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VOL.

A TRANSCRIÇÃO
OBSERVAÇÃO PRELIMINAR

Este livro destina-se aos novos advogados, portanto sem a precisa prática, e às

pessoas que, desconhecedoras do Direito, necessitem conhecer o mecanismo do Registro de

Imóveis.

Para exata compreensão dos fins visados pelo Registro, julguei que seria útil dar

primeiro algumas noções sobre a publicidade, e os sistemas adotados em diversas

legislações.

Nada há neste trabalho que seja novo. Apenas reuni o que encontrei esparso,

tomando aqui e ali o que me pareceu útil, deixando muitas vezes de apontar de onde havia

tirado.

Se no trabalho fui feliz, se consegui o que tive em vista, aqueles a quem desejei

auxiliar é que poderão dizer.

Aos versados na ciência do Direito peço benevolência e correção das falhas, que

devem ser inúmeras.

O Capítulo IV referente ao sistema imobiliário do nosso Código Civil já foi

publicado em avulso com a seguinte:


ADVERTÊNCIA

As páginas, que se vão ler, fazem parte de um trabalho sobre o Registro de Imóveis.

Foram tiradas em avulso, porque demorando ainda a publicação integral da obra, e

legislando neste momento o Congresso sobre a organização dos Registros, convém firmar-

se a inteligência do Código sobre um ponto fundamental do Direito Civil.

A incerteza em assunto de tanta monta é de efeitos mais perniciosos que a adoção

do pior sistema.

Parece-nos que o Código Civil acolheu, em relação à propriedade imóvel, o sistema

germânico da força probante relativa, em tudo que não dependesse do cadastro.

A vantagem daí advinda é que a propriedade de limites definidos, incontestados,

auferirá as excelências da certeza do domínio, proporcionando aos seus donos a maior soma

possível de benefícios.

Quanto à propriedade sem limites certos ou sujeitos à contestação, esparsa pelo

vasto território do país, continuará a existir tal qual é; porque o Registro prova os direitos e

não o modo de ser físico do objeto sobre que eles recaem.

A área, limites e identificação do imóvel, é comprovada pelo cadastro, que não

temos.

Não é, porém, razoável nem justo, que se prive a propriedade bem delimitada, dos

benefícios, que pode desfrutar, porque esses benefícios não se podem estender a toda a

propriedade existente.

Com o tempo, à medida que se forem liquidando as dúvidas pelos meios comuns,

essa mesma propriedade, hoje incerta, gozará de iguais vantagens.


Com os imóveis possuídos sem título, nada tem que ver o Registro, cujo objeto é o

domínio. Os seus possuidores esperarão o decurso do tempo para com a sentença de

usucapião transcrevê-los e gozarem da segurança que o Código oferece.

Por esse modo melhor será aproveitado o nosso Registro Imobiliário, muito mais

bem organizado que os da França, Bélgica e Itália. Entre nós é fácil, designado o imóvel,

saber quais as transações de que foram objeto, constantes do Registro; naqueles países os

Registros são organizados por meio de repertórios pessoais, o que torna difícil, e às vezes

impossível, conseguir-se esse resultado, como atestam os autores que deles se têm ocupado.

O nosso mal estava nas soluções de continuidade, devidas ao direito anterior, que

isentavam do Registro, dele subtraindo, as transmissões que se operavam causa mortis ou

por atos judiciais.

A única crítica de que é passível a organização do nosso Registro, é o excessivo

número de livros, que podem ser reduzidos e aproximados dos livros fundiários;

escriturados, porém, por ordem cronológica das transações, como em Portugal e na

Espanha, dada a impossibilidade de escriturá-los pela ordem do cadastro, como na

Alemanha.

O Código Civil servindo-se do aparelho, que já possuíamos, melhor o aproveitou,

proporcionando desde já aos proprietários de imóveis não sujeitos à contestações de limites,

a segurança de que careciam no direito anterior; e lançou as bases sobre o que assentará, em

futuro não remoto, a certeza do domínio, condição essencial do desenvolvimento do

crédito.

Sobre a doutrina exposta nesse Capítulo manifestou-se o autor do Projeto. Sua carta

adiante transcrita, constituindo preciosa recompensa, que de muito excede à que maior
pudesse eu aspirar, consagra a doutrina expendida como fiel interpretação do Código Civil,

que nesse particular acolheu as idéias do seu Projeto.

Além do sábio professor, outros jurisconsultos manifestaram sua opinião, também

de inestimável valia, e que peço licença para tornar conhecida.

A todos confesso a minha gratidão pelas generosas referências ditadas

exclusivamente por uma excessiva bondade.


Carta do Exmo. Sr. Dr. Clovis Bevilaqua consagrando, com fiel interpretação do

Código Civil, a doutrina exposta no Capítulo IV

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1921.

Meu distinto colega Dr. Lysippo Garcia.

Saudações cordiais.

O seu opúsculo — O Código Civil e a propriedade imóvel, cuja leitura acabo de

fazer – não é somente um belo trabalho jurídico, de fiel interpretação do Código Civil, na

parte referente à aquisição da propriedade imóvel; é um bom serviço prestado à causa

pública e à segurança dos direitos.

Continuo convencido de que as idéias do meu Projeto que, neste particular,

passaram para o Código Civil, são, precisamente, as que nos convêm, pois o sistema

anterior era insuficiente e falho, e o germânico, em sua pureza, não podia ser aplicado entre

nós. Modificamos este último sistema afim de adaptá-lo à nossa situação. Desconhecê-lo,

suponho, será negar a evidência.

O espírito claro e bem aparelhado do meu distinto colega viu, com absoluta

segurança, o que está no Código Civil, e mostra ao leitor o aparelho, com todas as suas

rodas, pronto a movimentar-se.

Se alguém, por influência de leituras ou de preconceitos, não tivesse podido apanhar

as linhas gerais do sistema introduzido pelo Código Civil, veria dissipadas as suas dúvidas

depois de meditar sobre o que o colega escreveu.


Eu me regozijei com o seu trabalho, e espero que ele tenha o merecimento de

impedir que se destrua o que está feito; que nos force a retrogradar em matéria de interesse

tão grande para a consolidação da nossa propriedade territorial, base da nossa prosperidade

econômica.

E como autor do Projeto do Código Civil, muito desvanecido fiquei com a brilhante

sustentação das idéias, que procurei introduzir nessa tentativa.

CLOVIS BEVILAQUA
Cartão do Exmo. Sr. Des. Virgilio de Sá Pereira

Meu prezado colega Dr. Lysippo Garcia.

Saudações cordiais.

Muito grato lhe sou pela remessa de sua monografia sobre a propriedade e o

Registro, e pela benignidade com que me tratou.

A sua argumentação me impressionou, mas preciso voltar ao assunto e sobre ele

refletir maduramente, para firmar opinião definitiva que farei pública, se me render às suas

razões e tiver ensejo de versar ainda a matéria.

Creio que Deus nos dispensou uma inteligência para nos permitir corrigir os nossos

erros. Não me envergonho dos meus, tão numerosos, porque... homo sum, envegonhar-me-

ia, porém, de neles perseverar.

Com um sincero aperto de mão, etc.

VIRGILIO DE SÁ PEREIRA
Opinião do Exmo. Sr. Min. Edmundo Lins

Meu caro Lysippo.

Salutem.

Agradeço-te, sumamente penhorado, o oferecimento de teu belíssimo O Código

Civil e a propriedade imóvel escrito com a clareza e concisão peculiares a quem conhece a

fundo os assuntos sobre que escreve.

EDMUNDO LINS
Opinião do Exmo. Sr. Dr. Paulo de Lacerda.

Sr. Dr. Lysippo Garcia

Saudações.

Venho agradecer o exemplar do seu opúsculo intitulado O Código Civil e a

propriedade imóvel, em que estuda, principalmente, o caráter jurídico que tem o Registro

de Imóveis em face do referido Código.

O assunto é importantíssimo, e a tese sustentada muito bem desenvolvida, quer

diante da letra da lei civil, quer em face das necessidades sociais, a que ela deve prover.

Aceite, pois, com os meus agradecimentos, as mais sinceras felicitações, pelo seu

oportuno e bem lançado trabalho.

PAULO M. DE LACERDA
Apreciação do Exmo. Sr. Dr. Sá Freire

Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1921.

Meu caro colega Lysippo Garcia.

Não quis acusar o recebimento da dissertação sobre o Código Civil e a propriedade

imóvel sem a ler com o maior cuidado.

Representa essa monografia apreciação meditada e erudita do assunto, cuja

importância é escusado encarecer, desenvolvida com segura proficiência por quem sabe

assimilar o que estuda.

Como sabes, acompanhei e tomei parte na discussão do projeto do Código Civil, na

Câmara e Senado, sendo justo confessar, reproduziste, com clareza e verdade, a parte

histórica atinente ao assunto de que te ocupaste. Reconheço igualmente que, como disseste,

ao Congresso cumpre votar ―leis secundárias, tomando por base os princípios cardeais do

Código Civil em relação à propriedade imóvel, organizar os Registros para o regular

funcionamento do novo sistema, estabelecendo o ponto de partida indispensável, para que

as transcrições comecem a produzir os efeitos que devem, segundo o Código Civil.‖

E nessa necessidade, que considero premente, ainda mais avulta, se atendermos à

nossa expansão econômica, que reclama a criação de bancos hipotecários, como

indispensável e vital auxílio à produção.

Sem a garantia, que fornece um título hábil, capaz de tranqüilizar o banqueiro, não

terá crédito o produtor, e o retraimento do capital estiolará a produção.


As facilidades que tem o comércio, nos grandes centros de atividade, de obter

recursos dos bancos, graças ao conhecimento que têm os banqueiros de sua clientela, não se

oferecem geralmente para o produtor.

Com seu título escoimado de vícios, uma vez ―decretadas as indispensáveis medidas

de segurança e regulado o modo de funcionamento dos Registros, para efetuar a

transcrição‖, o produtor adquire uma independência, que o anima a produzir mais.

Não está sujeito a pedir abono de terceiro, emancipa-se da obrigação de vender a um

só comprador, opera oferecendo como garantia sua propriedade, vende seus produtos a

quem mais lhe oferecer, ganha, paga e robustece seu crédito.

Como vês, preferi encarar a tese sob o ponto de vista prático, porque sobre o teórico

a dissertação satisfaz inteiramente e nada se me afigura necessário acrescentar.

Devo fazer, antes de concluir, uma consideração.

Quando soube que abandonaste a advocacia, que professavas com inteligência e

honradez, supus que como outros procuravas o repouso.

Vejo, entretanto com prazer, que como jurista e brasileiro, trabalhas com corajosa

energia.

À espera de teu novo livro, sobre Registro de Imóveis, envio-te meus sinceros

parabéns.

Aqui fica, às ordens, o velho

Amigo e admirador

Colega e obrg.

M. SÁ FREIRE
Apreciação do Exmo. Sr. Dr. Philadelpho de Azevedo

A cautela com que devemos servir do subsídio que os trabalhos preparatórios

trazem à interpretação das leis, justifica-se ainda a propósito de uma das questões

fundamentais do nosso direito civil — a da propriedade imóvel que, infelizmente, jaz em

estado de grande insegurança, sem que se tenha fixado sua posição, quer pela doutrina, quer

pela jurisprudência, ainda não definitiva a respeito.

É preciso reconhecer que toda essa instabilidade em assunto de tanta importância

social e econômica para o país se deve principalmente a balburdia, que reinou na discussão

da matéria através da longa elaboração do Código, como já salientou, com a costumeira

erudição, o Des. Sá Pereira nos fascículos publicados do volume 5.º do Manual do Código

Civil.

Acaba de surgir sobre o assunto um apreciável trabalho do Dr. Lysippo Garcia que,

como louvável exceção à indiferença com que em regra os serventuários exercem seus

rendosos ofícios, demonstra o extremado carinho com que serve às funções de Oficial do

3.º Registro Hipotecário desta cidade e nele sustenta a adoção pelo Código Civil do sistema

germânico pelas razões que adiante resumiremos.

Nunca é demais elogiar o esforço desse probidoso funcionário que, com erudição e

grande tirocínio do ofício, procura esclarecer ponto tão essencial do nosso direito;

precisemos os marcos de sua argumentação, que deve ser oposta às asserções do Dr. Sá

Pereira, único que com sistematização e profundeza abordará o assunto diante dos novos

preceitos legais, explorando, qual malabarista da idéia sob os ditames de uma lógica

rigorosa, todos os corolários e escólios conseqüentes aos princípios adotados e


demonstrando a incongruência de muitos deles e a par de sensível falta de técnica, de modo

a evidenciar a impossibilidade de uma conclusão que, dirimindo a contenda, se impusesse

pela clareza e pela precisão.

Assenta a recente monografia em três pontos principais — a supressão expressa pela

Câmara do parágrafo único do atual art. 530, que reproduzia o princípio do direito anterior,

de que a transcrição não induz prova de domínio; o intuito do festejado autor do Código de

aplicar o sistema germânico no que não dependesse do cadastro; e a perfeita analogia do

art. 859 com o disposto no art. 891 do Código alemão, onde apenas se apóia toda teoria do

absoluto prestígio do Registro em relação a terceiros. Distingue, assim, a feição privada do

Registro, da pública, de modo a sustentar, de acordo com os princípios daquele sistema, o

valor da máxima: nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet, apenas em

relação às partes, para as quais, a presunção do Registro cede, mas não em relação a

terceiros, em que ela se torna irremovível.

É forçoso confessar que ao menos em um ponto do Código se encontra um perfeito

caso de aplicação desse princípio — no art. 968, em que só se admite reivindicação, no

caso de pagamento indébito de um imóvel, contra o adquirente de má-fé ou a título gratuito,

mas resguardado de qualquer perigo está o de boa-fé, a título oneroso. Clovis, em seus

comentários, reconhece o desvio que tais princípios trouxeram à doutrina clássica.

As dificuldades do assunto provieram ainda, permita-se-nos dizê-lo com o máximo

respeito, da posição instável que assumiu na matéria e egrégio e nunca assás louvado autor

do Código que, tendo na exposição de motivos manifestado o desejo de valorizar o Registro

de modo a melhor garantir os adquirentes de boa-fé, passou na Comissão dos 21 a defender

os preceitos do Projeto revisto, para depois, respondendo ao Sr. Azevedo Marques, achar

acertada a supressão do aludido parágrafo único, mas concluindo diversamente dos que a
promoveram, isto é, de que, como no direito anterior, a inscrição de título inábil decairia

mesmo em detrimento do terceiro adquirente de boa-fé.

A única diferença, portanto, seria a de nascer o domínio, mesmo entre as partes, no

momento do Registro, reforma vã em face da inteligência já adotada pela doutrina e pelo

regulamento hipotecário, ante o absurdo de uma propriedade, que ninguém devesse

respeitar.

Foi esta a conclusão a que chegou definitivamente em seus preciosos comentários o

eminente jurisconsulto, bem como o notável Sá Pereira, não sem algum constrangimento

visível; para conciliar a tradição com o modo de aquisição; a inovação foi apenas teórica e

aproximada do disposto nos Códigos holandês e chileno, embora se verificasse o absurdo

previsto por Andrade Figueira (Trabalhos, vol. 5, p. 228 e 256).

Suprimindo expressamente o parágrafo único do art. 530, ficou o art. 859, a que se

apegam os partidários da frágil presunção do Registro, mas a que o Dr. Lysippo Garcia dá

outra eficácia, firmado na perfeita analogia com o modelo germânico (art. 891 do Código

alemão).

Eis os termos da controvérsia levantada sobre a relevante questão e que, por isso,

entre todas as outras, está exigindo pronta solução, que obvie as perigosas conseqüências

originadas de uma errônea apreciação do problema; se tivéssemos autoridade para tanto,

ousaríamos apelar para o alto espírito dos eminentes Clovis Bevilaqua e Sá Pereira afim de

trazerem para as colunas deste já conceituado periódico algumas palavras sobre as sérias

observações feitas pelo Dr. Garcia, apelo que poderia ser extensivo aos demais

jurisconsultos e estudiosos do direito pátrio e especialmente ao notável civilista, o Prof.

Alfredo Bernardes.
Divulgando os conceitos do Dr. Garcia, prestamos uma modesta homenagem ao seu

valioso esforço e comprometemo-nos a trazer em próxima publicação as observações que a

nossa insignificante valia possa produzir.

PHILADELPHO AZEVEDO

(Gazeta dos Tribunais, de 29.09.1921).


CAPÍTULO I

Título I - Publicidade dos direitos reais

A família, a propriedade, as obrigações e as sucessões determinam os limites do

direito civil, que o Estado procura cercar de garantias para a eficácia do seu exercício, ora

prescrevendo regras para o seu estado normal, ora restabelecendo esse exercício por órgãos,

que só intervêm quando a normalidade desaparece.

Para a propriedade imóvel a garantia se manifesta pelos contratos e sua publicidade.

Se há uma coisa cuja necessidade entre pelos olhos, como a luz solar, no dizer do

Sr. Sá Pereira,1 é a publicidade em relação à propriedade imobiliária.

A propriedade é um direito, cujo conhecimento a todos interessa, não apenas para

ser respeitada, mas em bem da ordem pública, interessada na segurança do direito geral. E

para tal segurança é indispensável que todos conheçam ou possam conhecer a quem esse

direito pertence. Nos contratos, cujo objeto é a propriedade imóvel, há, como diz o insigne

Teixeira de Freitas2, duas relações distintas. A primeira entre o proprietário e os que com

ele contratam. A segunda entre o proprietário e terceiros.

Torna-se de necessidade um meio que a manifeste, e que possa a todo o momento

patenteá-la.

É o que explica a forma legal da publicidade do domínio. Por meio dela dá-se

firmeza às aquisições, o que facilita as transações; e a propriedade proporciona assim o

máximo de utilidade ao seu dono, assegurando-lhe as vantagens econômicas, derivadas da

certeza do domínio.

1
Manual do Código Civil, vol. 5.º fas.
2
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CLXRXII.
Muitos autores têm querido fazer remontar as origens da publicidade das transações

sobre imóveis aos povos da antiguidade clássica e até oriental.

Mas a publicidade sempre patente, organizada pela lei, como meio de certeza do

domínio e de garantia do crédito, proporcionada pelos seus efeitos jurídicos, tem sua

origem em épocas muito mais recentes.

A publicidade de fato, que resultava das formas públicas e solenes, de que se

revestiam na antiguidade as transferências de imóveis, não visavam a garantia de terceiros;

traduziam o consentimento da coletividade interessada na alienação, e, como sobrevivência,

se mantiveram quando de coletiva, passou a propriedade a individual.

Ainda outra razão se pode aduzir — a da necessidade de, entre os povos daquelas

épocas, materializar-se o direito, concretizando-o em formas que impressionassem os

sentidos.

A maior parte dos autores pretende ver nos marcos com que em Atenas se

assinalavam os terrenos hipotecados, a origem da publicidade, ao menos para a hipoteca.

A verdade, porém, é que nada prova que esses marcos fossem condição de

existência da hipoteca, ou que lhe conferissem eficácia diante de terceiros3.

O contrário se pode afirmar, pois Demosthenes cita o caso de uma pessoa que, não

vendo o marco no terreno de um certo Felippe, julgou necessário interrogá-lo sobre a

existência de alguma hipoteca, que gravasse o terreno, obrigando-o a declarar, diante de

testemunhas, que nenhuma existia, garantindo-se contra o aparecimento de qualquer débito

hipotecário4.

3
E. Gianturco. Studio e riserche sulla transcrizione n. 3 e 9.[Não encontrei esta obra]
4
Nicola Coviello. Della transcrizione, n. 17.
Daí se infere que, mesmo independente dos marcos, a hipoteca tinha eficácia,

esvaindo-se, portanto, a apregoada publicidade.

Nenhum intuito de publicidade se pode tão pouco atribuir aos Registros existentes

entre os povos da antiguidade, porque o seu fim era principalmente fiscal, e de conservação

de provas, como bem demonstra Coviello.5

É na transformação dos costumes feudais na França e na Bélgica, e nos povos de

raça germânica, que se encontra a verdadeira origem da publicidade atual; exceção feita da

Espanha.

5
Nicola Coviello — Obra cit., n. 15 a 17.
Título II - Publicidade na França, nos Países Baixos e na Itália

Nas províncias do Norte da França, na Bélgica e na Holanda encontra-se a sua

origem no costume do nantissement, conhecido também pelos nomes de devest e vest,

devesture e vesture, desheritance e adheritance, desaisine e saisine, droiture, investiture,

devoirs de loi, œuvres de loi, realisation, que se prende às medidas de direito feudal, para o

reconhecimento da supremacia do Senhor.

O consentimento do senhor feudal era indispensável nas alienações de terras,

variando a sua forma, conforme se tratava de propriedade feudal privilegiada ou sujeita a

censo.

Esses atos eram sujeitos a um Registro público, cujo exame era acessível a todos.

Na Bretanha havia o sistema do appropriement ou appropriance, que não era, como

o nantissement, condição substancial da venda, mas que oferecia ao adquirente de um

direito real o meio de purgar a propriedade, assegurando a irrevogabilidade da aquisição.

Estavam sujeitos às formas do nantissement os atos entre vivos translativos de

propriedade e constitutivos de direitos reais. Para as locações, divisões e testamentos, os

costumes de alguns lugares o exigiam, outros não. As sucessões legítimas estavam

dispensadas da publicidade; mas quanto às colaterais, os costumes de Valenciennes e Mons

a exigiam. O costume de Doai exigia a publicidade para a transmissão testamentária, em

contrário ao costume de Reims.

O efeito do nantissement era operar a transferência do domínio. A falta de

publicidade aproveitava a todos os terceiros interessados, mas entre as partes contratantes,

praticamente, era como se ele se tivesse efetuado.


Exigia-se ainda em relação aos terceiros o requisito da boa-fé, isto é, a falta de

publicidade só aproveitava aos terceiros, que ignorassem a existência do ato não publicado.

Nos lugares em que não vigoravam esses costumes, a publicidade era indiretamente

atendida pela insinuação, e de modo muito imperfeito por ser apenas condição de validade

das doações, e pelo efeito retroativo que lhe era conferido, quando efetuada dentro de 4

meses da sua data.

Como, porém, a propriedade tivesse a afetar-lhe a segurança, o segredo das

hipotecas, procurou-se remediar o mal com a venda em hasta pública, requerida de comum

acordo, fornecendo o transmitente ao adquirente um título de obrigação, que servia de base

à execução simulada, e assim se transmitia a propriedade livre de hipotecas.

Era, porém, longo e dispendioso o sistema; tendo sido substituído pelo das lettres de

ratification, que eram entregues ao adquirente, passados 20 meses da afixação de editais na

sala das audiências, noticiando a venda, para que os credores apresentassem suas

reclamações, ressalvados esses direitos na carta de ratificação.

Se por esse processo o adquirente se resguardava de hipotecas, ficava, no entanto,

exposto à reivindicação de quem já anteriormente tivesse adquirido a propriedade.

Nesse pé se achava o direito francês ao rebentar a Revolução de 1789.

Começa uma nova fase para a publicidade em França.

Os legisladores dessa época pelos Decretos de 19 e 20.09.1790, abolindo as formas

feudais para os atos relativos à propriedade imóvel, substituíram-nas pela transcrição,

aparecendo então pela primeira vez o termo, para designar a nova forma de publicidade,

aliás, só aplicável nas províncias em que vigorava o nantissement.

Por duas Leis de 9 de Messidor do ano III, decretadas pela Convenção Nacional,

procurou-se constituir o Registro de toda a propriedade imobiliária; proibindo-se a


alienação, hipoteca ou reinvidicação de imóveis, cujos proprietários não tivessem

apresentado ao Registro conservador as declarações exigidas, com a menção do valor do

imóvel e do título de aquisição; exigindo-se a inscrição para validade das hipotecas, embora

o princípio da especialidade não fosse atendido por haver hipotecas gerais sobre bens

presentes e futuros.

É notável na lei relativa à hipoteca a criação da cédula hipotecária, independente de

obrigação de que fosse acessória.

Essas duas Leis, duas vezes prorrogadas, foram indefinidamente suspensas por uma

de 28 do Vendémiaire do ano V, e finalmente revogadas pela de 11 do Brumário do ano

VII, que estabeleceu a publicidade para todos os direitos reais de gozo e garantia, salvo

algumas exceções para os privilégios.

A transcrição só era exigida para eficácia contra terceiros, não entre as próprias

partes.

Os defeitos irrogados ao atual sistema francês já se encontravam na Lei de 11 do

Brumário.

Com a promulgação do Código de Napoleão, cujo histórico tantas vezes tem sido

feito, a publicidade dos atos relativos à propriedade imóvel sofreu profundo golpe, ainda

que ligeiramente atenuado pelo engano havido na publicação dos trabalhos preparatórios,

atribuindo-se a Grenier opinião contrária à que havia emitido.

Foi então abolida a transcrição, restabelecida mais tarde pela Lei de 23.03.1855.

Na Bélgica onde o nantissement predominava em todo o território, lá vigorou a Lei

de Brumário do ano VII, como no território francês, de que então fazia parte. O Código de

Napoleão contrariava, porém, o sistema tradicional e, por isso, antes da Lei francesa de

1855, já uma Lei de 16.12.1851, consubstanciando os costumes do Brabante e Hainaut,


havia sido promulgada, e embora atendendo melhor que a Lei francesa de 1855, à

publicidade das transmissões, participava dos seus defeitos.

Na Holanda, que também fazia parte dos países do nantissement e que se manteve

no terreno dos antigos costumes, os antigos princípios do vest e devest tiveram aplicação

muito mais rigorosa que na França e na Bélgica.

A publicidade rege-se nesse país pelo Código Civil de 01.10.1838 e por dois

Decretos reais, um de 01.08.1828, outro de 08.08.1838.

A transcrição é, segundo o art. 671 do Código, a tradição dos imóveis, indispensável

para a transferência do domínio tanto entre as partes contratantes como em relação a

terceiros. Além dos contratos de transferência, também está sujeito à transcrição o contrato

matrimonial, em que haja cláusulas derogatórias do regime da comunhão, para que possa

ser oposto a terceiros.

Os livros do Registro apóiam-se no cadastro embora não haja livros fundiários, e as

atribuições do conservador de hipotecas se estendem à conservação do cadastro.

O direito holandês é muito mais completo que o francês e o belga e forma, como diz

Besson,6 uma transição entre o sistema de publicidade francês e o germânico; mas os

conservadores transcrevem indiferentemente tudo que se lhes apresenta, como ato de

transferência, por conta e risco dos apresentantes; porque a transcrição não serve para

provar o direito de propriedade, nem obsta às anulações e rescisões.

Na Itália a renascença do Direito Romano acarretou o declínio das formas feudais

de transferência da propriedade, feitas nas assembléias de homens livres, sistema usado

6
E. Besson. Les livres fonciers et la réforme hypothécaire : étude historique et critique sur la
publicité des transmissions inmobiliéres en France et a l'étranger depuis les origines jusqu'a nos
jours, p. 224.
pelos lombardos, como pelos outros povos de raça germânica. Desapareceu sob a influência

do Código de Justiniano a publicidade das transmissões da propriedade imóvel.

É certo, porém, que se encontram nos Estados italianos vestígios, desde o século

XVI, de tentativas para tornar públicos os contratos, no interesse da segurança dos direitos,

sem que nessas tentativas se possa apontar a influência feudal; mas não é a elas que deve a

Itália a publicidade tal como se acha organizada.

Em Veneza, por exemplo, a reforma de Andrea Gritti, de 12.05.1523, declarava nula

qualquer obrigação sobre imóveis, dentro ou fora da cidade, que não fosse comunicada ao

Magistrado; e criou-se para tal fim um livro, em ordem alfabética, que podia ser por todos

consultado. O meio não lhe era, porém, propício; de sorte que, 12 anos depois, em 1535,

uma decisão do Conselho Maior, de 19 de março, estabelecia penas severas aos que

vendessem duas vezes um imóvel; e impunha aos adquirentes a obrigação de levar seus

contratos à chancelaria da cidade da situação dos bens, para serem anotados, em livro

próprio, os limites, o nome do notário e o das testemunhas, sob pena de não valer a

aquisição. O mesmo se dava com as hipotecas.

Em Nápoles o Parlamento de S. Lourenço sancionou, em 29.01.1536, uma

providência semelhante. Os contratos de alienação e hipoteca deviam ser registrados,

dentro de seis dias da sua conclusão, sob pena de nulidade de pleno direito; e mantinha-se o

direito do adquirente posterior, se o anterior não tivesse registrado seu contrato, ainda que

tivesse havido tradição, isto é, que tivesse o primeiro adquirente obtido a posse.

Em Parma, por um Decreto do Cardeal da Gallia Cispadana, Umberto da Gambara,

de 28.01.1544 (Decretum Gambaranum), se determinou que todas as doações, quer inter

vivos quer mortis causa, as confissões de dote entre marido e mulher, durante o casamento,

as obrigações derivadas de depósito ou mútuo, as vendas ou alienações de imóveis, em que


o alienante ficasse de posse da coisa alienada; as vendas e alienações de qualquer natureza,

entre marido e mulher, pais e filhos, ainda seguida de tradição, cujo valor excedesse de 50

liras imperiais, deviam ser registradas nos livros da Comuna e publicadas in concilio

generali tum proxima fiendo. O fim, como no Decreto se dizia, era a garantia de terceiros,

pois que, só em relação a estes, é que não tinha eficácia o contrato não registrado,

produzindo, no entanto, todos os seus efeitos, desde que não houvesse prejuízo de terceiros.

Em 1757 um Decreto do Duque Felippe de Bourbon, de 26 de agosto, instituiu

arquivos especiais em Parma, Placença, Guastallo e Borgotaro, onde deviam ser registrados

―os contratos, distratos, obrigações, hipotecas e qualquer ato liberatório ou obrigatório entre

vivos, celebrado por instrumento público ou particular; do mesmo modo os testamentos,

codicilos, doações causa mortis, e bem assim as adjudicações de bens móveis ou imóveis,

feitas por qualquer tribunal ou juiz; os atos de tutela e curatela com suas confirmações‖.7 O

fim desses Registros, declarava o decreto, era tornar possível reconhecer-se com facilidade

a verdadeira fonte de todos os contratos, de modo a manifestar o estado do patrimônio dos

particulares; e poder qualquer pessoa adquirir legitimamente sem receio de prejuízos, nem

dispêndios com demandas, e evitar o perigo de contratos insubsistentes. Não se decretara,

porém, sanção para o caso de não se efetuar o Registro; por isso um edito de 17 de

dezembro do mesmo ano declarou que nenhum ato transferiria domínio ou posse, nem

originaria hipoteca ou mesmo obrigação civil ou natural senão depois de registrado.

Nenhuma dessas disposições foi, porém, executada, e diz Coviello8 que a existência

desse Decreto era mesmo desconhecida dos juristas, que organizaram o Código Parmense.

7
N. Coviello. ob. cit. p.[qual?]
8
Della transcrizione. Vol. 1.º, n. 45.
A publicidade verdadeiramente só aparece na Itália, depois que esse país foi reunido

à França, no tempo de Napoleão, e que o Código Civil francês foi promulgado para reger o

seu território; e assim orientou-se ela pelo sistema do direito francês, embora modificada

em parte pelas idéias nacionais.

A reação que se seguiu, finda a dominação francesa, repeliu por toda a parte o

Código de Napoleão, exceto no reino das Duas Sicilias, em que ficou provisoriamente em

vigor até a promulgação do Código de 1819.

Pouco depois, porém, os diversos Estados, menos o Reino Lombardo Veneziano,

que, em 1811, adotara o Código austríaco, foram buscar nas leis francesas os princípios de

sua nova legislação, modificando a publicidade, para aplicá-la um pouco mais largamente.

Uma das disposições mais notáveis é a do Código Toscano: ―As hipotecas não se

resolvem nem se anulam, continuando a subsistir no caso de resolução ou anulação do

direito do adquirente, em virtude de ação rescisória por lesão, ou de ação revocatória por

qualquer causa nas doações, ou de cláusula relativa ao preço da venda, salvo a parte

prejudicada direito a uma indenização.‖9

Atualmente a publicidade regula-se pelo Código de 1865, em vigor desde

01.01.1866 em todo reino, menos nos Estados Pontifícios, onde começou a aplicar-se em

fins de 1870.

O Código italiano manda inserir no Registro, além dos contratos, as ações de

revogação das doações;10 a ação Panliana;11 a de rescisão por lesão;12 a ação para repetir o

objeto permutado;13 a de resolução por inadimplemento de encargos.14

9
Art. 30 — Vide Besson, p. 208.
10
Arts. 1.080 e 1.088.
11
Art. 1.235.
Não sujeitou, porém, a Registro as ações para reduzir as doações, nem as de

nulidade por incapacidade ou por vício do consentimento, quando a tais sentenças se

atribuem efeitos retroativos! As demais não prejudicarão a terceiros, senão da data em que

tiver sido transcrita a ação.

A transcrição não é obrigatória, operando-se a transferência de domínio entre as

partes contratantes, independente dessa formalidade, que só é exigida em relação a

terceiros.

Do mesmo modo que, no direito francês, a transcrição no direito italiano não induz

prova do domínio.

12
Art. 1.308.
13
Art. 1.553.
14
Art. 1.787.
Título III - Nos países de raça germânica

Nos países de raça germânica foi também do sistema feudal que se originou o

princípio da publicidade atual.

Sob o feudalismo as alienações se faziam perante a corte feudal, presidida por um

juiz, que representava o senhor.

De duas partes constava o processo: — a tradição e a investidura.

Era a princípio oral o processo, mas no século XII, introduziu-se o uso de anotar os

processos mais importantes em livros especiais, o que acabou por ser a regra geral para os

atos translativos de propriedade imóvel.

No começo exigida como prova, passou a condição essencial de transferência.

A tradição e investidura perderam a sua importância e tornaram-se atos preliminares

da inscrição.

Na Morávia e na Boêmia começou a publicidade com a instituição do Land tafeln,

tábua ou quadro das terras, destinado às terras nobres, onde deviam ser inscritos os atos,

contratos e testamentos, translativos de propriedade imóvel ou constitutivos e direitos reais,

inclusive a hipoteca. Ao lado desse quadro das terras nobres, instituiu-se o Registro para as

que o não fossem (Grundbüch), e para os imóveis nos limites da cidade (Statdbüch). Esses

Registros eram públicos e mereciam fé pública.

Durante os séculos XVII e XVIII introduziram-se esses quadros ou tábuas das terras

nas províncias da Silésia, Galícia, Stíria, Carynthia, na Áustria, etc. [atualizamos?]


Em 1794 foram reformados na Boêmia e Morávia, melhorando-se a sua organização

com um livro (Hauptbuch), no qual a cada imóvel era destinada uma folha, onde deviam ser

anotadas todas as mutações de propriedade e seus vários encargos.

Foi o sistema que, sem modificação, adotou o Código austríaco de 1811; mas a

organização dos livros continuou diferindo até 1871, de província a província. Nesse ano é

que a Lei de 25 de julho, que começou a vigorar em 18 de fevereiro do ano seguinte,

unificou as várias disposições até então promulgadas; o que fez também para a Hungria a

Lei de 22.07.1886.

Nos estados germânicos, em que o Direito Romano conseguira estender seu

domínio, só no século XVII, quando o gênio nacional reagindo contra o predomínio de

códigos exóticos, e sob a pressão da necessidade de reparar os estragos da Guerra dos 30

anos, e de se reabilitar economicamente, se pensou nos sistemas de Registros hipotecários

rigorosamente indígenas.

Tomou a frente desse movimento reformador, dessa ressurreição jurídica nacional, a

Prússia, onde Frederico I, com o edito de 28.09.1693, ordenou que todos os bens da cidade

de Colônia e de Berlim fossem inscritos, com seu número de ordem, no Registro sucessório

e cadastral, a cargo de um magistrado; e à inscrição também foram submetidas às hipotecas

legais, judiciais e convencionais.

Frederico Guilherme I, pela ordenança de 1722, publicada em 19.02.1723, estendeu

a todo o território as disposições daquele edito, mandando as Cortes de Justiça criarem sem

demora um Registro territorial para inscreverem os imóveis, que dependessem da sua

jurisdição; mas a defeituosa redação da lei ocasionou muitas controvérsias, que obstaram a

sua plena execução.


Deu isso lugar à promulgação, por Frederico II, da Lei de 20.12.1783, e que entrou

em vigor em todo reino em 1.º de junho do ano seguinte. Organizou-se por essa Lei, um

novo modelo de livros fundiários, em que cada folha era destinada a um imóvel

especificado, que a encabeçava, de onde devia constar tudo que afetasse a sua condição

material e jurídica, sendo obrigatória a matrícula no livro do distrito da situação do imóvel,

que não podia ser objeto de alienação, nem de direitos reais, enquanto não fosse

matriculado. Todos os atos de mutação de propriedade ou de constituição de direitos reais,

quer entre vivos, quer causa mortis, quer translativos, quer declarativos, ficavam sujeitos a

Registro. O Magistrado, antes do Registro, examinava as condições legais para a perfeição

do contrato: — se se achava revestido das formalidades exigidas, se o alienante podia

dispor do imóvel, assim como se o adquirente tinha capacidade para adquiri-lo.

Esta célebre ordenança, tendo atendido aos princípios da publicidade real e absoluta,

da especialidade e autenticidade, e tomado em atenção o princípio da legalidade, não

conferiu ainda à inscrição a força probante, que só em parte lhe foi atribuída pelo Código

Civil Prussiano de 1794. Pelas disposições desse Código quem adquirisse de um possuidor

inscrito estava a coberto de reivindicação dos proprietários não inscritos e de seus

sucessores; outras causas de evicção, porém, o poderiam prejudicar.

Os credores, no entanto, gozavam de segurança absoluta, sendo válida a hipoteca,

mesmo constituída por quem, embora inscrito, se provasse não ser o proprietário.

A força probante, que começava na Prússia a ser conferida à inscrição, já era

consagrada, na sua plenitude, pelo estatuto de Hamburgo promulgado em 1605.

E enquanto na Prússia foi preciso quase um século para que a fé pública, devida aos

livros do Registro, fosse consagrada na sua legislação, a Baviera já havia aceito o princípio
na Lei de 01.06.1822, o Mecklenburgo na Lei de 1830, a Saxônia no Código de 1843, e,

desde 1818, a Polônia de modo o mais categórico proclamara a autoridade do Registro.15

Mas na Prússia a influência que o Direito Romano exercera sobre os jurisconsultos

foi um sério obstáculo a que se sacrificasse a máxima — nemo plus jus ad alium transferre

potest quam ipse habet — como o exigiam as necessidades do crédito, que reclamava o

reconhecimento da força probante dos livros do Registro.

Foi só com as quatro Leis de 05.05.1872 que apareceu consagrado na legislação

prussiana o sistema de publicidade, acolhido pelo Código Civil alemão de 1896, em vigor

desde 01.01.1900, cujas bases principais são:

– Publicidade absoluta.

– Especialidade.

– Legalidade.

– Fé pública ou força probante.

15
Besson, ob. cit. p. 256 e 257.
Título IV - Na Espanha

Ressalvamos a Espanha do número dos países em que a publicidade vai buscar sua

origem nos costumes feudais, porque ali ela aparece com a pragmática sanção dos reis D.

Carlos e D. Joana à petição dirigida pelas Cortes de Toledo, celebradas em 1539.16

É nessa pragmática que pela primeira vez se encontram as palavras Registro,

Registrar e Registrador.

Os contratos constitutivos de tributos, censos, hipotecas e vendas de bens imóveis

deviam ser inscritos no Registro, não fazendo fé o título não inscrito, que não podia servir

de base a qualquer julgamento, nem prejudicar a terceiro.17

A pragmática não era aplicável a toda a Monarquia, porque os diversos Estados, que

a compunham, ainda que debaixo de um mesmo cetro, conservavam Cortes diferentes:

Gomes de La Serna18 acentua bem que a instituição do Registro não tem na Espanha

ligação nem ponto de contato com os Registros estabelecidos nos séculos IX e X pelos

senhores alemães para conservar o domínio direto de seus vastos territórios e visava apenas

16
A Petição das Cortes de Toledo dizia:
―Assim se evitariam muitas demandas, conhecendo os compradores os censos, tributos,
gravames e hipotecas que têm as casa ou herdades, que compram, e que os vencedores ocultem:
Suplicamos a V. M. que mande, em cada cidade, vila ou lugar onde houver cabeça de
jurisdição, haja uma pessoa que tenha um livro, em que se registrem todos os contratos de tal
qualidade; e que não sendo registrados dentro de certo prazo não façam fé, nem por eles se julgue,
nem possam obrigar a nenhum terceiro possuidor.‖
17
F. Barrachina y Pastor. Derecho Hipotecário y Notarial. Comentarios a la Ley
Hipotecaria, vol. 1, p. — Gomes de La Serna. La Ley Hypothecaria vol. n. 139. [não encontrei]
18
Ob. cit. vol. 1. n. 143.
acautelar os interesses civis. Basta notar-se que a petição se fez nas primeiras Cortes, para

as quais foram convocados somente os procuradores das Cidades e Vilas, e a que não

assistiu nem a nobreza nem o clero, para se compreender a origem popular da lei, que nada

teve de feudal; pois na Espanha nunca os grandes senhores pensaram em Registros, para

assegurar seus direitos senhoriais ou alodiais.

A Lei não foi, porém, observada, tanto que, passados nove anos, as Cortes reunidas

em Valladolid, em 1548, clamavam pedindo remédio, como dez anos depois, em 1558,

ainda o faziam. Para essa inobservância muito contribuía o interesse de pessoas poderosas,

que, carregadas de dívidas, não queriam que se conhecesse o estado de sua fortuna, e

também as alcavalas que fortemente oneravam as propriedades.19

Quase duzentos anos depois da pragmática de 1539, o Conselho de Castela, em

1715, queixava-se de novo da inobservância da lei; verdade seja que não o movia então o

interesse do público, mas o do erário, do clero e das fundações, prejudicadas pelos

arrematantes de rendas.20

Em 1768 foi publicada uma pragmática determinando que, nos livros de Registro

por ela estabelecidos, se anotassem os instrumentos de imposição, venda e remissão de

censos ou tributos; os de venda de bens de raiz ou a eles equiparados, se estivessem

onerados; os de fiança pela qual se hipotecassem esses bens; as escrituras de instituição de

morgado ou obras pias e, em geral, todos os que importassem hipoteca especial ou encargo,

com a declaração dos encargos ou sua liberação e remissão.

19
Gomes de La Serna, ob. cit., vol. 1, n. 159.
20
Idem.
Argumentou-se o número dos instrumentos sujeitos à inscrição; atendia-se, porém,

só à publicidade dos ônus, que gravassem a propriedade; mas da inscrição se isentaram os

títulos de propriedade, quando por aí é que se deveria começar, como base do Registro.

Por um edito de 1774 para a Catalunha, se esclareceram dúvidas e se deram regras

para a execução da pragmática de 1768, e nele se acrescentaram disposições, que dela não

constavam, notando-se louvável tendência progressista.

Aconteceu, no entanto, com a pragmática de 1768, o mesmo que havia acontecido

às anteriores, continuando a inobservância das disposições legais; por isso, em 1774, o

Conselho de Castela ordenava a publicação de editais, intimando os que tivessem censo ou

hipoteca em seu favor, a inscrevê-los no prazo de 60 dias, prazo prorrogado por um ano, em

01.07.1774, e de novo prorrogado várias vezes por 2 anos, em 1782, 1784, 1787 e 1789,

sempre com resultado negativo.

Ainda em 22.01.1816, devido a uma exposição dirigida pelo Contador Geral das

Hipotecas de Madri ao Conselho, foi expedida uma circular em que se recomendava a

observância da pragmática de 1768 e disposições posteriores; e marcado, para a

apresentação dos documentos, o prazo de três meses na província de Madri e o de seis nas

outras províncias; prazo que foi, como anteriormente, ainda prorrogado, sendo declarada

última e peremptória a prorrogação feita em 12.07.1825.

A essa obstinação dos interessados em não atender aos preceitos legais, juntou-se o

elemento perturbador do fisco, comprometendo seriamente o Registro, por convertê-lo em

fonte de renda.

Criou-se por Decreto de 31.12.1829 um imposto denominado — direitos de

hipotecas — incidindo sobre as alienações de imóveis. Daí em diante prevalecia mais o

interesse fiscal que o civil, tendo-se chegado a ressuscitar a alienação de ofícios públicos; e
assim foi alienada a Contadoria de Hipotecas, em benefício da Real Caixa de Amortização,

conforme a ordem de 15.07.1833, expedida pelo Ministério da Fazenda. O fisco entregava

funções de tão alta responsabilidade aos que mais lhe quisessem pagar, e não aos mais

competentes e mais dignos.

Por honra da Espanha, Barcelona protestou, embora sem resultado.

A reforma tributária de 20.05.1845, estendeu-se aos direitos de hipotecas e por esse

modo refletiu-se no Registro.

As contadorias e ofícios de hipotecas tomaram o nome de oficinas de Registros. —

No interesse fiscal sujeitaram-se a Registro atos até então dele isentos; mas procurou-se

atender também à garantia devida à boa-fé, e a ele sujeitaram-se atos que eram livres do

imposto, devendo ser inscritas as heranças em linha reta e as aquisições feitas pelo Estado,

como toda e qualquer translação de propriedade ou usufruto; e mais que se registrassem,

independente de imposto, as cópias de qualquer instrumento público, pelo qual se

hipotecassem imóveis em garantia de obrigação de qualquer natureza, e o seqüestro desses

bens.

Novas alterações se fizeram por Decreto de 26.11.1852, mas sempre concedendo-se

prorrogações de prazo para apresentação dos títulos ao Registro.

Em 1855, no Decreto de 8 de agosto, o Governo, reconhecendo a necessidade de

reformar o sistema hipotecário, recomendava à Comissão incumbida do Projeto da Lei

Orgânica dos Tribunais, do Código dos Processos e da revisão do Projeto do Código Civil

que, de preferência e com urgência, se dedicasse a um projeto de lei hipotecária e de

segurança da propriedade territorial, para ser apresentado às Cortes Constituintes.

Na Real Ordem de 10 de agosto, ou dois dias depois desse Decreto, o Governo

manifestou as suas idéias sobre a orientação da reforma:


―S. M. deseja que a nova lei parta do princípio da publicidade das hipotecas, pedida

pelas Cortes de Toledo em 1539 e pelas de Valladolid em 1555 e elevada a Lei do Reino;

que por incompatíveis com essa condição não se admitam para o futuro hipotecas gerais;

que se estabeleçam formalidades exteriores para a translação da propriedade e dos demais

direitos na coisa; e que se medite detidamente sobre a conveniência ou inconveniência de se

abolirem as hipotecas legais; e, no primeiro caso, que se cogite do meio de conciliar a sua

abolição com os interesses, antes protegidos pelo privilégio, e especialmente com os

interesses das mulheres casadas, menores e interditas.‖

Foi o projeto organizado pela comissão que se converteu na Lei Hipotecária,

sancionada em 08.02.1861 e publicada dois dias depois.

A lei procurou assentar a propriedade territorial, seus desmembramentos e

modificações, em base mais seguras, ―visto que‖, dizia a Exposição: ―a parte essencial de

qualquer sistema hipotecário é a certeza e a segurança da propriedade; se esta não se

registra, se as mutações que ocorrem no domínio dos imóveis não se transcrevem ou

inscrevem, desaparecem todas as garantias.‖

Foi, portanto, o primeiro cuidado da Lei o Registro da propriedade, repelindo o

sistema misto de publicidade, isto é, publicidade para uns atos e clandestinidade para

outros, adotando o da publicidade absoluta e da especialidade.

Aboliu as hipotecas gerais.

Substituiu a hipoteca judiciária pela anotação preventiva.

Abandonou o princípio da tradição romana, ―ou o que é o mesmo‖, dizia a

Comissão, ―da posse das coisas imóveis. Este princípio dominou em todos os Estados da

monarquia, excetuado o Reino de Aragão, em que basta reduzir a escritura pública o


contrato de alienação de imóveis, para que o domínio ou direito real passe para o

adquirente.‖21

A tradição continuou como modo de adquirir, apenas entre os contratantes, na falta

de inscrição; sendo esta indispensável para que o domínio se transferisse em relação a

terceiros.

Adotou o princípio germânico da legalidade, impondo ao Registrador a obrigação

de qualificar o título, isto é, apreciar a sua legalidade e ajuizar da capacidade das partes

pelo que do título pudesse deduzir.

Não permitiu inscrição sem estar anteriormente inscrito o domínio, ou direito de

quem transferisse ou gravasse o imóvel.

Declarou que a inscrição não sanava os vícios do título; mas que os contratos

celebrados com quem do Registro aparecesse com direito a fazê-los, seriam mantidos em

relação aos terceiros, se o direito registrado se anulasse ou resolvesse em conseqüência de

título, não inscrito ou de causas que do Registro não constassem.

Os princípios essenciais consagrados na Lei Hipotecária de 1861 não foram afetados

pelas Leis de 03.12.1869 e 17.07.1877, que procuraram cercar a inscrição de maiores

prerrogativas.

21
Barrachina, no seu Direito Hipotecário e Notarial (vol. 1, p. 36), reivindica para o reino de
Aragão a primazia do sistema espiritualista, cuja paternidade, diz ele, injustamente se atribui ao
Código Napoleônico.
É preciso, porém, confessar que o direito aragonês não tinha fundamento em princípios
filosóficos, e resultou como explica Gomes de La Serna (Lei Hipotecária — vol. 1, p. 211 — nota)
de uma errônea interpretação da lei, que havia equiparado a escritura à tradição, não para a
transferência do domínio, mas para irrevogabilidade do contrato. No entanto prevaleceu a
interpretação que os equiparava para transferência do domínio.
Publicado o Código Civil em 24.07.1889, determinou no art. 708 que se observasse

a Lei Hipotecária para determinar os títulos sujeitos a inscrição ou anotação, a forma,

efeitos e extinção das mesmas, a ordem de serviço do Registro e o valor dos assentos de

seus livros.

Em 21.04.1909, foi promulgada uma Lei que mandou fazer nova edição Oficial da

Lei Hipotecária, suprimindo-se os artigos derrogados, harmonizando-se os textos

contraditórios, e incluindo-se as disposições que houvessem alterado as anteriores.

A nova edição oficial que se apoiou na Lei de 14.07.1903, promulgada para o

Ultramar, foi feita por Decreto de 16.12.1909; e é a lei vigente.


CAPÍTULO II

Título I - Os dois sistemas

Feito o rápido histórico da publicidade em diversos países, vamos encará-la em seus

efeitos.

Para esse estudo divide a doutrina as legislações em dois grupos, filiando-as a um

dos dois sistemas: o francês e o germânico.

Sistema francês

No sistema francês a publicidade se opera por meio de um Registro (transcrição),

que é uma simples forma.

Como forma não destrói os vícios do título, não garante o adquirente contra

possíveis evicções, observada a regra de Direito Romano nemo plus jus ad alium transferre

potest quam ipse habet; não é meio de prova do direito transcrito; é apenas meio de

publicidade, para conhecimento de terceiros, da existência de um ato, cuja validade não

afirma.

Transcrito um ato, presume-se conhecido; e ignorado se não for transcrito.

A transcrição torna públicos os atos, mas não tem força probante, porque não induz

presunção da existência dos direitos sobre que tais atos versam.

Só atos entre vivos se acham a ela sujeitos, excluídos dela os causa mortis.
O efeito da transcrição é tornar o ato em condições de ser oposto a terceiros, que

pretendam direitos sobre o imóvel.

Em relação às alienações, a transcrição confere a preferência em favor de quem a

tenha efetuado, quando em concorrência com outro adquirente, embora anterior, que não

tivesse transcrito seu contrato ou que o transcreva em data posterior à transcrição do

segundo adquirente.

