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BILÍNGUE E INTERCULTURAL
FRANCISCO EDVIGES ALBUQUERQUE • ORGANIZADOR
FRANCISCO EDVIGES ALBUQUERQUE
ORGANIZADOR
A EDUCAÇÃO ESCOLAR APINAYÉ NA PERSPECTIVA
BILÍNGUE E INTERCULTURAL
Reitor: Alan Barbiero
Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários - PROEX: Marluce Zacariotti
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPESQ: Márcio Antônio da Silveira
Diretor do Campus de Araguaína: Luiz Eduardo Bovolato
Coordenação do Projeto de Educação Escolar Apinajé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural:
Francisco Edviges Albuquerque
Diretor de Educação Básica Presencial/DEB/CAPES: João Carlos Teatini
Coordenação Geral da CGC/DEB/CAPES/MEC: Carmem Moreira de Castro Neves
Coordenadora de Fomento da CGC/DEB/CAPES: Fernanda Litvin Villas Boas
Equipe Técnica/CAPES: Carine Pereira Mariani, Janaina Cássia Carvalho e Sílvia Helena Rodigues
Coordenação Regional/FUNAI/ Palmas: Cleso Fernandes de Moraes
Chefe do NPPDS
FUNAI/ Palmas: Corina Maria Rodrigues Costa
Coordenação Técnica da FUNAI/ Tocantinópolis: Josevan da Cruz Vilanova
Diretoria de Educação Indígena e Diversidade/SEDUC/TO: Maximiano Bezerra
Supervisor Pedagógico Indígena / DERET / Tocantinópolis: João Joviano de Medeiros Neto
Comissão Técnica
ISBN 978-85-7103-722-9
Todos os direitos reservados aos autores: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio
de processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fono-
gráficos, videográficos, internet, notebook. A violação dos direitos autorais é punível como crime
(art. 184 e parágrafos, do Código Penal, cf. Lei nº 6.895, de 17/12/80) com pena de prisão e multa,
conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (art. 102, 103 parágrafo único, 104,
105, 106 e 107 itens 1, 2 e 3 da Lei nº 9.610 de 19/06/98. Lei dos Direitos Autorais).
Impresso no Brasil
Esta publicação foi viabilizada com recursos do Programa do Observatório da Educação Escolar
Indígena/CAPES/SECAD/INEP - Edital 001/2009 - Projeto 014.
APOIO:
Professores Indígenas Apinajé colaboradores do Projeto: Amindor Corredor Almeida Apinajé, Ana
Rosa Ribeiro Salvador Apinajé, Carlos Tep-Krut Fernandes Apinajé, Cassiano Sotero Apinajé, Davi
Waimimem Chavito Apinajé, Emílio Dias Apinayé, Eloíza Apinajé, Eva Apinajé, Francisco R. da Costa
Apinajé, Gilberto Dias Morais, Gilberto Pereira Apinayé, Iramar Dias de Sousa Apinajé, Itamar kamàt
Apinajé, Ivan Corredor Apinajé, José Dorico Apinajé, José Eduardo Dias Pereira Apinayé, Josué Dias de
Sousa Apinayé, Júlio Kamêr Apinayé, Jurandy Pereira Apinayé, Lucas Dias Laranja Apinajé, Maria Célia
Dias de Souza Apinajé, Maria Cipand Apinajé, Maria Dos Reis Corredor, Paulo Laranja Apinayé, Percí-
lia Dias Morais, Roberto da Mata Apinajé, Rogério Evangelista Dias Apinajé, Rosana Dias Apinajé, Sili-
van Oliveira Apinayé, Vanderlei Sotero Apinajé, Vílson Corredor Apinajé, Willian Dias Laranja Apinajé.
Assessoria Linguística: Francisco Edviges Albuquerque
Equipe do Projeto:
Coordenação: Francisco Edviges Albuquerque
Professores Colaboradores: Miguel Pacífico Filho e Thelma Pontes Borges
Bolsistas de Graduação: Alex Dias da Conceição Silva, Carlos Joeverson Azevedo de Oliveira, Ediléia
Maria da Sila, Fernanda de Oliveira Fernandes e Gustavo Carvalho Viveiros.
Bolsista de Mestrado: Severina Alves de Almeida
Professoras de Educação Intercultural (Bolsistas): Ana Rosa Ribeiro Salvador Apinayé e Maria Célia
Dias de Sousa Apinayé
Capa: Francisco Edviges Albuquerque e Josévaldo Bringel da Cruz
Diagramação e Digitação: Josévaldo Bringel da Cruz
Imagem da Capa: Professores Indígenas da Aldeia São José
Apresentação
7
8 Apresentação
lado, por uma pesquisa teórica consistente e, por outro, por uma pesqui-
sa empírica que contemplou três professores de literatura e cinco alunos
indígenas do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Tekator, os auto-
res levantam uma discussão bastante pertinente acerca da produção de
textos literários numa realidade específica, isto é, uma escola indígena,
constatando que os alunos Apinayé da Escola Estadual Tektor da aldeia
Mariazinha, não apenas são capazes de ler uma poesia, mas também de se
apoderar de seu teor literário e poético, com capacidade de produzir seus
próprios poemas, o que se configura como Letramento Literário na escola
indígena de Mariazinha.
A Educação Escolar Indígena Apinayé na perspectiva Bilíngue e Inter-
cultural: implicações a partir da lei 11.645/08 é um texto assinado por Se-
verina Alves de Almeida e pelos acadêmicos bolsistas de graduação que
participaram do Programa do Observatório da Educação Escolar Indíge-
na: Fernanda de Oliveira Fernandes, Alex Dias da Conceição Silva, Ediléia
Maria da Silva, Gustavo Carvalho Viveiros e Carlos Joeverson Azevedo de
Oliveira. O objetivo dos autores é descrever e analisar a Educação Intercul-
tural e sua aplicabilidade na sala de aula, tendo por base a Lei 11.645 de 10
de março de 2008. A grande contribuição desse trabalho está na divulgação
da Lei que possibilitará a sensibilização em torno de uma problemática que
envolve as relações inter-étnicas nas escolas não-indígenas, o etnocentris-
mo. Afinal, é papel da escola, promover uma educação para uma convivên-
cia além das fronteiras étnicas.
Thelma Pontes Borges e Miguel Pacífico Filho são os autores do artigo
Observações acerca da Educação Apinayé: resultados de oficinas e observa-
ções na Escola Mariazinha. O texto descreve as atividades dos pesquisado-
res no transcorrer do andamento das atividades desenvolvidas pelo “Pro-
jeto de Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural”,
chamando a atenção para a problemática enfrentada pela Escola Tekator,
em função se sua classificação em último lugar no ENEM – Exame Nacio-
nal do Ensino Médio de 2008 divulgado em 2009. Dentre outros aspectos,
os autores chamam a atenção para a importância de se efetivarem medidas
na tentativa de reverter o problema, bem como para a necessidade de se
buscar uma integração entre a comunidade indígena, os professores não
indígenas e o governo nas diversas esferas, na tentativa de tornar o espaço-
-subjetivo escolar como um local de construção de representações do povo
Apinayé, auxiliando na identidade de sua cultura, no fortalecimento de sua
Língua Materna e na mediação de debates políticos.
práxis educativas e cotidianas dos indígenas nos contextos próprios das al-
deias, evidenciadas nos saberes tradicionais, aliados às teorias de formação
de professores de Matemática e da Etnomatemática, por ocasião do Curso
de Magistério Indígena. Em seguida a autora analisa as ações colaborati-
vas junto ao Projeto do Observatório de Educação Indígena Apinayé na
área de Educação Matemática e Etnomatemática com os professores das
escolas Mãtyk e Tekator das aldeias São José e Mariazinha. Tendo como
aporte teórico as referências da Educação Matemática e da Etnomatemáti-
ca, é possível vislumbrar, nas práticas culturais distintas, a possibilidade de
relacionar os saberes e os fazeres indígenas com o ensino de Matemática,
em diferentes espaços de aprendizagem, favorecendo um projeto educativo
que atenda às expectativas dos Apinayé.
Concluímos afirmando que a pesquisa que originou os textos desta
coletânea, contou com apoio financeiro da CAPES. O desenvolvimento das
ações se deu nos anos de 2010/2011, e contou com uma equipe de pro-
fessores e acadêmicos pesquisadores da UFT – Universidade Federal do
Tocantins, campus de Araguaina, sob a coordenação do Professor Doutor
Francisco Edviges Albuquerque. Teve também a colaboração valiosa dos
Professores Indígenas Apinayé, de suas lideranças, e da população das al-
deias São José e Mariazinha. Acreditamos, ademais, que esta publicação é
de extrema relevância, uma vez que traz o relato de atividades in loco, e se
apresenta como fonte de consulta para trabalhos desenvolvidos em contex-
tos indígenas Apinayé.
