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PEDRO DEMO INTRODUGAO A METODOLOGIA DA CIENCIA objetividade etc. Outra vertente 6 aquela fillada a sociologia do conhe- cimento, que acentua mais 0 débito social da ciéncia, sem no entanto desprezar a outra. Trata-se apenas de uma acentuagdo preferencial, @ por isto néo pode, em hipétese alguma, substituir a outra. Neste sentido, dizemos aqui com toda a clareza possivel que este trabalho 6 uma proposta de discussdo do problema metodolégico, calcado mais na ética da sociologia do conhecimento do que na da teoria do conhe- Cimento, e que ndo levanta a pretensdo de ser tinica e muito menos de desconhecer outras propostas, principalmente aquelas mais ligadas ‘aos procedimentos légicos e epistemolégicos. O que realmente interessa é a pesquisa. Esta 6 a maior finalidade basica da ciéncia. A metodoloaia 6 somente instrumento para chegar- mos |é. Discutimos os caminhos possiveis, os ja vigentes, os que poderiamos inventar, os discutiveis, os que j4 se superaram, e assim por diante, Nao vale a pena entreter-se de tal modo com questdes metodoldgicas que ndo cheguemos a fazer a pesquisa. Assim, mais importante que botar defeito metodolégico em tudo ¢ fazer a pesquisa, ou seja, pér-se & construcdo das ciéncias socials. Como em tudo na vida, a ciéncia ndo ¢ ensinada totalmente, Porque néo é apenas técnica. € iqualmente uma arte. E na arte vale a maxima: € preciso aprender a técnica, para termos base suficiente; mas néo se pode sacrificar a criatividade & técnica; vale precisamente © contrério; o bom artista é aquele que superou os condicionamentos da técnica 'e voa sozinho. Quem segue excessivamente as técnicas, seré por certo mediocre, porquanto onde hé demasiada ordem, nada se cria E importante mantermos esse alerta. As sugestdes metodolégicas, ‘0 importantes @ medida que favorecem a criagdo da pesquisa. Nao devem passar & finalidade em si, exceto se for 0 caso de um metodé- logo profissional. A inestimavel contribuicgo da metodologia para a formagao cientifica pode abortar, se tornar-se obsessdo de quem apenas constréi caminhos, mas nao chega a nada. O cientista criativo € tanto capaz de fazer um trabalho “como manda 0 figurino”, formal, dentro da ordenagao prevista, como é capaz de comecar pelo fim, de no citar ninguém, de afirmar 0 contrério do que todo o mundo espera, de buscar espagos ilégicos para a invengao etc. 1.4, 0 QUE E PESQUISA? A atividede basica da ciéncia € a pesquisa. Esta afirmacéo pode estranhar, porque temos Mmuitas vezes a idéia de que ciéncia se concentra na atividade de transmitir conhecimento (docéncia) e de Sole fee ite et il, i "a Aton Maa — 22 absorvé-la (discéncia). Na verdade, tal atividade 6 subseqiiente, Antes existe 0 fendmeno fundamental da gerago do conhecimento,’ Pesquisa 6 a atividade cientifica pela qual descobrimos a reall- dade. Partimos do pressuposto de que a realidade ndo se desvenda na superficie. Nao 6 0 que aparenta & primeira vista. Ademais, nossos esquemas explicativos nunca esgotam a realidade, porque esta é mais exuberante que aqueles. A partir daf, imaginamos que sempre existe 0 que descobrir na realidade, equivalendo isto a aceitar que @ pesquisa é um proceso intermindvel, intrinsecamente processual. € um fendmeno de aproxi- mages sucessivas e nunca esgotado, no uma situacéo definitiva, diante da qual j4 néo haveria o que descobrir. Para fins de classificagao, distinguimos quatro linhas bésicas de pesquisa: a tedrica, a metodolégica, a empirica e a prética. a) A pesquisa tedrica & aquela que monta e desvenda quadros tedricos de referéncia. Nao existe pesquisa puramente tedrica, que jé seria mera especulacdo. Mera especulacao é a reflexio aérea subjetiva, & revelia da realidade, algo que um colega cientista ndo poderia refazer ou controlar. Nao combatemos a especulagdo, porque a divagagso tedrica pode ter faces criativas e constituir-se em exercicio de reflexao vélido. Combatemos somente a especulacdo pela especulacgo, que é viver no mundo da lua, como se a realidade fosse um jogo de Idéias. ‘A discussdo, por exemplo, de uma definic&o conceitual — digamos do conceito de mais-valia do'marxismo, de normalidade psiquica no freudismo, de racionalidade economica — 6 uma forma possivel de pesquisa tedrica, de grande relevancia para a formagao clentifica. Na verdade, sua importancia esté na formagao de quadros tedricos de referéncia, que s40 contextos essenciais para 