LEIS

A questão de saber em que medida o novo direito se mostra aplicável a factos e a relações jurídicas ocorridas ou
constituídas no passado encontrou várias respostas a partir do século dezanove. Podemos agrupar essas respostas
distinguindo-as entre doutrinas subjetivas e doutrinas objetivas.

A – Doutrinas subjetivas

 A teoria dos direitos adquiridos.

Esta tinha a sua origem na distinção, entre «direitos adquiridos» e «direitos inatos»:

Os direitos adquiridos decorriam do preenchimento dos pressupostos previstos na lei para a aquisição de direitos de
crédito, direitos reais, sucessórios, etc.;

Os direitos inatos prendiam-se com privilégios associados aos estados das pessoas. Foram várias as tentativas de
delimitar a retroatividade da lei com base na ideia de direitos adquiridos. Assim, começou por haver quem sustentasse
que os direitos adquiridos seriam todos os direitos privados constituídos através de atos individuais de vontade,
abrangendo-se assim sobretudo os direitos patrimoniais; pelo contrário, as meras faculdades concedidas pela lei no
contexto de uma sociedade estamental seriam excluídas da proteção concedida aos direitos adquiridos. A
consequência desta doutrina consistia em submeter os privilégios de estatuto social à nova Acão do poder legislativo
no contexto da rutura dos novos Estados constitucionais com o Ancient Régime.

 Ferdinand Lassalle

Sustenta que os direitos, adquiridos através da vontade de ação dos indivíduos, seriam protegidos contra uma
retroatividade de leis posteriores. Se um direito surgisse sem ter por base uma atuação voluntária do indivíduo o
mesmo poderia já estar sujeito à eficácia retroativa da lei60. Mas Lassalle afastava-se já do entendimento existente
sobre os direitos adquiridos quando sustentava a admissibilidade de uma eficácia retroativa da lei que tivesse por
objetivo a reforma social. A eficácia de tais leis sobre as posições jurídicas constituídas ao abrigo da lei anterior era

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justificada com base na ideia de que cada direito existe sob reserva do seu reconhecimento continuado pela ordem
jurídica. Deste ponto de vista, tornava-se possível equiparar os direitos adquiridos aos direitos inatos, segundo o
entendimento tradicional crítica contemporânea recusou esta consequência radical das teses de Lassalle não pode
deixar-se, porém, de salientar a sua importância para a ideia de proteção de confiança: é digna de proteção a confiança
que assenta numa disposição patrimonial da autonomia privada. Neste sentido, «direitos adquiridos e proteção da
confiança designam a mesma realidade».

A dificuldade de distinguir entre direitos adquiridos e direitos inatos foi-se impondo em virtude de, em última análise,
toda a posição jurídica individual poder ser caracterizada como um direito adquirido. Nessa medida, o que relevaria
quanto à caracterização do direito adquirido não seria tanto o tipo de direito em causa, mas a sua completude. É,
certamente, este aspeto que leva alguns autores a distinguir entre direitos adquiridos e simples expectativas, em
termos de a lei nova dever respeitar todos os direitos adquiridos no período de vigência da lei antiga, enquanto as
simples expectativas ou faculdades jurídicas poderiam ser livremente alteradas pela nova lei63. Assim, o meu direito
de crédito, resultante de um contrato, será sempre regido pela lei em vigor no momento da respetiva celebração; a
minha expectativa de ser herdeiro legítimo não é protegida em face da lei que altera a ordem da sucessão legítima. O
conceito de direito adquirido reconduz-se, na verdade, ao conceito de direito subjetivo.

 Teoria de savigny

Distingue entre 2 tipos de normas jurídicas:

 Normas que dizem respeito á aquisição dum direito, quer dizer á ligação de um direito com a pessoa individual.
Ex: se a lei antiga permitir fechar um contrato verbal quanto a determinados bens, e uma nova lei passa a
prever que para bens desse tipo acima de um determinado valor é necessário celebrar um contrato escrito, é
apenas necessário saber á luz de que lei um individuo adquire propriedade sobre o bem. As normas sobre a
aquisição de direitos não deve estar associada qualquer efeito retroativo.
 Normas que dizem respeito ao ser dos direitos, ou seja, ao reconhecimento de um instituto jurídico em geral,
que tem sempre de ser pressuposto antes da sua transformação numa relação jurídica. Ex: quando o
ordenamento reconhecia a servidão ou a escravatura, e posteriormente a eliminou (ser ou não ser de um
instituto jurídico). Ou se o direito de propriedade fosse protegido por reivindicação, art 1311 CC, e passasse a
sê-lo posteriormente apenas através de posse, art 1276 cc, e do direito das obrigações. As normas sobre o ser
dos direitos não esta submetido ao princípio da retroatividade.

Com base nesta diferenciação entre tipos de normas, Savigny desenvolve a ideia de que a proibição de retroatividade
apenas vale para os direitos privados subjetivos, que dizer, para as relações jurídicas; pelo contrário, para o direito
privado objetivo, para os institutos jurídicos, é admissível uma aplicação retroativa da nova lei, no sentido de aplicação
imediata.

No que toca às relações jurídicas, Savigny distingue entre as mesmas consoante sejam pontuais ou duradouras.

Quanto aos institutos jurídicos, Savigny analisa as leis de reforma que põem em causa a permanência de posições
jurídicas constituídas à luz do direito anterior.

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As leis de reforma seriam leis que «existem em conexão com fundamentos e objetivos éticos, políticos ou económicos
(…). Faz parte da natureza destas leis que estas tenham de estender a sua força e a sua eficácia mais longe do que as
demais leis». Como exemplo de tais leis, menciona Savigny as «leis proibitivas», que visam eliminar institutos jurídicos
contrários à liberdade pessoal, como a escravatura ou a servidão. Tais leis seriam de aplicação imediata, mas apenas
se for possível concluir que é posta pelo legislador na sua execução o maior cuidado e justiça. Na dúvida, as posições
jurídicas constituídas ao abrigo do direito anterior às leis proibitivas não devem ser eliminadas, mas apenas adaptadas.

A importância de Savigny não decorre tanto de terem sido adotadas as suas propostas concretas, mas antes de ter
pela primeira vez pensado o problema segundo categorias dogmáticas que estão na base de um direito privado
intertemporal, construído em paralelo a um direito privado internacional, explorando ainda o significado da ideia de
ordem pública para aquele.

B – Doutrinas objetivas

 O princípio objetivo.

As teorias subjetivas são apontadas duas críticas:

 a imprecisão da noção de «direitos adquiridos»;


 o silêncio sobre os efeitos dos direitos adquiridos no passado que se projetem no futuro.

Estas dificuldades levaram diversos autores a procurar explicar o alcance retroativo da lei com base numa conceção
objetiva. O ponto de partida para tais conceções consistiu na distinção entre facta praeterita e negotia pendentia no
Código de Justiniano. as leis e as constituições dão um critério para negócios futuros, mas não podem ser aplicadas a
factos passados, a não ser que expressamente determinem de outro modo relativamente aos negócios pendentes.
Assim, entendia-se que a lei nova vale para os factos novos, a lei antiga para os factos passados e já encerrados. A
retroatividade da nova lei, mesmo relativamente a situações de facto não encerradas, deve em princípio ser excluída,
salvo casos excecionais.

 Doutrina do facto passado

Distinção entre facto jurídico e efeitos:

- O conceito de facto jurídico reporta-se á previsão de uma concreta norma, abrange todo o acontecimento
de que resulta efeitos jurídicos, abrangendo ações humanas, como a celebração de um contrato, mas
também simples acontecimentos de facto, como o nascimento.

A doutrina do facto passado sustenta:

1º que todo e qualquer facto tem como lei reguladora a lei vigente ao tempo em que se realizou. Assim:

o a lei nova regula os factos novos;

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o a lei antiga disciplina os factos ocorridos no seu âmbito de vigência.

2º a lei antiga regula ainda os efeitos ou consequências dos factos passados, ainda que venham a ocorrer no
domínio de vigência da lei nova.

 A distinção entre facto e conteúdo.

Hans Carl Nipperdey desenvolve seguinte distinção:

na medida em que uma lei ligue a constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica a um facto,
a mesma diz apenas respeito a factos futuros da mesma espécie; no caso em que a lei, pelo contrário, diga
respeito diretamente ao próprio direito, isto é, na medida em que a mesma determine diretamente o
conteúdo de uma relação jurídica, entende-se que a mesma afeta os direitos dessa espécie anteriormente
existentes.

Este modo de ver veio conferir maior precisão ao princípio objetivo.

Efetivamente, é diverso o sentido da aplicação para o futuro de uma lei consoante ela disponha sobre um

facto constitutivo de uma situação jurídica ou diretamente sobre o conteúdo desta última, sem curar do
facto constitutivo. No primeiro caso, aplicar para o futuro significa aplicar a factos futuros novos, ocorridos
depois da entrada em vigor da lei nova; no segundo caso, aplicação para o futuro significa aplicação às
situações em curso, ainda que constituídas no passado.

Mas tornava-se ainda necessário saber em que medida se deve entender que uma lei dispõe diretamente
sobre o conteúdo de uma relação jurídica ou apenas sobre o efeito de um facto. Esta dúvida deveria ser
resolvida, segundo Nipperdey, através da interpretação da lei.

Quanto mais sérios forem os motivos que levem a adotar uma nova lei, maior deverá ser o seu efeito sobre
as relações jurídicas já existentes. Isto será especialmente válido quando o novo regime for adotado por
razões éticas ou quando pretender pôr cobro a inconvenientes económicos e sociais. Do mesmo modo, se o
novo regime disser respeito a relações jurídicas especialmente duradouras, deve também entender-se que
pretende atingir aquelas que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Nipperdey reconhece, todavia, dois casos excecionais em que será de aplicar o direito da lei antiga, mesmo
quando a lei nova verse diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas:

i) assim sucederá nos casos em que a avaliação das relações jurídicas é profundamente
diferente à luz da lei antiga e da lei nova sendo que essa diferença não se deixa apreender
à partida e que as razões da mesma não decorrem do direito privado existente;

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ii) por outro lado, deverá aplicar-se a lei antiga quando a aplicação da lei nova implique uma
dureza ou severidade não justificada por razões preponderantes.
iii)
 A distinção entre factos pressupostos e factos constitutivos:

Insuficiência da fórmula da teoria do facto passado.

Baptista Machado salienta que a doutrina do facto passado apenas seria inteiramente exata caso a aplicação da lei
nova a todo e qualquer facto passado implicasse sempre a relativa retroatividade.

Existe casos em que tal não acontece. Ie, a lei nova aplica-se a factos ocorridos antes do seu início de vigência e, a
mesma não comporta retroatividade.

Imaginemos a seguinte hipótese: um dos alunos nesta disciplina comete um crime para o qual a lei prevê uma pena
de prisão de 3 a 8 anos. A pena é suspensa é o aluno, entretanto completa o seu curso. No Verão do último ano do
curso, já depois de concluídos os exames, e quando o aluno se prepara para se inscrever na Ordem dos Advogados,
para aí frequentar o curso de estágio, surge uma nova lei que considera como efeito inibitório da pena em causa a
inscrição na Ordem dos Advogados. Quando o aluno praticou o crime esta consequência não estava prevista, mas
quando se pretendeu inscrever na Ordem dos Advogados passou a estar. P

ode ou não o mesmo inscrever-se?

O que é decisivo para saber se a lei nova se aplica é saber se à data da sua entrada em vigor já existia, ou não, uma

situação jurídica constituída. Ora, o facto gerador do direito de frequentar o estágio só existe com a inscrição na Ordem
dos Advogados e, por essa razão, aplica-se a lei nova. A prática do crime é um mero facto pressuposto, mas não um
facto constitutivo e só estes são aptos a fixar a lei competente para reger determinada situação jurídica.

9. Graus de retroatividade

A retroatividade significa a projeção dos efeitos da lei sobre o passado, ie, sobre fatos ocorridos antes da sua entrada
em vigor.

Distinguimos diversos graus de retroatividade, consoante o modo como a lei nova venham afetar a estabilização
alcançada por uma questão jurídica suscitada no passado:

 Retroatividade de grau máximo ou extrema

Aquela em que a lei nova não respeita as situações definitivamente decididas por decisão judicial transitada em julgado
ou título equivalente, como a decisão arbitral irrecorrível, a transação homologada pelo tribunal, ou as causas em que

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o direito de ação haja caducado. Não respeita as causae finitae, ou seja, as questões juridicamente definitivas
encerradas á luz da lei antiga.

 Retroatividade quase-estrema

Quando a lei nova vem afetar as situações jurídicas já extintas no âmbito da vigência da lei antiga, embora não tenham
sido objeto duma decisão judicial ou título equivalente. Ex: pense-se na lei nova que viesse reduzir a taxa de juro
máxima e estabelecesse a sua aplicação retroativa em termos de obrigar a restituir os juros vencidos sob a lei antiga,
mesmo em relação a empréstimos já inteiramente reembolsados sob o seu domínio de vigência.

 Retroatividade agravada

Quando a lei nova atinge os efeitos já produzidos de factos passados, mas ainda não encerrados. A lei nova que reduz
a taxa de juro, imagine-se que a mesma lei determina a sua aplicação a todos os casos em a prestação já se venceu,
mas ainda não foi satisfeita.

 Retroatividade de grau mínimo, ordinária ou normal

Atinge apenas os efeitos presentes e futuros de fatos passados. A lei nova que viesse reduzir a taxa de juro aplicável a
um empréstimo, a mesma seria dotada de retroatividade ordinária caso se determinasse aplicável aos juros que se
viessem a vencer no futuro, ie, apos a sua entrada em vigor.

10. Direito transitório

Como resolver os problemas que ocorrem quando uma situação jurídica entra em contato com diversas leis que
dispõem sobre a mesma matéria em sentidos diferentes e opostos? Devemos aplicar a lei antiga ou a lei nova?

E possível encontrar dois tipos de soluções diferentes para estes problemas:

o Direito transitório material: a existência de regras que estabelecem um regime próprio, não coincidente com
o da lei antiga nem com o da lei nova, para as situações que entram em contato com ambas as leis;
o Direito transitório formal: regras de conflito que determinam qual das leis, a antiga ou a nova, será aplicável
ao caso.

Em todos aqueles casos em que a lei, normalmente em disposições agrupadas numa secção designada “direito
transitório”, nada disponha em especial sobre as situações em que se suscita um problema de aplicação da lei no
tempo, haverá que recorrer aos critérios gerais fixados no art. 12 do CC, que é também uma disposição de direito
transitório formal.

11. o art.º 12 do CC

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a) Introdução

A presunção de não retroatividade e de limitação da retroatividade.

O n.º 1 do artigo 12.º CC exprime o princípio geral de que a lei só dispõe para o futuro e mesmo que lhe seja atribuída
eficácia retroativa presume-se que essa retroatividade será de grau mínimo, isto é que ficam ressalvados os efeitos já
produzidos ao abrigo da lei antiga.

O artigo 12.º, n.º 2, desenvolve o princípio da não retroatividade ou, por outras palavras, esclarece o que significa a
lei aplicar-se para o futuro.

O artigo 12.º, n.º 2, distingue dois tipos de leis ou normas:

1) Aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade formal ou substancial de quaisquer factos ou sobre os
efeitos de quaisquer factos (1.ª parte);
2) Aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a
tais situações dera origem (2.ª parte).

Dito de outra forma, o artigo 12.º, n.º 2, efetua uma distinção entre casos em que a lei nova só se aplica a factos novos
(sejam eles modificativos, modificativos ou extintivos de uma relação jurídica) e os casos em que a lei nova se aplica a
relações jurídicas, ou situações jurídicas, constituídas antes da lei nova mas que subsistem à data da sua entrada em
vigor.

b) A lei nova que dispõe sobre as condições de validade do facto constitutivo (ou modificativo, ou extintivo)
de uma relação jurídica.

A lei nova dispõe sobre as condições de validade do facto constitutivo (ou modificativo, ou extintivo) de uma relação
jurídica ou diretamente sobre o seu conteúdo?

Se dispõe sobre os requisitos do facto constitutivo, a lei nova só se aplica a factos do género que se destina a regular
ocorridos depois da sua entrada em vigor.

Exemplos: a lei exige escritura pública para contratos que até aí podiam validamente ser celebrados por escrito
particular; a lei exige que os nubentes tenham idade de 18 anos (em vez dos atuais dezasseis anos) para poderem
casar. De acordo com o artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte, a lei só se aplica a contratos ou casamentos futuros, pois dispões
sobre condições de validade formal (forma do contrato) ou substancial (a idade dos nubentes).

Este raciocínio, que vale para os requisitos dos fatos constitutivos duma relação jurídica, vale também para os
requisitos dos fatos extintivos:

o Para o facto extintivo a lei exige que a denúncia de um contrato, até então possível mediante simples escrito
particular, passe a ser efetuada por um meio mais formal (por exemplo, notificação judicial avulsa). A lei só se
aplica a denúncias que sejam levadas a cabo depois da sua entrada em vigor.

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Se a lei nova, em vez de dispor sobre uma condição de validade formal da denuncia, vier acrescentar novos casos em
que é possível a uma das partes denunciar o contrato, já estaremos perante uma lei que dispõe diretamente sobre o
conteúdo da relação jurídica.

c) A lei nova que dispõe diretamente sobre o conteúdo duma relação jurídica

Se a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de uma situação jurídica, coloca-se a questão de difícil resolução:

A lei modela o conteúdo da situação jurídica em causa dando, ou não, relevância aos factos que deram origem a tais
situações?

Utilizando a terminologia do art,.º 12 CC: a lei dispõe diretamente sobre o contudo da relação jurídica, abstraído do
facto que lhe deu origem?

Se abstrair, ie, se não atribuir qualquer relevância a tal facto, a lei será aplicável ás relações anteriormente constituídas
que subsistam a data da sua entrada em vigor, mas em que condições?

1) Compreendemos que se abstrair se aplicará diretamente às situações em curso.


2) Compreendemos também que se não abstrair se retoma a parte final da primeira parte deste n.º 2.

Por outras palavras, se à segunda questão respondermos negativamente, voltaremos à parte final da primeira parte
do nº2 quando ali se diz que se a lei dispuser sobre factos e seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa
os fatos novos.

Entende-se como tais efeitos apenas os efeitos não destacáveis dos fatos constitutivos duma relação jurídica, com a
consequência de a lei nova aplicar apenas a efeitos de factos ocorridos depois da sua entrada em vigor.

É o que acontece, por exemplo:

1) se a lei nova altera o regime da responsabilidade (efeitos) de factos ilícitos: tal lei aplica-se apenas a factos
ilícitos ocorridos depois da sua entrada em vigor.
2) Do mesmo, no que toca à sucessão por morte (sucessão legal e voluntária), deve entender-se que se a lei nova
altera o respetivo regime se aplica apenas aos casos em que a abertura da sucessão venha a ocorrer em
momento posterior.
3) No que toca à sucessão voluntária entende-se, que as leis sobre validade formal dos testamentos e capacidade
para a sua feitura regem-se pela lei em vigor no momento da respetiva celebração, por aplicação do critério
da primeira parte do n.º 2.

A que critérios devemos, pois, recorrer para responder à segunda questão? Quando é que a lei nova, dispondo
diretamente sobre o conteúdo de uma situação jurídica, abstrai do facto que lhe deu origem e quando é que não
abstrai?

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d) A lei nova aplicável em matéria contratual

Deve entender-se que as leis no domínio do conteúdo dos contratos são em princípio leis que dispõem sobre o
conteúdo das situações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, isto é, sem abstrair desses factos. Por
outras palavras a lei que rege as situações jurídicas contratuais é a lei em vigor no momento em que os contratos
foram celebrados.

Porquê? O fundamento deste regime específico da sucessão de leis no tempo em matéria de contratos reside no
respeito das vontades individuais expressas nas suas convenções elos particulares, por outras palavras, o respeito pelo
princípio da autonomia privada que, aliás, goza de proteção constitucional, nos termos do artigo 26.º, n.º 2, da
Constituição. A intervenção do legislador que venha afetar o regime estabelecido pelas partes afeta o equilíbrio das
suas relações e, consequentemente, a segurança jurídica, pelo que não devera atingir as relações contratuais e, curso.

A aplicação deste regime não suscita quaisquer dúvidas quando o legislador atua sobre o regime dos contratos através
de leis dispositivas, por exemplo supletivas ou interpretativas. Se as partes celebrarem um contrato de compra e venda
de um bem móvel na necessitam de prever o lugar de entrega, de acordo o 772 CC, a prestação deve ser efetuada no
lugar do domicílio do devedor, se as partes não estipularem em sentido contrário. Uma vez que as leis se aplicam no
silencio das partes num contato em que acordarem, pode afirmar-se que tais leis se incorporam nos contratos
celebrados no período em que se encontram em vigor, sendo como que tacitamente acolhidos pela vontade das partes
(lex transit in contratum). Por essa razão se diz que os contratos estão submetidos, e, princípio, á lei em vigor no
momento da respetiva celebração. Entende-se que essa lei foi escolhida pelas partes nos seus negócios.

O que acontece, no entanto, se o legislador intervém através de normas injuntivas? Não há dúvida que existe uma
cada vez maior intervenção do legislador no domínio dos contratos em virtude uma visão intervencionista do Estado
na vida económica e social. Esta intervenção leva a que existam cada vez mais medidas legislativas destinadas a
proteger o interesse contratual da parte mais fraca, por exemplo em contratos de adesão (ordem pública económica
de proteção), bem como medidas legislativas destinadas a modificar a estrutura da economia ou a equilibrar a
conjuntura económica (ordem pública económica de direção). Nestes casos deve sem dúvida ceder o princípio de que
a lei nova só se aplica a contratos futuros.

Mas é necessário que, por interpretação da norma, possamos chegar à conclusão de que está em causa uma questão
de ordem pública económica de proteção ou de direção.

Assim, o reconhecimento de que o Estado intervém cada vez mais na economia não nos deve levar a pôr em causa o
princípio da aplicação da lei antiga às situações jurídicas contratuais, uma vez que o seu fundamento é o respeito da
autonomia privada. Se as partes celebrarem um contrato á luz da lei em vigor no momento, e se essa lei for dispositiva,
ou tiver um carater injuntivo pontual, sem subtrair toda uma área de direito á disposição das +artes, deve a mesma
ser aplicável ao longo do período de execução do contrato, mesmo que a lei venha posteriormente ser alterada em
termos injuntivos. Deste modo, quando dispõe em matéria de contratos, o legislador deve ser previdente declarando
que a lei nova é aplicável às situações em curso, ie, que a lei nova se aplica as relações contatuais decorrentes de

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contratos já celebrados que se mantenham apos a sua entrada em vigor. Caso contrário, se não estiverem em causa
questões de ordem pública económica, aplica-se a lei antiga, mesmo que a lei seja injuntiva.

e) Lei nova em matéria de direitos reais, direitos de personalidade e direito de família

Existem outros tipos de situações jurídicas em que o legislador, ao modelar o respetivo conteúdo, se abstrai
necessariamente dos factos que lhe deram origem porque aos privados nunca foi dada a possibilidade de
influenciarem esse conteúdo através dos seus negócios privados.