Apresentação............................................................................................................... 07
13
14 Sumário
Introdução
15
16 Programa do Observatório da Educação Escolar Indígena: relatos e experiências Apinayé
visto que esse material não foi produzido pelos próprios professores indíge-
nas. Não obstante, o material didático que é construído na língua da crian-
ça indígena, não reflete a verdadeira língua materna da sociedade Apinayé,
pois não leva em consideração os aspectos sociolingüísticos, históricos e
culturais desse povo.
bastante, nas suas aulas, os livros publicados e organizados por eles, uma
vez que esse material reflete os aspectos socioculturais, históricos e linguís-
ticos desses povos.
Para isso, a equipe do Programa do Observatório da Educação Escolar
realizou oficinas pedagógicas e aulas de campo para catalogação de dados
para auxiliarem na composição e organização do material didático/peda-
gógico a ser publicado, através das ações do Programa do Observatório da
Educação Escolar Indígena, para ser utilizado em sala de aula, nas escolas
Apinayé, como suporte didático/pedagógico visando a auxiliar os alunos
indígenas na aquisição da língua materna escrita.
rem). Para a autora (2001, p. 137), é dentro desse contexto restrito que se
trata das línguas indígenas, como línguas a serem utilizadas basicamente na
alfabetização “bilíngüe” e, sempre que possível, na elaboração de materiais
“bilíngües” a serem utilizados na escola.
O projeto de Formação de Professores Indígenas para o Estado do
Tocantins, segundo Braggio (1997, p. 35-37), prevê, na prática pedagógica,
o material didático em permanente construção. Assim, a sistematização do
conhecimento sócio-histórico e cultural do grupo é condição e conteúdo
da prática pedagógica. A linguagem é natural; o texto é o material por ex-
celência, dentro de seus mais diversos tipos, formas e origens. O sentido e a
função precedem a forma, ou seja, adquiri-se a forma através da construção
do sentido.
A Comunidade Apinayé, de modo geral, demonstra muito interesse
pela produção de materiais didáticos, como os livros de Narrativas, de His-
tória e Geografia, Matemática e Ciências, Dicionário, Livros de Redação.
Surgem nesse contexto, o Livro de Alfabetização, a Gramática Pedagógica
Apinayé e o Livro de Coletânea de textos, com resultado das ações do Pro-
grama do Observatório da Educação Escolar Indígena.
Com base nas prerrogativas acima citadas, nas escolas indígenas Api-
nayé, atualmente, vários recursos são utilizados, com o objetivo de favore-
cer a elaboração e organização do material didático de autoria dos próprios
professores indígenas e da própria comunidade. Reunidos no Programa do
Observatório de Educação Escolar Indígena/CAPES/SECAD/INEP, através
das ações do Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Indígena Apinayé,
os professores indígenas, indígenas mais velhos, comunidade em geral e
os cantadores vêm organizando oficinas de produção de materiais como a
Gramática Pedagógica Apinayé, Livro de Alfabetização em Língua Mater-
na, juntamente com o Livro de Coletânea de textos, para serem utilizados
como material de apoio pedagógico nas escolas das aldeias Apinayé e como
resultados da pesquisa do Programa do Observatório.
Nessa perspectiva, a pesquisa de campo foi importante para que se
confirmasse a elaboração dessas obras, uma vez que foi realizada a partir de
um roteiro pré-estabelecido em função do material linguístico necessário
ao estudo descritivo da Gramática dessa língua. Os professores indígenas
consideraram que a Gramática e o Livro de Alfabetização contemplam um
grande número de informações sobre a língua indígena, o que facilita aos
professores e alunos Apinayé o acesso a um material de apoio pedagógico
bastante rico sobre os aspectos gramaticais Apinayé.
fez uma aula de campo com seus alunos. Levou-os para a mata perto da
escola e trabalhou com as plantas medicinais que existem na reserva, ex-
plicando para os alunos para que tipo de doença servem e como utilizá-
-las. Além dessa atividade, o professor também explicou a importância da
preservação das matas, córregos e rios que existem na reserva, pois sem as
matas e rios, os indígenas não têm com sobreviver.
O professor Itamar Kamàt Apinayé levou os alunos para o pátio da
aldeia e falou da importância da preservação da limpeza da aldeia e dos
rios que cortam a aldeia. Levou as crianças ao rio, fez a coleta de lixo, pôs
numa sacola plástica, falando da importância da coleta de lixo nas aldeias,
para não poluir, tanto a aldeia como os rios, pois é nos rios que eles tomam
banho, lavam roupa e usam a água para cozinhar, quando falta água na
caixa da aldeia. As crianças ajudaram o professor a coletar o lixo que existia
na aldeia e no rio.
Após as aulas de campo, cada professor retornou para a sala de aula
com seus alunos e foi praticar, nas oficinas, os conteúdos que havia traba-
lhado nas aulas de campo. Todos os alunos voltaram entusiasmados com as
informações do professor e fizeram questão de anotar todas as informações
que foram coletadas e trouxeram essas informações para a sala de aula,
utilizado-as nas oficinas.
Os professores colaboradores e a professora bolsista da aldeia Maria-
zinha também trabalharam com oficinas e aulas de campo. A professora
Maria Célia, bolsista, juntamente com os outros professores de língua ma-
terna, Vilson e Valdir, colaboradores do projeto, juntaram os alunos e tra-
balharam as oficinas. Esses professores trabalharam a produção textual, o
ditado e os recortes de gravuras. Para recontar as histórias, trabalharam
com cartazes contendo palavras escritas na língua Apinayé e com histórias
e desenhos feitos pelos próprios professores. Após esse momento, todos os
professores solicitaram aos alunos que recontassem as histórias e fizessem
desenhos ilustrando-as.
No dia seguinte, foram com os alunos para uma aula de campo, onde
trabalharam os conhecimentos de História, Geografia, Matemática e Ci-
ências. Levaram os alunos para as matas, chegando lá mostraram os rios,
matas, pássaros, insetos, plantas e a extração do coco babaçu, fruto esse que
tem muita importância para a sobrevivência dos Apinayé de Mariazinha.
Falaram da importância das matas, dos animais, da preservação dos rios
e da reserva. Informaram os alunos sobre a importância do babaçu, afir-
mando que dele tudo se aproveita: a casca serve apara fazer carvão vegetal,
da amêndoa faz-se o óleo para utilizar nas comidas, a palha e o talo são
utilizados para a fabricação das casas, a palha também serve para fabricar
cofo e esteiras, além disso, o babaçu é comercializado na cidade de Tocanti-
nóplois para fabricação de óleo e sabão. Portanto, o babaçu é uma fonte de
riqueza e subsistência pra os povos Apinayé. Após esse momento, todos os
professores e alunos indígenas retornaram para a escola e foram trabalhar
esses conhecimentos em forma de oficinas.
Nesse sentido, acreditamos que, construindo estratégias para a ação
docente, com metodologia de ensino, permite-se um verdadeiro pensar e
repensar da prática cotidiana dos professores indígenas que enriquece o
processo de construção de conhecimento, já que é parte de uma interação
de diferentes olhares e que, favorece a reflexão dessa prática, no intuito de
melhor preparar docentes e discentes indígenas para a atuação junto a ao
mercado de trabalho, tento na aldeia indígena como fora dela. Assim, com-
preendemos que a liberdade de expressão que as oficinas pedagógicas pro-
porcionaram e contribuíram significativamente para a formação de profis-
sionais críticos e abertos a mudanças que ocorrem a todo o momento na
sociedade indígena. Percebemos, ainda, que a metodologia adotada atingiu
as expectativas dos professores e alunos indígenas, enfatizando a importân-
cia dos diversos atores sociais que construíram as matizes de um sistema
de educação voltado para os aspectos socioculturais e linguísticos dos Api-
nayé. Assim, torna-se fundamental atentarmos para o caráter participativo
que envolve profissionais indígenas e comunidade, onde não existe saber
mais importante, mas diferentes saberes que possuem igual valor. Nesse
sentido, as oficinas pedagógicas foram os espaços que apontaram novas
descobertas e caminhos, uma vez que consistiu num processo em cons-
trução de todos os atores envolvidos, tornando-se espaço oportuno para a
comunicação, para a contextualização, para o estabelecimento de vínculos,
de reflexão, de mudanças, de construção coletiva de um saber. A ação do-
cente indígena aqui buscou a formação de profissionais com habilidades e
competências aliadas ao senso crítico e transformador.
