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A antiga disputa entre o Cristianismo e o Gnosticismo

Qual interesse existe em estudar o gnosticismo antigo, uma religião-filosofia que


se opôs ao cristianismo faz uns 1900 anos? Pareceria uma tarefa de mero
interesse histórico e, no entanto, tem também um interesse atual; refiro-me às
mudanças de época que se estão levando a cabo em nossa sociedade.
Estudando e aprofundando nas antigas teses gnósticas, podemos entender
melhor o gnosticismo moderno que está na base de correntes filosóficas como a
Teosofia, a New Age, a Maçonaria e a globalização.
O gnosticismo moderno foi influenciado pela Teosofia a qual, por sua vez,
absorveu elementos de religiões orientais como o hinduísmo.
Um dos fundamentos do hinduísmo, de fato, é que o Eu, “atman”, alma
individual ou partícula de Deus, invade todo ser vivente e faz parte do
“brahman”, ou melhor, da alma universal. Na base deste conceito está a
possibilidade, para cada um de nós, de unir-se com a alma universal, ou seja, com
“Deus”, através do “conhecimento” (a palavra gnosticismo deriva do grego
“gnose”, conhecimento). É o conceito que se baseia a ioga, filosofia hindu que
faz parte das tradições hinduístas.
Este conceito, no entanto, é oposto ao cristianismo. Segundo a fé cristã, de fato,
nenhum ser humano tem “uma partícula de Deus em seu interior”, e a salvação
se alcança através da humildade e não através do conhecimento.
Particularmente, a doutrina ensinada por Jesus Cristo afirma que, para salvar-se, o
homem deve arrepender-se de seus pecados, confessá-los e crer em Jesus Cristo,
ou seja, crer que seu sangue tirou o pecado do mundo.
Como vemos os dois conceitos são opostos. Inclusive, hoje em dia, muitos
cristãos pensam que, depois da morte, sua alma se “unirá com Deus”, sem sequer
parar para pensar que as duas crenças são opostas entre elas.
No entanto, se para o gnosticismo moderno está comprovada sua origem
teosófica e sincrética, portanto oriental e hindu, no que diz respeito ao
gnosticismo antigo, esta origem não está comprovada. Pensa-se, no entanto, que
o gnosticismo antigo tem suas raízes nos cultos das religiões misteriosas, tanto
babilônicas como egípcias. Uma das correntes mais antigas do gnosticismo antigo
é o mandeísmo, baseado em um sistema de dualismo. De um lado, de fato, está
um Deus “bom” e um mundo habitado por anjos; de outro, há um Deus
“maligno” e um mundo habitado por demônios. No gnosticismo médio-oriental
havia muitas outras correntes como, por exemplo, os barbelo-gnósticos, cujos
textos de referência foram o Evangelho de Maria e o Apócrifo de João, que
foram confutados por Irineu de Lyon.
Uma das correntes gnósticas mais importantes foi a chamada gnose-helenística,
que se desenvolveu em Alexandria do Egito a partir do início do II século da era
cristã. Naquele período, de fato, a Boa Nova estava difundindo-se em todo o
mundo mediterrâneo. O chamado “kerygma”, de fato, ou seja, a crença de que
Jesus Cristo é o Unigênito Filho de Deus, o Verbo encarnado, que veio à terra
para tirar o pecado do mundo, e que foi injustamente crucificado para logo
ressurgir dentre os mortos no terceiro dia, estava consolidando-se na gente,
especialmente nas zonas orientais do império.
A assídua obra evangélica de Paulo de Tarso tinha dado muitos frutos na Grécia.
Em princípio, Paulo tinha sido acolhido com frialdade, especialmente em Atenas,
já que a ressurreição do Senhor que ele predicava não convencia as mentes
