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CFE E AS HABILITAÇÕES NO CURSO DE PEDAGOGIA: A DIVISÃO

DO TRABALHO NA ESCOLA

Cátia Corrêa Michalovicz1 - PUCPR

Grupo de Trabalho – Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Básica


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo é resultante da pesquisa bibliográfica e documental no processo de elaboração de


tese sobre a divisão do trabalho na escola e a docência, com foco nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. O objetivo, aqui, é analisar a divisão do curso de Pedagogia em habilitações,
instituída pelo Parecer 252 de 1969 do Conselho Federal de Educação – CFE. Tal documento
parece ter refletido, de certa maneira, a divisão social do trabalho na escola e figura para
alguns autores como marco inicial da produção de uma visão fragmentada da instituição
escolar e suas atribuições através da criação dos especialistas no curso de Pedagogia. Uma
questão central norteia o trabalho: Qual a influência do Parecer 252 de 1969 no estado atual
da divisão do trabalho no interior da escola? Partimos de uma constatação tanto da prática
docente, quanto da literatura especializada de que os indícios dessa fragmentação do trabalho
educativo decorrentes, em parte, do parecer citado anteriormente e de outras políticas de
reforma do ensino, ainda perduram no interior da escola. O referencial teórico adotado neste
trabalho é composto por: Bissolli da Silva (2003); Brzezinski (2006); Chagas (1976); Damis
(2008); Freitas (1996); Pereira da Silva (2006); Ribeiro; Miranda (2008); Romanelli (1978);
Saviani (2004; 2011); Scheibe; Aguiar (1999); Scheibe; Durli (2011); Tanuri (2000).
Analisamos, na parte documental, sobretudo, o parecer 252 de 1969 do Conselho Federal de
Educação e a Resolução n. 2 de 1969 que o seguiu, documentos que procuravam se adequar
às reformas propostas pela Lei 5.540 de 1968 – que ficou conhecida como Lei da Reforma
Universitária – outro documento abordado no estudo.

Palavras-chave: Divisão do trabalho na escola. Parecer 252/1969. Políticas Públicas e


Educação.

Introdução

Identificar a influência das políticas públicas para a educação sobre o estado atual da
divisão do trabalho na escola, no contexto da sociedade de classes, é o objetivo principal da
pesquisa de doutorado, ainda em andamento, da qual se origina o estudo aqui apresentado.
1
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná –
PUCPR. E-mail: pgcatia@hotmail.com

ISSN 2176-1396
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Neste texto, centramos a análise especificamente na divisão do curso de Pedagogia em


habilitações, instituída pelo Parecer 252 de 1969 do Conselho Federal de Educação – CFE2.
Tal documento faz-se relevante para a pesquisa por constituir-se como parte da história do
curso de Pedagogia e, por conseguinte, da profissão docente nas séries iniciais do Ensino
Fundamental – nível de ensino estudado na tese.
Sendo assim, o objetivo do texto é apresentar as reformulações propostas pelo parecer
supracitado e sua relação com a divisão do trabalho no ambiente escolar. Para o
desenvolvimento desta parte da pesquisa foram realizadas análises bibliográficas e
documentais, sobretudo, acerca do parecer nº 252 de 1969 do Conselho Federal de Educação
e da Resolução n. 2 de 1969 decorrente do Parecer.
Tal parecer refletiu, à época, a divisão social do trabalho na escola e figura para alguns
autores como marco inicial da produção de uma visão fragmentada da instituição escolar e
suas atribuições através da instituição dos especialistas em educação – orientador, supervisor,
administrador e inspetor escolar – em documento do CFE3. Tendo sido instituído em 1969, o
Parecer era parte do período em que se considera o curso de Pedagogia sob a outorga do
Estado (SCHEIBE; DURLI, 2011).
Uma questão central norteia o trabalho: Qual a influência do Parecer 252/1969 no
estado atual da divisão do trabalho no interior da escola? Além disso, almejamos lançar luz
sobre outras questões: Qual a relação entre políticas públicas para a educação e a
fragmentação do trabalho escolar? Qual a atual configuração da divisão do trabalho na escola?
Como a função docente estabelece-se na escola? Qual o papel do professor no âmbito da
separação entre concepção e execução do trabalho pedagógico?
Partimos de uma constatação, tanto da prática docente, quanto da literatura
especializada: os indícios dessa fragmentação do trabalho educativo decorrentes, em parte, do
parecer supracitado e de outras políticas de reforma do ensino, ainda perduram no interior da
escola. Por mais embaralhada que as funções pareçam estar atualmente, cada profissional
procura defender e instituir os limites de suas atribuições no processo educativo.

