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A TRANSCRIÇÃO
OBSERVAÇÃO PRELIMINAR
Este livro destina-se aos novos advogados, portanto sem a precisa prática, e às
Imóveis.
Para exata compreensão dos fins visados pelo Registro, julguei que seria útil dar
legislações.
Nada há neste trabalho que seja novo. Apenas reuni o que encontrei esparso,
tomando aqui e ali o que me pareceu útil, deixando muitas vezes de apontar de onde havia
tirado.
Se no trabalho fui feliz, se consegui o que tive em vista, aqueles a quem desejei
Aos versados na ciência do Direito peço benevolência e correção das falhas, que
As páginas, que se vão ler, fazem parte de um trabalho sobre o Registro de Imóveis.
legislando neste momento o Congresso sobre a organização dos Registros, convém firmar-
do pior sistema.
auferirá as excelências da certeza do domínio, proporcionando aos seus donos a maior soma
possível de benefícios.
vasto território do país, continuará a existir tal qual é; porque o Registro prova os direitos e
temos.
Não é, porém, razoável nem justo, que se prive a propriedade bem delimitada, dos
benefícios, que pode desfrutar, porque esses benefícios não se podem estender a toda a
propriedade existente.
Com o tempo, à medida que se forem liquidando as dúvidas pelos meios comuns,
Por esse modo melhor será aproveitado o nosso Registro Imobiliário, muito mais
bem organizado que os da França, Bélgica e Itália. Entre nós é fácil, designado o imóvel,
saber quais as transações de que foram objeto, constantes do Registro; naqueles países os
Registros são organizados por meio de repertórios pessoais, o que torna difícil, e às vezes
impossível, conseguir-se esse resultado, como atestam os autores que deles se têm ocupado.
O nosso mal estava nas soluções de continuidade, devidas ao direito anterior, que
número de livros, que podem ser reduzidos e aproximados dos livros fundiários;
Alemanha.
a segurança de que careciam no direito anterior; e lançou as bases sobre o que assentará, em
crédito.
Sobre a doutrina exposta nesse Capítulo manifestou-se o autor do Projeto. Sua carta
adiante transcrita, constituindo preciosa recompensa, que de muito excede à que maior
pudesse eu aspirar, consagra a doutrina expendida como fiel interpretação do Código Civil,
Saudações cordiais.
fazer – não é somente um belo trabalho jurídico, de fiel interpretação do Código Civil, na
passaram para o Código Civil, são, precisamente, as que nos convêm, pois o sistema
anterior era insuficiente e falho, e o germânico, em sua pureza, não podia ser aplicado entre
nós. Modificamos este último sistema afim de adaptá-lo à nossa situação. Desconhecê-lo,
O espírito claro e bem aparelhado do meu distinto colega viu, com absoluta
segurança, o que está no Código Civil, e mostra ao leitor o aparelho, com todas as suas
as linhas gerais do sistema introduzido pelo Código Civil, veria dissipadas as suas dúvidas
impedir que se destrua o que está feito; que nos force a retrogradar em matéria de interesse
tão grande para a consolidação da nossa propriedade territorial, base da nossa prosperidade
econômica.
E como autor do Projeto do Código Civil, muito desvanecido fiquei com a brilhante
CLOVIS BEVILAQUA
Cartão do Exmo. Sr. Des. Virgilio de Sá Pereira
Saudações cordiais.
Muito grato lhe sou pela remessa de sua monografia sobre a propriedade e o
refletir maduramente, para firmar opinião definitiva que farei pública, se me render às suas
Creio que Deus nos dispensou uma inteligência para nos permitir corrigir os nossos
erros. Não me envergonho dos meus, tão numerosos, porque... homo sum, envegonhar-me-
VIRGILIO DE SÁ PEREIRA
Opinião do Exmo. Sr. Min. Edmundo Lins
Salutem.
Civil e a propriedade imóvel escrito com a clareza e concisão peculiares a quem conhece a
EDMUNDO LINS
Opinião do Exmo. Sr. Dr. Paulo de Lacerda.
Saudações.
propriedade imóvel, em que estuda, principalmente, o caráter jurídico que tem o Registro
diante da letra da lei civil, quer em face das necessidades sociais, a que ela deve prover.
Aceite, pois, com os meus agradecimentos, as mais sinceras felicitações, pelo seu
PAULO M. DE LACERDA
Apreciação do Exmo. Sr. Dr. Sá Freire
importância é escusado encarecer, desenvolvida com segura proficiência por quem sabe
Câmara e Senado, sendo justo confessar, reproduziste, com clareza e verdade, a parte
histórica atinente ao assunto de que te ocupaste. Reconheço igualmente que, como disseste,
ao Congresso cumpre votar ―leis secundárias, tomando por base os princípios cardeais do
Sem a garantia, que fornece um título hábil, capaz de tranqüilizar o banqueiro, não
recursos dos bancos, graças ao conhecimento que têm os banqueiros de sua clientela, não se
Com seu título escoimado de vícios, uma vez ―decretadas as indispensáveis medidas
só comprador, opera oferecendo como garantia sua propriedade, vende seus produtos a
Como vês, preferi encarar a tese sob o ponto de vista prático, porque sobre o teórico
Vejo, entretanto com prazer, que como jurista e brasileiro, trabalhas com corajosa
energia.
À espera de teu novo livro, sobre Registro de Imóveis, envio-te meus sinceros
parabéns.
Amigo e admirador
Colega e obrg.
M. SÁ FREIRE
Apreciação do Exmo. Sr. Dr. Philadelpho de Azevedo
trazem à interpretação das leis, justifica-se ainda a propósito de uma das questões
estado de grande insegurança, sem que se tenha fixado sua posição, quer pela doutrina, quer
social e econômica para o país se deve principalmente a balburdia, que reinou na discussão
erudição, o Des. Sá Pereira nos fascículos publicados do volume 5.º do Manual do Código
Civil.
Acaba de surgir sobre o assunto um apreciável trabalho do Dr. Lysippo Garcia que,
como louvável exceção à indiferença com que em regra os serventuários exercem seus
rendosos ofícios, demonstra o extremado carinho com que serve às funções de Oficial do
3.º Registro Hipotecário desta cidade e nele sustenta a adoção pelo Código Civil do sistema
Nunca é demais elogiar o esforço desse probidoso funcionário que, com erudição e
grande tirocínio do ofício, procura esclarecer ponto tão essencial do nosso direito;
precisemos os marcos de sua argumentação, que deve ser oposta às asserções do Dr. Sá
Pereira, único que com sistematização e profundeza abordará o assunto diante dos novos
preceitos legais, explorando, qual malabarista da idéia sob os ditames de uma lógica
Câmara do parágrafo único do atual art. 530, que reproduzia o princípio do direito anterior,
de que a transcrição não induz prova de domínio; o intuito do festejado autor do Código de
art. 859 com o disposto no art. 891 do Código alemão, onde apenas se apóia toda teoria do
valor da máxima: nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet, apenas em
relação às partes, para as quais, a presunção do Registro cede, mas não em relação a
mas resguardado de qualquer perigo está o de boa-fé, a título oneroso. Clovis, em seus
respeito, da posição instável que assumiu na matéria e egrégio e nunca assás louvado autor
os preceitos do Projeto revisto, para depois, respondendo ao Sr. Azevedo Marques, achar
acertada a supressão do aludido parágrafo único, mas concluindo diversamente dos que a
promoveram, isto é, de que, como no direito anterior, a inscrição de título inábil decairia
respeitar.
eminente jurisconsulto, bem como o notável Sá Pereira, não sem algum constrangimento
visível; para conciliar a tradição com o modo de aquisição; a inovação foi apenas teórica e
Suprimindo expressamente o parágrafo único do art. 530, ficou o art. 859, a que se
apegam os partidários da frágil presunção do Registro, mas a que o Dr. Lysippo Garcia dá
outra eficácia, firmado na perfeita analogia com o modelo germânico (art. 891 do Código
alemão).
Eis os termos da controvérsia levantada sobre a relevante questão e que, por isso,
entre todas as outras, está exigindo pronta solução, que obvie as perigosas conseqüências
ousaríamos apelar para o alto espírito dos eminentes Clovis Bevilaqua e Sá Pereira afim de
trazerem para as colunas deste já conceituado periódico algumas palavras sobre as sérias
observações feitas pelo Dr. Garcia, apelo que poderia ser extensivo aos demais
Alfredo Bernardes.
Divulgando os conceitos do Dr. Garcia, prestamos uma modesta homenagem ao seu
PHILADELPHO AZEVEDO
direito civil, que o Estado procura cercar de garantias para a eficácia do seu exercício, ora
prescrevendo regras para o seu estado normal, ora restabelecendo esse exercício por órgãos,
Se há uma coisa cuja necessidade entre pelos olhos, como a luz solar, no dizer do
ser respeitada, mas em bem da ordem pública, interessada na segurança do direito geral. E
para tal segurança é indispensável que todos conheçam ou possam conhecer a quem esse
direito pertence. Nos contratos, cujo objeto é a propriedade imóvel, há, como diz o insigne
Teixeira de Freitas2, duas relações distintas. A primeira entre o proprietário e os que com
patenteá-la.
É o que explica a forma legal da publicidade do domínio. Por meio dela dá-se
certeza do domínio.
1
Manual do Código Civil, vol. 5.º fas.
2
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CLXRXII.
Muitos autores têm querido fazer remontar as origens da publicidade das transações
Mas a publicidade sempre patente, organizada pela lei, como meio de certeza do
domínio e de garantia do crédito, proporcionada pelos seus efeitos jurídicos, tem sua
Ainda outra razão se pode aduzir — a da necessidade de, entre os povos daquelas
sentidos.
A maior parte dos autores pretende ver nos marcos com que em Atenas se
A verdade, porém, é que nada prova que esses marcos fossem condição de
O contrário se pode afirmar, pois Demosthenes cita o caso de uma pessoa que, não
hipotecário4.
3
E. Gianturco. Studio e riserche sulla transcrizione n. 3 e 9.[Não encontrei esta obra]
4
Nicola Coviello. Della transcrizione, n. 17.
Daí se infere que, mesmo independente dos marcos, a hipoteca tinha eficácia,
Nenhum intuito de publicidade se pode tão pouco atribuir aos Registros existentes
entre os povos da antiguidade, porque o seu fim era principalmente fiscal, e de conservação
raça germânica, que se encontra a verdadeira origem da publicidade atual; exceção feita da
Espanha.
5
Nicola Coviello — Obra cit., n. 15 a 17.
Título II - Publicidade na França, nos Países Baixos e na Itália
devoirs de loi, œuvres de loi, realisation, que se prende às medidas de direito feudal, para o
censo.
Esses atos eram sujeitos a um Registro público, cujo exame era acessível a todos.
publicidade só aproveitava aos terceiros, que ignorassem a existência do ato não publicado.
Nos lugares em que não vigoravam esses costumes, a publicidade era indiretamente
atendida pela insinuação, e de modo muito imperfeito por ser apenas condição de validade
das doações, e pelo efeito retroativo que lhe era conferido, quando efetuada dentro de 4
hipotecas, procurou-se remediar o mal com a venda em hasta pública, requerida de comum
Era, porém, longo e dispendioso o sistema; tendo sido substituído pelo das lettres de
sala das audiências, noticiando a venda, para que os credores apresentassem suas
aparecendo então pela primeira vez o termo, para designar a nova forma de publicidade,
Por duas Leis de 9 de Messidor do ano III, decretadas pela Convenção Nacional,
imóvel e do título de aquisição; exigindo-se a inscrição para validade das hipotecas, embora
o princípio da especialidade não fosse atendido por haver hipotecas gerais sobre bens
presentes e futuros.
Essas duas Leis, duas vezes prorrogadas, foram indefinidamente suspensas por uma
VII, que estabeleceu a publicidade para todos os direitos reais de gozo e garantia, salvo
A transcrição só era exigida para eficácia contra terceiros, não entre as próprias
partes.
Brumário.
Com a promulgação do Código de Napoleão, cujo histórico tantas vezes tem sido
feito, a publicidade dos atos relativos à propriedade imóvel sofreu profundo golpe, ainda
que ligeiramente atenuado pelo engano havido na publicação dos trabalhos preparatórios,
Foi então abolida a transcrição, restabelecida mais tarde pela Lei de 23.03.1855.
de Brumário do ano VII, como no território francês, de que então fazia parte. O Código de
Napoleão contrariava, porém, o sistema tradicional e, por isso, antes da Lei francesa de
Na Holanda, que também fazia parte dos países do nantissement e que se manteve
no terreno dos antigos costumes, os antigos princípios do vest e devest tiveram aplicação
A publicidade rege-se nesse país pelo Código Civil de 01.10.1838 e por dois
terceiros. Além dos contratos de transferência, também está sujeito à transcrição o contrato
matrimonial, em que haja cláusulas derogatórias do regime da comunhão, para que possa
O direito holandês é muito mais completo que o francês e o belga e forma, como diz
transferência, por conta e risco dos apresentantes; porque a transcrição não serve para
6
E. Besson. Les livres fonciers et la réforme hypothécaire : étude historique et critique sur la
publicité des transmissions inmobiliéres en France et a l'étranger depuis les origines jusqu'a nos
jours, p. 224.
pelos lombardos, como pelos outros povos de raça germânica. Desapareceu sob a influência
É certo, porém, que se encontram nos Estados italianos vestígios, desde o século
XVI, de tentativas para tornar públicos os contratos, no interesse da segurança dos direitos,
sem que nessas tentativas se possa apontar a influência feudal; mas não é a elas que deve a
qualquer obrigação sobre imóveis, dentro ou fora da cidade, que não fosse comunicada ao
Magistrado; e criou-se para tal fim um livro, em ordem alfabética, que podia ser por todos
consultado. O meio não lhe era, porém, propício; de sorte que, 12 anos depois, em 1535,
uma decisão do Conselho Maior, de 19 de março, estabelecia penas severas aos que
vendessem duas vezes um imóvel; e impunha aos adquirentes a obrigação de levar seus
contratos à chancelaria da cidade da situação dos bens, para serem anotados, em livro
próprio, os limites, o nome do notário e o das testemunhas, sob pena de não valer a
dentro de seis dias da sua conclusão, sob pena de nulidade de pleno direito; e mantinha-se o
direito do adquirente posterior, se o anterior não tivesse registrado seu contrato, ainda que
tivesse havido tradição, isto é, que tivesse o primeiro adquirente obtido a posse.
vivos quer mortis causa, as confissões de dote entre marido e mulher, durante o casamento,
entre marido e mulher, pais e filhos, ainda seguida de tradição, cujo valor excedesse de 50
liras imperiais, deviam ser registradas nos livros da Comuna e publicadas in concilio
generali tum proxima fiendo. O fim, como no Decreto se dizia, era a garantia de terceiros,
pois que, só em relação a estes, é que não tinha eficácia o contrato não registrado,
produzindo, no entanto, todos os seus efeitos, desde que não houvesse prejuízo de terceiros.
arquivos especiais em Parma, Placença, Guastallo e Borgotaro, onde deviam ser registrados
―os contratos, distratos, obrigações, hipotecas e qualquer ato liberatório ou obrigatório entre
codicilos, doações causa mortis, e bem assim as adjudicações de bens móveis ou imóveis,
feitas por qualquer tribunal ou juiz; os atos de tutela e curatela com suas confirmações‖.7 O
fim desses Registros, declarava o decreto, era tornar possível reconhecer-se com facilidade
particulares; e poder qualquer pessoa adquirir legitimamente sem receio de prejuízos, nem
porém, sanção para o caso de não se efetuar o Registro; por isso um edito de 17 de
dezembro do mesmo ano declarou que nenhum ato transferiria domínio ou posse, nem
Nenhuma dessas disposições foi, porém, executada, e diz Coviello8 que a existência
desse Decreto era mesmo desconhecida dos juristas, que organizaram o Código Parmense.
7
N. Coviello. ob. cit. p.[qual?]
8
Della transcrizione. Vol. 1.º, n. 45.
A publicidade verdadeiramente só aparece na Itália, depois que esse país foi reunido
à França, no tempo de Napoleão, e que o Código Civil francês foi promulgado para reger o
seu território; e assim orientou-se ela pelo sistema do direito francês, embora modificada
A reação que se seguiu, finda a dominação francesa, repeliu por toda a parte o
Código de Napoleão, exceto no reino das Duas Sicilias, em que ficou provisoriamente em
que, em 1811, adotara o Código austríaco, foram buscar nas leis francesas os princípios de
sua nova legislação, modificando a publicidade, para aplicá-la um pouco mais largamente.
Uma das disposições mais notáveis é a do Código Toscano: ―As hipotecas não se
direito do adquirente, em virtude de ação rescisória por lesão, ou de ação revocatória por
qualquer causa nas doações, ou de cláusula relativa ao preço da venda, salvo a parte
01.01.1866 em todo reino, menos nos Estados Pontifícios, onde começou a aplicar-se em
fins de 1870.
revogação das doações;10 a ação Panliana;11 a de rescisão por lesão;12 a ação para repetir o
9
Art. 30 — Vide Besson, p. 208.
10
Arts. 1.080 e 1.088.
11
Art. 1.235.
Não sujeitou, porém, a Registro as ações para reduzir as doações, nem as de
atribuem efeitos retroativos! As demais não prejudicarão a terceiros, senão da data em que
terceiros.
Do mesmo modo que, no direito francês, a transcrição no direito italiano não induz
prova do domínio.
12
Art. 1.308.
13
Art. 1.553.
14
Art. 1.787.
Título III - Nos países de raça germânica
Nos países de raça germânica foi também do sistema feudal que se originou o
Era a princípio oral o processo, mas no século XII, introduziu-se o uso de anotar os
processos mais importantes em livros especiais, o que acabou por ser a regra geral para os
da inscrição.
tábua ou quadro das terras, destinado às terras nobres, onde deviam ser inscritos os atos,
inclusive a hipoteca. Ao lado desse quadro das terras nobres, instituiu-se o Registro para as
que o não fossem (Grundbüch), e para os imóveis nos limites da cidade (Statdbüch). Esses
Durante os séculos XVII e XVIII introduziram-se esses quadros ou tábuas das terras
com um livro (Hauptbuch), no qual a cada imóvel era destinada uma folha, onde deviam ser
Foi o sistema que, sem modificação, adotou o Código austríaco de 1811; mas a
organização dos livros continuou diferindo até 1871, de província a província. Nesse ano é
unificou as várias disposições até então promulgadas; o que fez também para a Hungria a
Lei de 22.07.1886.
rigorosamente indígenas.
Prússia, onde Frederico I, com o edito de 28.09.1693, ordenou que todos os bens da cidade
de Colônia e de Berlim fossem inscritos, com seu número de ordem, no Registro sucessório
a todo o território as disposições daquele edito, mandando as Cortes de Justiça criarem sem
jurisdição; mas a defeituosa redação da lei ocasionou muitas controvérsias, que obstaram a
em vigor em todo reino em 1.º de junho do ano seguinte. Organizou-se por essa Lei, um
novo modelo de livros fundiários, em que cada folha era destinada a um imóvel
especificado, que a encabeçava, de onde devia constar tudo que afetasse a sua condição
que não podia ser objeto de alienação, nem de direitos reais, enquanto não fosse
quer entre vivos, quer causa mortis, quer translativos, quer declarativos, ficavam sujeitos a
Esta célebre ordenança, tendo atendido aos princípios da publicidade real e absoluta,
conferiu ainda à inscrição a força probante, que só em parte lhe foi atribuída pelo Código
Civil Prussiano de 1794. Pelas disposições desse Código quem adquirisse de um possuidor
mesmo constituída por quem, embora inscrito, se provasse não ser o proprietário.
E enquanto na Prússia foi preciso quase um século para que a fé pública, devida aos
livros do Registro, fosse consagrada na sua legislação, a Baviera já havia aceito o princípio
na Lei de 01.06.1822, o Mecklenburgo na Lei de 1830, a Saxônia no Código de 1843, e,
foi um sério obstáculo a que se sacrificasse a máxima — nemo plus jus ad alium transferre
potest quam ipse habet — como o exigiam as necessidades do crédito, que reclamava o
prussiana o sistema de publicidade, acolhido pelo Código Civil alemão de 1896, em vigor
– Publicidade absoluta.
– Especialidade.
– Legalidade.
15
Besson, ob. cit. p. 256 e 257.
Título IV - Na Espanha
Ressalvamos a Espanha do número dos países em que a publicidade vai buscar sua
origem nos costumes feudais, porque ali ela aparece com a pragmática sanção dos reis D.
Registrar e Registrador.
deviam ser inscritos no Registro, não fazendo fé o título não inscrito, que não podia servir
A pragmática não era aplicável a toda a Monarquia, porque os diversos Estados, que
Gomes de La Serna18 acentua bem que a instituição do Registro não tem na Espanha
ligação nem ponto de contato com os Registros estabelecidos nos séculos IX e X pelos
senhores alemães para conservar o domínio direto de seus vastos territórios e visava apenas
16
A Petição das Cortes de Toledo dizia:
―Assim se evitariam muitas demandas, conhecendo os compradores os censos, tributos,
gravames e hipotecas que têm as casa ou herdades, que compram, e que os vencedores ocultem:
Suplicamos a V. M. que mande, em cada cidade, vila ou lugar onde houver cabeça de
jurisdição, haja uma pessoa que tenha um livro, em que se registrem todos os contratos de tal
qualidade; e que não sendo registrados dentro de certo prazo não façam fé, nem por eles se julgue,
nem possam obrigar a nenhum terceiro possuidor.‖
17
F. Barrachina y Pastor. Derecho Hipotecário y Notarial. Comentarios a la Ley
Hipotecaria, vol. 1, p. — Gomes de La Serna. La Ley Hypothecaria vol. n. 139. [não encontrei]
18
Ob. cit. vol. 1. n. 143.
acautelar os interesses civis. Basta notar-se que a petição se fez nas primeiras Cortes, para
as quais foram convocados somente os procuradores das Cidades e Vilas, e a que não
assistiu nem a nobreza nem o clero, para se compreender a origem popular da lei, que nada
teve de feudal; pois na Espanha nunca os grandes senhores pensaram em Registros, para
A Lei não foi, porém, observada, tanto que, passados nove anos, as Cortes reunidas
em Valladolid, em 1548, clamavam pedindo remédio, como dez anos depois, em 1558,
ainda o faziam. Para essa inobservância muito contribuía o interesse de pessoas poderosas,
que, carregadas de dívidas, não queriam que se conhecesse o estado de sua fortuna, e
1715, queixava-se de novo da inobservância da lei; verdade seja que não o movia então o
arrematantes de rendas.20
Em 1768 foi publicada uma pragmática determinando que, nos livros de Registro
morgado ou obras pias e, em geral, todos os que importassem hipoteca especial ou encargo,
19
Gomes de La Serna, ob. cit., vol. 1, n. 159.
20
Idem.
Argumentou-se o número dos instrumentos sujeitos à inscrição; atendia-se, porém,
títulos de propriedade, quando por aí é que se deveria começar, como base do Registro.
para a execução da pragmática de 1768, e nele se acrescentaram disposições, que dela não
hipoteca em seu favor, a inscrevê-los no prazo de 60 dias, prazo prorrogado por um ano, em
01.07.1774, e de novo prorrogado várias vezes por 2 anos, em 1782, 1784, 1787 e 1789,
Ainda em 22.01.1816, devido a uma exposição dirigida pelo Contador Geral das
apresentação dos documentos, o prazo de três meses na província de Madri e o de seis nas
outras províncias; prazo que foi, como anteriormente, ainda prorrogado, sendo declarada
A essa obstinação dos interessados em não atender aos preceitos legais, juntou-se o
fonte de renda.
interesse fiscal que o civil, tendo-se chegado a ressuscitar a alienação de ofícios públicos; e
assim foi alienada a Contadoria de Hipotecas, em benefício da Real Caixa de Amortização,
funções de tão alta responsabilidade aos que mais lhe quisessem pagar, e não aos mais
No interesse fiscal sujeitaram-se a Registro atos até então dele isentos; mas procurou-se
atender também à garantia devida à boa-fé, e a ele sujeitaram-se atos que eram livres do
imposto, devendo ser inscritas as heranças em linha reta e as aquisições feitas pelo Estado,
bens.
Orgânica dos Tribunais, do Código dos Processos e da revisão do Projeto do Código Civil
pelas Cortes de Toledo em 1539 e pelas de Valladolid em 1555 e elevada a Lei do Reino;
que por incompatíveis com essa condição não se admitam para o futuro hipotecas gerais;
abolirem as hipotecas legais; e, no primeiro caso, que se cogite do meio de conciliar a sua
modificações, em base mais seguras, ―visto que‖, dizia a Exposição: ―a parte essencial de
sistema misto de publicidade, isto é, publicidade para uns atos e clandestinidade para
Comissão, ―da posse das coisas imóveis. Este princípio dominou em todos os Estados da
adquirente.‖21
terceiros.
de qualificar o título, isto é, apreciar a sua legalidade e ajuizar da capacidade das partes
Declarou que a inscrição não sanava os vícios do título; mas que os contratos
celebrados com quem do Registro aparecesse com direito a fazê-los, seriam mantidos em
prerrogativas.
21
Barrachina, no seu Direito Hipotecário e Notarial (vol. 1, p. 36), reivindica para o reino de
Aragão a primazia do sistema espiritualista, cuja paternidade, diz ele, injustamente se atribui ao
Código Napoleônico.
É preciso, porém, confessar que o direito aragonês não tinha fundamento em princípios
filosóficos, e resultou como explica Gomes de La Serna (Lei Hipotecária — vol. 1, p. 211 — nota)
de uma errônea interpretação da lei, que havia equiparado a escritura à tradição, não para a
transferência do domínio, mas para irrevogabilidade do contrato. No entanto prevaleceu a
interpretação que os equiparava para transferência do domínio.
Publicado o Código Civil em 24.07.1889, determinou no art. 708 que se observasse
efeitos e extinção das mesmas, a ordem de serviço do Registro e o valor dos assentos de
seus livros.
Em 21.04.1909, foi promulgada uma Lei que mandou fazer nova edição Oficial da
efeitos.
Sistema francês
Como forma não destrói os vícios do título, não garante o adquirente contra
possíveis evicções, observada a regra de Direito Romano nemo plus jus ad alium transferre
potest quam ipse habet; não é meio de prova do direito transcrito; é apenas meio de
afirma.
A transcrição torna públicos os atos, mas não tem força probante, porque não induz
Só atos entre vivos se acham a ela sujeitos, excluídos dela os causa mortis.
O efeito da transcrição é tornar o ato em condições de ser oposto a terceiros, que
tenha efetuado, quando em concorrência com outro adquirente, embora anterior, que não
segundo adquirente.
No entanto, mesmo sem transcrição tem valor o ato, em relação a terceiros, pois os
que lhe foram estranhos podem adquirir direitos reais do proprietário não transcrito, não
podendo quem quer que seja invocar a falta de transcrição, se não tiver direito algum sobre
o imóvel ou o direito for de força inferior ou ainda se por sua vez não o tiver conservado
adquirir.
transferir o direito real para o adquirente, e o pedido deste para que seja inscrito em seu
voluntárias; nas aquisições derivadas da lei — ope legis, — é a lei que faz a investidura, e
não sendo esta necessária para a aquisição, desnecessária seria a inscrição, por já estar a
propriedade adquirida. A Lei prussiana querendo, porém, que fossem inscritos todos os
direitos, qualquer que fosse o modo de sua aquisição, tornou indiretamente obrigatória a
reconhecendo antes de inscrito, não admite que o adquirente, em virtude de sucessão ou por
outro título derivado só da lei, possa, até à inscrição, alienar ou gravar tais bens.
Neste sistema repudiou-se a aplicação rigorosa da regra que não permite a uma
pessoa transferir mais direitos do que os que tem, por ser prejudicial à segurança do
A publicidade tem uma significação jurídica própria, como um dos princípios a que
varia nas diversas legislações filiadas a esse sistema.22 Umas admitiram a eficácia formal,
fazendo a inscrição prova plena e absoluta do direito diante de todos: — a inscrição vale
título.
de título válido ou boa-fé. É o sistema que existia nas legislações de Hamburgo, Lubeck e
Mecklemburgo.