neoplatônicas dos sábios do Areópago. De fato, os eruditos gregos viam a morte
como uma liberação da alma e do corpo; a ideia de uma ressurreição na carne
parecia um regresso ao cativeiro do corpo. Logo, no entanto, os gregos
começaram a valorizar as cartas de Paulo, e formaram algumas comunidades de
cristãos em Éfeso, Corinto, Filipos, Olimpos, Colossas e Salônica. Enquanto os
deuses do Olimpo eram frios e distantes, a fé cristã aquecia os corações, já que
predicava que Jesus Cristo, o Verbo, se fez carne e tinha vindo entre os homens
(Evangelho de João 1, 11) com o fim principal de tirar o pecado do mundo e,
portanto, de salvar-nos, tornando-nos verdadeiramente livres.
Ao mesmo tempo em que Paulo de Tarso cumpria sua ação evangelizadora,
outros apóstolos e evangelistas divulgavam o “kerygma” no mundo.
O apóstolo Pedro dirigiu-se a Roma, onde foi martirizado e teve seguidores. O
evangelista Marcos dirigiu-se a Alexandria do Egito onde, depois de haver
predicado o Evangelho, foi martirizado, mas teve sucessores. O evangelista João
viveu por muito tempo em Éfeso e teve vários seguidores, entre os quais
Policarpo de Esmirna e Inácio de Antioquia. O apóstolo André foi o primeiro
bispo de Bizâncio, cujos sucessores foram Estácio e Onésimo. Os apóstolos
Judas Tadeu e Bartolomeu divulgaram o Evangelho em Armênia, o apóstolo
Tomás dirigiu-se, segundo a tradição, até a Índia.
No entanto, enquanto a nova fé era difundida, enfrentava-se com outros cultos
pré-existentes, as chamadas religiões misteriosas. Muitas pessoas ficaram
fascinadas pela história de Jesus Cristo, mas como tinham nascido e crescido em
um substrato cultural impregnado de cultos misteriosos e iniciáticos, começaram
a dar uma própria interpretação do cristianismo, diferente da apostólica. Estas
pessoas, portanto, consideraram o novo culto à luz do antigo. Não podiam negar
a pessoa de Jesus Cristo, posto que fosse evidente sua existência histórica, e não
podiam sequer negar sua figura imensa, já que reconheciam o valor de seus
ensinamentos e de suas obras; viam que muitos estavam dispostos a morrer por
ele, só por não negar seu nome. No entanto, não tinham a coragem de abraçar
sequer o “kerygma”, ou seja, o fato de que Jesus Cristo tinha vindo para tirar o
pecado do mundo, de que tinha sido assassinado e de que tinha ressurgido dentre
os mortos no terceiro dia.
Essa gente acreditava que a salvação não se alcançava através do arrependimento
dos próprios pecados e através da fé em Jesus Cristo, já que acreditavam que a
salvação podia ser alcançada com a gnose, ou melhor, com o conhecimento. O
gnosticismo tinha, portanto, uma característica iniciática não aberta a todos e
uma concepção cristológica diversa já que, segundo os gnósticos, o Verbo não
podia fazer-se carne, uma vez que se manifestou em espírito mostrando um
aparente corpo material. Segue que o sofrimento de Jesus Cristo na cruz tinha
sido um ato aparente, não tinha tirado “o pecado do mundo” e também a
ressurreição tinha sido então um fato alegórico e aparente.
Esta crença, chamada “docetismo” (do grego dokein, parecer ou parecer a
alguém), demostra ser falsa por várias razões. Primeiro que tudo, se Jesus tivesse
tido somente um corpo espiritual e não real, como teria podido experimentar
sentimentos e emoções, como pode chorar e como pode sentir sede e sofrer na
cruz? Todos estes fatos estão transmitidos nos Evangelhos e nos outros livros
neo-testamentários. Além disso, na Primeira Carta de João (4, 1-2), reafirma-se
que Jesus Cristo veio com um corpo físico, na carne:

Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos
falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o
espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus;

Além disso, se Jesus tivesse tido somente um corpo “aparentemente físico”, não
teria podido mostrar suas feridas aos apóstolos logo da ressurreição. Vejamos,
com tal propósito, algumas passagens do Evangelho de João (20, 26-28):

E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus,
estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco.
Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no
meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.
E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!

Além disso, se os sofrimentos de Jesus e, portanto, sua morte tivessem sido


aparentes, como teria podido Jesus declarar sua ressurreição depois de três dias?
Como teria podido declarar que tinha vencido o pecado e a morte? Teria sido um
impostor, porque teria mentido. Neste caso, os apóstolos mesmos, de terem sido
honestos, o tinham desmascarado e, obviamente, não tinham divulgado a Boa
Nova.
Não obstante, se os apóstolos acreditavam na ressurreição de Jesus, era porque
estavam seguros de sua morte. Se tivessem divulgado uma ressurreição que nunca
tinha sucedido, sabendo que divulgavam algo falso, então teriam sido impostores.
Mas, se tivessem sido impostores, não teriam caminhado ao martírio para afirmar
sua predicação e seus escritos. (De fato, quase todos os autores dos livros do
Novo Testamento morreram de martírios; refiro-me a Marcos, Mateus, Paulo,
Pedro, Judas Tadeu, Santiago).
Vejamos, portanto, que é primeiro que tudo a lógica a que demostra a falsidade
da hipótese docetista.
A falsa tendência docetista foi confutada por vários bispos e teólogos cristãos.
Vejamos, a propósito, algumas passagens da Carta aos Tralianos (9, 1-2) de
Inácio de Antioquia:

Sejais surdos, pois, quando alguém vos fale aparte de Jesus Cristo, que era da raça de Davi,
que era o Filho de Maria, que verdadeiramente nasceu e comeu e bebeu e foi certamente
perseguido baixo Pôncio Pilatos, foi verdadeiramente crucificado e morreu à vista dos que
existem no céu e os que existem na terra e os que existem debaixo da terra; o qual, além disso,
verdadeiramente ressuscitou dos mortos, havendo sido ressuscitado por seu Pai, o qual, da
mesma maneira nos levantará a nós os que temos acreditado nele—seu Pai, digo, nos
ressuscitará em Cristo Jesus, aparte do qual não temos verdadeira vida.

Para fechar o discurso sobre a corrente gnóstica do docetismo, recordemos que


na crença cristã, o Verbo encarnado, ou seja, Jesus Cristo tinha que ter,
obrigatoriamente, duas naturezas: verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Verdadeiro homem para poder sofrer como nós mesmos, demonstrando-nos que
o maior amor é dar a vida pelos próprios amigos. Vejamos, a tal propósito, uma
passagem do Evangelho de João (15, 13):

Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.

É verdadeiro Deus por poder “tirar o pecado do mundo” (Evangelho de João 1, 29)
e, com a ressurreição, demostrar que venceu o pecado e a morte.