No entanto, mesmo sem transcrição tem valor o ato, em relação a terceiros, pois os

que lhe foram estranhos podem adquirir direitos reais do proprietário não transcrito, não

podendo quem quer que seja invocar a falta de transcrição, se não tiver direito algum sobre

o imóvel ou o direito for de força inferior ou ainda se por sua vez não o tiver conservado

transcrevendo seu título.

A transcrição tem o efeito de conservar o direito àquele que, embora o adquirindo

posteriormente, tenha anterioridade na publicidade por ela representada.


Título II - Sistema germânico

No sistema germânico, o Registro (inscrição) não é uma simples forma, é modo de

adquirir.

Na aquisição da propriedade transferida distinguem-se dois momentos — o da

investidura, isto é, a declaração, que o transmitente faz, ao Juiz do Registro, da vontade de

transferir o direito real para o adquirente, e o pedido deste para que seja inscrito em seu

nome o direito transferido (vest e devest); — e o da inscrição no livro do Registro,

expressão jurídica dessa dupla vontade, sob a garantia do Estado.

A investidura e a inscrição só são possíveis quando se trata de alienações

voluntárias; nas aquisições derivadas da lei — ope legis, — é a lei que faz a investidura, e

não sendo esta necessária para a aquisição, desnecessária seria a inscrição, por já estar a

propriedade adquirida. A Lei prussiana querendo, porém, que fossem inscritos todos os

direitos, qualquer que fosse o modo de sua aquisição, tornou indiretamente obrigatória a

inscrição, suspendendo o exercício do direito assim adquirido; por isso, embora o

reconhecendo antes de inscrito, não admite que o adquirente, em virtude de sucessão ou por

outro título derivado só da lei, possa, até à inscrição, alienar ou gravar tais bens.

Neste sistema repudiou-se a aplicação rigorosa da regra que não permite a uma

pessoa transferir mais direitos do que os que tem, por ser prejudicial à segurança do

domínio e ao desenvolvimento do crédito real.

A publicidade tem uma significação jurídica própria, como um dos princípios a que

andam ligadas as inscrições.


O princípio da publicidade, significando a fé pública devida às inscrições, é um dos

princípios sobre que assenta o sistema germânico.

Do princípio da fé pública se deduz a eficácia probatória do Registro, eficácia que

varia nas diversas legislações filiadas a esse sistema.22 Umas admitiram a eficácia formal,

fazendo a inscrição prova plena e absoluta do direito diante de todos: — a inscrição vale

título.

O adquirente inscrito torna-se proprietário em virtude da inscrição, sem necessidade

de título válido ou boa-fé. É o sistema que existia nas legislações de Hamburgo, Lubeck e

Mecklemburgo.

A inscrição apresenta-se como modo originário de adquirir.

Nenhuma distinção se faz de boa ou má-fé.

Outras legislações, achando exagerados esses efeitos, por não se dever proteger

quem, por fraude ou com título nulo, tenha conseguido a inscrição, procuraram harmonizar

a fé pública, devida aos livros do Registro, com a boa-fé, porque ambas interessam à ordem

social; e adotaram o princípio da eficácia relativa.

O crédito dado ao Registro substitui, em certos casos, a falta de propriedade do

transmitente. A inscrição vale título, só para quem, de boa-fé, tenha nela confiado.

Assim o proprietário inscrito é tido como o verdadeiro, diante de terceiros de boa-fé

que dele tenham adquirido direitos, confiados na fé pública, que merecem os livros.

Mas o Registro não supre a validade do título, a capacidade do alienante, nem é a

única fonte, em que se vão beber todas as informações, que muitas vezes têm de ser

procuradas fora dele, de sorte que esse proprietário injusta ou erroneamente inscrito, está

22
C. Wielaud. Les droits réels dans le Code Civil suisse, vol. II, p. 576.
sujeito à contestação do verdadeiro proprietário prejudicado, para reaver a coisa ou o direito

de que foi despojado, salvos os direitos de terceiros, só porém os terceiros de boa-fé;

porque os de má-fé não podem invocar a justificativa de haverem confiado no Registro. Por

equidade equiparam-se aos de má-fé, os adquirentes a título gratuito.

Em resumo, a inscrição em algumas legislações, de sistema germânico, constitui

presunção absoluta, juris et de jure, noutras uma presunção de direito, juris tantum. No

primeiro caso a inscrição vale por si só, no segundo ela faz prova em favor dos terceiros,

que acreditaram corresponder a inscrição à verdadeira situação do imóvel.

O princípio da fé pública repousa em um outro — o da legalidade, representado

pelas atribuições conferidas ao Juiz do Registro, para apreciar a capacidade dos

contratantes, a qualidade dos títulos, sua conformidade com a lei; e verificar se o imóvel

está fora do comércio, ou se o transmitente é proprietário inscrito.

Assenta ainda o sistema germânico em outros dois princípios — o da especialidade

e o da publicidade absoluta das transferências.

A especialidade resulta da própria organização dos livros (ou por fólio real ou por

fólio pessoal), onde cada imóvel é individuado, apoiando-se a inscrição sobre o cadastro,

que fixa a sua identidade, situação, superfície e designação.

A publicidade absoluta das transferências traduz-se pela obrigatoriedade da

inscrição ou para adquirir os direitos ou para exercer os já adquiridos por força da lei.

Cabe aqui falar de um terceiro sistema, o Torrens, filiado pelos escritores ao sistema

germânico, mas que, pelas suas características especiais, convém mencionar

separadamente.
Título III - Sistema Torrens

O Sistema Torrens, que tem o nome de seu autor, Robert Richard Torrens,23 é o

adotado na Austrália desde 1858 pelo Real Property Act. A sua característica está na

matrícula dos imóveis, pela qual se firma a certeza da propriedade a que a lei confere a

mais completa imunidade contra os ataques de quem quer que seja.

A certidão da inscrição constitui o novo título, que substitui os antigos, e prova, de

modo absoluto, o direito inscrito.

A matrícula não é obrigatória, mas uma vez matriculado o imóvel, as inscrições se

tornam indispensáveis, para qualquer alienação ou constituição de direito real.

A matrícula é requerida ao Registrador Geral, que se acha à testa do ofício central a

esse fim destinado, apresentando-se os documentos probatórios da propriedade, declaração

dos direitos reais que gravam o imóvel e uma planta topográfica.

Os documentos são submetidos a um duplo exame por funcionários, aos quais

compete tal encargo: — um agrimensor para o exame da planta e uma comissão

encarregada dos documentos na sua parte jurídica, e que aceitará, ou não, o pedido de

matrícula.

Aceito, fixa-se um prazo, que varia de dois meses a três anos, conforme as

legislações dos países que têm adotado o sistema,24 para as reclamações de quem se julgar

com direito sobre o imóvel. Findo o prazo sem impugnação o imóvel é matriculado.

23
Sir Robert Torrens era o Registrar General (ou o Oficial do Registro, como aqui diríamos),
da colônia da Austrália. [N.E. – A Austrália deixaria de ser colônia Britânica em 1968.]
24
Besson. Les livres fonciers..., p. 342.
Para esse fim o Registrador redige um certificado do título, em duplicata, em cujo

verso há uma planta colorida.

Um deles é incorporado ao livro matriz, no qual se acham reunidos todos os

certificados expedidos, e que formam cada uma de suas páginas; o outro exemplar é

entregue ao proprietário, depois de selado e assinado pelo Registrador.

No certificado mencionam-se os direitos reais constantes de qualquer reclamação

atendida.

Anotada a folha e o volume do livro matriz destinado ao imóvel, está feita a

matrícula.

Só é admissível reivindicação contra um proprietário matriculado, no caso de fraude

para a matrícula, no de erro na delimitação do imóvel, ou havendo uma matrícula anterior.

Em qualquer outra hipótese, há apenas o direito a indenização, contra aquele a quem

aproveitou a matrícula, e se este não puder satisfazê-la, contra a Caixa para esse fim

constituída, com uma parte dos direitos pagos no ato da matrícula e das transferências

sucessivas: se não bastar, responde pela indenização o governo.

Uma vez matriculado o imóvel, para sua transferência, basta que o proprietário, com

uma testemunha, declare num memorandum segundo a fórmula legal, a natureza do direito,

o nome do adquirente, o preço e o imóvel.

Junto esse memorandum ao certificado do título, é apresentado ao Registro, e,

verificada a capacidade das partes e a suficiência das declarações, anota-se a transferência

no certificado apresentado e no que se acha no livro matriz. O novo adquirente recebe o

certificado antigo com a anotação, ou se preferir, um novo; que será o único possível, no

caso de alienação de parte do imóvel; porque o antigo certificado, anulado na parte


transferida, continuará com o transmitente, que também poderá pedir um outro em

substituição.

Para transações que não as de alienação, o processo é análogo. Apresentado o

memorando em duplicata com o certificado do título, a transação é inscrita no certificado e

no livro matriz. Em cada um dos memoranda é anotada a inscrição feita, ficando um dos

exemplares arquivado no Registro e entregue o outro à parte interessada. O certificado é

restituído ao proprietário, dele constando a inscrição do encargo.

Extinta a obrigação ou rescindido um contrato, basta apresentar o memorando, que

tinha sido entregue ao credor, acompanhado da quitação ou prova da rescisão, e no

certificado de matrícula será isso anotado pelo Registrador.

Eis em traços gerais o Sistema Torrens.


Título IV - Diferença entre o sistema francês e o germânico

Qual a diferença característica entre os dois sistemas?

A forma da inserção dos títulos nos livros? Não; porque, embora sob o nome de

transcrição, os Registros se fazem sob legislações filiadas ao sistema francês, de modo

abreviado, em resumo, isto é, sob a forma de inscrição.

Em ser o Registro o modo de adquirir, isto é, em depender do Registro a

transferência do domínio? Também não; porque sob legislações filiadas a qualquer dos dois

sistemas, ora se admite a transferência independente do Registro, como na Espanha, de

sistema germânico; ora se exige o Registro para que a transferência se opere, como na

Holanda, de sistema francês.

A organização dos livros por fólios reais? Não; porque na própria Alemanha eles

têm uma dupla forma; ora com fólios reais, ora pessoais, estes quando a propriedade está

muito dividida.

Em serem as funções do Registro, no sistema germânico, confiadas a magistrados?

Ainda não, porque várias legislações desse sistema como a da Espanha, Portugal e as de

regime Torrens, encarregaram dessas funções pessoas despidas de autoridade judiciária.

Que resta, pois dos dois sistemas, que forneça a característica diferencial?

Resta a fé pública ou força probante conferida aos livros do Registro. Aí é que

reside a característica que os separa.

Sempre que uma legislação, por mais perfeita que seja a organização do Registro,

lhe recusar a força de provar o direito constante de seus assentos, pertencerá ao grupo de

sistema francês; todas as vezes que, embora organizado deficientemente o Registro, a lei
lhe atribuir essa força, será filiada ao sistema germânico, para o qual são as preferências

modernas, porque ele atende melhor ao fim econômico, que, como diz Chironi,25 é o que

excita a ação jurídica.

O ilustre civilista Sr. Lacerda de Almeida já acentuou essa preferência moderna: —

―As exigências do crédito, com o enorme desenvolvimento que tem na atualidade,

fomentam esta tendência (o modo a emancipar-se do título), a qual se traduz pelos dois

princípios cardeais no assunto: — o da legitimação formal do direito do possuidor para as

coisas móveis e o da fé pública do Registro para as imobiliárias‖.26

25
G. P. Chironi. La colpa nel diritto civile odierno - Colpa contrattuale, 2.ª ed. Pref. p. VII.
26
Direito das Coisas. § 6.º.
CAPÍTULO III

O ANTIGO DIREITO PORTUGUÊS E O NOSSO DIREITO

Falamos do direito francês, do belga, do austríaco, do prussiano, do espanhol, do

australiano, justo é que falemos do nosso, para que não fiquemos melhor sabendo o que se

tem passado pela casa alheia, do que ela própria, o que nunca é honroso.

Na Península Ibérica o direito que lhe foi imposto pelos romanos com a sua

civilização, costumes e religião, foi sempre mais ou menos observado.

Dada a invasão visigótica, ficaram coexistindo, justapostas no mesmo território,

duas nações, regendo-se pelo seu direito pessoal — a dos bárbaros pelas leis compiladas em

um Código, que se atribui a Eurico; a latina pelas leis romanas compiladas por Alarico e

revistas por Leovegildo no Breviarium Alaricianum ou Aniani, apoiado principalmente no

Código Teodosiano.27

Com o decurso do tempo, foram-se fundindo as necessidades e costumes das duas

raças e, devido principalmente à influência do clero cristão, de origem hispano romana, foi

possível uma reforma, em que se substituiu o direito pessoal por um Código Territorial — o

Liber Judicum28, ou Fuero Juzgo, na tradução espanhola, publicado por Chindasvinto e

reorganizado por seu filho Recesvindo onde quatro espécies de leis se podem distinguir: —

27
Cada Conde do Reino recebeu um exemplar assinado por Aniani, o referendário do Rei,
assim como uma nota explicativa, que se acha geralmente no começo da compilação.
28
―O Liber Judicum, como chegou até nós, é o que este título exprime: — é o manual, o guia
do judex, o livro que o dirige no exercício da sua autoridade, menos intensa, menos independente
que a dos juízes dos tempos modernos, incomparavelmente mais extensa, porque da distinção do
judicial, do administrativo e do fiscal, apenas existiam vislumbres nas monarquias bárbaras. O Liber
– As emanadas do rei exclusivamente.

– As votadas nos Concílios de Toledo, onde dominava o clero.

– Leis sem data, nem nome do autor e que devem pertencer às antigas coleções

godas.

– As extraídas dos códigos romanos e adaptadas às exigências da sociedade —

antiquœ noviter emendatœ.

Invadida a Península pelos árabes, continuou, sob a dominação agarena, a

observância do Fuero Juzgo entre a população submetida.

Mais tarde, durante o período conhecido na história como o da Reconquista, nos

territórios da antiga monarquia, de onde iam sendo expulsos os mouros, foram-se

levantando Estados, cada um com sua legislação especial.

A lei geral visigótica foi sendo substituída em alguns lugares por uma infinidade de

leis, ora particulares a um Estado, ora limitadas a certas povoações, ora restritas a um

Concelho, e novos costumes se formaram, que mais tarde foram consagrados nos forais,

com o fim de dar estabilidade às zonas, que iam sendo retomadas, e nos quais se mitiga o

rigor do Fuero Juzgo, e se torna menos sensível a profunda desigualdade das classes

sociais. Os forais consagravam os costumes que se haviam formado, onde a autoridade do

Fuero Juzgo se havia extinguido sob a dominação árabe; e neles se asseguravam aos

Judicum tem um destino especial, restrito. Não organiza a sociedade; supõe-na constituída. Supõe a
necessidade de punir delitos e de resolver colisões de direitos. Quando Recesvindo abroga toda e
qualquer legislação diversa da do novo Código a forma por que promulga este é característica. Não
sanciona, em absoluto, direitos e deveres comuns: vê apenas o libelo ou o debate forense, e proíbe
que se invoque no foro outro corpo legal. Dirige-se não aos súditos, mas aos juízes, a quem
recomenda mandem rasgar qualquer corpo de leis que alguém ouse invocar apresentando-o no
tribunal (Cod. Wisigoth £ II t. 11, 9.).‖ (Alexandre Herculano. Opúsculos. Tomo V, p. 277).
burgueses regalias que os defendiam contra as violências e vexames das classes

privilegiadas.

No entanto o Fuero Juzgo continuou dominando na península; mas a par desse

Código, havia o direito consuetudinário e foraleiro, e tinha grande preponderância o Direito

Canônico, cuja influência se manifestará desde o século IV e que muito argumentára com a

publicação das Decretais de Graciano, nos fins do século XII.

Nesse século dois fatos de grande importância se dão: separa-se da coroa ovieto-

leonense o Condado de Portugal, e inicia-se o estudo do Direito Justiniano, fato este de uma

relevância enorme, pela sua grande repercussão.

Dos claustros docentes, que haviam emergido dos templos, originam-se as primeiras

universidades,29 sendo a mais célebre a de Bolonha, onde Irnerius havia começado a

ensinar o Direito Romano.

De toda a Europa correm a Bolonha para ouvir os famosos glosadores Azão e

Accursio, autor este da Grande Glosa, cuja autoridade foi tal que assegurou a influência

que, por toda a parte, exerceu o Direito Romano.

Essa influência se reflete na Península Ibérica no Fuero Real e nas Leys das Siete

Partidas, publicadas por Fernando III, o Santo, e por seu filho Afonso X, o Sábio.

Se bem que publicadas essas Leis em Castela, quando já era Portugal independente,

no reinado de Afonso III, aí tiveram força de lei, ao menos como direito subsidiário, tendo

mandado D. Diniz traduzi-las em português.

29
As universidades originárias da Idade Média tem tipo muito diverso das impropriamente
chamadas universidades de Atenas, Roma etc, cujo único ponto de contato era destinarem-se ao
ensino.
Há quem assinale o ano de 443 para a fundação da universidade de Bolonha, sob Teodorico
II, tradição não comprovada. O que há de certo é o seu renome no século XII.
Data desse reinado a fundação em Portugal da Universidade que facilitou, aos que o

desejassem, o estudo do Direito, sem sair do reino.

O direito português, no entanto, ia se tornando muito complicado pela

multiplicidade de seus preceitos, originados já dos forais, já de inúmeras leis que,

assegurada a Monarquia, se foram publicando, em substituição de muitos usos e forais, e

ainda do Direito Romano e do Canônico, de usos e costumes antigos, os quais eram a

mescla das legislações romana e bárbara.

Por isso, e talvez mais ainda, pelo desejo de um Código perfeitamente nacional, sem

sujeição a leis de Castela, aspiração patriótica habilmente excitada pelos juristas, que não

poucos os havia ao tempo de Afonso IV e Pedro I, os quais grande entusiasmo tinham pelo

Direito Justiniano, cuja aplicação desejavam, os povos em Cortes propuseram a D. João I,

que mandasse reformar e compilar as leis.

Começada nesse reinado a compilação conhecida por Ordenações Afonsinas, foram

publicadas em 1446, em nome de D. Afonso.

As Ordenações Afonsinas restringiram o direito consuetudinário, revogaram a Lei

da Avoenga, que dava aos descendentes e parentes mais próximos o direito, não só de

preferência, no caso de alienação de bens da família, como até de remi-los dentro de certo

prazo.

Deram ascendência ao Direito Romano sobre o Direito Canônico, que só podia

prevalecer nas matérias em que houvesse pecado.

Os forais continuaram, no entanto, a subsistir, com preceitos que, por se

contradizerem, produziam inúmeros litígios, o que determinou uma reforma, realizada ao

tempo de D. Manoel, pela Carta Régia de 05.02.1506, reforma que muito lhes reduziu a
ação. Daí em diante os forais passaram quase que a ser contratos enfitêuticos, ou então

providências, ora de simples posturas municipais ora de interesse fiscal.

Além da reforma dos forais, resolveu D. Manuel a organização de um novo Código,

que foi publicado em 1514; mais devido a incorreções resultantes da pressa, foi sujeito a

novo exame e outra vez publicado em 1521. São as Ordenações Manoelinas.

No reinado de D. Sebastião também se fez uma compilação, mas sem a importância

das precedentes.

Finalmente por Lei de 11.01.1603, se mandou observar nova Codificação, publicada

sob Felipe III de Castela e II de Portugal, conhecida por Ordenações Felipinas, que,

juntamente com as leis posteriores, promulgadas sob o domínio espanhol, D. João VI,

revalidou pela Lei de 29.01.1433, quando proclamada a Restauração.

Todas as Ordenações procuraram compilar preceitos do Direito Romano, dando

força à Glosa e à Escola de Bartolo; até que o Marquês de Pombal, em meio de suas

reformas, promulgou a Lei de 18.08.1769, chamada da ―Boa Razão‖, para restituir às leis

portuguesas a consideração que julgava deviam ter e mandou que o Direito Romano só

fosse observado quando conforme ao Direito Natural, ao espírito das leis pátrias e ao

governo da nação.

As glosas, a opinião dos Doutores e os arestos perderam a grande autoridade que se

lhes reconhecia; e as leis das nações civilizadas passaram a ter observância como

subsidiárias.

Assim a Escola de Bartolo, foi oficialmente proscrita, juntamente com o Direito

Romano, que pouco depois, em 1772, nos Estatutos da Universidade de Coimbra, era de

novo elevado à consideração devida, apoiado na Escola de Cujacio.


Proclamada a independência do Brasil, o Decreto de 20.10.1823 mandou que

ficassem em inteiro vigor as ordenações, leis, regimentos, etc., promulgados pelos reis de

Portugal e pelos quais o Brasil se governará até 25.04.1821, e os atos que haviam sido

promulgados por D. Pedro, como Regente e depois como Imperador.

A Constituição de 25.03.1824, fundando o Império em moldes democráticos,

estabeleceu a igualdade perante a lei, aboliu os privilégios não ligados essencial e

intimamente aos cargos públicos e determinou que todos contribuíssem para as despesas do

Estado.

Não é possível passar em silêncio a promulgação do Código de Processo Criminal

feita por Lei de 20.11.1832 que, além do julgamento pelo júri, da publicidade na formação

da culpa, da exigência de mandado escrito para a prisão preventiva, instituiu a suprema

garantia da liberdade, no recurso de habeas corpus.

Aboliram-se os morgados e quaisquer vínculos pela Lei de 06.10.1835.

Estabeleceu-se na Lei de 02.09.1847 plena igualdade sucessória de nobres e

plebeus.

Em 1871 decretou a Lei de 28 de setembro que ninguém mais nasceria escravo no

Brasil, primeiro passo para abolir a escravidão, que recebeu o golpe final na Lei de

13.05.1888.

Proclamada a República, em 15.11.1889, a Constituição de 24.02.1891 declarou em

vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime, no que implicitamente não fossem

contrárias ao sistema de governo firmado por ela, e aos princípios ali consagrados.

Eis em resumo a história da legislação.

Passemos à da propriedade.
Na Península Ibérica coexistiam, como dissemos, as duas sociedades — a

visigótica, de raça germânica, e a hispano-romana.

Em ambas encontra-se a idéia comum de uma classe privilegiada que, entre os

romanos, se compunha dos que ocupavam altos cargos, como os senadores, generais e

magistrados, e dos que dispunham de riqueza, a qual se julgava superior ao vulgo. Entre os

germanos a nobreza era de casta e transmitia-se pela geração.

Se a idéia era comum, divergia a sua expressão material.

Assenhoreando-se da península os visigodos, os altos cargos, como era natural,

foram ocupados pelos mais importantes dentre eles, e assim se concentraram na raça

dominadora as duas nobrezas, a pessoal e a de casta.

A divisão das sortes góticas destruíra entre os romanos a antiga aristocracia da

riqueza, representada pelas terras, que passaram para os germanos.

Nos primeiros tempos, portanto, a classe privilegiada era exclusivamente

germânica, constituindo a hispano-romana a massa da população inferior.

Os bárbaros, com o sentimento de liberdade individual e independência,

desconhecido dos romanos, traziam consigo um elemento novo — o patronato militar —,

elo que ligava os indivíduos guerreiros, e que embora mantendo a liberdade de cada um,

prendia pela dedicação um homem a outro, e, pela fidelidade, indivíduo a indivíduo.

O comum dos homens livres se ligava à nobreza de raça, recebendo armas e

manjares, como uma espécie de remuneração; mas apropriando-se os bárbaros do solo, em

que pretendiam fixar-se, com ele passou a nobreza a remunerar esses serviços.

Nenhum esforço é preciso para se compreender que, dado o atraso dos bárbaros, não

pensariam eles em organizar uma propriedade, de que nunca tinham cogitado.

Aproveitaram-se da que encontravam organizada e, utilizando-se dela, tiravam o proveito


mais fácil, qual o de distribuir o solo de que se haviam apossado pelos seus clientes, os

buccellarios, sem lhes transmitirem mais direito do que o de gozarem desses bens.

O bucelário recebia do patrono armas e bens que devia restituir se, como homem

livre que era, buscava o patrocínio de outro senhor. Se as relações subsistiam durante a vida

do bucelar e do patrono, elas se continuavam entre os filhos de ambos; mas a todo o tempo

que se quebravam, verificava-se a restituição. Do que o bucelário adquiria naquela situação,

metade, desfeita a ligação, lhe pertencia, a outra metade pertencia ao senhor.

Se o bucelário morria sem deixar filhos, deixando, no entanto, alguma filha, esta

ficava em poder do patrono, que lhe procurava um consórcio decente, conservando-a no

gozo dos bens paternos; mas se ela, por si mesma, escolhia marido de condição inferior à

sua, os bens revertiam para o senhor ou para os filhos deste.

O Rei, posto que esse título não tivesse, nos primeiros tempos, analogia com o dos

imperadores romanos, era o maior proprietário e maior clientela tinha, ligada antes à coroa

do que à pessoa real.

As terras, que se haviam reservado à coroa e à nobreza, eram concedidas mediante

encargos, serviços e prestações diversas.

Nessas terras os godos encontraram homens sujeitos, que cultivavam a gleba, e

naturalmente, em seu próprio interesse, aí os conservaram, limitando-se a tomar o lugar dos

antigos senhores romanos; e o mesmo fizeram os bucelários com os que encontraram nas

que haviam recebido.

Além dessa propriedade dos bárbaros, sortes gothicas, subsistia a de que tinham

ficado de posse os hispano-romanos, seus antigos donos, tertiœ romanœ, sujeita a tributos,

mas alodial, isto é, livre, alienável.


Encontramos, portanto, desde logo, duas espécies de propriedade: — a nobre e a

não nobre ou vilã, tributária, e não tributária, e a qualquer delas andava anexa a jurisdição

dos patronos sobre os clientes e dos senhores sobre os servos.

A coroa e a nobreza formavam a sociedade bárbara, e os antigos proprietários com

os demais hispano-romanos a sociedade municipal, últimos restos do império romano. Uma

terceira sociedade, porém, havia, e muito importante, pela influência sempre crescente que

exercia no novo meio: — a Igreja cristã, constituída por hispano-romanos, servindo de elo

que prendia as outras duas sociedades.

Foi essa terceira sociedade que forneceu um elemento civilizador, substituindo a

antiga assembléia dos germanos-mallum pelos concílios, nos quais, embora tomassem parte

leigos, predominava o clero hispano-romano; e a cuja influência, há pouco, aludimos como

a principal causa da promulgação do Código, que unificou o direito — o Fuero Juzgo.

Era nos primeiros tempos bárbaros, a única sociedade regularmente constituída,

tendo princípios, regras e disciplina; e em sua própria defesa, esforçava-se por conquistar

os conquistadores.

A propriedade da Igreja veio se por ao lado da propriedade nobre, cheia de

privilégios; e do mesmo modo que a propriedade nobre foi, por meio de concessões,

mediante encargos e tributos, se dividindo por concessionários.

Encontramos, portanto, a terra, após a invasão e nos tempos subseqüentes possuída,

às vezes livre e transmissível por herança, umas sem dependência de tributos; outras,

porém, tributadas.

As que não eram livres, eram possuídas por tempo fixo ou não; sujeitas a tributos,

prestações e aos mais variados encargos.


Além da população livre havia os servos, convertidos mais tarde em colonos,

adscritos à terra.

Sob o domínio sarraceno, a propriedade pode-se dizer que não sofreu alteração,

porque os dominadores, trazendo uma civilização adiantada, limitaram-se a impor tributos.

―Segundo a jurisprudência muçulmana,‖ diz Alexandre Herculano, que tem sido o

nosso principal guia no histórico que vamos fazendo, ―pago o tributo predial e a capitação,

os cristãos eram conservados na posse das terras que cultivavam; e posto que, por certa

distinção sutil, se considerasse o senhorio direto delas como uma espécie de reserva pia,

vinculada em benefício dos crentes; os possuidores do domínio útil só dele vinham a ser

privados, quando deixassem de cultivá-las.‖30

No período conhecido como o da Reconquista, houve a princípio uma certa

alteração; porque nas suas incursões os guerreiros das Astúrias conduziam para as

montanhas as populações dos terrenos invadidos, desligando da gleba os servos a ela

adscritos; e, como meio de defesa, deixavam entre o território que ocupavam e o ocupado

pelos muçulmanos, uma faixa deserta, de que eram despojados seus respectivos donos.

Essas terras assim vagas, ainda aumentadas pelas que os muçulmanos abandonavam

para se acolher a pontos fortificados e melhor se resguardarem contra inopinados ataques,

deram lugar às presúrias, isto é, à ocupação por parte de cristãos, que, abandonando os

territórios muçulmanos, se dirigiam para junto de seus irmãos de raça e de crenças, e aí se

fixavam.

Felizes nas suas incursões e mais fortes, os hispano-godos foram estendendo suas

conquistas.

30
História de Portugal. Vol. 3, p. 175.
Embora as lutas fossem sanguinolentas e os combates mortíferos, não pode restar

dúvida que, derrotados os exércitos, os vencedores encontravam no território conquistado

uma população a quem pertencia a propriedade do solo, propriedade que, diz A.

Herculano,31 muitos documentos provam, terem os reis respeitado.

É natural que assim fosse, porque as lutas da Reconquista passavam-se sete ou oito

séculos depois das primeiras invasões bárbaras, que se lançavam sobre os restos do Império

Romano, para se assenhorearem da propriedade individual.

Já os árabes dominando a Península haviam mostrado que não era preciso despojar

os vencidos da sua propriedade individual, bastava a imposição de tributo. Nem assim

faltariam terras de que se apropriassem os reis; porque muitas havia sem dono, o que não

admira, pela perda de vidas nas contínuas lutas que se travavam. Além dessas terras sem

dono, havia as do fisco sarraceno.

Separado o condado portucalense da coroa de Leão, as terras que a esta pertenciam

passaram para o Conde D. Henrique, que as aumentou com as que ia conquistando aos

mouros.

Os reis eram, porém, obrigados por motivos diversos, que não cabe aqui detalhar, a

fazer concessões dessas terras à Igreja e aos nobres, não a título perpétuo, porque o

patrimônio do Estado, segundo o direito recebido de Leão, era inalienável, mas a título de

prestamos (prestimonium) por tempo indeterminado.32

Continua, portanto, após a Reconquista, e fundada a Monarquia portuguesa, a

distinção de terra do rei, dos nobres, da Igreja e terra vilã. Alodial ou livre e hereditária;

tributária e não tributária.

31
Opúsculos. Apontamentos para a história dos bens da coroa. Cap. Vol. VI.
32
Alexandre Herculano. Apontamentos... cit.
A propriedade da Igreja e dos nobres era patrimonial ou regalenga, mas sempre

privilegiada, isto é não tributária.

A isenção de tributos assinala a mais alta condição de nobreza, que encontra a sua

representação nos Coutos33 e Honras, que chegaram às vezes como diz C. da Rocha34 à

quase independência, e que, no dizer de A. Herculano, são fórmulas ou manifestações do

modo de ser das classes superiores, como os municípios o eram de uma fração da classe

popular.35

A propriedade da nobreza e do clero e a propriedade do rei ou do Estado imitam-se,

organizam-se ou modificam-se de maneira análoga.

À frente das terras da Igreja se achavam os bispos e as ordens religiosas que, a título

de benefício, as concediam mediante variados encargos; assim como à sombra protetora da

Igreja se colocavam muitos que, sentindo-se fracos naquela época de violências, lhe

entregavam seus bens, para novamente dela os receber a título de benefício, mediante um

cânon, com o que aumentava a Igreja cada vez mais a sua riqueza.

À frente das terras nobres estavam os Ricos Homens, mais tarde chamados

Fidalgos, os Infanções e Vassalos a que depois se chamaram Cavaleiros e Escudeiros.

Nas terras não nobres, ou propriedade vilã, havia alodios, a cujo proprietário se

chamava herdador ou cavaleiro vilão, que possuía hereditariamente uma propriedade livre e

que, no dizer de Herculano, é o representante do possessor romano e do privado godo, e o

precursor do cidadão moderno.

33
―Coutar uma terra‖, define D. Diniz, é escusar os seus moradores, de hoste, e de fossado, e
de foro, e toda a peita (L. 3 da Chancell, de D. Diniz. Fol. 72. Citado por Alexandre Herculano).
34
M. A. Coelho da Rocha. Ensaio sobre a história do governo e da legislação de Portugal.
35
História de Portugal, vol. 3, p. 301.
Além dessa ainda havia outras formas de propriedade vilã: — a dos peões, de

condição inferior ao cavaleiro vilão, sujeita a tributos, foros, prestações agrárias, etc.

Três são os grupos em que se pode dividir a propriedade vilã, caracterizada pelo

tributo anual do fossado.36

1.º As herdades simplesmente afosseiradas;

2.º as cavalarias não só sujeitas ao fossado, ou a uma prestação equivalente e

acidental, à anúduva37 e ainda à colheita38 e outros tributos;

3.º as que, além disso, pagam foros e prestações, entre as quais a luctuosa,39 e que

por aí se vão confundir com as colônias, servindo de elo, que prende a classe dos cavaleiros

vilãos às classes inferiores.

Abaixo dos peões estava a classe dos antigos homens da criação ou servos adscritos,

servidão que, no começo do século XIII, havia passado do homem para a terra.

Os homens do rei ou homens de criação podem incluir-se na designação geral de

peões e classificar-se conforme os modos de possuir a herdade ou casal da coroa.

Três eram as condições dessa espécie de proprietários: — quase enfiteutas;

reguengueiros; e jugueiros, jugadeiros ou foreiros.


36
Este tributo consistia em deverem os proprietários dessa espécie de propriedade marchar
para qualquer expedição militar, que não excedesse certo número de semanas. Variando com o
tempo a necessidade desse tributo militar ou de sangue, foi-se convertendo numa contribuição
predial, consistente ora em gêneros ora em dinheiro, e a que se chamava fossadeira.
37
Anúduva era o tributo que consistia em vir ajudar pessoalmente à construção ou reparo dos
castelos. O cavaleiro vilão devia apresentar-se a cavalo no lugar e dirigir os trabalhadores peões,
armado de uma vara.
38
Era a obrigação de dar hospedagem aos senhores e reis quando em viagem, o que se
transformou em uma contribuição anual, permanente, designada também pelo nome de parada.
39
Luctuosa era um tributo ou foro que as famílias de colonos, quando morria o seu chefe,
deviam pagar ao senhorio direto.
As duas últimas caracterizavam-se pela obrigação de habitar a propriedade.

O verdadeiro aforamento, relacionado com a enfiteuse romana, e que consistia na

concessão de um direito alienável, indivisível por 1, 2 e 3 vidas, com a obrigação de pagar

um cânon anual e o laudêmio, foi na Península Ibérica, como por toda a parte, desnaturado

pelos encargos mais variados, serviços pessoais, direitos banais, etc.

Era esse o modo por que estava organizada a propriedade, em Portugal.

Mas se ainda hoje vemos, a despeito do progresso atual, manifestar o homem

tendência para abusar, em seu proveito e com detrimento alheio, da parcela de poder de que

disponha, imagine-se o que não fariam os poderosos naqueles tempos de ignorância e

violências.

As classes privilegiadas usurpavam o direito alheio, invadindo territórios, mesmo da

coroa, e os anexavam às suas concessões, vexando as populações com os variados tributos

então em uso.

Essas usurpações de terras ocasionavam lutas entre aquelas classes e o Rei, das

quais nos dão notícia as célebres Inquirições de Sancho I e Afonso II, e repetidas até 1453,

procurando a Coroa fixar os limites das concessões.

Uma vez que, fazendo o histórico da propriedade, tivemos que nos ocupar da

organização da sociedade em Portugal, e já que aludimos à luta em que andou empenhada a

realeza para reprimir os abusos e cercear as prerrogativas das classes privilegiadas, parece

não ser fora de propósito mencionar as duas leis que representam dois profundos golpes

desfechados contra a nobreza.

Referimo-nos à Lei Mental, publicada em 1434 por D. João I, e à publicada nas

Cortes de Évora em 1481, sob D. João II.


A primeira não admitia à sucessão dos bens da Coroa senão o filho primogênito,

com exclusão das mulheres, ascendentes e colaterais, salvo dispensa real, o que punha a

nobreza na dependência do rei, cujo poder se fortificava pela reversão dos bens.

A segunda exigiu uma nova forma de homenagem, submeteu a exame as doações

feitas, cerceou a jurisdição criminal dos senhores e ampliou o direito de apelação às justiças

reais. Dessa época é que, diz Coelho da Rocha, data o gosto pelos morgados e a extensão

interminável dos nomes dos fidalgos, único meio que, em substituição do perdido prestígio,

encontrou a nobreza para se perpetuar através das gerações.

Ao começar o século XVI é descoberto o Brasil, e a Coroa portuguesa aumentou as

suas possessões com as vastas terras do novo descobrimento. D. Manoel, porém,

preocupado com as possessões da África e Índia, pouco interesse mostrou pelas terras

descobertas; D. João III, no entanto, procurou assegurar os direitos da Coroa, povoando-as.

Com esse intuito enviou ao Brasil Martim Afonso de Souza, a quem fez entrega de

três cartas datadas de 20.11.1530.

Uma autorizava-o a tomar posse das terras que descobrisse, organizar o governo e a

administração e criar o que conviesse à justiça e serviço público.

Outra lhe conferia o título de capitão-mor dessas terras com jurisdição plena sobre

todas as pessoas.

A terceira habilitava-o a fazer concessões de terras aos que quisessem povoá-las.40

40
Dessa terceira carta há duas variantes. Uma é esta:
―D. João etc... A quantas esta minha carta virem faço saber que para que as terras, que
Martim Afonso de Souza, do meu conselho, descobrir nas terras do Brasil, onde o envio por meu
capitão-mor, que se possam aproveitar, eu por esta minha carta lhe dou poder para que ele, dito
Martim Afonso, possa dar às pessoas, que consigo levar e às que na dita terra quiserem viver e
povoar aquela parte das terras que assim achar e descobrir, que lhe bem parecer e segundo o
Logo depois resolve D. João III dividir o Brasil em capitanias, doando-as.

Essas doações não eram do domínio do solo, mas das vantagens que os donatários

aufeririam, pela percepção de proventos, que as capitanias lhes proporcionassem; tanto que,

pela mesma carta de doação, recebiam os donatários uma determinada extensão, em

propriedade plena, diziam as cartas, mas na verdade de natureza morganática; porque era

pessoal, o que quer dizer inalienável, e subtraída à regra comum das sucessões, tornando-se

indivisível.

merecerem as ditas pessoas por seus serviços e qualidades para as aproveitarem; e as terras que
assim der serão somente nas vidas daqueles a quem as der e mais não, e as terras que lhe parecer
bem poderá para si tomar, porém tanto até m’o fazer saber, e aproveitar grangear do melhor modo
que puder e vir que é necessário para bem das ditas terras; e das que assim der às ditas pessoas lhes
passará suas cartas declarando nestas como lh’as dá em suas vidas somente e que dentro em 6 anos
do dia da dita data cada uma aproveitará a sua, e se no dito tempo assim o não fizerem as poderá
tornar a dar com as mesmas condições a outras pessoas que aproveitem, etc.‖
E recomendava ainda que para maior segurança de tais condições se transcrevesse a carta
régia nos autos de concessão ou cartas de sesmaria, dando para o reino informações detalhadas de
tudo.
Segunda carta derrogando a acima:
―A quantas esta minha carta virem, etc. — Faço saber que as terras que Martim Affonso de
Souza, do meu conselho, achar e descobrir na terra do Brasil, onde o envio por meu capitão-mor,
que se possa aproveitar, por esta minha carta lhe dou poder para que ele dito Martim Afonso de
Souza, possa dar às pessoas, que consigo levar, e às que na dita quiserem viver e povoar aquela
parte das ditas terras que bem lhe parecer, e segundo lhe merecer por seus serviços e qualidades; e
das terras que assim der serão para eles e todos os seus descendentes e das que assim der às ditas
pessoas lhes passará suas cartas e que dentro de dois anos da data, cada um aproveite a sua, etc.‖
Diz Rocha Pombo que a carta de Azevedo Marques é igual à primeira minuta, que é de
Varnhagen; a segunda é de Pedro Tacques; mas que ambas são verdadeiras, e que a segunda foi
derrogatória da primeira, tanto assim que as primeiras Sesmarias concedidas pelo capitão-mor já se
fizeram em plena propriedade, isto é aos sesmeiros e seus descendentes apenas com a condição de
as aproveitarem dentro de dois anos (Rocha Pombo nota 1.ª p. 72 vol).[Qual obra?]
As terras deveriam ser repartidas em Sesmarias41 pelas pessoas que as pedissem,

sendo cristãos, isentas de foro e apenas sujeitas ao dízimo do Mestrado de Cristo; e nos

forais expedidos garantia-se aos colonos ou moradores o direito de requerê-las, sem mais

ônus que o referido dízimo.

Dado o insucesso das Capitanias, foram elas, por diversos modos, voltando para a

Coroa. Continuou, porém, o mesmo regime de concessões.

Muitas foram as leis expedidas procurando regular essas concessões e coibir abusos.

Pela Ordem de 27.12.1695, se impôs o pagamento de um foro, além do dízimo, às

concessões que de futuro se fizessem.

A Carta Régia de 07.12.1697, procurando coibir o abuso de vastas concessões, fixou

a extensão das Sesmarias em 3 léguas de comprido e 1 de largo.

A Carta Régia de 23.11.1698 ordenou que se fizesse efetiva a confirmação e que

cessasse o abuso de não se confirmarem as Sesmarias concedidas.

A Carta Régia de 03.03.1704 mandou que as Sesmarias fossem demarcadas

judicialmente.

A Resolução de 26.06.1711 permitiu que as Ordens Regulares possuíssem terras de

Sesmarias, contanto que se sujeitassem ao pagamento do dízimo.

41
A Lei das Sesmarias, publicada em Santarém, em 1375, é de D. Fernando I. Encarregava as
autoridades de especial vigilância sobre as terras abandonadas, que o dono não quisesse cultivar, e
dava outras providências. Sesmarias ainda as define a Ord. do Livro 4, Título 43, parágrafo. — ―são
as terras, casas, pardieiros que foram ou são de algum senhorio e que já em outro tempo foram
lavradas e aproveitadas e agora o não são.‖
Às terras do Brasil não devia, portanto, caber o nome de Sesmarias: mas por extensão assim
as denominaram, por se tratar de terras não aproveitadas.
O Decreto de 20.10.1753 proibiu que se confirmassem concessões sem a medição e

demarcação judicial.

A Provisão de 11.03.1754 dispôs sobre as concessões de terras atravessadas por

águas de rios caudalosos, cuja travessia necessitasse de barcas, reservando espaço para o

uso público.

A Carta Régia de 13.03.1797 proibiu que se concedessem terras próximas à costa do

mar ou à margem dos rios, que nele desembocassem.

O Alvará de 05.10.1795 regulou as concessões, consolidando a legislação

respectiva.

O Decreto de 02.07.1808 e o preâmbulo do Alvará de 25.01.1809, dão idéia exata

do estado das concessões no princípio do século XIX.42

42
Decreto de 02.07.1808.
Sendo-me presente que se não tem continuado a conceder Sesmarias nesta Corte e Província
do Rio de Janeiro, que até agora eram dadas pelos vice-Reis do Estado do Brasil e que muitas outras
já concedidas pelos Governadores e Capitães-Mores de diversas capitanias estão por confirmar por
causa da interrupção de comunicações com o Tribunal do Conselho Ultramarino, a quem competia
fazê-lo.
E desejando estabelecer regras fixas desta importante matéria, de que muito depende o
aumento da agricultura e povoação e segurança do direito de propriedade.
Hei por bem ordenar, que d’aqui em diante continuem a dar as Sesmarias nas Capitanias
deste Estado do Brasil os Governadores e Capitães Generais, delas devendo os sesmeiros pedir a
competente confirmação à mesa do Desembargo do Paço, precedendo as informações e diligências
determinadas nas minhas Reais Ordens; ficando as cartas de concessão e de confirmação
dependentes da minha Real assinatura.
A mesa do Desembargo o tenha assim entendido e faça executar.
Alvará de 25.01.1809.
Eu, o Príncipe Regente, faço saber aos que o presente Alvará, com força de Lei, virem que
sendo-me presente em consulta da mesa do Desembargo do Paço, que muito importava à
A Resolução de 17.07.1822 suspendeu as concessões; mas a despeito dessa

Resolução e da Provisão de 22 de outubro que as declarou suspensas, até que sobre isso

resolvesse a Assembléia Constituinte, ainda posteriormente foram feitas, ora com o nome

de sesmarias, ora com o de concessões ou datas.

Em 1850 foi promulgada a Lei 601, de 18 de setembro, com o fim de discriminar o

domínio público do particular e regularizar a situação das terras, mandando legitimar as

posses e revalidar as sesmarias; proibindo que daí em diante quem quer que fosse se

apossasse das terras; só permitindo a aquisição por compra, salvo nas fronteiras em uma

zona de 10 léguas, onde poderiam ser concedidas gratuitamente.

Por essas concessões legitimamente feitas, e por mera ocupação ou posse, foram as

terras desde o período colonial entrando para o domínio particular, livres, porém, dos

inúmeros laços, que enredavam a propriedade imóvel na metrópole, apresentando-se-nos

muito simplificada, como igual simplicidade nos oferecem os aforamentos ou contratos

enfiteuticos, sempre perpétuos apenas sujeitos ao foro e laudêmio.43

No entanto ainda nos começos do século XIX, não só o soberano podia, sem forma

ou figura de juízo, apropriar-se da propriedade dos súditos, em virtude do domínio

prosperidade deste Estado remediar o abuso de se confirmarem as Sesmarias sem preceder a


necessária medição e demarcação judicial das terras concedidas contra a expressa decisão do
Decreto de 20.10.1753 e de muitas ordens minhas, que o proibiam, e que da transgressão delas
provinha a indecência de se doarem terras, que já tinham sesmeiros, e a injustiça de se dar assim
ocasião a pleitos e litígios e a perturbação dos direitos adquiridos pelas anteriores concessões:
Propondo-se-me quando cumpria, não só que se determinasse que não se passassem pela
mesa cartas de concessão de Sesmarias, nem de confirmação das concedidas pelos Governadores e
Capitães Generais, sem se apresentarem medições e demarcações judiciais legalmente feitas; mas
também que para elas se não retardarem se nomeassem Juízes e Oficiais competentes e se lhes
taxassem salários, etc.
43
Lafayette. Direito das Coisas. § 138-4.
eminente, que se lhe reconhecia; como pelo confisco era o dono despojado dos bens que lhe

pertenciam.

Foi a Constituição imperial, de 25.03.1824, que aboliu o confisco e consagrou o

respeito à propriedade, garantindo prévia indenização, quando desapropriada por utilidade

ou necessidade pública; garantias mantidas pela Constituição republicana de 24.02.1891.

Se, como atrás dissemos, os bárbaros, desconhecendo a propriedade individual,

tinham aproveitado a que encontraram organizada, é bem de ver que o mecanismo jurídico

da propriedade é eminentemente romano. Por isso sempre a tradição foi o meio de

transferência de domínio.

Entre dois adquirentes pertencia o domínio, não àquele que tivesse prioridade de

contrato, mais àquele a quem primeiro fosse entregue a coisa.

Vê-se o princípio consagrado na Lei das Sete Partidas,44 de onde passou para as

Ordenações.45

No entanto a antiga tradição, a translação da posse, fato visível, que importava

numa certa publicidade, dando a conhecer a mudança de dono, foi substituída por uma

simples cláusula, revestiu a forma velada do constitutum possessorium ou da traditio brevi-

manu, nada exteriormente revelando aos terceiros.

Desaparecera o elemento indispensável à segurança da propriedade imóvel, a

publicidade de suas mutações, e em seu lugar ficara a clandestinidade, facilitando a fraude

de alienações sucessivas, e de ônus reais, que se ocultavam.

Procurando remediar a situação com o intuito de fundar o crédito real, o Sr.

Conselheiro Nabuco, Ministro da Justiça, no seu Relatório de 1854,46 lançou a idéia como

44
Lei L. Tit. V da 5.ª. Partida.
45
Ordenações. Livro 3 Título VII pr.
meio mais adequado, da criação, entre nós, de um Registro, já admitido em outras

legislações, para os atos translativos da propriedade imóvel, dando a esta a segurança que o

crédito real requeria.

Era intuitivo que entre a tradição simbólica, ou mesmo a direta, que, uma vez

efetuada, nenhum vestígio permanente deixa, e o Registro sempre ostensivo, projetando

continuadamente a luz da publicidade sobre o ato, que lhe deu origem, preenche este muito

46
Cabe falar-vos aqui da reforma hipotecária, a qual o governo imperial tem como urgente e
digna especialmente de vossa atenção na presente sessão: não se trata por ora, Senhores, da
organização de associações bancais, que no futuro devem concorrer poderosamente para
prosperidade da nossa agricultura, que jaz na rotina, dependendo, aliás, de melhoramentos
importantes, que não podem ser conseguidos senão com sacrifícios, que a embaraçam; o que se quer
antes de tudo é fundar o crédito territorial por meio da hipoteca e facultar assim aquelas
associações; não pode, porém a hipoteca preencher esse fim senão pela sua segurança e fácil
execução, visto como os empréstimos tanto mais vantajosos e fáceis serão, quanto mais seguro e
pronto for o pagamento, essas duas condições de segurança e de excussão dependem essencialmente
da publicidade e especialização assim como da brevidade das ações hipotecárias; são estes os três
pontos essenciais da reforma; não penseis, porém, que o sistema de publicidade e especialização
que o governo deseja, tendo em vista o crédito territorial, é com sacrifício do crédito pessoal, ou
ferindo e menoscabando os justos interesses da sociedade os quais cumpre respeitar; esses
interesses quanto era justo e necessário foram atendidos e conciliados com o interesse da
propriedade e da agricultura. Certo, Senhores, é impossível o crédito territorial sob o regime atual
da Lei de 20.06.1774, que favorece e legitima a fraude, admitindo hipotecas ocultas gerais sobre
bens não determinados e futuros, e fundadas em privilégios que ela estendeu por identidade de
razão. Não desconheço o estado da nossa propriedade territorial, sei que uma boa parte dela não
aproveitará o novo regime, pois que as dúvidas do domínio, em razão da contestação de limites e
incerteza de título, acrescem as dificuldades da avaliação; se, porém, toda a propriedade não pode
ter valor, uma parte dela certa e incontestável deve tê-lo; se no presente grande parte dela não vale,
no futuro há de valer, tanto basta para que esse melhoramento importante da nossa legislação não
seja diferido e protelado (Relatório de 1854, p. 18).
melhor a função, revelando em qualquer momento os fenômenos relativos aos direitos reais

que todos têm de respeitar.

Completava-se por esse modo o aparelho instituído pelo Decreto 482, de

14.11.1846,47 para a publicidade das hipotecas, mas que pouco aproveitara ao crédito,

porque a primeira condição de um bom sistema hipotecário, como o reconhecem todos os

autores, é andar ligado à publicidade da transmissão da propriedade imóvel, o que não

havia.

Apresentou o Conselheiro Nabuco à Câmara dos Deputados, na sessão de

25.07.1854, o seu Projeto de Reforma Hipotecária.

O projeto estabelecia três classes de hipotecas — as privilegiadas, as legais e as

convencionais; e regulava toda a matéria de preferência. Criava o Registro das

transferências de domínio e constituição de ônus reais, a cargo de um funcionário com a

denominação de Conservador. Consagrava o princípio de não induzir a transcrição prova de

domínio que ficava salvo a quem fosse.

