Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
RESUMO
Por meio da análise do texto de Mc 11:11-26 este artigo propõe auscultar memórias
evangélicas sobre a situação da religião judaica e a contradição do Templo de
Jerusalém em sua função que fazem ecos nos moldes religiosos e Templos hodiernos.
O Templo de Jerusalém, comparado à figueira estéril, nega sua vocação primeira de
alimentar o povo faminto de Deus pervertendo o sentido do culto para fazer dele uma
fonte de lucro. O povo é, ao contrário, espoliado em nome de Deus e da religião. Havia
apenas aparência, como a árvore frondosa que não dava fruto, e por isso o gesto de
Jesus coloca fim ao expediente religioso que transformara o Templo num covil de
ladrões ao invés de ser casa de oração. Este artigo discutirá os seguintes pontos: fome
não saciada (11: 11-14); templo exorcizado (11: 15-16); covil de ladrões X casa de
oração (11: 17-18); fim a uma religião infrutífera (11: 20-21) e surgimento de uma nova
figueira (11:22-26).
ABSTRACT
Through the analysis of the text of Mark 11:11-26 this article proposes to listen the
evangelical memories about the situation of the Jewish religion and the contradiction of
the Temple of Jerusalem in its function that make echoes in the religious molds and in
the temples at the present time. The Temple of Jerusalem, compared to the barren fig
tree, denies its primary vocation to feed the hungry people of God perverting the
meaning of worship to make it a source of profit. The people are instead plundered in
the name of God and religion. There was only appearance, as the leafy tree that gave
no result, so the gesture of Jesus puts an end to religious expedient that turned the
temple into a den of thieves instead of being a house of prayer. This article will discuss
the following points: hunger is not satisfied (11: 11-14); temple exorcised (11: 15-16);
den of thieves X house of prayer (11: 17-18); fruitless end to a religion (11 : 20-21) and
the emergence of a new fig tree (11:22-26).
1. INTRODUÇÃO
1
Flávia é mestre em Ciências da Religião e especialista em Teologia Bíblica. E-mail: lgflavia@hotmail.com
2
o seu trabalho e sua maestria são conhecidos na junção das tradições já existentes a
fim de fazer uma catequese narrativa para os cristãos do seu tempo por meio de
técnicas de interpretação comumente usadas no judaísmo. Dessa forma, utilizando de
meios literários inspirados na tradição judaica para a atualização da Escritura, o escrito
evangélico se torna uma resposta aos discípulos e discípulas que ao relerem a história
de Jesus, no contexto da Palavra revelada do Antigo Testamento, buscam uma
mensagem para o momento histórico em que vivem. Essa técnica de interpretação, que
na verdade é bem mais do que uma simples interpretação de um texto por na verdade
implicar em uma procura através da Escritura de uma palavra de Deus que seja
resposta para uma nova situação histórica, se denomina de derásh.
Esse verbo em seu sentido original significa “buscar”, “procurar”. Por meio do
evento de Jesus se interpreta as Escrituras a fim de que elas se tornem relevantes para
a nova situação vivenciada. É a busca de uma palavra de Deus nas Escrituras a partir
de Jesus, pois, os judeus não acorriam às Escrituras para pesquisar relatos de uma
Palavra divina do passado, mas antes para procurar por meio do texto uma palavra
para o presente, o que certamente era bem conhecido a Marcos quanto aos primeiros
judeus-cristãos. Por isso, o mesmo faz o Evangelista, pois sua pretensão não é
escrever para apenas guardar a memória da vida de Jesus, mas sim procurar uma
Palavra viva de Deus nessa vida. Desse modo, para Marcos e seus contemporâneos, “a
memória dos atos e das palavras de Jesus tem sempre como finalidade a procurar
compreender as palavras e o agir do Senhor ressuscitado à sua Igreja no momento
presente.” (GOPEGUI, 2010, 6f.).