Deste modo, o desenvolvimento da metodologia das oficinas pedagó-
gicas configurou-se como uma experiência diferente da formação técnica
ou instrumental, realizando trabalhos com o significado de agir em sin-
tonia com os discentes, tornando-se um aprendiz com eles. Fazer oficinas
significa aventurar-se na busca do conhecimento, respeitando os processos
mentais dos sujeitos cognoscentes, aproveitando cada participação com
atenção concentrada e posterior intervenção adequada. Portanto, a realiza-
Resultados e Discussão
Considerações Finais
Referências
Introdução
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42 O Sentido e a Função da Leitura e da Escrita para as Crianças Apinayé de Mariazinha
A aldeia
O Pátio da aldeia é muito importante pra nós, porque, é nele que o cacique faz
reunião com a comunidade. Todas as notícias são faladas no Pátio. No Pátio é
onde, nós, Apianyé fezemos a festa da tora, do milho, da batata. É onde can-
tamos e dançamos à noite. Tudo isso acontece no Pátio. (PAULO LARANJA
APINAYÉ).
A Escola
O Gavião
O gavião vive no mato e no cerrado.
Ele se alimenta de carne, de alguns animais e de pássaros pequenos
Ele anda durante o dia e, às vezes, à noite.”(Josué Apinayé)
A Chuva
marcam o mês e o dia para realizarem a festa para aquelas pessoas que
morreram. Este ritual vem resgatando a cultura Apinayé. Por isso, é
sempre assim nas aldeias quando alguém morre.(Profª Eloíza Dias Api-
nayé).
ma, uma discussão oral, seja em língua Apinayé, seja em língua portuguesa,
deve sempre preceder o trabalho com leitura e produção de texto, Assim, os
alunos indígenas deverão, na escola, entrar em contato com a maior diver-
sidade de textos possíveis em ambas as línguas, para que possam aprender,
tirando deles o melhor proveito para sua necessidade e interesse.
Exercícios desse tipo, além de despertar a vontade de aprender a ler
e escrever, estimulam o aluno indígena a observar melhor, a pensar, a tirar
conclusões e a verificar se tais conclusões estavam corretas. Esses elementos
são muito importantes para que, mais tarde, o aluno seja capaz de compre-
ender textos mais complexos.
Como se pode constatar, as crianças Apinayé de Mariazinha estão se
alfabetizando em consequência de outros recursos didáticos usados pelos
professores Apinayé. Os professores indígenas organizam suas aulas com
uma variedade de materiais específicos, ligados à reflexão sobre os aspectos
culturais, históricos e linguísticos, o meio ambiente, as espécies da fauna e
da flora da região, bem como às historias (relatos da história de seu povo),
cantigas, danças, os mitos e outras partes de sua tradição oral.
Entretanto, os livros didáticos, (Português, Geografia, História e Ciên-
cias), adotados na escola de Mariazinha, após as séries iniciais (pré-leitura
e alfabetização), estão totalmente afastados da realidade sócio-histórica,
cultural e linguística das crianças Apinayé. Como resultado, a maioria das
crianças que ultrapassa os estágios iniciais de aprendizagem, ao se depa-
rarem com esse material, fica completamente desestimulada e abandona a
escola, ocasionando a evasão escolar.
Assim, o sucesso ou fracasso da criança, seja na escola, seja na aqui-
sição de uma segunda língua, não está associada à origem social, mas ao
contexto sociointeracional no qual se processa a aquisição. O processo de
aquisição, para Braggio (1992a, p. 62-63) pressupõe a aceitação das dife-
renças socioculturais e linguísticas, tanto por parte do professor quanto do
aluno na construção do conhecimento a partir das experiências anteriores,
da interação entre professor e aluno, da funcionalidade da língua e da rela-
ção do aluno e o meio social. Acreditamos que essas dificuldades somadas
trazem para o aluno sentimentos de incapacidade, levando-o a desistir da
escola, conforme veremos a seguir.
Pelo que pudemos constatar durante nossa pesquisa, o número de alu-
nos matriculados do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental é bem maior do
que nas séries seguintes. Isto se justifica porque, nas séries iniciais, o ensino
é ministrado em língua materna. Após esse período, o ensino passa a ser
Enfim, são aspectos de uma prática pedagógica que não toma como
ponto de referência o conhecimento anterior do aluno: da linguagem oral
e escrita (nem em forma alfabética ou de grafismo), de mundo etc. Logo,
não há sistematização do conhecimento sociocultural e histórico do aluno.
O professor não precisa ter formação, já que o seu papel limita-se ao repas-
sador do material didático previamente elaborado.
A referida artificialidade também é comprovada a seguir, nos exem-
plos retirados da cartilha Apinayé nº 1 – PUMẼ KAGÀ PUMU No 1.
Reflexões Finais
Referências
Introdução
65
66 A Aquisição da Escrita pelas Crianças Apinayé de São José
Mas nos últimos anos, esse cenário tem mudado nas escolas indígenas
Apinayé, pois vários recursos didático/pedagógicos são utilizados com o
objetivo de favorecer a criação coletiva dos alunos, professores e comuni-
dade na elaboração do material escolar de suas próprias autorias. Reunidos
no Projeto de Apoio Pedagógico à Educação Indígena Apinayé, os profes-
importantes para que, mais tarde, o aluno indígena seja capaz de compre-
ender textos mais complexos.
Como se pode constatar, as crianças Apinayé da aldeia São José estão
se alfabetizando também em consequência de outros recursos didáticos
utilizados pelos professores indígenas. Os professores Apinayé organizam
suas aulas com uma variedade de materiais específicos, ligados à reflexão
sobre seus aspectos geográficos, o meio ambiente, as espécies da fauna e da
flora da região, bem como às historias e relatos de seu povo, suas cantigas,
danças, os mitos, bem como outros aspectos que fazem parte da tradição
oral Apinayé
Por outro lado, os livros didáticos adotados nas escolas Apinayé, após
as séries iniciais, na sua maioria, estão totalmente afastados da realidade
sócio-histórica, cultural e linguística das crianças Apinayé. Como resulta-
do, a maioria das crianças que ultrapassa os estágios iniciais de aprendiza-
gem, ao se defrontar com esses materiais, fica completamente desestimula-
da e abandonam a escola.
Pelo que pudemos verificar durante nossa pesquisa, o número de alu-
nos matriculados do 1º ao 4º ano é menor do que nas séries seguintes, em-
bora, nas séries iniciais, o ensino seja ministrado em língua indígena. Após
esse período, o ensino passa a ser em língua portuguesa, e isso também tem
contribuído para a evasão escolar. O ideal é que se use a língua indígena
como meio de instrução por um período mínimo de cinco anos e que seja
implementado o uso funcional da língua escrita na comunidade, pois sem
que isso ocorra, corre-se o risco de a língua indígena estar limitada apenas
à escrita em sala de aula. Para isso, é necessário que a língua Apinayé tenha
uso e função social na sua forma escrita para a comunidade em que esse
povo está inserido.
É importante salientar que algo de bom acontecerá, especialmente,
se essa escrita for em língua indígena, à proporção que as funções sociais
da leitura e escrita forem sendo criadas fora do ambiente escolar. Como na
vida real nunca se leem ou se escreve palavras ou sentenças descontextuali-
zadas, ou seja, fora de contextos específicos, os alunos das escolas indígenas
poderão perceber também mais facilmente que a língua escrita pode ser
útil e pode se tornar importante para eles, se as atividades desenvolvidas
nas escolas girarem em torno da leitura e escrita de textos que levem em
consideração os aspectos linguísticos Apinayé.
Segundo o RCNEI (1998, p. 34-135), para que a escrita faça sentido
para os alunos, é preciso, pois, que eles se envolvam em atividades em que
Sob essa ótica, Cagliari (1997, p. 29) afirma que, de fato, as crianças
manipulam a linguagem e compõem palavras novas, a partir da análise dos
processos de formação de palavras, às vezes criando formas surpreenden-
tes, revelam a incrível capacidade que têm de manipular fatos semânticos
de alta complexidade. A criança que está aprendendo a falar, faz tentativas a
partir de hipóteses que elabora, baseada no que já conhece. É nesse sentido
que entendemos que ela reflete.