Na sessão de 22 de agosto do mesmo ano foi apresentado o Parecer, assinado pelos

Srs. J. M. Pereira da Silva, Francisco de Paula Batista e F. Rodrigues Silva; em que se fazia

notar que o Projeto admitia entre nós os ―dois princípios da publicidade e especialidade,

desconhecidos do Direito Romano, e devidos à Alemanha‖, que ―no Brasil estes princípios

não se haviam introduzido na legislação; a especialidade não se conhecia, e a publicidade

só nos últimos tempos fora admitida e assim mesmo incompleta e manca, não trazendo

portanto as vantagens que a deviam acompanhar.‖

47
A Lei Orçamentária de 1843 limitou-se a estatuir no art. 35.
―Fica criado um Registro geral de hipotecas, nos lugares e pelo modo que o Governo
estabelecer nos seus Regulamentos‖.
E, referindo-se à transcrição, dizia o Parecer: ―Fixar o direito de propriedade deve

ser a primeira condição de um bom sistema hipotecário.‖ ―Aqui desejaria a Comissão dar à

transcrição maior valor do que lhe dá o Projeto; a transcrição deve importar a prova da

propriedade e não uma simples presunção.‖

Entrando o Projeto em segunda discussão no ano seguinte, falaram os Srs. Nunes

Gonçalves, Ferraz Rodrigues e Barreto Pedroso, manifestando-se favoráveis ao valor da

transcrição como queria o Parecer, tendo declarado o último deles que o Registro das

Hipotecas, regulado pela Lei de 1846 e criado por proposta sua, não dera os resultados que

poderia ter dado, por terem lhe faltado os requisitos da especialidade e publicidade.

Na sessão de 9 de julho do ano seguinte foi apresentado um substitutivo, que se

converteu na Proposição da Câmara de 1.º de setembro do mesmo ano, enviado ao Senado,

onde foi apresentado Parecer, datado de 11.09.1857 e assinado pelos Srs. Silveira da Motta,

Muritiba e Souza Ramos. [não consegui confirmar estes nomes]

O Parecer em referência à transcrição adotada pelo Projeto dizia:

―A Comissão não desconhece que seria muito proveitoso para a consolidação e

certeza do domínio, o Registro público dos títulos de propriedade, de maneira a considerar-

se o adquirente, ou o credor hipotecário, perfeitamente seguro e inatacável a respeito do

objeto adquirido ou hipotecado, e dos encargos a que está sujeito; porém o meio do sistema

não produz esses resultados.

A propriedade continua sujeita as variadas ações reais, não só do próprio cedente,

mas às que este era obnoxio, visto como, segundo o disposto no Projeto, o Registro não

prova o domínio, que fica salvo a quem o tiver.

Nos países em que essa formalidade foi adotada, acontece o contrário, porque em

alguns constitui a mutação das propriedades um ato judiciário, em que se liquida o domínio,
servindo-lhe de prova; em outros, o solo está demarcado, cadastrado e dividido

cuidadosamente.

Se estas condições não existem entre nós como transplantar o sistema que nelas se

baseia?‖

O Parecer concluia por condenar o Registro instituído no Projeto como inútil, além

de incômodo e dispendioso.

Consultado, o grande T. de Freitas, pelo Ministro da Justiça, opinou pelo sistema

francês adotado no Projeto,48 combatendo a conclusão a que chegara a Comissão do

Senado.

Tendo ido o Projeto às Comissões de Legislação e Fazenda, deram elas seu Parecer,

respectivamente, em 20.07.1861 e 28.07.1862.

Posto em 01.03.1864 em segunda discussão no Senado, o Projeto com esses

pareceres, foi de novo às Comissões, porque o Sr. Conselheiro Nabuco, como disse o Sr.

Conselheiro Zacharias, continuara a fazer estudos sobre a matéria e tinha emendas a

apresentar.

Na sessão de 23 de maio desse mesmo ano as comissões reunidas de Legislação e

Fazenda apresentaram seu Parecer, datado de 19, e ofereceram um substitutivo, que, com

poucas emendas, foi aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados, que, sem

discussão, o aprovou e se converteu na Lei 1.237, de 24.09.1864.

Instituiu essa Lei o Registro, que não tínhamos, para a transcrição dos títulos de

transmissão dos imóveis por atos entre vivos e a constituição dos ônus reais (art. 7.º).

48
Ofício ao Ministro da Justiça, de 06.03.1860, citado por Didimo Agapito da Veiga no
Direito Hipotecário, p. 301.
Declarou que a transmissão não se operava a respeito de terceiros, senão pela

transcrição e desde a sua data (art. 8.º); mas que esta não induziria prova de domínio (art.

8.º, § 4.º).

Aboliu as hipotecas que não fossem as por ela estabelecidas (art. 1.º).

Restringiu o objeto da hipoteca aos bens imóveis, que enumerou (art. 2.º, §§ 1.º e

2.º).

Manteve hipotecas legais gerais e sobre bens presentes e futuros, só em favor da

mulher casada, dos menores e interditos (art. 3.º, § 11); as demais hipotecas legais que

estabelecia deviam ser especializadas (art. 3.º, §§ 1.º a 8.º e 11).

Determinou que a hipoteca convencional, fosse sempre especial, com quantia

determinada e sobre bens presentes (art. 4.º).

Exigiu a escritura pública como da substância do contrato (art. 4.º, § 6.º).

Tornou indispensável a inscrição da hipoteca, quer legal quer convencional, para

que pudesse ser oposta a terceiros, salvo a da mulher casada, dos menores e dos interditos,

as quais mesmo não inscritas conservavam todo o seu valor (art. 9.º).

Reconheceu a hipoteca judiciária (art. 3.º, § 12 e art. 9.º, § 27).

Instituiu a prenotação, isto é, uma anotação preventiva para garantir a prioridade em

favor das hipotecas que dependessem de especialização (art. 9.º, § 27).

Enumerou taxativamente os ônus reais (art. 6.º) sujeitando-os à transcrição (art. 6.º,

§ 2.º).

Representa essa lei inquestionavelmente um grande passo no caminho da

publicidade, que, no entanto, continuou falha:


I — Por terem sido excluídas da transcrição as transmissões causa mortis, agravado

o defeito pelo Regulamento 3.453, de 26.04.1865 [Ora fala Regulamento ora Decreto], que

estendeu a isenção a todos os atos judiciários.

II — Pela permanência de hipotecas gerais e ocultas.

A Lei 3.272, de 05.10.1885, corrigiu, quanto à publicidade das hipotecas, o defeito

da Lei de 1864, tornando obrigatória a inscrição de todas as hipotecas legais sem exceção

(art. 7.º); mas não atendeu ao princípio da especialidade, que só foi consagrado no Dec.

169-A, de 19.01.1890 (art. 3.º, § 10, e art. 4.º).

Sob a vigência desse último Decreto continuou ainda imperfeita a publicidade, que

era falha quanto às mutações de domínio, por persistirem as isenções do regime anterior.

E como o guzano, que corroe o tronco em que consegue aninhar-se, ficou, em nosso

sistema imobiliário, a corroer a consolidação da propriedade, o princípio, que negava-a

transcrição a força de provar o domínio.

Embora houvesse, sob o regime da Lei de 1864, uma corrente de opinião, que, tendo

à frente o jurisconsulto Perdigão Malheiro e o provecto advogado Rodrigues Torres,

sustentasse que a escritura bastava para a transferência do domínio, porque os terceiros, a

que a lei se referia, eram os credores hipotecários, corrente que, ao discutir-se o Código

Civil, no seio da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, teve no venerando Sr.

Conselheiro Andrade Figueira ardoroso defensor; a verdade é que quase todos os nossos

juristas, acompanhando Teixeira de Freitas49 e Lafayette50, viam na transcrição a tradição

dos imóveis.

49
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CXCVI e nota 33 art. 909.
50
Direito das Coisas, § 43.
No entanto como bem observa o eminente civilista Sr. Lacerda de Almeida51 ―a

transcrição não se pode chamar a tradição solene do imóvel alienado, mas meio de prova

único, solene, autêntico da alienação. Só indireta e mui imperfeitamente desempenha a

transcrição o papel de tradição.‖

Não há dúvida que vêm todos repetindo o que se disse quando foi a transcrição

criada para substituir as fórmulas feudais, sem atenderem a que se suprimira a tradição

representada pelo processo feudal, para só ficar o Registro. Os juristas o disseram e

Códigos até expressamente o consagraram.

Repetirei, no entanto, com o Sr. Sá Pereira,52 que o direito francês que havia

prescindindo da tradição preenchera a lacuna com a transcrição; a nossa Lei de 1864 com

ela deu um substituto à tradição, que aboliu.

Basta considerar que a tradição é um ato bilateral pelo qual se opera a transferência

da posse do transmitente para o adquirente, assegurando a translação da propriedade; e

exige da parte de quem entrega a coisa a vontade de transferir o domínio e de quem a

recebe a de adquiri-lo. Mesmo admitindo ser a tradição ato unilateral, como na origem a

consideravam os Romanos,53 ela deveria repousar sobre a vontade de quem fizesse a

entrega; o que não é possível é prescindir-se dessa vontade como na transcrição, que é feita

a pedido do adquirente.

Ainda no direito germânico, poder-se-á dizer que a investidura (Auflassung)

representa a tradição.

51
Direito das Coisas, § 27.
52
Manual do Código Civil. Vol. VIII, Cad. 4, p. 163.
53
Arrigo Dernburg Pandette. Diritti reali. Tradução de Francesco Bernardino Cicala.
A verdade é que a tradição desapareceu, substituída pela transcrição a ela

completamente estranha.

É preferível afirmar o que o fato na realidade exprime, de acordo com as

necessidades sociais, a proclamar, por apego ao passado, a continuidade de um sistema, que

desapareceu por não preencher os fins reclamados.

A lei submeteu à transcrição os contratos que são a causa da tradição, mas a esta

nenhuma referência fez.

Como observa o grande civilista há pouco citado, adquire-se a propriedade,

transmite-se o domínio mediante salto do Direito das Obrigações para o Direito das Coisas,

ficando de permeio postergada, esquecida a tradição, que a transcrição não pode suprir

porque lhe é inteiramente estranha.54

Influi talvez para esse salto a consciência de que sendo a tradição a entrega que se

resolve pela posse, ―a do imóvel, além do que o poder físico ocasionalmente ocupa, não

passa de uma criação da lei, símbolo e ficção que da lei recebe a sua razão de ser e a sua

segurança.‖55 Daí o espírito aceitou sem repugnância essa outra criação, que da lei recebia a

sua força para transferir o domínio; mas para não romper inteiramente com o passado

esforçou-se por ver na nova criação uma simples modalidade da antiga tradição.

E a Lei de 1864, assim como a de 1890, esquecendo que o fim visado era a

segurança da propriedade imóvel e da garantia hipotecária, negou em absoluto à transcrição

poder para provar os direitos que publicava; e com esse desvio deixou a propriedade

vacilante, transformando como no direito francês, a transcrição em mera publicidade de

atos, dela não induzindo a prova do domínio.

54
Lacerda de Almeida. Direito das Coisas. Nota 1 av. § 27.
55
Inglez de Souza. Introdução do Projeto de Código Comercial, p. 99.
Pelo Dec. 451-B, de 31.05.1890, tentou-se a introdução do Sistema Torrens, que

segundo temos lido, estava sendo empregado apenas no Sul do país.

Era essa a situação do nosso direito até 01.01.1917 data em que começou a vigorar o

Código Civil.
CAPÍTULO IV

O CÓDIGO CIVIL

Em 1899, o Sr. Epitácio Pessoa, Ministro da Justiça do Governo Campos Salles,

incumbiu o ilustrado Professor de Recife, o Sr. Clovis Bevilaqua da confecção de um

Projeto de Código Civil.

Desempenhando-se da honrosa, mas difícil missão, o ilustrado professor apresentou,

em novembro do mesmo ano, o seu trabalho precedido de uma substancial exposição a que,

modestamente, deu o nome de Observações para o esclarecimento do Código Civil

brasileiro.

Ao referir-se ao Registro Predial declarou que propunha um simples reforçamento

ao sistema preexistente, no sentido de obter-se ―mais firme consolidação da propriedade

imóvel.‖

―A lei atual‖, observava ele, diz — ―a transcrição não induz a prova de domínio,

que fica salvo a quem for.‖

―Em justificação do sistema atualmente em vigor pondera o Conselheiro Lafayette

que a transcrição não é senão uma tradição solene, e como tal não pode transferir direito

que não tem o alienante: nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet.‖

―Sob o ponto de vista do sistema francês, essa é certamente a verdade; mas a

questão fundamental neste assunto é a de saber se é suficiente para um bom sistema de

propriedade imobiliária e de garantia hipotecária fazer da transcrição um simples meio de

publicidade dos atos de translação do domínio, sejam válidos ou não.‖


―A maior parte dos modernos autores franceses, Besson, Raoul de la Grasserie,

Planiol, entre outros, condenam por deficiente o sistema francês. Didimo da Veiga, entre

nós, considera esse mecanismo de efeito negativo, porque apenas oferece aos terceiros uma

indicação ilusória.‖

Para bem firmar a inteligência das palavras do autor do Projeto, vejamos o que disse

um dos autores franceses citados, Besson, que especialmente se ocupa da reforma do

sistema hipotecária francês.

Diz ele: — ―C’est aux registres publics des bureaux fonciers que semble desormais

devolue la tâche de proteger les tiers contre le danger des causes d’eviction occultes, par la

mise au grand jour des actes et faits qui intèressent la condition juridique de la proprieté

foncière.‖56

―La force probante des inscriptions au regard des tiers, telle est la proposition

dotrinale autour de laquelle gravitent les régimes de publicité les plus renommés de nôtre

époque, tel doit être le fondement juridique de la réforme que le législateur français est à

son tour sollicité à accomplir.

Dès lors, en effet, que tout ce qui est inscript sur le livre foncier est vrai au regard

des tiers et ne peut être révoqué eu doute, il en resulte que celui à qui se registre attribue le

titre de proprietaire conserve toujours, quoi qu’il advienne cette qualité aux yeux des

personnes qui contractent avec lui. Le tiers que sur la foi des registres publics, a acquis un

droit réel immobilier du proprietaire inscript comme tel, est à l’abri de toute revendication,

56
E. Besson. Les livres fonciérs..., p. 4.
dont la cause ne lui aurait pas été revelée, lors de son contract, par la teneur du livre

foncier‖.57

Atendamos agora ao escritor pátrio Didimo da Veiga:

―A eficiência do Registro será tanto maior quanto mais exata for a atestação do

direito dominical fornecida pela última transcrição.

Se para comprar com segurança faz-se preciso ter um meio de certificar-se se a

pessoa que vende é proprietária da coisa; e como pretender atingir esse fim por meio de um

aparelho registral que apenas consegue indicar o último adquirente do imóvel, deixando

pendente de verificação judicial posterior a efetividade do direito dominical deste?

Se não basta para a validade da hipoteca que o credor tenha títulos, mas se se faz

preciso que estes provenham do verdadeiro proprietário; que adianta a publicação solene de

uma translação de imóvel a non domino?

Que segurança oferece ao regime hipotecário um mecanismo registral que pode

proporcionar indicações de domínio eivadas do vício originário e iludir os intuitos da

hipoteca, pondo ao seu alcance imóveis sujeitos à reivindicação?

Destes princípios decorre que só oferece assento seguro ao regime hipotecário o

mecanismo do Registro em que: a) a transcrição for a expressão, não da publicidade da

transferência dos imóveis com os vícios e defeitos inerentes a estes, mas o Registro do

verdadeiro estado do imóvel em referência ao seu proprietário.‖

Mais adiante.

―Não oferecer aos portadores de capitais, imóveis cuja propriedade não se dá como

definitivamente encabeçada naquele que figura no Registro Imobiliário na qualidade de

57
Idem, p. 401.
sujeito do domínio, é tornar de todo o ponto inútil a preconizada publicidade que não

orientando o capitalista sobre a situação definitiva e certa do domínio dos imóveis, nos

quais podem ter assento as hipotecas, não oferece critério que o habilite a julgar da

segurança com que poderá fazer o empréstimo sob garantia hipotecária, desde que não lhe

proporciona outros meios de fugir à eventualidade de ter anulada a hipoteca no caso de

reivindicação de imóvel transferido ao devedor a non domino, senão as pesquisas

laboriosíssimas para a apuração do verdadeiro domínio dos imóveis.‖58

Conclui-se, portanto, das Observações... que o Projeto tendia a obter a consolidação

da propriedade imóvel, modificando o sistema existente no sentido da opinião dos autores

citados e que consistia em repelir a máxima invocada pelo Conselheiro Lafayette, para

conferir-se ao Registro a força probante em relação a terceiros, de modo a não proporcionar

indicações que pudessem iludir os intuitos da hipoteca (no dizer do Sr. Didimo), pondo ao

seu alcance imóveis sujeitos a reivindicação.

____

Submetido o Projeto a uma comissão59 composta dos reputados jurisconsultos Srs.

Olegário Herculano de Aquino e Castro, Joaquim da Costa Barradas, Amphilophio Botelho

Freire de Carvalho, Francisco de Paula Lacerda de Almeida e João Evangelista Sayão de

Bulhões Carvalho, foi o Projeto (na parte que nos interessa) emendado para acrescentar-se

58
Direito Hipotecário, p. 251 a 253.
59
A comissão realizou duas séries de reuniões sob a presidência do Ministro Epitácio Pessoa;
tendo se reunido 51 vezes na 1.ª série, e 11 vezes na 2.ª, sendo a última destas em 14.11.1900. Além
destas, houve mais 3 para tomar conhecimento da redação final.
A Exposição de Motivos fala em 12 reuniões na 2.ª série, mas no Vol. I dos Trabalhos
relativos à elaboração do Código só encontramos 11.
ao art. 605, que figura como 619 no Projeto Revisto (atual 530 do CC) o parágrafo único,

mantendo o princípio então vigente:

―A inscrição não induz prova de domínio que fica salvo a quem de direito.‖

____

Ao discutir-se o Projeto revisto na Comissão Especial da Câmara dos Deputados

travou-se renhido debate em torno dessa emenda.

O Conselheiro Andrade Figueira com seu costumado calor bateu-se contra o que ele

entendia inovação do Código, em tornar dependente da inscrição a transferência de domínio

entre as partes contratantes, e menos ainda declarou concordar com o disposto no parágrafo

único ao lado do disposto no art. 619, que estavam entre si em manifesta contradição. Se a

inscrição ou transcrição é ato essencial da aquisição de domínio há de por força ser a sua

prova, nem pode haver outra. Como dizer esse parágrafo único que ela não induz prova?60

O ilustrado autor do Projeto, na reunião de 29.11.1901, apresentou por escrito sua

resposta às críticas onde diz:

―Propusera o Projeto primitivo, de acordo com as excelentes reflexões do Dr.

Didimo, que a inscrição no Registro Predial constituísse a prova cabal do domínio, mas à

comissão revisora nomeada pelo Governo pareceu que não estávamos suficientemente

aparelhados para a aceitação imediata dessa reforma em nosso regime de propriedade

imóvel, e foi mantido o princípio de direito vigente, segundo o qual a inscrição induz

apenas a presunção de domínio.‖61

Na reunião de 2 de dezembro disse ainda:

60
Trabalhos da Comissão Especial do Código Civil. Vol. 5.º, p. 228 e 256.
61
Idem, p. 238.
―Tratando nós de organizar o Código Civil, era natural que nos preocupássemos

com o assunto (o do Registro das transferências da propriedade imóvel) e então supus que

era a ocasião propícia, se não de introduzir entre nós, porque parecia impossível, o sistema

germânico em sua plenitude, porque este depende da propriedade cadastrada, ao menos no

que ele tem de essencial e de aplicável sem dependência da organização do cadastro.‖62

O Sr. Teixeira de Sá apresentou emenda para ficar redigido o parágrafo do seguinte

modo:

―A inscrição de que trata a letra a não induz, de per si, prova de domínio, que fica

salvo a quem de direito.‖63

Na reunião de 02.12.1901 o abalisado mestre, o Sr. Coelho Rodrigues, usando da

palavra, elucidou a questão.

―O pensamento do autor (da emenda), se bem o compreendeu é exato, mas a

redação não o traduz com exatidão. Sua Ex.ª não lhe parece negar que a escritura

devidamente inscrita estabeleça uma presunção juris do domínio em favor do titular do bem

inscrito mas que a presunção não era juris et de jure de modo a excluir qualquer terceiro

que tivesse título melhor que o do transferente. Se este é o seu pensamento, estão de

acordo, mas será forçoso modificar a emenda de forma que não pareça nula a inscrição a

respeito dos terceiros prejudicados, o que seria absurdo.‖64

Foi afinal por proposta do Sr. Luiz Domingues suprimido o parágrafo único, que

tanta discussão provocara.65 Vingou o sistema do Projeto primitivo, que no seu art. 999,

62
Trabalhos... Vol. 5.º, p. 277.
63
Idem, vol. VI, p. 241.
64
Trabalhos... cit. Vol. V, p. 264 e 265.
65
Idem, vol. VI, p. 241.
correspondente ao art. 1.004 do Projeto revisto e 959 do Código Civil, consagrava a força

probante dos livros do Registro e nos mesmos termos em que o faz o art. 891 do Código

alemão.

Encerrados os trabalhos da Comissão Especial o Sr. Sylvio Romero lavrou o

Parecer, à altura do seu grande valor intelectual, e ―cujo preâmbulo abre a inteligência para

melhor se compreender o Projeto, como inovação consoante às exigências modernas da

legislação.‖66

Referindo-se ao Registro predial diz o Parecer:

―Podem-se reduzir a três no seio da Comissão e entre os juristas pátrios em geral os

modos de ver no tocante a este importante assunto: o dos que acreditam de todo dispensável

a inscrição no Registro predial das escrituras de transmissão de imóveis, relegada para o

regime hipotecário; o dos que a preconizam e acham necessária como simples meio de

publicidade; finalmente o daqueles que a proclamam prova irrecusável do domínio. A

primeira maneira de pensar foi patrocinada na Comissão por alguns impugnadores da

doutrina que saiu triunfante; a segunda era a do Projeto revisto; a terceira a do Projeto

primitivo e do atual.‖

Termina o Parecer.

―Destarte a transcrição é a última forma que assumiu a tradição dos imóveis,

tradição que foi sempre, tratando-se deles, muito mais cercada de cautelas que a dos

simples móveis‖; e remata com as palavras do autor do Projeto: ―e porque a transcrição não

é no direito pátrio senão uma tradição mais solene, devem-se lhe aplicar os mesmos

princípios fundamentais que se aplicam à tradição.‖

66
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Vol. I, p. 40.
Em 26.02.1902 foi o Projeto com o Parecer apresentado à Câmara dos Deputados,

tendo esta homologado o trabalho da Comissão.

Remetido ao Senado, foi o Projeto em 9 de abril à Comissão Especial.

Três dias após, o Sr. Rui Barbosa apresentava o seu memorável Parecer, que o autor

do Projeto denominou ―mole ingente de profundo saber‖, ocasionando uma luta de titãs, em

que se empenharam os três eminentes vultos os Srs. Rui Barbosa, Clovis Bevilaqua e

Carneiro Ribeiro, este na sua especialidade.

A convite da Comissão do Senado, entre outros, o Sr. Azevedo Marques lembrou

modificações, no Projeto da Câmara, sendo uma delas, a do Senado restaurar o parágrafo

único do art. 619 do Projeto revisto, o qual havia sido suprimido por proposta do relator,

que, na sua opinião, não o devera ter feito.

―A inscrição no Registro Predial é indispensável para que se consume a

transferência do domínio começada pela escritura válida e legal.

Quer dizer que, mesmo para as partes contratantes, não basta a escritura. Mas não

quer dizer que se a escritura for nula ou inábil fique valendo depois da inscrição...

Como bem disse o Sr. Andrade Figueira: converter a inscrição em formalidade

depuradora de todas as nulidades é extravagância que não passou pelo espírito de nenhum

jurisconsulto.

Tudo se pode suprimir menos aquele parágrafo único, que garante a estabilidade dos

contratos.‖67

Ao Sr. Azevedo Marques respondeu o Sr. Clovis:

67
Trabalhos do Senado. Vol. III, p. 16.
―Muito acertadamente andou o Sr. Luiz Domingues pedindo a supressão do

parágrafo único do Projeto revisto, porque declarando o art. 860 do Projeto atual 68 que a

inscrição de um direito real em favor de uma pessoa faz presumir que esse direito lhe

pertence, o menos que se poderia pensar, confrontando os dois preceitos, era que entre eles

havia antinomia.

Ninguém pretende converter a inscrição em formalidade depuradora de todas as

nulidades, como insinuou o Sr. Andrade Figueira com aplausos do Sr. Azevedo Marques

agora expressos. O que se pretende é pura e simplesmente fazer da inscrição a tradição dos

imóveis.

A tradição não transfere senão o direito do tradente, se este não tem direito, nenhum

direito transmite.

A inscrição, se não traduz a verdade jurídica anula-se (art. 861 do Projeto)‖.69

O Senado manteve o sistema do Projeto primitivo, mudando, por emenda do Sr. Rui

Barbosa, para transcrição a palavra inscrição, só reservada às hipotecas, afim de não se

alterar a linguagem jurídica até então usada e evitar os inconvenientes práticos daí

advindos.70

Atendeu, portanto, o Código Civil ao problema, que de há muito preocupa os

legisladores de todos os países onde a propriedade imóvel se rege pelo sistema francês, cuja

reforma se impõe, por ser reconhecidamente o mais imperfeito, nenhuma segurança

oferecendo ao domínio, e que se reflete nos direitos dele derivados.

68
Corresponde ao art. 859 do CC.
69
Trabalhos do Senado. Vol. III, p. 76.
70
Essa alteração já havia sido lembrada na Comissão revisora e pelo Dr. Eulálio da Costa
Carvalho, competente Oficial do Registro das Hipotecas da Capital de São Paulo.
Entre nós, há muito mais de meio século, dele se ocupara o maior dos nossos

jurisconsultos71, mas não lhe foi dado apreciar os lamentáveis efeitos do sistema, que, como

ele próprio reconheceu, jamais consolidaria a propriedade.

Desanimadora perspectiva!

O seu lúcido espírito compreendeu que as relações entre o proprietário e o

adquirente são de interesse privado, e que as do proprietário com terceiros são de interesse

público.

Reconheceu que a tradição do Direito Romano, como sinal indicador da translação

do domínio de imóveis, longe estava de ser um expediente satisfatório.

Apreendeu, com visão clara, os inconvenientes do sistema de transmissão pelo

simples consentimento, independente de qualquer ato exterior e assim se externou:

―Se o contrato basta, independente de qualquer manifestação exterior da

transferência do domínio, o segundo comprador pode em boa-fé transmitir também a coisa,

que assim irá sucessivamente passando a outros. Aí temos um conflito de direitos, aí temos

uma colisão, onde aparece de um lado o interesse de um só e de outro lado o interesse de

muitos. Deve-se indiferente ser a constante incerteza do direito de propriedade e ao abalo

de tantas relações civis?‖

Substituam-se as primeiras palavras que constituem a causa determinante de suas

reflexões por estas outras ―se a transcrição não puser a salvo direitos de terceiros‖, e ter-se-

á de concluir pela necessidade da força probante da transcrição, como remédio único à

incerteza do domínio e ao abalo de tantas relações civis. Mas o sulco profundo impresso no

seu espírito pelo Direito Romano obrigou-o a recuar diante da conclusão lógica do seu

71
Teixeira de Freitas. Introdução à Consolidação das leis civis. P. CLXXV e seguintes.
raciocínio, como, aliás, recuaram os jurisconsultos prussianos, que deviam o melhor da sua

cultura àquele Direito, e por isso levaram quase um século para aceitar a força probante dos

livros do Registro.

Em épocas mais recentes a incerteza do domínio perpetuada pelo sistema francês

atraiu a atenção dos jurisconsultos na França e na Itália, que se propuseram a dar-lhe

remédio.

Começaram dirigindo para o estrangeiro seus olhares, que se fixaram nos livros

prediais ou fundiários do sistema germânico e nos Sistema Torrens, cujo autor, em 1858,

dissera apreciando na incerteza da propriedade:

―Pode vender um cavalo sem intervenção de qualquer agente, pode-se mesmo

vender um navio que valha 10.000 ou 30.000 £; mas quando se trata de terras, não é

possível dispensar-se a intervenção de um legista, e ainda depois de pago o preço, ninguém

sabe se comprou um pedaço de terra ou uma demanda.‖

Todas as preferências eram, porém, para os livros prediais do sistema germânico.

Com o intuito de adaptar o cadastro a um duplo fim — fiscal e jurídico — foi, por proposta

de Rouvier, Ministro das Finanças na França, nomeada em 30.05.1891, uma comissão

extraparlamentar; já tendo o Congresso Internacional da Propriedade Imóvel nomeado, em

1889, uma comissão para o estudo da transmissão dessa propriedade.72

Compreendeu-se, porém, apesar dos votos dessas comissões,73 que muitas eram as

dificuldades para o estabelecimento desses livros na França.

72
Guillouard — Traité des priviléges & hypothéques. Vol. 1.º p. 77 e 78.
73
Veja-se as conclusões em Braudry-Lacantinerie — Priv. et Hyp. Intr. De Loynes. [Seria: de
Braudry-Lacantinerie: TRAITE THEORIQUE ET PRATIQUE DE DROIT CIVIL?]
Na Itália, do mesmo modo, houve entusiasmo pelos livros prediais, à moda

prussiana, contando-se entre os entusiastas Gianturco, mas esse entusiasmo arrefeceu; e em

1892 o mesmo Gianturco, que, em 1885, no prefácio do seu Sistema de Direito Civil

Italiano e, em 1890, nos seus Estudos sobre a Transcrição, se manifestara pela adoção

desses livros, modificou sua opinião; e fazendo parte da Comissão para elucidar as

conseqüências de sua introdução na Itália, compreendeu as dificuldades práticas que a isso

se opunham.74

Ele confessa que mais claras ainda tais dificuldades se mostraram, quando, em

1897, como Guarda-selos, presidiu a comissão que havia nomeado e da qual fizeram parte

Scialoja, Simoncelli e Mosca.

Duas correntes havia. Uma que, com Cannada Bartoli e Ippolito Luzzati, queria a

adoação dos livros prediais ou fundiários, abolida a transcrição.

Outra que, com Mirabelli, Frola, Filomusi Guelfi e Scialoja, diante das dificuldades

da introdução dos livros, propunha que se mantivesse a transcrição, adotados certos

princípios que lhe dessem a eficiência do sistema germânico, como fossem:

I - Tornar essencial o Registro para a aquisição dos direitos imobiliários, tanto entre

os contratantes, como em relação a terceiros; abolida a incongruência teórica de duas

propriedades coexistentes, uma absoluta e outra relativa.

II - A publicidade absoluta tanto para atos entre vivos como causa mortis, e para as

divisões, quer se considerassem translativas, quer declaratórias, exigida nesse último caso,

não para adquirir os direitos, mas para o seu exercício de disposição.

74
Relaz. cit.
III - A força probante ligada às transcrições, único meio de atingir o fim visado, pois

a publicidade em nada aproveitaria, se dela não se induzisse a prova dos direitos

publicados, isto é, se os terceiros não pudessem confiar do teor das transcrições, como

expressão da verdade.

A esse respeito se subdividia a corrente em outras duas.

Uns pugnavam pela força probante absoluta, outros pela relativa.

Queriam os primeiros que a transcrição fosse inatacável, mesmo entre os

contratantes; que purgasse todas as nulidades.

Observavam os segundos não haver motivo para ser inatacável entre os contratantes,

aos quais deviam ficar salvas as exceções de incapacidade e dos vícios do consentimento,

para não se converter a transcrição de um instituto de segurança em instrumento de

expoliação.

O interesse geral exige apenas que os demais que contratarem, confiados na verdade

dos assentos do Registro, fiquem a coberto de prejuízos, conservando os direitos que

tenham adquirido. O interesse máximo é que os terceiros fiquem autorizados a reputar

validamente adquirido o direito que se tornou público.

A regra — nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet conserva toda

a sua força entre os contratantes. Para estes a transcrição não equivale a título, ela não

depura todas as nulidades. O que se pretende é proteger a boa-fé; e por isso a força probante

não aproveita aos adquirentes de má-fé, equiparados a estes, por equidade, os que o forem a

título gratuito.

Admitida a eficácia absoluta, as anulações ou resoluções do domínio nada influem

sobre os direitos inscritos, resolvendo-se pela indenização.


Dada a eficácia relativa surge a coexistência dos direitos de terceiros e os daqueles a

quem aproveita a anulação.

É, portanto, preciso distinguir as causas pelas quais se anulou o domínio.

Causas há que existem ao tempo de se efetuar o contrato, como as condições e

cláusulas, que constam do título; outras são a este alheias, como a incapacidade dos

interditos, menores e falidos, e a inalienabilidade; e ainda outras são supervenientes.

As primeiras serão transcritas com o título, e as sentenças, que as declararem,

retroagem; as segundas, para aproveitarem dessa retroatividade, dependem de inscrição,

sem a qual serão consideradas supervenientes, e a retroatividade nesse caso só alcançará o

momento em que se tenham tornado públicas pelo Registro das ações intentadas.

Por essa forma generalizava-se o princípio firmado pela jurisprudência francesa de

manter o direito dos terceiros que o tenham adquirido do herdeiro aparente,75 estendendo-o

aos casos de transferência feita por qualquer proprietário aparente ou putativo, fosse ou não

herdeiro.

Além das causas de anulação apontadas há uma outra: a reivindicação do legítimo

proprietário, quando a aquisição tenha sido feita a non domino.

Esse litígio será cada vez menos freqüente à proporção que decorrer o tempo,

devido à necessidade essencial de Registro para todos os atos e fatos que afetem o domínio.

Se o reivindicante estiver anteriormente inscrito estará a coberto de prejuízo, de que

o resguardará a prioridade da sua transcrição.

Se não estiver inscrito ou a sua transcrição for posterior, os princípios do sistema

resolvem o caso pelo único modo possível.

75
Baudry-Lacantinerie — Priv. Hesp. De Luynes La reforme — Vol. I.
O terceiro de boa-fé, que contratou a título oneroso, e tem prioridade de transcrição,

há de ser mantido no seu direito.

Encontram-se frente a frente dois direitos inquestionavelmente respeitáveis;

qualquer que seja a solução, um dos titulares tem de ser espoliado.

O antigo proprietário tinha meios de evitar o prejuízo transcrevendo seu título; o

terceiro só tinha à sua disposição os livros do Registro, que a lei lhe assegurava ser a prova

do direito que ia adquirir. Mais odioso seria prejudicar a este que aquele.

IV - Como corolário fatal da força probante, decorria o princípio da legalidade.

Desde que a transcrição é prova do domínio, impõe-se como imprescindível o

exame do título, e a apreciação das circunstâncias que possam afetar a sua legalidade.

A quem confiar a tarefa?

Ao poder judiciário, representado por um juiz como na Alemanha, ou por um

Tribunal como na Áustria?

Ao encarregado do Registro, como na Espanha, Portugal e nos países regidos pelo

Sistema Torrens?

A opinião prevalescente se inclinava para atribuir a competência ao encarregado do

Registro.76

É muito mais simples e rápido o funcionamento confiado a este, do que seria se

entregue aquele.

Os magistrados estão adstritos a delongas de certas formalidades; as partes ficam na

dependência de um cartório judicial, onde raras vezes pode haver a desejada presteza,

devido à multiplicidade de afazeres; onera-se o ato com o acréscimo de custas.

76
N. Coviello. Ob. cit. Vol. 1.º, p. 145.
Adotados esses princípios, que os juristas reputavam essenciais da publicidade

germânica, independente do estabelecimento de livros prediais ou fundiários, tinha-se dado

um grande passo para o aperfeiçoamento do sistema imobiliário.

Pensavam eles por esse modo ter-se atendido aos princípios da:

- Publicidade absoluta

- Especialidade

- Legalidade

- Força probante

Só a especialidade se prende ao cadastro; porque em relação ao imóvel é o cadastro,

por assim dizer, a sua fotografia, que assinala a área, os limites rigorosamente definidos, e

estabelece a sua identidade; no entanto já está aceito nas legislações atuais, e a despeito

dessa falha, é inegável a sua utilidade.

_____

A rápida exposição que acabamos de fazer, mostra a necessidade que os juristas

sentiam de dar um passo adiante de modo a estabelecer-se um sistema, do qual resultasse

para a valorização da propriedade estes elementos — a prova, a publicidade e a

legalidade.77

A prova consiste em que as inscrições do Registro em quanto não forem por

sentença declaradas nulas, são tidas como verdadeiras.

A legalidade consiste em que o encarregado do Registro tem o direito de examinar

os títulos e pedir às partes que justifiquem a exatidão do que está neles contido, a verdade

da declaração expressa no título.

77
Estamos nos servindo das expressões do Sr. Clovis Bevilaqua.
E finalmente a publicidade, que tem um duplo efeito. Em relação aos capitais, que

precisam de base segura para o seu emprego, pelo conhecimento exato, completo, pleno do

estado civil da propriedade imóvel. Em relação aos proprietários pela facilidade de,

apresentando seu direito tal como ele realmente é, obterem atração de capitais.

Foi o sentimento dessa necessidade, compartilhado pelo autor do Projeto, que atuou

no seu espírito, e o fez julgar propícia a ocasião de introduzir entre nós o sistema

germânico, não na sua plenitude, porque não podíamos organizar os livros prediais à

maneira prussiana, por falta da propriedade cadastrada, mas no que ele tivesse de essencial

e aplicável sem dependência do cadastro.

Incentivava-lhe a tentativa o exemplo da Espanha e Portugal, onde vigora o sistema

germânico, independente de livros fundiários com assento no cadastro; e assim evitava o

autor do Projeto o mau efeito de não se fazer alguma coisa de mais completo do que o que

tínhamos.

O ilustre Sr. Sá Pereira, a cuja indiscutível capacidade foi confiada a explanação da

doutrina, no Manual do Código Civil brasileiro, na parte relativa ao Direito das Coisas,

afirma que o autor do Projeto não tentara introduzir o sistema germânico.

―Vê-se bem que ele o desejou, foi até ao ponto de exprimir esse desejo, mas não o

traduziu na prática. Estabelecer a transcrição como modo de transferir o domínio não é

idéia caracterisadamente germânica.

O que é germânico, exclusivamente germânico, é fazer dessa transcrição o título do

domínio, expurgado e liquidado por ela e por ela imunizado à reivindicação. Uma vez que
se a considera tradição solene, têm-se-lhe tirado justamente o que é essencial no direito

germânico, porque a tradição não purga o domínio.‖78

Releve-se-nos a temeridade da contestação, mas o ponto é fundamental para o nosso

direito.

Afirmamos que o Código não se limitou, como único sinal do sistema germânico, a

erigir a transcrição em modo de adquirir o domínio; e que nem o Código Alemão, que

acolheu as Leis prussianas de 05.05.1872, nem o direito espanhol, nem o Código português,

nem o suíço, nenhum deles, fez da inscrição, o título expurgado e liquidado por ela,

inatacável. A inscrição não sana os vícios do título, que pode ser anulado.

Há variantes no sistema germânico, cuja característica está em outro ponto.

É certo que fazer da transcrição modo de adquirir, não caracteriza o sistema, porque

países que o adotaram como a Holanda e o Chile, se contam no grupo dos que se regem

pelo sistema francês; ao passo que Portugal, país onde vigora o princípio de transferência

por simples força do contrato, é arrolado entre os que se regem pelo sistema germânico.

Não ficou aí, porém, o autor do Projeto. Transformou o Registro geral das hipotecas

em Registro predial, de onde deviam constar todas as mutações de domínio.

Foi a propósito do Registro predial que, nas Observações para esclarecimento do

seu Projeto, o autor disse que a regra — nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse

habet, verdadeira no sistema francês, não podia ser aceita no sistema do Projeto, por

inconveniente a um bom sistema de propriedade imóvel.

Essas palavras formam o preâmbulo para a boa inteligência do capítulo a que o

autor se referia. Foram ditas aí porque nesse capítulo é que se introduzira o princípio

78
Manual do Código Civil brasileiro. Fasc. IV, p. 126.
essencialmente germânico da força probante das inscrições, consagrada no dispositivo, que

é hoje o art. 859 do Código Civil, e nos mesmos termos em que a consagra o art. 891 do

Código Civil alemão.79

O princípio da força probante é que constitui o criterium cognoscendi do sistema

germânico.

―Torne-se essencial a publicidade para a aquisição do direito, organizem-se os livros

pelo sistema real, mas falte a força probante, tem-se na sua essência o sistema francês.80

Faça-se da inscrição simples forma de publicidade, organizem-se os livros pela

forma pessoal; dê-se, porém, força probante aos Registros, ter-se-á, na sua substância, o

sistema germânico.‖

Estas são as palavras de Coviello.81

Não passou despercebida a conseqüência da adoção do princípio. O Sr. Coelho

Rodrigues fez ver com muita clareza que se a transcrição não devia constituir uma

presunção juris et de jure, de modo a excluir qualquer terceiro, que tivesse melhor direito,

podendo portanto ser anulada; não parecesse, que uma vez anulada, se anulassem os

direitos de terceiros prejudicados, o que seria absurdo.

A doutrina é puramente germânica, é o princípio da força probante relativa, adotado

pelo Código no art. 860.

79
Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou
transcreveu.
Código Alemão — Art. 891. Lors q’un droit a été inscript en faveur de quelq’un au régistre
foncier, l’on présume que ce droit lui appartient. (Trad. O. de Meleunare)
80
É o que se dá na Holanda — Vide Besson. Ob. cit., p. 220-224.
81
Nicola Coviello. Della transcrizione, p. 78.
Como há pouco vimos, duas são as teorias em relação a esse ponto, o da força

probante absoluta e a da força probante relativa.

Pelo primeiro a inscrição é inatacável, vale título, purga todos os vícios, constitui

presunção juris et de jure.

Aceita a força probante relativa, a inscrição não é, na frase do autor do Projeto,

formalidade depuradora de todas as nulidades, como pretendia o Sr. Andrade Figueira;

pode ser anulada, não transfere mais direitos do que tem o transmitente, constitui uma

presunção juris tantum.

A adoção do princípio cava o fosso intransponível que separa os dois sistemas —

francês e germânico.

A Comissão revisora procurara manter o sistema francês que entre nós vigorava,

pelo qual a transcrição não induzia prova de domínio, que ficava salvo a quem de direito,

contrariando o sistema do Projeto; mas foi rejeitada a sua emenda.

A conseqüência é que se fosse aceito o princípio do sistema francês, ficavam

expostos à reinvidicação tanto os contratantes como qualquer terceiro, de boa ou má-fé,

tivesse adquirido, ou não, de proprietário inscrito.

Pelo princípio aceito no Código, ficam expostos os contratantes, quem não tenha

adquirido de proprietário inscrito, terceiros de má-fé, ou que tenham adquirido a título

gratuito; ficando a coberto os terceiros de boa-fé, que tenham contratado a título oneroso.

Dessa diferença essencial provém a inferioridade do sistema francês, que mantém o

domínio numa perpétua incerteza, quase como ao tempo dos glosadores, que diziam ser a

sua prova, uma probatio diabólica.

Com efeito, a investigação da genealogia da propriedade raras vezes pode chegar à

certeza, como disse T. de Freitas; e a prescrição, único meio que o sistema francês
encontrou para remediar aquisições viciosas, apresenta o mesmo inconveniente. Será a

posse de boa-fé?

Terá a prescrição sido interrompida?

Terá ficado suspensa?

O excelso jurisconsulto82 curva-se diante do mal. Viu que, em tempos remotos,

muito outras sendo as condições sociais, os legisladores recorreram à prescrição para

proteger o adquirente de boa-fé, amparando-o mesmo antes de completar o tempo; e deram

à propriedade putativa a força de verdadeira.

Hoje em que causas econômicas impõem, com a premência de suas necessidades,

proteção mais eficiente, havemos de nos contentar como outrora, com essa propriedade

vacilante?

Quando o exemplo de países mais cultos que aceitaram novos princípios, repelindo

máximas hoje inconvenientes, nos aponta o caminho para a consolidação do domínio

imóvel, havemos de nos quedar paralisados?

Então o interesse de um só pode se opor ao da sociedade inteira? Para não sacrificar

o interesse de um incapaz, não trepidamos em sacrificar talvez o de muitos outros?

Que vale, no sistema francês, a hipoteca dos incapazes outorgada pela lei, se, sob

pretexto de protegê-los, retira ela a segurança da propriedade, que lhe oferece em garantia?

Mas, como vimos, esse sistema falho e imprestável, que era o nosso direito anterior,

foi repelido para se aceitar o da força probante.

82
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CCII.
Vemos até aqui que o Projeto do Sr. Clovis não se limitou a erigir a transcrição em

modo de adquirir, o que, aliás, já era do direito anterior; além disso, criou o Registro

predial, ou de imóveis na designação do Código; e consagrou o princípio da força probante.

Não ficou aí o Projeto.

Consagrada a força probante, dela se derivava, com a fatalidade das coisas

inevitáveis, o princípio da legalidade, também essencialmente germânico, acolhido na

disposição, que figura no Código como art. 834, atribuindo ao Oficial do Registro a

competência para verificar a legalidade da inscrição requerida, prenotando o título se dela

duvidar, para ser afeto o caso ao poder judiciário.

Pelo direito anterior83, o Oficial examinava a legalidade do título, pelo Código

examina a legalidade da inscrição.

Com este consagrou-se o último dos quatro princípios essenciais do sistema, que o

Sr. Clovis julgara propícia ocasião de introduzir entre nós.

Só figura mutilado no Código — o da publicidade absoluta, que a Comissão

revisora, e assentimento do autor do Projeto, tinha tornado efetiva com a transcrição das

transmissões causa mortis, mas que por emendas infelizes, depareceu do Código, embora

minorado pela transcrição dos julgados nas ações divisórias, de que a famíliœ erciscumdœ é

uma delas, sujeita, portanto, a partilha, como o declara o Parecer da Comissão Especial da

Câmara.

Além desses princípios outros há acolhidos no Projeto, obedecendo à orientação

sistemática de traduzir na prática o que a doutrina aconselhava.

83
Arts. 65 e 66 do Regulamento 370, de 02.05.1890, reproduzindo os arts. 68 e 69 do
Regulamento 3.453, de 25.04.1865.
Como atendeu, uma vez adotada a força probante relativa, à coexistência dos

direitos de terceiros com os daqueles a quem aproveita a anulação?

Determinando que o Oficial público que lavrar escritura de dote ou lançar em nota a

relação dos bens particulares da mulher, (art. 839 do Código) assim como o Esc.m que

lavrar termo de tutela e de curatela (art. 841) comuniquem ex officio e com a possível

brevidade ao Oficial do Registro de Imóveis, tais fatos.

Qual o fim? O único possível é salvaguardar o interesse dos incapazes e assegurar a

indisponibilidade.

Essa providência habilita o Oficial do Registro a, pelas averbações que fizer, avaliar

da incapacidade dos interessados no ato cuja inscrição se pedir; e assegura aos incapazes

nas ações anulatórias a retroatividade que à sentença tem de imprimir a inscrição no

Registro.

Resguarda-se-lhes o direito de reivindicação (art. 647 do Código) e se evita que tais

causas de nulidade estranhas ao título se considerem supervenientes, em seu prejuízo (art.

648).

Negue-se às disposições apontadas o efeito que lhes assinalamos e nenhum outro

terão.

Será preciso admitir que havia no Projeto e há no Código, disposições mais que

supérfluas por serem de todo inúteis, e a hermenêutica veda interpretar como supérfluas as

disposições legais.

Resta-nos elucidar outro ponto.

Afirmou o Sr. Sá Pereira que, considerada a transcrição como tradição solene, tem-

se-lhe tirado o que é essencial no direito germânico, porque a tradição não purga o domínio.
E afastou-se assim o autor do Projeto das excelentes reflexões do Sr. Didimo,

porque este o que queria era que a transcrição fosse, em vez da tradição solene, o título de

domínio expurgado do perigo da reinvidicação e evicções imprevistas.

O Sr. Clovis achara excelentes as reflexões do Dr. Didimo sobre a insuficiência do

sistema francês e procurou introduzir entre nós os princípios do sistema germânico.

Queria, porém, o Dr. Didimo que, como em algumas legislações de sistema

germânico, a transcrição estabelecesse uma presunção juris et de jure; que fosse o título,

apresentando-se como modo originário de adquirir. É como já dissemos, o sistema das

legislações de Hamburgo, Lubeck, e Meckemburgo. O Sr. Clovis entendeu que bastava

acautelar os direitos de terceiros. A transcrição era presunção juris tantum, podia ser

anulada quando se provasse que o contrato era viciado.

Aos que tivessem tomado parte em tal contrato, de nada lhes valia a transcrição,

porque nem ela era título, nem podia transferir direitos que o transmitente não tivesse.

Nesse caso, do mesmo modo que a tradição não transfere mais direitos que os do

transmitente; em relação, porém, a terceiros a transcrição é a prova que a lei lhes oferece; é

a verdade o que do teor dela constar, é a segurança das transações, primeira condição

exigida pela sociedade no momento econômico que vem atravessando.

Para esses terceiros a máxima nemo plus jus ad al. tr. pos. q. i. h., perde a sua força,

pela sua inconveniência, como disse o Sr. Clovis.

É só isso que podem significar as palavras desse Senhor, e as do Parecer lavrado

pelo Sr. Sylvio Romero, declarando que a transcrição é prova plena do domínio, mas que

continua a ser considerada como tradição. Foi isso que com muita clareza disse o Sr.

Coelho Rodrigues ser o sistema do Projeto.


Porque a transcrição é considerada tradição, não transfere direitos que não tenha o

transmitente e pode ser anulada; mas não se entenda que uma vez anulada, anulados

estejam os direitos de terceiros prejudicados, o que seria absurdo, porque a transcrição é a

prova do direito que adquiriram.

Estranha-se que, modificado o sistema dos direitos imobiliários, o autor do Projeto

repetisse com os jurisconsultos pátrios ser a transcrição a tradição solene.

É que o espírito moderado do Sr. Clovis procurava não romper inteiramente com a

doutrina preexistente; nem isso prejudicava ao novo sistema.

No direito germânico, como em outro lugar o dissemos, a Auflassung ocupa muito

melhor o lugar da tradição romana. É certo que outra é sua origem, é do feudalismo que

vem; mas, porventura não é no feudalismo que vai lançar suas raízes a transcrição? Não é

nos costumes do nantissement e outros que vigoravam no norte da França, onde mais

acentuada tinha sido a influência germânica?

E a Auflassung melhor a representa, dissemos então, porque é a manifestação da

dupla vontade dos contratantes, como na tradição romana; ao passo que a transcrição,

mesmo considerada a tradição ato unilateral, como era no começo por Direito Romano,

deveria, se a tivesse substituído, repousar na vontade do tradente, e não unicamente na do

acipiente, como repousa.

A Auflassung no direito germânico,84 do mesmo modo que a tradição no Direito

Romano, não transfere direitos que não tenha o transmitente, por isso pode ser anulada, e o

Código Civil alemão refere-se a proprietário inscrito que não tenha adquirido a propriedade

(art. 900).

84
Quando falamos em direito germânico, referimo-nos ao último estado de desenvolvimento
desse direito representado nas Leis prussianas de 05.05.1872, acolhidas pelo Código Civil alemão.
Mas uma é a condição de quem figura no contrato viciado e outra a de terceiros que

contrataram com o proprietário inscrito, que a lei declara ser o verdadeiro.

Esse é o direito germânico, cujo sistema não depende do estabelecimento de livros

fundiários. Se fosse verdade que os princípios deduzidos pela doutrina estavam na

dependência desses livros, e sendo a organização do cadastro quase impossível, além de

outras dificuldades, pelo enorme dispêndio, restaria a desanimadora convicção de jamais se

poderia consolidar a propriedade entre nós. Felizmente não é a verdade.

É fato que qualquer que seja o ponto de partida para a consolidação, seja o cadastro,

seja a transcrição cercada de cautelas, há sempre o risco iminente de um ou outro prejuízo,

devido à primeira ajustação dos direitos à realidade da situação jurídica.

A propriedade consolidada vale bem esses poucos prejuízos, pois de sobra os

compensa pelos prejuízos futuros, que evita em muito maior vulto.