2
Com o objetivo de discutir e definir políticas para a educação, já no início do período republicano no Brasil, foi
criado um conselho de educação: em 1891 criava-se o Conselho Superior de Educação. Em 1931, criou-se o
Conselho Nacional de Educação – CNE. Com o advento da Lei 4.024 em 1961, foi criado o Conselho Federal de
Educação – CFE. Neste trabalho tratamos do CFE visto que este era o conselho da educação à época do Parecer
252/69. Porém, o CFE foi extinto em 1994, durante o governo do então presidente da República Itamar Franco.
Em 1995, foi criado o Conselho Nacional de Educação – CNE, ainda em atividade.
3
Destacamos que a orientação escolar já era uma função existente antes do Parecer 252/1969. Tendo sido feita
alusão a essa especialidade já nas Leis Orgânicas do Ensino, no período de 1942 a 1946, apesar de não haver
nessa época cursos especiais para a formação do orientador escolar.
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É assim, também, que a divisão entre trabalho de concepção e execução se configura e


se institui, tanto no plano espacial quanto no plano funcional. Cada especialista é responsável
por uma parcela da produção na instituição escolar, seja na área administrativa, seja na
pedagógica. E, no regime de urgência4 em que funciona a escola, as áreas e suas parcelas de
responsabilidades não conseguem manter uma relação dialógica, ampliando os aspectos
negativos de uma fragmentação do trabalho pedagógico.
Neste estudo, tomamos como referencial teórico trabalhos como: Bissolli da Silva
(2003); Brzezinski (2006); Chagas (1976); Damis (2008); Freitas (1996); Pereira da Silva
(2006); Ribeiro; Miranda (2008); Romanelli (1978); Saviani (2004; 2011); Scheibe; Aguiar
(1999); Scheibe; Durli (2011); Tanuri (2000).
Na parte documental do estudo, analisamos, além do Parecer 252 de 1969 do Conselho
Federal de Educação, a Resolução n. 2/1969 que o seguiu e outros documentos, como a Lei
5.540/1968 à qual o Parecer foi uma forma de adaptação, procurando seguir as reformas
propostas por tal lei.

Parecer 252/1969: a instituição das habilitações

Nesta parte do texto pretendemos abordar de maneira concisa o Parecer CFE


252/1969, acerca das habilitações no Curso de Pedagogia. Contudo, é preciso também fazer
um breve relato de momentos importantes para tal curso ao longo de sua história, já que o
mesmo sofreu inúmeras modificações curriculares, através de políticas públicas educacionais,
as quais dimensionaram tanto a estrutura do curso como também a identidade do profissional
formado.
O início do curso de Pedagogia deu-se em 1939, no âmbito da Reforma Francisco
Campos, quando foi institucionalizado no Brasil por meio do Decreto Lei nº 1190 de 4 de
abril de 1939, que criou a Faculdade Nacional de Filosofia na Universidade do Brasil. Tal
Faculdade contava com os cursos de Ciências, Letras, Pedagogia e História (RIBEIRO;
MIRANDA, 2008). A instalação do curso significou, à época, “uma recusa à formação
superior para os professores da educação primária e, ao mesmo tempo, uma visão
dicotomizada entre a formação dos professores e a teoria pedagógica” (SCHEIBE; DURLI,
2011, p. 86).