A cada tentativa que resulta em êxito na sua comunicação com os ou-
tros, a criança indígena também vai adquirindo confiança e vai avançando,
sentindo-se gratificada pelas aprendizagens que realiza. Sente prazer a cada
nova descoberta e percebe quão gostoso é aprender, isto é, ela pode sentir pra-
zer se houver resposta de incentivo por parte, principalmente, dos adultos,
que são seus modelos. Na escola, esse processo pode ter continuidade para
ela, desde que ali se valorize a sua experiência como ponto de partida para
a aprendizagem da escrita. Se, ao contrário, a escrita ortográfica for tomada
como base para tudo no processo de ensino, essa capacidade natural de análise
da linguagem, que a criança tem, pode ser sufocada, havendo grandes chances
de insegurança, bem como a dúvida sobre o que seja aprender a ler e escrever.
De certa forma, repetir modelos, mesmo sem entendê-los, ou mem-
so memorizá-los, pode ser muito chato e complicado. Mas Cagliari (1997)
afirma que a escola não valoriza o conhecimento que a criança tem da pró-
pria fala e da fala dos seus colegas para, a partir daí, ensinar a escrever e, por
isso, não consegue perceber que tipo de reflexão o aprendiz está fazendo
quando comete seus erros. Partindo desse princípio, consideramos de fun-
damental importância que o professor indígena identifique junto com os
alunos as hipóteses elaboradas por ele para ter chegado a determinadas res-
postas. Portanto, em volta de cada “erro ou tentativa de escrita”, existem cri-
térios inteligentes de organização dos elementos da linguagem, que devem
ser valorizados. Durante o processo de interação com a criança indígena
que aprende a falar, os adultos e os velhos que a rodeiam preocupam-se em
entender o que elas querem dizer com os termos que usam e as tentativas
que fazem, interagindo com elas. Na alfabetização, a maioria das escolas
indígenas também faz o contrário, porque enfatiza a forma, porque exige
a realização de fonemas soltos, porque dá a regra pronta e impede que as
tentativas de escrita aconteçam.
Para que os alunos indígenas avancem nas habilidades de uso, tanto
na modalidade falada quanto escrita da língua, é fundamental que eles a
exercitem concretamente, comparando elementos, observando semelhan-
A relação oralidade e escrita não pode ser mais vista de forma dicotô-
mica, porque "ambas permitem a construção de textos coesos e coe-
rentes", permitindo a elaboração de pensamentos abstratos e variações
estilísticas sociais e dialetais. As limitações e alcances de cada uma são
fornecidas pelos meios básicos de sua realização, ou seja, som e grafia.
ensino da língua portuguesa nos anos iniciais: eventos e práticas de
Letramento.
Considerações finais
Referências
Introdução
95
96 Educação Bilíngue, Bilinguismo e Interculturalidade no Contexto Escolar Apinayé...
indígenas Apinayé.
Com efeito, a expectativa em torno da formação desse profissional
é a de que ele, além de ser professor de sua escola, deve ser também um
pesquisador, o que não deixa de ser um grande desafio que envolve, de um
lado, investimentos na sua formação individual e específica e, do outro, a
comunidade indígena que ele representa. Esta, por sua vez, deve participar
ativamente das discussões, dos objetivos e das práticas da escola indígena
local, bem como dos programas de formação e qualificação de seus profes-
sores. Afinal, uma das excelências da educação intercultural indígena é o
envolvimento dos mais velhos e lideranças da aldeia nos assuntos da escola,
porquanto estes são figuras centrais na educação de sua população que se
dá de forma efetiva também fora da sala de aula, ou seja, na comunidade.
De modo geral, esses processos de formação possibilitam que os pro-
fessores de língua indígena desenvolvam competências que lhes permitam
atuar, de forma responsável e crítica, nos contextos interculturais e socio-
linguísticos nos quais as escolas indígenas estão inseridas. Entretanto, em
diversas situações, cabe aos professores que lecionam nessas escolas atua-
rem como mediadores e interlocutores da comunidade com os represen-
tantes do mundo de fora da aldeia, e com a sistematização e organização
de novos saberes e práticas (Grupioni, 2003). Consequentemente compete
a esses professores a tarefa de refletir criticamente sobre sua própria forma-
ção, criando estratégias para que se promova a interação dos diversos tipos
de conhecimentos que se apresentam e se entrelaçam no processo escolar,
observando que, de um lado, encontram-se os conhecimentos ditos univer-
sais, a que todo estudante, indígena ou não, deve ter acesso e, de outro, os
conhecimentos étnicos próprios de seu grupo que, se antes eram negados,
hoje assumem importância crescente nos contextos escolares.
Todavia, como temos duas categorias de professores bem específicas
atuando nessa realidade, ou seja, o professor de língua materna nativo da
aldeia e o professor que não é indígena, é preciso considerar alguns fatores.
Primeiro, há o professor indígena que faz parte da comunidade e que domi-
na plenamente seu idioma, mas não domina inteiramente o português. Se-
gundo, existe o professor que vem de fora o qual, por sua vez, nada sabe da
língua falada por seus alunos, conforme observamos em nossa pesquisa nas
escolas Mãtyk e Tekator das aldeias Apinayé. Dessa forma, percebe-se que a
situação do professor que vem de fora é mais complicada, pois a comunica-
ção, fator primordial para que a aprendizagem ocorra, está comprometida.
Sendo assim, é imperioso que exista algum planejamento no sentido de
[...] Há uma hipótese de que o nome tenha sido dado pelos Timbira,
A Educação Escolar Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Interculural
Severina Alves de Almeida, Francisco Edviges Albuquerque 109
Considerações Finais
Referências
NI, L.D.B,; VIDAL, Lux; FISCHMANN, Roseli. (Org). Povos indígenas e to-
lerância construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo: EDUSP,
2001.
24. LOPEZ, L. E; SICHRA, I. Educação em Áreas Indígenas da América Latina:
balanços e perspectivas. Educação na Diversidade: experiências e desafios na
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34. OUELLET, Fernando. O Que quero dizer quando penso em educação inter-
Introdução
123
124 Letramento Literário na Escola Indígena Tekator da Aldeia Apinayé Mariazinha
Tendo em vista uma tradição que vem desde os tempos da Grécia An-
tiga, a literatura é vista como útil tanto para ensinar a ler como para escre-
ver, favorecendo a formação cognitiva, intelectual e cultural do indivíduo,
tornando-o pleno. Portanto, a seguir, promovemos um diálogo com nossos
interlocutores, os teóricos, formulando conceitos e estabelecendo conjectu-
ras acerca da literatura enquanto arte e suas variantes, a estética e a estesia.
Nesse sentido, indagamos: O que é literatura? Como defini-la? O que
são arte, poesia, estética, estesia? O que é letramento? O que é letramento
literário? Como aplicar seus conceitos na consecução de uma educação
que privilegie a formação dos indivíduos “letrados”? Responder coeren-
temente a esses questionamentos não é tarefa fácil. Todavia podemos con-
5. Transculturação é o processo que ocorre quando um indivíduo adota uma cultura diferente
da sua, podendo ou não implicar uma perda cultural. A transculturação está ligada à
transformação de padrões culturais locais a partir da adoção de novos padrões vindos
através das fronteiras culturais em encontros interculturais ou migrações transacionais,
envolvendo sempre diferentes etnias e elementos culturais. É a transformação de padrões
a partir do elemento externo (JAPIASSU E MARCONDES 1990).
6. O significado de imanência a que nos referimos, está vinculado ao contexto da teoria
de Kant, significando de caráter indissociável, que existe sempre em algo e é inseparável
dele. Característico. Próprio. Intrinsecamente ligado.
vamos que eles trabalham com uma metodologia que pode ser identificada
como interdisciplinar (Albuquerque (2009). Atuando em parceria e minis-
trando diferentes disciplinas para as mesmas turmas, eles buscam, dentro do
possível, promover um diálogo entre cada uma dessas disciplinas. O material
didático utilizado é o oficial, mas também têm livros e textos que eles utilizam
em seu cotidiano, principalmente de autores que são poetas. Eles se autodeno-
minam “ratos de internet” e “amantes” de Vinícius de Morais, Carlos Drum-
mond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa.