Assim acontece no domínio dos direitos reais, no direito das pessoas, no direito de autor, no direito da família.

A intervenção do legislador é injuntiva, no sentido de limitar a autonomia dos privados, mas esse carater injuntivo
afere-se no plano global da área do direito em causa, que surge subtraído á força jurigena dos atos privados.

No domínio dos direitos reais, que são direitos absolutos. Isto decorre da regra da tipicidade dos direitos reais, art.º
1306 do CC. Por essa razão, a lei que dispõe diretamente sobre o conteúdo duma relação jurídica real, art 1366 CC
abstrai do facto que lhe deu origem, aplicando-se diretamente as relações em curso á data da sua entrada em vigor.
Os mesmo se passa com os direitos de personalidade.

f) O respeito do princípio da autonomia privada como elemento central do direito transitório no CC

Podemos concluir que o aspeto central do art 12/2 consiste no respeito pela autonomia privada das pessoas na
condução dos seus negócios. Mas este respeito manifesta-se de modo diferente consoante estejamos perante a
previsão da primeira parte do nº 2 ou da segunda. Na primeira parte do nº2 a autonomia é respeitada na medida em
que os requisitos necessários á constituição dos negócios jurídicos como os respeitantes á forma de celebração de um
contrato, apenas são exigíveis para o futuro. Na segunda parte do nº2 a autonomia é respeitada na medida em que
se, aquando da constituição de um negócio jurídico, a lei deixa margem aos privados, em função da área de direto
privado em que intervém, para modelarem o respetivo conteúdo, será essa a lei aplicável á relação jurídica em causa.

Então porque razão quando respondemos á pergunta de saber se a lei que dispõe diretamente sobre o conteúdo da
relação jurídica se abstrai do fato que lhe deu origem o fazemos com base no carater globalmente injuntivo da área
do direito privado em que se insere a lei, em vez de o fazermos atendendo apenas á especifica natureza injuntiva da
lei nova ou antiga?

R: a natureza especifica da norma não é suficiente para o efeito, importando ainda apurar o papel reservado á
autonomia privada na área do direito privado que esteja em causa. A relevância máxima da autonomia privada é
alcançada no domínio do direito das obrigações, aos contratos.

Segundo o art 405 cc “a parte tem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos diferentes dos previstos
neste código ou incluir nestes as clausulas que lhes aprouver”. Esta aqui abrangida não apenas a liberdade de
celebração, mas também a liberdade de estipulação.

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Nas restantes áreas do direito civil, ainda que se mantenham a liberdade de celebração, a liberdade de estipulação é
limitada, e muitas vezes excluída. Assim sucede nos direitos reais, em que vigora a regra da tipicidade prevista no
1306/1 CC, mas também nos direitos de personalidade, em que a autonomia privada é sujeita a especiais limites de
ordem publica, nos atos familiares pessoais, como o casamento ou perfilhação, e no direito das sucessões, fora da
sucessão testamentaria.

Para que se possa dizer se uma lei, ao dispor diretamente sobre o conteúdo duma relação jurídica, abstrai o facto que
lhe deu origem, ou configura aquele conteúdo como um efeito destacável deste facto, é, pois necessário que a lei se
inclua numa área do direito civil que exclua tendencialmente a liberdade de estipulação.

O aspeto decisivo não consiste em a lei nova reduzir ou excluir, esta liberdade, mas em a lei antiga a admitir. Quando
o art 12/2 se refere á lei não tem só em vista a lei nova, mas a área do direito privado em que simultaneamente se
integram a lei antiga e a lei nova.

Ex: se uma lei fixar o limite máximo da taxa de juro a praticar em certo tipo de empréstimo e depois a alterar, fixando
num valor inferior o limite máximo, deve entender-se que a lei não abstrai do facto que deu origem á relação de
empréstimo, pois ao abrigo da lei antiga existia uma efetiva liberdade de estipulação, que deve ser salvaguardada ao
abrigo da lei nova. Do mesmo modo, ainda que a lei antiga estabelecesse uma taxa de juro fixa para um certo tipo d
empréstimo e a lei nova se limite a alterar o seu valor, deve também entender-se que a lei não abstrai ao facto que
deu origem a relação de empréstimo, pois subsiste uma liberdade de estipulação quanto aos outros aspetos da relação
em causa que podem ser decisivos na decisão de celebrar o negocio.

12. Leis sobre prazos

a) o art 297 do CC

Distingue entre duas hipóteses:

1ª: se a lei encurta um prazo aplica-se aos prazos em curso, mas o prazo só começa a contar a partir do início da
vigência da nova lei, salvo se segundo a lei antiga faltar menos tempo para o prazo se completar;

2ª: se a lei aumenta o prazo também se aplica aos prazos em curso, mas conta todo o tempo decorrido desde o
momento inicial do prazo, ocorrido na vigência da lei antiga.

Esta solução corresponde a uma aplicação do critério geral contido no art 12 do CC. Assim por razoes de justiça e
conveniência pratica, procede-se no art 297 a uma adaptação das soluções que decorreriam dos critérios gerais para
evitar que, em virtude de encurtamento dum prazo, o mesmo tivesse de ser considerado como automaticamente
decorrido por força da entrada em vigor da lei nova.

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b) antecipação e retardamento do momento inicial do prazo

o art 297 CC incide sobre a alteração da duração do prazo, mas pressupõe que o momento inicial a partir do qual o
mesmo se começa a contar permanece idêntico.

E se a lei nova altera o momento a partir do qual o prazo começa a contar?

1º se o momento é antecipado aplica-se a regra do 297/1;

2º se é retardado aplica-se a regra do 297/2.

Ex: se a lei nova vem antecipar a maioridade para os dezoito anos os prazos que deveriam contar-se a partir da
maioridade só começam a contar-se a partir da data da entrada em vigor da lei nova.

c) Criação ou supressão dum prazo

E se a lei nova estabelecer um novo prazo que não existia antes?

Este deve ser contado a partir do início de vigência da nova lei.

Ex: Se a lei introduzir pela primeira vez a caducidade do exercício do direito de ação judicial em determinado caso,
deve entender-se que o prazo de caducidade começa a contar-se a partir da entrada em vigor da lei nova. Se a lei
suprimir o prazo de caducidade anteriormente existente, isso significa que o prazo em curso já não poderá completar-
se depois da entrada em vigor da lei nova, já não podendo caducar o direito de ação judicial em causa.

d) Prazos a que a lei não aplica o art.º 297

a lei estabelece que quem tiver prestado serviço militar em teatro de guerra e, passados três anos, se manifestar uma
certa doença do foro psicológico, tem direito a uma pensão; se depois encurtar o prazo para dois anos não se aplica o
artigo 297.º.

O facto constitutivo é a manifestação da doença, não o decurso do prazo, que é um simples facto pressuposto.

Doutrina: Como afirma Baptista Machado, em tais casos nada interessa o facto de o prazo ter decorrido, no todo ou
em parte, sob o domínio de vigência da lei antiga, «visto que tal decurso não é, de per si, causa de qualquer efeito
jurídico»

Ex: Se A terminou serviço militar em 1975, numa das ex-colónias, por exemplo, estando em vigor a lei que previa os
três anos a contar da data do fim do serviço militar para manifestação da doença, e se em 1978 a lei encurta o prazo
para 2 anos esta lei é de aplicação imediata contando-se o prazo a partir de 1975. Também aqui, como se disse, há
que distinguir entre factos determinantes da competência da lei aplicável e factos meramente abrangidos no campo
de aplicação da lei competente, segundo a doutrina de Baptista Machado atrás exposta.

 O facto determinante da competência da lei aplicável é a manifestação da doença;

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 o decurso do prazo é um mero facto abrangido no campo de aplicação da lei competente, mas que não serve
para qual seja essa lei.

Assim, se a doença se manifestar antes de 1978 aplica-se a lei antiga; caso contrário, se a doença se manifestar depois
de 1978 aplica-se a lei nova, contando-se o prazo a partir do seu termo inicial – isto

é, o fim da prestação do serviço militar obrigatório –, mesmo que isso signifique que o prazo já decorreu.

10. A lei interpretativa

Dois requisitos para que se possa falar de lei interpretativa:

1. por um lado, a solução do direito anterior deve ser controvertida ou incerta;


2. a solução da lei nova deve ser tal que o intérprete ou julgador a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites da
atividade interpretativa.

Fala-se muitas vezes de retroatividade natural da lei interpretativa.

A lei interpretativa e a que consagra uma solução a que o próprio interprete poderia chegar com base na lei
interpretada. É a intenção do artigo 13.º, n.º 1, a fórmula segundo a qual «a lei interpretativa integra-se na lei
interpretada».

Se as mudanças de jurisprudência quanto à interpretação de uma disposição legislativa, na medida em que a solução
da lei seja controvertida, não são retroativas, também não o serão as leis interpretativas, de acordo com o conceito
atrás esboçado.

Retroatividade material da lei interpretativa; está sujeita ao o limite das causæ finitæ.

Se a retroatividade da lei interpretativa se justifica por não violar expectativas fundadas, então justifica-se que essa
retroatividade se detenha perante todas as situações em que, embora aplicando a lei interpretada, se tornaram certas
e pacíficas, através de decisão judicial, acordo das partes ou conduta das mesmas «que dá execução e põe termo à
relação jurídica que as ligava».

O art. 13 ressalva da eficácia retroativa da lei interpretativa, implícita na afirmação de que esta se integra na lei
interpretada, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada em julgado, por
transação, ainda que não homologada, ou por ato de análoga natureza, deve entender-se que exclui a retroatividade
extrema e quase extrema, admitindo a retroatividade ordinária e agravada.

E em relação aos casos em que a lei, sendo falsamente interpretativa, é como tal classificada pelo legislador? Qual a
relevância de tal qualificação da lei como interpretativa pelo próprio legislador?

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R: Na prática significa que o legislador atribui a esta lei uma retroatividade agravada, que devera de prevalecer no
caso de ser constitucionalmente admissível.

14. leis de conteúdo mais favorável

a) leis que aligeiram formalidades

Por vezes a lei aligeira formalidades tidas por demasiado pesadas e exigidas pela lei antiga como requisitos de validade
de certos negócios, ou dispensar um pressuposto a que a lei antiga condicionava a validade de um negócio, ou eliminar
impedimentos á celebração do mesmo.

O que acontece aos atos praticados sob o domínio de vigência da lei antiga e por esta consideradas inválidos?

Aplicando estritamente os critérios do art.º 12/2 CC com a consequente invalidade dos negócios jurídicos em causa,
todavia se for possível sustentar, por interpretação que o legislador pretende confirmar os atos praticados no domínio
da lei antiga e se não houver interesses legítimos da contraparte ou de terceiros a proteger, costuma entender-se que
se deva aplicar retroativamente a lei nova.

Ex: se estamos perante uma contraparte que não quer respeitar os seus compromissos ou agiu deslealmente,
pretendendo aproveitar-se da circunstância de ter celebrado um negócio nulo ou anulável.

Neste caso a aplicação da lei nova, que já não reconhece o fundamento da invalidade, poderá inviabilizar os desígnios
da contraparte em causa.

Se os requisitos da proteção dos interesses legítimos da contraparte ou de terceiros se mostra relevante, o mesmo já
não sucede com a exigência do caracter confirmativo da lei nova. Se esta aligeirar formalidade de um ato consideradas
excessivas, nada obsta á sua aplicação retroativa, com evidente ressalva das causae finitae, se não existirem interesses
legítimos a proteger, fundados nas expetativas da contraparte ou outras pessoas afetadas pelo ato quanto á aplicação
da lei antiga, tudo depende de a lei nova que aligeira formalidades previstas na lei antiga para a pratica do ato se
mostrar concretamente mais favorável para quem invoca a sua aplicação retroativa, sem que potros eventuais
intervenientes no caso possam opor interesses legítimos que obstariam tal aplicação.

b) leis exclusivamente favoráveis

a hipótese em que a lei nova elimina por completo exigências, restrições ou requisitos previstos em lei anterior.

Por exemplo: a lei antiga exigia determinada autorização para fazer determinada construção e a lei nova deixou de a
exigir. Nestes casos parece ser de aplicar retroativamente a lei nova, sem quaisquer restrições.

As duas hipóteses de aplicação apresentam um evidente paralelismo com o princípio da aplicação retroativa da lei
penal mais favorável.

21
15. estrutura das leis retroativas e sua relevância constitucional

A procura de um conceito unitário de retroatividade e dum critério de aplicação temporal das leis valido para todos
os ramos de direito tem uma utilidade um pouco duvidosa. É mais profícuo analisar as normas dos diversos ramos do
direito na perspetiva da sua relação com o passado. Ao mesmo tempo os critérios do art. 12/2 do CC não são
necessariamente exclusivos do direito privado, devendo apurar-se a sua relevância em outros domínios.

a) Leis penais

A retroatividade das leis penais apenas se torna problemática no que diz respeito ás leis desfavoráveis. Ao contrário,
as leis penais que se mostrem mais favoráveis podem aplicar-se retroativamente sem qualquer restrição, mesmo em
relação a casos que já foram objeto de decisão judicial transitada em julgado, como resulta do art 2/2/4 do CP e do
29/4 CRP.

Nos termos do art. 2/4, do Código Penal:

 Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das
estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicável o regime que concretamente se mostrar mais favorável
ao agente;
 se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo
que a parte da pena que se encontre cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.

Ex: a lei antiga previa uma pena entre 1 a 8 anos, e se a lei nova a reduzir de 1 a 7 anos, esta última será aplicável
retroativamente ao agente apenas se lhe tiver sido concretamente aplicada a pena máxima prevista na lei antiga,
devendo o mesmo ser libertado logo que cumpra 7 anos de prisão.

Por seu turno, de acordo com o art. 2/2 do CP, se o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática
deixar de o ser segundo a lei nova, esta aplica-se retroativamente mesmo que tenha havido condenação transitada
em julgado, cessando de imediato a execução da pena.

b) Leis processuais

No silencio da lei entende-se que vigora no domínio de aplicação das leis processuais o princípio da aplicação imediata
da lei nova.

Surgindo uma alteração ao CPC, a lei nova aplicar-se-á aos processos em curso nos tribunais a partir da sua entrada
em vigor, os processos iniciados posteriormente a essa entrada em vigor são inteiramente regulados pela lei nova.

Este princípio apresenta alguma relação com a distinção entre factos e seus efeitos, subjacente ao art.º 12/2 CC.

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As leis processuais são leis que dispõem diretamente sobre o conteúdo duma relação jurídica, a relação jurídica
processual, abstraindo do facto que lhe deu origem.

c) Leis fiscais

De acordo com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados
nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos

termos da lei.

O artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, estipula as
normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer
impostos retractivos. Mas já o n.º 3 refere que as normas sobre processo e procedimento são de aplicação imediata,
sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

Destas disposições extraem-se dois princípios:

1- O princípio da não retroatividade da lei tributaria;


2- Princípio relativo ao critério de direito fiscal transitório com base nos quais se deve resolver os problemas de
conflitos de leis fiscais no tempo.

Entende-se assim que o princípio da não retroatividade diz respeito aos elementos essenciais do imposto, isto é,
àqueles elementos que contendem com a determinação das pessoas oneradas com o encargo tributário e com a
fixação do montante deste – e que são concretamente a incidência (pessoal e real), as isenções e a taxa do imposto –
deve entender-se que são regidos pela lei que vigora no momento em que ocorre o pressuposto de facto ou o facto
gerador do imposto em causa. Art. 103/2 da CRP.

Já no que toca às normas que regem os atos que integram os processos de lançamento e cobrança do imposto nenhum
obstáculo se ergue à sua aplicação imediata.

A solução quanto a aplicação no tempo de normas sobre elementos essenciais dos impostos corresponde a um
segmento da previsão da primeira parte do art.12/2 CRP uma vez que surgem como normas que dispõem sobre os
efeitos fiscais de determinados factos, ie, os factos que dão origem ao imposto.

Na segunda parte do Art. 12/2 CRP estão em causa normas que dispõem diretamente sobre o conteúdo duma relação
jurídica, no caso uma relação procedimental tributaria, abstraindo do facto que lhe deu origem.

d) Leis de direito administrativo

Afonso queiró sustenta que a lei administrativa nova se aplica aos factos novos e efeitos deles decorrentes depois da
entrada em vigor dessa lei, e aos factos ou estados de facto de trato sucessivo cuja verificação ainda decorra ao entrar

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em vigor essa lei, sendo que neste caso, ela se aplica aos efeitos que a partir da entrada em vigor dessa lei se vão
produzindo.

A lei que altera o regime jurídico-administrativo duma atividade sujeita ao licenciamento aplica-se a partir da data da
sua entrada em vigor, a todas as relações que subsistam a essa mesma data. Porque a lei dispõe aqui diretamente
sobre o conteúdo duma relação jurídica, sem atender ao facto que lhe deu origem, e essa relação prolonga-se no
tempo. Já os requisitos introduzidos pela lei nova para a emissão da licença em causa são apenas aplicáveis aos pedidos
de licenciamento que venham a ser formulados apos a respetiva entrada em vigor. A lei incide aqui sobre os requisitos
do facto constitutivo.

Segundo o mesmo autor, o entendimento explanado deveria sofrer uma atenuação: pois a lei nova não +pode aplicar-
se aos efeitos jurídicos ligados a situações de trato sucessivo quando tais efeitos não se podem produzir de acordo
com a lei nova, ou só se podem produzir em termos de todo imprevisíveis, substancialmente diferentes, desfavoráveis
ou onerosos. A lei antiga, ao abrigo do qual foi licenciado um parque eólico para a produção de energia elétrica previa
a remuneração da eletricidade projetada na rede publica com base numa tarifa remunerada e a lei nova passa a prever
a remuneração em regime de mercado. Devera, no silencio da lei, aplicar-se a lei antiga ou a nova, a partir da respetiva
entrada em vigor, aos parques eólicos que se mantenham em funcionamento?

Não me parece que a resposta possa ser dada nos termos em que foi formulada por Afonso queiró. De acordo com os
critérios do 12/2 CRP as leis que dispõem sobre factos e seus efeitos já ocorridos no âmbito de vigência da lei antiga
aplicam-se apenas aos factos a ocorrer, enquanto as leis dispõem sobre o conteúdo duma relação jurídica que se
destina a perdurar abrangem, a partir da data da sua entrada em vigor, essas mesmas relações. Nesta mesma linha,
as leis que dispõem sobre os procedimentos serão aplicáveis aos procedimentos em curso, pois as leis em causa
abstraem dos factos que deram origem ao procedimento.

No âmbito do direito administrativo não esta em causa o princípio da autonomia privada, mas sim o princípio da
competência. Por essa razão quando uma lei dispõe diretamente sobre o conteúdo duma relação jurídica que se
destina a perdurar, o mais certo é que o faça abstraindo do facto que deu origem a essa relação. Estas considerações
harmonizam-se com os princípios e direito intemporal:

o Princípio da aplicação para o futuro das leis, conjugado com a aplicação imediata da lei nova a situações não
encerradas;
o Princípio da proteção da confiança dos cidadãos na continuidade da disciplina jurídica das situações
duradouras, que deve ser avaliado em ponderação com os interesses públicos subjacentes a uma aplicação
imediata da lei nova.

16. AUSENCIA DUMA PROIBIÇAO GENERICA DE RETROACTIVIDADE NO DIREITO PORTUGUES

Não existe uma proibição genérica de o legislador adotar leis retroativas. O que existe são proibições em determinadas
matérias, assim:

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o Art 18/3 CRP: proibição nomeadamente com as leis penais, leis que fixam os elementos essenciais dos
impostos, e leis restritivas de direitos, liberdades e garantias;
o Proibição de uma retroatividade extrema, uma vez que a mesma, ao afetar decisões judiciais transitadas em
julgado, poem em causa o princípio da separação entre os poderes legislativo e judicial, uma vez que permite
o legislador reabrir aquilo que foi já definitivamente decidido, sem possibilidade de recurso, por um tribunal,
e o princípio da segurança jurídica.
o Art 282/1/3 CRP exclui também a retroatividade extrema, uma vez que as disposições estabelecem que a
declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal, mas ficam ressalvados os casos julgados.
o Princípio da confiança, ínsito no princípio de estado de direito, art 2 CRP. Mesmo que uma lei retroativa não
infrinja nenhuma das disposições constitucionais que excluem expressamente a retroatividade, a mesma
poderá vir a ser julgada inconstitucional com fundamento neste princípio. Ex: a lei interpretativa aplicada
retroativamente pode ser inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança, se contrariar
uma interpretação firmemente arreigada entre órgãos aplicadores de direito.

17. O problema da retroatividade da jurisprudência

Como saber lidar com modificações de correntes de jurisprudência consolidadas em determinada matéria?

A nova manifestação do entendimento judicial apenas devera incidir sobre factos ocorridos apos o seu conhecimento,
pelo menos se for possível invocar o conhecimento pelo interessado da orientação jurisprudencial anterior e não
existir uma alteração dos elementos essenciais da situação de facto em relação a decisões abrangidas em tal
orientação, sob pena de violação do princípio da proteção da confiança.

18. Justiça retroativa

Um dos exemplos mais conhecidos são o julgamento dos criminosos de guerra nazis e da revolução do 25 de abril de
1974 colocaram-se questões de justiça retroativa que encontram expressão no art. 292 da CTRP.

Galvão Teles afirma que existe sempre a tentação, e muitas vezes com boas razoes para o ovo regime perseguir e punir
fatos passados que não eram puníveis no momento em que foram praticados, ou não foram de facto punidos.

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CAPITULO V

DIREITO E NORMATIVIDADE

1. INTRODUÇAO
2. LINGUGEM PRESCRITIVA

3. NORMAS

Segundo Wright as normas reconduzem-se a 3 tipos de normas principais e 3 tipos de normas secundarias:

 Normas principais

São as regras definitórias, diretivas e prescrições.

 Regras são as normas que definem uma atividade. Caso das regras de jogo.
 Diretivas são normas técnicas, que indicam um meio par atingir um fim. Ex: instruções técnicas de uso de
aparelhos domésticos. Não estão destinadas a dirigir a vontade do destinatário, mas o resultado que indicam
esta condicionado a essa vontade. As diretivas incluem uma proposição que deve ser verdadeira para que a

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regra seja eficaz. Ex: seguir as instruções de uso é condição necessária para que o aparelho funcione. Mas isto
não transforma a diretiva em verdadeira ou falsa, apenas se verifica que tais normas incluem uma proporção
descritiva.
 As prescrições são normas caracterizadas pelos seguintes elementos:
o São ordens (imposições e obrigações) e permissões adotadas por uma autoridade e destinadas a
um sujeito, visando uma determinada situação, promulgadas para serem dadas a conhecer e
podem ser completadas por uma sanção, como condição da sua eficácia.

 Normas secundarias

Abrangem regras ideais, princípios morais e costumes.

