Sie sind auf Seite 1von 2

315

O que é bioética. Débora Diniz & Dirce Guilhem. análise de situações de conflito moral que mesmo
Brasiliense, São Paulo, 2002, 69pp. uma discussão teórica sobre como mediar essas
situações.
Marcelo Medeiros A Introdução é breve, apresenta essa estraté-
Universidade de Brasília (doutorando em sociologia) gia de discussão teórica e não-casuística, mas a
primeira nota de rodapé é significativa para a pes-
A Coleção Primeiros Passos fez parte da forma- quisa científica brasileira. Uma das autoras agra-
ção acadêmica de algumas gerações de profissio- dece a um parecer anônimo de publicação, rece-
nais no Brasil. A mais recente publicação, o livro O bido em meados dos anos 1990, por tê-la condu-
que é bioética, será um marco para todos aqueles zido à bioética. Esse é um ponto importante e que
que se interessam ou pesquisam bioética. Manten- raramente é discutido na educação superior no
do a linha editorial da coleção, que prima pela lin- Brasil: o papel ocupado pelos editores e parece-
guagem simples e pelo compromisso com a dis- ristas de revistas científicas. Não sei quantos leito-
cussão teórica de qualidade, o livro preenche uma res perderão alguns minutos nesse rodapé, mas,
lacuna importante do mercado editorial brasi- no meu caso particular, esse foi um dos pontos que
leiro em bioética, que carece de publicações em mais me chamou atenção no livro, ou seja, o pa-
língua portuguesa. pel fundamental ocupado pelos anônimos educa-
As autoras do livro, Débora Diniz e Dirce Gui- dores das revistas científicas para a promoção ou
lhem, são conhecidas na comunidade bioética na- mesmo definição da pesquisa no país (o que Ar-
cional e internacional. Débora Diniz foi a primei- thur Meadows chama por gatekeepers da pesquisa
ra pesquisadora brasileira, premiada internacio- científica). Se o livro tem mérito, esse mérito tam-
nalmente pelas pesquisas em bioética (recebeu bém é do periódico responsável por este parecer, os
prêmios da Organização Pan-Americana de Saúde Cadernos de Saúde Pública, um dos mais sérios na
e da International Network on Feminist Approa- pesquisa em saúde pública no Brasil.
ches to Bioethics), além de ser autora de vários li- O primeiro capítulo, o mais histórico e des -
vros. Dirce Guilhem é conhecida por sua atuação critivo de todos, chama-se “O nascimento da bioé-
educativa no campo da bioética e da enfermagem, tica”. Nele, Diniz e Guilhem descrevem desde a
além de ser representante de bioética dos mais im- criação do neologismo bioética por Van Rensse-
portantes órgãos oficiais ou associativos de bioé- laer Potter até os principais eventos e fatos que
tica no país, como a Comissão Nacional de Ética marcaram o surgimento acadêmico da bioética
em Pesquisa (Conep) ou a Sociedade Brasileira de nos Estados Unidos, entre os anos de 1960 e 1970.
Bioética (SBB). As controvérsias sobre a paternidade do conceito
O livro está dividido em quatro capítulos, além bioética, se teria sido realmente Potter o criador,
da introdução e conclusão. Segundo as autoras, o ou Warren Reich, pela primeira institucionaliza-
objetivo do livro é ousado: ...este livro redirecio- ção da bioética em uma universidade americana,
na o estilo tradicional de apresentação da bioéti- são apresentadas neste capítulo. Além dessa dis-
ca no Brasil, optando por partir das teorias e de puta acadêmica sobre quem seria o patrono da
suas críticas, o que permite ao leitor se familiari- bioética estadunidense, um tema que foi reacen-
zar com o assunto e refletir sobre as situações de dido após a morte de Potter, em 2001, o capítulo
conflito moral..., ou seja, ao contrário das estra- discute ainda a influência dos movimentos sociais
tégias tradicionais de apresentação da bioética, o organizados para o surgimento da bioética.
livro opta por abandonar a sedução da casuística Muito embora seja um capítulo de revisão his-
bioética e parte para a sedimentação teórica da tórica, as autoras introduzem o que acredito seja
disciplina. O resultado é que o leitor se depara com a definição de bioética utilizada no livro: ...por ser
um panorama histórico e analítico do surgimen- a bioética um campo disciplinar compromissado
to e da consolidação da bioética nos Estados Uni- com o conflito moral na área da saúde e da doen-
dos, principal país de pesquisa bioética, e no Bra- ça dos seres humanos e dos animais não-humanos,
sil. seus temas dizem respeito a situações de vida que
Mas o que quer dizer abandonar a casuística nunca deixaram de estar em pauta na história da
bioética? Segundo as autoras, os pesquisadores de humanidade... Define-se bioética com um discur-
bioética no Brasil discutem ou escrevem sobre as so político e acadêmico sobre o conflito moral em
situações de conflito moral da bioética, havendo saúde, isto é, os temas bioéticos são, por defini-
pouco espaço para a discussão teórica sobre os ção, questões onde não existe consenso moral. Os
fundamentos da disciplina. Regra geral, os pes- temas do aborto ou da eutanásia são alguns des-
quisadores brasileiros da bioética analisam casos, ses exemplos.
como o aborto ou a eutanásia, definindo-se como O segundo e o terceiro capítulos, “A consoli-
importadores de teorias dos países onde a pesqui- dação acadêmica da bioética” e “As primeiras pers-
sa bioética encontra-se mais avançada. Essa afir- pectivas críticas”, certamente, serão os mais dis-
mação das autoras pode ser comprovada pelo re- cutidos pelos leitores do livro, pois nele se anali-
gistro bibliográfico recém-publicado, Bibliogra- sa a influência e as críticas mais comuns à teoria
fia bioética brasileira: 1990-2002, na qual se tem principalista. A teoria principalista, originalmen-
um panorama da produção intelectual brasileira te desenvolvida por Tom Beauchamp e James Chil-
em bioética: sim, a bioética brasileira é antes uma dress, no livro Princípios da ética biomédica, foi
316

