preciso falar. A gente tem mania de achar que o nosso itinerário pessoal renderia um bom livro. E, realmente é muito sensato acreditar e valorizar as nossas vivências. Mas nem sempre o que vivenciamos em particular, é algo que as pessoas gostariam de saber. Em partes porque existem coisas em comum que não enchem os olhos dos outros, em partes porque cada um já viveu algo excepcional que julga mais interessante do que o quê o outro tem para contar. Atitudes humanas que são parte da nossa personalidade. E eu não ligo! O que eu mais quero é escrever em letras garrafais um FODA-SE bem grande para esse tipo de pensamento, e contar o que eu quero contar sem me ater ao que as pessoas acham que eu deveria dizer. Isso soa confessional, e novamente eu queria dizer que não me importo, porque toda a minha história é uma confissão de coisas que fiz ou deixei de fazer, coisas que amei fazer e outras pelas quais eu odiei ter passado. Venhamos e convenhamos que isso aqui já se tornou uma grande baboseira, e quando se chega a este ponto da história e nada de interessante acontece, é comum deixarmos o livro de lado e procurar algo mais interessante a fazer. Fique à vontade, se é isto que te ocorre agora, mas garanto que vai perder toda a diversão do que vem a seguir. Eu decidi escrever isto em um ímpeto, então não tenho muita certeza de onde quero chegar, sei que apenas vou. E é assim com a vida, a gente vive cheio de incertezas, acreditando que está traçando um caminho que vai nos levar a determinado lugar, que é nosso objetivo, e súbito nos deparamos com adversidades que nos fazem mudar a nossa rota. E assim vamos incertos de onde chegaremos, com uma única certeza, extremamente clichê de ser dita, mas a nossa única verdade sagrada, o que nos aguarda no final é o túmulo. Mas chega de todo esse papo, apesar de que tenho tanto a falar que meus dedos chegam a se perder entre as teclas do computador, descontrolados num impulso soturno de querer dizer mais do que eu deveria, pelo menos agora. É que todo livro tem uma forma correta de começar, e eu não tenho certeza de que comecei este aqui certo. Não elaborei roteiros, não tracei um plano ou fiz um outline, simplesmente recordei. E é isso, que ao meu ver, vai tornar essa experiência especial para mim, porque eu vou apenas recordar. Há tanto sobre a minha vida para compartilhar, coisas ao meu respeito que sempre quis dizer, mas que sempre guardei para mim, porque as pessoas sempre esperavam de mim uma postura diferente da que eu tive em vida. Sempre nos cobram postura, se somos um padeiro, nos cobram postura de padeiro, se somos um artista sempre nos cobram postura de artista, se somos um político, sempre nos cobram a postura de um político. Tudo isso não passa de uma grande mentira, somos o que somos, e esse negócio de que precisamos agir de acordo com a posição que temos em sociedade é só uma forma de nos aprisionar. Estamos sempre dentro de uma gaiola. E ela nos parece tão absurdamente entremeada em nosso interior, que nem percebemos que ela existe e fazemos tudo aquilo que a sociedade ou sei lá que caralhada, obriga a gente a fazer. Eu já desisti de tudo isso, não tenho mais idade para me adequar a convenções sociais. Senso comum para mim é fichinha. Vou vivendo da minha maneira e quem quiser que se exploda mais lá adiante. Não é questão de que se eu pago as minhas contas eu tenho o direito de fazer o que eu quiser, é questão de que eu faço o que quiser na hora que eu quiser, porque liberdade é um direito primordial, e até deus reconheceu isso quando nos deu o livre-arbítrio. Por falar nisso, essa é uma ótima deixa para que eu vá ao que realmente importa, a minha história. E tudo começa na igreja, quando eu tinha meus dezesseis para dezessete anos. Fui criado, assim como todos os meus irmãos e primos, na presença do senhor, aos olhos do pai. O que não nos impediu de dar escapadinhas mais adiante em aventuras para lá de quentes, e que é assunto para ser tratado mais à frente. Voltando ao que importa, se você fosse meu amigo e quisesse me encontrar aos domingos, às nove da manhã, você poderia ir até a Primeira Igreja Batista Central, que óbvio ficava no centro da cidade, pois eu estaria participando de uma escolinha dominical para jovens. Meio dia, eu almoçava em casa, e raras eram as vezes que o Pastor Paulo e sua excelentíssima e vadia esposa, Jandira - isso eu conto depois – não almoçavam com a minha família. Que era composta por mim, dois irmãos mais novos, Felipe e Camilo, minha mãe, Dona Clarice e meu pai, Milton. À noite, eu novamente voltava para igreja, porque o culto de domingo é o mais importante, em relação a todos os outros que aconteciam durante a semana, geralmente na quarta e na sexta-feira. A minha história, na verdade os fatos que quero narrar, começam a ganhar forma num desses almoços em que o pastor, fervoroso e corno – não consegui me conter, mas como quero que vocês leiam isso até o final, conto tudo nos mínimos detalhes, lá pelos últimos capítulos deste livro – foi almoçar com a sua digníssima esposa em minha humilde residência. E pensando bem, eu poderia ter excluído esses dois adjetivos anteriores aos substantivos usados na frase, mas eu gosto muito de enfeitar as palavras e espero que vocês não tenham nenhum problema com isso. No dia deste fatídico almoço, meu pai se sentou na cadeira de canto da mesa, em frente ao pastor que se sentou ao seu lado oposto. Ao lado esquerdo do meu pai, sentou-se a minha mãe e do seu lado, meu irmão mais novo. Ao lado esquerdo do pastor, sentou-se à sua esposa, e ao seu lado, eu. Meu outro irmão, que ficou sem cadeira, graças ao excesso de pessoas em nossa sala de estar, sentou- se em um banco próximo a mim e teria que se virar, segurando o prato, enquanto almoçava. Almoços de domingo são quase sempre a mesma coisa na casa de todos os que eu conheço, pelos menos os que faziam parte da mesma classe social que eu. Um frango assado, lasanha, uma salada de maioneses e às vezes, panquecas. Neste dia, na minha casa havia tudo isso, além de uma coca de dois litros e meio, que remetia a aquele ambiente uma roupagem familiar de comerciais de televisão. — A lasanha está boa, pastor? — inquiriu a minha mãe, preocupada com a qualidade da sua comida. O homem robusto com olhar grave e um bigode bem desenhado sobre os lábios finos, respondeu-a. — Você nunca erra a mão Clarice. Sua lasanha está deliciosa como sempre. — Não é porquê é minha mulher, mas as melhores comidas que comi em minha vida, foram feitas por ela — interviu meu pai. — Parem, assim vocês me deixam encabulada. — Não é por nada não, Clarice, mas o Milton e o meu marido estão certos — disse a megera da Jandira — Seus pratos são maravilhosos e eu sempre passo bem quando venho lhe visitar. A conversa sobre os dons culinários da minha mãe durou por mais alguns minutos, e eu observei toda aquela rasgação de seda com nojo e desprezo. Até porque, já naquele tempo eu sabia que a humanidade não valia o prato que come, e que as pessoas só elogiam outras quando precisam delas, e aquilo lhes convém diante da realização de alguma necessidade sua. Acontece que a conversa foi justamente ganhando uma forma que eu, não tão inocente quanto aparentava ser, já sabia que ela tomaria, e um pedido foi feito. — Irmão Milton, como você sabe, terá um evento de louvores na próxima semana na nossa igreja. E receberemos alguns irmãos que virão de outras cidades para prestigiar nosso culto — antes de continuar, o pastor deu uma garfada no segundo pedaço de lasanha que havia sido posto no seu prato, mastigou-o rapidamente e voltou a falar — Junto com esse pessoal, virá o pastor Antônio de Alagoinhas, e seu filho, José Henrique. Eu sei que vocês dois, você e sua mulher, fazem muito pela nossa igreja, e fico até sem jeito de pedir algo... — Que é isso pastor? Somos muito gratos em lhe sermos úteis — interrompeu a minha mãe. O homem sorriu, demonstrando no gesto a sua perspicácia em persuadir os meus pais a fazer o que ele sempre quisesse. — A verdade é que os meus pais, uma tia e um primo meu, virão para este evento. Nossa casa vai estar cheia — completou a Jandira. — E nós... — o homem pausou — queríamos pedir a vocês, que se puderem. Mas só se puderem. Para oferecer um quarto ao pastor e o seu filho, para que possam dormir durante os dias em que ficarão aqui. Atento, eu e meus irmãos observamos toda a conversa e nos entreolhamos, premeditando quem de nós três teríamos que ceder o quarto para que aqueles dois desconhecidos fossem hospedados em nossa casa. — Mas o que é isso, meu pastor? Não precisa de toda essa cerimônia para nos pedir algo — interviu meu pai — Ficaremos felizes em hospedar o pastor Antônio. — Os meninos não se importarão de ceder um dos quartos para que eles possam dormir por estes dias — concluiu minha mãe, sem saber que por dentro, tanto eu, e creio que meus irmãos espumavam de ódio por saber que teríamos que mudar os nossos comportamentos por conta de intrusos. — Eu sou muito grato por ter pessoas como vocês em nossa igreja — falou o pastor. Naquele momento eu só conseguia pensar em toda a paz que eu tinha em minha casa, que iria por água abaixo graças ao seu pedido. Mas no fim das contas, ele bem teve o que mereceu. E venhamos e convenhamos, ninguém gosta de visitas, principalmente de desconhecidos. Parentes a gente até releva, mesmo não tendo a obrigação. Mas desconhecidos? Primeiro porque todo mundo faz coisas em casa que não faz em público. Apesar de estarmos dentro de quatro paredes, é nessa prisão que somos livres. Casa é fortaleza, recanto para descansar o peso do que a gente tem que ser em sociedade e que anula de nós quem realmente somos. Nem