Voltemos agora ao gnosticismo cristão, que foi uma espécie de sincretismo entre
conceitos gnósticos e o cristianismo.
Os gnósticos pensavam “poder elevar” o cristianismo de uma escala que eles
consideravam “inferior” à escala sublime do conhecimento (gnose).
Com este fim, começaram a produzir uma notável quantidade de escritos que se
podem distinguir em três categorias.
Primeiro que tudo foram relatos escritos anônimos que mostravam paralelismos
com os livros canônicos do Novo Testamento. Tinham como objetivo
apresentar doutrinas gnósticas através de supostas revelações de Jesus Cristo aos
apóstolos.
Nesta primeira categoria estão os chamados Evangelhos Gnósticos, os Atos
Apócrifos dos Apóstolos e algumas Cartas Apócrifas dos Apóstolos.
Os Evangelhos Gnósticos anônimos mais importantes são: a Pistis Sophia, uma
exaltação do rol de Maria Magdalena, que seria a encarnação do Eón Sophia
(séculos II-III); o Apócrifo de João, que transmite a concepção da tripartição dos
homens entre terrenos, psíquicos e espirituais (final do século II); o Evangelho de
Maria, que exalta o rol de Maria Madalena (metade do século II); o Evangelho de
Tomás, que é uma recopilação de provérbios de Jesus, considerados em chave
gnóstica (século II). Entre os Atos Apócrifos dos Apóstolos recordam-se os Atos
de João, de Pedro, de André e de Paulo (final do século II), pertencentes ao ciclo
leuciano, e os Atos de Tomás (século III), todos os textos com fortes influências
gnósticas.
Há, além disso, numerosas cartas apócrifas de influências gnósticas, como a Carta
dos Coríntios a Paulo (século II) e a Carta de Pedro a Felipe (século II).
Na segunda categoria há vários “Apocalipses Gnósticos”, como o Apocalipse de
Paulo (final do século II – IV século) ou o de Pedro (final do século II- III
século).
Na terceira categoria há vários escritos teológicos, éticos, dogmáticos, atribuídos
a pensadores gnósticos como Valentino (100-165 d.C., Evangelho da Verdade,
Evangelho segundo Felipe, Tratado sobre a Ressurreição), Basílides (ativo do 117
ao 138 d.C., Evangelho de Basílides), Marcião (85-160 d.C., Antítese, Canon
Marcionita).
Mas, qual era a cosmologia do gnosticismo cristão?
Na visão gnóstica-helenística, Deus, chamado também o Uno ou Mônada (do
grego µονάς monas, "unidade" de µόνος monos, "uno", "só", "único"), tinha
gerado 30 cópias de eones, compostos sempre por uma entidade masculina e
uma entidade feminina. Esses eóns tinham formado o “pleroma”, ou a plenitude
de Deus, portanto não devem ser vistos como distintos da divindade, senão
como abstrações simbólicas da natureza divina. A transição do mundo imaterial
ao espiritual tinha sido causada por uma imperfeição, um defeito ou um
“pecado”, em um desses eóns.
Em muitas versões dos mitos gnósticos, e também segundo o estudioso alemão
Albert Ehrhard, seria a entidade feminina Sophia a que tinha causado essa
imperfeição, porque tinha querido ser igual a Mônada. Logo dessa confusão,
Sophia, com seu temor e sua angústia, produziu ao demiurgo, que a sua vez criou
a matéria e as almas. Porém, o demiurgo foi gerado de um erro, um defeito e é
por isso que cria um mundo imperfeito, falaz, errôneo, onde dominam a dor e o
mal. Na “Pistis Sophia”, o eón Cristo foi emanado por Deus para devolver a
Sophia ao pleroma. O eón Sophia, mostrando-se na forma humana de Maria
Madalena, tinha sido assim “reconduzido ao caminho correto” pelo eón Cristo,
aparecido na forma do homem Jesus, que foi enviado por Deus à terra para
proporcionar aos humanos a gnose necessária para poder abandonar o mundo
físico e poder voltar ao mundo espiritual.
Nota-se de imediato que a cosmologia do gnosticismo-cristão deriva de uma
estranha cópia da cosmologia bíblica. Sophia e seu erro ou “pecado” recordam o
“pecado original” de Eva.
É como se os pensadores gnósticos tivessem se inspirado no “Gênesis” bíblico
para logo construir uma cosmologia própria, que carece, no entanto, de
originalidade.
Em geral, os escritos gnósticos refletem uma visão negativa da criação. Deus
vétero testamentário (YHWH) seria, na visão gnóstica, justamente o demiurgo.
Daí que, para os gnósticos, o mundo estaria corrompido e dominado pelo mal,
porque, segundo eles, o demiurgo era imperfeito.
Porém, da leitura da Bíblia deduzimos claramente que Jesus Cristo, o Verbo
encarnado, é Yahweh, ou seja, o Deus vétero testamentário.
Vejamos algumas passagens para deixar claro esse ponto. Na seguinte passagem
de João (8, 23-24), Jesus, atribuindo a si mesmo o nome com o qual Deus
revelou-se a Moisés (“Eu sou”, em Êxodo 3, 14) se põe a par com Deus.
E também, nesta passagem do Evangelho de João (8, 58):

Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.

Vejamos um ponto dos Salmos (Salmos 33:6): “Pela palavra de Jehová foram feitos os
céus e todo o exército pelo alento de sua boca”.

De modo que nos Salmos afirma-se que o Eterno (Deus) criou os céus.
Porém, no Evangelho de João (1, 3) afirma:

Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

Com uma lógica simples se entende que Deus criou os céus (Salmos) e o Verbo
criou cada coisa (João 1,3). Óbvio, porque o Verbo é Deus.