Para tanto, diante do desafio da compreensão de Marcos 11:11-26,
especificamente, resta ainda considerar, que Marcos escreve por volta do ano 70 e
provavelmente elabora seu evangelho em Roma. É plausível o fato de que essa
comunidade possa ter sentido a necessidade de colocar por escrito as tradições
apostólicas após a morte de Pedro e Paulo. No momento em que Marcos descrevia a
expulsão dos vendedores do Templo, Jerusalém estava sendo cercada e invadida pelos
exércitos romanos. Diante desse pano de fundo histórico, onde tudo estava sendo
destruído inclusive o Templo, o gesto de Jesus se torna uma advertência contundente a
todos que pervertem o sentido do culto para fazer dele uma fonte de lucro. Através de
4
A pergunta que emerge sem demora é sobre a compreensão desse ato aparentemente
violento ou no mínimo estranho por parte de Jesus, pois a figueira devia ser inculpável
ante a realidade de estar fora da época de frutos. Com esse questionamento em mente
é que Marcos parte para a descrição da próxima cena. É imprescindível, dessa
maneira, ter clarividente a construção da narrativa elaborada em forma de um
sanduíche onde entre os relatos sobre a figueira insere-se outra prática de Jesus no
Templo. A postura, portanto, de leitura da perícope deve seguir o viés teológico, por
meio do qual narrativa é construída, cuidando para não dissociar o que Marcos interliga
na narrativa com o risco comprometer a apreensão do sentido simbólico da ação de
Jesus. Após a maldição sobre a figueira, o episódio seguinte descreve Jesus
expulsando os vendedores do Templo. Apesar de parecer totalmente desconexo com a
cena anterior, é, no entanto, a partir de agora que o leitor poderá absorver a mensagem
evangélica embutida nesse “sanduíche”.
A figueira perde as folhas em outono (ou novembro) e as põe na primavera (a
partir do fim de março). Os frutos se distinguem em primeiros e segundos figos. Os
primeiros aparecem em março nos ramos velhos e estão maduros a partir d do fim de
maio, sendo muito procurados por tratar-se dos primeiros frutos. A maior parte da
colheita é dada pelos segundos figos, que brotam nos ramos novos e amadurecem no
fim do verão. Por isso, conforme um dito rabínico, na Tora, como na figueira, sempre é
possível encontrar frutos, mesmo fora do tempo (GOPEGUI, 2010, 14f.).
Parece que Jesus chega ao Templo decido a agir impelido pelo que havia
constatado no dia anterior ante ao seu olhar silencioso avaliativo sobre o expediente do
Templo. Sem demoras, Jesus, chegando ao Templo tem outro gesto violento como ante
a figueira sem frutos. Põe-se a expulsar os que vendiam e compravam bem como
derruba as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas além de não
deixar ninguém carrega coisa alguma através do Templo, como descreve Marcos. No
pátio do Templo, área reservada aos pagãos, que era sua zona externa, desenvolvia-se
um comércio autorizado de objetos e principalmente animais para o sacrifício. Havia
6
também cambistas para trocar a moeda estrangeira, pois “a moeda que entrava no
Templo era a tetradracma de Tiro, imune à inflação galopante desse tempo”
(BORTOLINI, 2006, p.214).
Assim como Jesus que fez a peregrinação da Galiléia até Jerusalém em ocasião
da Festa da Páscoa, milhares de peregrinos se dirigiam de todas as partes para
Jerusalém a fim de participar das festas anuais. Entre seus deveres estava o
pagamento do imposto do Templo e para isso precisavam trocar suas moedas
inflacionadas pela moeda de tíria. Esses peregrinos também precisam comprar em
Jerusalém os animais que deviam oferecer em sacrifício pela dificuldade de trazê-los de
seus lugares de origem que por vezes era bastante longínquo.
A realidade, portanto, era em primeiro lugar de que o comércio praticado no pátio
dos gentios no Templo servia para suprir os peregrinos em tudo que precisavam
segundo as necessidades para o culto, que incluíam animais, câmbio, vinho, óleo e sal.
Apesar de que comentadores cristãos geralmente dão a impressão de que Jesus se
mostrou um tanto surpreso de encontrar comércio em lugar de oração e de adoração, “a
atividade comercial era aspecto inteiramente normal de qualquer culto na antiguidade.