4
Regime de Urgência é entendido, neste trabalho, como um regime posto em prática nas unidades de ensino
devido às condições objetivas de funcionamento em que se encontra a instituição; o que a condena à gestão das
urgências cotidianas em tudo precisa ser resolvido no contexto do imediato, independente de quem, ou como, o
faça.
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Neste momento, o curso de Pedagogia tinha o objetivo de formar licenciados (para


magistério no ensino secundário, particularmente no curso Normal) e bacharéis (técnicos em
educação para atuação na burocracia dos sistemas de ensino). Para formar o bacharel, o curso
teria duração de três anos. Já para o licenciado, além desses três anos “comuns”, havia mais
um ano de Didática, o que ficou conhecido como esquema “3+1” (BISSOLLI DA SILVA,
2003; CHAGAS, 1976; SAVIANI, 2004; SCHEIBE; AGUIAR, 1999; TANURI, 2000).
Dessa forma, os professores eram formados nos bacharéis, já que para obter o diploma de
licenciado, o bacharelado de três anos era pré-requisito. “Todo licenciado em Pedagogia,
portanto, era também, e a priori, bacharel nesse campo de conhecimento” (SCHEIBE;
DURLI, 2011, p. 87). A estrutura do curso de Pedagogia era composta por um esquema de
seriação:

[...] assim, no primeiro ano, as disciplinas seriam: Complementos da Matemática,


História da Filosofia, Sociologia, Fundamentos Biológicos da Educação; no
segundo: Estatística Educacional, Fundamentos Sociológicos da Educação; no
terceiro: Educação Comparada, Filosofia da Educação. Contudo, havia disciplinas
que eram trabalhadas nos 3 anos, como é o caso da Psicologia Educacional, e
disciplinas que eram abordadas nos dois últimos anos: História da Educação e
Administração Escolar (RIBEIRO; MIRANDA, 2008, p.3)

Para ser licenciado, o bacharel em Pedagogia precisava cursar Didática Geral e


Didática Especial, visto que as demais disciplinas que conferiam o grau de licenciado já
constavam do curso de bacharel, tais como: Psicologia Educacional, Administração Escolar,
Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação.
O Pedagogo era formado, de modo geral, para atuar no Ensino Normal, no qual eram
formados os professores do Ensino Primário 5. Também a formação de orientadores,
supervisores e administradores escolares para atuar nas escolas primárias foi delegada ao
Ensino Normal pela Lei 4024/61, não sendo exigida formação em nível superior para atuar
nesses cargos no Ensino Primário.
Em 1962, há uma segunda regulamentação do curso de Pedagogia 6, o Parecer
251/1962 do Conselho Federal de Educação que partia da lei 4.024 de 1961, na qual segundo
Romanelli (1978) prevaleceram os interesses da iniciativa privada na educação. Tal parecer
não logrou grandes alterações no curso de Pedagogia. O destaque foi para a fixação de um

5
O Ensino Primário seria correspondente às séries iniciais do Ensino Fundamental.
6
Falamos em segunda regulamentação, pois em 1946 o Decreto-Lei n. 9.092 pretendia substituir conhecido
esquema “3 + 1” pela obrigatoriedade de quatro anos de formação em faculdades de Filosofia, tanto para o
bacharelado quanto para a licenciatura. Por esse decreto, os três primeiros anos do curso de Pedagogia passariam
a ter disciplinas fixas e obrigatórias. Já no quarto ano haveria disciplinas optativas, acrescidas da formação em
Didática teórica e prática.
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currículo mínimo para o curso. Segundo Ribeiro; Miranda (2008), o parecer CFE 251/1962
definia o curso de Pedagogia como formador do “técnico em Educação” – através do
bacharelado – e do professor de “disciplinas pedagógicas” – na licenciatura – para o Curso
Normal. O currículo do curso, para o bacharelado era composto por um mínimo fixado em
sete matérias:

[...] cinco obrigatórias Psicologia da Educação, Sociologia (Geral, da Educação),


História da Educação, Filosofia da Educação e Administração Escolar, e duas
opcionais entre: História da Filosofia, Biologia, Estatística, Métodos e Técnicas de
Pesquisa Pedagógica, Cultura Brasileira, Educação Comparada, Higiene Escolar,
Currículos e Programas, Técnicas Audiovisuais de Educação, Teoria e Prática da
Escola Média e Introdução à Orientação Educacional. Seria conferido o diploma de
licenciado ao aluno que cursasse Didática e Prática de Ensino (RIBEIRO;
MIRANDA, 2008, p. 2)

O campo de trabalho do bacharel, conforme Silva (1999), não estava bem definido
nessa época, assim como o campo específico de atuação do licenciado em Pedagogia, uma
vez que muitos profissionais não formados especificamente nessa área foram assumindo o
trabalho reservado aos licenciados.
Em 1968 a promulgação da Lei 5.540, que visava uma reforma universitária
extinguindo o regime de cátedras, implantando o regime de créditos e da estrutura de
departamentos nas instituições de ensino superior entre outras modificações, também
influenciou a divulgação de um parecer do Conselho Federal de Educação em relação a novas
mudanças no curso de Pedagogia, o Parecer nº 252 de 1969. Conforme Ribeiro; Miranda
(2008, p. 2):

em 1969, traços da Reforma Universitária, Lei Federal nº. 5.540, de 28 de novembro


de 1968, fizeram-se presentes no Curso de Pedagogia por meio do Parecer/CFE nº.
252/69 [...] tendo sido incorporado à Resolução/CFE nº. 2/69 que fixou o mínimo de
conteúdo e de duração a ser observado na organização do Curso de Pedagogia.

Os princípios que norteavam as reformas na educação, nesse período, estavam


diretamente ligados ao modelo de administração militar-tecnocrática que o país vivia. E foi
sob esses princípios, dentre eles o da racionalidade, da eficiência, da produtividade e da
necessidade do mercado de trabalho (SAVIANI, 2004), que se definiram os especialistas para
o ensino e suas respectivas funções. Dois documentos são relevantes nesse momento: o
Parecer CFE n. 252/1969 e a Resolução CFE n. 2/1969, ambos de autoria do professor e
conselheiro Valnir Chagas (que também havia sido relator do parecer anterior sob nº
251/1962).
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A partir do parecer de 1969, o curso de Pedagogia passou a formar, além do docente, o


chamado “especialista em educação”, já que foram introduzidas as habilitações em Orientação
Educacional, Supervisão Escolar, Administração Escolar e Inspeção Escolar 7. Outra
modificação que destacamos foi a modificação na duração do curso, que passou a ter duas
modalidades de licenciatura: a plena (com duração de 2200 horas) e a licenciatura curta (com
duração de 1100 horas). Para Silva (1999, p. 60), o que realmente ocorreu foi um inchaço do
curso de Pedagogia, em relação aos profissionais a serem formados a partir desses
documentos do Conselho Federal de Educação:

[...] são por demais ambiciosas as pretensões impostas a ele, o que [...] provoca duas
espécies de dificuldades: primeira, atender, ao mesmo tempo, às necessidades de
formação de profissionais docentes e não docentes, em suas diferentes
especialidades; segundo, conseguir oferecer as condições, nos cursos de duração
plena, para formar docentes em inúmeras disciplinas, levando em conta
principalmente as dificuldades em se orientar as múltiplas práticas de ensino,
correspondentes às diferentes disciplinas em questão. Esta situação fica agravada se
considerarmos que o Parecer assegura, ainda, aos diplomados em Pedagogia
mediante determinadas condições, o direito ao magistério nas séries iniciais do 1º
grau.