0 pesquisador movi- mentar-se. Alguns procedimentos so fundamentais para a formagao de um quadro tedrico de referéncia. Um primeiro pode ser 0 dominio dos cléssicos de determinada disciplina. Eles trazem a acumulacdo jé feita de conhecimento, as polémicas vigentes, a cristalizacao de certas préticas de investigacao, o ambiente atual da discusséo em torn do assunto, e assim por diante. © conhecimento criativo dos classicos — nao a mera leitura passiva ou a de discipulo ingénuo — 6 uma das formas mais comuns de pesquisa teérica. {Gt0), 1 Oaltong, Teorey Moiodos deo Tovesigcion Sota, 2. (elora 6k Unierstade Bterce"Are, HE. W. Geode e PK: Hat, Maden’ em Pesqlce Social (Nacional Outro procedimento 6 0 dominio da bibliografia fundamental, através da qual tomamos conhecimento da produgéo existente; pode- mos aceité-la, rejeité-la e com ela dialogar criticamente. Sobretudo em ciéncias sociais a leitura bibliografica é vital, porque, mais do que resultados jé obtidos, temos discussdes interminaveis, que s6 conse- guimos acompanher pela leitura assidua. O dominio dos autores pode ajudar muito a criatividade do cientista, porque através deles chega a saber 0 que dé certo, 0 que nao deu certo, o que poderia dar certo, e assim por diante. Outro procedimento é a verve critica, através da qual instala-se a discussao aberta como caminho basico do crescimento cientifico. O bom tedrico nao 6 tanto quem acumulou erudigao tedrica, leu muito e sabe citar, mas principalmente quem tem visao critica da producao cientifica, com vistas a produzir em si uma personalidade propria, que anda com os préprios pés. E mau tedrico quem nao passa do discipulo, do colecionador de citagoes, do repetidor de teorias alheias. Boa bagagem teérica significa, assim, néo somente dominio das teorias mais importantes em sua rea de pesquisa, mas principal e eevenoialmonte capasidads toérioa prépria. Ou ooja, porsonalidado tedtica formada, no sentido de dialogar com os outros tedricos, atuais ou clissicos, ndo como mero aprendiz ou discfpulo, mas como alguém que também constréi teoria, tem suas posigies teéricas fir- madas, enfrenta polémicas préprias, marca a historia da disciplina com contribuigées originals. A falta de quadro teérico de referéncia traduz imediatamente um trago tipico da mediocridade cientifica, porque a pessoa ndo dispée de material de discusséo, seja retirado de outros autores. seja proposto por si mesma. O confronto teérico critica é condigéo fundamental de aprofundamento da pesquisa para se superar niveis apenas descri- tivos, repetitivos, dispersivos e apresentar penetragdes originais. A teoria faz mal somente quando se encerra em si mesma e passa a ser um castelo no ar. Pode ser, por exemplo, 0 caso de alguém que pratica uma docéncia sem pesquisa. Se pensarmos bem, ndo se tem nada a ensinar, se néo tivermos construido algo através da pesquisa. Nao existindo a pesquisa, o professor torna-se um mero repetidor de textos ¢ de idéias dos outros. Conta para os alunos o que leu por ai. Seré somente um transmissor de conhecimentos. Ndo € propria- mente um cientista, ou seja, um construtor do saber. Muitas vezes temos da cliéncia esta visio estereotipada, quando @ entendemos como transmisséo de conhecimento alheio. Ha univer- sidades que somente fazem isso. Nao sao, pols, universidades, porque Para tanto néo as previsamus. Os meius mudernus de vurmuniicayao transmitem conhecimento, hoje, de forma mais efetiva e atraente. 24 Inculca-se no estudante, igualmente, a mesma mentalidade, a saber, do receptor passivo que acumula mimeticamente conhecimento alheio. Nao sabe descobrir a realidade, somente vé-la com éculos ‘emprestados. A verdadeira tarefa docente 6 a de transmitir 0 compro- misso com a pesquisa, buscando produzir construtores do saber. b) A pesquisa metodolégica nao se refere diretamente & reali- dade, mas aos instrumentos de captacéo e manipulacdo dela. Para muitos seré estranho imaginat uma pesquisa metodolégica, porque no € usual colocar as coisas assim. Cremos, no entanto, que é funda- mental estabelecer a importancia da construgao metodolégica, porque no hd amadurecimento cientifico sem amadurecimento metodolégico, Construir ciéncia 6 em parte 0 cultivo de uma atitude tipica diante da realidade, da atitude de davida, de critica, de indagacao, rodeada de culdados' para nao sermos ingénuos, crédulos, apressados. Tudo isto 6 questdo metodolégica. Perquirir tals caminhos