Outras legislações, achando exagerados esses efeitos, por não se dever proteger
quem, por fraude ou com título nulo, tenha conseguido a inscrição, procuraram harmonizar
a fé pública, devida aos livros do Registro, com a boa-fé, porque ambas interessam à ordem
transmitente. A inscrição vale título, só para quem, de boa-fé, tenha nela confiado.
que dele tenham adquirido direitos, confiados na fé pública, que merecem os livros.
única fonte, em que se vão beber todas as informações, que muitas vezes têm de ser
procuradas fora dele, de sorte que esse proprietário injusta ou erroneamente inscrito, está
22
C. Wielaud. Les droits réels dans le Code Civil suisse, vol. II, p. 576.
sujeito à contestação do verdadeiro proprietário prejudicado, para reaver a coisa ou o direito
porque os de má-fé não podem invocar a justificativa de haverem confiado no Registro. Por
presunção absoluta, juris et de jure, noutras uma presunção de direito, juris tantum. No
primeiro caso a inscrição vale por si só, no segundo ela faz prova em favor dos terceiros,
contratantes, a qualidade dos títulos, sua conformidade com a lei; e verificar se o imóvel
A especialidade resulta da própria organização dos livros (ou por fólio real ou por
fólio pessoal), onde cada imóvel é individuado, apoiando-se a inscrição sobre o cadastro,
inscrição ou para adquirir os direitos ou para exercer os já adquiridos por força da lei.
Cabe aqui falar de um terceiro sistema, o Torrens, filiado pelos escritores ao sistema
separadamente.
Título III - Sistema Torrens
O Sistema Torrens, que tem o nome de seu autor, Robert Richard Torrens,23 é o
adotado na Austrália desde 1858 pelo Real Property Act. A sua característica está na
matrícula dos imóveis, pela qual se firma a certeza da propriedade a que a lei confere a
encarregada dos documentos na sua parte jurídica, e que aceitará, ou não, o pedido de
matrícula.
Aceito, fixa-se um prazo, que varia de dois meses a três anos, conforme as
legislações dos países que têm adotado o sistema,24 para as reclamações de quem se julgar
com direito sobre o imóvel. Findo o prazo sem impugnação o imóvel é matriculado.
23
Sir Robert Torrens era o Registrar General (ou o Oficial do Registro, como aqui diríamos),
da colônia da Austrália. [N.E. – A Austrália deixaria de ser colônia Britânica em 1968.]
24
Besson. Les livres fonciers..., p. 342.
Para esse fim o Registrador redige um certificado do título, em duplicata, em cujo
certificados expedidos, e que formam cada uma de suas páginas; o outro exemplar é
atendida.
matrícula.
aproveitou a matrícula, e se este não puder satisfazê-la, contra a Caixa para esse fim
constituída, com uma parte dos direitos pagos no ato da matrícula e das transferências
Uma vez matriculado o imóvel, para sua transferência, basta que o proprietário, com
uma testemunha, declare num memorandum segundo a fórmula legal, a natureza do direito,
certificado antigo com a anotação, ou se preferir, um novo; que será o único possível, no
substituição.
no livro matriz. Em cada um dos memoranda é anotada a inscrição feita, ficando um dos
A forma da inserção dos títulos nos livros? Não; porque, embora sob o nome de
transferência do domínio? Também não; porque sob legislações filiadas a qualquer dos dois
sistema germânico; ora se exige o Registro para que a transferência se opere, como na
A organização dos livros por fólios reais? Não; porque na própria Alemanha eles
têm uma dupla forma; ora com fólios reais, ora pessoais, estes quando a propriedade está
muito dividida.
Ainda não, porque várias legislações desse sistema como a da Espanha, Portugal e as de
Que resta, pois dos dois sistemas, que forneça a característica diferencial?
Sempre que uma legislação, por mais perfeita que seja a organização do Registro,
lhe recusar a força de provar o direito constante de seus assentos, pertencerá ao grupo de
sistema francês; todas as vezes que, embora organizado deficientemente o Registro, a lei
lhe atribuir essa força, será filiada ao sistema germânico, para o qual são as preferências
modernas, porque ele atende melhor ao fim econômico, que, como diz Chironi,25 é o que
fomentam esta tendência (o modo a emancipar-se do título), a qual se traduz pelos dois
25
G. P. Chironi. La colpa nel diritto civile odierno - Colpa contrattuale, 2.ª ed. Pref. p. VII.
26
Direito das Coisas. § 6.º.
CAPÍTULO III
australiano, justo é que falemos do nosso, para que não fiquemos melhor sabendo o que se
tem passado pela casa alheia, do que ela própria, o que nunca é honroso.
Na Península Ibérica o direito que lhe foi imposto pelos romanos com a sua
duas nações, regendo-se pelo seu direito pessoal — a dos bárbaros pelas leis compiladas em
um Código, que se atribui a Eurico; a latina pelas leis romanas compiladas por Alarico e
Código Teodosiano.27
raças e, devido principalmente à influência do clero cristão, de origem hispano romana, foi
possível uma reforma, em que se substituiu o direito pessoal por um Código Territorial — o
reorganizado por seu filho Recesvindo onde quatro espécies de leis se podem distinguir: —
27
Cada Conde do Reino recebeu um exemplar assinado por Aniani, o referendário do Rei,
assim como uma nota explicativa, que se acha geralmente no começo da compilação.
28
―O Liber Judicum, como chegou até nós, é o que este título exprime: — é o manual, o guia
do judex, o livro que o dirige no exercício da sua autoridade, menos intensa, menos independente
que a dos juízes dos tempos modernos, incomparavelmente mais extensa, porque da distinção do
judicial, do administrativo e do fiscal, apenas existiam vislumbres nas monarquias bárbaras. O Liber
– As emanadas do rei exclusivamente.
– Leis sem data, nem nome do autor e que devem pertencer às antigas coleções
godas.
A lei geral visigótica foi sendo substituída em alguns lugares por uma infinidade de
leis, ora particulares a um Estado, ora limitadas a certas povoações, ora restritas a um
Concelho, e novos costumes se formaram, que mais tarde foram consagrados nos forais,
com o fim de dar estabilidade às zonas, que iam sendo retomadas, e nos quais se mitiga o
rigor do Fuero Juzgo, e se torna menos sensível a profunda desigualdade das classes
Fuero Juzgo se havia extinguido sob a dominação árabe; e neles se asseguravam aos
Judicum tem um destino especial, restrito. Não organiza a sociedade; supõe-na constituída. Supõe a
necessidade de punir delitos e de resolver colisões de direitos. Quando Recesvindo abroga toda e
qualquer legislação diversa da do novo Código a forma por que promulga este é característica. Não
sanciona, em absoluto, direitos e deveres comuns: vê apenas o libelo ou o debate forense, e proíbe
que se invoque no foro outro corpo legal. Dirige-se não aos súditos, mas aos juízes, a quem
recomenda mandem rasgar qualquer corpo de leis que alguém ouse invocar apresentando-o no
tribunal (Cod. Wisigoth £ II t. 11, 9.).‖ (Alexandre Herculano. Opúsculos. Tomo V, p. 277).
burgueses regalias que os defendiam contra as violências e vexames das classes
privilegiadas.
Canônico, cuja influência se manifestará desde o século IV e que muito argumentára com a
Nesse século dois fatos de grande importância se dão: separa-se da coroa ovieto-
leonense o Condado de Portugal, e inicia-se o estudo do Direito Justiniano, fato este de uma
Dos claustros docentes, que haviam emergido dos templos, originam-se as primeiras
Accursio, autor este da Grande Glosa, cuja autoridade foi tal que assegurou a influência
Essa influência se reflete na Península Ibérica no Fuero Real e nas Leys das Siete
Partidas, publicadas por Fernando III, o Santo, e por seu filho Afonso X, o Sábio.
Se bem que publicadas essas Leis em Castela, quando já era Portugal independente,
no reinado de Afonso III, aí tiveram força de lei, ao menos como direito subsidiário, tendo
29
As universidades originárias da Idade Média tem tipo muito diverso das impropriamente
chamadas universidades de Atenas, Roma etc, cujo único ponto de contato era destinarem-se ao
ensino.
Há quem assinale o ano de 443 para a fundação da universidade de Bolonha, sob Teodorico
II, tradição não comprovada. O que há de certo é o seu renome no século XII.
Data desse reinado a fundação em Portugal da Universidade que facilitou, aos que o
Por isso, e talvez mais ainda, pelo desejo de um Código perfeitamente nacional, sem
sujeição a leis de Castela, aspiração patriótica habilmente excitada pelos juristas, que não
poucos os havia ao tempo de Afonso IV e Pedro I, os quais grande entusiasmo tinham pelo
da Avoenga, que dava aos descendentes e parentes mais próximos o direito, não só de
preferência, no caso de alienação de bens da família, como até de remi-los dentro de certo
prazo.
tempo de D. Manoel, pela Carta Régia de 05.02.1506, reforma que muito lhes reduziu a
ação. Daí em diante os forais passaram quase que a ser contratos enfitêuticos, ou então
que foi publicado em 1514; mais devido a incorreções resultantes da pressa, foi sujeito a
das precedentes.
sob Felipe III de Castela e II de Portugal, conhecida por Ordenações Felipinas, que,
juntamente com as leis posteriores, promulgadas sob o domínio espanhol, D. João VI,
força à Glosa e à Escola de Bartolo; até que o Marquês de Pombal, em meio de suas
reformas, promulgou a Lei de 18.08.1769, chamada da ―Boa Razão‖, para restituir às leis
portuguesas a consideração que julgava deviam ter e mandou que o Direito Romano só
fosse observado quando conforme ao Direito Natural, ao espírito das leis pátrias e ao
governo da nação.
lhes reconhecia; e as leis das nações civilizadas passaram a ter observância como
subsidiárias.
Romano, que pouco depois, em 1772, nos Estatutos da Universidade de Coimbra, era de
ficassem em inteiro vigor as ordenações, leis, regimentos, etc., promulgados pelos reis de
Portugal e pelos quais o Brasil se governará até 25.04.1821, e os atos que haviam sido
intimamente aos cargos públicos e determinou que todos contribuíssem para as despesas do
Estado.
feita por Lei de 20.11.1832 que, além do julgamento pelo júri, da publicidade na formação
plebeus.
Brasil, primeiro passo para abolir a escravidão, que recebeu o golpe final na Lei de
13.05.1888.
vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime, no que implicitamente não fossem
contrárias ao sistema de governo firmado por ela, e aos princípios ali consagrados.
Passemos à da propriedade.
Na Península Ibérica coexistiam, como dissemos, as duas sociedades — a
romanos, se compunha dos que ocupavam altos cargos, como os senadores, generais e
magistrados, e dos que dispunham de riqueza, a qual se julgava superior ao vulgo. Entre os
foram ocupados pelos mais importantes dentre eles, e assim se concentraram na raça
elo que ligava os indivíduos guerreiros, e que embora mantendo a liberdade de cada um,
que pretendiam fixar-se, com ele passou a nobreza a remunerar esses serviços.
Nenhum esforço é preciso para se compreender que, dado o atraso dos bárbaros, não
buccellarios, sem lhes transmitirem mais direito do que o de gozarem desses bens.
O bucelário recebia do patrono armas e bens que devia restituir se, como homem
livre que era, buscava o patrocínio de outro senhor. Se as relações subsistiam durante a vida
do bucelar e do patrono, elas se continuavam entre os filhos de ambos; mas a todo o tempo
Se o bucelário morria sem deixar filhos, deixando, no entanto, alguma filha, esta
gozo dos bens paternos; mas se ela, por si mesma, escolhia marido de condição inferior à
O Rei, posto que esse título não tivesse, nos primeiros tempos, analogia com o dos
imperadores romanos, era o maior proprietário e maior clientela tinha, ligada antes à coroa
antigos senhores romanos; e o mesmo fizeram os bucelários com os que encontraram nas
Além dessa propriedade dos bárbaros, sortes gothicas, subsistia a de que tinham
ficado de posse os hispano-romanos, seus antigos donos, tertiœ romanœ, sujeita a tributos,
não nobre ou vilã, tributária, e não tributária, e a qualquer delas andava anexa a jurisdição
terceira sociedade, porém, havia, e muito importante, pela influência sempre crescente que
exercia no novo meio: — a Igreja cristã, constituída por hispano-romanos, servindo de elo
antiga assembléia dos germanos-mallum pelos concílios, nos quais, embora tomassem parte
tendo princípios, regras e disciplina; e em sua própria defesa, esforçava-se por conquistar
os conquistadores.
privilégios; e do mesmo modo que a propriedade nobre foi, por meio de concessões,
às vezes livre e transmissível por herança, umas sem dependência de tributos; outras,
porém, tributadas.
As que não eram livres, eram possuídas por tempo fixo ou não; sujeitas a tributos,
adscritos à terra.
Sob o domínio sarraceno, a propriedade pode-se dizer que não sofreu alteração,
nosso principal guia no histórico que vamos fazendo, ―pago o tributo predial e a capitação,
os cristãos eram conservados na posse das terras que cultivavam; e posto que, por certa
distinção sutil, se considerasse o senhorio direto delas como uma espécie de reserva pia,
vinculada em benefício dos crentes; os possuidores do domínio útil só dele vinham a ser
alteração; porque nas suas incursões os guerreiros das Astúrias conduziam para as
adscritos; e, como meio de defesa, deixavam entre o território que ocupavam e o ocupado
pelos muçulmanos, uma faixa deserta, de que eram despojados seus respectivos donos.
Essas terras assim vagas, ainda aumentadas pelas que os muçulmanos abandonavam
deram lugar às presúrias, isto é, à ocupação por parte de cristãos, que, abandonando os
fixavam.
Felizes nas suas incursões e mais fortes, os hispano-godos foram estendendo suas
conquistas.
30
História de Portugal. Vol. 3, p. 175.
Embora as lutas fossem sanguinolentas e os combates mortíferos, não pode restar
É natural que assim fosse, porque as lutas da Reconquista passavam-se sete ou oito
séculos depois das primeiras invasões bárbaras, que se lançavam sobre os restos do Império
Já os árabes dominando a Península haviam mostrado que não era preciso despojar
faltariam terras de que se apropriassem os reis; porque muitas havia sem dono, o que não
admira, pela perda de vidas nas contínuas lutas que se travavam. Além dessas terras sem
passaram para o Conde D. Henrique, que as aumentou com as que ia conquistando aos
mouros.
Os reis eram, porém, obrigados por motivos diversos, que não cabe aqui detalhar, a
fazer concessões dessas terras à Igreja e aos nobres, não a título perpétuo, porque o
patrimônio do Estado, segundo o direito recebido de Leão, era inalienável, mas a título de
distinção de terra do rei, dos nobres, da Igreja e terra vilã. Alodial ou livre e hereditária;
31
Opúsculos. Apontamentos para a história dos bens da coroa. Cap. Vol. VI.
32
Alexandre Herculano. Apontamentos... cit.
A propriedade da Igreja e dos nobres era patrimonial ou regalenga, mas sempre
A isenção de tributos assinala a mais alta condição de nobreza, que encontra a sua
representação nos Coutos33 e Honras, que chegaram às vezes como diz C. da Rocha34 à
modo de ser das classes superiores, como os municípios o eram de uma fração da classe
popular.35
À frente das terras da Igreja se achavam os bispos e as ordens religiosas que, a título
Igreja se colocavam muitos que, sentindo-se fracos naquela época de violências, lhe
entregavam seus bens, para novamente dela os receber a título de benefício, mediante um
cânon, com o que aumentava a Igreja cada vez mais a sua riqueza.
À frente das terras nobres estavam os Ricos Homens, mais tarde chamados
Nas terras não nobres, ou propriedade vilã, havia alodios, a cujo proprietário se
chamava herdador ou cavaleiro vilão, que possuía hereditariamente uma propriedade livre e
33
―Coutar uma terra‖, define D. Diniz, é escusar os seus moradores, de hoste, e de fossado, e
de foro, e toda a peita (L. 3 da Chancell, de D. Diniz. Fol. 72. Citado por Alexandre Herculano).
34
M. A. Coelho da Rocha. Ensaio sobre a história do governo e da legislação de Portugal.
35
História de Portugal, vol. 3, p. 301.
Além dessa ainda havia outras formas de propriedade vilã: — a dos peões, de
condição inferior ao cavaleiro vilão, sujeita a tributos, foros, prestações agrárias, etc.
Três são os grupos em que se pode dividir a propriedade vilã, caracterizada pelo
3.º as que, além disso, pagam foros e prestações, entre as quais a luctuosa,39 e que
por aí se vão confundir com as colônias, servindo de elo, que prende a classe dos cavaleiros
Abaixo dos peões estava a classe dos antigos homens da criação ou servos adscritos,
servidão que, no começo do século XIII, havia passado do homem para a terra.
um cânon anual e o laudêmio, foi na Península Ibérica, como por toda a parte, desnaturado
tendência para abusar, em seu proveito e com detrimento alheio, da parcela de poder de que
violências.
então em uso.
Essas usurpações de terras ocasionavam lutas entre aquelas classes e o Rei, das
quais nos dão notícia as célebres Inquirições de Sancho I e Afonso II, e repetidas até 1453,
Uma vez que, fazendo o histórico da propriedade, tivemos que nos ocupar da
realeza para reprimir os abusos e cercear as prerrogativas das classes privilegiadas, parece
não ser fora de propósito mencionar as duas leis que representam dois profundos golpes
com exclusão das mulheres, ascendentes e colaterais, salvo dispensa real, o que punha a
nobreza na dependência do rei, cujo poder se fortificava pela reversão dos bens.
feitas, cerceou a jurisdição criminal dos senhores e ampliou o direito de apelação às justiças
reais. Dessa época é que, diz Coelho da Rocha, data o gosto pelos morgados e a extensão
interminável dos nomes dos fidalgos, único meio que, em substituição do perdido prestígio,
preocupado com as possessões da África e Índia, pouco interesse mostrou pelas terras
Com esse intuito enviou ao Brasil Martim Afonso de Souza, a quem fez entrega de
Uma autorizava-o a tomar posse das terras que descobrisse, organizar o governo e a
Outra lhe conferia o título de capitão-mor dessas terras com jurisdição plena sobre
todas as pessoas.
40
Dessa terceira carta há duas variantes. Uma é esta:
―D. João etc... A quantas esta minha carta virem faço saber que para que as terras, que
Martim Afonso de Souza, do meu conselho, descobrir nas terras do Brasil, onde o envio por meu
capitão-mor, que se possam aproveitar, eu por esta minha carta lhe dou poder para que ele, dito
Martim Afonso, possa dar às pessoas, que consigo levar e às que na dita terra quiserem viver e
povoar aquela parte das terras que assim achar e descobrir, que lhe bem parecer e segundo o
Logo depois resolve D. João III dividir o Brasil em capitanias, doando-as.
Essas doações não eram do domínio do solo, mas das vantagens que os donatários
aufeririam, pela percepção de proventos, que as capitanias lhes proporcionassem; tanto que,
propriedade plena, diziam as cartas, mas na verdade de natureza morganática; porque era
pessoal, o que quer dizer inalienável, e subtraída à regra comum das sucessões, tornando-se
indivisível.
merecerem as ditas pessoas por seus serviços e qualidades para as aproveitarem; e as terras que
assim der serão somente nas vidas daqueles a quem as der e mais não, e as terras que lhe parecer
bem poderá para si tomar, porém tanto até m’o fazer saber, e aproveitar grangear do melhor modo
que puder e vir que é necessário para bem das ditas terras; e das que assim der às ditas pessoas lhes
passará suas cartas declarando nestas como lh’as dá em suas vidas somente e que dentro em 6 anos
do dia da dita data cada uma aproveitará a sua, e se no dito tempo assim o não fizerem as poderá
tornar a dar com as mesmas condições a outras pessoas que aproveitem, etc.‖
E recomendava ainda que para maior segurança de tais condições se transcrevesse a carta
régia nos autos de concessão ou cartas de sesmaria, dando para o reino informações detalhadas de
tudo.
Segunda carta derrogando a acima:
―A quantas esta minha carta virem, etc. — Faço saber que as terras que Martim Affonso de
Souza, do meu conselho, achar e descobrir na terra do Brasil, onde o envio por meu capitão-mor,
que se possa aproveitar, por esta minha carta lhe dou poder para que ele dito Martim Afonso de
Souza, possa dar às pessoas, que consigo levar, e às que na dita quiserem viver e povoar aquela
parte das ditas terras que bem lhe parecer, e segundo lhe merecer por seus serviços e qualidades; e
das terras que assim der serão para eles e todos os seus descendentes e das que assim der às ditas
pessoas lhes passará suas cartas e que dentro de dois anos da data, cada um aproveite a sua, etc.‖
Diz Rocha Pombo que a carta de Azevedo Marques é igual à primeira minuta, que é de
Varnhagen; a segunda é de Pedro Tacques; mas que ambas são verdadeiras, e que a segunda foi
derrogatória da primeira, tanto assim que as primeiras Sesmarias concedidas pelo capitão-mor já se
fizeram em plena propriedade, isto é aos sesmeiros e seus descendentes apenas com a condição de
as aproveitarem dentro de dois anos (Rocha Pombo nota 1.ª p. 72 vol).[Qual obra?]
As terras deveriam ser repartidas em Sesmarias41 pelas pessoas que as pedissem,
sendo cristãos, isentas de foro e apenas sujeitas ao dízimo do Mestrado de Cristo; e nos
forais expedidos garantia-se aos colonos ou moradores o direito de requerê-las, sem mais
Dado o insucesso das Capitanias, foram elas, por diversos modos, voltando para a
Muitas foram as leis expedidas procurando regular essas concessões e coibir abusos.
judicialmente.
41
A Lei das Sesmarias, publicada em Santarém, em 1375, é de D. Fernando I. Encarregava as
autoridades de especial vigilância sobre as terras abandonadas, que o dono não quisesse cultivar, e
dava outras providências. Sesmarias ainda as define a Ord. do Livro 4, Título 43, parágrafo. — ―são
as terras, casas, pardieiros que foram ou são de algum senhorio e que já em outro tempo foram
lavradas e aproveitadas e agora o não são.‖
Às terras do Brasil não devia, portanto, caber o nome de Sesmarias: mas por extensão assim
as denominaram, por se tratar de terras não aproveitadas.
O Decreto de 20.10.1753 proibiu que se confirmassem concessões sem a medição e
demarcação judicial.
águas de rios caudalosos, cuja travessia necessitasse de barcas, reservando espaço para o
uso público.
respectiva.
42
Decreto de 02.07.1808.
Sendo-me presente que se não tem continuado a conceder Sesmarias nesta Corte e Província
do Rio de Janeiro, que até agora eram dadas pelos vice-Reis do Estado do Brasil e que muitas outras
já concedidas pelos Governadores e Capitães-Mores de diversas capitanias estão por confirmar por
causa da interrupção de comunicações com o Tribunal do Conselho Ultramarino, a quem competia
fazê-lo.
E desejando estabelecer regras fixas desta importante matéria, de que muito depende o
aumento da agricultura e povoação e segurança do direito de propriedade.
Hei por bem ordenar, que d’aqui em diante continuem a dar as Sesmarias nas Capitanias
deste Estado do Brasil os Governadores e Capitães Generais, delas devendo os sesmeiros pedir a
competente confirmação à mesa do Desembargo do Paço, precedendo as informações e diligências
determinadas nas minhas Reais Ordens; ficando as cartas de concessão e de confirmação
dependentes da minha Real assinatura.
A mesa do Desembargo o tenha assim entendido e faça executar.
Alvará de 25.01.1809.
Eu, o Príncipe Regente, faço saber aos que o presente Alvará, com força de Lei, virem que
sendo-me presente em consulta da mesa do Desembargo do Paço, que muito importava à
A Resolução de 17.07.1822 suspendeu as concessões; mas a despeito dessa
Resolução e da Provisão de 22 de outubro que as declarou suspensas, até que sobre isso
resolvesse a Assembléia Constituinte, ainda posteriormente foram feitas, ora com o nome
posses e revalidar as sesmarias; proibindo que daí em diante quem quer que fosse se
apossasse das terras; só permitindo a aquisição por compra, salvo nas fronteiras em uma
Por essas concessões legitimamente feitas, e por mera ocupação ou posse, foram as
terras desde o período colonial entrando para o domínio particular, livres, porém, dos
No entanto ainda nos começos do século XIX, não só o soberano podia, sem forma
pertenciam.
tinham aproveitado a que encontraram organizada, é bem de ver que o mecanismo jurídico
transferência de domínio.
Entre dois adquirentes pertencia o domínio, não àquele que tivesse prioridade de
Vê-se o princípio consagrado na Lei das Sete Partidas,44 de onde passou para as
Ordenações.45
numa certa publicidade, dando a conhecer a mudança de dono, foi substituída por uma
Conselheiro Nabuco, Ministro da Justiça, no seu Relatório de 1854,46 lançou a idéia como
44
Lei L. Tit. V da 5.ª. Partida.
45
Ordenações. Livro 3 Título VII pr.
meio mais adequado, da criação, entre nós, de um Registro, já admitido em outras
legislações, para os atos translativos da propriedade imóvel, dando a esta a segurança que o
Era intuitivo que entre a tradição simbólica, ou mesmo a direta, que, uma vez
continuadamente a luz da publicidade sobre o ato, que lhe deu origem, preenche este muito
46
Cabe falar-vos aqui da reforma hipotecária, a qual o governo imperial tem como urgente e
digna especialmente de vossa atenção na presente sessão: não se trata por ora, Senhores, da
organização de associações bancais, que no futuro devem concorrer poderosamente para
prosperidade da nossa agricultura, que jaz na rotina, dependendo, aliás, de melhoramentos
importantes, que não podem ser conseguidos senão com sacrifícios, que a embaraçam; o que se quer
antes de tudo é fundar o crédito territorial por meio da hipoteca e facultar assim aquelas
associações; não pode, porém a hipoteca preencher esse fim senão pela sua segurança e fácil
execução, visto como os empréstimos tanto mais vantajosos e fáceis serão, quanto mais seguro e
pronto for o pagamento, essas duas condições de segurança e de excussão dependem essencialmente
da publicidade e especialização assim como da brevidade das ações hipotecárias; são estes os três
pontos essenciais da reforma; não penseis, porém, que o sistema de publicidade e especialização
que o governo deseja, tendo em vista o crédito territorial, é com sacrifício do crédito pessoal, ou
ferindo e menoscabando os justos interesses da sociedade os quais cumpre respeitar; esses
interesses quanto era justo e necessário foram atendidos e conciliados com o interesse da
propriedade e da agricultura. Certo, Senhores, é impossível o crédito territorial sob o regime atual
da Lei de 20.06.1774, que favorece e legitima a fraude, admitindo hipotecas ocultas gerais sobre
bens não determinados e futuros, e fundadas em privilégios que ela estendeu por identidade de
razão. Não desconheço o estado da nossa propriedade territorial, sei que uma boa parte dela não
aproveitará o novo regime, pois que as dúvidas do domínio, em razão da contestação de limites e
incerteza de título, acrescem as dificuldades da avaliação; se, porém, toda a propriedade não pode
ter valor, uma parte dela certa e incontestável deve tê-lo; se no presente grande parte dela não vale,
no futuro há de valer, tanto basta para que esse melhoramento importante da nossa legislação não
seja diferido e protelado (Relatório de 1854, p. 18).
melhor a função, revelando em qualquer momento os fenômenos relativos aos direitos reais
14.11.1846,47 para a publicidade das hipotecas, mas que pouco aproveitara ao crédito,
havia.