eu, nem meus irmãos nos sentimos confortáveis com o pedido do pastor e passamos o resto do dia em pé de guerra ente gritos e dedos apontados no rosto, decidindo quem cederia o seu quarto para os hóspedes indesejáveis. Minha mãe, que deus a tenha, sempre foi muito bondosa com os outros e mesmo não gostando muito de fazer determinadas coisas, ela sempre cedia para agradar o outro. Hoje em dia a gente sabe que isso é questão de padrões que repetimos e que vem lá da nossa infância, crenças que são injetadas na nossa mente, em razão de nossas vivências e que criam comportamentos que nos limitam. E dona Clarice, teve uma infância muito sofrida. Isso porque a sua mãe, era velha parideira, ela dizia. Teve mais de dez filhos e distribuía eles por aí. No entanto, vovó, não perdia a oportunidade de ir à igreja aos domingos pedir perdão pelos seus erros e chorar nos pés de Cristo pelo que havia feito em vida. Como se adiantasse alguma coisa. Eu acredito que o que a gente faz em vida, paga em vida. Sem essa de carma ou vidas passadas, carma para mim é a consequência acarretada pelas nossas atitudes diante das circunstâncias e ponto. Não vou ser hipócrita, já sendo, dizendo que sempre plantamos o bem, mas geralmente existem tentativas, algumas dão certo, outras são falhas, mas é isso aí, a gente vai tentando. Agora chega desse papo de crenças limitantes e estudos comportamentais, essa minha veia em psicologia acaba comigo. Devia ter exercido com maior zelo a minha profissão, mas me encontrei em área melhor e fui adiante vivendo cada dia como se fosse o último. Enfim, o dia do evento na igreja chegou. Sexta-feira, e o pastor Antônio com seu filhote, iriam chegar às sete horas e se hospedariam em nossa humilde residência. Meu pai e um dos meus irmãos ficaram incumbidos de buscá-los na rodoviária, e eu, por puro azar e depois de muita guerra, cederia o meu quarto e a minha cama, para os dois. Mesmo com todos os meus argumentos e tentativas de passar essa, que era a pior de todas as responsabilidades, para os meus irmãos, falhei e tive que me mudar para o quarto de um deles para dormir em um finíssimo colchonete, no chão. Como fora combinado, meu pai fora buscar os hóspedes, e as sete e meia eles chegaram a nossa casa. Minha mãe, como sempre, fez um alarde na recepção. Ela tinha um jeito todo dela de receber as pessoas. E eu admirava a forma como ela agia com as pessoas. Hoje me espelho muito em seus modos para lidar com os humanos, mas sem ter tanto êxito em ser bondoso. — É um prazer ter vocês dois aqui com a gente! —exclamou mamãe, e eu imaginei um riso do lado a outro do seu rosto. — Eu agradeço de antemão pela hospedagem. Muito obrigado — agradeceu Antônio. Quando ele chegou eu estava no banheiro, e a sua voz grave veio até mim como um trovão. Geralmente todo pastor tem um ar de locutor. Só conheci um, certa vez, que tinha uma voz tão doce, aveludada, maviosa, que eu ficaria escutando um sermão dele por horas e horas sem reclamar. Mas a voz de Antônio era rude, grave, amedrontadora. Ao terminar o que eu fazia no banheiro, e não cabe aqui contar, eu esperei mais alguns minutos, ouvindo a conversa que eles travavam do outro lado da porta, esperando até que saíssem dali para que eu pudesse ir cumprimentá-lo. — Pois venha pastor, venha colocar as suas coisas no quarto e se organizar... — Eu espero não estar incomodando a família de vocês com a minha presença... — De maneira alguma — interviu meu pai — mas que é isso. Vocês são muito bem-vindos, e espero que gostem da estadia. Achei toda aquela recepção calorosa uma palhaçada, primeiro porque sabia que meus pais aceitaram receber aqueles dois em nossa casa a contragosto, só para mostrarem o quanto eram bondosos ao restante do pessoal da igreja. Segundo, que a primeira coisa que a minha mãe disse, no dia que o pedido do pastor chegou até ela foi, filho da puta, a gente já tem tanto trabalho com aquela igreja, agora mais essa, onde já se viu. E nesse ponto, eu quero corrigir algo que disse sobre a minha mãe, pois ela era bondosa, no entanto, não era burra nem besta. Os hóspedes e meus pais não se demoraram mais onde estavam, e ouvi seus passos em direção a outro cômodo, provavelmente o meu quarto. Aproveitei a deixa, e saí de dentro do banheiro num ímpeto. Eu não estava muito afim de participar de toda aquela cerimônia, mas ao escancarar a porta, encontrei uma figura parada a alguns passos de mim, que não me era familiar. Observei-o de cima a baixo, em pânico, é certo. Mas tomei conta de cada uma das partes do seu corpo, como se intentasse reconhece-lo. Fitamo-nos durante segundos seguidos, até que ele quebrou o silêncio com um — Olá! A sua voz era graciosa e juvenil, e combinava com o conjunto do seu rosto que tinha um ar até mesmo angelical. Era um homem negro, pouco mais velho que eu. Supus que deveria ter os seus dezoito anos. Tinha olhos extremamente verdes, que contrastavam com a tonalidade da sua pele, uma boca que se encaixava perfeitamente entre o nariz e o queixo, e o cabelo em um corte militar. — Oi! —respondi em contrapartida, constrangido pela abordagem daquela figura. — Eu sou o Henrique, mas pode me chamar de Rique — ele andou em minha direção e ergueu a sua mãe para mim. Eu olhei-o desconfiado, mas aceitei tocá-lo. Trocamos um aperto de mão furtivo e nos afastamos. — Você é o filho do pastor, certo? — inquiri recobrando a minha sociabilidade, tentando não transparecer o meu desconforto em relação à visita. — Sim, sou eu. Ele foi colocar as coisas no quarto, junto com seus pais... Eu espero que nós não sejamos um incômodo para vocês esse final de semana. — Não se preocupe, não há incômodo nenhum — sem muita cerimônia como a minha mãe, falei apenas o necessário. — Vejo que vocês já se conheceram — disse minha mãe ao chegar na sala. Voltei-me em sua direção e fitei meus olhos nos seus, que me ofereciam uma expressão que não soube decifrar. No entanto, parecia me alertar de que havia algo de errado. — Sim! — respondeu Rique com um sorriso nos lábios — Meu pai já está acomodado? — Sim, sim — respondeu a minha mãe — Você quer vê-lo? O rapaz assentiu com a cabeça e deu alguns passos na direção da minha mãe. — Vamos, é por aqui — disse dona Clarice levando o rapaz até o meu quarto. Eu não os acompanhei, fiquei parado onde estava, tentando assimilar a beleza daquele rapaz e o olhar inquisidor da minha mãe. Neste momento, eu poderia levantar milhares de questões sobre mim e a minha sexualidade, mas isso já era história velha, pensamentos e sentimentos que eu escondia da minha família e pelo fato de fazer parte de uma igreja, aquilo não tinha espaço em minha vida. O que não quer dizer que eu não dava vazão aos meus desejos. Claro, existiam meios comuns de aplacar a minha fome de homem, sem precisar tocá-los ou tê- los. Aos dezessete eu ainda era virgem, quer dizer, o fui até aquele fim de semana. Depois disso, enveredei por caminhos tortuosos que nunca mais me permitiram esconder sobre a minha carapaça endurecida, quem eu realmente era. E não me arrependo. Sinto-me completo, feliz e inteiro. Mas, voltando aquela época. Eu vivia no armário, escondia os meus desejos, mas vez ou outra com a ajuda de uma mão amiga, deixava o meu tesão escorrer para fora do meu corpo. E não pretendo me demorar nesse tipo de ladainha, primeiro que a gente já tá cansado de saber que muita gente não é quem gostaria de ser, por conta de padrões impostos em sociedade. Segundo, ninguém escolhe de quem gosta, porque gosta e como gosta. Essas questões nem mesmo a psicologia explica com propriedade. Terceiro, é cansativo demais falar sobre todo o processo de dor e cura que envolve a aceitação de si mesmo. É sofrível, é tenso, mas a gente sempre acaba se encontrando. Claro, que uma ajuda, um apoio, alguém que nos guie, é muito mais saudável e interessante do que passar por tudo sozinho. Mas no final a gente não morre só? FODA-SE! Quarto e último ponto, porque isso aqui já se tornou um panavuê, quero falar de coisas alegres e da parte divertida de tudo isso. E é aquela coisa, quem tem ouvido ouve, quem não tem ou não quer ouvir, que vá para o raio que o parta. Quando Rique e minha mãe foram ao encontro do pastor, eu não os segui de imediato. Continuei na sala, olhando na mesma direção e só depois de alguns segundos como que em transe, resolvi ir conhecer o tal pastor, afinal ele estava no meu quarto. Guiei-me a passos largos, e logo alcancei o cômodo no qual estavam os hóspedes e parte da minha família. Ao chegar na porta, deparei-me com o ambiente que estava acostumado a ver todos os dias, com algumas poucas modificações para abrigar duas pessoas. — Ah, você deve ser o Jevons, estou errado? —antes que eu pudesse esboçar qualquer saudação, a voz do homem que eu ainda não conhecia a fisionomia, alcançou-me os ouvidos e fez-me observá-lo desconcertado. Não tive reações para expressar no momento, apenas segui a maré e dei passos para dentro do quarto. Os olhos fitos no pastor mediram toda a sua fisionomia, fixando em pontos específicos do seu rosto, para constatar a sua aparente e extravagante beleza. Era um homem corpulento, nem muito gordo, nem muito magro. Acho que a palavra certa é parrudo. Tinha cabelos lisos e loiros, e olhos verdes e inquisidores. Os lábios eram finos e cobertos por uma espessa barba, pareciam nem existir. Eles só ganhavam destaque por conta da sua voz, que soava como um trovão. — Pastor, esse é o meu mais velho — informou-lhe minha mãe. Ela se aproximou de mim e colocou as duas mãos, cada uma em um dos lados dos meus ombros. Desconfortável, não sabia muito bem porque motivo, não naquele momento, fitei a minha mãe e encontrei o seu olhar aflito, como