De acordo com o Parecer 252, seguindo a legislação da época, o currículo estava


estruturado em um Núcleo Comum que previa disciplinas como Didática Geral; Filosofia da
Educação; Psicologia da Educação; História da Educação; Estrutura e Funcionamento do
Ensino; e uma Parte Diversificada, cujas disciplinas eram definidas de acordo com cada
habilitação ofertada pela instituição de ensino superior.
O Estágio Supervisionado nas áreas correspondentes às habilitações foi uma das
exigências do Parecer, exigência justificada por entender, na visão do Conselheiro Valnir
Chagas, que um profissional da Educação diplomado não pode deixar de ter um contato com a
realidade escolhida para atuação. Outra exigência do Parecer foi a experiência de Magistério
para a habilitação em Orientação Educacional, entendendo que para o ato de ensinar
convergem todas as atividades escolares. Essa exigência se estendeu à Administração Escolar
e à Supervisão Escolar.
O Parecer também procurou esclarecer um impasse: diplomados em Pedagogia podem
atuar no magistério no ensino primário? Apesar de muitas vertentes de discussão apontarem
uma resposta afirmativa, baseando-se no preceito de “quem pode mais pode menos” (SILVA,
7
As cinco habilitações iniciais poderiam ser desdobradas, na realidade, em oito: Magistério do Ensino Normal;
Orientação Educacional; Administração Escolar, que se dividia em Administração de Escola de 1º e 2º Graus e
Administração de Escola de 1º Grau; Supervisão de Ensino, dividida em Supervisão de Escola de 1º e 2º Graus e
Supervisão de Escola de 1º Grau; Inspeção Escolar, a qual poderia ser Inspeção de Escola de 1º e 2º Graus e
Inspeção de Escola de 1º Grau (SHEIBE, DURLI, 2011).
13992

1999, p. 58), para o relator do Parecer, tecnicamente havia uma dificuldade para que isto fosse
possível: nem todos os que se diplomavam em Pedagogia haviam recebido uma formação
adequada para lecionar nas séries do Ensino Primário.
Para Silva (1999), o Parecer 252/1969 aboliu a diferenciação entre bacharelado e
licenciatura, uma vez que tinha como objetivo formar professores para o Ensino Normal e
especialistas (orientação, administração, supervisão e inspeção escolar). Desse modo, tendo
sido reformulada a estrutura curricular do curso de Pedagogia cria-se “habilitações para a
formação de profissionais específicos para cada conjunto dessas atividades, fragmentando a
formação do pedagogo" (SILVA, 1999, p. 45).
Em nossa visão, com as habilitações introduzidas pelo Parecer nº 252/1969 o curso de
Pedagogia passou a se estruturar a partir da dicotomia entre teoria e prática do ensino,
marcando a formação do pedagogo com uma forte fragmentação teórico-prática. Além disso,
determinou-se a distinção entre funções de execução do ensino – através da formação para o
magistério – e funções de concepção e planejamento do ensino – pela formação para as
demais dimensões e funções do trabalho no ambiente escolar, marcando a divisão do trabalho
na escola, sobretudo pelo aspecto técnico.
O Parecer CFE nº 252/1969 tinha uma vigência inicial de 10 anos, e no processo de
sua revisão o debate sobre a formação do pedagogo e dos profissionais da educação começou
a tomar fôlego. Enquanto na década de 1960 a discussão girava em torno da existência e da
finalidade do curso de Pedagogia, se tal curso possuía ou não conteúdo próprio, agora a
ênfase era dada à necessidade de redefinição do curso. Redefinição que, para o Conselheiro
Valnir Chagas, apontava para o objetivo de formação superior dos professores dos anos
iniciais da escolarização.
Contudo, a vigência real do Parecer e da Resolução nº 2 que o seguiu, foi de três
décadas, perdurando até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/1996.
Durante esse período, o curso de Pedagogia teve dois objetivos centrais:

[...] formar pessoal docente para o magistério nos cursos normais e formar
especialistas para atuação nas escolas de 1º e 2º graus. A preparação do professor
primário em nível superior figurava como um ‘apêndice’ das demais funções do
curso, mas viável legalmente e possível de ser implantada no campo prático-
institucional (SCHEIBE; DURLI, 2011, p. 94)

Uma discussão acerca das mudanças ocorridas no curso de Pedagogia após o Parecer
de que trata este trabalho não caberia no espaço deste texto, contudo destacamos que durante
a década de 1970 vários pareceres foram elaborados pelo Conselho Federal de Educação e a
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homologação de muitos deles foi recebida pelos educadores como mais uma arbitrariedade do
poder que desconhecia as práticas, as pesquisas e os estudos desenvolvidos sobre cotidiano
escolar. Este fato “estimulou o movimento de educadores que punham resistência ao poder
instituído em especial do CFE. O movimento era contra as possíveis mudanças no curso de
Pedagogia que descaracterizavam ainda mais a profissão do pedagogo [...]” (BRZEZINSKI,
2006, p. 8182).
Houve iniciativas com fins de repensar o Curso de Pedagogia nesse momento. A
questão, então, passou a ser a identidade do pedagogo e do próprio Curso e envolveu
organismos oficiais e entidades independentes de educadores através de diversos movimentos.
O que é importante destacar, aqui, é que continuamos a discutir ainda hoje, mesmo depois das
DCNP de 2006, qual a finalidade do curso de Pedagogia, além de questões que se referem à
identidade do pedagogo8.

O trabalho na escola – evidências da especialização das funções

Analisar a atual configuração da divisão do trabalho na escola permite que discutamos


as relações estabelecidas neste ambiente e as funções exercidas, assim como suas
especificidades. Dentre as quais, destaca-se, na atual conjuntura, a sobreposição de funções e
o “regime de urgência” próprio dos ambientes escolares, os quais juntos e atrelados a outros
fatores podem contribuir para que o docente seja apenas agente de ação, de execução na
escola, não se constituindo também como agente de concepção do ensino, não participando da
esfera política da educação básica.
Em outras palavras, podemos destacar que a separação teórico-prática, a qual
destacamos ao tratar do Parecer 252/1969, ainda se faz presente no ambiente escolar,
dificultando a relação entre docência e a esfera de concepção e planejamento do ensino. O
que, para alguns autores, é fruto da formação nos cursos de Pedagogia que passaram a ter
caráter generalista e tecnicista após o Parecer. Bissolli da Silva (2003, p. 70), desenvolvendo
uma crítica aos pressupostos do Parecer de 1969 e da Resolução n. 2 CFE que o seguiu,
destaca que “[...] não se pode formar o educador com partes desconexas de conteúdos,
principalmente quando essas partes representam tendências opostas em educação: uma
tendência generalista e uma outra tecnicista”.

8
Para maiores esclarecimentos ver KASTELIJNS (2014).
13994

O que pretendemos é salientar a aproximação entre a divisão do trabalho na escola e o