 As regras ideais estabelecem um padrão. São aquelas que apelamos quando dizemos que um homem deve
ser generoso e justo. Reportam-se á virtudes características de pessoas de uma certa classe ou tipo.
 Os costumes exigem a regularidade da conduta dos indivíduos em situações análogas. São hábitos sociais.
 Princípios morais. Ex: os respeitantes a uma promessa. Existem 2 interpretações:
o Teológica: as normas morais são emanadas de uma autoridade em concreto, como deus, neste
caso as normas morais são prescrições.
o Teleológica: são uma espécie de norma técnica, uma vez que nos indica o caminho para atingir
um fim. Quanto a esta questão de saber qual o fim, temos 2 correntes principais:
 O eudemonismo ou felicidade do individuo.
 O utilitarismo, ou bem-estar da sociedade.
o Segundo outro modo de ver as normas morais são autónomas ou sui generis, e não se deixam
reconduzir a nenhum tipo de normas principais- deontologismo.

4. NORMAS PRESCRITIVAS

(Segundo Wright)

 Elementos das normas prescritivas:


o Carater prescritivo
o Conteúdo
o Condições de aplicação
o Autoridade a que emanam
o Sujeito normativo a que se destinam
o Ocasião espacial ou temporal da sua aplicação
o Promulgação

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o Sanção

Carater prescritivo

 Envolvem uma imposição ou obrigação, quando a norma se da para que algo deva fazer-se;
 Uma proibição, quando a norma é dada para que algo não deva fazer-se;
 Uma permissão, quando a norma se da para que algo se possa fazer.

Estes 3 carateres prescritivos correspondem a três operadores da logica deontica.

Ex: dizer que uma conduta é proibida equivale a dizer que o seu oposto é obrigatório.

Conteúdo

Distingue-se atividade de ações.

o Atividades

As atividades provocam uma alteração no estado de coisas existentes no mundo e que podemos atribuir aos seres
humanos.

Estão ligadas aos processos.

Uma alteração ocorre num momento, enquanto um processo se estende de forma continuada no tempo.

o A ação

Abarca as alterações que os indivíduos provocam pela sua intenção, ie, os resultados, mas não já as meras
consequências, sem qualquer conexão com a intenção.

Podem ser positivas ou negativas, segundo o resultado se produza por uma intervenção direta do individuo no curso
da natureza ou uma abstenção de atuar, havendo capacidade para o fazer.

Estão relacionadas logicamente com as alterações.

Condições de aplicação

Estão em causa as circunstâncias ou situações que tem de ocorrer para que exista uma oportunidade de realizar o
conteúdo da norma. Sob este ponto de vista, as normas podem ser:

Categóricas: quando assumem as condições para que haja oportunidade de realizar o seu conteúdo. Assim «feche a
porta» exprime uma norma categórica quanto as suas condições de aplicação se inferem do conteúdo da norma.

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Hipotéticas são as normas que preveem, para alem das condições de aplicação que permitem uma oportunidade
para a realização do seu conteúdo, também condições adicionais que não se inferem do seu conteúdo, por ex «se
chover feche a porta»

Autoridade a que emanam

Diz respeito ao agente que emite ou dita a prescrição. As normas podem ser divinas ou humana, autónomas ou
heterónomas.

Sujeito normativo a que se destinam

Corresponde ao destinatário da norma. Podem ser particulares e gerais.

Ocasião espacial ou temporal da sua aplicação

Consiste na localização espacial ou temporal em que se deve cumprir o conteúdo da prescrição. Podem ser
classificadas em particulares ou gerais.

Promulgação

Consiste na formulação da prescrição através de um conjunto de símbolos que permitam ao seu destinatário
conhece-la. (não em sentido tecnico-juridico)

Sanção

É a ameaça de um dano que a autoridade pode agregar á prescrição no caso de incumprimento.

5. Normas imperativas

a) entre a dimensão imperativa e a dimensão valorativa

as tentativas mais difundidas, de caracterizar as normas jurídicas são aquelas que as classificam como uma espécie
de normas prescritivas, embora salientando o aspeto imperativo, decorrente das sanções associadas ao
incumprimento das imposições e proibições.

O aspeto imperativo consiste em valorizar a sanção como aspeto necessário da norma (ao contrário de Wright). A
norma tende a ser vista apenas como uma norma de determinação, fruto da vontade imperativa do legislador, e não
como uma norma de valoração, que exprime uma ordenação objetiva da vida. Esta tendência manifesta várias
posições diversas:

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1. Entendimento da norma como uma imposição da vontade empírica do soberano, suportada pela aplicação
de sanções.
2. Como expressão dum juízo de dever ser autorizado por uma outra norma, mas igualmente suportado por
sanções.

 Teorias imperativas
 Austin

Toda a norma jurídica e vista como um comando ou ordem, ie, a expressão de um desejo de que alguém se
comporte de determinada maneira e a intenção de lhe causar dano, através da aplicação de sanções, se não se
comportar da maneira desejada.

O que distingue as normas jurídicas dos demais comandos ou prescrições é que o comando jurídico tem a sua
origem na vontade de um soberano.

Kelsen

Vê a norma como expressão dum juízo de dever ser, sem atender á vontade psicológica do seu autor, defende também
a importância central das sanções na compreensão das normas.

Diferença em relação a Austin: separa a norma da vontade psicológica do soberano e integra-a na ideia de sistema
normativo.

Igualdade em relação a Austin: a importância central das sanções na compreensão das normas.

A propriedade fundamental das normas não consiste na vontade do soberano, mas na validade, enquanto existência
especifica das normas, qualidade que não tem meras ordens. As normas exprimem o sentido objetivo de um ato de
vontade, enquanto as ordens exprimem a mera intenção subjetiva de quem as formula.

A teoria de kelsen torna mais evidente que a visão das normas como comandos imperativos assistidos por sanções
permite apenas distinguir as normas, como parte dum ordenamento social que é o direito. A questão é a de saber
como distinguir a ordem jurídica da atividade sistemática dum bando organizado de salteadores de estradas?

A resposta de kelsen é a de que no caso da ordem de coerção do bando de salteadores não se pressupõe qualquer
norma fundamental por virtude da qual as pessoas se devam conduzir de harmonia com tal ordenamento, ie, por força
da qual a coação deve ser exercida sob os pressupostos e pela forma que esse ordenamento determine.

Porque razão o bando de salteadores não pressupõe tal norma fundamental?

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Kelsen responde que tal norma não é pressuposta na medida em que a ordem do bando de salteadores não tem
eficácia duradoura, designadamente por estar abrangida no domínio territorial de validade da ordem jurídica dum
estado cujas normas preveem a atividade do bando como pressuposto de aplicação de sanções que conduzem ao
desmantelamento do bando e a prisão dos seus membros.

Critica: deixa por explicar alguns aspetos a que uma adequada compreensão das normas parece dever dar resposta: a
generalidade e abstração das normas, o lugar das permissões no conteúdo da norma, a ordem de valores a que a
norma adere e pretende realizar.

o Críticas ás conceções imperativas

A critica de qualquer conceção imperativa assenta em 2 aspetos:

1. Há normas que não preveem sanções associadas a imposições e proibições, mas antes atribuem um poder ou
faculdade;
2. A conceção imperativa é também uma conceção voluntarista e, nessa medida, não tem em conta que o direito
é uma ordem objetiva da sociedade em grande parte subtraída às intervenções voluntaristas do legislador.

o Respostas às críticas:

o Engisch

1ª critica: Há normas que não preveem sanções associadas a imposições e proibições, mas antes atribuem um poder
ou faculdade;

Em relação às normas atributivas de direitos subjetivos, engisch sustenta que os direitos subjetivos são mais do simples
permissões.

É certo que ao titular do direito subjetivo reconhece-se uma esfera do poder de modo a ser-lhe possível aproveitar
um bem segundo o seu critério. É também verdade que o direito de propriedade não se limita a proibir os outros de
me perturbarem o domínio da coisa, antes me confere o domínio sobre a coisa, ou poder de atuar sobre ela.

A isto engisch responde que a atribuição de direitos subjetivos é alcançada através de uma significativa instituição de
imperativos. Dir-se-ia que os direitos subjetivos são concedidos através de imperativos. Nesta perspetiva o dualismo
de direito subjetivo e direito objetivo desaparece.

2ª critica: A conceção imperativa é também uma conceção voluntarista e, nessa medida, não tem em conta que o
direito é uma ordem objetiva da sociedade em grande parte subtraída às intervenções voluntaristas do legislador.

Engisch distingue entre:

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- Normas de determinação: que assentam na vontade do legislado;

Normas de valoração: que se impõem a esse mesmo arbítrio, enquanto exprimem a ordenação objetiva da vida.

Aceita a mesma prioridade das normas de valoração sobre as normas de determinação, que se exprimem através dos
imperativos. De outro modo o direito teria de ser encarado como a expressão da vontade caprichosa de um déspota
e não como um produto de ponderações racionais. Sustenta, no entanto:

- Que como simples normas de valoração não poderia o direito exercer o domínio que lhe compete sobre a vida dos
homens em comunidade. Só na medida em que as normas de valoração adquirem a força de manifestações de
vontade, e, portanto, de ordens ou comandos, é que elas se transformam em normas jurídicas.

A questão essencial fica por responder: porque razão devemos considerar as normas de determinação como base do
direito e as de valoração como estrutura nela apoiada?

b) Generalidade e abstração

generalidade: geral é o preceito que se dirige a uma categoria mais ou menos ampla de destinatários, e não a
destinatários individualizados;

abstrato é o preceito que regula uma pluralidade de casos ou situações, e não casos e situações concretas.

É possível reconduzir a generalidade e a abstração a uma noção única: é geral toda a norma que se destina a regular
toda uma categoria de situações ou fatos e pessoas em tais categorias, desde que a definição dessa categoria obedeça
a critérios gerais e objetivamente justificáveis.

Importa salientar que a generalidade e abstração não são necessariamente propriedade que se tenha de verificar para
que possamos falar da existência duma norma. Existem, todavia, razoes que nos levam a afirmar a generalidade e
abstração se devem verificar em relação a um número significativo de normas jurídicas. Por outras palavras: a
generalidade e abstração não são exigências logicas do conceito de norma, sujo aspeto central se reconduz ao
conteúdo prescritivo, mas exigências normativas desse mesmo conceito. Por exemplo o Art. 18/3 CRP estabelece que
as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias tem de revestir caracter geral e abstrato.

Esta exigência assenta nos seguintes princípios:

1. Impedir quaisquer formas de privilégios de grupos sociais e assegurar a igualdade de tratamento entre todos
os cidadãos;
2. Garantir a proteção da confiança dos cidadãos que assim podem esperar que casos semelhantes sejam
decididos de modo semelhante;

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3. Exprimir o critério de justiça que encontra as suas definições mais conhecidas nas regras de ouro: façam aos
outros tudo o que desejariam que vos fizessem;
4. Ou na formulação do imperativo categórico de Kant: age apenas segundo uma máxima tal que possas ao
mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.

c) Hipoteticidade

A disciplina contida nas normas jurídicas aplica-se apenas quando se verificam os respetivos pressupostos. Trata-se
duma característica necessária das normas jurídicas, uma vez que em relação a todas elas é possível efetuar uma
distinção entre a previsão, ou antecedente normativo, e estatuição ou consequente normativo.

1. Previsão

Consiste nas situações da vida demarcadas e exigidas como pressupostos de certas consequências jurídicas.

2. Estatuição

Diz respeito aos direitos e deveres reconhecidos como jurídicos, ie, defendidos e efetivados através de meios jurídicos
quando se verificam as situações de vida descritas na previsão.

As normas jurídicas afirmam um dever ser condicionado através da hipótese legal. Oliveira de Ascensão: as normas
são de aplicação condicionada, mas imperativas quando efetivamente se verifiquem os pressupostos.

Qual é a relação entre previsão e estatuição? Entre hipótese legal e consequência jurídica?

Tal relação pode ser entendida:

1. Como uma relação de condicionalidade, no sentido em, que a previsão define as condições sob a as quais se
deve seguir a estatuição. Assim se alguém, intencionalmente ou com negligencia lesar a vida, a integridade
física, etc… fica obrigado a reparar os danos que dai advenham.
2. A relação entre previsão e estatuição pode também, ser encarada como uma relação de predicação. Neste
caso a norma, seria formulada nos seguintes termos: quem intencionalmente ou com negligencia lesar a vida,
a integridade física, etc… fica obrigado a reparar os danos que dai advenham.
3. Pode ainda ser entendida como uma relação de causalidade. Aqui coloca-se o problema de se saber se será
correto afirmar que entre previsão e estatuição se estabelece um vínculo de causalidade, criado pelo
legislador, que não podemos conceber de outra maneira senão através de uma analogia com a causalidade
natural. A consequência pratica deste modo de ver consistiria em afirmar que não pode haver efeitos duplos
no direito. Assim se alguém se tornou proprietário com base num negócio jurídico, esse alguém não pode
tornar-se também proprietário com base em outra hipótese legal, por exemplo na usucapião. A exclusão de

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efeitos duplos no direito é, todavia, infirmada pela prática. Independentemente de razoes teóricas que
poderão levar a afastar a conceção segundo a qual relação entre previsão e estatuição é uma relação de
causalidade, existem razoes praticas que a tornam insustentável. Pois é possível que um negócio seja nulo por
dois fundamentos, por falta de forma e por incapacidade de uma das partes. Por outro lado, a consequência
jurídica não se encontra totalmente predeterminada na previsão, mas antes pode consistir na atribuição de
competência para, dentro de certos limites, se elaborar uma decisão ajustada.

e) Noção aproximada de normas primarias

Segundo Wright

As normas são critérios de conduta que podem consistir numa imposição, proibição ou permissão adotadas por
uma autoridade, na base de certos pressupostos de facto e, tendo em vista a realização de certos valores,
destinados a uma categoria de sujeitos ou de situações, publicadas para serem dadas á conhecer e suscetíveis de
serem completadas por uma sanção.

Esta definição apenas abrange as normas primarias.

6. CLASSIFICAÇOES DAS NORMAS JURIDICAS


6.1 Normas primárias e secundárias

Segundo Bobbio

Distingue 2 entendimentos relativos á relação entre primário e secundário:

a) a relação entre ambas pode querer significar uma relação temporal, em que «secundário» é o que vem depois;
b) ou então uma relação de ordenação axiológica entre duas classes, ordenação essa que pode atender à função
recíproca dos termos dessa relação, significando em tal caso «secundário» o menos importante ou acessório,
normalmente contraposto mais a «principal» do que a «primário», ou então à posição recíproca de dois
termos, sendo «secundário» aquilo que está em estado de dependência, subordinação ou inferioridade.

Temos assim que a relação entre primário e secundário pode ser encarada como uma relação temporal, funcional e
hierárquica.

Assim:

o Na máxima primo jure, potior jure (o direito favorece aqueles que estabelecem primeiro o seu direito), o título
primário na relação cronológica é também primário na relação axiológica;
o Na máxima lex posterior derogat priori, a lei secundária na relação cronológica é primária na relação
axiológica.

a distinção entre normas primárias e secundárias tem também uma pluralidade de significados.

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 Entendimento tradicional

Em princípio, primárias são as normas que estabelecem o que se deve fazer ou não fazer e secundárias as normas que
preveem uma sanção no caso de violação da norma primária. Dito de outro modo, as normas primárias, ou direito
substantivo, estabelecem como os cidadãos são obrigados a comportar-se. Torna-se, no entanto, impossível inferir
destas normas como deve o juiz decidir no caso de as mesmas serem violadas. Por isso, é necessário um conjunto de
normas secundárias, ou direito das sanções, que especificam quais as sanções a aplicar em caso de violação das normas
primárias. Neste sentido, a relação entre normas primárias e secundárias é puramente cronológica, sendo neutra do
ponto de vista valorativo.

A partir deste entendimento tradicional, e valorativamente neutro, da distinção entre normas primárias e
secundárias, começou a esboçar-se a tendência para encarar as normas primárias como dirigidas ao cidadão e as
normas secundárias como dirigidas ao juiz. Nesta perspetiva, atendendo às funções desempenhadas por cada um
deste tipo de normas num ordenamento jurídico entendido como um ordenamento coativo, era inevitável entender-
se que as normas mais importantes eram as segundas, as secundárias, e não as primárias.

 Kelsen

Inverte a distinção tradicional entre sistemas de normas primarias e secundaria, no sentido em que considera como
mais relevantes as normas que prescrevem sanções, surgindo aquelas que preveem condutas cuja violação acarreta
uma sanção como implícitas nas primeiras.

O que sucede com as normas que não preveem sanções jurídicas?

Por exemplo, as normas constitucionais que não preveem sanções, mas estabelecem direitos e garantias, ou atribuem
competências para alterar outras normas? Ou as normas do código civil que estabelecem as condições para se
celebrarem contratos validos?

Para kelsen são apenas partes ou antecedentes de normas que estabelecem sanções.

De acordo com este modo de ver, as normas que conferem faculdades seriam normas relativas á criação de outras
normas que, essas sim, impõem deveres. A norma da CRP que atribui ao parlamento competência para legislar, seria
um mero antecedente da norma parlamentar que pune o homicídio. Do mesmo modo, a norma do CC que prevê como
se celebram contratos seria o antecedente da norma contratual que estabelece sanções para o incumprimento do
contrato. O ponto de vista de kelsen é o do infrator.

O problema com este entendimento esta em que a violação da norma constitucional que atribui poderes para legislar
em determinadas matérias, ou da norma do CC que prevê a forma dos contratos, acarreta a invalidade das respetivas
normas legislativas ou dos contratos celebrados. Em tais casos não se preveem quaisquer sanções para os autores das
normas legislativas invalidas, ou para as partes no contrato invalido. Uma hipótese para superar esta dificuldade
consistiria em encarar a própria invalidade como uma sanção. Uma sanção pressupõe que uma determinada conduta

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que é indesejável e merece ser desencorajada. Mas é duvidoso que o direito pretenda desencorajar ou considere
indesejável, o comportamento dos que celebram uma compra e venda dum imóvel sem escritura publica.
Simplesmente não reconhece os seus efeitos jurídicos, ou esteja implícito um juízo de censura. Em qualquer caso, há
comportamentos no direito para os quais não se prevê, em caso de violação, qualquer consequência negativa. Por ex:
art 1874/1 CC, nos termos da qual pais e filhos devem-se mutuamente o dever de respeito, auxílio e assistência. Ainda
que o dever de assistência possa ser coativamente imposto, através da obrigação de prestar alimentos, o mesmo já
não sucede com o dever de respeito.

 Bobbio

Considera a presença de normas sem sanção em qualquer ordenamento jurídico como um facto incontestável. Não se
refere as normas individuais, mas ao ordenamento jurídico, e que isso não implica que todas as normas deste sistema
sejam sancionadas, mas apenas que o sejam a maior parte.

 Ross

Segundo este autor as normas tradicionalmente designadas primárias são, na realidade, secundárias. Ie são irrelevantes as normas
primarias. Afirma este autor,
De um ponto de vista lógico, existe apenas um conjunto de normas, nomeadamente as designadas normas “secundárias”, que
prescrevem como devem os casos ser decididos, isto é, prescrevem as condições sob as quais a coação violenta deve ser exercida.
As normas primárias, em termos lógicos, não contêm nada que não esteja já implícito nas normas secundárias, enquanto o
contrário não é verdadeiro.»

Hart

Hart distingue entre normas primárias ou normas de obrigação, por um lado, e, por outro, normas secundárias, em
cujo âmbito distingue três tipos: normas de reconhecimento, normas de alteração e normas de julgamento.

o Normas de reconhecimento

As normas de reconhecimento são normas de identificação das normas primárias como normas dotadas de autoridade
dentro do sistema, são, no fundo, as normas que caracterizam o sistema de fontes de um sistema jurídico;

o Normas de alteração

as normas de alteração são as que conferem poderes para introduzir novas regras primárias e para eliminar as antigas;

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o Normas de julgamento

as normas de julgamento são aquelas que conferem poder para proferir decisões dotadas de autoridade relativas à
questão de saber se, num caso concreto, foi violada uma regra primária.

Qual a importância da construção de Hart?

Trata-se muito simplesmente de chamar a atenção para dois aspetos importantes, até então negligenciados:

(i) por um lado, permite encarar as normas secundárias como normas sobre normas, como sucede com as
normas que disciplinam a revogação, mais do que normas dirigidas os juízes;
(ii) por outro lado, leva ao reconhecimento da existência de normas de competência, como distintas das
normas de conduta que constituem o cerne das normas primárias.

Com efeito, enquanto Kelsen e Ross entendem as normas secundárias como normas que têm como destinatários os
juízes, mas não se distinguem essencialmente das normas primárias, Hart sustenta que as normas secundárias têm
uma natureza muito diversa das primárias. Hart vem tornar claro que nem todas as normas são imperativas, ie,
normas que pretendem orientar vinculativamente o comportamento humano. Para alem destas, há normas que se
limitam a atribuir poderes a determinadas entidades.

Com efeito, a definição de deveres em termos cronológicos em termos de normas secundarias, entendidas no sentido
cronológico, ie, como normas que impõem obrigações aos juízes de aplicar sanções em caso de violação das normas
primárias que estabelecem deveres e obrigações aos cidadãos em geral, isto significa que aquelas normas devem ser
garantidas por outras que impõem obrigações a outros funcionários no sentido de aplicar sanções aos juízes que não
apliquem sanções aos cidadãos que violam as normas primárias. E assim sucessivamente.

6.2 Normas preceptivas, proibitivas e permissivas

As normas que criam impostos, as normas penais positivas, as normas que preveem a faculdade de resolver um
negócio ou denunciar um contrato.

6.3 Normas injuntivas e dispositivas

A distinção prende-se com o modo como as normas se relacionam com a autonomia privada.

Normas injuntivas limitam o exercício da autonomia privada, podendo ser preceptivas ou proibitivas.

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Normas dispositivas habilitam ao exercício da autonomia privada, podendo ser facultativas, ou permissivas, supletivas
e interpretativas.

o Normas supletivas

São aquelas que se destinam a suprir a falta da manifestação da vontade das partes sobre determinados pontos do
negócio que carecem de regulamentação. Assim, se as partes nada dispõem sobre o lugar do cumprimento das suas
obrigações, aplicam-se as disposições previstas nos art. 772 e ss do CC.

o Normas interpretativas

São aquelas que determinam o alcance e sentido imputáveis a certas expressões a ou certas condutas declarativas ou
atos das partes, em caso de dúvida. Estas normas exprimem-se usualmente através de presunções, como sucede com
o art 441 CC, segundo o qual no contrato promessa de compra e venda presume-se que tem caracter de sinal a quantia
entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de
pagamento pelo preço.

6.4 Normas gerais, especiais e excecionais

o Normas excecionais

São as que se opõem ao regime-regra, constituindo um regime de exceção, ius singulare.