No Livro de Isaías está escrito (44, 6):

Assim diz Jehová, Rei de Israel, e seu Redentor, Jehová dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu
sou o último e fora de mim não há Deus.

E no Apocalipse de João diz (1, 17-18):

E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me:
Não temas; Eu sou o primeiro e o último;
E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as
chaves da morte e do inferno.
Deduz-se, portanto, que para o evangelista João, Jesus Cristo, o Primeiro e o
Último, coincide perfeitamente com o Deus descrito por Isaías, também o
Primeiro e o Último.
Outra frase importante com a qual Jesus declarou sua plena identidade e
coincidência com YHWH é a seguinte, em resposta ao sumo-sacerdote, extraída
do Evangelho de Marcos (14, 61-62):

Mas ele calou-se, e nada respondeu. O sumo sacerdote lhe tornou a perguntar, e disse-lhe: És tu
o Cristo, Filho do Deus Bendito?
E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e
vindo sobre as nuvens do céu.

Nessa passagem Jesus respondeu claramente, usando as palavras da visão de


Daniel (7, 13-14).
De todas essas passagens e de outras da Bíblia, deduz-se claramente que os
apóstolos predicaram que Jesus Cristo, Verbo encarnado, não era outra coisa que
o mesmo idêntico Deus vétero testamentário, ou seja, YHWH. Os gnósticos, ao
contrário, negando ao verdadeiro Jesus Cristo e aos apóstolos, que viveram com
o Messias e que divulgaram sua mensagem até o martírio, repudiaram ao Deus do
Antigo Testamento, reconhecendo-o em seu demiurgo.
No demiurgo gnóstico coexistiam três naturezas: material, psíquica, espiritual. E
daí que para os gnósticos também os humanos distinguiam-se nessas três classes.
Na soteriologia gnóstica valentiniana, a salvação não estava relacionada com o
pecado e Cristo não era verdadeiro Deus e verdadeiro homem como na crença
cristã, pois era somente um ser divino. Para Valentino, os seres humanos
materiais (os pagãos) não se salvam, os psíquicos (cristãos e hebreus) poderão
unir-se com Deus segundo seu comportamento durante sua vida terrena,
somente, no entanto, quando Sophia seja uma com o eón Cristo. Somente os
humanos espirituais, ou seja, os gnósticos poderão unir-se diretamente com
Deus. De fato, na doutrina valentiniana, o mundo físico durará até que o último
elemento espiritual que saia do demiurgo retorne ao pleroma para unir-se com
Deus.
Na prática, na visão gnóstica, o mundo corrupto, derivado de um erro de Sophia,
é como se fosse Deus petrificado. É o homem quem, com a gnose, anula o
mundo terreno. Portanto, é o homem quem, com a gnose, “salva a Deus” e
restabelece a plenitude do pleroma.
No cristianismo, ao contrário, é Deus quem, encarnando-se em Jesus Cristo,
salva ao homem.
Primeiro que tudo, observamos que a visão gnóstica não foi uma fé original, mas
uma adaptação de conceitos gnósticos aplicados ao cristianismo, em forte
contraposição com o Antigo Testamento. Os gnósticos, vendo somente a
negatividade do mundo terreno, ou seja, o mal, dor e o sofrimento, atribuíram a
YHWH, quem identificavam com o demiurgo mau.
Jesus, por outro lado, não podia ser refutado porque, como já mencionei, foi um
personagem histórico e muitos estavam dispostos a morrer por ele. Portanto,
levaram a cabo um sincretismo, adaptando-o à sua crença.
O “Jesus gnóstico” que resultava, portanto, não era já o narrado pelos apóstolos,
que foram quem viveu com o Salvador, já que era o inventado e idealizado pelos
gnósticos. Aquele “Jesus gnóstico” não tinha sofrido na cruz, já que sua natureza
genuinamente divina lhe impedia de sofrer e, portanto, tão pouco a Ressurreição
tinha sentido, era uma alegoria. A importância da chegada de Jesus era somente e
unicamente sua ação de “ponte” que podia levar a homem até a verdadeira gnose