Enxertar no tronco da propriedade putativa existente a certeza da propriedade

transcrita no Registro é o único recurso que se oferece aos países regidos pelo sistema

francês, para dentro de curto lapso de tempo, gozarem da sombra protetora, que ao direito

de todos oferecerá a fronde desenvolvida da certeza enxertada.

Foi isso a nosso ver o que tentou o Sr. Clovis, e as disposições do Código provam

ter a sua tentativa produzido um resultado prático.

Se ao ilustre Sr. Sá Pereira pareceu que o autor do Projeto quis introduzir o sistema

germânico, mas não o fez; a nós, se nos afigura que se ele o não quis, de fato o introduziu,

como acabamos de demonstrar.

Mais nos convence que o autor do Projeto se manteve no propósito anunciado ao

apresentá-lo, de modificar o sistema imobiliário então vigente, o fato de em sua última


obra, comentando o Código Civil ao ocupar-se do art. 859, que consagra a força probante,

ilustrá-lo com remissões aos arts. 971 e 973 do Código Civil suíço.

Dispõem esses arts.:

―Art. 971. Tout droit est non existant comme droit réel que si cette inscription a eu

lieu.

Art. 973. Celui qui acquiert la proprieté en se fondant de bonne foi sur une

inscription est mantenu en son acquisition.‖

Nenhum outro esforço parece necessário para se demonstrar que o Código acolheu a

doutrina da força probante relativa, também denominada princípio da fé pública.

Assim temos por assentado que no Código figuram os princípios essenciais do

sistema germânico.

Os da especialidade e publicidade, já aceitos no direito anterior; estendendo-se, no

entanto, esta última a quase todos os atos de transmissão quer inter vivos, quer causa mortis

e constituição de direitos reais em coisa alheia (arts. 531, 532, I, II e III, 580, 697, 715, 745,

748, 753, 796, 808, 817 e 831).

O princípio da legalidade foi consagrado no art. 834.

O da força probante no art. 859.

Resta às leis ordinárias e regulamentos, tomando por base os princípios cardeais do

Código Civil em relação à propriedade imóvel, organizar os Registros para o regular

funcionamento do novo sistema; estabelecendo o ponto de partida indispensável, para que

as transcrições comecem a produzir o efeito que devem, segundo o Código Civil.


Não basta, no entanto, declarar que a transcrição é prova de domínio. As

conseqüências do princípio proclamado serão desastrosas se não forem decretadas as

indispensáveis medidas de segurança, e regulado o modo de funcionamento dos Registros

para efetuar a transcrição.

O culto Magistrado Sr. Sá Pereira, um dos ornamentos da Corte de Apelação, está

convencido de que continua em vigor a regra de não induzir a transcrição prova de

domínio, pois a tanto equivale negar aos terceiros proteção dos direitos que tenham

adquirido, confiados na prova que julgaram estar feita pelos livros do Registro.

Ao mesmo tempo, segundo nos consta,85 no Amazonas, o seu mais alto Tribunal,

aplicando o preceito do art. 859 do CC manteve em seu direito um terceiro, cujo título tinha

sido impugnado por vício, que se continha no do seu antecessor.

Não parece que seja digna de censura a sentença, uma vez que o Código Civil está

em vigor; mas prova que é preciso, quanto antes, prover-se às necessidades reclamadas para

protegerem-se os direitos de todos.

85
Informação do Sr. Sá Peixoto, membro do Tribunal indicado.
CAPÍTULO V

Título I - Direito das coisas

No Direito Civil uma das grandes divisões destina-se a regular as relações entre

duas ou mais pessoas vinculadas por um ato ou contrato, que adstringe umas à prestação ou

omissão, em favor de outras.

Tais relações visam imediatamente ações humanas, embora às vezes tendam a

objetivar-se sobre uma coisa. É a parte que se denomina — direito das obrigações.

Uma outra se ocupa em regular a atividade humana, exercendo-se direta e

imediatamente sobre as coisas corpóreas, consideradas como objeto de relações jurídicas,

fixando na coisa o direito, ora abrangendo todas as relações a que se prestam as suas

utilidades, como a propriedade; ora limitando-se a uma parte dessas utilidades, como os

direitos reais em coisas alheias. Denomina-se direito das coisas.

Os direitos obrigacionais ou de crédito, regulados pela primeira dessas duas grandes

divisões do Direito Civil, consistem em prestações — atos ou omissões, e só são exigíveis

das pessoas vinculadas pelo ato ou contrato.

Os direitos reais exercem-se direta e imediatamente sobre uma coisa, a ela como

que aderem, e por isso são providos da seqüela, que assim se chama a faculdade, conferida

ao titular do direito, de ir buscar a coisa em poder de quem quer que a detenha, para se

utilizar dela nos limites de seu direito.

O direito das coisas faz objeto do 2.º Livro do Código Civil. [NA PARTE

ESPECIAL?]
O Capítulo II do Título II desse Livro trata da propriedade imóvel, sua aquisição e

perda, e dos direitos de vizinhança. O Título III, que se divide em 11 capítulos, ocupa-se

dos direitos reais em coisa alheia; sendo a última Seção (VI) do Capítulo referente ao

Registro de Imóveis.
Título II - O Registro

Como já dissemos a garantia para a propriedade imóvel se manifesta pelos contratos

e sua publicidade.

O órgão dessa publicidade é o Registro, que confere ao domínio a força de que

necessita para os variados atos da vida jurídica e econômica.

O Registro é uma instituição pública, de caráter jurídico, encarregado de consignar

os atos ou fatos, que afetem o domínio em suas diferentes situações ou limitações.

O seu objeto é dar certeza ao domínio e garantia ao crédito real, por meio da escrita

de seus livros.

O Registro é de caráter jurídico, porque por ele se aprecia, em toda sua extensão,

suas modalidades e limitações, a situação jurídica de um imóvel, a sua capacidade civil, se

assim nos podemos exprimir.

A instituição de caráter administrativo é o cadastro, que determina a situação física

do imóvel, por onde o poder público avalia a capacidade econômica da riqueza territorial,

para lançar seus tributos. O cadastro como que fotografa o imóvel, revelando o seu caráter

físico, o Registro apresenta-o como objeto de relações jurídicas.

Um bom sistema imobiliário deve ter perfeitamente organizadas as duas instituições

que não podem andar divorciadas, devendo ter inteira correspondência, estejam a cargo de

um mesmo funcionário ou de diferentes.

A falta de cadastro prejudica a segurança que o Registro deve conferir por seus

assentos, pois não permite muitas vezes a verificação da identidade e da superfície exata de

determinado imóvel.
Entre nós, e noutros países, embora melhorada a organização do Registro, nem

sempre pode este proporcionar à propriedade imóvel a segurança desejada, devido à falta de

cadastro.

O Registro de Imóveis instituído pelo Código Civil está a cargo do antigo Registro

Geral, de que trata o Dec. 169-A, de 19.01.1890, criado pela Lei 1.273, de 24.09.1864 (art.

7.º, § 3.º), e do qual então foram encarregados os tabeliães do antigo Registro das

Hipotecas, por sua vez criado pelo art. 35 da Lei Orçamentária 317, de 21.10.1843, e

regulamentado pelo Dec. 482, de 14.11.1846.

Rege-se pelos Decretos 370, de 02.05.1890, e 533, de 05.07.1890, com as alterações

provenientes do Código Civil86.

Nesta Capital [N.E. – Na época, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil] como em

alguns Estados, o Registro, cujos ofícios se haviam declarado únicos e indivisíveis,87 foram

inconvenientemente divididos e subdivididos88, em detrimento do serviço público e com

86
Instruções para a execução provisória do Regulamento. Publicado de 03.01.1917.
87
Dec. 3.453, de 26.04.1865, art. 10.
88
Nesta Capital o Registro Único foi dividido em dois pelo Decreto de 10.01.1890; e
instalado em 5 de março do mesmo ano o 2.º Ofício. Pelo Dec. 1.100, de 19.11.1903 criou-se mais
um ofício; tendo sido delimitadas as zonas para seu funcionamento pelo Dec. 5.071, de 9 de
dezembro do mesmo ano, e instalado em 22 de março do ano seguinte o 3.º Ofício.
Na cauda do Orçamento para 1917 (Lei 3.232, de 05.01.1917), criou-se um 4.º Ofício; tendo
se fixado novos limites às zonas dos diversos ofícios pelo Dec. 12.588, de 1.º de agosto desse
mesmo ano, e instalado o novo cartório 15 dias depois, em 16 de agosto.
Posteriormente o poder executivo, embora não autorizado pelo legislativo, resolveu alterar a
divisão já feita.
É a seguinte a última divisão constante do Dec. 14.811, de 19.03.1921:
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo a que a divisão do
território do Distrito Federal em quatro zonas para o funcionamento dos ofícios do Registro Geral
prejuízo manifesto para os interessados, que têm de recorrer a mais de um cartório com

perda de tempo e dispêndio majorado.

de Imóveis, estabelecida pelo Dec. 12.588, de 01.08.1917, para a execução do art. 10, § 2.º, da Lei
3.232, de 05 de janeiro do mesmo ano, não obedeceu à perfeita distribuição das freguesias pelos
quatro ofícios do aludido Registro, decreta:
Art. 1.º O território do Distrito Federal é dividido, para os serviço dos quatro ofícios do
Registro Geral de Imóveis, em quatro zonas ou circunscrições, cuja extensão e limites ficam
subordinados aos da divisão judiciária do Dec. 12.356, de 10.01.1917, e fixados respectivamente,
pelos das freguesias que formam as atuais pretórias.
§ 1.º A primeira zona compreende o território das seguintes freguesias: I Candelária; II Santa
Rita; III Sant’Anna; IV Espírito Santo; V Engenho Novo.
§ 2.º A segunda zona compreende: I Sacramento; II S. José; III Santo Antonio; IV Glória; V
Lagoa; VI Gávea; VII Governador (Ilha).
§ 3.º A terceira zona compreende o território das seguintes freguesias: I Engenho Velho; II
Jacarepaguá; III S. Cristóvão; IV Paquetá (Ilha).
§ 4.º A quarta zona compreende o território das seguintes freguesias: I Inhaúma; II Irajá; III
Campo Grande; IV Guaratiba; V Santa Cruz.
Art. 2.º Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 19 de maio de 1921, 100.º da Independência e 33.º da República.
EPITÁCIO PESSOA.
ALFREDO PINTO VIEIRA DE MELLO.

Em São Paulo, a Lei 1.325, de 31.10.1912, publicada em 7 de novembro, dividiu o território


da comarca da Capital em três circunscrições para os efeitos do Registro.
A primeira circunscrição compreende os Distritos de Paz de Sé, Liberdade, Consolação, Bela
Vista, Vila Mariana, Cambuci, Butantã, Santo Amaro, Itapecerica (da Serra???), Embu [N.E. – Na
época Embu tinha o nome de Mboy] e Juquitiba.
A segunda é formada pelos distritos de paz de Santa Cecília, Bom Retiro, Santa Efigênia,
Lapa, N. S. do Ó, Juquery (é o atual Franco da Rocha???), Santana, Paranahyba (seria a atual
Santana de Parnaíba???), Pirapora (seria a atual Pirapora do Bom Jesus???) e Cotia.
A terceira abrange os distritos de paz do Belenzinho, Brás, Penha de França, Mooca,
Guarulhos, S. Miguel, S. Bernardo, Paranapiacaba, Santo André e Ribeirão Pires (art. 2.º da Lei
cit.).
―Art. 856. O Registro de Imóveis compreende:

I - A transcrição dos títulos de transmissão da propriedade.

II - A transcrição dos títulos enumerados no art. 532.

III - A transcrição dos títulos constitutivos de ônus reais sobre coisas alheias.

IV - A inscrição das hipotecas.‖

Além dos títulos acima enumerados compreende:

A inscrição do título que institui o bem de família (art. 73 do CC, art. 5.º das

Instruções para Execução Provisória do Registro Público, de 03.01.1917.)

A transcrição da sentença declaratória do domínio ou da servidão, adquirida por

usucapião (arts. 550 e 698 do CC, Instruções citadas, art. 5.º, § 2.º, II)

A inscrição das convenções antenupciais (art. 261 do CC, Instruções citadas, art. 5.º,

§ 3.º).

A averbação da sentença de desquite, nulidade ou anulação de casamento (art. 267, I

e II, do CC), de restabelecimento da sociedade conjugal (art. 323 do CC),89 e de separação

do dote (art. 309, par. ún., do CC; Instruções citadas, art. 5.º, § 2.º, III).

89
Só quando houver dote será útil a averbação do desquite, nulidade ou anulação de
casamento para ser cancelada a cláusula dotal; nos demais casos tem toda a procedência a crítica a
esse respeito feita pelo jovem e talentoso Oficial do Registro de Imóveis do 1.º Distrito da Capital
de São Paulo, o Sr. Dr. Gastão Vidigal:
―Em seu art. 5.º, § 2.º, III, estabelece o Decreto que, no Registro Geral do Decreto 169-A, de
19.01.1890, continuará, pela ordem e modo do processo, e dos modelos estabelecidos nos Decretos
370, de 02.05.1890, e 544 de 5 de julho do mesmo ano, com as modificações nele feitas, o Registro
de Imóveis, nele compreendidas a transcrição, inscrição ou averbação:
§ 2.º Dos julgados e sentenças
III – do desquite, nulidade ou anulação de casamento (art. 267), ou restabelecimento da
sociedade conjugal (art. 323) e separação do dote (art. 309, parágrafo único).
Tendo o Decreto citações remissivas para o Código, o primeiro cuidado de quem quiser bem
cumprir e compreender suas instruções é o de procurar ver neste quais os Registros, para que tais
instruções foram expedidas; o trabalho é perdido.
Nem o art. 267, nem o 323 fala em Registro das sentenças de nulidades ou anulação de
casamento ou desquite.
Apenas, o art. 309 determina que, dado o caso de separação do dote, seja a respectiva
sentença averbada no Registro feito de conformidade com o art. 261 (Registro das convenções
antenupciais).
Percebe-se bem nitidamente, aqui, que a intenção do Código é a de fazer constar do Livro de
Registro de Imóveis o ato em virtude do qual os bens, que constituíam o dote, foram retirados do
poder do marido (Clovis, Comentários..., art. 308).
Mas, nos casos de nulidade ou anulação de casamento, ou de desquite, qual o espírito que
ditou a disposição do art 5.º do Dec. 12.343? Não julgamos fácil descobrir.
Na vigência do Dec. 181, de 24.01.1890, havia a formalidade de seu art. 116; rezava esse
artigo ―que as sentenças que decidissem a nulidade ou anulação de casamento, ou o divórcio,
fossem averbadas na casa das observações do respectivo Registro civil‖.
Incontestável a utilidade da disposição: desaparecido o casamento por sua nulidade ou
anulação, ou decretado o divórcio, nada mais curial do que fazer averbar, à margem do termo desse
casamento, a sentença que o fazia inexistente; era, por assim dizer, o cancelamento do Registro.
Se foi essa prática que o Dec. 12.343 quis conservar, indiscutível é que errou ao atribuí-la ao
Registro de Imóveis; essa atribuição não poderá sair, senão com prejuízo do mecanismo e da
eficácia do Registro público, da competência dos Oficiais do Registro civil.
Se, porém, a intenção do Decreto foi fazer constar do Registro de Imóveis, não a sentença de
desquite, ou de nulidade ou anulação de casamento, mas a que julga a partilha, que é conseqüente
do desquite e à anulação, para o efeito de ficar descriminado e distinto o patrimônio de cada um dos
cônjuges, nesse caso o Decreto é deficiente, por não ter mantido a prática salutar e necessária do art.
116 do Dec. 181; e é supérfluo na disposição de seu art. 5.º, § 2.º, III, pois já o n. I mandava
registrar, no Registro de Imóveis, as sentenças que põem termo à indivisão nas ações divisórias
(Código, art. 532).
As averbações das cessões, prorrogações, sub-rogações, extinção total ou parcial

dos direitos e geralmente todas as ocorrências, que, por qualquer modo, possam alterar uma

inscrição ou transcrição (CC, arts. 817, 850, 1.067, par. ún., e Regulamento 370, de

02.05.1890, art. 75).

A inscrição dos empréstimos em obrigações ao portador, sejam ou não garantidos

por hipotecas (Dec. 177-A, de 15.09.1893, art. 4.º).

O Registro das Minas (Lei 4.265 de 15 de janeiro, e Regulamento 15.211, de

28.12.1921, art. 14).

Comentando este artigo; Clovis entende que as sentenças a registrar são as proferidas no
juízo divisório (partilha, divisão e demarcação); não sofreria dúvida, portanto, a necessidade de ser
registrada a sentença que julgasse a partilha, conseqüente ao desquite sua anulação de casamento.
Ora, se o Registro dos julgados proferidos no juízo divisório já estava incluído nas
atribuições do Oficial do Registro de Imóveis (Código, art. 532, I); se as instruções expedidas com
o Dec. 12.343 confirmaram essa disposição (art. 5.º, § 2.º, I) parece claro que, quando este decreto
se refere ao Registro das sentenças de desquite, nulidade, ou anulação de casamento (art. 5.º, § 2.º,
III), tem em vista, não as sentenças que julgarem a partilha dos bens comuns, mas a que julgar
desfeito o casamento.
(Revista dos Tribunais, vol. XXIII, p. 310).
CAPÍTULO VI

Título I - A transcrição

Transcrever é copiar, trasladar um escrito, portanto o Registro dos títulos de

transferência ou constituição de direito real não se fazendo por cópia do título, mas por

extratos, em resumo, não se deveria denominar transcrição, nome que, com propriedade, só

lhe cabe nos países em que o Registro se executa copiando o título, como na França,

Bélgica e Holanda.

Na Itália a mesma impropriedade se nota, o que os autores italianos explicam, por

ter o art. 1.932 do atual Código italiano reproduzido literalmente a primeira parte do art.

1.447 do Código Albertino, pelo qual o Registro se efetuava transcrevendo integralmente o

título.

Entre nós a impropriedade do termo foi várias vezes notada.

A denominação, embora imprópria, já havia, no entanto, sido consagrada na técnica

jurídica, para designar a inserção no Registro do instrumento de transferência ou

constituição de direito real, exceto a hipoteca, a cujo Registro se reservou o nome de

inscrição.

Procurou o Sr. Clovis Bevilaqua corrigir a impropriedade, o que não lhe foi dado

alcançar, devido à emenda do Sr. Conselheiro Rui Barbosa.90

90
Justificou o Sr. Conselheiro Rui Barbosa a emenda nos seguintes termos:
―Estende o projeto o designativo de inscrição à forma de publicidade adotada para os atos de
constituição e transferência de propriedade sobre imóveis. Pelo art. 681 faz o mesmo quanto aos
De nada valeram os argumentos que opôs o Sr. Clovis Bevilaqua91 demonstrando

que o ato a efetuar-se era uma inscrição, uma inserção abreviada, e não uma cópia do título.

atos pelos quais se constituem e transmitem as servidões, a enfiteuse, o usufruto o uso, a habitação,
o penhor e a anticrese.
Essa alteração na linguagem jurídica é indefensável.
Na legislação pátria sempre se reservou o nome de inscrição ao Registro das hipotecas.
No tocante à constituição e transmissão, quer dos outros direitos reais sobre imóveis, quer do
senhorio deles, o nome consagrado sempre foi o de transcrição.
Está essa distinção tradicional nas principais legislações estrangeiras. O Código Civil francês
estabelece a inscrição para as hipotecas. A transcrição instituída na Lei de 01.11.1798 para as
alienações de imóveis, recebeu, na Lei de 13.03.1855, a devida ampliação a todos os direitos reais,
suscetíveis, ou não, de hipoteca. A mesma descriminação está no Código Civil italiano. Seria fácil
mostrá-la em quase todas as outras, se valesse a pena.
Desse concurso afastou-se o Código Civil alemão, designando indiferentemente pelo nome
de inscrição o Registro quanto às hipotecas e todos os outros direitos reais. Para lhe seguirmos a
inovação, porém, não descubro motivo algum, a não ser o de nos pormos ao tom do último figurino.
O sistema de escrituração do Registro, entre nós, está organizado em conformidade com a distinção
firmada pelas nossas leis até hoje, ramificando-se em livros de inscrição e livros de transcrição.
Com a fusão desses dois ramos num só, não se há mister de esforço para calcular os inconvenientes,
que na prática enxamearão a cada passo. E para que? Cui bono? Com que benefício? Na realidade
apenas o de termos eliminado uma palavra ao vocabulário do Registro predial, a troco de
inconvenientes consideráveis, na prática de tal serviço.‖ (Parecer — Trabalhos da Comissão
Especial do Senado. Vol. I, p. 239).
91
Às razões do Parecer opôs o Sr. Clovis os seus argumentos.
―Não quer o douto Parecer da Comissão do Senado que se estenda o designativo de inscrição
à forma de publicidade adotada para os atos de constituição e transmissão da propriedade sobre
imóveis.
Essa alteração na linguagem jurídica é indefensável, sentencia, sem cogitar da possibilidade
de quaisquer embargos infringentes do julgado.
Pesemos, porém, as razões de tão peremptória condenação. Indicam-se duas. A primeira é
que a legislação pátria sempre reservou o nome de inscrição ao Registro da hipoteca. Não me
parece irrefragável esta primeira razão.
A emenda foi aceita e mantido o termo adotado pela legislação anterior.

Tem-me ao contrário visos de fragílima. Se prevalecesse, nenhuma alteração se faria na


linguagem do direito. E se o verbo do direito deve ter esse dom de inalterabilidade, privilégio
idêntico há de ser atribuído, e com melhores motivos, aos institutos que são a essência de que a
palavra é a forma imperfeita.
Consiste a segunda razão em asseverar-se que a distinção entre os dois vocábulos —
inscrição e transcrição — é tradicional nas principais legislações estrangeiras, das quais se afastou
apenas o Código Civil alemão.
Em apoio dessa alegação citam-se apenas a legislação civil francesa e italiana, deixando-se
em olvido injusto todas as outras que emitiriam voto divergente, se fossem invocadas.‖ Continua o
Sr. Clovis mostrando que no direito francês a linguagem está em harmonia com a realidade dos
fatos, ao contrário do que se observa entre nós. Cita depois o Código Civil português (art. 953), o
espanhol (art. 605), o do Chile (art. 886), o do México (art. 3190) etc. Termina dizendo: — ―Creio
já ter demonstrado, sem possibilidade de contestação, que a proposição categórica do Parecer não
coincide com a verdade, e que não é a unicidade do Código alemão, que apóia a linguagem do
Projeto, mas sim a pluralidade preponderante das legislações mais chegadas à nossa‖ (Em Defesa,
p. 33 e seguintes)
Título II - Aquisição dos direitos reais

―Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

I — Pela transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel.

[...].‖

―Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos

entre vivos só se adquirem depois da transcrição ou da inscrição, no registro de imóveis,

dos referidos títulos (arts. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.‖

O Código, mantendo-se fiel ao Direito Romano, distingue em relação ao direito real,

os dois elementos: o título que cria o jus ad rem (direito pessoal), e o modo que o

transforma em jus in re (direito real).

Em se tratando da propriedade imóvel o jus in re, quando derivado de ato entre

vivos, surge com a inserção do título no Registro.

Esse ato tem no sistema germânico o nome de inscrição, quer se trate da

propriedade, quer de algum dos direitos reais em coisa alheia.

Como instituição jurídica rege-se por princípios, que firmam a sua natureza e

regulam seus efeitos.

Apresentaremos os mais importantes.

Princípio da inscrição — Nos termos dos arts. 530 e 676 e par. ún. do art. 860 do

CC a transcrição ou inscrição é necessária para se adquirir o direito real sobre imóvel, seja

a propriedade ou algum dos direitos reais em coisa alheia. É o que a doutrina chama — o

princípio da inscrição.
O direito real deve se tornar visível, manifesto a todos por meio dos assentos dos

livros do Registro, os quais devem corresponder à realidade da situação jurídica. O direito

real deve, portanto, coincidir com a transcrição.

O princípio não é, todavia, absoluto, porque necessidades de ordens diversas

exigem, em certos casos, que a aquisição se opere independente da transcrição. É o que se

dá com a propriedade adquirida pelo direito hereditário, um dos modos reconhecidos pelo

Código Civil (art. 530, IV), a qual independe da transcrição, evitando-se com isso que um

imóvel fique sem proprietário, até o momento de ser transcrito em nome do herdeiro.

A transcrição dos julgados nas ações divisórias não tem por fim operar a

transferência, apenas impedir atos de disposição, antes de preenchida a solenidade, segundo

a lição da doutrina; o que representa o meio indireto a que se recorre para obter a necessária

publicidade, afastando a contradição de figurar no Registro a propriedade como pertencente

a um, quando na realidade outro é o proprietário.

Princípio da legitimidade — A legislação de Hamburgo (Lei de 04.12.1868) e de

outros Estados atribuía força de lei à inscrição, como se fosse uma decisão judiciária,

constituindo por si só o título. O sistema prussiano, adotado pelo Código Civil alemão e

pelo Código Civil suíço, seguido também pelo nosso, considera a transcrição como um

elemento de mutação da propriedade, em relação com um outro elemento — o título. A

transcrição não basta, por si só, para transferir a propriedade, ela exige uma causa jurídica.

Foi o que fez sentir o eminente autor do Projeto92 ao Sr. Azevedo Marques, que se opunha

ao sistema adotado pela Câmara, observando-lhe que a inscrição não se faz em abstrato e

92
Trabalhos da Comissão Especial do Senado. Vol. III, p. 76.
sim concretamente de um título translativo (ou declaratório) da propriedade, e que se o

título for nulo, viciada estará a inscrição e nas condições de ser retificada ou anulada.93

Foi esse o princípio consagrado no art. 860.

―Art. 860. Se o teor do Registro de Imóveis não exprimir a verdade, poderá o

prejudicado reclamar que se retifique.

[...]‖

Princípio da publicidade ou da fé pública. — Este é o princípio expresso no art.

859.

―Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu,

ou transcreveu.‖

A segurança das transações imobiliárias exige que, embora necessitando de causa

jurídica válida, a transcrição, uma vez realizada, se considere como representando a

situação real da propriedade; e, portanto, o terceiro, que, de boa-fé, contratar a título

oneroso, confiado nos assentos do Registro, adquirirá o direito, ainda quem figure como

proprietário, na realidade o não seja.

É esta a conseqüência do princípio que a doutrina denomina da publicidade ou da fé

pública.

Os dois princípios são inconfundíveis. Quem consegue a transcrição de um título

viciado está sujeito à ação do verdadeiro proprietário, para se anular a transcrição, porque

esta só por si não transfere a propriedade (princípio da legitimidade).

93
Convém não confundir o direito de anular ou retificar a transcrição por vício do título, com
a resolução dos direitos de terceiros, que os tiverem adquirido sob a fé, que merecem os livros do
Registro.
Quem, de boa-fé, com título sem vício, contrata com um proprietário injusta ou

erroneamente inscrito, adquire validamente o direito, que o Registro lhe afirmara pertencer

à pessoa com quem contratara (princípio da publicidade).

Princípio da legalidade.

―Art. 834. Quando o Oficial tiver dúvida sobre a legalidade da inscrição requerida,

declará-la-á por escrito ao requerente, depois de mencionar, em forma de prenotação, o

pedido no respectivo livro.‖

Desde que a transcrição não pode, de por si, transferir o domínio e deve repousar

sobre uma causa válida, criando, uma vez feita, a presunção legal da existência do direito,

isto é, servindo-lhe de prova, e pondo a salvo os direitos adquiridos por terceiros, o que

pode por em risco legítimos direitos, é indispensável examinar os títulos apresentados e

verificar as condições de que depende a validade dos atos a serem transcritos ou inscritos,

de modo que o Registro se efetue em nome do verdadeiro titular do direito.

Princípio da especialidade — A inscrição ou transcrição em nada aproveitaria, se

por ela não se pudesse determinar tanto o conteúdo do direito, que se procura assegurar,

como a individualidade do imóvel que dele é objeto94.

Além destes princípios mencionaremos o da prioridade — prior in tempore potior

in jure. Os direitos se preferem, não pela sua data, mas pela inscrição ou transcrição.

94
Regulamento 370, de 02.05.1890, arts. 245 e 246 — CC, art. 846.
Conhecidos os princípios, convém acentuar que o fim do Registro é tornar bem

manifestos os direitos reais sobre imóveis e os atos ou fatos que possam afetar o seu livre

exercício, resguardando os terceiros de prejuízos decorrentes da clandestinidade.

Não se deve perder de vista o fim do instituto, para, com precisão, se distinguirem

os atos sujeitos a Registro, e evitar-se o erro, aliás, comum, de pretender-se a transcrição de

atos, de que só decorrem efeitos pessoais.

A transcrição não visa a publicidade geral dos direitos, para impedir todo e qualquer

prejuízo, o que equivaleria a elevá-la à dignidade de princípio geral de publicidade, quando

o seu objeto é muito mais restrito, limita-se à publicidade dos direitos reais sobre imóveis e

dos atos que os possam afetar.


Título III - Transcrição dos títulos de domínio

―Art. 531. Estão sujeitos a transcrição, no respectivo registro, os títulos

translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.

Art. 532. Serão também transcritos:

I - Os julgados, pelos quais, nas ações divisórias, se puzer termo a indivisão.

II - As sentenças, que nos inventarios e partilhas, adjudicarem bens de raiz em

pagamento das dívidas da herança.

III - A arrematação e as adjudicações em hasta pública.

Art. 533. Os atos sujeitos a transcrição (arts. 531 e 532) não transferem o domínio,

senão da data em que se transcreverem (arts. 856, 860, parágrafo único).‖

Sem procurar definir o que mais facilmente se compreende do que define (e tantas

são já as definições), observaremos que a propriedade, a que se refere o art. 530, é o direito

de senhoria sobre uma coisa material, identificado pelos Romanos com a coisa sobre que

recaísse, a ponto de ser o único direito incluído entre as coisas corpóreas.

Se não se pode negar razão ao excelso Teixeira de Freitas,95 quando se insurge

contra a inclusão de um direito entre as coisas corpóreas; é no entanto inegável que a

propriedade, absorvendo toda a utilidade da coisa, parece com ela confundir-se e na própria

coisa encontra a sua representação.

95
Esboço do Código Civil. Comentário ao art. 317.
A propriedade imóvel de que se trata é a que tem por objeto imóveis corpóreos, que

ocupam lugar no espaço; não compreende os bens incorpóreos, que fazem parte do

patrimônio, ainda quando considerados imóveis.

Pela classificação do Código:

―Art. 43. São bens imóveis:

I - O solo com os seus acessórios e adjacências naturais compreendendo a

superfície, as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.

II - Tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente

lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição,

modificação, fratura, ou dano.

III - Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado

em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade.‖

Esses é que são os imóveis corpóreos, materiais, a cuja propriedade se refere o art.

530, compreendendo

1.º — os imóveis por natureza (o solo) e por acessão natural (as plantações);

2.º — os imóveis por acessão física artificial (as construções);

3.º — os imóveis por acessão intelectual (os instrumentos aratórios em um

estabelecimento agrícola, as estátuas de um palácio,96 e que podem ser em qualquer tempo

mobilizados, como declara o art. 45 do CC.

Não está, portanto sujeita à transcrição a cessão de direitos hereditários,

vulgarmente chamada venda de quinhão hereditário97 nem a alienação de edifícios ou

96
Clovis Bevilaqua. Direito Civil. P. 229.
qualquer acessório independente do solo a que aderem.98 O acessório segue o principal (art.

59), e nos termos do art. 61 são acessórios do solo:

97
No exercício do cargo de Oficial do Registro tenho sempre levantado dúvida à transcrição
de venda de direitos hereditários, fundamentando-a com as seguintes razões:
Que a transcrição dos títulos translativos tem por objeto a transferência do domínio de
imóveis (art. 533 do CC).
Que só as coisas corpóreas são objeto de domínio.
Que por isso não está sujeito à transcrição o direito hereditário, nem a cessão e transferência
desse direito, porque a herança não é imóvel corpóreo, mas uma universitas juris, composta de
direitos, obrigações e coisas corpóreas móveis e imóveis.
Que o domínio das coisas da herança é indivisível, (art. 1.580), não se podendo dela destacar
qualquer de suas partes e assim transcrever, como de propriedade de um herdeiro, imóveis que dela
façam parte.
Que o Código Civil enumera a transcrição e o direito hereditário como dois modos de
adquirir diferentes (art. 530, I e IV); e que entre os atos sujeitos à transcrição não menciona o direito
hereditário, mas as sentenças proferidas em juízo divisório, de que o inventário é uma das três
formas (famíliœ erciscumdœ).
Que assim a separação de um imóvel da herança para transcrevê-lo atribuindo-o à quota
hereditária de um dos herdeiros é impossível antes da sentença proferida no inventário.
Que, de outro modo, o Registro converter-se-ia num repositório de declarações despidas de
autenticidade, pois a isso equivaleria transcrever nos livros, cujos assentos merecem fé, como
pertencentes de A ou B, ou a seu cessionário, imóveis que A ou B, com intuitos fraudulentos,
declarassem achar-se entre os bens de uma herança, de que se intitulassem herdeiros. Seria
subverter os fins da instituição, transformando-a de aparelho de segurança da propriedade em
instrumento da fraude.
98
Dúvida levantada à transcrição de um contrato de compra e venda de uma casa e demais
benfeitorias em terreno arrendado:
―O Registro de Imóveis compreende a transcrição da transferência do domínio de imóveis por
ato entre vivos, por adjudicação ou arrematação em hasta pública (CC, arts. 531 e 532, II e III); a
das sentenças proferidas em juízo divisório e em processo de usucapião (arts. 532, I, e 550).
Compreende ainda a transcrição e inscrição dos direitos reais em imóvel alheio.
―Art. 61. São acessórios do solo:

I — os produtos orgânicos da superfície;

II — os minerais contidos no subsolo;

III — as obras de aderência permanente, feitas acima ou abaixo da superfície.‖

A alienação de um edifício a ser demolido, para utilização dos materiais, a de

árvores a serem cortadas para lenha ou outro fim, a de qualquer produto a ser aproveitado,

tem por objeto coisas móveis: — os materiais, as árvores cortadas, a colheita, etc. e escapa

à transcrição.

Quando se aliena qualquer direito sobre um imóvel, ou o ato importa em

constituição, de direito real, e tem Registro próprio no Livro de Transcrição dos Ônus

Reais: ou dele decorrem simples direitos pessoais e escapa à transcrição.

A compra e venda de uma construção independente do solo a que adere, como

translativa de domínio, seria em rigor uma venda nula, porque o seu objeto é uma coisa

que, por si só, não existe.

Tem por objeto, portanto, os direitos reais imobiliários, entre os quais não figura o
arrendamento.
Pelo art. 547 do Código, aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio, nenhum
direito real adquire; tem apenas direito à indenização, se o proprietário do solo, a que as benfeitorias
sempre acedem (arts. 59 e 61, III), delas o privar, embora feitas com a sua licença.
A venda de benfeitorias em solo alheio importa em mera transferência de direitos pessoais.
O Regulamento para arrecadação do imposto de transmissão de propriedade (Dec. 2.800, de
16.01.1898), acentua a diferença; assim é que depois de enumerar os atos sujeitos ao imposto, e
entre eles mencionar a compra, ou ato equivalente, de bens imóveis (art. 45, IV), expressamente
consignou no art. 50 a cessão ou venda de benfeitorias em solo arrendado, como ato também sujeito
ao imposto, de modo a estender a sua incidência a esses contratos.‖
A casa ou o edifício é imóvel por incorporação ao solo, de que é um acessório, e não

se compreende o absurdo de uma propriedade que não tenha existência por si, por que não

há como admitir o edifício sem solo. Pode haver um direito real que tenha por objeto o uso

e gozo de um edifício em solo alheio, não a propriedade do edifício separado do solo.

O direito real, que se exercia sobre o solo alheio e em virtude do qual um terceiro

nele construía e se utilizava das construções, com a faculdade de opor o seu direito a quem

quer que fosse o possuidor, constituía o direito de superfície, que a nossa lei baniu de entre

os direitos reais, há mais de meio século.

A venda de construções, independente do solo, não pode, portanto, ser transcrita.

Firmada a inteligência de qual seja a propriedade imóvel, cujos títulos estão sujeitos

à transcrição, relembremos a tendência do direito moderno, a que já aludimos, de sob a

pressão das necessidades econômicas, sujeitar ao Registro todos os atos de transferência de

propriedade, ou os que de qualquer modo possam afetar o seu exercício.

O Código Civil, acompanhando essa tendência, estendeu a exigência da transcrição

a atos dela isentos no regime anterior.

É assim que à transcrição foram submetidos os atos judiciais e a sentenças

proferidas nos juízos divisórios, embora se lhe reconhecendo o caráter de simplesmente

declaratórias.

Para os atos translativos, não subordinados à condição suspensiva, o efeito da

transcrição é operar a transferência do domínio.

Para os atos declaratórios, o efeito é vedar o exercício de livre disposição, antes de

ser ela efetuada, como se disse, ao tratar dos princípios que regem a transcrição.

Da observância rigorosa dos preceitos dos arts. 531 e 532 depende a eficiência do

sistema acolhido pelo Código Civil, para a consolidação da propriedade imóvel.


Nesta Capital tem se procurado isentar da transcrição a partilha feita em inventários,

alegando-se que a disposição do n. II, sujeitando a essa solenidade as sentenças que nos

inventários adjudicassem bens de raiz ao pagamento das dívidas, excluíra as que julgassem

a partilha.

O raciocínio é falso.

O n. II do art. 532 incluiu a sentença que mencionar entre os atos sujeitos à

transcrição, porque não estava compreendida entre os designados no n. I, mas não isentou

implicitamente, como erroneamente se pretende, o julgado, pelo qual no inventário se

pusesse termo à indivisão.

Já se alegou também que o Código Civil no art. 532, I, se refere a julgados em ações

divisórias, e que o inventário e conseqüente partilha não é ação divisória, mas processo

administrativo, e que portanto o referido n. I não alcança as partilhas em inventário.

Força é repetir o que há muito tempo já ensinou o ilustre jurisconsulto que foi o

saudoso Conselheiro Ribas: ―O processo de divisão de bens hereditários não é

administrativo... é uma das três formas do juízo divisório a — familiœ erciscumdœ actio‖99

O Parecer da Comissão Especial da Câmara dos Deputados disse com muita clareza:

―Estendeu-se a necessidade dessa formalidade (a transcrição) a outros atos, que não

constituem propriamente transferência de domínio, mas servem de prova à sua aquisição,

como as sentenças proferidas nos juízos divisórios (partilha, divisão e demarcação, etc.).100

O mesmo ensina o douto autor do Projeto:101

99
Consolidação das Leis do Processo Civil. com. DXXXVI à seção XIII (Rub.)
100
Trabalhos da Comissão Especial. Vol. VIII, p. 40 — Prop. 24.ª.
101
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Observação ao art. 532.
―As sentenças em geral não estão sujeitas à transcrição porque não operam

transferência de domínio, porém, nos juízos divisórios (partilha, divisão e demarcação),

fazendo cessar a indivisão e declarando qual a parte individuada que pertence a cada um, as

sentenças determinam outro estado de relações jurídicas diferente do preexistente e servem

de fundamento aos direitos correspondentes a esse novo estado de coisas.

O Projeto revisto mandava submeter a Registro todos os atos translativos de

domínio, inclusive os mortis causa.

O Código, no art. 531, refere-se, apenas, aos inter vivos.

Mas exigindo o art. 532, o Registro para os julgados, que põem termo às indivisões

nos juízos divisórios, as transmissões mortis causa, em regra, se registrarão.‖

E na observação 3 ao art. 1.801 [do Projeto?] repete: ―As sentenças da partilha,

embora meramente declarativas, por isso que põem termo à indivisão e circunscrevem o

direito de cada um dos herdeiros aos bens do seu quinhão, devem ser transcritas no Registro

de Imóveis, como determina o art. 532, I.‖

Depois do que fica dito só a mais imperdoável obstinação permitirá a quem quer

que seja sustentar, aferrado rotineiramente ao direito anterior, que as partilhas feitas em

inventário estão isentas da transcrição; burlando os dispositivos do Código, com grave dano

da consolidação da propriedade territorial.

Da doutrina exposta em relação aos fins da transcrição podem deduzir-se as

seguintes conseqüências:

1.ª – Antes da transcrição do título sujeito a essa solenidade não pode o titular do

direito exercer qualquer ato de disposição alienando ou gravando o imóvel.


2.ª – Nos atos entre vivos o alienante, enquanto não é transcrito o título de

transferência, não perde o direito de que pode validamente dispor, continuando o imóvel a

responder pelas suas obrigações.

3.ª – O adquirente de um imóvel por ato entre vivos, só depois de transcrito o seu

título, tem direito à reinvidicação, a defender-se com a exceção de domínio102 ou a opor

embargos de terceiro senhor e possuidor.

102
Embora o domínio não se transfira antes da transcrição, o adquirente, de posse da coisa
comprada, está protegido contra a reivindicação do vendedor pelo vínculo da obrigação, decorrente
do contrato, porque assim o exige a boa-fé, que deve presidir às relações humanas, e pode opor-lhe
a exceção rei venditœ — ―Se quis rem emerit, non antem fuerit ei tradita, sed possessionem sine
vitio fuerit nactus, habet exceptionem contra venditorem‖ (Digesto, Livro 21, Título 3.º — De
except. rei vend. fr. 1.º § 5.)
Título IV - Atos sujeitos à transcrição

A disposição dos arts. 531, 532, e 550, do Código abrangem:

I — A compra e venda.

II — A permuta.

III — A dação em pagamento.

IV — A transferência feita pelo sócio como contingente para o fundo social.

V — O dote quanto por cláusula expressa o marido adquire o domínio (art. 270 do

CC) ou quando importar alheação (art. 292).

VI — A arrematação em praça.

VII — A adjudicação em praça ou para pagamento de dívidas da herança no

inventário e partilhas.

VIII — A doação.

IX — A partilha feita pelo pai por ato entre vivos (art. 1.776).

X — Todo e qualquer outro ato de que resulte transferência de domínio.

XI — A divisão feita judicialmente e com maioria de razão a extrajudicial.

XII — A sentença que declara adquirido o domínio por usucapião.


Título V - Compra e venda

―Art. 1.122. Pelo contrato de compra e venda, um dos contraentes se obriga a

transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.‖

Devemos observar que o nosso direito adotou para o contrato a denominação

romana abrangendo as duas principais obrigações dele resultantes.

Nem todos os Códigos, porém, seguiram o Direito Romano, adotando uns, como o

francês, e os que o imitaram, a denominação de contrato de venda, outros, como o alemão,

a de contrato de compra.

O Código não define a compra e venda, mas dá no art. 1.122 os elementos para que

se possa defini-la como o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a outra a

propriedade de uma coisa, recebendo certo preço em dinheiro.

Da definição dada de acordo com o art. 1122, se vê que o contrato obriga o

vendedor a transferir a propriedade, não opera por si a transferência; quer dizer que o

contrato é obrigatório, mas não translativo.

No Direito Romano, segundo a opinião clássica, a compra e venda não obrigava o

vendedor a transferir a propriedade, mas a — vacuam possessionem tradere. A explicação

dada para essa diferença nos efeitos do contrato entre os Romanos e os povos modernos é

que naquela época se visava apenas proporcionar ao comprador as vantagens que da coisa

pudesse tirar; mas que, evoluindo a concepção jurídica do contrato, ele se havia

transformado, não sendo hoje o seu fim dar a posse material da coisa, e sim transferir a

propriedade ao comprador.
Fosse, ou não, o efeito da compra e venda, entre os Romanos, transferir apenas a

posse, o que modernamente encontra impugnadores; o certo é que as legislações atuais

fazem da transferência da propriedade o fim da compra e venda; de sorte que o vendedor é

não só obrigado a entregar a coisa como a transferir a propriedade.

O nosso Direito, de acordo com o Direito Romano, faz depender a transferência da

propriedade de um outro ato, além do contrato, — a tradição, que foi conservada para as

coisas móveis; e por conveniências de ordem pública, substituída, para os imóveis, pela

transcrição no Registro.

Sendo a compra e venda um contrato, exige o consentimento mútuo, isto é, o acordo

de vontades; e, como todo ato jurídico requer capacidade dos contratantes, objeto lícito e

forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82 do CC); além de um requisito que lhe é

próprio — preço em dinheiro.

A capacidade das partes e o consentimento são elementos subjetivos, os demais são

objetivos.

Consentimento — O consentimento mútuo é a manifestação recíproca do acordo de

vontade de duas ou mais pessoas, para a formação do contrato.

Para sua validade é preciso que não seja inquinado de um dos três vícios: erro, dolo

ou coação.

Capacidade — A capacidade é a aptidão que tem a pessoa para exercer por si os

atos da vida civil. É um atributo essencial da personalidade, é o modo pelo qual ela se

externa.

A capacidade é a regra geral; as incapacidades devem ser declaradas em lei.103

103
Clovis Bevilaqua. Legislação Comparada, n. 25.
―Art. 5.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida

civil:

I - Os menores de dezesseis anos.

II - Os loucos de todo o gênero.

III - Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.

IV - Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Art. 6.º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de

os exercer:

I - Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156).

II - As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.

III - Os pródigos.

IV - Os silvícolas.

Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em

leis e regulamentos especiais, e que cessará à medida de sua adaptação.‖

―Art. 9.º Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o

indivíduo para todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - Por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o

tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos.

II - Pelo casamento.

III - Pelo exercício de emprego publico efetivo.

IV - Pela colação de grau cientifico em curso de ensino superior.

V - Pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.‖


―Art. 84. As pessoas absolutamente incapazes serão representadas pelos pais,

tutores, ou curadores em todos os atos jurídicos (art. 5.º); as relativamente incapazes pelas

pessoas e nos atos que este Código determina (arts. 6.º, 154 e 427, n VII).‖

Além dessas incapacidades que afetam a todos os atos jurídicos, mencionaremos

algumas relativas à compra e venda de imóveis.

―Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o

regime de bens:

I — Alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais

sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9.º, I, a, 237, 276 e 293).

[...]‖

―Art. 236. Valerão, porém, os dotes ou doações nupciais feitas às filhas e as

adoações feitas aos filhos por ocasião de se casarem, ou estabelecerem economia separada

(art. 313).‖

―Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):

I - Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235).

II - Alienar, ou gravar de onus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer

que seja o regime dos bens (arts. 263, II, III, VIII, 269, 275 e 310).

III - Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.‖

―Art. 1.132. Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os

outros descendentes expressamente consintam.


Art. 1.133. Não podem ser comprados, ainda em hasta publica:

I - Pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores os bens confiados á

sua guarda ou administração.

II - Pelos mandatarios, os bens, de cuja administração ou alienação estejam

encarregados.

III - Pelos empregados publicos, os bens da União, dos Estados e dos Municipios,

que estiverem sob sua administração, directa, ou indirecta. A mesma disposição applica-se

aos juizes, arbitradores, ou peritos que, de qualquer modo, possam influir no acto ou no

preço da venda.

IV - Pelos juizes, empregados de fazenda, secretários de tribunaes, escrivães e

outros officiais de justiça, os bens, ou direitos, sobre que se litigar em tribunal, juizo, ou

conselho, no logar onde esses funccionarios servirem, ou a que se estender a sua

autoridade.‖

Aos incapazes a que se refere o Código Civil cumpre acrescentar o falido.

Objeto — Podem ser objeto da compra e venda os imóveis que estiverem no

comércio, excluídos, portanto, os que forem inalienáveis.

A inalienabilidade dos bens ou pode provir de uma restrição derivada

imediatamente da lei, ou derivada da cláusula de um ato jurídico.

São inalienáveis os imóveis dotais, quando por cláusula expressa o domínio não foi

transferido ao marido (art. 290, par. ún., do CC); salvo nos casos do art. 293.
―Art. 293. Os imóveis dotais não podem, sob pena de nulidade, ser onerados, nem

alienados, salvo em hasta publica, e por autorização do juiz competente, nos casos

seguintes:

I - Se de acôrdo o marido e a mulher quiserem dotar suas filhas comuns.

II - Em caso de extrema necessidade, por faltarem outros recursos para

subsistência da família.

III - No caso da primeira parte do § 2.º do art. 299.

[§ 2.º As da mulher, anteriores ao casamento, serão pagas pelos seus bens

extraditais, ou, em falta destes, pelos frutos dos bens dotais, pelos moveis doais e, em

ultimo caso, pelos imóveis dotais. As contraídas depois do casamento só poderão ser pagas

pelos bens extraditais.]

IV - Para reparos indispensáveis á conservação de outro imóvel ou imóveis dotais.

V - Quando de acharem indivisos com terceiros, e a divisão for impossível, ou

prejudicial.

VI - No caso de desapropriação por utilidade publica.

VII - Quando estiverem situados em lograr distante do domicilio conjugal, e por

isso for manifesta a conveniência de vende-los.

Parágrafo único. Nos três últimos casos, o preço será aplicado em outros bens, nos

quais ficará sub-rogado.‖

— O imóvel instituído como bem de família não pode ser alienado, salvo

consentimento dos interessados e seus representantes legais (art. 72).

— Os imóveis de menores sob pátrio poder não podem ser alienados sem

autorização do juiz (art. 386).


— Os dos menores sob tutela, além dessa autorização, têm de ser vendidos em hasta

pública (art. 442).

— Os de ausentes só com ordem do juiz podem ser alienados (art. 475).

— Não pode ser alienado, por um dos co-herdeiros, imóvel de uma herança, porque

nos termos do art. 1.580 do CC o direito dos co-herdeiros ao domínio das coisas da herança

é indivisível até se ultimar a partilha.

O Direito Romano permitia ao co-herdeiro vender não só a sua quota hereditária,

como até a sua parte numa ou mais coisas da herança.

No primeiro caso, o comprador do direito hereditário, do nomen, se substituía ao

herdeiro e podia pedir a divisão pela utile familiœ erciscumdœ; tratando-se, porém, da

venda de parte de uma coisa, embora esta continuasse a ser da herança, saía, no entanto, da

comunhão hereditária e o adquirente teria de pedir a divisão pela actio communi dividundo;

porque a ação utile familiœ erciscumdœ só era concedida ao cessionário dos direitos do

herdeiro.

Entre nós o co-herdeiro pode ceder seu direito hereditário, e o contrato não está

sujeito à transcrição, como já dissemos; mas não pode vender uma das coisas da herança ou

a sua parte em qualquer delas.

Não pode vender a coisa na sua integridade porque, sem o consentimento dos

demais condôminos, o art. 623 do CC só lhe permite alhear a sua quota indivisa.

Não pode alienar uma parte de imóvel certo porque o art. 1.580 declara indivisível o

direito do co-herdeiro à posse e domínio dos bens hereditários até se ultimar a partilha; e o

conceito da indivisibilidade se opõe ao fracionamento.


A quota do co-herdeiro é ideal, num todo indivisível; só pela partilha se tornará uma

parte certa em determinado bem; e pelo princípio da especialidade, é então que se tornará

possível transcrever o domínio em nome do herdeiro ou do seu cessionário.

Objeta-se que assim poderá o herdeiro vender duas vezes o seu direito, com prejuízo

do primeiro adquirente, prejuízo que a transcrição evita.

Nenhum valor tem a objeção, porque nem a transcrição é o único meio de evitar

prejuízos; nem, na hipótese, é ela o preventivo eficaz.

O segundo adquirente estando inibido, do mesmo modo que o primeiro, de

transcrever o contrato, não se pode dar a concorrência de duas transcrições, para determinar

prioridade.

O adquirente, para evitar o seu prejuízo, terá de fazer valer o seu contrato no juízo

divisório, ou substituindo-se ao herdeiro, como seu cessionário, no inventário já aberto, ou

promovendo a abertura deste para a divisão (art. 1.772, § 2.º).

É claro que se o segundo adquirente se apresentar no inventário, e em seu nome,

como cessionário, for lançado nas partilhas o pagamento do herdeiro cedente, os imóveis

partilhados, quando transcrito o julgado, ficarão em seu nome.