pode ser devaneio digressivo, especulag3o desenfreada; mas pode ser condigéo funda- mental para desabrocharmos nossa opgao tedrica e prética diante da ciéncia. A falta de reflexéo metodolégica traduz também, imediatamente, ‘um tipo de mediocridade cientifica que 6 a crenga em evidéncias dadas. A ciéncia comega precisamente ai, quando néo se reconhecem evi- déncias dadas. Problematizar as vias do conhecimento é ir em busca de outras, com vistas a um conhecimento mais realista © profundo. E muito valido, portanto, dedicar-se & discusséo sobre os caminhos seguidos pelos autores para construir suas teorias, contrastando com outros caminhos. No final buscamos a op¢ao propria metodolégica que fundamentaria nossa proposta de ciéncia. Por que dizemos que nosso modo de construir ciéncia é cientifico? Por que rejeitamos outros? Como pesquisar? Que métodos existem? E é precisamente 0 que fazemos neste trabalho. Néo 0 vemos como teorizago aérea, como especulacao solta, como sofisticagéo estranha. Pelo contrério, 6 profundamente pesquisa, porque 6 cons- trugao de propedéutica da descoberta da realidade. c) A pesquisa empirica 6 aquela voltada sobretudo para a face experimental © observavel dos fendmenos. € aquela que manipula dados, fatos concretos. Procura traduzir os resultados em dimensdes mensurdveis. Tende a ser quantitativa, na medida do possivel. Embora 0 empirico nao precise coincidir com 0 mais relevante na realidade, a pesquisa empirica desempenhou em ciéncias sociais um papel inestimével, porque trouxe 0 compromisso com afirmages controlaveis, contra especulagdes perdidas. Nao se pode negar que muitas ciéncias socials ou, pelo menos, orientacdes dentro de certas ciéncias sociais tendem a teorizagéo excessiva, sendo jé dificil dis- tinguir da filosofia, em sentido pejorativo. 25 grande valor da pesquisa empirica é o de trazer a teoria para a realidade concreta. Foi muitas vezes. abusada, e néo hé metodologia mais superficial e mediocre que 0 empirismo, porque crédulo. Acredita nna realidade que observa. Ora, as coisas mais relevantes da reali- dade nao se manifestam & primeira vista e sempre hé dimensdes refratérias & mensuragao. Se levarmos em conta somente 0 mensu- rével, ficaremos com o superficial. Mas, se soubermos usar, a dedi- cagao empirica chega a ser um remédio para as ciéncias socials. £ igualmente um erro imaginarmos que somente 6 pesquisa o que se faz empiricamente, como € hébito, sobretudo, nos Estados Unidos. Pesquisador néo é apenas quem domina técnicas de compu tador @ sabe muita estatistica ou quem acumula tabelas e indices. Nao 6 dificil encontrarmos pesquisadores empiricos perdidos no meio de dados irrelevantes, fazendo testes estatisticos sobre coisas que no tocam problemas cruciais da realidade ou apenas descrevendo fendmenos, sem os explicar. Nao obstante, por causa da pesquisa empirica avancou-se muito na produgao de técnicas de coleta e mensuragéo do dado. Constitui hoje uma parte importante de cada ciéncia social. Séo também instru mentos de controle da ideologia. 4) A pesquisa prética 6 aquela que se faz através do teste prético de possi éias ou posicdes tedricas. Certamente é uma fungé da prética testar se a teoria é fantasia, especulacdo ou se é real. Todavia, a prética tem a funcdo mais essencial de representar o lado politico ‘das ciéncias sociais. Al, a prépria omisséo é uma prética, Porquanto hé de significar o favorecimento da situacao vigente. Seja qual for a dimensdo visualizada, a prética também 6 uma forma de descobrir a realidade. Aparece muitas vezes em pessoas que somente sabem pela pratica, jé que nunca pararam para teorizar, ou sequer saberiam fazer isto de forma explicita. No cientista social é a ocasio de descortinar horizontes que ndo tinham sido percebidos na teoria ou mesmo surpresas & revelia da teoria. Freqiientemente dizemos que na prética a teoria 6 outra. Isto no quer somente dizer que pode sempre haver dissonancias entre os dois niveis, mas principalmente que um néo se faz sem outro. Nada melhor Para a teoria do que uma boa pratica e vice-versa. Os extremos também sao indesejéveis, a saber, 0 teoricismo que acaba sendo uma fuga da realidade, ou 0 ativismo que nao se contextua teoricamente. Esta parte geralmente 6 muito negligenciada na formacao cien- tifica, porque se dé peso quase exclusivo a dedicagao tedrica, sobre- tudo em ciéncias sociais. Muitas vezes, entendemos por pratica so- mente 0 estagio de significado profissionalizante. Embora isto também faga parte, pratica é sobretudo a tomada de posicdo explicita, de contetido politico, diante da realidade. 