As normas excecionais são uma classe de normas especiais, com a particularidade de estabelecerem uma relação mais
individualizada com as normas gerais.

o Normas especiais

As normas especiais surgem agrupadas em ramos do direito especial (direito do trabalho, direito comercial).

Assim o princípio da liberdade de forma consagrado no art 219 CC para os negócios jurídicos em geral é excecionado
no art 875 pela exigência de escritura publica para a compra e venda de imoveis, mas reportando-os ao direito
comercial, ao direito do trabalho como direitos especiais em relação ao direito privado comum previsto no CC.

Já o direto de polícia é um direito especial em relação ao direito administrativo geral.

6.5 Normas completas e incompletas

A distinção entre normas completas e incompletas diz respeito a hipoteticidade:

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o Normas completas são dotadas de previsão e estatuição, e incompletas todas aquelas em que falta um destes
elementos.
o As normas incompletas abrangem as definições legais, remissões, ficções e presunções.

 Definições

Como ex: art a 201 a 212CC que definem as várias categorias de coisas. O art 804/1/2 CC.

 Remissões
 Remissão intrasistemàtica

São as normas através das quais o legislador, em vez de regular diretamente uma matéria, lhe m anda aplicar outras
normas do sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal.

Há remissões dirigidas á estatuição: art 678 em que são aplicáveis ao penhor, com as necessárias adaptações os art
692,694 a 699, 701 e 702.

Há remissões dirigidas á previsão: art 974 possibilidade de revogar a doação por ingratidão quando se verifique alguma
das ocorrências que justificam a deserdação previstas nos art 2033 ss e 2160 e ss.

 Remissão á segunda potência

É o que sucede com o art. 433 que remete para o art 289 quando estabelece que a resolução do contrato é equiparada
á nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. O 289 por seu turno remete para o 1269 e ss, sobre perda ou
deterioração da coisa.

 Remissão ampla

São as que mandam aplicar subsidiariamente outros regimes. O art 1 do Código do processo nos tribunais
administrativos manda aplicar ao processo nos tribunais administrativos, subsidiariamente o processo civil, com as
necessárias adaptações. O art 939 manda aplicar as regras da compra e venda a outros contratos onerosos. O art 1156
manda aplicar ao mandato ás modalidades de contrato de prestação de serviços que a lei não regula especialmente.

 Remissão extrasistematica

São as que mandam aplicar no ordenamento jurídico nacional normas de outro ordenamento, é o que sucede no art
8 da CRP, em relação ao direito internacional publico e ao direito da união europeia.

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 Ficções legais

Consistem na assimilação fictícia de realidades factuais diferentes para o efeito de as sujeitar ao mesmo regime
jurídico. O art 805/2/c CC, estabelece que se o devedor impedir a interpelação considera-se interpelado na data em
que normalmente teria sido. Art 275/2 determina que se a verificação da condição for impedida contra as regras a boa
fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada. Se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem
aproveita, considera-se como não verificada.

 Presunções

São segundo o art 349/1 as ilações que o julgador ou a lei tiram de um facto conhecido para firmar um facto
desconhecido. Podem ser legais ou judiciais.

 Legais são estabelecidas na lei.

Dispensam quem a tenha a seu favor de provar o facto a que ela conduz. Podem ser ilididas mediante prova em
contrário, salvo se a própria lei o proibir, 350.

 Judiciais são presunções naturais, de facto ou de experiência.

Só são admitidas nos termos em que é admitida a priva testemunhal. Art 351 e podem ser in firmadas pela simples
contraprova.

Exemplos de presunções:

 12/1 presunção de retroatividade ordinária;


 441 presunção de que qualquer quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor vale como
sinal, devendo ser imputada na prestação devida;
 491 a 493 presunção de culpa de vigilante de outrem, do proprietário ou possuidor e daquele que tenha a seu encargo
de vigilância de qualquer animal;
 1260 a posse titulada presume-se de boa fé.

Para ilidir estas presunções é necessária prova do contrário.

7. Breves noções de lógica das normas; o paradoxo de Joergensen

Os teoremas da lógica deôntica especificam relações entre conceitos normativos (por exemplo, o que é obrigatório é
permitido) e entre conceito normativos e não normativos (por exemplo, o que é obrigatório é possível). Normalmente,
a lógica deôntica é tratada como um ramo da lógica modal, na medida em que as relações lógicas entre o obrigatório,
o permitido e o proibido são em certa medida paralelas àquelas que se estabelecem entre o necessário, o possível e

40
o impossível, conceitos tratados na lógica modal A primeira dificuldade de uma lógica deôntica radica na sua própria
possibilidade. É esta dificuldade que se exprime no designado dilema de Joergensen:

a ideia de uma lógica de normas encerra um dilema, pois, por um lado, as normas não podem ser verdadeiras ou falsas
e, por outro lado, a conclusão de um raciocínio lógico deve ser verdadeira ou falsa. O dilema resolve-se se pensarmos
que a lógica deôntica não é, na verdade, uma lógica de normas, mas uma lógica de proposições normativas. Por outro
lado, pode sustentar-se que existem conceitos alternativos à verdade, mas que desempenham uma função
equivalente numa lógica de normas, como os conceitos de validade ou de sucesso, na teoria dos atos de linguagem.

Bobbio

Para o efeito, podemos partir da distinção feita na lógica entre proposições afirmativas e negativas.

Vejamos a proposição afirmativa universal:

1. «todos os homens são mortais».

A partir dela obtemos outras duas proposições:

2. segundo neguemos universalmente («todos os homens não são mortais» ou «nenhum homem é mortal»)
3. ou nos limitemos a negar a universalidade («nem todos os homens são mortais» ou «alguns homens não são
mortais»).

Se combinarmos as negações, ou seja, se negarmos o conjunto universalmente e negarmos ao mesmo tempo a


universalidade, obteremos uma quarta proposição

4. («nem todos os homens não são mortais» ou «alguns homens são mortais»).

Temos assim quatro proposições, sendo que cada uma delas tem uma que a contradiz (oposição forte) e uma que é o
seu contrário (oposição mais débil).

Assim:

as proposições «todos os homens são mortais» (omnis) e «todos os homens não são mortais» (nullus) são contrárias;
as proposições «todos os homens são mortais» (omnis) e «nem todos os homens são mortais» (non omnis) são
contraditórias;

as proposições «todos os homens não são mortais» (nullus) e «nem todos os homens não são mortais» (non nullus)
são contraditórias.

Dizemos que duas proposições são contrárias quando não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas
falsas;

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são contraditórias quando não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas; são subcontrárias quando podem ser
ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas;

são subalternas quando da verdade da primeira se pode deduzir a verdade da segunda, mas da verdade da segunda
não se pode deduzir a verdade da primeira.

As contrárias são incompatíveis, as contraditórias são alternativas, as subcontrárias são disjuntivas e entre a
subalternante e a subalternada existe uma relação de implicação.

Isto exprime-se através de um quadrado. Apliquemos o que acaba de ser dito a proposições prescritivas. Se partirmos
de uma proposição prescritiva universal («todos devem fazer p») obteremos três tipos de prescrições com um uso
diferente do signo «não»:

negação universal – «ninguém deve fazer p»;

negação da universalidade – «nem todos devem fazer p»;

uso de ambas as negações – «nem todos não devem fazer p».

No primeiro caso temos uma prescrição; no segundo uma proibição; no terceiro caso uma permissão negativa, na
medida em que isenta alguns do dever de fazer p, ou permissão de se abster de fazer o que está genericamente
imposto; no quarto, em que se excetua alguns do dever de não fazer temos uma permissão positiva, ou permissão de
fazer o que está genericamente proibido a proibição é o contrário da prescrição; a proibição implica a permissão de
não fazer; a permissão de não fazer e a imposição são contraditórias; a prescrição implica a permissão de fazer.

Podemos chegar ao mesmo resultado permitindo de uma permissão positiva P.

Obtemos assim o chamado quadrado deôntico, do qual resulta: são contrárias as imposições e as proibições;
permissões afirmativas e negativas são subcontrárias; mandatos e permissões negativas, proibições e permissões
positivas são contraditórias entre si.

Obrigatório Proibido

Permitido Omissível

A pergunta que inevitavelmente surge é a seguinte: para que serve a lógica deôntica, qual a sua relevância prática?
Devemos reconhecer, antes de mais, que esta lógica não pode ser considerada responsável por qualquer decisão

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substancial, mas é indispensável para uma decisão razoável, na medida em que nos leva a aceitar as consequências
das nossas decisões e a perceber essas consequências.

CAPITULO VI

1. DIREITO PODER E FORÇA


Do poder, entendido como a capacidade humana de dirigir e controlar o comportamento humano nas relações
sociais. O que interessa aqui é a determinação vinculativa de condutas alheias, cujas principais manifestações
consistem na execução forçada e ainda na punição ou ameaça de punição.
É em abstrato, possível configurar quatro relações possíveis entre o poder e o direito:

a) uma relação de oposição


pode ser exprimida através da ideia de que os princípios correspondentes ao direito e ao poder, seriam
avaliados, segundo as categorias do bem e do mal. Nestes termos o direito seria encarado como ordem de
bons costumes e o poder como expressão do mal, como sucede com a concentração do poder nas mãos de
um tirano ou de um déspota.
b) Relação de equiparação

Quem tem o poder determina o direito, o direito é sempre o direito do mais forte. A este modo de encarar a
relação falta a perspetiva da legitimação do poder através do direito. A legitimação em causa pode dizer
respeito ao título (modo de aceder ao poder de segundo as regras do direito vigente), ou ao exercício
(desempenho do poder segundo as categorias do direito e da justiça).

c) Relação de complementaridade

Enquanto ordem do dever ser, precisa do poder, enquanto ordem efetiva do ser, para se impor; o poder, por
sua vez, carece do direito para se legitimar.

d)relação de interpenetração

o direito não se apoia apenas no poder, como algo a ele externo; mais do que isso não prescinde do poder na
sua própria estruturação.

O exercício do poder envolve vários tipos, numa ordem crescente de presença do poder e das suas
consequências negativas sobre aqueles que se lhe acham sujeitos:

1. A simples existência duma entidade dotada de poder político, com a sua autoridade inerente, pode ser
suficiente para determinar a adoção voluntaria dos comportamentos determinados pelo titular do poder;
2. Na hipótese de aqueles que se encontram sujeitos a uma forma de poder se opuserem ao seu exercício,
será necessário que sobre eles seja exercido algum tipo de coerção ou coação, que pode consistir na

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ameaça de que a não adoção dos comportamentos determinados conduzira a uma situação desvantajosa
para o infrator (vis compulsiva)
3. Em vez de atuar sobre a vontade da pessoa existem casos em que o exercício do poder se manifesta em
tomar diretamente efetivo o estado de coisas a que alguém se encontra, obrigado, como sucede quando
o tribunal se substitui á declaração do faltoso no cumprimento de uma promessa, 830 do CC;
4. A forma mais forte do exercício do poder consiste no uso da força física a fim de obter a conformidade
com uma determinação do titular do poder (vis absoluta).

2. COAÇAO E DIREITO
A) coação motivacional ou moral, coação absoluta

são os vários tipos de casos em que pode falar-se de coação:

 uma pessoa ordena a outra que entre numa cela, ameaçando-a para o efeito com uma arma, e a ameaçada
obedece;
 uma pessoa arrasta outra, contra a vontade desta, para uma cela;
 um estranho reboca o automóvel de outra pessoa, contra a vontade desta, para longe do lugar em que se
encontrava.

o Coação motivacional

No primeiro caso, temos coação motivacional, que atua sobre a vontade da pessoa;

o Coação absoluta

No segundo, coação absoluta corporal, que atua sobre o corpo da pessoa coagida;

o Coação absoluta

No terceiro, há também coação absoluta, mas que se exerce sobre os bens da pessoa coagida, podemos chamar-lhe
coação absoluta «real» (como em «direitos reais»).

A estes casos acrescentamos os seguintes:

o Coação imaterial

Ocorrem quando o acontecimento coativo gerado pelo coator decorre do seu poder, reconhecido pela ordem jurídica,
de transformar uma realidade jurídica através dum simples ato de linguagem, designado por ato ilocutório. A preensão
de contas bancarias faz-se por ato de linguagem e é, mesmo intuitivamente, um ato coação. O mesmo sucede com as

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decisões judiciais que produzem a transmissão da propriedade sobre um bem, como acontece com as execuções
especificas de contratos promessas.

Existem dois modos essenciais através dos quais o direito exerce a coação: a execução forçada e a aplicação de
sanções.

 Execução forçada

a execução forçada significa a aplicação do direito contra a vontade do executado, como sucede no processo civil
executivo; a execução forçada corresponde aos casos de coação absoluta,

seja ela corporal ou real.

 Sanção

a sanção, enquanto manifestação da coação, significa uma consequência jurídica negativa associada à violação de uma
norma.

as sanções correspondem à manifestação jurídica da coação motivacional;

a coação não se reduz às sanções. Por outro lado, alguns autores não consideram a execução forçada como uma
manifestação da coação diversa das sanções, mas antes como uma das formas possíveis destas.

Assim, Kelsen entende que as sanções aparecem sob duas formas: as penas e a execução.

B) relação entre coação e direito

Três entendimentos sobre a relação entre coação e direito:

1. Entendimento clássico

Temos o entendimento segundo o qual o direito é o que pode ser exigido pela força:

Kant concebe o direito como fundamento da liberdade externa, o direito como ordem de preservação da liberdade
externa, como ordem de preservação da liberdade de cada um no convívio com os demais.

Assim, um ato ilícito é um ato de alguém que interfere na minha liberdade externa e por isso convoca o uso da força
por mim para evitar esse abuso. Deste modo, a coação é uma interferência na liberdade do outro que anula a sua

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interferência na minha liberdade; é uma negação da negação e, por essa razão, uma afirmação. Neste sentido, a
coação é compatível com o direito, é mesmo a essência do direito enquanto fundamento da liberdade externa.

O ato jurídico obtém a conformidade com a norma através da força; o ato moral obtém a conformidade com a norma
por simples adesão interna ou respeito para com a mesma.

Isto significa que só há coação, e, portanto, direito, onde for legítimo o exercício da força.

Por outras palavras, o entendimento clássico da relação entre coação e direito pressupõe a legitimidade da coação.

Críticas:

i) A coação não está presente no costume


ii) Direito público e constitucional: normas sem coação, pois não existem órgãos para aplicar essa coação.
iii) Direito internacional: idem

Nenhuma destas objeções é decisiva.

A 1ª e a 2ª porque mesmo admitindo que as normas consuetudinárias e constitucionais não são assistidas de coação,
isso não é verdade em relação ao ordenamento como um todo onde aquelas normas se inserem.

A 3ª porque porque a coação no direito internacional pode ser aplicada diretamente pelos estados.

2. Conceção moderna

Este entendimento diz que a coação não é o que torna efetivas as normas, mas antes o objeto das normas. Por outras
palavras, os destinatários das normas jurídicas não são os cidadãos, mas antes os órgãos de aplicação do direito,
máxime os tribunais. Conceção do positivismo, em especial de Kelsen e Ross.

A diferença entre a conceção clássica e a conceção moderna do positivismo compreende-se bem através do modo
como ambas estruturam a distinção entre normas primárias e secundárias.

Para a conceção clássica, as normas primárias regulam o comportamento dos cidadãos e as secundárias regulam os
modos pelos quais que devem reagir os órgãos do Estado, quando os cidadãos não cumpram os seus deveres, através
da coação;

com a conceção moderna do positivismo passa-se o inverso: primárias são agora as normas que prescrevem aos juízes
as condições sob as quais a coação violenta deve ser exercida, através da aplicação de sanções e da execução forçada,
sendo secundárias as normas que estabelecem como devem os cidadãos atuar.

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Para kelsen e Ross, não basta que para cada norma, se prevejam as sanções e os órgãos responsáveis para o efeito.
Introduz-se o problema da regressão infinita; uma vez que uma norma que prevê a aplicação de uma sanção deve ser
garantida, por sua vez, por uma outra norma, dirigida a outros funcionários, assim sucede ate ao infinito. Ainda que
seja verdade que todo o sistema jurídico contenha algumas normas sobre a coação, dai não se segue que todo o
sistema jurídico necessite de ter instituições especificas para executar as sanções. E concebível um sistema jurídico
sem carcereiros. A isto acresce o problema de a legitimidade do uso da força ser posto em segunda linha.

Outras conceções

Maccormick

Para as quais um sistema jurídico não necessita de basear-se num sistema de coação física organizada. Consiste em
salientar que nada impõe que adotemos, quanto o problema da relação entre direito e poder, do ponto de vista do
infrator.

C) Tipologia da coação no direito: as sanções e a execução forçada

A execução forçada consiste na aplicação do direito contra a vontade do obrigado através da imposição duma decisão
jurídica baseada numa norma.

O processo civil executivo constitui o protótipo da execução forçada.

As sanções são consequências jurídicas negativas contra aqueles que hajam violado uma norma. Para alem da norma
de comportamento que é violada, tem de existir uma norma sancionatória, ou pelo menos a norma de comportamento
tem de prever uma sanção para a respetiva violação.

3. Sanções

1) Espécies quanto às consequências: sanções negativas e prémios

As sanções podem incidir sobre a pessoa do infrator ou sobre os atos praticados em respeito dos requisitos previstos
na lei, e podem ser:

 Quanto á pessoa do infrator: positivas ou negativas, caso em que surgem como prémios ou recompensas. São
sanções jurídico-materiais.
 Quanto aos requisitos legais: designadas como sanções meramente jurídicas. Correspondem ais desvalores
dos atos jurídicos.

Classificação tradicional

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Esta classificação tem em vista a distinção entre sanções jurídico-materiais e ss sanções meramente jurídicas são
aquelas que tem que ver com a diversidade de consequências da violação duma norma. Assim:

 Mais que perfeita uma norma cuja violação importa ao mesmo tempo uma nulidade e uma pena. Ex: um pai
que negoceia com outrem favor de uma filha: o negócio será nulo de acordo com o 280/2 CC, e esta em causa
o crime de lenocínio art 169 CP.
 Perfeita será a lei que prevê a nulidade do ato, sem prever para o efeito qualquer pena;
 Menos que perfeita será a lei que prevê apenas uma pena para determinado ato;
 Imperfeita a norma que não prevê qualquer pena ou invalidade, como sucede com as normas que regulam
condutas de órgãos de soberania, art 195/2 CRP.

As sanções positivas são aquelas que implicam uma consequência positiva, ou a atribuição duma vantagem a todos
aqueles que se conformam em determinada medida co o comportamento previsto na norma. O reconhecimento
destas sanções implica que se reconheça ao direito não apenas uma função repressiva dos atos ilícitos e protetiva dos
atos lícitos, mas também uma função promocional de determinados objetivos.

2) Espécies quanto à matéria a que respeitam:

i) Disciplinares:

Quando recaem sobre funcionários ou agente integrado em certa organização desrespeita regras que disciplinam o
seu funcionamento interno ou a sua relação com terceiros, atendendo à ótica da salvaguarda

do interesse da organização em causa);

ii) administrativas

que dizem respeito á violação de regras que regulam relações entre particulares e Administração ou estabeleçam
condutas cujo acatamento é ditado por interesses coletivos, incluindo o poder disciplinar, ilícito de mera ordenação
social e controlo administrativo de certas atividades públicas e privadas, como por exemplo, a revogação de subsídios
do poder central às autarquias locais, a revogação do estatuto de utilidade pública, etc.);

iii) civis

quando se demonstrem desrespeitadas normas que disciplinam relações entre particulares ou entre estes e
Administração atuando como um particular, caso particular das penas civis – indignidade sucessória, artigos 2034.º e
ss. do Código Civil)

iv) criminais

quando alguém viola regras penais. Ie, violação de regras que visam tutelar os valores essenciais da vida social.

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3) Espécies quanto ao fim:

i) sanções compulsórias

se visam compelir o infrator a adotar o comportamento prescrito pela norma, quando este +é ainda possível.

o sanção pecuniária compulsória, artigo 829-A.º CC;


o direito de retenção, artigo 754.º CC;
o juros moratórios ou agravamentos fiscais;

ii) reconstitutivas

se visam reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a violação da norma:

o execução específica, artigo 830.º CC;


o indemnização específica, entrega de coisa igual se não for possível a inicialmente devida, princípio geral do
artigo 566.º CC:

iv) compensatórias

quando visam compensar o lesado pelos danos sofridos, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a
reconstituição natural não seja possível (danos morais; lucros cessantes;

v) preventivas

quando pretendem evitar ou acautelar a violação da norma. Assim ocorre com a inibição de uso de cheque; interdição
do exercício de certos cargos públicos; internamento compulsivo)

vi) punitivas

Se o principal objetivo for o de castigar o infrator. É o caso das penas, multas e coimas.

4. A execução coerciva

aplicação de uma norma, no sentido de imposição de uma decisão adotada com base numa norma, com recurso
à força, isto é, contra a vontade do destinatário dessa norma.

Assim ocorre com:

o Execução coerciva para pagamento de quantia certa

CPC: artigos 724.º ss e 795: tem o objetivo de forçar o devedor ao pagamento da quantia devida.;

49
CPA: artigo 179.º: quando por força de um ato administrativo, devem ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa
coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntario no prazo fixado o processo de
execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, a qual prevê também mecanismos
semelhantes para se efetivar o pagamento da quantia devida.

o Execução coerciva para entrega de coisa certa

CPC artigos 859.º ss; estando previsto que, tratando-se de coisas moveis a determinar por conta, peso ou medida, o
agente de execução manda fazer na sua presença, as operações indispensáveis e entrega ao exequente a quantidade
devida.

Se estiverem em causa bens imoveis, o agente de execução investe o exequente ma posse, entregando-lhes os
documentos e as chaves, se os houver e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que
respeitem e reconheçam o direito do exequente (861/2/3).

CPA artigo 180: estando em causa a obrigação de entrega da coisa certa a uma pessoa coletiva publica, se o obrigado
não fizer a entrega da coisa devida, o órgão competente procede as diligencias que forem necessárias para tomar
posse administrativa da mesma.

o Execução coerciva para prestação de facto fungível

CPC artigos 866 ss: pode ter lugar através de duma execução substitutiva, ie, através de uma execução por outrem, á
custa do executado, ou mediante a aplicação de sanção pecuniária compulsória.

CPA artigo 181: estando em causa prestação de facto fungível de que seja credora a administração, se o obrigado não
cumprir dentro do prazo fixado, o órgão competente pode determinar que a execução seja realizada diretamente ou
por intermedio de terceiros, ficando as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do
obrigado.

(– execução substitutiva, sanção pecuniária compulsória)

o Execução coerciva para prestação de facto infungível

CPC artigo 868: apenas haverá lugar a sanção compulsória.

CPA artigo 175/2 e 178/2: é apenas admitida a coação direta a favor do estado, ou outra pessoa coletiva publica,
quando houver lei que o permita, só podendo ser exercida com observância dos direitos fundamentais e no respeito
pela dignidade da pessoa humana.

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5. PRINCíPIO DA PROIBIÇAO DA AUTOTUTELA

o princípio geral é o da proibição de autotutela.