A hipótese é a de não se apresentar no inventário o primeiro adquirente até se

ultimarem as partilhas; porque se concorrerem os dois, o primeiro, embora se apresente

posteriormente, excluirá o segundo; visto que a cessão do direito hereditário independe de

qualquer formalidade, uma vez perfeita e acabada, para produzir efeito. Nula por falta de

objeto é a segunda.

E porque é nula tem o primeiro adquirente, na hipótese de não se ter apresentado no

inventário, o direito de, invocando o art. 860 do CC, requerer que se retifique a transcrição

feita, por não se apoiar em causa válida (princípio da legitimidade); tendo a cautela de pedir
que se dê conhecimento ao Registro, para que dos seus livros conste a existência da ação,

assegurados por essa forma, e desde esse momento, os efeitos retroativos da sentença

anulatória.

O assunto presta-se a um desenvolvimento que a natureza deste trabalho não

permite.

Forma

―Art. 130. Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em

lei (art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma

exigida.

[...]

Art. 132. A anuência, ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato,

provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio

instrumento.

Art. 133. No contrato celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento

público, este é da substância do ato.

Art. 134. É, outro sim, da substância do ato o instrumento público:

I - Nos pactos antenupciais e nas adoções.

II - Nos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de

valor superior a um conto de réis, excetuado o penhor agrícola.

Art. 135. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem

esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas

testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos,


bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de

transcrito no registro público.

Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas de caráter

legal.‖

Forma dos contratos é o aspecto que reveste a manifestação de vontade dos

contratantes.

Há formas intrínsecas e extrínsecas; referimo-nos aqui à forma extrínseca, isto é, ao

modo pelo qual se exteriorizam os atos jurídicos.

A compra e venda é um dos contratos para o qual a lei exige uma forma especial —

o escrito público ou particular — acautelando por esse modo interesses gerais.

Os artigos do Código acima transcritos introduziram modificações ao que dispunha

o direito anterior.

Pelo art. 132 a anuência ou a autorização necessária à validade do ato será dada por

instrumento público, só quando este for da substância ou necessário à prova dos contratos;

a outorga da mulher, portanto, para os contratos que podem ser feitos por instrumento

particular, por essa mesma forma pode ser dada, o que não acontecia pelo direito anterior.

O art. 134 alterou, quanto à forma dos contratos, o direito até então vigente, pois a

escritura pública era da substância da hipoteca, qualquer que fosse o seu valor, e da compra

e venda de bens de raiz, excedente de 200$000.

O art. 135 exigindo o Registro para os instrumentos particulares nada inovou, pois

as escrituras de compra e venda de bens de raiz já estavam sujeitas a Registro desde 1864.

Vem a propósito observar que o Dec. 4.775, de 16.02.1903, (Regulamento do

Registro de títulos e documentos particulares) pretendeu sujeitar essas escrituras a um


duplo Registro (art. 82); cometeu, porém, o erro de citar para o caso a Lei 79, de

23.08.1892, e como não houvesse escrituras de venda de imóveis autorizadas por essa lei,

mas em virtude da Lei 840, de 15.09.1855, ficou letra morta o disposto no Regulamento.

O Código Civil facilitou a forma de instrumento particular para os contratos

constitutivos ou translativos de direitos reais sobre bens imóveis, em contrário ao que mais

avisadamente dispunha o Projeto primitivo e o da Câmara. É de toda a conveniência,

portanto, divulgar os requisitos imprescindíveis para serem transcritos ou inscritos esses

contratos, e produzirem os efeitos que os contratantes tiverem em vista.

O instrumento particular de compra e venda, além de escrito ou simplesmente

assinado pelo vendedor e duas testemunhas, deve também ser assinado pelo comprador,

assinatura que manifesta o seu consentimento, indispensável para que se dê o acordo de

vontades, e, portanto, para a existência do contrato; do mesmo modo por que se procede

quando o contrato é celebrado por instrumento público.

O imóvel deve ser descrito com os seus característicos, isto é, com as suas

dimensões de frente, de fundos e de extensão pelos seus diversos lados, assinalando-se

qualquer acidente que o possa bem distinguir de outro, declarar as suas confrontações,

citando as propriedades vizinhas e o nome de seus atuais donos, ou de seus antecessores.

Evite-se a fórmula abusiva empregada pelos tabeliães desta Capital — confrontando

com quem de direito —; porque nada esclarecendo, não atende ao fim da lei, que é

especializar o objeto do contrato.

Declarar qualquer condição aposta.

Mencionar o domicílio tanto do adquirente como do transmitente e o preço.


Preço — O preço deve ser certo e real; e pode ser superior ou inferior ao valor exato

do imóvel; não se exigindo a equivalência. É ele o elemento que distingue a compra e

venda da permuta ou troca.

Preço em dinheiro diz o art. 1.122.

A esse respeito transcrevemos o que diz o ilustrado Sr. Carvalho de Mendonça:104

— ―No mecanismo das modernas transações existem os cheques, as letras sacadas sobre

terceiros, os warrants, as hipotecas, as ações, qualquer título ao portador, em suma, que

podem servir, e de fato servem, de contra prestação na venda sem que a natureza do título,

criando embora obrigações especiais para quem o emite ou endossa, desnature o contrato de

venda, em que entre como instrumento de pagamento.‖

***

A compra e venda pode ser pura, condicional, a termo ou com encargo.

É pura quando a transferência se faz sem reservas ou encargos.

É condicional quando a transferência de domínio ou a sua resolução fica dependente

de um evento futuro e incerto.

―Art. 114. Considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico

a evento futuro e incerto.

Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar

expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato,

ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

104
Contratos no direito civil brasileiro. Vol. I, n. 145.
[...]

Art. 117. Não se considera condição a cláusula, que não derive exclusivamente da

vontade das partes, mas decorra necessariamente da natureza do direito, a que acede.

Art. 118. Subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta

se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

Art. 119. Se for resoluta a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato

jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas,

verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue, o direito a que ela se opõe.

Parágrafo único. A condição resoluta da obrigação pode ser expressa, ou tácita;

operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo.

[...]

Art. 121. Ao titular do direito eventual, no caso de condição suspensiva, é

permitido exercer os atos destinados a conservá-lo.

[...]

Art. 128. O encargo não suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo

quando expressamente imposto no ato, pelo dissonante, como condição suspensiva.‖

A definição dada no art. 114 é a definição clássica, encarada a condição no sentido

objetivo.

Os autores alemães encaram-na pelo lado subjetivo, como declaração de vontade e

discutem a sua natureza.

Para uns é apenas um acessório ou um acidente.


Para outros é um acessório, mas organicamente ligado à declaração principal no que

difere das demais cláusulas.

Savigny a considera uma restrição da declaração principal como a manifestação

qualificada de uma vontade única e indivisível105, e não como uma outra declaração aposta

à primeira.

Muitas são as classificações, a mais importante, porém, e a que interessa ao

Registro, é a que distingue as condições em suspensivas e resolutivas; porque estas é que

têm de ser transcritas. As demais cláusulas apostas à compra e venda, e que não tem efeito

suspensivo ou resolutivo, ou são de caráter pessoal e não afetam o direito real, ou

constituirão por si um dos direitos reais em coisa alheia e têm Registro próprio em livro

especial.

Enquanto não se realiza a condição suspensiva, não há vínculo contratual, que se

forma, quando realizado o acontecimento previsto; mas os efeitos reputam-se começados

desde que foi ajustado o contrato; é o que se denomina efeito retroativo da condição.

É em virtude do efeito retroativo da condição que o Código assegura e garante o

direito eventual, permitindo a prática dos atos assecuratórios, como a transcrição, embora

não haja ainda transferência de domínio.

Na compra e venda o contrato, o vínculo obrigacional, é perfeito antes da entrega da

coisa vendida (tradição): o direito real é que dela depende para as coisas móveis e da

transcrição para as imóveis.

Não se transferindo o domínio antes da transcrição, o vendedor pode validamente

vender de novo o objeto vendido ou gravá-lo; ao passo que, pendente a condição

105
Lacerda de Almeida. Direito das Obrigações, § 34, nota 1.
suspensiva, nenhum valor tem, antes de realizada ela, os atos do comprador, porque não lhe

pertence o domínio.

O risco da coisa na venda condicional é, e era pelo direito anterior ao Código, por

conta do vendedor, porque o contrato não está perfeito; ao contrário do que, pelo direito

anterior, acompanhando nesse ponto o Direito Romano, sucedia na venda pura, em que os

riscos corriam por conta do comprador — periculum est emptoris.

O Código Civil no art. 1.127 preferiu o sistema, que vai prevalecendo, como o mais

simples — declarar resolvido o contrato —, atribuindo ao vendedor o risco até à tradição,

que é o modo de adquirir as coisas móveis.

Dissemos que o sistema era o mais simples porque o do Direito Romano, chamado

com justiça a razão escrita, não nos parece que ofendesse o justo, se atendermos aos efeitos

obrigacionais, derivados do contrato de compra e venda, distintos do direito real, que se

destina a produzir.

O contrato é perfeito, o vínculo obrigatório já surgiu.

Antes da tradição, tem o comprador direito de exigir a entrega, o vendedor é

obrigado a fazê-la, e adstrito ao vínculo da obrigação, está privado de, como proprietário, se

utilizar da coisa vendida, sob pena de sujeitar-se a prejuízos.

É justo que se o trate no mesmo pé de igualdade, que o proprietário não obrigado a

transferir a propriedade da coisa em seu poder?

Se o comprador não tem o direito real e não pode reivindicar a coisa do poder de

terceiros, pode, no entanto, usar da ação pessoal ex empto para tirar a coisa do poder do

vendedor.

A posição deste, ligado pelo vínculo derivado do contrato, é, diante do comprador,

igual a de todo o mundo, uma vez formado o vínculo real.


Parece-nos, por isso, que mais razão tem os autores, que afirmam nada ter que ver,

na hipótese, o risco da coisa com o direito de propriedade.

Estender, porém, à compra e venda de imóveis o princípio expresso no art. 1.127,

aplicação, aliás do disposto no art. 865, e equiparar, para o caso, à tradição, à entrega

material da coisa, à posse enfim, a transcrição no Registro, sem distinguir se o imóvel está

ou não em poder do comprador, reveste um caráter de iniqüidade, que não há como

dissimular.

No direito alemão e no suíço ainda se compreende que, dependendo a inscrição do

consentimento do vendedor, a este se deixasse o risco, apesar de que mesmo na Alemanha

muito se controverte o princípio consagrado nesse artigo.

Entre nós, porém, é de todo injustificável.

Assinada a escritura de compra e venda, está o contrato perfeito e acabado, e para

efetuar-se a transcrição, nenhuma interferência, por nosso direito, cabe ao vendedor, de

cujo consentimento se prescinde.

É como se na compra e venda de coisas móveis, tivesse sido a coisa posta à

disposição do comprador, cuja mora em receber só a ele prejudica (art. 1.127, § 2.º). Porque

deve ele e não o comprador sofrer o prejuízo?

Entre as condições mais comuns mencionaremos em primeiro lugar os pactos

regulados pelo Código Civil ao tratar da compra e venda.

***

Retrovenda
―Art. 1.140. O vendedor pode reservar-se o direito de recobrar, em certo prazo, o

imóvel, que vendeu, restituindo o preço, mais as despesas feitas pelo comprador.

Parágrafo único. Além destas, reembolsará também, nesse caso, o vendedor ao

comprador as empregadas em melhoramentos do imóvel, até ao valor por esses

melhoramentos acrescentado á propriedade.

Art. 1.141. O prazo para o resgate, ou retrato, não passará de três anos, sob pena de

se reputar não escrito; presumindo-se estipulado o máximo do tempo, quando as partes o

não determinarem.

Parágrafo único. O prazo do retrato, expresso, ou presumido, prevalece ainda

contra o incapaz. Vencido o prazo, extingue-se o direito ao retrato, e torna-se irretratável a

venda.

Art. 1.142. Na retroverta, o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros

adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a clausula de retrato.‖

O pacto de resgate (pactum de retrovendendi) no Direito Romano só gerava efeitos

pessoais entre os contraentes106; não dava ao vendedor o direito de reivindicar a coisa das

mãos de terceiro, porque para este o pacto era uma res inter alios acta. O terceiro havia

106
Arrigo Dernburg Pandette. Diritti reali. Vol. 2.º, § 95. 5. Tradução Francesco Bernardino
Cicala [eu coloquei, confirmar]
adquirido regularmente a propriedade, assim como em idêntica situação ficavam aqueles

em favor de quem o comprador tivesse outorgado qualquer direito real.107

Com esse caráter pessoal passou a retrovenda do Direito Romano para a Ley das

Siete Partidas, de D. Affonso X, o Sábio, onde se lê na 5.ª Partida Ley XLII, que regula

esse pacto. ―...et si eam (a coisa vendida) non habet emptor, solvet interesse.‖

Da Lei das Partidas passaram as regras reguladoras do pacto para as Ordenações,

figurando nas Ordenações Filipinas, no Livro 4, Título 4, onde não se menciona o direito,

que assista ao vendedor, de ir buscar a coisa em poder de terceiro. Na edição do Senador

Candido Mendes, em nota, se observa que havia dúvida se o vendedor tinha esse direito,

quando o comprador a tivesse passado a outrem; mas que a melhor opinião era pela

afirmativa, mormente se o vendedor não tivesse sido citado para remir ou ver traspassar108.

[algo confuso aí?]

A venda a retro, ou retrovenda, não merece as simpatias atuais; além da sua

inutilidade, pelo menos entre nós, e melhor teria sido aboli-la, mormente com o direito que

lhe confere o art. 1.142.

O pacto foi admitido no Código Civil francês com o caráter real.

No Código Civil italiano ele figura depois de ter sido proibido no Projeto da

Comissão do Senado. A Câmara, porém, manifestou-se contra a proibição.

No seio da Comissão Coordenadora, os senadores De Foresta e Chiesi

manifestaram-se pela proibição por causa da incerteza em que ficava o domínio e do

prejuízo do comércio; mas Preceruti defendeu o pacto de resgate e, argumentando com

habilidade, observou que, desde que se admitiam vendas sujeitas a condições resolutivas,

107
Mainz Dir. Rom. vol. II, § 354.
108
C. M. Cod. Philip, nota 2 às Ord. citadas.
nenhum valor tinha a alegada incerteza e o prejuízo apontado. Que, além disso, já era tão

pouco usado, que não havia a temer grande inconveniente com a sua aceitação; podendo, no

entanto, servir para, em casos excepcionais, proporcionar ao trabalhador o meio de arranjar

recursos.

E não lhe parecia justo que se lhe arrancasse a esperança de poder resgatar a

propriedade, que, premido pelas circunstâncias, se via forçado a alienar.

As razões calaram no ânimo da Comissão e o ilustre Pisanelli, que havia sustentado

a proibição, anuiu no restabelecimento do pacto de resgate, que figura no Código Civil.109

O Projeto do Código Civil português regulava a venda a retro, que foi, no entanto,

repudiada, proibindo o art. 1.587 do CC tais contratos; porque, em regra, encerravam um

contrato usurário, e ainda para evitar a incerteza da propriedade resolúvel, muito prejudicial

à cultura das terras e ao comércio. Nota Dias Ferreira que a conservação de um tal contrato

só se pode explicar como homenagem à liberdade das convenções.110

O Código Civil alemão admitiu o pacto, mas sem caráter real, em virtude do art.

925, II, que não admite, como não admitia o Direito Romano, transmissão de propriedade

condicionada; procurou no entanto mitigar o rigor, assegurando no art. 833 o direito do

vendedor contra terceiros, por meio de uma prenotação no Registro.

O mesmo se dá no Código Civil suíço que, admitindo a retrovenda como direito

pessoal, permite no art. 959 a anotação do direito do vendedor para valer contra terceiros.

As disposições do Código Civil alemão e do suíço respeitaram a liberdade das

convenções, sem ofender o sistema imobiliário adotado.

109
Emidio Pacifici Mazzoni. [qual obra? Codice Civile Italiano Commentado?]
110
Dias Ferreira. Código Civil português anotado. Comentário aos arts. 1.586 a 1.588.
Não se compreende, porém, a disposição do art. 1.142, que fere fundo o sistema

consagrado nos arts. 859 e 860, que, no dizer do sábio Professor do Recife, ―expressam a

tese jurídica que constitui um dos princípios cardeais do sistema do Registro Predial. É o

Registro que imprime o caráter do direito real à relação jurídica; antes dele as convenções

criam apenas direitos pessoais, vínculos obrigacionais, entre as partes contratantes.‖111

Por outras palavras, a publicidade é que confere aos direitos sobre imóveis o caráter

absoluto para valer contra todos. Sem publicidade não há direito que possa prejudicar

terceiros, que não tenham meio de conhecê-lo.

Não é direito real, alega-se, é condição resolutiva, que opera de pleno direito; mas

em idêntica posição, se acham as demais condições resolutivas, e o Dec. 370, de

02.05.1890, manda transcrever as condições, o que quer dizer que, se não constarem da

transcrição, a venda se considera pura.

O próprio Código no art. 859, dando ao Registro a força de provar os direitos

transcritos, impede que os que não tiveram meio de conhecer a cláusula, por não constar do

Registro, nem do título das pessoas com quem tiverem contratado, possam ser

prejudicados.

O Projeto Coelho Rodrigues dispunha no art. 652: ―O vendedor sob a condição de

retrovenda conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes, ainda que a convenção de

resgate fosse omitida no contrato celebrado entre os mesmos e o comprador convencional.‖

O Código Civil espanhol no art. 1.510 dá direito ao vendedor para reivindicar do

possuidor que tenha adquirido do comprador, ainda que no segundo contrato não se tenha

111
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Observação ao art. 860.
feito menção do pacto de resgate; ressalvadas as disposições da lei hipotecária a respeito

de terceiros.

Como se vê o Projeto Coelho Rodrigues e o Código Civil espanhol limitam o direito

aos que contratam com o comprador convencional, mesmo havendo omissão da cláusula de

resgate no segundo contrato.

Isso se compreende. Porque embora não constando da transcrição no Registro a

cláusula, se por um lado esse segundo comprador podia alegar a presunção legal, que o

devia pôr a coberto do prejuízo; por outro lado, como já dissemos, não sendo o Registro a

fonte única de todas as informações, ele devia ter examinado os títulos da pessoa com quem

contratava, não podendo, por isso, alegar a boa-fé imprescindível à proteção da lei, dentro

do sistema imobiliário adotado.

Deixemos em paz o infeliz art. 1.142 e continuemos a apreciação do contrato, sem

prevenções.

A retrovenda pode, às vezes, ser um pacto honesto, e até ser determinado por

intuitos de benevolência, facilitando ao vendedor resolver a venda e continuar dono da

propriedade, que, em momentos de dificuldades, tenha sido forçado a vender.

Pode, no entanto, resultar da pressão de um emprestador pouco escrupuloso, que,

abusando das dificuldades de quem precisa, lhe imponha como forma do empréstimo o

contrato de venda a retro, na esperança de apossar-se a vil preço da propriedade oferecida

em garantia.

É nesse caso um contrato simulado, e o que é mais, nulo, porque encobre um pacto

pignoratício reprovado (art. 765 do CC)


Apesar de proibido esse contrato, o Orçamento Municipal para 1920, na parte

relativa ao imposto de transmissão de propriedade, refere-se a tal simulação como se fosse

a coisa mais legítima e a mais lícita.112

Pacifici Mazzoni cita um julgado da Corte de Turim, que não reconheceu a

simulação, numa retrovenda em que a coisa foi deixada em poder do vendedor, que se

obrigara a pagar 6% de juros sobre o preço recebido, sob pena de caducidade do direito de

resgate, e de entregar a coisa ao comprador na falta de pagamento de uma anuidade.

Fundamentou a Corte o seu julgamento em não se compreender a simulação, porque

a lei dando a mais ampla liberdade na estipulação de juros, não havia necessidade de

encobrir o mútuo sob a aparência de retrovenda, e não haver outro elemento para se deduzir

a simulação; porque não se provara que o preço da venda tivesse sido inferior ao valor da

coisa.

Observa com espírito o egrégio civilista, que as cláusulas dessa retrovenda eram na

verdade extraordinária. Um vendedor que continua a gozar da coisa como sua, pagando

apenas juros do preço recebido, um comprador que apenas recebe do vendedor juros do

preço que pagou, são na verdade um comprador e um vendedor singulares, muito singulares

mesmo. Como lhes assentaria, como uma luva, a figura de mutuário e mutuante, sob pacto

pignoratício reprovado!113

112
Art. 214. Nas vendas a retro, quando não se remir a dívida, tendo a venda caráter
definitivo, se cobrará do novo adquirente (!) na transferência predial, a diferença de imposto, etc.
(Lei Municipal 2.173, de 01.01.1920.)
113
Pac. Maz. C. Civil It. vol. XIII Trat. de la vend. n. 91.
O pacto de resgate não dissimulará um contrato usurário a que se refere a Ord.

[Ordenações?], do Livro 4, mas poderá encobrir, para fraudar a lei, o pacto comissório

adjeto a um direito real de garantia, o que é proibido.

Sendo hábil para transferir a propriedade deve ser transcrita, assim como a cláusula

de resgate, que funciona como condição resolutiva.

Para ser transcrito o pacto, deve ele constar do contrato de compra e venda. Se for

objeto de convenção separada, não pode ser admitido a Registro, nem sequer com

averbação resolutiva, uma vez que o contrato de compra e venda foi puro. É uma nova

convenção, operará como uma promessa de venda ou um negotium claudicans, isto é um

contrato que obriga só uma das partes, e que, para tornar-se um verdadeiro contrato, precisa

ser integrado com a vontade de obrigar-se da outra parte.

Se por ventura seguir-se a aquisição por parte do primeiro vendedor, em virtude

dessa convenção em separado, não haverá resolução do contrato, mas uma nova translação

da propriedade, sujeita a uma nova transcrição, e não a uma simples averbação, como no

caso de implemento do resgate, constante de condição.

A mesma solução deve dar-se quando, expirado o prazo, não tenha o vendedor

usado de seu direito; adquirindo, no entanto, posteriormente o imóvel. O direito de resgate

tendo caducado, a nova aquisição não pode ser encarada como implemento da condição,

que de fato não se verificou, tendo-se tornado o comprador pela simples expiração do

prazo, proprietário irrevogável.

Ao lado do pacto de retrovenda (retrovedendi), há o de reverenda (retroemendi), a

que o Código não faz referência especial, e que tem de ser atendido segundo os princípios

gerais.
O pacto de revenda pode constituir condição resolutiva, se essa for a intenção das

partes expressa no contrato.

Os direitos de terceiros não podem ser afetados pela cláusula, porque se o

comprador conceder direitos sobre o imóvel, e tornar impossível a sua restituição,

implicitamente renúncia à resolução do contrato.

Figurando a cláusula como condição resolutiva, uma vez verificada a condição, não

há nova transcrição em nome do vendedor, mas uma simples averbação à transcrição feita

em nome do comprador, o que importa no seu cancelamento.

Dissemos acima que os terceiros não podiam ser afetados, se o comprador lhes

concedesse direitos, tornando por fato próprio impossível a restituição. É, porém, de

observar que se os direitos de terceiros não forem voluntariamente concedidos pelo

comprador, o que se pode dar com a inscrição de uma hipoteca legal ou judiciária, ou

qualquer procedimento judicial, a condição não perde a sua força e, exercido o direito por

ela representado, resolve-se a compra e venda com os efeitos retroativos próprios da

condição.

O Código não regula o pacto de revenda por não haver as mesmas razões que o

levaram a regular a retrovenda, limitando o tempo de seu exercício.

O pacto de retrovenda é restritivo da liberdade de dispor e, portanto, contrário aos

interesses econômicos; o de revenda de modo algum a restringe, porque o comprador tem

desde o primeiro momento a faculdade de dispor validamente do imóvel.

***

Venda a contento
―Art. 1.144. A venda a contento reputar-se á feita sob condição suspensiva, se no

contracto não se lhe tiver dado expressamente o caracter de condição resolutiva.

Parágrafo único. Nesta espécie de venda, se classifica a dos gêneros, que se

costumam provar, medir, pesar, ou experimentar antes de aceitos.

Art. 1.145. As obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a

coisa comprada, são as de mero comodatario, enquanto não manifeste aceita-la.

Art. 1.146. Se o comprador não fizer declaração alguma dentro no prazo, reputar-

se-á perfeita a venda, quer seja suspensiva a condição, quer resolutiva; havendo-se, no

primeiro caso, o pagamento do preço como expressão de que aceita a coisa vendida.

Art. 1.147. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o

vendedor terá direito a intima-lo judicialmente, para que o faça em prazo improrrogável,

sob pena de considerar-se perfeita a venda.

Art. 1.148. O direito resultante da venda a contento é simplesmente pessoal.‖

A venda a contento (pactum displicentiœ) é a contratada sob a condição de ficar

desfeita, se o comprador não se agradar da coisa vendida. Pode ser equiparada ao pacto de

revenda (retoemendi).

O pacto tem normalmente o efeito de condição suspensiva, podem as partes, no

entanto, dar-lhe o efeito de resolutiva.

Em qualquer dos casos, o contrato deve ser transcrito.

Qualquer ato de disposição praticado pelo comprador, importa a extinção do direito

derivado do pacto, e a venda torna-se irrevogável.


Se o comprador, exercendo seu direito, recusar a coisa comprada, é o caso de

simples averbação, que importa em cancelamento da transcrição, por não haver nova

transferência, mas apenas ter-se resolvido o contrato.

***

Preempção ou preferência

―Art. 1.149. A preempção, ou preferencia impõe ao comprador a obrigação de

oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este de

seu direto de preleção a compra, tanto por tanto.

Art. 1.150. A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietario o

imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, o caso não tenha o destino para que se

desapropriou.

[...]

Art. 1.152. O direito de preempção não se estende se não as situações indicadas

nos arts. 1.149 e 1.150, nem a outro direito real que não a propriedade.

[...]

Art. 1.156. Responderá por perdas e danos o comprador, se ao vendedor não der

ciência do preço e das vantagens, que lhe oferecem pela coisa.

Art. 1.157. O direito de preferencia não se pode ceder nem passa aos herdeiros.‖
O pacto de preferência (pactum protimiseos) não suspende a transferência do

domínio, não importa condição resolutiva, nem tão pouco confere direito real ao vendedor.

Quando infringida a obrigação, resolve-se, como determina o art. 1.156, por perdas

e danos; não anula, portanto a venda.

Sendo assim se compreende que não está o pacto sujeito ao Registro.

O pacto importa numa promessa unilateral de venda.

A compra por ventura efetuada pelo vendedor, usando do direito de preferência,

opera nova translação de domínio, e o seu contrato tem de ser transcrito; e não

simplesmente averbado.

***

Pacto de melhor comprador

―Art. 1.158. O contracto de compra e venda pode ser feito com a clausula de se

desfazer, se, dentro em certo prazo aparecer quem ofereça maior vantagem.

Parágrafo único. Não excederá de um ano esse prazo, nem clausula vigorá senão

entre os contratantes.

Art. 1.159. O pacto de melhor comprador vale por condição resolutiva salvo

convenção em contrario.

[...]

Art. 1.162. Se, dentro no prazo fixado, vendedor não aceitar proposta de maior

vantagem, a venda se reputará definitiva.‖


O pacto de melhor comprador (pactum addictionis in diem) vale por condição

resolutiva, determina o art. 1.159; podendo, no entanto, as partes estipular que valha por

condição suspensiva.

O Código o regula quando estabelecido em favor do vendedor, caso em verdade

mais comum. Equivale então ao pacto de retrovenda.

A diferença entre o pacto de retrovenda e o de melhor comprador é que, no

primeiro, o exercício do direito do vendedor é ilimitado, depende unicamente de sua

vontade, no segundo é subordinado à circunstância de encontrar quem mais vantagem

ofereça. O direito reservado ao vendedor, tanto num como noutro pacto, é o de resolver a

venda em seu interesse.

O Código fixa, porém, prazos diferentes para a caducidade do direito de resolução;

três anos, como vimos, na retrovenda, um ano no pacto de melhor comprador.

Aquele produzindo efeitos reais, independente da transcrição, este só vigorando

entre os contratantes, mesmo transcrito.

E assim lá se vai por terra a única justificativa da anomalia no caso da retrovenda.

O pacto de melhor comprador vale, segundo o art. 1.159, por condição resolutiva,

no entanto os seus efeitos só se produzem entre os contratantes, não acarreta os efeitos

reais, que se julgou impossível negar ao pacto de retrovenda.

O contrato da venda com esse pacto está sujeito à transcrição, e, resolvida a venda,

será ela cancelada por meio de averbação, e feita uma nova transcrição do contrato, que se

efetuar com quem mais vantagens ofereceu.

***
Pacto comissório

―Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia,

poderá o vendedor, não pago desfazer o contrato ou pedir o preço.

Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não

reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda.‖

Por Direito Romano o domínio não se transferia, mesma feita a tradição, enquanto o

preço não fosse pago114, salvo se o vendedor tivesse confiado no crédito do comprador, ou

se tivesse aceitado garantias.

Para evitar que se reputasse transferido o domínio, quando concedida qualquer

dilação para o pagamento, recorreu-se ao pacto reservati dominii, que importa em condição

suspensiva.

O pacto teve largo uso pela insegurança da hipoteca, dado o sistema das hipotecas

gerais e ocultas. Hoje o vendedor recorre de preferência ao pacto adjeto de hipoteca.

A venda podia, no entanto, ser feita com o pacto comissório, lícito quando adjeto a

qualquer contrato, exceto ao de penhor, em que era proibido ao credor ficar com a coisa

empenhada se a dívida não fosse paga no prazo estipulado.

114
Venditœ res et traditœ non alitem emptori adquiruntur quam si is venditori prœtium
solverit vel alio modo ei satisfecerit (Inst. Lº II Tít. I § 41 — De rerum div.)
A proibição do Direito Romano passou para o nosso Direito115 e foi consagrado no

art. 765 do CC. Fora daí ele é admitido e o Código no art. 1.163 o regula especialmente

quando adjecto ao contrato de compra e venda.

O pacto comissório, ou cláusula resolutiva expressa, opera a devolução do imóvel

para o vendedor, livre de todos os encargos, pelo efeito retroativo que lhe imprime a sua

natureza de condição resolutiva.

O contrato tem de ser transcrito com a condição resolutiva expressa no pacto.

Não pago o preço, para efetuar-se o cancelamento da transcrição, não basta o

simples pedido do vendedor, sob alegação de não ter sido pago, porque nenhuma segurança

oferece o pedido.

Parece-nos indispensável a intervenção judiciária, pois a alegação do vendedor pode

não ser verdadeira, ou estar ele reclamando o preço, o que impede a resolução, e ao Oficial

do Registro falta a autoridade para ordenar as diligências necessárias.

Pago o preço, é de boa cautela o comprador fazer averbar a irrevogabilidade de seu

domínio, exibindo a prova de pagamento.

Em vez desse pacto, usam às vezes de uma cláusula restritiva da disponibilidade,

estipulando que o comprador não poderá alienar, hipotecar ou de qualquer forma onerar o

imóvel enquanto o preço não for pago.

Pensam uns que nada havendo nessa cláusula, contrário às nossas leis, deve ela ser

averbada à transcrição, pois o domínio passa restrito para o comprador.

Pensam outros que não constituindo a cláusula direito real, nem tão pouco sendo

condição, os seus efeitos são pessoais, não devendo constar ao Registro, tanto mais que,

115
Ord. Livro 4, Título 56 pr. e § 1.º — Teixeira de Freitas. Ob. cit. art. 769 — Dec. 370, art.
377 — Carlos de Carvalho. Nova consolidação das leis civis, art. 681.
podendo o vendedor recorrer ao pacto comissório ou à hipoteca, se satisfez com a simples

obrigação assumida pelo comprador.

Argumentam os primeiros que assim como o não cumprimento de um encargo,

importa em resolução do contrato, por força da condição tácita; com maioria de razão, essa

cláusula expressamente consignada no contrato deve equivaler à condição resolutiva.

Atenda-se ainda, dizem eles, a que o domínio é suscetível de ser transferido com

restrições.

Pode-se doar um imóvel com a cláusula de inalienabilidade, que não sendo

condição, nem direito real, é, no entanto, averbada como restrição do direito de dispor; não

valendo apenas como simples obrigação do donatário.

Quando o imóvel é dotal, por ser inalienável na constância do matrimônio, é a

cláusula averbada à transcrição.

No fideicomisso há outro caso de domínio restrito; a cláusula fideicomissaria deve

ser averbada à transcrição da propriedade do fiduciário.

Não repugna, portanto, ao nosso Direito a transferência de domínio restrito quanto à

livre disposição, seja a restrição vitalícia ou temporária, sendo nulos os atos infringentes da

cláusula de inalienabilidade.

Se o pacto é lícito, se os atos que o infringirem são nulos, deve a cláusula aludida

ser averbada à transcrição da compra e venda, em que for estipulado.

Estamos com os segundos.

A restrição tem efeitos meramente pessoais.

Nos casos apontados os atos de disposição são nulos por força da lei, que reconhece

a legitimidade da restrição imposta, em bem do que se lhe afigurou interesses superiores da

sociedade.
A venda a crédito, e a garantia do pagamento do preço, está de outro modo

disciplinada, recusando o nosso direito ao vendedor a hipoteca legal, que algumas

legislações lhe concedem.

O Alvará de 04.09.1810, ao revogar a Ord. do Livro 4, Título 5.º, § 2.º, já havia

estabelecido que, fiando o vendedor o preço, tenha somente a ação pessoal para pedi-lo.

Tem, no entanto, o vendedor meios legais de acautelar-se contra prejuízos,

recorrendo à venda, quer sob condição suspensiva até o pagamento do preço, quer sob

condição resolutiva, se não for ele pago, ou ao pacto adjeto de hipoteca.

Fora daí só há efeitos pessoais, uma vez que a restrição convencional não se

enquadra em nenhuma das figuras de direito real em coisa alheia (art. 674).

***

Venda alternativa

A venda diz-se alternativa quando, por um preço determinado, se designam diversas

coisas, para ser apenas uma delas o objeto da venda, ficando a escolha dependente do

vendedor ou do comprador.

Nos termos do art. 884 do CC a escolha cabe ao vendedor (devedor), se outra coisa

não se estipular.

Há divergência entre os autores se deve ser transcrito o contrato antes de feita a

escolha ou realizado um fato, como o perecimento de uma das coisas, convertendo-o em


venda pura; divergência que se refletiu entre nós, entendendo o Sr. O. Machado116 que deve

ser transcrito e o Sr. Didimo117 que não deve.

Entre os que opinam pela transcrição, variam os fundamentos em que se apóiam.

Uns consideram a venda como feita sob condição suspensiva (a escolha); outros

entendem que é feita sob condição resolutiva, conferindo ao comprador direito imediato

sobre cada uma das coisas, e que a escolha resolve o direito sobre a que não foi escolhida.

Há quem opine dever nuns casos ser o contrato transcrito; noutros, não. É motivo de

decidir, considerar a quem compete a escolha, se ao vendedor ou ao comprador. Se ao

vendedor, não deve ser transcrito, porque a transferência depende da sua vontade, e só

depois de manifestada pode operar-se a transferência do direito. Se ao comprador, o seu

direito é imediato sobre todas as coisas compreendidas na venda; subordinado, porém, à

condição resolutiva, o direito sobre as que não foram escolhidas.

Há os que resolvem a questão procurando atender à intenção das partes pelas

circunstâncias que rodeiam a venda, e verificar se houve ou não vontade de transferir desde

logo o domínio: o que se deverá entender quando se estabelecer que seja imediatamente

transcrito o contrato.

Finalmente entendem outros que a transcrição só se deve efetuar depois da escolha.

Orientemo-nos, para resolver o caso, pelas disposições do Código Civil. Sujeitou

este à transcrição os atos entre vivos hábeis para desde logo transferir o domínio; assim

como os subordinados à condição suspensiva.

Examinemos se há na venda alternativa transferência imediata de domínio, ou

dependente de condição suspensiva.

116
Joaquim de Oliveira Machado. Manual do Official de Registro e das Hypothecas. § 166.
117
Direito Hipotecário.
Há transferência imediata?

Não; porque até o momento da escolha o objeto da venda não está determinado, não

se acha especializado, e a especialidade é um dos princípios que rege a transcrição e,

portanto, a transferência do domínio.

Pode-se reputar condição suspensiva o ato da escolha?

Não; porque a escolha é ato essencial à perfeição do contrato, e a condição constitui

um elemento acidental, cujos efeitos retroagem à data do mesmo, uma vez realizada; o que

não se dá com a escolha.

Se é da natureza da condição o efeito retroativo, se a escolha o não produz, a

cláusula alternativa não é uma condição.

O contrato não pode, portanto, ser transcrito antes da escolha.

***

Venda facultativa

A venda facultativa tem outro caráter. O objeto da venda é determinado, mas o

vendedor se reserva o direito de dentro em certo prazo substituir uma coisa por outra.

Há desde logo a transferência do domínio, embora sujeito a uma condição

resolutiva, qual o exercício do direito que se reservou o vendedor.

O contrato tem, portanto, de ser transcrito com a respectiva condição.

***
Promessa de venda

Antes da conclusão definitiva de um contrato, os contraentes entram em

combinações ou acordos preliminares, que muitas vezes revestem o caráter de projetos do

contrato que têm em vista.

Outras vezes, para assegurar a conclusão do negócio, as partes se obrigam nesses

acordos e, desde que os firmam, a concluir mais tarde o negócio.

Os antigos chamavam a isso pactum preparatorium ou de contraendo ou promessa

de contrato, os modernos os denominam — contratos preliminares.

Trata-se na verdade de contrato, que gera uma obrigação consistente em fazer, e

cujo objeto é a conclusão de um determinado contrato futuro.

Não sendo a promessa de venda um ato hábil para a translação, mas preliminar

desse ato, com o qual não é possível confundi-lo, é intuitivo que não deve ser transcrito.

Essa conclusão que parece muito simples tem, no entanto, determinado

controvérsia.

Estabelecendo distinção entre as promessas bilaterais e as unilaterais, sustentam

alguns autores que estas não devem ser transcritas, mas que aquelas devem; porque a

promessa bilateral não se pode considerar contrato preliminar, mas definitivo: — a

promessa de venda equivale a venda.

Essa opinião deriva-se na França do disposto no art. 1.589 do seu CC: ―La promesse

de vente vaut vente, lorsqu’il y a consentement réciproque des deux parties sur la chose et

sur le prix.‖
A influência exercida pela cultura francesa fez com que, fora da França, o mesmo se

sustentasse, embora não houvesse dispositivo legal semelhante ao preceito do Código de

Napoleão.

Entre nós não falta quem insista pela transcrição das promessas de venda.

Na França, mesmo contra a interpretação literal do artigo citado, se manifestaram

Troplong e Valdier; no entanto na Itália a jurisprudência tem acolhido como um axioma

jurídico que a promessa de venda equivale a venda118.

A opinião, embora sustentada por grande número de autores de nota, não é

consentânea com a razão, nem com os princípios gerais de direito.

A vontade dos contraentes, desde que não contrarie leis de ordem pública, tem toda

a força para regular as obrigações. E se a vontade claramente manifestada for a de não

concluir desde logo a compra e venda, mas só de futuro efetuar o contrato; como dar efeito

diverso?

A promessa de fazer um contrato de compra e venda não é, nem pode ser, o

contrato, que no futuro há de ser feito.

Uma coisa é fazer, outra, prometer fazer.

O contrato prometido, quando for celebrado, será o único hábil para a transferência

do domínio.

Só este poderá ser transcrito; a promessa, não, porque não produz efeitos reais.

Poderá parecer que as observações a propósito da promessa de compra e venda eram

desnecessárias; a prática, porém, nos convenceu da utilidade de fazê-las.

118
N. Coviello; ob. cit., vol. I, n. 149.
Título VI - Troca ou permuta

―Art. 1.164. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as

seguintes modificações:

I — Salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as

despesas com o instrumento da troca.

II — São nulas as trocas desiguais entre ascendentes e descendentes, sem

consetimento expresso dos outros descendentes.‖

Troca ou permuta é o contrato em que as partes se obrigam a prestar uma coisa por

outra, excluído o dinheiro.

Antes do aparecimento da moeda, era o único contrato a que se podia recorrer para

adquirir as coisas de que se necessitasse.

O aparecimento da moeda servindo de medida legal dos valores facilitou as

aquisições, e o contrato de compra e venda generalizou-se, substituindo a permuta, que

passou a um plano secundário.

É claro, portanto, que entre os dois contratos há íntima afinidade, por isso as

disposições que regem a compra e venda são aplicáveis à permuta, como declara o art.

1.164.

A troca ou permuta do mesmo modo que a venda está, portanto, sujeita à

transcrição.
O Regulamento 370, de 02.05.1890, [Regulamento /Decreto] reproduzindo a

disposição do art. 281 do Regulamento de 1865, diz: [Regulamento / Decreto 3.453 de

1865?]

―Art. 256. Quando o objeto da transcrição for uma permutação, ou sub-rogação de

imóveis, haverá duas transcrições, com referência recíproca e números de ordem seguidos

no Protocolo e no Livro de Transcrição [...].‖

A disposição é muito clara e não devia despertar dúvidas. No entanto elas surgiram.

O autor do Regulamento de 1865, profundo conhecedor do direito hipotecário e da

organização dos Registros, procurou, com a disposição clara e terminante desse artigo,

resolver a controvérsia suscitada entre os autores franceses, e que girava em torno dos dois

seguintes pontos:

1.º — Havendo vários interessados num contrato, a transcrição feita a requerimento

de um deles, aproveitará aos demais, que não a tiverem requerido?

2.º — É possível efetuar a transcrição escindindo o contrato? Isto é, é possível

deixar de transcrevê-lo no seu todo, para fazê-lo só na parte que interessar ao requerente?

Troplong, apreciando as dúvidas, opinou quanto ao primeiro caso: — que a

transcrição requerida por um aproveitava a todos os interessados, salvo no caso de permuta,

estando os imóveis em circunscrições diversas, pela necessidade de fazer-se a transcrição

em Registros diferentes.119

Quanto ao segundo caso ele fez uma distinção. Se se tratasse de ato complexo,

único na forma, mas contendo atos diferentes e independentes entre si, como a alienação de

diversos imóveis, e pretendesse o adquirente só a transcrição de um deles, que estivesse

119
M. Troplong. Priviléges et hypothèques commentaire de la Loi du 23mars 1855 sur la
transcription en matière hypothécaire, n. 910. [confirmar título que coloquei]
gravado, para promover a remissão; nenhum inconveniente podia haver em escindir-se o

contrato, para transcrevê-lo parcialmente.

Se, porém, se tratasse de ato indivisível, cujas cláusulas mantivessem entre si

estreita dependência, como acontece na permuta, ele manifestou-se pela impossibilidade de

escindir-se o contrato para só transcrevê-lo em parte.120

Verdier121 manifestando-se contra os que pretendiam que cada permutante fizesse

uma transcrição, entendia que a transcrição de um dispensava a do outro, porque a

transcrição, que fosse feita, bastava, por si só, para tornar públicas as mutações, e nada

justificava a duplicata.

E assim é na França, porque, como todos sabem, lá a transcrição se opera pela cópia

integral do título.

Mas a Lei de 1864, entre nós, adotara a transcrição por extratos, o que modificava a

questão.

Daí a providência do Regulamento que, para dirimir as dúvidas, estabeleceu que a

transcrição requerida por um aproveitava a todos; não se podendo excindir o contrato; e

como a transcrição se fazia por extratos, com dizeres próprios em cada coluna do livro

respectivo, dizeres que divergiam em cada uma das transferências, impunha-se a

necessidade de mais de uma transcrição.

Não conseguiu tão clara disposição do Regulamento interpretação pacífica, e em

1875, o Sr. M. de Freitas Pacheco publicava um artigo no Globo,122 censurando a

120
Troplong. Ob. cit., n. 911.
121
La Transc. Hip. n. 256.
122
O Direito, vol. 14, p. 667.
interpretação dada no art. 281 em várias comarcas, onde literalmente se observava a

disposição regulamentar.

Baseava-se o articulista em ser facultativa a transcrição, em não haver obrigação de

tutelar interesses alheios.

Rematava julgando inexeqüível o artigo, quando requerida a transcrição por um só

dos permutantes, pela necessidade da apresentação de dois traslados para neles se anotar

cada um dos números a que o artigo se refere.

É inconsistente a argumentação por confundir a faculdade de transcrever, com o de

excindir um ato conjunto, indivisível; e por encarar como tutela de direitos alheios o que é

apenas efeito decorrente da natureza da permuta, onde há duas transferências recíprocas,

inseparáveis uma da outra; por constituírem a essência do próprio contrato.

Nenhuma necessidade tão pouco há da apresentação de dois traslados; porque a nota

dos dois números do Protocolo e do Livro de Transmissões será lançada no traslado único

que for apresentado.

É esse o processo comum, de prática cotidiana, nos casos de compra e venda com o

pacto adjeto de hipoteca, e nos de anticrese com hipoteca, em que, com um só instrumento,

se efetuam dois Registros.

O ilustre Sr. Macedo Soares, quando Juiz de Direito de Mar de Espanha, em 1877,

decidindo uma consulta do Oficial do Registro da sua comarca, opinou que não se devia

fazer duas transcrições, quando o ato fosse requerido apenas por um dos interessados, não

só pelas razões aduzidas pelo Oficial consulente (eram idênticas às do artigo do Globo);

como porque, quando o outro permutante requeresse por sua vez a transcrição, haveria

duplicata de Registro e dobrado ônus.


Com o máximo respeito pela memória do ilustrado jurisconsulto, observaremos que,

apresentado a Registro um traslado referente a contrato já transcrito, não haveria duplicata,

porque o Oficial se limitaria a anotar no título os números do Protocolo e da transcrição já

efetuada.

Fundamentava ainda a decisão o fato de na permuta ocupar o imóvel transmitido o

lugar do preço do imóvel adquirido e, portanto, estar perfeita a transação, nada faltando ao

título para ser transcrito em nome de um dos adquirentes, operando seus efeitos em

benefício desse adquirente e de terceiros, preenchido portanto o fim da lei.

Não atendeu, porém, o abalizado mestre, a que o contrato de permuta não é feito

habita fide de prœtio, e que, transferindo-se o domínio pela transcrição, como outrora pela

tradição, não era possível a transcrição de um dos prédios, sem que se fizesse a do outro,

representativo do preço, a que pelo contrato estava cada uma das partes obrigada, a menos

que a lei não se tornasse em auxiliar da má-fé, facilitando ao que mais pressurosamente

corresse ao Registro, conservar em seu patrimônio os dois imóveis, para dispor novamente

do que houvesse dado em troca do que adquirira.

O Regulamento procurou obviar, tanto quanto possível, esse inconveniente; por isso

muito sabiamente dispôs que, apresentado um contrato de permuta, em que há dois atos de

transferência simultânea, houvesse duas transcrições sucessivas, porquanto sendo cada um

dos interessados ao mesmo tempo adquirente e transmitente, e devendo figurar cada um por

sua vez em colunas do livro diferentes, só era possível consegui-lo por meio de duas

transcrições separadas.123

123
Esse lado prático escapou ao exímio Lafayette, quando opinou que uma só transcrição
deveria bastar, reconhecendo no entanto que a lei exigia duas, por haver transferência recíproca
(Direito das Coisas, nota 12 do § 52).
É bem de ver que o Regulamento, além de conforme à doutrina, acautelou a boa-fé,

que deve presidir às transações, até onde lhe era possível.

Na hipótese de estarem situados os imóveis em circunscrições diversas, tecla

sempre batida pelos impugnadores do dispositivo regulamentar, a cautela se tornava

impossível, e ad impossibilia nemo tenetur.


Título VII - Dação em pagamento

―Art. 995. O credor pode consentir em receber coisa que não seja dinheiro, em

substituição da prestação que lhe era devida.

Art. 996. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as

partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.‖

A dação em pagamento (datio in solutum) é o contrato pelo qual o devedor dá ao

credor, a título de pagamento, bens em vez de dinheiro.

É um contrato essencialmente liberatório; não tem o fim contrahendi, mas antes o

distrahendi; destina-se a solver uma obrigação.

O pagamento é a prœstatio ejus quod debetur, a dação consiste em solvere aliud

pro alio, em prestar coisa diversa da devida.

Na forma do art. 996, determinado o preço da coisa, que se dá em pagamento,

aplicam-se a esse contrato as regras da compra e venda.

Quando a coisa dada em pagamento for um imóvel, o contrato tem de ser transcrito

para operar a transferência do domínio.


Título VIII - Transferência feita pelo sócio como quota de capital

A sociedade constitui uma entidade diferente da dos sócios, quando regularmente

organizada, com personalidade e patrimônio próprios; portanto quando um dos sócios traz

para a sociedade, como quota de capital, algum imóvel, tem de operar-se a transferência do

domínio para o patrimônio social; e o ato está sujeito à transcrição.

―Art. 1.373. Se a sociedade for de todos os bens, o domínio e a posse deles tornar-

se-ão comuns independentemente de tradição real, salvo o direito de terceiros.‖

Comentando este artigo, observa o ilustre Sr. Clovis que a translação do domínio de

imóveis não se deveria operar sem a transcrição, pois se compreende a dispensa, em se

tratando da sociedade conjugal, porque a comunhão universal procede da lei; não, porém,

tratando-se de outras sociedades universais.

O final da disposição ressalvando o direito de terceiros levará, com certeza, as

sociedades universais, derivadas de convenção, a transcrever em seu nome os imóveis,

impedindo por essa forma que os terceiros invoquem a presunção do Registro, para se

resguardarem de prejuízos, quando tenham contratado com o sócio, que do Registro

apareça como proprietário.


Título IX - Dote

―Art. 256. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto

aos bens, o que lhes aprouver (arts. 261, 273, 277, 283, 287 e 312).

Parágrafo único. Serão nulas tais convenções:

I - Não se fazendo por escritura pública.

II - Não se lhes seguindo o casamento.‖

―Art. 278. É da essência do regime dotal descreverem-se e estimarem-se cada um de

per si, na escritura antenupcial (art. 256), os bens, que constituem o dote, com expressa

declaração, de que a este regime ficam sujeitos.‖

―Art. 290. Salvo clausula expressa em contrario, presumir-se-á transferido ao

marido o domínio dos bens, sobre que recair o dote, se forem moveis, e não transferido, se

forem imóveis.

Parágrafo único. Só mediante clausula expressa adquirirá domínio o marido sobre

os imóveis dotais.

Art. 291. O imóvel adquirido com a importância do dote, quando este consistir em

dinheiro, será considerado dotal.

Art. 292. Quando o dote importar alheação, o marido considerar-se-á proprietário,

e poderá dispor dos bens dotais, correndo por conta sua os riscos e vantagens, que lhes

sobrevierem.
Art. 293. Os imóveis dotais não podem, sob pena de nulidade, ser onerados, nem

alienados, salvo em hasta publica, e por autorização do juiz competente, nos casos

seguintes:

I - Se de acordo o marido e a mulher quiserem dotar suas filhas comuns.

II - Em caso de extrema necessidade, por faltarem outros recursos para

subsistência da família.

III - No caso da primeira parte do § 2.º do art. 299.

IV - Para reparos indispensáveis á conservação de outro imóvel ou imóveis dotais.

V - Quando de acharem indivisos com terceiros, e a divisão for impossível, ou

prejudicial.

VI - No caso de desapropriação por utilidade publica.

VII - Quando estiverem situados em lograr distante do domicilio conjugal, e por

isso for manifesta a conveniência de vende-los.

Parágrafo único. Nos três últimos casos, o preço será aplicado em outros bens, nos

quais ficará sub-rogado.‖

O Código Civil mantendo a tradição de nosso direito reputa a comunhão o regime

dos bens entre os cônjuges, na ausência de pacto antenupcial, no qual segundo o art. 256

têm os nubentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver.