um marco para a institucionalização da bioética tuguês, a produção bibliográfica brasileira pratica-


nos Estados Unidos e ao redor do mundo. A teo- mente ignora as idéias de ambos os autores, havendo
ria principalista, alcunha pela qual ficou conhe- uma clara preferência pelo principalismo. Diniz e Gui-
cida a teoria dos quatro princípios éticos, ainda lhem não discutem esse traço da identidade da biblio-
hoje é uma teoria hegemônica em países de pes- grafia bioética brasileira, sendo um ponto interessan-
quisa bioética mais tardia, como é o caso do Bra- te a ser analisado em pesquisas futuras.
sil. Segundo as autoras, a proposta do livro era se- O mais interessante do capítulo é, no entanto, a
dutora em um duplo sentido: primeiro, permitia discussão das perspectivas feministas para bioética.
uma tradução do discurso filosófico para os pro- Feminismo na bioética é uma categoria analítica, um
fissionais da saúde, principal público-alvo da bioé- campo de pesquisa em filosofia aplicada, e que as au-
tica, e, em segundo lugar, era de fácil aplicação em toras assumem, sem receio, sua filiação. Diniz e Gui-
situações de conflito moral. A popularização da lhem são pesquisadoras feministas da bioética, den-
teoria principalista foi tão grande que, em finais tre as precursoras desse movimento teórico no Bra-
dos anos 1990, surgiu um movimento de crítica à sil. Portanto, essa sessão do livro tem não apenas um
teoria principalista. mérito teórico, ao apresentar idéias e autoras inter-
Na análise das teorias críticas ao principalis- nacionais desconhecidas para a bioética brasileira,
mo estão alguns dos argumentos mais originais mas principalmente um papel histórico no país, ao
do livro. As autoras discutem autores e perspecti- reconhecer a bioética feminista como um dos campos
vas analíticas para a bioética que, raramente, são sólidos e legítimos da pesquisa bioética internacio-
citados no contexto brasileiro. Autores japoneses, nal.
filipinos e o que há de melhor no Brasil é discuti- A conclusão do livro é breve como a introdução,
do como parte da crítica principalista. É nessa ses- mas assume um tom nostálgico sobre o desafio inter-
são que pela primeira vez surge a defesa de pers- nacional de a bioética constituir-se como a narrativa
pectivas culturalistas para o discurso bioético, sobre os conflitos morais em saúde. As autoras reco-
uma marca registrada das autoras e já discutido nhecem que o desafio bioético não é simples, tampou-
em outras publicações, como Conflitos morais e co fácil de ser executado, chegando, até mesmo, a dizer
bioética. Diniz e Guilhem defendem a importância que “...lidar com os temas bioéticos não é uma tarefa
da sensibilidade etnográfica dos pesquisadores da agradável...” Como saída para esse impasse, o princí-
bioética como forma de aproximá-los dos valores pio ético da tolerância é posto como o mecanismo que
e crenças de cada comunidade envolvida no confli- poderá possibilitar a consolidação da bioética em uma
to moral. Esse é um argumento muito próximo perspectiva global.
das idéias de Tristram Engelhardt, tema do quar-
to capítulo do livro, “Outros autores, outras Referências bibliográficas
idéias”. Muito embora a edição do livro seja pri-
morosa, o nome de Tristram Engelhardt foi gra- Beauchamp TL & Childress JF 1979. Principles of bio-
fado de forma equivocada (no livro está Tristam, medical ethics. Oxford University Press, Nova
ao invés de Tristram). O capítulo quarto é o mais York.
ousado do livro. Nele, as autoras discutem a in- Braga KS 2002. Bibliografia bioética brasileira: 1990-
fluência de Engelhardt, de Peter Singer, e das pers- 2002. Letras Livres, Brasília.
pectivas feministas para a consolidação da bioé- Diniz D 2002. Conflitos morais e bioética . Letras
tica. Os dois primeiros autores, Engelhardt e Sin- Livres, Brasília.
ger, são conhecidos da bioética brasileira, pois são Engelhardt HT 1998. Fundamentos da bioética. Loy-
dos poucos autores internacionais da bioética tra- ola, São Paulo.
duzidos para a língua portuguesa. A escolha dos Meadows AJ 1999. A comunicação científica. (Trad. de
dois autores não se deu apenas pelo fato de ambos Antônio Agenor Briquet de Lemos). Briquet de
encontrarem-se traduzidos no Brasil, mas prin- Lemos Livros, Brasília.
cipalmente pela permanência e importância no Singer P 1993. Ética prática. Martins Fontes, São Paulo
debate bioético internacional de suas idéias. O cu-
rioso é que, muito embora parte da publicação de
Engelhardt e Singer esteja traduzida para o por-

Das könnte Ihnen auch gefallen