e, portanto, a Deus. Disso resulta um Jesus completamente falsificado e alheio
aos textos neo-testamentários.
Também a escatologia cristã neo-testamentária é suprimida por completo. Está
totalmente ausente a parusia do Senhor, e a ressurreição dos corpos e o juízo
final são conceitos inexistentes.
Outra característica do gnosticismo é que os mestres iniciados eram superiores
aos adeptos.
No cristianismo antigo, ao contrário, não havia hierarquia e todos tinham os
mesmos direitos e deveres. Não existiam chefes, mas bispos (ἐπίσκοπος,
supervisores). Como a crença cristã exige mudanças radicais não somente em
palavras, mas também em fatos, os bispos que predicavam essa mudança de
paradigma tinham que demostrar nos atos que eles estavam dispostos a deixar
tudo por Jesus Cristo. Não somente tinham que demostrar que viviam de modo
irrepreensível e aprazível, não somente tinham que abandonar suas propriedades
materiais para doá-las à comunidade, vivendo e compartilhando seus bens, como
tinham que estar dispostos a anteferir a Cristo inclusive a suas vidas. E isso foi o
que fizeram: de fato, a maioria dos bispos ou dos sábios cristãos que viveram
depois da morte de João, na chamada “idade patrística”, morreram martirizados,
dando testemunho extremo (mártir significa testemunha em grego) de Jesus
Cristo.
Refiro-me, por exemplo, a Clemente de Roma (morto em 100 d.C.), Inácio de
Antioquia (35-107 d.C.), Policarpo de Esmirna (69-155 d.C.), Justino Mártir (100-
168 d.C.), Irineu de Lyon (130-202 d.C.), Hipólito de Roma (170-235 d.C.),
Orígenes (185-254 d.C.), Cipriano (210-258 d.C.), Metódio de Olimpo (250-311
d.C.). Sua principal força, então, foi a fé inquebrável em Cristo, demostrando
com o martírio.
Os pensadores gnósticos, ao contrário, não estavam dispostos a morrer por sua
fé. Os seguidores de Basílides e de Valentino repudiavam o martírio. De fato,
diziam: “Confessar Deus com a morte é um suicídio” (1).
Os seguidores de Basílides acreditavam que os tormentos sofridos pelos mártires
cristãos eram o justo castigo pelos pecados cometidos na vida anterior (indício de
crenças na reencarnação). Há indícios, então, de que os seguidores de Marcião e
Montano valorizam a ação dos martírios. Em geral, de todos os modos, deduz-se
que entre os gnósticos, praticamente nenhum estava disposto a morrer para
afirmar “o eón de Cristo”.
Estava, além disso, o conceito que está na base dos cultos iniciáticos, que estava
na base do gnosticismo: segundo a Pistis Sophia, Jesus havia transmitido a seus
seguidores um ensinamento “secreto” e “oculta”, especialmente despois do
evento da ressurreição que, no gnosticismo, é uma alegoria.
Demostramos assim facilmente que os gnósticos predicavam um “Jesus
gnóstico” que nunca existiu. Primeiro que tudo, os apóstolos e os autores das
teses neo-testamentárias predicaram que o ensinamento de Jesus não foi nunca
esotérico, ou seja, reservada a poucos, senão completamente pública, ou melhor,
aberta a todos. A mensagem de Jesus Cristo no Novo Testamento estava dirigido
não somente a seus seguidores, mas também e sobretudo a seus não seguidores,
ou seja, aos pecadores, aos gentis (ver episódio da samaritana), aos soldados
romanos (ver episódio do servo do centurião).
No ensinamento gnóstico, fruto de um sincretismo forçado, o ensinamento de
Jesus estava reservado a poucos iniciados, enquanto que o verdadeiro e único
Jesus Cristo ensinou abertamente a todos os que se declaravam dispostos a
escutá-lo.
Vejamos, a tal propósito, a passagem do Evangelho de João (18, 19-21):

E o sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina.
Jesus lhe respondeu: Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo,
onde os judeus sempre se ajuntam, e nada disse em oculto.
Para que me perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles
sabem o que eu lhes tenho dito.