se me exigisse e me implorasse pelo amor de deus que eu fosse educado. Enfim, tive coragem de abrir a boca e esboçar algumas palavras. —Jevons é um nome diferente — exclamou Rique sentado aos pés da minha cama. Foi assim, que de forma bem peculiar e preconceituosa, confesso, que notei a diferença no tom de pele do pai e do filho. Um era loiro e o outro era negro, se bem que, ambos tinham os olhos da mesma cor. Mas a primeira impressão é de que não eram do mesmo sangue. E realmente não eram. Vim a saber depois, em uma conversa particular com Rique, onde ele me contou toda a verdade. Não a verdade que eles contavam para as outras pessoas, mas o que estava oculto, guardado debaixo de sete chaves, um tenebroso segredo. Eu, com o meu olhar preconceituoso da época fiz juízo de valor de toda a situação, engolindo um pouco de saliva, como se engolisse veneno e me calei. É que todos nós nascemos e somos criados para sermos filhos da puta, preconceituosos e racistas. A gente tenta se livrar de tudo isso em nossa caminhada, no dia-a-dia, principalmente quando a gente se percebe assim, filho da puta mesmo. Tem outro nome para lidar com pessoas preconceituosas? É trabalho diário se livrar de tudo que é imposto a gente quando chegamos ao mundo, pela sociedade machista, branca, patriarcal. Meu deus, é muita merda e lixo que empurram para debaixo do tapete do nosso subconsciente, e a gente vai seguindo, reproduzindo o senso comum e sendo estúpido. Mas eu tenho o intuito de tocar fogo no senso comum, eu quero é que a branquitude e o machismo se explodam. — Realmente! —exclamou o pastor Antônio. Minha mãe sorriu e novamente me olhou com contentamento. — De onde veio a inspiração para um nome como esses? —indagou Rique. — Bem, eu lia muito quando jovem — começou a minha mãe — e lembro de ter visto esse nome em algum livro. Sempre falei para mim mesma que quando tivesse um filho colocaria esse nome, Jevons. E meu primogênito foi o sortudo. Observei a minha mãe enquanto ela falava e quando voltei o olhar para Rique, percebi que ele me olhava de forma inquisidora. Não era um olhar inocente, e eu não tinha muita certeza do que ele realmente queria dizer, achei estranho, mas não me deixei influenciar por ele. — Nunca tinha visto nome parecido — disse Rique com os olhos fitos em mim. Antônio olhou-o e sorriu. — Mas é um nome bonito — disse o pastor voltando o olhar para mim. — Obrigado — agradeci. Todos nos silenciamos por alguns minutos, mas não demorou muito e ouvimos o barulho de uma voz familiar. — Oi de casa, oi de fora. Tô entrando! — exclamou a voz. Não demorou muito e em alguns minutos haviam dois pastores dentro do meu quarto. Ambos se cumprimentaram, se abraçaram, falaram sobre trivialidades. E eu e minha família observamos atentamente. — Eu vou fazer um café fresquinho pra gente tomar — disse minha mãe, que voltou o olhar pra mim logo em seguida e complementou — e você, vai à padaria buscar um pãozinho quentinho, que esse é o horário ideal. Não, não era o horário ideal, provavelmente a padaria já estava fechando, mas eu não podia reivindicar o pedido, me preparei para ir. — Eu vou com você — ouvi a frase surpreso, pois ela vinha de Rique. Olhei-o sem demonstrar o meu espanto e com um gesto de cabeça, sinalizei que tudo certo, pode vir comigo, apesar de preferir ir sozinho. Caminhar lado a lado com Rique, foi algo muito estranho. Em partes porque não tínhamos assuntos sobre os quais conversar, em partes porque a sua beleza me desconcertava, coisa que eu só vim admitir para mim, muito tempo depois, quando lembrando dele, eu tive um momento a sós comigo e vislumbrei o seu corpo colado ao meu. — Você é o único da família com nome estranho — Rique quebrou o silêncio que nos envolvia enquanto íamos para a padaria. — Então, como disse a minha mãe, eu fui o sortudo. Ambos sorrimos e continuamos a caminhar em silêncio. — Mas não é um nome feio — ele encerrou a frase colocando-se num silêncio súbito por alguns segundos e apertou os olhos, trazendo a sua face um semblante analítico, e então voltou a falar — exótico, mas não feio. Eu sorri, mas não tive palavras para responder-lhe. A minha sorte grande era que a padaria não ficava muito longe da minha casa. Ao chegar ao estabelecimento, que já estava fechando, como eu previra. Pedi aquilo a que fui incumbido buscar, paguei e voltamos pelo mesmo caminho, para casa. A volta foi mais rápida do que a ida. Conversamos sobre coisas triviais que não tinham relação com a origem do meu nome e foi nesse momento em que fiquei a par da verdade que Rique e o pastor contavam para todos, não a que era segredo, essa eu só vim a descobrir depois. Mas a que era aceitável aos olhos dos irmãos em Cristo. — Meu pai me adotou quando eu tinha dezesseis. Vivi todo esse período da minha vida em um orfanato. E eu nunca pensei que na idade que eu tinha, alguém me tiraria daquele lugar — ele deu uma pausa, demonstrando certa dificuldade em continuar com aquele assunto — Mas aí ele apareceu, e eu fiquei tão feliz e o amo tanto por tudo o que faz por mim. Deus sabe de todas as coisas, e todos os seus planos são perfeitos. Se hoje estou aqui, devo tudo a ele, pois até o meu pai, é instrumento seu. Eu ouvi toda a sua história atentamente, e naquele momento senti que ela servia para explicar uma série de questionamentos que fiz a mim mesmo quando vi os dois. No entanto, algo em mim gritava por uma verdade mais profunda. Sexto sentido, com certeza. Desde sempre eu o tive muito aflorado, e já perdi muito por não confiar nele. A gente sempre tem alguma coisa lá dentro do nosso âmago que grita verdades que precisamos ouvir, mas ignoramos. É como no décimo primeiro trabalho de Hércules, quando ele vai atrás das maçãs de ouro das Hésperides. O seu mestre fala- lhe o tempo inteiro o que ele precisa ouvir, mas ele ignora, porque não acredita em si mesmo e acaba se metendo nas maiores enrascadas, até que começa a perceber que as respostas para o que tanto procura estão à sua frente. Chegamos em casa. Entramos em silêncio e nos deparamos com vozes álacres vindas da cozinha. Fomos diretamente para o cômodo e encontramos os dois pastores e minha família em volta da mesa, conversando sobre passagens efêmeras. Fomos recebidos pelos olhares de todos, mas o olhar de Antônio direcionado a Rique foi extremamente desconcertante. Acho que as outras pessoas do cômodo não se deram conta daquilo, ou eu não sei se fui eu mesmo que imaginei todo o clima no ambiente. Mas, eu sentia algo errado. Mais tarde vim a dar outro nome para aquele tipo de intuição, é muito cômico pensar sobre isso, contudo, prefiro manter a palavra em segredo ou então estrago o grande mistério do que estou tentando desenvolver agora. Posso ser um marinheiro de primeira viagem, mas se tem uma coisa de que tenho plena consciência é de que preciso manter o leitor com os olhos pregados naquilo que escrevo. Voltemos para a cena na cozinha e para a fala do pastor sobre como a sua mulher era atenciosa com os parentes dela que haviam chegado na sua casa, e como achava bonita a relação dela com o primo, pois pareciam até irmãos. Tolices de quem não queria enxergar um palmo a frente do seu nariz, pois haviam situações nítidas que poderiam evitar grandes escândalos. E olha, aquele final de semana foi um daqueles. Perdi minha virgindade, desvendei segredos ocultos e o pobre do pastor... Bem, isso eu conto mais adiante. Eu queria poder dizer que tudo está conectado, mas um acontecimento não tem muito a ver com o outro. Aliás, tem sim. Tudo aconteceu graças ao evento da igreja. Então, tudo está conectado. Deus realmente sabe o que faz, e age certo por linhas terrivelmente tortas. É um absurdo, mas é real. A vida é um absurdo, mas é real. Não são poucas as vezes que nos impressionamos com seu jogo de engodos, entrementes, tudo bem. É tudo incerto mesmo, e eu já falei sobre isso, mas a nossa vocação é morrer. Não tenho certeza se essa frase é minha ou de alguém que admiro. Agora, eu vou adiantar um pouco o relógio do tempo, para o dia do evento na igreja. Na verdade, o dia seguinte a chegada do pastor Antônio e de Rique a minha casa. Não que os acontecimentos que se seguiram durante o dia não fossem importantes para mim, mas é que na verdade, nem tive muito contato com eles dois pela manhã e tarde. Eles foram conhecer a cidade junto com o pastor, enquanto minha mãe preparava o almoço e meu pai exercia a sua profissão. Ao meio dia eles almoçaram conosco e a tarde, foram para a igreja ver a quantas andava a organização do evento. Recebi de Rique o convite de acompanhá- lo, mas preferi permanecer em minha casa e aproveitar a minha rotina, enquanto não precisava me vestir com uma máscara de bom garoto, para passar por um bom anfitrião. As seis da tarde, Antônio e Rique voltaram para casa. Dona Clarice, havia ido junto com meu pai para a igreja dar conta dos pormenores, as coisas que faltavam e que precisavam ser ajeitadas às pressas. Felipe, meu irmão do meio também foi com eles, e eu fiquei em casa sozinho com o mais novo, que tomava banho no momento em que os hóspedes chegaram. — Demoramos, mas voltamos — falou Antônio enquanto cruzava a sala, indo na direção do meu quarto. Sorri e continuei a assistir o programa que era exibido na televisão. — Andamos por toda a cidade, visitamos a casa de vários irmãos e por fim fomos a igreja ver como andava a arrumação — Rique sentou-se ao meu lado enquanto dizia as palavras. Seus olhos cruzaram com os meus, e ele carregava um sorriso estonteante no rosto. — Gostaram do que viram? — indaguei. De certa forma, apesar de toda a estranheza, eu me sentia à vontade com ele. Ele balançou a cabeça insinuando um meio