Entre os regimes regulados pelo Código se acha aquele em que há bens constituídos

em dote (arts. 278 a 311).

Em dois sentidos se toma o termo.

a) no sentido lato significando a doação feita para casamento, de que trata o Código

nos arts. 312 a 314.


b) no sentido estrito designando os bens que a esposa ou terceiros, por conta dela,

entregam ao esposo para, com seus frutos ou rendimentos, prover aos encargos do

matrimônio, com a obrigação de restituí-los, ou o seu valor, em certos casos, dissolvida a

sociedade conjugal.

É no sentido estrito que dele ora nos ocupamos.

Entre os romanos o marido adquiria o domínio dos bens dotais na constância do

casamento, exercendo sobre eles todos os direitos dominicais, dando-se a restituição só

depois de dissolvido o casamento.

A restituição se fazia em espécie, ou por estimação, atenta a natureza dos objetos,

ou as convenções anteriormente estabelecidas.

Nas legislações modernas o marido não adquire a propriedade dos imóveis dotais,

salvo declaração expressa.

O Código afastou a distinção anterior de ser o dote estimado taxationnis ou

venditionis causa, importando esta última a transferência do domínio para o marido.

Segundo o disposto no parágrafo único do art. 256, o dote tem de ser constituído por

escritura pública (reprodução do estabelecido no art. 134). Pelo art. 278, é da essência do

regime descreverem-se e estimarem-se os bens de cada um de per si na escritura

antenupcial, expressamente os sujeitando ao regime dotal.

Do destino assinalado ao produto dos bens dotais, de prover aos encargos do

matrimônio, decorrer a necessidade de ser inalienável o dote; pois impedir a sua livre

disposição é assegurar o fim a que se destinam os frutos.


A inalienabilidade do dote não provém da incapacidade da mulher, mas do vínculo

da dotalidade, por isso cessa com a dissolução da sociedade conjugal.124

Estabelece o Código Civil no art. 291 que se considera dotal o imóvel adquirido

com o dote, quando este consistir em dinheiro.

A disposição é devida a emenda do Senado; é contrária ao que dispunham os

Projetos (Projeto Clovis, art. 339; Projeto Rev., art. 364; e Projeto da Câmara, art. 299), e

afastou-se do direito francês125 e do italiano,126 segundo os quais o imóvel adquirido com o

dote em dinheiro, é incorporado pelo marido ao seu patrimônio, e não se reputa dotal.

A constituição do dote apresenta diferenças, segundo a pessoa que o constitui, a

natureza dos bens, e os pactos estipulados.

Se é a esposa que se dota com seus próprios imóveis, há um puro ato a título

oneroso para o marido, obrigado a administrá-los, aplicando os rendimentos aos encargos

do casal.

Não havendo transferência de propriedade, a constituição de dote pela esposa não

está sujeita a ser transcrita. Há, porém, a restrição da liberdade de dispor, o que é matéria de

averbação.

Se são os pais ou estranhos que dotam a esposa, constituindo o dote em bens

imóveis, há um ato duplo; um a título gratuito — a doação à esposa; — outro a título

oneroso — a administração conferida ao marido para fazer face aos ônus do matrimônio.

Está o contrato dotal sujeito à transcrição, pela transferência de domínio derivada da

doação; averbada a cláusula dotal, que importa a inalienabilidade.

124
Chironital Ist. D.C. I. vol. II § 309.
125
CC, art. 1.553.
126
CC, art. 1.403.
Igualmente tem de ser transcrito quando, por estipulação expressa, lhe for

transferida a propriedade do imóvel dotal.

Nenhuma averbação neste último caso há a fazer porque, no contrato, o esposo

figura de um lado como adquirente do imóvel que lhe é transferido, e de outro como

administrador do dote; mas recebendo o imóvel dado em dote, a restituição tem objeto

diferente — o seu valor.


Título X - Arrematação e adjudicação em hasta pública

A arrematação e adjudicação em hasta pública é uma venda, revestida de formas

solenes, sob a autoridade judicial.

Pondo de parte as teorias construídas quanto à natureza das relações, que se formam

no ato dos lanços, assunto por demais doutrinário, observaremos apenas que em tais vendas

é indiscutível a intenção de vender a quem maior oferta fizer.

A venda em hasta pública ou pode ter um caráter voluntário, quando requerida de

comum acordo pelos interessados, ou um caráter forçado, por imposição da lei.

No primeiro caso ela tem os característicos de contrato, porque há o acordo de

vontades do proprietário vendedor e do comprador; no segundo caso assume feição diversa,

porque se prescinde em absoluto da vontade do proprietário. A obrigação legal de deixar

vender os bens para pagamentos dos débitos não é a vontade de vender, essencial para a

formação do contrato.

Os credores agem por direito próprio, e não como representantes do proprietário

devedor; o magistrado é a autoridade que preside à venda, atento a que sejam observadas as

formalidades legais para a validade da mesma.

Se o ato é hábil para a transferência do domínio, é por força da lei e não pelo acordo

de vontades, como acontece no caso de sucessão, e no de desapropriação por utilidade

pública em que a lei declara transferido o domínio, pela indenização do valor.

Fora daí só existe ficção e ficção inútil.


A arrematação e adjudicação nas execuções não é um contrato de venda, mas um

ato unilateral a título oneroso que, por força da lei, é hábil para a transferência da

propriedade.
Título XI - Doação

―Art. 1.165. Considera-se doação o contracto em que uma pessoa, por liberalidade,

transfere do seu pratimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita.

Art. 1.166. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita, ou não,

a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro nele, a declaração,

entender-se á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

Art. 1.167. A doação feita em contemplação do merecimento do donatario não

perde o caracter de liberalidade, como o não perde a doação remuneratoria, ou a gravada,

no excedente ao valor dos serviços remunerados, ou ao encargo imposto.

[...]

Art. 1.169. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelos pais.

Art. 1.170. As pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar

doações puras.

[...]

Art. 1.173. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e

determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou

aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de

aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio,

se sobreviver ao donatário.‖

A doação é um dos dois modos de disposição gratuita, admitidos pelo Código.


Da definição do Código se depreende que para existir doação, é imprescindível a

transferência de bens ou vantagens do patrimônio do doador para o do donatário; nada, em

troca, recebendo aquele; porque se receber dinheiro, o contrato será de compra e venda, se

receber uma outra coisa haverá permuta.

Não quer isso dizer que a doação deva ser obrigatoriamente gratuita, ela pode ser

onerosa ou com encargos.

Sendo um contrato, exige o acordo de vontades, que se traduz pela aceitação

expressa ou tácita do donatário; a qual não pode mais hoje ser feita pelo Tabelião, como

permitia a Ord. do Livro 4, Título 63 pr.

Não sendo em contemplação do casamento tem o contrato de ser aceito pelo

próprio donatário ou seus representantes legais, representado o nascituro pelos pais; e

suspensa a incapacidade dos que não puderem contratar, para o efeito de aceitarem as

doações puras.

A aceitação pode constar do mesmo ato ou de ato separado.

O Código tratando da doação só se refere ao contrato, em que há transferência de

bens do patrimônio do doador para o do donatário. Foram, portanto, abolidas as

vulgarmente chamadas doações causa mortis, isto é, as promessas revogáveis de

transferência de bens, para depois da morte do promitente, salvo feitas em contrato

antenupcial nos termos do art. 314.

Das verdadeiras doações causa mortis o Código só manteve a que estipular a

reversão dos bens, no caso de sobreviver o doador ao donatário.

Distingue o Código as doações feitas por mera liberalidade, as remuneratórias, as

oneradas com encargo, as que se fazem em cumprimento de obrigação natural e as feitas

em contemplação de casamento.
O doador pode fazê-la para recompensar serviços que lhe foram prestados, e diz·se

remuneratória; ou para que o donatário satisfaça encargos, a que fica a doação subordinada.

Na remuneratória o valor desta pode exceder ao do serviço economicamente

apreciado; assim como na onerada com encargo, pode ela exceder ao valor do encargo; o

contrato reputar-se-á no excesso como gratuito; e oneroso na parte equivalente ao serviço

ou encargo.

A não ser a doação para casamento, as demais não podem ser transcritas antes de

aceitas; porque até o momento da aceitação ato é inábil para transferir o domínio.

A doação para casamento independe de aceitação para sua validade. E como só

produz efeito, depois de realizado o casamento, está no caso dos contratos subordinados à

condição suspensiva; deve, portanto, ser transcrita desde que é feita.

Não se realizando o casamento, será cancelada a transcrição, averbando-se o fato,

mediante ordem da autoridade judiciária, depois de verificado o inadimplemento da

condição.

Segundo o art. 1.174, a doação pode ser feita com a cláusula de reversibilidade para

o doador, sobrevivendo este ao donatário.

Essa cláusula é uma verdadeira condição resolutiva que opera pleno fure,

extinguindo todos os direitos que a terceiros possa ter concedido o donatário.

Tem de ser transcrita e sempre constar das transcrições posteriores, embora nos

subseqüentes contratos a essa cláusula não se faça referência; até que seja averbada a

sobrevivência do donatário, determinando a irrevogabilidade de seu domínio, ou a do

doador, importando a resolução dos direitos, que o donatário pudesse ter concedido.

***
Revogação da doação

―Art. 1.181. Além dos casos comuns a todos os contratos, de doação também se

revogam por ingratidão do donatário.

Parágrafo único. A doação onerosa poder-se-á revogar por inexecução do encargo,

desde que o donatário incorrrer em mora.‖

―Art. 1.186. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por

terceiro, nem obriga o donatário a restituir os frutos, que percebeu antes de contestada a

lide; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas

doadas, a indenizá-las pelo meio termo de seu valor.

Art. 1.187. Não se revogam por ingratidão:

I — As doações puramente remuneratórias.

II — As oneradas com encargo.

III — As que se fizerem em cumprimento de obrigação natural.

IV — As feitas para determinado casamento.‖

O Código firmou um ponto contraverso em nosso direito127: a supervediência de

filhos não autoriza a revogar-se a doação.

127
Teixeira de Freitas. Consolidação..., art. 430 nota 14.
O caso do parágrafo único do art. 1.181 é a aplicação do art. 119, é um caso de

condição resolutiva tácita, que opera por interpelação judicial.

A revogação por ingratidão oferece um caráter de pena, com ela procura a lei punir

o donatário ingrato. Poder-se-ia dizer que é uma condição resolutiva a que se acham

subordinadas as doações. A conseqüência desse caráter de pena, diz Plainol,128 é paralisar o

efeito retroativo ordinário das condições resolutivas; e assim o dispõe o art. 1.186.

Não se revogam por ingratidão as doações, que não forem de pura liberalidade, e as

feitas para casamento.

O direito anterior ao Código, tendo adotado o sistema imobiliário francês,

melhorando a organização do Registro, a ele, no entanto, não sujeitou o pedido de

revogação, como faz o art. 958 do Código de Napoleão.

Sob o regime do nosso Código, dever-se-ão averbar no Registro competente as

ações que impliquem revogação ou resolução de domínio.

128
M. Planiol e G. Ripert. Traité Pratique de Droit Civil Français. Vol. III, n.
2.637.
Título XII - Partilha em vida feita pelo pai

―Art. 1.776. É válida a partilha feita pelo pai, por ato entre vivos ou de última

vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.‖

―Art. 1.171. A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima.‖

―Art. 1.175. É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda

suficiente para a subsistência do doador.

Art. 1.176. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador,

no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.‖

―Art. 1.786. Os descendentes, que concorrerem à sucessão do ascendente comum,

são obrigados a conferir as doações e os dotes, que dele em vida receberam.

[...]‖

―Art. 1.790. O que renunciou à herança, ou foi dela excluído, deve, não obstante,

conferir as doações recebidas, para o fim de repor a parte inoficiosa.

Parágrafo único. Considera-se inoficiosa a parte da doação, ou do dote, que exceder

à legítima e mais a metade disponível.‖

Aproximamos do art. 1.776 os demais artigos acima transcritos, aos quais fazemos

referência ao estudar o instituto acolhido pelo Código Civil.


A disposição do art. 1.776 não figurava no Projeto primitivo. Foi introduzido pela

Comissão revisora e contra ela se manifestou o ilustrado autor do Projeto, por ser contrária

à tradição do nosso direito, opinando que, a subsistir devia a providência ser revestida de

formalidades especiais lembradas pelos praxistas, idênticas às que se exigiam para as

doações. Prevaleceu, porém, o voto dos Srs. Olegário, Barradas, Lacerda de Almeida e

Amphilophio129.

O Sr. Alencar Guimarães, no parecer apresentado à Comissão Especial da Câmara

dos Deputados, reconheceu que entre nós não existia esse modo de partilhar os bens,

havendo em regra contratos de doação entre pai e filho, e que a nova forma de partilha

firmada pelo dispositivo tinha utilidade.130

Os nossos autores sempre foram contrários à partilha em vida para a qual não

encontravam assento em nosso direito; encarando-a, uns, como pacto sucessório proibido; e

outros como verdadeira doação.

O art. 1.776 firmou a validade da partilha em vida feita pelo pai, desde que não

ofenda as legítimas, única restrição imposta.

A partilha em vida pelos ascendentes consagrada no Código Civil francês e nos que

o seguiram, ensinam os autores, vai buscar seu fundamento na demission des biens do

antigo direito francês, e que era uma espécie de liberalidade, pela qual o ascendente

transmitia imediatamente os bens a seus descendentes como sucessão antecipada131. O seu

intuito é evitar a desarmonia entre os filhos — ut a fraterno certamine filios prœservet, e

129
Trabalhos relativos à elaboração do Código Civil. Vol. I. Ata da 11.ª reunião (2.ª série).
130
Trabalhos da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Vol. III.
131
Planiol. Ob. cit., vol. III, n. 3.352. Emidio Pacifici Mazzoni. Codice Civile Italiano
Commentado. Vol. X, n. 194.
também atender ao interesse pecuniário, poupando despesas, muitas vezes exageradas nas

partilhas judiciais.

O art. 1.776 declara válida a partilha feita por ato entre vivos ou por testamento;

uma, porém, não se confunde com a outra.

A testamentária refere-se aos bens da sucessão da herança, os filhos sucedem a

título universal, continuam a personalidade do testador.

A partilha em vida não despoja o pai da sua personalidade, porque a ninguém é

lícito por simples ato de sua vontade, despojar-se da personalidade jurídica, em cujo

conceito se compreendem deveres superiores à vontade individual.

Na testamentária, a divisão se faz entre co-herdeiros, na feita por ato entre vivos, os

filhos são simples donatários dos bens distribuídos; embora, uma vez aceita, devam

respeitá-la como divisão de herança por eles mesmos feita, e desde que as suas legítimas

não tenham sofrido ofensa.

A partilha testamentária é ato declaratório, a feita em vida é translatício; porque a

divisão declaratória pressupõe a comunhão, e a que é feita por ato entre vivos procura

justamente evitá-la no futuro.

Não é possível, no entanto, negar que a partilha em vida liga-se intimamente à

sucessão, porque o pai ao partilhar os bens, divide antecipadamente a herança, como

desejaria que por sua morte fosse dividida, no dizer do Senado da Sabóia.132

Não é possível identificar a partilha em vida com as doações comuns, já reguladas

no art. 1.171 e seguintes, porque então o art. 1.776 teria apenas declarado válida a doação

feita pelos pais aos filhos.

132
Motivi del Cod. Albertino II-227 cit. per Pacifici Mazzoni, ob. e vol. cit.
Mas é lícito não só aos pais, como a quem quer que seja, validamente doar seus

bens, e o dispositivo seria uma superfluidade; no entanto o que se passou no seio da

Comissão revisora, onde foi voto vencido o do eminente autor do Projeto primitivo,

convence do contrário.

A partilha em vida é um ato misto de doação e divisão, por importar transferência

de propriedade entre vivos e ao mesmo tempo distribuir os bens entre os filhos.

A doação dos pais aos filhos reputa-se, nos termos do art. 1.171, adiantamento de

legítima, devendo vir a colação, não para argumentar a parte disponível, mas para igualar as

legítimas.

A partilha em vida, como ato divisório, incide nas legítimas e na parte disponível, só

encontrando a restrição de respeitar as legítimas e, portanto, é permitido ao pai distribuir os

bens da sua quota disponível, pelo modo que entender e a lei lhe facultar; sendo inaplicável

o art. 1.176.

Justamente por ser irrecusável essa faculdade ao pai, foi que ao discutir-se o Projeto

do Código Civil francês, no Conselho de Estado, houve forte oposição ao seguinte

dispositivo: ―A divisão será também nula se o pai ou mãe, ou outro ascendente, tiver feito

qualquer disposição entre vivos ou por testamento em vantagem de um ou de alguns dos

filhos‖.

Não é possível, diziam os impugnadores, privar os pais, no caso de divisão, da

faculdade de distribuir a sua quota disponível apenas por alguns de seus filhos ou mesmo

atribuí-la a um só.

Diante da impugnação foi modificado o art., que é hoje o art. 1.098, assim redigido

nessa parte: ―...il pourra l’être (attaquée) aussi dans le cas où il resulterait du partage et des
dispositions faites par préciput, que l’un des copartagés aurait em avantage plus graud que

la loi ne le permet.‖

Assim, na partilha em vida, não há como igualar as quotas divididas entre os filhos,

que poderão ser aquinhoados desigualmente, e o que exceder à legítima tem que se admitir

como liberalidade por conta da parte disponível, como nos casos de doação comum, quando

o pai expressamente o declara, ou quando o filho donatário se abstem da herança, nos

termos do art. 1.790.

Outra diferença notável está na superveniência de mais um filho após a divisão por

ato entre vivos.

Na doação, a superveniência de um filho nem sequer é justa causa para revogá-la; a

partilha em vida se anula dada, a sobrevivência desse filho, aberta a sucessão.

Ensinam os mestres que só no momento da sucessão ela se anula, porque só então se

pode verificar se falhou o intuito paterno de evitar a comunhão.

É por ligar-se a partilha em vida à futura sucessão, e por antecipar a herança, que

Bonelli133, reconhecendo operar-se por ela a transferência da propriedade, sustenta, não ser,

como na doação, definitiva a transferência.

A partilha, segundo ele, é a causa imediata da aquisição da propriedade, mas de uma

propriedade; que tem uma outra causa, preexistente na divisão entre co-herdeiros, futura na

partilha em vida. [parágrafo confuso]

Exerce uma função provisória, o que impede confundi-la com as doações comuns.

133
Citado por Coviello.
Conteste-se a construção jurídica de Bonelli, o que ninguém poderá contestar, é que

há pontos de divergência entre as doações comuns e a partilha feita pelo pai por ato entre

vivos.

Julgamos de utilidade as considerações em torno do instituto, novo entre nós,

embora estejam elas um pouco além dos limites deste trabalho.

Como ato, que importa a transferência de propriedade entre vivos, está a partilha em

vida feita pelo pai, sujeita à transcrição.


Título XIII - Transação

―Art. 1.027. A transação interpreta-se restritivamente. Por ela não se transmitem,

apenas se declaram ou reconhecem direitos.‖

Não mencionamos a transação entre os atos sujeitos à transcrição, porque a

transação é o ato pelo qual os interessados, fazendo-se recíprocas concessões previnem um

litígio ou o terminam. O seu fim é remover a incerteza do direito.

Pode transigir quem pode alienar; por isso o tutor ou o curador, só quando

autorizados pelo juiz, poderão transigir a respeito dos negócios do tutelado ou curatelado;

assim como o procurador necessita, para o ato, de poderes especiais.

Se a transação é ato meramente declarativo ou recognitivo não está sujeita a ser

transcrita no Registro; no entanto muitas vezes ela envolve uma compensação

remuneratória, recebendo as partes determinada coisa.

Se a coisa recebida for um imóvel, haverá necessidade de transcrição.

Além dessa hipótese, quando o direito duvidoso constar de uma transcrição,

devendo esta, em virtude do acordo ficar sem efeito, dever-se-á averbar a transação,

operando como retificação do Registro na forma do art. 860 pr.

O que se dá com a transação nas hipotecas apontadas, dever-se-á observar com

respeito a todo e qualquer ato, judicial ou extrajudicial, que determine transferência de

propriedade imóvel.
Título XIV - Divisão

―Art. 629. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum.

Parágrafo único. Podem, porém, os consortes acordar que fique indivisa por termo

não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.‖

―Art. 631. A divisão entre condôminos é simplesmente declaratória e não atributiva

da propriedade.‖

―Art. 641. Aplicam-se, nos casos omissos, à divisão do condomínio as regras de

partilha da herança (arts. 1.772 e seguintes).‖

―Art. 1.773. Se os herdeiros forem maiores e capazes, poderão fazer partilha

amigável, por instrumento público, termo nos autos de inventário, ou escrito particular,

homologado pelo juiz.

Art. 1.774. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como

se algum deles for menor, ou incapaz.‖

―Art. 1.580. Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, várias pessoas,

será indivisível o seu direito, quanto a posse e ao domínio, até se ultimar a partilha.

[...]‖

A propriedade é um direito exclusivo, portanto, é impossível o domínio de mais de

uma pessoa sobre a mesma coisa, em toda a sua extensão; no entanto ele se pode apresentar
dividido por partes ideais entre várias pessoas. Dá-se então o condomínio; há mais de um

dono para a mesma coisa.

O direito de cada proprietário não se fixa sobre uma parte determinada da coisa

comum, mas sobre uma quota, parte do todo, exprimindo-se por uma designação numérica

1/3 ¼ a metade etc.

Há a indivisão da coisa.

As diversas faculdades contidas no direito de propriedade não se dividem isto é, a

unidade de seu conteúdo não se altera; a propriedade se acha dividida apenas na sua

extensão; há, como diz Dernburg134, uma concorrência de direitos iguais que de certo modo

se limitam pela necessidade de sua coexistência.

O condomínio pode resultar da convenção, da herança, que é a sua origem mais

freqüente, ou de um fato independente da vontade.

Para fazer cessar o condomínio recorre-se à divisão, pelo qual se atribui, à cada

propriedade, uma parte divisa, uma parte determinada, correspondente à parte abstrata do

seu direito.

Divisão nem sempre significa separação material das partes da coisa, mas atribuição

a cada condômino de uma quota exclusiva correspondente a seu direito, podendo atribuir-

se, a um, a propriedade exclusiva da coisa inteira, e aos outros o direito exclusivo às quotas

de indenização a que aquele fica obrigado.

A divisão é o ato jurídico que faz cessar o condomínio, fixando o direito exclusivo

de cada co-proprietário sobre quinhões determinados.

134
Diritti Reali cit., § 195.
A divisão localiza o direito de propriedade, diz Planiol.135

Por Direito Romano a divisão nem era uma venda nem uma permuta, tendo, no

entanto, certa analogia com qualquer dos dois contratos, — quasi permutatio, vicem

venditionis — são expressões dos textos.

Aproximava-se da venda quando um dos condôminos recebia a coisa o preço, à

permuta nos demais casos. Era uma alienação inominada, uma renúncia mútua ao direito

sobre a comunhão ou sobre as partes que se atribuíam exclusivamente a cada um dos outros

condôminos, proporcionalmente às suas quotas; era a transmissão do direito do condomínio

de um em favor dos outros, que por sua vez transmitiam seu direito de condomínio sobre

outras coisas, ou pagavam um preço.

A parte certa atribuída a cada condômino tornava-se absoluta propriedade de cada

um, desde a tradição, se dividido o condomínio amigavelmente; ou desde a adjudicação, se

dividido judicialmente, cercando-se o ato de cautelas para o caso de evicção, porque as

partes certas passavam para os que as adquiriam gravadas com os ônus, que durante a

comunhão, embora ignorados, houvessem sido impostos por qualquer dos condôminos.

O condômino podia alienar toda ou parte da sua quota nos bens comuns, podia

mesmo alienar a parte de um dos bens do condomínio, parte ideal, incerta.

Como em outro lugar já dissemos, o adquirente de toda a quota indivisa da herança

ou da comunhão se substituía inteiramente ao alienante e para sair da indivisão recorria á

ação utile familiœ esciscumdœ ou communi dividundo.

Se, porém, o herdeiro alienasse um objeto ou parte de sua quota, o objeto alienado

saía da comunhão hereditária e o adquirente teria de recorrer à ação communi dividundo

135
Traité Pratique de Droit Civil Français. Vol 1.º, n. 1.149.
para fazer a divisão porque à ação utile familiœ erciscumdœ só tinha direito o cessionário

da parte do universum jus.

Assim como podia o herdeiro alienar, podia hipotecar, e o credor hipotecário tinha o

direito de fazer vender a coisa hipotecada, embora indivisa, e o comprador da coisa

tornava-se condômino em lugar do devedor.

O condômino, não devedor, podia provocar o credor a fazer a divisão; mas se esta se

fizesse sem ter sido ele provocado, nenhum prejuízo lhe advinha; porque a quota ideal, que

lhe tivesse sido hipotecada, continuava obrigada do mesmo modo.

Assim, por exemplo, no caso de dois condôminos; hipotecando um deles metade de

uma das coisas comuns, se na divisão fosse metade dela adjudicada a cada um, qualquer

das duas metades ficava por metade hipotecada, mesmo a do condômino não devedor.

Isso era a conseqüência de ter ficado a coisa na sua totalidade sujeita ao vínculo, na

proporção da parte hipotecada; de sorte que não havia como evitar que, dividida ela, o

vínculo a acompanhasse proporcionalmente nas suas diversas frações.

Por Direito Romano como se acaba de ver, não só a divisão era translativa da

propriedade, como os ônus que gravassem as coisas comuns, as acompanhavam em poder

daqueles a quem fossem atribuídas.

Estes princípios do Direito Romano foram, no seu ressurgimento, aceitos em toda a

Europa.

A essência da comunhão ficou expressa na fórmula — tota in toto, et tota in

qualibet parte; e a divisão foi por todos aceita como uma transmissão de propriedade, que

passava para o condividente sujeita aos ônus reais com que um dos condôminos a tivesse

gravado.
Surgiu, porém, controvérsia se, em se tratando de divisão de emfitense ou feudo

entre co-herdeiros, seria devido o laudêmio, a investidura e o imposto fiscal; observando-se

que, na divisão, entre co-herdeiros, da emfitense ou feudo, nenhum dos herdeiros adquiria

coisa nova, apenas se tornava certa a parte incerta de cada um. Assim libertou-se a divisão

do pagamento do laudêmio e da investidura.

O novo princípio, de não ser a divisão translativa de direito, que já não tivesse o

condômino, foi acolhido pelo parlamento francês no século XVI por motivos políticos e

fiscais, apesar da viva oposição do célebre Molineu, que a qualificou de heresia jurídica, e

assim era segundo o Direito Romano, diz Mirabelli,136 a quem vimos acompanhando nesta

exposição.

A inovação tornou-se o direito consuetudinário francês. O direito canônico

consagrou o mesmo princípio.

O Código Civil francês no começo do século passado acolheu no art. 838 o

princípio de não ser a divisão translativa, o que foi aceito no art. 631 do mesmo Código

Civil, em contrário ao que dispõe o Código austríaco no § 847 e a considera o direito

prussiano.137

Em relação aos efeitos dos direitos que gravassem a parte ideal da coisa comum foi

se admitindo, em contrário ao Direito Romano, que a parte, que não fosse atribuída ao

devedor, ficaria livre do vínculo.

____

136
Del diritto dei terzi secondo il Codice Civile italiano. Vol. I, p. 160 e seguintes.
137
Dernburg Lurbuch des press. Privatrechts I § 82 cit. por Coviello.
O art. 631 reconhece caráter declaratório à divisão. Este princípio, explica o sábio

autor do Projeto,138 quer dizer que cada um dos condôminos se reputa dono exclusivo da

parte que lhe coube na indivisão, desde que se estabeleceu a comunhão. Portanto nenhum

direito lhe cabe sobre o que tocou a outro, nem tão pouco a sua parte responde pelas dívidas

pessoas do ex-consorte.

Disto se conclui que o Código Civil, tendo modificado o sistema imobiliário

anterior e acolhido o princípio da força probante da transcrição, acompanhou aos que, como

Besson, nas suas propostas de reforma da publicidade, entendiam conservar à divisão o seu

caráter declaratório.139

N. Coviello140 mostra a inconveniência da natureza declarativa da divisão, a par do

princípio da força probante.

Quem adquire um direito, diz o ilustre autor italiano sobre um imóvel indiviso

confiando numa transcrição, que lhe assegura ter o concedente uma cota parte ideal no

imóvel, e da qual validamente pode dispor, deve estar seguro de haver adquirido um direito,

nos limites da quota do concedente. Mas a retroatividade da divisão, anulando o direito

concedido, viola o principio da fé pública, que se quer conferir à transcrição. Ao passo que,

dado o caráter translativo à divisão, o princípio da força probante fica salvo. O direito

adquirindo fundando-se numa transcrição de compropriedade não desaparece, toque a quem

tocar o imóvel, nos limites, bem entendido, da cota do concedente.

138
Clovis Bevilaqua. Código... cit., obs. I art. 631.
139
Ob. cit., p. 436 e 437.
140
Della transcrizione, vol. 1.º, n. 83.
Assim a garantia que com a publicidade se quer oferecer aos terceiros é completa;

como deve ser, uma vez acolhido o sistema germânico de publicidade, pelo qual devem ser

mantidos os direitos que terceiros tenham adquirido durante o condomínio.

O inconveniente poderia ter sido minorado em relação à hipoteca, se tivesse sido

aceita a disposição do Projeto primitivo, que exigia para ela o consentimento de todos os

condôminos. Infelizmente entendeu-se ser muito radical a disposição.

No entanto o inconveniente do princípio consagrado no art. 631 foi atenuado para a

comunhão hereditária, origem mais freqüente do condomínio, pelo art. 1.580, declarando-se

indivisível o domínio e posse dos bens da herança até á partilha, e como é condição da

hipoteca de coisa comum a divisibilidade (art. 757), a disposição citada impede que

qualquer dos co-herdeiros hipoteque seu quinhão, como também obsta que qualquer deles

venda a quota parte sobre determinado imóvel, porque, como em outro lugar dissemos, a

indivisibilidade impede esse fracionamento.

Terminaremos estas observações fazendo sentir que entre nós não é admissível, como

na França141, na Itália142 e como na Alemanha era até a promulgação do Código Civil143, a

divisão inconvenientíssima das casas por planos horizontais, que é contrário aos preceitos

do nosso direito, consagrados no Código Civil, mantendo a trdaição do Direito Romano.

A propriedade superficiária, a que aludem escritores franceses e italianos, é

impossível entre nós, porque a propriedade do solo arrasta sempre a das acessões.

141
CC, art. 664 – Planiol, n. 1.177.
142
Código Civ. Art. _________ - C. F. Gabba. Quistioni di Diritto Civile. Vol. I, p. 138.
143
CC, art. 1.014 – Lei de Introdução, art. 132 – Dernburg Pandette. Diritti reali, nota 3 ao §
76.
A divisão, ainda que declaratória, está sujeita à transcrição, porque o art. 532 a ela

submetendo as divisões judiciais, com maioria de razão têm de ser transcritas as

extrajudiciais.
Título XV - Usucapião

―Art. 550. Aquele que, por trinta anos, sem interrupção, nem oposição, possuir

como seu imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé, que, em

tal caso, se presumem; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual

lhe servirá de título para a inscrição no registro de imóveis.

Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele quem, por dez anos entre

presentes, ou vinte entre ausentes, o possuir como seu, continua e incontestadamente, com

justo título e boa fé.

Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município, e

ausentes os que habitam municípios diversos.

Art. 552. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos

antecedentes, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam

contínuas e pacíficas.‖

***

O Código, explica o egrégio autor do Projeto, denominou usucapião a prescrição

para evitar confusões provenientes da identidade de certos cânones, que formam o tecido
dos dois institutos: — a prescrição propriamente dita ou liberatória e o usucapião ou

prescrição aquisitiva.144

Os romanos, compreendendo a necessidade de libertar a propriedade de incertezas,

recorreram ao expediente de reconhecer como dono das coisas, aquele que, em tal caráter,

durante certo lapso de tempo as possuíssem.

Embora às vezes pudesse ser prejudicado um proprietário legítimo, a medida se

justificava pelo interesse maior da utilidade comum, do bem público, que exigia esse

sacrifício.145

Era o que se chamava usucapião, definido nos textos como o modo de adquirir o

domínio pela posse contínua durante um tempo determinado em lei.

E a aquisição se dava pela posse de 10 ou 20 anos, com justo titulo e boa-fé, ou pela

de 30 anos, de boa-fé, ainda que sem justo título.

O primeiro modo denominava-se usucapião ordinário, o segundo extraordinário:

sendo diversos os fundamentos de um e outro. O extraordinário fundava-se a princípio

numa exceção, contra a ação de domínio já prescrita, até que Justiniano lhe deu uma

vindicatio, transformando assim a exceção em aquisição da propriedade.

O usucapião ordinário do Direito Justinianeo é o resultado da fusão de dois

institutos diversos — o usucapião e a longi temporis prœscriptio, aquele do direito

quiritário, esta do direito das gentes.

A Lei das XII Tábuas estabelecia que os imóveis seriam adquiridos por usucapião

em dois anos, as demais coisas em um. Como instituto de direito civil o usucapião só era

144
Código Civ. vol. 3.º obs. 1 ao art. 550.
145
Bono publico usucapio introducta est ne scilicet quarundam rerum diu et fere semper
incerta dominia essent (Dig — De Usurp et Usuc. Lº 41 Tít. 3.º frs. 1).
possível aos cidadãos romanos, tendo por objeto coisas suscetíveis de propriedade

quiritária.

Para os imóveis provinciais e para as aquisições de coisas móveis por parte dos

peregrinos introduziu-se a longi temporis prœscriptio, para a qual se exigia a posse pacífica

durante 10 anos inter prœsoentes, isto é, para os interessados que morassem na mesma

província, e 20 inter absentes, concedendo-se ao prescribente ação de vindicação quando

perdesse a posse em que pacificamente tivesse estado durante esse lapso de tempo.146

No império do Oriente, em que todos os súditos eram cidadãos romanos, as coisas

móveis se adquiriam por usucapião; mas os imóveis fazendo parte do antigo território

provincial, salvo nos lugares que gozassem do jus italicum, se adquiriam pela longi

tempores proœscriptio.

Desses dois institutos de origem diversa foi que Justiniano formou um só,

subtraindo as coisas imóveis ao usucapião e as móveis à longi temporis proescriptio, que

estendeu àquelas.147

Foram os dois casos de usucapião com fundamento diverso na sua origem — o

ordinário e o extraordinário — que passaram para o direito moderno considerados modos

de adquirir.

O art. 550 regula o usucapião extraordinário, ou de 30 anos; o art. 551, o ordinário,

de 10 e 20 anos, este exigindo justo título que em regra deve estar transcrito, se dará

secundum tabulas; aquele não requerendo título pode efetuar-se contra tabulas.148

146
Dernburg Pandette. Diritti reali, § 219.
147
Bernardo Windscheid. Diritto Delle Pandette. § 175. Trad. Fadda e Bensa. Código L.
6, Tít. 31. Const. Uni de Justiniano. De Usucapione transformanda et sublata differentia renum
mancipi et nec mancipi. [confirmar]
São requisitos do usucapião ordinário:

I — posse pacífica da coisa como dono (animo domini) durante 10 ou 20 anos;

II — justo título;

III — boa-fé;

IV — coisa prescritível.

O extraordinário requer a mesma posse durante 30 anos, dispensado o justo título e

a boa-fé, e estende-se as coisas imprescritíveis por usucapião ordinário.

O Código Civil alterando o direito anterior dispensou para este o requisito da boa-

fé.

Desapareceram também os privilégios em favor dos Estados, cidades e vilas; da

Igreja e estabelecimentos pios, cujos bens só passavam ao domínio de terceiros por uma

posse de 40 e até 100 anos.149

Justo título é toda a causa própria, em tese, para transferir o domínio, mas que, em

conseqüência de obstáculo ocorrente na hipótese, pode deixar de produzir esse efeito. É o

que, com clareza inescedível, ensina Lafayette.150

O título, além disso, deve ser certo, real e válido. Válido no sentido de revestir-se o

instrumento das formalidades externas substanciais; não relativamente a vício interno, o

que poderá influir sobre a boa ou má-fé; não impedindo, porém, a aquisição, quando de

boa-fé seja o possuidor.

148
Carl Albert Wieland. Les droits réels dans le Code civil suisse. [confirmar]
149
Lafayette. Direito das Coisas, § 70, n. 5 – Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 44
— Carlos de Carvalho. Nova consolidação das leis civis. Art. 431 parágrafo único.
150
Ob. cit., § 68.
Deve, além disso, estar transcrito no Registro de Imóveis, se à publicidade estiver

sujeito.151

O art. 552 refere-se à acessão da posse. A disposição deve ser entendida de acordo

com os requisitos exigidos para cada um dos dois casos de usucapião.

Para o extraordinário, em que não há necessidade de título, nem boa-fé, e só se

atende ao tempo, a acessão da posse do antecessor é quanto basta. Mas para o usucapião

ordinário em que se exige justo título e boa-fé, é preciso atender a esses requisitos e ter em

vista o art. 495, segundo o qual a posse se transmite com os mesmos caracteres aos

herdeiros e legatários do possuidor. É uma acessão forçada, que contamina a posse do

herdeiro ou legatários dos mesmos vícios, que inquinavam a do defunto e inábil, portanto,

quando viciada, para o usucapião de 10 ou 20 anos.

Voltemos ao art. 550 que merece um pouco de atenção, diante do sistema

imobiliário adaptado pelo Código, que procurou introduzir o sistema germânico, no que não

colidisse com a existência do cadastro, dando ao Registro predial uma significação jurídica

da mais alta importância.152

Do texto do artigo se infere que, como o sistema germânico, se faz depender da

transcrição o exercício do direito de disposição.

O final é bem claro ―que lhe servirá de título para a transcrição‖. Logo o usucapião

está sujeito a essa formalidade, de outro modo não se justificaria a referência.

Quer se entenda, como querem alguns, seguindo a letra da lei, que o domínio

151
Lacerda de Almeida, ob. cit., § 41.
152
Clovis Bevilaqua. Código Civil, vol. 3.º, obs. ao art. § 859.
esteja adquirido antes da sentença; quer se admita que, como no direito suisso 153, pela

sentença fique ele adquirido; quer ainda, de acordo com o direito alemão154, se repute

adquirida a propriedade depois da inscrição; o que é fora de dúvida é que, adquirido ou não

o domínio depois de efetuada a transcrição, pode o usucapiente fazer inserir no Registro

qualquer ato de disposição efetuado a título de proprietário.

Essa interpretação do art. 550 é a única que se coaduna com o sistema adotado

pelo Código, segundo o exposto no Capítulo IV; sistema que não é uma invenção do

legislador brasileiro, mas por ele tomado de outros povos, e que se rege por princípios

conhecidos.

Nem se argumente com a expressão – ―podendo requerer‖, - empregada pelo

Código, porque da mesma expressão se serviu o Código Civil suisso155 ―peut en requérir‖ –

no entanto o usucapiente é obrigado a fazer a inscrição.

Para a transcrição no Registro serve de título a sentença que tem de ser proferida

em processo, que tomará o caráter contencioso, se houver oposição de interessados, cuja

citação edital é indispensável, atento o valor do julgamento, que pode atentar contra

legítimos direitos de terceiros.

Uma boa providência seria exigir certidão de não constar do Registro nos últimos

30 anos, transação tendo por objeto o imóvel, cuja declaração de domínio se pede.

O instrumento (título) a ser apresentado para a transcrição é, como nos demais

casos de sentença, uma carta extraída dos respectivos autos, da qual constem os requisitos

153
Código Civil suisso, art. 655 – Wieland. Les droits réels dans le Code civil suisse, Vol. I,
Com. 4 ao art. 662.
154
Código Civil alemão, art. 927.
155
Art. 662.
necessários à validade do ato a ser praticado, individuando com a maior precisão o imóvel

adquirido.
CAPÍTULO VII

Título I - Direitos reais em coisa alheia

―Art. 674. São direitos reais, além da propriedade:

I - A enfiteuse.

II - As servidões.

III - O usufruto.

IV - O uso.

V - A habitação.

VI - As rendas expressamente constituídas sobre imóveis.

VII - O penhor.

VIII - A anticrese.

IX - A hipoteca.

[...]

Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos

entre vivos só se adquirem depois da transcrição ou da inscrição, no registro de imóveis,

dos referidos títulos (arts. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 677. Os direitos reais passam com o imóvel para o domínio do comprador, ou

sucessor.

Parágrafo único. Os impostos que recaem sobre prédios transmitem-se aos

adquirentes, salvo constando da escritura as certidões do recebimento, pelo fisco, dos


impostos devidos e, em caso de venda em praça, até o equivalente do preço da

arrematação.‖

A doutrina distingue os direitos da pessoa e os direitos patrimoniais, distinguindo

entre estes os direitos reais e os de crédito, também chamados pessoais.

Há ainda a denominação de direitos personalíssimos para indicar os direitos que

pertencem a uma pessoa individualmente, não passando a outras e particularmente aos

herdeiros.

Grande tem sido o esforço para fixar com precisão os caracteres dos direitos reais, e

muito se tem discutido sobre a natureza de tais direitos.

Fugindo desse terreno doutrinário, parece bastante acentuar que o direito real recai

imediatamente sobre uma coisa corpórea, a ela como que adere, seguindo-a como a sombra

ao corpo. Se é verdade que não pode haver relações jurídicas com respeito às coisas, no

sentido de terem elas obrigação; compreende-se, sem a mínima dificuldade, que há direitos,

que se exercem imediatamente sobre determinada coisa, que é o seu objeto.

É assim que as coisas podem estar imediatamente sob a ação de nossa vontade, com

a restrição derivada das necessidade da coexistência social; exercendo nós sobre elas as

mais amplas faculdades pelo simples fato de serem nossas, ou como muito exatamente se

costuma dizer, por serem uma extensão da nossa personalidade.

Atos há que revestem exteriormente a aparência do exercício do direito que

exercemos sobre as coisas, que nos estão imediatamente sujeitas, mas que na verdade não

representam o exercício de um direito próprio, e derivam de uma concessão.

O direito real por excelência é o que nos dá a faculdade de nos servirmos de uma

coisa do modo que nos aprouver, dela retirando todas as vantagens e até alienando-a.
Constitui o direito de propriedade. Muitas vezes, porém, a propriedade é afetada por

pertencerem a terceiros o exercício de certas faculdades, que de vários modos a restringem.

Há então de um lado a propriedade, que se denomina semi-plena, em oposição à

propriedade plena, sem restrições; e de outro lado um direito real em coisa alheia.

Inúmeros são os direitos que a propriedade de uma coisa nos faculta, inúmeros,

portanto, poderiam ser os direitos reais em coisa alheia; mas devido às complicações

práticas, tornar-se-ia inconveniente o exercício desses múltiplos direitos, afetando

imediatamente a coisa, que fosse o seu objeto, por isso a lei só reconhece um limitado

número de direitos reais, privando desse caráter os que expressamente ela não designar; de

sorte que na sua enumeração não há uniformidade nas diversas legislações.

Às vezes por conveniências econômicas a lei dá a um direito pessoal o carater de

absoluto, sem, por isso, lhe mudar a natureza.

Temos um exemplo no arrendamento, direito de gozo concedido pelo proprietário a

troco de um equivalente, quando estipulada a cláusula de ser mantido o contrato, em caso

de alienação; o que é uma exceção aos princípios, fazendo valer um direito pessoal contra

quem não interveio no contrato.

Que não é um direito real, basta atentar no dispositivo do parágrafo único do art.

193, que, aliás, constitue uma violação devida à fé dos contratos, para se compreender que,

estendendo-se ao adquirente a obrigação de respeitar o arrendamento, ele sucede no direito

conferido por aquele artigo ao locador.

A série de obrigações recíprocas entre o locador proprietário e o locatário, e as

alterações a que está sujeito o contrato, derivadas de casos acidentais, evidenciam a

natureza pessoal dos direitos.


O locatário é obrigado a cumprir o contrato durante o respectivo prazo, pagando a

renda, apesar dos prejuízos que isso lhe acarrete; o usofrutuário e o emfiteuta, titulares de

um direito real, e que mais se assemelham ao locatário, abandonam seu direito, se assim

lhes convier, sem obrigação de qualquer espécie.

O nu proprietário limita-se a deixar que o usufruturário goze da coisa; o locador é

obrigado a manter a coisa em estado do locatário poder gozá-la.

Não há a independência da propriedade de um lado, e de outro um direito, de que é

titular um estranho, restringindo, sob várias formas, o exercício amplo do direito do

proprietário, como se observa nos direitos reais em coisa alheia.

De acordo com o sistema imobiliário adaptado, o art. 675 do Código declara que o

direito real, quando constituído ou transmitido por ato entre vivos, surge com o Registro;

salvo os casos expressos no Código. A restrição final nada significa, porque não há

exceções.
Título II - A enfiteuse

Durante o império, em Roma, aparecem entre a terra e certa classe de pessoas

(coloni) vínculos até então desconhecidos.

Em íntima relação com o colonato, que ligava os indivíduos às terras, de que não

podiam ser separados, apenas obrigados a uma renda fixa e moderada, aparece uma nova

instituição — a enfiteuse —.

Os motivos a que se deve seu aparecimento são, de um lado, a impossibilidade em

que se achava o Estado e os municípios de cultivar os seus imensos terrenos, de outro,

remediar a situação em que se viam os trabalhadores adstritos a pesados encargos para os

possessores, que detinham o ager publicus, e de quem só obtinham uma ocupação precária

das terras.

E como o arrendamento que mais tarde foi adotado, embora melhorasse a posição

dos trabalhadores, não lhes oferecesse garantias suficientes, nem lhes satisfizesse as

aspirações, aparece a nova forma — a enfiteuse — como uma instituição intermedia entre a

ocupação das terras até então concedidas aos trabalhadores e a aspiração destes à

propriedade absoluta, reconhecendo-se a quem cultivava a terra um direito superior ao

derivado do arrendamento, formando-se uma nova espécie de direitos que o pretor veio a

amparar.

Andou ela confundida durante muito tempo com a compra e venda e com a
locação, até que o imperador Zenão156 acentuou o seu caráter distinto do desses dois

contratos.

Trazida pelos romanos para a Península Ibérica, penetrou em Portugal, onde essa

instituição é de uso antiqüíssimo.

Ao influxo do direito feudal perdeu o contrato a sua antiga simplicidade, e foi se

desnaturando pela adoção de cláusulas próprias daquele direito, sobrecarregando-se o

enfiteuta com serviços pessoais, e sujeitando-o a direitos banais, luctuosas e laudêmios,

regendo-se o contrato pelos costumes e foraes.

Essa situação perdurou até que o Marquês de Pombal com as reformas constantes

das Leis de 04.07.1768, 12.05.1769 e 09.09.1769, e de 04.07.1776 procurou restituir ao

instituto a sua antiga simplicidade.

Entre nós nunca a enfiteuse se revestiu de caráter odioso. O emprazamento por

vidas não entrou em nossos costumes157; e o seu objeto foi sempre o terreno para cultura e o

solo para edificar, observada a disposição da Lei de 04.06.1776.

Todos os projetos de nossa codificação regularam o instituto, e foi ele admitido no

Código Civil, embora o voto contrário do parecer da Comissão do Supremo Tribunal de

Justiça do Maranhão.

É fora de dúvida que a enfiteuse pode prestar precioso auxílio ao aproveitamento

de nossas enormes regiões, hoje abandonadas.

Deu, no entanto, o Código Civil maior extensão aos direitos do enfiteuta,

156
Jus emphyteuticarium neque conductionis, neque alienationis esse titulis adjiciendum, sed
hoc jus tertium esse conslituimus ab utriusque memoratorum contractum societate seu similitudine
separatum (Cod. L.º 4 Til. 66, De jure emplyt. L. I).
157
Lafayette. Direito das Coisas, § 138, n. 4.
restringindo ainda mais o já bem limitado direito do senhorio direto; o que modifica algum

tanto a posição dos dois titulares.

À preeminência do senhorio direto sucede a do enfiteuta com o seu direito de

remissão.

Se antes da consagração desse direito ao enfiteuta, vacilava-se em reconhecê-lo

como simples titular de um direito real em coisa alheia158, mais acentuada vai ser a

divergência diante dos dois novos direitos que lhe são atribuídos: - o de opção, como

recíproca do direito do senhorio direto, e o de remissão.

É forte a corrente dos autores italianos159, que sustentam pertencer ao enfiteuta a

propriedade, embora resolúvel.

N. Coviello160, justificando sua opinião nesse sentido, observa que se o enfiteuta

não fosse proprietário não seria uma remissão, isto é, a liberação de um ônus, mas uma

desapropriação, que exercitaria no seu interesse particular. E não havendo no Direito

Italiano (como pelo nosso não há) desapropriação por utilidade

Privada, ela não pode como tal considerar-se, só podendo ser admitida como

remissão de um encargo, efeito do exercício e da preeminência de um direito mais forte

sobre outro mais fraco.

158
O ilustre civilista Sr. Lacerda de Almeida a princípio negava domínio ao enfiteuta (Revista
do Direito, 2.° vol., p. 35); afinal decidiu-se pelo reconhecimento do seu domínio dividido com o
senhorio direto, e não como simples titular de um direito real em coisa alheia (Direito das Coisas,
2.º vol., nota 20 ao § 135).
159
Cimbale - Filomusi Guelfi – Mancini – Gianturco - N. Coviello e outros citados por De
Pirro na nota 5 ao n. 2 da sua obra Dell’enfiteuse.
160
Della transcrizione, vol. 2.º n. 306.
E repugna, observa o mesmo autor161, à íntima essência da propriedade que se a

considere um direito inferior àquele que deveria constituir uma simples limitação; o que

equivale a desnaturá-la, ou empregar expressões que não correspondem à verdade.

Essa doutrina, é fora de dúvida, está em desacordo com a origem da enfiteuse; mas

também é fora de dúvida, como observa Cimbale, que a propriedade, em completa

correspondência com as evoluções progressivas do organismo social, possuiu sempre uma

forma e um conteúdo mutável, segundo mudam as necessidades sociais; o que quer dizer

que a essência da propriedade é invariável, a sua organização, o seu modo de ser variam.

Assim se compreende bem que no Direito Romano, onde a princípio o único direito

real era o domínio, que o proprietário não perdia por mais extensas que fossem as

faculdades concedidas a terceiros sobre as suas coisas e de onde se originavam apenas

direitos de obrigação, o direito pretoriano conservasse a mesma construção, quando

considerou certas faculdades como inerentes à coisa, que continuava, no entanto, no

domínio do concedente, por menor que fosse a aparência do exercício dos direitos de

propriedade.

Este conceito, durante tanto tempo conservado, tem-se modificado162 sob a

influência da realidade dos fatos, verificando-se a tendência de atribuir a propriedade

àquele que exerce os direitos sobre a coisa e que dela retira todas as utilidades a que se

presta, com exclusão perpétua do antigo dominus, exercitando assim verdadeiramente a

atividade senhorial.163

161
Coviello. Ob. cit. vol. 2.º n. 306 pág. 279.
162
Já Pothier dizia que o domínio útil era a verdadeira propriedade.
163
Filomusi Guelfi. Diritti reali, § 41.
Essa tendência do Direito Moderno, a que alude o Sr. Lacerda de Almeida, de

converter o direito do foreiro em domínio onerado com o encargo de uma pensão ao

senhorio direto164 afinal assinala um fenômeno histórico próprio de todas as épocas, e que a

lei acaba por sancionar. É um movimento irresistível. É assim que a posse precária se

converte em vitalícia, a vitalícia em hereditária ou perpétua, suscitando-se com o decurso

do tempo o sentimento da propriedade. Foi o que aconteceu com os detentores do ager

publicus em Roma; o mesmo se deu na época da decadência do feudalismo em que era tão

difícil expulsar um colono ou um servo de seu manso como a um vassalo de seu feudo;165 é

o que se dá na época moderna fazendo desaparecer o dualismo do domínio em proveito do

domínio útil, a sombra da propriedade, como diz Lehr, sacrificada à realidade das coisas.