Nesse sentido, percebemos que o gênero literário poesia é utilizado
por estes professores em suas práticas na sala de aula. Constatamos, tam-
bém, que os docentes veem na poesia uma forma de “seduzir” seus alunos
para a prática da leitura de textos literários. Sobre a poesia e sua importân-
cia na vida, recorremos ao seguinte trecho de A República, no qual Sócrates
assevera que:
[...] Concederemos certamente aos seus defensores, que não forem po-
etas, mas forem amantes da poesia, que falem em prova, em sua defesa,
mostrando como é não só agradável, como útil, para os Estados e a
vida humana. E escutá-lo-emos favoravelmente, porquanto só teremos
vantagem, se se vir que ela é não só agradável como também útil (PLA-
TÃO, 2006, 607e).
Quais são as atividades que os alunos mais gostam de fazer, e as que eles
menos gostam numa aula de literatura, foi outra pergunta feita aos professo-
res. Outra vez as respostas foram similares, apontando que o trabalho com
poesias é o que mais interessa às classes. Dentre as atividades de que eles
menos gostam estão os textos que tratam da história da literatura, nomea-
damente, os movimentos literários. Eles também não gostam das leituras do
livro didático. “Mas acabamos utilizando o livro didático porque na prova os
alunos são avaliados pelo conteúdo desse livro. E também porque não temos
outros livros. Outra coisa que eles não gostam são as provas”, afirma Pedro.
No tocante ao livro didático e sua relação com a literatura, Soares
(2002) diz que há o papel ideal e o papel real do livro didático neste cená-
rio. Para essa autora,
O papel ideal seria que o livro didático fosse apenas um apoio, mas não
o roteiro do trabalho [do professor]. Na verdade isso dificilmente se
concretiza, não por culpa do professor, mas de novo vou insistir, por
culpa das condições de trabalho que o professor tem hoje. Um profes-
sor hoje nesse país, para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar
aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, frequentemente, até a noite.
Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem
tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia muito no livro
didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um
apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do
professor no seu ensino. (SOARES, 2002, [s.p.]).
Não, eu não gosto de ler porque a professora manda a gente ler livros
grandes e demora muito. Mas quando ela traz poesias eu gosto. Mas eu
gosto mesmo é de escrever, principalmente poesia. E também historias.
Eu não gosto de ler muito não, mas gosto quando tem um livro que tem
poesia e eu gosto da poesia que fala de amor, que deixa a gente feliz
(MARIA).
Gosto, eu adoro ler. Mas gosto mais de escrever. É que quando eu escre-
vo me sinto grande, igual a minha professora. E quando leio poesia eu
me sinto como se eu fosse que escreveu. É como se eu fosse uma pessoa
diferente, e não tivesse mais aqui. (MARTA).
Depende do que é pra gente ler. Quando a professora manda ler aque-
les livros grandes é ruim. O bom é quando ela traz livro de poesia e manda
a gente ler. E depois a gente escreve o que quer. (SARA).
Gosto. Gosto de ler tudo, minha professora diz que a gente tem que ler
para pensar. Eu adoro ler poesias, eu gosto porque eles fazem a gente
ficar bem. Tudo na vida é difícil de viver. Mas nas poesia tudo é bonito.
Tem aquelas de Castro Alves que fala de coisa ruim. Mas assim mes-
mo é bom que a gente aprende também história e também geografia
(LUCAS).
Percebemos que esses alunos indígenas têm uma relação com a leitura
bastante diversificada. Uns gostam muito de ler, outros pouco e alguns nem
tanto. Contudo, observamos que todos, em algum momento, demonstram
gosto pela leitura de poesias. Isso demonstra que de alguma forma eles apre-
enderam os conteúdos aos quais foram expostos nas aulas de literatura. E
essa apreensão evidencia uma prática de letramento literário, pois ocorreu
aquilo que as Orientações Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2006)
determinam como essa prática, ou seja, os alunos, em algum momento,
tiveram contato com uma obra literária poética e dela se apropriaram por
meio da fruição.
Notamos, também, que o discurso desses alunos indígenas apresenta
elementos bastante significativos que aproximam suas percepções à teoria
literária de Greimas (2002). A semiótica Greimasiana nos fala de uma es-
tética promotora de estesia, sendo esta o sentimento do belo. A estesia é
identificada nas alocuções dos alunos, já que sentimentos e sensações se
fundem de forma mais eloquente, fazendo-os se distanciarem da realida-
de cotidiana. Seriam, portanto, “as escapatórias” propostas por Greimas
(2002), quando ele acena para a possibilidade de que os próprios sujeitos
construam momentos em que a realidade, de certa forma, se transfigure
aos seus olhos. Aproxima-se também de Aristóteles e sua poética, uma vez
que sua teoria assinala uma arte que imita as emoções e as ações. Ou então
na proposta de Tatit (1997, p. 49), quando nos diz que “entre o encanto
poemas ou quando ela fala de coisa da vida da gente, que realmente tem
haver com o que gente vive, mas na maioria das vezes não gosto não. Já
Marta dia que “sim, porque a professora trás um monte de textos bons, ela
também explica bem. Mas tem as leitura do livro da aula que eu não gosto.
Gosto sim é quando a professora manda escrever. Aí eu escrevo o que me
deixa feliz que é poesia”. “Eu gosto, mas tem umas aula que a professora fala
de datas e nomes difíceis. E às vezes tem umas coisas boas, e as vezes são
umas com palavras difíceis, mas gosto quando a aula é sobre poesia que fala
de amor” afirma Sara. Lucas assinala que só gosta “quando as história são
boa como a de Peri e Ceci e as poesia são de lugar e de viagem”. João afirma
que gosta apenas “quando a gente ler e faz poesia, eu adoro escrever. Me
sinto como se eu fosse quem escreveu todos as poesia que a professora traz
da internete e dos livro também”.
Mais uma vez observamos que os alunos têm uma preferência pelo
gênero poesia e prazer de ler e escrever poemas. Para Magalhães a leitura
que interessa ao primeiro nível do letramento (o prazer de ler) equivaleria
à leitura comprometida, ou seja, aquela em que o leitor “deixa sua ima-
ginação funcionar sem regras: concretamente, a leitura comprometida se
traduz por uma identificação com as personagens, uma projeção na ação,
uma espécie de diálogo permanente entre o livro e o leitor” (FARIA, apud
MAGALHÃES, 2008, p. 4).
Buscamos saber dos alunos se eles leram algum livro nos últimos me-
ses e quais foram. Todos responderam que leram “Vidas Secas de Gracilia-
no Ramos, O Guarani e Iracema de José de Alencar”, sendo que tais leituras
foram feitas por exigência da professora, mas que gostaram. Sobre a impor-
tância da leitura em suas vidas, obtivemos as seguintes respostas:
Eu acho que aprender a ler é muito bom porque consigo ler, e saber de
coisas que eu não sabia, faz a gente mais inteligente. (MARIA).
É muito bom ler. Gosto mesmo das poesias que são pequenas e a gente
entende pois fala dos sentimentos da gente. Mas não tenho livro pra ler.
Só quando a professora traz. Mas depois tenho que devolver para ela
pois os outros precisam ler também. Gostaria de ter um livro de Vini-
cius de Morais meu (MARTA).
coisas que não sabia, então é muito bom aprender a ler. Assim eu posso
um dia trabalhar e ser professora. Posso também ajudar meus irmãos
na lição de casa (SARA).
É bom porque a gente aprende mais, aprende outras coisas que não são da
aldeia. E lendo eu posso ser um professor. Eu vou ser professor (LUCAS.
É muito importante, eu adoro ler, ainda bem que eu aprendi a ler, por-
que dá uma vida melhor para a gente, a gente fica mais inteligente, con-
segue aprender mais. Parece que eu sempre sabia ler (JOÃO).
7. Sinestesia (do grego συναισθησία, συν- (syn-) "união" ou "junção". É a relação de planos
Eu mandava todos escrever o que eles gostasse. Não essas coisas de ler e
depois ficar escrevendo coisas assim sem sentido (MARIA).
Vou dar muitas aulas sobre todos os poetas do mundo e mandar ler
muitos livros de historias como a de Peri e Ceci. Também pedir para
ler livros de poesias. A poesia deixa a gente mais inteligente (SARA).
Eu não fazia prova. Só pedia para eles escreverem coisas que eles sen-
tem. Assim todos podem ser feliz (LUCAS.
Fazia muitas atividades para meus alunos escreverem, mas não só poe-
sia não. Escrever o que eles querem escrever historias, poesias, tudo. E
que tivesse muitos livros para escolher e não ler sempre o mesmo livro
que a professora manda (JOÃO).