O art. 1.º CPC consagra-o expressamente: «a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o
próprio direito».

O art. 1.º CPC proíbe que se «faça justiça pelas próprias mãos».

Os casos mais óbvios de «recurso à força» são as ofensas corporais e o homicídio, quando usados para obter alguma
coisa que a vítima pretendia impedir. Contudo, o sentido do art. 1.º CPC é muito mais amplo do que a proibição destes
crimes, que já são evidentemente proibidos e punidos pela lei penal (cf. arts. 131.º a 137.º e 143.º a 150.º CP).

há muitos casos de exercício de um direito através de um uso da «força» que o art. 1.º CPC não proíbe. Por exemplo,
se alguém, ao regressar a sua casa, não consegue abrir a porta com a chave por mau funcionamento do trinco, pode
perfeitamente tentar abri-la com um pontapé.

 A «força» proibida pelo art. 1.º CPC é a força usada contra outra pessoa. Aquela disposição legal proíbe certas
ações sobre a pessoa ou os bens de outrem. A coação, que o citado artigo 1.º proscreve entre privados, implica
por definição um coator e um coagido. As ações sobre a pessoa ou bens alheios são proibidas, é claro, quando
não há consentimento da pessoa atingida. Se, pelo contrário, o meu vizinho me autoriza a demolir com uma
escavadora certo muro no seu terreno que me prejudica, não há aqui nenhum ato de «força» que o art. 1.º
CPC proíba.

Não há coação quando há consentimento livre do suposto «coagido».

 Coerção motivacional

Já há coação, porém, quando o próprio consentimento foi obtido «pela força», designadamente quando alguém é
ilicitamente ameaçado para que consinta. As ameaças e outros modos de intimidação constituem exemplos básicos
de coação e, nessa medida, são proibidas pelo art. 1.º CPC. Trata-se da chamada «coação moral» ou coação
motivacional, devidamente definida no art. 255.º CC, embora para efeitos que agora não nos interessam.

Note-se que só há coerção quando a ameaça é ilícita.

 Coerção absoluta

Além da coerção motivacional, o art. 1.º CPC proíbe por princípio todas as intervenções sobre direitos alheios sem
consentimento do titular desses direitos, ainda que essas intervenções se destinem a exercer um direito do interventor
ou de outra pessoa.

Ex: se um hospede de um hotel se recusa a sair do quarto que deixou de pagar, ~e ilícito o dono do hotel arrasta-lo do
quarto para fora. Se um ladrão furtou uma joia que guarda em sua casa, a vítima de furto não pode invadir para
recupera-la.

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Tudo isto são usos da «força», são atos ilícitos de coação.

Em todos estes casos o código civil exige que se recorra aos meios coercivos do estado, em especial á polícia e aos
tribunais. A própria polícia e semelhantes só podem intervir nestes casos de litígios entre particulares, apos decisão
de um tribunal, de modo que o princípio de proibição de autotutela é um dos princípios que sujeitam toda a coação
+a apreciação dos tribunais.

Se o art. 1.º CPC proíbe a autotutela de direitos, é também proibida, e por maioria de razão, toda a coação privada
que não se destine a realizar direitos. Por exemplo, os familiares e amigos de uma vítima de homicídio não podem
encarcerar o homicida numa cela privada, nem mesmo pelo tempo que o homicida deve legalmente passar na prisão,
nem sequer depois de esse tempo ter sido determinado por um tribunal. Nesse caso, seriam eles a cometer novo
crime, o crime de sequestro (cf. art. 158.º CP). Tem interesse notar estas situações porque nelas não se pode sequer
falar em autotutela de direitos. No direito português e sistemas próximos, os familiares e amigos da vítima de
homicídio não têm um direito (não têm um «direito próprio», um «direito subjetivo») à punição do homicida. Nem o
próprio Estado tem um direito a punir o homicida, mas sim o dever de fazê-lo. A punição dos crimes não corresponde
à realização de direitos subjetivos de ninguém; é, sim, realização do próprio Direito objetivo, ao serviço das várias
finalidades subjacentes à previsão dos crimes em causa. Os familiares da vítima — e a própria vítima, noutros crimes
— têm direitos de participação no processo destinado à condenação do autor do crime (cf. arts. 68.º a 70.º CPP), mas
não têm um direito à condenação nem à punição.

6. LIMITES E EXCEPÇÕES À PROIBIÇÃO DE AUTOTUTELA: INTRODUÇÃO.

O artigo 1.º do Código de Processo Civil estabelece o princípio geral da proibição de autodefesa. Diz-se em tal artigo
que «a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro
dos limites declarados na lei». São:

o Legítima defesa
o Acão direta
o Detenção em flagrante delito
o Direito de resistência
o Defesa privada de direitos: o direito de retenção e a exceção do não cumprimento.

6.1 Legítima defesa

A legítima defesa aparece-nos como o mais elementar caso de autotutela de direitos privados: a ninguém pode ser
negado o direito de se defender quando a força pública não o possa fazer em tempo útil.

 No Código civil
 Requisitos

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Nos termos do artigo 337.º, n.º 1, do CC são os seguintes os requisitos da legítima defesa:

(i) uma agressão atual ou eminente, isto é, uma agressão em curso ou prestes a ser levada a cabo;
(ii) uma agressão ilícita, isto é, contrária à lei;
(iii) uma agressão contra a pessoa ou o património do agente ou de terceiro, quer dizer, uma agressão que
afeta interesses pessoais ou patrimoniais daquele que atua em legítima defesa ou de uma outra pessoa;
(iv) a impossibilidade de recorrer aos meios normais de defesa ou, por outras palavras, à força pública; (v) a
proporcionalidade da defesa, consistente em não ser o prejuízo causado pelo ato manifestamente
superior ao que pode resultar da exclusão.

o Excesso de legitima defesa

De todos os requisitos mencionados ressalta o relativo à exigência de proporcionalidade: o prejuízo causado pela
legítima defesa pode ser superior ao que pode resultar da agressão. Só não pode ser é manifestamente superior.
Realidade distinta da proporcionalidade, entendida como ponderação entre prejuízo causado e prejuízo evitado, é o
excesso de legítima defesa, previsto no n.º 2 do mesmo artigo 337.º.

O que aqui se tem em vista é a desnecessidade ou inexigibilidade do meio de defesa empregue, isto é, a adoção de
um meio de defesa que não se apresenta como o menos gravoso entre aqueles a que o agente pode deitar mão. Trata-
se, assim, como se disse, de uma realidade distinta da proporcionalidade no sentido de ponderação acima exposto. O
ato praticado com excesso de legítima defesa considera-se ainda justificado em caso de perturbação ou medo não
culposo o prejuízo do agente. Um caso evidente de perturbação é aquele do pai que reage à agressão ilícita do seu
filho. Exemplo de medo não culposo é o da pessoa que não pode deixar de passar por um sítio ermo e escuro na sua
deslocação para um determinado local.

o legítima defesa aparente

Hipótese diversa é a da legítima defesa aparente, em que o agente atua em erro acerca dos pressupostos da legítima
defesa. O ato considerar-se-á ainda justificado, mas o agente será obrigado em tal caso a indemnizar o prejuízo
causado, salvo se o erro for desculpável. É a solução decorrente do artigo 338.º do Código Civil.

A obrigação de indemnizar surge aqui como uma consequência da subjectivização da legítima defesa. Ao acrescentar-
se à previsão da norma que prevê a legítima defesa uma dimensão subjetiva, segundo a qual se considera também
justificada a conduta do agente que atua na suposição errónea de se verificarem os pressupostos da figura, acrescenta-
se também à consequência de tal norma, para além da justificação do ato, uma obrigação de indemnizar, salvo no
caso de erro desculpável.

Quando alguém atua em legítima defesa não é possível que aquele perante quem essa defesa é levada a cabo invoque
também, por sua vez, uma legítima defesa.

53
Não há, pois, legítima defesa de legítima defesa.

 No código penal

No direito penal está também prevista a figura da legítima defesa. Assim, o artigo 32.º do Código Penal estabelece que
«Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro». Em relação ao regime do direito civil existem duas diferenças
fundamentais. Por um lado, em caso de excesso de legítima defesa o facto é ilícito, ainda que a pena possa ser
especialmente atenuada, não sendo, no entanto, o agente punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou
susto, não censuráveis (artigo 33.º do Código Penal). Mas por outro lado, parece que a legítima defesa em direito
penal não está sujeita ao requisito da proporcionalidade. Na verdade, o campo de aplicação das normas do artigo
337.º do Código Civil e do artigo 32.º do Código Penal parece ser, no essencial, o mesmo, salvo quanto à exigência de
proporcionalidade, que não limita a legítima defesa prevista no artigo 32.º do Código Penal, podendo em nome desta
sacrificar-se bens jurídicos de valor muito superior ao dos defendidos. Surge, assim, naturalmente a pergunta: poderá
a exclusão da ilicitude do facto em virtude da legítima defesa no âmbito do ordenamento penal não coincidir com a
exclusão da ilicitude com o mesmo fundamento no seio do direito civil? A resposta terá de ser negativa, pela seguinte
razão: se na hipótese em que os prejuízos causados pelo agente fossem manifestamente superiores aos que se
pretendem defender subsistisse o ilícito civil, mesmo afastado o ilícito penal, isso significaria que o agressor se poderia
defender em legítima defesa contra a defesa do agente. Em tal caso, estaria posto em causa o princípio de que não
pode haver legítima defesa de legítima defesa, antes aludido, com as inerentes situações de insegurança e incerteza
daí advenientes.

Para além disso, a não ser assim teríamos um ciclo de violência causado pelo próprio Direito: há agressão ilícita, o
ofendido defende-se, causando danos manifestamente superiores aos evitados, aqui não há legítima defesa para o
direito civil, embora haja para o direito penal; isto significa que o primitivo agressor pode defender-se nos termos da
lei civil, perante o agente; este, por seu turno, não pode defender-se em face da lei civil, mas pode em face da lei
penal; se se defender viola de novo a lei civil, permitindo nova agressão. Não obstante o afastamento do requisito da
proporcionalidade, há limites impostos para o uso da força pela boa fé:

a) estar em jogo a vida do agressor;

b) manifesta superioridade do agente, em função da posse de arma ou treino profissional;

c) manifesta inferioridade do agressor, em função de estado de embriaguez ou fatores circunstanciais.

Nesta conformidade, parece razoável sustentar que com a entrada em vigor do artigo 32.º do Código Penal se deu a
revogação do artigo 337.º do Código Civil, na parte em que exige que o prejuízo causado pelo ato de defesa não seja
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.

54
6.2Acção direta.

A principal diferença entre a ação direta e a legítima defesa pode apenas ser avaliada na perspetiva temporal.

Na legítima defesa a atuação do agente é contemporânea da agressão, enquanto na ação direta a atuação do agente
pressupõe uma agressão consumada ou até a ausência de uma agressão no momento em que o agente atua.

Imaginem-se dois exemplos: à porta de minha casa encontra-se uma pessoa que me impede de entrar e não se desvia
para o efeito; à porta de minha casa encontra-se uma pessoa que me agride quando pretendo entrar.

Só no segundo caso se poderá falar de legítima defesa; no primeiro, poderá apenas estar em causa uma hipótese de
ação direta.

Esta diferença básica explica também o menor alcance da ação direta, na perspetiva dos interesses que

pode acautelar, bem como a formulação mais exigente do requisito da proporcionalidade na ação direta.

São três os requisitos da ação direta, tal como regulada no artigo 336.º, n.º 1, do Código Civil:

(i) verificar-se um caso em que se torna necessário impedir a violação efetiva do direito do agente («realizar
ou assegurar o próprio direito»);
(ii) impossibilidade de recorrer à força pública («impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios
coercivos normais»);
(iii) proporcionalidade dos meios empregues («evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o
agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo»).

O requisito da proporcionalidade é ainda retomado no n.º 3 do mesmo artigo 336.º, quando ali se diz que «a ação
direta não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar».

o Distinção:

Que o principal traço distintivo entre a ação direta e a legítima defesa, isto é, o carácter consumado da agressão, no

primeiro caso, e em execução da mesma, no segundo, permite falar no carácter preventivo da legítima defesa, por
oposição ao carácter repressivo da ação direta.

Precisamente, porque a agressão já ocorreu, na ação direta, é que o círculo desses interesses se apresenta menor: o
artigo 336.º, n.º 1, fala em «assegurar ou realizar o próprio direito», excluindo a possibilidade de o agente visar realizar
ou assegurar o direito de terceiros. Esta restrição não parece, no entanto, ser coerente com a própria justificação da
ação direta, sobretudo se esta se situar também no plano da defesa global do sistema, como adiante se dirá. Não se
vislumbra nenhuma razão para limitar a ação direta à defesa do «próprio» direito. As coisas passam-se já de modo
diferente com o requisito da proporcionalidade: é também porque a agressão já ocorreu que é mais exigente o
requisito de proporcionalidade na ação direta, excluindo-se desde logo o excesso de ação direta.

55
Com efeitos os interesses que o agente visa realizar ou assegurar não podem exceder o que for necessário para o
efeito, nem tão pouco sacrificar interesses superiores. No primeiro caso apela-se às ideias de adequação e exigibilidade
da atuação do agente em vista dos fins pretendidos; no segundo, está em causa uma ideia de ponderação de bens.

Tal como sucede com a legítima defesa, também para ação direta se prevê a justificação com base na mera aparência,
nos termos previstos no artigo 338.º do Código Civil.

No direito penal não é usualmente tratada a figura da ação direta. Todavia:

o art. 31/2/a do CP: estabelece que não é ilícito o facto praticado em legítima defesa

o art. 31/2/b: e prevê não ser também ilícito o facto praticado no exercício de um direito.

Ora, precisamente, a ação direta pode consistir na «eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício de
um direito, ou outro ato análogo», para além da «apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa», como prevê
o n.º 2 do artigo 336.º do Código Civil.

Alguns autores consideram a ação direta como uma espécie de cruzamento incongruente entre a legítima defesa e o
estado de necessidade: por um lado, o ato lesivo de bens jurídicos do agente é encarado como uma agressão e não
como um perigo, o que parece aproximar a ação direta da legítima defesa e afastá-lo do estado de necessidade; por
outro lado, exige-se um juízo estrito de proporcionalidade dos bens em conflito, o que parece aproximar a ação direta
do estado de necessidade e afastá-la da legítima defesa.

Julgamos infundado este modo de ver e consideramos a ação direta, pelo contrário, como um «princípio justificador
geral», ao lado da legítima defesa81. Isto mesmo se demonstra pela circunstância de os casos de uso de meios
coercivos pela força pública se reconduzirem essencialmente a estas duas figuras, como vamos ver de seguida.

No direito público, é também possível encontrar casos próximos da ação direta. Assim, o artigo 427.º, n.º 2, do Código
dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, prevê que «Caso se revele
necessário e na impossibilidade de intervenção atempada da autoridade pública competente, o concessionário pode
adotar as medidas necessárias com vista à utilização da obra pública, devendo, nesse caso, dar imediato conhecimento
deste facto à autoridade pública competente». Pense-se, por exemplo, no caso da empresa concessionária de uma
autoestrada que mantém a via desimpedida de desordeiros.

6.2 Detenção em flagrante delito

Art 255/1/b CPP: não esta em causa assegurar o próprio direito, mas realizar diretamente a ordem jurídica. O que
esta em causa é o poder que assiste a qualquer pessoa de proceder á detenção em flagrante delito do agente de um
crime punível com pena de prisão, se qualquer entidade policial não estiver presente nem puder ser chamada em
tempo útil. Há uma condição suplementar de justificação desta medida de privação de liberdade: a pessoa que tiver
procedido á detenção entregue imediatamente o detido a autoridade judiciaria ou policial.

56
6.3 Direito de retenção e exceção de não cumprimento

Alguns autores incluem entre os casos de autotutela ou defesa privada o exercício do direito de retenção e exceção
de não cumprimento.

Exercício do direito de retenção:

Art 754: o devedor que disponha de um crédito contra o seu devedor goza do direito de retenção se, estando obrigado
a entregar coisa certa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou por danos por ela causados.

Exceção de não cumprimento

428: consiste na faculdade que tem cada um dos contraentes, nos contratos bilaterais em que não haja prazos
diferentes para o cumprimento das prestações, em recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe
cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

Os requisitos do direito de retenção são:

 Que uma coisa se encontre em poder do credor a título de simples detenção;


 Que exista uma íntima ligação entre o crédito e a coisa detida pelo credor, ie, que o crédito e a divida tenham
que ver com a coisa;
 Que seja o detentor da coisa o credor do debito que se trata de defender e que seja o devedor a pessoa a
quem a coisa deva ser restituída.

Gozam do direito de retenção, alem dos casos especiais mencionados no 755 CC, o achador de animais e coisas moveis
perdidas (1323) e ainda empreiteiro.

Quanto ao art 428: sempre que a prestação do contraente que se aproveita da exceptio consistir num dare, a sua
recusa assume do mesmo o caracter de uma relação legitima. Se na compra e venda o comprador não pagar o preço,
o vendedor poderá recusar-se a fazer a entrega da coisa retendo-a. Por esta razão o direito de retenção e a exceção
de não cumprimento tem importantes pontos de contato e assumem o carater de sanções compulsórias.

o Diferenças:
a) no direito de retenção uma parte já cumpriu e pretende compelir a outra ao cumprimento; na exceção por
não cumprimento, nenhuma das partes cumpriu.
b) O direito de retenção protege a realização de um direito, em termos semelhantes ao da ação direta (754). na
exceção por não cumprimento protege a condição do devedor.
c) O direito de retenção é ainda um meio de autotelia, ao contrário da exceção por não cumprimento.

Ambas figuras pressupõe uma relação contratual entre as partes e ambas correspondem a situações ativas enxertadas
em tais relações.

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6.5 Segurança privada

Lei 34/2013

A realização de tarefas pelos privados só pode ser admitida na medida em que estes exerçam os direitos privados que
assistem a todos ou que lhes são confiados pelas pessoas privadas que os contratam. Esta aqui em causa o exercício,
por agentes de segurança privada, de poderes de uso da força que pertençam a todos, ie, poderes que pertencem as
unidades privadas que as contratam, como por exemplo as faculdades de acao direta para a defesa da propriedade pu
o poder de decidir quem pode entrar ou permanecer num local.

Coloca-se a questão de saber em que medida será possível confiar a empresas privadas o exercício das faculdades de
ação direta das entidades que as contratam, atendendo á proibição direta a favor de terceiros, 336/1.

 Lei 34/2013

O art 3 da diz quais são as competências dos serviços da segurança privada.

Art 5, 19/2 diz o que é proibido

O problema suscitado por este exercício de direitos privados consiste no modo como se poe em causa o carater
subsidiário e excecional de institutos como o da legitima defesa e da ação direta.

Neste contexto há quem entenda que a atividade de segurança privada deveria ser equiparada a atividade das forças
de segurança publica, em termos de regime, com base nos seguintes argumentos:

a) Em ambos os casos em causa o exercício de uma de segurança pública


b) A defesa profissional e qualitativamente distinta da legítima defesa e da ação direta não profissionais,
pelo que deveria estar submetida a um regime de direito público
Esta equiparação seria a única forma de obviar a falta de controlo democrático da segurança privada.
A estes argumentos pode contrapor-se o seguinte:
a) na segurança privada está em casa a segurança de bens privados não de bens públicos
b) a defesa profissional não é qualitativamente distinta da legítima defesa, uma vez que pode haver
legítimo defesa de terceiros
c) não está em causa o controle democrático atividade segurança privada.

o segundo argumento parece falível, atendendo a exclusão da ação direta artigo 336/1, parece claro que defesa
deve estar submetida exigências proporcionalidade nos mesmo termos em quê o está a atividade policial, nem
que seja por uma argumentação ausente eficácia externa os preceitos relativos Direitos fundamentais, artigo 337
do CC e artigo 32 cp.

6.6 direito de resistência

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artigo 21 CRP: todos têm o direito de resistir qualquer ordem que ofende os seus direitos, liberdades e garantias
e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer a autoridade pública.
os pressupostos são:
a) Existência de uma ordem que ofende os direitos, liberdades e garantias do agente;
b) ou Existência de uma agressão;
as ordens ou agressões podem provir de agentes de autoridade pública, mas também de particulares.

o resistência passiva
no primeiro caso temos resistência passiva consiste e não fazer o que é imposto (resistência passiva negativa).
ou é fazer o que é vedado, o que consistirá necessariamente a exercer o direito, Liberdade ou garantia ameaçado
(resistência passiva positiva).

o resistência defensiva
no segundo caso temos a resistência defensiva, que consiste na resposta a uma agressão.
a consequência da verificação destes pressupostos consiste na justificação jurídico- penal do facto,31/2/a/b do
CP, não havendo lugar no caso de resistência passiva a Atos de autoridade, a crime de desobediência, 348 do CP.
o direito de resistência não permite a defesa de direitos de terceiros. titulares do Direito da resistência não são
apenas os cidadãos, mas todos, isto é, todos aqueles que possam ser titulares de direitos liberdades e garantias,
incluindo estrangeiros. Nada impede que os exercícios coletivos do direito a resistência quando estejam em causa
direitos de uma categoria de pessoas.
Apesar da CRP falar apenas de resistência a ordens, parece que devem considerar-se quaisquer Atos do poder
que possam infringir direitos liberdades e garantias.
o concreto exercício do direito de resistência faz-se através do exercício do concreto direito, Liberdade ou
garantia que é ofendido por um ato do poder. o direito de resistência é um dos traços do regime dos direitos,
liberdades e garantias, previsto no 18/1 CRP, quando afirma preceitos constitucionais respeitantes aos direitos
liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. a autonomia do
direito de resistência em relação a este traço do regime dos direitos liberdades e garantias ocorre no que diz
respeito casos de resistência passiva nem nos Casos de resistência defensiva, sendo apenas pensável aos casos
de resistência ativa.
mas a resistência ativa não surge formulada na CRP. tal resistência corresponderia reconhecimento de um direito
a revolução no seio da ordem constitucional.

7. uso de meios coercivos pelas forças de segurança


Lei nº 53/ 2008
artigo 34/1: os agentes das forças e dos serviços de segurança só podem utilizar meios coercivos, nos seguintes
casos:

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a. Para repelir uma questão atual e ilícita de interesse juridicamente protegidos, defesa própria ou de terceiros;
b. Para vencer resistência execução de um serviço no exercício das suas funções, depois de ter feito à resistente
intimação formal de obediência e esgotados os outros meios para o conseguir.
artigo 34/2: Prevê que o recurso a utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e pelos serviços de
segurança é regulado em diploma próprio.
o uso de meios coercivos corresponde a Coação direta teorizada em termos equivalentes aos meios de tutela
privada do direito.
qual o significado de proximidade entre a definição do uso de meios coercivos pela força pública as figuras de
legítima defesa e da ação direta?
em primeiro lugar resulta desde logo que não há qualquer referência a proporcionalidade quanto à hipótese de
uso força que se a próxima da legítima defesa, ao contrário do que sucede com a hipótese correspondente a
ação direta.
o princípio da proporcionalidade está consagrado com alcance geral para a atuação dos poderes públicos para
as autoridades de polícia, artigo 272 CRP.