Srs. J. M. Pereira da Silva, Francisco de Paula Batista e F. Rodrigues Silva; em que se fazia
notar que o Projeto admitia entre nós os ―dois princípios da publicidade e especialidade,
desconhecidos do Direito Romano, e devidos à Alemanha‖, que ―no Brasil estes princípios
só nos últimos tempos fora admitida e assim mesmo incompleta e manca, não trazendo
47
A Lei Orçamentária de 1843 limitou-se a estatuir no art. 35.
―Fica criado um Registro geral de hipotecas, nos lugares e pelo modo que o Governo
estabelecer nos seus Regulamentos‖.
E, referindo-se à transcrição, dizia o Parecer: ―Fixar o direito de propriedade deve
ser a primeira condição de um bom sistema hipotecário.‖ ―Aqui desejaria a Comissão dar à
transcrição maior valor do que lhe dá o Projeto; a transcrição deve importar a prova da
transcrição como queria o Parecer, tendo declarado o último deles que o Registro das
Hipotecas, regulado pela Lei de 1846 e criado por proposta sua, não dera os resultados que
poderia ter dado, por terem lhe faltado os requisitos da especialidade e publicidade.
onde foi apresentado Parecer, datado de 11.09.1857 e assinado pelos Srs. Silveira da Motta,
objeto adquirido ou hipotecado, e dos encargos a que está sujeito; porém o meio do sistema
mas às que este era obnoxio, visto como, segundo o disposto no Projeto, o Registro não
Nos países em que essa formalidade foi adotada, acontece o contrário, porque em
alguns constitui a mutação das propriedades um ato judiciário, em que se liquida o domínio,
servindo-lhe de prova; em outros, o solo está demarcado, cadastrado e dividido
cuidadosamente.
Se estas condições não existem entre nós como transplantar o sistema que nelas se
baseia?‖
O Parecer concluia por condenar o Registro instituído no Projeto como inútil, além
de incômodo e dispendioso.
Senado.
Tendo ido o Projeto às Comissões de Legislação e Fazenda, deram elas seu Parecer,
pareceres, foi de novo às Comissões, porque o Sr. Conselheiro Nabuco, como disse o Sr.
apresentar.
Fazenda apresentaram seu Parecer, datado de 19, e ofereceram um substitutivo, que, com
poucas emendas, foi aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados, que, sem
Instituiu essa Lei o Registro, que não tínhamos, para a transcrição dos títulos de
transmissão dos imóveis por atos entre vivos e a constituição dos ônus reais (art. 7.º).
48
Ofício ao Ministro da Justiça, de 06.03.1860, citado por Didimo Agapito da Veiga no
Direito Hipotecário, p. 301.
Declarou que a transmissão não se operava a respeito de terceiros, senão pela
transcrição e desde a sua data (art. 8.º); mas que esta não induziria prova de domínio (art.
8.º, § 4.º).
Aboliu as hipotecas que não fossem as por ela estabelecidas (art. 1.º).
Restringiu o objeto da hipoteca aos bens imóveis, que enumerou (art. 2.º, §§ 1.º e
2.º).
mulher casada, dos menores e interditos (art. 3.º, § 11); as demais hipotecas legais que
que pudesse ser oposta a terceiros, salvo a da mulher casada, dos menores e dos interditos,
as quais mesmo não inscritas conservavam todo o seu valor (art. 9.º).
Enumerou taxativamente os ônus reais (art. 6.º) sujeitando-os à transcrição (art. 6.º,
§ 2.º).
o defeito pelo Regulamento 3.453, de 26.04.1865 [Ora fala Regulamento ora Decreto], que
da Lei de 1864, tornando obrigatória a inscrição de todas as hipotecas legais sem exceção
(art. 7.º); mas não atendeu ao princípio da especialidade, que só foi consagrado no Dec.
Sob a vigência desse último Decreto continuou ainda imperfeita a publicidade, que
era falha quanto às mutações de domínio, por persistirem as isenções do regime anterior.
E como o guzano, que corroe o tronco em que consegue aninhar-se, ficou, em nosso
Embora houvesse, sob o regime da Lei de 1864, uma corrente de opinião, que, tendo
que a lei se referia, eram os credores hipotecários, corrente que, ao discutir-se o Código
Civil, no seio da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, teve no venerando Sr.
Conselheiro Andrade Figueira ardoroso defensor; a verdade é que quase todos os nossos
dos imóveis.
49
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CXCVI e nota 33 art. 909.
50
Direito das Coisas, § 43.
No entanto como bem observa o eminente civilista Sr. Lacerda de Almeida51 ―a
transcrição não se pode chamar a tradição solene do imóvel alienado, mas meio de prova
Não há dúvida que vêm todos repetindo o que se disse quando foi a transcrição
criada para substituir as fórmulas feudais, sem atenderem a que se suprimira a tradição
Repetirei, no entanto, com o Sr. Sá Pereira,52 que o direito francês que havia
prescindindo da tradição preenchera a lacuna com a transcrição; a nossa Lei de 1864 com
Basta considerar que a tradição é um ato bilateral pelo qual se opera a transferência
recebe a de adquiri-lo. Mesmo admitindo ser a tradição ato unilateral, como na origem a
entrega; o que não é possível é prescindir-se dessa vontade como na transcrição, que é feita
a pedido do adquirente.
representa a tradição.
51
Direito das Coisas, § 27.
52
Manual do Código Civil. Vol. VIII, Cad. 4, p. 163.
53
Arrigo Dernburg Pandette. Diritti reali. Tradução de Francesco Bernardino Cicala.
A verdade é que a tradição desapareceu, substituída pela transcrição a ela
completamente estranha.
A lei submeteu à transcrição os contratos que são a causa da tradição, mas a esta
transmite-se o domínio mediante salto do Direito das Obrigações para o Direito das Coisas,
ficando de permeio postergada, esquecida a tradição, que a transcrição não pode suprir
Influi talvez para esse salto a consciência de que sendo a tradição a entrega que se
resolve pela posse, ―a do imóvel, além do que o poder físico ocasionalmente ocupa, não
passa de uma criação da lei, símbolo e ficção que da lei recebe a sua razão de ser e a sua
segurança.‖55 Daí o espírito aceitou sem repugnância essa outra criação, que da lei recebia a
sua força para transferir o domínio; mas para não romper inteiramente com o passado
esforçou-se por ver na nova criação uma simples modalidade da antiga tradição.
E a Lei de 1864, assim como a de 1890, esquecendo que o fim visado era a
poder para provar os direitos que publicava; e com esse desvio deixou a propriedade
54
Lacerda de Almeida. Direito das Coisas. Nota 1 av. § 27.
55
Inglez de Souza. Introdução do Projeto de Código Comercial, p. 99.
Pelo Dec. 451-B, de 31.05.1890, tentou-se a introdução do Sistema Torrens, que
Era essa a situação do nosso direito até 01.01.1917 data em que começou a vigorar o
Código Civil.
CAPÍTULO IV
O CÓDIGO CIVIL
em novembro do mesmo ano, o seu trabalho precedido de uma substancial exposição a que,
brasileiro.
imóvel.‖
―A lei atual‖, observava ele, diz — ―a transcrição não induz a prova de domínio,
que a transcrição não é senão uma tradição solene, e como tal não pode transferir direito
que não tem o alienante: nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet.‖
Planiol, entre outros, condenam por deficiente o sistema francês. Didimo da Veiga, entre
nós, considera esse mecanismo de efeito negativo, porque apenas oferece aos terceiros uma
indicação ilusória.‖
Para bem firmar a inteligência das palavras do autor do Projeto, vejamos o que disse
Diz ele: — ―C’est aux registres publics des bureaux fonciers que semble desormais
devolue la tâche de proteger les tiers contre le danger des causes d’eviction occultes, par la
mise au grand jour des actes et faits qui intèressent la condition juridique de la proprieté
foncière.‖56
―La force probante des inscriptions au regard des tiers, telle est la proposition
dotrinale autour de laquelle gravitent les régimes de publicité les plus renommés de nôtre
époque, tel doit être le fondement juridique de la réforme que le législateur français est à
Dès lors, en effet, que tout ce qui est inscript sur le livre foncier est vrai au regard
des tiers et ne peut être révoqué eu doute, il en resulte que celui à qui se registre attribue le
titre de proprietaire conserve toujours, quoi qu’il advienne cette qualité aux yeux des
personnes qui contractent avec lui. Le tiers que sur la foi des registres publics, a acquis un
droit réel immobilier du proprietaire inscript comme tel, est à l’abri de toute revendication,
56
E. Besson. Les livres fonciérs..., p. 4.
dont la cause ne lui aurait pas été revelée, lors de son contract, par la teneur du livre
foncier‖.57
―A eficiência do Registro será tanto maior quanto mais exata for a atestação do
pessoa que vende é proprietária da coisa; e como pretender atingir esse fim por meio de um
aparelho registral que apenas consegue indicar o último adquirente do imóvel, deixando
Se não basta para a validade da hipoteca que o credor tenha títulos, mas se se faz
preciso que estes provenham do verdadeiro proprietário; que adianta a publicação solene de
transferência dos imóveis com os vícios e defeitos inerentes a estes, mas o Registro do
Mais adiante.
―Não oferecer aos portadores de capitais, imóveis cuja propriedade não se dá como
57
Idem, p. 401.
sujeito do domínio, é tornar de todo o ponto inútil a preconizada publicidade que não
orientando o capitalista sobre a situação definitiva e certa do domínio dos imóveis, nos
quais podem ter assento as hipotecas, não oferece critério que o habilite a julgar da
segurança com que poderá fazer o empréstimo sob garantia hipotecária, desde que não lhe
citados e que consistia em repelir a máxima invocada pelo Conselheiro Lafayette, para
indicações que pudessem iludir os intuitos da hipoteca (no dizer do Sr. Didimo), pondo ao
____
Bulhões Carvalho, foi o Projeto (na parte que nos interessa) emendado para acrescentar-se
58
Direito Hipotecário, p. 251 a 253.
59
A comissão realizou duas séries de reuniões sob a presidência do Ministro Epitácio Pessoa;
tendo se reunido 51 vezes na 1.ª série, e 11 vezes na 2.ª, sendo a última destas em 14.11.1900. Além
destas, houve mais 3 para tomar conhecimento da redação final.
A Exposição de Motivos fala em 12 reuniões na 2.ª série, mas no Vol. I dos Trabalhos
relativos à elaboração do Código só encontramos 11.
ao art. 605, que figura como 619 no Projeto Revisto (atual 530 do CC) o parágrafo único,
―A inscrição não induz prova de domínio que fica salvo a quem de direito.‖
____
O Conselheiro Andrade Figueira com seu costumado calor bateu-se contra o que ele
entre as partes contratantes, e menos ainda declarou concordar com o disposto no parágrafo
único ao lado do disposto no art. 619, que estavam entre si em manifesta contradição. Se a
inscrição ou transcrição é ato essencial da aquisição de domínio há de por força ser a sua
prova, nem pode haver outra. Como dizer esse parágrafo único que ela não induz prova?60
Didimo, que a inscrição no Registro Predial constituísse a prova cabal do domínio, mas à
comissão revisora nomeada pelo Governo pareceu que não estávamos suficientemente
imóvel, e foi mantido o princípio de direito vigente, segundo o qual a inscrição induz
60
Trabalhos da Comissão Especial do Código Civil. Vol. 5.º, p. 228 e 256.
61
Idem, p. 238.
―Tratando nós de organizar o Código Civil, era natural que nos preocupássemos
com o assunto (o do Registro das transferências da propriedade imóvel) e então supus que
era a ocasião propícia, se não de introduzir entre nós, porque parecia impossível, o sistema
modo:
―A inscrição de que trata a letra a não induz, de per si, prova de domínio, que fica
redação não o traduz com exatidão. Sua Ex.ª não lhe parece negar que a escritura
devidamente inscrita estabeleça uma presunção juris do domínio em favor do titular do bem
inscrito mas que a presunção não era juris et de jure de modo a excluir qualquer terceiro
que tivesse título melhor que o do transferente. Se este é o seu pensamento, estão de
acordo, mas será forçoso modificar a emenda de forma que não pareça nula a inscrição a
Foi afinal por proposta do Sr. Luiz Domingues suprimido o parágrafo único, que
tanta discussão provocara.65 Vingou o sistema do Projeto primitivo, que no seu art. 999,
62
Trabalhos... Vol. 5.º, p. 277.
63
Idem, vol. VI, p. 241.
64
Trabalhos... cit. Vol. V, p. 264 e 265.
65
Idem, vol. VI, p. 241.
correspondente ao art. 1.004 do Projeto revisto e 959 do Código Civil, consagrava a força
probante dos livros do Registro e nos mesmos termos em que o faz o art. 891 do Código
alemão.
Parecer, à altura do seu grande valor intelectual, e ―cujo preâmbulo abre a inteligência para
legislação.‖66
modos de ver no tocante a este importante assunto: o dos que acreditam de todo dispensável
regime hipotecário; o dos que a preconizam e acham necessária como simples meio de
doutrina que saiu triunfante; a segunda era a do Projeto revisto; a terceira a do Projeto
primitivo e do atual.‖
Termina o Parecer.
tradição que foi sempre, tratando-se deles, muito mais cercada de cautelas que a dos
simples móveis‖; e remata com as palavras do autor do Projeto: ―e porque a transcrição não
é no direito pátrio senão uma tradição mais solene, devem-se lhe aplicar os mesmos
66
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Vol. I, p. 40.
Em 26.02.1902 foi o Projeto com o Parecer apresentado à Câmara dos Deputados,
Três dias após, o Sr. Rui Barbosa apresentava o seu memorável Parecer, que o autor
do Projeto denominou ―mole ingente de profundo saber‖, ocasionando uma luta de titãs, em
que se empenharam os três eminentes vultos os Srs. Rui Barbosa, Clovis Bevilaqua e
único do art. 619 do Projeto revisto, o qual havia sido suprimido por proposta do relator,
Quer dizer que, mesmo para as partes contratantes, não basta a escritura. Mas não
quer dizer que se a escritura for nula ou inábil fique valendo depois da inscrição...
depuradora de todas as nulidades é extravagância que não passou pelo espírito de nenhum
jurisconsulto.
Tudo se pode suprimir menos aquele parágrafo único, que garante a estabilidade dos
contratos.‖67
67
Trabalhos do Senado. Vol. III, p. 16.
―Muito acertadamente andou o Sr. Luiz Domingues pedindo a supressão do
parágrafo único do Projeto revisto, porque declarando o art. 860 do Projeto atual 68 que a
inscrição de um direito real em favor de uma pessoa faz presumir que esse direito lhe
pertence, o menos que se poderia pensar, confrontando os dois preceitos, era que entre eles
havia antinomia.
nulidades, como insinuou o Sr. Andrade Figueira com aplausos do Sr. Azevedo Marques
agora expressos. O que se pretende é pura e simplesmente fazer da inscrição a tradição dos
imóveis.
A tradição não transfere senão o direito do tradente, se este não tem direito, nenhum
direito transmite.
O Senado manteve o sistema do Projeto primitivo, mudando, por emenda do Sr. Rui
alterar a linguagem jurídica até então usada e evitar os inconvenientes práticos daí
advindos.70
legisladores de todos os países onde a propriedade imóvel se rege pelo sistema francês, cuja
68
Corresponde ao art. 859 do CC.
69
Trabalhos do Senado. Vol. III, p. 76.
70
Essa alteração já havia sido lembrada na Comissão revisora e pelo Dr. Eulálio da Costa
Carvalho, competente Oficial do Registro das Hipotecas da Capital de São Paulo.
Entre nós, há muito mais de meio século, dele se ocupara o maior dos nossos
jurisconsultos71, mas não lhe foi dado apreciar os lamentáveis efeitos do sistema, que, como
Desanimadora perspectiva!
adquirente são de interesse privado, e que as do proprietário com terceiros são de interesse
público.
que assim irá sucessivamente passando a outros. Aí temos um conflito de direitos, aí temos
reflexões por estas outras ―se a transcrição não puser a salvo direitos de terceiros‖, e ter-se-
incerteza do domínio e ao abalo de tantas relações civis. Mas o sulco profundo impresso no
seu espírito pelo Direito Romano obrigou-o a recuar diante da conclusão lógica do seu
71
Teixeira de Freitas. Introdução à Consolidação das leis civis. P. CLXXV e seguintes.
raciocínio, como, aliás, recuaram os jurisconsultos prussianos, que deviam o melhor da sua
cultura àquele Direito, e por isso levaram quase um século para aceitar a força probante dos
livros do Registro.
remédio.
Começaram dirigindo para o estrangeiro seus olhares, que se fixaram nos livros
prediais ou fundiários do sistema germânico e nos Sistema Torrens, cujo autor, em 1858,
vender um navio que valha 10.000 ou 30.000 £; mas quando se trata de terras, não é
Com o intuito de adaptar o cadastro a um duplo fim — fiscal e jurídico — foi, por proposta
Compreendeu-se, porém, apesar dos votos dessas comissões,73 que muitas eram as
72
Guillouard — Traité des priviléges & hypothéques. Vol. 1.º p. 77 e 78.
73
Veja-se as conclusões em Braudry-Lacantinerie — Priv. et Hyp. Intr. De Loynes. [Seria: de
Braudry-Lacantinerie: TRAITE THEORIQUE ET PRATIQUE DE DROIT CIVIL?]
Na Itália, do mesmo modo, houve entusiasmo pelos livros prediais, à moda
1892 o mesmo Gianturco, que, em 1885, no prefácio do seu Sistema de Direito Civil
Italiano e, em 1890, nos seus Estudos sobre a Transcrição, se manifestara pela adoção
desses livros, modificou sua opinião; e fazendo parte da Comissão para elucidar as
se opunham.74
Ele confessa que mais claras ainda tais dificuldades se mostraram, quando, em
1897, como Guarda-selos, presidiu a comissão que havia nomeado e da qual fizeram parte
Duas correntes havia. Uma que, com Cannada Bartoli e Ippolito Luzzati, queria a
Outra que, com Mirabelli, Frola, Filomusi Guelfi e Scialoja, diante das dificuldades
I - Tornar essencial o Registro para a aquisição dos direitos imobiliários, tanto entre
II - A publicidade absoluta tanto para atos entre vivos como causa mortis, e para as
divisões, quer se considerassem translativas, quer declaratórias, exigida nesse último caso,
74
Relaz. cit.
III - A força probante ligada às transcrições, único meio de atingir o fim visado, pois
publicados, isto é, se os terceiros não pudessem confiar do teor das transcrições, como
expressão da verdade.
Observavam os segundos não haver motivo para ser inatacável entre os contratantes,
aos quais deviam ficar salvas as exceções de incapacidade e dos vícios do consentimento,
expoliação.
O interesse geral exige apenas que os demais que contratarem, confiados na verdade
A regra — nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet conserva toda
a sua força entre os contratantes. Para estes a transcrição não equivale a título, ela não
depura todas as nulidades. O que se pretende é proteger a boa-fé; e por isso a força probante
não aproveita aos adquirentes de má-fé, equiparados a estes, por equidade, os que o forem a
título gratuito.
cláusulas, que constam do título; outras são a este alheias, como a incapacidade dos
momento em que se tenham tornado públicas pelo Registro das ações intentadas.
manter o direito dos terceiros que o tenham adquirido do herdeiro aparente,75 estendendo-o
aos casos de transferência feita por qualquer proprietário aparente ou putativo, fosse ou não
herdeiro.
Esse litígio será cada vez menos freqüente à proporção que decorrer o tempo,
devido à necessidade essencial de Registro para todos os atos e fatos que afetem o domínio.
75
Baudry-Lacantinerie — Priv. Hesp. De Luynes La reforme — Vol. I.
O terceiro de boa-fé, que contratou a título oneroso, e tem prioridade de transcrição,
terceiro só tinha à sua disposição os livros do Registro, que a lei lhe assegurava ser a prova
do direito que ia adquirir. Mais odioso seria prejudicar a este que aquele.
exame do título, e a apreciação das circunstâncias que possam afetar a sua legalidade.
Sistema Torrens?
Registro.76
entregue aquele.
dependência de um cartório judicial, onde raras vezes pode haver a desejada presteza,
76
N. Coviello. Ob. cit. Vol. 1.º, p. 145.
Adotados esses princípios, que os juristas reputavam essenciais da publicidade
Pensavam eles por esse modo ter-se atendido aos princípios da:
- Publicidade absoluta
- Especialidade
- Legalidade
- Força probante
por assim dizer, a sua fotografia, que assinala a área, os limites rigorosamente definidos, e
estabelece a sua identidade; no entanto já está aceito nas legislações atuais, e a despeito
_____
legalidade.77
os títulos e pedir às partes que justifiquem a exatidão do que está neles contido, a verdade
77
Estamos nos servindo das expressões do Sr. Clovis Bevilaqua.
E finalmente a publicidade, que tem um duplo efeito. Em relação aos capitais, que
precisam de base segura para o seu emprego, pelo conhecimento exato, completo, pleno do
estado civil da propriedade imóvel. Em relação aos proprietários pela facilidade de,
apresentando seu direito tal como ele realmente é, obterem atração de capitais.
Foi o sentimento dessa necessidade, compartilhado pelo autor do Projeto, que atuou
no seu espírito, e o fez julgar propícia a ocasião de introduzir entre nós o sistema
germânico, não na sua plenitude, porque não podíamos organizar os livros prediais à
maneira prussiana, por falta da propriedade cadastrada, mas no que ele tivesse de essencial
autor do Projeto o mau efeito de não se fazer alguma coisa de mais completo do que o que
tínhamos.
doutrina, no Manual do Código Civil brasileiro, na parte relativa ao Direito das Coisas,
―Vê-se bem que ele o desejou, foi até ao ponto de exprimir esse desejo, mas não o
domínio, expurgado e liquidado por ela e por ela imunizado à reivindicação. Uma vez que
se a considera tradição solene, têm-se-lhe tirado justamente o que é essencial no direito
direito.
Afirmamos que o Código não se limitou, como único sinal do sistema germânico, a
erigir a transcrição em modo de adquirir o domínio; e que nem o Código Alemão, que
acolheu as Leis prussianas de 05.05.1872, nem o direito espanhol, nem o Código português,
nem o suíço, nenhum deles, fez da inscrição, o título expurgado e liquidado por ela,
inatacável. A inscrição não sana os vícios do título, que pode ser anulado.
É certo que fazer da transcrição modo de adquirir, não caracteriza o sistema, porque
países que o adotaram como a Holanda e o Chile, se contam no grupo dos que se regem
pelo sistema francês; ao passo que Portugal, país onde vigora o princípio de transferência
por simples força do contrato, é arrolado entre os que se regem pelo sistema germânico.
Não ficou aí, porém, o autor do Projeto. Transformou o Registro geral das hipotecas
seu Projeto, o autor disse que a regra — nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse
habet, verdadeira no sistema francês, não podia ser aceita no sistema do Projeto, por
autor se referia. Foram ditas aí porque nesse capítulo é que se introduzira o princípio
78
Manual do Código Civil brasileiro. Fasc. IV, p. 126.
essencialmente germânico da força probante das inscrições, consagrada no dispositivo, que
é hoje o art. 859 do Código Civil, e nos mesmos termos em que a consagra o art. 891 do
germânico.
pelo sistema real, mas falte a força probante, tem-se na sua essência o sistema francês.80
forma pessoal; dê-se, porém, força probante aos Registros, ter-se-á, na sua substância, o
sistema germânico.‖
Rodrigues fez ver com muita clareza que se a transcrição não devia constituir uma
presunção juris et de jure, de modo a excluir qualquer terceiro, que tivesse melhor direito,
podendo portanto ser anulada; não parecesse, que uma vez anulada, se anulassem os
79
Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou
transcreveu.
Código Alemão — Art. 891. Lors q’un droit a été inscript en faveur de quelq’un au régistre
foncier, l’on présume que ce droit lui appartient. (Trad. O. de Meleunare)
80
É o que se dá na Holanda — Vide Besson. Ob. cit., p. 220-224.
81
Nicola Coviello. Della transcrizione, p. 78.
Como há pouco vimos, duas são as teorias em relação a esse ponto, o da força
Pelo primeiro a inscrição é inatacável, vale título, purga todos os vícios, constitui
pode ser anulada, não transfere mais direitos do que tem o transmitente, constitui uma
francês e germânico.
A Comissão revisora procurara manter o sistema francês que entre nós vigorava,
pelo qual a transcrição não induzia prova de domínio, que ficava salvo a quem de direito,
Pelo princípio aceito no Código, ficam expostos os contratantes, quem não tenha
gratuito; ficando a coberto os terceiros de boa-fé, que tenham contratado a título oneroso.
domínio numa perpétua incerteza, quase como ao tempo dos glosadores, que diziam ser a
certeza, como disse T. de Freitas; e a prescrição, único meio que o sistema francês
encontrou para remediar aquisições viciosas, apresenta o mesmo inconveniente. Será a
posse de boa-fé?
proteção mais eficiente, havemos de nos contentar como outrora, com essa propriedade
vacilante?
Quando o exemplo de países mais cultos que aceitaram novos princípios, repelindo
Que vale, no sistema francês, a hipoteca dos incapazes outorgada pela lei, se, sob
pretexto de protegê-los, retira ela a segurança da propriedade, que lhe oferece em garantia?
Mas, como vimos, esse sistema falho e imprestável, que era o nosso direito anterior,
82
Consolidação das leis civis. Introdução, p. CCII.
Vemos até aqui que o Projeto do Sr. Clovis não se limitou a erigir a transcrição em
modo de adquirir, o que, aliás, já era do direito anterior; além disso, criou o Registro
disposição, que figura no Código como art. 834, atribuindo ao Oficial do Registro a
Com este consagrou-se o último dos quatro princípios essenciais do sistema, que o
revisora, e assentimento do autor do Projeto, tinha tornado efetiva com a transcrição das
transmissões causa mortis, mas que por emendas infelizes, depareceu do Código, embora
minorado pela transcrição dos julgados nas ações divisórias, de que a famíliœ erciscumdœ é
uma delas, sujeita, portanto, a partilha, como o declara o Parecer da Comissão Especial da
Câmara.
83
Arts. 65 e 66 do Regulamento 370, de 02.05.1890, reproduzindo os arts. 68 e 69 do
Regulamento 3.453, de 25.04.1865.
Como atendeu, uma vez adotada a força probante relativa, à coexistência dos
Determinando que o Oficial público que lavrar escritura de dote ou lançar em nota a
relação dos bens particulares da mulher, (art. 839 do Código) assim como o Esc.m que
lavrar termo de tutela e de curatela (art. 841) comuniquem ex officio e com a possível
indisponibilidade.
Essa providência habilita o Oficial do Registro a, pelas averbações que fizer, avaliar
da incapacidade dos interessados no ato cuja inscrição se pedir; e assegura aos incapazes
Registro.
648).
terão.
Será preciso admitir que havia no Projeto e há no Código, disposições mais que
supérfluas por serem de todo inúteis, e a hermenêutica veda interpretar como supérfluas as
disposições legais.
Afirmou o Sr. Sá Pereira que, considerada a transcrição como tradição solene, tem-
se-lhe tirado o que é essencial no direito germânico, porque a tradição não purga o domínio.
E afastou-se assim o autor do Projeto das excelentes reflexões do Sr. Didimo,
porque este o que queria era que a transcrição fosse, em vez da tradição solene, o título de
germânico, a transcrição estabelecesse uma presunção juris et de jure; que fosse o título,
acautelar os direitos de terceiros. A transcrição era presunção juris tantum, podia ser
Aos que tivessem tomado parte em tal contrato, de nada lhes valia a transcrição,
porque nem ela era título, nem podia transferir direitos que o transmitente não tivesse.