Mais uma vez esses alunos indígenas demonstram que têm noção cla-
ra do que é uma leitura que proporciona prazer. E veem o fato de serem
“obrigados” a ler e escrever apenas porque a professora “mandou” como
algo negativo. Para eles, o prazer de ler está associado à liberdade de es-
colha, muito embora enfrentem a problemática de não encontrar muitas
opções, tendo que ler a mesma obra repetidas vezes.
Ao projetarem suas expectativas enquanto professores de literatura,
eles traduzem o pensamento da maioria dos estudantes das nossas esco-
las. Eles revelam a necessidade que têm de serem agentes ativos na condu-
ção das aulas, na escolha do material utilizado, assunto este discutido por
Magalhães (2008). Para essa autora, “o mundo do livro deve ser familiar
para que o leitor possa fazer dele um caso pessoal” (Faria, apud, Magalhães,
2008, p. 5). Contudo, haveria necessariamente uma escolha livre? A autora
recorre a Cosson (2006, p. 31) e Versanini (2006:32) afirmando que “não,
pois o leitor está sempre agindo sob influências e, quando é solicitado a
sensoriais diferentes: Por exemplo, o gosto com o cheiro, ou a visão com o olfato. O termo
é usado para descrever uma figura de linguagem e uma série de fenômenos provocados
por uma condição neurológica (JAPIASSU E MARCONDES, 1990).
“Sentir saudade”
Fiquei sabendo
Senti algo muito bom dentro de mim.
Este sentimento dentro de mim é como se fosse uma flor.
Que cuida de mim.
Este sentimento que está dentro de mim
É como se fosse uma chave que abre a porta
E aparecem todas as coisas maravilhosas.
Como se fosse meu pequeno sonho.
Eu senti algo tão grande e fiquei muito feliz.
Eu senti uma grande felicidade.
E eu senti uma grande felicidade
E os meus olhos brilharam
E meu rosto ficou muito alegra
E eu disse pra mim
Esta minha felicidade é verdadeira.
Autora: Andressa Iremex Apinayé
“Amor”
Amor, desde que te conheci, logo me apaixonei.
E quando fecho os olhos, eu penso em você.
Amor, toda vez que ouço a sua voz no silêncio do meu coração.
Te amo cada vez mais.
E cada flor que se abre lança no ar uma grande notícia que te amo.
Sim, a lua e o céu sabem que a sua estrala sou eu, brilhando à sua espera.
Doida pra dizer que eu amo você.
Autora: Sueli Jàtkamrêk Apinayé
“Saudade”
Quando estiver sozinha bem longe, na solidão.
Pense em mim, em nós.
Abra o coração!
Deixe que a saudade bata
À porta da esperança guardada,
Quem espera sempre alcança.
Hoje sou todo seu!
Amanhã serei mais
Há sempre um coração perdido
Por esses erros gerais
Autor: Vilson Pàrkahi Apinayé
“A Natureza”
A Natureza é como uma mulher
Ela é frágil
E por isso não tem como se defender
Mas quando ela se revolta
Não existe ninguém que domine.
Autor: Edvaldo Sugi Apinayé
Considerações Finais
Referências
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30. SILVA, W.R.; MELO, L. C. de. Pesquisa & ensino de língua materna e litera-
tura: diálogos entre formador e professor. UFT Araguaína, TO: Mercado de
Letras, 2009.
Introdução
151
152 A Educação Escolar Indígena Apinayé na Perspectiva Bilíngue e Intercultural...
Nesse sentido entendemos, assim como Paula (1999), que essas ações
pedagógicas, promotoras da interculturalidade, têm possibilitado a manu-
tenção das alteridades e, não obstante, revestem-se de características dife-
renciadas segundo a cultura própria de cada sociedade indígena.
Dessa forma, a educação escolar para os povos indígenas deve, neces-
sariamente, ser diferente em teor e convergir para a afirmação das identi-
dades de cada povo, quer seja linguística, política ou cultural, sinalizando
sempre para a autodeterminação, autogestão e autoafirmação, respeitando
suas diferenças e singularidades.
Os Apinayé e a Escola
diferentes daquelas oferecidas aos demais grupos indígenas, que eram com-
patíveis às práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas das comunida-
des rurais brasileiras.
Após alguns anos da implantação da educação indígena nas escolas
das comunidades Apinayé, segundo os relatórios da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), os primeiros materiais escritos nessa língua foram elabo-
rados pelo Summer Institut of Linguistc (SIL) em 1962. De acordo com o
referido relatório, à proporção que os estudos avançavam, novas cartilhas e
novas versões das cartilhas, já existentes, eram elaboradas. Esta data marca
a primeira edição da “Cartilha de História Apinayé”. Além deste volume,
foram publicados outros cinco: Livro de lendas 1, Livro de lendas 2, Leitura
Suplementar das Cartilhas e Introdução à Leitura e Livro de caligrafia. Após
essas publicações, vieram outras cinco cartilhas de alfabetização (PUME
KAGÁ PUMU), Livro de Canções Novas na Língua Apinayé (livro de cunho
religioso) e Aspectos da Língua Apinayé. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 84).
Atualmente a escola tem se apresentado como um elo para aproxima-
ção dos Apinayé com a sociedade de seu entorno, facilitando a situação de
contato desse grupo indígena com os demais brasileiros. As aldeias são José
e Mariazinha e suas escolas, Mãtyk e Tekator, respectivamente, funcionam
como sede das escolas de outras aldeias. Porém, das 24 aldeias Apinayé,
apenas 13 possuem escolas, sendo que 11 escolas atendem aos alunos do
primeiro ao quarto ano do Ensino Fundamental. As escolas das aldeias Ma-
riazinha e São José possuem Ensino Fundamental e Médio e, juntamente
com as outras escolas que a estas se agrupam, contam atualmente com 899
alunos matriculados regularmente.
Em relação à escola da aldeia São José, esta foi construída com uma
arquitetura moderna, conta com espaço apropriado para as aulas, boa ilu-
minação, ventilação adequada, com salas de aulas espaçosas, biblioteca, sala
de professor, sala da coordenação, cozinha, alojamento masculino/femini-
no para professores e banheiros masculino/feminino para os alunos, além
de uma sala de computação com seis computadores. Já na escola da aldeia
Mariazinha, o prédio é antigo e as instalações são precárias. São 4(quatro)
salas de aula com ventiladores que não funcionam; 1(uma) sala da aula im-
provisada no pátio da escola; 1 (uma) sala onde funciona a secretaria, com
computador, não tem ar condicionado, apenas um ventilador; 1(uma) sala
para os professores; 1(uma) cantina sem água na pia; 2(dois) banheiros, um
feminino e um masculino; não tem telefone, nem mesmo comunitário em
forma de orelhão no pátio da escola; não tem biblioteca.
Apesar de toda essa situação que em nada favorece uma ação educa-
tiva eficaz, o corpo administrativo e docente da escola se esforça para que
as aulas sejam prazerosas. Pelo menos foi isso que observamos ao acompa-
nhar 3 (três)turmas dos anos iniciais do ensino fundamental. Esses profes-
sores unem-se no sentido de promover aulas nas quais as crianças saiam
das quatro paredes da sala de aula e no pátio da aldeia e em seu entor-
no, valendo-se de um ambiente favorecido pela natureza, fazem com que
alunos e alunas apreendam os conteúdos ministrados vivenciando in loco,
numa demonstração em que o professor e sua metodologia podem fazer a
diferença, mesmo num ambiente desfavorável.
Nesse sentido, Maher (2006) entende que a escola indígena se confi-
gura como uma situação limite em termos de educação.
quados para sua implementação, visto que a Lei mais recente conjuga
da mesma preocupação de combater o racismo, desta feita contra os
indígenas, e afirmar os valores inestimáveis de sua contribuição, passa-
da e presente, para a criação da nação brasileira. (PLANO NACIONAL
DE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NA-
CIONAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS
E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA
E AFRICANA, 2009:21).
Segundo Maher (2007), desde que a escola nos moldes ocidentais en-
tra nas aldeias indígenas como decorrência do contato com a sociedade
envolvente, isto é, com os não índios, a questão da interculturalidade, ou
seja, de conseguir fazer dialogar conhecimentos e comportamentos cons-
truídos sob bases culturais distintas e frequentemente conflitantes, deve ser
entendida como o esteio, como a razão de ser da escola indígena. Para essa
autora, o desafio posto pela interculturalidade não pode, nesse contexto,
ser entendido como um plus, como um bônus, porque o investimento no
alicerce é o que justifica a existência dessa escola, é o que a ela dá relevância
política (MAHER, 2006).