7. Uso de armas de fogo

O paralelismo acima mencionado projeta-se também quanto ao uso de armas de fogo.

Assim, temos antes de mais o Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de novembro, que aprova o regime de utilização de
armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança.

Segundo o artigo 2.º deste diploma, sob a epígrafe «Princípios da necessidade e da proporcionalidade»:

«1 - O recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando
outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias.

2 - Em tal caso, o agente deve esforçar-se por reduzir ao mínimo as lesões e danos e respeitar e preservar a vida
humana.»

O artigo 3.º, sob a epígrafe «Recurso a arma de fogo», enumera taxativamente os casos em que, no respeito dos
princípios constantes do artigo anterior e sem prejuízo do disposto no n.º 2 deste mesmo artigo 3.º, é permitido
o recurso a arma de fogo:

a) Para repelir agressão atual e ilícita dirigida contra o próprio agente da autoridade ou contra terceiros;

60
b) Para efetuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita de haver cometido crime punível com pena de
prisão superior a três anos ou que faça uso ou disponha de armas de fogo, armas brancas ou engenhos ou
substâncias explosivas, radioativas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes;

c) Para efetuar a prisão de pessoa evadida ou objeto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de
pessoa regularmente presa ou detida;

d) Para libertar reféns ou pessoas raptadas ou sequestradas;

e) Para suster ou impedir grave atentado contra instalações do Estado ou de utilidade pública ou social ou contra
aeronave, navio, comboio, veículo de transporte coletivo de passageiros ou veículo de transporte de bens
perigosos;

f) Para vencer a resistência violenta à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter a autoridade
depois de ter feito à resistente intimação inequívoca de obediência e após esgotados todos os outros meios
possíveis para o conseguir;

g) Para abate de animais que façam perigar pessoas ou bens ou que, gravemente feridos, não possam com êxito
ser imediatamente assistidos;

h) Como meio de alarme ou pedido de socorro, numa situação de emergência, quando outros meios não possam
ser utilizados com a mesma finalidade;

i) Quando a manutenção da ordem pública assim o exija ou os superiores do agente, com a mesma finalidade,
assim o determinem.»

Por seu turno, o n.º 2 deste mesmo artigo 3.º prescreve que:

«O recurso a arma de fogo contra pessoas só é permitido desde que, cumulativamente, a respetiva finalidade
não possa ser alcançada através do recurso a arma de fogo, nos termos do n.º 1 do presente artigo, e se verifique
uma das circunstâncias a seguir taxativamente enumeradas:

a) Para repelir a agressão atual ilícita dirigida contra o agente ou terceiros, se houver perigo iminente de morte
ou ofensa grave à integridade física;

b) Para prevenir a prática de crime particularmente grave que ameace vidas humanas;

c) Para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à autoridade ou impedir a sua
fuga.»

61
O n.º 3 da mesma disposição consigna que «Sempre que não seja permitido o recurso a arma de fogo, ninguém
pode ser objeto de intimidação através de tiro de arma de fogo». Finalmente, o n.º 4 introduz uma regra de
limitação de “danos colaterais”, ao preceituar que «O recurso a arma de fogo só é permitido se for
manifestamente improvável que, além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha a ser atingida».

Ainda com interesse, o artigo 4.º, sob a epígrafe «Advertência», prevê o seguinte:

«1 - O recurso a arma de fogo deve ser precedido de advertência claramente percetível, sempre que a
natureza do serviço e as circunstâncias o permitam.

2 - A advertência pode consistir em tiro para o ar, desde que seja de supor que ninguém venha a ser atingido,
e que a intimação ou advertência prévia possa não ser clara e imediatamente percetível.

3 - Contra um ajuntamento de pessoas a advertência deve ser repetida.»

Regras de algum modo semelhantes, mas mais restritivas, estão em vigor para o uso de armas de fogo pelos
particulares. Assim, o artigo 42.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, regula o uso de armas de fogo,
efetuando uma distinção entre uso excecional e uso não excecional. No âmbito do uso excecional, o mesmo
artigo 42.º, n.º 1, distingue entre o uso de arma de fogo para defesa da vida do próprio ou de terceiros e o
seu uso para defesa do património. Nos termos da alínea a) deste mesmo n.º 1 considera-se uso excecional
de arma de fogo a sua utilização efetiva «como último meio de defesa, para fazer cessar ou repelir uma
agressão atual e ilícita dirigida contra o próprio ou terceiros, quando exista perigo iminente de morte ou
ofensa grave à integridade física e quando essa defesa não possa ser garantida por agentes da autoridade do
Estado, devendo o disparo ser precedido de advertência verbal ou de disparo de advertência e em caso algum
podendo visar zona letal do corpo humano»; de acordo com a alínea b) do mesmo n.º 1, considera-se também
uso excecional aquele que possa ser caracterizado «como último meio de defesa, para fazer cessar ou repelir
uma agressão atual e ilícita dirigida contra o património do próprio ou de terceiro e quando essa defesa não
possa ser garantida por agentes da autoridade do Estado, devendo os disparos ser exclusivamente de
advertência». É, desde logo, duvidosa a compatibilidade destas disposições, caracterizadas por um
verdadeiro excesso da proibição do excesso, com os artigos do Código Civil e do próprio Código Penal sobre
legítima defesa.

O n.º 2 do mesmo artigo 42.º caracteriza enquanto uso não excecional de arma de fogo:

a) o exercício da prática desportiva ou de atos venatórios;

b) como meio de alarme ou pedido de socorro, numa situação de emergência, quando outros meios não
possam ser utilizados com a mesma finalidade; c) como meio de repelir uma agressão iminente ou em

62
execução, perpetrada por animal suscetível de fazer perigar a vida ou a integridade física do próprio ou de
terceiros, quando essa defesa não possa ser garantida por outra forma.

Afigura-se, desde logo, duvidosa a possibilidade de os animais «perpetrarem agressões», uma vez que a
expressão significa a prática de uma ação condenável.

8. O fundamento dos casos de autotutela e o princípio do monopólio estatal da força

o que concluir de tudo isto, na perspetiva do princípio do monopólio estatal da força, consagrado no artigo
1.º do Código de Processo Civil?

Quais, de entre as figuras analisadas, ainda que brevemente, devemos considerar como abrangidas pela
noção de autotutela, e quais as que devemos considerar fora do seu âmbito?

O que torna especialmente difícil a resposta a estas questões é, desde logo, a diversidade de prismas pelos
quais podemos, e devemos encarar as várias figuras mencionadas. Assim, se tivermos em vista o fim
perseguido pelo agente, podemos distinguir as figuras que visam impedir a violação de um direito (caso da
legítima defesa, da ação direta, do direito de retenção), ou mesmo só do Direito (uso de meios coercivos pela
força pública, detenção em flagrante delito), daquelas que pretendem assegurar um interesse (estado de
necessidade).

segundo Menezes Cordeiro: legítima defesa e ação direta –

oscilação entre defesa global do sistema e proteção de direitos individuais (se o fim for a defesa global, fará
sentido privilegiar a eficácia da autotutela sobre a proporcionalidade dos meios;

se entendermos que é a defesa da liberdade individual ou apenas dos direitos subjetivos, concluiremos que
os requisitos de proporcionalidade são mais estritos);

estado de necessidade – dever de solidariedade.

Em nenhuma dos casos se pode falar, segundo Menezes Cordeiro, de um direito subjetivo, mas de uma
permissão genérica, ou liberdade95 Em nenhuma dos casos se pode falar, segundo Menezes Cordeiro, de um
direito subjetivo, mas de uma permissão genérica, ou liberdade95. É uma conceção excessivamente presa à
ideia de que os direitos são as posições jurídicas suscetíveis de efetivação através dos tribunais. Dir-se-ia que
não existe um direito a que alguém pratique uma determinada ação, ou se conforme com a prática dessa
ação, mas uma liberdade de atuar ou não. Necessidade de ligar este tema com o estado de natureza, por um

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lado, e com a classificação dos direitos de Hohfeld, por outro. A natureza destas figuras prende-se, de algum
modo, com o facto de serem sobrevigências pontuais do estado de natureza.

Com o direito de resistência, as coisas passam-se de modo diverso – direito subjetivo público. Mas também
aqui se pode dizer que o direito de resistência deve ser exercido para a defesa global do sistema.

Aliás, esta circunstância leva-nos a concluir que não há meio de tutela privada para satisfação de interesses
e necessidades pessoais (e menos ainda para alcançar o poder, no caso do direito de resistência, através da
revolução). Mesmo no direito de resistência isso também acontece, aqui pode dizer-se de um modo especial,
e utilizando a formulação de Rawls, que o direito de resistência exprime a desobediência à lei dentro dos
limites da fidelidade ao direito96. Estas figuras exprimem a passagem do estado de natureza ao estado civil,
em sentido kantiano, mas ao mesmo tempo exprimem também que os arquétipos do uso da força exprimem-
se sempre em figuras de autotutela, como se depreende da comparação entre os casos de uso da força no
direito civil e no direito público.

O princípio do monopólio estatal da força não é afetado pelo reconhecimento destas figuras – em todas
surge o requisito da necessidade, entendido como impossibilidade de recorrer à força pública – mas pela sua
profissionalização.

64
CAPITULO VII

1.RELAÇOES ENTRE DIREITO E MORAL

É usual apresentar-se os critérios do mínimo ético, da coercibilidade e da exterioridade.

 Critério do mínimo ético

Jellineck

Equivale graficamente a apresentar o direito como o círculo concêntrico menor rodeado pelo maior que

representa a moral. e isto Porque o direito corresponde mínimo que é indispensável preservar a vida em
sociedade.
crítica: o mesmo significado que toda a regra jurídica tem caráter moral, o que não é verdade, como se
demonstra com a existência, por exemplo, de regras de fardamento de uma determinada força. esta crítica
não procede.
a crítica é outra: o critério do mínimo ético não serve para explicar o quê delimita as áreas da moral e do
direito. ou seja, não nos fornece qualquer critério que nos permita compreender quais são, em concreto, as
condições preservação sociedade.

 critério da coercibilidade
o critério da sustenta que o direito se distingue da moral na medida em que, no caso de não ser
voluntariamente comprido, se apoia na aplicação de sanções e na execução coerciva. pelo contrário os
comportamentos Morais não envolvem qualquer tipo de sanção ou envolvem uma sanção informal, que
poderemos designar de desaprovação social. este critério falha, porque nem todo o direito é coercível.
Existem regras sem sanção, como aquelas que Estabelecem os direitos e deveres que ligam de uma família
ou as que referem as obrigações naturais tal como definidas no artigo 402 cC.

 critério da exterioridade
o critério da exterioridade sustenta que o direito atende ao lado esterno e a moral lado interno das condutas.
A verdade é que amor não se basta com boas intenções, mas com a prática do dever ético. ao direito não é
indiferente a motivação do agente, isto é, não é indiferente a prática de um Crime com o Dolo ou mera
negligência. este critério salienta um aspeto importante e a reter: é diferente de partida na medida em que

65
o simples pensamento de mandar pode já ser moralmente reprovável, enquanto direito aguarda pela
manifestação exterior da conduta.
dificuldades sentidas na distinção entre direito e moral decorrem de não serem delineados como suficiente
precisão ambos os conceitos.
distingue henkel: entre quatro esferas na moralidade:
 moral autônoma: que diz respeito a ideia tudo bem como algo que é em si mesmo valioso e por isso
a realizar.
 Ética dos grandes sistemas, religiosos ou profanos, os quais assentam em impulsos.
impulsos de grandes personalidades individuais como sucede no caso do cristianismo do budismo ou do
Islão ou de criadores de sistemas filosóficos da ética, como sucede com o estoicismo o humanismo clássico.
estes sistemas distinguem-se da moral autônoma na medida, em que pretendem ser vinculativos Não apenas
para os seus autores, mas para uma multiplicidade de indivíduos. moral social corresponde exigência do
comportamento éticos posta pela sociedade aos seus membros.
 moral humana diz respeito a regras isolada e aplicáveis para toda humanidade.
no seio da moral humana cabe distinguir os seguintes aspetos:
os deveres dos indivíduos para com a comunidade, entre os quais importa realçar o dever de contribuir
para sustentar e manter Esta última, para além disso existem ainda os deveres dos indivíduos uns para
com os outros, que em última análise se prendem com a circunstância die a realização pessoal de cada um
deles não se poder efetuar em qualquer limite.
os deveres da comunidade para com os seus membros dos quais o mais conspícuo é porventura o dever de
garantir a respetiva segurança.
existe uma relação próxima moral social e moral humana, uma vez que os princípios desta última
resultados e considerações em que se ajustam aquilo que é necessário para qualquer vida em comunidade.
tese sobre as relações entre direito e moral
tese da unidade, tese da expressão escrita tese diferença. é possível encarar a relação do direito enquanto
ordem normativa com moral nas suas diversas aceções a luz de cada uma destas teorias.
1. quanto à relação entre moral autônoma e direito, a tese da unidade será apenas possível para quem
adote perspetiva do participante e procura obtenção de soluções jurídicas justas, de acordo com os
princípios que fundamentaram a ideia do Direito em cada ordenamento jurídico.
a propósito do critério da exterioridade leva a duvidar que seja viável a tese da separação estrita. a
perspetiva externa sobre o direito nunca pode ser entendida como conduzindo a uma visão dos fenômenos
jurídicos como puros factos.

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a tese da diferença aponta para uma relação de apoio mútuo entre direito e moral autônoma. do lado
direito podemos dizer cria um espaço protegido de liberdade que é propício ao desenvolvimento da moral.
aqui revestem-se de relevo os direitos fundamentais principalmente liberdade de consciência.
do lado da moral podemos dizer que é nesta que encontramos a justificação para um dever de obediência,
que não assente em meras razões de prudência das normas jurídicas.
atende a diferença explica a existência de situações conflito entre direito e moral esta Terá de ceder, em
certos casos as exigências daquele. ex: o caso de roubar aos ricos para dar aos pobres, bem como os limites
a luz dos quais a ordem jurídica reconhece o direito de resistência, artigo 21 CRP, eu e a objeção de
consciência, artigo 41 CRP.

2. relação entre ética grandes sistemas e direito


a tese da separação estrita ganha maior peso o que reflete no princípio da separação das igrejas do estado,
Art 43/3 CRP. são inegáveis pontos de contacto na medida O que é ordem jurídica garante condições para
o exercício da liberdade religiosa.

3. relação entre direito e moral social


existe uma tendência convergente entre ambas as ordens normativas exemplo, artigo 281CC, segundo qual
é nulo o negócio contrário à lei, á ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.

4. relação entre moral humana e direito


o caráter aberto dos princípios de moral humana, que carecem de ser concretizados pelo direito. muitos
desses princípios necessitam de ser complementados pelo direito e podem apenas ser efetivadas por este
último.

2.DIREITO E JUSTÇA

 Justiça e lei

O nexo entre justiça e lei já foi notado por Aristóteles, para quem um dos significados de justo é o de
conformidade com a lei. ação justa é a ação conforme à lei.

O que dizer do significado de justo quando esteja em causa, não uma ação, mas uma pessoa?

Pessoa justa é tanto aquela que respeita a lei como aquela que distribui imparcialmente os bens e neste sentido
a noção de justiça reclama a de igualdade.

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Esta ambiguidade é evidente quando a expressão «justo» vem referida a atos de sujeitos dotados de autoridade:
- sentença justa tanto pode ser a sentença conforme à lei como a sentença que trata igualmente os iguais.

E que dizer da lei justa?

Se consideramos como justa a ação conforme à lei será de considerar justa a ação conforme a uma lei injusta?

- Lei justa tanto pode ser a lei inferior conforme à lei superior, caso em que se respeita o significado de justiça
como legalidade, como a lei em si mesma igualitária, que elimina uma discriminação, suprime um privilégio. A
primeira relação entre justiça e lei está presente em muitos outros domínios e, na verdade, em todos os domínios
em que fazem sentido as expressões «justo título» ou «legitimidade de título»: do governante, mas também do
proprietário ou do sucessor. São legítimos o governante que adquiriu o poder com base nas regras
constitucionais, o proprietário que adquiriu segundo as regras previstas na lei e o sucessor que herdou segundo
a lei.

Existe uma tendência para identificar processos de justificação e processos de legitimação. Assim, de modo
evidente, no chamado despedimento com justa causa: só é justa a causa, e, portanto, justificado o despedimento,
se a mesma estiver prevista na lei. Do mesmo modo, a guerra justa é aquela que realizada em conformidade com
uma regra geral de direito.

Só que da identificação entre justificação e legitimação passa-se muitas vezes à redução da justificação à
legitimação. É nisto que consiste a teoria legalística da justiça, segundo a qual é justo aquilo que é comandado
pela lei, pelo simples facto de o ser.

É esta a teoria de Hobbes: no estado de natureza não existe critério para distinguir o justo do injusto porque não
existe lei válida e eficaz; no estado civil não faz sentido discutir autonomamente o justo e o injusto porque tendo
sido instituído por acordo dos cidadãos um poder legítimo a justiça consiste simplesmente em observar as leis.

 Justiça e igualdade

Passamos agora à relação entre justiça e igualdade e fazemo-lo notando que é precisamente através da lei que
se obtém uma primeira compreensão dessa relação.

o Formas de igualdade:

 Igualdade formal

A lei geral e abstrata é uma primeira forma de igualdade, a igualdade formal, entendida como igual tratamento

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daqueles que pertencem à mesma categoria. Regra de justiça é, pois, a regra que trata igualmente o que é igual
e desigualmente o que é desigual.

Da igualdade de tratamento inerente à lei, ou através da lei, enquanto norma geral e abstrata, diferencia-se a
igualdade em face da lei, segundo a qual todos os cidadãos devem ser tratados do mesmo modo. A lei diz-nos,
na sua generalidade e abstração qual seja a categoria a que deve ser reservado um determinado comportamento.
O juiz, por seu turno, aplica a categoria.

Mas quais os critérios que nos permitem dizer que os limites, os contornos da categoria, observam a igualdade?

Quando falamos de igualdade em face da lei e igualdade através da lei, temos, respetivamente, dois sentidos de
igualdade: igualdade como imparcialidade, isto é, a lei deve ser aplicada do mesmo modo para todos; igualdade
como não discriminação, isto é, a lei deve ser elaborada atribuindo direitos diferentes a pessoas com base na sua
pertença a classes ou ordens diferentes, ou mesmo a raças diferentes.

Trata-se agora de saber quais os critérios para distinguir os iguais e os desiguais, já não da regra do igual
tratamento de todos os que sejam incluídos numa ou outra categoria. Trata se agora de saber porque é que se
obtém o direito de voto aos 18 anos e não antes; porque é que só podem ser candidatos a determinados cargos
políticos cidadãos nacionais e não estrangeiros; porque é que só podem casar pessoas de sexo diferente e não
do mesmo sexo; porque é que só são obrigados a prestar serviço militar os homens e não as mulheres, etc.

Em sentido formal ou legal é justo que só os homens estejam obrigados a cumprir o serviço militar. Mas é
também justo de um ponto de vista substancial?

O problema seria simples se as pessoas fossem de facto iguais, no mesmo sentido em que o são duas gotas de
água, ou duas bolas de bilhar. Mas as pessoas não são iguais em tudo, são iguais e desiguais e nem todas são
igualmente iguais ou igualmente desiguais. Duas pessoas podem ser iguais com base num critério e desiguais
com base em outro.

Recorre-se às semelhanças relevantes para aplicar um critério: a estatura não é um critério relevante para ter o
direito de votar, embora a idade já possa ser, mas pode ser relevante para a prestação do serviço militar. E o que
é relevante para obter um cargo público? Ou para casar?

Há uma tentação para pensar que existe uma tendência para excluir todas as desigualdades de tratamento, uma
tendência histórica para a progressiva igualização de tudo e todos. Será a igualdade uma forma de progresso?

 Justiça e ordem

69
A justiça é entendida, desde Platão, como a virtude que preside à constituição de uma totalidade composta de
partes e enquanto tal permite às partes estarem em conjunto, não se dissolverem e regressarem ao caos original.
Nessa medida, a justiça é inerente a qualquer possível representação de uma ordem.

A este propósito, é antes de mais relevante a distinção entre justiça distributiva e corretiva.

Aristóteles formulou-a nos seguintes termos:

 Justiça distributiva:

«A justiça particular e o sentido do justo que lhe é conforme têm duas formas fundamentais. Uma tem o seu
campo de aplicação nas distribuições da honra ou riqueza bem como de tudo quanto pode ser distribuído em
partes pelos membros de uma comunidade (na verdade, é possível distribuir tudo isto em partes iguais ou
desiguais por uns e por outros). [. Esta justiça é distributiva].

 Justiça corretiva

A outra forma fundamental é a corretiva e aplica-se nas transações entre os indivíduos. Esta, por sua vez, é
bipartida, conforme diga respeito a transações voluntárias ou involuntárias. Assim, voluntárias são transações
como a venda, a compra, empréstimo a juro, a penhora, o aluguer, o depósito, a renda (chamam-se voluntárias
porque o princípio que preside a tais transações é livre). De entre as transações involuntárias, umas são
praticadas às escondidas, como o roubo, o adultério, o envenenamento, o proxenetismo, a sedução de escravos,
o assassínio, e o falso testemunho; outras são também violentas como o assalto, o aprisionamento, o rapto, a
mutilação, a linguagem abusiva, o insulto.»

Parece essencial para a justiça distributiva a possibilidade de estabelecer distinções entre diferentes pessoas,
como resulta da passagem transcrita, quando aí se diz que na justiça distributiva honra e riqueza podem ser
atribuídas em partes iguais ou desiguais.

3.A JUSTIÇA SEGUNDO ARISTOTELES

Aristóteles, a justiça distributiva «será sempre proporcional aos contributos individuais de cada um».

Pelo contrário, para a justiça corretiva todas as pessoas envolvidas são tratadas de igual modo. Aristóteles afirma
isto mesmo quanto à justiça corretiva nas relações involuntárias:

«Aqui é irrelevante se é uma pessoa boa que defrauda uma má ou se é uma má pessoa que defrauda a boa, tal
como é irrelevante se quem comete adultério é boa ou má pessoa. A lei olha apenas para a especificidade do
dano, e trata toda a gente por igual, o seu intuito é o de ver quem comete injustiça e quem a sofre, quem lesa e

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quem é lesado»122. Na realidade, idênticas considerações são também válidas para a justiça nas relações
voluntárias, usualmente designada justiça comutativa. Neste sentido, o contrato e as ações ilícitas surgem aqui
agrupadas na mesma categoria.