Nesse caso, do mesmo modo que a tradição não transfere mais direitos que os do
transmitente; em relação, porém, a terceiros a transcrição é a prova que a lei lhes oferece; é
a verdade o que do teor dela constar, é a segurança das transações, primeira condição
Para esses terceiros a máxima nemo plus jus ad al. tr. pos. q. i. h., perde a sua força,
pelo Sr. Sylvio Romero, declarando que a transcrição é prova plena do domínio, mas que
continua a ser considerada como tradição. Foi isso que com muita clareza disse o Sr.
transmitente e pode ser anulada; mas não se entenda que uma vez anulada, anulados
É que o espírito moderado do Sr. Clovis procurava não romper inteiramente com a
melhor o lugar da tradição romana. É certo que outra é sua origem, é do feudalismo que
vem; mas, porventura não é no feudalismo que vai lançar suas raízes a transcrição? Não é
nos costumes do nantissement e outros que vigoravam no norte da França, onde mais
dupla vontade dos contratantes, como na tradição romana; ao passo que a transcrição,
mesmo considerada a tradição ato unilateral, como era no começo por Direito Romano,
Romano, não transfere direitos que não tenha o transmitente, por isso pode ser anulada, e o
Código Civil alemão refere-se a proprietário inscrito que não tenha adquirido a propriedade
(art. 900).
84
Quando falamos em direito germânico, referimo-nos ao último estado de desenvolvimento
desse direito representado nas Leis prussianas de 05.05.1872, acolhidas pelo Código Civil alemão.
Mas uma é a condição de quem figura no contrato viciado e outra a de terceiros que
É fato que qualquer que seja o ponto de partida para a consolidação, seja o cadastro,
transcrita no Registro é o único recurso que se oferece aos países regidos pelo sistema
francês, para dentro de curto lapso de tempo, gozarem da sombra protetora, que ao direito
Foi isso a nosso ver o que tentou o Sr. Clovis, e as disposições do Código provam
Se ao ilustre Sr. Sá Pereira pareceu que o autor do Projeto quis introduzir o sistema
germânico, mas não o fez; a nós, se nos afigura que se ele o não quis, de fato o introduziu,
ilustrá-lo com remissões aos arts. 971 e 973 do Código Civil suíço.
―Art. 971. Tout droit est non existant comme droit réel que si cette inscription a eu
lieu.
Art. 973. Celui qui acquiert la proprieté en se fondant de bonne foi sur une
Nenhum outro esforço parece necessário para se demonstrar que o Código acolheu a
sistema germânico.
entanto, esta última a quase todos os atos de transmissão quer inter vivos, quer causa mortis
e constituição de direitos reais em coisa alheia (arts. 531, 532, I, II e III, 580, 697, 715, 745,
domínio, pois a tanto equivale negar aos terceiros proteção dos direitos que tenham
adquirido, confiados na prova que julgaram estar feita pelos livros do Registro.
Ao mesmo tempo, segundo nos consta,85 no Amazonas, o seu mais alto Tribunal,
aplicando o preceito do art. 859 do CC manteve em seu direito um terceiro, cujo título tinha
Não parece que seja digna de censura a sentença, uma vez que o Código Civil está
em vigor; mas prova que é preciso, quanto antes, prover-se às necessidades reclamadas para
85
Informação do Sr. Sá Peixoto, membro do Tribunal indicado.
CAPÍTULO V
No Direito Civil uma das grandes divisões destina-se a regular as relações entre
duas ou mais pessoas vinculadas por um ato ou contrato, que adstringe umas à prestação ou
objetivar-se sobre uma coisa. É a parte que se denomina — direito das obrigações.
fixando na coisa o direito, ora abrangendo todas as relações a que se prestam as suas
utilidades, como a propriedade; ora limitando-se a uma parte dessas utilidades, como os
Os direitos reais exercem-se direta e imediatamente sobre uma coisa, a ela como
que aderem, e por isso são providos da seqüela, que assim se chama a faculdade, conferida
ao titular do direito, de ir buscar a coisa em poder de quem quer que a detenha, para se
O direito das coisas faz objeto do 2.º Livro do Código Civil. [NA PARTE
ESPECIAL?]
O Capítulo II do Título II desse Livro trata da propriedade imóvel, sua aquisição e
perda, e dos direitos de vizinhança. O Título III, que se divide em 11 capítulos, ocupa-se
dos direitos reais em coisa alheia; sendo a última Seção (VI) do Capítulo referente ao
Registro de Imóveis.
Título II - O Registro
e sua publicidade.
O seu objeto é dar certeza ao domínio e garantia ao crédito real, por meio da escrita
de seus livros.
O Registro é de caráter jurídico, porque por ele se aprecia, em toda sua extensão,
do imóvel, por onde o poder público avalia a capacidade econômica da riqueza territorial,
para lançar seus tributos. O cadastro como que fotografa o imóvel, revelando o seu caráter
que não podem andar divorciadas, devendo ter inteira correspondência, estejam a cargo de
A falta de cadastro prejudica a segurança que o Registro deve conferir por seus
assentos, pois não permite muitas vezes a verificação da identidade e da superfície exata de
determinado imóvel.
Entre nós, e noutros países, embora melhorada a organização do Registro, nem
sempre pode este proporcionar à propriedade imóvel a segurança desejada, devido à falta de
cadastro.
O Registro de Imóveis instituído pelo Código Civil está a cargo do antigo Registro
Geral, de que trata o Dec. 169-A, de 19.01.1890, criado pela Lei 1.273, de 24.09.1864 (art.
7.º, § 3.º), e do qual então foram encarregados os tabeliães do antigo Registro das
Hipotecas, por sua vez criado pelo art. 35 da Lei Orçamentária 317, de 21.10.1843, e
Nesta Capital [N.E. – Na época, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil] como em
alguns Estados, o Registro, cujos ofícios se haviam declarado únicos e indivisíveis,87 foram
86
Instruções para a execução provisória do Regulamento. Publicado de 03.01.1917.
87
Dec. 3.453, de 26.04.1865, art. 10.
88
Nesta Capital o Registro Único foi dividido em dois pelo Decreto de 10.01.1890; e
instalado em 5 de março do mesmo ano o 2.º Ofício. Pelo Dec. 1.100, de 19.11.1903 criou-se mais
um ofício; tendo sido delimitadas as zonas para seu funcionamento pelo Dec. 5.071, de 9 de
dezembro do mesmo ano, e instalado em 22 de março do ano seguinte o 3.º Ofício.
Na cauda do Orçamento para 1917 (Lei 3.232, de 05.01.1917), criou-se um 4.º Ofício; tendo
se fixado novos limites às zonas dos diversos ofícios pelo Dec. 12.588, de 1.º de agosto desse
mesmo ano, e instalado o novo cartório 15 dias depois, em 16 de agosto.
Posteriormente o poder executivo, embora não autorizado pelo legislativo, resolveu alterar a
divisão já feita.
É a seguinte a última divisão constante do Dec. 14.811, de 19.03.1921:
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo a que a divisão do
território do Distrito Federal em quatro zonas para o funcionamento dos ofícios do Registro Geral
prejuízo manifesto para os interessados, que têm de recorrer a mais de um cartório com
de Imóveis, estabelecida pelo Dec. 12.588, de 01.08.1917, para a execução do art. 10, § 2.º, da Lei
3.232, de 05 de janeiro do mesmo ano, não obedeceu à perfeita distribuição das freguesias pelos
quatro ofícios do aludido Registro, decreta:
Art. 1.º O território do Distrito Federal é dividido, para os serviço dos quatro ofícios do
Registro Geral de Imóveis, em quatro zonas ou circunscrições, cuja extensão e limites ficam
subordinados aos da divisão judiciária do Dec. 12.356, de 10.01.1917, e fixados respectivamente,
pelos das freguesias que formam as atuais pretórias.
§ 1.º A primeira zona compreende o território das seguintes freguesias: I Candelária; II Santa
Rita; III Sant’Anna; IV Espírito Santo; V Engenho Novo.
§ 2.º A segunda zona compreende: I Sacramento; II S. José; III Santo Antonio; IV Glória; V
Lagoa; VI Gávea; VII Governador (Ilha).
§ 3.º A terceira zona compreende o território das seguintes freguesias: I Engenho Velho; II
Jacarepaguá; III S. Cristóvão; IV Paquetá (Ilha).
§ 4.º A quarta zona compreende o território das seguintes freguesias: I Inhaúma; II Irajá; III
Campo Grande; IV Guaratiba; V Santa Cruz.
Art. 2.º Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 19 de maio de 1921, 100.º da Independência e 33.º da República.
EPITÁCIO PESSOA.
ALFREDO PINTO VIEIRA DE MELLO.
III - A transcrição dos títulos constitutivos de ônus reais sobre coisas alheias.
A inscrição do título que institui o bem de família (art. 73 do CC, art. 5.º das
usucapião (arts. 550 e 698 do CC, Instruções citadas, art. 5.º, § 2.º, II)
A inscrição das convenções antenupciais (art. 261 do CC, Instruções citadas, art. 5.º,
§ 3.º).
do dote (art. 309, par. ún., do CC; Instruções citadas, art. 5.º, § 2.º, III).
89
Só quando houver dote será útil a averbação do desquite, nulidade ou anulação de
casamento para ser cancelada a cláusula dotal; nos demais casos tem toda a procedência a crítica a
esse respeito feita pelo jovem e talentoso Oficial do Registro de Imóveis do 1.º Distrito da Capital
de São Paulo, o Sr. Dr. Gastão Vidigal:
―Em seu art. 5.º, § 2.º, III, estabelece o Decreto que, no Registro Geral do Decreto 169-A, de
19.01.1890, continuará, pela ordem e modo do processo, e dos modelos estabelecidos nos Decretos
370, de 02.05.1890, e 544 de 5 de julho do mesmo ano, com as modificações nele feitas, o Registro
de Imóveis, nele compreendidas a transcrição, inscrição ou averbação:
§ 2.º Dos julgados e sentenças
III – do desquite, nulidade ou anulação de casamento (art. 267), ou restabelecimento da
sociedade conjugal (art. 323) e separação do dote (art. 309, parágrafo único).
Tendo o Decreto citações remissivas para o Código, o primeiro cuidado de quem quiser bem
cumprir e compreender suas instruções é o de procurar ver neste quais os Registros, para que tais
instruções foram expedidas; o trabalho é perdido.
Nem o art. 267, nem o 323 fala em Registro das sentenças de nulidades ou anulação de
casamento ou desquite.
Apenas, o art. 309 determina que, dado o caso de separação do dote, seja a respectiva
sentença averbada no Registro feito de conformidade com o art. 261 (Registro das convenções
antenupciais).
Percebe-se bem nitidamente, aqui, que a intenção do Código é a de fazer constar do Livro de
Registro de Imóveis o ato em virtude do qual os bens, que constituíam o dote, foram retirados do
poder do marido (Clovis, Comentários..., art. 308).
Mas, nos casos de nulidade ou anulação de casamento, ou de desquite, qual o espírito que
ditou a disposição do art 5.º do Dec. 12.343? Não julgamos fácil descobrir.
Na vigência do Dec. 181, de 24.01.1890, havia a formalidade de seu art. 116; rezava esse
artigo ―que as sentenças que decidissem a nulidade ou anulação de casamento, ou o divórcio,
fossem averbadas na casa das observações do respectivo Registro civil‖.
Incontestável a utilidade da disposição: desaparecido o casamento por sua nulidade ou
anulação, ou decretado o divórcio, nada mais curial do que fazer averbar, à margem do termo desse
casamento, a sentença que o fazia inexistente; era, por assim dizer, o cancelamento do Registro.
Se foi essa prática que o Dec. 12.343 quis conservar, indiscutível é que errou ao atribuí-la ao
Registro de Imóveis; essa atribuição não poderá sair, senão com prejuízo do mecanismo e da
eficácia do Registro público, da competência dos Oficiais do Registro civil.
Se, porém, a intenção do Decreto foi fazer constar do Registro de Imóveis, não a sentença de
desquite, ou de nulidade ou anulação de casamento, mas a que julga a partilha, que é conseqüente
do desquite e à anulação, para o efeito de ficar descriminado e distinto o patrimônio de cada um dos
cônjuges, nesse caso o Decreto é deficiente, por não ter mantido a prática salutar e necessária do art.
116 do Dec. 181; e é supérfluo na disposição de seu art. 5.º, § 2.º, III, pois já o n. I mandava
registrar, no Registro de Imóveis, as sentenças que põem termo à indivisão nas ações divisórias
(Código, art. 532).
As averbações das cessões, prorrogações, sub-rogações, extinção total ou parcial
dos direitos e geralmente todas as ocorrências, que, por qualquer modo, possam alterar uma
inscrição ou transcrição (CC, arts. 817, 850, 1.067, par. ún., e Regulamento 370, de
Comentando este artigo; Clovis entende que as sentenças a registrar são as proferidas no
juízo divisório (partilha, divisão e demarcação); não sofreria dúvida, portanto, a necessidade de ser
registrada a sentença que julgasse a partilha, conseqüente ao desquite sua anulação de casamento.
Ora, se o Registro dos julgados proferidos no juízo divisório já estava incluído nas
atribuições do Oficial do Registro de Imóveis (Código, art. 532, I); se as instruções expedidas com
o Dec. 12.343 confirmaram essa disposição (art. 5.º, § 2.º, I) parece claro que, quando este decreto
se refere ao Registro das sentenças de desquite, nulidade, ou anulação de casamento (art. 5.º, § 2.º,
III), tem em vista, não as sentenças que julgarem a partilha dos bens comuns, mas a que julgar
desfeito o casamento.
(Revista dos Tribunais, vol. XXIII, p. 310).
CAPÍTULO VI
Título I - A transcrição
transferência ou constituição de direito real não se fazendo por cópia do título, mas por
extratos, em resumo, não se deveria denominar transcrição, nome que, com propriedade, só
lhe cabe nos países em que o Registro se executa copiando o título, como na França,
Bélgica e Holanda.
ter o art. 1.932 do atual Código italiano reproduzido literalmente a primeira parte do art.
título.
inscrição.
Procurou o Sr. Clovis Bevilaqua corrigir a impropriedade, o que não lhe foi dado
90
Justificou o Sr. Conselheiro Rui Barbosa a emenda nos seguintes termos:
―Estende o projeto o designativo de inscrição à forma de publicidade adotada para os atos de
constituição e transferência de propriedade sobre imóveis. Pelo art. 681 faz o mesmo quanto aos
De nada valeram os argumentos que opôs o Sr. Clovis Bevilaqua91 demonstrando
que o ato a efetuar-se era uma inscrição, uma inserção abreviada, e não uma cópia do título.
atos pelos quais se constituem e transmitem as servidões, a enfiteuse, o usufruto o uso, a habitação,
o penhor e a anticrese.
Essa alteração na linguagem jurídica é indefensável.
Na legislação pátria sempre se reservou o nome de inscrição ao Registro das hipotecas.
No tocante à constituição e transmissão, quer dos outros direitos reais sobre imóveis, quer do
senhorio deles, o nome consagrado sempre foi o de transcrição.
Está essa distinção tradicional nas principais legislações estrangeiras. O Código Civil francês
estabelece a inscrição para as hipotecas. A transcrição instituída na Lei de 01.11.1798 para as
alienações de imóveis, recebeu, na Lei de 13.03.1855, a devida ampliação a todos os direitos reais,
suscetíveis, ou não, de hipoteca. A mesma descriminação está no Código Civil italiano. Seria fácil
mostrá-la em quase todas as outras, se valesse a pena.
Desse concurso afastou-se o Código Civil alemão, designando indiferentemente pelo nome
de inscrição o Registro quanto às hipotecas e todos os outros direitos reais. Para lhe seguirmos a
inovação, porém, não descubro motivo algum, a não ser o de nos pormos ao tom do último figurino.
O sistema de escrituração do Registro, entre nós, está organizado em conformidade com a distinção
firmada pelas nossas leis até hoje, ramificando-se em livros de inscrição e livros de transcrição.
Com a fusão desses dois ramos num só, não se há mister de esforço para calcular os inconvenientes,
que na prática enxamearão a cada passo. E para que? Cui bono? Com que benefício? Na realidade
apenas o de termos eliminado uma palavra ao vocabulário do Registro predial, a troco de
inconvenientes consideráveis, na prática de tal serviço.‖ (Parecer — Trabalhos da Comissão
Especial do Senado. Vol. I, p. 239).
91
Às razões do Parecer opôs o Sr. Clovis os seus argumentos.
―Não quer o douto Parecer da Comissão do Senado que se estenda o designativo de inscrição
à forma de publicidade adotada para os atos de constituição e transmissão da propriedade sobre
imóveis.
Essa alteração na linguagem jurídica é indefensável, sentencia, sem cogitar da possibilidade
de quaisquer embargos infringentes do julgado.
Pesemos, porém, as razões de tão peremptória condenação. Indicam-se duas. A primeira é
que a legislação pátria sempre reservou o nome de inscrição ao Registro da hipoteca. Não me
parece irrefragável esta primeira razão.
A emenda foi aceita e mantido o termo adotado pela legislação anterior.
[...].‖
―Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos
dos referidos títulos (arts. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.‖
os dois elementos: o título que cria o jus ad rem (direito pessoal), e o modo que o
Como instituição jurídica rege-se por princípios, que firmam a sua natureza e
Princípio da inscrição — Nos termos dos arts. 530 e 676 e par. ún. do art. 860 do
CC a transcrição ou inscrição é necessária para se adquirir o direito real sobre imóvel, seja
a propriedade ou algum dos direitos reais em coisa alheia. É o que a doutrina chama — o
princípio da inscrição.
O direito real deve se tornar visível, manifesto a todos por meio dos assentos dos
dá com a propriedade adquirida pelo direito hereditário, um dos modos reconhecidos pelo
Código Civil (art. 530, IV), a qual independe da transcrição, evitando-se com isso que um
imóvel fique sem proprietário, até o momento de ser transcrito em nome do herdeiro.
A transcrição dos julgados nas ações divisórias não tem por fim operar a
a lição da doutrina; o que representa o meio indireto a que se recorre para obter a necessária
outros Estados atribuía força de lei à inscrição, como se fosse uma decisão judiciária,
constituindo por si só o título. O sistema prussiano, adotado pelo Código Civil alemão e
pelo Código Civil suíço, seguido também pelo nosso, considera a transcrição como um
transcrição não basta, por si só, para transferir a propriedade, ela exige uma causa jurídica.
Foi o que fez sentir o eminente autor do Projeto92 ao Sr. Azevedo Marques, que se opunha
ao sistema adotado pela Câmara, observando-lhe que a inscrição não se faz em abstrato e
92
Trabalhos da Comissão Especial do Senado. Vol. III, p. 76.
sim concretamente de um título translativo (ou declaratório) da propriedade, e que se o
título for nulo, viciada estará a inscrição e nas condições de ser retificada ou anulada.93
[...]‖
859.
―Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu,
ou transcreveu.‖
oneroso, confiado nos assentos do Registro, adquirirá o direito, ainda quem figure como
pública.
viciado está sujeito à ação do verdadeiro proprietário, para se anular a transcrição, porque
93
Convém não confundir o direito de anular ou retificar a transcrição por vício do título, com
a resolução dos direitos de terceiros, que os tiverem adquirido sob a fé, que merecem os livros do
Registro.
Quem, de boa-fé, com título sem vício, contrata com um proprietário injusta ou
erroneamente inscrito, adquire validamente o direito, que o Registro lhe afirmara pertencer
Princípio da legalidade.
―Art. 834. Quando o Oficial tiver dúvida sobre a legalidade da inscrição requerida,
Desde que a transcrição não pode, de por si, transferir o domínio e deve repousar
sobre uma causa válida, criando, uma vez feita, a presunção legal da existência do direito,
isto é, servindo-lhe de prova, e pondo a salvo os direitos adquiridos por terceiros, o que
verificar as condições de que depende a validade dos atos a serem transcritos ou inscritos,
por ela não se pudesse determinar tanto o conteúdo do direito, que se procura assegurar,
in jure. Os direitos se preferem, não pela sua data, mas pela inscrição ou transcrição.
94
Regulamento 370, de 02.05.1890, arts. 245 e 246 — CC, art. 846.
Conhecidos os princípios, convém acentuar que o fim do Registro é tornar bem
manifestos os direitos reais sobre imóveis e os atos ou fatos que possam afetar o seu livre
Não se deve perder de vista o fim do instituto, para, com precisão, se distinguirem
A transcrição não visa a publicidade geral dos direitos, para impedir todo e qualquer
o seu objeto é muito mais restrito, limita-se à publicidade dos direitos reais sobre imóveis e
Art. 533. Os atos sujeitos a transcrição (arts. 531 e 532) não transferem o domínio,
Sem procurar definir o que mais facilmente se compreende do que define (e tantas
são já as definições), observaremos que a propriedade, a que se refere o art. 530, é o direito
de senhoria sobre uma coisa material, identificado pelos Romanos com a coisa sobre que
propriedade, absorvendo toda a utilidade da coisa, parece com ela confundir-se e na própria
95
Esboço do Código Civil. Comentário ao art. 317.
A propriedade imóvel de que se trata é a que tem por objeto imóveis corpóreos, que
ocupam lugar no espaço; não compreende os bens incorpóreos, que fazem parte do
lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição,
Esses é que são os imóveis corpóreos, materiais, a cuja propriedade se refere o art.
530, compreendendo
1.º — os imóveis por natureza (o solo) e por acessão natural (as plantações);
96
Clovis Bevilaqua. Direito Civil. P. 229.
qualquer acessório independente do solo a que aderem.98 O acessório segue o principal (art.
97
No exercício do cargo de Oficial do Registro tenho sempre levantado dúvida à transcrição
de venda de direitos hereditários, fundamentando-a com as seguintes razões:
Que a transcrição dos títulos translativos tem por objeto a transferência do domínio de
imóveis (art. 533 do CC).
Que só as coisas corpóreas são objeto de domínio.
Que por isso não está sujeito à transcrição o direito hereditário, nem a cessão e transferência
desse direito, porque a herança não é imóvel corpóreo, mas uma universitas juris, composta de
direitos, obrigações e coisas corpóreas móveis e imóveis.
Que o domínio das coisas da herança é indivisível, (art. 1.580), não se podendo dela destacar
qualquer de suas partes e assim transcrever, como de propriedade de um herdeiro, imóveis que dela
façam parte.
Que o Código Civil enumera a transcrição e o direito hereditário como dois modos de
adquirir diferentes (art. 530, I e IV); e que entre os atos sujeitos à transcrição não menciona o direito
hereditário, mas as sentenças proferidas em juízo divisório, de que o inventário é uma das três
formas (famíliœ erciscumdœ).
Que assim a separação de um imóvel da herança para transcrevê-lo atribuindo-o à quota
hereditária de um dos herdeiros é impossível antes da sentença proferida no inventário.
Que, de outro modo, o Registro converter-se-ia num repositório de declarações despidas de
autenticidade, pois a isso equivaleria transcrever nos livros, cujos assentos merecem fé, como
pertencentes de A ou B, ou a seu cessionário, imóveis que A ou B, com intuitos fraudulentos,
declarassem achar-se entre os bens de uma herança, de que se intitulassem herdeiros. Seria
subverter os fins da instituição, transformando-a de aparelho de segurança da propriedade em
instrumento da fraude.
98
Dúvida levantada à transcrição de um contrato de compra e venda de uma casa e demais
benfeitorias em terreno arrendado:
―O Registro de Imóveis compreende a transcrição da transferência do domínio de imóveis por
ato entre vivos, por adjudicação ou arrematação em hasta pública (CC, arts. 531 e 532, II e III); a
das sentenças proferidas em juízo divisório e em processo de usucapião (arts. 532, I, e 550).
Compreende ainda a transcrição e inscrição dos direitos reais em imóvel alheio.
―Art. 61. São acessórios do solo:
árvores a serem cortadas para lenha ou outro fim, a de qualquer produto a ser aproveitado,
tem por objeto coisas móveis: — os materiais, as árvores cortadas, a colheita, etc. e escapa
à transcrição.
constituição, de direito real, e tem Registro próprio no Livro de Transcrição dos Ônus
translativa de domínio, seria em rigor uma venda nula, porque o seu objeto é uma coisa
Tem por objeto, portanto, os direitos reais imobiliários, entre os quais não figura o
arrendamento.
Pelo art. 547 do Código, aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio, nenhum
direito real adquire; tem apenas direito à indenização, se o proprietário do solo, a que as benfeitorias
sempre acedem (arts. 59 e 61, III), delas o privar, embora feitas com a sua licença.
A venda de benfeitorias em solo alheio importa em mera transferência de direitos pessoais.
O Regulamento para arrecadação do imposto de transmissão de propriedade (Dec. 2.800, de
16.01.1898), acentua a diferença; assim é que depois de enumerar os atos sujeitos ao imposto, e
entre eles mencionar a compra, ou ato equivalente, de bens imóveis (art. 45, IV), expressamente
consignou no art. 50 a cessão ou venda de benfeitorias em solo arrendado, como ato também sujeito
ao imposto, de modo a estender a sua incidência a esses contratos.‖
A casa ou o edifício é imóvel por incorporação ao solo, de que é um acessório, e não
se compreende o absurdo de uma propriedade que não tenha existência por si, por que não
há como admitir o edifício sem solo. Pode haver um direito real que tenha por objeto o uso
O direito real, que se exercia sobre o solo alheio e em virtude do qual um terceiro
nele construía e se utilizava das construções, com a faculdade de opor o seu direito a quem
quer que fosse o possuidor, constituía o direito de superfície, que a nossa lei baniu de entre
Firmada a inteligência de qual seja a propriedade imóvel, cujos títulos estão sujeitos
declaratórias.
ser ela efetuada, como se disse, ao tratar dos princípios que regem a transcrição.
Da observância rigorosa dos preceitos dos arts. 531 e 532 depende a eficiência do
alegando-se que a disposição do n. II, sujeitando a essa solenidade as sentenças que nos
inventários adjudicassem bens de raiz ao pagamento das dívidas, excluíra as que julgassem
a partilha.
O raciocínio é falso.
transcrição, porque não estava compreendida entre os designados no n. I, mas não isentou
Já se alegou também que o Código Civil no art. 532, I, se refere a julgados em ações
divisórias, e que o inventário e conseqüente partilha não é ação divisória, mas processo
Força é repetir o que há muito tempo já ensinou o ilustre jurisconsulto que foi o
administrativo... é uma das três formas do juízo divisório a — familiœ erciscumdœ actio‖99
O Parecer da Comissão Especial da Câmara dos Deputados disse com muita clareza:
como as sentenças proferidas nos juízos divisórios (partilha, divisão e demarcação, etc.).100
99
Consolidação das Leis do Processo Civil. com. DXXXVI à seção XIII (Rub.)
100
Trabalhos da Comissão Especial. Vol. VIII, p. 40 — Prop. 24.ª.
101
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Observação ao art. 532.
―As sentenças em geral não estão sujeitas à transcrição porque não operam
fazendo cessar a indivisão e declarando qual a parte individuada que pertence a cada um, as
Mas exigindo o art. 532, o Registro para os julgados, que põem termo às indivisões
embora meramente declarativas, por isso que põem termo à indivisão e circunscrevem o
direito de cada um dos herdeiros aos bens do seu quinhão, devem ser transcritas no Registro
Depois do que fica dito só a mais imperdoável obstinação permitirá a quem quer
que seja sustentar, aferrado rotineiramente ao direito anterior, que as partilhas feitas em
inventário estão isentas da transcrição; burlando os dispositivos do Código, com grave dano
seguintes conseqüências:
1.ª – Antes da transcrição do título sujeito a essa solenidade não pode o titular do
transferência, não perde o direito de que pode validamente dispor, continuando o imóvel a
3.ª – O adquirente de um imóvel por ato entre vivos, só depois de transcrito o seu
102
Embora o domínio não se transfira antes da transcrição, o adquirente, de posse da coisa
comprada, está protegido contra a reivindicação do vendedor pelo vínculo da obrigação, decorrente
do contrato, porque assim o exige a boa-fé, que deve presidir às relações humanas, e pode opor-lhe
a exceção rei venditœ — ―Se quis rem emerit, non antem fuerit ei tradita, sed possessionem sine
vitio fuerit nactus, habet exceptionem contra venditorem‖ (Digesto, Livro 21, Título 3.º — De
except. rei vend. fr. 1.º § 5.)
Título IV - Atos sujeitos à transcrição
I — A compra e venda.
II — A permuta.