termo e eu sorri. — A verdade é que não tem muita coisa aqui para ser vista — retruquei. — Olha que tem, mas não nos lugares onde fomos — ao fim da frase Rique cravou seu olhar em mim, e aquilo me causou desconforto. Eu não sabia se havia entendido mal, ou se no sentido literal aquela frase se referia a mim. No entanto, eu queimei por dentro. Antônio voltou do meu quarto e agora, munido de uma toalha e uma nécessaire parou a nossa frente. — Encontramos seus pais quando voltávamos, eles já estavam indo para a igreja organizar o que faltava com os irmãos. — Ah sim — intervi — Meu pai toca e minha mãe canta, eles foram ensaiar antes do culto começar. Nós três nos olhamos, eu Antônio e Rique. Eu passei com o meu olhar pela face de cada um deles, e um arrepio perpassou a minha espinha. Eu estava quente. Naquele momento, imaginei tanta coisa, aquela toalha, nós três sozinhos ali... O que poderia nos acontecer? Até que o barulho de uma porta se abriu e logo, após alguns passos, meu irmão mais novo se aproximou de nós. O cabelo completamente molhado, a toalha em volta do pescoço e um sorriso cordial no rosto. — Banheiro está livre? — Antônio indagou a meu irmão que afirmou com um gesto de cabeça — Ótimo, eu vou adiantar. Rique, depois é você, certo? Temos que ir logo pra a igreja. Rique consentiu com um aceno e se levantou da poltrona, indo na direção do meu quarto. O pastor Antônio foi para o banheiro e meu irmão permaneceu parado a minha frente me encarando. — Você não vai? — indagou. — Claro que vou! Depois que eles se arrumarem eu tomo meu banho, a mãe pediu para que eu servisse o café para eles. Mas você já pode ir, se quiser. — Certo, eu vou me arrumar — concluiu e correu na direção do seu quarto. Não demorou mais que cinco minutos e ele já estava pronto, parado a minha frente, dizendo que já estava indo. Eu não retruquei, falei que tudo bem e voltei a assistir. Alguns minutos se passaram e logo ouvi o barulho de uma porta se abrindo, alguns passos se seguiram e o pastor Antônio passou por mim, apenas com a toalha enrolada na cintura. Foi uma passagem rápida, apressada, mas os meus olhos atentos não deixaram nenhum detalhe passar despercebido por mim. Fixei o olhar em seu tórax, e admirei o seu peitoral farto coberto por uma penugem lisa e baixa, que descia em direção ao seu umbigo e continuava o caminho até onde o meu instinto gostaria de se demorar por horas. Dei conta dos dois riscos que formavam um v, nos lados opostos da sua virilha, e pude divisar até mesmo uma marca saliente na sua toalha. Ele me olhou, sorriu e piscou. Um gesto inocente e no máximo divertido, mas eu não levei dessa forma. Neste interim, eu estava quente. E é assim quando a gente está na fase em que os hormônios afloram como loucos em nosso corpo. Fiquei excitado com o simples fato de vê-lo de toalha ali. Logo, fui acusado pelo meu superego de estar fazendo algo que não condizia com o que fui criado a fazer. Mas, foda-se, naquele momento o meu instinto me gritava perversidades ao ouvido, palavras obscenas e cenas eróticas que não tinham a mínima chance de acontecer. Assim que Antônio sumiu do meu campo de visão, Rique passou por mim com a toalha nas mãos. Ele sorriu e piscou, assim como fez o seu pai, e seguiu caminho até o banheiro. Ainda quente, eu precisava de alguma forma aplacar aquele fogo que me definhava por dentro. A passos lentos, segui em direção a cozinha, mas quando passei pela porta do meu quarto estaquei. Meus olhos se fixaram na imagem e o fogo que eu devia aplacar, incandesceu. Ensandecido e atônito observei com afinco o que se descortinava a minha frente. A porta do meu quarto não estava completamente fechada, e dessa forma, quando passei a frente dela, eu o vi. Nu em pelo. Completamente despido, assim como viera o mundo, sem toalha, sem cuecas, sem qualquer tecido que lhe cobrisse o corpo. Logo, tratei de me colocar em um canto e observá-lo às escondidas. A minha reação foi tão rápida, e tão bem arquitetada, que me pareceu que de alguma forma eu previra que viria aquele homem, daquela forma. E que homem! Cada traço do seu corpo era-me encantador. Talvez porque fosse a primeira vez que visse um homem daquele porte sem roupas, frente a mim. Ou pelo simples fato dele ser um pastor. A gente tem dessas coisas, quando um padre, um pastor, um homem casado, é bonito demais, sentimos uma atração maior por eles. Acho que porque os humanos gostam daquilo que não podem ter, ou simplesmente porque o proibido é mais gostoso. Não é algo louvável da nossa espécie, mas desde os primórdios, se considerarmos a criação do homem e o mito de Adão e Eva e da maçã, chegaremos neste ponto. Entrementes, eu o observei atento e sedento. Como eu havia imaginado, os pelos que se seguiam do tórax a virilha, culminavam em uma penugem farta sobre a púbis, e numa dimensão desconhecida, em linha reta e extremamente grosso, estava seu pênis. Meus olhos o admiraram e o desejaram com tanta veemência, que automaticamente as minhas mãos foram até o meu membro e eu me toquei, apertando-o sem parar. O homem pegou uma das malas, abriu-a, sentou na cama, tirou dela roupas. E por todo este tempo em que eu o assistia, era como se ele se exibisse para mim e quisesse que eu tivesse a sabença da sua virilidade, da sua potencialidade em me fazer ruir por dentro e queimar, como uma fênix que ressurge das cinzas e não deixa o fogo a consumir por completo. Apertei com força o meu sexo e sentia que estava tudo tão molhado dentro das minhas calças, que esqueci todas as coisas ao redor e a minha razão se esquivou de mim, submetendo-se a excitação que se reverberava por todo o meu corpo. Dei alguns passos, para chegar mais perto da porta e poder observar aquele exemplar com mais afinco, mas antes de completar o caminho, senti o toque de uma mão sobre o meu ombro. Assustei-me e num movimento súbito, pus- me a frente de quem me tocava. Dei com os olhos de Rique e a sua pergunta que me desconstruiu por completo. — O que você está fazendo? A minha face ardeu, pois não havia resposta inventada que pudesse me tirar da enrascada onde eu havia acabado de me meter. Tentei pensar em alguma coisa, abaixei os olhos e percebi que Rique estava apenas de toalha. Ele também abaixou os olhos, mas logo eu percebi que eles foram em direção a marca saliente que a minha ereção deixava na bermuda que usava. Ele se demorou ali por alguns minutos e em silêncio voltou a olhar em meus olhos. Não tive reações, mas esperei alguma reação vinda dele. Contudo, a única coisa que o vi fazer foi sorrir e ir em direção ao quarto. — Acho melhor você ir tomar banho para irmos, ou vamos nos atrasar. Meu coração havia falhado em seus batimentos. Senti a minha respiração vacilar. Mas apenas consenti com um gesto afirmativo de cabeça, e corri para o quarto do meu irmão. Rápido como um foguete, ao pegar a minha toalha, corri para o banheiro e num átimo bati a porta e tranquei- a. Eu estava envergonhado e amedrontado. Sabe-se lá qual seria a atitude de Rique após ter visto o que acabara de ver. Propositalmente tomei um banho demorado e não tinha planos de sair por tão cedo do banheiro, mas ainda quando a água caia do chuveiro e escorria pelo meu corpo, ouvi a voz de Antônio dizer que só estavam me esperando para que pudéssemos seguir para o culto. É certo que eu gelei, e o que estava feito não podia ser desfeito, só me restava aceitar qualquer consequência que viesse a decorrer da minha atitude. Eu estava bem fodido! Terminei o banho e saí do banheiro cabisbaixo. Tudo o que eu queria era desaparecer para não enfrentar as consequências da minha atitude impensada. Mas a vida me ensinou desde cedo que eu tinha que aprender a lidar com todas as adversidades que surgissem em meu caminho, e que toda consequência dos meus atos, eu teria que receber de peito aberto e responder por eles. Andei pela sala, e não vi nenhum dos dois homens, e me senti aliviado por não encontrá-los logo que saí do banho. No entanto, havia um grande problema. Mesmo que eu estivesse no quarto do meu irmão, as minhas roupas estavam em meu quarto e era lá que eles estavam. Senti calafrios só de pensar no desconcerto que aquela situação me causaria, mas não tinha jeito, eu tive que ir. E fui, com a cara e a coragem. A todo momento, havia uma tensão crescente em mim e uma espécie de intuição que apontava para algo que viria a acontecer mais tarde. Sabe deus dos calafrios que senti, e dos pressentimentos que me acompanharam naquela noite. Cheguei ao quarto e eles também não estavam lá. Observei, parado na porta e não havia rastro deles ali, a não ser as malas. Para não correr riscos, aproveitei a deixa e fui até o meu guarda- roupas e tirei as peças com as quais me vestiria. Ao pegá-las, fiz um gesto brusco para sair do quarto, mas antes que pudesse concluir o ato, dei de cara com Rique. — Demorou no banho, hem? – a sua frase soou irônica, e pela forma como me olhou, sugeria qualquer coisa que a minha inocência não me permitiu visualizar. Eu não consegui manter meus olhos fixos nos seus, abaixei-os e respondi-o sem ânimo, que eu sempre tomava banhos demorados. — Estamos lá na frente esperando você — ele disse e afastou-se de onde estava, liberando espaço para que eu passasse por ele. Fiz o que o meu instinto me impôs a fazer e num átimo, ao chegar no quarto, vesti-me. Eu não sei explicar ao certo, que misto de emoções eu sentia, se culpa, medo ou raiva pela minha tolice, mas sei que tudo em mim era uma confusão, e que nada do que viesse a acontecer, terminaria bem. Pronto, não tive fome, e me esqueci completamente de servir café aos hóspedes. Fui ao encontro deles, que como Rique havia dito estavam me esperando do lado