O Templo de Jerusalém, como Jeremias mostrou, era fundamentalmente instituição
econômica, e na verdade dominava a vida comercial da cidade” (MYERS, p. 360).
Sendo que o funcionamento diário do culto era questão de emprego para várias
profissões.
Dentro dessa realidade comum na religiosidade antiga, “a indignação de Jesus
dificilmente poderia ser atribuída a uma descoberta da existência de comércio no
Templo em si” (MYERS, 1992, p.360). Na apreensão da questão que emerge sobre o
motivo que perturbou a Jesus é pertinente observar o julgamento do profeta Oséias
(9:15) envolvendo a classe dirigente de Israel: “Eu os expulsarei da minha casa, todos
os seus chefes são desobedientes”. “Segundo Jeremias, muitos dos lucros comerciais
pertenciam à família dos sumos sacerdotes. Pode-se acrescentar aqui que o sumo
sacerdote Ananias (em exercício de 47 a aproximadamente 55 d.C.) era chamado de o
grande procurador do dinheiro por Flávio Josefo” (MYERS, 1992, p.360).
A indignação de Jesus se explica, portanto, pelos interesses e lucros da classe
dirigente que controlavam os empreendimentos comerciais no mercado do Templo.
7
Jesus ataca não a necessidade do comércio existente, mas sim a avareza e ganância
dos dirigentes da religião judaica. Essas atividades comerciais estavam ligadas
diretamente ao sumo sacerdote e chefe dos sacerdotes, os quais lucravam a venda dos
animais para o sacrifício, aluguéis e câmbio. Reforçando essa constatação observa-se
que Marcos destaca dois grupos dos empresários do Templo como alvo específico da
ação veemente de Jesus: os cambistas e os vendedores de pombas.
O abuso era gritante nesse comércio onde os “cambistas retinham 8% do valor
da transação como pagamento do seu trabalho” (BORTOLINI, 2006, p.214). Pouco se
importava com o fato de entrar nos cofres do Templo uma moeda pagã que continha
efígie de divindade estampada, o que era proibido pela Lei. Parece que “Marcos
considera esses cambistas como símbolos adequados das instituições financeiras
opressoras a que ele bravamente se opunha” (MYERS, 1992, p.361).
Sobre o outro grupo referido especificamente por Jesus diz-se que eram “os que
vendiam pombas”. Essa expressão se refere a esse comércio ganancioso praticado no
Templo que se sustentava à custa dos pobres. Eram os pobres que ofereciam pombas
para o sacrifício as quais utilizadas, primordialmente, para purificação de mulheres (Lv
12:6; Lc2; 22-24), para purificação de leprosos (Lv 14: 22) além de outras finalidades
(Lv 15: 14-29). Os preços dos pombos, em época de festa, eram exorbitantes. Percebe-
se como as obrigações cúlticas eram especialmente pesadas os pobres.
O ato de Jesus de “virar” (katestrepsen, que também pode significar “destruir”) as
mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas, sinaliza que Marcos
não está pleiteando ou defendendo preços mais baixos para os pobres nem ao menos
reivindicando práticas econômicas justas. Isso fica clarividente porque Jesus já havia
repudiado os sistemas de pureza e sua específica marginalização de leprosos (1: 41ss)
e de mulheres (5: 25ss). Portanto o que está explícito no texto é que Jesus quer que
tenha fim todo esse tipo de sistema cúltico simbolizado na ação de “virar”. Portanto, os
lugares utilizados por esses dois grupos deviam ser destruídos enquanto representação
dos mecanismos concretos de opressão dentro de uma sociedade que exploravam
duplamente os pobres e os impuros. Além de serem considerados cidadãos inferiores o
culto os obrigava a fazer reparação por tal condição por meio de sacrifício gerando uma
situação da qual os comerciantes tiravam proveito (MYERS, 1992).