V — O dote quanto por cláusula expressa o marido adquire o domínio (art. 270 do
VI — A arrematação em praça.
inventário e partilhas.
VIII — A doação.
IX — A partilha feita pelo pai por ato entre vivos (art. 1.776).
Nem todos os Códigos, porém, seguiram o Direito Romano, adotando uns, como o
a de contrato de compra.
O Código não define a compra e venda, mas dá no art. 1.122 os elementos para que
se possa defini-la como o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a outra a
vendedor a transferir a propriedade, não opera por si a transferência; quer dizer que o
dada para essa diferença nos efeitos do contrato entre os Romanos e os povos modernos é
que naquela época se visava apenas proporcionar ao comprador as vantagens que da coisa
pudesse tirar; mas que, evoluindo a concepção jurídica do contrato, ele se havia
transformado, não sendo hoje o seu fim dar a posse material da coisa, e sim transferir a
propriedade ao comprador.
Fosse, ou não, o efeito da compra e venda, entre os Romanos, transferir apenas a
propriedade de um outro ato, além do contrato, — a tradição, que foi conservada para as
coisas móveis; e por conveniências de ordem pública, substituída, para os imóveis, pela
transcrição no Registro.
de vontades; e, como todo ato jurídico requer capacidade dos contratantes, objeto lícito e
forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82 do CC); além de um requisito que lhe é
objetivos.
Para sua validade é preciso que não seja inquinado de um dos três vícios: erro, dolo
ou coação.
atos da vida civil. É um atributo essencial da personalidade, é o modo pelo qual ela se
externa.
103
Clovis Bevilaqua. Legislação Comparada, n. 25.
―Art. 5.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil:
Art. 6.º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de
os exercer:
III - Os pródigos.
IV - Os silvícolas.
―Art. 9.º Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o
I - Por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o
II - Pelo casamento.
tutores, ou curadores em todos os atos jurídicos (art. 5.º); as relativamente incapazes pelas
pessoas e nos atos que este Código determina (arts. 6.º, 154 e 427, n VII).‖
―Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o
regime de bens:
[...]‖
adoações feitas aos filhos por ocasião de se casarem, ou estabelecerem economia separada
(art. 313).‖
―Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I - Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235).
que seja o regime dos bens (arts. 263, II, III, VIII, 269, 275 e 310).
―Art. 1.132. Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os
encarregados.
III - Pelos empregados publicos, os bens da União, dos Estados e dos Municipios,
que estiverem sob sua administração, directa, ou indirecta. A mesma disposição applica-se
aos juizes, arbitradores, ou peritos que, de qualquer modo, possam influir no acto ou no
preço da venda.
outros officiais de justiça, os bens, ou direitos, sobre que se litigar em tribunal, juizo, ou
autoridade.‖
São inalienáveis os imóveis dotais, quando por cláusula expressa o domínio não foi
transferido ao marido (art. 290, par. ún., do CC); salvo nos casos do art. 293.
―Art. 293. Os imóveis dotais não podem, sob pena de nulidade, ser onerados, nem
alienados, salvo em hasta publica, e por autorização do juiz competente, nos casos
seguintes:
subsistência da família.
extraditais, ou, em falta destes, pelos frutos dos bens dotais, pelos moveis doais e, em
ultimo caso, pelos imóveis dotais. As contraídas depois do casamento só poderão ser pagas
prejudicial.
Parágrafo único. Nos três últimos casos, o preço será aplicado em outros bens, nos
— O imóvel instituído como bem de família não pode ser alienado, salvo
— Os imóveis de menores sob pátrio poder não podem ser alienados sem
— Não pode ser alienado, por um dos co-herdeiros, imóvel de uma herança, porque
nos termos do art. 1.580 do CC o direito dos co-herdeiros ao domínio das coisas da herança
herdeiro e podia pedir a divisão pela utile familiœ erciscumdœ; tratando-se, porém, da
venda de parte de uma coisa, embora esta continuasse a ser da herança, saía, no entanto, da
comunhão hereditária e o adquirente teria de pedir a divisão pela actio communi dividundo;
porque a ação utile familiœ erciscumdœ só era concedida ao cessionário dos direitos do
herdeiro.
Entre nós o co-herdeiro pode ceder seu direito hereditário, e o contrato não está
sujeito à transcrição, como já dissemos; mas não pode vender uma das coisas da herança ou
Não pode vender a coisa na sua integridade porque, sem o consentimento dos
demais condôminos, o art. 623 do CC só lhe permite alhear a sua quota indivisa.
Não pode alienar uma parte de imóvel certo porque o art. 1.580 declara indivisível o
direito do co-herdeiro à posse e domínio dos bens hereditários até se ultimar a partilha; e o
parte certa em determinado bem; e pelo princípio da especialidade, é então que se tornará
Objeta-se que assim poderá o herdeiro vender duas vezes o seu direito, com prejuízo
Nenhum valor tem a objeção, porque nem a transcrição é o único meio de evitar
transcrever o contrato, não se pode dar a concorrência de duas transcrições, para determinar
prioridade.
O adquirente, para evitar o seu prejuízo, terá de fazer valer o seu contrato no juízo
como cessionário, for lançado nas partilhas o pagamento do herdeiro cedente, os imóveis
qualquer formalidade, uma vez perfeita e acabada, para produzir efeito. Nula por falta de
objeto é a segunda.
inventário, o direito de, invocando o art. 860 do CC, requerer que se retifique a transcrição
feita, por não se apoiar em causa válida (princípio da legitimidade); tendo a cautela de pedir
que se dê conhecimento ao Registro, para que dos seus livros conste a existência da ação,
assegurados por essa forma, e desde esse momento, os efeitos retroativos da sentença
anulatória.
permite.
Forma
―Art. 130. Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em
lei (art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma
exigida.
[...]
provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio
instrumento.
Art. 133. No contrato celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento
Art. 135. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem
esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas
legal.‖
contratantes.
A compra e venda é um dos contratos para o qual a lei exige uma forma especial —
o direito anterior.
Pelo art. 132 a anuência ou a autorização necessária à validade do ato será dada por
instrumento público, só quando este for da substância ou necessário à prova dos contratos;
a outorga da mulher, portanto, para os contratos que podem ser feitos por instrumento
particular, por essa mesma forma pode ser dada, o que não acontecia pelo direito anterior.
O art. 134 alterou, quanto à forma dos contratos, o direito até então vigente, pois a
escritura pública era da substância da hipoteca, qualquer que fosse o seu valor, e da compra
O art. 135 exigindo o Registro para os instrumentos particulares nada inovou, pois
as escrituras de compra e venda de bens de raiz já estavam sujeitas a Registro desde 1864.
23.08.1892, e como não houvesse escrituras de venda de imóveis autorizadas por essa lei,
mas em virtude da Lei 840, de 15.09.1855, ficou letra morta o disposto no Regulamento.
constitutivos ou translativos de direitos reais sobre bens imóveis, em contrário ao que mais
assinado pelo vendedor e duas testemunhas, deve também ser assinado pelo comprador,
vontades, e, portanto, para a existência do contrato; do mesmo modo por que se procede
O imóvel deve ser descrito com os seus característicos, isto é, com as suas
qualquer acidente que o possa bem distinguir de outro, declarar as suas confrontações,
com quem de direito —; porque nada esclarecendo, não atende ao fim da lei, que é
— ―No mecanismo das modernas transações existem os cheques, as letras sacadas sobre
podem servir, e de fato servem, de contra prestação na venda sem que a natureza do título,
criando embora obrigações especiais para quem o emite ou endossa, desnature o contrato de
***
―Art. 114. Considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico
Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar
expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato,
104
Contratos no direito civil brasileiro. Vol. I, n. 145.
[...]
Art. 117. Não se considera condição a cláusula, que não derive exclusivamente da
vontade das partes, mas decorra necessariamente da natureza do direito, a que acede.
Art. 119. Se for resoluta a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato
jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas,
verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue, o direito a que ela se opõe.
[...]
[...]
Art. 128. O encargo não suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo
objetivo.
qualificada de uma vontade única e indivisível105, e não como uma outra declaração aposta
à primeira.
têm de ser transcritas. As demais cláusulas apostas à compra e venda, e que não tem efeito
constituirão por si um dos direitos reais em coisa alheia e têm Registro próprio em livro
especial.
desde que foi ajustado o contrato; é o que se denomina efeito retroativo da condição.
direito eventual, permitindo a prática dos atos assecuratórios, como a transcrição, embora
coisa vendida (tradição): o direito real é que dela depende para as coisas móveis e da
105
Lacerda de Almeida. Direito das Obrigações, § 34, nota 1.
suspensiva, nenhum valor tem, antes de realizada ela, os atos do comprador, porque não lhe
pertence o domínio.
O risco da coisa na venda condicional é, e era pelo direito anterior ao Código, por
conta do vendedor, porque o contrato não está perfeito; ao contrário do que, pelo direito
anterior, acompanhando nesse ponto o Direito Romano, sucedia na venda pura, em que os
O Código Civil no art. 1.127 preferiu o sistema, que vai prevalecendo, como o mais
Dissemos que o sistema era o mais simples porque o do Direito Romano, chamado
com justiça a razão escrita, não nos parece que ofendesse o justo, se atendermos aos efeitos
destina a produzir.
obrigado a fazê-la, e adstrito ao vínculo da obrigação, está privado de, como proprietário, se
Se o comprador não tem o direito real e não pode reivindicar a coisa do poder de
terceiros, pode, no entanto, usar da ação pessoal ex empto para tirar a coisa do poder do
vendedor.
aplicação, aliás do disposto no art. 865, e equiparar, para o caso, à tradição, à entrega
material da coisa, à posse enfim, a transcrição no Registro, sem distinguir se o imóvel está
dissimular.
disposição do comprador, cuja mora em receber só a ele prejudica (art. 1.127, § 2.º). Porque
***
Retrovenda
―Art. 1.140. O vendedor pode reservar-se o direito de recobrar, em certo prazo, o
imóvel, que vendeu, restituindo o preço, mais as despesas feitas pelo comprador.
Art. 1.141. O prazo para o resgate, ou retrato, não passará de três anos, sob pena de
não determinarem.
venda.
adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a clausula de retrato.‖
pessoais entre os contraentes106; não dava ao vendedor o direito de reivindicar a coisa das
mãos de terceiro, porque para este o pacto era uma res inter alios acta. O terceiro havia
106
Arrigo Dernburg Pandette. Diritti reali. Vol. 2.º, § 95. 5. Tradução Francesco Bernardino
Cicala [eu coloquei, confirmar]
adquirido regularmente a propriedade, assim como em idêntica situação ficavam aqueles
Com esse caráter pessoal passou a retrovenda do Direito Romano para a Ley das
Siete Partidas, de D. Affonso X, o Sábio, onde se lê na 5.ª Partida Ley XLII, que regula
esse pacto. ―...et si eam (a coisa vendida) non habet emptor, solvet interesse.‖
figurando nas Ordenações Filipinas, no Livro 4, Título 4, onde não se menciona o direito,
Candido Mendes, em nota, se observa que havia dúvida se o vendedor tinha esse direito,
quando o comprador a tivesse passado a outrem; mas que a melhor opinião era pela
afirmativa, mormente se o vendedor não tivesse sido citado para remir ou ver traspassar108.
inutilidade, pelo menos entre nós, e melhor teria sido aboli-la, mormente com o direito que
No Código Civil italiano ele figura depois de ter sido proibido no Projeto da
habilidade, observou que, desde que se admitiam vendas sujeitas a condições resolutivas,
107
Mainz Dir. Rom. vol. II, § 354.
108
C. M. Cod. Philip, nota 2 às Ord. citadas.
nenhum valor tinha a alegada incerteza e o prejuízo apontado. Que, além disso, já era tão
pouco usado, que não havia a temer grande inconveniente com a sua aceitação; podendo, no
recursos.
E não lhe parecia justo que se lhe arrancasse a esperança de poder resgatar a
O Projeto do Código Civil português regulava a venda a retro, que foi, no entanto,
contrato usurário, e ainda para evitar a incerteza da propriedade resolúvel, muito prejudicial
à cultura das terras e ao comércio. Nota Dias Ferreira que a conservação de um tal contrato
O Código Civil alemão admitiu o pacto, mas sem caráter real, em virtude do art.
925, II, que não admite, como não admitia o Direito Romano, transmissão de propriedade
pessoal, permite no art. 959 a anotação do direito do vendedor para valer contra terceiros.
109
Emidio Pacifici Mazzoni. [qual obra? Codice Civile Italiano Commentado?]
110
Dias Ferreira. Código Civil português anotado. Comentário aos arts. 1.586 a 1.588.
Não se compreende, porém, a disposição do art. 1.142, que fere fundo o sistema
consagrado nos arts. 859 e 860, que, no dizer do sábio Professor do Recife, ―expressam a
tese jurídica que constitui um dos princípios cardeais do sistema do Registro Predial. É o
Registro que imprime o caráter do direito real à relação jurídica; antes dele as convenções
Por outras palavras, a publicidade é que confere aos direitos sobre imóveis o caráter
absoluto para valer contra todos. Sem publicidade não há direito que possa prejudicar
Não é direito real, alega-se, é condição resolutiva, que opera de pleno direito; mas
02.05.1890, manda transcrever as condições, o que quer dizer que, se não constarem da
transcritos, impede que os que não tiveram meio de conhecer a cláusula, por não constar do
Registro, nem do título das pessoas com quem tiverem contratado, possam ser
prejudicados.
retrovenda conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes, ainda que a convenção de
possuidor que tenha adquirido do comprador, ainda que no segundo contrato não se tenha
111
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Observação ao art. 860.
feito menção do pacto de resgate; ressalvadas as disposições da lei hipotecária a respeito
de terceiros.
aos que contratam com o comprador convencional, mesmo havendo omissão da cláusula de
cláusula, se por um lado esse segundo comprador podia alegar a presunção legal, que o
devia pôr a coberto do prejuízo; por outro lado, como já dissemos, não sendo o Registro a
fonte única de todas as informações, ele devia ter examinado os títulos da pessoa com quem
contratava, não podendo, por isso, alegar a boa-fé imprescindível à proteção da lei, dentro
prevenções.
A retrovenda pode, às vezes, ser um pacto honesto, e até ser determinado por
abusando das dificuldades de quem precisa, lhe imponha como forma do empréstimo o
em garantia.
É nesse caso um contrato simulado, e o que é mais, nulo, porque encobre um pacto
simulação, numa retrovenda em que a coisa foi deixada em poder do vendedor, que se
obrigara a pagar 6% de juros sobre o preço recebido, sob pena de caducidade do direito de
a lei dando a mais ampla liberdade na estipulação de juros, não havia necessidade de
encobrir o mútuo sob a aparência de retrovenda, e não haver outro elemento para se deduzir
a simulação; porque não se provara que o preço da venda tivesse sido inferior ao valor da
coisa.
Observa com espírito o egrégio civilista, que as cláusulas dessa retrovenda eram na
verdade extraordinária. Um vendedor que continua a gozar da coisa como sua, pagando
apenas juros do preço recebido, um comprador que apenas recebe do vendedor juros do
preço que pagou, são na verdade um comprador e um vendedor singulares, muito singulares
mesmo. Como lhes assentaria, como uma luva, a figura de mutuário e mutuante, sob pacto
pignoratício reprovado!113
112
Art. 214. Nas vendas a retro, quando não se remir a dívida, tendo a venda caráter
definitivo, se cobrará do novo adquirente (!) na transferência predial, a diferença de imposto, etc.
(Lei Municipal 2.173, de 01.01.1920.)
113
Pac. Maz. C. Civil It. vol. XIII Trat. de la vend. n. 91.
O pacto de resgate não dissimulará um contrato usurário a que se refere a Ord.
[Ordenações?], do Livro 4, mas poderá encobrir, para fraudar a lei, o pacto comissório
Sendo hábil para transferir a propriedade deve ser transcrita, assim como a cláusula
Para ser transcrito o pacto, deve ele constar do contrato de compra e venda. Se for
objeto de convenção separada, não pode ser admitido a Registro, nem sequer com
averbação resolutiva, uma vez que o contrato de compra e venda foi puro. É uma nova
contrato que obriga só uma das partes, e que, para tornar-se um verdadeiro contrato, precisa
dessa convenção em separado, não haverá resolução do contrato, mas uma nova translação
da propriedade, sujeita a uma nova transcrição, e não a uma simples averbação, como no
A mesma solução deve dar-se quando, expirado o prazo, não tenha o vendedor
tendo caducado, a nova aquisição não pode ser encarada como implemento da condição,
que de fato não se verificou, tendo-se tornado o comprador pela simples expiração do
que o Código não faz referência especial, e que tem de ser atendido segundo os princípios
gerais.
O pacto de revenda pode constituir condição resolutiva, se essa for a intenção das
Figurando a cláusula como condição resolutiva, uma vez verificada a condição, não
há nova transcrição em nome do vendedor, mas uma simples averbação à transcrição feita
Dissemos acima que os terceiros não podiam ser afetados, se o comprador lhes
comprador, o que se pode dar com a inscrição de uma hipoteca legal ou judiciária, ou
qualquer procedimento judicial, a condição não perde a sua força e, exercido o direito por
condição.
O Código não regula o pacto de revenda por não haver as mesmas razões que o
***
Venda a contento
―Art. 1.144. A venda a contento reputar-se á feita sob condição suspensiva, se no
Art. 1.146. Se o comprador não fizer declaração alguma dentro no prazo, reputar-
se-á perfeita a venda, quer seja suspensiva a condição, quer resolutiva; havendo-se, no
primeiro caso, o pagamento do preço como expressão de que aceita a coisa vendida.
vendedor terá direito a intima-lo judicialmente, para que o faça em prazo improrrogável,
desfeita, se o comprador não se agradar da coisa vendida. Pode ser equiparada ao pacto de
revenda (retoemendi).
simples averbação, que importa em cancelamento da transcrição, por não haver nova
***
Preempção ou preferência
oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este de
imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, o caso não tenha o destino para que se
desapropriou.
[...]
nos arts. 1.149 e 1.150, nem a outro direito real que não a propriedade.
[...]
Art. 1.156. Responderá por perdas e danos o comprador, se ao vendedor não der
Art. 1.157. O direito de preferencia não se pode ceder nem passa aos herdeiros.‖
O pacto de preferência (pactum protimiseos) não suspende a transferência do
domínio, não importa condição resolutiva, nem tão pouco confere direito real ao vendedor.
Quando infringida a obrigação, resolve-se, como determina o art. 1.156, por perdas
opera nova translação de domínio, e o seu contrato tem de ser transcrito; e não
simplesmente averbado.
***
―Art. 1.158. O contracto de compra e venda pode ser feito com a clausula de se
desfazer, se, dentro em certo prazo aparecer quem ofereça maior vantagem.
Parágrafo único. Não excederá de um ano esse prazo, nem clausula vigorá senão
entre os contratantes.
Art. 1.159. O pacto de melhor comprador vale por condição resolutiva salvo
convenção em contrario.
[...]
Art. 1.162. Se, dentro no prazo fixado, vendedor não aceitar proposta de maior
resolutiva, determina o art. 1.159; podendo, no entanto, as partes estipular que valha por
condição suspensiva.
ofereça. O direito reservado ao vendedor, tanto num como noutro pacto, é o de resolver a
O pacto de melhor comprador vale, segundo o art. 1.159, por condição resolutiva,
O contrato da venda com esse pacto está sujeito à transcrição, e, resolvida a venda,
será ela cancelada por meio de averbação, e feita uma nova transcrição do contrato, que se
***
Pacto comissório
―Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia,
Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não
Por Direito Romano o domínio não se transferia, mesma feita a tradição, enquanto o
preço não fosse pago114, salvo se o vendedor tivesse confiado no crédito do comprador, ou
dilação para o pagamento, recorreu-se ao pacto reservati dominii, que importa em condição
suspensiva.
O pacto teve largo uso pela insegurança da hipoteca, dado o sistema das hipotecas
A venda podia, no entanto, ser feita com o pacto comissório, lícito quando adjeto a
qualquer contrato, exceto ao de penhor, em que era proibido ao credor ficar com a coisa
114
Venditœ res et traditœ non alitem emptori adquiruntur quam si is venditori prœtium
solverit vel alio modo ei satisfecerit (Inst. Lº II Tít. I § 41 — De rerum div.)
A proibição do Direito Romano passou para o nosso Direito115 e foi consagrado no
art. 765 do CC. Fora daí ele é admitido e o Código no art. 1.163 o regula especialmente
para o vendedor, livre de todos os encargos, pelo efeito retroativo que lhe imprime a sua
simples pedido do vendedor, sob alegação de não ter sido pago, porque nenhuma segurança
oferece o pedido.
não ser verdadeira, ou estar ele reclamando o preço, o que impede a resolução, e ao Oficial
estipulando que o comprador não poderá alienar, hipotecar ou de qualquer forma onerar o
Pensam uns que nada havendo nessa cláusula, contrário às nossas leis, deve ela ser
Pensam outros que não constituindo a cláusula direito real, nem tão pouco sendo
condição, os seus efeitos são pessoais, não devendo constar ao Registro, tanto mais que,
115
Ord. Livro 4, Título 56 pr. e § 1.º — Teixeira de Freitas. Ob. cit. art. 769 — Dec. 370, art.
377 — Carlos de Carvalho. Nova consolidação das leis civis, art. 681.
podendo o vendedor recorrer ao pacto comissório ou à hipoteca, se satisfez com a simples
importa em resolução do contrato, por força da condição tácita; com maioria de razão, essa
Atenda-se ainda, dizem eles, a que o domínio é suscetível de ser transferido com
restrições.
condição, nem direito real, é, no entanto, averbada como restrição do direito de dispor; não
livre disposição, seja a restrição vitalícia ou temporária, sendo nulos os atos infringentes da
cláusula de inalienabilidade.
Se o pacto é lícito, se os atos que o infringirem são nulos, deve a cláusula aludida
Nos casos apontados os atos de disposição são nulos por força da lei, que reconhece
sociedade.
A venda a crédito, e a garantia do pagamento do preço, está de outro modo
estabelecido que, fiando o vendedor o preço, tenha somente a ação pessoal para pedi-lo.
recorrendo à venda, quer sob condição suspensiva até o pagamento do preço, quer sob
Fora daí só há efeitos pessoais, uma vez que a restrição convencional não se
enquadra em nenhuma das figuras de direito real em coisa alheia (art. 674).
***
Venda alternativa
coisas, para ser apenas uma delas o objeto da venda, ficando a escolha dependente do
vendedor ou do comprador.
Nos termos do art. 884 do CC a escolha cabe ao vendedor (devedor), se outra coisa
não se estipular.
Uns consideram a venda como feita sob condição suspensiva (a escolha); outros
entendem que é feita sob condição resolutiva, conferindo ao comprador direito imediato
sobre cada uma das coisas, e que a escolha resolve o direito sobre a que não foi escolhida.
Há quem opine dever nuns casos ser o contrato transcrito; noutros, não. É motivo de
vendedor, não deve ser transcrito, porque a transferência depende da sua vontade, e só
circunstâncias que rodeiam a venda, e verificar se houve ou não vontade de transferir desde
logo o domínio: o que se deverá entender quando se estabelecer que seja imediatamente
transcrito o contrato.
este à transcrição os atos entre vivos hábeis para desde logo transferir o domínio; assim
116
Joaquim de Oliveira Machado. Manual do Official de Registro e das Hypothecas. § 166.
117
Direito Hipotecário.
Há transferência imediata?
Não; porque até o momento da escolha o objeto da venda não está determinado, não
um elemento acidental, cujos efeitos retroagem à data do mesmo, uma vez realizada; o que
***
Venda facultativa
vendedor se reserva o direito de dentro em certo prazo substituir uma coisa por outra.
***
Promessa de venda
Não sendo a promessa de venda um ato hábil para a translação, mas preliminar
desse ato, com o qual não é possível confundi-lo, é intuitivo que não deve ser transcrito.
controvérsia.
alguns autores que estas não devem ser transcritas, mas que aquelas devem; porque a
Essa opinião deriva-se na França do disposto no art. 1.589 do seu CC: ―La promesse
de vente vaut vente, lorsqu’il y a consentement réciproque des deux parties sur la chose et
sur le prix.‖
A influência exercida pela cultura francesa fez com que, fora da França, o mesmo se
Napoleão.
Entre nós não falta quem insista pela transcrição das promessas de venda.
A vontade dos contraentes, desde que não contrarie leis de ordem pública, tem toda
concluir desde logo a compra e venda, mas só de futuro efetuar o contrato; como dar efeito
diverso?
O contrato prometido, quando for celebrado, será o único hábil para a transferência
do domínio.
Só este poderá ser transcrito; a promessa, não, porque não produz efeitos reais.
118
N. Coviello; ob. cit., vol. I, n. 149.
Título VI - Troca ou permuta
seguintes modificações:
Troca ou permuta é o contrato em que as partes se obrigam a prestar uma coisa por
Antes do aparecimento da moeda, era o único contrato a que se podia recorrer para
É claro, portanto, que entre os dois contratos há íntima afinidade, por isso as
disposições que regem a compra e venda são aplicáveis à permuta, como declara o art.
1.164.
transcrição.
O Regulamento 370, de 02.05.1890, [Regulamento /Decreto] reproduzindo a
1865?]
imóveis, haverá duas transcrições, com referência recíproca e números de ordem seguidos
A disposição é muito clara e não devia despertar dúvidas. No entanto elas surgiram.
organização dos Registros, procurou, com a disposição clara e terminante desse artigo,
resolver a controvérsia suscitada entre os autores franceses, e que girava em torno dos dois
seguintes pontos:
deixar de transcrevê-lo no seu todo, para fazê-lo só na parte que interessar ao requerente?
em Registros diferentes.119
Quanto ao segundo caso ele fez uma distinção. Se se tratasse de ato complexo,
único na forma, mas contendo atos diferentes e independentes entre si, como a alienação de
119
M. Troplong. Priviléges et hypothèques commentaire de la Loi du 23mars 1855 sur la
transcription en matière hypothécaire, n. 910. [confirmar título que coloquei]
gravado, para promover a remissão; nenhum inconveniente podia haver em escindir-se o
transcrição, que fosse feita, bastava, por si só, para tornar públicas as mutações, e nada
justificava a duplicata.
E assim é na França, porque, como todos sabem, lá a transcrição se opera pela cópia
integral do título.
Mas a Lei de 1864, entre nós, adotara a transcrição por extratos, o que modificava a
questão.
como a transcrição se fazia por extratos, com dizeres próprios em cada coluna do livro
120
Troplong. Ob. cit., n. 911.
121
La Transc. Hip. n. 256.
122
O Direito, vol. 14, p. 667.
interpretação dada no art. 281 em várias comarcas, onde literalmente se observava a
disposição regulamentar.
dos permutantes, pela necessidade da apresentação de dois traslados para neles se anotar
excindir um ato conjunto, indivisível; e por encarar como tutela de direitos alheios o que é
dos dois números do Protocolo e do Livro de Transmissões será lançada no traslado único
É esse o processo comum, de prática cotidiana, nos casos de compra e venda com o
pacto adjeto de hipoteca, e nos de anticrese com hipoteca, em que, com um só instrumento,
O ilustre Sr. Macedo Soares, quando Juiz de Direito de Mar de Espanha, em 1877,
decidindo uma consulta do Oficial do Registro da sua comarca, opinou que não se devia
fazer duas transcrições, quando o ato fosse requerido apenas por um dos interessados, não
só pelas razões aduzidas pelo Oficial consulente (eram idênticas às do artigo do Globo);
como porque, quando o outro permutante requeresse por sua vez a transcrição, haveria
efetuada.
lugar do preço do imóvel adquirido e, portanto, estar perfeita a transação, nada faltando ao
título para ser transcrito em nome de um dos adquirentes, operando seus efeitos em
Não atendeu, porém, o abalizado mestre, a que o contrato de permuta não é feito
habita fide de prœtio, e que, transferindo-se o domínio pela transcrição, como outrora pela
tradição, não era possível a transcrição de um dos prédios, sem que se fizesse a do outro,
representativo do preço, a que pelo contrato estava cada uma das partes obrigada, a menos
que a lei não se tornasse em auxiliar da má-fé, facilitando ao que mais pressurosamente
corresse ao Registro, conservar em seu patrimônio os dois imóveis, para dispor novamente
O Regulamento procurou obviar, tanto quanto possível, esse inconveniente; por isso
muito sabiamente dispôs que, apresentado um contrato de permuta, em que há dois atos de
dos interessados ao mesmo tempo adquirente e transmitente, e devendo figurar cada um por
sua vez em colunas do livro diferentes, só era possível consegui-lo por meio de duas
transcrições separadas.123
123
Esse lado prático escapou ao exímio Lafayette, quando opinou que uma só transcrição
deveria bastar, reconhecendo no entanto que a lei exigia duas, por haver transferência recíproca
(Direito das Coisas, nota 12 do § 52).