de fora e ao ter com eles, seguimos sem dizer uma única palavra em direção a Primeira Igreja Batista Central. Durante o caminho, não haviam palavras que pudessem romper o silêncio que formou uma bolha entre nós. Vez ou outra eu percebia que os olhos de Rique estavam sobre mim, mas eu não cedia a vontade de encará-lo e apenas seguia em frente. A igreja não ficava longe da minha casa, até porque a cidade era pequena e os estabelecimentos ficavam todos próximos uns dos outros. Caminhamos durante cerca de dez minutos e logo chegamos ao nosso destino. — Enfim chegamos! — exclamou Antônio ao passar pelos portões da igreja e logo foi arrebatado por um cordão de puxa sacos, autointitulados fieis que não faziam nada além de fingir o amor ao próximo e exibir uma santidade que não era humana. O grande problema disso tudo, é que por mais que eu não quisesse ficar sozinho com o Rique, acabei ficando apenas com ele. Tentei me desvencilhar falando com alguns amigos, levando ele para perto dos meus pais, mas ele me seguia como se estivesse preso a mim. O engraçado disso tudo, é que estávamos ali, juntos, mas não dirigíamos uma palavra um para o outro. Por mais que ele não houvesse dito nada, sabíamos o que tinha acontecido, e a minha aflição era esperar uma reação sua e ela não vir. Desistente da tentativa de me desvencilhar, entrei para dentro do recinto, seguido pelo rapaz e escolhi um lugar para sentar, onde provavelmente minha família sentaria. Atento, observei todas as pessoas que já estavam ali, inclusive o pastor da minha igreja e a megera da sua esposa que não saía da companhia da sua tia e do seu suposto primo. Fixei meus olhos nele e como agiam, e realmente eles pareciam muito íntimos, como se fossem irmãos ou não. — Para onde você está olhando? — inquiriu Rique fazendo com que eu virasse meu rosto para mirá-lo. Ao encontrar os seus olhos percebi-os límpidos e travessos. Havia também um raso sorriso em seus lábios e um ar despreocupado em seu semblante. — Não, eu... — pausei antes de ter certeza do que o falaria — Eu apenas estou vendo as pessoas que vieram hoje prestigiar o seu pai — não sei se naquele momento a minha entonação fora proposital, mas eu coloquei uma ênfase desnecessária na palavra pai, que deixou um curioso questionamento no ar. Lentamente as pessoas foram se acomodando nos bancos, que foram poucos em relação ao número de presentes. Principalmente porque havia muita gente de fora. A nossa igreja, apesar de ser uma das maiores da cidade, não tinha a capacidade de acomodar muita gente. Os bancos eram retos e longos, de madeira, com um encosto desconfortável. Ou seja, todos ficavam no mesmo banco, e como o número de pessoas sentadas em um único estava excedido, eu e Rique ficamos praticamente colados um no outro. Desconfortável, porém havia algo que nos conectava, como uma correte elétrica que percorria todo o meu corpo e encontrava condução no dele. Vez ou outra, mesmo com o olhar fixo na minha frente, eu o olhava de soslaio e percebia que ele fazia o mesmo. Sem muitos segredos, as coisas foram se desenrolando sozinhas, e é assim quando elas têm de acontecer. A gente não foge aos percalços da vida, eles nos caçam. A verdade é que estas energias estão aí o tempo inteiro, e é muito mais sobre ceder a elas e se conectar com a sua manifestação, do que qualquer outra coisa. Não tenho certeza se esse tipo de assunto cabe aqui, até porque, eu cheguei num ponto da história onde a diversão realmente acontece. Estamos no ápice do que me aconteceu naquele dia, e não nego que o plottwiste pode ser real. Mas, sigamos em linha reta. Na verdade, sigamos de onde as coisas entre mim e Rique começam a esquentar e como dizem por aqui o bicho pega. —Jevons — ouviu-o chamar me nome em um sussurro. Vagaroso virei-me em sua direção e ofereci um olhar inquisidor a ele. Neste ponto, o culto á havia começado, e minha mãe e meu pai, estavam lá na frente cantando músicas que glorificavam a existência egoística de deus pintada pelo homem. — Eu preciso ir no banheiro — confidenciou-me. — É lá fora, nos fundos da igreja — forneci-o a localização do banheiro, intuindo que aquilo bastaria. — Me leva até lá — mas fui pego de surpresa pelo seu pedido de conduzi-lo até o lugar. Endureci-me na cadeira e pensei mais de duas vezes antes de me levantar e atender ao seu pedido. Mas se não eu, quem o faria? Procurei por meus irmãos em bancos próximos, mas não os vi. FODA-SE! Pensei. Não com essa ênfase toda, até porque naquela época eu ainda era um jovenzinho inocente prestes a se perder, na verdade, se achar. — Vamos! — Rique implorou e ao fitá-lo novamente, dei com o seu semblante límpido demonstrando que necessitava de minha ajuda. Atendi ao seu pedido a contragosto. Eu não tinha de forma alguma o intuito de estar sozinho com ele. O medo de ouvir dele e constatar que havia percebido o que aconteceu na minha casa, foi o maior que já me lembro de ter sentido em toda a minha vida. Levantei-me do banco vagarosamente e fui acompanhado por ele em meu movimento. Seguimos para fora da igreja, mas antes de sair, voltei os meus olhos para trás, pois tive a impressão de estar sendo observado. Ao concluir o ato, dei com os olhos do pastor Antônio que me fitavam de forma fixa. Ele estava sentado atrás do púlpito, numa das cadeiras acolchoadas reservadas para presbíteros, obreiros e missionários. Paralisei-me por alguns segundos, e ao perceber a minha demora em se mover, Rique que vinha logo atrás de mim, fez o mesmo gesto que eu, alcançando o olhar de Antônio. E naquele momento, eu percebi que havia algo de errado ali, aqueles dois escondiam alguma coisa e por incrível que pareça, parecia-me que agora eu estava no meio dela. O olhar dos dois fora fulminante e rápido, e logo eu e Rique saímos de dentro da igreja. Ao passar pela porta curvamos para o lado esquerdo e seguimos até que chegamos ao lado da igreja. Estava muito escuro, afinal era uma noite sem lua, e aquela parte do templo não era iluminada. Seguimos em frente com dificuldade, mas não demorou para alcançarmos o banheiro. A parte em que ele ficava, era ainda mais escura do que o caminho por onde havíamos ido até lá. A nossa frente, estava o banheiro, atrás de nós uma mata alta e descuidada que segundo o pastor, logo daria espaço para uma nova sala onde aconteceriam as reuniões dominicais. — Serei rápido — disse Rique tentando abrir a porta, no entanto ela não se moveu do lugar. — Deixa que eu faço isso — fiz um gesto para que ele se afastasse e fui até a porta, puxando- a de uma maneira diferente, que era a única forma que ela conseguia ser aberta. Rique sorriu e num átimo entrou para dentro do banheiro, fechando a porta atrás de si. Pensei se devia esperá-lo ou se era melhor eu voltar para o meu lugar e aguardar por ele lá, mas antes mesmo de concluir o meu pensamento vi a sua tentativa falha de abrir a porta sem conseguir. —Jevons, você pode abrir, por favor? — pediu-me. Achei engraçado a forma como ele falou, mas logo tratei de abrir a porta da maneira especial que apenas eu e outras pessoas sabiam. Coloquei força nos braços, empurrei-a para frente e logo em seguida para trás, suspendendo-a um pouco e, assim ela se abriu. Contudo, assim que a figura de Rique surgiu a minha frente, algo tão confuso e rápido aconteceu que não há formas de explicar detalhadamente como eu fui parar dentro do banheiro com a porta novamente fechada e o rosto de Rique tão próximo do meu que eu sentia a sua respiração ofegante confrontando a minha. Os meus olhos estavam vidrados nos seus e os nossos corpos tão colados que eu por um instante não soube muito bem aonde o meu começava e o seu terminava. Eu estremeci por completo, mas não tive forças para me desvencilhar da posição em que estava. Em um segundo eu estava do lado de fora do cômodo, e noutro a mão de Rique fora tão rápida que me puxara para dentro e o seu outro braço livre, após bater à porta e passar o trinco, enroscou-se nas minhas costas, colando- me a ele. — O que você está fazendo? Você tá maluco, cara? — inquiri-o tentando me desvencilhar, no entanto Rique tinha mais músculos do que eu e, consequentemente era mais forte. Ele permaneceu em silêncio e com a mão livre colocou um dos dedos sobre os lábios e fez um barulho, como um sopro ou sussurro, exigindo o meu silêncio. Eu obedeci-o, não sei por qual motivo, se pela força que fez em minhas costas ou se pelo semblante que a sua face adquiriu naquele momento. Seu ar era demoníaco e seu olhar tão hipnotizante e sexy que naquele momento, senti como se eu fosse um metal atraído por um imã, que era ele. Seus lábios se entreabriram e aquilo era misterioso e desconcertante. Aos poucos o nervoso de antes foi cedendo a outro tipo de emoção e o meu corpo respondeu aos estímulos que o seu corpo fazia em contato com o meu. Ele se movia enquanto me mantinha preso em seus braços, e era como se dançássemos na beira de um abismo em chamas, prontos para sermos consumidos pelo furor do caos, quando saltássemos de cabeça em direção a nascente das chamas. — Era isso o que você queria? — inquiriu- me com os lábios tão próximos dos meus, que o cheiro do seu hálito invadiu o meu olfato e eu não soube digerir a sua pergunta, e nem mesmo negá-la. Eu tentei desviar a face da sua, mas mesmo que eu fizesse aquilo, onde o meu desejo pulsava e a minha ereção já era presente, assim como a sua, e vez ou outra ele forçava tanto o seu corpo contra o meu, que eu pressentia que travaríamos uma batalha a qualquer momento. — Eu vi... — ele disse, e por um instante um arrepio perpassou pela minha espinha — O que você viu? — quis saber, já tendo a certeza de sobre o que ele falava. — Eu vi você se tocando