O enfiteuta, que beneficiou o solo, olha as benfeitorias como um laço indissolúvel,

que o liga à terra valorizada por seu esforço, ele não a reputa coisa alheia, considera-a sua

propriedade, embora sujeita a um encargo, representado pelo foro, que ele não redime,

porque a lei lhe não ampara essa aspiração.

O direito de remir, que lhe é outorgado, não representa, portanto, mais que o

reconhecimento da justiça dessa aspiração.

As nossas leis hipotecárias166, embora não tivessem alargado a esfera dos direitos do

senhorio útil, haviam sancionado o reconhecimento da propriedade na pessoa deste, porque

enumeravam entre os ônus reais o foro, que representa o direito do senhorio direto. E na

164
Direito das Coisas, § 78 in fine.
165
Secretan.
166
Lei 1.237, de 24.09.1864, art. 6.º – Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 6.º.
transcrição desse contrato figura167 o senhorio direto como credor e o enfiteuta como

devedor, e em se tratando de direitos reais em coisa alheia é credor o titular do direito real e

devedor o proprietário.

É certo que o Código Civil classificou a enfiteuse entre os direitos reais em coisa

alheia, mas alterou-lhe a estrutura com os novos direitos concedidos ao enfiteuta: — a

opção e remissão. O Sr. Clovis Bevilaqua no comentário ao art. 678 diz que o Código

―equipara a enfiteuse ao domínio, dando-lhe o próprio nome, domínio útil, domínio direto‖,

de acordo, portanto, com a doutrina do domínio dividido; e ao comentar o art. 684 diz que

―o direito de opção conferido ao enfiteuta modifica a estrutura da enfiteuse dando-lhe uma

feição de sociedade ou condomínio,‖ o que obedece a outra construção jurídica, porque no

condomínio não há divisão de domínio.

A verdade é que o Código alterou a estrutura da enfiteuse, o que, refletindo-se sobre

os dois titulares de direitos, autoriza a que se inverta a posição por eles ocupada, no direito

antigo.

A explanação da doutrina está, porém, fora dos moldes desta obra, que já foi talvez

além do que devia.

―Art. 674. São direitos reais, além da propriedade:

I — A enfiteuse.

[...]‖

167
Dec. 544, de 04.07.1890, art. 4.º, parágrafo único, que ainda regula o modo de
escrituração.
―Art. 678. Dá-se enfiteuse, aforamento ou emprazamento, quando por atos entre

vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel,

pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma

pensão, ou foro, anual, certo e invariável.

Art. 679. O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado

considera-se arrendamento, e como tal se rege.

Art. 680. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se

destinem à edificação.‖

Esses artigos consagram o direito anterior.

A enfiteuse por tempo determinado é arrendamento.

Só terras incultas ou terrenos para edificar podem ser aforados.

Existem, no entanto, arrendamentos perpétuos de sítios e de terrenos já edificados.

Tais contratos pela Lei de 04.07.1776 são locações de longo tempo ou colônias perpétuas e

não geram direito real168 e em virtude deles, segundo o Alvará de 03.11.1757 nenhum

domínio se transfere.

O fim desse Alvará foi evitar que, com os arrendamentos a longo prazo, e sob

pretexto de transferência de domínio deles decorrente, se molestassem os arrendatários

anteriores com ações de despejo.

O fim da Lei de 04.07.1776 foi impedir que os arrendatários de prédios frugíferos (a

quem se dava o nome de colonos, caseiros ou seareiros) ou de casas procurassem se eximir

ao pagamento da pensão estipulada, recorrendo aos Tribunais, sob pretexto de lesão

168
Teixeira de Freitas. Consolidação..., art. 607, nota 3 (3.ª ed.) – Carlos de Carvalho.
[confirmar] Nova consolidação das leis civis. art. 1.093 – Lafayette. Direito das Coisas, § 141, n. 4.
enormíssima, dos quais obtinham que fosse reduzida a prestação a que eram obrigados por

seus contratos.

Não se teve em vista proibir os arrendamentos a longo prazo ou mesmo perpétuos,

admitidos por direito, mas negar-lhes o efeito de transferir o domínio útil, isto é, de

produzir efeitos reais, sujeitando-os às regras dos contratos que produziam simples

obrigações, meros direitos pessoais.

O Código nada dispôs sobre os arrendamentos perpétuos existentes, não os proibiu

de futuro, deixando ao arbítrio dos contratantes a limitação de prazo (art. 1.200), e assim

esses contratos não infringem nenhum dispositivo legal, e subsistem com a sua mesma

força anterior.

Não geram, porém, direito real, não podem ser objeto de transcrição no Registro de

Imóveis, embora intitulem de venda a cessão e transferência dos direitos de arrendatário, e

esteja a transferência sujeita ao imposto de 6,6%, como transmissão de propriedade.

A transcrição por ventura realizada nenhuma garantia oferece aos arrendatários, que

ficarão à mercê dos acontecimentos que possam afetar seus direitos.

―Art. 681. Os bens enfitêuticos transmitem-se por herança na mesma ordem

estabelecida a respeito dos alodiais neste Código, arts. 1.603 e 1619; mas, não podem ser

divididos em glebas sem consentimento do senhorio.

Art. 682. É obrigado o enfiteuta a satisfazer os impostos e os ônus reais que

gravarem o imóvel.

Art. 683. O enfiteuta, ou foreiro, não pode vender nem dar em pagamento o

domínio útil, sem prévio aviso ao senhorio direto, para que este exerça o direito de opção; e
o senhorio direto tem trinta dias para declarar, por escrito, datado e assinado, que quer a

preferência na alienação, pelo mesmo preço e nas mesmas condições.

Se dentro do prazo indicado, não responder ou não oferecer o preço da alienação,

poderá o foreiro efetuá-la com quem entender.

Art. 684. Compete igualmente ao foreiro o direito de preferência, no caso de

querer o senhorio vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Para este efeito, ficará o

dito senhorio sujeito à mesma obrigação imposta, em semelhantes circunstâncias, ao

foreiro.

Art. 685. Se o enfiteuta não cumprir o disposto no art. 683, poderá o senhorio

direto usar, não obstante, de seu direito de preferência, havendo do adquirente o prédio pelo

preço da aquisição.‖

O art. 683 só fala em venda e dação em pagamento, mas pelo disposto no art. 688

também é devido laudêmio pela troca por coisa fungível.169

O laudêmio representa a desistência, por parte do senhorio, do direito de consolidar

o seu domínio, portanto sempre devido nos casos que admitem opção. Se o art. 688 dispõe

só ser lícito ao enfiteuta doar, dar em dote ou trocar por coisa não fungível, dispensando-o

de aviso prévio, é porque só nesses casos não tem opção o senhorio direto.

Esse direito, em se tratando da troca ou permuta, levantou outrora controvérsia.

O Código atendeu a que era possível o senhorio direto pôr, à disposição do

enfiteuta, a mesma quantidade e qualidade da coisa que este teria de receber; o que não se

169
Chamam-se fungíveis as coisas em que não se faz questão da sua quantidade e qualidade;
consistem em número, peso ou medida.
verifica na troca por coisa não fungível, pela impossibilidade em que se acha o senhorio

direto de entregá-la ao enfiteuta.

O art. 684 inovou o direito anterior, conferindo a opção ao enfiteuta nos mesmos

casos em que a conferiu ao senhorio direto; o que, como há pouco vimos, fez o eminente

autor do Projeto dizer em seu comentário que o Código havia alterado a estrutura da

enfiteuse, dando-lhe a feição de sociedade ou condomínio.

―Art. 686. Sempre que se realizar a transferência do domínio útil, por venda ou

doação em pagamento, o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de receber do

alienante o laudêmio, que será de dois e meio por cento sobre o preço da alienação, se outro

não se tiver fixado no título de aforamento. 170

Art. 687. O foreiro não tem direito à remissão do foro, por esterilidade ou

destruição parcial do prédio enfitêutico, nem pela perda total de seus frutos; pode, em tais

casos, porém, abandoná-lo ao senhorio direto, e, independentemente do seu consenso, fazer

inscrever o ato da renúncia (art.691).‖

O laudêmio, outrora chamado terradego, estipulado no art. 686, é o mesmo que

sempre foi, a quadragésima parte ou 2,5%.

Em relação ao final do art. 687 cumpre advertir que o ato a praticar no Registro em

virtude da renúncia não é uma inscrição, mas uma averbação, que deve ser feita à

transcrição da enfiteuse, cancelando-a; operando-se então a consolidação dos 2 domínios. O

Código faz referência in fine ao art. 691, abaixo transcrito, o qual se refere à oposição dos

170
Vide o que se disse a respeito do art. 683 L. Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 91.
credores. Embora não regulamentado ainda esse ponto, não deve ser feito o cancelamento,

sem ordem do Juízo, ao qual deverá requerer o enfiteuta a citação edital de seus credores,

único meio de dar eficácia à proteção, que entendeu o Código dispensar-lhes outra possível

fraude.

―Art. 688. É lícito ao enfiteuta doar, dar em dote, ou trocar por coisa não fungível o

prédio aforado, avisando o senhorio direto, dentro em 60 (sessenta) dias, contados do ato da

transmissão, sob pena de continuar responsável pelo pagamento do foro.

Art. 689. Fazendo-se penhora, por dívidas do enfiteuta, sobre o prédio emprazado,

será citado o senhorio direto, para assistir à praça, e terá preferência, quer no caso de

arrematação, sobre os demais lançadores, em condições iguais, quer, em falta deles, no caso

de adjudicação.‖

A falta de citação do senhorio direto vicia a transmissão, deve-se, portanto, dela

fazer menção no instrumento dado ao adquirente para lhe servir de título, e poder o

Registro transcrevê-lo nos seus livros, evitando por esse modo a dúvida, que terá o Oficial

de levantar, por não constar essa citação, exigida pelo Código.

―Art. 690. Quando o prédio emprazado vier a pertencer a várias pessoas, estas,

dentro em 6 (seis) meses, elegerão um cabecel, sob pena de se devolver ao senhorio o

direito de escolha.

§ 1.º Feita a escolha, todas as ações do senhorio contra os foreiros serão propostas

contra o cabecel, salvo a este o direito regressivo contra os outros pelas respectivas quotas.

§ 2.º Se, porém, o senhorio direto convier na divisão do prazo, cada uma das glebas

em que for dividido constituirá prazo distinto.‖


Continua a indivisibilidade da enfiteuse que não sendo de sua essência pode o

senhorio direto com ela concordar.

―Art. 691. Se o enfiteuta pretender abandonar gratuitamente ao senhorio o prédio

aforado, poderão opor-se os credores prejudicados com o abandono, prestando caução pelas

pensões futuras, até que sejam pagos de suas dívidas.171

Art. 692. A enfiteuse extingue-se:

I — Pela natural deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o

capital correspondente ao foro e mais um quinto deste.

II — Pelo compromisso, deixando o foreiro de pagar as pensões devidas, por três

anos consecutivos, caso em que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias.

III — Falecendo o enfiteuta, sem herdeiro, salvo o direito dos credores.‖

Este artigo não enumera todos os casos de extinção, declara, como observa o

eminente autor do Projeto, os modos particulares. A enfiteuse ainda se extingue por outros

modos, como se o senhorio direto for herdeiro do enfiteuta ou vice-versa; operado o

usucapião; pelo exercício da opção por parte de qualquer dos dois titulares; pela renúncia;

pela resolução do domínio do senhorio, dado o implemento de condição e ainda pelo

resgate, na forma do art. 693.

―Art. 693. Todos os aforamentos, salvo acordo entre as partes, são resgatáveis trinta

anos depois de constituídos, mediante pagamento de vinte pensões anuais pelo foreiro, que

171
Vide o que se disse a respeito do art. 867.
não poderá no seu contrato renunciar o direito ao resgate, nem contrariar as disposições

imperativas deste Capítulo.‖

A redação desse artigo já levou a se dizer que a enfiteuse não seria resgatável se

houvesse acordo entre as partes; o que está em flagrante contradição com o final do

dispositivo. O acordo só poderá versar sobre a alteração para menos, do valor e do

tempo.172

Contra o efeito retroativo da disposição se manifestaram os ilustrados juristas Srs.

Paulo de Lacerda173 e Sá Freire, com eles havendo concordado o Sr. Clovis Bevilaqua, por

motivo de equidade.

O ponto, segundo nos parece, terá de ser bastante controvertido, por se estar em

frente de um instituto de duração perpétua, que se julgou de interesse público abolir.

Operada a remissão, dever-se-á cancelar a transcrição do direito real; é fazer uma

outra da plena propriedade no livro próprio.

O art. 694 permite a sub-enfiteuse, que se regula pelas mesmas disposições da

enfiteuse.

172
Sá Freire. Estudo do art. 693 do CC, p. 9. [a obra seria Manual do Codigo Civil
brasileiro?]
173
Manual do Código Civil brasileiro. Vol. I, Int., p. 111 e nota 35.
Título III - Servidões prediais

As servidões aparecem já na Lei das XII Tábuas com a denominação de jura

prœdiorum.

Só mais tarde se usou do termo — servidão.

Segundo a opinião dominante, as servidões não tinham, a princípio, no Direito

Romano, um conteúdo genérico, isto é, não havia uma idéia abstrata de servidão, que, por

vontade das partes, pudesse conter uma qualquer faculdade a exercer-se em prédio alheio.

Havia servidões típicas, oferecendo cada uma a permanência de um caráter essencial

definido,174 poucas na origem, mas que por força de novas necessidades argumentaram

sucessivamente, especialmente pelo costume verificado pela observação dos

jurisconsultos.175

Não se encontra, porém, no Direito Romano clássico, outras servidões que não

sejam, as prediais, e só mais tarde é que aparece a denominação de servidões pessoais,

aplicada a institutos diferentes das servidões prediais, e que Ferrini sustenta não ser

doutrina dos jurisconsultos romanos, mas uma infeliz generalização escolástica dos

bizantinos.

Como quer que seja, essa questão, interessante para a doutrina, nenhuma utilidade

tem para o nosso trabalho.

O Código Civil separou as servidões prediais das chamadas servidões pessoais — o

usufruto, o uso e a habilitação, — como, aliás, já o havia feito o Código Civil francês e os

174
C. Ferrini e G. Pulvirenti. Delle servitú prediali, n. 29.
175
Ferrini — Pand. § 375.
que o seguiram, embora aquele o não tivesse feito por motivos de ordem científica, mas

para afastar o termo-servidão pessoal — por horror ao feudalismo, à servidão do homem.

O moderno Código Civil alemão em um mesmo capítulo trata das servidões prediais

e das pessoais.

As servidões prediais, como seu próprio nome indica, só em por objeto imóveis por

natureza, os móveis pela rapidez de sua circulação, pela facilidade com que se

transformam, são impróprios para relações permanentes e duradouras.

Os textos de direito usam a respeito dos prédios, nas servidões, a mesma linguagem

que empregam falando de um sujeito — pessoa; — é evidente, no entanto, que se tem em

vista a pessoa dos proprietários, porque um prédio não tem capacidade jurídica, tanto que se

os dois prédios ligados por servidão ficarem pertencendo a um mesmo proprietário, ela se

extingue.

A servidão, como diz Chironi,176 é a extensão do direito de propriedade do prédio, a

que diz respeito. Ela pressupõe uma vantagem para o prédio em cujo proveito é instituída,

denominado dominante, denominando-se serviente o que tem de oferecer a vantagem.

Um dos seus caracteres é a indivisibilidade por pertencer ao prédio dominante por

inteiro.

As mais importantes divisões, que delas fazem os autores, destinguem-nas em

afirmativas e negativas, contínuas e descontínuas, aparentes e não aparentes, as quais dizem

respeito ao seu conteúdo, ao seu modo de exercício e à sua manifestação exterior.

Afirmativas, se dizem, as que consistem in faciendo, quando o proprietário do

prédio dominante pode fazer alguma coisa no prédio serviente, e o proprietário deste é

176
Istituzioni di diritto civile Italiano, § 172.
obrigado a consentir; negativas as que consistem in non faciendo, quando o proprietário do

prédio dominante tem o direito de proibir que o do prédio serviente faça alguma coisa, que,

como proprietário, lhe assistia o direito de fazer.

Contínuas são aquelas cujo exercício é ou pode ser contínuo, independente de

qualquer ato humano, não importando que para ser estabelecida tenha tido necessidade de

atos humanos, como na servidão de aqueduto; o que a caracteriza é que, estabelecida, o seu

exercício independe de qualquer ato, ainda que possa deixar de se exercer

ininterruptamente.

Descontínuas são aquelas cujo exercício depende de um ato.

Aparentes as que se revelam com sinais visíveis, como uma porta, uma janela, um

aqueduto; não aparentes as que não têm sinais visíveis de sua existência como a de não

edificar, a de não alçar um edifício além de determinada altura.

As servidões se constituem por ato entre vivos ou causa mortis, adquirem-se pela

transcrição e por usucapião; salvo quanto a este último modo as descontínuas e não

aparentes.

―Art. 695. Impõe-se a servidão predial a um prédio em favor de outro, pertencente a

diverso dono. Por ela perde o proprietário do prédio servente o exercício de alguns de seus

direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize, para certo fim, o dono do

prédio dominante.

Art. 696. A servidão não se presume, reputa-se, na dúvida não existir.

Art. 697. As servidões não aparentes só podem ser estabelecidas por meio de

transcrição no Registro de Imóveis.‖


Um dos princípios fundamentais das servidões é que constituem limitação da

propriedade e como tal fazem exceção ao direito comum; por isso nunca se presumem,

devendo ser provadas, reputando-se não existir, em caso de dúvida.

O art. 697 significa que as servidões aparentes só estão sujeitas a Registro, na forma

do art. 676, quando constituídas por ato entre vivos, ao passo que as não aparentes, quer

resultem de atos entre vivos, quer se originem de disposição causa mortis, dependem

sempre da transcrição.

―Art. 698. A posse incontestada e contínua de uma servidão por dez ou vinte anos,

nos termos do art. 551, autoriza o possuidor a transcrevê-la em seu nome no Registro de

Imóveis, servindo-lhe de título a sentença que julgar consumado o usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tem título, o prazo do usucapião será de trinta

anos.‖

Consagra-se nessas disposições que o usucapião é modo de adquirir as servidões.

Houve, no entanto, certo descuido na confecção do artigo e seu parágrafo.

A referência feita ao art. 551 indica que o art. 698 se ocupa do usucapião ordinário

(10 anos entre presente e 20 entre ausentes, com justo título e boa-fé).

Havendo já título transcrito não se compreende a que vem falar-se em sentença,

para servir de título à transcrição.

O adquirente, que está de boa-fé e tem justo título, devidamente transcrito, não irá

requerer que se declare adquirido o seu direito por usucapião; porque se desse semelhante

passo, poria desde logo em risco a sua boa-fé, imprescindível à aquisição.

A sentença só é necessária no usucapião extraordinário, por falta de título.


Essa, nos parece, deve ser a inteligência, uma vez que claramente se separaram os

dois casos de usucapião.

A duplicata de Registro no usucapião ordinário é uma superfluidade.

É de observar-se que da sentença a ser apresentada ao Registro deverá constar qual

o prédio dominante e bem individuado qual o serviente, de modo a bem se conhecer qual o

prédio sobre que recai o encargo.177

―Art. 699. O dono de uma servidão tem direito de fazer todas as obras necessárias à

sua conservação e uso. Se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas

rateadas pelos respectivos donos.

Art. 700. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono

do prédio dominante, se o contrário não dispuser o título expressamente.

Art. 701. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio servente, este poderá

exonerar-se, abandonando a propriedade ao dono do dominante.‖

No Direito Romano, a servidão oneris ferendi acarretava para o dono do prédio

serviente a obrigação de fazer as despesas de conservação e reconstrução do muro ou

parede, que suportava a construção do prédio dominante, caso o muro ou parede ameaçasse

ruína ou abatesse.

177
A recomendação não é ociosa, como pode parecer porque é muito comum nos documentos
apresentados a menção clara do prédio dominante, aludindo-se ao prédio serviente como um imóvel
pertencente a F., pelo qual tem o direito de passagem os que se destinarem ao prédio dominante, ou
no qual tem de ser assentas as canalizações de utilidade deste.
Era uma exceção à regra de não importar a realidade passiva das servidões na

prática de qualquer ato em favor do prédio dominante: servitus in faciendo consistere

nequit.

A regra do Direito Romano relativa à servidão oneris ferendi deixou pelo direito

moderno de ser obrigatória, transformando-se em facultativa e extensiva a todas as

servidões; podendo o dono do prédio serviente assumir a obrigação de fazer as obras

necessárias ao exercício da servidão, de cujo encargo se liberta abandonando a sua

propriedade ao dono do prédio dominante.

―Art. 702. O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o uso

legítimo da servidão.

Art. 703. Pode o dono do prédio servente remover de um local para outro a

servidão, contanto que o faça à sua custa, e não diminua em nada as vantagens do prédio

dominante.‖

O dono do prédio dominante não pode se modo algum ser molestado pelo do

serviente no exercício da servidão, admitindo-se, no entanto, que, quando em nada

prejudique ao prédio dominante a mudança de local da servidão, possa o dono do prédio

serviente efetuá-la, fazendo-o, porém, à sua custa. Direito perfeitamente justificado pelo

princípio reconhecido no art. 704.

―Art. 704. Restringir-se-á o uso da servidão às necessidades do prédio dominante,

evitando, quanto possível, agravar o encargo ao prédio servente.

Parágrafo único. Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro,

salvo o disposto no artigo seguinte.‖


As fontes romanas prescreviam que as servidões deviam ser exercidas civiliter, isto

é, de modo que não impedissem o exercício dos direitos do dono do prédio serviente,

compatíveis com o exercício da servidão.178

Assim, o dono do prédio serviente pode passar pelo caminho que constitua a

servidão; ou constituir novas servidões em favor de outros prédios, se não prejudicarem as

já existentes; ou ainda mudar o local das servidões nos termos do art. 703.

―Art. 705. Nas servidões de trânsito a de maior inclui a de menor ônus, e a menos

inclui a mais onerosa.‖

Este é o princípio característico das servidões de trânsito, caminho ou passagem.

A extensão das servidões de trânsito se regula pelo título de sua constituição e pelos

usos locais.

Costuma estabelecer-se para:

a) passagem do homem a pé.

b) a cavalo ou em liteira; e de animal de carga.

c) passagem em carro; passagem de rebanhos; e transporte de cargas e materiais em

veículos rodantes.179

―Art. 562. Não constituem servidão as passagens e atravessadiços particulares, por

propriedades também particulares, que se não dirigem a fontes, pontes, ou lugares públicos,

privados de outra serventia.‖

178
Lafayette, ob. cit., § 118, 4, a, b, c – Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 63 –
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Obs. ao art. 704.
179
Lafayette. Direito das Coisas, § 130 — Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 103.
Esse artigo, que se acha colocado no Código entre os direitos de vizinhança ou

limitações legais da propriedade, parece melhor colocado entre as regras reguladoras das

servidões.

―Art. 706. Se as necessidades da cultura do prédio dominante impuserem à servidão

maior largues, o dono do servente é obrigado a sofrê-la, mas tem direito a ser indenizado

pelo excesso.

Parágrafo único. Se, porém, esse acréscimo de encargo for devido à mudança na

maneira de exercer a servidão, como no caso de se pretender edificar em terreno até então

destinado à cultura, poderá obstá-lo o dono do prédio servente.‖

Havia divergência na doutrina quanto a saber-se, se o exercício e a extensão da

servidão devia ,limitar-se às necessidade do prédio dominante, quais eram ao tempo da sua

constituição, ou se poderiam variar com essas necessidades?

O Código resolveu a questão adaptando o critério de que, se a servidão tem por fim

as necessidades da cultura do prédio dominante, o dono do serviente tem de sofrê-la com

direito a indenização pelo argumento do encargo; em todos os demais casos a extensão da

servidão se regula pelas necessidades do prédio dominante, ao tempo de ser ela constituída.

O Código teve em vista beneficiar a agricultura apenas; nos demais casos

acompanha a opinião de Demolombe,180 Mazzoni e outros, fundada em que ―a servidão se

deriva do consentimento do proprietário do prédio serviente, dado para o serviço e

exploração do prédio dominante, como eram e o proprietário viu, ao estabelecer-se a

servidão‖.

180
Demolombe. Código de Napoleão. Tom. XII, n. 850.
―Art. 707. As servidões prediais são indivisíveis. Subsistem, no caso de partilha, em

benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante, e continuam a gravar cada um dos

do prédio servente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um,

ou de outro.‖

O artigo consagra outro princípio fundamental, o da indivisibilidade das servidões.

O Sr. Lacerda de Almeida181 acentua que o indivisível é o fato, como fato.

Ou existe inteiro ou não existe absolutamente. É a indivisibilidade do fato em que

assenta o direito que explica a indivisibilidade das servidões.

Subsistirem as servidões no caso de partilhas, reputando-se enriquecido ou onerado

cada quinhão por uma servidão própria e independente, não implica divisão da servidão,

mas por ser esta indivisível e aderir a cada uma das partes do prédio, é considerada

relativamente a cada quinhão como entidade distinta e subsistente por si mesma.182

Não ofende tão pouco a indivisibilidade, o gravar apenas no caso de partilha a parte

do prédio a que se aplicam, porque sendo possível constituir servidão sobre determinada

parte do prédio, mantém-se a indivisibilidade porque pars certa quoddam totum constituit.

―Art. 708. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez transcrita, só se extingue,

com respeito a terceiros, quando cancelada.‖

É uma conseqüência do sistema. Constituídas as servidões pela transcrição no

Registro, enquanto perdurar a transcrição, presume-se subsistir o direito real.

181
Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, nota 3 ao § 98.
182
Lafayete. Direito das Coisas, § 166.
―Art. 709. O dono do prédio servente tem direito, pelos meios judiciais, ao

cancelamento da transcrição, embora o dono do prédio dominante lho impugne:

I - Quando o titular houver renunciado a sua servidão.

II - Quando a servidão for de passagem, que tenha cessado pela abertura de estrada

pública, acessível ao prédio dominante.

III - Quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão.‖

Os números I e III referem-se a atos constantes dos documentos de renúncia ou de

resgate.

Tais instrumentos são os títulos a se apresentarem ao Registro para o cancelamento.

O número II era assim redigido no Projeto Coelho Rodrigues, de onde foi tirada esta

seção:

―Quando se trata de uma servidão de passagem constituída para satisfazer uma

necessidade, que cessou pela abertura de uma nova via pública e acessível ao prédio

dominante.‖ (art. 1.552, § 2.º).

Do dispositivo transcrito fica bem claro que a abertura de estrada pública acessível

ao prédio dominante só dá direito ao cancelamento, quando a abertura da estrada fizer

desaparecer a necessidade, para cuja satisfação, se havia estabelecido o encargo.

No caso do II, não havendo instrumento, de que conste o consentimento, nem

podendo o Oficial do Registro avaliar das necessidades do prédio dominante, o título para

cancelamento deve ser a ordem judicial, que o autorize.

―Art. 710. As servidões prediais extinguem-se:

I - Pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa.

II - Pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso.

III - Pelo não uso, durante dez anos contínuos.

Art. 711. Extinta, por alguma das causas do artigo anterior, a servidão predial

transcrita, fica ao dono do prédio servente o direito a fazê-la cancelar, mediante a prova da

extinção.‖

A servidão predial sendo um ônus imposto a um prédio em favor de outro de

diverso dono impede a existência de servidão quando os dois prédios pertencerem á mesma

pessoa.

O disposto no n. I é a aplicação da regra nemini res sua servil.

O n. II exige que a supressão das obras como causa de extinção resulte de um ato

expresso.

Em qualquer dos dois casos os instrumentos que provem a reunião do domínio

numa só pessoa, ou a legitimidade da supressão das obras, são títulos a apresentar ao

Registro para o cancelamento.

Na hipótese do n. III o título será a sentença que declarar extinta a servidão.

O Código por lhe parecer desnecessário não menciona o caso de resolução, no

domínio resolúvel; porque nos termos do art. 647 os direitos reais em coisa alheia se

resolvem, resolvido o domínio pelo implemento de condição ou pelo advento do termo.

―Art. 712. Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão mencionar no

título hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.‖

É fácil compreender que a utilidade proveniente da servidão aumentando o valor

do prédio hipotecado, e garantindo esse valor o cumprimento de uma obrigação, não é

possível, sem aquiescência do credor, diminuir-lhe a garantia.


Título IV - Servidões pessoais

Usufruto

Os três direitos reais - usufruto, uso e habitação - constituem as servidões pessoais,

que o Código separou das servidões prediais em capítulos diferentes.

Os três direitos têm em comum a sua natureza de consistir no gozo da propriedade

alheia, e a sua diferença é apenas na extensão desse direito.

Quando o gozo é total chama-se usufruto, quando é parcial tem o nome de uso, a

habitação é o direito de uso de uma casa.

Os jurisconsultos romanos distinguiam o usufruto causal do formal, mas não se

pode verdadeiramente falar em usufruto senão quando separado da propriedade. O

proprietário goza da coisa, em virtude do seu direito de propriedade, é o que chamavam

usufruto causal, mas é regra que res sua nenimi servil. O usufruto só pode existir como

direito próprio, separado da propriedade, é o que chamavam usufruto formal, dicitur

formalis quia propriam formam habet.

Há um instituto que tem certos pontos de semelhança com o usufruto, é o

fideicomisso.

Assemelham-se na obrigação que tem o usufrutuário e o fiduciário de conservar a

coisa para restituir, e no direito que tem o nu proprietário ou o fideicomissário de entrar na

posse da coisa, terminando o usufruto ou o fideicomisso.

A diferença, no entanto, é profunda. O usufrutuário não tem a propriedade, o

fiduciário tem, embora resolúvel.


O usufruturário só restitui a posse, o fiduciário restitui a propriedade.

Convém firmar bem a distinção entre o usufruto e o fideicomisso pelas diferenças

quanto à sucessão em tais bens, e porque elas influem no modo de se fazer a transcrição.

Morrendo o fideicomissário antes da restituição da propriedade, em regra, a morte

do fiduciário, os herdeiros daqueles não têm direito à coisa, porque o fideicomissário tinha

mera expectativa; o nu proprietário, embora sobreviva o usufruturário, transmite a nua

propriedade aos seus herdeiros.

Para realizar a transcrição diverge o processo quando se trata de um ou do outro

caso.

No fideicomisso há uma só transcrição: a da propriedade sujeita a resolução; no

usufruto a transcrição é dupla, uma, a da nua propriedade, e outra, a do usufruto, direito real

em coisa alheia, efetuada cada uma em livro diferente.

A confusão entre o usufruto e o fideicomisso surge comumente das expressões

usadas pelos testadores, denominando usufruto verdadeiras instituições fideicomissárias.

Se a propriedade passa desde logo a um, separada do usufruto, que pertence a outro,

há usufruto; si a passagem da propriedade de um para outro depende de termo, que opera de

modo resolutivo, há fideicomisso.

É de advertir que podem adquirir por testamento, nos termos do art. 1.718 do CC, os

indivíduos não concebidos até à morte do testador, quando este em sua disposição se referir

à prole eventual de pessoas por ele designadas e existentes ao abrir-se a sucessão.

―Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma

coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade.

[...]
Art. 715. O usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá

de transcrição no respectivo Registro.

[...]

Art. 717. O usufruto só se pode transferir, por alienação ao proprietário da coisa;

mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.‖

―Art. 725. Se o usufruto recai em florestas, ou minas, podem o dono e o usufrutuário

prefixar-lhe a extensão do gozo e a maneira da exploração.‖

O art. 713 dá a definição legal do usufruto, que pode resultar da lei ou da vontade do

homem e recair sobre bens móveis ou imóveis.

O que recai sobre imóveis é o que principalmente nos interessa.

O usufruto, como se vê, limita de modo muito amplo o direito de propriedade e,

como um verdadeiro desmembramento do lugar à existência da propriedade despida do

direito de uso e gozo, pertencente a uma pessoa, e o direito às vantagens que a coisa

proporcionar pertencente a outra — nu proprietária chama-se a primeira, usufrutuária a

segunda.

O usufruto se adquire:

a) por disposição de última vontade;

b) por convenção gratuita ou onerosa;

c) por usucapião;

d) por disposição da lei.

O art. 715 modificou o direito anterior adotando o princípio da transcrição absoluta,

quer se trate de usufruto constituído por testamento, quer por ato entre vivos, excetuando o
resultante do direito de família porque se trata de um direito de família, figura diferente do

direito real.

O usufruto consistindo no uso e gozo que se compreendem no direito de proprietário

e, portanto, sendo uma parte desta, a sua concessão por ato entre vivos é uma verdadeira

alienação de parte do direito de propriedade, por isso está sujeita às mesmas regras

compatíveis com a natureza do direito.

Em regra, constituído a título gratuito, pode, porém, ser a título oneroso.

A título oneroso pode apresentar-se como alienação da propriedade com reserva de

usufruto, ou constituição de usufruto com reserva da propriedade.

A modalidade com que se pode constituí-lo é a mesma da transmissão da

propriedade: — a termo, sob condição suspensiva ou resolutiva, ou pura e simplesmente.

Constituído a termo, ou com a determinação de tempo, só começa a datar do dia

marcado (ex die), ou termina no dia designado (ad diem).

Constituído sob condição suspensiva ou resolutiva adquire-se ou extingue-se,

verificada a condição. Dada a natureza pessoal do usufruto, é necessário que o usufrutuário

exista ao chegar o termo ou ao verificar-se a condição.

Um dos caracteres do usufruto é ser constituído em favor de uma pessoa

individualmente determinada.

Devido a esse caráter pessoal, o Código expressamente declara que o usufruto não

pode ser alienado. O usufrutuário não pode transferir seu direito a terceiros, nem a seus

herdeiros, salvo ao nu proprietário. E, se o pode fazer em proveito do proprietário, é porque

essa alienação traduz-se em uma verdadeira renúncia do usufruto, operando-se a confusão

com o domínio, que recupera a sua plenitude, o que a lei sempre favorece.
O exercício do direito pode, no entanto, ser cedido, constituindo a cessão, mero

direito pessoal; nem seria razoável privar o usufrutuário de ceder o exercício do seu direito,

se mais conveniente lhe fosse para usufruir a coisa, transferir as comodidades. Continuará,

porém, sujeito às responsabilidades pelas obrigações e só a ele competem as ações inerentes

ao usufruto, que se extinguirá com o direito.

―Art. 716. Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da

coisa e seus acrescidos.‖

―Art. 718. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos

frutos.‖

―Art. 721. Salvo o direito adquirido por outro, o usufrutuário faz seus o frutos

naturais, pendentes ao começar os usufruto, sem encargo de pagar as despesas de produção.

Parágrafo único. Os frutos naturais, porém, pendentes ao tempo em que cessa o

usufruto, pertencem ao dono, também sem compensação das despesas.‖

―Art. 723. Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao

proprietário, e ao usufrutuário os vencidos na data inicial em que cessa o usufruto.‖

O usufrutuário tem direito a gozar da coisa sobre que recai o usufruto.

O gozo consiste no uso (jus utendi) e em perceber os frutos naturais e civis (jus

fruendi).

O seu direito estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos, se o contrário não

estiver disposto.
O usufrutuário goza da coisa de modo amplo e tem direito às servidões; não o tem,

porém, à parte do tesouro achado (art. 733), porque este nem faz parte da propriedade, nem

é fruto do imóvel.

Sendo o usufruto o maior poder de utilização da coisa alheia, ele tem direito a

possuir a coisa (posse direta), dela usar, e, para melhor aproveitar-lhe os frutos, o direito de

administrá-la, de modo a tirar as maiores vantagens, sem ofensa do direito do nu

proprietário.

Os arts. 721 e 723 regulam a aquisição dos frutos.

―Art. 724. O usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, o

prédio, mas não mudar-lhe o gênero de cultura, sem licença do proprietário ou autorização

expressa no título; salvo se, por algum outro, como os de pai ou marido, lhe couber tal

direito.

Art. 725. Se o usufruto recai em florestas, ou minas, podem o dono e o usufrutuário,

prefixar-lhe a extensão do gozo e a maneira de exploração.‖

Apesar da extensão do direito do usufrutuário, ele não goza da coisa de modo

absoluto, como o proprietário; porque, enquanto este não encontra limites ao seu gozo, o

usufrutuário está obrigado a conservar a substância da coisa e a empregar na sua

conservação a diligência de um bom pai de família.

O termo substância não é empregado no sentido filosófico, significando a coisa em

si, em sua essência, abstração feita de suas qualidades, mas como a sua forma, o seu caráter

principal, o seu modo de ser ao constituir-se o usufruto.

É em virtude desta obrigação do usufrutuário que o Código entendeu estabelecer,

para usufruto de florestas ou minas, que se pudesse convencionar a extensão do gozo e a


maneira da exploração. Na falta de convenção deve o usufrutuário observar os usos da

localidade e as leis especiais de modo a não prejudicar a exploração.

As árvores como acessórios fazem parte da substância do imóvel; e não se

compreende na fruição o direito de cortá-las, salvo para reparação do prédio usufruído.

O artigo refere-se ao usufruto de florestas destinadas à exploração do corte das

árvores.

―Art. 729. O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa, os

bens, que receber, determinando o estado em que se acham e dará caução, fidejussória ou

real, se lhe exigir o dono, de velar-lhe para conservação, o entregá-los findo o usufruto.

Art. 730. O usufrutuário, que não quiser ou não puder dar caução suficiente, perderá

o direito de administrar o usufruto; e, neste caso, os bens serão administrados pelo

proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento

deles, deduzidas as despesas da administração, entre as quais se incluirá a quantia taxada

pelo juiz em remuneração do administrador.

Art. 731. Não são obrigados a caução:

I - O doador, que se reservar o usufruto da coisa doada.

II - Os pais, usufrutuários dos bens dos filhos menores.‖

A disposição do art. 729 visa prevenir as questões, que se poderão suscitar quando

tiverem de ser restituídos os bens no estado em que tenham sido recebidos.

A obrigação é imposta a todo e qualquer usufrutuário, quer resulte o usufruto de

uma convenção, de testamento ou de disposição da lei, para fixar a sua responsabilidade;

sendo a isso obrigado mesmo quando não lhe seja exigida caução.
É claro que para o fim, que se tem em vista, não basta a simples designação do

prédio e a sua descrição, é indispensável descrever o estado do imóvel gravado com

precisão, para bem se avaliar a responsabilidade do usufrutuário ao restituí-lo.

O inventário, ou seja, a descrição, corre por conta do usufrutuário, e caso tenha

havido omissão, o que o Código não prevê, é opinião comum que o nu proprietário é

admitido a provar por todo gênero de prova, militando em seu favor a presunção, de haver o

usufrutuário recebido o prédio em bom estado; podendo este no entanto fazer prova em

contrário.

O Código acompanhando as legislações modernas não fez da caução uma obrigação

normal do usufrutuário, que só a dará, se lhe exigir o proprietário; sendo, no entanto,

legalmente dela dispensados os usufrutuários indicados no art. 731.

Na alínea I ficou dispensado apenas o doador, não o vendedor com reserva do

usufruto, como acontece em muitas das legislações estranhas;183 por não julgá-los em

idêntica situação. O doador praticando um ato de pura liberalidade, não deve ficar sujeito à

exigência de caução; o mesmo não se dá com o vendedor, que transferindo a propriedade a

título oneroso, nada justificaria a exceção em seu favor, sendo pouco procedentes os

motivos, com que diversos autores têm procurado justificá-la.

A dispensa da alínea II não se restringiu ao usufruto legal, como o fazem os

Códigos estrangeiros, de sorte que, mesmo no caso de ter sido essa a mente do legislador, a

lei não fez a necessária distinção.

―Art. 732. O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do

exercício regular do usufruto.

183
Código Civil francês, art. 601 — Italiano, art. 497 — Espanhol, art. 492 — Português, art.
Art. 733. Incumbem ao usufrutuário:

I – As despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu.

II – Os foros, as pensões e os impostos reais devidos pela posse, ou rendimento da

coisa usufruída.

Art. 734. Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de

custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que

forem necessárias á conservação, ou argumentarem o rendimento da coisa usufruída.

Parágrafo único. Não se consideram módicas as despesas superiores a dois terços

do líquido rendimento em um ano.‖

Além da obrigação do inventário e da caução, se lhe for exigida, incumbe ao

usufrutuário fazer as reparações ordinárias para conservar os bens no estado em que os

recebeu.

A conservação dos imóveis requer duas espécies de reparações; – ordinárias e

extraordinárias. Ordinárias as que têm necessidade de ser feitas periodicamente a intervalos

mais ou menos aproximados, e com as quais se tem de contar fatalmente. São em regra

módicas e proporcionadas ao rendimento percebido pelo usufrutuário. Extraordinárias são

as despesas que se referem a segurança do imóvel, são de dispêndio mais vultoso, tem um

caráter como que excepcional.

O nosso Código, não seguiu o exemplo de outros, que procuram enumerar as obras

que tem esse caráter, deixando ao critério do juiz resolver, arbítrio de que muito pouco se

terá ele de servir, diante do parágrafo único do art. 734, que desobriga o usufrutuário das

reparações mesmo ordinárias, quando o seu custo exceder a dois terços do rendimento

líquido de um ano. Os foros, pensões e impostos reais, são encargos resultantes do uso e
gozo, e devem correr por conta do usufrutuário, que percebe os frutos.

―Art. 735. Se a coisa estiver segura, incumbe ao usufrutuário pagar, durante o

usufruto, as contribuições do seguro.

§ 1.º Se o usufrutuário fizer o seguro, ao proprietário caberá o direito dele

resultante contra o segurador.

§ 2.° Em qualquer hipótese, o direito do usufrutuário fica sub-rogado no valor da

indenização do seguro.‖

―Art. 737. Se um edifício sujeito a usufruto for destruído sem culpa do

proprietário, não será este obrigado a reconstruí-lo, nem o usufruto se restabelecerá, se o

proprietário reconstruir à sua custa o prédio, mas se ele estava seguro, a indenização paga

fica sujeita ao ônus do usufruto.

Se a indenização do seguro for aplicada à reconstrução do prédio, restabelecer-se-á

usufruto.

Art. 738. Também fica sub-rogada no ônus do usufruto, em lugar do prédio, a

indenização paga, se ele for desapropriado, ou a importância do dano, ressarcido, pelo

terceiro responsável, no caso de danificação, ou perda.‖

Desde que ao usufrutuário incumbem os cuidados da conservação do imóvel; não

pode deixar de correr por sua conta o prêmio do seguro, mesmo atento o seu interesse em

que não pereça o bem usufruído.

O seu direito a que a indenização fique sub-rogada no encargo que gravava o bem,

que ela representa, impõe-se por si mesmo. Reconhecendo-o, o Código expressamente

declara que o usufruto recairá sobre a indenização paga ao proprietário, não só no caso de
sinistro, como no de desapropriação, e no de ressarcimento de dano; restabelecendo-se o

usufruto no imóvel, se a indenização for aplicada em reconstruí-lo.

―Art. 736. Se o usufruto recair em coisa singular, ou parte dela, só responderá o

usufrutuário pelo juro da dívida, que ela garantir, quando esse ônus for expresso no título

respectivo.

Se recair num patrimônio, ou parte deste, será o usufrutuário obrigado aos juros da

dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele, sobre que recaia o usufruto.‖

O usufrutuário de uma ou mais coisas singulares, ou de parte, não é obrigado ao

pagamento dos juros das dívidas garantidas pela coisa usufruída, porque não se trata de

encargos sobre os frutos, mas sobre o valor da coisa; para que o pagamento corra por sua

conta, será preciso que, como ônus, lhe tenha sido expressamente imposto.

Em se tratando, porém, de prédios rústicos, embora a esse respeito nada tenha

disposto o Código, se for legado o usufruto de um imóvel gravado, devendo os juros ser

pagos em natureza, com produtos de imóvel, parece, como opina Pacifici Mazzoni,184 que

deve o usufrutuário pagá-los; porque sendo os frutos o objeto da prestação, deve-se

entender que a intenção teria sido legar os frutos excedentes aos já sujeitos à prestação.

A obrigação de pagar os juros imposta ao usufrutuário, no caso de ser um

patrimônio ou parte dele o objeto do usufruto, em contrário ao que acontece quando o

objeto é uma coisa singular, explica-se, porque sendo o patrimônio uma universalidade, os

juros influem sobre ele, diminuindo-lhe o valor, e verdadeiramente só se podem considerar

bens sujeitos ao usufruto os que ficarem, deducto œre alíeno.

184
Istituzioni di diritto civile italiano (4.ª ed.). vol. III, 2.ª parte, n. 208.
―Art. 739. O usufruto extingue-se:

I – Pela morte do usufrutuário.

II – Pelo termo de sua duração.

III – Pela cessão da causa de que se origina.

IV – Pela destruição da coisa não sendo fungível, guardadas as disposições dos arts.

735, 737, 2.ª parte, e 738.

V – Pela consolidação.

VI – Pela prescrição.

VII – Por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens,

não lhes acudindo com os reparos de conservação.

Art. 740. Constituído o usufruto em favor de dois ou mais indivíduos, extinguir-se-

á parte a parte em relação a cada um dos que falecerem, salvo se, por estipulação expressa,

o quinhão desses couber aos sobreviventes.

Art. 741. O usufruto constituído em favor da pessoa jurídica extingue-se com esta,

ou, se ela perdurar, aos cem anos da data em que se começou a exercer.‖

A morte do usufrutuário é a causa geral e constante da extinção do usufruto, que

nunca passa aos herdeiros; de sorte que, mesmo fixada a sua duração, ele se extingue, antes

de expirado o termo, pela morte do usufrutuário.

Como o usufruto pode ser estabelecido a favor de duas ou mais pessoas

simultaneamente, estipulando-se ou não o direito de acrescer aos sobreviventes, ele se

extinguirá à proporção que forem falecendo os usufrutuários, se não houver o direito de

acrescer, ou pela morte do último, se estipulado esse direito.

Na instituição simultânea, com o direito de acrescer, considera-se que os


sobreviventes não recebem por sucessão do usufrutuário pré-morto, mas diretamente de

quem instituiu o usufruto.

Si pode haver usufrutuários simultâneos, é inadmissível, que o usufruto seja

constituído por ordem sucessiva, por encobrir um fideicomisso além do 2.° grau, fraudando

a disposição que o proibi.

Em geral o usufruto é estabelecido pela vida do usufrutuário, ás vezes, porém, se

fixa um termo de duração, que uma vez atingido extingue o usufruto.

O Código no art. 741 estabelece um termo legal de duração para o usufruto em

favor das pessoas jurídicas, que perdurando, aos cem anos da data do usufruto, vêem

extinguir-se o seu direito.

Também se extingue quando se acha ele ligado a uma causa ou razão jurídica. O

mais comum é o caso do usufruto legal, no entanto, se pode apresentar esta dependência em

um·verdadeiro usufruto.

A destruição da coisa usufruída faz desaparecer o usufruto. É preciso, porém, que

a destruição seja total, pois enquanto subsistir uma parte da coisa, sobre essa parte subsiste

o usufruto.

Só se podendo compreender usufruto quando a faculdade de usar e gozar da coisa

esteja destacada da propriedade, uma vez reunidos no patrimônio de uma pessoa a

propriedade, e os direitos que dela andavam temporariamente separados, extingue-se o

usufruto.

É o que chamam confusão ou consolidação.

O não uso do usufruto durante 10 ou 20 anos extingue o direito do usufrutuário. A

extinção assinalada no número VII é uma verdadeira pena, e como tal não faz cessar por si

só o usufruto; depende de uma sentença que a pronuncie.


Além destas causas apontadas no art. 739, há as causas gerais de extinção, como a

renúncia, o implemento de condição resolutiva, a resolução ou anulação do direito do

concedente.

Uso

―Art. 742. O usuário fruirá a utilidade da coisa dada em uso, quanto o exigirem as

necessidades pessoais suas e de sua família.

Art. 743. Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário, conforme a sua

condição social e lugar onde viver.

Art. 744. As necessidades da família do usuário compreendem:

I – As de seu cônjuge.

II – As dos filhos solteiros, ainda que ilegítimos.

III – As das pessoas de seu serviço doméstico.

Art. 745. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as

disposições relativas ao usufruto.‖

O direito de usar, uma das faculdades que se compreende no direito de propriedade,

é o de servir-se alguém da coisa, empregando-a no uso a que é destinada; diverso do direito

de gozar, ou seja o de perceber os seus frutos.


Em rigor, portanto, o direito de usar, separado do de gozar, apenas permitia que o

titular do uso se servisse da coisa, sem direito a perceber qualquer porção dos frutos, uti

potest, frui nou potest.

Assim, porém, compreendido, o uso se tornava quase inútil; por isso o rigor se

abrandou, dando-lhe uma certa extensão para permitir que o usuário percebesse os frutos,

só no entanto quanto as suas necessidades o exigissem.

O uso, portanto, não é nudus usus siue ullo fructu, mas entendido com a extensão

que lhe dá o art. 742.

O direito à fruição é variável, pode argumentar ou diminuir na razão direta das

necessidades do usuário e sua família.

O Código entendeu firmar no art. 744 o sentido da expressão família, que

compreende as pessoas nele designadas. Não se incluem os ascendentes, a cuja família

pertence o usuário, mas que não se entende constituir família deste.

Dada a natureza pessoal do direito do uso, não pode ele ser cedido.

É indivisível como as servidões.

O usuário é obrigado a fazer inventário ou descrição do imóvel, e a prestar caução

se lhe for exigida, e está sujeito às disposições que regem o usufruto, não sendo elas

contrárias à sua natureza.

***

Habitação
―Art. 746. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o

titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua

família.

Art. 747. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa,

qualquer delas, que habite, sozinha, a casa, não terá de pagar aluguel à outra, ou as outras,

mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de

habitá-la.

Art. 748. São aplicáveis à habitação, no em que lhe não contrariarem a natureza, as

disposições concernentes ao usufruto.‖

A habitação é um direito ainda mais restrito que o uso, pois consiste apenas no

direito de habitar gratuitamente a casa alheia.

É indivisível, não pode ser cedido, nem pode o titular alugar a casa.

A habitação não é mais do que o uso de uma casa, e lhe são aplicáveis as regras

sobre o usufruto, e de acordo com a sua natureza.


Titulo V - Constituição de renda

―Art. 1.424. Mediante ato entre vivos, ou de última vontade, e título oneroso, ou

gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em beneficio próprio ou alheio, uma

renda ou prestação periódica, entregando-se certo capital, em imóveis ou dinheiro, a pessoa

que se obrigue a satisfazê-la.‖

―Art. 1.426. Os bens dados em compensação da renda caem, desde a tradição, no

domínio da pessoa que por aquela se obrigou.‖

―Art. 1.431. A renda vinculada a um imóvel constitui direito real, de acordo com o

estabelecido nos arts. 749 a 754.‖

No direito português antigo e, portanto, em nosso direito havia o censo reservativo

e o consignativo.

Censo reservativo era o contrato pelo qual um proprietário transferia a outrem todo

o domínio de um prédio seu, reservando para si uma certa pensão, ou quota de frutos que o

prédio produzisse.185

Censo consignativo era o contrato em virtude do qual o possuidor de um prédio se

obrigava a pagar pelos rendimentos dele certas medidas de frutos a outra pessoa, que lhe

dera certa quantia de dinheiro correspondente a cada medida.186

185
C. Telles Deg. Port. vol. 3.º art. 1.150.
186
Idem, art. 1.154.
A Lei Hipotecária de 1864 e a de 1890 não os consideraram direitos reais.

Admitiram, porém, com esse caráter, o legado de prestações ou alimentos expressamente

consignados num imóvel.

O Código Civil, como diz o ilustre Sr. Clovis, combinando e desenvolvendo essas

figuras jurídicas, regulou a constituição de renda, atribuindo à que recaísse sobre imóveis o

caráter de direito real.