processo de não produção do conhecimento, partindo de uma constatação da prática docente
de que “não há tempo para pensar”, as decisões já chegam prontas a serem postas em prática
por tais profissionais. É como se tudo na escola viesse “de cima e de fora” (SCHWARZ,
2012) e o docente sentisse que está restringido a executar aquilo que lhe foi determinado pelas
políticas públicas para a educação (de diferentes esferas do poder público), numa escala de
resistência e oposição, assim como de proposição, muito próxima de nula.
Nesse sentido, podemos ressaltar que confinados ao “regime de urgência” das
unidades de ensino, e como agentes inseridos num determinado campo (educação escolar), os
docentes, muito longe de uma postura reflexiva presente em muitos discursos circulantes na
educação, parecerem manter-se alheios a questionar determinados modos de proceder e
transmitir conhecimento. Os docentes parecem apenas seguir o caminho já traçado por
políticas públicas, advindas de diferentes instâncias (Federal, Estadual, Municipal). Fato que
os condena ao funcionamento próprio da unidade de ensino, reduzindo cada vez mais o grau
de autonomia do professor no exercício de sua função.
O destaque, nesta parte do texto, é para a divisão do trabalho na escola e sua influência
na função docente, principalmente em relação à separação entre as funções de concepção e
execução no ensino. Salientando que compreender a função docente não se restringe a uma
análise apenas de procedimentos pedagógicos, da relação ensino e aprendizagem, do
conhecimento como fonte de trabalho do profissional alocado entre as funções consideradas
intelectuais etc. Entendemos que a função docente está inserida em outros contextos: faz parte
da escola, enquanto instituição; assim como está inserida numa determinada sociedade a qual
lhe determina uma função através de políticas educacionais.
Na pesquisa identificamos a divisão do trabalho na escola, entre os profissionais
atuantes na instituição, como uma divisão de caráter técnico – marcando o distanciamento
entre teoria e prática na docência das séries iniciais do Ensino Fundamental. O que nos parece
instituir, ou ser a base da separação entre o trabalho de elaboração e planejamento (reservado
aos especialistas) e o trabalho de execução (de responsabilidade do professor).
O que se sobressai são aspectos da divisão do trabalho: camadas de divisão e
indivisão, de distinção e indistinção, de diferenciação e indiferenciação no interior da escola.
O que nos parece é que não se trata de um ambiente no qual ninguém sabe nada o que faz,
nem, por outro lado, de um espaço social de tarefas muito bem definidas. São as duas coisas
ao mesmo tempo: tem-se tarefas muito bem definidas, mas o profissional não consegue
13995

porque faz outras coisas. Coexistem uma sobreposição e uma indefinição e, ao mesmo tempo,
são mobilizados esforços para a não indefinição e para não sobrepor funções. A escola como
integrante do campo educacional9 parece possibilitar e, até mesmo promover a maleabilidade,
a flexibilidade, a ausência de divisão clara, o embaralhamento entre as funções não só dentro
da instituição entre os profissionais escolares, mas entre escola/professor e família.
Além disso, o que nos revela a pesquisa é que a função docente está subjugada ao
plano de execução do ensino. O que nos parece contraditório a princípio, se consideramos os
inúmeros discursos sobre a atuação do professor enquanto intelectual da educação, enquanto
profissional reflexivo e que se envolve nas definições de políticas públicas para a educação.
Contraditório também em relação às recentes políticas de participação nas decisões da escola
e da educação nacional, como, por exemplo, as políticas de gestão democrática nas escolas, os
Conselhos Escolares e as várias etapas da Conferência Nacional de Educação – CONAE.
O que parece ser revelado é que para além dessas políticas, o professor não sente que
participa efetivamente da esfera de concepção e planejamento do ensino. Ele sente-se e
entende-se enquanto executor do ensino. Seu papel é ensinar, auxiliar na aprendizagem do
aluno. E muitas vezes não se considera apto a atuar na concepção do ensino, apesar de
participar, por exemplo, das etapas escolar e municipal da CONAE, que envolve discussões
acerca das políticas para elaboração do Plano Nacional de Educação.
Analisando o Parecer 252/1969 e buscando uma aproximação das críticas elaboradas
acerca de tal documento – sobretudo em relação à separação teórico-prática na escola, nas
funções escolares – com a atual configuração da divisão do trabalho na escola, elaboramos o
esquema apresentado na figura 1. Neste esquema, podemos inferir que as orientações do
Parecer estavam voltadas para o curso de Pedagogia, estabelecendo na legislação do Conselho
Federal de Educação – CFE – as funções de especialistas: supervisão, orientação,
administração e inspeção escolar.
A definição dos especialistas no curso de Pedagogia inseriu a divisão do trabalho na
escola, entre funções pedagógicas (o magistério, a docência) e funções administrativas
(sobretudo orientação, administração e supervisão escolar). Essa separação entre pedagógico e
administrativo na escola consolidou uma fragmentação teórico-prática, já anteriormente
discutida.