enquanto observava o meu pai. Eu não tive palavras para desfazer aquilo que os seus olhos haviam constatado, e mesmo que eu tivesse, não haveria forma de alegar inocência diante do meu suposto crime. No entanto, eu estava ali agora, sendo julgado pelo meu algoz e castigado pelos meus desejos da forma mais absurda que eu poderia imaginar. E se todo o castigo que eu enfrentasse em minha vida fosse daquele jeito, eu morderia a maçã proibida mil e uma vezes, para logo depois ter todo o pomar a minha disposição. — Eu não fiz... — antes de concluir a frase senti ele pressionar a sua ereção na minha e trazer os lábios para mais pertos de mim. — Me diz, o que você imaginou ao vê-lo ali daquele jeito? — as suas indagações eram desconcertantes, e talvez eu estivesse em uma posição de vítima sem ter a consciência de que estava sendo induzido a algo que eu não tinha a menor vontade ou obrigação de fazer ou dizer. De alguma forma, aquela situação poderia significar algum tipo de violência contra a minha integridade. Mas eu estava ali, tão vivo e quente, e pulsando de tesão diante das circunstâncias, que não consegui me desvencilhar dos seus braços, dos seus olhos e por fim do toque invasivo dos seus lábios nos meus. Quando isso aconteceu, não soube como reagir, apenas senti todo o meu corpo vacilar e uma quentura se abater sobre a minha pele de tal forma, que me parecia que eu estava com febre. Eu não queria mais fugir dali, eu queria me despir e pular dentro daquele fogueira, definhar como se descesse completamente nu ao sétimo inferno e então voltar de lá triunfante e renascido das cinzas, redescoberto, novo e mais forte. Foi como se o mundo se mostrasse para mim pela a primeira vez. E qualquer alegoria que eu pudesse utilizar para metaforizar o momento, não seria eficaz em trazer todos os significados do que vivenciei à tona. Sendo uma coerção ou violência contra a minha integridade ou não. A língua de Rique invadiu a minha boca e levou a minha língua para dentro da sua. Então foram mãos, e braços e pernas se enroscando e ereções tão pulsantes, e o tesão latejando e escorrendo que não se sabia quais as mãos que eram minhas e quais as mãos que eram suas. Ele me tocou e me apertou e eu retribuí, babujando os seus lábios com a minha saliva e respirando tão forte, tão desesperado, que o ar parecia-me que faltaria em alguns instantes. Até que ele estacou, e paralisado fitou-me com um olhar irônico e sorriu. — Temos que ir, não podemos terminar isso aqui — disse. — E vamos para onde eu não sei onde podemos terminar isso? — desesperei-me. — Calma, vamos voltar para o culto e depois que todos dormirem na sua casa, a gente dá um jeito. Eu fixei meus olhos nos seus, eu tão inexperiente e confiando tanto em sua sapiência, que não o questionei. — Vamos então... — concordei tentando me desvencilhar dos seus braços, no entanto, ele permaneceu firme me mantendo preso a ele, e depositou um novo beijo tão intenso quanto o anterior, nos meus lábios. Ao terminar me soltou e sorriu. Eu não tive reação, permaneci parado e achei até que estava meio tonto. — Você já pode abrir a porta quando quiser — ele insinuou sorrindo. Recobrei a minha sanidade e só então dei meu jeito de abrir a porta. Antes, olhei para todos os lados, intentando ver se o caminho estava limpo. Constatando que estava, saí do banheiro e ele me seguiu. Voltamos pelos mesmo caminho por onde viemos, é claro, e até nos esbarramos com um dos meus irmãos e dois colegas seus na parte escura. Neste momento, todos os meus pelos se eriçaram e eu senti um calafrio, imagina só se eles tivessem passado por ali dois minutos antes. Rique apenas sorriu, e eu supus que ele achou graça na possibilidade de talvez sermos flagrados pelo meu irmão. Enfim, entramos novamente na igreja e seguimos em direção ao nosso lugar no banco. Lá na frente, agora atrás do púlpito e de pé, Antônio pugiu-nos com um olhar inquisidor, que passou de Rique para mim. Seus olhos pesaram sobre a minha face e eu me senti intimidado, mas meus caros, nada é tão absurdo que não pode tornar-se ainda mais. E é aqui que chegamos a um momento estupidamente crucial da minha história, a descoberta do prazer o desejo e o gozo, me vieram de forma tão sedutora e devassa que depois dessa experiência eu nunca mais fui o mesmo. Mantenham-se atentos, o grande ato está prestes a começar. A vida tem dessas artimanhas, ela é sedutora e maligna. Ela nos toma pelo braço numa dança cabalística, e nos faz girar em círculos e mesmo sabendo que a qualquer momento que pararmos podemos cair, continuamos, porque a sensação de ver o mundo daquela forma é tão maravilhosa, que talvez seja por isso que os vícios nos acometem com tamanho furor. O despudor com que a vida se abriu para mim, desvirginando-me, modelado a minha persona, fora tão intenso e diabólico, que num átimo eu era um meninote cristão e inocente, e em outro em era um devasso entorpecido pela luxúria em busca de aplacar as pulsões da minha carne de todas as maneiras possíveis. E meus caros, as coisas que se desenvolveram ao decorrer da noite foram terrivelmente luxuriosas. O meu impulso, é ir diretamente para os acontecimentos, mas antes de dar com o fatídico momento do culto a carne, eu preciso demorar a minha atenção no caso do pastor e da megera da sua esposa. Nunca, desde que me entendia por gente, consegui digeri-la de forma agradável. Havia nela uma leve falsidade, perceptível aqueles que tinha uma sensibilidade aflorada. E a minha sempre o foi. Convivia com a sua figura em minha casa, via-a se gabando da sua santidade, mas as suas palavras e a vantagem que contava por ser mulher de um homem de deus nunca me convenceram. Após o ocorrido com Rique no banheiro, e assim que sentei no banco ao seu lado, meus olhos de forma maliciosa procuraram pela mulher. Algo, naquele momento, já havia mudado dentro de mim. Abocanhar a maçã, mesmo temendo o que poderia vir a ser depois, dera-me em conhecimento do mundo o que eu ainda não tinha. É exagerado dizer que eu tivesse acabado de romper algumas barreiras de mim para comigo mesmo, mas de certa forma, tudo aquilo tivera um grande significado para mim. E tivera-me um grande significado também, os olhares, os sorrisos e o jeito como a mulher do pastor e o seu primo, que lhe era como um irmão, se comunicavam. Eles estavam na frente, a poucos metros do púlpito, e apesar de manterem uma postura discreta, havia algo no ar, que o meu olfato recém desvirginado pelos odores da opulência, conseguia identificar. Ao chegar neste ponto da história, temo que tudo se torne um pouco rápido, corrido, é que ao me lembrar do que aconteceu, eu tenho que lidar com alguns questionamentos e pensamentos com os quais nunca me dei muito bem. Ao me ver tão jovem e inocente sendo corrompido pela voluptuosidade com que a luxuria me tomou naquela noite, algo em mim se indaga, se nada daquilo tivesse acontecido, quem eu seria hoje? Todavia, eu não pretendo transformar essa história em algo chato, maçante, malquisto por quem se aventurar a ler. Filosofias só devem ser levadas a frente, quando não são demasiadamente entediantes. O culto andou da forma como eu comumente conhecia, apesar do pregador ser outro, no caso o pastor Antônio. O que me deixava inquieto na cadeira, eram o seu olhar tenso direcionado a mim e a Rique. Existia algo no ar, que eu ainda não fazia ideia, mas a minha intuição pulsava tão forte dentro de mim que eu sabia, não demoraria muito para eu descobrir. Ao fim do culto, lá pelas onze horas da noite, já que sendo um evento diferenciado com mais músicas, tempo de pregação e oração do que o esperado, eu e Rique nos dirigimos para fora da igreja e fomos ao encontro dos meus pais, e irmãos. Antônio teve ainda que lidar com alguns fiéis antes de vir ao nosso encontro e todos estarmos juntos para seguirmos em direção a minha casa. — O senhor foi certeiro em cada uma das suas palavras, pastor — elogiou a minha mãe — Eu senti como se cada uma delas fosse exclusivamente para mim. — Para Deus, ter um homem como você no seu exército de fieis deve ser um orgulho — interviu meu pai. Eu observava inquieto tudo o que falavam, e na verdade o que eu queria era chegar em casa, espera-los dormir, tanto eles quanto meus irmãos e dar um jeito de terminar o que havia começado com Rique. — Antônio, o pessoal tá muito contente com a sua presença e suas palavras — exclamou o pastor, aproximando-se da gente. — Irmão, não fiz nada além da minha obrigação. Todos permanecemos em silêncio e observamos aos poucos a esposa do pastor, e seu primo se aproximar de nós. Antônio observou-os curioso, e eu segui o seu olhar confirmando em sua expressão algo que também gritava em mim. — Ah, deixe eu lhe apresentar, esse é o Ezequiel. Primo da minha esposa, eles foram criados juntos, são como irmãos. — Prazer, pastor Antônio — eles apertaram as mãos num gesto rápido, e sorriram cordialmente um para o outro. Rique, ao meu lado, roçou seu braço em mim, e como se eu tivesse tomado um choque de 220 volts, afastei-me dele num movimento súbito. Os olhos de Antônio que antes estavam no Ezequiel, se voltaram para mim, e a única reação que eu tive fora abaixar os olhos para não sentir o peso do seu olhar em minha face. — Pastores, eu, meu marido e os meninos, já vamos seguindo. Se quiserem nos acompanhar... — disse minha mãe de forma reticente. — Antônio, fique à vontade para ir descansar com seu filho. Amanhã pela manhã, temos o encerramento do culto, e queremos a sua presença. — Pode deixar que estarei aqui — disse Antônio sorrindo e oferecendo uma das mãos para o pastor, em seguida a sua esposa e por fim a Ezequiel. Os comprimentos foram rápidos e curtos, e logo