Nesse sentido, a Lei 11.645/08, ao determinar que a história e a cultura
dos povos indígenas brasileiros devem ser contempladas no currículo ofi-
cial dos nossos sistemas de ensino, públicos e privados, está acenando com
a possibilidade se estabelecer mecanismos que favoreçam a unidade em
meio à diversidade. Diversidade essa que se apresenta também no âmbito
da sociedade majoritária.
Com efeito, a Constituição Federal do Brasil (CRF/1988), foi um marco
na redefinição das relações entre o Estado brasileiro e as sociedades indíge-
nas. Segundo Fleuri (2004), esse documento normativo passou a assegurar o
direito das comunidades indígenas a uma educação escolar diferenciada, es-
pecífica, intercultural e bilíngue. Para esse autor, os indígenas brasileiros dei-
xaram de ser considerados categoria social em vias de extinção e passaram a
ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito a manter sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. A Constituição
Federal assegurou a esses povos o uso de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem, devendo o Estado “proteger” suas manifestações
culturais. Ademais, fica garantido às comunidades indígenas o acesso a uma
escola com características específicas, que busque a valorização do conhe-
cimento tradicional vigente em seu meio, ao mesmo tempo em que forneça
instrumentos necessários para enfrentar o contato com outras sociedades.
Tudo isso será facilitado a partir do momento em que as escolas colo-
quem em prática o que reza a Lei 11.645/08. Afinal, é com o advento dessa
Lei que as escolas de nossa sociedade, assim como já acontece nas escolas
dos territórios indígenas, irão efetivar práticas pedagógicas que contem-
plem e valorizem a história dos povos que já habitavam as terras brasileiras
mesmo antes da invasão dos europeus.
Como visto anteriormente, essa lei por si só não garante uma rela-
ção dialógica rumo à interculturalidade. Mecanismos de aperfeiçoamento,
Considerações Finais
Referências
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171
172 Observações Acerca da Educação Apinayé...
Ainda Almeida (2011) nos diz que aprender língua portuguesa como
segunda língua, não é para o indígena uma opção, ela é estruturada como
obrigatória no sistema de ensino e é considerada por alguns líderes da al-
deia como a única forma de manter viva sua cultura e seu povo, pois através
do uso da língua do povo branco é possível debater, negociar e lutar pelos
próprios direitos. Segundo Novaes (2011), ao adquirir a capacidade de co-
municação com os brancos, os povos indígenas conquistam seu lugar na
luta pelos seus direitos, e são ouvidos pelas suas vozes e não pela represen-
tação que se faz deles. O bilinguismo passa a ser a forma mais eficaz de luta,
resistência e preservação, é a forma mais eficaz de evitar manipulações,
Entramos num assunto delicado, mas podemos dizer que esta não é
apenas uma prática dos apinayé. No último censo, o IBGE (2009) divulgou
dados mostrando que o Tocantins é o estado que tem mais crianças traba-
lhando, no total de 15,7% de sua população entre 5 e 17 anos de idade. O que
menos tem crianças trabalhando é o estado do Rio de Janeiro, com 3,93%.
Apesar de existir uma discussão acerca de mudança no Estatuto da Criança
e do Adolescente para incluir a visão indígena de trabalho infantil, gravidez
precoce etc., devemos ressaltar que sair com os mais velhos para aprender
a caçar, pescar, plantar, ajuda a criança a conhecer e ter contato com a cul-
tura de seu povo, não configurando como exploração do trabalho infantil.
Porém o que nos foi apresentado, pelos próprios professores índios, é que tal
trabalho é degradante e que tem características de exploração de seu povo.
Referências
183
184 Alfabetização das Crianças Apinayé: subsídios para o processo educativo
tidiano das aldeias eles utilizam da escrita; somente na escola. Não se man-
dam bilhetes, não se fazem listas de compras, não se enviam cartas, não se
escrevem histórias. Todo este processo ocorre de maneira oral, as histórias
são contadas e não lidas, os recados são falados. Diante disso as professo-
ras precisam se desdobrar na tentativa de aproximar a escrita da realidade
das crianças. Para isto elas trabalham relacionando as vogais, consoantes e
palavras a desenhos de animais e objetos conhecidos pelas crianças. Ainda
assim temos que contextualizar que estas crianças chegam à escola e pre-
cisam se adequar a uma série de regras institucionais e educativas, que até
então lhes eram desconhecidas. Ficar confinada dentro de quatro paredes,
sentada no mesmo lugar e ter que utilizar da capacidade imaginativa para
aprender se distancia de toda e qualquer experiência que ela havia experi-
mentado até então.
Segundo Nunes (2002) as crianças aprendem nas aldeias de forma li-
vre, no cotidiano, observando as experiências e realizando pequenas tarefas
condizentes com a sua realidade e costumes de seu povo. Quase tudo é
vivenciado, livre e com autonomia para que se possa conhecer a vida e as
responsabilidades da vida na aldeia. A escola limita seus movimentos, seu
espaço de ação e sua capacidade de experimentar. Solicita que imagine, re-
lacione e adquira uma docilidade do corpo, nunca antes sofrida. A criança
na escola terá que se adaptar a estes fatores e aprender os conteúdos previs-
tos. É isto que se espera de uma educação indígena adequada aos interesses
de sua comunidade? Nos parece, que essa educação é moldada com base
em parâmetros conhecidos - docilidade dos corpos, esquadrinhamento do
espaço e tempo, preparação para a obediência e para a produção (Foucault,
2004). Como nos lembra Nascimento & Brand (2011, p. 1) “esta educação
é calcada no contexto da urbanização e no objetivo explícito de disciplinar
para o trabalho dentro de valores sociais dominantes.”
Num outro contexto, Paulo Freire (1980), ao trabalhar com a alfabe-
tização de adultos através dos ‘círculos de cultura’, nos lembra da necessi-
dade daquelas pessoas vencerem não somente os aspectos cognitivos, mas
também os ideológicos para se situar de forma menos ingênua no mundo e
desvelar seu pertencimento, podendo assim se expressar numa nova forma
de linguagem – a escrita. Freire escreve (1976, p. 49)
“gostam mais da língua, gostam mais de pintar e brincar, tem vezes que
eu libero elas para brincar a vontade dentro da sala de aula. Eu quero
que eles aprendam a ler e a escrever a língua materna, porque os alunos
do sexto ano A e B não sabem, e eu não quero que aconteça o mesmo
com estas crianças”.
8 Grifo meu.
Referências
193
194 Resistência e Construção do Cotidiano entre os Apinayé
no final dos anos e 1970 e início dos anos de 1980 multiplicam-se as or-
ganizações governamentais e não-governamentais de apoio aos índios.
Nasce também a primeira organização indígena de âmbito nacional,
a (UNI), a partir da qual se formam outras organizações regionais ou
étnicas. São freqüentes os “Encontros de Educação Indígena”. Foram
escritos muitos documentos desses encontros, com reivindicações por
escolas diferenciadas e Declarações de Princípios. (ALBUQUERQUE
apnd MARFAN, 2003, p. 46)
3 – Referenciais teóricos
por autores como Michel de Certeau (1994) e Michel Maffesoli (2001), que
ora passam a ser, através de determinados conceitos que propuseram, a sus-
tentação teórica para abordagem que apresentamos. Discutiremos então, os
conceitos de tática e socialidade e a forma como serão empregados.
Não por acaso selecionamos nosso referencial teórico. Podemos dizer
que a percepção dos povos indígenas sobre seu atual posicionamento na
sociedade brasileira nos levou a cogitar a possibilidade de visualizar suas
práticas cotidianas de resistência. Aílton krenak, destacada liderança indí-
gena e coordenador da Rede Povos da Floresta assim percebe a situação dos
povos indígenas no Brasil:
contexto, sob quais condições e com base em quais fontes foi pro-
duzido esse saber? Em que medida a difusão de um conhecimento
assim produzido contribui para uma relação positiva dos índios com
a sociedade nacional ou reforça preconceitos discriminatórios? Qual
a contribuição indígena para a formação da identidade nacional? Afi-
nal, o que é que a atual sociedade brasileira sabe sobre as experiên-
cias passadas dos povos que habitaram milenarmente seu território?