Com base na apontada diferença entre a justiça distributiva e a justiça corretiva, Aristóteles afirma que o
princípio de proporção que preside à primeira é «geométrico», enquanto a segunda se articula segunda uma
proporção «aritmética». Na realidade, as considerações de Aristóteles a este propósito são pouco claras123.
Poderia talvez dizer-se que a proporção geométrica da justiça distributiva é suscetível de ser representada por
um triângulo, com a instância distribuidora no topo e os cidadãos na base; pelo contrário, a justiça corretiva
poderia ser representada por uma linha, em que todos se situam numa posição igual de reciprocidade. Dito ainda
de outro modo, a justiça distributiva é a justiça que atende à pessoa, enquanto a justiça corretiva é justiça sem
consideração da pessoa. No primeiro caso, podemos atender às especificidades da pessoa na distribuição dos
bens pelos membros de uma comunidade; no segundo, relevam apenas os bens que constituem objeto das
relações entre dois indivíduos: prestação e contraprestação no caso do contrato, ação ilícita e compensação no
caso da responsabilidade civil, crime e castigo na responsabilidade penal.

Mas é também relevante a distinção entre a perspetiva daquele que é chamado a constituir a ordem e deve fazer
respeitá-la e a perspetiva daquele que é chamado a suportar a ordem e deve conservá-la.

A ideia de justiça como ordem relaciona-se com as ideias de justiça como lei e como igualdade. A ordem é
conservada através da emanação de leis cuja função é a de instituírem relações de igualdade entre as partes e
entre o todo e as partes.

Finalmente, a imanência da justiça à ordem lava-nos à diferença entre justiça e liberdade: a primeira como valor
da sociedade e mediatamente dos indivíduos que a compõem; a segunda como valor imediato dos indivíduos. O
problema é que pode haver indivíduos livres numa sociedade injusta e sociedade justa com indivíduos não livres.
Tudo isto se relaciona com a preeminência da justiça corretiva ou distributiva na organização da sociedade.

A relevância da distinção entre justiça corretiva e distributiva sobressai na distinção entre direito público e
privado. Pense-se no seguinte caso: uma mulher oculta ao seu potencial empregador o seu estado de gravidez;
quando este se apercebe do estado de gravidez invoca a existência de um fundamento de despedimento com
justa causa; o tribunal não lhe dá razão com fundamento na especial proteção que a lei confere à trabalhadora
grávida (artigos 17.º, n.º 2, e 51.º do Código do Trabalho e artigos 31.º e seguintes do respetivo Regulamento).
Que tipo de justiça pode justificar uma decisão como esta? Certamente não a justiça corretiva: o empregador
nada tem a ver com a gravidez da trabalhadora e no entanto vai contribuir para a suportar. Só à luz da justiça
distributiva se compreende uma solução como esta125. Mas que lugar deve ter a justiça distributiva num
contrato entre privados? Outro exemplo: arrendamento com renda condicionada e impossibilidade de denúncia

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pelo senhorio para o prazo do contrato. O problema ocorre quando estas intervenções da justiça distributiva no
campo das relações entre privados não se devem ao legislador, mas ao julgador.

4.CONCEÇOES CLASSICAS DO DIREITO NATURAL

Direito Natural Clássico

O que têm de comum as conceções tradicionais é considerarem que existe um «direito superior» ao direito
positivo e que, em caso de conflito, o primeiro prevalece sobre o segundo.

Qual o conteúdo do direito superior? A revelação divina, como por exemplo nos dez mandamentos, a natureza
humana, a razão? É possível encontrar muitas respostas para estas questões, mas na tradição do pensamento de
direito natural é a razão que ocupa o lugar privilegiado, como não podia deixar de ser. Com efeito, a revelação é
ainda direito positivo e a natureza como fenómeno não é direito. A verdade, porém, é que nas primeiras
conceções de direito natural razão, revelação e natureza se acham integradas num todo. Cícero: o verdadeiro
direito consiste na recta razão em conformidade com a natureza, a sua aplicação é universal e os seus comandos
e proibições são imutáveis.

S. Tomás de Aquino: é um dos principais pensadores do direito natural, embora a ele se deva também a difusão
da expressão direito positivo, de que viria a tomar o nome a corrente que nega o direito natural, o positivismo
(John Finnis).

Em S. Tomás surge de modo particularmente claro o carácter específico da conceção tradicional do direito
natural: a abordagem do direito surge aí no contexto de um projeto teológico mais amplo que oferece um sistema
moral completo e abrangente.

Segundo S. Tomás, o direito positivo que seja justo é derivado do direito natural de duas formas.

Por vezes, o direito natural determina como deve ser o conteúdo do direito positivo. Esta forma de derivação é
semelhante à dedução lógica através de conclusões – proibição de matar.

Outras vezes, o direito natural deixa espaço à escolha humana, baseada no costume ou em escolhas políticas
deliberadas. Esta forma de derivação do direito positivo é designada por S. Tomás como «determinação» de
princípios gerais, no sentido de tornar específico ou concreto – assim sucede, por exemplo, com as regras de
tráfico, isto é, com a questão de saber se se guia à esquerda ou à direita ou qual deve ser em concreto o limite
de velocidade.

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Para além de S. Tomás, também um outro importante teólogo e filósofo medieval, Guilherme d’Ockham
desenvolveu uma teoria do direito natural, através da doutrina dos três modos do direito natural: o primeiro
modo abrange tudo o que é conforme com a razão natural (dez mandamentos); o segundo modo inclui aquilo
que é observado por aqueles que seguem apenas a equidade natural, sem recorrer à cultura e legislação humanas
(por exemplo, a comunidade dos bens e a liberdade); o terceiro modo contém tudo o que se retira por razões
evidentes do direito das gentes ou de outro direito, a menos que o contrário seja adotado com o consentimento
dos interessados (restituição da coisa depositada ou do dinheiro emprestado ou uso da força para fazer valer o
próprio direito).

Em ambos estes autores se retira a ideia fundamental da tradição clássica do direito natural:

o direito positivo pode ser aferido à luz de um direito superior cujo conteúdo é cognoscível para todos.

A frase «lex injusta non est lex» é muitas vezes associada a S. Tomás, embora ele não a tenha formulado nestes
precisos termos.

O que significa?

a) A lei injusta não é lei. Objeção de John Austin: se um ato inócuo for proibido numa ordem jurídica com a pena
de morte e eu cometer o ato não me servirá de nada dizer, no patíbulo, que estou a ser condenado sem
fundamento na lei.

Exemplo da regra three times you are out e caso da fatia de pizza (Harsh Justice de James Whitman).

É certo que esta objeção tende a confundir questões de validade com questões de poder, mas a objeção chama
também a atenção, por sua vez, para a necessidade de não confundir questões de validade jurídica com questões
de fundamentação (ou validade material).

b) Uma lei injusta não é lei no sentido pleno. Se está presente a dimensão da validade jurídica, falta a da
fundamentação material. Essa lei não tem a mesma força moral das outras leis e fundamenta um direito de
resistência, pelo menos passivo, em certos casos.

S. Tomás pode ser interpretado neste sentido. Assim o interpreta, pelo menos, John Finnis, um dos maiores
expositores do pensamento de S. Tomás na atualidade. Mas nem sempre assim aconteceu. A objeção dos
positivistas (Austin, mas também Kelsen) não tinha certamente em vista esta interpretação, sendo certo que para
estes autores a questão do fundamento ética era, muitas vezes, tida por irrelevante (relativismo moral).

É preciso, no entanto, dizer que esta interpretação foi recuperada por um pensador mais recente, Gustav
Radbruch, como vamos ver adiante.

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Thomas Hobbes, John Locke, Hugo Grócio, Pufendorf, Suárez. A teoria tradicional conhece com estes autores um
período de transição. As afirmações relativas ao direito natural tendem a deixar de fazer parte de um projeto
teológico para passarem a integrar uma argumentação sobre os direitos individuais e os limites ao poder político.
Em Grócio é clara a afirmação do direito natural «etiamsi Deus non daretur».

5 CONCEPÇOES MODERNAS DO DIREITO NATURAL

As teorias modernas do direito natural constituem reação ao positivismo de autores como Austin, Holmes, Adolf
Merkl e Hans Kelsen. Traço comum: mais a oposição ao positivismo jurídico do que a ligação com as teorias
tradicionais do direito natural. Para além disso, a ideia de que existem conexões entre direito e moral. A partir
daqui diversos pontos de partida.

1. A fórmula de Radbruch. Em um artigo escrito em 1946, logo um ano após o fim da II Guerra Mundial, Gustav
Radbruch dizia o seguinte: «o conflito entre justiça e certeza jurídica pode ser bem resolvido do seguinte modo:
o direito positivo, assegurado pela legislação e pelo poder, tem prioridade mesmo quando o seu conteúdo é
injusto e não beneficiar as pessoas, a menos que o conflito entre a lei e a justiça chegue a um grau intolerável em
que a lei, como uma “lei defeituosa”, deva clamar por justiça».

E acrescenta o autor: «é impossível traçar uma linha bem-definida entre casos de iniquidade positivada e leis
que são válidas apesar de seus defeitos. Uma linha de distinção, contudo, pode ser traçada com a máxima nitidez:
quando não há nem mesmo uma tentativa de fazer justiça, onde a equidade, o âmago da justiça, é
deliberadamente traída na essência do direito positivo, então a lei não é meramente uma ‘lei defeituosa’, mas
perde completamente a real natureza de direito».

Parece claro que Radbruch pretendia que o segundo excerto tornasse mais claro o primeiro trecho, mas o
resultado, na verdade, são duas formulações completamente distintas. A primeira formulação tem sido utilizada
pelos tribunais, em parte, pode-se assumir, porque a segunda formulação poderia ser difícil de aplicar, a menos
que se leia de um modo que possa ser mais ou menos equiparada à primeira formulação. Nos termos desta
equiparação procura-se evitar uma leitura da segunda formulação como sendo dirigida ao legislador.

Com efeito, que significado poderia ter para o legislador: «nem mesmo tentar fazer justiça» ou «trair
deliberadamente a equidade»? Em quase todos os casos, os legisladores procuram fazer o que é certo, segundo
a sua visão de mundo e conceção do que poderá ser certo e justo. Todavia, à luz de uma diferente e razoável
leitura do texto, poder-se-ia / dever-se-ia falar mais das leis nazis como «nem mesmo tentando fazer justiça» e
«traindo deliberadamente a equidade» – muito embora os legisladores envolvidos possam ter subjetivamente
acreditado que aquelas leis seguiram suas próprias ideias nazis de equidade e justiça – justamente porque as leis
resultantes são claramente contrárias aos requisitos da justiça e da equidade.

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Poder-se-ia, também, sustentar que a primeira fórmula é dirigida aos tribunais, enquanto a segunda é
(simplesmente) uma declaração sobre a natureza do direito.

2. Debate Hart-Fuller. Depois temos o debate entre Herbert Hart e Lon Fuller, de 1958.

Hart partia da separação conceptual entre direito e moral. Fuller opunha-se a uma separação radical entre ambos.
Segundo Fuller, o direito é uma forma de orientar o comportamento de pessoas que contrasta, por exemplo, com
a administração ou a gestão empresarial. Assim, em alternativa à visão do direito oferecida pelo positivismo,
assente no poder, em ordens e obediência, Fuller propõe uma análise baseada na moral interna do direito. Esta
consiste num conjunto de requisitos a que um sistema de normas jurídicas deve obedecer para poder ser
identificado como direito:

1. As leis devem ser gerais;

2. As leis devem ser publicitadas;

3. A retroatividade das leis deve ser minimizada;

4. As leis devem ser compreensíveis;

5. As leis não devem ser contraditórias;

6. As leis não devem fazer exigências para além das capacidades dos seus destinatários;

7. As leis devem permanecer relativamente constantes;

8. Congruência entre regime das leis e sua interpretação pelos operadores jurídicos.

O que está aqui em causa é uma teoria procedimental do direito natural, por oposição a uma teoria
substantiva. Isso é verdade, mas também é verdade que: 1. seguir estes princípios procedimentais é, em si,
um bem moral; 2. um governo ou poder político que segue estes princípios tenderá a seguir outros, de índole
mais substancial; 3. seguir estes princípios impede, em si mesmo, a adoção de condutas abertamente imorais.

Mas isto parece, ainda assim, insuficiente como teoria do direito natural: basta pensar no exemplo da África
do Sul, no tempo do apartheid. Preocupação procedimental coexistia com injustiça substancial.

3. Ronald Dworkin – distinção princípios / regras: estas aplicam-se em termos de tudo ou nada, aqueles
envolvem uma dimensão de ponderação, o que significaria que ao aplicar princípios o juiz teria de apelar
necessariamente a valores morais sem fazer uso de qualquer poder discricionário (nem sempre as regras são
questões de tudo ou nada); – teoria da única resposta correta: atendendo a esta conexão entre princípios e

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teoria moral, quando o juiz decide nos chamados hard cases o juiz escolhe a teoria melhor do ponto de vista
moral.

4. Robert Alexy

Principal questão da filosofia do direito: qual a natureza do direito; quais as propriedades necessárias do
direito? As propriedades necessárias são a coação e a correção, o que tem importantes consequências para
o conceito de direito.

Alexy descreve o conceito de direito através de três elementos:

1. Promulgação adequada

2. Eficácia social

3. Conteúdo aceitável, isto é, a norma não é extremamente injusta.

Enquanto (1) e (2) dizem respeito à propriedade do direito que o relaciona com a coerção, (3) prende-se com
a propriedade relativa à correção. Todas as teorias sobre a natureza do direito, por exemplo no contexto da
discussão positivismo versus direitos naturais podem ser analisados neste quadro. Os positivistas baseiam-se
apenas em (1) e (2) para a sua definição, enquanto os jusnaturalistas incluem (3). Uma das questões críticas
em relação à coação consiste em saber se as razões conceptuais para a sua existência (não concebemos um
sistema normativo que em caso algum recorre à coação) são suportadas por necessidades práticas (o direito,
enquanto prática social, não pode desempenhar as suas funções se não existir um elemento de coação).

A outra propriedade necessária do direito, a correção, opõe-se significativamente à coação. Enquanto esta
decorre de uma necessidade prática, definida por uma relação meios-fins, a necessidade da pretensão de
correção resulta da estrutura dos atos jurídicos e do raciocínio jurídico, revestindo um carácter deontológico.
Tornar explícita esta estrutura deontológica implícita no direito é uma das mais importantes tarefas da
filosofia do direito.

Um conceito de direito que não dê conta da tensão entre coação e correção não é adequado ao seu objeto.
Isto constitui uma instância da tese do carácter especial do direito em relação à moral. Como parece evidente,
identificar a correção como uma propriedade necessária do direito implica a rejeição do positivismo, que, por
sua vez, exige-nos que explicitemos em que medida a filosofia do direito se relaciona com a filosofia moral
(«tese da relação especial»).

Segundo Alexy, há três problemas que a inclusão da moral pode ajudar a resolver:

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O problema das avaliações básicas que subjazem ao direito e o justificam (e.g., são os fins que as leis devem
perseguir externos ao direito?);

O problema da realização da pretensão de correção na criação e aplicação do direito (e.g., raciocínios nos
casos difíceis); e O problema dos limites do direito (e.g., invalidação de leis iníquas ou injustas em extremo).

Ao mesmo tempo, incluir a moral no direito, ou estabelecer uma conexão próxima entre ambas as realidades,
coloca também problemas complexos. Assim, por exemplo, existem muitas questões em relação às quais os
juízos morais não podem ser estabelecidos por consenso. Na verdade, o raciocínio moral, por causa da sua
natureza fortemente valorativa, pode ser perigoso. O direito enquanto sistema social socialmente
diferenciado constitui uma reação a uma sociedade que não podia mais ser disciplinada por códigos morais
e religiosos, exigindo um processo de decisão institucionalizado «não valorativo». Deste modo, pode
sustentar-se que importar o raciocínio moral para o direito pode ameaçar as funções do próprio direito, ao
mesmo tempo que confronta o direito com sérios problemas epistemológicos de conhecimento moral e
justificação (uma argumentação neste sentido parece ser a desenvolvida pelo funcionalismo sistémico de
Luhmann, adiante abordado).

Especificidade das teorias modernas do direito natural: afirmam a existência de uma conexão necessária
entre direito e moral, mas não a subordinação do direito à moral.

11. Positivismos

11.1 Introdução

Positivismo jurídico – três teses principais: a) tese do direito como facto social, segundo a qual a existência
do direito depende de factos sociais e não dos seus méritos; b) tese da convencionalidade, que sustenta o
carácter convencional dos critérios de validade do direito; c) tese da separação, segundo a qual não existe
qualquer conexão necessária entre moral e direito. Na realidade, as teses apontadas exprimem duas crenças
fundamentais dos positivistas: por um lado, a crença segundo a qual aquilo que vale como direito numa
sociedade é fundamentalmente uma questão de facto social ou convenção; por outro lado, a crença de que
não existe qualquer relação necessária entre direito e moral127.

John Austin (1790-1859): «A existência do direito é uma coisa; o seu mérito, e demérito, são uma coisa
distinta. Existir ou não o direito configura um tipo de investigação; ser ou não o direito conforme a um padrão
assumido é outro tipo de investigação».

Positivismo não diz, ou não diz necessariamente, que os méritos da lei são irrelevantes, diz apenas que não
determinam se a lei existe. Saber se a lei existe depende de atos legislativos, decisões judiciais, convenções

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sociais. O direito, de acordo com o positivismo, consiste num conjunto de normas positivadas – ordenadas,
decididas, praticadas, toleradas, etc.

Positivismo clássico – nas filosofias políticas convencionalistas de Thomas Hobbes e David Hume, na posterior
elaboração de Jeremy Bentham, popularizada, adotada e modificada por John Austin: direito é o comando
de um soberano sustentado na força. Repare-se como neste contexto a questão do fundamento material das
soluções jurídicas nem sequer é colocada ou, se chega a ser colocada, é afastada pelas inúmeras vantagens
que oferece a existência de um soberano e comparação com a sua ausência e o caos inerente.

Positivismo moderno – a ênfase nas instituições legislativas é substituída por uma maior atenção pelas
instituições que aplicam o direito, os tribunais, e a importância dos aspetos coercivos é complementada pelo
realçar da dimensão normativa e sistemática do direito.

Kelsen (1881-1973); Herbert Hart (1907-1992); Joseph Raz; teoria social de Marx, Weber, Durkheim; realistas
jurídicos americanos e escandinavos.

Segundo uma visão comum o positivismo é a doutrina que sustenta que o direito ou é claro ou não é direito
e, sendo claro, mesmo errado, deve ser aplicado em termos rigorosos pelos órgãos aplicadores do direito e
obedecido pelos destinatários. Será assim?

É preciso compreender que o positivismo jurídico é, em grande medida, produto de duas outras correntes
de pensamento:

a) Positivismo lógico – o significado de uma afirmação ou proposição consiste no seu modo de verificação;

b) Positivismo sociológico – fenómenos sociais podem apenas ser estudados segundo os métodos das
ciências naturais.

Tal como vimos suceder com o direito natural, também no positivismo é possível separar vários
entendimentos. Vejamos isso mais em pormenor em relação a dois dos principais traços do positivismo acima
mencionados.

11.2 Existência e fontes do direito

Bentham e Austin – Direito é fenómeno de sociedades dotadas de um poder político soberano.

- Leis como espécie do género comando soberano; paralelismo entre lei e comando divino, particularmente
presente em Austin.

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- Teoria monista – representa todas as normas de um sistema jurídico como tendo uma única forma – impondo
obrigações aos seus destinatários, garantidas por sanções, mas não ao soberano. Reconhece que: a) poder legislativo
pode autolimitar-se ou ser limitado externamente pela opinião pública; b) sistema contém disposições que não são
imperativas, como as permissões e as definições. Todavia, estas disposições não são necessárias para a definição do
direito.

- Teoria reducionista – linguagem normativa usada para definir e descrever o direito (autoridade, direitos obrigações)
pode ser analisada em termos não normativos.

Crítica: – quanto à teoria monista, é necessário reconhecer que a mesma não explica todas as normas,
designadamente as normas de competência e, além disso, há obrigações sem sanções; – quanto à teoria reducionista,
parece desconhecer a distinção entre o plano do «ser» e do «dever».

Kelsen – monismo dos imperativistas sem reducionismo.

- Forma de toda a lei – comando condicional dirigido aos tribunais para aplicar sanções se um certo comportamento
(delito) for adotado. A lei não visa, em primeira linha, dizer aos destinatários o que fazer, mas aos agentes aplicadores
do direito. Assim, o dever de não matar é simples correlato de norma primária que estipula sanções por matar. Crítica:
perde se o essencial. Qual a razão de ser da proibição de matar? São os tribunais indiferentes a que as pessoas não
matem ou que sofram as consequências se matarem?

- Crítica de Kelsen ao reducionismo – direito é normativo. Kelsen acusa os positivistas tradicionais de reduzirem a
validade das normas jurídicas a uma questão de puro facto. Kelsen procura estabelecer que a validade de qualquer
sistema jurídico depende de uma norma fundamental. Esta norma hipotética exige que seja atribuída validade aos
sistemas jurídicos que sejam efetivos. A norma fundamental é entendida por Kelsen como uma condição
transcendental para a descrição de um sistema jurídico.

Teoria da norma fundamental, direito é um sistema. A constituição originária deve ser obedecida. Problemas:
devolução – como explicar a autonomia dos sistemas jurídicos dos países ex-coloniais, quando a independência destes
tenha sido concedida por um ato

jurídico da antiga metrópole? Onde reside a autoridade do direito se não é a força, como pretendiam Bentham e
Austin?

Hart – resposta aos problemas de Kelsen: em vez de solução transcendental de inspiração neo-kantiana, temos
solução empírica, de inspiração designadamente weberiana. A autoridade do direito é social, advém de uma prática
social, o direito assenta no costume.

Regras primárias e secundárias. Entre estas, regras que determinam quem decide (regras de julgamento), com base
em que fonte (regra de reconhecimento) e como podem as fontes ser modificadas (regras de alteração). A principal é
a regra de reconhecimento, que especifica os critérios de validade última das normas. O direito existe por que é
praticado e na medida em que o é pelos oficiais do sistema. Trata-se de uma visão convencionalista.

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Separação entre direito e moral

Validade sistémica ou jurídica e validade no sentido de eficácia ou validade social. Não chega. É preciso atentar
também no aspeto material da validade. A verdade é que este aspeto não é estranho ao positivismo. Neste contexto,
importa começar por ter presente a distinção entre positivismo ideológico (o direito positivo, pelo simples facto de
ser positivo, é justo; o direito, independentemente do seu valor moral, serve a ordem e a certeza como valores
próprios do direito) e positivismo metodológico (o conceito de direito não deve caracterizar-se segundo propriedades
valorativas, mas tão só descritivas). Origens desta distinção em Norberto Bobbio (Il Positivismo Giuridico, p. 246),
retomada por Carlos Nino, Introducción al Análisis del Derecho, pp. 32 e 37).