nos colocamos a passos largos em direção a minha casa. No caminho, a minha mãe não parou de falar. Elogiou Antônio de todas as formas possíveis, tentou estabelecer um diálogo com Rique, inquirindo-lhe se ele queria seguir os passos do pai e por fim, confessou o desejo de que queria um dos filhos pastor, ou senão todos eles. A salvação diante das suas falas, era que a nossa casa era bem próxima da igreja, portanto, logo chegamos. O cansaço abateu a todos e era aparente em cada um dos semblantes, e depois da troca de roupas, algumas palavras, beliscar alguns petiscos na cozinha e todos bocejando de forma coletiva, retirar-se para os quartos foi a solução. Eu estava ansioso, não que eu tivesse coragem de dar andamento ao que eu e Rique havíamos começados no banheiro da igreja, ali em casa, com todos dormindo sobre o mesmo teto que nós. Mas o meu coração, estava descompassado. E quando me deitei no colchonete que a mim me fora reservado para dormir, enquanto os hóspedes se aconchegavam em me quarto, uma ânsia subiu do meu estômago para a minha garganta e eu senti como se o vômito me fosse uma ação possível naquele momento. Contudo, eu engasguei com a minha própria saliva, e tossi desesperadamente. — Cala a boca! —exclamou meu irmão denunciando a sua revolta, todavia, eu não consegui parar. Dona Clarice surgiu na porta do quarto e me observou por alguns instantes. — Você está bem? —inquiriu-me. Não respondi-lhe de imediato, mas assim que recobrei o ar, falei-lhe que sim. Ao ouvir a minha resposta, ela saiu da porta do quarto, e pelos seus passos percebi que dirigiu-se para a cozinha. O tempo passou e o sono não tomou-me como de costume. Meus ouvidos atentos deram conta de todos os sons que se sucederam durante a noite. Primeiro, eu ouvi a minha mãe lavando os pratos. Ela estava lenta no seu afazer. Com toda a certeza a sua calma era a tentativa de não acordar aqueles que já estavam dormindo. Segundo, ela deu passos por toda a casa, verificando se todos estavam bem e se aconchegados conforme o tempo obrigava. Terceiro, ela apagou de uma a uma as luzes dos cômodos, e dirigiu-se para o seu quarto. Ouvi uma tossi seca e grave, e concluí de que não a pertencia, mas sim a um dos hóspedes. O barulho de dona Clarice se aconchegando na cama fora uma das últimas coisas que eu me lembro de ter ouvido, antes de tudo começar. Não posso revelar com clareza como tudo culminou nos momentos que se sucederam, mas posso afirmar que foi umas das coisas mais loucas e excitantes que eu fiz em toda a minha vida. Confesso, que pela minha idade e pela mentalidade que eu ainda tinha, de que talvez não estivesse preparado para vivenciar aquilo, entrementes eu remei conforme a maré e cheguei ao ápice da minha iniciação em uma vida luxuriosa que ia permear toda a minha vida na terra. As luzes apagadas, as respirações baixas de todos que dormiam, e vez ou outra, alguém que se mexia em sua cama. Meus olhos estavam acesos como os olhos de m guaxinim em busca de comida durante a noite. E eu realmente estava com fome, e a minha fome era reter em meu corpo, o cheiro, o gosto, a sensação de ter aquele homem novamente perto de mim. Movi-me no colchonete vezes seguidas, sem conseguir pensar em nada além da sua promessa de terminar aquilo em minha casa quando todos dormissem. Deitado, com os olhos fixos na fresta que a porta havia deixado ao meu alcance, eu percebi um vulto sorrateiro se projetar a frente da luz que me alcançava. Eu paralisei no lugar onde estava, sem ter condição alguma de ter a certeza de que aquele era o seu chamado. Fechei e abri os olhos algumas vezes, até que a sombra se moveu, abandonando o lugar onde estava. Quis me levantar e constatar com os olhos o que o meu desejo implorava que aquilo fosse, mas tive medo. O coração acelerado dava sinais de que a qualquer momento pararia de funcionar. Eu estava inquieto, e tão sensitivo, prestando atenção em todas as coisas, que sons e visões não escapavam de mim. Eu sabia que todos da minha família dormiam e que não acordariam facilmente, contudo, eu não conseguia me mover. Até que minha garganta reclamou de sede. A crise de tosse que eu havia tido quase uma hora antes, tinha deixado rastros em mim. Engoli saliva desesperadamente, mas não consegui remediar o irremediável. Num gesto súbito e sem medir consequências, eu me levantei. De pé, pensei em não fazer aquilo, entrementes, algo me chamava, algo em mim gritava por aquilo. Eu precisava matar a minha sede, literal e metaforicamente. Andei vagarosamente, tateando no escuro, sem me arriscar acender qualquer luz. Atravessei a porta do quarto, puxando-a vagarosamente e me guiei a passos lentos pelo corredor que dava para a cozinha. Antes de chegar ao cômodo, percebi que da porta do meu quarto, saía um feixe de luz. Eles estavam acordados, pensei. Segui. Não tive mais medo, apenas fui e quando passei pela frente da porta do quarto, meus olhos buscaram imagens e não encontraram nada além de um pequeno espaço, onde eu só conseguia ver um pedaço da minha cama. Parei por alguns minutos e continuei o meu caminho. Todos os meus gestos eram calmos e silenciosos. Abri o armário, peguei um copo, enchi- o de água e tomei. O ato foi tão rápido e silencioso, que num átimo eu o havia concluído. Coloquei o copo sobre a mesa, tendo o cuidado de não fazer o barulho e então eu senti aquelas mãos. Um corpo se chocou ao meu corpo e eu senti a sua quentura, o seu aconchego. Se eu não tivesse pensando na possibilidade de qualquer coisa do tipo acontecer, talvez eu tivesse gritado. Mas além da mão que me envolveu o abdômen e me juntou ao corpo, outra me chegara aos lábios e me impedira de emitir qualquer som. Respirei forte e senti cada centímetro daquele corpo se colando ao meu. Eu não pensei muito bem enquanto as coisas aconteceram, mas elas aconteceram. A respiração do homem alcançou o meu pescoço e eu derreti em seus braços. Eu poderia virar naquele momento e lhe beijar, me entregar completamente ali, onde eu estava. Contudo, com a mão em minha boca e a outra me envolvendo, ele me fez dar meia volta e me guiou a passos lentos em direção ao meu quarto. Não me dei conta do que estava acontecendo, mas ao estar tão próximo da porta, uma ansiedade absurda me sobressaltou. Quis me soltar, mas se eu gritasse, aquilo teria consequências catastróficas. Qualquer rastro de desejo em mim desaparecera completamente. Quando frente a porta, ela se abriu num átimo e outro homem, sorrateiro me puxou para dentro. O que me segurava entrou logo em seguida e subitamente, a porta foi fechada. Antes de assimilar o que via, tive muito medo. O meu estômago se embrulhou e tudo que eu queria era sair dali. Todavia, eu permaneci e o que se sucedeu foi estranho, mas delicioso. Eu fui o almoço do diabo. Se ele existe, estava ali, naquele momento. Fui despido, desmembrado e servido. Eu queimei no fogo do inferno, e talvez, algo ali, naquele momento não estivesse de todo certo. Contudo, se me fosse dada a escolha de vivenciar tudo aquilo novamente, eu vivenciaria. Porque tudo o que se sucedeu não foi acompanhado de explicações. E eu não precisava delas para me meter onde eu me meti. Eu só fui de encontro aquilo que me era ofertado. Aceitei de bom grado o presente suntuoso da vida, e me atirei. Antônio estava de pé, parado a minha frente. Seu olhar era rígido e mordaz. Eu tive medo dele, achei que Rique tivesse contado qualquer coisa a ele que não tinha gostado de ouvir. Mas foi muito melhor, Rique contou e ele queria ver com os próprios olhos. Eu não julguei a sua persona naquele momento, em meu inconsciente onde se aflorava o meu instinto, talvez me fosse mais cômodo ir adiante naquele jogo e provar do sabor que aquela experiência me ofereceria. Há pontos que poderiam ser levantados nesse momento, sobre o ocorrido, sobre idades, sobre hipocrisias, mas eu não quero. A história é minha e eu faço dela o que quiser. E eu quero dizer, que eu me diverti. Eu aproveitei e saboreei cada detalhe daquele momento, que até mesmo hoje, vivenciando o que vivencio, recordo-me de cada segundo nitidamente. Antônio colocou um dos dedos sobre os seus lábios e indicou-me para ficar em silencio. Eu o obedeci e permaneci onde estava, parado a sua frente. Não sabia ao certo como agir, nem tive certeza do que aconteceria naquele momento. Só soube o que fazer quando Rique sorrateiramente se aproximou de mim, por trás, e eu o senti beijar cada parte do meu pescoço como se fosse um vampiro pronto para abocanhar a sua vítima. Mantive-me quieto por alguns minutos, mas quando percebi que Antônio aos poucos se aproximava de mim, eu soube o que aconteceria. Na minha mente, era como se eu estivesse vivenciando um dos muitos filmes de baixa qualidade com atuações péssimas que assistia sempre que precisava me aliviar da minha tensão. Eu toquei Antônio, o pastor. Primeiro o seu peito farto, coberto de pelos, em seguida a sua virilha, e por fim, cheguei aonde queria chegar, o motivo de tudo aquilo que estava acontecendo ali. De uma forma ou de outra, eu havia aberto as portas para que aquela sequência de obscenidades acontecesse. Não gemíamos enquanto nos tocávamos. O silêncio foi crucial para que tudo se desenvolvesse. Quando virei para beijar Rique, eu o senti tão quente e inteiramente meu, vertendo o seu desejo para que eu o sugasse em sua saliva. Eu tive medo, mas fui assim mesmo, sem saber o que fazer, sendo guiado pelos meus instrutores. Antônio não se sentia tão à vontade quanto Rique, mas ele estava ali. Também não era tão carinhoso quanto o filho, mas estava ali e me tocou, me abraçou e me beijou, um beijo frio e ríspido. Talvez estivesse temeroso das consequências que aquilo poderia