É bem de ver que o Regulamento, além de conforme à doutrina, acautelou a boa-fé,
―Art. 995. O credor pode consentir em receber coisa que não seja dinheiro, em
Quando a coisa dada em pagamento for um imóvel, o contrato tem de ser transcrito
organizada, com personalidade e patrimônio próprios; portanto quando um dos sócios traz
para a sociedade, como quota de capital, algum imóvel, tem de operar-se a transferência do
―Art. 1.373. Se a sociedade for de todos os bens, o domínio e a posse deles tornar-
Comentando este artigo, observa o ilustre Sr. Clovis que a translação do domínio de
tratando da sociedade conjugal, porque a comunhão universal procede da lei; não, porém,
impedindo por essa forma que os terceiros invoquem a presunção do Registro, para se
―Art. 256. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto
aos bens, o que lhes aprouver (arts. 261, 273, 277, 283, 287 e 312).
per si, na escritura antenupcial (art. 256), os bens, que constituem o dote, com expressa
marido o domínio dos bens, sobre que recair o dote, se forem moveis, e não transferido, se
forem imóveis.
os imóveis dotais.
Art. 291. O imóvel adquirido com a importância do dote, quando este consistir em
e poderá dispor dos bens dotais, correndo por conta sua os riscos e vantagens, que lhes
sobrevierem.
Art. 293. Os imóveis dotais não podem, sob pena de nulidade, ser onerados, nem
alienados, salvo em hasta publica, e por autorização do juiz competente, nos casos
seguintes:
subsistência da família.
prejudicial.
Parágrafo único. Nos três últimos casos, o preço será aplicado em outros bens, nos
dos bens entre os cônjuges, na ausência de pacto antenupcial, no qual segundo o art. 256
Entre os regimes regulados pelo Código se acha aquele em que há bens constituídos
a) no sentido lato significando a doação feita para casamento, de que trata o Código
entregam ao esposo para, com seus frutos ou rendimentos, prover aos encargos do
sociedade conjugal.
Nas legislações modernas o marido não adquire a propriedade dos imóveis dotais,
Segundo o disposto no parágrafo único do art. 256, o dote tem de ser constituído por
escritura pública (reprodução do estabelecido no art. 134). Pelo art. 278, é da essência do
matrimônio, decorrer a necessidade de ser inalienável o dote; pois impedir a sua livre
Estabelece o Código Civil no art. 291 que se considera dotal o imóvel adquirido
Projetos (Projeto Clovis, art. 339; Projeto Rev., art. 364; e Projeto da Câmara, art. 299), e
dote em dinheiro, é incorporado pelo marido ao seu patrimônio, e não se reputa dotal.
Se é a esposa que se dota com seus próprios imóveis, há um puro ato a título
do casal.
está sujeita a ser transcrita. Há, porém, a restrição da liberdade de dispor, o que é matéria de
averbação.
oneroso — a administração conferida ao marido para fazer face aos ônus do matrimônio.
124
Chironital Ist. D.C. I. vol. II § 309.
125
CC, art. 1.553.
126
CC, art. 1.403.
Igualmente tem de ser transcrito quando, por estipulação expressa, lhe for
figura de um lado como adquirente do imóvel que lhe é transferido, e de outro como
administrador do dote; mas recebendo o imóvel dado em dote, a restituição tem objeto
Pondo de parte as teorias construídas quanto à natureza das relações, que se formam
no ato dos lanços, assunto por demais doutrinário, observaremos apenas que em tais vendas
vender os bens para pagamentos dos débitos não é a vontade de vender, essencial para a
formação do contrato.
devedor; o magistrado é a autoridade que preside à venda, atento a que sejam observadas as
Se o ato é hábil para a transferência do domínio, é por força da lei e não pelo acordo
ato unilateral a título oneroso que, por força da lei, é hábil para a transferência da
propriedade.
Título XI - Doação
―Art. 1.165. Considera-se doação o contracto em que uma pessoa, por liberalidade,
Art. 1.166. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita, ou não,
a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro nele, a declaração,
[...]
Art. 1.169. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelos pais.
Art. 1.170. As pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar
doações puras.
[...]
determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou
aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de
Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio,
se sobreviver ao donatário.‖
troca, recebendo aquele; porque se receber dinheiro, o contrato será de compra e venda, se
Não quer isso dizer que a doação deva ser obrigatoriamente gratuita, ela pode ser
expressa ou tácita do donatário; a qual não pode mais hoje ser feita pelo Tabelião, como
suspensa a incapacidade dos que não puderem contratar, para o efeito de aceitarem as
doações puras.
em contemplação de casamento.
O doador pode fazê-la para recompensar serviços que lhe foram prestados, e diz·se
remuneratória; ou para que o donatário satisfaça encargos, a que fica a doação subordinada.
apreciado; assim como na onerada com encargo, pode ela exceder ao valor do encargo; o
ou encargo.
A não ser a doação para casamento, as demais não podem ser transcritas antes de
aceitas; porque até o momento da aceitação ato é inábil para transferir o domínio.
produz efeito, depois de realizado o casamento, está no caso dos contratos subordinados à
condição.
Segundo o art. 1.174, a doação pode ser feita com a cláusula de reversibilidade para
Essa cláusula é uma verdadeira condição resolutiva que opera pleno fure,
Tem de ser transcrita e sempre constar das transcrições posteriores, embora nos
subseqüentes contratos a essa cláusula não se faça referência; até que seja averbada a
doador, importando a resolução dos direitos, que o donatário pudesse ter concedido.
***
Revogação da doação
―Art. 1.181. Além dos casos comuns a todos os contratos, de doação também se
―Art. 1.186. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por
terceiro, nem obriga o donatário a restituir os frutos, que percebeu antes de contestada a
lide; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas
127
Teixeira de Freitas. Consolidação..., art. 430 nota 14.
O caso do parágrafo único do art. 1.181 é a aplicação do art. 119, é um caso de
A revogação por ingratidão oferece um caráter de pena, com ela procura a lei punir
o donatário ingrato. Poder-se-ia dizer que é uma condição resolutiva a que se acham
efeito retroativo ordinário das condições resolutivas; e assim o dispõe o art. 1.186.
Não se revogam por ingratidão as doações, que não forem de pura liberalidade, e as
128
M. Planiol e G. Ripert. Traité Pratique de Droit Civil Français. Vol. III, n.
2.637.
Título XII - Partilha em vida feita pelo pai
―Art. 1.776. É válida a partilha feita pelo pai, por ato entre vivos ou de última
―Art. 1.171. A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima.‖
―Art. 1.175. É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda
Art. 1.176. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador,
[...]‖
―Art. 1.790. O que renunciou à herança, ou foi dela excluído, deve, não obstante,
Aproximamos do art. 1.776 os demais artigos acima transcritos, aos quais fazemos
Comissão revisora e contra ela se manifestou o ilustrado autor do Projeto, por ser contrária
à tradição do nosso direito, opinando que, a subsistir devia a providência ser revestida de
doações. Prevaleceu, porém, o voto dos Srs. Olegário, Barradas, Lacerda de Almeida e
Amphilophio129.
dos Deputados, reconheceu que entre nós não existia esse modo de partilhar os bens,
havendo em regra contratos de doação entre pai e filho, e que a nova forma de partilha
Os nossos autores sempre foram contrários à partilha em vida para a qual não
encontravam assento em nosso direito; encarando-a, uns, como pacto sucessório proibido; e
O art. 1.776 firmou a validade da partilha em vida feita pelo pai, desde que não
A partilha em vida pelos ascendentes consagrada no Código Civil francês e nos que
o seguiram, ensinam os autores, vai buscar seu fundamento na demission des biens do
antigo direito francês, e que era uma espécie de liberalidade, pela qual o ascendente
129
Trabalhos relativos à elaboração do Código Civil. Vol. I. Ata da 11.ª reunião (2.ª série).
130
Trabalhos da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Vol. III.
131
Planiol. Ob. cit., vol. III, n. 3.352. Emidio Pacifici Mazzoni. Codice Civile Italiano
Commentado. Vol. X, n. 194.
também atender ao interesse pecuniário, poupando despesas, muitas vezes exageradas nas
partilhas judiciais.
O art. 1.776 declara válida a partilha feita por ato entre vivos ou por testamento;
lícito por simples ato de sua vontade, despojar-se da personalidade jurídica, em cujo
Na testamentária, a divisão se faz entre co-herdeiros, na feita por ato entre vivos, os
filhos são simples donatários dos bens distribuídos; embora, uma vez aceita, devam
respeitá-la como divisão de herança por eles mesmos feita, e desde que as suas legítimas
divisão declaratória pressupõe a comunhão, e a que é feita por ato entre vivos procura
desejaria que por sua morte fosse dividida, no dizer do Senado da Sabóia.132
no art. 1.171 e seguintes, porque então o art. 1.776 teria apenas declarado válida a doação
132
Motivi del Cod. Albertino II-227 cit. per Pacifici Mazzoni, ob. e vol. cit.
Mas é lícito não só aos pais, como a quem quer que seja, validamente doar seus
Comissão revisora, onde foi voto vencido o do eminente autor do Projeto primitivo,
convence do contrário.
A doação dos pais aos filhos reputa-se, nos termos do art. 1.171, adiantamento de
legítima, devendo vir a colação, não para argumentar a parte disponível, mas para igualar as
legítimas.
A partilha em vida, como ato divisório, incide nas legítimas e na parte disponível, só
bens da sua quota disponível, pelo modo que entender e a lei lhe facultar; sendo inaplicável
o art. 1.176.
Justamente por ser irrecusável essa faculdade ao pai, foi que ao discutir-se o Projeto
dispositivo: ―A divisão será também nula se o pai ou mãe, ou outro ascendente, tiver feito
filhos‖.
faculdade de distribuir a sua quota disponível apenas por alguns de seus filhos ou mesmo
atribuí-la a um só.
Diante da impugnação foi modificado o art., que é hoje o art. 1.098, assim redigido
nessa parte: ―...il pourra l’être (attaquée) aussi dans le cas où il resulterait du partage et des
dispositions faites par préciput, que l’un des copartagés aurait em avantage plus graud que
la loi ne le permet.‖
Assim, na partilha em vida, não há como igualar as quotas divididas entre os filhos,
que poderão ser aquinhoados desigualmente, e o que exceder à legítima tem que se admitir
como liberalidade por conta da parte disponível, como nos casos de doação comum, quando
Outra diferença notável está na superveniência de mais um filho após a divisão por
É por ligar-se a partilha em vida à futura sucessão, e por antecipar a herança, que
Bonelli133, reconhecendo operar-se por ela a transferência da propriedade, sustenta, não ser,
propriedade; que tem uma outra causa, preexistente na divisão entre co-herdeiros, futura na
Exerce uma função provisória, o que impede confundi-la com as doações comuns.
133
Citado por Coviello.
Conteste-se a construção jurídica de Bonelli, o que ninguém poderá contestar, é que
há pontos de divergência entre as doações comuns e a partilha feita pelo pai por ato entre
vivos.
Como ato, que importa a transferência de propriedade entre vivos, está a partilha em
Pode transigir quem pode alienar; por isso o tutor ou o curador, só quando
autorizados pelo juiz, poderão transigir a respeito dos negócios do tutelado ou curatelado;
devendo esta, em virtude do acordo ficar sem efeito, dever-se-á averbar a transação,
propriedade imóvel.
Título XIV - Divisão
―Art. 629. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum.
Parágrafo único. Podem, porém, os consortes acordar que fique indivisa por termo
da propriedade.‖
amigável, por instrumento público, termo nos autos de inventário, ou escrito particular,
Art. 1.774. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como
será indivisível o seu direito, quanto a posse e ao domínio, até se ultimar a partilha.
[...]‖
uma pessoa sobre a mesma coisa, em toda a sua extensão; no entanto ele se pode apresentar
dividido por partes ideais entre várias pessoas. Dá-se então o condomínio; há mais de um
O direito de cada proprietário não se fixa sobre uma parte determinada da coisa
comum, mas sobre uma quota, parte do todo, exprimindo-se por uma designação numérica
Há a indivisão da coisa.
unidade de seu conteúdo não se altera; a propriedade se acha dividida apenas na sua
extensão; há, como diz Dernburg134, uma concorrência de direitos iguais que de certo modo
Para fazer cessar o condomínio recorre-se à divisão, pelo qual se atribui, à cada
propriedade, uma parte divisa, uma parte determinada, correspondente à parte abstrata do
seu direito.
Divisão nem sempre significa separação material das partes da coisa, mas atribuição
a cada condômino de uma quota exclusiva correspondente a seu direito, podendo atribuir-
se, a um, a propriedade exclusiva da coisa inteira, e aos outros o direito exclusivo às quotas
A divisão é o ato jurídico que faz cessar o condomínio, fixando o direito exclusivo
134
Diritti Reali cit., § 195.
A divisão localiza o direito de propriedade, diz Planiol.135
Por Direito Romano a divisão nem era uma venda nem uma permuta, tendo, no
entanto, certa analogia com qualquer dos dois contratos, — quasi permutatio, vicem
permuta nos demais casos. Era uma alienação inominada, uma renúncia mútua ao direito
sobre a comunhão ou sobre as partes que se atribuíam exclusivamente a cada um dos outros
de um em favor dos outros, que por sua vez transmitiam seu direito de condomínio sobre
partes certas passavam para os que as adquiriam gravadas com os ônus, que durante a
comunhão, embora ignorados, houvessem sido impostos por qualquer dos condôminos.
O condômino podia alienar toda ou parte da sua quota nos bens comuns, podia
Se, porém, o herdeiro alienasse um objeto ou parte de sua quota, o objeto alienado
135
Traité Pratique de Droit Civil Français. Vol 1.º, n. 1.149.
para fazer a divisão porque à ação utile familiœ erciscumdœ só tinha direito o cessionário
Assim como podia o herdeiro alienar, podia hipotecar, e o credor hipotecário tinha o
O condômino, não devedor, podia provocar o credor a fazer a divisão; mas se esta se
fizesse sem ter sido ele provocado, nenhum prejuízo lhe advinha; porque a quota ideal, que
uma das coisas comuns, se na divisão fosse metade dela adjudicada a cada um, qualquer
das duas metades ficava por metade hipotecada, mesmo a do condômino não devedor.
Isso era a conseqüência de ter ficado a coisa na sua totalidade sujeita ao vínculo, na
proporção da parte hipotecada; de sorte que não havia como evitar que, dividida ela, o
Por Direito Romano como se acaba de ver, não só a divisão era translativa da
Europa.
qualibet parte; e a divisão foi por todos aceita como uma transmissão de propriedade, que
passava para o condividente sujeita aos ônus reais com que um dos condôminos a tivesse
gravado.
Surgiu, porém, controvérsia se, em se tratando de divisão de emfitense ou feudo
que, na divisão, entre co-herdeiros, da emfitense ou feudo, nenhum dos herdeiros adquiria
coisa nova, apenas se tornava certa a parte incerta de cada um. Assim libertou-se a divisão
O novo princípio, de não ser a divisão translativa de direito, que já não tivesse o
condômino, foi acolhido pelo parlamento francês no século XVI por motivos políticos e
fiscais, apesar da viva oposição do célebre Molineu, que a qualificou de heresia jurídica, e
assim era segundo o Direito Romano, diz Mirabelli,136 a quem vimos acompanhando nesta
exposição.
princípio de não ser a divisão translativa, o que foi aceito no art. 631 do mesmo Código
prussiano.137
Em relação aos efeitos dos direitos que gravassem a parte ideal da coisa comum foi
se admitindo, em contrário ao Direito Romano, que a parte, que não fosse atribuída ao
____
136
Del diritto dei terzi secondo il Codice Civile italiano. Vol. I, p. 160 e seguintes.
137
Dernburg Lurbuch des press. Privatrechts I § 82 cit. por Coviello.
O art. 631 reconhece caráter declaratório à divisão. Este princípio, explica o sábio
autor do Projeto,138 quer dizer que cada um dos condôminos se reputa dono exclusivo da
parte que lhe coube na indivisão, desde que se estabeleceu a comunhão. Portanto nenhum
direito lhe cabe sobre o que tocou a outro, nem tão pouco a sua parte responde pelas dívidas
pessoas do ex-consorte.
anterior e acolhido o princípio da força probante da transcrição, acompanhou aos que, como
Besson, nas suas propostas de reforma da publicidade, entendiam conservar à divisão o seu
caráter declaratório.139
Quem adquire um direito, diz o ilustre autor italiano sobre um imóvel indiviso
confiando numa transcrição, que lhe assegura ter o concedente uma cota parte ideal no
imóvel, e da qual validamente pode dispor, deve estar seguro de haver adquirido um direito,
concedido, viola o principio da fé pública, que se quer conferir à transcrição. Ao passo que,
dado o caráter translativo à divisão, o princípio da força probante fica salvo. O direito
138
Clovis Bevilaqua. Código... cit., obs. I art. 631.
139
Ob. cit., p. 436 e 437.
140
Della transcrizione, vol. 1.º, n. 83.
Assim a garantia que com a publicidade se quer oferecer aos terceiros é completa;
como deve ser, uma vez acolhido o sistema germânico de publicidade, pelo qual devem ser
aceita a disposição do Projeto primitivo, que exigia para ela o consentimento de todos os
comunhão hereditária, origem mais freqüente do condomínio, pelo art. 1.580, declarando-se
indivisível o domínio e posse dos bens da herança até á partilha, e como é condição da
hipoteca de coisa comum a divisibilidade (art. 757), a disposição citada impede que
qualquer dos co-herdeiros hipoteque seu quinhão, como também obsta que qualquer deles
venda a quota parte sobre determinado imóvel, porque, como em outro lugar dissemos, a
Terminaremos estas observações fazendo sentir que entre nós não é admissível, como
divisão inconvenientíssima das casas por planos horizontais, que é contrário aos preceitos
impossível entre nós, porque a propriedade do solo arrasta sempre a das acessões.
141
CC, art. 664 – Planiol, n. 1.177.
142
Código Civ. Art. _________ - C. F. Gabba. Quistioni di Diritto Civile. Vol. I, p. 138.
143
CC, art. 1.014 – Lei de Introdução, art. 132 – Dernburg Pandette. Diritti reali, nota 3 ao §
76.
A divisão, ainda que declaratória, está sujeita à transcrição, porque o art. 532 a ela
extrajudiciais.
Título XV - Usucapião
―Art. 550. Aquele que, por trinta anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título de boa fé, que, em
tal caso, se presumem; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual
Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele quem, por dez anos entre
presentes, ou vinte entre ausentes, o possuir como seu, continua e incontestadamente, com
Art. 552. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos
antecedentes, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam
contínuas e pacíficas.‖
***
para evitar confusões provenientes da identidade de certos cânones, que formam o tecido
dos dois institutos: — a prescrição propriamente dita ou liberatória e o usucapião ou
prescrição aquisitiva.144
recorreram ao expediente de reconhecer como dono das coisas, aquele que, em tal caráter,
justificava pelo interesse maior da utilidade comum, do bem público, que exigia esse
sacrifício.145
Era o que se chamava usucapião, definido nos textos como o modo de adquirir o
E a aquisição se dava pela posse de 10 ou 20 anos, com justo titulo e boa-fé, ou pela
numa exceção, contra a ação de domínio já prescrita, até que Justiniano lhe deu uma
A Lei das XII Tábuas estabelecia que os imóveis seriam adquiridos por usucapião
em dois anos, as demais coisas em um. Como instituto de direito civil o usucapião só era
144
Código Civ. vol. 3.º obs. 1 ao art. 550.
145
Bono publico usucapio introducta est ne scilicet quarundam rerum diu et fere semper
incerta dominia essent (Dig — De Usurp et Usuc. Lº 41 Tít. 3.º frs. 1).
possível aos cidadãos romanos, tendo por objeto coisas suscetíveis de propriedade
quiritária.
Para os imóveis provinciais e para as aquisições de coisas móveis por parte dos
peregrinos introduziu-se a longi temporis prœscriptio, para a qual se exigia a posse pacífica
durante 10 anos inter prœsoentes, isto é, para os interessados que morassem na mesma
perdesse a posse em que pacificamente tivesse estado durante esse lapso de tempo.146
móveis se adquiriam por usucapião; mas os imóveis fazendo parte do antigo território
provincial, salvo nos lugares que gozassem do jus italicum, se adquiriam pela longi
tempores proœscriptio.
Desses dois institutos de origem diversa foi que Justiniano formou um só,
estendeu àquelas.147
de adquirir.
de 10 e 20 anos, este exigindo justo título que em regra deve estar transcrito, se dará
secundum tabulas; aquele não requerendo título pode efetuar-se contra tabulas.148
146
Dernburg Pandette. Diritti reali, § 219.
147
Bernardo Windscheid. Diritto Delle Pandette. § 175. Trad. Fadda e Bensa. Código L.
6, Tít. 31. Const. Uni de Justiniano. De Usucapione transformanda et sublata differentia renum
mancipi et nec mancipi. [confirmar]
São requisitos do usucapião ordinário:
II — justo título;
III — boa-fé;
IV — coisa prescritível.
O Código Civil alterando o direito anterior dispensou para este o requisito da boa-
fé.
Igreja e estabelecimentos pios, cujos bens só passavam ao domínio de terceiros por uma
Justo título é toda a causa própria, em tese, para transferir o domínio, mas que, em
O título, além disso, deve ser certo, real e válido. Válido no sentido de revestir-se o
que poderá influir sobre a boa ou má-fé; não impedindo, porém, a aquisição, quando de
148
Carl Albert Wieland. Les droits réels dans le Code civil suisse. [confirmar]
149
Lafayette. Direito das Coisas, § 70, n. 5 – Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 44
— Carlos de Carvalho. Nova consolidação das leis civis. Art. 431 parágrafo único.
150
Ob. cit., § 68.
Deve, além disso, estar transcrito no Registro de Imóveis, se à publicidade estiver
sujeito.151
O art. 552 refere-se à acessão da posse. A disposição deve ser entendida de acordo
atende ao tempo, a acessão da posse do antecessor é quanto basta. Mas para o usucapião
ordinário em que se exige justo título e boa-fé, é preciso atender a esses requisitos e ter em
vista o art. 495, segundo o qual a posse se transmite com os mesmos caracteres aos
herdeiro ou legatários dos mesmos vícios, que inquinavam a do defunto e inábil, portanto,
imobiliário adaptado pelo Código, que procurou introduzir o sistema germânico, no que não
colidisse com a existência do cadastro, dando ao Registro predial uma significação jurídica
O final é bem claro ―que lhe servirá de título para a transcrição‖. Logo o usucapião
Quer se entenda, como querem alguns, seguindo a letra da lei, que o domínio
151
Lacerda de Almeida, ob. cit., § 41.
152
Clovis Bevilaqua. Código Civil, vol. 3.º, obs. ao art. § 859.
esteja adquirido antes da sentença; quer se admita que, como no direito suisso 153, pela
sentença fique ele adquirido; quer ainda, de acordo com o direito alemão154, se repute
adquirida a propriedade depois da inscrição; o que é fora de dúvida é que, adquirido ou não
Essa interpretação do art. 550 é a única que se coaduna com o sistema adotado
pelo Código, segundo o exposto no Capítulo IV; sistema que não é uma invenção do
legislador brasileiro, mas por ele tomado de outros povos, e que se rege por princípios
conhecidos.
Código, porque da mesma expressão se serviu o Código Civil suisso155 ―peut en requérir‖ –
Para a transcrição no Registro serve de título a sentença que tem de ser proferida
citação edital é indispensável, atento o valor do julgamento, que pode atentar contra
Uma boa providência seria exigir certidão de não constar do Registro nos últimos
30 anos, transação tendo por objeto o imóvel, cuja declaração de domínio se pede.
casos de sentença, uma carta extraída dos respectivos autos, da qual constem os requisitos
153
Código Civil suisso, art. 655 – Wieland. Les droits réels dans le Code civil suisse, Vol. I,
Com. 4 ao art. 662.
154
Código Civil alemão, art. 927.
155
Art. 662.
necessários à validade do ato a ser praticado, individuando com a maior precisão o imóvel
adquirido.
CAPÍTULO VII
I - A enfiteuse.
II - As servidões.
III - O usufruto.
IV - O uso.
V - A habitação.
VII - O penhor.
VIII - A anticrese.
IX - A hipoteca.
[...]
Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos
dos referidos títulos (arts. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.
Art. 677. Os direitos reais passam com o imóvel para o domínio do comprador, ou
sucessor.
arrematação.‖
herdeiros.
Grande tem sido o esforço para fixar com precisão os caracteres dos direitos reais, e
Fugindo desse terreno doutrinário, parece bastante acentuar que o direito real recai
imediatamente sobre uma coisa corpórea, a ela como que adere, seguindo-a como a sombra
ao corpo. Se é verdade que não pode haver relações jurídicas com respeito às coisas, no
sentido de terem elas obrigação; compreende-se, sem a mínima dificuldade, que há direitos,
É assim que as coisas podem estar imediatamente sob a ação de nossa vontade, com
a restrição derivada das necessidade da coexistência social; exercendo nós sobre elas as
mais amplas faculdades pelo simples fato de serem nossas, ou como muito exatamente se
exercemos sobre as coisas, que nos estão imediatamente sujeitas, mas que na verdade não
O direito real por excelência é o que nos dá a faculdade de nos servirmos de uma
coisa do modo que nos aprouver, dela retirando todas as vantagens e até alienando-a.
Constitui o direito de propriedade. Muitas vezes, porém, a propriedade é afetada por
propriedade plena, sem restrições; e de outro lado um direito real em coisa alheia.
Inúmeros são os direitos que a propriedade de uma coisa nos faculta, inúmeros,
portanto, poderiam ser os direitos reais em coisa alheia; mas devido às complicações
imediatamente a coisa, que fosse o seu objeto, por isso a lei só reconhece um limitado
número de direitos reais, privando desse caráter os que expressamente ela não designar; de
de alienação; o que é uma exceção aos princípios, fazendo valer um direito pessoal contra
Que não é um direito real, basta atentar no dispositivo do parágrafo único do art.
193, que, aliás, constitue uma violação devida à fé dos contratos, para se compreender que,
renda, apesar dos prejuízos que isso lhe acarrete; o usofrutuário e o emfiteuta, titulares de
um direito real, e que mais se assemelham ao locatário, abandonam seu direito, se assim
De acordo com o sistema imobiliário adaptado, o art. 675 do Código declara que o
direito real, quando constituído ou transmitido por ato entre vivos, surge com o Registro;
salvo os casos expressos no Código. A restrição final nada significa, porque não há
exceções.
Título II - A enfiteuse
Em íntima relação com o colonato, que ligava os indivíduos às terras, de que não
podiam ser separados, apenas obrigados a uma renda fixa e moderada, aparece uma nova
instituição — a enfiteuse —.
possessores, que detinham o ager publicus, e de quem só obtinham uma ocupação precária
das terras.