Como se justifica a ideia de que o direito, pelo facto de ser direito positivo, deve ser obedecido? Bobbio avança com
quatro possíveis justificações, sendo que as primeiras três não são exclusivas do positivismo, mas antes dele
autonomizáveis:

i) conceção cética da justiça, segundo a qual esta é, na realidade, a expressão da vontade do mais
forte;
ii) conceção convencionalista da justiça, segundo a qual a justiça é aquilo que os homens se puseram
de acordo em chamar justiça;
iii) a conceção sacral da autoridade, segundo a qual o poder de comandar tem origem divina ou, em
termos mais laicos, funda-se num carisma;
iv) conceção do Estado ético, segundo a qual o Estado não é um puro instrumento para realizar os
fins dos indivíduos, mas antes é um fim em si mesmo. De acordo com esta conceção, o Estado tem
uma missão que consiste em realizar a eticidade. Esta conceção, que exprime na realidade a visão
hegeliana do Estado, representa o fundamento histórico direto do aspeto ideológico do
positivismo, pelo menos do positivismo na Alemanha.

Recentemente, encontrou uma nova vida na tese de Fukuyama sobre o Estado liberal como o fim da história.

De acordo com um outro modo de ver, pode entender-se que os principais traços do credo positivista – a ideia do
direito como facto social e a tese da separação – podem apenas ser entendidos à luz de certos compromissos
normativos. Esses compromissos prendem-se com as vantagens em distinguir entre o que uma sociedade considera
como direito e os juízos individuais sobre o que é justo e moralmente devido.

Positivismo inclusivo: considerações morais fazem parte do direito, mas apenas porque são implícitas ou
explicitamente incorporadas pelas fontes. Para os autores incluídos neste modo de ver (Hart, Coleman, Waluchow, M.
Kramer), é certo que não existem critérios morais necessários para aferir da validade jurídica, mas isso não significa
que esses critérios não sejam possíveis. São as fontes que tornam o mérito do direito relevante. Mas pergunta-se: é

razoável pensar que a justiça e a moral afetam o direito só porque o direito as decidiu englobar? Dizer que são as
fontes que tornam a moral relevante é apenas compreensível quanto à moral positiva.

80
Para o positivismo exclusivo, o conteúdo moral do direito é, enquanto moral, irrelevante.

Os seus defensores apresentam três razões para o efeito:

1. Antes de mais, só assim seria possível distinguir uma decisão má por causa das fontes e decisão má por má escolha
moral do juiz. Ora esta é uma distinção que fazemos usualmente e que não temos qualquer razão para abandonar. 2.
Existência do direito enquanto tal só se justifica se for independente de razões morais, na verdade, se o direito for
entendido como razão excludente para agir (isto é, uma razão que afasta todas as outras, incluindo de índole moral),
segundo advoga Raz. 3.

Princípio de Midas – tal como tudo o que o Rei Midas tocava se transformava em ouro, assim também tudo aquilo em
que o direito toca se torna direito132, isto significa que o sistema jurídico pode obrigar os órgãos de criação e aplicação
das normas a respeitar certos princípios morais e transformar mesmo esses princípios em normas jurídicas, tornando-
os fontes do direito.

Em certo sentido, a diferença entre positivismo inclusivo e positivismo exclusivo é semelhante à diferença entre
normas de receção extra-sistemática (como o artigo 8.º da Constituição segundo o qual as normas e princípios do
direito internacional geral e comum «fazem parte integrante do direito português») e normas de conflitos (como as
normas dos artigos 25.º a 65.º do Código Civil, que determinam a lei competente para resolver um caso e portanto o
situam fora do âmbito de competência do ordenamento português). O positivismo inclusivo assemelha-se às normas
de conflitos, uma vez que reconhece a moral enquanto ordenamento distinto do direito; o positivismo exclusivo
aproxima-se das normas de remissão extra-sistemática, na medida em que se apropria da moral.

81
FUNCIONALISMO JURÍDICO

12.1 Introdução

Quando aqui falamos de funcionalismo jurídico, não se tem em vista o simples reconhecimento de funções ao direito
ou o querer ver o direito a cumprir a sua «função». Mais do que isso, o direito é tratado funcionalisticamente, na
perspetiva que aqui nos interessa, «quando é convocado para certas funções que se pretende que ele realize – quando
não é visto em si, mas como elemento numa relação ou numa perspetivação sistematicamente funcional. Só assim o
direito será submetido a uma perspetiva funcional e com a consequência decisiva de os objetivos ou os fins, os
resultados ou efeitos relevantes não serem também em si jurídicos, mas transjurídicos, sejam eles políticos, sociais,
económicos, etc.».

O que está em causa quando se fala de funcionalismo jurídico não é uma reflexão sobre as funções do direito – como
sucede quando se afirma que o direito tem as funções de realizar a justiça e de assegurar a certeza e a segurança na
resolução dos conflitos de interesses – mas uma compreensão do direito que procura a sua materialização funcional,
pelos objetivos políticos económicos e sociais que ele deveria assumir, ou a sua descrição a partir da identificação da
função particular que cabe ao direito desempenhar no todo do sistema social. No primeiro caso temos um
funcionalismo jurídico-material, no segundo um funcionalismo jurídico sistémico136. No primeiro caso, temos a
análise económica do direito, no segundo caso temos a teoria do direito sobretudo desenvolvida por Niklas Luhmann.

A estes dois exemplos de funcionalismo jurídico, gostaria ainda de acrescentar um terceiro, representado pelo
movimento dos Critical Legal Studies. O que está aqui em causa é uma abordagem do direito que procura explicar e
demonstrar que os princípios e as doutrinas jurídicas não dão respostas precisas aos litígios e, pelo contrário, que as
decisões judiciais refletem valores políticos que mudam com o tempo. Os CLS salientam os modos como o direito
contribui para as hierarquias sociais, produzindo o domínio dos ricos sobre os pobres, dos brancos sobre as pessoas
de outras etnias, dos homens sobre as mulheres, etc.

Em suma, de acordo com este modo de ver o direito não limita o poder, mas é, ele próprio, um instrumento do poder.
Também aqui, como no chamado funcionalismo jurídico material, se torna claro que o direito que o direito não
persegue fins próprios, mas antes, mas antes se assume como um instrumento do poder político ou económico.

12.2 Análise económica do direito

A análise económica do direito encara os direitos como instrumentos de eficiência: o que importa não são tanto os
direitos, mas o seu uso eficiente. Nesta medida, a conceção de direitos subjacente à análise económica do direito é
uma conceção teleológica. O propósito da aquisição dos direitos de propriedade consiste em facilitar o

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comportamento económico dos indivíduos, isto é, em diminuir os seus riscos de perda e melhorar as suas perspetivas
de maximização de utilidades. A função primária dos direitos de propriedade consiste na “interiorização das
exterioridades”, isto é, no processo que torna relevantes para as pessoas que interagem, através da constituição ou
modificação de direitos de propriedade, todos os custos e benefícios inerentes às relações de interdependência social.

Para além disso, e na sequência disto, a análise económica do direito caracteriza-se por uma tendencial supressão do
titular dos direitos, ou, melhor dito, dos direitos como manifestação da liberdade do sujeito de direito.

Uma visão dos principais traços da análise económica do direito pode ser obtida a partir do teorema de Coase.

A ideia básica do teorema é a de que a estrutura das regras com base nas quais são inicialmente atribuídos os direitos
de propriedade e a responsabilidade é indiferente desde que os custos de transação sejam iguais a zero; a negociação
entre os interessados terá um resultado eficiente independentemente de saber quem é o titular dos direitos de
propriedade ou aquele sobre quem recai a responsabilidade. A conclusão a extrair é a de que a atribuição de direitos
de propriedade e a imputação da responsabilidade deve ser decidida de forma a minimizar os custos de transação,
uma vez que isso promoverá resultados eficientes no processo de negociação entre os interessados. A compreensão
do problema é ajudada através de um exemplo, adaptado a partir daqueles que são formulados pelo próprio Coase.
Imagine-se que uma linha de comboio corre junto de uma quinta. Os comboios emitem faúlhas que causam danos nas
colheitas da quinta. O que deve fazer-se?

Segundo Coase, a resposta comporta duas dimensões. Em primeiro lugar, não interessa como são atribuídos os direitos
de propriedade e imputada a responsabilidade pelos danos causados, desde que tais atribuição e imputação ocorram
de forma clara e que os custos de transação sejam iguais a zero. Segundo Coase é incorreto pensar na companhia

ferroviária ou no agricultor como “agressor” e “vítima”, respetivamente. Como afirma o autor, «A questão é
comummente pensada em termos de saber se A provocou danos a B, devendo ser decidido como atuar sobre A. Mas
isto é errado. Lidamos aqui com um problema de natureza recíproca. Para evitar os danos de B temos de infligir danos
a A. A verdadeira questão a decidir é a de saber se deve ser permitido a A infligir danos a B, ou se deve ser permitido
a este causar prejuízos àquele. O problema consiste em evitar o prejuízo mais grave». Para além disso, atendendo ao
igual estatuto moral de A e B, para a questão da atribuição de recursos económicos a um ou outro não interessa a
quem tenham sido inicialmente atribuídos direitos de propriedade. Suponhamos que o custo de um aparelho que
evita a emissão de faúlhas (AEF) é, para a companhia ferroviária, A, de 750, e o montante dos prejuízos sofridos pelo
agricultor, B, é de 1000. Se A for considerada responsável pelos danos nas colheitas, deverá instalar um AEF ou cessar
a sua exploração;

se A não for considerada responsável, B pagar-lhe-á uma soma entre 750 e 1000 para que A instale um AEF. Em ambos
os casos o AEF é instalado. Imaginemos agora que ordem dos montantes é inversa: os danos na colheita são de 750 e
o AEF custa 1000. Se A for responsabilizada pagará a B 750, mas não instalará um AEF. Se A não for considerada
responsável, B não poderá pagar-lhe o suficiente para que A instale um AEF. Uma vez mais, ambos os cenários
conduzem a um resultado igual: não será instalado um AEF.

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Assim, independentemente da atribuição inicial dos direitos de propriedade a repartição dos recursos económicos
será a mesma. O segundo aspeto a considerar prende-se com a dimensão normativa da construção de Coase, para os
casos mais realistas em que os custos de transação são relevantes: os tribunais devem atribuir direitos de propriedade
e imputar a responsabilidade entre partes em litígio de forma a maximizar a riqueza ou o valor da produção. Em relação
ao caso considerado, isso significa que se o custo do AEF for menor do que valor dos danos na colheita, o tribunal
deverá decidir a favor do agricultor contra a companhia ferroviária. Inversamente, se o custo do AEF for superior ao
valor dos danos na colheita, o agricultor deverá ser responsabilizado. Do mesmo modo, o teorema sugere uma nova
forma de compreender a emergência dos direitos de propriedade: estes tenderão a surgir mais cedo quando possam
ser estabelecidos com custos relativamente baixos. Os «direitos de propriedade surgem quando se torna económico,
para os que são afetados por exterioridades, interiorizar os custos e benefícios».

É possível formular quatro críticas, segundo Walter Block, às ideias de Coase:

(i) Mesmo assumindo nenhuns custos de transação é relevante para efeitos de atribuição de recursos saber quem
ganha um litígio relativo a direitos de propriedade, uma vez que não existe nenhuma garantia que o perdedor
tenha os fundos necessários para “subornar” o vencedor, mesmo que valorize os direitos em litígio num mais
alto grau do que este último. A suposição de que o pagamento ao vencedor pode ser financiado com base no
maior valor atribuído aos direitos em causa não toma em consideração a possibilidade de este revestir um
carácter psíquico (não pecuniário).
(ii) É impossível para quem quer que seja, mesmo um magistrado, saber qual o utilizador mais eficiente de um
recurso; impor ao sistema judicial esse encargo seria sobrecarregá-lo com uma tarefa semelhante à das
entidades encarregadas do planeamento central nos países comunistas.
(iii) É moralmente problemático subverter os direitos de propriedade, ainda que com o propósito de promover a
utilidade, tal como é moralmente questionável adotar decisões judiciais, não com base na justiça, mas na
maximização da riqueza.
(iv) É errado partir do pressuposto de que não existem agressor e vítima num litígio: causa e efeito, não
reciprocidade, constituem as únicas bases para resolver disputas sobre direitos pessoais ou reais.

12.3 Luhmann e o Direito

Análises anteriores: prevalência do aspeto estrutural – como se cria ou faz o direito – sobre o aspeto funcional – para
que serve o direito. Isto seria patente sobretudo no positivismo kelseniano.

Para Kelsen o direito é um instrumento específico que não tem uma função específica, mais do que isso a sua
especificidade consiste em ser um instrumento disponível para as mais diversas funções.

Esta quase irrelevância do tema das funções do direito manifesta-se nas seguintes indecisões:

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a) O direito tem uma ou mais funções – faz sentido limitar a função do direito nas sociedades post-industriais a uma
função repressiva?

b) Essas funções são positivas ou negativas, isto é, visam a mera conservação do aparato da força (função negativa)
ou também a transformação da sociedade (função positiva).

c) Para além de uma função de manutenção da ordem e paz social, não faz também sentido falar de uma função
distributiva do direito? Em que medida?

d) Como são exercidas as funções do direito – apenas através de sanções negativas, envolvendo o uso da força, ou
também através de sanções positivas, através do direito premia? Estas indecisões só podem ser superadas, no
pensamento de Bobbio, pelo reconhecimento de que à função tradicional de controlo social, ao direito acresce hoje a
função de dirigir os comportamentos para certos objetivos pré-estabelecidos. A análise estrutural do direito, presente
em Kelsen de modo especialmente visível, tendia a acentuar a função negativa do direito. Em vez disso, torna-se
necessário um maior equilíbrio entre a análise estrutural e a análise funcional do direito.

Luhmann, pelo contrário, nega este equilíbrio possível que permitiria afirmar, ao lado de uma função de manutenção
da ordem, uma função dirigista do direito. Ao direito cabe apenas a função de estabilizar e assegurar em termos
normativos as expectativas. Assim, o direito tem como função uma «generalização congruente de expectativas
normativas».

Na construção de Luhmann cabe ao direito uma função particular no todo do sistema social. Nesta medida, podemos,
na linha de Castanheira Neves, caracterizar a sua conceção do direito como um funcionalismo jurídico sistémico. A
ideia de sistema aqui presente não é a ideia tradicional, significando princípio de ordem ou sistema de codificação, tal
como vimos a expressão ser usada a propósito da distinção entre sistema externo e sistema interno do direito.
«Sistema» na teoria sociológica é antes a ideia, com origens na biologia, de uma série de elementos e de uma série de
relações entre eles existentes, em que todas as totalidades com a mesma forma são consideradas como integrando-
se no mesmo sistema.

Um sistema define-se como um todo organizado formado por elementos interdependentes, que está rodeado por um
meio exterior (ambiente); se o sistema interage com o meio exterior é designado por sistema aberto; as relações do
sistema com o meio exterior processam-se através de trocas de informação.

O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Os sistemas sociais são sistemas de comunicação, sendo
a sociedade o sistema social mais abrangente. Um sistema é definido por uma fronteira entre si mesmo e o seu
ambiente ou meio exterior, fronteira essa que delimita o sistema de um exterior infinitamente complexo. É graças a
essa delimitação que o interior do sistema se torna uma zona de complexidade reduzida. A comunicação no interior
de um sistema opera através da seleção de uma quantidade limitada de informação disponível no exterior. A isto
chama-se redução da complexidade.

Cada sistema tem uma identidade distinta que é constantemente reproduzida na sua comunicação e depende do que
é considerado com sentido para o sistema e do que não é. Se um sistema deixa de manter essa identidade cessa de

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existir como tal e dissolve-se no meio exterior de que emergiu. Este processo de reprodução de elementos filtrados
de um ambiente complexo chama-se autopoiesis ou autocriação. Os sistemas são autopoieticamente fechados na
medida em que usam recursos do exterior, mas esses recursos não se tornam parte do sistema.

Como podemos compreender isto? Duas notas talvez ajudem.

A primeira para esclarecer que a diferenciação de sistemas, como o direito, a economia, a ciência, a religião, a política,
a arte, o amor, etc., é um processo próprio da modernidade. Antes da modernidade não existia essa diferenciação e é
por isso que o monarca era simultaneamente o detentor do poder político, jurídico e religioso. Era por essa razão que

existia «arte sacra» ou algo como uma doutrina do preço justo no âmbito da economia. A segunda nota, para
esclarecer que a diferenciação como um processo próprio da modernidade entre subsistemas funcionais se pode
descrever segundo o modelo de produção pelo sistema daquilo que o constitui e daquilo que o limita. Uma vez que o

sistema social é constituído pela comunicação a evolução em direção à diferenciação depende da produção de
semânticas autónomas e traduz-se pelo surgimento de sequências de comunicação próprias de cada sistema. Para
além disso, cada subsistema observa a sociedade a partir da sua própria função. Esta observação é estruturada por
uma distinção binária, designada como o código. O sistema científico tem assim por código a distinção
verdadeiro/falso; o sistema jurídico a distinção legal/ilegal; o sistema económico a distinção ter/não, ter, etc.

O núcleo da sociedade, o que permite constitui-la e diferenciá-la como sistema, não reside, pois, nas pessoas, nem
nas suas ações e intenções, mas nas comunicações. O direito não é instrumento de nada, mas é instrumento de si
próprio. Consequências: (i) direito não tem transcendência; (ii) unidade do sistema não decorre de princípios jurídicos
que lhe conferem validade, no sentido de justificação material, mas reside no próprio sistema, positivamente
expresso; (iii) justiça não exprime a essência ou natureza do direito, mas a sua contingência.

Referência à polémica Luhmann – Habermas.

12.4 Critical Legal Studies

CLS é um movimento em alguma medida revolucionário que desafia e procura transformar conceitos e princípios
estabelecidos na teoria e na prática do direito. O seu propósito confesso é o de alterar a ciência do direito, procurando
desmascarar a sua autoapresentação enquanto um sistema racional de sabedoria acumulada ao longo dos tempos e

expô-la enquanto ideologia que apoia e torna possível um sistema política injusto. Neste sentido, os teóricos dos CLS
procuram destruir as pretensões da ciência do direito à objetividade, à neutralidade e à determinação. Pelo contrário,
para os partidários dos CLS o direito é um instrumento usado pelo establishment para manter o seu poder e domínio

sobre um status quo fundamentalmente discriminatório. Os CLS assumem-se abertamente como um movimento de
esquerda que procura subverter a autoridade política e filosófica daquele que considera um sistema social injusto e
procuram, em alternativa, promover um projeto teórico e prático de reconstrução do direito e da sociedade.

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Iniciado na década de 70 do século vinte, o movimento tem raízes no realismo jurídico Americano, movimento que
floresceu entre 1920 e 1930, assumindo ainda o legado do jurista americano Oliver Wendell Holmes, sobretudo no
seu livro The Common Law (1881). Tal como os CLS, o realismo jurídico procurou salientar que as decisões judiciais
dependiam em grande medida das predileções e do contexto social de cada juiz. Nesta conformidade os realistas
sustentavam que era necessário prestar maior atenção ao contexto social do direito. Um dos resultados práticos desta
postura foi a sua influência no desenvolvimento do New Deal do Presidente Americano Franklin Delano Roosevelt na

década de 30.

Na década de 60 muitos dos membros dos CLS participaram no ativismo social ligado ao movimento dos direitos civis
e aos protestos contra a Guerra do Vietname. Muitos dos teóricos dos CLS entraram nas faculdades de direito por essa
altutra e rapidamente ficaram descontentes com o que consideravam ser a falta de rigor filosófico e profundidade no
estudo e ensino do direito. Roberto Mangabeira Unger, um autor de origem brasileira e um dos líderes do movimento,
descreveu mesmo as faculdades de dirieto da época como "um sacerdócio que tinha perdido a sua fé, mas mantinha
os seus empregos."Estes estudantes aplicaram as ideias da postmodernidade ao estudo do direito. Para além de
Unger, podemos incluir no movimento autores como Robert W. Gordon, Morton J. Horwitz, Duncan Kennedy, e
Catharine A. Mackinnon.

Aspeto curioso dos CLS é o de sendo embora largamente um movimento Americano, acuda forte influência da filosofia
europeia, como Marx, Weber, a escola de Francforte, Gramsci, Foucault, Derrida, etc. Estas várias influências
correspondem também a diferentes tendências dentro do movimento.

Apesar da variedade, podemos apontar os seguintes aspetos comuns:

1. A tentativa de demonstrar a indeterminação radical do pensamento jurídico, através da ideia de que a partir de
qualquer conjunto de princípios é possível chegar a resultados opostos;

2. O recurso a análises históricas, socioeconómicas e psicológicas tendo em vista identificar como grupos e instituições
particulares beneficiam de decisões jurídicas apesar da indeterminação das doutrinas jurídicas (ou por causa dela);

3. Expor o modo como a ciência do direito procura mistificar e ludibriar os outsiders e apresentar como legítimas as
suas soluções;

4. Elucidar novas, ou previamente desfavorecidas, visões sociais e argumentar a favor da sua efetivação na prática
política e jurídica.

Um exemplo da estratégia usada pelos CLS consiste na análise desenvolvida por Duncan Kennedy, professor de direito
na Universidade de Harvard e um dos maiores representantes atuais do movimento, da distinção entre público e
privado. Segundo o autor, a distinção constitui um dos baluartes do modo tradicional de pensar sobre o mundo social.
Mas na verdade, Kennedy procura demonstrar como essa distinção (e outras, como as distinções Estado / sociedade,
comunidade / indivíduo, poder / direito, soberania / propriedade, coação / liberdade, etc., as quais, não sendo
rigorosamente sinónimos, são em certa medida «a mesma coisa»), tem vindo a ser sujeita a um processo de erosão e

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declínio constantes. Já ao longo do curso vos demonstrei como em várias relações pretensamente privadas se
imiscuem considerações próprias do direito público. Assim acontece com o arrendamento (cfr. a questão da limitação
das rendas e da duração do contrato) e o contrato de trabalho (proteção da maternidade).

Em face destas tendências, Kennedy identifica aquilo que se poderá chamar uma loopificação da distinção entre
público e privado. Assim concebemos a família o poder paternal em termos semelhantes àqueles que aplicamos ao
poder do Estado e daí somos levados a tratar a família como um domínio afetado por um interesse público na medida

em que é intensamente privado. Do mesmo modo, compreendemos as transações dos consumidores individuais entre
si como sendo mais privadas do que aquelas que envolvem grandes empresas, mas ao mesmo tempo reconhecemos
que aquelas carecem de maior regulação pública, como sucede com o direito do consumidor. Isto mesmo se passa
com os direitos fundamentais: originariamente encarados como direitos de defesa em face do Estado, são
crescentemente vistos como aplicáveis também nas relações entre privados. Daí a loopificação: algo que começa como
puramente privado acaba sendo encarado como público.

Mas é claro: o jogo de desmascarar o direito como hipocrisia corre o risco de se voltar contra os jogadores. E assim
acontece quando estes se alçam eles próprios a posições de poder. Exemplos.

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