26 Tal assergéo torna-se mais compreensivel, se voltarmos a id de que as ciéncias sociais sao intrinsecamente ideolégicas, no que se distinguem profundamente das ciéncias naturais, onde a ideologia aparece extrinsecamente. Se assim é, a prética é conseqiiéncia natural do engajamento ideolégico, que todos tém, mesmo a nivel de omissio. Estas quatro formas de pesquisa ndo podem insinuar um esquema rigido. Tem mais a finalidade de nao exclusivizar a pesquisa empirica. Por mais importante que esta seja, ndo € expressao tinica de desco- berta da realidade. Ademais, chamam a atencao para o fato de que no pode haver docéncia nem discéncia efetiva sem o fundamento da pesquisa. Até mesmo a atividade de extenséo universitéria é condicio- nada pela pesquisa, embora nao decorra dela, como a docéncia. No se pode intervir adequadamente numa realidade que néo se conhece. Enfim, perguntamo-nos o que é realidade? Para muitos parece evidente a realidade. Nada mais enganoso. € precisamente o que mais ignoramos. Por isto pesquisamos, j4 que nunca dominamos a realidade. Quem imagina conhecer adequadamente a realidade, jd nao tem o que pesquisar, ou melhor, tornou-se dogmatico e deixou o espago da ciéncia. Realldade sio todas as dimensdes que compdem nossa forma do viver @ 0 espaco que a cerca. Em nosso caso, realidades sociais cir- cunscrevem-se as dimensdes sociais, tanto aquelas que estao em nés quanto aquelas que nos circundam. Fazem parte delas igualmente nossas ideologias, nossas representacdes mentais, nossos simbolos, nossas crencas e valores, bem como nosso comportamento externo e 08 condicionamentos circundantes de ordem social. Em todas estas dimensdes é possivel sempre descobrir novos horizontes do conhecimento e da prética. A realidade ndo é apenas ‘empirica, ou soja, aquela traduzida em dados observaveis. Por vezes 6 0 menos interessante dela. Cada ciéncia social dedica-se a uma faceta da realidade. € uma das formas de vé-la. Ao mesmo tempo, néo se dedicando a outras facetas, inevitavelmente deturpa a realidade, se perder de vista que 6 uma faceta entre outras. Ver a realidade apenas psicologicamente € clara deturpagéo, comum, por exemplo, em psicdlogos que ndo Percebem outra coisa no homem senéo sexo, ou em economistas que nada mais percebem do que determinacdes de ordem material, ou em antropélogos que néo véem outra coisa que mitos e ritos. Cada ciéncia social estabelece suas relevancias basicas, através das quais realiza seu modo particular de ver a realidade. Nao temos uma regra para garantirmos quantas so as principais reievancias da realidade. Algumas podem, inclusive, ser apenas. convencionais. De todas as formas, cada ciéneia social imagina estar lidando com algo nial na realidade, Serd tanto. maie importante quante Acertar 27 uma dimenséo estrutural da realidade, ou seja, uma dimensao que caracteriza a hist6ria inteira da humanidade, no uma dimenséo tépica, conjuntural, tipica apenas de certo momento histdrico. Por exemplo, a Sociologia — definida como 0 tratamento tedrico © pratico da desigualdade social — possui um objeto estrutural que faz parte do cerne de qualquer sociedade. Outras disciplinas podem ser menos densas, por estudarem objetos de estilo mals tépico, como pode ser 0 caso das ditas Ciéncias Contabeis, da Administragao, do Servico Social e que, por isto, acabam buscando sua fundamentacdo ou na Economia, ou na Sociologia, ou na Psicologia, ou na Antropologia etc. Se definimos pesquisa como o processo de descoberta cientifica da realidade, parece claro que existe por tras dela sempre algum projeto mais ou menos explicito de dominio do objeto. O conhecimento torna-se facilmente instrumento de dominacdo, jé que, conhecendo adequadamente 0 objeto, poderiamos manipulé-lo a nosso favor, seja no sentido de produzirmos condigées mais favordveis de existéncia humana, seja, sobretudo, no sentido de encontrarmos novos instru- mentos de consolidagéo de grupos dominantes. Sem desmerecer a possi de de uma ciéncia por amor a arte, sendo produto também social, nao hé como isenté-la dos interesses sociais. A ciéncia néo trata qualquer coisa; trata principalmente o que interessa. E sempre também reflexo do poder e das necessidades sociais. 28

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