E como o arrendamento que mais tarde foi adotado, embora melhorasse a posição
dos trabalhadores, não lhes oferecesse garantias suficientes, nem lhes satisfizesse as
aspirações, aparece a nova forma — a enfiteuse — como uma instituição intermedia entre a
ocupação das terras até então concedidas aos trabalhadores e a aspiração destes à
derivado do arrendamento, formando-se uma nova espécie de direitos que o pretor veio a
amparar.
Andou ela confundida durante muito tempo com a compra e venda e com a
locação, até que o imperador Zenão156 acentuou o seu caráter distinto do desses dois
contratos.
Trazida pelos romanos para a Península Ibérica, penetrou em Portugal, onde essa
Essa situação perdurou até que o Marquês de Pombal com as reformas constantes
vidas não entrou em nossos costumes157; e o seu objeto foi sempre o terreno para cultura e o
Justiça do Maranhão.
156
Jus emphyteuticarium neque conductionis, neque alienationis esse titulis adjiciendum, sed
hoc jus tertium esse conslituimus ab utriusque memoratorum contractum societate seu similitudine
separatum (Cod. L.º 4 Til. 66, De jure emplyt. L. I).
157
Lafayette. Direito das Coisas, § 138, n. 4.
restringindo ainda mais o já bem limitado direito do senhorio direto; o que modifica algum
remissão.
como simples titular de um direito real em coisa alheia158, mais acentuada vai ser a
divergência diante dos dois novos direitos que lhe são atribuídos: - o de opção, como
não fosse proprietário não seria uma remissão, isto é, a liberação de um ônus, mas uma
Privada, ela não pode como tal considerar-se, só podendo ser admitida como
158
O ilustre civilista Sr. Lacerda de Almeida a princípio negava domínio ao enfiteuta (Revista
do Direito, 2.° vol., p. 35); afinal decidiu-se pelo reconhecimento do seu domínio dividido com o
senhorio direto, e não como simples titular de um direito real em coisa alheia (Direito das Coisas,
2.º vol., nota 20 ao § 135).
159
Cimbale - Filomusi Guelfi – Mancini – Gianturco - N. Coviello e outros citados por De
Pirro na nota 5 ao n. 2 da sua obra Dell’enfiteuse.
160
Della transcrizione, vol. 2.º n. 306.
E repugna, observa o mesmo autor161, à íntima essência da propriedade que se a
considere um direito inferior àquele que deveria constituir uma simples limitação; o que
Essa doutrina, é fora de dúvida, está em desacordo com a origem da enfiteuse; mas
forma e um conteúdo mutável, segundo mudam as necessidades sociais; o que quer dizer
que a essência da propriedade é invariável, a sua organização, o seu modo de ser variam.
Assim se compreende bem que no Direito Romano, onde a princípio o único direito
real era o domínio, que o proprietário não perdia por mais extensas que fossem as
domínio do concedente, por menor que fosse a aparência do exercício dos direitos de
propriedade.
àquele que exerce os direitos sobre a coisa e que dela retira todas as utilidades a que se
atividade senhorial.163
161
Coviello. Ob. cit. vol. 2.º n. 306 pág. 279.
162
Já Pothier dizia que o domínio útil era a verdadeira propriedade.
163
Filomusi Guelfi. Diritti reali, § 41.
Essa tendência do Direito Moderno, a que alude o Sr. Lacerda de Almeida, de
senhorio direto164 afinal assinala um fenômeno histórico próprio de todas as épocas, e que a
lei acaba por sancionar. É um movimento irresistível. É assim que a posse precária se
publicus em Roma; o mesmo se deu na época da decadência do feudalismo em que era tão
difícil expulsar um colono ou um servo de seu manso como a um vassalo de seu feudo;165 é
domínio útil, a sombra da propriedade, como diz Lehr, sacrificada à realidade das coisas.
que o liga à terra valorizada por seu esforço, ele não a reputa coisa alheia, considera-a sua
propriedade, embora sujeita a um encargo, representado pelo foro, que ele não redime,
O direito de remir, que lhe é outorgado, não representa, portanto, mais que o
As nossas leis hipotecárias166, embora não tivessem alargado a esfera dos direitos do
enumeravam entre os ônus reais o foro, que representa o direito do senhorio direto. E na
164
Direito das Coisas, § 78 in fine.
165
Secretan.
166
Lei 1.237, de 24.09.1864, art. 6.º – Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 6.º.
transcrição desse contrato figura167 o senhorio direto como credor e o enfiteuta como
devedor, e em se tratando de direitos reais em coisa alheia é credor o titular do direito real e
devedor o proprietário.
É certo que o Código Civil classificou a enfiteuse entre os direitos reais em coisa
opção e remissão. O Sr. Clovis Bevilaqua no comentário ao art. 678 diz que o Código
―equipara a enfiteuse ao domínio, dando-lhe o próprio nome, domínio útil, domínio direto‖,
de acordo, portanto, com a doutrina do domínio dividido; e ao comentar o art. 684 diz que
os dois titulares de direitos, autoriza a que se inverta a posição por eles ocupada, no direito
antigo.
A explanação da doutrina está, porém, fora dos moldes desta obra, que já foi talvez
I — A enfiteuse.
[...]‖
167
Dec. 544, de 04.07.1890, art. 4.º, parágrafo único, que ainda regula o modo de
escrituração.
―Art. 678. Dá-se enfiteuse, aforamento ou emprazamento, quando por atos entre
pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma
Art. 680. Só podem ser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se
destinem à edificação.‖
Tais contratos pela Lei de 04.07.1776 são locações de longo tempo ou colônias perpétuas e
não geram direito real168 e em virtude deles, segundo o Alvará de 03.11.1757 nenhum
domínio se transfere.
O fim desse Alvará foi evitar que, com os arrendamentos a longo prazo, e sob
168
Teixeira de Freitas. Consolidação..., art. 607, nota 3 (3.ª ed.) – Carlos de Carvalho.
[confirmar] Nova consolidação das leis civis. art. 1.093 – Lafayette. Direito das Coisas, § 141, n. 4.
enormíssima, dos quais obtinham que fosse reduzida a prestação a que eram obrigados por
seus contratos.
admitidos por direito, mas negar-lhes o efeito de transferir o domínio útil, isto é, de
produzir efeitos reais, sujeitando-os às regras dos contratos que produziam simples
de futuro, deixando ao arbítrio dos contratantes a limitação de prazo (art. 1.200), e assim
esses contratos não infringem nenhum dispositivo legal, e subsistem com a sua mesma
força anterior.
Não geram, porém, direito real, não podem ser objeto de transcrição no Registro de
A transcrição por ventura realizada nenhuma garantia oferece aos arrendatários, que
estabelecida a respeito dos alodiais neste Código, arts. 1.603 e 1619; mas, não podem ser
gravarem o imóvel.
Art. 683. O enfiteuta, ou foreiro, não pode vender nem dar em pagamento o
domínio útil, sem prévio aviso ao senhorio direto, para que este exerça o direito de opção; e
o senhorio direto tem trinta dias para declarar, por escrito, datado e assinado, que quer a
querer o senhorio vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Para este efeito, ficará o
foreiro.
Art. 685. Se o enfiteuta não cumprir o disposto no art. 683, poderá o senhorio
direto usar, não obstante, de seu direito de preferência, havendo do adquirente o prédio pelo
preço da aquisição.‖
O art. 683 só fala em venda e dação em pagamento, mas pelo disposto no art. 688
o seu domínio, portanto sempre devido nos casos que admitem opção. Se o art. 688 dispõe
só ser lícito ao enfiteuta doar, dar em dote ou trocar por coisa não fungível, dispensando-o
de aviso prévio, é porque só nesses casos não tem opção o senhorio direto.
enfiteuta, a mesma quantidade e qualidade da coisa que este teria de receber; o que não se
169
Chamam-se fungíveis as coisas em que não se faz questão da sua quantidade e qualidade;
consistem em número, peso ou medida.
verifica na troca por coisa não fungível, pela impossibilidade em que se acha o senhorio
O art. 684 inovou o direito anterior, conferindo a opção ao enfiteuta nos mesmos
casos em que a conferiu ao senhorio direto; o que, como há pouco vimos, fez o eminente
autor do Projeto dizer em seu comentário que o Código havia alterado a estrutura da
―Art. 686. Sempre que se realizar a transferência do domínio útil, por venda ou
doação em pagamento, o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de receber do
alienante o laudêmio, que será de dois e meio por cento sobre o preço da alienação, se outro
Art. 687. O foreiro não tem direito à remissão do foro, por esterilidade ou
destruição parcial do prédio enfitêutico, nem pela perda total de seus frutos; pode, em tais
Em relação ao final do art. 687 cumpre advertir que o ato a praticar no Registro em
virtude da renúncia não é uma inscrição, mas uma averbação, que deve ser feita à
Código faz referência in fine ao art. 691, abaixo transcrito, o qual se refere à oposição dos
170
Vide o que se disse a respeito do art. 683 L. Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 91.
credores. Embora não regulamentado ainda esse ponto, não deve ser feito o cancelamento,
sem ordem do Juízo, ao qual deverá requerer o enfiteuta a citação edital de seus credores,
único meio de dar eficácia à proteção, que entendeu o Código dispensar-lhes outra possível
fraude.
―Art. 688. É lícito ao enfiteuta doar, dar em dote, ou trocar por coisa não fungível o
prédio aforado, avisando o senhorio direto, dentro em 60 (sessenta) dias, contados do ato da
Art. 689. Fazendo-se penhora, por dívidas do enfiteuta, sobre o prédio emprazado,
será citado o senhorio direto, para assistir à praça, e terá preferência, quer no caso de
arrematação, sobre os demais lançadores, em condições iguais, quer, em falta deles, no caso
de adjudicação.‖
fazer menção no instrumento dado ao adquirente para lhe servir de título, e poder o
Registro transcrevê-lo nos seus livros, evitando por esse modo a dúvida, que terá o Oficial
―Art. 690. Quando o prédio emprazado vier a pertencer a várias pessoas, estas,
direito de escolha.
§ 1.º Feita a escolha, todas as ações do senhorio contra os foreiros serão propostas
contra o cabecel, salvo a este o direito regressivo contra os outros pelas respectivas quotas.
§ 2.º Se, porém, o senhorio direto convier na divisão do prazo, cada uma das glebas
aforado, poderão opor-se os credores prejudicados com o abandono, prestando caução pelas
Este artigo não enumera todos os casos de extinção, declara, como observa o
eminente autor do Projeto, os modos particulares. A enfiteuse ainda se extingue por outros
usucapião; pelo exercício da opção por parte de qualquer dos dois titulares; pela renúncia;
―Art. 693. Todos os aforamentos, salvo acordo entre as partes, são resgatáveis trinta
anos depois de constituídos, mediante pagamento de vinte pensões anuais pelo foreiro, que
171
Vide o que se disse a respeito do art. 867.
não poderá no seu contrato renunciar o direito ao resgate, nem contrariar as disposições
A redação desse artigo já levou a se dizer que a enfiteuse não seria resgatável se
houvesse acordo entre as partes; o que está em flagrante contradição com o final do
tempo.172
Paulo de Lacerda173 e Sá Freire, com eles havendo concordado o Sr. Clovis Bevilaqua, por
motivo de equidade.
O ponto, segundo nos parece, terá de ser bastante controvertido, por se estar em
enfiteuse.
172
Sá Freire. Estudo do art. 693 do CC, p. 9. [a obra seria Manual do Codigo Civil
brasileiro?]
173
Manual do Código Civil brasileiro. Vol. I, Int., p. 111 e nota 35.
Título III - Servidões prediais
prœdiorum.
Romano, um conteúdo genérico, isto é, não havia uma idéia abstrata de servidão, que, por
vontade das partes, pudesse conter uma qualquer faculdade a exercer-se em prédio alheio.
definido,174 poucas na origem, mas que por força de novas necessidades argumentaram
jurisconsultos.175
Não se encontra, porém, no Direito Romano clássico, outras servidões que não
aplicada a institutos diferentes das servidões prediais, e que Ferrini sustenta não ser
doutrina dos jurisconsultos romanos, mas uma infeliz generalização escolástica dos
bizantinos.
Como quer que seja, essa questão, interessante para a doutrina, nenhuma utilidade
usufruto, o uso e a habilitação, — como, aliás, já o havia feito o Código Civil francês e os
174
C. Ferrini e G. Pulvirenti. Delle servitú prediali, n. 29.
175
Ferrini — Pand. § 375.
que o seguiram, embora aquele o não tivesse feito por motivos de ordem científica, mas
O moderno Código Civil alemão em um mesmo capítulo trata das servidões prediais
e das pessoais.
As servidões prediais, como seu próprio nome indica, só em por objeto imóveis por
natureza, os móveis pela rapidez de sua circulação, pela facilidade com que se
Os textos de direito usam a respeito dos prédios, nas servidões, a mesma linguagem
vista a pessoa dos proprietários, porque um prédio não tem capacidade jurídica, tanto que se
os dois prédios ligados por servidão ficarem pertencendo a um mesmo proprietário, ela se
extingue.
que diz respeito. Ela pressupõe uma vantagem para o prédio em cujo proveito é instituída,
inteiro.
prédio dominante pode fazer alguma coisa no prédio serviente, e o proprietário deste é
176
Istituzioni di diritto civile Italiano, § 172.
obrigado a consentir; negativas as que consistem in non faciendo, quando o proprietário do
prédio dominante tem o direito de proibir que o do prédio serviente faça alguma coisa, que,
qualquer ato humano, não importando que para ser estabelecida tenha tido necessidade de
atos humanos, como na servidão de aqueduto; o que a caracteriza é que, estabelecida, o seu
ininterruptamente.
Aparentes as que se revelam com sinais visíveis, como uma porta, uma janela, um
aqueduto; não aparentes as que não têm sinais visíveis de sua existência como a de não
As servidões se constituem por ato entre vivos ou causa mortis, adquirem-se pela
transcrição e por usucapião; salvo quanto a este último modo as descontínuas e não
aparentes.
diverso dono. Por ela perde o proprietário do prédio servente o exercício de alguns de seus
direitos dominicais, ou fica obrigado a tolerar que dele se utilize, para certo fim, o dono do
prédio dominante.
Art. 697. As servidões não aparentes só podem ser estabelecidas por meio de
propriedade e como tal fazem exceção ao direito comum; por isso nunca se presumem,
O art. 697 significa que as servidões aparentes só estão sujeitas a Registro, na forma
do art. 676, quando constituídas por ato entre vivos, ao passo que as não aparentes, quer
resultem de atos entre vivos, quer se originem de disposição causa mortis, dependem
sempre da transcrição.
―Art. 698. A posse incontestada e contínua de uma servidão por dez ou vinte anos,
nos termos do art. 551, autoriza o possuidor a transcrevê-la em seu nome no Registro de
Parágrafo único. Se o possuidor não tem título, o prazo do usucapião será de trinta
anos.‖
A referência feita ao art. 551 indica que o art. 698 se ocupa do usucapião ordinário
(10 anos entre presente e 20 entre ausentes, com justo título e boa-fé).
O adquirente, que está de boa-fé e tem justo título, devidamente transcrito, não irá
requerer que se declare adquirido o seu direito por usucapião; porque se desse semelhante
o prédio dominante e bem individuado qual o serviente, de modo a bem se conhecer qual o
―Art. 699. O dono de uma servidão tem direito de fazer todas as obras necessárias à
Art. 700. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono
Art. 701. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio servente, este poderá
parede, que suportava a construção do prédio dominante, caso o muro ou parede ameaçasse
ruína ou abatesse.
177
A recomendação não é ociosa, como pode parecer porque é muito comum nos documentos
apresentados a menção clara do prédio dominante, aludindo-se ao prédio serviente como um imóvel
pertencente a F., pelo qual tem o direito de passagem os que se destinarem ao prédio dominante, ou
no qual tem de ser assentas as canalizações de utilidade deste.
Era uma exceção à regra de não importar a realidade passiva das servidões na
nequit.
A regra do Direito Romano relativa à servidão oneris ferendi deixou pelo direito
―Art. 702. O dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo algum o uso
legítimo da servidão.
Art. 703. Pode o dono do prédio servente remover de um local para outro a
servidão, contanto que o faça à sua custa, e não diminua em nada as vantagens do prédio
dominante.‖
O dono do prédio dominante não pode se modo algum ser molestado pelo do
serviente efetuá-la, fazendo-o, porém, à sua custa. Direito perfeitamente justificado pelo
Parágrafo único. Constituída para certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro,
é, de modo que não impedissem o exercício dos direitos do dono do prédio serviente,
Assim, o dono do prédio serviente pode passar pelo caminho que constitua a
já existentes; ou ainda mudar o local das servidões nos termos do art. 703.
―Art. 705. Nas servidões de trânsito a de maior inclui a de menor ônus, e a menos
A extensão das servidões de trânsito se regula pelo título de sua constituição e pelos
usos locais.
veículos rodantes.179
propriedades também particulares, que se não dirigem a fontes, pontes, ou lugares públicos,
178
Lafayette, ob. cit., § 118, 4, a, b, c – Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 63 –
Clovis Bevilaqua. Código Civil. Obs. ao art. 704.
179
Lafayette. Direito das Coisas, § 130 — Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, § 103.
Esse artigo, que se acha colocado no Código entre os direitos de vizinhança ou
limitações legais da propriedade, parece melhor colocado entre as regras reguladoras das
servidões.
maior largues, o dono do servente é obrigado a sofrê-la, mas tem direito a ser indenizado
pelo excesso.
Parágrafo único. Se, porém, esse acréscimo de encargo for devido à mudança na
maneira de exercer a servidão, como no caso de se pretender edificar em terreno até então
servidão devia ,limitar-se às necessidade do prédio dominante, quais eram ao tempo da sua
O Código resolveu a questão adaptando o critério de que, se a servidão tem por fim
servidão se regula pelas necessidades do prédio dominante, ao tempo de ser ela constituída.
servidão‖.
180
Demolombe. Código de Napoleão. Tom. XII, n. 850.
―Art. 707. As servidões prediais são indivisíveis. Subsistem, no caso de partilha, em
benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante, e continuam a gravar cada um dos
do prédio servente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um,
ou de outro.‖
cada quinhão por uma servidão própria e independente, não implica divisão da servidão,
mas por ser esta indivisível e aderir a cada uma das partes do prédio, é considerada
Não ofende tão pouco a indivisibilidade, o gravar apenas no caso de partilha a parte
do prédio a que se aplicam, porque sendo possível constituir servidão sobre determinada
parte do prédio, mantém-se a indivisibilidade porque pars certa quoddam totum constituit.
―Art. 708. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez transcrita, só se extingue,
181
Lacerda de Almeida. Direito das Coisas, nota 3 ao § 98.
182
Lafayete. Direito das Coisas, § 166.
―Art. 709. O dono do prédio servente tem direito, pelos meios judiciais, ao
II - Quando a servidão for de passagem, que tenha cessado pela abertura de estrada
resgate.
O número II era assim redigido no Projeto Coelho Rodrigues, de onde foi tirada esta
seção:
necessidade, que cessou pela abertura de uma nova via pública e acessível ao prédio
Do dispositivo transcrito fica bem claro que a abertura de estrada pública acessível
podendo o Oficial do Registro avaliar das necessidades do prédio dominante, o título para
II - Pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título
expresso.
Art. 711. Extinta, por alguma das causas do artigo anterior, a servidão predial
transcrita, fica ao dono do prédio servente o direito a fazê-la cancelar, mediante a prova da
extinção.‖
diverso dono impede a existência de servidão quando os dois prédios pertencerem á mesma
pessoa.
O n. II exige que a supressão das obras como causa de extinção resulte de um ato
expresso.
domínio resolúvel; porque nos termos do art. 647 os direitos reais em coisa alheia se
Usufruto
Quando o gozo é total chama-se usufruto, quando é parcial tem o nome de uso, a
usufruto causal, mas é regra que res sua nenimi servil. O usufruto só pode existir como
fideicomisso.
quanto à sucessão em tais bens, e porque elas influem no modo de se fazer a transcrição.
do fiduciário, os herdeiros daqueles não têm direito à coisa, porque o fideicomissário tinha
caso.
usufruto a transcrição é dupla, uma, a da nua propriedade, e outra, a do usufruto, direito real
Se a propriedade passa desde logo a um, separada do usufruto, que pertence a outro,
É de advertir que podem adquirir por testamento, nos termos do art. 1.718 do CC, os
indivíduos não concebidos até à morte do testador, quando este em sua disposição se referir
―Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma
[...]
Art. 715. O usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá
[...]
O art. 713 dá a definição legal do usufruto, que pode resultar da lei ou da vontade do
direito de uso e gozo, pertencente a uma pessoa, e o direito às vantagens que a coisa
segunda.
O usufruto se adquire:
c) por usucapião;
quer se trate de usufruto constituído por testamento, quer por ato entre vivos, excetuando o
resultante do direito de família porque se trata de um direito de família, figura diferente do
direito real.
e, portanto, sendo uma parte desta, a sua concessão por ato entre vivos é uma verdadeira
alienação de parte do direito de propriedade, por isso está sujeita às mesmas regras
individualmente determinada.
Devido a esse caráter pessoal, o Código expressamente declara que o usufruto não
pode ser alienado. O usufrutuário não pode transferir seu direito a terceiros, nem a seus
com o domínio, que recupera a sua plenitude, o que a lei sempre favorece.
O exercício do direito pode, no entanto, ser cedido, constituindo a cessão, mero
direito pessoal; nem seria razoável privar o usufrutuário de ceder o exercício do seu direito,
se mais conveniente lhe fosse para usufruir a coisa, transferir as comodidades. Continuará,
―Art. 718. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos
frutos.‖
―Art. 721. Salvo o direito adquirido por outro, o usufrutuário faz seus o frutos
O gozo consiste no uso (jus utendi) e em perceber os frutos naturais e civis (jus
fruendi).
O seu direito estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos, se o contrário não
estiver disposto.
O usufrutuário goza da coisa de modo amplo e tem direito às servidões; não o tem,
porém, à parte do tesouro achado (art. 733), porque este nem faz parte da propriedade, nem
é fruto do imóvel.
Sendo o usufruto o maior poder de utilização da coisa alheia, ele tem direito a
possuir a coisa (posse direta), dela usar, e, para melhor aproveitar-lhe os frutos, o direito de
proprietário.
prédio, mas não mudar-lhe o gênero de cultura, sem licença do proprietário ou autorização
expressa no título; salvo se, por algum outro, como os de pai ou marido, lhe couber tal
direito.
absoluto, como o proprietário; porque, enquanto este não encontra limites ao seu gozo, o
si, em sua essência, abstração feita de suas qualidades, mas como a sua forma, o seu caráter
árvores.
bens, que receber, determinando o estado em que se acham e dará caução, fidejussória ou
real, se lhe exigir o dono, de velar-lhe para conservação, o entregá-los findo o usufruto.
Art. 730. O usufrutuário, que não quiser ou não puder dar caução suficiente, perderá
A disposição do art. 729 visa prevenir as questões, que se poderão suscitar quando
sendo a isso obrigado mesmo quando não lhe seja exigida caução.
É claro que para o fim, que se tem em vista, não basta a simples designação do
havido omissão, o que o Código não prevê, é opinião comum que o nu proprietário é
admitido a provar por todo gênero de prova, militando em seu favor a presunção, de haver o
usufrutuário recebido o prédio em bom estado; podendo este no entanto fazer prova em
contrário.
usufruto, como acontece em muitas das legislações estranhas;183 por não julgá-los em
idêntica situação. O doador praticando um ato de pura liberalidade, não deve ficar sujeito à
título oneroso, nada justificaria a exceção em seu favor, sendo pouco procedentes os
Códigos estrangeiros, de sorte que, mesmo no caso de ter sido essa a mente do legislador, a
183
Código Civil francês, art. 601 — Italiano, art. 497 — Espanhol, art. 492 — Português, art.
Art. 733. Incumbem ao usufrutuário:
coisa usufruída.
custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que
recebeu.
mais ou menos aproximados, e com as quais se tem de contar fatalmente. São em regra
as despesas que se referem a segurança do imóvel, são de dispêndio mais vultoso, tem um
O nosso Código, não seguiu o exemplo de outros, que procuram enumerar as obras
que tem esse caráter, deixando ao critério do juiz resolver, arbítrio de que muito pouco se
terá ele de servir, diante do parágrafo único do art. 734, que desobriga o usufrutuário das
reparações mesmo ordinárias, quando o seu custo exceder a dois terços do rendimento
líquido de um ano. Os foros, pensões e impostos reais, são encargos resultantes do uso e
gozo, e devem correr por conta do usufrutuário, que percebe os frutos.
indenização do seguro.‖
proprietário reconstruir à sua custa o prédio, mas se ele estava seguro, a indenização paga
usufruto.
pode deixar de correr por sua conta o prêmio do seguro, mesmo atento o seu interesse em
O seu direito a que a indenização fique sub-rogada no encargo que gravava o bem,
declara que o usufruto recairá sobre a indenização paga ao proprietário, não só no caso de
sinistro, como no de desapropriação, e no de ressarcimento de dano; restabelecendo-se o
usufrutuário pelo juro da dívida, que ela garantir, quando esse ônus for expresso no título
respectivo.
Se recair num patrimônio, ou parte deste, será o usufrutuário obrigado aos juros da
dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele, sobre que recaia o usufruto.‖
pagamento dos juros das dívidas garantidas pela coisa usufruída, porque não se trata de
encargos sobre os frutos, mas sobre o valor da coisa; para que o pagamento corra por sua
conta, será preciso que, como ônus, lhe tenha sido expressamente imposto.
disposto o Código, se for legado o usufruto de um imóvel gravado, devendo os juros ser
pagos em natureza, com produtos de imóvel, parece, como opina Pacifici Mazzoni,184 que
entender que a intenção teria sido legar os frutos excedentes aos já sujeitos à prestação.
objeto é uma coisa singular, explica-se, porque sendo o patrimônio uma universalidade, os
184
Istituzioni di diritto civile italiano (4.ª ed.). vol. III, 2.ª parte, n. 208.
―Art. 739. O usufruto extingue-se:
IV – Pela destruição da coisa não sendo fungível, guardadas as disposições dos arts.
V – Pela consolidação.
VI – Pela prescrição.
VII – Por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens,
á parte a parte em relação a cada um dos que falecerem, salvo se, por estipulação expressa,
Art. 741. O usufruto constituído em favor da pessoa jurídica extingue-se com esta,
ou, se ela perdurar, aos cem anos da data em que se começou a exercer.‖
nunca passa aos herdeiros; de sorte que, mesmo fixada a sua duração, ele se extingue, antes
constituído por ordem sucessiva, por encobrir um fideicomisso além do 2.° grau, fraudando
favor das pessoas jurídicas, que perdurando, aos cem anos da data do usufruto, vêem
Também se extingue quando se acha ele ligado a uma causa ou razão jurídica. O
mais comum é o caso do usufruto legal, no entanto, se pode apresentar esta dependência em
um·verdadeiro usufruto.
a destruição seja total, pois enquanto subsistir uma parte da coisa, sobre essa parte subsiste
o usufruto.
usufruto.
extinção assinalada no número VII é uma verdadeira pena, e como tal não faz cessar por si
concedente.
Uso
―Art. 742. O usuário fruirá a utilidade da coisa dada em uso, quanto o exigirem as
I – As de seu cônjuge.
Art. 745. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as
titular do uso se servisse da coisa, sem direito a perceber qualquer porção dos frutos, uti
Assim, porém, compreendido, o uso se tornava quase inútil; por isso o rigor se
abrandou, dando-lhe uma certa extensão para permitir que o usuário percebesse os frutos,
O uso, portanto, não é nudus usus siue ullo fructu, mas entendido com a extensão
Dada a natureza pessoal do direito do uso, não pode ele ser cedido.
se lhe for exigida, e está sujeito às disposições que regem o usufruto, não sendo elas
***
Habitação
―Art. 746. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o
titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua
família.
Art. 747. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa,
qualquer delas, que habite, sozinha, a casa, não terá de pagar aluguel à outra, ou as outras,
mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de
habitá-la.
