Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
1. A literatura e a sua função para mim (ou o lugar de onde eu falo): foi graças a
literatura que eu me formei enquanto cidadão e enquanto pessoa. Foi por ela
que aprendi que a leitura e o estudo podem me ensinar coisas relevantes para a
minha própria vida e o mundo em que vivo. Foi a literatura que me ensinou que
o conhecimento pode me propor questões que me transformam, dilemas éticos,
morais e políticos que me circundam. Ou seja, foi a literatura a responsável por
me abrir o horizonte e querer conhecer mais sobre filosofia, sociologia,
psicologia etc. Ou seja, em vez de dizer que sou doutor em Psicologia Social e o
modo como a literatura se inscreve em minhas pesquisas, prefiro falar do meu
encontro com a literatura, que se deu muito anos antes de eu entrar na
universidade.
2. A literatura sempre foi, para mim, uma das lentes através das quais eu podia
enxergar melhor o mundo. A literatura é, para mim, uma espécie de forma de
pensamento capaz de elaborar conhecimentos sobre nós mesmos e nosso
mundo. Por meio da literatura, eu conheci debates filosóficos, históricos,
sociológicos, éticos etc. Intuitivamente eu gostava dos autores da literatura
russa (Dostoievski, Tolstoi, Gogol, Tchékov etc.). Anos depois vir a entender que
não é toda literatura que se coloca para si a tarefa de pensar um determinado
momento de um determinado mundo.
3. O meio da literatura sempre me pareceu muito mais fraterno do que o mundo
das disciplinas e das ciências humanas. O mundo da academia é muito regido
por grupos, departamentos, donos de autores. E o mundo da literatura parece
ficar à margem, ela parece sempre escapar às capturas da academia.
4. O que me parece ainda mais fascinante na literatura é a capacidade de expressão
estética que condensa as forças de um determinado tempo histórico, às vezes
antecipando fenômenos (Admirável Mundo Novo, 1984 etc.), outras vezes
condensando fenômenos (Cidade de Deus, Os Irmãos Karamazov etc.). Trata-
se, então, de uma forma particular de compreensão do mundo.
Antônio Cândido (Rio de Janeiro – 1918 / 98 anos)
ii. Trabalho livre e sem relação de favor: as pessoas podem trabalhar onde
querem e são capazes, sem prestar continência, vivendo somente de seu
mérito individual. Onde a inscrição social dos indivíduos não passa mais pela
submissão corporal mas sim pelo contrato livre e esclarecido entre partes
iguais. [Friedrich Hegel]: a dominação negociada é um avanço da civilização
moderna. A sociedade moderna é uma forma social que ainda
permanece existindo a dominação, mas de maneira combinada e
democrática, diante da qual tanto o trabalhador tem direitos
quanto o empregador (contrato). Ou seja, uma sociedade na qual
o favor ficou para trás.
# FAVOR X CONTRATO
e) Há, então, entre nós, uma estranha dialética negativa. Isto é, não aquela
dialética do progresso, mas uma dialética negativa onde o passado se
presentifica.
f) A obra Formação da Literatura Brasileira [1959] está empenhada em estudar
o desejo dos brasileiros de constituir uma literatura própria, com conteúdo
nacional específico. Nesse sentido, o papel do intelectual Antônio Cândido é
com a formação de uma cultura autônoma num país periférico e atrasado. Ou
seja, ele se situa no interior do debate cultural: valores e normas produzidas no
Brasil.
g) Antônio Cândido é, acima de tudo, um intelectual no sentido de Sartre. E,
principalmente, um crítico da cultura, como Sigmund Freud, Friedrich
Nietzsche.
a) “O externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado,
mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da
estrutura, tornando-se, portanto, interno” (Literatura & Sociedade, p. 6).
b) A obra literária petrifica a forma social, transforma o fluxo social e histórico
(conteúdo) numa forma estética. Isso significa que o conteúdo é articulado no
interior da forma literária. A literatura não registra, não fotografa, não é um
documento de verdade incontestável mas necessariamente um testemunho de
uma época. Enquanto testemunho, depende de quem escreve, quando escreve,
como escreve, por que escreve etc.
c) Filiação a uma tradição heterodoxa inspirada em Marx: Georg Lukács e Theodor
Adorno. Para estes autores, a crítica literária é o exercício intelectual que
demonstra o social por dentro da obra.
d) A crítica dialética não é uma teoria estética geral. Ela não propõe parâmetros
globais independentes das obras que serve para analisá-las à distância.
e) O diagnóstico lukácsiano para a dissolução da epopeia e o aparecimento do
romance. O que uma mudança tão radical na forma da narrativa diz sobre o
mundo em que vivemos? Tensão entre as aspirações do indivíduo e a
objetividade reificada do mundo.
f) Historicidade da forma e a lógica do conteúdo. Isto significa que, por um lado,
as formas pelas quais se representa a realidade mudam de acordo com a história.
Estes novos estilos, estes novos modos de representar a realidade não surgem
de uma dialética imanente das formas artísticas, ainda que estejam ligadas a
formas e estilos do passado. Todo novo estilo surge da vida, em consequência
de uma necessidade histórica e social. Por outro lado, não significa dizer que se
continue representando a realidade da mesma maneira mas de formas distintas.
Cada forma carrega consigo novos conteúdos, por isso, uma lógica do conteúdo.
g) Para esta tradição, o social não é aquilo que “reflete na obra” mas aquilo que a
constitui. Esse gesto provoca uma certa transformação: em vez do julgamento
comum de que para entender uma obra você deve entender primeiro uma
sociedade, pode ser que você tenha primeiro que entender o dinamismo de uma
obra literária para compreender a sociedade.
i. Romance Urbano, isto é, cuja preocupação é retratar a vida dos cidadãos sob
o reinado de D. João VI.
ii. Exercício comparativo com: Senhora (1875), de José de Alencar; e A
moreninha (1844), de Manuel de Macedo.