Como reconstruir a história de sociedades sem escrita?” (Bessa Frei-
re, 2010, p. 4)
Os dois autores que utilizamos como suporte teórico têm suas propo-
sições acerca do cotidiano entendidas como complementares, pois enquan-
to De Certeau (1994) se preocupa com os procedimentos dos sujeitos den-
tro do território do outro, Maffesoli (2001) demonstra como esses mesmos
sujeitos colaboram de maneira furtiva dentro das condições impostas pelo
outro como objetivo de construção de espaços próprios.
Vejamos os conceitos utilizados. Michel De Certeau (1994) propõe
a tática como procedimento adotado por aqueles que necessitam opera-
cionalizar o jogo cotidiano dentro de referenciais estabelecidos pelo outro,
dentro de determinados padrões que não raro lhes são estranhos. Sabe-se
que, atualmente, muitos povos indígenas vivem em permanente contato
com a sociedade não indígena. Para observar as diversas nuances dessa
relação e, consequentemente nela buscar as resistências cotidianas, busca-
remos as proposições de De Certeau (1994). Assim ele estrutura e expõe
aquilo que entende como tática:
“um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com
uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática
só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem
apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe
de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas expansões e
assegurar uma independência em face das circunstâncias. O próprio é
uma vitória do lugar sobre o tempo. Ao contrário, pelo fato de seu não-
-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para captar no vôo possibi-
lidades de ganho. O que ela ganha, não o guarda. Tem constantemente
que jogar com os acontecimentos para os transformar em ocasiões.
Sem cessar o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas.”
(De certeau, 1994, p. 78).
interpretada como atos de conquista de um dia a dia que deve ser vivido
que, na percepção de Michel Maffesoli (2001), deve passar pela chamada
conquista do presente.
Obtivemos, nas entrevistas e observações, respostas que nos possibili-
tam realizar uma série de discussões acerca daquilo que propusemos como
objeto de pesquisa. Nas respostas dadas por um vice-cacique da aldeia
São José, é possível visualizarmos um pouco da visão dos apinayé sobre
essas questões. Questionado acerca da relação estabelecida entre a cultura
apinayé e as práticas não indígenas, nos mencionou a preocupação com
a compreensão e manuseio de referenciais de origem externa. Disse-nos
ainda que há uma inegável importância no aprendizado de referenciais não
índios, que são necessários para um melhor viver. No entanto, prossegue:
é preciso haver um cuidado para que esses referenciais não subjuguem os
dos indígenas, que sirvam somente como uma ponte para as relações que
devem se estabelecer entre índios e não índios.
A percepção de que há a necessidade de compreensão e utilização de
determinados mecanismos utilizados pelas sociedades não indígenas bem
como o conhecimento de um passado marcado por conflitos expõem a
ampla capacidade de visualização das questões envolvendo o processo de
relação entre índios e não índios. Diz o vice-cacique : “antigamente os mais
velhos sempre lutavam e brigavam através das burdunas, arco e flecha, mas
hoje não. Nós jovens sempre brigamos através da caneta, e hoje esse mundo
muito tecnológico, avançado, nós temos que acompanhar essa tecnologia
avançada”.
Entendimento oposto ao verificado acima podemos encontrar nas
palavras de um dos mais velhos habitantes da aldeia São José. Segundo
ele, as práticas não indígenas exerceram tal poder de influência entre os
apinayé que tornaram-se elementos de desconfiguração de seus hábitos.
Diz ele: “a questão da cultura é o seguinte os novos não querem mais sa-
ber é por isso que eu tava brigando com os caciques, que os caciques que
entraram não interessam também de ativar a rapaziada, a mãe e o pai das
pessoas, que é para cantar no pátio, porque fizemos uma festa aí no dia do
índio, aí os mais novos não querem porque vocês já ensinaram a cultura
de vocês para eles, aí eles querem acompanhar a cultura de vocês, eles não
querem acompanhar a nossa cultura, eu tava cantando para um vizinho
que se acabou, a eu disse quando os mais velhos se acabar tudo, vocês não
sabem nem mais a cultura de vocês as cantigas de vocês, vocês vão ficar aí
que nem os Carajá (...)”.
5 – Discussões finais
Referências
Os Contextos Investigados
Os Indígenas Xerente
207
208 Etnomatemática e Investivação Matemática em Contextos Indígenas
[...] ação pedagógica que irá atuar como mediador entre o conheci-
mento matemático, adquirido pelo grupo cultural, e o conhecimento
matemático acadêmico. [...] Partindo destes pressupostos, o programa
etnomatemática oferece aos professores e aos educadores as ferramen-
tas necessárias para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico di-
recionado [...]. (ROSA; OREY, 2006, p. 31-33).
Nossas escolas são diferentes das escolas da cidade, aqui tem muitos
materiais (livros, computadores, energia...), Em muitas de nossas Al-
deias as escolas são de palhas, falta material (caderno, merenda esco-
lar...). Por isso estamos aqui para aprender novas coisas para ensinar
para as nossas crianças indígenas. [...] A matemática é muito importan-
te e nós não sabemos como lidar com ela, muitos de nós não sabe fazer
contas. O livro de matemática é o mais difícil, por isso o usamos muito
pouco na escola.
E, são a partir das reflexões dos professores que as tomamos como res-
postas aos nossos questionamentos e passamos então a atuar diretamente
com eles, tendo-os como os sujeitos do ensino e da aprendizagem, ou seja,
os professores indígenas são envolvidos como pesquisadores de sua própria
formação inicial, “[...] como criador de estratégias didáticas com base em
seu saber, em elementos de sua cultura, expressos segundo sua própria vi-
são de mundo, sua sensibilidade e criatividade” (CORRÊA, 2004, p. 331).
Dessa forma, a cada atividade que propomos tomamos como referên-
cia o conteúdo matemático e juntamente com os professores buscamos as
interações e conexões entre os aspectos culturais próprios e os conheci-
mentos ora apreendidos, por meio do contato com o não-indígena e com
professores indígenas de outros povos que frequentam o mesmo curso de
formação. Isso nos induz a caminhar rumo à ação pedagógica alicerçada
na interculturalidade e na intraculturalidade, de tal modo que os alunos
professores possam, “[...] representam o potencial criativo da espécie”
(D’AMBROSIO, 2004, p. 42).
De modo a despertar o interesse e a criatividade do indígena professor,
buscamos na realização das atividades de ensino a expressão da identidade
2 Com o título “O Ensino de Matemática nas Escolas Indígenas Apinayé Mariazinha e São
José na Perspectiva da Etnomatemática”, coordenado pela Profa. Elisângela Aparecida
fessor em contexto próprio. Este projeto foi idealizado com base em minha
atuação como colaboradora do “Projeto Observatório da Educação Escolar
Indígena3”, na área do ensino da Matemática.
As atividades delineadas para as nossas ações neste projeto estão vol-
tadas para a extensão e cultura e visam, entre outros aspectos, propiciar ao
indígena professor uma sustentação teórica em sua formação pedagógica e
didática, por meio de estudos e pesquisa em Educação Matemática e Etno-
matemática, a partir do ensino da Matemática, tendo por base a educação
escolar indígena, sendo esta permeada pelo bilinguismo, a interculturalida-
de, a intraculturalidade e a cultura indígena em sala de aula.
Mas, para que possamos proporcionar ao indígena professor a inte-
ração entre suas práticas culturais, a sua formação e a sua atuação em sala
de aula e, em especial, o ensino da Matemática em contexto sociocultural
de aprendizagem, faz-se necessário conhecer o outro, no caso deste estudo,
os Apinayé, no tempo e no espaço, considerando nesse contexto a própria
constituição deste povo.
Assim, tomamos como referência os estudos e pesquisas que vêm sen-
do realizadas por Albuquerque (2007; 2008), que há mais de 12 anos vem
atuando em Projetos de Apoio Pedagógico à Educação Apinayé.
Os Apinayé estão localizados em terras indígenas, no município de
Tocantinópolis, estado do Tocantins. Pertencem ao tronco Macro-Jê e à fa-
mília linguística Jê, falada por aproximadamente 1 800 pessoas, são bilín-
gues e mantêm com vitalidade seus hábitos e costumes tradicionais, mesmo
com a imposição cada vez mais acirrada imposta pelo contato direto com
os nãos indígenas, como descreve Albuquerque (2007, p. 212):
De fato, para os Apinayé, o sol e a lua são as duas entidades que criaram
o universo e a humanidade, quando resolveram descer para a terra que
estava imersa no caos. Entretanto, os Apinayé sempre se referem ao sol
como o principal elemento. Foi ele quem teve a iniciativa de vir para a
terra e é ele quem, geralmente, tem a primazia nas ações do mito que
relata a criação do universo.
Referências