9
Entendemos campo educacional, neste trabalho, a partir do conceito de campo de Bourdieu (1983). A cada
espaço social corresponde um campo específico (cultural, econômico, educacional etc.) que define a posição
ocupada por cada agente no interior do campo, de acordo com o volume de capital de que o agente dispõe.
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E esta fragmentação entre teoria e prática parece ter afastado, em parte, as esferas de
concepção (representada pelas políticas educacionais e as funções administrativas) e execução
do ensino (a prática pedagógica propriamente dita), tanto no plano funcional quanto no plano
espacial da escola.
Figura 1 – A divisão do trabalho na escola a partir do Parecer n. 252/1969

Fonte: a autora.

Além disso, as críticas empreendidas em relação ao curso de Pedagogia a partir dos


pareceres e resoluções do Conselho Federal de Educação durante a década de 1960 e início de
1970, procuravam denunciar, segundo Brzezinski (2006), um currículo teórico e generalista,
uma forte fragmentação da formação do aluno de Pedagogia e a inserção da divisão técnica do
trabalho na escola, criando (ou ampliando) o distanciamento entre teoria e prática.

Considerações Finais

Este texto teve por objetivo analisar a divisão do curso de Pedagogia em habilitações,
instituída pelo Parecer 252/1969 do Conselho Federal de Educação, ressaltando sua influência
na formação de uma visão fragmentada da instituição escolar e suas atribuições, instituindo a
divisão do trabalho na escola através da habilitação de especialistas no curso de Pedagogia.
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Nosso ponto de partida foi a constatação de que indícios dessa fragmentação do trabalho
educativo decorrentes, em parte, do Parecer ainda perduram no interior da escola.
Chamamos a atenção para a divisão do curso de Pedagogia em habilitações a partir do
Parecer 252/1969 do Conselho Federal de Educação, criando dois blocos autônomos no curso
(SCHEIBE; AGUIAR, 1999): o bloco das disciplinas dos fundamentos da Educação
(caracterizado como bloco pedagógico); e o bloco das habilitações específicas (o bloco
técnico-administrativo). O que instituiu, em parte, a divisão do trabalho na escola, separando
funções de concepção e planejamento do ensino, de funções de execução do ensino, ou a
docência propriamente dita.
Sem desmerecer a relevância do trabalho dos especialistas em Educação nas escolas,
já na época de sua divulgação, o Parecer de que tratamos aqui foi muito criticado devido à
separação, que o mesmo instituía e legitimava, entre o trabalho de elaboração e o
planejamento – reservado aos especialistas – e o trabalho de execução – de responsabilidade
do professor (FREITAS, 1996). O que podemos ressaltar, nessa perspectiva, é a crescente
fragmentação do trabalho escolar – através, principalmente, da divisão de tarefas técnicas no
ensino. O que, para Pereira da Silva (2006), contribuiu sobremaneira para a composição do
caráter tecnicista e pragmático da atuação do profissional em educação, e mais
especificamente do docente.
É nesse sentido que destacamos que o funcionamento da escola, ou mais precisamente,
a atual configuração da divisão do trabalho, a lógica do capital engendrada no trabalho e,
consequentemente, na escola, parece contribuir para que o professor esteja (e entenda-se
como) restrito ao papel de executor de tarefas do ensino. Evidenciando, assim, a divisão entre
funções de concepção (quem pensa) e execução (quem faz) na educação pública brasileira. A
hipótese levantada para tal constatação pode estar muito relacionada ao regime de urgência
em que trabalha a escola, à sobreposição de funções no ambiente escolar, à definição da
função docente na atualidade, à intervenção do Estado no ensino, ao longo tempo de vigência
do Parecer CFE 252/1969 e suas marcas ainda presentes na escola, entre outros.

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