O Sr. João Luiz Alves observa no comentário ao art. 1.424 que a redação do artigo

foi alterada, emendando-se a frase — ―tempo determinado ou não‖ — para suprimir estas

duas últimas palavras.

Isto, porém, não influi sobre a inteligência que se lhe deve dar, porque o prazo

embora determinado, pode ter data certa ou incerta. Certo quando se fixa uma data

conhecida, incerto quando depende de um elemento que embora certo, não se pode de

antemão fixar a data em que se há de realizar.

A constituição de renda ou pode ser um simples contrato, gerando efeitos pessoais,

ou pode produzir um direito real em coisa alheia.

Quer num, quer noutro caso, se a coisa entregue à parte obrigada for um imóvel o

contrato tem de ser transcrito, em virtude do art. 1.426 para que se opere a transferência do

domínio.

Diferem, porém, os dois casos, porque a constituição de renda, sem vínculo real, dá

ao credor o direito de cobrar a renda só da parte obrigada pelo contrato, ou seus sucessores;

quando toma o caráter de direito real, o credor pode exigi-la de quem adquira, por qualquer

título, o imóvel vinculado.


Diferem também os prazos em que prescreve, para o credor, o direito à percepção

da renda. No simples contrato o prazo é o das ações pessoais — 30 anos; no direito real é o

de 10 anos entre presentes, e de 20 entre ausentes.

Diferem no modo de operar a transcrição. No simples contrato em que se entrega

um imóvel há apenas a transcrição da transferência do domínio. No contrato com efeitos

reais há duas transcrições, uma da transferência de domínio e outra da constituição do

direito real de renda, efetuada cada uma em livro diferente.

―Art. 749. No caso de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública, de

prédio sujeito a constituição de renda (arts. 1.424 a 1.431), aplicar-se-á em constituir outra

o preço do imóvel obrigado. O mesmo destino terá, em caso análogo, a indenização do

seguro.

Art. 750. O pagamento da renda constituída sobre um imóvel incumbe, de pleno

direito, ao adquirente do prédio gravado. Esta obrigação estende-se as rendas vencidas

antes da alienação, salvo o direito regressivo do adquirente contra o alienante.

Art. 751. O imóvel sujeito a prestações de renda pode ser resgatado, pagando o

devedor um capital em espécie, cujo rendimento, calculado pela taxa legal dos juros,

assegura ao credor renda equivalente.

Art. 752. No caso de falência, insolvência ou execução do prédio gravado, o credor

da renda tem preferência aos outros credores para haver o capital indicado no artigo

antecedente.‖

O direito real de constituição de renda tem a figura de um direito real de garantia;

dando ao credor o direito de excutir o imóvel, quando não cumprida a obrigação, para do

valor separar um capital, que ao juro legal, produza a renda devida; e ao devedor o de
resgatar o imóvel, pagando ao credor um capital nessas mesmas condições. A esse capital

tem sempre direito o credor, como se vê do art. 752.

E como se destina o direito real a assegurar o cumprimento da obrigação, o preço

recebido no caso de indenização da coisa gravada, por ter sido desapropriada, ou em virtude

de sinistro, destina-se a constituir uma outra renda.

A disposição do art. 750 é uma conseqüência dos princípios. Se a renda é um direito

real que grava o imóvel, o adquirente está obrigado a satisfazê-la, mesmo vencida antes de

aquisição, ficando-lhe salvo nesse caso o direito regressivo contra o alienante, para reaver o

que este deixou de pagar.

―Art. 753. A renda constituída por disposição de última vontade começa a ter efeito

desde a morte do constituinte, mas não valerá contra terceiros adquirentes, enquanto não

transcrita no competente Registro.

Art. 754. No caso de transmissão do prédio gravado a muitos sucessores, o ônus real

da renda continua a gravá-lo em todas as suas partes.‖


Título VI - Direitos reais de garantia

Nos primitivos tempos de Roma, a garantia só poderia ter sido toda pessoal. A terra

então abundava, a riqueza, aliás, muito relativa, de poucos, era representada principalmente

pelo gozo abusivo das terras de domínio público, a grande maioria era de pobres

trabalhadores e pastores.

Que valor podiam ter simples instrumentos de trabalho, ou um pequeno trato de

terras?

Era natural, portanto, que o devedor respondesse com a sua pessoa pelo

cumprimento das obrigações contraídas, e se os seus bens por elas respondiam, era isso

uma conseqüência do direito que o credor tinha sobre a pessoa do devedor, pois era regra

que quem dispunha da pessoa podia dispor dos bens.

O devedor que não pagava a dívida era carregado de ferros, mal alimentado e, se

ninguém por ele pagava, era vendido do outro lado do Tibre para libertar a cidade do

espetáculo miserável de um devedor insolvente, caso não preferisse o credor matá-lo, como

se lhe reconhecia o direito.

A Lei Petila Papiria de nexis foi que modificou esse sistema declarando que não o

corpo do devedor, mas seus bens é que respondiam pelas dívidas, e só quem cometesse

delito, poderia ser posto a ferros ou amarrado, e enquanto durasse a condenação. Livres

ficaram os devedores de serem acorrentados, mas os credores poderiam levá-los para casa

(duci) e cobrar-se pelos seus serviços.


É perfeitamente compreensível que os credores nesses tempos de responsabilidade

pessoal procurassem reforçar a garantia do cumprimento da obrigação, com a

multiplicidade de pessoas obrigadas.

O progresso e desenvolvimento das relações econômicas, por um lado, e por outro o

afrouxamento dos laços que prendiam os indivíduos à família, à tribu, à gens, e talvez ainda

o desaparecimento das antigas virtudes, foi tornando cada vez menos fácil conseguir que

terceiros se tornassem fiadores de obrigações alheias.

Ao mesmo tempo, a lei rigorosa para os devedores, foi se abrandando

consecutivamente para os sponsores, dividindo proporcionalmente entre eles a

responsabilidade e desonerando dela seus herdeiros.

Se por esse modo se facilitava conseguir quem se obrigasse como fiador, também

por sua vez se minorava a garantia, que outrora ofereciam os sponsores, e fideipromissores.

Paralelamente os casos de sujeição da pessoa do devedor ao cumprimento da

obrigação, eram cada vez menos freqüentes, graças à missão de equidade desempenhada

pelos pretores, que foram introduzindo novas formas de tornar efetiva a solução das dívidas

pelos bens do devedor, dando ao credor a posse desses bens (missio in possessionem) como

um penhor (pignus prœtorium), e fazendo vendê-los em conjunto (venditio bonorum). A

esse modo de tornar efetivo o pagamento das dívidas pela posse e venda de todos os bens,

vem juntar-se o penhor judicial (pignus judiciale) pelo qual o magistrado, por meio dos

apparitores, embargava os bens do devedor necessários para o pagamento da dívida,

começando pelos móveis, passando em seguida aos imóveis e concluindo pelos créditos.

Não satisfazendo o devedor a dívida, cada coisa embargada era vendida separadamente

(distractio) e, pago o credor, o resto se entregava ao devedor.


Esse progresso, que se refletia tão poderosamente sobre a sorte dos devedores, não

podia deixar de influir sobre os credores, que procuravam apenas garantir o seu reembolso

no vencimento das obrigações.

Chegado a esse ponto, fácil é compreender a transição da garantia pessoal para a

real.

O valor das coisas estava já muito longe de ser o valor ínfimo primitivo, pois muito

se desenvolvera a sociedade com o concurso de novos fatores econômicos, e foi-se sentindo

que as coisas garantiam melhor que as pessoas.

Essa responsabilidade geral de todos os bens do devedor pelo cumprimento das

obrigações, não era de molde a assegurar eficazmente o reembolso do credor.

Os bens só respondiam pela dívida enquanto permanecessem no patrimônio do

devedor, que os podia alienar; além da garantia estar sujeita à diminuição pelo acréscimo de

obrigações posteriores.

Procurou-se o meio de fazer com que certos bens ficassem sujeitos ao cumprimento

de determinadas obrigações, afastando os demais credores.

Mas, como observa Jourdan187, o Direito Romano conheceu desde sua origem um

certo número de direitos reais e de direitos pessoais, que não podiam nascer, extinguir-se ou

transferir-se, senão nas formas e nas condições rigorosamente determinadas pela lei.

Quer-se estabelecer, organizar uma nova relação jurídica; não basta que a coisa seja

boa em si, útil ou necessária, o que se precisa é encontrar o mecanismo, de que se lance

mão para chegar ao fim desejado. Recorre-se ao arsenal dos processos do velho direito

quiritário para escolher o que melhor se adapte ao caso.

187
Études de droit romain: l'hypothèque, exposition historique et dogmatique, explication des
textes. Intr., p. 15.
Como poderá, portanto, o credor conseguir a garantia real que substitua a pessoal?

Uma ação direta sobre uma coisa do devedor, em vez da ação pessoal contra ele? Os

direitos que dão ação real são: — o domínio quiritário, o direito hereditário e a servidão.

Ora o devedor podia conceder ao credor uma ação de reivindicação, transferindo-lhe

a propriedade de uma coisa sua, mas, uma vez solvida a obrigação, o credor lhe deveria

restituir.

A esse resultado se chegou com o contrato pelo qual o devedor, que dava ao credor

uma coisa em garantia, lhe transferia o domínio pela mancipatio ou cessio in jure, mas com

um pactofidúcia, pelo qual, solvida a obrigação, o credor de novo transferiria ao devedor o

domínio da coisa recebida sub fiducia, sub lege remancipationis.

Com o tempo e ainda com as dificuldades das solenidades da mancipatio fiduciária,

os credores teriam dispensado as solenidades para as dívidas pouco importantes, recebendo

a coisa, ao fornecer o dinheiro, e restituindo-a no mesmo ato do pagamento. Pouco a pouco

assim como o contrato real de depósito foi se substituindo à fiducia contracta cum amico, o

contrato real de penhor foi se substituindo à fiducia cum creditore contracta.188

Qualquer dos dois contratos, ou a fiducia ou o penhor (pignus), oferecia

inconvenientes.

O devedor perdia a coisa, qualquer que fosse o seu valor, se não pagasse a dívida,

embora mínima. Transferindo o domínio estava arriscado a perdê-la definitivamente, pois

não poderia reivindicá-la de terceiros, se por ventura o credor a alienasse; e dispondo

apenas de uma ação pessoal contra o credor, se este se tornasse insolvente, o seu prejuízo

era certo.

188
Jourdan. Ob. cit., Capítulo IX.
Além disso ficava o devedor privado da coisa e seus frutos.

Este último inconveniente oferecia também o penhor (pignus), impedindo o devedor

de tirar da coisa as utilidades que lhe pudesse proporcionar.

Sentiu-se a necessidade de um contrato em que tais inconvenientes fossem

removidos, em que o devedor retendo o domínio e a posse da coisa obrigada, percebendo-

lhe os frutos e os utilizando, não dificultasse ao credor tornar efetiva a satisfação de seu

crédito, conferindo-lhe um direito real.

A dificuldade não era pequena, porque o domínio quiritário só se transferia pela

mancipatio e pela in fure cessio, e embora o rigor desse direito se tivesse ido abrandando

sob a influência do direito das gentes, derivada do comércio e das relações com os

estrangeiros, cada vez mais repetidas e mais importantes, ainda assim por esse direito, as

coisas que estavam apenas in bonis, embora se transferindo com maior simplicidade,

exigiam, no entanto, a tradição, necessidade que da propriedade se estendeu a todos os seus

desmembramentos. Como, portanto constituir um direito real sem a tradição da coisa?

Foi o direito pretório que deu o meio de vencer a dificuldade. Era esse direito que

por seus meios artificiais sancionava os costumes oriundos das necessidades de novas

instituições, que iam surgindo ao lado das antigas, e lhes clava a vida do direito escrito.

O pretor Servio, indo além do interdito salviano, que dava ao proprietário do

prédio rústico um simples meio de entrar na posse dos móveis, que o colono trouxesse para

o prédio, no caso de impontualidade, e criando uma in, rem actio, para o locador poder

reivindicar os objetos retirados do prédio arrendado, como o poderia no caso da fidúcia, foi

quem assentou o precedente, que teria de servir de base ao desenvolvimento do direito real

da hipoteca.

Com esse precedente e reconhecida a utilidade do processo, o princípio da actio


serviana estendeu-se a outras hipóteses – quasi serviana actio – também chamada

hipotecária ou serviana útil, e acabou por se generalizar.189

Os credores sentindo-se garantidos mesmo sem a posse da coisa, não relutavam

em deixá-la em poder do devedor, que, se a alienasse, em nada os prejudicaria, porque

poderiam dirigir a sua ação contra quem quer que a detivesse e obter a satisfação do seu

crédito.

A diferença entre o penhor e a hipoteca era que, ao passo que no penhor se dava a

tradição das coisas moveis e a posse das imóveis, na hipoteca o direito real ficava

constituído com o simples pacto.

―Proprie pignus dicimus quod ad creditorem transit, hypotheca, cum non transit,

nec possessio ad creditorem.‖190

Indiferente era que as coisas dadas em garantia fossem móveis ou imóveis, por

isso diziam os jurisconsultos romanos, tendo em vista só os efeitos do penhor e da hipoteca,

que os dois contratos só se diferenciavam no nome;191 o que era verdade quanto aos efeitos,

mas não ao modo de constituí-los.

Eis em rápido esboço do desenvolvimento da garantia real entre os romanos.

Só mais tarde é que se foi estabelecendo diferença entre o penhor e a hipoteca,

pela natureza dos bens, que faziam seu objeto. E uma vez que a hipoteca como direito real

importava na seqüela, nos países em que o direito germânico tivera influência mais

acentuada, só os imóveis podiam ser seu objeto; porque o direito germânico não permitia

189
Mainz Droit Romain I - 239.
190
Ulpiano. Livro 9, § 2.º - De pignoraticia actione vel contra.
191
Inter pignus autem et hypothecam tantum sonus differt (§ 1.º do Livro 6, título 1.º, L.º 20
Digesto)
seqüela a respeito de móveis, salvo o caso de perda ou furto.

É o que se vê nos países de costumes.

O mesmo não aconteceu na Península Ibérica.

No Fuero Juzgo, lei comum aos visigodos e romanos, não se encontra referência à

hipoteca, e só se trata do penhor, pignus nos códigos em latim, penno nos de língua

romance.

As disposições referentes ao penhor, diz Gomes de La Serna, ainda que reunidas no

mesmo título, estão longe de formar um sistema e ostentar a riqueza jurídica do Direito

Justiniano.192

Não fala de imóveis, e se o penhor os compreende é porque a lei não os exclui; e é

mesmo o mais certo que tais bens fossem dele suscetíveis, como o eram por Direito

Romano, de onde essas leis foram tomadas.

Não há uma palavra sobre hipoteca, e apenas referência ao contrato em que a coisa é

entregue ao credor.

Dada a invasão agarena a observância do Fuero Juzgo continuou.

Durante a Reconquista, fácil é compreender que sendo um período de lutas e

incertezas, nenhuma segurança havia para a propriedade imóvel; e só aceitasse o credor,

como garantia, as coisas que ficassem em seu poder.

Em Portugal desde que foi ele desmembrado da coroa ovieto lionense até à

fundação da monarquia, o direito havia de ser esse mesmo, pois as lutas, que ali

continuavam, não eram de molde a permitir modificação.

192
La Ley Hyp. — Inst. Hist. — p. 37.
Com o renascimento do Direito Romano, recupera ele sua influência; e suas regras

começam a ser conhecidas, refletindo-se na península, principalmente na Ley das Siete

Partidas, nas quais embora muito tivesse tomado daquele Direito, não se encontra o termo

hipoteca.193

As Ordenações Portuguesas não legislaram a respeito das coisas dadas em garantia.

Só a Ord. Livro 4, Título 3.º, a propósito da alheação de coisa obrigada, declarou

que a coisa passaria com o encargo, podendo o credor demandar o possuidor para que lhe

pagasse a dívida ou lhe entregasse a coisa para por ela se pagar.

A Lei de 20.06.1774, relaciona-se com a Ord. do Livro 3, Título 91, que revogou, e

só se ocupa das preferências; de sorte que até a Lei 1.334, de setembro de 1864, podiam

entre nós ser objeto de hipoteca tanto as coisas móveis como as imóveis.

Dos direitos de garantia são sujeitos à transcrição o penhor agrícola e a anticrese, só

dos dois por isso trataremos neste volume.

A hipoteca sendo objeto da inscrição ficará para o 2.º volume.

―Art. 755. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, a coisa dada em

garantia fica sujeita, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.

Art. 756. Só aquele que pode alienar, poderá hipotecar, dar em anticrese, ou

empenhar. Só as coisas que se podem alienar poderão ser dadas em penhor, anticrese ou

hipoteca.

Parágrafo único. O domínio superveniente revalida, desde a inscrição, as garantias

193
Peño es propriamente aquella cosa que um home empeña á outro apoderandol della, et
mayormente quando es mueble; mas segunt el largo entendimiento de la ley, toda cosa quer sea
mueble o raiz que es empeñada á outro puede ser dicha peño, maguer non fuese entregada della
aquel á quien la empeñassem (Part. V., Tít. XIII, L. I).
reais estabelecidas por quem possuía a coisa a título de proprietário.

Art. 757. A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em

garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode

individualmente dar em garantia real a parte que tiver, se for divisível a coisa, e só a

respeito dessa parte vigorará a indivisibilidade da hipoteca.‖

―Art. 760. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a

dívida não for paga. Extingue-se, porém, esse direito, decorridos trinta anos do dia da

transcrição.‖

O art. 755 confirma a disposição do art. 674, VII, VIII e IX. O penhor, a anticrese

e a hipoteca são direitos reais; o que quer dizer, como vimos, que é um direito absoluto, que

se exerce imediatamente sobre a coisa, sem consideração a pessoa.

As coisas sujeitas à garantia, ora permanecem na posse do devedor, como no caso

da hipoteca e do penhor agrícola, ora passam a do credor, como no penhor e anticrese. Em

qualquer dos casos ficam sujeitas ao cumprimento da obrigação, mesmo quando, tendo o

devedor direito a posse, elas passem a de terceiros completamente estranhos à obrigação.

O seu fim é assegurar ao credor o pagamento, ou pelos seus rendimentos como na

anticrese, para o que o art. 760 lhe confere o direito de retenção, ou pelo preço da coisa,

excluindo os demais credores, salvo na chamada hipoteca judiciária.

Em relação a capacidade dos contratantes e ao objeto do contrato de que trata o art.

756, já foi dito o suficiente no Capítulo VI, Título V, e quanto à disposição do art. 757,

veja-se o Título XIV do mesmo Capítulo.

―Art. 758. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa

exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo
disposição expressa no título, ou na quitação.‖

―Art. 766. Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a

hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo.

Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remissão fica sub-rogado nos

direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito.‖

Esses artigos consagram o caráter jurídico da indivisibilidade do vínculo real.

O Sr. Lacerda de Almeida194 distingue a integralidade da indivisibilidade.

A integralidade produz o efeito de gravar o imóvel em sua integridade e em cada

uma de suas partes, característico da essência do vínculo.

A indivisibilidade produz o efeito de não sofrer divisão o vínculo formado, de não

se fracionar, não se adquirindo nem perdendo por partes.

Em virtude da integralidade o imóvel fica gravado em sua integridade e em cada

uma de suas partes.

Ainda se pode distinguir a indivisibilidade do vínculo, da solidariedade real.

Consiste esta em responderem os vários imóveis sujeitos ao vínculo, e cada um

deles, pela totalidade da obrigação garantida.

É precisamente o caso do art. 758. Como é uma simples determinação legal, e não é

da essência do vínculo, pode ser alterada por convenção das partes.

O Código compreende na indivisibilidade a solidariedade real, que era do Direito

Romano e tradicional em nosso direito; de sorte que, paga uma parte da dívida garantida

194
Direito das Coisas, vol. II, § 130.
por mais de um imóvel, não pode o devedor pretender que o vínculo seja reduzido à parte

dos bens.

Assim também, dividida a obrigação pelos herdeiros do devedor, pagando qualquer

deles a parte proporcional à sua quota, nenhum direito tem de exigir que fique remida

parcialmente a garantia.

Dividido por sua vez o crédito garantido, pelos herdeiros do credor, o imóvel ou

imóveis respondem integralmente pela parte de cada um, só se extinguindo o vínculo com o

pagamento total da dívida.

―Art. 759. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de executar a coisa

hipotecada, ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à

hipoteca, a prioridade na inscrição. [e também no penhor agrícola].

Parágrafo único. Excetuam-se desta regra a dívida proveniente de salários do

trabalhador agrícola, afim de ser pago pelo produto da colheita para a qual houver

concorrido com o seu trabalho, precipuamente a quaisquer outros créditos.‖

Há a acrescentar a essa exceção mais a do § 1.º do art. 27 do Dec. 13.498, de

12.03.1919, pondo em execução a Lei 3.724, de 15 de janeiro do mesmo ano.

―§ 1.º A dívida proveniente dessas indenizações [acidentes de trabalho] goza sobre a

produção da fábrica em que se tiver dado o acidente, da preferência excepcional atribuída

pelo parágrafo único do art. 759 do Código Civil aos créditos por salário dos trabalhadores

agrícolas.‖

―Art. 1.557. Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais.‖


―Art. 1.560. O credito real prefere ao pessoal de qualquer espécie, salvo a excepção

estabelecida no parágrafo único do art. 759; o credito pessoal privilegiado ao simples, e o

privilegio especial, ao geral.‖

Os credores garantidos por um direito real têm o direito de excutir a coisa gravada,

para alcançar o fim de se pagarem pelo seu valor, com exclusão dos demais credores, que

não tenham igual ou melhor direito. A essa prerrogativa conferida ao credor de excluir os

demais denomina-se preferência.

A característica de direito real conferida à hipoteca, ao penhor e à anticrese é o meio

de dar eficácia à preferência.

A seqüela e a preferência são as duas características dos direitos de garantia; o

primeiro se exerce sobre a coisa e interessa aos credores em suas relações com os

adquirentes dos imóveis gravados, o segundo se exerce sobre o preço e diz respeito às

relações dos credores entre si.195

―Art. 761. Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não

valerem contra terceiros:

I – O total da dívida, ou sua estimação.

II – O prazo fixado para pagamento.

III – A taxa dos juros, se houver.

IV – A coisa dada em garantia, com as suas especificações.‖

195
P. Pons. Des. Priv. et Hyp. nº 251.
O Código estendeu expressamente a todos os direitos reais de garantia o princípio

da especialidade, exigindo ainda a declaração do prazo, sob pena de não gerarem tais

contratos nem hipoteca, nem penhor, nem anticrese, pois a isso equivale privá-los de

eficácia contra terceiros.

Ou esses direitos existem, e têm de valer contra todos, porque são direitos reais, ou

não podem valer contra terceiros e então não existem.

Há simples contratos de onde decorrem direitos pessoais, mas não se pode falar em

direito real de garantia, onde não há direito de preferência que, como há pouco se viu, diz

respeito às relações entre o credor garantido e os demais credores.

Não havendo direito real, os contratos, que não satisfizerem aos requisitos do art.

761, não podem ser admitidos a Registro; salvo ao relativo à taxa de juros, que se reputará

não existir.

A exigência da especialidade se justifica pelas necessidades do crédito. A incerteza

sobre o imóvel gravado anularia as vantagens da publicidade.

A especialidade é condição de eficácia da publicidade.196

Os terceiros têm necessidade de conhecer os direitos reais de que cada imóvel é

objeto, assim como o valor da responsabilidade a que serve de garantia, para, com

segurança, poderem contratar.

É de notar-se que se por um lado interessa aos terceiros, por outro também aproveita

ao devedor a determinação do valor; porque o habilita a utilizar-se do valor integral do

imóvel, em bem do seu crédito, fazendo novos contratos, se o valor chegar para cobrir

novas responsabilidades.

196
P. Pons ob. cit. n. 323.
―Art. 765. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrédito ou

hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.‖

É a proibição do pacto comissório, célebre nos anais da fraude, como disse

Troplong.

Essa cláusula era, entre os romanos, permitida em todos os contratos; mas por causa

dos abusos sempre crescentes, dela se valendo os credores para se apoderarem a ínfimo

preço das coisas, que serviam de garantia às dívidas, o imperador Constantino a proibiu nos

contratos de penhor.197

A posição passou o nosso direito, que admitindo o pacto comissório em outros

contratos, como vimos, quando tratamos da compra e venda, expressamente o proibe nos

contratos de garantia.

197
Quoniam intes alias captiones prœcipue commissoriœ (pignorum) legis crescit asperitas,
placet infirmari eam, et in posterum omnem ejus memoriam aboleri: Si quis igitur tali contractu
laborat, hac sanctione respiret, quœ cum preteritis prœseutia quoque repellit, et futura probibet.
(Código L. VIII, Tít. 25, L. 3)
Título VII - Penhor agrícola

―Art. 781. Podem ser objeto de penhor agrícola:

I – Máquinas ou instrumentos aratórios, ou de locomoção.

II – Colheitas pendentes, ou em via de formação no ano do contrato, quer resultem

de prévia cultura, quer de produção espontânea do solo.

III – Frutos armazenados, em ser, ou beneficiados e acondicionados para a venda.

IV – Lenha cortada ou madeira das matas preparada para o corte.

V – Animais de serviço ordinário de estabelecimento agrícola.‖

Na alínea II o Código reproduz a disposição da Lei 2.415, de 28.06.1911, que

expressamente incluiu os produtos espontâneos do solo entre os que podem ser objeto do

penhor agrícola, o que a jurisprudência, sob o regime do Dec. 370, não admitia.

Afastando-se do Regulamento 370 e da Lei 2.415 o Código só admite o penhor da

colheita pendente ou em formação no ano do contrato, quando o Regulamento 370 no art.

362, f, permitia sobre colheita futura de certo e determinado ano.

―Art. 782. O penhor agrícola só se pode convencionar pelo prazo de um ano,

ulteriormente prorrogável por seis meses.‖

O projeto primitivo havia prescrito para o penhor agrícola o prazo de um ano,

permitindo a prorrogação por mais dois.

Foi adotada a emenda da Câmara, e restringiu-se a prorrogação a 6 meses.


Vem de molde transcrever as considerações do saudoso jurisconsulto e homem do

Estado, o Sr. Visconde de Ouro Preto, a respeito do prazo de 2 anos estipulado no art. 107

do Regulamento 9.549, de 23.01.1886. [Decreto 9.549?]

―A ninguém favorece mais o crédito, nem há quem mais necessite do seu adjutório

do que o pequeno lavrador, que, de posse de modesto sítio, e munido dos instrumentos

próprios para lavrá-lo, derruba a mata, levanta a rude choupana e lança à terra a

sementeira.‖

―Feliz reputar-se-á o corajoso desbravador, se no primeiro ano puder assegurar a

própria subsistência para o segundo, no qual, aliás, forçosamente terá de saldar o débito

contraído sob a garantia daqueles instrumentos ou da colheita que assim preparou.‖

―Tão minguado prazo impossibilita para ele semelhante recurso.‖198

―Art. 783. Se o prédio estiver hipotecado, não se poderá, pena de nulidade, sobre ele

constituir penhor agrícola, sem anuência do credor hipotecário, por este dada no próprio

instrumento de constituição do penhor.‖

O Sr. João Luiz Alves comentando esse artigo, que encerra exigência não feita pelo

direito anterior, o censura por desarrazoado e ilógico.

O penhor agrícola visa os frutos depois de colhidos, e sobre estes nenhum direito

tem o credor por hipoteca não vencida, por isso nenhuma necessidade devia haver do seu

consentimento, pois dele prescinde o devedor para aliená-los.

198
Crédito móvel pelo penhor e o bilhete de mercadori. Introdução, p. XVII.
E se antes de vencido o penhor, se excutisse a hipoteca, a prioridade determinaria a

preferência, como na anticrese de imóvel já hipotecado.

―Art. 784. No penhor de animais, sob pena de nulidade, o instrumento designá-los-á

com a maior precisão, particularizando, o lugar onde se achem, e o destino, que tiverem.‖

―Art. 787. Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos,

ficam sub-rogados no penhor.

Parágrafo único. Esta substituição presume-se, mas não valerá contra terceiros, se

não constar de menção adicional ao respectivo contrato.‖

―Art. 796. O penhor agrícola será transcrito no Registro de Imóveis.

Parágrafo único. Enquanto não cancelada, continua a transcrição a valer contra

terceiros.‖

O Código Civil destaca, nos arts. 784 a 788, o penhor pecuário, que fica

compreendido no penhor agrícola, em sentido lato.

O seu objeto não são os animais de um estabelecimento agrícola, mas o gado, ou

seja, em fazenda de criação, ou em trânsito, para ser vendido nos grandes entrepostos.

A substituição dos animais mortos pelos que forem comprados é um reforço do

penhor desfalcado.

Apesar de regulado o penhor pecuário sob o título de penhor agrícola, os prazos

diferem. No penhor agrícola, propriamente dito, o prazo máximo é de um ano, prorrogável

por 6 meses, no pecuário o máximo é de 2 anos, prorrogável por outros dois.

O Sr. Clovis observa que a prorrogação do penhor deve constar do Registro.


O penhor agrícola, qualquer que seja o seu valor, deve ser transcrito sempre no

Registro de Imóveis, alterado nessa parte o direito anterior.

O cancelamento da transcrição se fará mediante a prova de sua extinção.

―Art. 802. Resolve-se o penhor:

I - Extinguindo-se a obrigação.

II - Perecendo a coisa.

III - Renunciando o credor.

IV - Resolvendo-se a propriedade da pessoa, que o constituir.

V - Confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e dono da coisa.

VI - Dando-se a adjudicação judicial, a remissão, ou a venda do penhor, autorizada

pelo credor.‖

Nada de especial há que mereça explicação; o simples conhecimento das

disposições do Código, elucida os casos de extinção; podendo em qualquer deles, o

interessado fazer cancelar a transcrição.

O parágrafo único do art. 801 conferindo ao adquirente do penhor por adjudicação,

compra, sucessão ou remissão, o direito de fazer cancelar a transcrição, exibindo o seu

título mereceu a censura do Sr. Vieira Ferreira, porque esse direito não pode assistir ao

adquirente de coisa, cujo penhor não esteja extinto.199

A essa crítica opõe o ilustre autor do Projeto a sua autorizada opinião,200 declarando

que o direito é conferido ao adquirente que, exibindo seu título, provar a extinção do

199
Trabalhos da Comissão Especial do Senado. Vol. III, p. 121.
200
Código Civil. Vol. 3.º, obs. 2 do art. 801.
penhor, ou seja porque o instrumento de aquisição autorize o cancelamento, ou, no caso de

sucessão, porque haja justa causa para resolver-se o penhor da coisa que ao herdeiro tenha

sido transferida.
Título VIII - Anticrese

Jourdan201 faz sentir a transição natural do direito de posse transferido ao credor

pignoratício para o pacto da anticrese.

O credor pignoratício quando percebesse frutos da coisa empenhada, embora

obrigado a prestar contas, imputava-os à conta dos juros devidos, e o excedente à conta do

capital.

Daí, a ajustar-se a troca do uso de um capital em dinheiro, pelo uso de bens de

outra natureza, a passagem era fácil.

O devedor de uma quantia podia em troca entregar ao credor uma coisa frugífera,

para perceber-lhe os frutos, como si fossem os juros do dinheiro emprestado.

Compreende-se bem esse contrato independente de penhor ou hipoteca.

Na linguagem jurídica ficaram os dois casos confundidos e designados pelo nome

de anticrese; obrigado sempre o credor a prestar contas, para compensar os juros, com os

frutos percebidos, restituindo o excesso ou imputando-o no capital devido.

No estado atual do nosso Direito a anticrese é o direito real de perceber o credor os

frutos ou rendimentos de um imóvel, que para esse fim lhe é entregue, levando-os em conta

ou só dos juros ou de toda a dívida.

―Art. 805. Pode o devedor, ou outrem por ele, entregando ao credor um imóvel,

ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos.

§ 1.º É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel, na sua totalidade,

sejam percebidos pelo credor, somente à conta de juros.

201
Études de droit romain: l'hypothèque, exposition historique et dogmatique, explication des
textes. 2.ª P.te, Secc. V, Capítulo XLI.
§ 2.º O imóvel hipotecado pode ser dado em anticrese pelo devedor, ao credor

hipotecário, assim como o imóvel sujeito a anticrese pode ser hipotecado pelo devedor ao

credor anticrético.‖

Desses dispositivos se vê que a anticrese só tem por objeto coisa imóvel. Que os

frutos ou rendimentos, havendo estipulação expressa, podem ser percebidos na totalidade à

conta de juros.

Que, se a dívida não vencer juros, os rendimentos serão imputados na conta do

capital.

Do § 2.º poder-se-ia inferir que o imóvel sujeito a um dos dois direitos reais de

garantia, anticrese ou hipoteca, não poderia ser objeto de outro contrato senão em favor do

mesmo credor. A conclusão é, porém, inadmissível diante da disposição do art. 805; além

de que a preferência resultante de cada um desses dois direitos reais, é perfeitamente

regulada pela prioridade do Registro.

―Art. 760. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a

dívida, não for paga. Extingue-se, porém, esse direito, decorridos trinta anos do dia da

transcrição.‖

―Art. 808. O credor anticrético pode reivindicar seus direitos contra o adquirente do

imóvel, os credores quirografários e hipotecários posteriores à transcrição da anticrese.

§ 1.º Se porém, executar o imóvel por não pagamento da dívida, ou permitir que

outro credor o execute, sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, não terá

preferência sobre o preço.


§ 2.º Também não a terá sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja

destruído, nem, se for desapropriado, sobre a da desapropriação.‖

Estão expressamente consagrados nesses artigos o direito de retenção, que compete

ao credor anticresista; o de seqüela; assim como o de preferência sobre todos os credores

quirografários, e hipotecários de data posterior à transcrição da anticrese. Preferência que

versa sobre os frutos e não sobre o preço do imóvel; por isso desaparece, se o credor

anticresista executar, ou permitir que outrem execute, o imóvel gravado; assim como no

caso de destruição do prédio ou de desapropriação.

Para assegurar preferência sobre o preço é comum constituí-la, não como um

contrato independente, mas sob a forma de pacto adjecto a um contrato de hipoteca.


CAPÍTULO VIII

MODO DE REALIZAR A TRANSCRIÇÃO

Expostos os diversos atos sujeitos à transcrição, passemos aos meios de realizá-la.

A primeira condição de validade de uma transcrição é ser efetuada no Registro da

circunscrição a que pertence o imóvel (art. 861 do Código), e se o imóvel pertencer a mais

de uma circunscrição, ou se havendo mais de um, estiverem em circunscrições diferentes,

em cada uma delas ter-se-á de fazer a transcrição.

Verificada a circunscrição a que pertence o imóvel, requererá o interessado ao

Oficial do Registro competente, que transcreva o seu título. Não há prazo legal para o

pedido, que pode ser verbal e feito pelas partes, seus representantes, ou quem por eles

compareça mesmo sem procuração, ou ainda por quem tenha interesse na transcrição (art.

244 com referência ao art. 211 do Regulamento 370, de 02.05.1890).

Ao Oficial de Registro se apresentará o titulo, acompanhado de dois extratos, cujos

modelos vão no apêndice, perfeitamente iguais entre si, com os requisitos indispensáveis à

transcrição e na ordem em que a lei os exige (art. 50, §§ 1.º e 2.°, do Regulamento citado).

Se o título for um escrito particular será apresentado em duplicata (art. 51 do

Regulamento citado). A exigência explica-se, porque não existindo, como no caso de

instrumento público, um arquivo de onde conste o original, é de necessidade que o escrito

particular fique depositado no arquivo do Registro, onde possa ser examinado, se, de

futuro, alguma dúvida se levantar sobre o documento registrado.

Apresentado o título com os extratos, se houver incidência de imposto para a

transcrição, em obediência à legislação fiscal, deve o apresentante preliminarmente

satisfazê-lo, para cujo fim lhe será fornecida uma guia.


Observaremos, embora melhor cabimento tivesse a observação quando tratássemos

da organização do Registro e ordem do serviço, que deverá formar a última parte deste

trabalho, quando completo, que se impõe uma reforma.

A nota de apresentação no Protocolo deveria ser feita imediatamente após a

apresentação do título, como preceitua o art. 42 do Regulamento citado, embora com o

caráter de simples prenotação, válida dentro de certo prazo, quando houvesse impostos a

pagar, ou no caso do alguma irregularidade fácil de sanar.

No primeiro caso, por força da legislação fiscal, a apresentação só é anotada depois

de pago o imposto; no segundo caso o Oficial é obrigado a levantar dúvida e, sanada a

irregularidade, isto é, tendo sido procedente a dúvida, cancelará a apresentação, para efetuar

outra na data em que for o título de novo apresentado (arts. 60 e 71 do Regulamento

citado).

A lei espanhola poderia servir-nos de modelo. Dispõe ela que o Registrador

encontrando faltas nas formas extrínsecas, avisará ao apresentante para saná-las durante o

prazo de vigência da nota de apresentação (30 dias) (art. 19 da nova edição da Lei

Hipotecária, de 16.12.1909).

Providenciando sobre a fiscalização do imposto, dispõe que nenhuma inscrição será

feita sem o prévio pagamento dos impostos devidos; mas que isso não obsta ao lançamento

da nota de apresentação; suspendendo-se a inscrição, até que se efetue o pagamento,

retrotraindo, porém, a inscrição à data da apresentação, se feita nos 30 dias de sua vigência

(arts. 245 e 246 da citada Lei).

Os extratos
A propósito da inscrição das hipotecas, opinaram os Srs. Clovis e Azevedo

Marques, que o Código Civil havia abolido os extratos, uma vez que a eles não se referiam.

Mas deve-se atender a que os Registros de hipoteca estavam organizados ao votar-se o

Código Civil, e não havendo este expressamente abolido os extratos, é mais de supor-se que

não tenha pretendido alterar o modo por que estava organizado o serviço, tendo deixado às

leis e regulamentos posteriores a tarefa de manter ou não o modo de executá-lo.

Não que pugnemos pela manutenção dos extratos, que a nosso ver, não passam de

inutilidade burocrática, cuja única serventia é pejar os cartórios, e fornecer pasto às traças.

Em França, onde eles só existem para a inscrição das hipotecas, a sua função não é

idêntica à do nosso direito.

Lá o extrato (bordereau) é a base da inscrição; é organizado pela parte e sob sua

responsabilidade, cabendo apenas ao conservador reproduzi-lo com fidelidade, quaisquer

que sejam os seus defeitos; não sendo essencial a apresentação do título.

O Oficial supre pelo título as insuficiências do extrato, diz o art. 53 do Regulamento

370; mas se o título for insuficiente não se pode suprir pelo extrato, porque então deixaria

de ser extrato do título, para se tornar meio de correção.

Como se acaba de ver, nem sequer servem os extratos para por eles se verificar os

dizeres da transcrição, porque ao operá-la no respectivo livro, a insuficiência do extrato

será suprida pelo título, de modo que entre a transcrição e os extratos é possível

divergência.

Sem prejuízo poderiam ser suprimidos, e com vantagem substituídos por um

certificado que fosse a cópia fiel da transcrição efetuada, o qual serviria para os
interessados verificarem qualquer lacuna, habilitando-os a providenciar sobre a necessária

retificação.

Efetuada a transcrição, a parte receberá o título e um dos extratos, devidamente

rubricados, indo anotados em casa um dos documentos restituídos, os números de ordem do

Protocolo e do Livro em que o Registro foi feito, as respectivas páginas, a data da

apresentação e a da transcrição.

Dúvida

Pode acontecer que o instrumento apresentado não esteja revestido das solenidades

externas; que dos livros do Registro, conste pertencer o imóvel à pessoa diversa da que

outorga o direito; que haja cláusula de inalienabilidade; enfim que tenha o Oficial motivo

para duvidar da legitimidade ou da legalidade do título cuja transcrição se requer.

Tomada a nota de apresentação no Protocolo, o Oficial restituirá o documento, com

a declaração dos motivos por que deixou de fazer a transcrição.

Se o interessado não se conformar com as razões aduzidas, recorrerá ao juiz, sob

cuja jurisdição se achar o ofício do Registro202 e, juntando o título com a dúvida ao seu

requerimento, impugnará os motivos da dúvida.

202
Nesta Capital é o da 1.ª Vara Cível.
Se esta for julgada improcedente apresentará de novo o interessado o título e

certidão do despacho que assim o julgou.


APÊNDICE DO VOLUME I
DECRETO 370, DE 02 DE MAIO DE 1890

[...]

Art. 50. A pessoa que requerer a inscrição ou transcrição de qualquer título,

apresentará ao Oficial do Registro:

§ 1.º O título.

§ 2.º O extrato do mesmo título em duplicata, contendo todos os requisitos, que para

a inscrição ou transcrição este regulamento exige, e pela mesma ordem em que se exigem.

Estes extratos serão assinados pela parte ou por seu advogado ou procurador.

Art. 51. Sempre que o título apresentado for escrito particular, no caso em que é

admissível (art. 8.º, § 2.º, do Decreto), apresentar-se-há em duplicata, ficando um dos

exemplares arquivado no Registro.

Art. 52. Sendo os extratos conformes um ao outro, além de suficientes (art. 50), o

Oficial fará segundo eles a inscrição ou transcrição.

Art. 53. Se, porém, os extratos, conformes entre si, não forem suficientes, o Oficial

fará o Registro, suprindo pelo título o que no extrato faltar.

[...]

Art. 66. Tomada a nota da apresentação, e conferido o número de ordem, o Oficial,

duvidando da legalidade do título, pode recusar-lhe Registro, entregando-o à parte, com

declaração da dúvida que achou, para que ela possa recorrer ao juiz de direito.203

203
Art. 834 do CC.
Quando o Oficial tiver dúvida sobre a legalidade da inscrição requerida, declara-la-á por
escrito ao requerente, depois de mencionar, em forma de prenotação, o pedido no respectivo livro.
Art. 67. Neste caso, o Oficial, na coluna das anotações do Protocolo, certificará que

o Registro ficou adiado pela dúvida que ele achou no título, e que resumidamente

especificará.

Art. 68. A parte, juntando o título, com a dúvida do Oficial, e impugnando-a,

requererá ao juiz de direito que, não obstante ela, mande proceder ao Registro.

Art. 69. Decidindo o juiz de direito que a dúvida procede, o escrivão do juiz de

direito remeterá certidão do despacho ao Oficial, que cancelará a apresentação, declarando,

na coluna das anotações, que a dúvida foi considerada procedente por despacho de tal dia, e

arquivará a sobredita certidão.

Art. 70. Sendo a dúvida improcedente, a parte apresentará de novo o seu título, com

certidão de despacho do juiz de direito, e o Oficial procederá logo ao Registro, declarando,

na coluna das anotações, que a dúvida se houve como improcedente por despacho do juiz

de direito, datado de..., que fica arquivado.

Art. 71. Pela forma determinada nos artigos antecedentes procederá o Oficial, quer

o título lhe pareça nulo, quer lhe pareça falso, ou sobre ele ocorra qualquer dúvida, de

modo que fique sempre salvo o número de ordem, que ao título compita, o qual só se

cancelará à vista de decisão judicial, ou por acordo entre as partes.

[...]

Art. 74. Não são admissíveis, para os atos do Registro, senão os títulos seguintes:

§ 1.º Os instrumentos públicos;

Art. 835. Se a dúvida, dentro em 30 dias, for julgada improcedente, a inscrição far-se-á com o
mesmo número que teria na data da prenotação. No caso contrário, desprezada esta, receberá a
inscrição o número correspondente à data em que se tornar a requerer.
§ 2.º Os escritos particulares assinados pelas partes, que neles figurarem,

reconhecidos pelos Oficiais do Registro e selados com o selo competente. (art. 8.º do

Decreto)

§ 3.º Os atos autênticos de países estrangeiros, legalizados pelos cônsules brasileiros

e traduzidos competentemente na língua nacional.

[...]

Art. 206. Se o título for de transmissão do imóvel com o pacto adjeto de hipoteca

para firmeza da transmissão, haverá, além da transcrição no Livro n. 4, inscrição no Livro

n. 2, com referência recíproca.

[...]

Art. 245. A transcrição da transmissão dos imóveis deve conter os seguintes

requisitos:

§ 1.º Número de ordem.

§ 2.º Data.

§ 3.º Freguesia onde o imóvel é situado.

§ 4.º Denominação do imóvel, se for rural, menção da rua e número dele, se for

urbano.

§ 5.º Confrontações e característicos do imóvel.

§ 6.º Nome e domicílio do adquirente.

§ 7.º Nome e domicílio do transmitente.

§ 8.º Título de transmissão (se é venda, permutação, ou outro).

§ 9.º Forma do título, e nome do tabelião que o fez.

§ 10. Valor do contrato.

§ 11. Condições do contrato.


§ 12. Averbações.

Art. 246. A transcrição dos ônus reais há de conter os seguintes requisitos:

§ 1.º Número de ordem.

§ 2.º Data.

§ 3.º Freguesia onde está situado o imóvel.

§ 4.º Denominação do imóvel, se for rural, menção da rua e número dele, se for

urbano.

§ 5.º Nome e domicílio do devedor.

§ 6.º Nome e domicílio do credor.

§ 7.º O ônus.

§ 8.º O título dele.

§ 9.º Averbações.

No penhor agrícola, na coluna correspondente ao § 4.º, declarar-se-á o objeto do

penhor.

Art. 247. A transcrição será requerida e feita pela forma determinada no art. 40 e

seguintes, que regulam a ordem do serviço e o processo do Registro.

Art. 248. Quando as partes, além da transcrição pela forma determinada nos arts.

245 e 246, quiserem a transcrição verbo ad verbum, esta se fará pela forma determinada no

art. 29.

[...]

Art. 250. Quando os contratos de transmissão de imóveis, que forem transcritos,

dependerem de condições, estas se não haverão por cumpridas, ou resolvidas para com

terceiros, se não constar do Registro o implemento ou não implemento delas mediante


declaração dos interessados, fundada em documento autêntico, ou aprovada pela parte,

previamente notificada para assistir a averbação. (art. 8.º, § 5.º, do Decreto)

[...]

Art. 253. São radicalmente nulas as transcrições, que não contiverem os requisitos

dos arts. 245 e 246, com exceção dos §§ 1.º, 2.º e 4.º dos mesmos artigos.

Art. 254. As sobreditas nulidades não podem ser relevadas, ainda que os extratos

sejam suficientes.

[...]

Art. 256. Quando o objeto da transcrição for uma permutação, ou sub-rogação de

imóveis, haverá duas transcrições, com referência recíproca e números de ordem seguidos

no — Protocolo — e no livro de transcrição sendo também distintas e com referência

recíproca as indicações do — Indicador Real.


EXTRATO PARA TRANSCRIÇÃO DE TRANSMISSÃO

Freguesia do imóvel: — ....................................................

Denominação do imóvel (se for rural) ou rua e n. (se for urbano): — ........................

Confrontações e característicos do imóvel: — ...........................................................

(Descreva-se o melhor que se puder o terreno com as suas dimensões e acidentes,

declarando quais os proprietários atuais ou anteriores, de modo a se estabelecer em

qualquer tempo a identidade do imóvel.)

Nome e domicílio do adquirente: — ........................................................

Nome e domicílio do transenite: — ..........................................................

Título: — Se é compra e venda, ou permuta ou pagamento de legítima: — ...............

Forma do título e nome do Tabelião que o fez: (Se for escritura pública. Sendo carta

de sentença, o nome do Juiz que assina e do Exmo. que a subscreve. E assim em cada caso).

Valor de contrato: — ....................................................................

Condições do contrato (se houver) ..............................................

Averbação: — (se houver) ...........................................................


EXTRATO PARA TRANSCRIÇÃO DE ÔNUS REAL

(DIREITO REAL EM COISA ALHEIA)

Freguesia do imóvel: — .....................................................................................

Denominação do imóvel (se for rural) rua e n. (se for urbano): — ...................

Nome e domicílio do credor: — (Atenda-se ao parágrafo único do art. 4.º do Dec.

544, de 05.07.1890, que vai no apêndice).

Nome e domicílio do devedor: — ........................................................................

Ônus (se é enfiteuse, ou anticrese ou outro qualquer).

Título do Ônus: – (Atenda-se ao que se disse sobre a forma do título no extrato para

transcrição de transmissão).

Averbações: — ........................................................................................................

(No extrato para a transcrição de penhor agrícola, substitua-se a denominação do

imóvel pelo objeto do penhor).


OBSERVAÇÃO FINAL

Ao publicarmos em avulso o Capítulo IV, precedemo-lo de uma advertência, que

vem de novo publicada no começo deste trabalho, onde afirmamos que o número de livros

do nosso Registro de Imóveis podia ser reduzido e organizada a sua escrita de modo a

aproximá-los dos livros fundiários.

Para que possa cada um por si mesmo avaliar da reforma a introduzir, damos

adiante o modelo do indicador Real, transformado em verdadeira matrícula, na qual a cada

folha corresponderá um imóvel, dela constando todos os atos que o possam afetar.

Adotando este Livro, ficarão suprimidos os atuais Livros 2, 2 Aux., 3 e 4.


AQUISIÇÕES HIPOTECAS SERVIDÕES OUTROS DIREITOS CONDIÇÕES AVERBAÇÕES

E ANTICRESES REAIS

N. 1 N. 1 N. 1 N. 1 N. 1

O prédio é de Por escritura de.......... Por escritura de.... O imóvel está gravado O imóvel está gravado

propriedade de Pedro. de.................... de 19... de.............. de 19.... em por usufruto em favor com a cláusula de

..., que o adquiriu por em notas do notas do Tabelião.... de Pedro, nos termos inalienabilidade em

compra feita a João ..., Tabelião..... foi este Pedro mediante o preço da verba nº 2 da coluna virtude dos termos com

conforme a transcrição imóvel hipotecado por de...$.... constituiu uma de aquisições. que foi feita a doação,

feita no Lº 3. ... sob nº Pedro a Ticio para servidão em favor do Rio.... de................ de constante da verba nº 3

a págs... Rio... de....... garantir o pagamento prédio...., de 19.... da coluna de

de 19... O Oficial......... da quantia de...$... que propriedade de Mario, O Oficial..................... ―Aquisições‖. Rio.....

N. 2 havia recebido por permitindo que nesse de................ de 19...

Por escritura d ... empréstimo; prédio fossem abertas 3 N. 2 O

de......... de 19... em obrigando-se a pagá-la janelas, dando para o Extinto o usufruto, a Oficial...........................

notas de Tabelião... no prazo de 1 ano. terreno deste imóvel. que se refere a verba nº

Pedro doou a Paulo A dívida vence os juros Rio......... de.............. 1 desta coluna, por

este imóvel, reservando de... % ao ano, de 19.... haver falecido o

para si o usufruto, pagáveis por trimestres O Oficial.................. usufrutuário, tendo

enquanto vivo for. adiantados, e elevados sido autorizado o

Foi dado o valor de a...%, no caso de mora. cancelamento por

....$..... Ficou estipulada a pena alvará expedido em...

Rio de ..... de........... de convencional de ...%, de....... de 19....

19... O Oficial no caso de cobrança assinado pelo Juiz da

............... judicial. 1.ª Vara de ...........

Rio.... de.................... Rio.... de.................. de

N. 3 de 19... 19...

Por escritura de.......... O O Oficial........

de......................... de Oficial........................

19.... em notas do

Tabelião.... Paulo e sua N. 2

mulher D. Extinta a hipoteca a

Zélia.............. fizeram que se refere a verba 1

doação do imóvel por desta coluna, em

adiantamento de virtude da quitação

legítima ao seu filho dada pelo respectivo


Sancho, gravando-o credor por escritura

com a cláusula de de.... de................. de

inalienabilidade. 19.... em notas do

Rio ..... de Tabelião......

..................... de 19.... Rio....... de

O ......................... de 19

Oficial......................... .....

O Oficial

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