8
A última ação de Jesus no conjunto de seus atos impelidos pela vistoria feita no
dia anterior proíbe qualquer pessoa de carregar “algum objeto (skeuos, aqui
significando algum vaso ou peça necessária para o culto) através do Templo”. Isso
deixa entrever que a meta desses passos destruidores era, realmente, o aniquilamento
de todas as operações do Templo (10: 16) (MYERS, 1992, p.362).
O gesto de Jesus no Templo configura-se como simbólico. A imensa dimensão
do pátio dos pagãos, “medindo 450x350 metros, indica que a ação de Jesus foi
limitada, uma vez que não implicou em intervenção nem da guarda do Templo, nem da
guarnição romana” (GOPEGUI, 2010, 14f.). A resposta, portanto, de uma visita primeira
ao Templo sem alardes, acontece em ato simbólico por não se configurar, a ação de
Jesus, em violência não provocando resistência alguma nem ao menos tem alcance
político. Assim, a chamada “purificação” do Templo é expressão do que faziam os
antigos profetas em tempos de críticos, sobretudo Jeremias e Ezequiel. “A ação
simbólica é uma espécie de parábola em forma de mímica. O gesto, embora
desconcertante, pode ser fator expressivo” (Bíblia do Peregrino in loco).
decidem matá-lo. Encontram, no entanto, uma resistência pelo medo que tinham do
povo que admirava Jesus e se maravilhava com seus ensinamentos. À tardezinha, ante
as ameaças de morte, Jesus sai novamente da cidade e volta para Betânia.
No outro dia pela manhã, Jesus passa de novo próximo a figueira que havia
amaldiçoado por não encontrar nela fruto que saciasse a sua fome. A narrativa retorna
à figueira. A indagação sobre o gesto aparentemente violento e estranho de Jesus ao
amaldiçoar a figueira numa época imprópria para frutificar, parece agora clarear-se ante
ao recheio do “sanduíche” elaborado por Marcos.
A cena do gesto profético de Jesus contra os vendedores do Templo, inserida
entre os relatos da figueira, confirma a referência ao simbolismo da figueira sem frutos
em relação ao Templo. “No contexto o simbolismo aparece claro: o culto do Templo de
Jerusalém, apesar de sua aparência grandiosa, como a folhagem da figueira, não deu
frutos de vida e salvação” (GOPEGUI, 2010, 14f.). A ação de Jesus no Templo é que
dá, portanto, compreensão ao simbolismo da figueira infrutífera amaldiçoada.
Como acontece na narrativa de Marcos, às vezes a figueira é símbolo de Israel
no Antigo Testamento. “Entende-se, portanto, porque Jesus vá fora da época procurar
frutos nessa “figueira”. É que o povo de Deus não pode ser como uma árvore; pelo
contrário, toda época é tempo de frutos” (BORTOLINI, 2006, p.213). Porém, pelo fato
de ser apenas aparência, folhas, a sentença é drástica. Na verdade a mensagem ante a
esses gestos simbólicos é a de que o povo de Deus, o Templo, deveria ser ponto de
atração, acolhimento para todos os povos que sentem “fome” de Deus. Ao contrário, o
Templo traiu sua vocação universal transformando em esconderijo de ladrões e lugar
de discriminação onde o povo é espoliado em nome de Deus e da religião.
Pedro constata que a figueira amaldiçoada havia secado completamente. A
figueira era usada para representar o povo escolhido (Jr 8; 13; Os 9: 10), mas agora é
uma figueira que tem folhagens de aparências e não dá frutos. Ou seja, se o Templo se
perde em sua função, seu destino é secar completamente e desaparecer. Jesus coloca
fim a essa exploração religiosa.
11
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BORTOLINI, José. O Evangelho de Marcos: para uma catequese com adultos. 2 ed.
São Paulo: Paulus, 2006.
GOPEGUI, Juan A. Ruiz de. Começo do Evangelho de Jesus Cristo Segundo Marcos:
Tradução literal do grego com estruturação do texto. Belo Horizonte: FAJE, 01 mar.
2010. 47f. Notas de Aula.
MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos: Grande comentário bíblico. São Paulo:
Paulinas, 1992.