Além disso, no cristianismo está o conceito de que os pobres de espírito (os que
não se vangloriam de sua condição espiritual, já que são conscientes de não ter
chegado ao Reino de Deus), podem ascender ao Reino se estão arrependidos dos
próprios pecados e reconhecem que Jesus Cristo veio para tirar o pecado do
mundo. Todos, então, podem ascender ao Reino de Deus. Também um rico,
também uma pessoa que tenha poder terreno, se é humilde e se despoja de suas
riquezas ou de sua presunção, pode ascender ao Reino.
Então, observamos que o cristianismo antigo e o gnosticismo não podiam estar
de acordo, porque são contrários. Os gnósticos, portanto, não renunciaram à
suas tradições misteriosas, já que adaptaram Jesus Cristo à sua tradição,
tergiversando os conceitos básicos do Novo Testamento e, portanto, predicando
um Jesus que não existiu jamais.
Qual foi a resposta às primeiras comunidades de cristãos ao culto sincrético do
gnosticismo-helenístico?
Primeiro que tudo houve uma resposta eclesiástica. Nenhum dos gnósticos-
helenísticos que predicavam mais que tudo em um ambiente alexandrino e
romano foi nomeado bispo. O alexandrino Valentino foi inicialmente nomeado
diácono em Roma, sob os bispos Igino e Aniceto. Porém, não foi nomeado
bispo, portanto escolheu o caminho da predicação gnóstica independente e
morreu em Chipre, possivelmente no ano 165.
Houve uma densa resposta teológica às teses sincréticas dos gnósticos. O
principal escritor e teólogo anti-gnóstico foi Irineu de Lyon (130-202 d.C.), mas
também Tertuliano (155-230 d.C.) e Hipólito de Roma (170-235 d.C.) escreveram
no intento de defender a originalidade da fé cristã.
Irineu nasceu em Esmirna e foi discípulo de Policarpo. Durante a perseguição de
Marco Aurélio, foi sacerdote na cidade de Lyon, cujo bispo era Potino. Após o
regresso de uma viagem a Roma, deu-se conta de que Potino morreu após uma
perseguição e foi nomeado segundo bispo de Lyon. Muitos de seus escritos
tiveram o objetivo de demostrar o infundado e falso das doutrinas gnóstico-
cristãs. Sua obra anti-gnóstica mais importante foi Adversus haereses ou Desmascarar
e Refutar a falsamente chamada Ciência.
Nessa obra, Irineu confuta a Valentino e a seus predecessores, que remontam a
Simon Mago, personagem descrito nos Atos dos Apóstolos (cap. 8). Irineu faz
notar que simplesmente os textos gnósticos não fazem parte dos escritos
apostólicos pertencentes ao cânone. Justo na segunda metade do século II, de
fato, o cânone testamentário estava por tomar forma, como logo se provou com
o descobrimento do fragmento muratoriano (2). Além disso, Irineu demostra que
nem no Antigo nem no Novo Testamento há doutrinas gnósticas. Faz notar,
além disso, que nenhum dos sucessores dos apóstolos ensina doutrinas gnósticas.
Irineu demostra, portanto, já ao final do século II, que o gnosticismo-helenístico
não é outra coisa que um culto não original e não apostólico. Demostra que os
gnósticos divulgaram um Jesus que não existiu nunca, que refletia somente sua
tradição, mas que não tinha nada que ver com o verdadeiro Jesus Cristo,
divulgado pelos apóstolos tanto oralmente como nos escritos canônicos do
Novo Testamento.
Segundo o imperador Flávio Cláudio Juliano (331-363), existiam escolas
valentianas na Ásia Menor até seus tempos. No século IV, quando o Cristianismo
foi aceito e logo imposto como religião de Estado, o culto gnóstico-docético
declinou e foi marginalizado em algumas zonas periféricas do império como, por
exemplo, Arábia (3).
Certos conceitos gnósticos, no entanto, não se extinguiram, pois se
transformaram e sobreviveram até e mais além da Idade Média, para logo
renascer na época moderna através do pensamento de pessoas como o poeta
William Blake, o maçom Albert Pike, a esotérica H. P. Blavatsky (fundadora da
sociedade teosófica) e o psicanalista Carl Gustav Jung.

YURI LEVERATTO
Copyright 2015

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