Art. 748. São aplicáveis à habitação, no em que lhe não contrariarem a natureza, as
A habitação é um direito ainda mais restrito que o uso, pois consiste apenas no
É indivisível, não pode ser cedido, nem pode o titular alugar a casa.
A habitação não é mais do que o uso de uma casa, e lhe são aplicáveis as regras
―Art. 1.424. Mediante ato entre vivos, ou de última vontade, e título oneroso, ou
gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em beneficio próprio ou alheio, uma
―Art. 1.431. A renda vinculada a um imóvel constitui direito real, de acordo com o
e o consignativo.
Censo reservativo era o contrato pelo qual um proprietário transferia a outrem todo
o domínio de um prédio seu, reservando para si uma certa pensão, ou quota de frutos que o
prédio produzisse.185
obrigava a pagar pelos rendimentos dele certas medidas de frutos a outra pessoa, que lhe
185
C. Telles Deg. Port. vol. 3.º art. 1.150.
186
Idem, art. 1.154.
A Lei Hipotecária de 1864 e a de 1890 não os consideraram direitos reais.
O Código Civil, como diz o ilustre Sr. Clovis, combinando e desenvolvendo essas
figuras jurídicas, regulou a constituição de renda, atribuindo à que recaísse sobre imóveis o
O Sr. João Luiz Alves observa no comentário ao art. 1.424 que a redação do artigo
foi alterada, emendando-se a frase — ―tempo determinado ou não‖ — para suprimir estas
Isto, porém, não influi sobre a inteligência que se lhe deve dar, porque o prazo
embora determinado, pode ter data certa ou incerta. Certo quando se fixa uma data
conhecida, incerto quando depende de um elemento que embora certo, não se pode de
Quer num, quer noutro caso, se a coisa entregue à parte obrigada for um imóvel o
contrato tem de ser transcrito, em virtude do art. 1.426 para que se opere a transferência do
domínio.
Diferem, porém, os dois casos, porque a constituição de renda, sem vínculo real, dá
ao credor o direito de cobrar a renda só da parte obrigada pelo contrato, ou seus sucessores;
quando toma o caráter de direito real, o credor pode exigi-la de quem adquira, por qualquer
da renda. No simples contrato o prazo é o das ações pessoais — 30 anos; no direito real é o
prédio sujeito a constituição de renda (arts. 1.424 a 1.431), aplicar-se-á em constituir outra
seguro.
Art. 751. O imóvel sujeito a prestações de renda pode ser resgatado, pagando o
devedor um capital em espécie, cujo rendimento, calculado pela taxa legal dos juros,
da renda tem preferência aos outros credores para haver o capital indicado no artigo
antecedente.‖
dando ao credor o direito de excutir o imóvel, quando não cumprida a obrigação, para do
valor separar um capital, que ao juro legal, produza a renda devida; e ao devedor o de
resgatar o imóvel, pagando ao credor um capital nessas mesmas condições. A esse capital
recebido no caso de indenização da coisa gravada, por ter sido desapropriada, ou em virtude
real que grava o imóvel, o adquirente está obrigado a satisfazê-la, mesmo vencida antes de
aquisição, ficando-lhe salvo nesse caso o direito regressivo contra o alienante, para reaver o
―Art. 753. A renda constituída por disposição de última vontade começa a ter efeito
desde a morte do constituinte, mas não valerá contra terceiros adquirentes, enquanto não
Art. 754. No caso de transmissão do prédio gravado a muitos sucessores, o ônus real
Nos primitivos tempos de Roma, a garantia só poderia ter sido toda pessoal. A terra
então abundava, a riqueza, aliás, muito relativa, de poucos, era representada principalmente
pelo gozo abusivo das terras de domínio público, a grande maioria era de pobres
trabalhadores e pastores.
terras?
Era natural, portanto, que o devedor respondesse com a sua pessoa pelo
cumprimento das obrigações contraídas, e se os seus bens por elas respondiam, era isso
uma conseqüência do direito que o credor tinha sobre a pessoa do devedor, pois era regra
O devedor que não pagava a dívida era carregado de ferros, mal alimentado e, se
ninguém por ele pagava, era vendido do outro lado do Tibre para libertar a cidade do
espetáculo miserável de um devedor insolvente, caso não preferisse o credor matá-lo, como
A Lei Petila Papiria de nexis foi que modificou esse sistema declarando que não o
corpo do devedor, mas seus bens é que respondiam pelas dívidas, e só quem cometesse
delito, poderia ser posto a ferros ou amarrado, e enquanto durasse a condenação. Livres
ficaram os devedores de serem acorrentados, mas os credores poderiam levá-los para casa
afrouxamento dos laços que prendiam os indivíduos à família, à tribu, à gens, e talvez ainda
o desaparecimento das antigas virtudes, foi tornando cada vez menos fácil conseguir que
Se por esse modo se facilitava conseguir quem se obrigasse como fiador, também
por sua vez se minorava a garantia, que outrora ofereciam os sponsores, e fideipromissores.
obrigação, eram cada vez menos freqüentes, graças à missão de equidade desempenhada
pelos pretores, que foram introduzindo novas formas de tornar efetiva a solução das dívidas
pelos bens do devedor, dando ao credor a posse desses bens (missio in possessionem) como
esse modo de tornar efetivo o pagamento das dívidas pela posse e venda de todos os bens,
vem juntar-se o penhor judicial (pignus judiciale) pelo qual o magistrado, por meio dos
começando pelos móveis, passando em seguida aos imóveis e concluindo pelos créditos.
Não satisfazendo o devedor a dívida, cada coisa embargada era vendida separadamente
podia deixar de influir sobre os credores, que procuravam apenas garantir o seu reembolso
real.
O valor das coisas estava já muito longe de ser o valor ínfimo primitivo, pois muito
devedor, que os podia alienar; além da garantia estar sujeita à diminuição pelo acréscimo de
obrigações posteriores.
Procurou-se o meio de fazer com que certos bens ficassem sujeitos ao cumprimento
Mas, como observa Jourdan187, o Direito Romano conheceu desde sua origem um
certo número de direitos reais e de direitos pessoais, que não podiam nascer, extinguir-se ou
transferir-se, senão nas formas e nas condições rigorosamente determinadas pela lei.
Quer-se estabelecer, organizar uma nova relação jurídica; não basta que a coisa seja
boa em si, útil ou necessária, o que se precisa é encontrar o mecanismo, de que se lance
mão para chegar ao fim desejado. Recorre-se ao arsenal dos processos do velho direito
187
Études de droit romain: l'hypothèque, exposition historique et dogmatique, explication des
textes. Intr., p. 15.
Como poderá, portanto, o credor conseguir a garantia real que substitua a pessoal?
Uma ação direta sobre uma coisa do devedor, em vez da ação pessoal contra ele? Os
direitos que dão ação real são: — o domínio quiritário, o direito hereditário e a servidão.
a propriedade de uma coisa sua, mas, uma vez solvida a obrigação, o credor lhe deveria
restituir.
A esse resultado se chegou com o contrato pelo qual o devedor, que dava ao credor
uma coisa em garantia, lhe transferia o domínio pela mancipatio ou cessio in jure, mas com
assim como o contrato real de depósito foi se substituindo à fiducia contracta cum amico, o
inconvenientes.
O devedor perdia a coisa, qualquer que fosse o seu valor, se não pagasse a dívida,
apenas de uma ação pessoal contra o credor, se este se tornasse insolvente, o seu prejuízo
era certo.
188
Jourdan. Ob. cit., Capítulo IX.
Além disso ficava o devedor privado da coisa e seus frutos.
lhe os frutos e os utilizando, não dificultasse ao credor tornar efetiva a satisfação de seu
mancipatio e pela in fure cessio, e embora o rigor desse direito se tivesse ido abrandando
sob a influência do direito das gentes, derivada do comércio e das relações com os
estrangeiros, cada vez mais repetidas e mais importantes, ainda assim por esse direito, as
coisas que estavam apenas in bonis, embora se transferindo com maior simplicidade,
Foi o direito pretório que deu o meio de vencer a dificuldade. Era esse direito que
por seus meios artificiais sancionava os costumes oriundos das necessidades de novas
instituições, que iam surgindo ao lado das antigas, e lhes clava a vida do direito escrito.
prédio rústico um simples meio de entrar na posse dos móveis, que o colono trouxesse para
o prédio, no caso de impontualidade, e criando uma in, rem actio, para o locador poder
reivindicar os objetos retirados do prédio arrendado, como o poderia no caso da fidúcia, foi
quem assentou o precedente, que teria de servir de base ao desenvolvimento do direito real
da hipoteca.
poderiam dirigir a sua ação contra quem quer que a detivesse e obter a satisfação do seu
crédito.
A diferença entre o penhor e a hipoteca era que, ao passo que no penhor se dava a
tradição das coisas moveis e a posse das imóveis, na hipoteca o direito real ficava
―Proprie pignus dicimus quod ad creditorem transit, hypotheca, cum non transit,
Indiferente era que as coisas dadas em garantia fossem móveis ou imóveis, por
que os dois contratos só se diferenciavam no nome;191 o que era verdade quanto aos efeitos,
pela natureza dos bens, que faziam seu objeto. E uma vez que a hipoteca como direito real
importava na seqüela, nos países em que o direito germânico tivera influência mais
acentuada, só os imóveis podiam ser seu objeto; porque o direito germânico não permitia
189
Mainz Droit Romain I - 239.
190
Ulpiano. Livro 9, § 2.º - De pignoraticia actione vel contra.
191
Inter pignus autem et hypothecam tantum sonus differt (§ 1.º do Livro 6, título 1.º, L.º 20
Digesto)
seqüela a respeito de móveis, salvo o caso de perda ou furto.
No Fuero Juzgo, lei comum aos visigodos e romanos, não se encontra referência à
hipoteca, e só se trata do penhor, pignus nos códigos em latim, penno nos de língua
romance.
mesmo título, estão longe de formar um sistema e ostentar a riqueza jurídica do Direito
Justiniano.192
mesmo o mais certo que tais bens fossem dele suscetíveis, como o eram por Direito
Não há uma palavra sobre hipoteca, e apenas referência ao contrato em que a coisa é
entregue ao credor.
Em Portugal desde que foi ele desmembrado da coroa ovieto lionense até à
fundação da monarquia, o direito havia de ser esse mesmo, pois as lutas, que ali
192
La Ley Hyp. — Inst. Hist. — p. 37.
Com o renascimento do Direito Romano, recupera ele sua influência; e suas regras
Partidas, nas quais embora muito tivesse tomado daquele Direito, não se encontra o termo
hipoteca.193
que a coisa passaria com o encargo, podendo o credor demandar o possuidor para que lhe
A Lei de 20.06.1774, relaciona-se com a Ord. do Livro 3, Título 91, que revogou, e
só se ocupa das preferências; de sorte que até a Lei 1.334, de setembro de 1864, podiam
entre nós ser objeto de hipoteca tanto as coisas móveis como as imóveis.
―Art. 755. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, a coisa dada em
Art. 756. Só aquele que pode alienar, poderá hipotecar, dar em anticrese, ou
empenhar. Só as coisas que se podem alienar poderão ser dadas em penhor, anticrese ou
hipoteca.
193
Peño es propriamente aquella cosa que um home empeña á outro apoderandol della, et
mayormente quando es mueble; mas segunt el largo entendimiento de la ley, toda cosa quer sea
mueble o raiz que es empeñada á outro puede ser dicha peño, maguer non fuese entregada della
aquel á quien la empeñassem (Part. V., Tít. XIII, L. I).
reais estabelecidas por quem possuía a coisa a título de proprietário.
Art. 757. A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em
garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode
individualmente dar em garantia real a parte que tiver, se for divisível a coisa, e só a
―Art. 760. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a
dívida não for paga. Extingue-se, porém, esse direito, decorridos trinta anos do dia da
transcrição.‖
O art. 755 confirma a disposição do art. 674, VII, VIII e IX. O penhor, a anticrese
e a hipoteca são direitos reais; o que quer dizer, como vimos, que é um direito absoluto, que
qualquer dos casos ficam sujeitas ao cumprimento da obrigação, mesmo quando, tendo o
anticrese, para o que o art. 760 lhe confere o direito de retenção, ou pelo preço da coisa,
756, já foi dito o suficiente no Capítulo VI, Título V, e quanto à disposição do art. 757,
exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo
disposição expressa no título, ou na quitação.‖
hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo.
Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remissão fica sub-rogado nos
É precisamente o caso do art. 758. Como é uma simples determinação legal, e não é
Romano e tradicional em nosso direito; de sorte que, paga uma parte da dívida garantida
194
Direito das Coisas, vol. II, § 130.
por mais de um imóvel, não pode o devedor pretender que o vínculo seja reduzido à parte
dos bens.
deles a parte proporcional à sua quota, nenhum direito tem de exigir que fique remida
parcialmente a garantia.
Dividido por sua vez o crédito garantido, pelos herdeiros do credor, o imóvel ou
imóveis respondem integralmente pela parte de cada um, só se extinguindo o vínculo com o
trabalhador agrícola, afim de ser pago pelo produto da colheita para a qual houver
pelo parágrafo único do art. 759 do Código Civil aos créditos por salário dos trabalhadores
agrícolas.‖
Os credores garantidos por um direito real têm o direito de excutir a coisa gravada,
para alcançar o fim de se pagarem pelo seu valor, com exclusão dos demais credores, que
não tenham igual ou melhor direito. A essa prerrogativa conferida ao credor de excluir os
primeiro se exerce sobre a coisa e interessa aos credores em suas relações com os
adquirentes dos imóveis gravados, o segundo se exerce sobre o preço e diz respeito às
―Art. 761. Os contratos de penhor, anticrese e hipoteca declararão, sob pena de não
195
P. Pons. Des. Priv. et Hyp. nº 251.
O Código estendeu expressamente a todos os direitos reais de garantia o princípio
da especialidade, exigindo ainda a declaração do prazo, sob pena de não gerarem tais
contratos nem hipoteca, nem penhor, nem anticrese, pois a isso equivale privá-los de
Ou esses direitos existem, e têm de valer contra todos, porque são direitos reais, ou
Há simples contratos de onde decorrem direitos pessoais, mas não se pode falar em
direito real de garantia, onde não há direito de preferência que, como há pouco se viu, diz
Não havendo direito real, os contratos, que não satisfizerem aos requisitos do art.
761, não podem ser admitidos a Registro; salvo ao relativo à taxa de juros, que se reputará
não existir.
objeto, assim como o valor da responsabilidade a que serve de garantia, para, com
É de notar-se que se por um lado interessa aos terceiros, por outro também aproveita
imóvel, em bem do seu crédito, fazendo novos contratos, se o valor chegar para cobrir
novas responsabilidades.
196
P. Pons ob. cit. n. 323.
―Art. 765. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrédito ou
hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.‖
Troplong.
Essa cláusula era, entre os romanos, permitida em todos os contratos; mas por causa
dos abusos sempre crescentes, dela se valendo os credores para se apoderarem a ínfimo
preço das coisas, que serviam de garantia às dívidas, o imperador Constantino a proibiu nos
contratos de penhor.197
contratos, como vimos, quando tratamos da compra e venda, expressamente o proibe nos
contratos de garantia.
197
Quoniam intes alias captiones prœcipue commissoriœ (pignorum) legis crescit asperitas,
placet infirmari eam, et in posterum omnem ejus memoriam aboleri: Si quis igitur tali contractu
laborat, hac sanctione respiret, quœ cum preteritis prœseutia quoque repellit, et futura probibet.
(Código L. VIII, Tít. 25, L. 3)
Título VII - Penhor agrícola
expressamente incluiu os produtos espontâneos do solo entre os que podem ser objeto do
penhor agrícola, o que a jurisprudência, sob o regime do Dec. 370, não admitia.
Estado, o Sr. Visconde de Ouro Preto, a respeito do prazo de 2 anos estipulado no art. 107
―A ninguém favorece mais o crédito, nem há quem mais necessite do seu adjutório
do que o pequeno lavrador, que, de posse de modesto sítio, e munido dos instrumentos
próprios para lavrá-lo, derruba a mata, levanta a rude choupana e lança à terra a
sementeira.‖
própria subsistência para o segundo, no qual, aliás, forçosamente terá de saldar o débito
―Art. 783. Se o prédio estiver hipotecado, não se poderá, pena de nulidade, sobre ele
constituir penhor agrícola, sem anuência do credor hipotecário, por este dada no próprio
O Sr. João Luiz Alves comentando esse artigo, que encerra exigência não feita pelo
O penhor agrícola visa os frutos depois de colhidos, e sobre estes nenhum direito
tem o credor por hipoteca não vencida, por isso nenhuma necessidade devia haver do seu
198
Crédito móvel pelo penhor e o bilhete de mercadori. Introdução, p. XVII.
E se antes de vencido o penhor, se excutisse a hipoteca, a prioridade determinaria a
com a maior precisão, particularizando, o lugar onde se achem, e o destino, que tiverem.‖
Parágrafo único. Esta substituição presume-se, mas não valerá contra terceiros, se
terceiros.‖
O Código Civil destaca, nos arts. 784 a 788, o penhor pecuário, que fica
seja, em fazenda de criação, ou em trânsito, para ser vendido nos grandes entrepostos.
penhor desfalcado.
I - Extinguindo-se a obrigação.
II - Perecendo a coisa.
pelo credor.‖
título mereceu a censura do Sr. Vieira Ferreira, porque esse direito não pode assistir ao
A essa crítica opõe o ilustre autor do Projeto a sua autorizada opinião,200 declarando
que o direito é conferido ao adquirente que, exibindo seu título, provar a extinção do
199
Trabalhos da Comissão Especial do Senado. Vol. III, p. 121.
200
Código Civil. Vol. 3.º, obs. 2 do art. 801.
penhor, ou seja porque o instrumento de aquisição autorize o cancelamento, ou, no caso de
sucessão, porque haja justa causa para resolver-se o penhor da coisa que ao herdeiro tenha
sido transferida.
Título VIII - Anticrese
obrigado a prestar contas, imputava-os à conta dos juros devidos, e o excedente à conta do
capital.
O devedor de uma quantia podia em troca entregar ao credor uma coisa frugífera,
de anticrese; obrigado sempre o credor a prestar contas, para compensar os juros, com os
frutos ou rendimentos de um imóvel, que para esse fim lhe é entregue, levando-os em conta
―Art. 805. Pode o devedor, ou outrem por ele, entregando ao credor um imóvel,
201
Études de droit romain: l'hypothèque, exposition historique et dogmatique, explication des
textes. 2.ª P.te, Secc. V, Capítulo XLI.
§ 2.º O imóvel hipotecado pode ser dado em anticrese pelo devedor, ao credor
hipotecário, assim como o imóvel sujeito a anticrese pode ser hipotecado pelo devedor ao
credor anticrético.‖
Desses dispositivos se vê que a anticrese só tem por objeto coisa imóvel. Que os
conta de juros.
capital.
Do § 2.º poder-se-ia inferir que o imóvel sujeito a um dos dois direitos reais de
garantia, anticrese ou hipoteca, não poderia ser objeto de outro contrato senão em favor do
mesmo credor. A conclusão é, porém, inadmissível diante da disposição do art. 805; além
―Art. 760. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a
dívida, não for paga. Extingue-se, porém, esse direito, decorridos trinta anos do dia da
transcrição.‖
―Art. 808. O credor anticrético pode reivindicar seus direitos contra o adquirente do
§ 1.º Se porém, executar o imóvel por não pagamento da dívida, ou permitir que
outro credor o execute, sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, não terá
versa sobre os frutos e não sobre o preço do imóvel; por isso desaparece, se o credor
anticresista executar, ou permitir que outrem execute, o imóvel gravado; assim como no
circunscrição a que pertence o imóvel (art. 861 do Código), e se o imóvel pertencer a mais
Oficial do Registro competente, que transcreva o seu título. Não há prazo legal para o
pedido, que pode ser verbal e feito pelas partes, seus representantes, ou quem por eles
compareça mesmo sem procuração, ou ainda por quem tenha interesse na transcrição (art.
modelos vão no apêndice, perfeitamente iguais entre si, com os requisitos indispensáveis à
transcrição e na ordem em que a lei os exige (art. 50, §§ 1.º e 2.°, do Regulamento citado).
particular fique depositado no arquivo do Registro, onde possa ser examinado, se, de
da organização do Registro e ordem do serviço, que deverá formar a última parte deste
caráter de simples prenotação, válida dentro de certo prazo, quando houvesse impostos a
irregularidade, isto é, tendo sido procedente a dúvida, cancelará a apresentação, para efetuar
citado).
encontrando faltas nas formas extrínsecas, avisará ao apresentante para saná-las durante o
prazo de vigência da nota de apresentação (30 dias) (art. 19 da nova edição da Lei
Hipotecária, de 16.12.1909).
feita sem o prévio pagamento dos impostos devidos; mas que isso não obsta ao lançamento
retrotraindo, porém, a inscrição à data da apresentação, se feita nos 30 dias de sua vigência
Os extratos
A propósito da inscrição das hipotecas, opinaram os Srs. Clovis e Azevedo
Marques, que o Código Civil havia abolido os extratos, uma vez que a eles não se referiam.
Código Civil, e não havendo este expressamente abolido os extratos, é mais de supor-se que
não tenha pretendido alterar o modo por que estava organizado o serviço, tendo deixado às
Não que pugnemos pela manutenção dos extratos, que a nosso ver, não passam de
inutilidade burocrática, cuja única serventia é pejar os cartórios, e fornecer pasto às traças.
Em França, onde eles só existem para a inscrição das hipotecas, a sua função não é
370; mas se o título for insuficiente não se pode suprir pelo extrato, porque então deixaria
Como se acaba de ver, nem sequer servem os extratos para por eles se verificar os
será suprida pelo título, de modo que entre a transcrição e os extratos é possível
divergência.
certificado que fosse a cópia fiel da transcrição efetuada, o qual serviria para os
interessados verificarem qualquer lacuna, habilitando-os a providenciar sobre a necessária
retificação.
apresentação e a da transcrição.
Dúvida
Pode acontecer que o instrumento apresentado não esteja revestido das solenidades
externas; que dos livros do Registro, conste pertencer o imóvel à pessoa diversa da que
outorga o direito; que haja cláusula de inalienabilidade; enfim que tenha o Oficial motivo
cuja jurisdição se achar o ofício do Registro202 e, juntando o título com a dúvida ao seu
202
Nesta Capital é o da 1.ª Vara Cível.
Se esta for julgada improcedente apresentará de novo o interessado o título e
[...]
§ 1.º O título.
§ 2.º O extrato do mesmo título em duplicata, contendo todos os requisitos, que para
a inscrição ou transcrição este regulamento exige, e pela mesma ordem em que se exigem.
Estes extratos serão assinados pela parte ou por seu advogado ou procurador.
Art. 51. Sempre que o título apresentado for escrito particular, no caso em que é
Art. 52. Sendo os extratos conformes um ao outro, além de suficientes (art. 50), o
Art. 53. Se, porém, os extratos, conformes entre si, não forem suficientes, o Oficial
[...]
declaração da dúvida que achou, para que ela possa recorrer ao juiz de direito.203
203
Art. 834 do CC.
Quando o Oficial tiver dúvida sobre a legalidade da inscrição requerida, declara-la-á por
escrito ao requerente, depois de mencionar, em forma de prenotação, o pedido no respectivo livro.
Art. 67. Neste caso, o Oficial, na coluna das anotações do Protocolo, certificará que
o Registro ficou adiado pela dúvida que ele achou no título, e que resumidamente
especificará.
requererá ao juiz de direito que, não obstante ela, mande proceder ao Registro.
Art. 69. Decidindo o juiz de direito que a dúvida procede, o escrivão do juiz de
na coluna das anotações, que a dúvida foi considerada procedente por despacho de tal dia, e
Art. 70. Sendo a dúvida improcedente, a parte apresentará de novo o seu título, com
na coluna das anotações, que a dúvida se houve como improcedente por despacho do juiz
Art. 71. Pela forma determinada nos artigos antecedentes procederá o Oficial, quer
o título lhe pareça nulo, quer lhe pareça falso, ou sobre ele ocorra qualquer dúvida, de
modo que fique sempre salvo o número de ordem, que ao título compita, o qual só se
[...]
Art. 74. Não são admissíveis, para os atos do Registro, senão os títulos seguintes:
Art. 835. Se a dúvida, dentro em 30 dias, for julgada improcedente, a inscrição far-se-á com o
mesmo número que teria na data da prenotação. No caso contrário, desprezada esta, receberá a
inscrição o número correspondente à data em que se tornar a requerer.
§ 2.º Os escritos particulares assinados pelas partes, que neles figurarem,
reconhecidos pelos Oficiais do Registro e selados com o selo competente. (art. 8.º do
Decreto)
[...]
Art. 206. Se o título for de transmissão do imóvel com o pacto adjeto de hipoteca
[...]
requisitos:
§ 2.º Data.
§ 4.º Denominação do imóvel, se for rural, menção da rua e número dele, se for
urbano.
§ 2.º Data.
§ 4.º Denominação do imóvel, se for rural, menção da rua e número dele, se for
urbano.
§ 7.º O ônus.
§ 9.º Averbações.
penhor.
Art. 247. A transcrição será requerida e feita pela forma determinada no art. 40 e
Art. 248. Quando as partes, além da transcrição pela forma determinada nos arts.
245 e 246, quiserem a transcrição verbo ad verbum, esta se fará pela forma determinada no
art. 29.
[...]
dependerem de condições, estas se não haverão por cumpridas, ou resolvidas para com
[...]
Art. 253. São radicalmente nulas as transcrições, que não contiverem os requisitos
dos arts. 245 e 246, com exceção dos §§ 1.º, 2.º e 4.º dos mesmos artigos.
Art. 254. As sobreditas nulidades não podem ser relevadas, ainda que os extratos
sejam suficientes.
[...]
imóveis, haverá duas transcrições, com referência recíproca e números de ordem seguidos
Denominação do imóvel (se for rural) ou rua e n. (se for urbano): — ........................
Forma do título e nome do Tabelião que o fez: (Se for escritura pública. Sendo carta
de sentença, o nome do Juiz que assina e do Exmo. que a subscreve. E assim em cada caso).
Denominação do imóvel (se for rural) rua e n. (se for urbano): — ...................
Título do Ônus: – (Atenda-se ao que se disse sobre a forma do título no extrato para
transcrição de transmissão).
Averbações: — ........................................................................................................
vem de novo publicada no começo deste trabalho, onde afirmamos que o número de livros
do nosso Registro de Imóveis podia ser reduzido e organizada a sua escrita de modo a
Para que possa cada um por si mesmo avaliar da reforma a introduzir, damos
folha corresponderá um imóvel, dela constando todos os atos que o possam afetar.
E ANTICRESES REAIS
N. 1 N. 1 N. 1 N. 1 N. 1
O prédio é de Por escritura de.......... Por escritura de.... O imóvel está gravado O imóvel está gravado
propriedade de Pedro. de.................... de 19... de.............. de 19.... em por usufruto em favor com a cláusula de
..., que o adquiriu por em notas do notas do Tabelião.... de Pedro, nos termos inalienabilidade em
compra feita a João ..., Tabelião..... foi este Pedro mediante o preço da verba nº 2 da coluna virtude dos termos com
conforme a transcrição imóvel hipotecado por de...$.... constituiu uma de aquisições. que foi feita a doação,
feita no Lº 3. ... sob nº Pedro a Ticio para servidão em favor do Rio.... de................ de constante da verba nº 3
de 19... O Oficial......... da quantia de...$... que propriedade de Mario, O Oficial..................... ―Aquisições‖. Rio.....
de......... de 19... em obrigando-se a pagá-la janelas, dando para o Extinto o usufruto, a Oficial...........................
notas de Tabelião... no prazo de 1 ano. terreno deste imóvel. que se refere a verba nº
Pedro doou a Paulo A dívida vence os juros Rio......... de.............. 1 desta coluna, por
N. 3 de 19... 19...
de......................... de Oficial........................
19.... em notas do
O ......................... de 19
Oficial......................... .....
O Oficial