trazer-lhe, mas eu não liguei. Beijei-o, toquei-o e aproveitei para conhecer cada parte do seu corpo. Primeiro com as mãos, depois com a boca. O meu quarto exalava o odor do nosso tesão. Rique se acocorou atrás de mim e abaixou o meu short e minha cueca num movimento súbito. Eu estava completamente nu. Antônio se desfez das roupas que lhe cobriam a ereção e eu quis me acocorar para saboreá-lo, mas antes de fazer, senti a língua de Rique invadir-me por completo e me render. O outro homem me segurava e me olhava firme, fixo. Eu o sentia tão rude e tão absurdamente másculo, que ao passo que observava as caras e bocas que ele fazia, a excitação crescia. Eu pulsava, Rique me saboreava, e Antônio a minha frente era como a imagem que eu fazia dos ativos que eu queria em minha vida. Muito mais uma figura paternal que cuidaria de mim e saciaria a minha fome, que um homem que eu pudesse compartilhar os meus medos e anseios. Eu desconstruí tudo isso num momento crucial da minha vida, no entanto, naquele momento eu queria ser feito de bibelô de gigolô. A quentura me fazia verter o desejo por todos os meus poros, e num gesto súbito me joguei sobre Antônio e o beijei vorazmente, como se quisesse o devorar. Eu esfreguei meu corpo no seu, senti nossas babugens se misturarem e nossas ereções se provocarem. Eu queria que ele me pegasse no colo e me fizesse sentir a sua força, a sua virilidade, o seu potencial de macho. Eu queria beber do seu estereótipo e gozar da sua imagem. Contudo, antes que isso viesse a acontecer, senti Rique se colocar atrás de mim, de pé, e se esfregar, tentando abrir caminho em meus lugares mais recônditos. Instintivamente, eu abri as minhas pernas e permiti que ele se roçasse em mim, desejoso, molhado. E foi assim, que aos poucos ele se colocou, e o meu corpo deixou de me pertencer. Naquele momento, eu era de todo o mundo, e nunca mais seria tão meu quanto antes daquele ato. Nunca pensei que perder a virgindade fosse tão fácil, mas foi, e mesmo a dor sendo uma premissa para que o prazer se fizesse presente, foi incrivelmente bom. Foram solavancos, suspiros profundos, um pouco de dor, os beijos de Antônio e muita, muita babugem. Eu poderia jurar que saiam faíscas dos nossos corpos, mas éramos humanos demais para que aquilo acontecesse. E então todo aquele tesão me resumindo a um pedaço de carne repleto de instintos e a vontade de dar fim a tudo aquilo e ter uma história para contar. Rique anunciou o seu gozo, e sem saber como prosseguir, eu me toquei e antes que ele chegasse ao ápice, eu cheguei. Antônio fez o mesmo, e os seus jatos esguicharam em minha barriga. E aquilo foi necessário para que ele ficasse impregnado em mim, e nunca mais eu o esquecesse. Rique esguichou em minhas costas, e o seu gozo escorreu para as minhas nádegas, quente como lava. Ao fim daquilo, só nos restava a respiração descompassada, o silêncio que nos tornava cumplice e a necessidade que se fazia de nos limparmos e voltarmos aos nossos postos. Eu não precisava de explicações naquele momento. Eu havia acabado de ter uma experiência digna de filmes pornôs e só queria repassar tudo aquilo na minha mente mil e uma vezes. Quando encontrei os olhos de Rique, após termos acabado, ele sorriu. Eu sorri de volta, sem tanta certeza de que deveria mesmo sorrir. O semblante de Antônio continuou rígido. Ele me ofereceu uma toalha para eu me limpar e eu peguei- a titubeante. Após me desfazer do liquido que havia derramado em meu corpo, vesti-me e fiquei paralisado, olhando-os. — Acho melhor você ir agora. Amanhã nos falamos —Rique se aproximou do meu ouvido e sussurrou. Eu concordei com um gesto de cabeça e me retirei do quarto. Como um gato na surdina, voltei para o lugar a mim reservado e deitei. Antes de pregar o olho, repassei o que havia acontecido em minha mente por vezes seguidas, até que o sono fora mais forte e me venceu. Num átimo tudo tinha se tornado escuro e vazio, e eu agora já sabia como se fazia um homem. *** Um estrondo me assustou, fazendo com que eu acordasse. Não tive certeza do que era, e demorei a assimilar o que estava acontecendo, mas aos poucos identifiquei o barulho de pessoas murmurando e passos que iam de um lado a outro da minha casa. Ergui o corpo, e tentei divisar a figura do meu irmão em sua cama, contudo não o encontrei onde fiz juízo de que ele estaria. O burburinho de pessoas conversando aumentou. A curiosidade em descobrir o que estava acontecendo me impingiu a levantar. Guiei-me lentamente até a porta do quarto, e abri-a. Atravessei o cômodo e após passar pelo corredor que dava para a sala, meus olhos vislumbraram uma cena, no mínimo curiosa. Pastor Paulo estava sentado numa das poltronas, Antônio ao seu lado, parecia consolá-lo, pois mantinha uma das mãos no seu ombro e dizia- lhe palavras de conforto, que de onde eu estava não podia ouvir com clareza. Meus irmãos estavam a um canto da sala, olhando tudo aquilo demonstrando em seus semblantes estarem assustados, e meu pai, de pé na frente do pastor parecia não saber muito bem o que fazer diante das circunstancia. Assustei-me ao sentir o toque de uma mão em um dos meus ombros e voltei o meu olhar para trás. Encontrei a face de Rique e seu semblante desconcertado. A pergunta em mim que não queria calar, era o que diabos estava acontecendo ali. — O que houve? — indaguei a Rique. — Parece que as coisas não foram intensas e divertidas apenas por aqui... — falou reticente, interrompendo a frase, olhando de forma brusca para Antônio. O pastor estava com os olhos vidrados em nós dois, e algo em seu semblante parecia reprovar a nossa aproximação. Sem tantas delongas, apesar de que todo esse suspense deixa as coisas muito mais interessantes, o que tinha acontecido, e eu ouvi isso da boca do Rique, alguns minutos depois, foi o seguinte. — Parece que o seu pastor, encontrou a mulher numa relação bem intima com o primo. Apertei os olhos, pasmo, mas não tão inocente diante do que se apresentava a mim. Contudo, a única reação que consegui esboçar a o que ouvira, foi uma gargalhada, que tive que conter, pois todos no cômodo voltaram os olhos para mim. É certo que na igreja eu já havia observado os modos como Jandira tratava o primo, que lhe era como um irmão, segundo o próprio marido. Entrementes, fiquei extremamente surpreso com o acontecido. — Sua mãe foi a casa deles, ter uma conversa com Jandira e ver o que pode ser resolvido disso tudo. O pastor veio pra cá porque tentou agredir a mulher — Rique concluiu o caso sussurrando para que os outros não nos ouvissem. — Que merda! — E são três da manhã, eu estou cansado. Você me deixou cansado, preciso dormir — fitei os meus olhos nos dele e sorri. Achei o seu comentário desnecessário, mas de alguma forma gostei de ouvir aquilo e constatar que tudo o que tinha feito foi real. As coisas não se resolveram naquela noite, e nem no outro dia, e tudo virou um burburinho na igreja durante uma semana ou mais. Não sei ao certo quantos dias demorou para o pastor aceitar novamente a Jandira como sua esposa, perdoá-la e receber oficialmente de mim e meus irmãos o título de corno conformado. O evento do domingo na igreja não foi cancelado. Apesar dos pesares, para os outros fieis, o caso foi abafado. E tudo graças ao Antônio, que no dia seguinte, usou de sua sapiência para conduzir os festejos sem levantar suspeita. O pastor, para todos os efeitos, fora acometido por uma terrível crise no estômago, e estava sendo cuidado pela sua esposa. No domingo, eu também não tive muito contato com Antônio e Rique, apesar da troca de olhares. O mais velho sempre ríspido, o mais novo com um semblante acalentador e com um olhar que já se fazia de casa para os meus anseios. Não obtive explicações sobre o que havia acontecido comigo e eles na noite anterior, e como eu disse, não precisava de muito para aceitar que eu adorei ter vivenciado aquilo. As interrogações permaneceram por muito tempo em minha cabeça, e eu só vim a ter sabença de tudo, quando encontrei Rique anos depois. Eu não confiei em suas palavras quando em nossa despedida, ele me disse, com os olhos fixos nos meus. — Estou indo, espero que nos encontremos novamente. Serei muito grato se poder ter você outra vez — soou romântico e foi desconcertante. Antônio ofertou-me apenas um aperto de mão, um sorriso e um olhar não perverso, mas desejoso, que se colocou sobre mim e me abateu por dentro. Foi como se ele exigisse a minha submissão para fazer de mim o que bem entendesse. E eu confesso que nesse momento, me excitei. Senti a ereção ganhar forma num ímpeto, mas tratei de contê-la. Eles se foram assim como vieram, no entanto, passaram de hóspedes indesejados para desejosos e bem quistos por mim. E talvez, eu tenha gostado, não tanto quanto de fazer sexo, de narrar essa história. Não que eu me sinta confortável com o fato de expor a minha vida, mas quando eu liguei este computador e me pus a digitar, eu tinha um objetivo e aqui está ele, chegando ao fim. Contudo, acho que ainda existe muito mais a ser dito. Eu sou um continente a ser explorado. E como falou Rique, anos depois do que vivenciamos, num momento em que o encontrei novamente, tudo o que você é, com suas falhas e vivências, te torna especial. Você é um universo, neste caso e agora o meu sol. E talvez eu queira orbitar ao seu redor, como um planeta. Mas isso é caso para outra hora, antes de tudo isso, eu tenho outro episódio da minha vida a narrar. A luxúria sempre foi minha companheira, voluptuosos os homens me serviram, e hoje estou onde estou por minha culpa e por seus caprichos, mas tudo bem é divertido reviver cada parte do meu passado como se eu fosse um expectador, voyeur dos meus próprios atos.